A la escuela, sin armarios
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A la escuela, sin armarios
Cultura Visual e Educação Organizador Prof. Dr. Anderson Ferrari Educação em Foco Juiz de Fora - MG - Brasil ISSN 0104-3293 Ed. Foco Juiz de Fora v. 18 n. 2 p. 1-312 jul. / out. 2013 Reitor: Henrique Duque de Miranda Chaves Filho Vice-reitor: José Luiz Rezende Pereira Diretor da Editora: Antenor Salzer Rodrigues Diretora da Faculdade de Educação: Prof a Dr.a Diva Chaves Sarmento Endereço para correspondência: Educação em Foco Faculdade de Educação / Centro Pedagógico Campus Universitário da UFJF CEP 36036-330 - Juiz de Fora MG Telefone/Fax: (32) 3229-3653 / 3229-3660 / 3229-3656 E-mail: [email protected] / [email protected] Home Page: www.ufjf.edu.br/revista.edufoco Editora UFJF Rua Benjamin Constant, 790 Centro - Juiz de Fora - MG CEP 36015-400 TELEFAX: (32) 3229-7646 / 3229-7645 [email protected] / [email protected] www.editoraufjf.com.br Revisão de Português/Inglês Fabricio Tavares de Moraes Ficha Técnica Revisão Geral Jane Aparecida Gonçalves de Souza Studio Editora UFJF Diagramação e Arte da Capa Tamara Nogueira Indexadores: http://www.geodados.uem.br http://ibict.br/comut/htm www.inep.gov.br www.bve.cibec.inep.gov.br Web Qualis: www.qualis.capes.gov.br www.latindex.unam.mx Ficha Catalográfica EDUCAÇÃO EM FOCO: revista de educação Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Educação / Centro Pedagógico Educação em Foco, v. 18, n. 2 jul. / out. 2013 Semestral 312 p. v.1, n.1, jan./jun. 1995 Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013 ISSN 0104-3293 1. Educação - Periódicos, 2. Ensino - Pedagógico CDU 930 (05) Educação em Foco Conselho Editorial Executivo Prof. Dr. Marlos Bessa Mendes da Rocha (Editor-Chefe) Prof. Dr. Carlos Henrique Rodrigues Prof.ª Dr.ª Daniela Auad Prof. Dr. Daniel Cavalcanti Albuquerque Lemos Prof.ª Dr.ª Luciana Pacheco Marques Profa.ª Me. 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Fávero - UFF Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Assunção Freitas - UFJF Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Eglér Mantoan - UNICAMP Prof.ª Dr.ª Marisa Bittar - UFSCar Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrósio - UNICAMP Prof.ª Dr.ª Neuza Salim - UFJF Prof.ª Dr.ª Nilda Alves - UERJ Prof. Dr. Osmar Fávero - UFF Prof.ª Dr.ª Rosemary Dore Heijmans - UFMG Prof.ª Dr.ª Rosimar de Fátima Oliveira - UFMG Prof. Dr. Rubem Barbosa Filho - UFJF Prof.ª Dr.ª Sandra Zakia - USP Prof.ª Dr.ª Sonia Maria de Castro Nogueira Lopes - UFRJ Prof.ª Dr.ª Terezinha Oliveira - UEM Prof. Dr. Tiago Adão Lara - UFU Prof. Dr. Wenceslau Gonçalves Neto - UFU Sumário Apresentação......................................................................11 Eixo Temático O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo............................................19 Ana Mae Barbosa Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: considerações em torno do texto Le problème des musées.................................53 Roberto Carvalho de Magalhães Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad...............................85 Aida Sánchez de Serdio Martín Los niños con los niños y las niñas con las niñas: una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia......................................................119 Fernando Herraiz García A la escuela, sin armarios..................................................141 Anderson Ferrari Roney Polato de Castro Fotografía y cultura politica: carnaval y samba en el foco de la buena vecindad................................................................171 Ana Maria Mauad O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de história.............................................................................189 Josep María Caparrós-Lera Cristina Souza da Rosa Outras Contribuições Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: municipalização e novas configurações..........................................................213 Ana Maria Cavaliere Lígia Martha Coelho Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem.....243 Sandra Cristina Oliveira da Silva Sheyla Cavalcante de Arruda Telma Ferraz Leal Resenha Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação.........271 Gabriela Silveira Meireles Resumo das Dissertações A(Contra) Reforma da Educação Pública em Minas Gerais: o programa de avaliação da rede pública de educação básica/ PROEB em análise...........................................................287 Josiane Cristina dos Santos As condições do trabalho docente e o processo ensinoaprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental...289 Glaúcia Fabri Carneiro Marques Práticas Alfabetizadoras: ressignificando a questão metodológica....................................................................291 Mary Luci Silva de Paula Blogs Literários nas aulas de Língua Portuguesa: uma possibilidade de autoria....................................................293 Maria Leopoldina Pereira Brincar(es) na infância: possibilidades no contexto da doença falciforme e hemofilia.......................................................295 Luciana da Silva de Oliveira Estágio Supervisionado, espaço e tempo de formação do pedagogo para a atuação profissional................................297 Geiza Torres Gonçalves de Araújo Argumentação e Direito: as contribuições da argumentação para o ensino de direito....................................................299 Johnny Marcelo Hara Qualidade dos principais indicadores educacionais para o ensino básico no Brasil.....................................................300 Gilson Luiz Bretas da Fonseca O papel do diretor na implementação do PDE escola: experiências em Juiz de Fora.............................................301 Liane Miranda Silva Ramos Summary Presentation.......................................................................11 Thematic The teaching of art and design when it was called drawing: Fernando de Azevedo reform..............................................19 Ana Mae Barbosa A “lecture” on museum studies by paul valery considerations around the text Le problème des musées................................53 Roberto Carvalho de Magalhães Territories of collaboration: art-educational negotiations in the school, the museum and the community......................85 Aida Sánchez de Serdio Martín Boys together with boy and girls together with girls: an autoethnographic reflection on the masculinity learnings based on the difference.....................................................119 Fernando Herraiz García To the school without any closets.....................................141 Anderson Ferrari Roney Polato de Castro Photography and political culture: carnival and samba through the good neighborhood lens.............................................171 Ana Maria Mauad The cinema school: a methodology for teaching history....189 Josep María Caparrós-Lera Cristina Souza da Rosa Other Contributions CIEPs’ trajectory in Rio de Janeiro: municipalization and new configurations..................................................................213 Ana Maria Cavaliere Lígia Martha Coelho Alphabetizer teachers: what they say and what they do.....243 Sandra Cristina Oliveira da Silva Sheyla Cavalcante de Arruda Telma Ferraz Leal Apresentação CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO Anderson Ferrari Entre las revoluciones en la educación durante los últimos veinticinco años se cuenta una explosión del interés por la cultura visual…El objeto de un curso de cultura visual…sería ofrecer a los estudiantes un conjunto de herramientas críticas para la investigación de la visualidad humana, no transmitir un cuerpo específico de información y valores (MITCHELL, 2000, p. 210). Nesta epígrafe, Mitchell ressalta dois aspectos da constituição da cultura visual como campo de conhecimento e como disciplina que dialogam com esse número temático, a saber, o contexto no qual surgiu e os desafios e potencialidades dessa nova e “revolucionária” área de estudos. Constituindose como disciplina em diferentes universidades brasileiras e estrangeiras, – os “Estudos de Cultura Visual” – vêm tomando a expressão “Cultura Visual” como campo e objeto de estudo. Mais do que isso, eles têm despertado uma “explosão” de interesses, o que faz com que seja algo atual, além de um campo em construção. Neste sentido, a Educação está implicada na construção deste “novo” campo e objeto de estudos, desde a sua origem. A revista Educação em Foco com esse número vem somar, no conjunto dos artigos, ao fortalecimento da relação entre Cultura Visual e Educação, buscando contribuir para o debate apostando nas problematizações em torno do caráter híbrido e pluridisciplinar que envolve os encontros possíveis entre essas duas áreas de conhecimento. Um número temático que começou a ser construído nas trocas realizadas no interior da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona por ocasião do meu estágio de Pós-doutorado. Nesse ambiente de estudo, especialmente Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 11-16, jul. / out. 2013 12 junto ao Professor Doutor Fernando Hernández, co-diretor do Centro de Estudios sobre el Cambio en la Cultura y la Educación (CECACE) e membro do Grupo de Investigación Consolidado ESBRINA “subjetividades y entornos educativos contemporâneos”, pude ampliar meus interesses acadêmicos na discussão dos conceitos e métodos que derivados de outras disciplinas podem ser estimulantes e mesmo perigosos no diálogo multidisciplinar da Cultura Visual. Investindo e acreditando na importância desse debate, apresentamos um conjunto de artigos de autores de diferentes áreas de conhecimento que tomam algum aspecto da Cultura Visual como detonador da discussão em torno da Educação. Mais do que isso, artigos e autores que evidenciam a inexistência de uma “única” visão da relação entre Cultura Visual, cinema, artes, museus, educação, enfim, práticas artísticas que são tomadas como discursivas, atravessadas por relações de poder, construídas historicamente e culturalmente e que têm efeitos na maneira como vemos as imagens, como nos vemos através delas e como elas nos veem. Reconhecer as potencialidades e desafios dessas discussões me parece um passo importante para a construção de práticas diferentes que nos ajudem a colocar sob interrogação os sentidos da educação, das artes e da cultura visual. No artigo que abre esse número temático, a professora Ana Mae Barbosa insere o Ensino da Arte e do Design no âmbito dos Estudos Culturais. Intitulado “O Ensino da Arte e do Design quando se chamava Desenho: Reforma Fernando de Azevedo”, a autora “defende a necessidade de conhecimento histórico como defesa contra o neo-colonialismo que espreita a cultura dos países que, à semelhança do Brasil, começam a ser bem sucedidos economicamente”. A partir de uma pesquisa realizada em jornais no período de 1922-1948, nos aproxima da reforma educacional que, segundo ela, pode ser considerada como a mais radical do Brasil, a Reforma Fernando de Azevedo (1927 a 1930). Nesta reforma, o ensino do Desenho como Arte e Design foi uma das suas propostas centrais, suscitando intenso debate e crítica. Analisando os resultados desse contexto, o artigo termina explicitando a importância dos Trabalhos Manuais na mesma reforma. Na sequência, o professor de História da Arte e Museologia, Roberto Carvalho de Magalhães, desenvolve um texto a partir de um artigo de Paul Valéry. A partir do texto do ensaísta francês sobre museus, o autor estabelece como foco da escrita a ideia “de que as obras de arte em um museu são como crianças órfãs, que perderam sua mãe, a arquitetura”. Como o título “Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto Le problème des musées”, Roberto de Magalhães antes de explorar o texto de Valéry, se dedica a uma breve exposição da relação entre literatos e crítica de arte, sobretudo na França. Para explicitar melhor sua intenção, diz o autor: “Tornando explícito o que Valéry deixa embutido nas entrelinhas, o autor faz uma análise das relações com a arquitetura que estão na gênese das obras de arte visual e que não são levadas em consideração nos museus tradicionais, limitando a experiência ótico-física e inteletiva das obras por parte dos observadores”. “Territorios de colaboración: negociaciones educativasartísticas en la escuela, el museo y la comunidad” é o artigo escrito pela professora da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona — Aida Sánchez de Serdio Martín. Nele a autora centra sua atenção na discussão da Educação Artística entendida como colaboração entre diferentes agentes, algo que permite a emergência de distintas definições de saber, ensino e aprendizagem. “Colaboración no significa aquí necesariamente consenso sino más bien negociación, disenso y antagonismo”, afirma a professora Aida. No artigo temos ainda a oportunidade de ver explorados diversos contextos para a prática educativa colaborativa, tanto em escolas, como em outros espaços de ensino-aprendizagem como museus e espaços comunitários. Ao final podemos concordar com a autora, no seu argumento principal, de que essa discussão nos possibilita pensar e articular projetos colaborativos nestes 13 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 11-16, jul. / out. 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 11-16, jul. / out. 2013 contextos sem perder de vista as tensões institucionais e políticas. O professor de Pedagogias Culturais Fernando Herraiz García nos apresenta outra articulação em torno da relação Cultura Visual e Educação. No artigo “Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia”, somos convidados a refletir as masculinidades como aprendizagens culturais. Tomando o contexto escolar espanhol como foco, em que a diferença e segregação entre meninos e meninas são elementos significativos, o autor busca perceber essas formas de ser e estar dos gêneros como determinadas pela ordem simbólica e divisão dos espaços. “A partir de un trabajo de investigación autoetnográfico, trato de comprender algunos de los dispositivos emergentes propios de la escuela y los espacios donde los chicos negociábamos nuestros masculinidades en el curso de educación infantil cuando tenía entre 4 y 6 años”. Tomando uma imagem como título, os professores Anderson Ferrari e Roney Polato de Castro assumem o poder da imagem como discurso. A partir de um cartaz produzido por um grupo GLBTT para a Parada do Orgulho Gay de Madrid, os autores buscam problematizar a presença das imagens na constituição das nossas subjetividades. “É esse aspecto que nos interessa como questão central: como as imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à cultura, às imagens e aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos sentidos e significados que vamos dando às coisas e pessoas”. 14 Na articulação entre memória, identidade, alteridade e imagens, o artigo da professora Ana Maria Mauad – “Fotografia y Cultura Política: Carnaval y Samba en el foco de la buena vecindad” – analisa a produção fotográfica realizada pela estadunidense Genevieve Naylor, enviada para fotografar o Brasil no cenário da Política de Boa Vizinhança. Ao se debruçar sobre esta produção imagética, Ana Mauad chama atenção para alguns aspectos da relação entre memória, identidade, alteridade e imagens, dentre eles, aquela que: “enfatiza en el analisis la presencia negra en las imágenes de la buena vecindad por el medio de la noción de íntertexto, según la cual las formas narrativas o discursivas elaboradas en la dinámica social se apoyan y condicionan unas a las otras”. Os professores Josep María Caparrós Lera e Cristina Souza da Rosa no artigo “O cinema na escola. Uma metodologia para o ensino de História”, partem da afirmação de que o “emprego do cinema nas aulas de história é uma prática conhecida e consolidada” para questionar que, independentemente desta presença, ele não está livre de dificuldades. Dedicando-se a analisar a relação entre o Cinema, História e Educação, os autores nos apresentam ao longo do texto alguns desafios e potencialidades da articulação entre essas áreas do conhecimento sem a pretensão de sanar ou mesmo resolver problemas práticos, mas investindo na problematização como armas que ajudem os professores nas práticas diárias. Mais do que isso, o artigo toma um momento importante da História do Brasil e da aproximação entre cinema e educação para desenvolver seus argumentos. “Em 1930, no Brasil, o uso do cinema e sua introdução na escola foi o centro de um longo debate promovido por professores, intelectuais e governo. O resultado foi a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) destinado a produzir filmes educativos. Desde então, muita coisa mudou, mas o cinema não deixou a sala de aula nem as aulas de história”. 15 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 11-16, jul. / out. 2013 Referência MITCHELL, W. J. T. ¿Qué es la cultura visual? Traducción del texto “What Is Visual Culture?” In: LAVIN, Irving (Ed.). Meaning in the Visual Arts: Essays in Honor of Erwin Panofsky´s 100th Birthday. Pricenton: Institute for Advance Studies, 2000. p. 207-217. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 11-16, jul. / out. 2013 16 Eixo Temático O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Ana Mae Barbosa1 Resumo Este artigo coloca o Ensino da Arte e do Design no âmbito dos Estudos Culturais e defende a necessidade de conhecimento histórico como defesa contra o neo-colonialismo que espreita a cultura dos países que, à semelhança do Brasil começam a ser bem sucedidos economicamente. Usando pesquisa feita em jornais entre 1922 a 1948, discorre-se a respeito da reforma educacional considerada a mais radical já realizada no Brasil, a Reforma Fernando de Azevedo (1927 a 1930). O ensino do Desenho como Arte e Design foi um dos valores centrais desta reforma. Fernando de Azevedo foi atacado de todos os lados começando pela obrigatoriedade de exame de Desenho para a entrada na Escola Normal. Também se procurou desarticular as lideranças das professoras que o apoiavam exigindo celibato para as professoras. O artigo termina explicitando a importância dos Trabalhos Manuais na Reforma Fernando de Azevedo. Palavras-chave: Ensino da Arte. Desenho. Design. Reforma Fernando de Azevedo. Hoje ensino na Universidade Anhembi Morumbi no Curso de Mestrado em Design, Arte, Moda e Tecnologia, dedicando-me à disciplina História do Ensino da Arte e do Design e, provavelmente, em 2012, lecione mais uma disciplina sobre Estudos Visuais. O encontro com Anna Maria Guasch na ANPAP de 2011 muito me estimulou na direção de enfrentar esta nova 1 Professora Titular da USP e da Anhembi Morumbi. [email protected] Ana Mae Barbosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 20 tarefa. Sua palestra salientou o valor da história para entender o presente e projetar o futuro. Durante um jantar à beira da belíssima Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio, ela falou de suas preferências conceituais e dos artistas que mais admira de tal forma que me identifiquei com suas preferências, assim como já havia me identificado com as armas de luta contra o do uso da Arte como instrumento de poder que seu amigo José Luis Brea havia manejado. Brea me foi introduzido em 2005 por minha aluna Jociele Lampert. Comuniquei-me com ele que, por sua vez, se mostrou encantado em vir ao Brasil, mas infelizmente antes de formalizar sua vinda ele morreu. Lamentável perda. Tenho sido muito estimulada para pesquisar a história do Ensino da Arte, do Design e dos Estudos Visuais no Brasil, como forma de contraposição ao esforço que alguns programas de pós-graduações recentes vem fazendo no intuito de eliminar a nossa HISTÓRIA e delimitar muito estreitamente o campo da Cultura Visual. Coincidentemente a exclusão do Design do âmbito da Cultura Visual vem sendo praticada sem argumentação pelos mesmos que pretendem destruir a História. Embora saiba que estou fazendo inimigos ferozes continuarei lutando pela abertura do âmbito dos Estudos Visuais no Brasil. Nos Estados Unidos a situação é diferente. Participei de uma mesa redonda na Annual Conference da NAEA em Seattle em 2011 e pude observar que esse ano na NAEA as mesas sobre Art and Design Education foram as mais concorridas. Cultura Visual já não é algo discutível, já está assimilada na Arte/Educação americana, pois seus estudos foram integrativos com respeito à história e àqueles que faziam Cultura Visual antes da Cultura Visual ter este nome. Desde os primórdios do modernismo houve arte/ educadores americanos como Belle Boas (anos vinte na Columbia University) que integraram diferentes meios produtores de imagens ao ensino da Arte e estenderam o campo de sentido da Arte para a Antropologia e os meios de comunicação. A grande preocupação agora é com Arte e Design na Educação. Deste tema falaram Kerry Freedman, Mary Ann Stankiewicz e Robin Vande Zander. Foi uma mesa excelente. Começou com a História do ensino da Arte e do Design na Escola Normal de Massachusetts hoje Massachusetts College of Art, instituição onde eu cursei uma disciplina durante meu doutorado. Falaram de Walter Smith que influenciou o mundo todo no início do século XX, da Nova Zelândia ao Brasil2. Foi analisada também a Revista School Arts por Robin Zander demonstrando que esta preocupação com o Design sempre esteve subjacente ao ensino da Arte nos Estados Unidos. Tenho buscado provar através de pesquisas que no Brasil também foi assim. A frase com a qual Kerry Freedman, a grande dama da Cultura Visual, terminou sua fala ecoou por todo o Congresso, todos os outros dias: “Art and Design Education is Visual Culture”. A África do Sul vem defendendo com grande ênfase Art e Design Education no currículo. Há dois anos em um Congresso no Brasil sobre Design, organizado por Mônica Moura, um professor Sul Africano disse que em sua universidade o número de professores de Design Education era quase o triplo do número de professores de outras áreas do Design. Quando perguntei “por que?”, ele respondeu que era política do governo. Portanto a nova onda em direção ao ensino da Arte e do Design não recomeçou nos países ricos, mas em um país ainda em desenvolvimento. A crise está obrigando os países ricos a reverem suas posições. 2 BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 2. ed. SP: Editora Perspectiva, 1986. E PERES, José Roberto Pereira. “Nerêo Sampaio: a importância do Ensino das Artes na formação do professor primário”. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Magistério dos anos iniciais do Ensino Fundamental com ênfase em Educação de Jovens e Adultos) - Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 21 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Ana Mae Barbosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 22 Termino aqui meu argumento afirmando em consonância com Kerry Freedman que Design é Cultura Visual, ou melhor, é parte integrante dos Estudos Visuais. A ignorância sobre nossa história está fazendo professores que orientam outros professores a negarem as raízes sociais e políticas do ensino da Arte e do Desenho no Brasil nas Escolas Primárias e Secundárias no Brasil. O Projeto para ensino do Desenho de Rui Barbosa foi o mais detalhado e mais bem embasado que se apresentou à legislação brasileira até hoje. Usávamos a mesma palavra “DESENHO” para designar desenho artístico e design. Só na década de sessenta com as discussões para a criação da ESDI passamos a usar desenho para a arte e design para projeto. A proposta de Rui Barbosa nunca chegou a ser aprovada oficialmente, mas como ele foi várias vezes candidato a presidente do país e sua bandeira eleitoral era a educação, seu projeto como agenda escondida resistiu nas escolas brasileiras até os inícios da década de 1980, portanto quase cem anos. Quem se lembra das rosáceas, das gregas, das frisas decorativas, do processo de ampliação de figuras quadriculando o papel? Tudo isto que entrou em nossa cultura visual pedagógica pelas mãos de Rui Barbosa tinha como objetivo a preparação para o trabalho. Era design, antes do design. O interesse era social e político. Havia um boom da construção civil e os liberais lutavam pela abolição da escravatura. Queriam que a Escola Pública e as oficinas preparassem os escravos recém- libertos em Desenho Decorativo e Desenho Gráfico para serem especializados e bem pagos. Podemos questionar a visão política e social da época, mas não podemos dizer que a preocupação do Ensino da Arte com o social só surgiu na década de noventa do século XX por influência da Cultura Visual, conforme afirmou um orientador de mestrado e doutorado em artigo da Revista Digital Invisibilidades. Rui Barbosa e André Rebouças podem ter sido esquecidos pelos que ignoram e desprezam HISTÓRIA, mas as ONGs que estão aí batalhando pelos excluídos serem varridas da HISTÓRIA é mera destruição. Elas desempenham um papel tão evidente em nossa sociedade que não dá para esquecê-las. Todas as ONGs que são eficientes na reconstrução social de crianças, jovens e adultos trabalham com Arte desde os anos cinquenta do século passado. Nesta época no Recife fui testemunha do trabalho com Arte de Solange Costa Lima com as crianças pobres de Olinda e eu própria trabalhei com crianças dos alagados do Recife orientada por Paulo Freire. O ensino da Arte e do Desenho para a Escola Primária e Secundaria Pública pouco tem a ver com o “beletrismo”. Para criticar o ensino das Belas Artes estão falhando na análise critíca de nossa educação estética como um todo. Mesmo o ensino das Belas Artes já na década de sessenta do século XX se beneficiou da revolução pedagógica do Ensino Universitário de Arte da Universidade de Brasília liderada no ICA por Dr. Alcides da Rocha Miranda, um dos meus mentores, que atualizou e contextualizou princípios da Bauhaus no Brasil. A ele devo parte de minha formação e o reforço dos objetivos políticos e sociais para o ensino da Arte que já havia aprendido com Paulo Freire. Atualmente pesquiso através dos jornais o ensino do Desenho e da Arte de 1922 a 1948 com plena consciência de que quando se falava em Desenho se falava de Arte e do que hoje chamamos Design. De todos os acontecimentos educacionais deste período nenhum assunto educacional foi tão divulgado e debatido nos jornais quanto o ensino do Desenho na Reforma educacional do Distrito Federal feita por Fernando de Azevedo, aliás, iniciada por Fernando de Azevedo e continuada por Anísio Teixeira que finalmente o sucedeu na Diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal depois que ocuparam brevemente o cargo, Osvaldo Orico e Raul de Faria, dois desafetos de Fernando Azevedo. Anísio Teixeira deu um belo exemplo de respeito ao trabalho do político que o antecedeu por quem foi escolhido e apoiado para a sucessão. O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 23 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Em 1941, portanto durante o Estado Novo que perseguiu muitos dos educadores e intelectuais que apoiaram esta Reforma educacional, Cecília Meireles afirma categoricamente em artigo no Jornal Manhã, 6 de setembro: “O principal ponto de referência para o estudo da educação no Brasil é a Reforma de 1928 que com o advento do período revolucionário, encontrou um ambiente de experiência promissor de resultado úteis” (p. 17)3. Mas, encontrou também um ambiente hostil, reacionário, de intrigas e perseguições. Além do mais havia a competição entre Minas, São Paulo e Rio de Janeiro pela Reforma mais moderna e eficiente. A Reforma de Ensino em direção à Escola Nova em São Paulo foi paulatina, menos corajosa, pois foi facilmente se amoldando sem luta aos desígnios da presidência do país, como foi o caso da aceitação da volta do ensino religioso, decisão de Getúlio Vargas. Fernando Azevedo em suas cartas a Frota Pessoa, após ter deixado a Instrução Publica do Distrito Federal, lamenta a falta de fidelidade de Lourenço Filho às próprias ideias, pois não só se curvou ao decreto que regulamentou o ensino religioso urdido por Francisco Campos a quem ele criticava, mas também aceitou ser chefe de Gabinete do próprio Francisco Campos no governo federal4 (PENNA, 1987, p. 150). Quanto à Reforma Francisco Campos em Minas Gerais foi mais estrondosa por ter importado vários educadores da Europa, porém menos radical, menos abrangente e com falta de densidade teórica. Francisco Campos usou mais “marketing” e Fernando de Azevedo mais inteligência. Nas relações internacionais Francisco Campos privilegiou a Europa. Disfarçou a preferência mandando algumas professoras estudarem nos Estados Unidos. Fernando de Azevedo também se aproximou dos Estados Unidos, mas privilegiou as relações com a América Latina, inclusive com o Ana Mae Barbosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 24 3 MEIRELES, Cecília. Obra em Prosa. Crônicas de educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 4 PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e transformação. SP: Perspectiva, 1987. México, pois conhecia e chegou a citar em texto e discursos as Escuelas al Aire Libre. Quanto ao ensino do Desenho, Minas trouxe da Bélgica e da Suíça duas professoras de Desenho e Arte: Jeanne Milde e Artus Perrelet. Perrelet influenciou pouco e mal. Seus ensinamentos foram distorcidos e mediocrizados. Já Milde permaneceu no Brasil, mas era mais preparada na prática do que na teoria. Com o correr dos anos foi se aperfeiçoando mais teoricamente, ela própria confirmou isto a mim em entrevista que me concedeu nos anos 70 durante a qual fiquei encantada com sua paixão pelo ensino e pela escultura. Fernando de Azevedo contou com a colaboração de Edgar Sussekind de Mendonça, de Cecilia Meireles, de Nerêo Sampaio que fez concurso para a cadeira de Desenho com muito sucesso, seguido da publicação da tese em livro: “O Desenho espontâneo das crianças: considerações sobre a sua metodologia”5. Os jornais noticiaram o concurso de Nerêo Sampaio com muitos elogios, sendo o Jornal do Brasil o mais efusivo. No dia 2/10/29 publicou a seguinte manchete: O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo O concurso de desenho na escola normal O Prof F. de Nerêo conquista brilhantemente o 1º lugar A notícia trazia o nome do concorrente Prof Jurandyr Paes Leme e os nomes da banca examinadora: Pedro Paulo Bernardes Edgard Susssekind de Mendonça Carlos Chamberlland A banca foi presidida pelo diretor da Escola Normal, Dr. Carlos L. Werneck sem direito a voto. Os jornais falaram de quatro provas: defesa de tese, prova escrita, modelo vivo e 5 Ver sobre Nerêo Sampaio no livro de BARBOSA. Ana Mae. John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. SP: Cortez, 2001. 25 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 perspectiva e prova didática, esta realizada com grande audiência na Escola Nacional de Belas Artes, inclusive com a presença de autoridades, dentre elas o próprio Fernando de Azevedo. Excetuando a prova de modelo vivo e perspectiva, o concurso daquele tempo parece o concurso para professor livre docente da USP, UNESP e UNICAMP, que acrescenta a arguição do memorial ou currículo comentado. Dizia ainda o jornal que raros eram os exames deste tipo que despertaram tanto entusiasmo no público. E justificava acrescentando: “Pode-se afirmar que estava em jogo a organização do ensino do Desenho introduzido na nossa Instrução Publica do qual o Prof. Nerêo sempre foi um dos baluartes do ensino desta cadeira na Escola Normal”. Nerêo Sampaio foi o arquiteto e engenheiro de muitos prédios coloniais de escolas construídos na administração de Fernando de Azevedo. Quando este Diretor de Instrução Pública assumiu o cargo, havia 270 escolas das quais 180 eram residências, alugadas e mal adaptadas. Dos 90 prédios da Prefeitura somente 20 foram construídos para escolas, os outros também eram adaptações precárias pouco apropriadas para educação6. Com Fernando de Azevedo iniciou-se um período de construções de Escolas intenso, o que era motivo para artigos irados dos inimigos. Ana Mae Barbosa 6 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 26 Além do programa de construções de novas escolas a comunidade continuou insistindo em adaptar casa e oferecê-la como escola, como se vê na notícia do: O Jornal - 05/07/1929 Pela instrução municipal A população de Fontinha ofereceu um prédio à Prefeitura afim de nele ser instalada uma escola Os moradores da Fontinha, um dos mais prósperos subúrbios desta capital, acabam de oferecer à Prefeitura, gratuitamente, o prédio da Estrada da Fontinha, 404, afim de nele ser instalada a escola da localidade. Trata-se de uma casa completamente nova, com todos os requisitos exigidos pela pedagogia moderna para a instalação de uma escola. O prédio oferecido possui amplos salões, com capacidade para mais de 600 alunos. A população de Fontinha, que tem para mais de 700 crianças em idade escolar, aguarda a presença do Dr. Licínio Cardoso, técnico da Diretoria de Instrução, a fim de dar seu parecer. O jornal ainda afirmava que Nerêo Sampaio era conhecido internacionalmente, que havia representado o Brasil no Congresso Pan Americano de Arquitetura em Buenos Aires em 1927 era membro correspondente da Sociedade de Arquitetos do Uruguai e membro efetivo do Comitê Pan Americano de Arquitetos. Era também livre docente por concurso da Escola Nacional de Belas Artes. Ser professor “por concurso” era muito valorizado na administração Fernando de Azevedo. Ele procurou aposentar os que não eram concursados e os professores que não trabalhavam, mesmo os importantes como Brício Filho, ex-deputado por Pernambuco que era catedrático da Escola Normal assim como Osvaldo Orico e Raul de Faria que se tornaram inimigos implacáveis. Bricio tinha uma coluna no Jornal do Brasil. Reproduzo abaixo um de seus artigos. Mesmo antes do Estado Novo virou censor do Jornal do Brasil procurando filtrar críticas a Getúlio Vargas e seus colaboradores. Fernando Azevedo também realocou, transferiu vários professores incompetentes que haviam conseguido seus lugares por pistolão (termo empregado para significar interferência de políticos e poderosos), o que acarretou muitos pedidos de demissão, raivas incontroláveis e muitos concursos. Conta-se que havia professores que iam para a sala de aula ler jornais com o pé em cima da mesa. De 1 de agosto de 1928 a 1 de fevereiro de 1929, portanto em seis meses, foram realizados 15 concursos nos quais realmente ganhava o melhor. A primeira luta para aprovar a Reforma foi contra o Conselho Municipal porque os conselheiros queriam barganhar cargos em troca da aprovação. Conta-se que enquanto Fernando de Azevedo lia no Conselho os termos da Reforma, os conselheiros só se preocupavam em anotar o número de novos cargos que seriam criados para negociar com o Prefeito ou com o próprio Azevedo, que foi completamente intransigente: ocupação dos cargos apenas através de concurso. Só conseguiu aprovar a Reforma graças à interferência política no Conselho e a defesa O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 27 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 árdua de Maurício de Lacerda, político poderoso, pai de Carlos Lacerda7 que viria a ser adversário mortal de Getúlio no segundo mandato. A língua de Carlos Lacerda era tão ferina que o segurança de Getúlio, Gregório Fortunato, mandou matá-lo, mas foi morto em seu lugar um tenente que estava ao seu lado. Sem saída Getúlio suicidou-se após divulgação na imprensa do atentado. Carlos Lacerda foi cassado pela Ditadura Militar de 1964, como seu pai o fora no Estado Novo que fechou o Congresso Nacional. Mauricio de Lacerda foi um defensor das Artes. Ficou famoso nos círculos culturais da época pelo seu discurso em defesa da moralização da Escola Nacional de Belas Artes no plenário da Câmara publicado nas atas do Congresso Nacional em 25 de setembro de 1919. Desapareciam obras do acervo e as que restavam eram abandonadas nos porões, aumentaram as disciplinas teóricas para contratar professores que sequer apareciam para ministrar suas aulas. Havia até uma disciplina, “higiene das habitações”, para a qual foi contratado um advogado, secretário da ENBA. Depois da aprovação do Projeto da Reforma pendurado de artigos inseridos pelos conselheiros, Fernando de Azevedo ainda teve de convencer o Prefeito a vetar os adendos e a respeitar as nomeações por concurso. A respeito disso foi extremamente corajosa a carta de demissão que enviou em 23/01/2008 ao Prefeito Dr. Prado Junior na qual dizia: “A reforma recentemente aprovada é de execução difícil como todas as reformas profundas, e V. Excia. deve ter a consciência nítida da tarefa tremenda que tomou sobre os ombros. Mas, não há lugar para ilusões, ela ficará no papel se o governo de V. Excia. procurar cargos para pessoas necessitadas de empregos em vez de procurar pessoas notoriamente capazes para os cargos... Se o merecimento real, indiscutível, não entrar Ana Mae Barbosa 7 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 28 Membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1945), deputado federal (1947-55) e governador do estado da Guanabara (1960-65). Fundador em 1949 e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e criador, em 1965, da editora Nova Fronteira. Marcado pela ferrenha oposição ao “Getulismo” e seus frutos, dentre eles, Juscelino Kubitschek, disponível em: <http://www. frasesfamosas.com.br/de/carlos-lacerda.html>. Acesso em: 08 out. 2011. como fator predominante na seleção de pessoas competentes para os novos cargos ou para as vagas que se abrirem, tão longe estará V. Excia. de melhorar a gravíssima situação do ensino no Distrito Federal, que, ao contrário aumentará as dificuldades reinantes, sobrecarregando a máquina burocrática de elementos inúteis senão prejudiciais...”8 Sua demissão não foi aceita e os concursos se sucederam. Noticiou-se inclusive que os concursos levaram a aumentar sensivelmente a venda de livros sobre educação em espanhol e francês. Havia também resistência contra o fato de que os paulistas estavam dominando a política no Distrito Federal (Rio de Janeiro). O presidente do país, o prefeito e o diretor da Instrução Pública eram paulistas no período da reforma Fernando Azevedo. O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Visita de autoridades à escola Visconde de Ouro Preto. Diretor de Instrução Pública Fernando de Azevedo, com o Presidente Washington Luís e o Prefeito Antonio Prado Jr. Fotografia de Augusto Malta. 24 set. 1927. (IEB/USP). 8 PENNA, Maria Luiza, op. cit., p. 159. 29 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 A primeira das campanhas negativas pelos jornais em relação a Fernando de Azevedo e sua Reforma, pois às vezes criticavam o homem para criticar a reforma, foi contra a prova de admissão à Escola Normal e o desenho foi escolhido como vilão. A reforma incluía o Desenho na escola, inclusive em todos os anos da escola Normal, o que consequentemente exigiu prova de Desenho do natural nos exames de admissão à escola Normal e deslocou o Desenho Geométrico para a área das provas de Matemática, decisão muito acertada e defendida pelos educadores em vários países como Estados Unidos e Suíça. Era já a visão modernista chegando pelas mãos de Sampaio e Sussekind de Mendonça. Todos os jornais do Rio de Janeiro noticiaram o descontentamento das candidatas com a exigência da prova de desenho. A crítica do A Manhã foi amena como podemos ver mais houve outras mais agressivas ou desdenhosas como a de Brício Filho que usava sua coluna principalmente para criticar tudo e todos ligados a Fernando de Azevedo. Ana Mae Barbosa A Manhã 15/02/1928 Uma exigência excessiva! Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 30 O concurso de admissão ao corpo discente da Escola Normal, sempre constituiu entrave às moças que não conduzissem pistolão. Pelo menos foi assim durante o período que o pedagogo José Rangel dirigiu aquele instituto de ensino. Se há modificações para melhor, atualmente, não temos conhecimento. Com a reforma ou sem ela, as moças que se propõem a fazer aquele tirocínio, estão contando com mil dificuldades para vencer aquela prova, dadas as exigências a inovações, agora introduzidas ao concurso. A exigência da prova prática de desenho, por exemplo, não é das menores. Toda gente sabe que desenho e pintura requerem temperamento, aplicação especial. Não deviam constituir prova eliminatória de concurso para admissão a uma escola destinada a preparar professores. A não ser as vocações, poucas meninas saem do curso primário, por mais aplicadas ao estudo que sejam, em condições de tomar parte num concurso de que essa disciplina constitua exigência essencial. Tem-se reconhecido o desenho, como disciplina capaz de impossibilitar qualquer carreira que não diga respeito às artes plásticas. Há admiráveis bacharelas, médicas, musicistas e tituladas de outras muitas profissões, conquistáveis pela mulher, que não chegariam ao fim da carreira, se tivessem que fazer prova intermediária dessa utilíssima disciplina. Nem por isso, entretanto, essas moças se revelam na vida prática incapazes para a profissão que escolheram. Pelo contrário. São hábeis profissionais, que atravessam vencendo facilmente a vida. O mesmo acontece com as professoras, destinadas a ensinar curso primário à infância. Não há nenhum perigo em que essas funcionárias deixem de revelar-se exímias manejadoras do pincel. Se pintores há como o Parreiras que nunca souberam desenhar! Por que, pois, essa exigência a simples candidatas ao curso normal? O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 31 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Correio da Manhã 15/02/1928 Ana Mae Barbosa As candidatas à matricula na Escola Normal ameaçadas A REFORMA SERÁ CUMPRIDA, CUSTE O QUE CUSTAR, DIZ O DIRETOR DE INSTRUÇÃO E CONFIRMA QUE A PROVA DESENHO SERÁ EXIGIDA Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 32 Escrevem-nos do gabinete do diretor geral da Instrução Pública. Numa entrevista concedida ao Correio da Manhã que nos tem distinguido com sua simpatia, afirmou-se que a prova de desenho exigida no concurso de admissão ao 1º ano da Escola Normal constitui inovação e surpreendeu as pretendentes ao ingresso a este estabelecimento de ensino. A afirmação procurou esteiar-se em artigo votado no decreto nº 3281, de 23 de janeiro deste ano; mas foi infeliz e desarrazoada. O artigo 110 do precitado decreto determina que passarão para o primeiro ano da Escola Normal por promoção os alunos que hajam concluído o curso complementar anexo. Ora, este curso vai iniciarse este ano e por isso mesmo o decreto nº 8281, no art. 362, diz claramente: “Enquanto não houver alunos diplomados pelos cursos complementares, criados por esta lei, a admissão às escolas normais, profissionais e domésticas será feita por concurso”. O parágrafo único do mesmo artigo diz ainda clarissimamente: As condições do concurso serão estabelecidas em instruções especiais pelo diretor geral. O art. 102, vetado, é que constituía no decreto uma incoerência à vista dos art. 110 e 362. A prova de admissão e concurso e não mero exame. Afirmar que o desenho é inovação capaz de surpreender as candidatas é supor-lhe a falta de preparo em matéria do curso primário a qual devem ter estudado integralmente. Aos candidatos à admissão ao 1º ano do curso complementar anexo, o decreto não exige como condição para preferência, o curso primário constituído de cinco anos em escola pública (art. 127). DESCONHECER a necessidade do desenho é utilizarse uma pedagogia de trinta anos passados. Apelar para argumentar DE MANEIRA SENTIMETNAL é LEVIANDADE... O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Correio da Manhã 16/02/1928 As candidatas à matricula na Escola Normal ameaçadas O DR. BRICIO FILHO E AS EXPLICAÇÕES DADAS PELO DIRETOR DE INSTRUÇÃO A propósito da nota do diretor de instrução Pública, ontem publicada, recebemos do Dr. Brício Filho a seguinte carta: Solicitado pelo ‘Correio da Manhã’, em virtude de reclamação levantada a essa ilustrada redação, a emitir minha opinião relativamente à inclusão da prova gráfica de desenho entre as necessárias para admissão à matrícula na Escola Normal, possivelmente contra a exigência, com aquela franqueza caracterizadora de todos os atos de minha vida e com aquela orientação que ainda me não levou a alienar a independência de meus pronunciamentos para cortejar os que exercem qualquer parcela de poder. Se dúvida tivesse quanto ao ponto de vista em que me coloquei, a explicação fornecida pelo gabinete do Diretor Geral de Instrução Pública, ontem publicada nesta coluna, serviria para demonstrar que bem acertado andei quando opinei pela forma que motivou a contestação oficial. As explicações que passam a ser dadas vão demonstrar o acerto da presente afirmação. No comunicado do gabinete estranha-se que seja qualificada como inovação a exigência da prova de desenho para a entrada no referido instituto de ensino. Não sei porque essa estranheza. Inovação, dizem os léxicos, é noção ou efeito de inovar, é coisa introduzida de novo. Ora, membro da comissão examinadora do curso, há mais de dez anos, não tive a ocasião de 33 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 ver, uma só vez, o desenho figurar entre as disciplinas exigidas para aquele mister. Agora a referida matéria é arrolada entre as necessárias. Logo foi introduzida alguma coisa nova, houve ação ou efeito de inovar, houve inovação, quer queiram quer não queiram os sábios da escritura. Na comunicação do gabinete não se compreende que ficassem surpreendidas com semelhante inovação – permitam a insistência do vocábulo – as candidatas ao concurso. Surpreender, diz o prezado amigo Aulette, é apanhar ou tomar de improviso, tomar de surpresa, cair inopinadamente sobre. Ora, as condições de preparo reclamadas para o ingresso eram as pertinentes aos conhecimentos de português, aritmética, geografia e história do Brasil. No correr do ano de 1927, enquanto as candidatas se preparavam, não apareceu qualquer explicação. Em 1 de fevereiro do corrente ano, nas vésperas do concurso, quando não havia mais tempo para um ensino complementar, apareceram as instruções reguladoras da admissão, trazendo no bojo a obrigatoriedade da prova de desenho, e não se quer admitir que isso seja “apanhar ou tomar de improviso, tomar de surpresa, cair inopinadamente sobre” as cabeças das examinadas... Ana Mae Barbosa A resposta a Brício Filho não se fez esperar e foi publicada em todos os jornais do Rio. A Pátria – O Imparcial – O País – Jornal Comércio – Jornal do Brasil 17/02/1928 do O Concurso de Admissão à Escola Normal e a Reforma do Ensino Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 34 Escrevem-nos do gabinete do sr. diretor de Instrução Pública: “Numa entrevista concedida ao ‘Correio da Manhã’, afirmou-se que a prova de Desenho exigida no concurso de admissão no 1º ano da Escola Normal constitui inovação e surpreendeu as pretendentes ao ingresso nesse estabelecimento de ensino”. A afirmação procurou esteiar-se, argumentando sofismaticamente, em artigo vetado no decreto 3.281, mas foi infeliz, além de desarrazoada, pois esqueceu o que está claramente determinado nos arts. 110 e 362 do precitado decreto. Ao diretor geral compete, por lei, estabelecer as condições do concurso de admissão à Escola Normal em 1928, por meio de instruções especiais. Foi o que se fez em 01 de fevereiro fluente. Desconhecer a necessidade do desenho, já foi dito em nota anterior gentilmente publicada pelo ‘Correio da Manhã’, é cristalizar-se uma pedagogia de 30 anos passados. Mas há cousa ainda mais grave e deplorável. O autor da entrevista reeditou suas afirmações sofismáticas, pelos mesmos termos em artigo do ‘Jornal do Brasil’, o que, jornalisticamente é pelo menos curioso: o não hesitou em insinuar que a Reforma do Ensino passou graças a promessas de pingues recompensas aos seus propugnadores e teve por isso apologistas num coro de entusiasmo. A insinuação é visceralmente falsa e exige imediata demonstração, tal a sua gravidade. O diretor de Instrução repta o articulista a declarar o nome de alguém, ou de algum jornal, a quem durante toda a campanha em favor da Reforma do Ensino, tivessem sido feitas promessas de lugares para conseguir o apoio ao projeto então em debate. Afirmações dessa natureza, não provadas deixam o autor de tal perfídia em situação que nos abstemos de qualificar. O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo A admissão à Escola Normal REBENTAM PROTESTOS CONTRA AS PROVAS DE GEOMETRIA E DESENHO Irregular organização das comissões examinadoras Foi hoje efetuada a última prova do concurso de admissão ao primeiro ano da Escola Normal. O nosso representante, tendo ali estado, antes da hora da abertura 35 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 do portão para a entrada das candidatas, pode ouvir os comentários desdobrados em vários grupos. Falava-se de um lado da exigência da prova de geometria, apensa à de aritmética, quando até agora as matérias exigidas para a matrícula eram português, aritmética, geografia e História do Brasil, de acordo com o programa de escolas primárias. Embora o ponto sorteado fosse relativamente fácil e assim proposto – “Qual a área em hectares de um terreno triangular cuja base é de 1.440 metros e altura 840 metros?”, comentava-se desfavoravelmente a obrigatoriedade da demonstração de conhecimentos geométricos, lançados à última hora, com surpresa das examinandas. O descontentamento, hoje, era maior porque o concurso ia versar sobre a prova gráfica de desenho, reclamada intempestivamente, sem tempo para uma boa técnica, pois que as pretendentes à entrada naquele estabelecimento de ensino não contavam com esse extravagante acréscimo. O caso é tanto mais para ser assinalado com censuras quanto a inabilitação em uma só dessas disciplinas leva à reprovação a todas as outras. Uma examinanda que haja obtido 10 em aritmética, português, geografia e história, se tiver a infelicidade de receber nota inferior a 4 em desenho gráfico, que pode não ter estudado, por não contar que nas vésperas da prova isso lhe seria exigido, terá todo o seu esforço, comprovado brilhantemente por completo prejudicado, visto como as instruções publicadas por ordem da diretoria da Instituição Pública Municipal assim o determinam. Se não houver recomendação expressa para que as provas de geometria e desenho sejam simplesmente decorativas, apenas mantidas como exemplo de teimosia da administração; se a banca examinadora resolver rejeitar os desenhos imprestáveis, numerosos serão os fracassos. Por isso calorosos eram os protestos que apareciam nos diversos agrupamentos. Outro comentário com calor formulado era o pertinente à organização das mesas examinadoras, que ficaram assim constituídas: Português – Porto Carreiro, Brant Horta e Julio Nogueira; Ana Mae Barbosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 36 Aritmética e geometria – Correggio de Castro, Lacerda Coutinho e Souza Lima; Geografia e História do Brasil – Soares Rodrigues, Othelo Reis e Saul de Gusmão; Desenho – Nerêo Sampaio, Alice Rocha e Guilherme Santos. Estranhava-se que tivessem sido excluídos das bancas examinadores os professores catedráticos, apenas contando um a de história, de que faz parte o Sr. Soares Rodrigues. Assinalava-se que os outros membros das comissões apuradoras do preparo das candidatas são docentes da Escola, postos em disponibilidade em virtude da nova reforma. Considerados disponíveis ficam sem trabalho, mas recebendo vencimentos. Chamados a serviço no concurso de admissão, além do que percebem em inatividade, passam a ganhar “pró-labore”, assim como terão vencimentos acrescidos quando forem chamados a reger turmas na Escola Normal. E é assim que se gasta o dinheiro em nossa terra, dizia-se nas diferentes rodas formadas em frente ao edifício onde são preparadas as educadoras de amanhã. Como se vê, o concurso de admissão à Escola Normal vai sendo realizado em meio de complicações. Diário Carioca 23/03/29 O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Este artigo sem assinatura foi atribuído a Bricio Filho que fora um dos professores catedráticos excluídos das bancas examinadoras. Acho o artigo muito moderado para ter sido escrito por Brício Filho, arqui-inimigo de Azevedo. Os jornais se acalmaram depois da prova de desenho. Havia um nacionalismo no ar e o fato da prova ter sido sobre a folha de inhame e não de uma planta européia, calou alguns que não queriam ser tomados por antinacionalistas. O inhame é quase nacional. Poucos sabem que é uma raiz muito usada na alimentação na Polinésia. Em um jantar em Nadi, nas Ilhas Fiji, pedi que me servissem um prato bem típico do local. Me serviram peixe assado com inhame e fruta pão, comida muito comum na minha infância no nordeste do Brasil. 37 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Após os exames, os três principais jornais trazem as seguintes notícias: Ana Mae Barbosa O Globo 01/03/1928 Os exames de admissão à Escola Normal A PROVA DE DESENHO E O PONTO SORTEADO Como tivemos ocasião de dizer, na primeira edição, realizam-se hoje, na Escola Normal, a última prova do exame de admissão. Ao ter início a prova, que era a de desenho, notava-se o descontentamento geral e a ansiedade em saber em que constaria a referida prova, pois foi ela encaixada nos últimos dias, com decepção dos que se candidatavam ao curso da Escola Normal. O ponto sorteado foi o n I, isto é, desenhar do natural uma folha de inhame. À prova de hoje não faltou nenhuma candidata. Correio da Manhã 01/03/1928 As futuras normalistas ENCERROU-SE (sic) COM A PROVA GRÁFICA DE DESENHO OS EXAMES DE ADMISSÃO Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 38 Como antecipamos, com a prova gráfica de desenho, encerraram-se ontem os exames de admissão ao 1º ano da Escola Normal. O ponto sorteado para as candidatas foi a folha do inhame. Hoje, serão iniciados com a prova escrita de português, os exames de admissão ao curso complementar, anexo à mesma escola. Inscreveram-se 490 candidatas. O Jornal 01/03/1928 O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Os exames de admissão à Escola Normal REALIZARAM-SE ONTEM AS PROVAS FINAIS Efetuaram-se ontem, na Escola Normal, as provas finais de admissão, provas essas que constaram de grafia de desenho, tendo sido sorteado o ponto relativo a uma folha de inhame. A mesa examinadora era composta dos professores srs. Fernando Nereu Sampaio, Guilherme Santos e D. Alice Rocha. Em conseqüência da reforma da Instrução Pública foi criado o curso complementar anexo à Escola Normal. Neste curso inscreveram-se 490 candidatos, sendo hoje iniciada a prova escrita. Uma excelente estratégia de Azevedo foi publicar vários textos que respondiam a quase todos os ataques à Reforma. Por isso eu afirmei no início deste capítulo que esta foi mais bem embasada teoricamente, em relação às demais reformas da Escola Nova. A reforma do ensino no Distrito Federal O ilustre Sr. Fernando de Azevedo acaba de tirar em volume uma série de trabalhos — discursos e entrevistas — em que defende e encaminha as idéias e princípios que nortearam a atual reforma de ensino, na capital da República. Ao mesmo tempo aparece em volume a lei do ensino, acompanhada do respectivo regulamento. Os dois livros se completam. No primeiro, o Sr. Fernando de Azevedo defende as idéias, expõe as doutrinas, acompanha o processo de execução das medidas alvitradas; no segundo se contem o texto das leis, a síntese e a forma das medidas. 39 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Através de ambos se comprovam e demonstram as virtudes e merecimentos da atual reforma, que se inspirou nas lições mais adiantadas da pedagogia e tende a aproveitar todos os elementos que possam concorrer para o êxito da grande obra de educação. A seu tempo nos referimos aqui a excelência das idéias e a lucidez que lhes guiava a execução. Cabe-nos apenas em face do aparecimento dos dois volumes, registrar a sua publicação e recomendá-los a quantos procurem se inteirar da reforma de ensino na capital da República, certos de que vão encontrar o aproveitamento das lições mais modernas e das experiências mais seguras da pedagogia universal. Ana Mae Barbosa O Jornal do Brasil 05/07/1929 O espírito das elites dominantes era tão retrogrado que não parou aí a perseguição à Reforma. Resolveram perseguir as professoras da Associação Brasileira de Educação (ABE) que começavam a se reunir como categoria profissional e apoiavam a Reforma. Um deputado propôs o celibato das mulheres professoras. O jornal A Pátria fez enquetes com professores a respeito. O Professor Luis Palmeira foi totalmente contra, mas veio de Benevuta Ribeiro, uma mulher, o apoio incondicional. A Pátria 15/02/1928 A IDÉIA DO CELIBATO OBRIGATÓRIO PARA AS PROFESSORAS Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 O magistério é uma profissão de renúncia. Uma mulher não pode ser, ao mesmo tempo, boa mãe e boa professora. Sou pelo celibato pedagógico – diz a diretora Benevuta Ribeiro 40 A propósito do celibato pedagógico, inserimos hoje a opinião de Benevuta Ribeiro, diretora da Escola Profissional Feminina Rivadavia Correa. A brilhante educadora opina pela obrigatoriedade do celibato para as professoras. E opina com argumentos interessantes. O problema para ser posto em seus justos termos, diz, tem que ser discutido dentro da sociologia, da moral e da pedagogia. Para isso precisaria tempo e meditação. Mas como “A Pátria” pede uma resposta imediata prefiro encarar o problema sob ponto de vista prático: o resultado das minhas observações. Soa francamente favorável ao celibato das professoras, por julga-lo uma necessidade para o ensino. Não digo isso porque sou celibatária. Digo porque é essa a minha convicção. Acho que a professora quando se casa deve isolar-se do ensino. Se enviuvar ou se a assaltarem dificuldades prementes então poderá voltar a exercer sua atividade numa escola. Mas uma moça que se casa, que tem casa, que tem filhos, ou é má mãe, má dona de casa e boa professora, ou é boa professora e, nesse caso, má dona de casa. Ou a casa ou a escola. Ou os alunos ou os filhos. Em minha escola tenho tido exemplos frisantes. Adjuntas que são ótimas auxiliares em solteiras, casam-se e ficam péssimas. Tive adjuntas assim. Em solteiras eram tudo quanto se poderia desejar de melhor. Casadas, tiveram até que ser repreendidas pelo diretor. Contra este absurdo se insurgiu o deputado Maurício de Lacerda, pai de Carlos Lacerda, e o projeto foi arquivado. Mas a campanha da oposição contra as professoras continuou, chegando-se a acusar Celina Padilha de comunista como no artigo que se segue abaixo. Começava “a caça às bruxas” que o Estado Novo empreendeu com prisões e torturas. As primeiras acusações de comunistas aos educadores e educadoras partiram do lobby das escolas católicas que se empenhou arduamente pela derrota da escola pública em sua caminhada em direção à qualidade. A revista A Ordem escolheu Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Celina Padilha para O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 41 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 atacar com especial esmero. Celina Padilha defendia os direitos da mulher numa sociedade que ainda não aceitara o voto feminino. Em 1930, quando sua defesa da mulher como cidadã resultou no terrível artigo que se segue, apenas o Rio Grande do Norte permitia o voto da mulher. Curiosamente foi o Estado de nascimento de Nísia Floresta, uma lutadora pela educação da mulher em igualdade com os homens, que, entretanto, teve de sair de lá para não ser expulsa. Neste caso, a sociedade a rejeitou mas assimilou um pouco de suas ideias. Só foi permitido às mulheres votarem em todos os Estados em 1932, mas somente aquelas que tivessem renda própria. Voto só para as ricas. Em 1934 todas podiam votar, mas não eram obrigadas a isto. Só os homens eram obrigados, obrigatoriedade que se estendeu às mulheres em 1946. Penso que o horror da Ação Católica por Celina Padilha foi não só seu dito feminismo, mas sua presença destacada como conferencista no congresso de educação judaica em 1928 no Rio de Janeiro. Um dos temas foi a educação para o judaísmo. Entretanto, nunca se pretendeu ensinar judaísmo na escola pública, mas os católicos pretendiam ensinar catolicismo e conseguiram. Celina Padilha foi professora do Prof. José Reis, cientista que durante muitos anos escreveu na Folha de São Paulo. Era lembrada por ele com carinho. Ana Mae Barbosa A Notícia 11/06/1930 A Raiz do Comunismo na Instrução Primária Oficial Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Uma inspetora de escolas pregando por intermédio dos jornais do “consórcio”, a necessidade de adotarmos as normas subversivas de Moscou. O amor livre, o ateísmo e a entrega dos filhos ao Estado para a educação: — Que é isto? 42 Há dias chamamos a atenção do governo e, particularmente, da polícia para as novas modalidades da infiltração comunista no nosso meio. E destacamos, para base dos nossos argumentos, as teses impróprias que, incluídas no programa de um próximo Congresso de Educação, serão debatidas sob a presidência de honra do Sr. Fernando de Azevedo, se as autoridades ainda não houverem feito riscar da agenda da conferência os capítulos perigosos. Citamos, então, documentos impressionantes que demonstravam a seriedade da nossa denúncia, e aludimos de passagem a penetração bolchevista no ensino carioca, por intermédio de elementos estranhos ao magistério ou a ele pertencentes. Mas a questão não ficou circunscrita ao assunto de nossa estranheza. Agora, mais uma investida se esboça, e da parte de uma inspetora escolar muito conhecida, e cujas atitudes exibicionistas a incompatibilizam com a delicadeza de seu cargo. No “Diário da Noite” de ontem, e que só à hora de encerrarmos os trabalhos desta edição nos foi mostrado, na parte de que vamos tratar, a Sra. Celina Padilha publica declarações de suma gravidade sob a etiqueta de definição do feminismo e da emancipação da mulher brasileira. Nós, embora sucintamente, e para não deixar ser um comentário imediato à desenvoltura dessa educadora transviada, queremos pôr em destaque as suas doutrinas atentatórias da nossa organização social, pregadas pela referida senhora na folha do Sr. Assis Chateaubriand, o serviçal disfarçado do comunismo e um dos principais agentes corruptores da República no Brasil, com a fingida independência dos seus periódicos. Começa a Sra. Celina Padilha ferindo, em mal português, a velha tecla da emancipação da mulher, moendo no seu realejo a música batida que durante a guerra o sexo feminino, por necessidades de momento, se afirmou como um valor de peso nas atividades grosseiras antes só exercidas pelos indivíduos do sexo masculino. E um refrão estafado e que D. Celina desenvolveu com uma chatice deplorável, não merecendo aí maiores discussões. Outras já fizeram a mesma coisa. Outros tópicos da conversa jornalística da senhora Padilha é que precisam ser grifados, no sentido de que as nossas O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 43 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Ana Mae Barbosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 44 autoridades possam observar o quanto vai adiantada por aí fora a propaganda subversiva. Essa senhora prega com incrível desembaraço e ateísmo, a dissolução da família, aconselhando à mulher a permanência fora do lar e retirando ao mesmo tempo das mães o direito de educação dos próprios filhos. O que ela sustenta nesse capítulo escrito em cassange é, nem mais nem menos, a prática dos Soviets que entregaram ao Estado russo a exclusividade de educação da infância, no intuito de eliminar os vínculos de afeto doméstico que fizeram a felicidade coletiva com a organização modelar da família, base da nossa civilização. Como na Rússia, quer a Sra. Celina Padilha que nós aqui afastemos os pequenos das suas casas e do contato dos progenitores, para que não sofram a influência destes, influência conservadora, que não agrada aos revolucionários. Para exemplo da sua teoria quer a senhora Padilha que se note o espetáculo de luta pela vida nas moças que trabalham nas oficinas e no comércio, e, reivindica para as “bas-bleus” do magistério e das profissões liberais, a direção desse exército de criaturas que buscam pelo seu esforço os elementos de subsistência. Fraco exemplo esse. Porque o desfile a que assistimos diariamente, de moças que pela manhã saem rumo aos seus empregos, não obedece às diretrizes ou à orientação de quem quer que seja, e muito menos dos que se revoltam contra os hábitos de moralidade da família brasileira. Essas moças representam as obreiras de uma luta individual contra a pobreza, luta pela defesa da virtude, e sem procuração a quem quer que seja para dar-lhe outra interpretação, muito menos a essa senhora Dona Celina Padilha. Aliás, nós preferimos acreditar que a inspetora Celina Padilha está agindo mais por ignorância e exibicionismo do que por convicção. Porque se assim não fosse, seria o caso de perguntar-se aos responsáveis pelos destinos da Instituição Pública as razões que as obrigam manter num cargo de tão alta responsabilidade quem se manifesta com rebeldia diante da nossa organização social e defende postulados imorais, anti-sociais, e até ofensivos à própria mulher porque lhe negam aptidão para a formação de caracteres. Qualquer que seja, entretanto, o fundo do objetivo da Sra. Celina Padilha, ressalta a gravidade de suas predicas no seio das escolas, onde ela é nociva, aconselhando coisas que importam na quebra das nossas tradições domésticas e valem por um credo de franca corrupção de costumes. Essa inspetora deve ser advertida, e coibida se exercer assim sua propaganda. É esse o dever dos que têm por obrigação manter a ordem social vigente. Com mais vagar, voltarmos ao assunto, mesmo porque as declarações da Sra. Celina Padilha impõem outros comentários muito mais expressivos... O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Com isto foi nomeado um delegado para vigiar e conter a onda dita comunista entre as professoras. Havia inclusive sua foto no jornal neste mesmo dia, com cara de orgulho pela “santa missão” de que estava incumbido. As lutas pela emancipação feminina começavam a assustar os conservadores. Entre oposições mesquinhas à Reforma Fernando de Azevedo estava até uma campanha contra os uniformes adotados pela Diretoria de Instrução Pública. Do ponto de vista do Desenho, a mais eficiente reforma da Escola Nova foi a do Distrito Federal. Havia um contínuo processo de atualização dos professores para atuarem na Reforma além do esforço da Associação Brasileira de Educadores e da Cruzada pela Escola Nova em promover cursos e palestras para os professores e o Desenho recebia a mesma atenção que as outras disciplinas e tópicos. Entre os tópicos de discussões na Cruzada em 1929 constava: • • • • • • • • • Leitura de Jornais Jogos Pedagógicos Museu de classe Testes Desenho e Trabalhos Manuais Dramatizações Aritmética Linguagem Música 45 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 O Desenho tinha o mesmo status que as outras disciplinas e significava não mais submissão ao desenho geométrico, mas a prática do desenho de imaginação, desenho decorativo, desenho industrial, desenho gráfico (ou artes gráficas) desenho de observação. As Escolas Profissionais se desenvolveram muito sob a Reforma, eram escolas de iniciação ao “design” só que esta designação não era ainda usada. Quanto aos Trabalhos Manuais, embora tenham tido menor divulgação que o ensino do Desenho, também mereceram estudos, com o primeiro livro publicado no Brasil sobre o assunto escrito por Coryntho da Fonseca. Sobre o livro e o autor se publicou esta notícia abaixo: Ana Mae Barbosa Diário Carioca 06/06/1930 OS TRABALHOS MANUAIS NA EDUCAÇÃO Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 46 Parece não restar mais dúvida alguma sobre a vantagem de introdução dos Trabalhos Manuais nos programas de ensino, quer primário, quer secundário. Feita essa verificação, resta saber como e com que orientação deve ser a matéria nova tratada pelos srs. Professores que, já convencidos pela propaganda já feita, não dispõem de uma fonte de esclarecimento que os oriente por sugestões e exemplos práticos que lhes permita porem em prática esse novo e valioso instrumento didático que são os Trabalhos Manuais. Nada neste gênero há, ainda, escrito, em português, de sorte que qualquer iniciativa dessa espécie, será bem recebida pelo professorado brasileiro. É ao encontro dessa necessidade que vem o livro do professor Coryntho da Fonseca, sob o título “A Escola Ativa e os Trabalhos Manuais” que deve ser posto à venda por todo o mês de julho ou princípios de agosto. Foi a ele que se dirigiu a empresa, editora Companhia de Melhoramentos de São Paulo para incumbi-lo da tarefa de escrever um volume da Biblioteca de Educação publicada sob a competente orientação do professor Lourenço Filho que rege a cátedra de Psicologia da Escola Normal de São Paulo. Texto que se segue com falhas A escolha foi de todo pertinente pois se trata não só de um professor esforçado como de um experimentador cuidadoso que desde 1912, vem se dedicando aos temas de educação, fazendo exercicio dos cargos de diretor da Escola Profissional Souza Aguiar e da Escola Wencelau Brás, única... escola normal existente, para a formação de professores de Trabalhos Manuais e de artes e ofícios, um esforço... na investigação, experiência e formulação de métodos de ensino,... dando os melhores resultados práticos... No ano de 1914, o professor Coryntho da Fonseca, a convite de muitos professores primários do Distrito Federal, realizou um curso teórico e prático de trabalhos Manuais, do qual resultou... que a aplicação dos trabalhos continuasse... em madeira nas escolas primárias cariocas... Diz ainda a notícia que o livro sugere a aplicação dos Trabalhos Manuais em várias disciplinas no currículo, enfatizando o Português, e o autor mostra como estabelece esta ligação interdisciplinar na Escola Souza Aguiar e no Colégio Pedro II onde ensinava. Apresenta 30 desenhos e gravuras que contribuem para tornar o ensino dos trabalhos manuais mais compreensivo, diz a notícia. Afirma ainda que os métodos do Prof. Coryntho da Fonseca foram adaptados às escolas de formação de artífices do Ministério da Agricultura. Enfim, o artigo é uma louvação do livro A Escola Ativa e os Trabalhos Manuais, apresentado como o único sobre o assunto no Brasil e um dos melhores do mundo. O que se depreende da notícia é que o forte do livro é o trabalho de marcenaria que aborda todo o processo até o envernizamento. Confirmei isto consultando o livro Fui sujeito dos métodos de Coryntho da Fonseca no Instituto de Educação de Alagoas, quando lá fiz a segunda e terceira séries do ginasial. Odiava a serra tico-tico, usada para recortar madeira O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 47 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 Ana Mae Barbosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 48 e detestava envernizar. Meus professores davam a opção de pintar a peça, a qual eu utilizava sempre. Meu avô me ajudava a fazer os trabalhos em casa. Apesar de ele ter sofrido um AVC e ter um lado do corpo semi paralisado, ele conseguia melhores resultados que eu. O Instituto de Educação de Alagoas e o de Pernambuco foram minhas melhores escolas. Apesar de serem somente para mulheres havia esforço em igualdade de gêneros no currículo. As meninas não faziam só bordado, elas também usavam, em trabalhos manuais os instrumentos comumente usados pelos homens naquela época, tais como martelo, serrote, etc. Somente muitos anos depois valorizei este aspecto, comparando-o aos ensinamentos das escolas de freiras que frequentei no primário e no primeiro ano do secundário. Uma era muito boa, tão boa que fechou. Tratavase do Colégio Imaculada Conceição onde fiz meu curso primário. As freiras eram abertas e já havia chegado a elas os ensinamentos da Escola Nova, sendo assim, elas optavam pelo ensino através da descoberta. Tanto é assim que entrei no primeiro ano aos sete anos sem saber ler, tendo frequentado apenas um ano de jardim da infância aos cinco anos no Recife, que me lembro ter adorado. Fazia muitos desenhos, bordava em talagarça sem modelo para copiar. Devia ser um Jardim da Infância que seguia a Escola Nova. No Colégio Imaculada Conceição, onde entrei pelas mãos de minha madrinha Ivanise elas não se assustaram com meu analfabetismo numa classe onde todas as alunas eram alfabetizadas. Não me pressionaram, não deixaram as outras perceberem e um belo dia sem saber como, para surpresa da professora, eu estava lendo. Ela achava que eu conseguiria sozinha, mas não com aquela rapidez que fiquei devendo à biblioteca do meu avô, o lugar mais bonito e mais sedutor da casa onde passei a me enfurnar. Mas mesmo naquele Colégio maravilhoso os trabalhos manuais ainda eram apenas bordados para as meninas. Para meu primeiro ano colegial minha avó escolheu o colégio das elites alagoanas, onde minha mãe estudara. Era um horror. Primeiramente, era classista. Na minha percepção, que não sei se aprendia de modo fiel ou se exagerava a realidade, as meninas, filhas de usineiros e donos de terras, que forneciam todo o açúcar do colégio eram as destacadas, as elogiadas, tiravam boas notas embora não fossem estudiosas e suas notas passassem por uma cosmética que as valorizava. Acostumada a ser elogiada pela minha performance nas aulas pelas professoras do Colégio Imaculada Conceição, cheguei a ter um desenho, que não foi mostrado à classe, rasgado em frente das colegas no Colégio Santíssimo Sacramento. Imagino que a Escola Nova em 1947 não havia chegado por lá ainda, não só por esta atitude, mas também porque o desenho era cópia de outro desenho, uma imagem de borboleta que a freira havia pregado na lousa para copiarmos. Aos doze anos me informei com minhas primas Costa Barros, Noemia e Luzia, que por serem muito inteligentes, foram modelos para mim durante a adolescência, a respeito das melhores escolas da cidade, uma vez que não podia voltar para o meu querido Imaculada Conceição, onde considerava as freiras de tal maneira maravilhosas, que cheguei a querer ser uma delas. Ele havia sido fechado. Lutei com minha avó para mudar de escola e descobri que naquela época as escolas públicas eram as melhores. Não sei como consegui convencer minha avó a me matricular no Instituto de Educação que tinha fama de dar muita liberdade às meninas. Mais uma vez acho que minha madrinha Ivanise, que era muito inteligente e a quem eu adorava, deve ter interferido a meu favor. O Instituto de Educação em dois anos fez um trabalho formidável comigo, me desinibiu, me resgatou da mediocridade a qual as freiras capitalistas me haviam condenado, reforçou meu ego cultural. Meu primeiro grande sucesso escolar foi ter ouvido ser lida, para todas as alunas, de todas as séries, reunidas no pátio, uma redação que eu escrevera sobre o provérbio “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. Voltei a ter segurança no meu trabalho, ao qual acrescentei a fé nas minhas próprias escolhas, até mesmo O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo 49 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 instituindo aquele provérbio como uma direção a seguir. Sou até hoje muito persistente. Dificilmente desisto. Um exemplo é este livro para o qual comecei a pesquisar assistematicamente no fim da década de setenta, começo da década de oitenta, em direção a uma tese de livre docência. Para livre docência escrevi outra coisa, mas nunca desisti de pesquisar a Arte na Escola Nova. A vida foi me jogando para outros lados, até que, já aposentada da USP uma bolsa do CNPq me colocou nos trilhos do desejo novamente, ampliando meu tema histórico para ir além da Escola Nova e para analisar o Ensino do Desenho como precursor do Design. É o que agora apaixonadamente pesquiso. Por que HISTÓRIA? Aloísio Magalhães, designer culturalista, que no Brasil rompeu com a hegemonia da Escola de Ulm que importamos para a ESDI, usava uma metáfora interessante para defender a necessidade de história. Dizia que quanto mais puxarmos a borracha do estilingue para trás mais longe lançaremos a pedra para frente. Ana Mae Barbosa Referências BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1986. ______. John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001. MEIRELES, Cecília. Obra em Prosa. Crônicas de educação. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e transformação. São Paulo: Perspectiva, 1987. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 50 PERES, José Roberto Pereira. “Nerêo Sampaio: a importância do Ensino das Artes na formação do professor primário”. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Magistério dos anos iniciais do Ensino Fundamental com ênfase em Educação de Jovens e Adultos) - Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. O ensino da arte e do design quando se chamava desenho: reforma Fernando de Azevedo Jornais A Manhã. 15/02/1928. A Notícia. 11/06/1930. A Pátria. 15/02/1928. A Pátria – O Imparcial – O País – Jornal do Comércio – Jornal do Brasil. 17/02/1928. Correio da Manhã. 15/02/1928. Diário Carioca. 06/06/1930. Jornal da Manhã. 06/09/1941. O Globo. 01/03/1928. O Jornal do Brasil. 05/07/1929; 02/10/1929. THE TEACHING OF ART AND DESIGN WHEN IT WAS CALLED DRAWING: FERNANDA DE AZEVEDO REFORM Abstract This article looks at the teaching of Art and Design through the eyes of Culture Studies and support the necessity of historical knowledge as a hedge against the neocolonialism that threat the culture of countries that, like Brazil, start to become economically successful. Using research done with 1922 to 1948 newspapers, the article speaks of the educational reform considered to be the most radical on Brazil, the Fernanda de Azevedo Reform (1927 to 1930). The teaching of Drawing as Art and Design was one of the central values of this reform. Fernanda de Azevedo was attacked by all sides, starting with the implementation of a compulsory drawing exam for acceptance in normal school. 51 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 There was also an effort to destabilize the teacher leadership which supported it by demanding female teachers to be single. The article also explains the importance of manual labors on the Fernanda de Azevedo Reform. Keywords: Arts Teaching. Drawing. Design. Fernanda de Azevedo Reform. Ana Mae Barbosa Data de recebimento: novembro 2012 Data de aceite: fevereiro 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 19-52, jul. / out. 2013 52 Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: considerações em torno do texto Le problème des musées Roberto Carvalho de Magalhães1 Resumo O texto interpreta um artigo de Paul Valéry sobre museus, publicado em 1923. O seu foco é a ideia enunciada pelo poeta e ensaísta francês de que as obras de arte em um museu são como crianças órfãs, que perderam sua mãe, a arquitetura. A exploração do texto de Valéry é antecedida por uma breve exposição da relação entre literatos e crítica de arte, especialmente na França, e de um excursus sobre as ideias sobre arte de Paul Valéry. Tornando explícito o que Valéry deixa embutido nas entrelinhas, o autor faz uma análise das relações com a arquitetura que estão na gênese das obras de arte visual e que não são levadas em consideração nos museus tradicionais, limitando a experiência ótico-física e inteletiva das obras por parte dos observadores. Palavras-chave: Museu. Museologia. Arquitetura. Crítica de arte. História da arte. Paul Valéry. É comum que muitos literatos usurpem o papel de críticos de arte. Frequentemente, com resultados catastróficos; às vezes, interessantes; raramente, excepcionais. O que os literatos veem nas artes visuais é, essencialmente, aquilo que eles têm na própria disciplina: palavras. Fazem das obras ilustrações para significados, para conteúdos semânticos que podem traduzir na própria linguagem. Não importa quanto 1 Mestre em Crítica de Arte, Museologia e Teoria da Conservação. Professor de História da Arte e Museologia. Università Internazionale dell’Arte, Firenze (Itália). [email protected] grande seja o escritor: a qualidade da sua crítica de arte não é, obrigatoriamente, proporcional à sua importâcia literária. Na primeira categoria, a dos resultados catastróficos, encaixase, por exemplo, o escritor americano Henry James. Autor de uma série memorável de romances e contos – dentre os quais, Retrato de senhora, Washington Square, Os europeus, A princesa Casamassima, A musa trágica e Daisy Miller –, James também praticou a crítica de arte. Mas, em suas resenhas sobre as exposições londrinas e em outros escritos, que ecoam vagamente os Salons dos literatos franceses, a falta de um método para estudar as razões profundas e específicas da pintura, para além do encanto aparente, barra-lhe a compreensão, entre outros fenômenos, da nascente arte moderna – a saber, do “grosseiro” Manet e de seus descendentes – e o leva a preferir outros fenômenos artísticos em que as referências ao mundo da literatura ou a elementos narrativos e simbólicos prevalecem, como no caso dos pintores pré-rafaelitas. O seu modo específico de se aproximar da pintura, – ou seja, menosprezando as questões que lhe são inerentes, como a técnica, a composição ou, simplesmente, o estilo –, manifesta-se de forma explícita num artigo sobre o livro de Eugène Fromentin, Les maîtres d’autrefois: “É algo mesquinho ou obtuso não entender que a fruição inteligente ou profunda dos quadros consiste em uma indiferença soberana por este ‘escrutar dentro deles’”2. Seria como dizer: leiam um livro sem se preocupar em aprender a ler... James direciona a relação com a obra para a esfera do deleite, do prazer, ligando-a intrinsecamente ao gosto e aos limites das experiências pessoais do observador, que se torna, assim, mero fruidor subjetivo. O observador não procura entrar no mundo do artista, mas pede ao artista que satisfaça as suas expectativas. Não realiza uma ação de cognição, mas usa a obra como objeto do próprio deleite. Sendo assim, o gosto, os valores morais, a decência, com todos os limites estabelecidos por uma Roberto Carvalho de Magalhães 2 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 54 O artigo, cujo título é o mesmo do livro de E. Fromentin, foi publicado em The Nation, em 13 de julho de 1876, e aparece nas coletâneas The Painter's Eye (Glasgow: University Press, 1956) e La stagione delle mostre (Tradução Paola Frandini. Palermo: Edizioni Novecento, 1993). visão de mundo pessoal pré-estabelecida, tomam a dianteira do conhecimento. Os destinatários dos artigos de Henry James eram os leitores do novo continente – curiosos de pintura, mas, acima de tudo, de crônicas de vida social provenientes da Europa. Quando as observações de costumes, as descrições de ambientes e as análises de comportamento ocupam o primeiro plano e quando o crítico de arte é substituído pelo narrador, só então reencontramos o grande escritor3. Na segunda categoria, a dos resultados interessantes, encontramos Émile Zola, o autor de O Germinal. Amigo de Paul Cézanne e aspirante pintor na adolescência, Zola transformase num dos maiores romancistas franceses do século XIX, sem, porém esquecer completamente a sua paixão juvenil. De fato, no início da sua carreira de escritor, exerce a crítica de arte com certa constância e fervor. Recolhendo a herança de Baudelaire – do qual falaremos mais adiante –, Zola intui, entre outras coisas, a novidade e a força da pintura de Manet. Partindo do pressuposto que “arte” é afirmação do indivíduo contra a norma e os comportamentos convencionais, exorta seus leitores a abandonarem as ideias de perfeição e de beleza ideal, descreditando o conceito segundo o qual “uma coisa é bela porque perfeita do ponto de vista de certas convenções físicas e metafísicas”. Dessa forma, desde os textos publicados em L’Evénement, em 1866,4 Zola contribui com a fundação das 3 Convém lembrar que, na segunda metade do século XIX, Londres, residência eleita pelo escritor americano, não era um observatório privilegiado no que diz respeito seja à qualidade e à intensidade, seja à variedade do debate artístico. O lugar ideal era Paris. Henry James mantém estreitas relações com a cultura francesa; mas as suas resenhas sobre as exposições londrinas, que ecoam os Salons dos literatos do continente, são caracterizadas por certa moralidade puritana, que compromete toda e qualquer clarividência crítica. 4 Série de artigos publicados sob o título geral de Mon Salon, da qual faz parte M. Manet, de 7 de maio do mesmo ano. Os artigos de Zola relativos a Édouard Manet estão recolhidos no volume Pour Manet, apresentado e organizado por Jean-Pierre Leduc-Aline. Bruxelles: Éditions Complexe, 1989. Além disso, a totalidade dos textos sobre arte de Émile Zola pode ser encontrada e consultada no site de Les Cahiers naturalistes, no link que segue: <http://www.cahiersnaturalistes.com/ecritsarts.htm>. Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 55 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 bases para uma análise pragmática e imanentista da atividade artística, liberando-a das superestruturas ideológicas, morais e sociais e procurando vê-la através os instrumentos específicos do artista – exatamente o que Henry James se recusaria a fazer pouco mais tarde. Em outras palavras, Zola procura na arte a sua especificidade. Sem dúvida, isso o ajudou a individuar concretamente a originalidade da pintura de Manet e a dar início ao difícil e longo processo de compreensão e reconhecimento histórico da sua obra. Entretanto, Zola passa gradativamente de uma compreensão ampla e da adesão incondicional, nos anos 60, à obra de Manet, a uma posição polêmica em relação ao pintor de Olympia, aos impressionistas e ao ex-colega de escola e amigo da juventude, Paul Cézanne. Em um artigo de 1879, Les impressionistes et Manet, diante da radicalização do estilo abreviado e de pinceladas impetuosas do pintor, Zola escreve: “o seu longo combate contra a incompreensão do público se explica com a dificuldade que [Manet] tem na execução... Se, nele, o aspecto técnico igualasse a justeza das suas percepções, ele seria o grande pintor da segunda metade do século XIX... Aliás, todos os pintores impressionistas pecam por insuficiência técnica”5. A esta altura, Zola não parecia mais capaz de reconhecer a independência expressiva do artista em relação às “convenções físicas e metafísicas”, que havia combatido energicamente na década anterior. Enfim, no romance L’œuvre, inteiramente dedicado aos protagonistas da revolução impressionista, Zola se baseia nas obras de Manet e Monet e na biografia de Paul Cézanne para construir a figura negativa do falido pintor Claude Lantier, acusado, pelo narrador, de “impotência em ser o gênio da fórmula que trazia consigo”6. Aliás, na época da publicação do Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 56 5 ZOLA, E. Les impressionists et Manet. Pour Manet, op. cit., p. 171. 6 O romance foi, inicialmente, publicado em capítulos no periódico Gil Blas, a partir de dezembro de 1885. A sua primeira publicação em volume ocorreu em 1886. romance, Cézanne já havia dado início ao processo expressivo que levaria ao seu estilo construtivo “pré-cubista” e realizado algumas telas cruciais da sua carreira – e notáveis para nós, hoje – como Rochedos em l’Estaque (1882-1885, Museu de Arte de São Paulo), sem que Zola manifestasse interesse pela obra do amigo através de um artigo sequer. O arrojo crítico da sua estreia como crítico de arte se transforma numa visão conservadora e, de certa forma, intolerante da independência do artista7. No grupo restrito dos escritores que se dedicam à crítica de arte com resultados que se podem dizer excepcionais, encontra-se Charles Baudelaire. Autor de três Salons (1845,1846 e 1859) e, entre outros escritos sobre arte, de uma monografia sobre Delacroix, L’Œuvre et la vie d’Eugène Delacroix (1863), recolhidos no volume Curiosités esthétiques em 1868, o poeta, talvez desenvolvendo uma ideia subjacente no conto Le Chef d’œuvre inconnu (1831), de Balzac, aprofunda a questão da oposição entre cor e desenho na pintura. Desde a publicação de Le vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti, de Giorgio Vasari, e da fundação da Accademia delle Arti del Disegno, em Florença, no século XVI, tinha-se afirmado a ideia crítica da supremacia do desenho como elemento fundamental da pintura e da escultura. A cor, considerada um elemento imponderável e irracional, era vista como subalterna à perspectiva linear, ao volume, à ideia de proporção da figura humana, ao chiaroscuro que determina a plasticidade dos objetos representados; enfim, todos eles elementos do desenho que, acreditava-se, eram os verdadeiros responsáveis pela vida das imagens8. Era essa, aliás, 7 Sobre a contribuição dos escritores ao debate sobre as artes visuais e, especialmente, sobre o papel dos escritores franceses, vedi MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. A pintura na literatura. Literatura e Sociedade, São Paulo, n. 2, p. 69-88, 1997. Disponível em: <http://dtllc.fflch.usp.br/revistaliteratura>. 8 É preciso distinguir, aqui, entre a afirmação de um conceito teórico e a atividade dos artistas. Apesar da difusão da ideia do desenho como alicerce da pintura, não faltam exemplos de pintores que não se alinham – ao menos de forma exclusiva – a esse preceito. Entre eles, citamos Tiziano e Tintoretto, representantes da pintura veneta, Rembrant, Rubens, para os quais a importância da cor vai muito além de Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 57 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 a visão predominante no ensino das artes da École des Beauxarts parisiense e da rede oficial de ensino em toda a França até, pelo menos, o final do século XIX. De fato, era baseando-se nesse princípio que Charles Bargues, com o auxílio de JeanLéon Jérôme, tinha criado o seu curso de desenho de grande difusão, que consistia em 197 litografias publicadas por Goupil e Cie entre 1866 e 1871. A École des Beaux-arts, de onde, tradicionalmente, saíam todos os jurados do Salon annuel de peinture et sculpture, não previa o uso de tintas e pincéis nos primeiros dois anos, que eram dedicados exclusivamente à prática do desenho. Desde o seu primeiro Salon, em 1845, Baudelaire dá a entender que a afirmação da superioridade da cor sobre o desenho será uma das suas batalhas. Invertendo o conceito vasariano da “superioridade do desenho” da escola florentina em relação à “preponderância da cor” da escola veneziana, Baudelaire defende a supremacia do colorismo de Delacroix em relação à pintura neoclássica ou neorafaelesca de Jean-Auguste-Dominique Ingres. Dessa forma, abre as portas não só à compreensão da pintura divergente dos preceitos acadêmicos, mas contribui, também, com a indicação de uma nova via possível de expressão, que culminará, poucos anos depois da sua morte (1867), com a revolução impressionista e os seus desdobramentos. No seu Salon de 1846, ganha força a ideia de que não existe beleza ideal, mas que o belo se encontra na expressão sincera do temperamento do artista. Baudelaire opõe-se, assim, de forma geral, à crítica de origem winckelmanniana, que colocava acima do temperamento individual um ideal de beleza enraizado na Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 58 um simples papel subalterno ao desenho. Por outro lado, o próprio Michelangelo desmente o lugar-comum dos pintores toscanos como “desenhadores” exclusivos, substituindo o chiaroscuro tradicional por modulações cromáticas em muitas das suas figuras da abóbada da Capela Sistina. O fenômeno – ocultado por séculos de escurecimento determinado pela fumaça e pelo envelhecimento das mãos de cola e ovo, prática utilizada antigamente para se restabelecer a vivacidade das cores –, reemergiu com toda a sua força após a limpeza dos afrescos no final da década de Oitenta do século passado, criando não pouca confusão entre os estudiosos que, no rastro de Vasari, indicavam Michelangelo como o representante máximo da supremacia do desenho sobre a cor. Antiguidade clássica. É esse pensamento que está na origem das ideias da crítica de arte de Zola dos primeiros e reveladores escritos sobre arte. Desse modo, a beleza torna-se uma forma de preconceito, um limite à compreensão da atividade artística, e abre-se a porta para a ideia de expressão, que reconduz a crítica de arte ao artista e à sua linguagem, não mais vista pelo viés de convenções ou regras impessoais. Assim, na sua crítica de arte, Baudelaire se aproxima muito do ponto de vista dos artistas e tende a usar os mesmos instrumentos usados por eles no ato da criação – exatamente o oposto do que dissemos a respeito de Henry James9. Evidentemente, um simples resumo não pode dar conta – e nem é o nosso objetivo neste ensaio – da complexa e multifacetada atividade como críticos de arte realizada por escritores como Baudelaire e Zola. Porém, nos ajuda a entrever a riqueza do debate sobre a arte entre os escritores franceses no século XIX e nas primeiras décadas do século vinte. Muitos outros nomes podem ser citados, entre os quais, os irmãos Goncourt, Théophile Gautier, Stendhal – cuja Histoire de la peinture en Italie (1817) forneceu, sem dúvida, material de reflexão para Baudelaire – e Marcel Proust, o qual, antes de se tornar o autor de À la recherche du temps perdu, tinha a ambição de se tornar um crítico de arte. Cada qual com o seu nível de compreensão e clarividência. É nesse contexto – e como herdeiro de uma verdadeira tradição de escritores-críticos-dearte – que se insere o poeta, filósofo e ensaísta Paul Valéry. Uma singularidade de Valéry em relação aos escritores citados acima reside no fato que a sua produção poética é 9 As “gramáticas” das artes visuais, com intrumentos para se estudar as obras de arte na sua linguagem específica, começam a tomar corpo no século XIX e se desdobram em verdadeiros tratados no século XX. Entre eles, citamos Stilfragen (1893) e Historische Grammatik der bildenden Künste (1899), de Alois Riegl; Kunstgeschichtliche Grundbegriffe. Das Problem der Stilentwicklung in der neueren Kunst (1915), de Heinrich Wölfflin; Die Kunstliteratur (1924), de Julius von Schlosser; Come si guarda un quadro (1927) e Saper vedere (1933), de Matteo Marangoni; La vie des formes (1934), de Henri Focillon. Uma análise de todas essas contribuições para o desenvolvimento da crítica estilística da arte na primeira metade do século encontra-se em Profilo della critica d’arte in Italia (1948), de Carlo L. Ragghianti. Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 59 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 relativamente limitada, se comparada com a sua produção filosófica e ensaística em geral. Os seus Cahiers, uma espécie de diário intelectual e de exploração psicológica de si, e os seus escritos filosóficos superam abundantemente a exiguidade da sua poesia. No que diz respeito aos escritos sobre arte, Valéry estreia em 1894, com a publicação de Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. Em 1936, publica o ensaio Degas – Danse, dessin, livro antecedido por outros escritos sobre arte, recolhidos, em 1934, no volume Pièces sur l’art. Entre esses escritos, encontra-se Le problème des musées, publicado pela primeira vez no jornal Le Gaulois, em 192310. Antes, porém, de explorar o texto que nos interessa, vale a pena fazer uma rápida digressão sobre algumas ideias de Paul Valéry sobre a arte. Seja no artigo Autour de Corot, seja em Degas – danse, dessin, o escritor atribui à pintura de paisagem, especialmente ao plein air nas modalidades com que se afirmou no curso do século XIX, a culpa de ter reduzido o “papel do trabalho intelectual” na arte. Valéry sustenta que a paisagem, no fundo, é “uma parte de obra” e não a obra inteira. Esta, segundo ele, prevê muitas outras operações mentais e executivas (o metiê perdido dos antigos), como a “composição”, a “perspectiva”, o desenho da figura em infinitas posições e ações, etc. A sua censura não está dirigida a grandes pintores do passado recente como Camille Corot ou Édouard Manet, mas a eles é atribuída a culpa de ter dado o exemplo. A culpa do primeiro seria ter demonstrado que era possível criar uma obra de arte tendo somente a paisagem como assunto; a do segundo, ter mostrado o caminho para o estilo “abreviado”, de pinceladas rápidas, negligentes do “acabamento” e da “composição”11. Diga-se, desde já, que a Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 60 10 VALÉRY, Paul. Le problème des musées. Œuvres, tomo II, Pièces sur l’art. Gallimard: Bibl. de la Pléiade, 1960. p. 1290-1293. 11 A ideia de que Manet e os pintores impressionistas pintassem “casualmente” uma paisagem, uma cena urbana, doméstica, etc., sem se preocupar com o enquadramento e a composição foi sustentada por Émile Zola e se tornou um verdadeiro lugar-comum sobre a “espontaneidade” desses pintores. Porém, um exame cuidadoso das obras de Manet, Monet, Degas, Pissaro, sob esse aspecto, revela uma realidade muito diferente. Um dos exemplos mais eloquentes de “cálculo” no enquadramento e na composição desses pintores é o uso, por parte “facilidade” também pode ser atribuída aos antigos – não aos assim-chamdos “artistas motores”, ou seja, aos criadores de uma nova linguagem e de uma nova expressão, e sim ao interminável rol de “seguidores” menores, os quais, com certeza, possuíam o “metiê”, mas se limitavam, fundamentalmente, a reproduzir e difundir as ideias dos “mestres maiores”. Aliás, é esse um dos argumentos de Charles Baudelaire contra a École des Beaux-arts e os seus preceitos: a imposição de um método que não leve em consideração o temperamento do aspirante a artista leva à impessoalidade e à repetição. Porém, exatamente a ausência de preceitos – ou melhor, a incapacidade de compreender o processo de substituição dos preceitos acadêmicos por uma nova ideia da pintura, ou seja, exatamente a pintura em que o desenho é subordinado à cor, como havia teorizado Baudelaire mais de meio século antes – leva Valéry a escrever: Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées [...] quanto mais se distancia a época em que a perspectiva e a anatomia não eram completamente negligenciadas, tanto mais a pintura se limita ao trabalho a partir do modelo, inventa, compõe e cria menos. O abandono da anatomia e da perspectiva foi, simplesmente, o abandono da ação da mente na pintura a favor somente da diversão instantânea do olho (VALÉRY, 1996, p. 34). Ou ainda: É assim que o interesse pela paisagem mudou progressivamente. De acessório de uma ação, mais ou menos a ela subordinado, tornou-se um lugar de maravilhas, depositário de fantasias, prazer dos olhos de Manet, na sua tela Déjeuner sur l’herbe (1863), de um detalhe de uma gravura de Marcantonio Raimondi (Bolonha, cerca de 1475 – 1534), Julgamento de Páris, realizada a partir de uma obra perdida de Rafael. Na organização das três figuras em primeiro plano da sua tela, Manet recalca visivelmente o grupo de figuras à direita da cena do julgamento da gravura antiga. Isso revela não só o “cálculo” na obra de Manet, mas, também, a sua “dívida” com a tradição. Para se aprofundar os aspectos compositivos da obra de Manet e a sua relação com a tradição, veja CARVALHO, Roberto de Magalhães. “Tradizione” e “invenzione”. Due tele di Manet nel Museo d’Arte di San Paolo. Critica d’Arte, n. 11-12, 1992. 61 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 distraídos... Depois, a impressão prevalece: a matéria ou a luz predominam. Observa-se, então, que o reino da pintura é invadido, em poucos anos, pelas imagens de um mundo sem homens. O mar, a floresta, os campos desertos satisfazem a maior parte dos espectadores. Derivam disso muitas consequências importantes. Visto que as árvores e os campos são muito menos familiares do que os animais, a liberdade da arte aumenta, as simplificações tornam-se comuns, até mesmo grosseiras. Se se representasse uma perna ou um braço como se faz com um galho, ficaríamos escandalizados. Distinguimos muito mal entre o possível e o impossível no que diz respeito às formas vegetais ou minerais. A paisagem oferece, portanto, grandes facilidades. Qualquer um se transformou em pintor [...] Em suma, “o desenvolvimento da paisagem parece mesmo coincidir com uma diminuição sigularmente acentuada da parte intelectual da arte” (VALÉRY, 1996, p. 52). Roberto Carvalho de Magalhães Essa ideia já está, de certa forma, enunciada em Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. Diz Valéry: Alguns trabalhos científicos, por exemplo, e o dos matemáticos em particular, apresentam uma estrutura tão límpida que parecem ser obra de ninguém. Eles têm um quê de desumano. Essa disposição tem tido uma consequência: a suposição de que há uma distância tão grande entre certas disciplinas, como as ciências e as artes, que os espíritos originários foram todos separados na opinião que se tem deles, assim como os resultados dos seus respectivos trabalhos pareciam ser. Estes últimos, entretanto, diferenciam-se somente após as variações a partir de uma base comum, por aquilo que dela conservam e por aquilo que dela negligenciam, formando suas respectivas linguagens e símbolos (VALÉRY, [s.d.], p. 50-51). Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 62 Fazendo do lema de Leonardo da Vinci, hostinato rigore (rigor obstinado), o seu próprio lema, Valéry identifica o rigor da ciência ou da matemática com a linguagem da pintura. Ora, exatamente a matemática, a elaboração racional da perspectiva, a geometria, a ótica, a ciência do escorço, são campos que se entrelaçam inextricavelmente com a pintura do renascimento italiano no curso do século XV e que estarão na base da atividade artística até o século XIX. Assim, quem quiser compreender o processo espressivo dos pintores do renascimento tem que, inevitavelmente, também ser um pouco “matemático”, do contrario, a relação com as obras corre o risco de se limitar à mera percepção do assunto narrativo e de poucos elementos superficiais. Esse é o filtro através do qual Valéry vê a pintura – e que, de certa forma, coincide com a ideia de origem vasariana da primazia do desenho sobre a cor12. O vínculo com a matemática o impede de ver, entretanto, que a pintura colorista dos impressionistas, dos pós-impressionistas, dos pointillistes, dos fauves e, mais tarde, dos seus desdobramentos expressionistas e, enfim, abstratos, também tem a sua lógica interna e a sua boa dose de “exploração intelectual”. Também derivam de um processo que deve e pode ser repercorrido com a inteligência e os instrumentos adequados. Para nos limitarmos a um só exemplo, citamos o fenômeno do contraste simultâneo de cores, explorado amplamente por Claude Monet e por Van Gogh. Trata-se de um fenômeno ótico que faz com que o olho crie, em volta de uma cor dada, a sensação da presença da sua cor complementar. Tal sensação será tanto mais forte quanto maior for o brilho da cor e quanto mais longa a duração do contato da retina com a cor que se observa. Assim, o amarelo tende a gerar, em volta de si, a percepção da cor violeta e vice-versa; o vermelho sugere a presença do seu complementar verde e a cor laranja, do azul, sendo válido também o contrário. O fenômeno – que não era completamente desconhecido pelos pintores 12 Isso explica, entre outras coisas, a admiração de Valéry pelo trabalho de Degas. Entre os pintores ditos “impressionistas”, Degas é o que, com maior evidência – pode-se dizer até mesmo de forma acadêmica – faz uso do desenho. Cada uma das suas telas é antecedida por inúmeros estudos de figura e de grupos de figuras. Aliás, a obra de Degas é dedicada fundamentalmente à figura humana, ao seu escorço e à sua relação com o espaço, em clara contraposição à obra de outros pintores do grupo de artistas independentes, que se dedicam, sobretudo, à pintura en plein air e às paisagens naturais e urbanas. Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 63 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 antigos – é objeto de estudos, na primeira metade do século XIX, por parte do químico francês Michel-Eugène Chevreul, diretor da fábrica de tapeçarias dos Gobelins. Buscando uma solução para as reclamações dos tingidores, os quais notavam que certos corantes não se comportavam como se esperava, Chevreul descobre que não há nada de errado com os corantes, mas sim com os resultados óticos criados pela aproximação de certas cores, que se influenciavam reciprocamente. Chevreul estuda cientificamente o problema e, como resultado das suas observações, cria um disco ótico em que são apontadas as cores fundamentais e certo número de cores derivadas, cada uma com a sua cor complementar no lado oposto do círculo. Dessa forma, os tingidores podiam entender que tipo de efeito ótico cada cor criava em volta de si e como poderiam interagir com as cores vizinhas. Em 1839, Chevreul publica, como resultado dos seus estudos e observações, o volume De la loi du contraste simultané des couleurs, que, direta ou indiretamente, forneceu elementos de reflexão e exploração aos pintores coloristas, de Delacroix em diante. Monet, por exemplo, explora, entre outras coisas, o fenômeno das sombras coloridas – fundamentalmente violáceas ou azuis em contraposição ao amarelo ou alaranjado solar, como em La pie (A pega, 1868-69) ou na Gare de SaintLazare (1877), ambas do Musée d’Orsay, Paris. Van Gogh faz do contraste simultâneo de cores complementares um dos alicerces da sua pintura. Justapondo, sistematicamente, verde e vermelho, amarelo e violeta, azul e laranja, e muitas outras combinações, ele faz com que as cores se excitem reciprocamente, dando às suas telas a intensidade expressiva que as distingue13. Dessa forma, os pintores se desvencilham do vínculo com a “matemática”, mas, com certeza, não do compromisso com a exploração inteletiva e com a ideia de que arte é, entre Roberto Carvalho de Magalhães 13 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 64 A excitação das cores complementares justapostas deriva do fato que uma produz exatamente o efeito ótico da outra. Assim, o vermelho justaposto ao verde acrescenta verde ao verde e, vice-versa, o verde acrescenta vermelho ao vermelho. A esse fenômeno se dá o nome de contraste simultâneo de complementares. outras coisas, ampliação das possibilidades de expressão. Não há nada de fácil ou de óbvio nessa transição. A crítica de arte de Paul Valéry tem limites palpáveis derivados do seu compromisso filosófico com a racionalidade e a transparência típicas da matemática. Porém, esses limites também estão, paradoxalmente, na base de algumas das suas asserções mais espetaculares e reveladoras, como as contidas no breve, mas explosivo, texto Le problème des musées. O escritor abre o artigo com uma afirmação que, hoje, poderia ser quase considerada uma banalidade: Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées Não gosto muito de museus. Há muitos que são admiráveis, não há nenhum encantador. As idéias de classificação, de conservação e de utilidade pública, justas e claras, têm pouca relação com o encanto (VALÉRY, 1960, p. 1290). A ideia remete ao lugar-comum do tédio ou do malestar que os museus inspiram e, indiretamente, à conversão de muitos museus, hoje, em verdadeiros lugares de entretenimento para combater o risco de “entediar” o público14. Mas a própria assunção aparente de um lugar-comum por parte de um poeta, filósofo e ensaista do calibre de Paul Valéry, é já em si surpreendente. Por que deveria dizer algo que esperaríamos ouvir, sobretudo de pessoas incultas? Um busto deslumbrante aparece entre as pernas de um atleta de bronze. A calma e as violências, as frivolidades, os sorrisos, as contraturas, os equilíbrios mais críticos compõem em mim uma impressão insuportável. Estou em meio a um tumulto de criaturas congeladas, em que 14 Uma das formas do museu contemporâneo de “atrair” o público é a espetacularização da sua arquitetura, o que, quase sempre, negligencia as instâncias expressivas das obras de arte que conterão. Aliás, muitas arquiteturas destinadas a museu, hoje, são criadas ainda antes da própria coleção. A arquitetura constitui, assim, um fim em si mesmo, em obra unívoca, ou seja, pouco propensa a “dialogar” com as obras que deveria acolher. A questão foi um dos temas enfrentados recentemente no congresso internacional Museologia e Museografia della globalizzazione, realizado em Nápoles e Florença, em setembro de 2009. As atas do congresso foram publicadas em Critica d’Arte, n. 39-40, 2009. 65 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 cada uma exige, sem obtê-lo, a inexistência de todas as outras (VALÉRY, 1960, p. 1290). Roberto Carvalho de Magalhães Este começo de resposta deixa claro que o seu desconforto nos museus não está relacionado com a síndrome de Stendhal, ou seja, com o sentimento de opressão diante de uma grande concentração de “beleza” e de história15. Observando com ironia que “um busto deslumbrante aparece entre as pernas de uma atleta de bronze”, Valéry deflagra o primeiro explosivo, dizendo que cada uma das obras “exige a inexistência de todas as outras”. Obviamente, não se refere à inexistência material das obras, mas à sua indesejada presença e justaposição no mesmo ambiente. Ainda que dispostas de forma organizada segundo um critério – distribuição cronológica, divisão por tipologia, estilo e/ou proveniência –, a reunião das obras no mesmo espaço cria uma simultaneidade na percepção, que se faz também cacofonia. Continua Valéry: O ouvido não suportaria ouvir dez orquestras ao mesmo tempo. O espírito não pode acompanhar nem conduzir várias operações distintas e não existem pensamentos simultâneos. Mas o olho, no seu campo de visão móvel e no momento da percepção, é obrigado a aceitar um retrato e uma marinha, uma cozinha e um triunfo, personagens em situações e tamanhos os mais variados; e, ainda por cima, deve acolher no mesmo olhar harmonias e modos de pintar incomparáveis entre eles. Do mesmo modo que o sentido da visão se acha violentado por esse abuso do espaço que uma coleção constitui, a inteligência não é menos ofendida por um conjunto estreito de obras importantes. Quanto mais belas são, mais elas são os efeitos excepcionais 15 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 66 “Síndrome de Stendhal” é um termo derivado das sensações – uma espécie de mal-estar psicofisico – descritas por Stendhal nas memórias de viagem Rome, Naples et Florence (1817), Promenades dans Rome (1829) e Mémoires d’un touriste (1838). Mais especificamente, nas páginas do primeiro livro, o escritor descreve a crise que o atinge na Basílica di Santa Croce, em Florença, depois de ter visto os afrescos de Giotto. O excesso de sensações devido à exposição à densidade de história, arte e beleza, o leva a deixar a igreja, com taquicardia, a cabeça pesada e o receio de cair. da ambição humana, mais elas devem ser distinguidas (VALÉRY, 1960, p. 1291). Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées O escritor indica, dessa forma, a necessidade de se estabelecer uma relação exclusiva com uma obra, num determinado espaço e por certo tempo, da qual todas as outras não deveriam participar. Essa ideia parece refutar o próprio conceito de museu da forma como nos foi legado pelo Iluminismo e que predomina até hoje: ou seja, o museu enciclopédico, catalográfico, organizado como um dicionário, com a consequência, porém, de que os “verbetes” entram todos no campo da visão simultaneamente e não permitem uma “leitura” adequada de cada um deles individualmente. A observação de Valéry remete à ideia muito atual da quantidade do patrimônio histórico-artístico e as suas palavras a esse respeito parecem escritas hoje: Mas o nosso patrimônio é esmagador. O homem moderno foi empobrecido pelo próprio excesso das suas riquezas, assim como foi esgotado pela enormidade de seus recursos técnicos. O mecanismo das doações e dos legados, a produção ininterrupta e as compras e essa outra causa de crescimento que depende da moda e do gosto, do retorno a obras que tinham sido desdenhadas, contribuem incansavelmente para a acumulação de um capital excessivo e, portanto, inutilizável (VALÉRY, 1960, p. 1292). Esse “empobrecimento por excesso de riqueza” é muito claro nos museus. Temos um grande patrimônio de obras e não temos o tempo necessário e o espaço adequado para nos relacionarmos com elas. Como ainda diz Valéry A produção de milhares de horas que tantos mestres passaram desenhando e pintando agem nos nossos sentidos e no nosso espírito em poucos instantes, e aquelas horas tinham sido horas carregadas de anos de pesquisas, de experiência, de cuidado, de genialidade!... 67 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 Temos que sucumbir inevitavelmente. O que fazer? Tornamo-nos superficiais (VALÉRY, 1960, p. 1292). Roberto Carvalho de Magalhães Portanto, a falta de tempo e a cacofonia causada pela simultaneidade de tantas vozes condicionam a nossa relação com as obras – ou melhor, nos distanciam delas. Se partirmos do pressuposto de que uma obra de arte é o resultado de um processo que contém em si uma experiência que se consubstancia no tempo, é preciso que tenhamos a disponibilidade de tempo e os instrumentos para poder, com a obra, repercorrer o processo de criação. A compreensão do processo não é e nunca será instantânea, como a suposta instantaneidade do olhar nos faz crer. Só uma mente muito ingênua pode crer que uma verdadeira obra de arte seja um produto instantâneo. A sua execução pode, sim, ser rápida, mas pressupõe anos de prática, aprendizagem, escolhas, tentativas, pesquisas, que afluem para um quadro, para uma escultura, para um objeto. A obra contém em si o processo e a experiência que a gera no tempo e, sem tempo e instrumentos, não temos a mínima chance de partilhar com ela a sua experiência. Mas Valéry nos alerta, não sem sarcasmo, distinguindo instrumentos e compreensão do processo de erudição: Ou, então, nos fazemos eruditos. No campo da arte, a erudição é uma espécie de derrota: não esclarece o que é realmente delicado, aprofunda o que não é essencial. Ela subtitui a sensação com hipóteses, a presença da maravilha com a memória prodigiosa; e, ao museu imenso, anexa uma biblioteca ilimitada. Vênus se transforma num documento (VALÉRY, 1960, p. 1293). Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 68 Esta afirmação é uma verdadeira inventiva contra os estudiosos que não reconhecem a arte como disciplina autônoma e tratam as obras de arte como um epifenômeno, ou seja, derivação de um fenômeno principal e não um fenômeno autogerador. É uma referência às superestruturas teóricas aplicadas à arte – sociologia, iconologia, psicologia –, que fazem da arte uma de suas “seções” sem lhe reconhecer algum tipo de especificidade. É um ataque ao arquivismo, que, embora sendo importante, não substitui a compreensão do processo contido em uma obra. Enfim, o autor, conturbado, decide sair do hipotético museu em que se encontra e, na rua, o seu “mal-estar à procura da sua causa” é, por fim, esclarecido, numa revelação repentina: Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées Uma resposta abre o seu caminho em mim, se desvencilha pouco à pouco das minhas impressões, e pede para se pronunciar. A Pintura e a Escultura, me diz o demônio da Explicação, são crianças abandonadas. A mãe delas morreu, a mãe Arquitetura. Enquanto estava viva, dava a cada uma o seu lugar, o seu emprego, os seus deveres. A liberdade de vaguear lhes era negada. Elas tinham o próprio espaço, a sua luz bem definida, seus temas, suas ligações... Enquanto a mãe estava viva, sabiam o que queriam... (VALÉRY, 1960, p. 1293). E aqui chegamos ao ponto central da questão. A afirmação de Valéry é, no mínimo, surpreendente e bombástica. Comparando os museus com um orfanato, em que as crianças vagueiam sem a referência de uma família, ele associa, em primeiro lugar, as obras de artes a seres vivos, que, pela perda dos pais, ficaram sem rumo, sem regras, desamparados. Essa ideia se aproxima muito do conceito moderno da “obra de arte como ser vivo”16. Em segundo lugar, observando que a mãe das obras era a arquitetura, indica que esta última é parte do processo inerente à criação das obras. Portanto, a separação de um quadro ou de uma escultura da arquitetura – e do lugar específico nessa arquitetura – para a qual foram concebidos e destinados originariamente implica numa perda de referentes que não deixa as obras viverem na sua plenitude. 16 RAGGHIANTI, C. L. Arte essere vivente. Firenze: Edizioni Pananti. No seu livro, Ragghianti fala de “iniciativas de vida” e nas “experiências humanas que as obras de arte guardam na sua plena integridade e vitalidade”. Ver também, a esse propósito, MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. História da arte ou estória da arte? Varia historia, Belo Horizonte, v. 24, n. 40, p. 407-418, jul./dez. 2008. (O artigo pode ser encontrado em: <http://www.scielo.br/pdf/vh/v24n40/04.pdf>). 69 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 70 Podemos tomar alguns quadros de Caravaggio como exemplo do que Valéry diz. Em Roma, na Capela Cerasi da Igreja Santa Maria del Popolo, encontram-se duas telas do pintor lombardo: O martírio de São Pedro e a Vocação de Paulo, ambas de 1600. A primeira tela encontra-se na parede lateral esquerda da capela e a segunda na parede lateral direita. Estando a capela situada ao lado esquerdo do altar maior, a luz natural que nela penetra provém essencialmente do alto à direita, em sentido diagonal, de uma das janelas da cúpula. Pois bem, entre outras coisas, é essa a direção da luz adotada por Caravaggio nas duas telas: no Martírio de São Pedro, a luz, elemento fundamental da linguagem do pintor e na base da dramaticidade dos seus quadros, invade a cena do alto e da esquerda para a direita; na Vocação de Paulo, o clarão que atinge Saulo (São Paulo) o faz da direita para a esquerda. Em ambos os casos, a luz pintada faz-se prolongamento desejado da luz natural fornecida pela arquitetura em que as telas se encontram, unindo as imagens indissoluvelmente à arquitetura. Essa escolha – desenvolvida desde o século XV, na Itália, e em sintonia, então, com o racionalismo humanista da pintura daquele momento histórico – faz parte de uma estratégia de persuasão, ou seja, a de fazer com que as figuras pareçam encontrar-se num espaço que é o prolongamento do espaço do observador. O mesmo ocorre nas telas de Caravaggio da Capela de São Mateus da Igreja de São Luís dos Franceses, também em Roma. A existência dessas obras nos locais para os quais foram originariamente produzidas nos deixa identificar o processo de criação do pintor e as suas escolhas. Na prática, temos aí uma oportunidade de nos apropriar da sua linguagem, ainda que, em muitos casos, transformações na arquitetura ao longo dos séculos ou a presença de luzes artificiais que contrariam a relação desejada entre luz pintada e luz arquitetônica possam ser um obstáculo. Ao contrário, obras de Caravaggio em museus, misturadas com muitas outras de estilo similar ou de linguagem contrastante, são destituídas dos seus referentes e da sua força expressiva originários. É o caso, por exemplo, das Ceias em Emaus da National Gallery de Londres e da Pinacoteca de Brera (Milão) ou do Êxtase de São Francisco, do Wadsworth Atheneum Museum of Art (Hartford, Connecticut, USA). Essas obras têm que conviver com muitas outras – que exigem diferentes relações com a arquitetura, diferentes iluminações e alturas – em um ambiente com uma iluminação genérica – quase sempre excessiva – e com o alinhamento das obras à uma altura convencional, estabelecida por critérios alheios às obras expostas, que não levam em conta as suas perspectivas e a relação espacial que querem criar com o observador. Embora sejam colocadas em certa ordem – cronológica, por escolas, proveniência geográfica –, essa ordem faz parte do saber externo sobre as obras e não as faz reviver nas suas modalidades de expressão. Como sugerido acima, a perspectiva também é outra nota dolente da exposição de obras em museus. Desde a sua formulação racional por parte de Filippo Brunelleschi no início do século XV, os pintores desenvolvem, inicialmente na Itália, inúmeras estratégias de representação do espaço em perspectiva, com as suas consequências para a disposição das figuras e das arquiteturas pintadas. A perspectiva brunelleschiana e os seus desdobramentos previam a diminuição gradual e proporcional das figuras e dos elementos arquitetônicos conforme uma progressão geométrica precisa. Não só. Era, também, estabelecido um ponto de convergência perspéctica, que determinava a posição do olho do observador, a fim de se obter o efeito de diminuição espacial e para se estabelecer o escorço das figuras. Ainda que de forma diversificada e com diferentes níveis de compreensão da perspectiva racional, os pintores trabalham para, como no caso da luz, criar a sensação de que há uma continuidade entre o espaço do observador e o espaço representado na parede ou num painel. Além das consequências para a percepção física das imagens representadas, essa estratégia também tem enormes consequências culturais: passa-se Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 71 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 de um uso da luz, do espaço, das proporções das figuras que tendia, nos séculos anteriores, a sublinhar os aspectos imponderáveis e sobrenaturais das cenas, à ponderabilidade e à intelegibilidade desses mesmos elementos e à sua consequente humanização. Subtrai-se a imagem do domínio do imponderável e explora-se a dimensão racional, que se pode controlar com o intelecto. O uso do fondo oro (fundo dourado) nos painéis medievais é o exemplo da imponderabilidade do espaço. O ouro é profundo e bidimensional ao mesmo tempo. É luz. Não se mede. É expressão de um espaço que não se dobra à matemática, à racionalidade, à medida humana. A perspectiva impõe a medida e as proporções humanas à imagem. Um painel com o fondo oro no altar de uma igreja gótica, resplandecia na sua relação com a luz oscilante das velas e das tochas e as suas figuras de proporções desmedidamente grandes ou pequenas entre elas transportavam a um mundo fora do nosso alcance; um painel com um cenário arquitetônico e figuras em perspectiva e com uma luz pintada como se fosse a continuação da luz presente na própria arquitetura, posicionado corretamente sobre um altar para que o olho do observador se encontrasse no eixo perpendicular determinado pelo ponto de fuga, davalhe a impressão de poder andar naquele cenário e entre aquelas figuras. Na sua grande maioria, os museus não levam esses fatores em consideração. Duvido até que muitos historiadores e críticos de arte – que constituem a maior parte dos diretores de museus de arte – também se deem conta do fenômeno da relação entre obra e espaço arquitetônico, que, aliás, no caso dos painéis, infere-se com o estudo, quando possível, da posição de muitas obras nos espaços a que eram destinadas originariamente. Pinturas inamovíveis, como os afrescos, nos fornecem exemplos irrefutáveis desse processo e dos objetivos dos artistas17. Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 72 17 No renascimento, entre os exemplos mais significativos do uso, em afrescos, da perspectiva racional e da unificação entre luz natural e luz pintada para se criar Ampliando um pouco mais a análise, até mesmo as obras dos impressionistas têm referentes externos precisos. A ideia da “casualidade” do enquadramento, sustentada por Zola, e a preponderância da cor sobre o desenho, em Manet e nos impressionistas, deram origem ao mito de que as obras de Monet, Renoir, Pissarro e Sisley não possuem perspectiva ou tridimensionalidade. Ao contrário, obras de Monet como La Grenouillère, muitas das suas paisagens urbanas, as Catedrais de Rouen e mesmo os quase abstratos nenúfares de Giverny, têm um enquadramento preciso e intencional, que determina, em primeiro lugar, a relação espacial do pintor com o tema do seu quadro e, por conseguinte, o tipo de relação espacial que a obra quer estabelecer com o observador – visão de cima para baixo, central, lateral, de baixo para cima, etc. O respeito desses parâmetros coloca o observador no lugar ocupado pelo pintor no ato da criação da obra, aproximando-o das escolhas e da visão do seu criador. O que aconteceria se se tentasse recriar essas relações – os referentes espaciais e de iluminação de cada obra, numa sala de museu? A não ser que duas ou mais obras tenham exatamente os mesmos referentes, a tentativa resultaria, com certeza, num grande conflito entre todas as exigências. Despem-se, então, as obras de arte daquilo que lhes é mais precioso: a sua individualidade. E, como diz Valéry, tornamo-nos superficiais. Tratamos de mil detalhes acessórios para camuflar a falta do essencial. Na melhor das hipóteses, no orfanato, dá-se à criança órfã a alimentação, a roupa, uma cama, a higiene e até uma continuidade ótico-espacial entre espaço arquitetônico real e espaço ideal da pintura, podemos citar: a Trinità, di Masaccio (1427, Florença, Santa Maria Novella); a Anunciação, de Masolino (1432, Roma, Basilica di San Clemente); a Camera degli Sposi, de Andrea Mantegna (1474, Mântua, Palazzo Ducale); os afrescos da Sacristia de São Marcos, de Melozzo da Forlì (1477-1480, Basílica do Santuário de Loreto). No século XVI, a continuidade entre espaço arquitetônico e espaço da pintura foi desenvolvida e ampliada por Correggio nas cúpulas da igreja de São João Evangelista (1520-1524) e da Catedral de Parma (15241530), verdadeiras antecipações das arquiteturas fingidas e das perspectivas de céu aberto do período barroco. Porém, não faltam tentativas de se coordenar espaço real e espaço da pintura já no século XIV, com Giotto e Simone Martini nas Basílicas Superior e Inferior de Assis. Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 73 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 74 mesmo instrução; mas lhe faltará sempre o amor da mãe. Nos museus, a saúde e a sobrevivência das obras são garantidas, elas recebem uma etiqueta com nome, data de nascimento e origem; mas lhes faltarão sempre os referentes que eram parte integrante delas e que as fariam viver na sua plenitude. Elas são colocadas em fila, alinhadas a uma altura que pode convir a algumas, mas que, quase sempre, não convém a nenhuma; recebem uma luz excessiva e/ou na direção errada. Sob a ordem aparente, reina o caos da incompreensão e a imposição de regras gerais que não lhes dizem respeito. O museu oferece algo que nenhum outro meio – os livros, o computador, os vídeos – pode e jamais poderá oferecer: o envolvimento físico com a obra, a experiência que se propaga da obra para o espaço físico do observador. Além dos locais que ainda conservam as obras que lhes foram originariamente destinadas, só os museus e as galerias de arte têm, potencialmente, a possibilidade de recriar as relações entre as obras, o espaço arquitetônico e o observador. Mas, entre outros fatores, por causa da acumulação da qual Paul Valéry fala em Le problème des musées, a quantidade de obras expostas sobrepuja a qualidade da relação proposta entre as obras e o observador, e o indivíduo é sacrificado a favor da massa, do genérico. Vende-se uma ilusão: a de conhecer obras – pelo simples fato que entraram no nosso campo ótico por alguns segundos e que lemos o nome do seu autor, a sua datação, a sua proveniência e o seu título e entendemos o assunto narrativo (se se trata de obra figurativa). Obras que, entretanto, levaram centenas de horas e cálculos para serem realizadas – horas e cálculos antecedidos, por sua vez, por anos de estudo, pesquisa, reflexão e experimentação. Na era da reprodutibilidade técnica das obras de arte, transmite-se a impressão de que o livro e a tela do computador possam veicular a experiência, a ciência e a expressão contidas num quadro ou numa escultura. Em parte, é verdade. Mas eles não substituem a relação física e espacial primordial da obra original com o observador – a não ser que a obra tenha sido criada especialmente para esses meios. Nenhum livro e nenhum programa informático, como The Art Project de Google, poderá jamais recriar tais relações. Isso só é possível e desejável, ainda que raramente aconteça, em um museu, em uma galeria, em uma exposição temporária, em um espaço que inclua fisicamente o observador. Um exemplo extremo da impossibilidade de se veicular, num livro ou no computador, essa experiência fundamental da relação entre pintura, espaço arquitetônico e observador encontra-se nas espetaculares arquiteturas “fingidas” barrocas. Tais arquiteturas, pintadas como se fossem uma prolongação da arquitetura real, têm como objetivo expressivo a ampliação do espaço limitado de uma igreja ou de uma sala de um palácio no sentido vertical e horizontal. Elas possibilitam a inserção de paisagens, cenas de todo tipo, perspectivas celestes vertiginosas. Para que a ilusão se torne realidade, não só o pintor realiza cálculos precisos para a convergência perspéctica dos elementos arquitetônicos pintados, mas também aplica minuciosamente, para o jogo de luz e sombra na sua arquitetura fingida, a direção da luz fornecida pela arquitetura real. Os eventuais grupos de figuras também seguem os mesmos cálculos para a determinação do seu escorço. Além disso, o ilusionismo não se realiza se o observador não se posicionar em pontos precisos do espaço, estabelecidos pela convergência perspéctica da arquitetura pintada. Pode-se dizer que tais pinturas são uma espécie de apoteose daquilo que Paul Valéry chama de “parte intelectual da arte”. Enfim, nas artes visuais, o envolvimento fisico com os critérios estabelecidos pelo autor na sua relação com o espaço e a luz são determinantes para se vivenciar a obra e compreendêla inteletivamente. Por isso, o lay-out de um museu – que, via de regra, assemelha-se ao de um livro, de um catálogo, negligenciando assim as instâncias individuais das obras de arte – é um motivo frequente de insatisfação, mesmo entre pessoas de cultura elevada. Costumo dizer aos meus alunos que a leitura é muito mais proveitosa quando realizada em Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 75 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 casa, sentados numa poltrona confortável. Confundir o museu com um livro ou com um catálogo é uma maneira de negar a vivência da obra. Resta o problema das obras que não têm o seu alicerce na matemática e na perspectiva, com as suas consequências para a relação com o espaço e com o observador, como as que, implicitamente, são contempladas por Valéry. A sua ideia de arte está vinculada, como demonstramos acima, à transparência e à racionalidade matemática. Mas o que pode ser um seu limite na compreensão da pintura colorista e moderna, possibilita, vice-versa, uma revelação no que diz respeito à exposição de obras do passado, as quais existem no presente, tais e quais as obras contemporâneas, com os seus processos intrínsecos, as suas ideias, as suas linguagens. O que acontece quando as obras não se apóiam nos princípios defendidos por Valéry? No que diz respeito à criação artística, como temos dito, a individualidade é algo fundamental. Portanto, cada caso deveria ser avaliado individualmente. Lancemos mãos de um caso específico, deixando abertas as perguntas e as respostas para os infinitos casos existentes e os que ainda existirão. Concentremo-nos em duas obras de Van Gogh: Noite estrelada (Museum of Modern Art, New York) e Ciprestes (The Metropolitan Museum of Art, New York). As duas telas, pintadas em junho de 1889, durante o ano que o pintor transcorreu no asilo de Saint-Rémy de Provence, foram reunidas por cerca de três meses, em 2008, em uma exposição temporária na Yale University Gallery of Art (New Haven, Connecticut)18. Ambas representam dois ciprestes em primeiro plano com uma vista parcial da cadeia montuosa Alpilles ao fundo. Noite estrelada tem um formato retangular no sentido horizontal e, no plano intermediário, oferece uma Roberto Carvalho de Magalhães 18 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 76 Van Gogh's “Cypresses” and “The Starry Night”, Yale University Art Gallery, New Haven, 15 de junho-7 de setembro de 2008. Organização de Jennifer Gross, the Seymour H. Knox Jr. Curator of Modern and Contemporary Art at the Yale Art Gallery. vista da cidadezinha de Saint-Rémy. Em Ciprestes, que possui um formato retangular no sentido vertical, Saint-Rémy não aparece. Enfim, a primeira tela é uma paisagem noturna, enquanto a segunda está sob uma intensa luz diurna. Apesar de o assunto das duas telas ser quase o mesmo, já notamos uma diferença importante: a escuridão da primeira em oposição à luminosidade da segunda – e isso já nos deveria fazer refletir sobre como iluminar cada uma delas. Mas, se dermos um passo à frente na análise, notamos outros dois elementos que são os verdadeiros alicerces das obras: o contraste simultâneo de cores complementares – muito evidente em Noite estrelada e apenas esboçado em Ciprestes – e as pinceladas gráficas, lineares, em forma de vírgulas ou de pequenos segmentos retilíneos, cuja densidade é tanta que elas compõem uma verdadeira topografia acidentada sobre as telas. Já falamos sobre a questão da justaposição de cores complementares e as suas consequências expressivas. Mas qual é o papel das pinceladas densas que deixam atrás de si uma trama de relevos sobre a tela? Elas produzem um efeito de real movimento, de vibração – e não somente pela sua forma espiralada. Sob uma só fonte de luz direcionada diagonalmente, cria-se sobre a superfície dessas – assim como em muitas outras – telas de Van Gogh, um jogo capilar de luz e sombra, que varia conforme a variação de posição do observador diante dos quadros. Isso acrescenta uma grande animação – poderíamos dizer até mesmo pulsação – à imagem, que se sobrepõe às já conturbadas formas aspiraladas dos elementos da composição e à excitação recíproca das cores complementares justapostas – no caso de Noite estrelada, vários tons de azul e de amarelo19. 19 Convém lembrar que, apesar de Van Gogh explorar de modo sistemático o potencial expressivo dos relevos deixados pelas pinceladas densas, isso não é uma novidade absoluta. Claude Monet e, antes dele, Gustave Courbet, assim como outros pintores de meados do século, exploram a rugosidade das pinceladas, ainda que de forma menos generalizada. Em algumas marinhas de Courbet, vêse a rugosidade das pinceladas na espuma das ondas que se quebram (como em Tromba d’água, cerca de 1866, Phildaelphia Museum of Art, em que o pintor explora várias texturas sobre a tela para criar um efeito de perspectiva atmosférica) ou nos recifes próximos da areia (como, por exemplo, em A praia de Trouville: Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 77 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 Como muitas cartas de Van Gogh ao irmão Theo, a Émile Bernard, a Paul Gauguin, deixam claro, a escolha das cores, as pinceladas gráficas e densas, o enquadramento, não são fruto do acaso ou de um arrebatamento do momento, mas de escolhas que querem se desdobrar no âmbito físicoótico, intelectivo e emotivo do observador, que, assim, podese constituir como testemunha da visão e do estado emotivo do pintor. Trata-se de um processo de elaboração consciente de uma linguagem e de uma expressão. Para se estabelecer o envolvimento físico e deflagrar a experiência do processo criativo e expressivo de Van Gogh na relação física das suas telas com o observador, alguns estratagemas eram necessários. Em primeiro lugar, distinguir a qualidade da luz específica de cada uma das duas obras: noturno versus diurno. O noturno exigia uma iluminação mais fraca, quase uma penumbra, para fazer emergir o brilho das estrelas e da luz proveniente das casas ao longe; o diurno requeria uma luz mais intensa, ainda que, quase sempre, a intensidade de luz que se dá nos museus é excessiva20. Em segundo lugar, para possibilitar que as obras emanassem a pulsação que deriva da relação entre incidência da luz, relevo das pinceladas e movimento do observador diante da tela, seria preciso direcionar a luz diagonalmente para cada uma das obras sem que a iluminação de uma interferisse com a iluminação da outra e, assim, anulando indesejavelmente os respectivos efeitos de luz e sombra. Enfim, sendo ambas de formato relativamente pequeno e não estruturadas com base na perspectiva racional (o que não significa ausência de espaço tridimensional ou de profundidade espacial), a altura Roberto Carvalho de Magalhães por-do-sol, 1865-1866, do Wadsworth Atheneum Museum of Art, Hartford). Em Monet, os relevos deixados pelas pinceladas são visíveis já na tela A pega, de 1868-69 (Musée d’Orsay, Paris), e atingem uma espécie de paroxismo nas séries dedicadas às pilhas de feno (1890-1891) e à Catedral de Rouen (1892-1894). 20 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 78 Para pintar as suas paisagens noturnas, Van Gogh utilizava a luz de uma ou mais velas, cuja oscilação participava, sem dúvida, do processo de formação da imagem. O movimento produzido pela oscilação da luz se sobrepunha ao movimento espiralado das pinceladas e interagia com os relevos por elas deixados sobre a tela, contribuindo com a intensidade da visão. para ambas podia ser a tradicional para uma pessoa de estatura média, com as obras alinhadas a partir do centro das telas. Com exceção do último ponto, as instâncias expressivas fundamentais das duas obras de Van Gogh, na exposição da Yale University Art Gallery (assim como acontece nos seus respectivos museus), foram completamente ignoradas, embora tivesse sido criado, no espaço flexível da arquitetura projetada por Louis Kahn, um ambiente específico para a sua exposição. Tanto menos essas instâncias eram reveladas nos textos relativos às obras – ainda que nenhum texto possa substituir a vivência direta (física, ótica e emotiva) e o envolvimento do observador na relação obra/espaço/luz nos termos reivindicados pela própria obra. No seu artigo Le problème des musées, Paul Valéry antecipa uma questão que, embora enfrentada nas suas dimensões prática e teórica na Itália, a partir de meados do século passado, não faz parte da agenda da grande maioria dos museus no mundo – sejam eles grandes ou pequenos –, o que constitui uma lacuna educativa relevante. A partir do final da década de 1940, o arquiteto e designer veneziano Carlo Scarpa dá forma concreta a uma ideia de museu que privilegia a individualidade das obras. Entre eles, encontra-se a Galleria Regionale della Sicilia, Palazzo Abatellis, de Palermo. Na sua estrutura expositiva, instalada no palácio do século XV de estilo gótico-catalão, inaugurada em 1954, Scarpa dispõe as obras levando em consideração, com extrema sensibilidade, as exigências de cada uma na relação com o espaço arquitetônico e com a luz. Quase todas as obras têm um suporte, um fundo e uma luz específicos. Assim, o percurso do museu se transforma numa sequência de “paradas” – verdadeiras surpresas – que fomentam a experiência e a vivência das obras. Convém sublinhar, mesmo correndo o risco de sermos repetitivos, que cada solução é determinada por uma compreensão da própria linguagem e das instâncias expressivas de cada obra na sua relação com o espaço e com a luz. Um dos exemplos mais felizes do percurso do museu é a solução adotada para Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 79 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 Roberto Carvalho de Magalhães Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 80 o pequeno painel da Annunziata (1477), de Antonello da Messina. Como num retrato flamengo do século XV, a figura da Virgem emerge de um fundo escuro graças a uma luz proveniente da esquerda para a direita em sentido diagonal. Para sublinhar essa escolha do pintor, Scarpa colocou o pequeno óleo de 45 x 34,5 centímetros num painel situado no centro da sala, à direita da janela e orientado diagonalmente, para receber a luz natural exatamente na mesma direção da luz pintada. A posição da obra chama a si, dessa forma, a relação com o espaço arquitetônico e a sua luz, ou seja, o espaço do observador, o qual é abrangido fisica e oticamente – e ousamos dizer, também, emotivamente – pelas escolhas do pintor. O museu do Palazzo Abatellis possui um acervo quantitativamente limitado, o que, sem dúvida, contribuiu com a tentativa de Carlo Scarpa de reintegrar, na exposição permanente, a relação individual de cada obra com o espaço e a luz. No âmbito da filosofia e da crítica de arte, a questão foi enfrentada de maneira ampla por Carlo Ludovico Ragghianti, que, no livro Arte, fare e vedere. Dall’arte al museo, define a museologia como critica d’arte in azione e sustenta a necessidade de se apresentar as obras nos museus conforme os critérios estabelecidos pelo artista no seu processo de criação, que podem e devem ser deduzidos das próprias obras e não lançando mão de métodos que lhes são alheios. Para isso, o intérprete deve ser apto a reconhecer o status autônomo e gerador de conhecimento e de experiência das artes visuais, ao invés de considerá-las manifestação colateral ou derivada de outros âmbitos – como a história, a religião, a literatura, a psicologia, etc. – e a reconstruir os mecanismos próprios dos artistas, munindo-se dos intrumentos da gramática visual. Mas um museu diferente do descrito por Paul Valéry em Le problème des musées e que leve em conta as exigências das obras, como indicamos acima, é possível? Depende. Sem dúvida, é uma necessidade, que, porém, requer escolhas drásticas, como, por exemplo, a redução do número de obras nas exposições permanentes, para que cada uma das obras expostas possa ter os seus referentes espaciais e de luz específicos. Podese, também – para “salvar a cabra e as couves”, como se diz em italiano –, no percurso tradicional da exposição permanente, destinar espaços a exposições exemplares, que façam com que algumas obras revivam as relações ideais com o espaço, com a luz e com o observador – ou seja, as relações entre a obra e a sua mãe arquitetura, tendo o observador como testemunha. Enfim, no que diz respeito pelo menos às diferentes alturas requisitadas pelas obras na relação com o observador, isso seria possível se, com coragem, ao invés de se alinhar todas as obras a uma altura convencional e determinada por fatores alheios às obras, elas fossem colocadas, simplesmente, cada uma na sua altura ideal, com algum tipo de assinalação visual ou textual do porquê dessa escolha21. De uma forma ou de outra, a necessidade de satisfazer as exigências cognitivas e educativas fundamentais assinaladas há quase um século por Paul Valéry permanece, via de 21 Algumas hipóteses de como as diferentes exigências de altura de um grupo de quadros pode ser tratada em um museu são fornecidas em MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. Musei: istanza pedagogica dell’arte. Notizie da Palazzo Albani, v. XX, n. 1-2, 1992. Revista de História da Arte da Università degli Studi di Urbino. Urbino, Argalìa Editore, p. 325-340. Em especial, no caso de um grupo de naturezas mortas de Giorgio Morandi, que se baseiam, essencialmente, na representação de um grupo de frascos com ângulos de visão de várias alturas, incluido a visão de baixo para cima, recomenda-se traçar uma linha do horizonte perspéctico na parede – que corresponde à altura dos olhos do observador no museu – e alinhar a linha do horizonte perspéctico especifica de cada quadro à linha traçada na parede. Dessa forma, recriam-se, ainda que parcialmente, as condições visuais estabelecidas pelo pintor na sua relação com o objeto dos seus quadros. À pergunta: o que acontece com a variação de altura dos observadores? Evidentemente, a linha do horizonte na parede deve levar em consideração a altura média dos visitantes de um museu. Além de dar uma referência visual para a convergência perspéctica de cada quadro, a linha na parede torna-se um elemento unificador de um conjunto de telas colocadas em alturas diferentes. Se se considera a linha do horizonte na parede um elemento intrusivo e que a variação de altura das obras cria desarmonia na organização da sala, pode-se variar a altura conforme as exigências das obras sem a linha do horizonte na parede, traçando, porém, um perímetro retangular em volta de todo o conjunto ou, ainda, retângulos iguais, na mesma altura, em volta de cada uma delas. Esse expediente, permite, ao mesmo tempo, manter as diferentes alturas das telas e restaurar a harmonia na sala. Mas não há dúvida de que a própria ideia de harmonia numa sala de museu pode ser questionada. Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées 81 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 regra, ignorada; e o diretor ou conservador de museu que, porventura, queira satisfazê-la deverá, antes de mais nada, aprender a dialogar com as obras na sua própria linguagem. Roberto Carvalho de Magalhães As traduções de todos os trechos citados no texto foram feitas pelo próprio autor. Bibliografia (Estão relacionadas apenas as obras essenciais cuja referência bibliográfica não foi fornecida integralmente no texto.). BAUDELAIRE, C. Curiosités esthétiques, l’Art romantique et autres œuvres critiques. Paris: Garnier, 1986. Disponível em: <http:// visualiseur.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k101426n>. Acesso em: jun. 2011. CHEUVREUL, M. E. De la loi du contraste simultané et de l’assortiment des objets colores considérés d’après cette loi. Paris: PitoisLevrault et Cie., 1839. (Charleston, SC-USA, BiblioBazaar, 2010). MAGALHÃES, R. C. de. A pintura na literatura. Literatura e Sociedade, São Paulo, n.2, p. 69-88, 1997. Disponível em: <http:// dtllc.fflch.usp.br/revistaliteratura>. Acesso em: 11 jun. 2010. RAGGHIANTI, C. L. Arte essere vivente. Firenze: Edizioni Pananti, 1984. ______. Arte, fare e vedere. Dall’arte al museo. Firenze: Vallecchi editore, 1974. (Firenze, Baglioni & Berner, 1986). VALÉRY, P. Degas - Danse, dessin. Illustrations d’Edgar Degas. Paris: Ambroise Vollard, 1936. ______. Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. 2. ed. Paris: Éditions de la Nouvelle Revue Française, [s.d.]. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 82 ______. Le problème des musées. Œuvres, tomo II, Pièces sur l’art. Gallimard: Bibl. de la Pléiade, 1960. p. 1290-1293. Disponível em: <http://classiques.uqac.ca/classiques/Valery_paul/probleme_des_ musees/valery_probleme- musees.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2011. Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: Considerações em torno do texto le problème des musées ______. Scritti sull’arte, Degas danza disegno. Parma: Ugo TEA, 1996. ZOLA, E. L’Œuvre. Paris: Gallimard, 2006. ______. Pour Manet. Apresentado e organizado por Jean-Pierre Leduc-Aline. Bruxelles: Éditions Complexe, 1989. A “LECTURE” ON MUSEUM STUDIES BY PAUL VALERY: CONSIDERATIONS AROUND THE TEXT LE PROBLÈME DES MUSÉES Abstract The text comments on an article by Paul Valéry on museums published in 1923. Its focus is the idea enunciated by the French poet and essayist that works of art in a museum are like orphans, who lost their mother, the architecture. The exploration of Valery’s article is preceded by a brief exposition about the relationship between writers and art criticism, notably in France, and by an excursus on Paul Valery’s ideas on art. Making explicit what is underlying in Valery’s article, the author makes an analysis of the relationship between the art of painting and architecture that contributes to the genesis of works of visual art and that is not taken in account in the exhibition of art works in traditional museums, limiting the optical-physical and intellectual experience of art by observers. Keywords: Museum. Museum studies. Architecture. Art criticism. Art history. Paul Valéry. Data de recebimento: dezembro 2012 Deta de aceite: março 2013 83 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 53-83, jul. / out. 2013 Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad Aida Sánchez de Serdio Martín1 Resumen El presente artículo se centra en la discusión de la educación artística entendida como colaboración entre agentes diversos, permitiendo así la emergencia de distintas definiciones de saber, enseñanza y aprendizaje. Colaboración no significa aquí necesariamente consenso sino más bien negociación, disenso y antagonismo. La autora explora diversos contextos para la práctica educativa colaborativa (escuelas, museos y comunidades) así como las posibilidades y complejidades específicas que presentan. El argumento principal de esta discusión es cómo se pueden articular proyectos colaborativos en dichos contextos sin anular las tensiones institucionales y políticas. Palabras clave: Educación. Colaboración. Antagonismo. En el presente artículo intento articular algunas de las reflexiones que me han ocupado los últimos años acerca de las condiciones de la colaboración en los proyectos educativos que toman el arte como eje de intervención. Como investigadora y trabajadora cultural, siempre he intentado poner en suspenso las afirmaciones que postulan la bondad del arte y de la educación a priori para problematizar todas sus dimensiones, también las que suponen una reinscripción de la opresión y la desigualdad. A partir de esta ampliación del rango de efectos posibles de la 1 Universitat de Barcelona. [email protected] educación y el arte, se abre un campo de discusión sobre cuáles son las condiciones políticas de activación de sus capacidades transformadoras, en lugar de darlas por supuestas. Debo advertir antes de iniciar este itinerario que mi contexto de referencia es el español, con sus especificidades por lo que respecta a las historias de cada campo de la educación artística. Espero que a pesar de esta concreción, el lector o lectora pueda encontrar formas de trazar puentes con su propia experiencia y conocimientos. Aida Sánchez de Serdio Martín El contexto contemporáneo de las prácticas educativas-artísticas Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 Como forma de ubicar los proyectos artísticoseducativos que emergen desde la óptica de la colaboración, quisiera mencionar aunque sea brevemente las condiciones contemporáneas de este tipo de trabajo, ya que éstas determinan de manera importante los efectos de nuestra labor. Uno de los aspectos principales es el que Foucault caracterizó bajo el término gubernamentalidad, el cual hace referencia a la creciente preocupación del Estado moderno por el individuo. El Estado pasa a prestar especial atención a la administración y regulación de las poblaciones para hacerlas eficaces, disciplinadas y sanas, es decir dóciles y autorreguladas (MILLER; YÚDICE, 2004). Además, en un contexto como el actual caracterizado por el desmantelamiento del estado del bienestar, las dimensiones de protección social que hasta ahora asumía el Estado tienden a recaer cada vez más sobre la llamada sociedad civil, la cual debe desarrollar capacidades organizativas y recursos propios para dar respuesta a necesidades como la atención médica, la educación, el paro, la integración social, etc. De este modo, las tradicionales distinciones entre Estado, y sociedad civil, o entre empresa y entidades sin ánimo de lucro se diluyen, puesto que todas estas instancias han acabado por formar parte de las redes de regulación y cuidado que exige el estado gubernamental. 86 En estos procesos la cultura ha desempeñado un papel clave como elemento disciplinador y “civilizador”, además de ser instrumental para el desarrollo económico (por ejemplo en las industrias culturales o turísticas) y las políticas sociales centradas en la integración social y cultural de colectivos en “riesgo de exclusión”. Así pues, la cultura ha pasado a ser un recurso ligado a múltiples usos, más que una esfera autónoma de crecimiento personal o de expresividad (YÚDICE, 2002), como desarrollaré en los próximos apartados. Incluso nociones que se suelen considerar intrínsecamente positivas por cuanto serían el reducto de la realización humana, como por ejemplo la creatividad, han entrado a formar parte de las materias primas del capitalismo cognitivo contemporáneo. Efectivamente, en el marco de la llamada economía creativa, no es posible imaginar una esfera mítica de creatividad pura e intacta, a salvo de instrumentalizaciones, sino que deberíamos tener presentes en todo momento las esferas de productividad en las que se inserta (RAUNIG et al. 2011). Estas trasformaciones no han pasado desapercibidas para las políticas culturales, ya que en buena medida son ella las que han contribuido a producir este estado de cosas. El trabajador cultural (ya sea artista, educador, gestor, etc.) debe negociar con políticas culturales instrumentalizadas, que no fomentan las aportaciones críticas sino que buscan la maximización de beneficios, ya sean económicos o de pacificación social (MARZO; BADIA, 2010). En este sentido las políticas culturales participarían plenamente del régimen gubernamental antes descrito. A todo ello habría que añadir la tradicional separación entres las esferas de la cultura y la educación en el Estado español en ámbitos administrativos distintos y mal comunicados entre sí. Finalmente, no sería posible concluir este panorama sin mencionar la expansión del estado de precariedad. La fractura del estado del bienestar ha hecho que incluso trabajadores altamente formados y cualificados, entre ellos los trabajadores culturales, vean degradadas sus condiciones Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 87 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 laborales y de vida en general, deviniendo así lo que ha dado en llamarse proletariado cognitivo o cognitariat. Sin embargo esta precarización es un fenómeno complejo puesto que en ocasiones, además de impuesta por las circunstancias, es autoimpuesta por los mismos que la padecen cuando responden a las representaciones dominantes del trabajo cultural: libre expresividad personal, desinterés, rechazo a su instrumentalización asalariada, etc. (VON OSTEN, 2008). Aida Sánchez de Serdio Martín Las posibilidades de la colaboración Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 88 El motivo de centrarme en la dimensión colaborativa de los proyectos educativos-artísticos es casi obvio: no hay proyecto educativo que no implique una relación entre agentes, aunque se trate simplemente de un profesor y sus alumnos (en realidad los agentes serían más: las familias, el resto de la escuela, el barrio donde se encuentra, los amigos...). Pero además considero que la colaboración entre agentes no necesariamente inmediatos, o la transformación de la relación entre agentes que colaboran habitualmente, abre posibilidades de indagación y cuestionamiento que nos permiten desestabilizar algunas jerarquizaciones y automatismos pedagógicos. Un espacio de potencialidad emerge cuando planteamos la educación como una articulación fluida de agentes y sujetos posicionados de manera muy diferente en cuanto a lo social, lo político, lo cultural, la pertenencia institucional, o los saberes desde los que parten. En este sentido, un proyecto construido a caballo de lo artístico y lo pedagógico genera valor a partir de poner en relación personas, colectivos y organizaciones distintos, puesto que es en estos cruces donde emergen fricciones y se producen aprendizajes. Este es un aspecto que los proyectos colaborativos incorporan por definición, aunque ello no garantiza automáticamente que esta relación entre agentes se haga significativa y problemática. Uno de los elementos fundamentales a tener en cuenta a este respecto es la necesidad de cuestionar las jerarquías verticales de transmisión del saber, pero al mismo tiempo evitar plantear horizontalidades falsas que pretendan borrar las diferencias estructurales que atraviesan toda relación de aprendizaje y de producción cultural. Así pues, es necesario que los proyectos propongan encuentros que permitan abrirse a las fricciones de lenguajes y representaciones, generando momentos potencialmente críticos y, por consiguiente de aprendizaje. No olvidemos que aprender es esencialmente cambiar y que no hay aprendizaje genuino sin transformación de (todos) los sujetos involucrados en la relación de aprendizaje (de su posición, de sus creencias, de sus preguntas...). En la medida en que los proyectos educativos artísticos están relacionados con prácticas de producción específicas, se abre la posibilidad de interrogar críticamente la economía cultural en que se insertan, no sólo en cuanto a la producción artística, sino también en relación con otras circulaciones de valores (económicos, políticos, simbólicos, identitarios). Más que exaltar o dar por supuestas unas capacidades y virtudes inherentes al arte, se trataría de plantear como problema de indagación durante el proceso educativo bajo qué condiciones se han construido dichos atributos, cómo circulan y se reinscriben, así como las relaciones de poder de que son producto estos procesos. Lo cual, lejos de socavar el sentido del arte, supone una puesta en juego de su potencial crítico. En este sentido la educación dejaría de ser una “reproducción” cultural y social para considerarse una esfera de “producción” e incluso de potencial transformación. Este es uno de los cambios que se demuestra más complicado puesto que atañe a representaciones sociales de la educación profundamente enraizadas en nuestras culturas. La insistencia en la obligación por parte de la escuela de “transmitir” conocimientos y valores ya establecidos no ayuda precisamente a reconocer el valor productivo y creativo que pueden tener los procesos pedagógicos. Que las producciones escolares rara vez reciban un reconocimiento en otras esferas culturales y sociales acaba de reinscribir la visión reproductiva y subordinada de la enseñanza. Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 89 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Finalmente, cuando los procesos entre el arte y la educación construyen un territorio intermedio, necesariamente se descentran los papeles tradicionales de los agentes: el saber ya no está sólo en la escuela sino que puede estar en la calle o en la gente del entorno, los alumnos no son sólo receptores de ese saber sino que lo co-construyen; educadores, artistas, intelectuales, trabajadores culturales, etc. trabajan desde posiciones distintas, pero no jerárquicas a la manera convencional, para elaborar al tiempo que transitan un campo de saber no preexistente a la acción colectiva, poniendo en juego sus saberes y habilidades junto con los de otros para generar situaciones y procesos de fin no siempre previsible. Esta circulación de saberes no sólo es imprescindible sino que constituye la misma razón de ser del proceso de aprendizaje. Aida Sánchez de Serdio Martín Colaboración y antagonismo Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 90 Estas posibilidades que acabo de describir no deberían hacernos creer en el lugar común de la colaboración como acuerdo o como consenso. No se trata sólo de que, como los interaccionistas simbólicos comprendieron, es posible colaborar sin acuerdo en una acción común (BLUMER, 1982), sino que en un sentido más claramente político, es necesario comprender el arte y la cultura como un campo de batalla, cuestionando los discursos dominantes que los dotan sistemáticamente de capacidades expresivas, reconciliadoras y civilizadoras. Efectivamente, en los últimos años la cultura se ha convertido en un lugar común en el seno de discursos que le atribuyen la más diversas capacidades: desde el crecimiento personal, hasta el desarrollo económico, pasando por la cohesión social (UNESCO, 1998, 2005). Como plantea George Yúdice (2002), dentro de un marco de gubernamentalidad la cultura ya no puede concebirse como un campo desinteresado en el que se construye un sujeto autónomo sino que resulta más productivo comprenderla como recurso. Esta noción supone que no habría manera de sustraer a la cultura de su uso ya que siempre está inserta en redes de relaciones políticas y económicas. Pero la noción de recurso no sólo hace referencia a una instrumentalización política o económica de la cultura, sino también a la obtención de beneficios sociales, esto es, como herramienta en manos de la Administración (a menudo a través de la colaboración con la sociedad civil) a la hora de enfrentarse a problemas de desarrollo urbano, integración social, educación, etc., encauzando así a los artistas hacia el manejo de lo social (Ibid.). Este uso del arte como cura o prevención social, no sólo inofensiva sino incluso servil a las intervenciones reguladoras y pacificadoras del conflicto social, a menudo bajo la coartada retórica de la cohesión social, ha recibido críticas justificadas por cuanto deviene un dispositivo al servicio de las políticas de gestión del riesgo social y de imposición del consenso desplegadas por el estado gubernamental para la construcción de una identidad positiva, y neutraliza el potencial de la estética para confrontar la contradicción (BISHOP, 2004, 2007; MARCHART, 2005). Podemos vincular este acento en el conflicto a la hora de comprender lo político con las teorías de la democracia radical propuestas por Laclau y Mouffe (1989), según las cuales la noción de antagonismo es el fundamento de la democracia, al mantener abierta permanentemente la necesidad de una negociación, a diferencia de una visión habermasiana de esfera pública que aspiraría a alcanzar un consenso racional. De hecho la consecución de tal consenso supondría el fin no sólo de la democracia, sino de toda posibilidad de existencia de una política puesto que eliminaría la pluralidad en que se basa (EXPÓSITO, 2005). La democracia, pues, no se logra cuando se alcanza el consenso sino precisamente cuando se rompe, y es la propia acción política la que crea la esfera pública y no al revés. Además, según Laclau y Mouffe (1989), la relación de antagonismo no surge entre entidades plenas, sino precisamente de la imposibilidad de constitución de las mismas. No se trata de una oposición entre elementos o sujetos determinados y estables, sino que la relación antagónica impide llegar a ser una presencia plena para sí misma a cada una de las instancias implicadas. “El antagonismo como negación de Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 91 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 92 un cierto orden es, simplemente, el límite de dicho orden y no el momento de una totalidad más amplia respecto a la cual los dos polos del antagonismo constituirían instancias diferenciales parciales” (LACLAU; MOUFFE, 1989, p. 146). Sin embargo, aunque los elementos no sean agregables en una totalidad que los incluya, esta negación tampoco consiste en una diferencia objetivable que pueda trazarse con nitidez: “La coexistencia de sus términos no puede concebirse como una relación objetiva de fronteras, sino como subversión recíproca de sus contenidos” (Ibid., p. 149). La subversión, según los autores, consiste en que ni las condiciones de una equivalencia total ni las de una diferencia objetiva total son nunca plenamente logradas; es decir que entre las instancias implicadas en la relación antagónica no existe la posibilidad ni de una igualdad ni de una negación plenas, puesto que ello implicaría una plenitud de significado en sí mismas. Si nos centramos en la relación específica entre educación y arte percibimos múltiples diferencias, que no hay que comprender como preconstituidas, sino que emergen de la permanente relación entre ambos campos. Asimismo, los sujetos que los articulan no poseen identidades íntegras y autónomas como artistas o educadores (si fuera así no habría problema), puesto que se encuentran incrustados en relaciones que implican su constante redefinición, a veces en forma de (re)negación mutua, como veremos. Una de las diferencias que articulan este antagonismo entre arte y educación es la naturaleza de las estructuras institucionales en que se promueven y desarrollan sus prácticas; museos y centros de arte por un lado y escuelas por otro se rigen por regulaciones distintas y tampoco coinciden sus organigramas. No hay vías establecidas de relación aparte de los departamentos de educación y acción cultural (DEAC) de museos y centros de arte, e incluso en este caso, salvo excepciones, la relación tiene un carácter clientelar o de servicio por el cual la escuela recurre al museo puntualmente pero no se entabla entre ambos una relación de diálogo más profunda y transformadora. Por otro lado los procesos formativos de educadores y artistas son completamente distintos y están encaminados a formar tipos de sujeto que poco tienen en común. Aunque estas ideas tengan más que ver con la reinscripción del mito del artista y de los estereotipos sobre la educación reglada que otra cosa, se concibe que los artistas se deben sólo a su propia creatividad o expresión independiente, mientras que los educadores se ocupan de transmitir de forma eficaz y uniforme un currículum preestablecido. Además las disciplinas artísticas suelen tener un papel secundario o meramente decorativo en la formación de los educadores; y lo mismo ocurre en el caso inverso, ya que la educación es considerada una dedicación menor o socorrida (cuando no directamente un “fracaso”) en el caso de los artistas. Finalmente, y este es un aspecto de gran importancia política y práctica que hemos mencionado brevemente en la introducción, a menudo los departamentos de la administración pública que regulan uno y otro campo no sólo están separados sino que no suelen colaborar, de manera que al generar proyectos a caballo de ambos campos nos encontramos con dificultades organizativas y de financiación que añadir a las anteriores. Los aspectos que he discutido hasta el momento tienen concreciones muy diversas dependiendo de dónde se produzca cada proyecto artístico-educativo, puesto que cada contexto posee sus estructuras institucionales, relaciones de poder, mapa de agentes, horizontes de posibilidad, etc. Como territorios básicos de colaboración he escogido la escuela, el museo o centro de arte, y la comunidad. No son los únicos posibles, pero pueden servir para esta introducción puesto que cubren un buen número de posibilidades de experiencias educativas. Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad La escuela Como decía anteriormente, a menudo la educación escolar ha sido considerada como un polo de valores negativos contra el cual se posicionan opciones auto- 93 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 94 consideradas radicales y que proceden del ámbito artístico más que educativo, para poder definirse como una alternativa más crítica y emancipatoria. Efectivamente, en la crítica a la educación desde el ámbito del arte se identifica una “mala” educación reproductiva y autoritaria, normalmente asociada a la escuela, a la que se opone una “buena” educación que tiene lugar fuera de la escuela y de las instituciones formales y que es radicalmente crítica (y a la que de manera significativa se tiende a evitar llamar educación, sino que se recurre a términos como “pedagogía”, “aprendizaje” o incluso “autoeducación”; todos ellos indicativos de la aversión a la figura del educador). Aunque no suscriba esta crítica, no por ello carece de motivos. Si consideramos algunos aspectos del desarrollo de la educación artística escolar (educación visual y plástica) en el contexto español, que analiza con detalle Rifà (2011), podemos comprender qué aspectos resultan problemáticos. Para empezar, se basa en la concepción psicologista e individual propia de la psicopedagogía de carácter constructivista, una perspectiva opuesta a una concepción social y colectiva de la relación de enseñanza-aprendizaje. En coherencia con este enfoque piscopedagógico, se establecen etapas o conjuntos secuenciales de saberes universalizables que los alumnos deben adquirir a un ritmo predeterminado según franjas de edad. A su vez, este saber se estandariza sobre la base de una cultura homogénea y única que define los contenidos disciplinares y en la que no se problematizan dimensiones fundamentales como la clase, el género o la diferencia cultural. Mediante estos procesos de tecnologización y objetivización del saber se produce una reducción de su complejidad, también llamada “asignaturización”, que aleja el aprendizaje realizado en la escuela de los problemas que articulan el campo de conocimiento en sentido amplio. Estas condiciones de partida tienen profundas implicaciones en relación con la educación artística. Por ejemplo, se refuerza su carácter adaptativo al insistir en la capacidad de interpretar y producir una cultura masivamente audiovisual. Esto se ha concretado en diversas definiciones, todas ellas reduccionistas, de la educación visual y plástica como por ejemplo su reducción a un “lenguaje” cuyas competencias hay que adquirir, o su intrumentalización como forma de preparación para las industrias culturales, o su mitificación como propiciadora de determinadas capacidades creativas, expresivas, cognitivas, asociativas, de resolución de problemas, etc. Por lo que respecta a la práctica artística, se reproduce la mitificación convencional del arte y los artistas mediante la reproducción, a veces involuntaria, de sus hagiografías fomentando actividades de reproducción de sus estilos y aceptando acríticamente ciertos referentes convencionales de la historia del arte. Lo que estas definiciones de carácter universal producen es una disuasión de la crítica o de la desviación no instrumental, a la vez que se dificulta un cuestionamemiento institucional tanto del arte y la cultura visual como de la escuela. Pero, como decía, estas críticas no representan la totalidad del campo educativo escolar, sino que constituyen los elementos que lo han hecho acreedor del rechazo desde ciertas posiciones pedagógicas “alternativas”. Es necesario tener en cuenta también las posibilidades que ofrece, en lugar de eliminar sin previo escrutinio todo un campo de conocimiento. Se trataría pues de interrelacionar los campos de saber, es decir, de encontrar “territorios de cruce” entre la educación artística y las prácticas estéticas y así Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad […] no obviar lo heredado de la nueva escuela y los movimientos sociales en el marco de la pedagogía crítica, sino más bien articular este legado en una nueva relación desde la educación artística. [Lograr] una aproximación donde se integre el modelo de educación como práctica política, sin por ello perder la especificidad de lo estético como campo de trabajo, pero tampoco por ello apostando sólo por lo singular de la práctica artística en detrimento del trabajo educativo (RODRIGO, 2007, p. 76). Frente a esta situación existe la posibilidad de transgredir las tendencias dominantes, como ya hacen muchos docentes 95 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 96 mediante sus prácticas en el aula y fuera de ella. Podríamos llamar a esto una “desescolarización” de la educación artística. No hay una única forma de desescolarizarla, y no debemos comprender este término como un rechazo de la escuela, sino como múltiples posibilidades para cuestionar la normalización de la educación visual y plástica antes descrita. Por ejemplo, una forma de desescolarizar la educación en relación con el arte consistiría en abrir el campo artístico (o de la cultura visual en sentido más amplio) a la complejidad, la paradoja y la crítica. Esto implica renunciar a las certidumbres de un currículum o una secuencia de actividades predefinidos, tener que enfrentarse a visiones opuestas (que pueden ser las de los mismos alumnos) sobre los hechos, y renunciar a las certidumbres a la hora de avanzar, con todo lo que ello implica en un contexto educativo formal, que no suele recibir bien la abertura a las derivas y giros imprevistos que pueden tomar los procesos de aprendizaje. Abrirse a la fricción y al conflicto, y aceptar que la educación no es un mecanismo donde todo encaja y que avanza aproblemáticamente hacia resultados predefinidos puede ser dificultoso y a veces frustrante para todos los implicados. Otro elemento cuestionador sería la inclusión en el propio proceso de aprendizaje de las condiciones estructurales e institucionales en que tiene lugar. Este es un ejercicio reflexivo que rara vez tiene lugar, no sólo en la escuela sino en general en los procesos formativos y productivos. Si tenemos en cuenta dichas condiciones, quedan al descubierto la relatividad de nuestras opciones y la vulnerabilidad de nuestro sistema de valores. Sin ir más lejos, supondría deconstruir las condiciones de producción de valor cultural en la institución arte y de producción de conocimiento en la institución escuela. En consecuencia cuestionaría las estructuras jerárquicas de la cultura y el saber, pero sin dejarse engañar por la fantasía de horizontalidad: no todas las posiciones y afirmaciones están igualmente legitimadas sino que existen regímenes de validez no menos efectivos por arbitrarios o socialmente construidos. De lo que se trataría, pues, no sería de negarlos sino de comprenderlos y aprender de ellos, teniendo en cuenta las estructuras de poder presentes en la producción artística y cultural, así como el papel que desempeñan en otras producciones de valor: económico, simbólico, político, o identitario. Finamente, como apuntaba en apartados anteriores, desescolarizar el arte y la educación supone poner en relación saberes de naturaleza diversa, encarnados en individuos y colectivos diversos que pueden moverse dentro o (más bien) fuera de las instituciones de producción cultural y de conocimiento. Es necesario, pues, ampliar las expectativas que tenemos tanto sobre alumnado y profesorado como sobre el sistema escolar en general, pero también establecer alianzas con otras instituciones y productores culturales con el fin de hacer circular la producción de saber y cultura de los centros educativos, permitiendo así la difusión y reconocimiento amplio de aquellos procesos educativos que asumen la responsabilidad de repensar el mundo, aunque sea a pequeña escala o en relación con la realidad inmediata. Como decía, todas estas estrategias forman parte también de la educación en contexto escolar y son puestas en práctica en diversa medida por docentes o equipos de colaboración. Negar este hecho supone dar una visión interesada y parcial de la educación formal. Es nuestra responsabilidad como trabajadores culturales y como productores de pensamiento crítico valorar en toda su complejidad las propuestas pedagógicas sin caer en los dogmatismos de lo radical, pero sin responder tampoco a los imperativos institucionales establecidos. Por lo tanto, debemos considerar la escuela como un espacio de condicionamiento y a la vez de posibilidad como cualquier otro contexto de acción y pensamiento. Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad Los museos y centros de arte Por su parte, en el contexto de las instituciones artísticas, comisarios y otros agentes culturales han mostrado desde hace 97 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 poco un creciente interés por la educación. Se trata de un enfoque diferente del modelo tal vez más conocido en el contexto educativo, centrado en los ya mencionados DEAC de museos y centros de arte, o en las actividades para escuelas. La reflexión a la que me refiero ya no se basa en paradigmas pedagógicos escolares sino en nociones como “inteligencia colectiva”, “autoeducación” o “giro pedagógico”, tan interesantes teóricamente como problemáticas prácticamente. Algunas manifestaciones de estas tendencias las encontramos en el hecho que en la reciente edición de Documenta 12 en 2007, comisariada por Roger-Martin Buerghel, la educación constituyera una de sus tres líneas de debate, bajo el título ¿Qué hacer? Por su parte, museos de arte contemporáneo han interpretado lo pedagógico no ya como mera oferta educativa, sino que lo han situado al mismo nivel que sus principales ejes discursivos (MUSEU…, 2005a,b). Y desde la teoría y la crítica de arte se ha defendido el mencionado giro pedagógico en la práctica del comisariado (NOLLERT et al., 2006; O’NEILL; WILLSON, 2009). En este marco, el artista como educador es una figura que ha adquirido impulso como contrabalance de un cuestionamiento creciente de las instituciones educativas tradicionales, o incluso del propio museo como lugar de prácticas educativas. La educación es cuestionada por fomentar unas relaciones jerárquicas entre, por un lado, el conocimiento y quienes lo “poseen” o administran y, por otro, los alumnos o públicos, que son reducidos al consumo pasivo de lo que les es administrado. Como resultado de esta crítica, justificada o no, el término educación se considera inadecuado para referirse a un proceso de trabajo basado en la negociación, y se proponen alternativas como “mediación” o “autoeducación” (RIBALTA, 2005b, p. 74). Así pues, desde estos discursos comisariales y críticos del museo, los procesos educativos impulsados desde los DEAC reciben una dura consideración: Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 98 La mayoría de los programas pedagógicos promueven la desigualdad y dificultan un auténtico acceso al conocimiento. No podemos dejar de reconocer las buenas intenciones de la institución museística que emplea considerables esfuerzos y recursos en «acercar» el arte a su público […]. Estas medidas reformistas no han hecho sino perpetuar algunas de las falacias sobre las que se ha asentado la pedagogía moderna tales como la transparencia, el progreso o la educación como mera transmisión y acceso (BORJA-VILLEL, 2009, p. 17). Desde este punto de vista, las prácticas habituales de educación en los museos estarían reproduciendo modelos populistas de acceso, sustituyendo la experiencia de la obra por paneles explicativos y neutralizando conflicto y la crítica como situaciones pedagógicas por excelencia. Una de las consecuencias de esta recuperación de lo educativo “desde otro lugar” es el rechazo a los referentes que proceden del ámbito de la educación, y su sustitución por fuentes en su mayoría filosóficas. Además, la “estética pedagógica” en el comisariado sustituye a una práctica educativa que contaminaría o reduciría la complejidad de la obra (RODRIGO, 2010, p. 17). Este conflicto de discursos acerca de lo pedagógico apunta fundamentalmente a la posición liminal en que se encuentran los departamentos educativos de los museos puesto que ellos deben ocuparse de una exterioridad (encarnada en un una diversidad de agentes) que amenaza la radicalidad política del discurso comisarial transformándolo en una serie de tareas educativas nada glamurosas en las que los protagonistas son el tedio, lo desagradable, el compromiso, lo dudoso o lo irrepresentable (STERNFELD, 2010). Pero la negación del papel de educadores y educadoras genera situaciones imposibles en la esfera de la práctica real. Al hablar de proyectos colaborativos desde las instituciones artísticas, y a pesar de su especificidad y de la notable envergadura que pueden llegar a alcanzar, no se suele especificar concretamente cómo se realizó el contacto con los colectivos con los que se colaboró. Tampoco se suelen detallar las negociaciones para poner en común objetivos y procedimientos, ni el desarrollo de los proyectos en el día a día, ni las renegociaciones que supuso dicho desarrollo, ni la valoración que los colectivos implicados hicieron del proceso, ni los beneficios (materiales o simbólicos) que se derivaron Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 99 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 para cada uno a largo plazo. Yúdice (2002) hace una reflexión semejante en relación con los modos de dar cuenta de la celebración de inSITE, un evento artístico que se celebra en la frontera mexicano-estadounidense y que se caracteriza por las prácticas de arte público y colaborativo: Aida Sánchez de Serdio Martín De las 600 reseñas y ensayos críticos acerca de inSITE94, inSITE97 y de la preparación de inSITE2000, ninguno se ocupa de las actividades preliminares realizadas durante un año, de las negociaciones con organizaciones públicas, privadas y comunitarias, de la adquisición de permisos, etc., que hacen posible una obra. En las reseñas y críticas, los términos colaboración e interacción significan, aparentemente, el encuentro o trabajo conjunto de dos actores: por un lado, la gente pobre (a menudo racializada) y por el otro, los artistas, como si la «participación» fuese importante sólo por la reunión de esos dos actores (YÚDICE, 2002, p. 377-378). Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 100 A esto hay que añadir el hecho de que los textos producidos desde las instituciones artísticas tienden a presentarlos en relación con conceptos teóricos como contrapúblicos y contradiscursos (RIBALTA, 2005a), pluralismo antagónico (EXPÓSITO, 2005; RIBALTA, 2005a), creación/resistencia (ASOCIACIÓN…, 2005; ROLNIK, 2005), dispositivos deleuzianos y cuerpos vibrátiles (ROLNIK, 2003), o la reconquista de la subjetividad (BABIAS, 2005). Con todo lo necesaria que es la reflexión teórica acerca de unas prácticas cuya consideración queda demasiado a menudo en lo vivencial, hay que tener en cuenta los riesgos que entraña el despegue discursivo respecto de las dimensiones concretas de realización del proyecto. Para empezar, corremos el riesgo de olvidarnos de los participantes y de en qué medida éstos son diversos y se encuentran enmarcados de maneras, también diversas, en la estructura institucional de la que participan. Por otro lado es necesario remarcar que ciertas cuestiones de las que críticos y comisarios hablan como si fueran una revelación (el carácter dialógico y construido de conocimiento, el reconocimiento de la crítica y el debate en dicho proceso, el cuestionamiento de las relaciones jerárquicas, etc.), no son nuevas en el campo educativo, sino que forman parte de la reflexión que teóricos, docentes e investigadores llevan a cabo sobre la enseñanza desde hace años, tanto desde la educación en general (AYUSTE et al., 1998; GIROUX, 1989) como desde la educación en relación con el arte en particular (TREND, 1992). De todo ello se deduce una falta de reconocimiento de un campo de saber específico sobre los procesos educativos, paralelo a la invisibilización de los agentes mediadores en los procesos artístico-educativos, como son los educadores o los trabajadores sociales (MÖRSCH, 2011). Pero si reducimos el problema sólo a una cuestión de reconocimiento mutuo, estaríamos perdiendo de vista las mismas condiciones que determinan el sentido del trabajo de unos y otros. Es necesario llevar el debate a la situación de los museos dentro de las economías materiales y simbólicas globales. Esta reflexión demuestra la imposibilidad de imaginar el museo o la institución arte como una esfera autónoma puesto que en la actualidad el museo forma parte de manera inevitable de las políticas culturales contemporáneas que contemplan la cultura como un recurso del que se sirven por igual las políticas orientadas a la gestión de lo económico y de lo social, en la línea de lo discutido en apartados anteriores. Por consiguiente ya no es posible pensar los museos exclusivamente a partir de sus proyectos museológicos o intelectuales, sino que es necesario considerarlos también en su compleja y a menudo contradictoria relación con procesos de revalorización urbana o pacificación social, por ejemplo. Por otra parte los museos son el lugar en el que se producen rituales civilizatorios donde la cultura deviene el ámbito en el que el individuo se disciplina, aprende normas de conducta, interioriza categorías, valores y relaciones (CARRILLO, 2009). Es en este contexto donde debemos considerar el auge de la educación, ya sea como práctica, como discurso o como apelación retórica, en los museos y la esfera del arte en general. Independientemente Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 101 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 102 de cuán radical sea o se imagine la propuesta pedagógica del museo, el interés de éste por los procesos colaborativos o relacionales con su entorno social y urbano no puede sustraerse al enmarcamiento disciplinario de la institución, ni tampoco al argumento falaz de la educación artística como panacea social y cívica (OLVEIRA, 2010; KESTER, 1995), puesto que dentro de este marco, la educación siempre estaría relacionada con la reproducción de públicos y la accountability institucional. Así pues, aunque es necesario reconocer que los museos han pasado de preservar, celebrar y transmitir su patrimonio, a resignificarlo y cuestionarlo haciendo problemática la noción de cultura y de arte, así como el eurocentrismo, el patriarcalismo y el clasismo de las tradiciones de sus conceptos, instituciones y prácticas, también hay que tener presente que deben rendir cuentas en términos sociales y económicos. Sin duda es positivo que un sector público y fuertemente subvencionado como el de los museos deba responder a una función de servicio público, pero esta presión es fácilmente pervertible en una instrumentalización cuantitativa de los públicos al servicio de la cual se pone la educación. Así es como la educación en museos vive en la tensión permanente que supone la redefinición de sus funciones, esto es entre construir procesos educativos con grupos específicos y experimentar con propuestas críticas en relación con la institución, o bien simplemente integrarse en las estrategias de difusión y comunicación del museo. Por un lado se trata del impulso positivo de abrir los centros culturales a más públicos y más diversos siguiendo las nociones de democratización de la cultura, acceso y participación. Pero, por otro lado, estas conceptualizaciones son problemáticas en cuanto al papel asignado al público, que suele verse reducido al de consumidor de propuestas previamente elaboradas en función de características o intereses que se le presuponen. El cambio en este posicionamiento o modo de interpelación del público depende en parte de que las propuestas educativas pasen de los departamentos específicos a la institución en general, un movimiento poco frecuente como hemos analizado López y yo misma en otro lugar (SÁNCHEZ DE SERDIO; LÓPEZ, 2011). Como argumentamos, la posición subalterna de los departamentos educativos dentro de la jerarquización de valor de las estructuras de los museos resulta en la deslegitimación de sus propuestas, o en su reconocimiento como mal menor. La verdadera educación radical en el museo provendría de sus propuestas comisariales o artísticas, mientras que los DEAC se limitarían a la cuestión del acceso y la reproducción de públicos. Paradojicamente, las opciones más radicales estarían pobladas de públicos más o menos homogéneos (familiarizados con los referentes artísticos y teóricos manejados por el discurso comisarial), mientras que son los DEAC los que realmente deben lidiar con públicos heterogéneos y diversamente formados (MÖRSCH, 2011), es decir, con la diferencia radical. A pesar de estas complejidades internas y contextuales los museos y centros de arte son instituciones fundamentales en el trabajo y conocimiento alrededor de las prácticas artísticas contemporáneas. Tanto por cuenta propia como, sobre todo, en colaboración con múltiples agentes externos, su potencial permite la emergencia de propuestas educativas como las que se sugieren aquí, propuestas que transforman a todos los participantes y sus respectivas posiciones en cuanto a saberes y creencias en relación con el arte y la educación. Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad La comunidad El arte colaborativo o comunitario es un campo en el que los cruces entre lo pedagógico y lo artístico han sido frecuentes, por ejemplo en contextos de educación no formal, en procesos terapéuticos o de integración social, etc. Las conceptualizaciones de este tipo de prácticas son muy diversas, pero en algunos casos el aspecto educativo de estos proyectos se considera un resultado casi inevitable del mismo proceso artístico, como si el hecho de participar en él supusiese 103 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 104 automáticamente la transformación del sujeto. En efecto, una de las perspectivas sobre la relación entre arte y educación en este tipo de contextos subraya la capacidad transformadora que posee la práctica artística, si no de las condiciones objetivas de existencia, por lo menos de la experiencia o conciencia de los participantes. Esta capacidad se asocia con el poder curativo o terapéutico del arte, cuyo administrador sería el artista en una versión del arte comunitario despolitizada (MARCHART, 2005; KRAVAGNA, 2005). El acento suele ponerse en la necesidad de una sanación social debido a la alienación que sufre el arte respecto de la vida, el artista respecto de la “gente real”, la vida cotidiana respecto de la creatividad, y así sucesivamente. Son “las percepciones únicas y los mecanismos creativos de los artistas” (MARY JANE JACOB, citada en KRAVAGNA, 2005, p. 5), lo que permite llevar a cabo este proceso colectivo e individual, gracias a que el artista educador tendría la capacidad de traspasar estas cualidades a los no artistas. Kravagna señala que la mezcla que hace el arte público entre las cualidades espirituales de la comunidad, el cuidado pastoral y la educación contribuye a darle un carácter pseudoreligioso, al que Grant Kester (1995) alude también cuando habla del artista comunitario como “evangelista estético”. El hecho de que los proyectos colaborativos o comunitarios se hayan convertido muchas veces en un instrumento enmascarador de conflictos en manos de la Administración (YÚDICE, 2002), y en vehículo de una pedagogía de la regulación para la producción de sujetos dóciles, los ha hecho justos acreedores de críticas. En general las acusaciones se centran en que este tipo de proyectos se limitan a celebrar aspectos positivos de las comunidades con que trabajan, a exaltar valores moralmente correctos (la paz, la convivencia, la diversidad, etc.), dejando intactos los problemas y contradicciones de las situaciones tratadas. En este sentido lo social tendría como efecto la eliminación de lo político. Además, se cuestiona la subordinación que se exige al artista frente a la voluntad de la comunidad, de manera que adquiere una cualidad sacrificial que no sólo supone la renuncia a la autoría sino que desemboca en una estética simplista, que rechaza la complejidad y cae en representaciones obvias. Trend (1997) constata que muchos de los proyectos artísticos comunitarios que se definen como educativos, aunque deben ser valorados por la democratización que suponen de las organizaciones artísticas que los promueven, también plantean problemas si se llevan a cabo de manera acrítica. Este autor remarca el hecho de que algunas de las propuestas hechas por artistas y comisarios parten de la premisa de que saliendo del museo o la escuela se consigue una desinstitucionalización o una desjerarquización de los procesos. Sin embargo, en la sociedad contemporánea no se puede hablar de un afuera por lo que a las instituciones respecta, sino que por ejemplo “el o la artista que trabaja para un sindicato […] no ha hecho más que cambiar la problemática de una institución por la de otra; y al hacerlo corre el riesgo de abandonar una lucha a la que podía aportar cierta experiencia o conocimiento especialista, por otra en la que es un principiante” (BURGUIN, citado por TREND, 1997, p. 255). Por otro lado existen tensiones fundamentales en la conceptualización de lo comunitario. En los diversos usos del término comunidad se pueden percibir dos tendencias principales: se alude a ella bien como un hecho empírico no problemático, bien como algo automáticamente positivo. En el primer caso se emplea el concepto de manera denotativa como si correspondiera a un hecho social y/o geográfico objetivo o dado por supuesto. En el segundo caso la comunidad significa la armonía social y la solidaridad en un grupo y, por consiguiente, es algo a conseguir, fortalecer, fomentar, etc. (de ahí, la noción de “desarrollo comunitario”). Ambas acepciones son igualmente problemáticas. Comunidad tiene una definición contingente y ha devenido un término comodín para toda una serie de políticas sociales y económicas que buscan fomentar los niveles locales tanto de identificación como de gobierno. La comunidad, Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 105 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 106 o entidades cercanas como la ciudad o el barrio, se conciben por un lado como una instancia de pertenencia próxima y accesible para el individuo, por oposición a estructuras sociales más impersonales como el Estado y, por otro, como aquello que le permite realizarse plenamente puesto que representa el par asociado (individuo/comunidad) necesario para que el individuo pueda constituirse relacionalmente. Definir comunidad no es sencillo porque, en definitiva, lo que está en juego son las dimensiones políticas del uso del término. Las acepciones de comunidad han tendido a centrarse en dos aspectos: la comunidad como lugar o territorio compartido, y la comunidad basada en unos intereses y modos de vida compartidos. Ambas definiciones son problemáticas. La que hace referencia al lugar designa a los grupos que comparten un territorio, generalmente el barrio, pero el hecho de conceptualizar esta situación como comunidad implica atribuir a esta proximidad geográfica los valores de convergencia de intereses, existencia de lazos afectivos, relaciones cara a cara, etc. De este modo, la comunidad queda investida de valores positivos vinculados al fortalecimiento de la identidad, la cohesión social y la visibilidad. Y la homogeneización social puede dar lugar a la segregación de la diferencia y a la marginalización de la pobreza. Las intervenciones culturales que adoptan el adjetivo de comunitarias parecen estar sistemáticamente dirigidas a los nuevos barrios periféricos o a los barrios históricos populares (ROCA, 1994). En cualquier caso, siempre zonas consideradas o representadas como problemáticas, como si el origen de este carácter problemático fuese una carencia de la misma comunidad, en concreto una carencia de espíritu comunitario. De este modo se soslayan los problemas estructurales y el hecho de que la naturaleza problemática de un barrio puede tener más que ver con representaciones interesadas del mismo, marcadas por cierta moral social, que con una realidad objetiva. En todo caso, tiende a considerarse que las políticas de carácter comunitario son apropiadas sobre todo para barrios con problemas sociales, como forma de contención y pacificación; pero los problemas de falta de cohesión social son achacables también, o incluso más, a los barrios acomodados, que sólo se mueven por los intereses de conservación del privilegio (BONAL, 2005). Hasta aquí lo que se refiere a la comunidad como ligada a un contexto geográfico. La otra forma de definir comunidad, es decir en función de unos intereses, modo de vida o identidad compartidos plantea el problema de la presuposición de homogeneidad dentro de un grupo y de la estabilidad de las identidades. Con frecuencia se ha apelado a la idea de cultura para defender la existencia de comunidades diferenciales. Si tradicionalmente la cultura podía haber sido entendida como el lugar de la trascendencia de contingencias y particularismos, a partir de la década de 1960 pasó a significar prácticamente lo contrario, es decir, la afirmación de identidades específicas, nacionales, sexuales, étnicas, regionales (EAGLETON, 2001). De este modo, la cultura, más que el lugar de encuentro o elevación para el género humano en general, se convierte en un campo de batalla. Estas dos formas de comprender la cultura coinciden en anular lo político, ya sea suponiendo una esfera de desinterés estético y espiritual o postulando la existencia de las identidades comunitarias como un hecho prepolítico (Ibid.). Además, el énfasis en una comunidad de valores e intereses comunes facilita una fragmentación que impide la consecución de objetivos compartidos de manera amplia y el enfrentamiento a formas de opresión comunes (MAYO, 2000). Se produce entonces una tensión entre los modelos comunitaristas y una concepción republicana de ciudadanía. Si en los primeros se antepone la identidad a la regulación del Estado, en la segunda los individuos deben relegar su identidad personal y cultural al ámbito de lo privado para poder ser ciudadanos en la esfera pública. Una vez planteadas las problemáticas relativas a las políticas sociales y culturales de proximidad, me centraré de manera más concreta en el arte comunitario y su dimensión Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 107 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 social, una vez más desde una óptica crítica. El auge de la sociedad civil se relaciona con la caída de lo público a nivel gubernamental, como ejemplifica el actual uso del término “big society” por parte del gobierno conservador de Reino Unido. Y, como señalaba Yúdice (2002), este abandono se ha convertido paradójicamente en lo que ha posibilitado la consolidación de lo cultural como lugar del trabajo social, en tanto que ha debido sustituir recursos y subsanar carencias originadas en otros lugares. Y así el artista se ve conducido al manejo de lo social al dedicar su labor a colectivos y contextos subalternizados. Por lo tanto empezaré por situar los debates acerca de las dimensiones sociales y políticas del arte comunitario con una cita bastante contundente de Marchart (2005): Aida Sánchez de Serdio Martín Lo que este interés general del arte por los temas sociales tiende a oscurecer es la política. Lo que el trabajo artístico sustituye es el trabajo político. Y lo que las prácticas artísticas de intervención social han reemplazado completamente, al parecer, son las prácticas artísticas de intervención política. La política [politics], si es que alguna vez entra en escena, es concebida por el arte social “en interés público” exclusivamente como regulación [policy]: administración, ingeniería y posiblemente manejo tecnocrático de los problemas sociales. El arte público se convierte en una versión privatizada de la asistencia pública. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 108 Este oscurecimiento de lo político puede operar de diversas maneras. La más evidente sería la de la manifestación artística o cultural celebratoria en la que no se problematiza la posición de ninguno de los agentes participantes ni se aspira a producir ningún cambio, buscando sólo la participación como mera simulación del consenso. Pero existen formas tanto más perversas cuanto que lo que simulan es la transformación social, por ejemplo en la forma de la integración de colectivos “excluidos”, de “visibilización” de comunidades, de celebración de “diversidades”, etc. En estos casos, la representación o expresión de determinado individuo o grupo sustituye su genuina articulación en la vida económica, política, social y cultural. Como explica Yúdice (2002), si las esferas de ciudadanía son la política, la económica y la cultural, parece haberse encontrado mucho menos gravoso y complicado otorgar cierto grado de ciudadanía cultural a los grupos subalternizados que enfrentar la construcción de agenciamientos estructuralmente más determinantes, como por ejemplo la plena incorporación a la vida política, el fin de la explotación económica y la discriminación social, etc. Es una necesidad imperiosa ir más allá de la expresión y de la representación y empezar a comprender cualquier proceso cultural colaborativo o comunitario en un marco de relaciones más amplio, en especial en un marco de relaciones de poder tanto materiales como simbólicas. Desde mi punto de vista, en esta percepción estructural está la clave de la posibilidad de agencia y relativa autonomía y capacidad de transformación de los proyectos y colectivos que actúan en este ámbito. Convertir las relaciones en algo problemático, y no en algo simplemente positivo, es básico para hacer de las prácticas artísticas colaborativas un lugar de experiencia significativa, reflexión y transformación. Es necesario interrogarse acerca de quién se beneficia de esta producción de plusvalía simbólica. E incluso pensar en cuestiones tan inmediatas y prosaicas como la propiedad de los proyectos realizados en colaboración, especialmente cuando encontramos a algunos artistas la reclaman para sí entendiendo que su aportación es tan valiosa que justifica la apropiación de la de los colectivos que participaron. Pero también hay que explorar la naturaleza de la relación misma. No es lo mismo participar en una propuesta ajena que trabajar de manera conjunta, lo cual implica negociaciones a muchos más niveles y más determinantes. De nuevo en palabras de Yúdice (2003), se trata de: […] discutir la implicación de los participantes en un debate que no se limite a extraer los testimonios de último momento, recogidos en los documentales, acerca Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad 109 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 de cuán divertido fue pintar un mural en un edificio, o crear un jardín para la comunidad. El debate que imagino comporta la comprensión del propio rol, no sólo cuando se aplica pintura o cuando se trasplantan arbolitos, sino también cuando se da forma al proyecto en todos los niveles, desde hacer recomendaciones al artista comunitario, hasta comprometer a la dirigencia y al personal de las instituciones patrocinadoras y de los proveedores de fondos. Aida Sánchez de Serdio Martín Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, mar. / jun. 2012 110 Tanto las reflexiones de Yúdice, como las de Trend mencionadas al principio de este apartado, son especialmente pertinentes en un momento en que la captura de lo social por parte de las instituciones está a la orden del día. Efectivamente, nos encontramos en la interesante y arriesgada situación de que proyectos y colectivos artísticos de carácter empiezan a ser de gran interés para la esfera de la cultura institucionalizada. Sería contradictorio con los argumentos que he planteado en este texto sugerir que existe una polarización entre lo institucional y una supuesta cultura autónoma; pero ciertamente hay articulaciones que pueden reabsorber y neutralizar cualquier intersticialidad. El arte se anexiona así el territorio de “lo real”, esa nueva veta de vanguardismo crítico (FOSTER, 2001), y da reconocimiento institucional a propuestas que de otro modo no hubiesen tenido resonancia y difusión en el circuito cultural dominante. La contradicción salta a la vista: este mismo reconocimiento, aunque pueda formar parte de políticas basadas en el cruce disciplinar, también contribuye a desactivar el potencial alternativo de los proyectos. La apuesta consistiría en activar, es decir poner en acción, los proyectos de manera que se dirijan e interpelen a otros colectivos y se abran a su cuestionamiento al incorporar también sus contradicciones y límites. Menos evidente, y tal vez por eso más peligroso, es el riesgo de cooptación que se produce cuando estos colectivos son convocados de manera consultiva o deliberativa por los poderes gubernamentales (ahora encarnados en agentes conocedores y afines incluso a la crítica a la política cultural, que mantienen un perfil institucional bajo y que hacen gala de maneras aparentemente dialogantes) para desarrollar nuevas políticas o equipamientos culturales. En este caso su participación proporciona una coartada legitimadora para que la administración continúe desarrollando los planes que ya tenía previstos, o para apropiarse de las propuestas que considere más convenientes y menos molestas, sin provocar una transformación estructural en los modos de hacer política cultural. En esta disposición de fuerzas relativamente inédita, los modos de organización, las relaciones institucionales, las negociaciones y mediaciones — en definitiva, la dimensión política del trabajo comunitario — se configura como una parte fundamental de la labor de estos colectivos. La opción de evitar contactos institucionales arriesgados es de hecho un error político ya que es precisamente en estos procesos antagónicos de cuestionamiento radical y permanente de los agentes en relación donde se constituyen las identificaciones contingentes que constituyen la misma posibilidad de existencia de tales agentes. Por consiguiente, es imprescindible desarrollar estrategias/tácticas para poder construir vínculos, colaboraciones heterodoxas, híbridos contranatura, o disputas sin cuartel entre agentes institucionales tan dispares como sea posible y necesario. Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas en la escuela, el museo y la comunidad Conclusiones En el artículo que ahora llega a su fin he intentado despertar los ejes de complejidad de tres campos de acción educativa (escuela, museo y comunidad), como decía, no con el afán de agotar el terreno, cosa imposible puesto que lo educativo prolifera en una multitud de intersticios que muchas veces escapan a la mirada. Mi intención ha sido más bien poner sobre la mesa del debate la posibilidad de desestabilizar definiciones y separaciones tradicionales entre campos. Si podemos concebir que éstos son más problemáticos y menos 111 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 íntegros de lo que se suele pensar, entonces emergen nuevas vías de contaminación productiva. Esto supone una invitación a que las instituciones educativas y las culturales dejen de vivir de espaldas, pero también a plantear el aprendizaje y el saber como algo necesario para la vida, recuperando el espíritu de una educación de lo cotidiano. No estaríamos hablando de un saber acumulable ni, por supuesto, de un saber necesariamente canjeable en las equivalencias del capital intelectual contemporáneo, sino un saber que nos ayuda a entender un estar en el mundo y unas posibles transformaciones de ese estar; un saber que prolifera y se transforma en la proliferación; un saber con valor de uso que cuestione el estado de cosas actual y, tal vez, pueda imaginar uno mejor. Aida Sánchez de Serdio Martín Referencias ASOCIACIÓN Resistencia/Creación. Resistencia/creación. Zehar 47&48, p. 84-87, 2002. Disponible en: <http://arteleku.net/4.1/ Zehar/4748/Zehar47Resist.pdf>. Acceso en: 27 jun. 2005. AYUSTE, Ana et al. Planteamientos de pedagogía crítica. Comunicar y transformar. 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Data de recebimento: janeiro 2013 Data de aceite: abril 2013 117 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 85-117, jul. / out. 2013 Los niños con los niños y las niñas con las niñas: una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia Fernando Herraiz García1 Resumen En el presente artículo presento una reflexión en torno a los aprendizajes de las masculinidades desarrollados en un contexto escolar español donde la diferencia y la segregación entre los chico y las chicas era un elemento significativo. A partir de un trabajo de investigación autoetnográfico, trato de comprender algunos de los dispositivos emergentes propios de la escuela y los espacios donde los chicos negociábamos nuestros masculinidades en el curso de educación infantil cuando tenía entre 4 y 6 años (desde septiembre de 1971 hasta junio de 1973). En esta línea han surgido temas que hablan sobre aprendizajes de géneros y sexos a través de determinados ordenes simbólicos y del reparto de espacios, de posiciones y de formas de actuar de chicos y chicas. Palabras clave: Masculinidades. Género. Sexo. Representación visual. Espacios de aprendizaje. Segregación de género y sexo. A modo de introducción Mi mirada iba cambiando mientras desarrollaba la serie de lectura sobre masculinidades que serviría como anclaje 1 Doctor en Bellas Artes. Facultad de Bellas Artes/Universidad de Barcelona. [email protected] teórico de mi tesis doctoral. Aunque siempre tuve una posición crítica2, la revisión bibliográfica que realicé por aquel entonces fue trasformando mi manera de mirar no sólo en el ámbito académico; para mí era inevitable dialogar con aquello que aparecían en las lecturas a través de mi experiencia. En cada artículo o libro que revisaba aparecían temas y preguntas que me llevaban a cuestionar aquello que yo mismo había vivido, o mejor dicho, aquello que recordaba haber vivido; este modo de hacer significativo mis lecturas, inicialmente, se quedaba en mis cuadernos de anotaciones sin el ánimo de hacerlo público. Con el tiempo, y después de sopesar la posibilidad de trabajar narrativamente, decidí implicarme en mi investigación de tesis doctoral hasta el punto de convertirme en el foco de interés desarrollando así un estudio autoetnográfico3. La decisión no fue fácil dado que las herencias culturales y académicas con las Fernando Herraiz García Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 120 2 Dentro de mi investigación me coloco dentro de una perspectiva crítica de estudio que entiende los géneros y sexos como construcciones sociales y culturales. El lugar que pretendo ocupar es distante de aquellos investigadores que sostiene su argumentación a través de la esencia y naturalización dentro del orden identitario. En este sentido, entiendo que las masculinidades, del mismo modo que las feminidades, son construcciones desarrolladas dentro de determinadas disposiciones sociales, a través de múltiples ordenes culturales, ubicadas en momento histórico concreto, y localizadas en lugar determinado (MONTESINOS, 2002, p. 77; SEIDLER, 2000, p. 177; KIMMEL, 2001, p. 48; ALSOP; FITZSIMONS; LENNON, 2002, p. 136). Reflexionar críticamente desde esta posición a través de diversas áreas de conocimiento (sociología, antropología, lingüística, psicoanálisis, psicología, pedagogía, historia, etc.) me ha llevado a comprender que hay múltiples formas de masculinidad, y que son algunas de sus formas, las dominantes, las que sirven de referentes ideológico de determinadas instituciones (escolar, familiar, culturales, políticas, etc.). En el presente artículo, presento una aproximación de algunos de aquellos predisposiciones ideológicas de la escuela a través de algunos de mis dibujos infantiles. 3 En mi investigación pongo el foco en torno a mis propios aprendizajes de masculinidad, realizando el estudio a través de una perspectiva narrativa de investigación (CONNELLY; CLANDININ, 1995, 2000; SPARKES; SMITH, 2008). En este sentido, entiendo que un estudio autoetnográfico es adecuado para la reflexión crítica dentro de una línea construccionista social; las autoetnografías son investigaciones desarrolladas a través de métodos que ponen en relación la autobiografía personal con la cultura, la sociedad y la política. Una investigación autoetnográfica es el estudio de la cultura de la que uno forma parte contextualizando y analizando de manera crítica las formas de relación y las experiencias vividas en diferentes contextos (ELLINGSON; ELLIS, 2008, p. 448); de algún modo, este tipo de estudios conlleva recuperar vivencias que había convivido me habían colocado en lugares de silencio en relación a los conocimientos que iba aprendiendo. En este sentido, el punto de inflexión se configuró en forma de crisis; los conflictos principalmente venían al tratar de poner límites a aquello que podía aparecer de mi experiencia en los textos académicos que iba generando y lo que prefería que quedase en el ámbito de lo privado. Las dudas se disiparon cuando comprendí que, del mismo modo que en una investigación narrativa se negocia con los sujetos colaboradores, yo era el responsable de construir esa frontera. Lo cierto es que, guiado por la maleabilidad de mis incomodidades, a lo largo del estudio dicha frontera fue moviéndose; rompiendo con algunos de mis juicios previos, cierta parte de las experiencias que inicialmente habían quedado fuera las incorporé por considerarlas significativas. Mientras preparaba narrativas donde recuperaba experiencias recordadas desde la adultez sobre mis aprendizajes de las masculinidades, gracias a mi madre en su función de cronista familiar, pude recuperar todos y cada uno de los cuadernos que realicé durante los cursos de preescolar (entre los 4 y los 6 años de edad). Este hecho me motivó más si cabe a trabajar temas relacionados con las representaciones de género y sexo prestando especial atención a las masculinidades. Los trabajos infantil realizados entre 1971 y 1973, como cápsula del tiempo, se convirtieron en materiales que incitaban, por una parte, a recuperar nuevos episodios en mi memoria, y por otra, a establecer puentes con las lecturas que estaba realizando desde dos ámbitos: el escolar en general, y las representaciones visuales4 y textuales de género y sexo en particular. El carácter Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia propias para desarrollar y construir sentidos a partir de la experiencia narrada autobiográficamente (SPRY, 2001, p. 741). 4 El aparato teórico que utilizado para dar sentido a las representaciones visuales que realicé durante mi infancia se sustenta en la aportación de los Estudios Visuales y los Estudios de la Cultura Visual. En esta línea de trabajo, comprendiendo que las representaciones están desarrolladas a través de consideraciones sociales y culturales, me propongo activar una mirada que trate de reflexionar en torno a los intereses y mecanismos ideológicos a los que predispone. De este modo, trato de construir significados en torno a la imagen visual en un acto de vez que 121 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 discursivo que emergen de los trabajos cobraba un sentido que me hacía repensar sobre el aparato ideológico de la escuela donde inicié mi escolarización; un ‘sentido común’ que retrataba a la vez que producía una determinada versión de lo masculino como de lo femenino. Al respecto, en relación al presente artículo, trato de reflexionar sobre el papel de los trabajos infantiles en mis propios aprendizajes que, basados en la diferencia de los géneros y sexos, predisponía aquella escuela situada en una ciudad próxima a Barcelona al inicio de la década de los setenta. Para ello me he valido de una series de representaciones de niños y niñas que realicé de pequeño, y de dos escenas en las que hablo sobre el reparto de objetos y espacios de aprendizaje. En el presente texto trato de mostrar reflexiones en singular en torno a dos ámbitos: los aprendizajes basados en la diferencia entre chicos y chicas, y las ubicaciones emergentes dentro de los espacios de aprendizaje; mientras que en el primero cuestiono el papel de las representaciones que muestran una visión bipolar de los géneros y sexos, en el segundo apartado reflexiono sobre el reparto de espacios y objetos siguiendo esta misma ‘lógica’. Fernando Herraiz García Aprendiendo de la diferencia Al aproximarme en torno al papel de los dibujos que realicé en los curso de párvulos, reconozco algunas de las normas que han estado (y algunas todavía están en cierta medida) presentes en el contexto cultural y social en el que crecí. Los trabajos que llevé a cabo el 19 de mayo (imagen 1), 17 de febrero (imagen 2), y el 6 de octubre (imagen 3) de 1972 son significativos. Durante aquellas sesiones, de la pizarra Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 122 ponga al descubierto los factores mentales, imaginarios, sensoriales, etc. y de intereses de raza, género, clase social, etc. (BREA, 2005, p. 8). Mi intención es la de reflexionar en torno a las estructuras sociales, los órdenes simbólicos, las construcciones identitarias, las asimetrías dominantes, las formas de poder, las normalidades, etc. En esta línea, trato de establecer comprensiones a través de la descripción de la esfera social de la mirada, de las estructuras de las subjetividades, y de la construcción del deseo, la imaginación y la memoria (MITCHELL, 1999, p. 10; HERNÁNDEZ, 1999, p. 5; BREA, 2005, p. 9). copié dibujos en los que aparecen elementos compartidos entre las representaciones de la ‘niña’, y diferentes en relación a la del ‘niño’. Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia Imagen 1 La diferencia reside en que mientras se muestra las imágenes del ‘niño’ con pantalones, en la representación de ‘niña’ se acompaña con un vestido y lazos en el pelo. La presencia o ausencia de dichos elementos se convierte en dispositivos identitarios de diferenciación entre las chicas y los chicos. De algún modo, las imágenes presentan a la vez que producen determinadas visiones normativas de feminidad y masculinidad de la infancia dentro del orden social en que estaban inscritas. En mi aproximación a las representaciones en cuestión, desde un primer momento tomé conciencia de los discursos emergentes como indicativo de la normalización de género y sexo desde una doble dimensión. Por un lado, aquella que 123 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 muestra la indumentaria a la que ellas pueden acceder, y por otro, la dimensión que revela aquello que a ellos les está prohibido llevar. Fernando Herraiz García Imagen 2 Imagen 3 Respecto a este tema, reconozco que, básicamente, las formas de masculinidad se construían a partir de aquello que era considerado como no femenino. Y es que, muy difícilmente un chico podía venir a clase con algún tipo de indumentaria tradicionalmente asociada a las chicas; llevar falda o lazos en el pelo eran elementos que las distinguían de nosotros. Escena 1: los niños con los niños Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 124 Las chicas solían vestir con faldas y llevar lazos recogiendo su pelo en coletas y trenzas. Los chicos en cambio siempre llevábamos pantalones y el pelo corto que como mucho cubría nuestras orejas. En aquel tiempo, éramos demasiado pequeños para llevar el pelo largo, y los pendientes eran objetos tan exclusivos para las chicas y las mujeres como podrían ser las faldas y los lazos. A este respecto, las normas en casa eran tan tajantes como en la escuela con los compañeros de clase y profesores. Aquellas reglas estaban tan arraigadas durante los cursos de párvulos y la Educación General Básica que difícilmente a los chicos, o al menos a mí, se nos ocurría sentirlas de otra manera. Me cuesta poco imaginar qué es lo que hubiera pasado si algún compañero hubiese venido a clase con un lazo en el pelo o un pendiente en su oreja. Sin duda, la mofa pública de maestros y compañeros a través de insultos y motes habría perdurado en el tiempo. Por aquel entonces, aquellas eran cosas que tan sólo las chicas podían llevar; nosotros habíamos aprendido a mantener las distancias con dichos elementos para no ser objeto de burlas y bromas despectivas. Supongo que, aquel que tenía la necesidad de transgredir las normas, difícilmente correría riesgos que le pusiesen en el punto de mira de aquellos que estaban a su alrededor. Pero no sólo la indumentaria te podía poner en entredicho; los chicos también habíamos aprendido a no comportarnos como ellas. Y de esto soy consciente cuando recuerdo haber oído de pequeño reiteradamente ‘los chicos no lloran’ o ‘sé valiente como un hombre’. Los niños debíamos aguantar el llanto ante un momento de tristeza o frustración, y guardarnos nuestro miedo a salir lastimado en un enfrentamiento con algún compañero. Aprendíamos que el llanto o la cobardía eran síntomas de debilidad poco propios de los chicos cuando escuchábamos a modo de insulto ‘no seas nenaza’ en el preciso momento en que algunos de estos indicios empezaba a ser visible. En la aproximación que realiza Connell (2003) al concepto de masculinidad distingue cuatro enfoques: el esencialista, el normativo, el simbólico y el relacional. El enfoque esencialista desarrollado desde posiciones tradicionales define básicamente el núcleo de la masculinidad a través de rasgos como: la dureza, la valentía, la sexualidad activa, la fortaleza física, etc. (CONNELL, 2003, p. 33), fundamentando su poder en la presunta ‘esencia natural’ de sexo y género masculino. El enfoque normativo se aproxima al concepto a través de las normas y reglas de socialización que lo configuran, argumentando que “La masculinidad es lo que los hombres deberían ser” (CONNELL, 2003, p. 34). Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia 125 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 El enfoque semiótico define la masculinidad a través de un sistema de diferencias simbólicas entre los géneros y sexos. En este sentido, la masculinidad quedaría definida con aquello que no es femenino (CONNELL, 2003, p. 35). El cuarto enfoque advierte que “ninguna masculinidad surge, excepto de un sistema de relación de género” (CONNELL, 2003, p. 35). Desde esta perspectiva, las masculinidades se desarrollan en las relaciones entre los hombres y las mujeres prestando atención a las ubicaciones y prácticas emergentes, y a los aprendizajes y comprensiones que las configuran. Las masculinidades se despliegan de una manera relacional donde el juego simbólico está vinculado con los posicionamientos que asumen los chicos y las chicas, las prácticas asociadas a los lugares que ocupan y los efectos que sobre sus propios cuerpos se materializan. En este sentido, Judith Butler (2002) al teorizar sobre los sexos afirma que: Fernando Herraiz García El “sexo” es una construcción ideal que se materializa obligatoriamente a través del tiempo. No es una realidad simple o una condición estática de un cuerpo, sino un proceso mediante el cual las normas reguladoras materializan el “sexo” y logran tal materialización en virtud de la reiteración forzada de esas normas (p. 18). Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 126 Acercarme a la noción de masculinidad en estos términos me lleva a prestar atención sobre los dispositivos presentes en las actividades reiterativas de enseñanza y aprendizaje vinculados de mis dibujos infantiles. De algún modo, las representaciones de la ‘niña’ y del ‘niño’ tiene un valor significativo que, por una parte, se hace eco de un modelo dominante a la vez que, por otra, produce miradas que pautan normativamente el valor simbólico que está en juego en las relaciones intergenéricas entre chicos y chicas. Reconozco que yo aprendí a ser chico en relación con los y las demás (niños, niñas, padres, madres, hermanos, hermanas, amigos, amigas, maestros, maestras, etc.) tratando de acercarme a los modelos que encarnaban ellos, del mismo modo que me mantenía a cierta distancia de las configuraciones que veía en ellas. A este respecto, tomo conciencia del problema cuando me viene a la cabeza frases como ‘no seas nenaza’ que, a modo de insulto, adquiría el mismo sentido peyorativo al que hace referencia Eric Pescador (2004) cuando, desde una mirada crítica, afirma que: Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia En definitiva, la masculinidad como adjetivo significa poder no ser femenino y no poder decir con libertad lo que se siente. Como sustantivo representa a personas y cosas, a actitudes y comportamientos que tienen asignado el símbolo positivo frente al sustantivo feminidad, que representa un símbolo negativo o sin valor social (p. 130). Aquel acto de insultar, donde lo masculino ocupaba el símbolo positivo y lo femenino el negativo, se convertía en un dispositivo reflejo de la normalidad emergente en la relación entre los chicos y las chicas en mi clase de párvulos y durante la primaria. Y es que, en un sentido simbólico la posición de los chicos supuestamente estaba en peligro cuando aparecía algún indicio de aquello que tradicionalmente estaba asociado a ellas. La normalidad en la que viví de niño, no sólo configuraba la forma con la que debíamos ir vestidos, también pautaba la manera de actuar en nuestras relaciones con los y las demás. Ya desde pequeños debíamos demostrar valor, fuerza, control sobre el dolor físico, afán de aventuras, etc., en el mismo sentido que muestra la mística arquetípica de la masculinidad (LOMAS, 2004, p. 22)5. 5 Lomas (2004), teniendo como referente a Bourdieu y Pujolar, afirma que: “la cultura masculina del patio y de la escuela constituye un espacio simbólico habitado por una serie de líderes cuyas conductas (con respecto a sus compañeros y a sus compañeras) son un fiel reflejo de las conductas y de los valores asociados al modelo dominante de las masculinidad (el valor absoluto e incuestionable de la fuerza, el elogio de la violencia, el menosprecio del diálogo y de la solidaridad, el maltrato a las chicas y a los chicos que no se identifican con ese modelo dominante de masculinidad” (LOMAS, 2004, p. 21-22). 127 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 Un ejemplo de aprendizaje de género y sexo basada en la diferencia entre niños y niñas la encuentro en el texto (imagen 4) que trabajamos en la clase 17 de enero de 1973. Con el texto ‘La tierra es como una niña presumida que se adorna con collares y cintas. Las cintas son los ríos. Los ríos van al mar. Nuestro río se llama Llobregat’, no solo aprendía que en la tierra hay ríos y el nombre del que pasa por mi ciudad; también asociaba determinadas actitudes con la feminidad de las niñas. Como mis aprendizajes de entonces se desarrollaban manteniendo las distancias con ellas, yo también aprendía a no ser presumido ni a adornarme con collares en mi cuello ni cintas en el pelo. Fernando Herraiz García Imagen 4 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 128 Por lo que recuerdo de mi infancia y adolescencia, la masculinidad la construía a partir de las diferencias existentes y en oposición con las formas de feminidad. La mirada de los y las demás, materializadas en comentarios y recriminaciones, se convertía en un elemento de vigilancia mediador en nuestros aprendizajes, al menos en los míos. En relación a este tema recuerdo que, mientras que para nosotros los mecanismos de autorregulación eran verdaderamente rigurosas y exigentes, en las niñas la norma parecía más permisible. Tal como lo veía, ellas no tenían la necesidad de respetar inexorablemente la división de género y sexo tal como lo hacíamos nosotros. Quizás el origen de este problema se encuentre en el juego simbólico emergente de las relaciones intergenéricas de los niños y las niñas. Mientras que nosotros en ese cruce supuestamente no teníamos nada que ganar y mucho que perder, ellas, sospecho yo que, no sin dificultades ni conflictos - fruto de la normalidad emergente del patriarcado y de sus propios modos de autorregulación -, accedían a un orden hipotéticamente mejor valorado que el femenino. En dicho orden de las cosas, eran ellas las que, supuestamente, tenían algo que ganar. Y es que, como he argumentado anteriormente, el orden simbólico y las estructuras asimétricas de la división sexual emergente en la escuela donde estudié estaba desarrollado a través del principio de inferioridad y exclusión de la mujer. Al reflexionar sobre este tema, Pierre Bourdieu (2000, p. 59) afirma que el origen de los fundamentos simbólicos se encuentra en una distinción dual que asocia al hombre con el sujeto-agente, y a la mujer con el objeto-instrumento, configurando el orden social del mercado matrimonial. A pesar de los posibles cruces que las chicas pudiesen realizar, la visión dominante en la escuela era de resolución heterosexual en los mismos términos a los que hace referencia Judith Butler (2002) al afirmar que: Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia […] las normas reguladoras del “sexo” obran de una manera performativa para constituir la materialidad de los cuerpos y, más específicamente, para materializar el sexo del cuerpo, para materializar la diferencia sexual en aras de consolidar el imperativo heterosexual (p. 18). El modo de la masculinidad dominante en la escuela estaba desarrollado bajo un imperativo heterosexual donde cualquier rasgo de ‘feminidad tradicional’ en los chicos se asociaba con la homosexualidad convirtiéndose en síntoma de desprestigio. El dispositivo patriarcal era tan potente que la 129 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 homosexualidad no era una opción dado que, como concepto - sencillamente -, no existía dentro de nuestro vocabulario. Este hecho me lleva a pensar sobre la eficacia de los mecanismos en acción que distanciaban normativamente a los niños y a las niñas evitando riesgos que pusiesen en juego el orden establecido. Entiendo que dichos dispositivos dejaban ver el carácter homofóbico propio del ideario e imaginario patriarcal presente en el colegio donde inicié escolarización. Fernando Herraiz García Espacios de aprendizaje y enseñanza En este apartado voy a tratar de hacer una reflexión en torno a los mecanismos que predisponen a la construcción de las masculinidades en aquellos espacios escolares fuera del aula. En esta línea, Carlos Lomas (2004), haciéndose eco de la aportación de Pierre Bourdieu, afirma que el espacio escolar en general se ordena a través de un mercado simbólico determinado donde el papel de las formas de aprendizaje de género y sexo es especialmente significativo. Los conocimientos que se interiorizan, las posiciones que se asumen y las prácticas que se desarrollan, se convierten en un capital simbólico definido bajo la mística arquetípica de la masculinidad. Carlos Lomas (2004) afirma que: El patio (y el aula y la escuela en su conjunto) se convierte así en lo que Pierre Bourdieu (1982) denominaba el mercado simbólico de intercambios, en el que la moneda de cambio con mayor valor es el prestigio que se conquista imitando los estereotipos de la masculinidad dominante y ejerciendo el poder y la opresión contra las chicas y contra los chicos que no tengan el capital simbólico obtenido a través de la adhesión inquebrantable a los arquetipos viriles de la masculinidad tradicional (p. 22). Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 130 El patio del colegio es un lugar de interacción y de aprendizaje donde el capital simbólico es la moneda de cambio, y donde la disposición emergente se ordena a partir de las diferencias bio-sexuales de los sujetos, estableciéndose una distribución determinada de los elementos en juego (objetos, escenarios, acciones, normas, posiciones, etc.). Pierre Bourdieu (2000) afirma que: Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia La división entre los sexos parece estar ‘en el orden de las cosas’, como se dice a veces para referirse a lo que es normal y natural, hasta el punto de ser inevitable: se presenta a un tiempo, en su estado objetivo, tanto en las cosas [...], como en el mundo social y, ha estado incorporado, en los cuerpos y en los hábitos de sus agentes, que funcionan como sistemas de esquemas de percepciones, tanto de pensamiento como de acción (p. 21). Condicionadas por determinadas herencias culturales en el ámbito escolar, los chicos y las chicas nos repartíamos los espacios, los objetos, los saberes, las posturas, los valores, las reglas, las comprensiones, etc. apropiándonos y desechando valores simbólicos asociados, de forma bipolar, a cada uno de los géneros y sexos. Por un lado, los chicos, o al menos yo, supuestamente aprendíamos a mantener la distancia con aquello que simbólicamente estaba asociado a las chicas (asignándole un valor ínfimo), y por otro lado, tratábamos de acercarnos a aquello que nos podía dar prestigio. Tal como afirman Sue Askew y Carol Ross (1991, p. 33) los chicos, más que las chicas, teníamos la necesidad de respetar la distinción entre actividades y posiciones consideradas tradicionalmente ‘masculinas’ y ‘femeninas’. Según Pierre Bourdieu (2000) el origen de los criterios de exclusión y subordinación sobre ellas se encuentra en el principio de división entre hombres y mujeres en el terreno de los intercambios, y en la producción y reproducción del capital simbólico. Este autor argumenta que: El principio de inferioridad y de la exclusión de la mujer, que el sistema mítico-ritual ratifica y amplifica hasta el punto de convertirlo en el principio de división de todo 131 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 el universo, no es más que la asimetría fundamental, la del sujeto y del objeto, del agente y del instrumento, que se estable entre el hombre y la mujer en el terreno de los intercambios simbólicos, en las relaciones de producción y de reproducción del capital simbólico, cuyo dispositivo central es el mercado matrimonial, y que constituyen el fundamento de todo el orden social (BOURDIEU, 2000, p. 59). Fernando Herraiz García Trasladar la aportación de Pierre Bourdieu (2000) al ámbito de la escuela me lleva a reflexionar sobre los dispositivos que organizan la distribución de los espacios a través de los bio-sexos, por un lado, y sobre las actividades técnico-rituales de los chicos y las chicas, por otro. El origen de la producción y reproducción del capital simbólico presente en la ordenación social de la escuela también tenía al mercado matrimonial como dispositivo central. La gestión de los bienes simbólicos en el ámbito escolar se producía de forma asimétrica, donde nosotros disfrutabamos de los privilegios propios de posiciones patriarcales supuestamente ‘superiores’, y ellas se veían relegadas a lugares de invisibilidad y subordinación dado que no poseían el capital simbólico que se desprende de los arquetipos viriles de la mística de la masculinidad. Reflexionar en torno a estos temas me lleva a la recuperación de la escena ‘El patio del colegio en párvulos’ haciéndola significativa a través de la aportación de Pierre Bourdieu (2000). El relato recoge el modo en el que nos distribuían a los chicos y a las chicas en el espacio escolar, así como también da cuenta de aquello a lo que nos predisponía a hacer. Escena 2: El patio del colegio en párvulos Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 132 La casualidad ha hecho que, después de los años, y tras algún que otro traslado de domicilio por mi ciudad, la escuela donde realicé los dos cursos de párvulos a principio de los años setenta, sea ahora el colegio al que acudo para ejercer mi derecho a voto cada vez que se convocan unas elecciones. Aunque mi memoria escolar de entonces es escasa, cada vez que cruzo aquel recinto, no puedo evitar recordarme jugando en el patio del colegio con mis compañeros, o trabajando con aquellos cuadernos, que todavía conservo, donde empecé a escribir, a leer y a dibujar. Mi madre, en su papel de cronista familiar, de vez en cuando me cuenta cómo se divertían cuando llegaba a casa y compartía lo aprendido durante el día de escuela; la señorita Irene, mi profesora, nos enseñaba a leer letras haciendo cómicas muecas con la cara y señales con las manos. Si tengo que ser sincero, para nada recuerdo, ni las señales con las que gesticulaba al leer, ni las risas de las que era objeto en casa. Lo que, verdaderamente, quedó fijado en mi memoria, fue la manera con la que, a los niños y las niñas, nos distribuían en el patio del colegio a la hora del recreo. Mientras que los chicos ocupábamos, según se salía, la parte derecha del patio, las chicas iban a la parte izquierda. Había una frontera invisible que dividía el espacio del patio en dos partes iguales. Sólo los más pequeños podían cruzar esa frontera cuando eran reclamados por las chicas mayores en sus juegos; eran muñecos entre brazos de madres ficticias alumnas de cursos superiores. Si no mal recuerdo, la frontera no sólo separaba a los chicos y chicas, sino que, también, mediaba sobre aquellas cosas que se podían hacer en un lado y otro del patio. Aunque, en ocasiones, fui requerido por las chicas de cursos superiores para sus juegos, para mí era normal ir detrás de una pelota, y llenar de piedras los bolsillos de mi bata. Por otro lado, no recuerdo haber saltado a la comba, ni la letra de las ‘cantarelles’ que, con frecuencia, acompañaban algunos de los juegos de las chicas. Ahora, después de tanto tiempo, cuando cruzo el patio de aquel colegio para cumplir con mis obligaciones y derechos, no puedo evitar dirigir mi mirada hacia esa línea que nunca existió pero que siempre estuvo allí. Desde mi actualidad, y con el bagaje académico que me acompaña, no dejo de mirar hacia aquella frontera especulando e imaginando otras líneas sobre el suelo de aquel viejo patio; líneas en el suelo con las que reflexionar sobre: el funcionamiento de la recta divisoria, el carácter invisible de la frontera, el papel de la línea en las relaciones sociales, las áreas de distribución de género, las zonas fronterizas, las vigilancias reguladoras, los límites normativos, las licencias que se Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia 133 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 otorgaban... . Y es que, tal como sospecho, tanto aquella línea invisible como la posición donde me ubicaron en relación a ella, medió y sigue mediando, en mayor o menor medida, en la manera con la que me voy construyendo y definiendo como hombre. Fernando Herraiz García Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 En la escena ‘El patio del colegio en párvulos’ narro una experiencia situada en la escuela donde realicé los dos cursos de preescolar; a parte de los cursos de párvulos, la escuela ofertaba dos líneas curriculares hasta octavo curso de la antigua Educación General Básica. En aquel colegio público, aunque aparentemente íbamos juntos, los chicos y las chicas estábamos separados en el patio y en el aula; la separación se llevaba a cabo a partir de la división por bio-sexos en los mismos términos a los que hace referencia Pierre Bourdieu (2000, p. 21). Mientras que, según se salía, ellas ocupaban la mitad derecha del patio, nosotros la izquierda; en clase los chicos nos sentábamos en una única fila de pupitres de las cuatro que componía la clase. La ordenación presente en aquella escuela a principio de la década de los setenta es un ejemplo de la división por biosexos con la que se organizaba la vida social. Al reflexionar sobre la ordenación social en mi colegio me planteo preguntas como: ¿a quién parece beneficiar la segregación sexual entre chicos y chicas?, ¿qué intereses favorece?, y ¿qué posiciones y miradas se establecen? Al tratar de desvelar quiénes disfrutaban de los privilegios y reconocer qué modelos del mismo pretendían perpetuar en la sociedad en general, de algún modo, también hago visible aquellos que, desde posiciones de hegemonía, modelaban las normas de la escuela en beneficio propio. En este sentido, pongo bajo sospecha algunas estrategias del patriarcado al trasladar determinados modos de mercado matrimonial al ámbito escolar donde el capital simbólico posicionaba a las mujeres y a algunos hombres en lugares de subordinación e inferioridad. 134 Como estrategia comprendo que la ‘protección’ y la ‘vigilancia’ que aparecía, tácitamente, velaba por el orden que se pretendía perpetuar desde posiciones patriarcales. De este modo, tratar de comprender algunas estratagemas me lleva a reflexionar en torno a la vigilancia, por una parte, sobre de los chicos para proteger supuestamente a las chicas, y por otra, sobre las chicas para proteger supuestamente a los chicos. Los niños con los niños y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia • Protegiendo a las chicas de los chicos. Ellas tenían que ser protegidas de la continua demostración de fuerza y virilidad arquetípica de la masculinidad. Ellos, paradójicamente ubicados en posiciones cómplices a la hegemónica, eran vigilados para que en su conquista de la masculinidad no las dañasen. De este modo, las chicas metafóricamente tenían algo que debía ser protegido y guardado de los chicos y de su carga simbólica. • Protegiendo a los chicos de las chicas. Ellos debían ser protegidos de posibles mediaciones que les llevasen hacia un modelo de masculinidad distante del arquetipo tradicional. Las chicas eran vistas como una amenaza latente en la construcción del sujeto masculino; cualquier rasgo de feminidad en los chicos, que por mímesis pudiera aparecer, sería objeto de descrédito y devaluación simbólica. La separación por bio-sexos en el ámbito escolar se convertía así en una estrategia de poder que facilitaba la vigilancia y la protección de unos y otras. Desde este enfoque, los conflictos se derivarían de los cruces que pudieran aparecer en la interacción simbólica de las chicas y de los chicos; en este caso, las zonas fronterizas son las que desestabilizarían la trama de privilegio social de unos y de subordinación de otras. Y es que, a mi entender, con la separación no sólo se protege a los chicos de la presunta y ‘maléfica’ feminización, también se evitan los desafíos que ellas podría ejecutar poniendo en riesgo nuestro capital simbólico masculino. 135 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 Una conclusión para continuar trabajando Fernando Herraiz García Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 En el texto que ahora concluyo, tratando de reflexionar en singular en torno a algunos aprendizajes de las masculinidades, han surgido temas relacionados con los lugares que ocupábamos unos y otras tanto dentro como fuera del aula. En aquella escuela donde inicié mi escolarización, los chicos y las chicas recibíamos una educación de carácter mixto donde se pretendía que, aunque fuésemos todas y todos juntos, ocupásemos espacios diferentes. Esta distribución bipolar, favorecía una rigurosa distribución de elementos, posiciones y actitudes que habla de las ideologías y los mecanismos próximos a posiciones tradicionales del patriarcado. Encuentro que los dispositivos ideológicos se manifestaban en forma de prácticas de vigilancia y protección de unos y otras; como consecuencia de ello, los niños y a las niñas íbamos aprendiendo reiterativamente aquello que podíamos hacer o decir, así como a reconocer los lugares que se nos estaba permitido ocupar. Salirse de la normalidad era un riesgo que difícilmente queríamos correr si no queríamos recibir severas reprimendas tanto de los y las mayores que nos rodeaban como de compañeros y compañeras de pupitre. Reflexionar desde la adultez sobre mi experiencia de aprendizaje de género y sexo, me lleva, por un lado, a contemplar algunos de los cambios en la sociedad y la cultura desarrollados durante los últimos cuarenta años, y, por otro, a especular en torno a sus efectos dentro del ámbito escolar. Aunque son sensibles las transformaciones en esta línea, creo que es preciso reflexionar sobre las formas ideologías a las que predispone la escuela en la actualidad, y poner en evidencia a aquellos y aquellas que disfrutan de privilegios. Un trabajo que ponga en relación aquel pasado con lo que acontece hoy en día desvelaría si, realmente, las mudanzas han sido significativas y consecuentes con la ideología que se promulgan desde propuestas curriculares. 136 En este sentido, pienso que una aproximación en torno a la visualidades desde una perspectiva crítica puede ayudar a enfocar los problemas y conflictos que supone asumir determinadas masculinidades para los chicos. La negociación de los chicos con determinados materiales curriculares, así como las posiciones y actuaciones que asumen en los diversos espacios de aprendizaje, deben ser susceptibles de estudio si pretendemos mejorar nuestras comprensiones de aquello que está aconteciendo en las relaciones intergenéricas entre chicos y chicas. Creo interesante redibujar las fronteras invisible que recolocan en el espacio y marcan aquello que se puede hacer en él bajo autorregulación normativa. Trabajar en esta dirección, implicará comprender qué hay de aquella línea recta que nos separaba a los unos de las otras en tiempo de recreo en la actualidad, y si verdaderamente los efectos de nuevas ideologías, supuestamente más críticas, influyen en la manera de comprenderse en los chicos y en las chicas dentro del marco escolar. 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From the completion of an auto ethnographic type of work, I try to understand some of the own emerging devices from that school and the spaces where boys used to negotiate our own masculinities in that school where I attended primary education from age 4 to 6 (from September, 1971 to June, 1973). Along and linked to this work, subjects have arisen related to learnings by members of a same sex and gender throughout specific symbolical mandates and the splitting of spaces, positions and ways on how boys and girls do act. Keywords: Masculinities. Gender. Sex. Visual representation. Spaces for learning. Segregation of gender and sex. Data de recebimento: novembro 2012 Data de aceite: janeiro 2013 139 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 119-139, jul. / out. 2013 A la escuela, sin armarios 1 Anderson Ferrari2 Roney Polato de Castro3 Resumo Partimos de uma imagem, ou melhor, da escolha de uma imagem como título e provocação deste artigo que pretende problematizar a presença das imagens na constituição das nossas subjetividades. É esse aspecto que nos interessa como questão central: como as imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à cultura, às imagens e aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas 1 Imagem cedida por Beatriz Gómez García. 2 Pós-doutor em Cultura Visual e Educação na Universidade de Barcelona. [email protected] 3 Doutorando em Educação na Universidade Federal de Juiz de Fora. polatojf@ yahoo.com.br formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos sentidos e significados que vamos dando as coisas e pessoas. Palavras-chave: Cultura visual. Educação. Subjetividades. Sexualidades. Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Introdução Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Optar por uma imagem como título é, ao mesmo tempo, um ato de reconhecimento e de provocação. Reconhecemos nosso contexto atual como aquele em que as imagens adquiriram importância fundamental na educação do nosso olhar e das nossas subjetividades. Essa afirmação, por si só, já nos provoca a pensar essas relações. No entanto, nossa provocação vai mais além. Um ato de reconhecimento como esse que acabamos de fazer não significa que estamos dando por solucionada as questões entre imagens, educação, olhar e subjetividades. Daí a continuidade da nossa provocação em assumir uma imagem como título: as imagens fazem parte de um campo de estudos – a Cultura Visual – que insiste em problematizar, teorizar, criticar e historicizar esses processos (MITCHELL, 2005). Dessa forma, queremos partir do reconhecimento para provocar o campo da Educação a pensar como esses processos podem ser constituídos como educativos à medida que constroem sujeitos, contextos, realidades, espaços, relações, enfim, uma série de possibilidades e desafios para nos colocar sob suspeita e construir novas formas de ser e estar no mundo. Uma imagem que para servir como título nos obriga a olhar para todos os aspectos que a compõe: as personagens e suas posições, as relações que podemos estabelecer entre esses dois meninos, a presença central do armário, a frase em destaque “A la escuela, sin armários” (que além de ser uma escrita é uma imagem que fortalece, significa e/ou explica as outras imagens), as frases que se seguem: “2009 Año de la diversidad Afectivo-Sexual em la Educación. Por la convivencia, respetemos la diferencia” e as cores do arco íris, que em nossa atualidade é a representação (a bandeira) dos movimentos 142 LGBTT4. Todos esses aspectos isoladamente e em diálogo constituem e constroem uma imagem que é a apresentada como título deste artigo e que nos interessa discutir junto aos processos educativos de constituição dos sujeitos. Assim, não há um título formal. A imagem é o título. Dentre as diversas possibilidades de justificativas para assumir a imagem como título, elegemos duas delas, que nos interessam mais em relação ao que queremos discutir adiante no que se refere à cultura visual como A la escuela, sin armarios [...] objetos materiales, edifícios e imágenes, más los medios basados en el tiempo y actuaciones, producidos por el trabajo y la imaginación humana, que sirven para fines estéticos, simbólicos, rituales o ideológicopolíticos, y/o para funciones prácticas, y que apelan al sentido de la vista de manera significativa (WALKER; CHAPLIN, 2002, p. 16). A primeira é a que vivemos em um mundo cercado e organizado pelas imagens. Nas ruas, em placas e outdoors, na televisão, no cinema e outras formas de divertimento como os videogames, nos anúncios de produtos, enfim, circulamos entre imagens e elas nos constituem. Essa presença constante nos convida a pensar que para serem lidas elas são tomadas como objetos. No entanto, são imagens fugazes, instantâneas e que são substituídas muito rapidamente, de forma que não é algo material. Paradoxalmente não são objetos. Melhor dizendo, são tomadas como objetos, dos quais podemos falar, criticar, analisar, problematizar. São significadas e constroem significados que formam isso que chamamos “realidade”, como conjunto de representações que organizam formas de se olhar e de se ver, estabelecem pautas de reivindicações e lutas, contribuindo para definir valores, desejos, identidades e sujeitos. A segunda justificativa se centra mais no proponente e na proposta da imagem. É um cartaz que, minimamente, tem duas funções. Por um lado é uma propaganda do tema 4 Referência a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros. 143 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 144 da Parada Gay de Madrid em 2009. Por outro lado, é uma proposição. “A la escuela, sin armarios” pode ser entendida como um convite, uma incitação, uma proposição: “vamos às escolas sem segredos”, ou “se assumam nas escolas”, ou “saiam do armário nas escolas”. Dessa forma, mais do que uma propaganda ele é um convite “a ser”, ele incita a assumir uma posição de sujeito nas escolas, ele define duas identidades. Uma valorizada, aquela do aluno que se assume nas escolas e outra desvalorizada, aquela que permanece no armário. Estamos em um contexto globalizado que nos permite deslocar esse cartaz para outra realidade que não a espanhola e perceber que ele também se encaixaria perfeitamente na atualidade brasileira. Se tirarmos as frases em castelhano e trabalhássemos somente com as imagens, elas definiriam leituras muito próximas daquelas que as frases reforçam. As cores e os símbolos que constituem o cartaz já estão incorporados como representantes dos grupos LGBTT, de forma que em nenhum lugar encontramos os grupos responsáveis por tal produção. Não se faz necessário uma vez que o cartaz, por seus símbolos, cores e frases, traduz a luta e mensagem que são universais para os movimentos LGBTT: interesse pela construção de outra imagem da homossexualidade e não aquela ligada ao segredo, vergonha e medo, além do investimento nas escolas e nos adolescentes, para destacar apenas algumas delas e que mais nos interessam neste texto. Duas justificativas que dialogam a partir do predomínio da imagem na nossa sociedade atual, que faz com que os grupos LGBTT invistam também na sua produção e difusão como forma de veicularem mensagens, de criar significados e sujeitos, de fortalecer símbolos. É esse aspecto que nos interessa como questão central: como as imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à cultura, as imagens e aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos sentidos e significados que vamos dando às coisas e pessoas. Elas exigem novas metodologias no campo da educação. Em 2009, a Parada do Orgulho Gay de Madrid (Espanha) teve como tema “A la escuela, sin armarios”. De acordo com os organizadores5, a intenção era denunciar a violência sofrida por adolescentes homossexuais nas escolas, reivindicando assim a possibilidade de que existam escolas “em que os jovens LGBTTs não tenham medo de estudar e onde não haja violência”. Uma explicação para além do cartaz, que se sobrepõe a ele e sobre o que ele estabelece. Mais do que isso, a explicação nos demonstra como a imagem pode detonar outros processos de linguagem na sua exploração. O que os organizadores trazem é talvez o que esperam que o cartaz inicie nas escolas, ou seja, uma discussão em torno da homofobia. A partir daí, estamos incitados a pensar: o que significa estar “dentro” ou “fora” do armário? “No armário” é uma expressão que se refere mais comumente à população LGBTT. Nesse sentido, “sair do armário” seria, então, uma expressão que descreveria o anúncio público da orientação sexual, ou seja, não ocultar uma orientação sexual homossexual, bissexual ou transexual. Há, portanto, um caráter de “revelação” de um “segredo”, que pode produzir efeitos diversos em quem recebe essa “informação” (família, escola, amigos, empregadores, etc.). Poderíamos dizer também que nessa relação com o “armário” está em jogo aquilo que é público (fora) e o que é privado (dentro). Desse modo, entenderíamos que os heterossexuais estariam, “naturalmente”, “fora do armário”. A partir dessas considerações iniciais podemos questionar: qual o significado pessoal e político de estar “dentro” ou “fora” do armário? O 5 Informação obtida em: <http://acapa.virgula.uol.com.br/politica/paradas-gaysde-madri-e-londres-levam-milhares-as-ruas-veja-fotos/2/13/8673>. Acesso em: 03 maio 2011. A la escuela, sin armarios 145 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 que pode significar essa “revelação”? Como isso se relaciona com as práticas educativas? O que pode significar uma “escola sem armários”? Enfim, questões que nos interessam e nos orientam no desenvolvimento do artigo. Na intenção de dar conta dessas provocações dividimos o texto em três partes: Cultura Visual, Homossexualidades e Educação; Imagens e Educação sem Homofobia e por último, Sexualidades “dentro” e “fora” dos armários: confusões na demarcação de fronteiras identitárias. Três partes que dialogam em torno da articulação central desse número temático: Cultura Visual e Educação. Queremos, portanto, propor a reflexão do encontro entre esses dois campos de conhecimento tomando as homossexualidades como detonadoras da discussão, como parte de processos educativos de subjetivação. Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro 1. Cultura Visual, Homossexualidades e Educação Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 146 Talvez esse seja o título mais evidente se aproximamos o tema central da revista – Cultura Visual e Educação – da imagem título que tomamos como inspiração. Cultura Visual é algo muito recente, uma discussão iniciada na segunda metade do século passado e que tem a multidisciplinaridade como um aspecto importante para se trabalhar com imagens. Autores como Hernández (2010), Moxey (2004) e Brea (2005) destacam que o fundamento para incluir ou excluir algum gênero de imagem no que chamamos de Cultura Visual está baseado nas circunstâncias históricas, nas necessidades educativas e nas considerações políticas desse gênero e imagem. Dessa forma a dedicação dos grupos LGBTT na produção de imagens é algo que merece destaque de forma que podemos questionar: que tipo de imagens são construídas por esse coletivo? Que identidades e sujeitos estão em negociação a partir dessas imagens? Tomar a produção deste cartaz da Parada Gay de Madrid de 2009 e mais do que isso, tomar essa imagem como produção de Cultura Visual nos possibilita problematizar e pensar novas formas de produção de conhecimento desde enfoques muito variados, como por exemplo, interpretações inspiradas pela perspectiva feminista, ou pelos Estudos Culturais, pelos Estudos Gays e Lésbicos, pelos Estudos Foucaultianos ou mesmo pelo estabelecimento de aproximações entre essas formas de se conhecer. Enfoques que demonstram que não existem artefatos culturais desinteressados, mas que são atravessados por relações de poder, de saber e de resistências6. A partir daí é possível pensar a relação entre Cultura Visual, Homossexualidades e Educação, três processos atuais que se atravessam. Podemos dizer que os estudos da Cultura Visual, no seu desenvolvimento, “bebeu nas águas” desses diferentes enfoques de análise, sendo influenciado também pelos movimentos feministas, de gênero e LGBTT, que foram capazes de nos chamar atenção para os envolvimentos políticos do encontro entre presente e passado. Esses movimentos e a Cultura Visual assumem as interpretações, imagens e leituras como algo construído historicamente e não como essências. Isso significa dizer que tudo é produção, de forma que essa imagem do cartaz mescla passado e presente (o que podemos ler hoje tem relação com os significados e saberes das homossexualidades que foram construídos desde o século XIX), une objetividade e subjetividade (podemos tomar a homossexualidade como conhecimento, como objeto de conhecimento, do qual falamos, produzimos saberes e sujeitos) e sobretudo, nos possibilita inseri-lo num regime no qual a verdade é algo que não somente pode ser encontrada, assumida, resistida, mas principalmente construída discursivamente. Diversas imagens numa só: imagem título, imagem da Parada Gay de Madrid, imagem que está nas escolas, imagem produzida por grupos LGBTT, imagem vista e significada por 6 Para Michel Foucault (1999) temos que tomar o saber-poder como inseparável, assim como não é possível falar de relações de poder sem pensar em resistências. As resistências fazem parte dessas relações, de forma que não é algo fora do poder. Compartilhamos esses entendimentos e assumimos essa perspectiva na organização do nosso texto. No entanto assumimos essa forma de escrever, separando essas categorias para fortalecer suas presenças. A la escuela, sin armarios 147 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 148 adolescentes de diversas orientações sexuais, por professores e familiares. Diferentes imagens e uma só imagem. Enfim, diferentes posições a partir das quais podemos ver, diferentes posições que essa imagem nos situa, faz ver a mim mesmo e que podem ser tomadas a partir de dois aspectos: o político e o poético. Como aspecto político, estamos chamando os discursos veiculados pela imagem, aquilo que podemos ler nas imagens, cores e frases. A mensagem ou as possibilidades de mensagens que os proponentes tinham a intenção de transmitir. Como poético, queremos dar lugar ao que escapa, as possibilidades de fugas do que está escrito, que está presente como imagem, aquilo que podemos pensar a partir do e em relação ao político. Dois aspectos que dialogam a partir das nossas construções históricas, das nossas histórias de vida, nossas lembranças, saberes e experiências que nos dão instrumentos para ler, entender, assumir ou resistir o político, dando asas para o poético. Se no primeiro caso estamos mais presos aos interesses do proponente, sempre temos possibilidade de resistências, de diálogos pessoais com a imagem e com os discursos. Quando entramos nesse jogo de forças, não é mais o cartaz que está falando, mas é a cultura, aquilo que nos forma e captura e não estaremos mais falando do que estamos vendo, mas daquilo que me constitui, ou seja, estamos falando de nós mesmos. Daí a potencialidade da imagem, ou seja, não estamos interessados somente no que o cartaz traz, na mensagem presente nele, mas nos processos de subjetivação que ele detona, que ele dá início. Ao voltar ao cartaz, duas ausências nos chamam atenção: a falta das palavras “homossexual” ou “homossexualidade” e a não presença de siglas, ou nomes dos grupos gays responsáveis pela produção, pela parada e pelo chamamento aos adolescentes. No entanto essas não são faltas que fazem diferença. Independentemente das palavras “homossexual” ou “homossexualidade”, é possível fazer essa relação uma vez que é a homossexualidade que foi assumida como segredo e que, portanto, tem algo a revelar. Estar ou “sair do armário” são expressões do vocabulário político dos grupos gays e que já estão incorporadas pela população de forma geral e não somente por homossexuais. Assim, quando vemos escritos “a la escuela, sin armários”, acionamos as palavras homossexualidade e homossexual. Não esperamos que a frase e o cartaz como um todo digam de heterossexuais. “Sair do armário” é um aspecto de reivindicação e da proposição atual do discurso dos grupos LGBTT. Entretanto, é um discurso que traz um passado. Segundo Foucault (1999), a palavra “homossexualidade” foi inventada no final do século XIX, transformando a homossexualidade e o homossexual em objetos de conhecimento, algo capaz de produzir um saber. A “invenção” da homossexualidade pelo discurso médico foi capaz de criar um campo semântico em torno das pessoas que eram classificadas ou se sentiam como tais, de forma que o homossexual surge também como um personagem que tem um passado, uma história e que tem a homossexualidade incorporada no seu corpo, que é denunciada, que é revelada pelo corpo e ações. Inicia-se assim um jogo entre esconder, revelar, vigiar e denunciar que vai marcar parte desta história. Assim sendo podemos dizer que a palavra “homossexual” foi introduzida no discurso moderno, tornando-se popular e precedendo a palavra “heterossexual” (SEDGWICK, 1998). Isso não significa dizer que não existiam práticas homoeróticas antes dessa época. A homossexualidade é apenas uma pequena história dentro da história das práticas homoeróticas com uma ampla gama de condutas sexuais e comportamentos. No entanto, a homossexualidade foi capaz de construir identidades conscientes, uma vez que ela é contemporânea de um movimento mais amplo em que a sexualidade estava relacionada à verdade e a identidade dos sujeitos. Assim, o que a homossexualidade inaugura de forma mais contundente é a relação entre sujeitos, gêneros e sexualidades – um movimento que vai tomar uma dimensão considerável nas sociedades ocidentais modernas – pelo qual as pessoas passaram a não somente estarem preocupadas em assumir e vigiar um gênero (masculino ou feminino), mas A la escuela, sin armarios 149 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 150 também considerando a necessidade da revelação de uma sexualidade inscrita no binarismo homossexual/heterossexual. Mais do que relação entre gêneros e sexualidades, o que podemos perceber hoje em dia, é certo embaralhamento entre esses dois aspectos. De qualquer forma, o século XIX foi o período em que se fermentaram as condições para a construção discursiva de identidades binarizadas cheia de implicações, inclusive para outros aspectos menos sexuais das pessoas, como por exemplo, as relações no interior das escolas que não deveriam passar pela definição e “vontade de saber” sobre as orientações sexuais. Dessa forma, quando olhamos para o cartaz é possível perceber resquícios dessas construções ainda presentes hoje, demonstrando como o século XIX está mais perto de nós do que imaginamos (FOUCAULT, 1999). Os grupos LGBTT nascem neste terreno em que a homossexualidade era algo de segredo, de doença, de medo e todo discurso inicial desses grupos passa a estar ancorado em uma perspectiva de desconstruir imagens negativas da homossexualidade, assim como imagens mais positivas dessas expressões de sexualidade, em um movimento de presente no qual não se perde de vista o passado, aquilo que deve ser negado, desconstruído, mas não totalmente abandonado. Uma luta no presente que tem o passado sob pano de fundo e que volta, necessitando uma vigilância. Um passado que às vezes aprisiona, como por exemplo, a política do “sair do armário” como algo que deve ter a homossexualidade presente em todos os espaços e em todos os momentos, algo que mais aprisiona do que liberta. São os aspectos da sexualidade trazidos para outros espaços e momentos menos sexuais da existência pessoal e muitas vezes ignorando as histórias pessoais de vida. O cartaz é direcionado aos adolescentes homossexuais de forma geral, como se fosse possível falar de uma homossexualidade homogênea. A ideia é que todos aqueles jovens, alunos de escolas, que se sintam homossexuais se assumam como tais (saiam do armário). Uma mensagem que aposta no processo de identificação assim como na força de uma identidade homossexual como sendo capazes de organizarem outros momentos e espaços de vida, como a escola e a adolescência. Ele aciona conhecimentos – o que é ser homossexual, “o que eu sei de mim e sou capaz de identificar como minha identidade”, a relação identidade, verdade e conhecimento e o que significa (que atitudes de transformação) “sair do armário” – de forma que cada vez mais, a imagem e discurso da homossexualidade não somente coincidem com outras linguagens e relações ligadas ao conhecimento como também os transformem. Assim, imagens e discursos da homossexualidade acabam estando muito relacionados a imagens e discursos dos grupos LGBTT, aqueles que “falam em nome de”, constroem conhecimentos e estão autorizados a produzir saberes, relacionando-os com experiência. Da mesma forma que as imagens e discursos dos grupos LGBTT, da homossexualidade, coincidem com as estruturas da Cultura Visual, que definem cores, corpos valorizados, expressões e que vão compondo o cartaz neste encontro de linguagens e imagens, buscando uma transformação: novas atitudes, novos homossexuais, novas escolas. As relações com o cartaz, a relação do cartaz com os adolescentes e com a comunidade escolar, as relações com o “armário” e com a homossexualidade, estão estruturadas em torno das relações entre o que é conhecido e familiar e o que é “estranho” e diferente, ou seja, entre conhecimento e desconhecimento, entre segredo e revelação, entre homossexualidade e heterossexualidade. Enfim, relações que podem ser reveladoras dos jogos discursivos de forma mais geral. Estamos tomando aquilo que chamamos de “aspectos políticos” das imagens como aquilo que constrói uma mensagem. E, neste sentido, não queremos ficar presos ao discurso como aquilo que está escrito, mas pensar em uma concepção de discurso que nos leve a questionar o que estamos considerando como ato discursivo. Como nos lembra Foucault (1999), a questão não é fazer distinção entre o que está dito e o que não, uma separação binária entre o que pode ser dito e em A la escuela, sin armarios 151 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 152 que ocasião e o que não – o que se fala e o que se cala sobre a homossexualidade. O investimento é em tentar problematizar as diferentes maneiras de se falar e de se calar. Não existe o silêncio ou um silêncio, mas sim diversos silêncios que fazem parte, atravessam e subentendem os discursos. O cartaz é uma produção datada e localizada – Madrid, 2009 – além de ter um proponente claro (embora implícito), os grupos LGBTT e uma proposta evidente, fazer a publicidade e ser um chamamento para a Parada Gay daquele ano e para uma mudança de postura tida como a valorizada. Um tipo de discurso que cria e que fala acerca de duas posturas e dois sujeitos: sair do armário ou não, ser um homossexual assumido ou não. O fato de não querer sair do armário é algo iniciado e diz de um comportamento que tem relação, por si só, com o ato discursivo do silêncio. Sair ou não do armário são atitudes que nos falam de atos de discurso e de silêncio em torno das homossexualidades, de forma que sair do armário é também algo tão específico quanto a postura inversa e talvez não tenha nada a ver com a obtenção de novas informações. Assim, não podemos afirmar que o fato das escolas trabalharem e romperem o silêncio em torno das homossexualidades possa, necessariamente, ajudar, a determinados alunos saírem do armário. “Armário” é uma expressão tão vinculada aos grupos LGBTT que se transformou numa bandeira, em algo mais do que simplesmente se revelar e assumir como homossexual, mas introduz aquele que diz em um universo político. O cartaz reforça essa associação entre homossexualidade, sujeitos e grupos LGBTT, de forma que dizer “eu saí do armário” é quase que dizer “eu sou militante gay”, mais do que “simplesmente” eu “sou gay”. Para muitos, o fato de dizer e utilizar a expressão “sair do armário” adquire uma importância para além da situação em si. “Sair do armário” virou um símbolo como a bandeira do arco íris, como estar na parada do Orgulho Gay e os grupos gays, consciente ou inconscientemente, incorporam e difundem isso e até mesmo de forma materializada, como na imagem do cartaz. O cartaz acaba materializando em imagem aquilo que está na imaginação de quem escuta ou utiliza a expressão. Até agora tratamos de processos que são as condições de emergência do cartaz e que serviram para transmitir a mensagem, ou as mensagens/imagens. Processos que estão em nós e que nos permitem ler e entender o que está sendo dito e mostrado, mesmo que não paremos detalhadamente para pensar em cada um desses aspectos levantados até aqui. Processos que nos educam. Um cartaz que, sendo discurso, está atravessado por relações de poder, é produto e está produzindo discursos em meio ao jogo de forças que supõe resistências, transgressões e liberdades, algo que se aproxima daquilo que estamos chamando de poético das imagens. A la escuela, sin armarios Los recursos retóricos, “figuras del habla” o “tropos” se encuentran tanto en la poesía como en las imágenes (aparte de las obras de arte abstracto). La poética visual es uno de los nombres que se ha dado a la rama de los Estudios de cultura visual que examina en prácticamente todo tipo de imagen figurativa, pero es especialmente evidente en publicidad, caricaturas y propaganda y fotomontajes políticos (WALKER; CHAPLIN, 2002, p. 161). Tomando a citação como inspiração, podemos pensar que a poética da imagem é algo que investe em estratégias utilizadas para emocionar e para persuadir a aceitarem determinadas ideias. Para captar o interesse do público alvo são utilizados recursos de linguagem não literal. Um exemplo disso é a utilização do armário em si e da expressão “sin armários” ao se referir à escola. Ou seja, ao invés de colocar claramente “vamos à escola e assumamos nossa homossexualidade”, utilizam signos e objetos que já adquiriram, através do uso, significados secundários fixos. O que essa imagem é capaz de causar naqueles que se auto-identificam como homossexuais e que estão nas escolas? Esse retorno do que o cartaz propõe nunca é possível de alcançar como totalidade, de forma que ele dialoga com a história de cada um que é capaz de preencher esse chamado, de significá-lo, de aceitá-lo, negociar com ele e até recusar. Se 153 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 154 a poética investe na emoção como forma de persuadir, essa emoção também pode levar a outros caminhos. Emoção que faz conectar com outras estruturas que nos formam: recordações, desejos, experiências, vivências, afetividade, dor, expectativas, enfim, uma série de possibilidades despertadas a partir do olhar. Se considerarmos que o ato de ver está ancorado em um modo de expressão cultural e de comunicação tão importante quanto a fala, podemos argumentar que a relação entre o cartaz, entre a imagem, entre o que estamos chamamos de cultura visual (como algo mais amplo do que o cartaz, mas do qual ele faz parte) e o público não se nutre apenas de interpretação das imagens, mas diz de um campo social da visão, do ato de ver, do alcance do meu olhar que diz acerca dos meus processos de subjetivação (GUASCH, 2005). O cartaz coloca em circulação o que é fundamental desse campo social da visão, ou seja, usamos a visão para olhar as demais pessoas, para olhar o nosso entorno. O cartaz faz esse papel, através dele olho as pessoas e a mim mesmo. No cartaz eu encontro pessoas, ele fala de vidas: negadas, possíveis, desejadas, imaginadas. Nesse caminho não somente olhamos os outros, mas a nós mesmos, somos olhados pelo cartaz como um espelho que reflete, o olhar bate e volta. Olhamos o cartaz, entramos no jogo, lemos o seu conjunto e o seu chamado e ele me retorna, me leva a pensar qual é a minha posição diante do que está colocado, o cartaz me olha e me cobra, eu respondo a ele. E, quando eu respondo a ele e penso se estou ou não “fora do armário”, não é mais o cartaz que está falando, mas é a minha história de vida. Esse complexo campo de bate e volta, de reciprocidade visual entre o cartaz e as pessoas não é o resultado passivo da realidade social, mas é o que constrói isso que chamamos de realidade, que produz as homossexualidades (várias delas e, minimamente, homossexuais que estão ou não no armário), os sujeitos, as escolas, os grupos. Um processo que educa, uma vez que o campo da cultura visual, tomado aqui especificamente no que se refere à imagem e o cartaz da Parada Gay de Madrid, não podem ser entendidos como uma construção social do visual, como simples reflexo desse social, mas pelo contrário, como uma construção visual do social, ou seja, ela cria realidade e sujeitos. O cartaz não revela e não descreve a realidade. Podemos mesmo afirmar que ele não precisa da realidade, ele investe na realização, sendo assim um projeto a ser construído, uma potencialidade. Assim, ele e a proposta que ele instaura estão em uma dimensão de surgimento, a partir da qual surgem ações, expressões, sujeitos e lugares a serem realizados. É nesse espaço entre a imagem, o que deve ser realizado e a construção da realidade que as subjetividades começam a se articular em ações, discursos e espaços. Um preenchimento que vai da imagem ao sujeito atravessado por emoção e desejo. A imagem, como herdeira da Arte, é um dos campos em que o desejo pode se converter em proposta, em ação, em transformação, atuando sobre a realidade, no qual aquilo que está sendo proposto (a imagem) tem a possibilidade de ser realizada e ser levada à esfera do que é imaginado (uma escola sem armários, alunos que se assumam). É importante ressaltar que não estamos entendendo que o cartaz serve apenas para as subjetividades homossexuais. Considerando que as orientações sexuais são relacionais, quando falamos da construção das homossexualidades estamos também pensando nas heterossexualidades e outras orientações que também circulam pelas cidades e que entram em negociação com o cartaz. Dessa forma, quando o cartaz permite que aquele que vê articule uma resposta e uma conduta em relação ao que ele propõe, ele dá a possibilidade desses sujeitos existirem frente a si mesmos como sujeitos a partir da negociação com a homossexualidade. Assim, o cartaz e mesmo a Parada Gay diz a respeito de todos e não somente de homossexuais. No cartaz, os sujeitos nunca são dados, nunca vêm prontos, sendo assim, há um investimento na necessidade de se inventar os sujeitos. Se pensamos em um aluno que vai a escola e se assume, temos que pensar também no colega do lado, na turma de forma geral, no conjunto de professores, enfim em outros sujeitos que serão “atingidos” por esse sujeito A la escuela, sin armarios 155 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 homossexual “fora do armário”. “Atingidos” porque quando eu modifico minha posição eu altero as posições dos sujeitos que estão ao meu redor, de forma que assumir a homossexualidade na escola não é algo somente individual. Diz de uma postura que é relacional, dialoga com aqueles que estão ao redor, ou seja, se dá no encontro entre o que é individual e o que é social. Quais são os momentos de encontro entre as imagens e certo modo de subjetividade? Entre o cartaz e certo modo de ser homossexual? Essas perguntas nos possibilitam pensar que circunstâncias permitem a determinados modos de subjetividade vir à tona e como isso se dá com relação às emoções e ao afeto? Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro 2. Imagem e “Educação Sem Homofobia” Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 156 Como afirmamos anteriormente, o cartaz não diz apenas de homossexuais, ele significa outras orientações sexuais. Quando é distribuído na cidade ele passa a ser de domínio público, compondo o conjunto de imagens que formam a cidade e que interage como os seus ocupantes. Assim, o menino heterossexual também vê, também significa, lembra de histórias, reforça ou rechaça a heterossexualidade a partir do outro, da construção desse outro, que sai da imaginação e se materializa na imagem do menino saindo do armário. Como parte do cartaz, encontramos outras frases que dialogam com aquela em destaque: “2009 Año de la diversidad Afectivo-Sexual em la Educación. Por la convivencia, respetemos la diferencia”. Uma frase que se diferencia da “A la escuela, sin armários”, uma vez que parece direcionada não aos homossexuais, mas que faz um convite às outras orientações sexuais, sobretudo aquelas mais envolvidas com práticas de homofobia. Assim, ela é um componente do cartaz que pode capturar e apostar numa mudança. Ellsworth (2001) nos ajuda a pensar esse aspecto das imagens em capturar seu público, nos diferentes modos de endereçamento que constituem uma imagem. Fazendo um deslocamento do pensamento da autora para o cartaz, uma vez que ela pensa nos modos de endereçamento no campo dos estudos de cinema, queremos nos apropriar da relação entre política e mudança social que o modo de endereçamento investe. Assim podemos dizer que o cartaz foi feito “para alguém”, pensando “em alguém”. Em uma leitura apressada, diríamos que foi feito para os homossexuais, o que limitaria sua ação. Tomando o fato que o cartaz foi distribuído pela cidade e fala de um universo não apenas composto por homossexuais – a cidade e as escolas – podemos afirmar que ele foi feito para todos. Sobretudo se pensarmos essas duas frases que trazem novas informações, fortalecidas pela explicação dos organizadores (“em que os jovens LGBTTs não tenham medo de estudar e onde não haja violência”). Dessa forma, o cartaz trabalha com aquilo que Ellsworth (2001) chama de modo de endereçamento: quem o cartaz pensa que eu sou e quem ele quer que eu seja? E, pensar que ele é uma produção de um coletivo gay, podemos supor que se trata de uma política de mudança social. Mudança no que se refere aos homossexuais consigo mesmos e dos heterossexuais (somente para citar uma orientação sexual) em relação às homossexualidades e a si mesmos. Discutir homossexualidades como relação significa pensar que as heterossexualidades também se constituem pelos discursos da homossexualidade, neste embaralhamento entre gênero e sexualidade que falávamos no início do artigo: ser homem se tornou, para muitos, sinônimo de ser heterossexual. E, neste processo de construção performativa de construção da heterossexualidade, a homofobia tem feito parte. Assim, discutir a homofobia passa a ser um debate importante e fundamental para novas formas de ser homem, de ser heterossexual, que não passe pelo machismo, pelo sexismo e homofobia. Essa discussão está presente no cartaz, pode ser detonada a partir dele e também ser denunciada, conforme diz os organizadores. O cartaz, uma vez materializado passa a ser do domínio de todos. Do nosso, por exemplo, que estamos partindo dele para produzir e construir esse artigo. Mas também pode ser utilizado em cursos de formação de professores, uma vez que ele também diz de professores, de A la escuela, sin armarios 157 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 alunos, de escola. Incitações que convocam alunos a serem diferentes: a saírem do armário e a serem mais tolerantes com as diferenças. Convocações ou provocações que passam por um novo modelo de escola, que envolve professores. De certa forma, podemos dizer que o cartaz também direciona a formação docente: “quem eu penso que os professores são, quem eu quero que eles sejam”? A ideia de uma “escola sem armários”, apresentada pelo cartaz, foi discutida com cursistas do “Educação Sem Homofobia”7 (ESH), em Juiz de Fora (MG), em uma das aulas intitulada “Escola e Sexualidade”. Uma ideia que se baseou nesse cartaz que é o foco da nossa análise. Após discutirmos múltiplas categorias8 que produzem a relação entre sexualidades e escola como uma “questão”, ou seja, como algo sobre o qual há diversos e distintos posicionamentos, foi apresentada a imagem9 da campanha promovida pela organização da Parada do Orgulho Gay de Madrid, na qual podemos ver dois adolescentes: um deles parece tentar “sair” do armário e o outro parece tentar impedi-lo. Múltiplas observações podem ser feitas a partir dessa “cena”, dentre elas podemos citar: há inúmeros mecanismos que organizam o modo como os sujeitos manifestam/vivenciam suas sexualidades no espaço escolar; algumas dessas formas de manifestação/ vivência das sexualidades são vislumbradas – mesmo que de forma “controlada” ou “vigiada” – e outras são silenciadas; as manifestações do desejo sexual não-heterossexuais, em geral, têm pouco ou nenhum espaço de discussão nos currículos Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 158 7 Curso de formação de professoras/es, pertencente a um projeto realizado em quatro municípios (sendo um deles Juiz de Fora), concebido e organizado por uma equipe de profissionais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Mais informações sobre o projeto podem ser obtidas no site: <http://www.fafich.ufmg.br/educacaosemhomofobia/>. 8 Foram discutidas as seguintes categorias: Educação, Pedagogias Culturais, Poder, Cultura, Escola, Currículo, Identidade, Diferença, Sexualidade, Identidades Sexuais e orientação do desejo sexual, Homossexualidades, Estereótipo, Preconceito, Discriminação, Sexismo, Homofobia. 9 Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1203022-5602,00.html>. escolares. Ao fazer essas observações estamos cientes do risco das generalizações – sabemos que existem escolas, no plural, e que sempre há possibilidades de “linhas de fuga” nas relações de forças entre os sujeitos e as instituições – mas, os argumentos aqui tecidos têm o intuito de nos levar a pensar, sobretudo, nos modos como as práticas escolares, historicamente, têm destinado espaços distintos para as sexualidades e como isso tem reflexos nas relações de subordinação e violência a que são submetidos, com frequência, aqueles/as que não compartilham da orientação heterossexual do desejo. Ao trazer o cartaz como suporte de uma aula em que se pretendia discutir as sexualidades e escolas, podemos dizer que há pelo menos dois deslocamentos importantes para ser analisados à luz da formação docente, da atuação e importância dos grupos gays na construção de discursos sobre as homossexualidades e da apropriação e utilização de imagens para esses fins. Um primeiro deslocamento é aquele que diz do contexto em que foi originalmente distribuído para o interior da sala de aula. Do contexto espanhol para o brasileiro. O segundo centra na finalidade da produção dessa imagem. Uma imagem convocatória, quer seja para a parada Gay de Madrid, quer seja para uma nova postura de adolescentes nas escolas. Assim temos o deslocamento de uma imagem propaganda para uma finalidade de formação, uma função didático-pedagógica. Podemos inferir que toda imagem é didático-pedagógica na medida em que transmite uma mensagem, busca ensinar algo, investe num processo de educação mais amplo voltado para a construção de sujeitos. Dessa forma, estamos considerando que a visão é tão importante quanto a linguagem, de modo que a cultura visual não se alimenta apenas de interpretações de imagens, mas diz da possibilidade de se pensar e descrever um campo social do olhar. Quando se apresenta esse cartaz num curso de formação docente, mais do que simplesmente investir na interpretação da imagem e sua mensagem provocadora para as escolas, instala-se um processo de percepção do que é A la escuela, sin armarios 159 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 possível de se ver, o que os alunos veem e o que não veem. Com essa proposta articulam-se dois conceitos que nos parece fundamentais para discutir a relação entre processos educativos e imagens: experiência e estética. Dois conceitos que devem ser entendidos no processo de constituição de sujeitos. Não queremos dizer com isso que as imagens tenham que se desprender dos usos e funções que originalmente foram pensadas e elaboradas, das situações e contextos em que foram utilizadas e circularam. Num contexto globalizado de hoje em que é possível ter acesso a imagens produzidas e utilizadas nos mais diferentes espaços e contextos, é importante dar lugar a essas especificidades ao mesmo tempo em que não podemos ficar presos ao pragmatismo e nem ao contexto, sob pena de reduzir as possibilidades de problematizar as imagens, nossa cultura e as relações entre ambas. Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro 3. Sexualidades “dentro” e “fora” dos armários: confusões na demarcação de fronteiras identitárias Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 160 Quando fazemos uso do termo “sexualidade”, estamos nos remetendo a algo que faz parte das nossas vidas desde uma perspectiva histórico-filosófica específica, em termos socioculturais e discursivos. Essa “sexualidade” que conhecemos, vivemos e sobre a qual falamos (muitas vezes de forma prolixa e fervorosa), se constitui a partir da Modernidade. Isso quer dizer que os sujeitos não exerciam suas sexualidades antes desse período? O que pretendemos argumentar aqui é que nossa compreensão atual do que é viver as sexualidades está intimamente relacionada às sociedades ocidentais Modernas e seu projeto social civilizatório. Foucault (1999) argumenta que no século XVIII nasce uma incitação política, econômica, técnica, a falar do sexo, colocando em funcionamento uma “polícia do sexo”, isto é, a “necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos e não pelo registro de uma proibição” (p. 28). Segundo Foucault (1999), nessas sociedades “a” sexualidade foi transportada para a dimensão do privado, para dentro de “armários”, mais especificamente “para o quarto do casal”. Associada a isso houve uma intensa “explosão discursiva”, a fim de denunciar uma “repressão sexual” que teria se efetivado nesse contexto, acirrando nossa vontade de saber. Ali emerge também a sexualidade como forma de vigilância e de disciplinamento dos sujeitos, a partir das prescrições de diversos especialistas (médicos, psiquiatras, sexólogos, psicólogos) que passaram a elaborar classificações e parâmetros de normalidade para as práticas sexuais, produzindo conhecimentos que colocavam os sujeitos nas categorias “normal” e “anormal”. Nesse contexto de uma “nova caça às sexualidades periféricas”, “nasce” o sujeito homossexual, como uma “personagem”. Segundo Foucault (1999, p. 43-44), A la escuela, sin armarios O homossexual do século XIX torna-se uma personagem: um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa. [...] É necessário não esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica e médica da homossexualidade constituiuse no dia em que foi caracterizada – o famoso artigo de Westphal em 1870, sobre as “sensações sexuais contrárias” pode servir de data natalícia – menos como um tipo de relações sexuais do que como uma certa qualidade da sensibilidade sexual, uma certa maneira de inverter, em si mesmo, o masculino e o feminino. [...] O sodomita era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie. Essa “personagem”, como argumenta Foucault (1999), já nasce com status de desvio, categorizada como patologia do comportamento sexual normal. Ao criar classificações para as práticas sexuais “desviantes”, os especialistas criam também o padrão que serve como parâmetro: a sexualidade madura, conjugal, heterossexual e procriativa. As instituições sociais incorporam essas classificações e a visão de que “o sexo” não poderia ser assunto de todos, mas seria tratado apenas pelos especialistas e as autoridades que precisam construir as normas para um exercício da sexualidade sadio e normal. 161 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 No século XIX, o campo médico-científico ganha notoriedade e multiplica as formas de regular os prazeres e desejos, especialmente as formas consideradas “desviantes”. A medicina passa a investir sobre os sujeitos, investigando seus desejos, suas fantasias, classificando o “normal” e o “patológico”, o “bom” e o “mau”, instituindo correções, investindo terapêutica e pedagogicamente sobre os indivíduos (crianças, jovens, homens, mulheres), sobre as famílias e sobre a “população”. Foucault (1999) argumenta que as sociedades modernas estariam vendo a emergência da “scientia sexualis” que procura interrogar, classificar, regular as sexualidades periféricas, ou seja, a sexualidade das crianças e das mulheres, a dos loucos e dos criminosos, o “prazer dos que não amam o outro sexo” (p.39). Tudo o que foi dito até agora nos serve para pensarmos nas formas como as sexualidades vêm sendo enquadradas e como a escola participa desse processo, relação apontada pela análise que vimos tecendo sobre o cartaz da Parada do Orgulho LGBTT de Madrid em 2009. Como dissemos anteriormente, a escola é uma instituição “característica” da Modernidade e, de muitas formas, ela participa também desses mecanismos de classificações e padronizações das sexualidades. Pode ser importante, desse modo, pensarmos: de que formas as sexualidades têm sido tratadas nas escolas? Quais delas podem ser conhecidas e quais devem permanecer “dentro dos armários” nas escolas? Nosso intuito é, deliberadamente, conduzir ao debate sobre duas proposições nos estudos da educação para a sexualidade, para a equidade de gênero e diversidade sexual: as sociedades ocidentais Modernas e, por conseguinte, as instituições escolares, são regidas e organizadas em torno da naturalização e padronização da heterossexualidade e da masculinidade10; as instituições escolares têm geralmente (re) produzido essa organização, assim como têm colaborado para Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro 10 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 162 Ao afirmar que a heterossexualidade e a masculinidade se colocam como padrões, atentamos para o fato de que há múltiplas formas dentro dessas categorias e que alguma delas tem status de padrão e norma. Pensemos, por exemplo, nos comportamentos masculinos mais valorizados e que nem todos os que se autoidentificam como homens compartilham desses atributos. a manutenção desses padrões. Mas, vamos nos deter melhor nesses argumentos. Ao dizer que existem processos de naturalização, estamos nos referindo a tudo aquilo que aprendemos a lidar como concepções ou atitudes pretensamente “naturais”, “comuns”, “normais”, que as pessoas acham que sempre foram “do jeito que são” e que há sempre consenso sobre eles. Como isso se relaciona com a questão das sexualidades? Pensemos no seguinte: alguma família educaria seu filho ou filha para ser homossexual? Alguma família faz planos de que seu filho ou filha se relacione e constitua seu projeto de vida ao lado de uma pessoa com o mesmo “sexo”? Algum/a professor/a pensa em atividades pedagógicas que possam se constituir como produção de alunos e alunas homossexuais? Infelizmente, as respostas para essas perguntas parecem ser negativas. O cartaz da Parada do Orgulho LGBTT de Madrid em 2009 pode ser usado para pensar essas relações: não se justificaria a produção de tal artefato se a homossexualidade ocupasse um lugar natural dentre as possibilidades de experiências da sexualidade. Isso nos conduz a pensar que a heterossexualidade é um valor legítimo para as culturas ocidentais, o que a transforma em um “padrão” a ser seguido por todos/as. Porém, ninguém nasce hetero, bi ou homossexual. Nossa cultura se encarrega de nos ensinar, por meio de inúmeras (sutis, refinadas, naturalizadas) pedagogias, a ser o que somos, dessa forma, também aprenderíamos a ser hetero, bi ou homossexuais. Algumas dessas pedagogias, como argumentamos a priori, são colocadas em funcionamento por meio da Cultura Visual. Como isso acontece? Por que uma pessoa se identifica com uma dessas categorias? Não há uma resposta, única e segura, para essa questão. Talvez devêssemos nos perguntar: como aprendemos a conceber a heterossexualidade como “natural”, “normal” e as demais orientações do desejo sexual como “antinaturais” e “anormais”? Os discursos e práticas que vem se sustentando desde o século XIX colaboram para a construção de uma imagem “negativa” da homossexualidade, atribuindo a ela um lugar de “não valor” em nossa sociedade. Para muitas pessoas, ainda hoje, A la escuela, sin armarios 163 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 as relações homossexuais são consideradas algo repulsivo, doentio, anormal. A ideia de ter uma pessoa homossexual compartilhando o local de trabalho, a sala de aula ou um banheiro público é, para muitos, algo incômodo, para não dizer repugnante ou agressivo. As famílias não imaginam para seus filhos e filhas a possibilidade de educá-los para serem homossexuais; ao contrário, é preciso afastá-los do perigo que essa possibilidade representa. A possibilidade de ter um filho/a homossexual aflige muitas mães e pais e a constatação desse acontecimento é algo que gera inúmeros conflitos. Ao colocar os sujeitos homossexuais nessa categoria, nossa cultura acaba por imputar-lhes uma identidade absolutizada, ou seja, sendo homossexual a pessoa deixa de ser o/a filho/a, o/a amigo/a, o/a profissional, e passa a carregar uma “marca” que muda as relações sociais, reafirmando seu caráter desviante. Tudo isso poderia servir para pensarmos na produção e circulação de um cartaz que nos convida a pensar numa escola sem armários: a política da imagem que tem a intenção de fazer circular representações outras da homossexualidade, direcionando-se não só aos/às adolescentes, mas a toda a sociedade. Assim, podemos considerar que o cartaz aqui analisado funciona como dispositivo de subjetivação que pode perturbar a negatividade e o não-valor atribuído às homossexualidades. Argumentando que a sexualidade foi se tornando a verdade mais fundamental dos sujeitos (FOUCAULT, 1999), uma vez que por meio dela pode-se chegar às profundezas do ser, muitos dos comportamentos e sentimentos acima descritos poderiam se justificar: temos sido bombardeados pelos saberes médico-psiquiátricos, associados à valores morais/religiosos, que associam a homossexualidade a uma falha de caráter, posicionando-a como exceção à regra, como algo pecaminoso. Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 164 Crime abominável, amor pecaminoso, tendência perversa, prática infame, paixão abjeta, pecado contra a natureza, vício de Sodoma: tantas designações que durante séculos serviram para qualificar o desejo e as relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Relegado ao papel de marginal ou excêntrico, o homossexual é tido pela norma social como bizarro, estranho ou disparatado (BORRILLO, 2009, p. 15). A la escuela, sin armarios Desse modo, notoriamente desviante, a homossexualidade se constrói a partir da categoria que é a referência nas sociedades ocidentais, ou seja, a heterossexualidade. Sendo ela o padrão, o centro, os sujeitos que não compartilham dela estariam nas margens, fora do centro, seriam excêntricos (LOURO, 2003). Cabe-nos problematizar, que não haveria uma relação condicionante entre as práticas afetivas e sexuais de uma pessoa e seu caráter, ou seja, ser homossexual não é sinônimo de “doente”, “pecador”, “mal caráter”, “promíscuo”. Como argumenta Furlani (2007), “aquilo que aprendemos a valorizar e a guardar como valores de vida, nada tem a ver com a nossa orientação sexual” (p. 163). Desde as décadas de 1960 e 1970, temos acompanhado um processo intenso de resignificação das sexualidades, pautado nas discussões dos movimentos de mulheres, dos movimentos feministas, movimentos de gays e lésbicas, denunciando “a complexidade do patriarcado, o sexismo, o machismo, a misoginia e a hierarquia presente nas relações de gênero”, bem como “a homofobia e a não-isonomia nas leis” (FURLANI, 2005, p. 221). A maior visibilidade das identidades sexuais, reflexo do movimento de “política de identidades”, vem colocando em pauta a discussão sobre o preconceito e as práticas discriminatórias e de violência contra gays, lésbicas e transexuais. Essa visibilidade acirra ainda mais os jogos de poder entre os grupos “minoritários”11 e aqueles chamados “conservadores”. Certamente, temos aqui um aumento na disponibilidade pública de representações e códigos culturais relativos à homossexualidade, levando à crescente aceitação dessa pluralidade cultural, ao passo que renova os “ataques” daqueles que buscam reafirmar os tradicionais valores associados à família cristã (LOURO, 2004). Assim, a possibilidade de que 11 É importante ressaltar que o termo “grupos minoritários” não se refere ao aspecto quantitativo, mas sim ao modo como esses grupos vêm sendo subjugados em termos de direitos essenciais. 165 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 166 existam movimentos como as paradas do orgulho LGBTT e a elaboração de materiais como o cartaz aqui tomado para análise, nos quais são produzidas e pelos quais circulam imagens que se constituem como discursos políticos, são atravessadas pelas reivindicações, pelas lutas e deslocamentos empreendidos pelos movimentos sociais de contestação. Em função dessa movimentação política, a homofobia tem sido tema de debate nos movimentos sociais, nas políticas públicas, na mídia e nas pesquisas acadêmicas. Porém, o que percebemos é que as pessoas possuem diferentes entendimentos sobre os discursos e práticas homofóbicas, reflexo da compreensão anteriormente construída a respeito das identidades sexuais. Podemos dizer que a homofobia é, inicialmente, uma forma de violência contra gays e lésbicas que se caracteriza por um sentimento de hostilidade, medo, ódio, aversão e repulsa. Porém, segundo Borrillo (2009), este sentido se mostra limitado, porque não abrange toda a extensão do fenômeno. “[...] Ela é uma manifestação arbitrária que consiste em qualificar o outro como contrário, inferior ou anormal. Devido a sua diferença, esse outro é posto fora do universo comum dos humanos” (p. 15). Desse modo, a homofobia se institui na relação entre o “centro” – a heterossexualidade – e os “ex-cêntricos” – a homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade, servindo para reafirmar a heteronormatividade – o regime discursivo em que os comportamentos sexuais são qualificados como modelos sociais a serem seguidos, seguindo um “destino pré-fixado”, no qual o sexo biológico determina a identidade de gênero (masculino, feminino) e, consequentemente, um desejo sexual unívoco (heterossexual) (BORRILLO, 2009; LOURO, 2004). A discussão sobre a homofobia e a heteronormatividade tem adentrado os “muros” das escolas, a partir da constatação de que alunos e alunas – crianças, adolescentes, adultos – e profissionais que lá atuam são, ao mesmo tempo, praticantes e vítimas dessa forma de preconceito. Este fato motiva a produção de estratégias de enfrentamento, especialmente por grupos gays organizados que elaboram materiais, promovem campanhas e eventos, nas quais os efeitos perversos da homofobia e da heteronormatividade são apontados, denunciados. Como observamos no cartaz da Parada do Orgulho Gay de Madrid (2009), o enfrentamento a homofobia nas escolas é também tomado como uma questão urgente, devido ao modo como a instituição lida com as sexualidades, geralmente, compartilhando do projeto social de exclusão das homossexualidades. Ao admitirmos que essa forma de lidar com as sexualidades não está “nas pessoas” (não nasce com elas), mas faz parte de um regime de verdade instituído na cultura, a escola pode se constituir como espaço de problematização dos processos de constituição identitária e de demarcação das diferenças que, juntamente com outras instâncias sociais, pode perturbar as relações naturalizadas de inferiorização dos sujeitos que escapam do “armário” da heterossexualidade, relação esta que tem produzido humilhações, constrangimentos e violências. Considerações A la escuela, sin armarios finais: pensando numa escola de possibilidades Finalizando este texto, nossa esperança é que seus argumentos sirvam menos como ensinamentos e mais como provocadores de pensamentos. Portanto, ao pensar numa escola de possibilidades, pensamos em contribuir para compor as docências artísticas (CORAZZA, 2010) que estão nos cotidianos das escolas. Quando argumentamos que a escola vigia, controla, hierarquiza e subordina as identidades sexuais, não queremos dizer que não há como escapar desses processos, mas sim que ao tomar conhecimento deles, possamos colocar em atividades outras práticas, outras atitudes, outras formas de discussão, outros debates. Não podemos incorrer no erro de supor que o sujeito, os professores em formação, os alunos, enfim, os sujeitos de conhecimento, aqueles que estão em contato com o cartaz, que estão dialogando com ele, que estão sendo educados por ele, os nossos leitores e essas formas de conhecer se dão previamente e definitivamente. As formas de se conhecer e de constituir os sujeitos dizem dos seus contextos. 167 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 Anderson Ferrari, Roney Polato de Castro Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 168 A partir dessa afirmação, o que tínhamos como proposta neste artigo era mostrar como o campo da cultura visual está implicado por práticas sociais e educativas que podem levar a domínios de saber que não somente fazem com que apareçam novos objetos de conhecimento, conceitos e métodos de apropriação e trabalho com as imagens, mas que, sobretudo, fazem nascer formas diversas e novas de sujeitos de conhecimento. O cartaz por si só, tem essa pretensão de construir novos objetos e sujeitos em articulação. Ao envolver as escolas, a situação se estende para outras constituições de sujeitos. Ao ser tomado por nós como prática de formação docente a partir das possibilidades de problematização da relação cultura visual e educação, adquirem novas funções, novos objetos e sujeitos, enfim, toda uma trama em torno dessas relações. Uma trama ou um jogo que não descarta as vinculações (que não pode descartar) desses sujeitos de conhecimento constituído a partir da imagem com suas histórias. Cada um que olha o cartaz, que tem contato com ele, que é chamado a pensar os seus símbolos, representações e significados tem uma história, aciona suas histórias pessoais que possibilita que entre em contato e em relação com a imagem e que possibilita construir um conhecimento sobre esse objeto-imagem. Um conhecimento, portanto, que tem uma história. Partimos de um entendimento da imagem como discurso, o que significa pensar na perspectiva foucaultiana como jogos estratégicos de ação e reação, de desafios e potencialidades, de perguntas e respostas, provocações e resistência, ou seja, como luta. É nessa luta que se produz o sujeito. Neste sentido, o nosso artigo se insere neste jogo, nesta luta uma vez que ao se propor analisar e trabalhar essas relações, entra no jogo, faz parte da luta numa perspectiva muito clara e política que é a de pensar como se produz, através da história, o sujeito de conhecimento. Mais especificamente como se produz esses sujeitos professores, sujeitos alunos portadores de uma sexualidade, sujeitos homossexuais através de discursos (as imagens estão entendidas aqui) tomados como conjunto de estratégias que formam parte de práticas sociais. Referências A la escuela, sin armarios BORRILLO, Daniel. A homofobia. In: LIONÇO, Tatiana; DINIZ, Debora (Org.). Homofobia & Educação: um desafio ao silêncio. 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Questions that present us challenge and potential, to know, the discussion of the imortance of image, assuming it leads us to qualitative changes concerning culture, images and subjects, such that we can not look at this current phenomena with strategies and procedures from last decade. The images and their implications to subjects force us to search for new ways of thinking, looking and paying attention to the meaning we give to things and people. Keywords: Visual culture. Education. Subjectivities. Sexualities. Data de recebimento: dezembro 2012 Data de aceite: fevereiro 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 141-170, jul. / out. 2013 170 Fotografía y cultura politica: carnaval y samba en el foco de la buena vecindad Ana Maria Mauad1 Resumén El texto analisa la produción de la fotógrafa estadosunidense Genevieve Naylor, comissionada por el gobienrno de los Estados Unidos para fotografiar Brasil en el ámbito de la política de la buena vencidad. Enfatiza en el analisis la presencia negra en las imágenes de la buena vecindad por el medio de la noción de íntertexto, según la cual las formas narrativas o discursivas elaboradas en la dinámica social se apoyan y condicionan unas a las otras. Así el trabajo de Naylor es analizado según las condiciones históricas del proceso de producción del sentido social de la época en que actuaba. Palabras llave: Fotografía. Cultura popular. Relaciones internacionales. La buena vecindad fue una política internacional colocada en practica por el Gobierno de Franclyn Delano Roosevelt, durante la Segunda Guerra Mundial , para los países del continente Americano, por una de las organizaciones del Departamento de Estado de los EUA, el Office of the Coordinator of Inter-American Affair, desde 1940, dirigido por el millonario Nelson Rockefeller. Este organismo fue creado por el gobierno F. D. Roosevelt para garantizar la solidaridad latinoamericana con la causa liberal frente a la expansión del nazi-fascismo, al mismo tiempo en que creaba una área de reserva de mercado para los productos norteamericanos durante la Segunda Guerra Mundial. Para esto, el OCIAA tenía oficinas en los países estratégicos de Sudamérica, entre ellos. Argentina, Chile y Brasil. El Brasil 1 Profesora Asociada de GHT. Cordinadora del LABHOI-UFF. Investigadora del CNPQ. [email protected] Ana Maria Mauad Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 172 representaba una pieza clave en las relaciones interamericanas por la necesidad de los Estados Unidos construir una base en la región noreste del país, hecho que posibilito al gobierno brasilero negociar la construcción de la Compañía Siderúrgica Nacional, punto de partida para el proceso de organización de la industria de base en Brasil. El alineamiento de Brasil con los EUA, permitió la proyección internacional de la cultura brasilera que identificaba lo nacional a lo popular, valorizando el Samba, las bellezas naturales, y la diversidad étnica Brasilera. En este período aún, se configuro una nueva relación entre poder y cultura, bien como la elaboración de una cultura política basada en valores asociados a los procesos de internaciónalización de la cultura occidental. El foco de análisis de este trabajo recae sobre las imágenes producidas entre 1941-1942, por Genevieve Naylor, fotógrafa nacida en los EEUU, y contratada por el departamento de Estado de los EUA, específicamente por los OCIAA (Office of the Coordinator of Inter American Affairs) para producir una imagen confiable de Brasil, como un buen vecino, para garantía de los intereses estratégicos de los EUA. Sin embargo, Genevieve Naylor mas que conformar una imagen del “Otro” por medio de los protocolos etnográficos de alteridad, consiguió que en sus imágenes, este Otro figurase por su condición humana. La fotógrafa rompiendo con los protocolos oficiales, invirtiendo significativamente en las posibilidades de establecer nexos humanitarios comunes entre los dos países, en vez de crear diferencias impenetrables (o accesibles solamente por el discurso científico de la etnografía). La forma de componer sus fotografías revela el dialogo que la fotógrafa estableció con las referencias visuales de su tiempo. Principalmente aquellas asociadas a producción artística de los años 1930, cuya valorización del individuo se hacía en consonancia con el papel por el desempeñado en las relaciones sociales. El resultado de la conjugación de estas referencias fue la elaboración de una alteridad plural de los brasileros y brasileras: jóvenes, niños y viejos, posible de ser aprendida por la gente común de los Estados Unidos, el publico albo de sus fotografías. Se destacan en sus imágenes la presencia negra en la sociedad brasilera y se observa en sus fotografías, principalmente en lo que dice el respeto a la negociación de la pose, la postura, una diferencia entre las formas de dejarse fotografiar, de la población afro-brasilera, y las selecciones técnicas y estéticas realizadas por la fotógrafa. Se comprende aí la producción de una memoria negociada entre el mundo blanco y el afro-brasilero. El eje conceptual que orienta esa reflexión opera con la noción de practica fotográfica como experiencia social, política y, marcadamente, histórica. De esa forma, la producción de imágenes fotográficas en un determinado tiempo y espacio se sustentan en imágenes ya producidas y que orientan la educación de la mirada de los fotógrafos en fase de aprendizaje, pero también conforman medios y formas de ver y representar por medio de imágenes técnicas el mundo visible. Por otro lado, en el aprendizaje de ver lo que es significativo para cada situación cultural, envuelve el acceso a un conjunto de valores que son aprendidos en los contactos culturales entre los sujetos de la experiencia histórica. Así el trabajo de Naylor es analizado según las condiciones históricas del proceso de producción del sentido social de la época en que actuaba. Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad I. La población afro brasilera vista por lentes de fotógrafa de la Buena Vecindad La pareja Genevieve Naylor y Peter Reznikoff llegan a Brasil en octubre de 1940, ella viene como funcionaria del departamento de Estado norteamericano, especificamente el órgano responsable por la implementación de la política de la Buena Vencindad – el OCIAA (Office of Coordinator of Inter American Affairs), y el como integrante de una misión artistica para crear el Museo de Arte Moderno de Rìo. La misión de Naylor era de fotografiár un Brasil buen vecino y amigable, para ser exhibido en los Estados Unidos. 173 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 Paralelamente, se invertía por medio de la producción de artefactos de cultura popular de masa, en la configuración de una nueva geografía imaginaria para el continente americano. En esta operación se destacan el cine, con películas del ciclo de Buena Vecindad y de sus iconos: Carmen Miranda y Zé Carioca2; y la fotografía de Naylor, ambos productos vueltos para la transformación de lo que era propio a cada formación social en típico de cada país, en una especie de folclórismo de la geopolítica interamericana. Así se crea la bahiana estilizada, el truhán honesto, el gringo simpático, el campesino alegre, etc., para cada país un tipo que incorpora una función política en el mosaico americano. Las fotografías de Naylor más que componer una imagen del Otro por medio de protocolos etnográficos de alteridad, propios de su época, define ese otro por su condición humana. En su trabajo Naylor invierte en la posibilidad de establecer lazos comunes, al contrario de crear diferencias impenetrables, accesibles solo por el discurso científico de la etnografía. La forma como ella compone sus fotos revela un dialogo establecido con las referencias visuales de su tiempo, principalmente aquellas asociadas a la producción artística de la década de 1930, en los cuales los individuos eran valorizados por el papel que desempeñaban en las relaciones sociales. El resultado de estas múltiples referencias fue la creación de una alteridad plural para los brasileros: jóvenes, adultos, niños y viejos, que podría ser comprendida por las personas comunes de los Estados Unidos, el público albo de sus fotos. Naylor llega a Brasil en octubre de 1940, donde para realizar su trabajo de fotógrafa debe tener un salvoconducto firmado por el director del Departamento de Prensa y propaganda, el DIP, el organismo censor y represor de las actividades culturales en Brasil. La morosidad de la burocracia hace que el pase solo sea emitido en1942, como registrado en el documento con foto: Ana Maria Mauad Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 2 174 MAUAD. Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura política e cinema no contexto da política da boa-vizinhança, Trasit Circle - Revista Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1, p. 52-77, 2002. “La señora Genevieve Naylor, de nacionalidad norteamericana, trabajando para el Coordinator of Inter-American Affairs, está autorizada por este departamento a sacar fotografías de aspectos turísticos de nuestro país. Río de Janeiro, 7 de junio de 1942”3. Llevando en consideración que buena parte de las fotos de Naylor en Brasil fueron de 1941-1942, y que la fotógrafa vuelve a los EUA, en agosto de 1942, buena parte de su trabajo fue realizado sin este pase. Sin embargo, no fue solamente esta la dificultad encontrada por ella. En cartas enviadas a su hermana reclama de la resistencia por parte de las autoridades tanto brasileras como norteamericanas en registrar lo que ella quería, además de la falta de películas, por causa de la guerra. En una de sus cartas registró tal escases: “Film is being rationed to everyone”, she wrote to her sister. “I dont have the luxery of shooting anything I want. I have to be damn careful, and choose my images whit great care and hope my exposures are correct”4. Instalados en Río de Janeiro, la pareja Naylor y Reznikoff fueron a vivir en Leme, barrio litoral, próximo de Copacabana, donde Naylor registro buenas imágenes del cotidiano playero, nada sin domingos de sol, en un clima mucho mas intimista, de quién acaba se perdiendo entre las propias imágenes, se mezclando con la población local. Las imágenes de Río hechas por Naylor componen un mosaico en movimiento. Una ciudad cuya cartografía afectiva mezcla, la polifonía de voces que hablan por las imágenes de Naylor, en una intertextualidad que valoriza el poder de la imagen en sus múltiples dimensiones: poesía, publicidad, cinema y fotografía. La poesía visual de Naylor sintonizaba con referencias estéticas del pluralismo cultural, propias del ambiente intelectual y artístico de Nueva York en los años 1930, pero fueron, sin dudas, incrementados por los contactos con la 3 4 Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad La reproducción del documento puede ser encontrada en el libro publicado por Robert Levine con la colaboración de su hijo Peter Reznikoff. LEVINE, Robert M, op., cit. Carta, Genieveve Naylor para su hermana Cynthia, Rio de Janeiro, c. diciembre 1942, cortecía Cynthia Guillipsie, cit. Levine, op. cit., p. 2. 175 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 intelectualidad carioca con la cual convivió dentro del ambiente de valorización de la cultura nacional popular. Entretanto dialogaba también con la pedagogía del punto de vista propio a la política implementada por el Office of Inter-American Affairs, y buscaba alternativas frente a los rígidos protocolos de representación definidos por el gobierno brasilero. Así se destacan dos mediaciones culturales importantes en la producción de imágenes de afrobrasileños en la fotografía de Genevieve Naylor: la primera es tributaria de su experiencia como fotógrafa de documentarios en los EUA; y la segunda, se asocia a la experiencia de vivir en Río de Janeiro; y convivir con personas de procedencias variadas, en un ambiente marcado por la censura del Estado Nuevo, pero lleno de referencias festivas de la cultura nacional-popular que elije el samba, el carnaval y el futbol como símbolos de nacionalidad. Ana Maria Mauad II. Brasileros, afrobrasileños y buenos vecinos Naylor es recibida por la elite de la intelectualidad bohemia, en su cuaderno de direcciones constan nombres como: Portinari, Murilo Mendez, Heitor Villa Lobos, todos fotografiados por ella. También incluía los que se tornarían ilustres, entre ellos dos interlocutores afectivos - Vinicius de Moraes y Anibal Machado5 - que presentaron en crónicas la fotógrafa al publico carioca. Vinicius la identificaba con personajes de las historias de Robin Hood, con su apariencia de paje, por causa de una pluma que usaba en su sombrero que protegía la piel blanca de la fotógrafa del sol tropical: ‘Life’ es la única revista que yo conozco que entretiene por la falta de asunto. Las personas leen aquello como un niño ve un libro de figuras, constatando rápidamente la 5 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 176 Vinicius de Moraes (1913-1980) nació en Río de Janeiro, estudio Derecho, pero se consagro como poeta y compositor. Aníbal Machado (1894-1964), nació en Minas Gerais, también estudio Derecho, pero se consagra como escritor y teatrologo. Radicado en Río de Janeiro desde 1924, donde fue responsable por el montaje de obras teatrales y la organización de importantes grupos ligados al teatro experimental. aparición de algunas curiosidades: ‘toto’, ‘neném’, ‘fonfon’, etc. Pero es imposible resistir a la fotografía. Quien por acaso ya tuvo la ocasión de conocer algún fotógrafo de ‘Life’, sabe perfectamente esto. Son criaturas de cuentos de hadas, capaces de ensuciar de caramelo toda una ‘panzerdivisionem’, verdaderos genios del instantáneo, sabedores de todas os sentí el mismo las infantilidades del alma grande. Yo ya conocí dos, siendo que en ambos sentí ese revoloteo embriagado, una misma alegría de luciérnaga que va quemando sus lámparas sobre las cosas sorprendidas. Una de ellas es una americanita adorable que se encuentra aquí en Río. Genevieve se llama, mujer del grande “Micha” que conquisto nuestra pequeña ciudad artística con su simpatía y sensibilidad plástica. Genevieve parece haber salido de una historia de Robin Hood, con su apariencia de joven paje, su elegancia bien colorida, una pluma siempre atrevidamente enterrada en su sombrero. Nada escapa, sin embargo a la maquinita de esa embrujada. Cerca de ella no a momento fotográfico que pase sin caer en la trampa bien armada. Genevieve da un saltito - y la vida allí quedó revoloteando en su chapa impregnada (VINICIUS DE MORAES, La Ultima Catedral, A Manhã, 19/10/1941, p. 3). Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad Machado a su vez, vecino de la fotógrafa y de su marido, moradores de Leme, resaltaba la forma realista de Naylor fotografiár: La veía saliendo de madrugada o de noche, indiferente a las intemperies, obstinada en la realización de su trabajo” […] Mas que la excelencia técnica, lo que es preciso alabar de los trabajos de Miss Genevieve es el sentido sociológico con que utilizo el objetivo, revelando un espíritu de coraje y sinceridad, y, no raras veces conmovida frente a la realidad brasilera […] Los asuntos populares, humildes, los tales elementos esenciales que componen la fisionomía de nuestro pueblo son captados, por la fotógrafa de la buena vecindad. Pero su manera de fijar la realidad nada tiene de monumental. Nada de cascadas, de edificios monumentales, de paisajes idílicas. Su visión poético- 177 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 sarcástico a veces evoca el arte surrealista. Un país - Brasil - captado entonces en su fuerza real: así, en el carnaval, la alegría y antes una vibración convulsiva de la tristeza que busca aturdirse como si estuviera buscando el resumen etnográfico. Importante el mirar, la percepción de las imágenes simples, que permite la recuperación de los tiempos históricos acomodados en el cotidiano, pero que rescata la vida de cada uno en su total profundidad e intensidad. No es raro el surgimiento de una imagen agónica, áspera pero silenciosa, siempre densa. Nada de cascadas… (DIARIO DE NOTICIAS, 28 de diciembre de 1941, p. 1). Ana Maria Mauad En octubre de 1940, a los 25 años de edad. Naylor llego a Brasil portando dos cámaras, un medidor de luz, y una vieja maleta de cuero negro. Su primera impresión fue registrada en carta para su hermana: “My first striking visual sight was not the bustling energy of the Copacabana beach or the boulevards and slums, but a solitary young Negro girl sitting in the center of the street, intensely focused on constructing a wooden flute. If there ever was a moment to have my camera! Unfortunately, the Brazilian authorities have confiscated my equipment while they scrutinize my back ground to make sure I’m not some fifth-columnist subversive”!6 Así que llego a Río. Naylor recibió instrucciones claras del DIP sobre lo que debería fotografiar. El documento indicaba que la fotógrafa debería valorizar algunos temas, entre los cuales: arquitectura moderna (principalmente edificios gubernamentales); casas de barrios nobles, como Lagoa, Gávea e Ipanema; interior de casas importantes y elegantes, en el barrio de Flamengo, los domingos de sol en las playas de Copacabana e Ipanema; las corridas de caballos del Jockey Club, los yates y veleros en la bahía de Guanabara, el comercio Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 178 6 Carta de Naylor a su hermana Cynthia Gillipsie, RJ, [s.d.], cortecía de Peter Reznikoff. exclusivo de la calle del Ouvidor , y las obras de caridad de la Primera Dama, D. Darcy Vargas7. La pareja he circulad por la bohemia carioca, como por la alta sociedad, teniendo por medio de esta experiencia un contacto mayor con la población carioca. Como ellos llegaron antes que otros norteamericanos enviados por el Office acabaron actuando como puente entre el Brasil y los recién llegados de los states. Orson Welle, por ejemplo pidió a Genevieve que le ayudase a encontrar locaciones para el documentario que iría a filmar aquí en Brasil. Sobre la llegada de Welles, Naylor escribe a su hermana: “Welle knew the obvious spots, but he didn’t know that in Praça Onze a separate and almost exclusive Negro carnaval is staged”. Tanto Welles como Naylor quedaron encantados con la cultura popular brasilera llendo contra las recomendaciones oficiales de producir una imagen del brasilero ordenado y trabajador. Sin embargo, al contrario de Welles, Naylor fue mas discreta en su desobediencia, además de evitar la publicidad que a Welle tanto le gustaba. De los temas retratados por Naylor ya trabajados en otros ensayos, destaqué las imágenes de Río de Janeiro, entonces Capital Federal, como el espacio en el cual la experiencia multicultural brasilera fue visualizada por la mirada de la fotógrafa. De ese espectro, escogí las imágenes de carnaval que valorizan la presencia negra en el espacio de la ciudad y fornece destaque a su performance cultural. Asocié para interpretar lectura visual hecha por Naylor, otros textos que circulaban en la época que la fotógrafa estaba aquí. De los cuales, destaco dos modalidades que podrían haber sido familiares a Naylor durante su estadía en Brasil: primero algunos comentarios y opiniones que Vinicius de Moraes publico en sus crónicas del periódico A Manhã, entre 1941 y 1942, durante la estadía de Orson Welles en Río; Naylor recibió Welles en la ciudad y convivieron en el mismo espacio de sociabilidad, debatiendo temas como estos tratados por Vinicius en sus crónicas; que según 7 DIP, Divisão de Turismo, “Assuntos que devem ser fotografados no Rio de Janeiro”, c. 1941 cortesia de Peter Reznikoff. Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad 179 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 dos sambas de fines de los años 19308 cantados por Carmen Miranda que exaltaban en sus letras aspectos de la cultura negra carioca, tales como: o Corpo bronceado, como o samba, o gingado, a alegría; pero también la tradición, la descendencia a los pueblos antiguos y la elaboración de una musicalidad legítimamente brasilera, con lo cual delimitaron los valores para la fusión de lo nacional a lo popular9. Cuando Orson Welles llegó a Brasil en 1941, el cronista y critico de cinema Vinicius de Moraes, demostró su entusiasmo en las paginas del periódico en el que escribía - A Manhã. La excitación solo aumento después que el futuro poeta conoce al joven cineasta y revela: “Solo tengo ganas de agarrarlo y llevarlo a comer un tutu con longanizas en mi casa, presentarlo a la familia y ser su amigo. Olvidando la grandeza de su misión artística […]” (VINICIUS DE MORAES, A Manhã, 1942, p. 3). Uno de los destaques de la misión artística de Welles era justamente filmar el carnaval de Río, como explica en la misma crónica Vinicius de Moraes: “Su nuevo filme, donde entra el Carnaval carioca - y yo quiero ver lo que saldrá de ahí para después creer, pues se trata de una desdicha technicoloren la que deposita las mayores esperanzas: su entusiasmo por Brasil, donde casi nació; sus ideas sobre interpretación negra, que juzga tan buena cuanto la blanca, quizás superior, pues se revela por medio de una naturaleza mas pura, menos manchada, por eso el llama de XIXth century´s romanticismo; sus broadcasts sobre Brasil, para los Estados Unidos. Y eso todo hace un hombre”. En otro momento, comenta el encuentro con el personal de la misión, en una visita que hizo con Welles a los estudios de la Cinédia. En este encuentro estaban Misha Reznikoff, marido de Naylor, el escritor Anibal Machado, y claro Orson Ana Maria Mauad Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 180 8 Gente Bamba, Synval Silva, 20/03/1937 y Quem condena a batucada, de Nelson Petersen, 1/08/1938. 9 Sobre el debate alrededor de la problemática de definición de la cultura brasilera en los marcos del proceso de mundialización del siglo XX, ver: ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade Nacional. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994; y ORTIZ, Renato. Moderna tradición Brasilera. São Paulo: Brasiliense, 1989. Welles. La conversación corrió animada y la cuestión racial rasilera en los años 1940 fue el punto alto del debate, como sintetiza Vinicius de Moraes: Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad Se converso mucho. Conversa que no daría para una crónica, mas para muchas, algunas de las cuales no se si lógicas. Orson Welles está conciente de la verdad de su esfuerzo, y me dijo que si el filme no salir bien, la culpa no será de el. Para decir la verdad, es difícil saber lo que exactamente es ese su filme. Pero de todos modos será un documentario de la mayor importancia sobre nuestra verdadera vida y nuestras verdaderas costumbres, que pienso yo no deben avergonzar a nadie. No somos una raza, y no debemos sentir pudor de eso. Nuestro negro es un valor excelente, y de gran expresión. No hay razón para esconderlo, dando la impresión que tenemos un prejuicio que no nos cabe en nuestra condición de pueblo americano. Debemos mostrarnos tal como somos, tal como fuimos hechos. Porqué si alguna cosa buena debe salir de Brasil, vendrá de ésta conciencia de nuestra impureza y nuestro provincianismo. Hay un destino a cumplir en cada pueblo. Brasil se prepara para cumplir el suyo. Pero que lo haga sin corazas de diamantes, que no le cae bien en un cuerpo mestizo (VINICIUS DE MORAES, A Manhã, 1942, p. 3). Pueblo mestizo, negro como valor, carnaval como cultura eso todo fue retratado por Naylor. La fotógrafa consigió retratar lo que Welles dejo sin montar; compuso el retrato de un Brasil mestizo encuadrado por los lentes fraternales de la buena vecindad, no como politica de estado, y sí como poder de seducción de la cultura politica. De vuelta en Estados Unidos, al fin de 1942, Naylor organiza la exposición “Rostros y lugares de Brasil”, tal como fué denominada su exposición en el MOMA-NY, sería inaugurada en 1943. Entre los siete temas definidos por la curaduría de la 181 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 exposición, para organizar las cincuenta imágenes escojidas, el Carnaval fué uno de ellos10: “7. Carnival. Esa alegre sección muestra el punto alto del año en Brasil, el famoso carnaval (de Río) del cual toda la nación participa. De las escuelas de samba, situadas en los cerros donde la población pobre de la ciudad vive, vienen los grupos de niños que durante meses ensayaron sambas para el carnaval. Cuando premios son otorgados a los mejores. Las fotografías muestran sambistas vistiendo disfraces de cetin y seda, especialmente hechos para la ocación; niños y niñas por las calles de la ciudad girando sombrillas de papel; mujeres de todos los tamaños, formas y colores cubiertas de ornamentos y flores; incluso en las vitrinas de las tiendas los maniquis estan disfrasados y pintados para el Carnaval”11. Así, apesar de no estar indicado entre los temas fotografiábles por el DIP, el carnaval como fiesta popular se identifico con la nación brasilera en los lentes de la buena vecindad. Sin embargo, el trabajo inter textual revela las contradicciónes que oriéntan las representaciónes de la cultura negra/afrobrasilera en las músicas, crónicas e imágenes fotográficas en la elaboración del imaginario social de Brasil de los años 1940. Vale evidenciar esas tensiones textuales en una lectura videográfica de este material12. En esa perspectiva las Ana Maria Mauad Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 182 10 Vale resaltar que la obra de Naylor compone um acervo de mas de 1300 fotografías que cubren Brasil de los años 40 del siglo XX. Una pequeña parte del acervo, poco mas de 200 fotografías, se encuentran en la Biblioteca del Congreso de los EUA, en la sección Photos and Prints, archivadas en la rúbrica Hispanic American Culture e identificadas como pertenecientes al US State Departament. Mientras tanto el conjunto mas completo y significativo de este material permanece bajo la guardia de su hijo Peter Reznikoff, que publico junto con el fallecido historiador norteamericano Robert Levine, parte del acervo en 1998, en el libro titulado: Brazilian Photofraphs of Genevieve Naylor. 1940-1942. 11 The Museum of Moderm Art Archives, NY, CUR 215. 12 La “escrita videográfica” como resultado de la investigación histórica implica en la elaboración de un nuevo tipo de texto histórico que considere, en su producción, la naturaleza del tipo de enunciación de las fuentes a trabajar. Así, para ser objeto de reflexión historiográfica y componen el texto histórico, las fuentes orales, visuales y sonoras deben tener su substancia de expresión preservadas. Las estrategias de elaboración de esa nueva modalidad de escrita de la historia cuenta con la ampliación del dialogo entre conocimiento histórico y producción audiovisual, por medio de trabajo en conjunto entre historiadores y profesionales de cinema. negociaciones entre el mundo negro y el blanco definen las tácticas y estrategias culturales que orientan el cotidiano de la ciudad. Las dos músicas elegidas para ilustrar esa relación ínter textual amplifican la tensión entre la cultura erudita, con la cual las elites querían defender como la marca de la identidad brasilera en el exterior13 y cultura popular de masa. En esa nueva elaboración de la cultura popular, la idea de sociedad tradicionalmente folclorizado por las lecturas románticas de los ochocientos, incorporo elementos de la presencia negra en la cultura urbana y de mercado, principalmente el fotográfico, delimitando un nuevo lugar social de discurso autorizado para la producción de representaciones sociales sobre el pueblo, con certeza mas moreno (Acceso en: <www.histora.uff.br/labhoi>). Las músicas seleccionadas para definir el entramado con palabras, sonidos e imágenes de la época, son interpretadas por Carmen Miranda y poseen una raíz eminentemente popular, pues sus autores Synval Silva y Nelson Petersen fueron parte del círculo del sambista Assis Valente. El ambiente de samba de esa época era formado por compositores provenientes tanto de las camadas populares y de diferentes estados de Brasil, que venían para Río de Janeiro, entonce Capital Federal en busca de suerte, fortuna y el estrellato, en el emergente mundo de la radio, como por jóvenes de las clases medias que se encantaban por la bohemia carioca. Ambos compositores fueron presentados por Assis Valente a Carmen Miranda, que antes de hacer carrera internacional, ya era reconocida en los medios artísticos nacionales como la madrina del samba de raíz popular. Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad Un trabajo en el cual cada uno colabora con su conocimiento y experiencia en una producción colectiva que congrega las competencias individuales. Sobre este concepto ver: MAUAD, Ana M.; DUMAS, Fernando; SERRANO, Ana Paula da Rocha. Vídeo-História e História Oral: Experiência e reflexões. In: VISCARDI, Cláudia M. R.; DELGADO, Lucilia de A. N. (Org.). História Oral: Teoria, Educação e Sociedade. Juiz de Fora: Ed. UFJF/ABHO, 2006. p. 33-57. 13 MAUAD, Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura política e cinema no contexto da política da boa-vizinhança, Trasit Circle - Revista Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1, p. 52-77, 2002. 183 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 Las letras de ambos sambas tienen como argumento central la valorización del samba, del cerro y de la población negra, como elementos de identificación de la cultura brasilera. Al mismo tiempo en que, dejan evidentes las tensiones sociales que existen en la incorporación de elementos de la cultura popular por la cultura brasilera hegemónica Ana Maria Mauad Gente Bamba Quem condena a Batucada Salve, Salve As nossas escolas de samba Que no sapateado, meu povo É um desacato Um samba é feito Com gente bamba Tem tamborim tem cuíca Pandeiro e mulato Quem condena a batucada Dessa gente brozeada Não é brasileiro E nada mais bonito é Que um corpo de mulher A sambar no terreiro (Synval Silva, 1937) Com um pandeiro, uma cuíca Um tamborim É que se forma um samba E o mulato sempre foi Indispensável num Conjunto de cabrocha bamba No samba se tem alegria Podes crer No morro se tem alegria de viver (Salve, Salve) Lá no morro da Formiga Ou do Borel se vê a Casa Branca Se ouve o gemido da cuíca Dando todos a carta branca No samba se tem alegria, podes crer No morro se tem alegria de viver Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 184 (Nelson Petersen, 1938) Já falaram que o samba do morro Não tem coração Só se fala em navalha e cabrocha E até Parati É bem fácil acabar com essas coisas Do samba-canção É, mas eu só quero ver é acabar Com os malandros Que têm por aí Já disseram que o samba nasceu Num palácio real E depois se criou e cresceu Em salão multicolor Mas não sabem que o samba nasceu Num cruel barracão E que foi educado sambando no chão Com a gente de cor. En este sentido, la presencia de representaciones sobre la población negra en los vehículos asociados a la cultura popular de masas, notadamente, industria fonográfica, con los sambas, y en la prensa ilustrada14, acaba por ratificar las diferencias delimitadas por una especie de geografía histórica y social que caracterizo el espacio social de la ciudad de Río de Janeiro hasta la mitad de los años 196015. En este sentido, el espacio de los cerros era tradicionalmente habitado por las camadas mas pobres de la sociedad, que precisaba vivir cerca del lugar de trabajo, ya que la ciudad solo vendría a ofrecer transportes colectivos para el traslado diario entre las áreas suburbanas y el centro con a electrificación de la red ferroviaria, en 1937. Río de Janeiro entonces Capital de la Republica, fue la primera ciudad brasilera a contar con este servicio de trenes urbanos eléctricos16. Mientras tanto, el movimiento de suburbanización de la población trabajadora va a construir un conjunto de representaciones culturales diferentes de aquellas que fundaron el imaginario popular de las favelas cariocas. Por lo tanto, las letras de las referidas músicas revelan un conjunto de representaciones por las cuales la población afro brasilera de la ciudad era, por un lado, identificada con alegría, relajación y sensualidad como ingredientes de una brasilidad renovada por el proceso de incorporación de lo popular a lo nacional; por otro, marcaban la división de clases y su condición de subalternos. Vale resaltar que Carmen Miranda, la interprete de los sambas, era blanca, nacida en Portugal, pero bautizada 14 El instrumento de investigación titulado “A presença negra nas revistas ilustradas nas décadas de 1930-1950”, es uno de los resultados Del proyecto de investigación: “Imagens Contemporâneas: a prática fotográfica e os sentidos da historia nas revistas ilustradas, 1930-1960”, financiado por el CNPq, beca de productividad 2008-2011. 15 El marco de los años 1960 es delimitado por El proceso de remoción de las favelas de algunos cerros centrales de la ciudad, como Cantagalo y Humaitá y del entorno de la Lagoa Rodrigo de Freitas: Las favelas Praia do Pinto y Praia das Dragas, en Leblon. La población que habitaba esas regiones dieron origen a una nueva zona suburbana, como la internacionalmente conocida Cidade de Deus. Sobre la erradicación de las favelas durante los años 1960, ver: AMOROSO, Mauro, <http://www.historia.uff.br/primeirosescritos/sites/www.historia.uff. br.primeirosescritos/files/mauroamoroso_primeirosescritos.pdf>; y <http:// www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/>. Acceso en: 2011. 16 Sobre el proceso de expanción urbana de Rio de Janeiro ver: ABREU, Mauricio. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Instituto Pereira Passos, 2006. Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad 185 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 brasilera, por la elite del samba carioca. Hija de inmigrantes portugueses pobres, moradora de la Lapa, región contigua a el área central de la ciudad, donde la familia tenía una pensión diurna que ofrecía almuerzos. Desde joven Carmen trabajó y convivió con diferentes grupos sociales que circulaban por la región donde moraban. Siempre le gusto cantar hasta que en 1929, a los 21 años recién cumplidos, estallo en el mundo del samba con la canción de Joubert de Carvalho: “Tai”17. De aquí para el estrellato en Hollywood fueron varios sucesos más en el teatro y en la radio, que inmortalizaron Carmen Miranda como intérprete, por excelencia, del alma multicultural de Brasil de entonces. Icono del proceso de internacionalización cultural por el cual Brasil pasaría durante y después de la Segunda Guerra. Carmen Miranda era blanca, europea, pero proveniente de las camadas populares de la ciudad, se vestía de bahiana y se transformo en el símbolo del Brasil que dio cierto en el extranjero, cantando samba, la música que vino de los cerros. En este sentido, el tramado compuesto por los sambas y las fotografías sirve para evidenciar el embate entre alteridad e identidad afro brasileras, cruzando las miradas y expresando una experiencia histórica que nos permite visualizar los significados atribuidos y las tensiones levantadas por la política de la buena vecindad. al resignificar frase fundadora de la doctrina Monroe: América para los americanos. Ana Maria Mauad Referencias ABREU, Mauricio. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Instituto Pereira Passos, 2006. CASTRO, Rui. Carmen: a vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005. DIARIO DE NOTICIAS. 28 de diciembre de 1941. p. 1. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 17 186 CASTRO, Rui. Carmen: a vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005. Especialmente los capítulos 1,2 y 3. MAUAD, Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura política e cinema no contexto da política da boa-vizinhança, Trasit Circle - Revista Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1, p. 52-77, 2002. Fotografía y cultura politica: Carnaval y samba en el foco de la buena vecindad ______; DUMAS, Fernando; SERRANO, Ana Paula da Rocha. Vídeo-História e História Oral: Experiência e reflexões. In: VISCARDI, Cláudia M. R.; DELGADO, Lucilia de A. N. (Org.). História Oral: Teoria, Educação e Sociedade. Juiz de Fora: Ed. UFJF/ABHO, 2006. p. 33-57. ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade Nacional. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. ______. Cultura e identidad nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985. ______. Moderna tradición Brasilera. São Paulo: Brasiliense, 1989. VINICIUS DE MORAES. A Manhã, 1942. p. 3. ______. La Ultima Catedral, A Manhã, 19/10/1941. p. 3. PHOTOGRAPHY AND POLITICAL CULTURE: CARNIVAL AND SAMBA THROUGH THE GOOD NEIGHBORHOOD LENS Abstract The text analyse the production of american photographer Genevieve Naylor, sent by the United States Government to photograph Brazil in the context of good neighborhood policy. It emphasizes the black presence in the good neighborhood images through the notion of intertext, from which narrative or discursive forms, created in the social dynamics, support each other. Therefore, Naylor’s work is analysed through the historical conditions of the production process of the social environment from the time she worked. Keywords: Photography. Popular culture. Foreign relations. Data de recebimento: janeiro 2013 Data de aceite: abril 2013 187 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 171-187, jul. / out. 2013 O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de história Josep María Caparrós-Lera1 Cristina Souza da Rosa2 Resumo O emprego do cinema nas aulas de história é uma prática conhecida e consolidada. No entanto, não está livre de dificuldades e nem de dúvidas. A primeira dificuldade enfrentada é o desconhecimento sobre o cinema e a dúvida recai em como ele pode contribuir no ensino do conteúdo histórico. Em 1930, no Brasil, o uso do cinema e sua introdução na escola foi palco de um longo debate promovido por professores, intelectuais e o governo. O resultado foi a criação do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE) destinado a produzir filmes educativos. Desde então, muita coisa mudou, mas o cinema não deixou a sala de aula nem as aulas de história. O presente artigo não tem a pretensão de resolver todas as dúvidas do professor sobre o uso do cinema, mas sim oferecer uma metodologia de uso da sétima arte na história, sugerindo filmes e discutindo como eles podem ajudar o professor a cumprir a tarefa diária do ensino. Palavras-chave: Cinema. Ensino de História. Educação. Historiografia. O emprego de novas tecnologias no ensino já faz parte do dia-a-dia das escolas há muito tempo. Não é de hoje que as instituições de ensino estão providas com equipamentos de videocassete, DVDs, computadores e aparelhos de música que permitem ao professor introduzir nas aulas novos e 1 Universitat de Barcelona. Professor Catedrático de História Contemporânea e Cinema. [email protected] 2 Centre d’Investigaciò Film-Història. Universitat de Barcelona. Pós-doutora em cinema e história. [email protected] Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 190 estimulantes recursos pedagógicos. A modernização da escola fez com que o cinema ganhasse espaço na sala de aula como veículo pedagógico. No entanto, identificamos que não são todos os mestres que sabem utilizar a sétima arte dentro do processo de ensino. Ainda existem professores que empregam o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo. Para esta atitude temos uma explicação muito simples: o professor não tem conhecimento de como utilizar o cinema nas aulas de história. Isto não é uma exclusividade do professor de história, pois o mesmo problema é comum a professores de outras disciplinas. Diante disto, acreditamos que o professor deve ser preparado para usar os meios de comunicação como instrumentos de ensino. O conhecimento da técnica, ou seja, da forma de fazer cinema, associado a uma metodologia de ensino podem auxiliar os docentes no seu uso como recurso didático. Com isto, o cinema poderá ser explorado em todos os seus aspectos, indústria, entretenimento, e assim deixará de ser um veículo apenas de diversão para assumir o papel de instrumento educativo, que auxilia na construção do saber. O escopo da introdução dos recursos didáticos na escola é o de criar meios de o professor divulgar o conhecimento de forma ampla, despertando o interesse e a curiosidade. E nisto o cinema pode contribuir, tornando-se um importante aliado dos professores. Sendo assim, através deste artigo, queremos oferecer aos mestres uma metodologia de uso do cinema a ser aplicada nas aulas de história. Nosso objetivo não é que esta se torne o único caminho a ser seguido pelo professor, pelo contrário, esperamos que a partir dela ele possa pensar seu próprio método de uso. Antes de expor nosso método de utilização do cinema nas escolas do século XXI, parece-nos interessante percorrer o passado em busca da valorização do cinema como meio educativo e como fonte histórica. Isto nos ajudará a compreender a relação entre o cinema e a história. O emprego do cinema nas escolas não é propriamente uma novidade. O movimento pelo uso de um cinema de tipo educativo começou na Europa depois da Primeira Guerra Mundial (na França, na Alemanha, na Itália e na União Soviética). Este movimento estimulou a criação de institutos de cinema educativos, que produziam filmes educativos, e a introdução da sétima arte nas escolas. A Itália foi o primeiro país capitalista a organizar um instituto de cinema educativo, em 1925, o Istituto Nazionale LUCE3. O objetivo primeiro do LUCE era fazer filmes educativos destinados aos cinemas, escolas e centros de operários da Itália. Os ventos europeus que deram vigor ao uso do cinema para fins educativos chegaram ao Brasil nos anos 20 e animaram aqui os debates sobre a relação deste veículo com a educação. As revistas de educação e de cinema serviram como cenário para a defesa do cinema como instrumento de educação. Em 1928, Fernando Azevedo, diretor geral da Instrução Pública do Distrito Federal, determinou e regulamentou seu uso nas escolas do Distrito Federal, através do decreto 2.940 (REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1932). Nele, Azevedo deixou claro que “o cinema seria utilizado, em exclusivo, como instrumento de educação e como auxiliar do ensino para que facilitasse a ação do mestre sem substituí-lo” (p. 5). Outro passo importante para a introdução do cinema educativo no Brasil foi a criação, em 1936, do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), pelo governo de Getúlio Vargas. Nos anos de 1910 e 1920, o cinema havia se desenvolvido com intensidade, conquistando o posto de principal meio de entretenimento em todos os países. Seu poder de divertir por meio das imagens havia chamado a atenção dos educadores, intelectuais e políticos. Eles perceberam que o cinema poderia auxiliar a educar a população para a vida cotidiana e política dos países. O analfabetismo era um problema enfrentado por 3 O primeiro instituto de cinema educativo a ser organizado foi na União Soviética. O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 191 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 192 todos naqueles tempos e o cinema se assinalava como um meio capaz de ajudar a levar conhecimento e informação aos que não sabiam ler. Edgar Roquette-Pinto, diretor do INCE, escreveu que “certas indústrias não tem de fato influência direta na alma do povo; já não acontece o mesmo com a cinematográfica, de alcance espiritual sem limites, mais ainda, talvez, que a indústria do livro” (REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1933, p. 1). As palavras de Roquette-Pinto justificavam o uso do cinema na educação escolar e também do povo. Jonathas Serrano, catedrático em história das civilizações do Colégio Pedro II, e Venâncio Filho, apresentaram no livro “Cinema e Educação” (1930), um método para o uso do cinema nas escolas. Nele, os autores sugeriam o emprego do cinema como auxiliar de ensino, em que as exibições de filmes seriam acompanhadas pelas explicações do professor, realizadas antes ou depois da projeção. Conforme os autores, os filmes, ditos educativos, poderiam ser utilizados para ilustrar ou melhorar a compreensão dos conteúdos, mas nunca em substituição ao professor (VENÂNCIO FILHO; SERRANO, 1930). Os educadores dos anos 30 tinham por preocupação que os filmes aproximassem a escola da realidade dos alunos. Este interesse era justificado pela pedagogia vigente na época chamada de Escola Nova, cujas ideias estavam baseadas em Dewey. O objetivo da Escola Nova era o de desenvolver uma educação que integrasse o aluno na sociedade e que permitisse o acesso de todos à escola (ABUD, 2003). Os professores Jonathas Serrano e Venâncio Filho recomendavam o uso dos filmes em disciplinas como higiene, ciências naturais, geografia. No entanto, não viam com bons olhos o emprego do cinema nas aulas de história. Para eles, “os filmes de restauração histórica não eram recomendáveis, por maior que fosse o luxo de algumas películas, pois sempre tem uma grande porção de fantasia, onde não é possível marcar a linha divisória com a realidade” (VENÂNCIO FILHO; SERRANO, 1930, p. 80). O que sugeriam eram filmes de geografia histórica, que percorriam lugares onde ocorreram os feitos históricos, como Egito, Palestina, Roma, Grécia. No Brasil, segundo os professores, poderiam ser feitos filmes sobre a rota dos Bandeirantes, sobre a história do açúcar. O objetivo, segundo eles, era aproximar a história à realidade da vida mostrando aos estudantes as imagens dos lugares históricos, que sem este recurso só podiam imaginar. Neste sentido, o cinema tinha mais mérito pelo poder de atração que exercia sobre os alunos do que pela função educativa. Por que a geografia histórica e não a história no cinema? A concepção de história de Jonathas Serrano e Venâncio Filho, e também dos historiadores do principio dos anos 20 e 30, estava regida pela Escola Metódica, criada na França na segunda metade do século XIX. Para a Escola Metódica, a função do historiador era contar a história com a maior proximidade possível da verdade dos fatos, o mais próximo de como tudo aconteceu. Ranke, historiador alemão, afirmou que “a história é aquilo que de fato aconteceu” (CAIRE-JABINET, 2003, p. 105). Assim, fica mais fácil entender porque os professores brasileiros não recomendavam os filmes de história. Como estes estavam “cheios de fantasia” e não correspondiam à verdade dos fatos, não poderiam contar a história nas telas. Um filme de história era para eles uma ameaça, pois deformava os fatos históricos, ensinando aos alunos uma narração de fatos que não estava relacionada com a verdade. Nos tempos da Escola Metódica o saber histórico era dominado por uma rígida metodologia que associava a verdade dos fatos com a investigação dos documentos. Neste caso “a história não era mais que a utilização da documentação”, como afirmaram os historiadores franceses Langlois e Seignobos (CAIRE-JABINET, 2003, p. 105). Desta forma, existia uma hierarquia da documentação, um cortejo das fontes. Na frente do desfile estavam os documentos de arquivos de Estado: como manuscritos e impressos que representavam o poder do parlamento, das casas reais, dos governos, dos tribunais de contas. Estes eram seguidos pelos jornais e publicações. O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 193 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 194 As biografias, fontes de história local e relatos de viajantes ficavam na parte posterior do cortejo, ocupando uma posição mais modesta em relação às anteriores (FERRO, 1992). Neste esquema, o cinema não tinha espaço, pois era visto com desconfiança, considerado, como afirmou Marc Ferro (1992), uma espécie de “atração de quermesse”. Além disto, as imagens que compunham os filmes eram escolhidas, transformadas, reunidas em montagem. Como o historiador poderia apoiarse em uma documentação de natureza manipulável? era a pergunta na época. Enquanto as fontes históricas eram escolhidas entre os documentos oficiais, os sujeitos da história, ou seja, os atores do passado, também eram selecionados entre dirigentes, homens de estado, magistrados, diplomatas, administradores e empreendedores. Homens que tinham unificado países, vencido guerras, elaborado leis. Suas ações e atos contavam mais que a mentalidade e a forma de pensar e sentir o mundo. No começo do século XX, o povo e suas ações foram excluídos dos livros de história. Porém, não somente o fato de a história estar vinculada à Escola Metódica contribuía para deixar de fora documentos não oficiais e homens e mulheres do povo, também o mundo dominado pelos governos autoritários-nacionalistas — Fascismo, Franquismo, Nazismo e Estado Novo — dava uma nova feição ao ensino de história e à história. Nestes governos, a disciplina de história estava destinada a ensinar aos estudantes a amar e a servir à Pátria, apontando valores morais e normatizando a conduta cívica dos jovens. Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde do governo Vargas, recomendava a formação da consciência dos alunos do curso secundário através dos feitos históricos e dos principais heróis do passado nacional. Estes heróis eram escolhidos entre as autoridades de governo e entre homens da cultura: música, literatura e arte. Se o cinema não era apropriado para a reconstituição dos fatos históricos, pela falta da verdade histórica, era, no entanto, bem-vindo para contar nas telas a vida dos heróis nacionais. Assim, nos anos de 1930 e 1940, no Brasil e em parte da Europa, os professores contavam com a cinematografia para ensinar a vida dos heróis nacionais. O Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), no Brasil, realizou filmes sobre a vida e a obra do Barão do Rio Branco e do escritor Machado de Assis, por exemplo. O Instituto Nacional LUCE, na Itália, também produziu filmes sobre personagens do passado nacional italiano, como Leonardo da Vinci e Galileu Galilei. A inclusão do cinema no cortejo das fontes aconteceu nos anos de 1970 e 1980, estimulado pelas mudanças de paradigma histórico proporcionado por Lucien Febvre, Marc Bloch e a fundação da revista Annales, que originou a Nova História. O grupo de historiadores da revista rompeu com a História Metódica dos anos de 1920. A partir de então, passaram a valorizar a diversidade dos documentos usados na pesquisa histórica e a estimular a colaboração da história com outras áreas das ciências humanas. O objeto da história passou a ser o homem em sua concepção mais ampla: social, econômica, geográfica e psicológica. Esse grupo de historiadores franceses foi responsável pela introdução de uma nova maneira de fazer história: construindo e recortando seus objetos de pesquisa (ABUD, 2003). A história deixa de lado a verdade dos fatos, baseada em documentos oficiais, para ser construída pelo historiador que busca no presente as inquietações para pensar o passado. Segundo Marc Ferro, o postulado tinha mudado e “todo aquilo que não aconteceu (e por que não aquilo que aconteceu?), as crenças, as intenções, o imaginário dos homens, são tão história quanto a história” (FERRO, 1992, p. 86). Sendo assim, “os filmes, imagens ou não da realidade, documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história” (p. 86). Neste contexto, o cinema deixava de ser obra de arte para ser produto da sociedade, uma imagem-objeto, nas palavras de Ferro. Desta maneira, o autor sugeria empreender uma análise dos filmes, de fragmentos de filmes, de planos ou temas, estabelecendo uma metodologia de pesquisa relacionando-se O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 195 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 com outras ciências humanas. Assim, Ferro propunha uma análise comparativa entre o que é filme (imagens, som, cenas e cenário) e aquilo que não é filme (os produtores, o diretor, os roteirista, o público, o regime de governo, a sociedade). Relacionando desta forma o visível com o invisível dos filmes. Isto ajudaria o historiador a compreender a realidade que um filme representa. Pois um filme é uma obra coletiva, fruto de escolhas que estão relacionadas com a produção e também com a montagem final. Portanto, o cinema não é mais que uma representação da realidade, a qual o historiador deve revelar. Desta perspectiva, os filmes passaram a se configurar como fontes históricas, pois falavam menos do tema filmado e mais da sociedade que o produziu. Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Como usar o cinema nas aulas de história Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 196 As mudanças no fazer história refletiram na história como disciplina e contribuíram para introduzir nas escolas novos recursos pedagógicos, capazes de auxiliar no processo de conhecimento histórico, como a pintura, os desenhos, a literatura e os quadrinhos. O ensino de história, por si só, também mudou e atualmente não se restringe apenas ao ensino do passado, mas procura fazer do conhecimento deste uma forma de compreensão do mundo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais estimulam o emprego de “documentação variada, como sítios arqueológicos, edificações, mapas, instrumentos de trabalho, objetos cerimoniais e rituais, adornos, meios de comunicação, vestimentas, textos, imagens e filmes” (BRASIL, 1998, p. 77). O objetivo é dar ao aluno instrumentos para compreender que ele faz parte de um passado que se reflete no presente e, assim, capacitá-lo a desenvolver a consciência de pertencer a uma cultura e a uma sociedade. Neste contexto de renovação didática e conceitual, o cinema se torna um importante parceiro no processo de formação do aluno, pois pode contribuir para uma formação cognitiva e simbólica. Entretanto, os professores de história ainda seguem usando o cinema como um meio de ilustrar o conteúdo, com o escopo de chegar o mais próximo possível dos fatos históricos. No dia-a-dia escolar procuram exibir produções cinematográficas nas quais os alunos podem obter o máximo de informações sobre um personagem ou um fato da história. Muitas vezes encerram o conteúdo com um filme que apenas tem a função de ilustrar o que foi dito até então. Neste contexto, o cinema é empregado, mais ou menos, como sugeriam os professores dos anos 30. O uso do cinema como informador/ilustrador da história não é, seguramente, a melhor maneira de empregar a sétima arte nas aulas de história. Os filmes de tipo histórico não são mais que uma representação do passado, como nos alertou Ferro4. Nestes filmes o passado é escolhido pelo roterista, pelo diretor ou pelo estúdio de cinema. Assim, constatamos que a eleição do passado está ditada pelas influências do presente. Neste sentido, é importante que o professor compreenda que os filmes de história falam mais do presente e menos do passado. Desta maneira, ao escolher um filme histórico para “ilustrar” o conteúdo, o professor deve levar em consideração que ele é um olhar sobre o passado. Consciente deste olhar, o professor pode atuar como um mediador entre o conhecimento histórico e o aluno, para que este último possa entender a função do passado nos filmes. A compreensão da relação passado-presente faz com que os alunos desenvolvam um senso crítico sobre a produção do conhecimento. O filme “O Patriota” (The Patriot, EUA, 2000) é um exemplo desta relação. A história do filme passa nos Estados Unidos, durante a Guerra da Independência estadunidense. Mel Gibson é Benjamin, um pai de família que entra no conflito contra os ingleses para defender sua família e seu filho, que se alista nos exércitos coloniais. As batalhas no campo pela independência da colônia não contam sobre esta parte da história dos Estados Unidos, mas sim sobre o sentimento 4 Filmes históricos são aqueles que falam de um fato histórico comprovado. O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 197 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 198 patriótico dos estadunidenses e sua necessidade de fabricar heróis. Os heróis são os homens que levam a nação rumo à grandeza e à vitória sobre os inimigos. Estes homens são movidos pelo amor à Pátria e por interesses maiores. Benjamin entra na guerra por amor a sua família, mas com o avanço da narrativa fílmica o sentimento de amor à Pátria e o orgulho nacional se sobrepõem aos interesses particulares. No conceito de Carlyle (apud CASSIRER, 2003), um herói encontra-se só com sua alma e com a realidade das coisas (p. 257). No filme, a luta de Benjamin é considerada justa, pois se dá contra um inimigo externo, os ingleses, que ameaçam a vida na colônia. Os inimigos externos têm uma importante função no processo de formação da nação estadunidense, pois a afirmação de nação e a construção da identidade nacional se dão em oposição ao “outro” e a seus valores e crenças. Inúmeros são os filmes de Hollywood nos quais o herói luta contra alguma pessoa, nação, fenômeno (tsunami, terremoto, meteorito) ou um ser (monstros, gorilas gigantes, extraterrestres) que ameaçam a soberania dos Estados Unidos. E quando a ameaça não paira apenas sobre os Estados Unidos, mas sobre todo o mundo, é o Presidente desse país quem salva todos os habitantes do planeta, atuando como o grande herói e como o chefe de todos os continentes. No entanto, não apenas os filmes históricos são capazes de falar sobre o presente. Os três filmes de “Rambo: programado para matar” (Rambo: First Blood, EUA, 1982, 1985, 1988) não reconstroem um período histórico, mas permitem compreender a relação entre o passado e o presente no cinema. “Rambo” nos fala a respeito de “um” Estados Unidos que ainda não superou a derrota no Vietnam e também sobre a era Reagan. Os filmes exaltam a violência militar e com isto legitimam a política externa do presidente Reagan, baseada em ações militares. Além disto, o filme remete a questões da Guerra Fria ao mostrar os inimigos dos Estados Unidos. No caso dos filmes do Rambo: os soviéticos e os vietnamitas, estes últimos vistos como joguetes dos soviéticos (KELLNER, 2001). A presença dos inimigos da nação nos filmes de “Rambo” exibe uma típica representação do cinema de Hollywood, que também está presente em “O Patriota”, na qual os estrangeiros são vistos como os “outros”, a personificação do mal, o inimigo, enquanto os estadunidenses, “nós”, são os bons, a encarnação da virtude, do heroísmo, da bondade, da moral (KELLNER, 2001). O exemplo de “Rambo” serve ao professor como um alerta, pois há filmes que não são históricos, mas que não podem prescindir de uma leitura histórica. Desta maneira, o cinema assume um duplo papel no ensino de história: agente e documento. Agente da história uma vez que transmite conceitos e valores do seu tempo, sendo um produtor de sentidos. Neste caso, é preciso associar a produção cinematográfica com o mundo que a produziu para entender como ele atua repassando valores e conceitos. Documento, porque os filmes auxiliam a construir a história, através da pesquisa, e a compreender o mundo. O cinema, nestes dois papéis estimula a percepção, permitindo ao aluno desenvolver estratégias de exploração, de busca de informação e de relação (ABUD, 2003). A capacidade de fazer relações é muito importante para o processo de conhecimento histórico e para o entendimento do mundo em que se vive, pois a partir daí é possível construir a identidade individual e coletiva. Além disto, esta capacidade ajuda a compreender os valores dos grupos sociais, permitindo a convivência com o outro e o respeito pela diversidade. É importante que o cinema e a história ajudem o corpo discente a construir uma visão de mundo baseada no respeito, na compreensão e na coletividade. A partir da capacidade de relacionar, o aluno consegue identificar nas imagens as representações sociais instauradas na e pela sociedade. Representações estereotipadas, como da mulher submissa aos homens, do negro como pobre e bandido, dos imigrantes como o mal da sociedade, dos gays como aberração social, etc. Todas estas representações podem O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 199 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 200 ser desconstruídas a partir das telas dos cinemas com filmes que contestam estes estereótipos, mas também com filmes que usam a metáfora para desconstruir as representações. “A Rainha Margot” (Fr/Ita/Ale, 1994) retrata a França de 1572, tempos das disputas religiosas entre católicos e protestantes. Nossa sugestão é que o professor não foque a exibição do filme nas questões políticas-religiosas do período e sim na condição feminina. A razão é que a personagem da Rainha Margot, atuação de Isabelle Adjani, está longe de representar uma mulher do século XVI. A atitude sexualmente liberal de Margot, que rejeitada pelo amado sai às ruas à procura de sexo, e sua postura política, a aproximam de uma mulher do século XX, determinada e consciente de suas vontades. O filme espanhol “Um Franco e 14 pesetas” (Espanha, 2006) também segue o caminho de desfazer representações socialmente construídas. O roteiro é sobre os espanhóis que nos anos 1960 emigraram para a Suíça em busca de trabalho. O filme mostra as dificuldades do processo imigratório enfrentado por eles, a separação da família, a passagem pela fronteira, o medo de não chegar ao destino final, a busca de trabalho, a adaptação a outra cultura e língua, o sonho de uma vida melhor ao voltarem para a Espanha. O passado neste filme é um lembrete aos espanhóis que um dia eles também foram imigrantes e que buscaram uma vida melhor fora de seu país. Com isto o diretor pretende aproximar os espanhóis dos imigrantes sul-americanos e africanos, tentando desfazer os preconceitos em relação aos grupos de imigrantes presentes na Espanha. E como “O Patriota”, ele também fala mais do presente do que do passado espanhol, já que a Espanha enfrenta a questão da imigração e seus preconceitos. “Milk - A voz da igualdade” (Milk, EUA, 2008) é um filme sobre o direito gay e o respeito à diversidade que pode ser levado à sala de aula pelo professor interessado em trabalhar estes temas. Harvey Milk é um nova-iorquino que decide morar com seu namorado em São Francisco, nos anos de 1970. Lá monta uma loja de revelação fotográfica e aos poucos o lugar se torna o QG contra a violência e o preconceito em relação aos homossexuais. Milk se torna a figura de destaque deste movimento e em 1977 é eleito, depois de uma intensa batalha política, para o Quadro de Supervisor da cidade de São Francisco, tornando-se o primeiro gay assumido a alcançar um cargo público de importância nos Estados Unidos. A partir desta história o professor pode trabalhar com uma série de conceitos e representações instituídos na sociedade sobre o homossexualismo. Filmes como “Milk”, “Um Franco e 14 pesetas” e “A Rainha Margot” exigem que o professor atue como mediador. Nesta condição, seu papel é o de preparar os alunos para a exibição, antes de começar a projetar o filme, e de propor debates sobre os temas de forma articulada com outras fontes e documentos. Assim, é apropriado explicar como olhar o filme escolhido, informando sobre o que trata e sobre o que interessa compreender a partir dele. É importante que os alunos saibam por que o filme está sendo incluído na aula, em determinado conteúdo, percebendo que não se trata de uma diversão, nem de descanso das aulas, e sim de uma atividade que ajuda no aprendizado. Se o filme tem cenas de sexo ou violência, é interessante falar sobre isto com os alunos, principalmente com os adolescentes, para que as imagens não se tornem motivo de piada, distraindo a turma. O professor também pode distribuir um questionário sobre o filme, para que os alunos fiquem mais atentos às cenas e aos temas que mais interessam relacionar com o conteúdo escolar ou mesmo com a formação cívica-social do grupo. Para o trabalho a ser realizado depois da exibição, no caso da imigração, do movimento gay e feminino, temáticas encontradas nos filmes acima citados, além do livro didático, o professor pode utilizar jornais que tenham matérias sobre os assuntos, ou mesmo a história oral. Cabe ao professor, neste momento, exercitar sua criatividade para inserir nas aulas novos documentos capazes de instigar os debates sobre as questões em pauta extrapolando O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 201 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 202 o livro didático. Desta forma, estará estimulando nos alunos as capacidades investigativas do historiador: a curiosidade, a comparação, a dedução, o trabalho com fontes. O cinema pode auxiliar o professor de história a explicar os conceitos históricos. A compreensão dos conceitos é fundamental para o aprendizado de história, pois o saber histórico depende deles e o entendimento da história também. O clássico filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos” (Modern Times, EUA, 1936) tem como personagem Carlitos, um homem que trabalha na linha de montagem de uma fábrica dos Estados Unidos, nos anos 30. O filme dá ao professor a possibilidade de trabalhar com o conceito de Fordismo, onde o operário trabalha na linha de produção de automóveis participando apenas de uma parte da montagem. Chaplin, através de seu personagem, faz uma crítica divertida do sistema de produção, que aliena o operário na fábrica, e ao capitalismo. Indo um pouco além, o filme também proporciona uma reflexão sobre a classe burguesa e o proletariado. “Glória feita de Sangue” (Paths of Glory, EUA, 1957) está baseado em um incidente real da Primeira Guerra Mundial. Um general francês ordena um ataque suicida contra os alemães, que resulta em tragédia. Alguns dos soldados que participaram do ataque são presos e julgados, para esconder a ordem criminosa do general. Apesar de fazer referência à Grande Guerra, podemos dizer que o filme não é necessariamente sobre a primeira conflagração mundial, e sim sobre a guerra em geral. Na película em questão, não vemos as trincheiras, nem os horrores que os soldados passaram em seu interior, nem vemos as batalhas na Frente Ocidental. O que se vê é a história de vidas individuais sacrificadas sem piedade em nome da vaidade e da indiferença pela justiça e pela humanidade por parte dos comandantes ou de uma nação. Ou seja, atitudes que se veem em todas as guerras, não sendo exclusividade da Primeira Guerra Mundial. Se não fosse pelos uniformes dos exércitos de 1914-1918, o filme poderia estar tratando a respeito de qualquer guerra (CARNE, 1997). “O Último Samurai” (The last Samurai, EUA, 2003) estimula uma interessante discussão sobre os conceitos de Ocidente e Oriente e sobre choque cultural. Durante a Revolução Meiji, no Japão, o Capitão Nathan Algreen é contratado para modernizar o exército japonês e treinar seus soldados. Em meio a uma batalha o capitão é capturado pelos samurais e passa a viver com eles nas montanhas, onde deve aprender a respeitar a cultura samurai. A aproximação entre o capitão americano e o Samurai é um processo de conhecimento entre culturas e modos de vida diferentes. É valorizando este processo de conhecimento que o professor pode trabalhar os conceitos propostos. O que vemos com estas sugestões e referências de filmes é que o chamado “filme histórico” é sempre uma representação do passado e, portanto, um discurso do passado. Desta maneira, é preciso compreender que este discurso está tomado pela subjetividade. Sabendo disto, o professor não deve cometer o erro de buscar nas produções cinematográficas a verdade histórica, porque não a encontrará. O que os filmes oferecem são “verdades e “inverdades” parciais. Uma produção cinematográfica nunca pode abordar a verdade dos fatos históricos, mesmo que seu diretor assim desejasse. O cinema é uma representação da realidade e o professor deve ter isto em conta quando leva a sétima arte para dentro da sala de aula. Sempre há a possibilidade de encontrar nos “filmes históricos” personagens que não existiram, romances e casos de amor inexistentes, ou ocultações de fatos importantes. Isto porque o cinema implica em seleção, montagem, generalizações, condensações ou ocultações; algumas vezes invenções e falsificações. Estes recursos são utilizados para tornar a história apresentada nos cinemas mais atraente e mais compreensível para o público. A própria linguagem cinematográfica não permite contar a história como ela de fato aconteceu, pois, por se tratar de uma narrativa linear, obriga a escolher, a selecionar. Além disto, temos que levar em conta que o cinema não tem o compromisso com a O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 203 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 204 história, da mesma forma que tem o historiador. Desta forma, o importante é buscar pela verossimilhança entre a história do filme e a história do passado. O desejo do cinema em atrair o espectador chama a atenção para outro importante detalhe quando se discute o uso de filmes nas aulas de história. As produções de Hollywood, tradicionalmente, primam pela primazia da emoção sobre a razão. E neste sentido, muitas vezes, incluem romances inexistentes e, em outras, privilegiam aspectos pitorescos do passado. Em Pearl Harbor (EUA, 2001) é a paixão de dois amigos pilotos de avião pela enfermeira Evelyn o foco do filme. O ataque dos japoneses e a II Guerra Mundial é apenas o pano de fundo para o romance. Já Tora! Tora! Tora! (EUA/ Japão, 1970), filme em que Pearl Harbor foi inspirado, não vemos romance e nem sofrimento pela morte do homem amado. Neste caso, o professor tem a oportunidade, não de falar sobre história, mas sim sobre o cinema, sobre a linguagem e a estética cinematográfica. Inclusive o professor pode exibir as duas películas, realizando um exercício de comparação, e a partir disto falar de como se faz cinema. A aproximação do aluno com o fazer cinema é um importante instrumento para a compreensão da relação cinema-história. Por fim, assinalamos a importância de apresentar uma pequena classificação de tipos de filmes que os professores podem utilizar nas aulas. Existem filmes que são históricos, pois tratam de fatos comprovadamente reais, como “Spartacus”, “A Lista de Schindler”, “A Rainha Margot”, etc. Filmes de tipo biográficos históricos, que retratam a vida de uma personalidade do passado. Em geral, os estúdios de Hollywood escolhem figuras históricas que contribuíram com a “melhoria” do mundo como: “Gandhi”, “Joana D’Arc”, “Malcom X”. Existem filmes classificados como “de época”, os quais apresentam um passado pitoresco e alegórico como argumento histórico. Nestes, é maior a preocupação com a reconstrução dos ambientes, das roupas e dos costumes históricos do que com a história propriamente dita. “Ligações Perigosas” é um bom exemplo de filme deste tipo; nele se vê com perfeição a reconstrução das vestimentas e do mobiliário do século XVIII. Também existem filmes de ficção histórica, cujo enredo é uma ficção com sentido histórico. Por fim, há os de mito, que se baseiam na mitologia. “Tróia”, com Brad Pitt, é um exemplo. “Tróia” é também um filme adaptado de obra literária, “A Ilíada” de Homero, como também é o filme “Ligações Perigosas” (NOVA, [s.d.]). Os documentários igualmente são gêneros de cinema, e se encaixam nesta pequena classificação de tipos. Como os filmes de ficção, os documentários também são bem-vindos nas aulas de história e de outras disciplinas. Sua exploração para fins pedagógicos pode, em alguns momentos, ser considerada mais fácil ou até mais apropriada que o filme de ficção. A linguagem dos documentários é mais clara, pois desde o princípio o documentarista já revela do que se trata, sua opinião sobre o tema e de que realidade fala. Outra vantagem dos documentários sobre os filmes de ficção é o tempo de duração: de modo geral, entre quinze minutos e meia hora, perfeitos para serem exibidos em sala de aula. Segundo Bill Nichols (2005), o documentário pode ser: poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo e performático. O poético se preocupa mais com a estética cinematográfica; o expositivo com a defesa de um argumento. No modo observativo, a preocupação está em captar a realidade como aconteceu, enquanto no participativo temos a presença do documentarista e sua equipe. Como exemplos deste último, apresentamos os documentários de Eduardo Coutinho. O modo reflexivo deixa claro quais foram os procedimentos da filmagem, evidenciando a relação estabelecida entre o grupo filmado e o documentarista. Michael Moore se encaixa aqui. Por fim, o modo performático conta com a presença forte da subjetividade e da estética. A estes tipos ainda acrescentamos o documentário etnográfico, feito por ou sobre índios, grupos raciais, tribos urbanas, etc. Saber os tipos de documentários existentes permite ao professor entendê-los no momento da escolha, mas isto O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história 205 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 206 para nós não é o mais relevante. Entendemos ser importante que o professor, mais uma vez, leve em consideração que os documentários, assim como os filmes de ficção, apresentam um ponto de vista, um olhar sobre o tema e o assunto tratado. E por isto, não são imparciais. Nos documentários as escolhas e opiniões dos documentaristas são mais evidenciadas e muitas têm por função convencer o espectador de seu ponto de vista. Portanto, novamente o professor deve estar alerta para tal situação e trabalhar este ponto de vista com os alunos de maneira que compreendam que não espelham a verdade e, sim, “uma verdade”. Um documentário sobre a liberação de armas, por exemplo, pode ter distintas opiniões se for feito por pessoas pró-armas ou por pessoas contra-armas. Às vezes um documentário apresenta visões distintas sobre um mesmo tema e deixa ao espectador a decisão sobre o certo ou o errado. Em outros, o uso de pontos de vista distintos serve apenas para reforçar um deles. Detalhes como estes não podem escapar ao professor, que precisa estar ciente deles para conduzir a exibição e os trabalhos referentes ao uso dos documentários. Além de conhecer os diversos tipos de filmes, o recomendável é que o professor escolha um filme adequado à idade dos alunos e aos seus interesses. Assim compreenderão melhor o enredo e a relação deste com o conteúdo histórico será bem aproveitada. O professor igualmente deve observar o tempo de duração dos filmes, pois nem sempre podem ser exibidos por completo no horário normal de aula. Se for de seu interesse a exibição do filme do início ao fim, é preciso combinar com o professor da aula seguinte para que este ceda seu horário, no todo ou em parte. Uma opção, que nos parece bastante interessante, é associar-se a outra disciplina e fazer um trabalho em conjunto, desenvolvendo um projeto entre disciplinas, utilizando um filme que permita explorar distintos conteúdos escolares. Por fim, exibir os filmes em parte também é uma boa estratégia, não só pela questão do tempo, mas sim pela dificuldade de compreensão de determinados roteiros ou assuntos abordados na película. Exibir em partes é uma opção, por exemplo, para os filmes de Glauber Rocha, que costumam ter uma linguagem confusa e densa5. Vale lembrar ao professor que é preciso ver o filme antes de projetá-lo na sala de aula, não apenas para montar a atividade, mas também para evitar surpresas com cenas inapropriadas ou desagradáveis. Levando em consideração o que foi apresentado até aqui, podemos perceber que todos os filmes podem ser utilizados nas aulas de história. O professor não precisa limitar-se ao uso de filmes históricos, já que todos, de uma forma ou de outra, contribuem para o processo de aprendizagem da história. O cinema é um grande aliado da história, uma vez que desempenha um significativo papel na divulgação do conhecimento histórico, pois proporciona o interesse pelos temas históricos e assim pode estimular a leitura e a curiosidade. Diante disto, entendemos que independente do tipo de filme escolhido pelo professor para ser usado nas aulas de história, o essencial é que não esqueça que o cinema é, e sempre será, uma representação do passado. E com esta informação na mente, faça do cinema um companheiro de trabalho. O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história Considerações finais A partir deste artigo tentamos propor uma metodologia de uso do cinema nas aulas de história, de forma a munir o professor de informações relevantes sobre as possibilidades da sétima arte na escola. Para que o cinema desempenhe um papel importante na formação dos alunos e na divulgação do conhecimento de história, o primeiro passo é deixar de utilizar o cinema como diversão ou ilustração do conteúdo. Para isto, é preciso assumir diante dos filmes uma postura crítica, tendo em consideração que os filmes são uma representação do passado e não a verdade histórica. A relação entre o passado dos filmes e o presente de sua produção é outra 5 Os filmes de Glauber Rocha são um bom recurso a ser empregado no estudo sobre os anos sessenta no Brasil e a resistência ao Regime Militar. 207 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 coisa que não pode deixar de fazer parte do conhecimento do corpo docente. Este é um conhecimento que deve ser compartilhado com os alunos para que também eles possam compreender que o cinema não é mais que uma representação do real e assim ter uma postura ativa diante dos filmes. Esta atitude permitirá aos alunos desenvolverem a capacidade de observar, identificar, relacionar, questionar, compartilhar, articular, entre outras. Isto nos indica que a análise de um filme, seja ele do tipo que for, faz efeito na aprendizagem da história. Ao operar estas capacidades mentais os alunos também estarão elaborando o pensamento histórico e com isto desenvolvendo a consciência histórica, valorizada no Parâmetro Curricular Nacional e pelos professores de história. Agindo desta forma, eles não serão historiadores, mas, seguramente, compreenderão que a história é fruto de uma construção do passado, que como o cinema, também implica em escolhas, seleção, organização. Fazer com que os alunos entendam que a história não é mais do que uma construção do passado e que o historiador é o artífice deste passado é o desejo de muitos professores que ministram esta disciplina. Tal entendimento traz um ganho simbólico e intelectual aos alunos possibilitando-lhes a compreensão de que o passado exerce influência no presente. E com isto, mais do que compreender o cinema e a história, em uma concepção mais ampla, eles estarão aptos a entender o mundo e suas representações. Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Referências ABUD, K. M. A construção de uma didática da História: Algumas ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, v. 22, n. 1, p. 183-193, 2003. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: história. Brasília: MEC: SEF, 1998. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 208 CAIRE-JABINET, Maria Paule. Introdução à historiografia. Bauru: EDUSC, 2003. CARNE, Mark C. (Org.). Passado Imperfeito. A história no Cinema. Rio de Janeiro: Record, 1997. O cinema na escola: Uma metodologia para o ensino de história CASSIRER, Ernst. O Mito do Estado. São Paulo: Códex, 2003. FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001. NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2005. NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento de História. Olho da História, n. 3, [s.d.]. REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. v. 1, n. 5, fev. 1933. _. v. 1, n. 1, out. 1932. VENÂNCIO FILHO, Francisco; SERRANO, Jonathas. Cinema e Educação. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1930. THE CINEMA SCHOOL: A METHODOLOGY FOR TEACHING HISTORY Abstract The use of film in history classes is a practice known and consolidated, however, is not without difficulties and no doubt. The first difficulty faced is the lack of knowledge about cinema and doubt lies in how it can contribute to the teaching of historical content. In 1930, in Brazil, the use of cinema and its introduction into the school was the center of a long debate sponsored by teachers, intellectuals and government. The result was the creation of the National Institute for Film Education (INCE) to make educational films. Since then much has changed, but the film did not leave the classroom or the lessons of history. This article does not have the pretension to solve all the questions teachers have about the use of cinema, but to provide a methodology for use in cinema history, suggesting films and discussing how they can help the teacher to meet the daily task of teaching. 209 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 Keywords: Cinema. History teaching. Education. History. Josep María Caparrós-Lera, Cristina Souza da Rosa Data de recebimento: novembro 2012 Data de aceite: janeiro 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 189-210, jul. / out. 2013 210 Outras Contribuições Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: municipalização e novas configurações Ana Maria Cavaliere1 Lígia Martha Coelho2 Resumo Este artigo focaliza os CIEPs, escolas de horário integral criadas nas décadas de oitenta e noventa no estado do Rio de Janeiro. Analisando-se os resultados do Ideb/2009 no Rio de Janeiro, observa-se que a maior parte dos CIEPs apresenta resultados insatisfatórios. Esse fato levanta questões sobre os caminhos político-administrativos aos quais essas escolas foram submetidas, particularmente o processo de municipalização, e sobre a diluição da proposta pedagógica que as constituiu. O estudo apontou a grande dificuldade pela qual passou esse conjunto de escolas, revelando que os objetivos apresentados quando de sua criação, não foram plenamente atingidos. Por outro lado, sua “memória” permanece significativa entre escolas e professores do estado e uma espécie de “armadilha da história” vem colocando suas estruturas físicas a serviço de outras propostas de ampliação da jornada escolar que não têm no fortalecimento da instituição escolar e do trabalho dos profissionais da escola a sua base de sustentação. Palavras-chave: Jornada escolar. Municipalização. Políticas públicas. 1 Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi) e do Grupo de Estudos dos Sistemas Educacionais (Gesed). [email protected] 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Coordenadora do Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi). ligiamartha@alternex. com.br Em 1985, foi inaugurado o primeiro Centro Integrado de Educação Pública — Ciep Tancredo Neves — situado no bairro do Catete, no Rio de Janeiro. O programa dos CIEPs, coordenado por Darcy Ribeiro, foi apresentado como obra de “prioridade absoluta para a questão educacional” (RIBEIRO, 1986). Ao final de dois mandatos não contínuos de Leonel Brizola, havia sido construídos 506 desses Centros Integrados, espalhados por todos os municípios que integravam, à época, o estado do Rio de Janeiro. Sua meta prioritária consistia em “criar uma escola de dia completo”. Para materializar esse “dia completo”, as unidades escolares – cujo projeto arquitetônico teve a marca da pena de Oscar Niemeyer – incluíam diversas atividades pouco presentes na maioria das escolas públicas brasileiras: Estudo dirigido, Vídeoeducação, Biblioteca, Esporte e Animação cultural faziam parte do dia-adia dos alunos, mesclando-se às aulas regulares das disciplinas convencionais. Uma parte de seus professores também ficava na escola em tempo integral, fosse dobrando a carga de aulas, planejando as atividades pedagógicas, articulando trabalhos coletivos com os demais colegas ou realizando atividades de estudo e pesquisa. Durante aproximadamente uma década, dois Programas Especiais de Educação foram consolidando os CIEPs, que se constituíram em referência de prédios escolares projetados para oferecer a jornada escolar integral. Após esse período3, outros governos se sucederam cujas propostas para a área da educação não incluíam a continuidade dos CIEPs que foram, paulatinamente, sendo descaracterizados. Com esse cenário, elaboramos um primeiro artigo, quando dos quinze anos dessas escolas fluminenses4. Partindo do pressuposto de que “a intenção declarada era de promover um salto de qualidade na educação fundamental Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 214 3 Os dois Programas Especiais de Educação foram implementados entre os anos de 1983-1986 e 1991-1994. 4 “Para onde caminham os CIEPs? Uma análise após 15 anos” (CAVALIERE ; COELHO, 2003) do estado”, perguntávamo-nos quais fatores intervenientes estariam presentes no cotidiano dos CIEPs que, àquela altura, reforçavam ou enfraqueciam aquela intenção. Passados aproximadamente dez anos da elaboração do primeiro artigo, voltamos de novo a atenção para essas escolas e perguntamos: Seus resultados escolares revelam algo de específico, cerca de 25 anos depois? Como tais escolas vêm participando do processo de municipalização da Educação Fundamental no estado? Sua atual estrutura de funcionamento ainda ecoa a concepção originalmente traçada? Para essa retomada, utilizamos, contudo, um instrumento que, inexistindo anteriormente possibilita, hoje, um ângulo diferente para se analisar o pretendido “salto de qualidade”: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A utilização do Ideb, neste texto, é feita levando-se em conta seus limites, e a necessidade de sempre associá-lo a outras formas de avaliação. No entanto, considerando-se que, em escala quantitativa, ele nos diz algo da situação real das escolas brasileiras, decidimos tomá-lo como referência inicial para nossas reflexões acerca do trabalho educacional que vem sendo desenvolvido nos CIEPs fluminenses. Entre as justificativas e questões para essa nova focalização, destacamos as seguintes: Primeiramente, em 2010, ao verificarmos a listagem do Ideb/20095 no estado do Rio de Janeiro, nos demos conta de que pouquíssimos CIEPs estavam situados entre os maiores índices das escolas públicas do estado. Ao contrário, entre os menores índices, essas escolas apareciam de forma significativa: Que relações podemos estabelecer, em ambos os casos, com o fato dessas instituições terem pertencido a um programa especial de educação? O que estaria acontecendo para que grande parte dos CIEPs, criados para promover um “salto de qualidade na educação fundamental do estado”, apresentasse resultados 5 Quando da elaboração deste artigo, no ano de 2012, o IDEB disponível era o referente ao ano de 2009. Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 215 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 inferiores às médias estadual e nacional do 5o ano do Ensino Fundamental público, no Ideb de 20096? Além disso, como um programa educacional que recebeu muitos recursos, mobilizou professores, alunos e pais e pretendeu inovar a prática pedagógica da época se tornou, à primeira vista, tão pouco significativo, no decorrer dos anos? Que relação podemos estabelecer entre esse fato e o processo de municipalização do Ensino Fundamental, no estado? O que essas escolas têm a nos dizer hoje, mesmo sabendo-se que parte delas já não funciona em tempo integral, sobre o fato de, apesar dos resultados pouco satisfatórios, a idéia de escola de tempo integral continuar a crescer e a se afirmar no Rio de Janeiro e em todo o país? Guiadas por esses questionamentos, estruturamos este texto partindo do levantamento da pontuação dos CIEPs fluminenses no conjunto das escolas do estado, no Ideb/2009. Em seguida, relacionamos essa pontuação com o contexto específico dos diferentes CIEPs, bem e mal posicionados, no que tange à sua localização, vinculação administrativa e à manutenção de elementos da proposta original, visando melhor compreender os processos que determinaram a situação dessas escolas no atual panorama educacional público do Rio de Janeiro. Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Resultados dos CIEPs no IDEB 2009: Análise de um recorte No ano de 2007, o governo federal apresentou à sociedade brasileira uma série de aproximadamente quarenta programas e projetos que denominou de Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Entre essas ações, encontrava-se a criação do Ideb, com o objetivo de “medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino” (BRASIL-MEC/Ideb, 2011). Conforme Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 216 6 Em 2009, os Idebs do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, para o 5o ano do Ensino Fundamental, coincidiram em 4.4. se verifica no trecho transcrito do sítio do Ministério da Educação, a ideia de medida é fundamental na constituição bianual desse índice. 7 Se, por um lado, os processos avaliativos estandardizados tentam responder às necessidades da sociedade brasileira de avançar na qualidade da educação, sua implementação surge associada às tendências de mercantilização, estabelecimento de concorrência entre escolas — ou criação de “quasemercados” — na educação pública (SOUZA e OLIVEIRA, 2003). Além disso, as avaliações estandardizadas participam de uma tendência internacional que induz a equiparação do desempenho dos diferentes países a padrões únicos, considerados de qualidade. Sobre a questão Freitas (2007) afirma que Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações […] há o risco da ocultação da má qualidade pelo uso da média como referência. O Ideb não deixa de ser baseado em uma proficiência média da escola ou da rede. O uso da média como referência e sua variação ao longo do tempo não significam que houve melhoria para todos. Se um grupo de bons alunos for melhor ainda, a média subirá, mesmo que os piores continuem onde sempre estiveram (p. 982). Além disso, autores como Fernandes (2009) se preocupam tanto com os possíveis efeitos de empobrecimento do currículo gerados por esse tipo de avaliação, quanto com a prática de ranking das escolas, que não considera “o tipo de alunos que as frequentam, nem as qualificações dos respectivos professores, técnicos e funcionários, nem os recursos materiais ou as condições físicas das escolas” (p. 123). Conscientes dos problemas que podem estar associados a esse tipo de procedimento avaliativo, dele fizemos uso considerando que o mesmo traz a possibilidade de uma mirada panorâmica, 7 O modelo de avaliação do Ideb combina dois fatores: a taxa de fluxo, isto é, promoção, repetência e evasão e o desempenho nos exames padronizados que são realizados por estudantes do 5o ano (4a série) e 9o ano (8a série) do ensino fundamental (Prova Brasil) e ainda do 3o ano do ensino médio (Saeb). 217 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 antes de difícil obtenção e que, mesmo sujeito a apresentar ou gerar distorções, nem por isso deixa de ser, no momento, um recurso a mais para a compreensão dos mecanismos de produção e perpetuação das desigualdades educacionais no interior das redes públicas de estados e municípios. Ao nos debruçarmos sobre a lista de escolas divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pertencentes às redes públicas estaduais e municipais dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no estado do Rio de Janeiro e os índices a elas atribuídos, encontramos uma listagem de 3.076 escolas, tendo sido o Ideb atribuído a 2.727 delas, distribuídas pelos seus 92 municípios. No total dessa listagem, identificamos 392 CIEPs8, sendo o Ideb atribuído a 338 deles. Um rápido olhar sobre os dados constatou, de imediato, que o número de CIEPs presentes no “topo” da listagem era irrisório9, se comparado ao número deles presentes no final da listagem. Concentrando nos resultados daquele universo de 2.727 escolas – como já dito do 5o ano do Ensino Fundamental –, optamos por separar as primeiras 500 e as 500 últimas, estabelecendo um recorte de 1.000 escolas, buscando identificar os CIEPs presentes em cada um desses sub recortes. A opção pelo foco nos resultados do 5o ano deveu-se ao fato de que poucos CIEPs não oferecem esse segmento. Assim, pudemos alcançar muitas dessas escolas, relacionando dados relativos ao mesmo segmento. Nessa primeira investigação, na relação das 500 primeiras instituições, verificamos a presença de 21 CIEPs, como podemos constatar no quadro que construímos, a seguir: Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 218 8 Sobre os demais CIEPs, considerando-se que foram construídos 506 prédios, ou estão em área rural, ou dedicam-se a outros segmentos do ensino, a outras funções não escolares, ou ainda estão desativados. 9 O primeiro Ciep, nessa listagem, é o Ciep Pablo Neruda, da rede municipal da capital, cujo índice atingiu 7.2, situando-se em 9o lugar do 5o ano na rede pública. A primeira colocação no estado obteve o índice 7.8. Quadro 1 - CIEPs situados entre os 500 maiores Idebs do estado do Rio de Janeiro por município; Idebs do 5oano; dependência administrativa e Idebs das redes públicas dos municípios, 5o ano - 2009 Município Ciep 01 Rio de Janeiro 02 Rio de Janeiro 03 Rio de Janeiro 04 Rio de Janeiro 05 Rio de Janeiro 06 07 08 Rio de Janeiro São Gonçalo Cambuci 09 Sumidouro 10 Rio de Janeiro 11 Rio de Janeiro 12 Rio de Janeiro 13 Rio de Janeiro 14 Rio de Janeiro 15 Rio de Janeiro 16 Rio de Janeiro 17 Barra Mansa 18 Trajano Moraes 19 Rio das Flores 20 Rio de Janeiro 21 Rio de Janeiro Pablo Neruda Glauber Rocha Profa. Célia M. M. Barreto Oswald de Andrade Samuel Wainer 1º de Maio Dr. Zerbini Ernesto Paiva São José de Sumidouro Pres. Agostinho Neto Aracy de Almeida Raimundo O. de C. Maia Pres. Tancredo Neves Metalúrgico Benedicto Cerqueira Vila Kennedy Prof. Darcy Ribeiro Profa. Maria José M. Carvalho Profa. Guiomar G. Neves Manoel Duarte Gov. Roberto Silveira Manoel Maurício de Albuquerque de Fonte: MEC / Ideb - 2009 Ideb: 5°ano Dependência administrativa 7,2 Municipal Ideb redes públicas 5,1 6,7 Municipal 5,1 6,1 Municipal 5,1 6,1 Municipal 5,1 6,0 Municipal 5,1 5,9 5,8 5,8 Municipal Estadual Estadual 5,1 3,8 5,8 5,7 Estadual 5,5 5,7 Municipal 5,1 5,7 Municipal 5,1 5,5 Municipal 5,1 5,5 Municipal 5,1 5,5 Municipal 5,1 5,4 Municipal 5,1 5,4 Municipal 5,1 5,4 Municipal 4,9 5,4 Estadual 5,1 5,4 Estadual 4,6 5,3 Municipal 5,1 5,3 Municipal 5,1 Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 219 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 220 Em uma primeira análise do Quadro 1, observa-se que a porcentagem de CIEPs entre os primeiros 500 Idebs do estado do Rio de Janeiro não chega a 7%, dos 338 CIEPs avaliados, o que representa pouco, se levarmos em consideração a estrutura física criada para essas instituições, bem como seu potencial educativo original, expresso no corpo de funcionários que mantinham, nas atividades e organização curricular que adotavam. Outra inferência que o Quadro 1 nos possibilita realizar diz respeito à localização geográfica desses CIEPs no estado: dos 21 listados, 15 se concentram no município do Rio de Janeiro (capital) e apenas seis se situam em outros municípios. Dentre eles, cinco estão no interior do estado e um encontrase na Região Metropolitana – São Gonçalo. Cabe ainda destacar que os CIEPs da capital presentes no Quadro 1 são todos da rede municipal, ao passo que os demais, com exceção de Barra Mansa, pertencem à rede estadual. A questão da dependência administrativa, portanto, se afigura como relevante, visto que, nesse Quadro, 16 dentre os 21 CIEPs são municipais, e apenas cinco encontram-se no rol das escolas estaduais. Tradicionalmente, a rede municipal de Ensino Fundamental da capital do estado, que se originou na rede escolar da antiga capital do país, além de abarcar todo o Ensino Fundamental público, apresenta recursos e resultados superiores em relação à rede estadual. Em 2009, o Ideb médio dos anos iniciais das escolas da capital foi de 5.1 e o do conjunto das escolas do estado do mesmo segmento foi de 4.4. Os CIEPs, embora nascidos como um programa estadual, foram, na capital, transferidos em bloco para a rede municipal no final do primeiro programa, ainda na década de 1980 e, ao longo dos anos, tenderam a reproduzir essa diferença. O Quadro 1 contém, também, o Ideb médio do 5o ano do Ensino Fundamental de cada um dos sete municípios que têm CIEPs presentes nessa relação. Nesse sentido, é possível constatar que o desempenho de cada uma dessas 21 instituições está sempre acima das médias de seus municípios, o que nos possibilita deduzir – mesmo com as ressalvas feitas anteriormente em relação ao índice – que houve um “efeito escola” positivo, isto é, de alguma maneira, esses estabelecimentos escolares, pelas suas políticas e práticas internas, obtiveram resultados superiores aos seus congêneres (Brooke e Soares, 2008). A partir dessas inferências iniciais, nos perguntamos: essas instituições escolares melhor colocadas apresentam, ainda, alguns vestígios do Programa, no que concerne a atividades não convencionais, ampliação da jornada escolar e professores qualificados trabalhando nessa mesma jornada? Voltaremos a elas mais adiante. Ao dirigirmos o olhar, no entanto, para a relação das 500 escolas com os menores índices, verificamos que o número de CIEPs cresce vertiginosamente: são 156 ali presentes. A construção do Quadro 2, apresentado a seguir, objetivou mostrar essa situação, e revela uma maior pulverização por diferentes municípios do que o quadro anterior. É preciso dizer que, nele, não estão apresentados os nomes dos CIEPs, como no Quadro 1, devido à grande quantidade de escolas arroladas (BRASIL-MEC/Ideb, 2011) e à dificuldade em nomeá-las neste espaço. Em relação ao Ideb de cada escola, ele só foi elencado nos 12 casos em que o município aparece com um só Ciep. Nos demais casos, ou seja, nos primeiros 21 municípios listados, efetuamos uma média dos Idebs, sendo que neste sub-grupo, o maior Ideb encontrado por escola foi 3.6 e o menor foi 1.1. Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações Quadro 2 - Número de CIEPs situados entre os 500 menores Idebs relativos ao 5o ano, por município; média desses Idebs e Idebs das redes públicas dos municípios, 5o ano – 2009 Município No de CIEPs na lista Média de seus Idebs Idebs redes públicas 01 Nova Iguaçu 23 2.9 4.0 02 São Gonçalo 22 2.9 3.9 03 Duque de Caxias 19 3.0 3.8 221 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 04 Belford Roxo 17 3.0 3.7 05 São João de Meriti 11 3.0 3.9 06 Campos dos Goytacazes 11 2.4 3.2 07 Rio de Janeiro 08 3.3 5.1 08 09 Niterói Cabo Frio 04 03 2.9 3.2 4.3 4.6 10 Mesquita 03 2.8 4.1 11 Queimados 03 2.6 3.8 12 Maricá 02 2.9 4.2 13 Barra Mansa 02 3.1 4.9 14 Paracambi 02 3.4 4.4 15 Araruama 02 3.2 4.2 16 Resende 02 3.4 4.5 17 Barra do Piraí 02 3.4 4.2 18 Magé 02 2.6 3.6 19 Nilópolis 02 2.4 3.7 20 Itaboraí 02 2.9 4.1 21 Japeri 02 3.2 3.6 22 Itaguaí 01 3.5 4.1 23 Macuco 01 3.5 4.4 24 Vassouras 01 3.5 4.1 25 Cachoeiras de Macacu 01 3.5 3.9 26 Petrópolis 01 3.5 4.6 27 Porto Real 01 3.3 4.1 28 Angra dos Reis 01 3.3 4.3 29 São João da Barra 01 3.1 3.3 30 Arraial do Cabo 01 2.7 3.9 31 Tanguá 01 2.6 3.8 32 São Pedro da Aldeia 01 2.4 4.2 33 Volta Redonda 01 3.6 5.2 156 - - Total 222 Fonte: MEC / Ideb 2009 Apresentado o Quadro 2, verificamos que 156 dos 338 CIEPs aos quais foi atribuído o Ideb, ou seja 46% deles, encontram-se na faixa das 500 escolas com menor desempenho no estado. Esses CIEPs situam-se, em sua maior parte, na região metropolitana, mais especificamente na Baixada Fluminense do estado e menos de 25% dessa parcela é composta por unidades situadas em outras regiões do estado. A maior concentração desses CIEPs, 103 deles, situase em cinco municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro (os cinco primeiros na lista) e um município do norte Fluminense – Campos. Ou seja, fica claro que a distribuição desses Idebs entre os CIEPs não é aleatória; ao contrário, contém determinantes sócio-geográficos. O Quadro 2 evidencia, ainda, que o Ideb dos CIEPs listados está abaixo da média alcançada para o 5o ano pelas escolas públicas de seus municípios. Isso demonstra que essas escolas, apesar de sua origem e de seus prédios especiais, não apresentam, no momento, soluções para os problemas específicos de suas realidades sociais e pedagógicas. A seguir, o Quadro 2 (A) complementa o Quadro 2, repetindo o recorte do anterior, e foi construído com o objetivo de ampliar a análise sobre a questão dos efeitos da municipalização dessas escolas. Para isso, incluímos informações adicionais sobre a freqüência da dependência administrativa, explicitamos a parcela, dentre os 156, com vinculação municipal, a totalidade de CIEPs que aparecem na lista do Ideb que atendem aos anos iniciais em cada município arrolado (estaduais ou municipais), e a quantidade total dessas instituições que é administrada por cada município. Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 223 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 224 Quadro 2(A) - Número de CIEPs situados entre os 500 menores Idebs relativos ao 5o ano, por município; parcela administrada pelo município; número total de CIEPs situados no município e de CIEPs municipais – 5o ano, 2009 No total de No de CIEPs na Parcela municipal CIEPs situados No total de CIEPs Município lista dentre os listados no município e municipais avaliados avaliados 01 Nova Iguaçu 23 5 27 5 02 São Gonçalo 22 4 31 6 03 Duque de Caxias 19 1 27 10 04 Belford Roxo 17 6 20 6 05 São João de Meriti 11 2 9 4 06 Campos dos Goytacazes 11 3 11 4 07 Rio de Janeiro 08 8 100 100 08 Niterói 04 0 7 0 09 Cabo Frio 03 0 4 0 10 Mesquita 03 1 3 1 11 Queimados 03 0 3 1 12 Maricá 02 0 1 0 13 Barra Mansa 02 1 4 2 14 Paracambi 02 0 3 1 15 Araruama 02 0 3 0 16 Resende 02 0 3 0 Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Barra do Piraí Magé Nilópolis Itaboraí Japeri Itaguaí Macuco Vassouras Cachoeiras de Macacu Petrópolis Porto Real Angra dos Reis São João da Barra Arraial do Cabo Tanguá São Pedro da Aldeia Volta Redonda 02 02 02 02 02 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 156 1 0 1 0 0 1 1 0 0 0 1 0 1 0 0 0 0 37 3 2 4 5 2 3 1 1 2 4 1 3 1 1 1 1 4 295* 2 0 2 1 0 3 1 0 0 0 1 0 1 0 0 0 1 151 27 deles entre os 11 primeiros municípios deste Quadro, com exceção de um Ciep municipal, situado em São Gonçalo. * Além dos 295 CIEPs avaliados (estaduais e municipais) há 38 que compõem a lista do Inep mas não foram avaliados. Todos são estaduais, situando-se Fonte: MEC / Ideb 2009 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 Total Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 225 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 A análise do Quadro 2(A) mostra que a maioria dessas escolas é da rede estadual e que apenas oito delas encontram-se na capital – ao contrário da tendência observada no Quadro 1. Na capital e no município de Duque de Caxias, a vinculação com a rede municipal representou garantia de melhores resultados no Ideb. Já os CIEPs administrados pelos demais municípios aparecem com razoável ênfase no Quadro 2 mas, ainda assim, apresentam resultados melhores do que os CIEPs estaduais. É preciso considerar que 70% dos cerca de 500 CIEPs existentes foram construídos nos municípios mais populosos do estado10, quase todos, com exceção de Campos, Macaé e Petrópolis, na região metropolitana da capital, que concentra, historicamente, população de baixa renda e problemas sociais de diferentes ordens. A localização sócio-urbana era um elemento importante no programa dos CIEPs, que se propunha a iniciar a melhoria do sistema educacional focalizando as populações desfavorecidas, embora pretendesse a posterior expansão do modelo para todo o sistema. A grande maioria das novas escolas foi construída em locais sem infraestrutura e com pouca presença de outros equipamentos públicos. Ocorre que o modelo econômico brasileiro excludente perpetuou-se e não permitiu a criação de mecanismos que, ao menos, aliviassem os efeitos da concentração de riquezas e de sua expressão na ocupação dos espaços urbanos. O isolamento e distanciamento dessas populações, e desses CIEPs, parece ter levado, ao contrário do que se esperava, à reprodução da desigualdade educacional, que agora se expressa também pelo Ideb. Entretanto, é preciso Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho 10 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 226 Partindo da listagem de 361 CIEPs sob a responsabilidade do governo estadual em 1995 (RIBEIRO, 1995), e somando-se a essa listagem as 100 unidades sob administração municipal na capital, chega-se a um total de 461 CIEPs. Desses, 336 (72%) estão localizados nos municípios do Rio de Janeiro, São Gonçalo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Niterói, Belford Roxo, Campos dos Goitacazes, São João de Meriti, Petrópolis, Itaboraí, Magé, Macaé, Nilópolis e Queimados. As demais 45 unidades (que completariam posteriormente as 506) ainda estavam em finalização de construção ou haviam sido pontualmente municipalizadas. questionar, como o fazem Ribeiro e Kaztman (2008), o sentido estrito de causalidade entre essas variáveis: Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações [...] se a segregação residencial resulta das múltiplas situações de insucesso e desestruturação vividas pela famílias – entre elas, o fracasso escolar, ou se ao contrário, é o primeiro fenômeno que desencadeia ao menos parcialmente os segundos (p.18) Seja como for, a concentração territorial da pobreza, no caso nas regiões metropolitanas do estado do Rio de Janeiro, concentrou também a maior ocorrência de baixos Idebs. A existência de 156 CIEPs entre os 500 menores índices do estado revela que parte significativa dessas escolas provavelmente não está exercendo um efeito escola positivo. Essa constatação nos obriga a pensar tanto na origem como em novos problemas gerados ao longo dos mais de 25 anos de existência desse programa. É sobre esses possíveis problemas que nos deteremos na seção a seguir. Os desafios da municipalização e a “sobrevivência” dos CIEPs Apresentamos neste item dois pontos que demandam uma reflexão mais precisa, no sentido de melhor responder às questões que nos fizemos ao longo deste estudo. São eles, os caminhos político-administrativos aos quais essas escolas foram submetidas e a permanência, com qualidade, das propostas que as constituíram. Um exemplo das dificuldades do Ensino Fundamental da municipalização Dos 156 CIEPs listados entre os 500 menores resultados, 37 pertencem às redes municipais. Se relacionarmos esses 37 CIEPs com o total de CIEPs estaduais e municipais dos 227 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 municípios a que pertencem, vemos que a municipalização, — mesmo desconsiderando-se a capital, que é atípica — atuou de maneira positiva no Ideb dessas escolas. Vejamos: excluindo-se os dados da capital e refazendose as contas, restam 51 CIEPs municipais avaliados no conjunto dos municípios do Quadro 2, ficando 29 deles entre os de mais baixos índices, 57% portanto. Já dentre os 144 CIEPs estaduais avaliados desses mesmos municípios, 119 comparecem nessa listagem — 83% portanto. A conclusão a que se chega é que os CIEPs municipalizados apresentaram resultados proporcionalmente melhores. Investigando especificamente a realidade da municipalização do Ensino Fundamental no estado do Rio de Janeiro — com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), observamos que, dos dez primeiros municípios que aparecem no Quadro 2, excluindo-se a capital, apenas Cabo Frio, com 85%, está acima do percentual médio de estabelecimentos públicos de Ensino Fundamental municipalizados no estado do Rio de Janeiro, que é de 78% 11 (IBGE, estados, 2009). Entretanto, nenhum dos seis CIEPs de Cabo Frio foi municipalizado. Ainda de acordo com os dados do IBGE, esses dez municípios apresentam as seguintes taxas de municipalização do Ensino Fundamental: Nova Iguaçu, 57% ; São Gonçalo, 24% ; Duque de Caxias, 42% ; Belford Roxo, 53% ; São João de Meriti, 51% ; Campos, 74%; Niterói, 47% ; Cabo Frio, 85% ; Mesquita, 63% ; Queimados, 68%. Essas taxas são sempre superiores às taxas específicas de municipalização dos CIEPs, cuja média foi de 22%, nos 10 primeiros municípios do Quadro 2, considerando-se também as unidades não avaliadas que constam da listagem do Inep (vide nota após Quadro 2-A), o que revela dificuldades adicionais para a municipalização dessas escolas. Ressalte-se ainda que os dados do IBGE são relativos a todo o Ensino Fundamental e a municipalização é Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 228 11 Essa taxa deve-se à municipalização de 100% do Ensino Fundamental na capital do estado e não representa a realidade do restante dos municípios. mais intensa nos anos iniciais, que são justamente os atendidos pelos CIEPs desta amostra, o que acentua ainda mais a baixa proporção de municipalização dessas escolas. O processo de municipalização da educação brasileira, previsto na Constituição Federal de 1988, vem sendo feito com dificuldade em todo o país, e o Rio de Janeiro não foge a essa regra. A busca da descentralização, com a efetiva transformação do município em um ente federado, seria a base para a aplicação do chamado regime de colaboração, no qual buscar-se-ia a divisão de responsabilidades, o planejamento educacional conjunto, a garantia da distribuição ou repasse de meios e recursos, de acordo com os encargos estabelecidos (OLIVEIRA; SANTANA, 2010). Entretanto, mesmo quando se dá uma distribuição na execução, raramente há uma efetiva redistribuição do poder decisório, isto é, uma efetiva descentralização. Constata-se que a distribuição de competências vem se dando de maneira pouco clara, e, ademais, a distribuição dos recursos não corresponde às necessidades (SOUZA E FARIA, 2004). Isso explica a lentidão e as disputas no processo de municipalização do ensino fundamental. No estado do Rio de Janeiro, dos 92 municípios, 32 fizeram a municipalização completa dos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Não mais que dois municípios — Armação dos Búzios e Santa Maria Madalena — são responsáveis por 100% de todo o ciclo do Ensino Fundamental. Quanto aos CIEPs, em junho de 2006, a Comissão de Educação e Cultura da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro reuniu dirigentes municipais de Educação em uma série de audiências públicas, com o objetivo específico de discutir a municipalização dessas escolas. Em uma dessas audiências, a então presidente da UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Sandra Gomes Simões, afirmava que “em alguns municípios há obras inacabadas de CIEPs que poderiam ser assumidas pelos Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 229 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 municípios” 12. No mesmo encontro, o Secretário de Educação de São José do Vale do Rio Preto afirmava: “não deveria haver dificuldade para uma transferência que beneficiaria a todos mas a prefeitura de São José do Vale do Rio Preto solicitou a transferência do prédio inacabado do Ciep e não obteve autorização da Secretaria Estadual de Educação” (ALERJ, 2006). As resistências e dificuldades têm diversas motivações. As realidades são diferentes entre si, mas, ao contrário do exemplo de São José do Vale do Rio Preto, o que ocorre, na maioria das vezes, é que sendo a manutenção dos CIEPs mais cara, com terrenos grandes, quadra, biblioteca e, em alguns casos, com funcionamento em horário integral e alunos residentes, as próprias prefeituras protelam a municipalização, alegando falta de recursos. Outro problema é a disputa pelos CIEPs bem sucedidos e o “jogo de empurra” em relação aos problemáticos. Isso talvez explique a situação um pouco melhor dos CIEPs municipalizados, revelando que a boa qualidade da escola facilita as negociações para a transferência da responsabilidade administrativa. Mas um outro ator pode aparecer nesse processo: a população. Quando está satisfeita com a escola, ela resiste à mudança, receando a queda da qualidade do ensino. Foi o caso do Ciep Glauber Rocha, em Nova Friburgo. Após negociações que selaram a municipalização, a comunidade escolar manifestou-se, em maio de 2010, contra a mudança13, defendendo o horário integral e a boa qualidade da escola e lembrando que, no passado, a escola havia sido administrada pelo município e deixara de ter o horário integral. Nesse caso, Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 230 12 Segundo reportagem do jornal O Globo, publicada em 30 de maio de 2006, naquele ano havia 16 CIEPs desativados ou utilizados para outras funções no estado do Rio de Janeiro. Em março de 2010, por exemplo, o governador Sergio Cabral inaugurou o CIEP George Savalla Gomes, em São Gonçalo, que passara 16 anos inacabado, servindo irregularmente como moradia. Disponível em http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=200398. Acesso em dezembro de 2011. 13 O noticiário do estado do Rio de Janeiro divulgou amplamente essa manifestação dos pais. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Rx7zCXnvyk8. Acesso em: dezembro de 2011. apesar das negociações entre estado e município terem chegado a bom termo, após as manifestações populares, o Ciep foi mantido na alçada da Secretaria Estadual de Educação. As disputas político-partidárias também aparecem com papel relevante. Em Duque de Caxias, em audiência pública realizada na Câmara Municipal (JusBrasil, 2006), em janeiro de 2006, a deputada Andrea Zito, do PSDB, protocolou abaixo assinado com seis mil adesões, solicitando a suspensão do processo de municipalização do Ciep Procópio Ferreira, negociada à época pelo prefeito do PMDB. Afirmava a deputada: “a prefeitura pode ter a melhor das intenções, mas não garante a manutenção dos benefícios atuais, como horário integral e vagas para alunos residentes”. O Ciep deixou de ser municipalizado para somente vir a sê-lo em 2010, já sob a administração do prefeito José Camilo Zito, então do PSDB. A preocupação com a qualidade, entretanto, parece ter sucumbido e o Ciep foi utilizado para abrigar alunos de escolas estaduais em reforma, devido às enchentes havidas na região. Em 2011, o jornal do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) divulgava a seguinte notícia: “Segundo os profissionais do Ciep Procópio Ferreira, que foi municipalizado recentemente e hoje pertence à rede municipal de Duque de Caxias, o governo do Estado se comprometeu a reformar as suas escolas até junho, mas nada foi feito e elas continuam funcionando no Ciep municipalizado que, hoje, abriga mais de três mil alunos, funcionando em três turnos” (SEPE-RJ, 2011). As situações vividas nos CIEPs de Nova Friburgo e Duque de Caxias revelam alguns fatores intervenientes significativos no processo de municipalização: o custo de manutenção dessas escolas; a complexidade de seu funcionamento com horário integral e em alguns casos alunos residentes; as demandas e expectativas da população e as implicações político partidárias. Acordos e desacordos momentâneos parecem revelar um movimento errático em direção à municipalização do Ensino Fundamental e dos CIEPs em particular. Quando da morte do ex-governador Leonel Brizola, em 2004, a então governadora Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 231 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 Rosinha Garotinho prestou-lhe homenagem, incorporando o nome Brizolão14 a todos os CIEPs da rede estadual, o que acrescentou mais um elemento para resistências e disputas no já atribulado processo de municipalização. Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho As características do Programa: o que restou? Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 Em primeiro lugar, é preciso destacar que a condição de programa especial com que o projeto dos CIEPs foi implementado, no estado do Rio de Janeiro, por duas vezes, contribuiu para o estabelecimento de um estigma em relação à ampliação da jornada escolar e às condições de educabilidade da população que visava — “horário integral é para aluno sem assistência familiar”. A característica de “especial” contribuiu, ainda, para a criação de outra “cicatriz”, desta feita evidenciando a natureza do espaço escolar e as condições sociais de seus usuários — “escola para pobre” (CAVALIERE; COELHO, 2003). O termo especial na expressão Programa Especial de Educação deixa entrever um aspecto político-conceitual que, à época, era levantado por estudos acadêmicos, e também por críticos ao Programa, e que hoje emerge, “robustecido”: o das políticas focais e compensatórias, ou seja, o das relações entre educação, socialização escolar e assistência social e, principalmente, entre políticas universalistas e políticas focalizadas em determinados setores da população. Ao retornar a essas escolas, aproximadamente 25 anos depois, focalizamos a constituição da concepção de programa especial a partir de alguns fatores que o nortearam, a saber, a opção pelo turno integral, a construção de espaços formais de educação adequados à proposta pedagógica; a necessidade de oferta de atividades diversificadas que propiciassem a formação do aluno e a necessidade de elaborar uma política para os sujeitos em atuação no Programa. No escopo deste artigo, optamos por discutir esses quatro pontos em seu conjunto, e não separadamente. 232 14 Denominação popular dos CIEPs no Rio de Janeiro. É preciso lembrar que, à época em que os dois Programas Especiais de Educação foram gestados e implementados, a ideia de um projeto político-pedagógico que representasse os anseios educacionais de cada unidade escolar apenas engatinhava no Brasil. Ainda assim, apesar de se caracterizar como uma proposta padronizada, o Programa trazia elementos que poderiam induzir à autonomia da escola, a médio prazo, por prever estruturas de participação dos diversos setores envolvidos e um novo tipo de relação com a comunidade. Criaram-se as figuras da diretora comunitária e do animador cultural e uma lógica de organização escolar diferente da que então vigia na maioria das escolas públicas. Esses fatores convergiam para o entendimento de que o espaço escolar admitia atividades diferentes das regulares, mescladas e integradas; trabalhadas por professores em regime de 40 horas, especialmente concursados para a realização dessa proposta, mas também por outros sujeitos que – presentes na comunidade – seriam conhecedores de saberes diferenciados que precisavam estar dentro da escola, atuando em conjunto com os conhecimentos escolares, historicamente constituídos enquanto tais. Para a materialização dessa proposta o programa previu em cada unidade espaços como quadra polivalente; biblioteca; uma sala para vídeoeducação; duas salas para estudo dirigido e grandes espaços como pátios cobertos e refeitório com múltiplas possibilidades. Com isso pretendia-se alcançar não apenas uma ampliação quantitativa, mas um tempo integral no sentido de mais completo e mais significativo (COELHO, 1997; PARO, 2009). Ressalte-se que o projeto previa essa estrutura organizacional para todos os alunos daquelas escolas. Entretanto, retomando um dos fios condutores deste estudo – a situação dos CIEPs no panorama estadual do Ideb/2009 – tudo indica que grande parte deles submergiu à imagem que deles se fez e também às condições sociais de seu entorno. Tentando uma melhor compreensão dessa realidade aparente, nosso olhar caminha novamente na direção dos Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 233 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 CIEPs que se encontram no Quadro 1 – aqueles que se incluem entre os maiores Idebs apresentados em 2009 no estado do Rio de Janeiro. Em 2011, coletamos dados em 16 daqueles 21 Centros obtendo informações que nos possibilitaram algumas inferências. Foram realizadas entrevistas com diretores ou coordenadores pedagógicos dessas escolas. As perguntas objetivavam saber, primeiramente, se a escola mantinha o horário integral. Em seguida, se os ambientes da (1) Biblioteca, do (2) Estudo dirigido e da (3) Quadra poliesportiva, permaneciam em funcionamento com seus objetivos originais, e ainda, se a escola mantinha a atividade de (4) Animação cultural. A cada um desses quatro itens foi atribuído o índice de 25%. O Quadro 3, a seguir, apresenta o panorama encontrado nos 16 CIEPs investigados, no que concerne aos quatro itens elencados. Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Quadro 3 - Recorte de 16 CIEPs situados entre os 500 maiores Idebs do estado do Rio de Janeiro, por município; Idebs do 5o ano (2009); permanência do horário integral; funcionamento de ambientes e/ou atividades originais do Programa – (2011)15 Município Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 Ideb Ambientes e/ou Horário atividades originais Integral em funcionamento 01 Rio de Janeiro Pablo Neruda 7,2 S 75% 02 Rio de Janeiro Glauber Rocha 6,7 S 75% 03 Rio de Janeiro Profa. Célia M. M. Barreto 6,1 S 50% 04 Rio de Janeiro Oswald de Andrade 6,1 S 75% 05 Rio de Janeiro Samuel Wainer 6,0 S 75% 06 Rio de Janeiro 1º de Maio 5,9 S 75% 15 234 Ciep Agradecemos a Luiza Figueiredo e Alessandra Victor, mestranda e mestre em Educação/Unirio, pelo auxílio na coleta das informações que compõem a duas últimas colunas do Quadro 1(A). 07 Rio de Janeiro Pres. Agostinho Neto 5,7 S 75% 08 Rio de Janeiro Aracy de Almeida 5,7 S 75% 09 Rio de Janeiro Raimundo O. de C. Maia 5,5 S 75% 10 Rio de Janeiro Pres. Tancredo Neves 5,5 S 50% 11 Rio de Janeiro Metalúrgico Benedicto Cerqueira 5,5 S 25% 12 Rio de Janeiro Vila Kennedy 5,4 S 75% 13 Rio de Janeiro Prof. Darcy Ribeiro 5,4 S 75% 5,4 S 50% 14 Trajano de Profa. Guiomar G. Neves Moraes 15 Rio de Janeiro Gov. Roberto Silveira 5,3 N 75% 16 Rio de Janeiro Manoel Maurício de Albuquerque 5,3 S 50% Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações Fonte: MEC / Ideb 2009; levantamento das autoras Na “leitura” do Quadro 3, constatamos que apenas um dos Centros Integrados dentre os 16 contatados não continua em horário integral. Assim, em relação à jornada escolar, podemos inferir que a continuidade desse tempo ampliado tem se constituído como um fator coadjuvante da possível qualidade na educação. Essa constatação vai ao encontro do que alguns pesquisadores têm afirmado sobre a efetividade e viabilidade da ampliação do tempo escolar como elemento propulsor da qualidade educacional. (KERSTENETZKY, 2006; NERI, 2009). Também é possível dizer que a maioria desses CIEPs ainda mantém em funcionamento pelo menos 3/4 dos ambientes e atividades diferenciadas que faziam parte do projeto original daquele Programa. Quanto à Animação cultural, que se utilizava de todos os ambientes da escola, inclusive as salas de aula, e cujo ineditismo da proposta trouxe à época reações fortes de aceitação e recusa, destacamos que a informação recebida 235 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 na totalidade dessas escolas foi a de que essas atividades não acontecem mais, tendo em vista que a função de animador cultural vem se extinguindo, paulatinamente. A esse respeito, é válido destacar nota do SEPE-RJ, datada de dezembro de 2011, sobre a situação dos animadores culturais na rede estadual de ensino. Na nota, os sindicalistas informam a situação por que passam esses profissionais, até hoje sem garantias trabalhistas mínimas, apesar do curso de formação a que se submeteram, na década de 90, e ao fato de terem sido “mantidos na rede e sua atuação expandida para as outras escolas [...] com o reconhecimento da importância do trabalho desenvolvido por esses profissionais” (SEPE-RJ, 2011). Refletindo ainda sobre a situação que o Quadro 1(A) nos apresenta, consideramos que o fato dos CIEPs bem sucedidos no Ideb/2009 continuarem seu funcionamento em horário integral reafirma a hipótese de que esse regime constitui um aliado importante na melhoria das condições gerais de aprendizagem dos alunos. Sobre a manutenção e utilização dos ambientes e atividades diversificados, a entrevistas mostraram que nem sempre eles foram integralmente mantidos. Se a ampliação da jornada escolar deve ser acompanhada pela também ampliação e adequação dos espaços escolares, no sentido de criar condições para a realização de atividades diversificadas, isso aconteceu, ainda que parcialmente, na prática do horário integral dos CIEPs com bons Idebs contatados, nos permitindo relacionar esses ambientes e atividades a um clima escolar propício a aprendizagens significativas. Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho A retomada sob novos moldes: da história? Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 236 Uma “armadilha” O estudo aqui realizado possibilita algumas conclusões. Considerando-se os resultados do Ideb, fica evidente a dificuldade pela qual passou esse conjunto de escolas ao longo das duas últimas décadas. Esses resultados, vistos em bloco, revelam que os objetivos do programa, relacionados à qualidade, não foram atingidos. Revelam também que a permanência de elementos do projeto original, a localização sócio-geográfica e a diferenciação das esferas administrativas a que se ligaram essas unidades escolares — inicialmente pertencentes a um mesmo programa estadual — tiveram um papel importante na diferenciação dos resultados do Ideb. Já uma observação mais global e histórica, que busque ver essas escolas no conjunto do sistema escolar do Rio de Janeiro, encontra aspectos positivos a serem ressaltados. Entre eles, o pioneirismo da proposta pedagógica, apresentada durante os primeiros movimentos político-sociais de redemocratização do país e a própria construção de 500 prédios escolares de qualidade, com impacto significativo na rede pública, pois com exceção de algumas escolas da primeira metade do século XX e dos próprios CIEPs, grande parte dos prédios escolares do estado permanece sendo de edificações modestas, quando não improvisadas, e sem recursos para uma rotina enriquecedora. Também foram importantes as inovações relacionadas à constituição de um coletivo pedagógico na escola, por meio da criação de uma estrutura de coordenadores e equipes das áreas de conhecimento, com horários garantidos para as reuniões pedagógicas. Finalmente, o Programa pautou em definitivo, no debate educacional brasileiro, a questão da ampliação das funções e responsabilidades educacionais da escola e com ela, a necessidade de ampliação da jornada escolar. Quando o programa Mais Educação, criado pelo Ministério da Educação em 2007, com o objetivo de promover a ampliação da jornada escolar nas escolas públicas brasileiras apresentou o programa dos CIEPs como uma das suas fontes de inspiração, a recuperação dos caminhos trilhados por esse programa nos pareceu necessária. Mais necessária ainda, quando se constata que o programa Mais Educação cresceu e se apresentou, em 2011, como a principal alternativa para a ampliação da jornada escolar em todo o país. De acordo com Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações 237 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 dados divulgados no sítio do MEC, dele participaram 15.018 escolas e 3.067.644 estudantes, em diversos estados brasileiros (BRASIL - MEC/SEB, 2011). Em alguns casos relativos à implantação do Programa Mais Educação, os CIEPs aparecem como parceiros de outras escolas sem espaços apropriados, que para lá levam seus alunos, a fim de realizarem as atividades que compõem o horário integral. Essa situação vem acontecendo, também, em municípios como Mesquita, São João de Meriti, Campos e Macaé, conforme dados de pesquisa em andamento16. Nesse sentido os CIEPs, após terem tido seu projeto pedagógico abandonado, e com frequência suas instalações subutilizadas, estão passando por uma espécie de “retomada” associada a uma outra concepção e, como uma “armadilha” da história, renascendo absorvidos por outra realidade, em um outro tempo, com outras atribuições para seus espaços e outras perspectivas educacionais. Teria sido a proposta político-pedagógica ousada demais para a sua época, em termos dos recursos que exigia e da disposição da sociedade para a sua execução? Na prática, a concepção de escola de tempo integral, típica dos CIEPs, que implicava uma instituição escolar organizada em função do horário integral para todos os alunos, foi enfraquecida ao longo dos anos e, hoje, seus espaços tendem a ser usados com outro modelo de ampliação do horário escolar, que podemos identificar como de aluno em tempo integral (CAVALIERE, 2009). Esse modelo não implica uma mudança na estrutura de turnos da escola. Consiste na oferta da jornada integral para grupos de alunos, considerados mais carentes, em ambientes diversos como praças, clubes, igrejas, associações ou mesmo outras escolas que ofereçam espaços (como os CIEPs, por exemplo). Também caracteriza esse modelo a participação Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 16 238 Referimo-nos à pesquisa denominada Políticas públicas de ampliação da jornada escolar no estado do Rio de Janeiro: de sujeitos e(m) formação e de sujeitos e(m) atuação, financiada pela FAPERJ, no período 2011-2012. de outros agentes educacionais, que não professores, como oficineiros e estudantes universitários. Mesmo com caminhos ainda incertos, cabe ressaltar que a idéia da escola de tempo integral se manteve viva e permaneceu relacionada, no Rio de Janeiro, a essas escolas e ao programa que as criou devido principalmente à adesão que, a despeito de todos os problemas e críticas, os CIEPs obtiveram dos professores que neles trabalharam. Grande parte desses professores encontra-se, ainda hoje, atuando nos sistemas de ensino do estado e cultiva uma memória positiva da experiência. Muitos deles, atualmente envolvidos em atividades de gestão, expressam, quando entrevistados, que ainda têm referências assentadas naquela experiência e buscam contribuir com as propostas de ampliação da jornada escolar, levando em conta os desafios vivenciados nos anos oitenta e noventa. Em outras palavras, a memória dos CIEPs contribui para a construção da história, não só dessas instituições, como daqueles que nelas atuaram. O fato de recentemente essa idéia ter sido retomada, ao lado de outras influências, na criação do programa Mais Educação, de âmbito federal, revela uma disposição da sociedade para continuar no caminho da busca pela ampliação da jornada escolar. Fica a indagação, dada a característica do modelo que hoje se difunde de ampliação do tempo escolar, e que não passa necessariamente pelo fortalecimento da instituição escolar e de seus profissionais, se este pode trazer resultados melhores do que aqueles que os CIEPs e suas circunstâncias históricas conseguiram obter. Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: Municipalização e novas configurações Referências ALERJ. Comissão de Educação e Cultura se reúne com secretários municipais, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: <http://www. alerj.rj.gov.br/common/noticia_corpo. asp?num=8939>. Acesso em: dezembro de 2011. 239 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 BRASIL – MEC/Ideb Apresentação. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18 0&Itemid=336 Acesso: dezembro 2011 Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho BRASIL - MEC/SEB. Programa Mais Educação. Secretarias e escolas. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=16728&Itemid=1120 Acesso: dezembro 2011 BROOKE, Nigel e SOARES, José Francisco (Org). Pesquisa em Eficácia Escolar. Belo Horizonte: UFMG, 2008. CAVALIERE, Ana Maria. “Escolas de tempo integral versus alunos em tempo integral”. Em Aberto, Brasília, Inep, v. 22, n. 80, p. 5164, 2009. CAVALIERE, Ana Maria e COELHO, Lígia Martha. “Para onde caminham os CIEPs? Uma análise após 15 anos”. Cadernos de Pesquisa. São Paulo: Autores Associados, n.119, julho/2003. COELHO, Ligia Martha. “Escola pública de horário integral: um tempo (fundamental) para o ensino fundamental”. In: Para além do fracasso escolar. Campinas, Papirus, 1997. 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CIEPs’ original goals haven’t been fully achieved, analyses point out. In fact, they have faced great difficulties since their creation. In the other side, CIEPs’ “memory” is still valued among State schools and teachers and other proposals have been using their structures in order to straighten schools daily hours with an external workforce – professionals who are not in the basis of CIEPs proposition. Keywords: Schools daily. Municipalization. Public policies. Ana Maria Cavaliere, Lígia Martha Coelho Data de recebimento: novembro 2012 Data de aceite: janeiro 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 213-242, jul. / out. 2013 242 PROFESSORES ALFABETIZADORES: O QUE DIZEM E O QUE FAZEM Sandra Cristina Oliveira da Silva1 Sheyla Cavalcante de Arruda2 Telma Ferraz Leal3 Resumo Neste artigo, discutimos os resultados de uma pesquisa que analisou as relações entre os discursos de professoras sobre suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização e as práticas de ensino. A metodologia consistiu da aplicação de um questionário a um grupo de doze professoras, realização de uma entrevista com quatro professoras, e observações de vinte aulas de duas docentes. Os resultados apontaram que havia variação de concepções das docentes sobre alfabetização, predominando, no entanto, a valorização da dimensão do letramento e não da apropriação do sistema alfabético de escrita. Quatro professoras explicitaram o foco no trabalho com unidades linguísticas menores que as palavras. Os resultados evidenciaram, ainda, que havia aproximações entre o discurso e a prática das docentes. Concluímos que a formação continuada de professores alfabetizadores precisa ser conduzida de modo a resgatar as concepções das professoras, na busca de compreendermos suas opções metodológicas. Palavras-chaves: Alfabetização. Letramento. Métodos de alfabetização. 1 Graduada em Pedagogia. [email protected] 2 Graduada em Pedagogia. [email protected] 3 Doutora em Psicologia. [email protected] Introdução Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 Este artigo, fruto de uma pesquisa de campo realizada em três cidades da Região Metropolitana do Recife (Recife, Igarassu e Paulista), expõe reflexões sobre as concepções e práticas de professoras alfabetizadoras, buscando contribuir para a discussão sobre o papel da escola no ingresso das crianças no mundo da escrita. Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição de sujeito letrado se constrói nas experiências culturais com práticas de leitura e escrita que os indivíduos têm oportunidade de viver, mesmo antes de começar sua educação formal.”. Ou seja, a escola deve proporcionar a continuidade desse processo de letramento e sua ampliação, associando-o de forma significativa à aprendizagem do sistema alfabético de escrita. Nessa concepção de alfabetização, o professor tem o papel de evitar a desarticulação entre a aprendizagem escolar da escrita e da leitura e a inserção dos estudantes em práticas sociais de uso de diferentes textos. Desse modo, o docente precisa promover situações que favoreçam a aprendizagem da base alfabética e o desenvolvimento de habilidades de produção e compreensão de textos em diferentes esferas sociais de interação. Observações assistemáticas têm mostrado que não tem sido simples fazer esta articulação. Os resultados de avaliações, a exemplo daqueles apresentados pela Prova Brasil e Provinha Brasil, têm mostrado que os estudantes brasileiros não têm atingido as expectativas de aprendizagem delimitadas nas propostas curriculares dos diferentes sistemas de ensino. Diante dessa problemática, analisamos os discursos de doze professoras sobre suas opções metodológicas relativas ao processo de alfabetização, sobretudo em relação à realização ou não de estratégias de ensino que articulem essas duas dimensões (apropriação do sistema de escrita e estratégias de compreensão e produção de textos para atender a diferentes finalidades sociais) e investigamos as práticas de duas docentes, a fim de verificar se seus discursos condiziam com as suas práticas. 244 Para iniciar as reflexões, é realizado um breve histórico sobre os métodos de alfabetização. No tópico seguinte são feitas considerações sobre a concepção de alfabetização na perspectiva do letramento. Logo após, a metodologia da pesquisa é descrita, seguida das análises dos resultados, organizadas em três tópicos. No primeiro, os questionários aplicados a doze docentes são objeto de atenção, buscandose identificar quais métodos de alfabetização ou abordagens teóricas são assumidos pelas docentes como subjacentes às suas práticas. No segundo tópico de resultados, as entrevistas de quatro docentes são apresentadas, objetivando-se reconhecer quais concepções as profissionais explicitam ao falarem sobre alfabetização. Depois, são expostos os dados de observações de aula de duas professoras, relacionando tais dados aos relativos às concepções evidenciadas nas entrevistas. Por fim, as considerações finais são apresentadas. Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem Métodos de alfabetização: um breve histórico. Diferentes métodos foram adotados para alfabetizar crianças, jovens e adultos ao longo da história. Esses métodos têm sido classificados em três tipos: os métodos sintéticos, os métodos analíticos e os sintético-analíticos, cada um com suas características próprias. Os métodos sintéticos tiveram seu auge até meados do século XVIII e consistem em partir dos elementos da língua “mais simples”, ou seja, letras, fonemas, sílabas para, a partir da aprendizagem dessas unidades, apresentarem as palavras, frases e textos compostos por esses elementos. Sobre esse assunto, Galvão e Leal salientam que Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do pressuposto de que a aprendizagem é mais fácil quando se parte das unidades mais elementares e simples (em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar unidades inteiras e significativas (2005, p. 18). 245 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 Abordando o mesmo tema, Barbosa afirma que Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal A instrução procede do simples para o complexo, racionalmente estabelecidos: num processo cumulativo, a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto completo. Estabelecese como regra geral que a instrução não deve avançar no processo sem que todas as dificuldades da fase precedente estejam dominadas (1994, p. 47). Segundo Ferreiro e Teberosky, os métodos sintéticos partem do seguinte pressuposto Na aprendizagem, está em primeiro lugar a mecânica da leitura (decifrado o texto) que, posteriormente, dará lugar à leitura “inteligente” (compreensão do texto lido), culminando com uma leitura expressiva, onde se junta a entonação (1985, p. 19). Podemos citar como exemplos os métodos alfabéticos e os silábicos. Nesses, são realizadas atividades de repetição, em que os alunos têm de memorizar todas as letras e agrupálas, formando sílabas. Depois de conhecer um conjunto de padrões silábicos, precisam formar palavras e frases. Só posteriormente, é dada atenção aos textos que circulam nos espaços extraescolares. Dentre outros variantes dos métodos sintéticos, podem ser citados os métodos fônicos. Sobre esses métodos, Roazzi, Ferraz e Carvalho (1996, p. 3) salientam que Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras, aprendidas uma de cada vez, de acordo com seu valor fônico, como se pronunciam enquanto unidades das palavras. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 246 Em suma, como já foi dito, os métodos sintéticos seguem uma sequência delimitada por etapas fixas em que o trabalho com as unidades menores da língua (letras, fonemas, sílabas, palavras) precede as situações de reflexão acerca das unidades maiores (textos). Textos produzidos especificamente para o processo de alfabetização, cujas finalidades e forma composicional não são comuns nos espaços extraescolares, são recorrentemente usados por profissionais que adotam tal perspectiva metodológica. Os métodos analíticos, por outro lado, vieram se estabelecer no final do século XX e tiveram grande influência da psicologia genética. Seus defensores acreditavam que as abordagens sintéticas não ofereciam um aprendizado significativo por serem mecânicas, artificiais e não funcionais. A proposta dos métodos analíticos, sobretudo os globais, é partir do todo, ou seja, das palavras, das frases e dos textos para, posteriormente, analisar os componentes dos mesmos: letras e sílabas. No entanto, também nesta abordagem é comum o uso de textos criados especificamente para o processo de alfabetização, distanciados, portanto, dos que circulam em outras esferas de interação. Os métodos analíticos trouxeram a inovação de partir das palavras, unidades maiores e que têm sentido para as crianças. No entanto, também é mecânico e monótono, pois se fundamentam, sobretudo, em atividades de memorização de palavras ou pequenos textos. Nicholas Adams foi o precursor dessa visão global da aprendizagem quando afirmou que “[...] quando se quer mostrar um casaco para uma criança, não se começa dizendo e mostrando separadamente a gola, depois os bolsos, os botões, a manga do casaco. O que se faz é mostrar o casaco e dizer para a criança: “isto é um casaco”. (citado em Barbosa, 1994, p.50). Partindo dessa mesma ideia, Decroly e Degand (1906) citam as abordagens ideovisuais. Ou seja, o processo de aquisição de leitura e escrita é primeiramente visual, partindo do concreto (frases) para o abstrato (letras e sílabas). Em contraposição aos métodos sintéticos, surgiram abordagens que propunham, desde o início da alfabetização, a presença de atividades em que os aprendizes pudessem debruçar-se sobre as unidades menores e as maiores de forma quase simultânea. As palavras eram decompostas e Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 247 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 recompostas, para provocar no aluno a tomada de consciência de que o todo se compõe das partes. Nesta perspectiva, havia uma aposta em que os estudantes deveriam ter contato com palavras e/ou pequenos textos desde o início da escolarização e, ao mesmo tempo, analisarem suas partes constituintes. Os métodos analítico-sintéticos sugerem, desse modo, que a alfabetização se dá por meio dos processos de composição / decomposição de palavras. Galvão e Leal (2005) salientam Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Entre as variações do método analítico- sintético, encontramos a Palavração. Com ele, o aluno aprende palavras e depois as separa em sílabas para com estas formar novas palavras (p. 24). Coutinho (2005) resume de maneira clara a relação entre os três métodos: “embora houvesse divergências entre os três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma técnica para a realização do deciframento.” (p. 48). Não há, nas perspectivas citadas, ênfase no processo de compreensão dos princípios do sistema alfabético de escrita, ou seja, nenhum dos três propõe um trabalho em que os estudantes precisem pensar sobre o funcionamento do sistema. Foi através dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, realizados por Emília Ferreiro e seus colaboradores, que o pensamento construtivista mudou as visões a respeito do processo de apropriação alfabética. De acordo com Mortati (2006) O construtivismo se apresenta não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonaremse as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas (p. 10). Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 248 Segundo Ferreiro (1992), a escrita pode ser vista de duas maneiras: “como uma representação da linguagem ou como um código de transcrição de unidades sonoras” (p. 10). Nos métodos citados anteriormente, a escrita é vista da segunda forma, como um código, que deve ser memorizado. Ainda de acordo com a autora, “a invenção da escrita foi um processo histórico de construção de um sistema de representação, não um processo de codificação.” (p. 12). Desse modo, para Ferreiro (1992), a criança também se apropria de um sistema de representação e não simplesmente de um código. A autora acredita que o primeiro passo para saber quais os conhecimentos que o indivíduo apresenta sobre a escrita é analisar os escritos dele, ou seja, é através dessa análise que se podem conhecer os níveis de escrita dos alunos. Ferreiro (Idem) ainda afirma que “o modo tradicional de se considerar a escrita infantil consiste em se prestar atenção apenas nos aspectos gráficos dessas produções, ignorando os aspectos construtivos.” (p. 18). A partir dos estudos de Ferreiro, as escritas e as aprendizagens das crianças foram vistas de outro ângulo, o que proporcionou um avanço bastante significativo sobre como as crianças se apropriam do sistema de escrita alfabética. Nesta perspectiva, as crianças podem, desde muito cedo, refletir sobre a “lógica” que regula a escrita alfabética, ou seja, os princípios de funcionamento do sistema de escrita. Propõe-se, desse modo, um ensino problematizador, em que os estudantes em interação com a escrita e com seus pares, possam elaborar hipóteses e entender como se dão as relações entre a pauta sonora e o registro gráfico. No entanto, outro problema pode ser apontado em relação aos métodos de alfabetização citados anteriormente (sintéticos, analíticos e analítico-sintéticos): não havia articulação entre a aprendizagem inicial da escrita e os usos sociais dessa ferramenta cultural. Os textos usados eram “artificiais”, dado que não circulavam em espaços sociais extraescolares. Foram os estudos sobre o letramento que fizeram emergir orientações didáticas acerca do trabalho com textos autênticos no processo de alfabetização, tal como discutiremos adiante. Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 249 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 A alfabetização na perspectiva do letramento Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Na década de 1980, no Brasil, ganhou grande destaque nos debates sobre educação o termo “analfabetismo funcional”, que indicava que as pessoas sabiam “ler”, porém não compreendiam; e sabiam escrever apenas textos escolares. Para combater tal fenômeno, era preciso entender que ler e escrever são práticas sociais. O termo letramento, de acordo com Soares (1999), é a versão para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que é “o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever” (p. 17). O termo letramento, no Brasil, não substitui a palavra alfabetização. Ele aparece associado a ela. Segundo Albuquerque (2005) Podemos falar ainda nos dias de hoje, de um alto índice de analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos que o sujeito que não domina a escrita alfabética, seja criança, seja adulto envolve-se em práticas de leituras e escritas através da mediação de pessoas alfabetizadas, e nessas práticas desenvolve uma série de conhecimentos sobre os gêneros que circulam na sociedade (p. 16). O sujeito está inserido num mundo letrado. Todos os dias eles têm contato com distintos textos com finalidades diferentes. Mesmo sem nunca ter ido à escola, as pessoas fazem uso da escrita e da leitura através de outras pessoas. Após o surgimento da concepção de alfabetizar na perspectiva do letramento, foram sendo introduzidos nas salas de aulas diversos gêneros textuais. No entanto, debates vêm ocorrendo até os dias atuais acerca de como abordar os gêneros nas práticas escolares. Santos e Albuquerque (2005) abordam esse assunto da seguinte forma Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 250 Sendo a escola lugar específico de ensino-aprendizagem, não é possível reproduzir dentro delas as práticas de linguagem de referência tais quais aparecem na sociedade. Ao entrar no processo de ensino, as situações de produção textual, embora remetendo às situações nas quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem na sociedade, apresentam características peculiares à situação de ensino em que estão inseridas (p. 96). Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem Tal princípio é discutido de modo aprofundado por autores como Dolz e Schneuwly (2004), que defendem que os gêneros textuais, ao serem contemplados nos currículos escolares, sofrem desdobramentos, pois deixam de ser apenas um instrumento de interação e passam a assumir também o status de objeto de ensino. Como resultado dos estudos do letramento, temse assumido que, desde o início da escolarização, é preciso inserir os estudantes em situações em que eles tenham que interagir por meio de textos autênticos, entrando em contato com os diferentes usos sociais da escrita. No entanto, muitos debates têm sido travados no tocante à necessidade, ou não, de abordar a aprendizagem do sistema alfabético de escrita por meio de atividades específicas de apropriação desse sistema. Há, no bojo desse debate, uma idéia de que a simples imersão dos estudantes em situações de leitura e produção de textos já garantiria a alfabetização. Desse modo, deparamo-nos, atualmente, no Brasil, com pelo menos três modos de encarar a alfabetização 1) Ênfase na aprendizagem do “código”, por meio de métodos silábicos ou fônicos, com pouca atenção aos processos de letramento; 2)Ênfase no letramento, por meio de atividades de leitura e produção de textos, sem atenção à aprendizagem específica do sistema de escrita, que ocorreria como decorrência do próprio letramento; 3) Ênfase simultânea à aprendizagem do sistema de escrita, por meio de atividades de reflexão sobre o funcionamento da base alfabética, e à inserção dos estudantes nas práticas de letramento. Nesta pesquisa, um dos objetivos era, como apresentado anteriormente, identificar se tais concepções são encontradas entre docentes da Educação Básica e quais as relações entre 251 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 as concepções explicitadas pelas docentes e suas práticas de ensino. Apresentaremos, a seguir, a metodologia usada para tal investigação. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Metodologia de pesquisa Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 252 A pesquisa foi realizada através de trabalho de campo em escolas municipais da cidade do Recife e da Região Metropolitana (Igarassu e Paulista). Participaram da primeira fase da pesquisa 12 professoras alfabetizadoras, com idades entre 25 e 49 anos, com formações distintas: uma delas tinha concluído o Magistério; quatro estavam cursando Pedagogia; duas já eram graduadas em Pedagogia; duas eram graduadas em Letras; duas eram graduadas em História; e, por fim, uma graduada em Filosofia. O tempo que lecionavam variava de 2 a 28 anos e o tempo que lecionavam nos anos 1 e 2 do Ensino Fundamental variou entre 1 e 13 anos. Das doze professoras pesquisadas, onze afirmaram participar de formações continuadas. Três etapas foram seguidas nesta investigação. A primeira etapa consistiu na aplicação de um questionário às professoras, que nos deu suporte para a análise das opções metodológicas das docentes pesquisadas acerca da alfabetização e para a caracterização do grupo investigado. A análise do questionário foi realizada em duas fases: a exploração geral das respostas, para a construção das categorias e a releitura das respostas para aprofundamento das análises, considerando as categorias criadas. Com base na leitura minuciosa, foi realizada a montagem de um quadro com as respostas das docentes que nos ajudou, posteriormente, a realizar as análises. Sobre as vantagens do questionário, Gressler diz: “provavelmente a maior vantagem do questionário é a sua versatilidade. A maior parte dos problemas que exigem anonimato pode ser pesquisada por meio de questionário, uma vez que o mesmo assegura maior liberdade em expressar opiniões.” (1979, p. 55). Baseando-se nas análises dos questionários, foram escolhidas quatro professoras para participar da etapa seguinte da pesquisa. O critério de seleção foi a necessidade de contemplar professoras que explicitassem diferentes opções metodológicas de alfabetização. Assim, as professoras escolhidas tinham as seguintes características: Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem • Professora 1: disse que adotava a perspectiva do letramento e quando questionada sobre como alfabetizava seus alunos, só listou atividades de leitura e escrita de textos. • Professora 2: afirmou que o melhor era o construtivismo e que ela o adotava. Citou atividades com textos e com unidades linguísticas menores (palavras e letras), mas com pouca diversidade. • Professora 3: disse que os métodos tradicionais eram os melhores, mas utilizava um pouco de cada; indicou atividades variadas. • Professora 4: afirmou que o melhor método era o socioconstrutivismo, mas adotava um pouco de cada; listou atividades com textos e com palavras, evidenciando uma prática diversificada. Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista com as quatro professoras citadas, para que elas pudessem detalhar melhor suas formas de condução do trabalho docente, para, então, aprofundarmos as análises das concepções de alfabetização delas e entendermos melhor as suas práticas. A entrevista é um instrumento que nos abre um enorme leque sobre o tema pesquisado, pois, diferentemente do questionário, em que os indivíduos organizam suas ideias para responder de forma escrita, na entrevista, as docentes estavam em situação de conversa face-a-face, fato que ajudou a aprofundar suas respostas. Segundo Gressler (1979, p. 61), na entrevista “o entrevistador tem condições de aclarar as questões e encorajar o investigado a fornecer informações mais completas e de observar o que o entrevistado diz e como diz: gestos, expressões faciais, alterações da voz etc.”. 253 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 Na terceira etapa, foram escolhidas duas professoras dentre as quatro que demonstraram concepções diversas sobre alfabetização. As professoras escolhidas foram as que demonstraram opiniões distintas sobre alfabetização. Escolhemos a professora 3, que dizia adotar métodos tradicionais, e a professora 4, por ela ter defendido o socioconstrutivismo. Foram realizadas dez observações de aulas de cada professora. O período foi de três meses, contando, em média, com intervalos de sete dias entre as observações. Assim como nas entrevistas, as aulas foram gravadas. Após as observações, foram feitos relatórios dessas aulas, onde estavam disponíveis informações sobre as atividades realizadas. De acordo com Marconi e Lakatos (2007, p. 193), a observação “permite a evidência de dados não constantes do roteiro de entrevista ou de questionários.” Tal procedimento nos mostrou a prática das docentes pesquisadas de forma mais direta, além de nos permitir conhecer as atividades realizadas e as contribuições que as mesmas podiam dar no processo de alfabetização das crianças. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Resultados Com os resultados obtidos nos questionários, nas entrevistas e nas observações, pudemos responder algumas indagações feitas no início do nosso trabalho, as quais serão apresentadas nos tópicos a seguir. As professoras adotam algum método alfabetização? Qual (quais) método(s) diziam adotar? de Diante das respostas apresentadas pelas docentes no questionário, pudemos categorizá-las em 2 grupos: Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 254 • Grupo 1: professoras que disseram adotar um método específico. • Grupo 2: professoras que disseram usar um pouco de cada método. No grupo 1, foram classificadas cinco professoras que disseram adotar um método específico. As cinco citaram abordagens de base interacionista. Três dessas professoras disseram que usavam o “método do letramento” e duas delas, o “construtivismo”. Como sabemos, nem o letramento e nem o construtivismo são propostas metodológicas. No entanto, podemos entender que as docentes identificavam tais abordagens como métodos por conceberem que há determinados princípios didáticos articulados aos pressupostos do construtivismo e às orientações dadas por autores que discutem sobre o letramento. Diferenças entre essas docentes foram observadas em relação aos tipos de atividades citados para alfabetizar. As três professoras que disseram usar o “letramento” afirmaram que faziam atividades centradas em textos (leitura e escrita de diferentes gêneros textuais). Uma das professoras acrescentou também a atividade de ditado, mas o foco principal dela era o texto. Tal opção decorre de uma posição sobre alfabetização de que é suficiente proporcionar o contato dos alunos com os textos que eles passam a escrever com autonomia. No entanto, como discutimos anteriormente, tal idéia é oposta ao que defendem autores como Morais e Albuquerque (2005), que mostram evidências de que para que os estudantes dominem o sistema de escrita é importante promover atividades em que eles tenham que pensar sobre o funcionamento da base alfabética. Apenas uma dessas professoras que disse usar o letramento citou também o trabalho com os nomes dos alunos, além de citar tarefas de composição e decomposição de palavras e identificação de semelhanças sonoras e gráficas. Isto é, ela realizava atividades especificamente voltadas para o ensino do funcionamento da base alfabética, embora não enfatizasse tais estratégias didáticas. As duas professoras que disseram usar o construtivismo afirmaram usar alguns materiais que continham textos, mas pudemos verificar que tais materiais favoreciam reflexões sobre palavras. Uma delas falou que utilizava cartazes e cartões com palavras. Não explicou o que fazia com tais materiais, mas Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 255 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 256 usava recursos que possibilitavam análises de palavras. A outra professora também dizia utilizar textos, mas citou atividades centradas em reflexões sobre palavras ao indicar a utilização de listas. Pudemos também inferir alguma preocupação com reflexão fonológica quando a professora afirmou que utilizava muitos poemas infantis, parlendas, quadrinhas, trava-línguas, dentre outros textos que estimulam a tomada de consciência sobre semelhanças sonoras. Nenhuma das cinco docentes enfatizou atividades diversificadas de composição / decomposição de palavras, ordenação de sílabas ou letras, dentre outras que poderiam ajudar as crianças a compreender mais especificamente o funcionamento do sistema de escrita. Pudemos observar que as docentes apresentaram respostas em que havia atividades pouco diversificadas e baixíssima preocupação com as atividades centradas nas palavras. Nenhuma citou atividades problematizadoras de reflexão sobre unidades menores que as palavras, como as sílabas e letras ou fonemas. Salientamos que os teóricos do construtivismo (como Emília Ferreiro e Ana Teberosky) sugerem que é necessário fazer as crianças pensarem sobre a lógica de construção do sistema. Não há, nas propostas dessas autoras, restrição à utilização de atividades centradas nas palavras e outras unidades, como parecem supor as docentes que dizem utilizar tal perspectiva. Duas dessas professoras que disseram adotar um método específico foram escolhidas para a fase de entrevista. A professora 1, porque dizia adotar o letramento e afirmava que utilizava apenas textos para alfabetizar. A professora 2, porque dizia adotar o construtivismo e afirmava que usava, além de jornais e outros suportes para o contato com textos, listas e pequenos textos de tradição oral: poemas, trava-línguas, parlendas, dentre outros. Seis professoras disseram utilizar em sua prática docente um pouco de cada método, sendo, por isso, classificadas no grupo 2, descrito anteriormente. Apenas uma professora citou métodos sintéticos como sendo os melhores. Ela afirmou que os melhores métodos de alfabetização são Casinha Feliz e Se Liga. Os dois citados são embasados em abordagens sintéticas (métodos fônicos e silábicos). Esta professora, apesar de dizer que estes métodos são os melhores, dizia adotar um pouco de cada método. Afirmou também que trabalhava com leitura de textos em sala de aula. Na listagem dos gêneros que ela dizia adotar, foram contemplados textos de tradição oral, como parlendas, travalínguas e poemas infantis. Uma das professoras disse que o melhor método é o socioconstrutivismo, mas afirmou que misturava diferentes métodos. Na listagem das atividades citadas por ela, foram variados os tipos de reflexão acerca de diferentes unidades linguísticas: palavras, sílabas, letras... Dada esta variedade citada por ela, ela foi escolhida para participar da fase 2 da pesquisa. Das quatro professoras restantes, duas afirmaram utilizar em sua prática um pouco de cada método. As atividades citadas pelas duas docentes foram pouco diversificadas. Uma citou apenas o trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais e ditados variados. A outra citou atividades com gêneros textuais presentes na cultura popular (cantigas de rodas, músicas, quadrinhas, parlendas.) e leitura e escrita do próprio nome. As outras duas professoras afirmaram utilizar em sua prática docente os métodos tradicionais. Sendo que, uma delas dizia usar também o letramento e a outra, o construtivismo. As atividades citadas pela docente que dizia trabalhar com o letramento consistiam no trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais, ditados diversificados e atividades com lacunas. Não foram citadas atividades de análise das unidades menores das palavras. Já a professora que dizia utilizar o construtivismo citou atividades diversificadas que além de priorizar os textos, favoreciam a reflexão sobre as unidades menores das palavras. Nesta fase da pesquisa, pudemos verificar a variação de concepções das docentes, havendo, no entanto, predomínio de um discurso que valorizava mais as atividades de leitura e produção de textos e menos as atividades de apropriação do sistema alfabético de escrita, mesmo quando as professoras Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 257 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais. Escolhidas as quatro professoras, buscamos aprofundar as análises, realizando entrevistas para aprofundar as análises sobre quais eram suas concepções acerca dos métodos que diziam adotar. Trataremos disso no próximo tópico. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Quais concepções as professoras explicitaram sobre os métodos de alfabetização? Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 258 Analisando as respostas das professoras sobre os métodos que conhecem e como são eles, obtivemos os seguintes resultados: A professora 1 disse apenas conhecer o “método” baseado na perspectiva de letramento e que, de acordo com a mesma, é apenas o trabalho com textos e o contato do aluno com a leitura. “Proporcionar ao aluno o contato maior com a leitura”. As docentes 2 e 4 afirmaram conhecer o Construtivismo e o Montessori, sendo que, a professora 4 ainda citou como métodos tradicionais - o Casinha Feliz e o “Alfa e Beto” - e o método de “Paulo Freire para jovens e adultos”. Salientou que “(...) os métodos na sua maioria visam estabelecer a relação grafofônica das palavras, mas fogem da realidade cultural, social e econômica do aluno.” Nas entrevistas, elas mostraram pouco aprofundamento sobre as perspectivas metodológicas citadas. A professora 3 disse conhecer apenas métodos baseados na abordagem sintética, o Casinha Feliz, que a professora defendeu que era o melhor. Ela destacou o trabalho de fantoches com letras e fonemas; o Parabéns, conceituado por ela como sendo o trabalho com o “letramento tradicional”; e o Se Liga, que, segundo a professora, trabalha com palavra chave, família silábica e com música. Podemos concluir, então, que as quatro docentes, apesar de citarem vários métodos, entendiam muito pouco sobre eles. Elas tinham idéias vagas a respeito dos métodos de alfabetização tradicionais e tinham construído uma representação de que o letramento seria um método baseado no trabalho exclusivo com textos. As professoras 1, 2 e 4, como já foi afirmado, defendiam que o foco principal do trabalho é o texto, ou seja, a prioridade dada, segundo seus depoimentos, era a dimensão do letramento. A professora 4 salienta que: Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem (...) a escrita é uma construção conceitual de trajetória e reflexão. No letramento, não há preocupação com a questão motora, a escrita não é tratada como um código. Letrar é familiarizar o aprendiz com diversos usos sociais da leitura e escrita. Letrado é alguém que se apropriou suficientemente da escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais. Esta professora foi escolhida para participar da terceira parte da pesquisa, a observação das aulas, por defender enfaticamente o trabalho exclusivo com textos. A professora 3, como já foi dito, foi a única que defendeu os métodos sintéticos, mas, ao mesmo tempo, afirmou que contemplava tanto o trabalho com textos, quanto o trabalho com unidades menores: letras, sílabas. Por isso, escolhemos esta docente para a terceira parte da pesquisa. O discurso das professoras alfabetizadoras pesquisadas condiz com a sua prática em sala de aula? Análise das aulas observadas. A professora 3, na entrevista, dizia que “(...) eu trabalho textos diversificados, trabalho os fonemas, padrões silábicos, o alfabeto que é indispensável para que o aluno aprender a ler e a escrever.”. Isto é, mesmo sem ter domínio conceitual, demonstrava acreditar no princípio de que é necessário trabalhar com textos e com unidades menores que o texto (fonemas, sílabas...). Para essa docente, o trabalho com essas unidades menores caracterizaria os métodos que ela citou no questionário e na entrevista. A professora mostrou evidências de que acreditava que é importante enfocar o texto e outras unidades linguísticas. 259 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 Como já foi dito, a professora salientou que não utilizava apenas um método e, sim, um pouco de cada. Quando perguntada sobre o melhor método, ela afirmou: “junção do Casinha Feliz com Se Liga seria ótimo”, mas não argumentava as razões dessa junção. Na verdade, podemos levantar a hipótese que é justamente porque nestes métodos há atenção às correspondências grafofônicas, que, para ela, seria uma perspectiva tradicional, na qual ela acreditava. Observando a prática da docente 3, pudemos perceber que a mesma realizava leitura de textos quase todos os dias, no início da aula. Das dez aulas observadas, ela só não realizou a leitura em voz alta para as crianças em três. No entanto, dessas três aulas, apenas uma não envolvia o eixo leitura, que foi a aula que a professora conversou sobre o dia das crianças e propôs uma atividade de produção textual; as outras duas aulas foram iniciadas com atividades envolvendo leitura, uma para a leitura ser realizada pelas crianças em voz alta e outra para que as mesmas escolhessem um livro para ler. Vemos, assim, que ela contemplou em todas as aulas atividades envolvendo textos. Os gêneros textuais utilizados pela docente foram cantigas de roda, lendas e fábulas, contos. Confrontando o discurso e a prática da professora 3 em relação ao eixo leitura, podemos afirmar que a docente realizava o que dizia realizar. Na entrevista, ela disse que realizava leitura e o trabalho com gêneros textuais. De fato, isso pôde ser constatado. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal “com o texto, eu faço as leituras pra eles. Procuro saber deles o que eles já sabem sobre aquela... Se for uma receita ou se for uma narrativa, o que eles já sabem sobre aquilo. Procuro é... falar algumas partes assim, deixando que eles completem pra que eles tenham a oportunidade também de participar ali e de completar.” Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 260 Em relação à escrita, a professora propôs somente uma atividade de produção textual, a qual as crianças teriam de elaborar um texto sobre o dia das crianças. Não houve indicação do gênero, finalidade ou destinatário para o texto a ser escrito. Concordamos com Soares (2003) quando ela salienta que na escola pode acontecer a aprendizagem e desaprendizagem da escrita “enquanto aprende a usar a escrita com as funções que a escola atribui a ela, e que transformam em uma interlocução artificial, a criança desaprende a escrita como situação de interlocução real” (p. 73). Assim, essa professora, apesar de ter realizado atividade de elaboração textual, conduziu a atividade de modo desarticulado das práticas sociais de leitura e escrita. O eixo da apropriação do sistema alfabético também foi contemplado nas aulas observadas. No entanto, não havia diversidade de atividades e as propostas didáticas não ajudavam as crianças a problematizar o funcionamento do sistema de escrita, evidenciando a influência dos métodos sintéticos em sua prática. Na primeira aula, a professora fez a leitura de todas as letras do alfabeto, trabalhando os fonemas e a memorização dos padrões silábicos. Identificamos, também, o trabalho com ditados. Em duas aulas a professora fez um ditado mudo que foi realizado em grupo, e um ditado comum para a fixação de palavras com BR, CR, DR, FR,VR. Os escritos foram corrigidos pela docente nos dois momentos, sem haver, no entanto, nenhuma reflexão no decorrer da atividade. Comparando seu discurso com a sua prática, percebemos que havia muitas convergências. Em relação à priorização do eixo da leitura, houve aproximação entre o que ela dizia e fazia. De fato, ela priorizava tal eixo e contemplava diferentes textos nas atividades de leitura. Outra convergência pode ser salientada em relação ao eixo de apropriação da base alfabética. Ela afirmava que os melhores métodos eram os sintéticos e realmente as tarefas que levava para as crianças tinham muita semelhança com as que são utilizadas em perspectivas dessa natureza: eram atividades repetitivas e pouco problematizadoras. Vemos, portanto, que a professora usa um pouco de cada perspectiva citada por ela. Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 261 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 Da discussão sobre letramento, ela usava a prática de leitura de textos diversificados; dos métodos sintéticos, ela adotava alguns tipos de atividades recorrentes nos manuais que orientam tais práticas. Não havia, no entanto, uma adoção da alfabetização na perspectiva do letramento, pois nesta abordagem, as situações de ensino do sistema de escrita seguem uma orientação mais problematizadora, como foco na aprendizagem sobre o funcionamento do sistema de escrita de modo articulado às atividades de leitura e de produção de textos para atender a diferentes finalidades sociais. A professora 4, diferentemente da professora 3, afirmou concordar com a perspectiva de alfabetizar letrando. Salientou ainda que o melhor método de alfabetização era o “sócioconstrutivismo”, porém, dizia que em sua prática utilizava um pouco de cada método. Durante o tempo em que foi observada, a docente pareceu demonstrar aproximações entre o discurso e a prática. No questionário, a mesma informou utilizar diferentes recursos para alfabetizar seus alunos e isso foi constatado. A docente selecionava textos de distintos gêneros textuais, como parlendas, contos, receitas, bilhetes, quadrinhos, bulas, cartas, anúncios, horóscopos, entre outros. O eixo da leitura era trabalhado quase que diariamente. A docente, ao ler histórias, fazia perguntas de antecipação para atiçar a curiosidade dos alunos a respeito do texto e exibia para as crianças a capa do livro, as ilustrações... Durante a leitura, a professora fazia intervenções, a fim de estimular o interesse e a participação das mesmas e após, fazia a interpretação oral do texto. A professora trabalhava também com ordenação de textos e quebra-cabeças de frases e textos. A professora utilizava os textos, também, em atividades que estimulavam os alunos a fazer a relação grafofônica através de rimas, como foi o caso das parlendas: “Quando é que uma palavra rima com a outra? Quando elas têm o mesmo final, né gente?! Quando elas combinam. Tu, tatu. Tá vendo?”. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 262 Sobre o trabalho com gêneros, a professora salienta que: “(...) são fundamentais, é... leitura de todos os gêneros e a interpretação dos gêneros, trabalhando a estrutura de cada gênero, mostrando que, que uma carta, um bilhete, uma poesia, uma música... ela diferencia por... cada uma tem um objetivo, uma funcionalidade...” Em relação à produção de textos, no entanto, havia um afastamento de uma perspectiva do trabalho com gêneros, na medida em que não eram indicados os destinatários e as finalidades dos textos a serem produzidos e nem os suportes onde eles iriam circular. Em uma das aulas, ela produziu, juntamente com os alunos (texto coletivo), uma história a partir de uma gravura. Durante a construção, a professora pediu para que eles informassem o título que queriam dar à história, o nome dos personagens, em que local estavam e ela registrava tudo no quadro. “- O que eles estão fazendo, onde eles estão? Um é goleiro e o outro é o quê? Digam aí.” ou “- E agora, o que aconteceu?”. Como podemos perceber, o texto era um misto de descrição de imagem e narrativa. Vemos, então, que o eixo de produção de textos foi tratado de um modo bastante similar ao que era proposta em perspectivas centradas em concepções de textos como “tipos abstratos”, apartados dos gêneros que circulam socialmente. No eixo da aprendizagem da base alfabética, a professora trabalhava com análise de palavras através de atividades com caça-palavras, alfabeto móvel, ditado mudo, construção de palavras a partir de padrões silábicos, bingo de palavras, cópia de textos, produção de rimas. Ela fazia uso, por exemplo, do caça-palavras para mostrar aos alunos que em uma palavra pode conter uma ou mais palavras, além de estudar, também, a correspondência grafofônica, Assim como no discurso, a professora 4 mostrou que na prática utilizava atividades diversificadas para que as crianças avançassem na compreensão do sistema de escrita alfabética, entendendo o que ele representa. No entanto, apesar de Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 263 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 trazer para sala de aula um quantitativo considerável de gêneros, percebemos que a docente não trabalhava muito a funcionalidade dos textos estudados. Analisando o discurso e observando a prática das duas docentes pesquisadas, percebemos que há mais aproximações do que afastamentos entre os discursos proferidos pelas docentes e a prática das duas professoras, contradizendo o senso comum de que as professoras “dizem uma coisa e fazem outra”. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Considerações finais Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 264 Entender os princípios do sistema de escrita alfabética não é tarefa fácil para o aluno, assim como alfabetizar não é uma tarefa fácil para o professor. Por outro lado, aprender a ler e produzir textos não é fácil, como também não é fácil ensinar a ler e produzir textos. No entanto, o docente precisa perceber que a aprendizagem do sistema de escrita ocorre em um período delimitado, ao passo que as habilidades de ler e produzir textos desenvolve-se durante toda a vida do indivíduo. Antes mesmo de entrar na escola, os sujeitos vivem num mundo letrado, mesmo não sendo alfabetizados e após concluírem a educação básica continuam vivendo nesta sociedade e lidando com variadas situações em que os textos escritos circulam. Cabe ao professor propor, em sala de aula, atividades que ajudem o aluno a se apropriarem do sistema de escrita alfabética e entender o uso do mesmo na sociedade, para que sua prática como docente se assemelhe à maioria dos discursos proferidos por muitos professores, que é alfabetizar para formar cidadãos autônomos nas práticas de escrita e leitura no meio em que vivem. Das duas professoras, a que mais se aproximou desse modo de conceber a alfabetização foi a professora 4, que desenvolveu atividades de interpretação de textos e atividades problematizadoras de apropriação do sistema de escrita, embora no eixo de produção de textos tenha adotado uma perspectiva distanciada desse modo de conceber o ensino da língua. Essa professora, em seu discurso, explicitava a necessidade de promover situações variadas de leitura e escrita de textos, mas dizia que utilizava atividades com unidades menores, aliando diferentes “abordagens”. Na realidade, ela tinha consciência de que lançava mão de orientações didáticas advindas de diferentes perspectivas teóricas. A professora 1 também tinha essa consciência da necessidade de contemplar atividades de leitura de textos e atividades centradas em unidades menores da língua, mas as influências sobre sua prática em relação à dimensão da apropriação do sistema de escrita era de perspectivas sintéticas, as quais a professores tomava como referência para ajudar as crianças a ter autonomia no uso da escrita. Em suma, duas principais conclusões podem ser extraídas desse trabalho: Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem 1 – As professoras adotam, no cotidiano da sala de aula, perspectivas teóricas diversas, resultantes, sobretudo, da necessidade de contemplar diferentes dimensões do trabalho com a língua. Não havendo uma perspectiva teórica que auxilie as professoras a garantir a aprendizagem do sistema de escrita e ampliação das habilidades requeridas na interação por meio dos diferentes gêneros textuais, elas lançam mão de orientações advindas de diferentes modelos teóricos. 2 – Fortes relações entre o discurso e a prática foram encontradas. Mesmo quando as docentes não explicavam de modo mais claro os pressupostos teóricos das abordagens que diziam conhecer, explicitavam princípios gerais relativos às abordagens teóricas que eram orientadores de suas ações didáticas. As duas conclusões citadas acima evidenciam que, na formação continuada, é preciso atentar com cuidado ao que dizem as professoras e entender suas escolhas. Há uma mistura teórica que pode ser entendida se buscarmos compreender a complexidade da alfabetização e os limites das abordagens teóricas subjacentes às investigações desenvolvidas por 265 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268 jul. / out. 2013 pesquisadores. É possível enfocar as diferentes dimensões da alfabetização sem preconceitos, buscando apreender que conhecimentos diversos precisam ser apropriados pelos estudantes e os professores precisam lançar mão das ajudas disponíveis para isso. Por outro lado, os resultados da pesquisa mostram que é possível, e necessário, promover situações de teorização da prática, pois as próprias docentes buscam articular os princípios que explicitam às suas opções metodológicas. A formação continuada pode ajudar os professores a realizarem escolhas mais conscientes e responsáveis. Não nos pareceu que as professoras simplesmente repetissem atividades, pois havia uma coerência interna nas escolhas metodológicas. É preciso colocar em evidência suas justificativas para as escolhas cotidianas, favorecendo que reflexões teóricas aprofundadas ampliem seus horizontes profissionais. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal Referências ALBUQUERQUE, E. B. C. Conceituando alfabetização e letramento. In: SANTOS, C. F. E MENDONÇA, M. (Orgs.) Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Horizonte: Autêntica. 2005. BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez; Coleção Magistério. 2º grau. Série formação do professor: v.16, 2ª ed , 1994. BRASIL. Distribuição de alunos por níveis de acordo com a proficiência em Português (4ª série do EF) – urbanas sem federais 1995 - 2005. Disponível em:<http://provabrasil2009.inep.gov.br>. Acesso em: 18 de Abril de 2010. COUTINHO, M. L. Psicogênese da Língua Escrita: O que é? Como intervir em cada uma das hipóteses? Uma conversa entre professores. In: MORAIS, A. G.; ALBUQUERQUE, B. C. E LEAL, T. F. (Orgs.) Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte: Autêntica. 2005. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 266 DECROLY, O.; DEGAND, J. Quelques considérations sur la psychologie et la pédagogie de la lecture. Revue Scientifique, 10, 290-299, 1906. Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem FERREIRO, E. Reflexões sobre Alfabetização. São Paulo: Cortez; Autores associados 20ª ed. Coleção Polêmicas do Nosso Tempo. 1992. FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Arte Médicas, 1985. GALVÃO, A.; LEAL, T. F. Há lugar ainda para métodos de alfabetização? Conversa com professores (as), In: MORAIS, A. G.; ALBUQUERQUE, B. C. E LEAL, T. F. (Orgs.) Alfabetização: apropriação do sistema de escrita alfabética. Belo Horizonte: Autêntica. 2005. GRESSLER, L. A. Pesquisa educacional: importância, modelos, validade, variáveis, hipóteses, amostragem, instrumentos. São Paulo. Loyola. 1979. MARCONI, M. 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Gêneros orais e escritos na escola. Trad. Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas – SP: Mercado de Letras, 2004. Sandra Cristina Oliveira da Silva, Sheyla Cavalcante de Arruda, Telma Ferraz Leal SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto. 2003 SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. ALPHABETIZER TEACHERS: WHAT THEY SAY AND WHAT THEY DO Abstract In this article we have discussed the results of a research that analyzed the relations between the teachers’ discourse about methodological options related to the alphabetization process and the teaching practices. The methodology consisted of a questionnaire application to a twelve teacher group, the making of interviews with four teachers, and the observation of twenty classes from two docents. The results have showed that there was variation on the teachers’ concept of alphabetization, predominating, nevertheless, not the valorization of written alphabetic system but the literacy dimension. Four teachers have highlighted the work with linguistic units smaller than words. The results have made still it clear that there have been approximations between docents’ discourse and practice. We have concluded that the continuous formation of alphabetizer teachers needs to be conducted in a way that we can take into account teachers’ conceptions in order of understanding their methodological options. Keywords: Alphabetization. Literacy. Methods of alphabetization. Data de recebimento: janeiro 2013 Data de aceite: abril 2013 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 243-268, jul. / out. 2013 268 Resenha Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação. MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy Alves (Orgs.). Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012. Gabriela Silveira Meireles1 O livro Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação nos traz uma nova visão a respeito dos caminhos de pesquisas realizados em educação. Percebendo-os para além da fixidez aparentemente relacionada ao delineamento de uma pesquisa, o livro nos convida a transformar nossos modos de pesquisar em processos criativos individuais, a partir dos quais podemos nos posicionar, nos constituir enquanto pesquisadores e pesquisadoras. Ampliar nossos modos de ver, insistir na tarefa de desconstruir e reconhecer nossa capacidade de inventar. Eis a potência destes escritos sobre a arte de pesquisar! Este livro nos conduz a alguns lugares. O primeiro se refere à falta de um destino único e certo para se chegar. Entrar e sair do barco quando bem entendermos consiste em percebermos a riqueza das nossas escolhas ao caminharmos, ao pesquisarmos. O segundo benefício talvez seja nos apropriarmos da lógica do movimento; ainda que parado, o barco aguarda por um novo movimento e segue navegando. Neste caso, o destino é o que menos importa. Mais valem as escolhas do caminho. O terceiro consiste em colocarmos para dentro do barco aquelas mercadorias/ ferramentas que pretendemos utilizar durante a viagem e também desprezarmos outras mercadorias/ ferramentas, caso sintamos a necessidade de não mais as utilizarmos naquele instante. Pesquisar assim, como nos mostra o livro, é assumir os riscos, os imprevistos e os custos de uma viagem. É mergulhar num oceano, imergir, 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. [email protected] Resenha Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 272 afundar, naufragar, para também deixar surgir, emergir, sair dele renovado, transformado. É neste clima que apresento os dois grupos de pesquisa a partir dos quais as pesquisas aqui descritas se produziram. Aqui me refiro ao GECC – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas –, coordenado pela Professora Doutora Marlucy Alvez Paraíso – e ao GEERGE – Grupo de Pesquisa em Educação e Relações de Gênero, coordenado pela Professora Doutora Dagmar Estermann Meyer. Sobre as pesquisas que irei aqui descrever, cabe aqui ressaltar a nãoreferência a um único método ou modo de navegar. Dentro da perspectiva pós-crítica, acredita-se que “a metodologia deve ser construída no processo de investigação e de acordo com as necessidades colocadas pelo objeto de pesquisa e pelas perguntas formuladas” (MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 15). No capítulo 1, intitulado Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação e currículo: trajetórias, pressupostos, procedimentos e estratégias analíticas, Paraíso (2012) explicita as teorias que orientam o seu modo de navegar/ pesquisar, denominando-as de teorias pós-críticas, cuja tarefa principal consiste em inventar e ressignificar as questões até então propostas. O pressuposto geral assumido pela autora é a de que é possível “pesquisar em educação sem um método previamente definido a seguir” (PARAÍSO, 2012, p. 25). A partir desse pressuposto, a autora narra algumas das premissas que definem o modo como ela e outros/ outras pesquisadores/ pesquisadoras desta vertente teórica conduzem suas investigações. Premissas que vão desde o estabelecimento de algumas mudanças nas formas de vermos, ouvirmos, sentirmos, fazermos e dizermos o mundo, passando pela ampliação das categorias de análise, que passaram a englobar questões de gênero, raça, etnia, idade, cultura, regionalidade, etc, até a insistência na diferença e na multiplicidade em detrimento da identidade e da diversidade. Paraíso (2012, p. 33-41) se arrisca ainda a construir alguns trajetos e procedimentos, traduzidos em 10 itens: 1) Articular e ‘bricolar’!; 2) Ler!; 3) Montar, desmontar e remontar o já dito!; 4) Compor, decompor e recompor; 5) Perguntar, interrogar!; 6) Descrever!; 7) Analisar as relações de poder!; 8) Multiplicar!; 9) Poetizar!; 10) Estar à espreita!. No segundo capítulo, denominado Abordagens pósestruturalistas de pesquisa na interface educação, saúde e gênero: perspectiva metodológica, Meyer (2012, p. 48) apresentanos alguns alertas para a leitura deste livro e também deste capítulo, dentre eles o “pressuposto de que teoria e método são indissociáveis e de que nossas opções metodológicas precisam fazer sentido dentro do referencial teórico no qual as inscrevemos”. Nele Meyer (2012, p. 49) expõe que “têm privilegiado o exame de processos educativo-assistenciais e de artefatos culturais que se vinculam a, repercutem em, ou se desdobram dessas políticas e ações”. Ao delimitar um campo teórico e político aos quais o modo de pesquisar está relacionado, a autora anuncia “determinadas possibilidades de elaborar perguntas e objetos de pesquisa, planejar a investigação, movimentar-se no processo de sua implementação, operar sobre o material empírico que nele produzimos e compor o texto que resulta da análise que dele fazemos” (MEYER, 2012, p. 49). A autora apresenta ainda algumas dicas metodológicas importantes, tais como: duvidar do instituído; abrir mão de sentidos e conceitos homogêneos e fixos; assumir enfoques teóricos que estimulam a desnaturalização e a problematização das coisas que aprendemos; abrir mão da preocupação de localizar relações de causa e efeito, origens e processos de evolução; tomar o exame do poder como elemento central dos textos sob análise; relacionar condições de emergência das posições de sujeito e/ ou objetos estudados; estranhar o que é aceito como normal, desnaturalizando-o. O capítulo 3, intitulado O uso da etnografia pós-moderna para a investigação de políticas públicas de inclusão social, aborda o uso do método etnográfico no estudo de políticas públicas de inclusão social por dois autores em suas pesquisas. A primeira, realizada por Carin Klein, se define pela realização do que ela denomina de “trabalho de campo”, o qual foi Resenha 273 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 Resenha Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 274 delineado a partir do cruzamento de informações de diferentes fontes – documentos oficiais, atividades do PIM (serviço de orientação às famílias), entrevistas com técnicos/as, visitadoras e mulheres-mães participantes. A segunda, realizada por José Damico, apresenta as “fontes de pesquisa” por ele utilizadas – documentos oficiais, panfletos de divulgação, narrativas literárias, musicais e fílmicas, anotações das recordações de campo, transcrições de grupos de discussão e entrevistas. Um aspecto a ser destacado, refere-se à apropriação pelos autores de termos próprios da metodologia etnográfica, tais como: observação participante, diário de campo, entrevistas. Cabe observarmos ainda que a estes procedimentos se acrescentam outros, como: o grupo de discussão e as narrativas literárias, musicais e fílmicas. Estaria aí a justificativa para a nomeação desse modo de navegar – “etnografia pós-moderna”? Seria possível então agregar procedimentos distintos e criar para isso um novo nome? Ou, como diriam os próprios autores deste capítulo, seria a “polifonia” uma marca característica de um estilo de escrita pós-moderna? Seria a escrita pós-moderna um “processo interativo” por excelência, em suas diversas dimensões? Esta interação poderia ser estendida às várias metodologias existentes? Haveria como misturar, integrar diferentes metodologias/ modos de navegar em uma mesma navegação? No capítulo 4, denominado “‘Etnografia de tela’: uma aposta metodológica”, as autoras partem da ideia de um percurso teórico-metodológico com um desenho bastante peculiar, já que trabalham com “imagens em movimento” – TV e cinema como telas a serem etnografadas. Apontamno assim como um “recurso metodológico” que se articula aos estudos de gênero e sexualidade numa perspectiva pósestruturalista. O termo “etnografia de tela” foi tomado de Rial (apud BALESTRIN; SOARES, 2012, p. 89), definido como “uma metodologia que transporta para o estudo do texto da mídia procedimentos próprios da pesquisa antropológica, como a longa imersão do pesquisador no campo, a observação sistemática, registro em caderno de campo etc”. Diante disso, proponho algumas problematizações: Que aproximações e distanciamentos existem/ surgem entre a perspectiva pós-estruturalista e os estudos da antropologia? Para nos apropriarmos ou fazermos uso de alguns dos procedimentos desenvolvidos pela etnografia precisamos também incorporar/ trabalhar/ operar com os conceitos teóricos que subsistem a essa metodologia? Mais especificamente, seria possível uma “longa imersão do pesquisador no campo” em se tratando de análises fílmicas, por exemplo? Para isso seria necessário se relacionar com o/a diretor/a, produtor/a, roteirista do filme no ato da construção do enredo do filme? Bastaria participar do momento da encenação do filme? Em que consistiria uma observação sistemática de uma tela ou imagem em movimento? Seria assistir várias vezes à mesma imagem e capturar dela os mínimos detalhes? Em que consistiria o registro em caderno de campo nessas pesquisas? O que deveria ser anotado? Não seria a própria imagem uma forma de registro? Como captar as constantes alterações feitas pela própria tela? Por fim, as autoras sinalizam que “o caminho aqui trilhado pode inspirar outras leituras e, em sabe, novas apostas metodológicas” (BALESTRIN; SOARES, 2012, p. 107). O capítulo 5, intitulado Etnografia + netnografia + análise do discurso: articulações metodológicas para pesquisar em Educação, discute as composições metodológicas ao analisar o processo de produção das subjetividades juvenis na contemporaneidade a partir da interação com a cibercultura e o ciberespaço. O foco de sua pesquisa foi a análise da interface entre o discurso do Orkut (site de relacionamentos) e do currículo de uma escola pública de ensino médio. A autora apresenta como base de seu referencial teórico os estudos foucaultianos e demais autores pós-estruturalistas. No entanto, também traz em seu texto citações de autores da antropologia, ligados à etnografia. Diante disso me pergunto: Que bases epistemológicas apresentam tais teorias? Será que podemos relacioná-las sem fazer possíveis distinções? A Resenha 275 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 Resenha Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 276 autora trata ainda de alguns procedimentos relacionados à sua pesquisa, como as entrevistas no ciberespaço e a observação no ciberespaço, caracterizando-os como “netnografia”. Segundo Pinto apud Sales (2012, p. 116), “a netnografia utiliza os conceitos da etnografia de modo (re-) significado, aplicados o universo ciberespacial para a análise da cibercultura”. No capítulo 6, denominado Entrevistas on-line ou algumas pistas de como utilizar bate-papos virtuais em pesquisas na educação e na saúde, Félix (2012, p. 133) nos fala sobre os desafios da utilização da internet no âmbito das pesquisas e destaca algumas questões éticas específicas, tendo como objetivo principal “discutir como as ferramentas de comunicação instantânea podem ser úteis para a produção de material empírico de pesquisa com jovens”. Para este trabalho, foram realizadas entrevistas (bate-papos) por meio de uma ferramenta de comunicação instantânea – o MSN ou Menssenger e Gtalk enquanto “estratégia metodológica” para conversar com jovens que vivem com HIV/AIDS. A técnica da entrevista on-line, segundo Flick apud Félix (2012, p. 135), “é uma forma de adaptação das entrevistas convencionais para a internet”. A partir das entrevistas, a pesquisadora conta que foi levada a questionar suas incertezas, suspeitar e tensionar seus conhecimentos e saberes em relação aos jovens +. O capítulo 7, nomeado Afinidades e afinações pós-críticas em torno de currículos e de gosto duvidoso, narra, no formato de uma carta ao leitor, da produção de currículos nas músicas. Mais especificamente, o interesse do autor consistiu em perceber o que efetivamente se ensina nas músicas de forró eletrônico. Maknamara (2012, p. 159) assume, então, o desafio de “investigar e mapear as novas linguagens por ele disponibilizadas para falar dos e para os sujeitos”. Escreve ainda sobre algumas decisões metodológicas e os procedimentos adotados em sua pesquisa. O capítulo 8, denominado A entrevista narrativa ressignificada nas pesquisas educacionais pós-estruturalistas, tem como objetivo “apresentar a entrevista narrativa como uma possibilidade de pesquisa ressignificada no campo de pesquisa pós-estruturalista em uma perspectiva etnográfica” (ANDRADE, 2012, p. 173). De imediato, já podemos nos indagar sobre a frase acima: O que seria um campo de pesquisa pós-estruturalista? E uma perspectiva etnográfica? Como ambos se relacionam? O texto trata dos estudos de gênero e investiga as relações entre juventudes e escolarização. Andrade (2012, p. 192) considerou as observações “como narrativas, como modos de dizer sobre si e sobre o/a outro/a; ou seja, não foram entrevistas simplesmente, foram entrevistas narrativas”. Com isso, a autora diz ter aprendido a ouvir o silêncio e suportá-lo, a lidar com o inesperado. No capítulo 9, intitulado Grupo focal na pesquisa em educação: passo a passo teórico-metodológico, Dal`igna (2012, p. 196) inicia afirmando que “para pesquisar, é necessário aprender a andar, dar os primeiros passos. Um bom jeito de começar é seguir os passos de outros, mais experientes, e imitá-los para aprender com o – e a partir do – que foi realizado”. Neste texto, a autora apresenta o passo a passo teórico-metodológico de sua pesquisa de doutorado, onde descreve e problematiza a relação família-escola. Ela afirma ter desenvolvido um “trabalho de campo” utilizando dois procedimentos metodológicos: o grupo focal e a entrevista. Em seguida, destaca alguns princípios teórico-metodológicos da investigação e descreve a escolha dos seus método(s) de pesquisa. O capítulo 10, denominado Nos rastros de uma bruxa, compondo metodologias alquimistas, Cardoso (2012, p. 219) recorre aos feitios alquimistas de uma bruxa para “pensar modos pelos quais se pode compor metodologias sem os excessos de rigidez e de recomendações que, tradicionalmente, têm permeado a ciência moderna”. Ao propor uma metodologia alquimista, a autora afirma ter analisado um currículo, argumentando que “é possível articular elementos da etnografia pós-moderna com a análise de discurso foucaultiana e compor uma metodologia que atende aos pressupostos pós- Resenha 277 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 críticos” (CARDOSO, 2012, p. 219-220). Para isso, analisa a produção do sujeito Homo experimentalis em um currículo de aulas experimentais de Ciências de uma escola pública de Belo Horizonte. Por fim, ela afirma que “a metodologia alquimista gosta do não método, da mistura, da magia, da possibilidade, do proibido, do risco” (CARDOSO, 2012, p. 237). O que seria então esta escolha por um “não método”? Seria a ausência de métodos? Seria o que a autora chama de “mistura”? E essa “mistura”, seria a mistura de quaisquer métodos? Não haveria aí uma desvalorização do dos modos de se fazer pesquisa? No capítulo 11, intitulado O uso da metodologia queer em pesquisa no campo do currículo, Reis (2012, p. 243) conceitua a metodologia queer e escreve sobre os modos de fazer pesquisa pensados a partir dessa teoria, tendo como tarefa “explicitar os modos pelos quais alguns corpos são produzidos”. A autora define a metodologia queer como “aquela que se utiliza de ‘diferentes métodos para coletar e produzir informações [e] rejeita a exigência acadêmica de uma coerência entre as disciplinas’”. Novamente aqui me parece que o problema não é a utilização de diferentes métodos para se obter informações durante a pesquisa, mas talvez sim a ausência de preocupações com o mínimo de coerência; não entre as disciplinas, mas entre as diferenças teóricas e conceituais de duas ou mais abordagens metodológicas. Será que podemos realmente misturar qualquer coisa/ qualquer metodologia? O capítulo 12, denominado O uso das imagens como recurso metodológico, analisa os discursos e as imagens de corpos grávidos veiculadas na revista Pais e Filhos, inspirado nas abordagens teórico-metodológicas dos estudos culturais e dos estudos feministas. Partindo do entendimento de que as imagens formam e informam, a autora reconhece “as imagens como um texto discursivo e enunciativo, visível, que também conta a nossa história contemporânea” (SCHWENGBER, 2012, p. 265). Desse modo, a autora passa a compreender “a maternidade sob uma perspectiva educativa” (p. 275). Resenha Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 278 No capítulo 13, intiltulado Mapas, dança, desenhos: a cartografia como método de pesquisa em Educação, o autor destaca a necessidade de “irrigar a pesquisa em educação com virtualidades desconhecidas para que o já conhecido não vire uma camisa de força, para se criarem muitos modos de pesquisar em educação” (OLIVEIRA, 2012, p. 280). Ao desenvolver sua pesquisa, ele se propôs a “investigar as potencialidades e virtualidades contidas na equação Currículo + Teatro + Artaud”. Investigou os espaços institucionais privilegiados de produção de imagens de pensamento de currículo, de teatro e do próprio Artaud. Utilizando a Filosofia da Diferença de Gilles Deleuze, Oliveira (2012, p. 280) trata “a cartografia como método de pesquisa em educação e poder”. Para o autor, a cartografia desterritorializa, “converte o método em problema, torna-se metodologicamente inventiva” (OLVIEIRA, 2012, p. 282). Inspirada por estes textos, destaco aqui a necessidade de buscarmos construir modos próprios de pesquisar. Isso não significa abandonar as metodologias já existentes, nem inventar modos completamente diferentes de pesquisar simplesmente para romper com elas. Trata-se sim, ao meu ver, de saber fazer os cruzamentos, as misturas, as reinvenções necessárias em cada uma dessas metodologias. Parece-me que é isto que propõem as metodologias pós-críticas: a criação de um percurso metodológico que atenda às peculiaridades de cada pesquisa, de acordo com o objeto de estudo escolhido. O/a pesquisador/a deixa de ser então aquele que destrincha um objeto, revelando sua essência e passa a ser aquele/a que descreve de que forma ele foi construídos e seus modos de funcionamento. Isto ocorre porque, como nos mostra Traversini (na contracapa do livro), “aprendemos com as metodologias pós-críticas que pesquisar é fazer política, é lutar interessadamente para que as formas de viver na contemporaneidade não sejam reduzidas, e sim amplificadas”. Resenha 279 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 271-279, jul. / out. 2013 Autores Ana Mae Barbosa Nasceu no Rio de Janeiro. Foi educada no Recife. Fez Mestrado e Doutorado nos Estados Unidos. É Professora Titular da USP e da Anhembi Morumbi. Ensinou nos USA, na Universidade de Yale e na The Ohio State University. Tem artigos publicados em livros e revista de várias nacionalidades. Tem 21 livros publicados, sendo os mais recentes: Abordagem Triangular no ensino das Artes e Culturas Visuais (org com Fernanda P. da Cunha, 2010); A imagem no Ensino da arte (2009); Interterritorialidade (org com Lílian Amaral, 2008); Ensino da Arte: memória e história (2008); Arte/Educação Contemporânea (2005); O pósmodernismo (org. com Jacó Guinsburg, 2005); John Dewey e o Ensino da Arte no Brasil ( 2001); Tópicos Utópicos (1998), etc. Foi presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e da INSEA/UNESCO. Dirigiu o Museu de Arte Contemporânea da USP (86-93). Recebeu o Prêmio Internacional Sir Herbert Read (1999) e a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Cientifico do Brasil (2005) entre outros prêmios. Roberto Carvalho de Magalhães Nascido em São Paulo em 1958, depois de cursar a Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo, Roberto Carvalho de Magalhães estudou Crítica de Arte, Filosofia da Arte, Historiografia Artística, Teoria da Conservação e da Restauração e Museologia com Carlo Ludovico Ragghianti (1910-1987), em Florença, onde reside desde 1984. De 1988 até hoje, exerce a atividade de pesquisador e docente de História da Arte e Museologia na Università Internazionale dell’Arte de Florença (Itália). Trabalhou como crítico do jornal La Nazione (Florença) e como consultor, para a história da arte, da editora McRae Books. Autor de livros e ensaios de história da arte e museologia em várias línguas, colabora com Critica d’Arte desde 1988. Recentemente, no Brasil, fez a curadoria da exposição, e do relativo catálogo, A Arte do Mito (Museu de Arte de São Paulo, 2007) e a co-curadoria da exposição Virtude e Aparência: a caminho do moderno (Museu de Arte de São Paulo, 2008). Aida Sánchez de Serdio Martín Aida Sánchez de Serdio es profesora de la unidad de Pedagogías Culturales en la Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Barcelona (España) donde coordina el master “Artes visuales y educación: un enfoque construccionista”. Sus ámbitos de investigación son la educación, las prácticas artísticas colaborativas y las políticas culturales, temas sobre los que ha publicado diversos artículos. Ha colaborado en la organización de diversas jornadas sobre museos y educación (“Pràctiques Dialògiques” 2007 y 2009, Museu Es Baluard de Palma de Mallorca; “El complejo educativo: (des)encuentros entre políticas culturales y pedagogías” 2011, La Virreina Centre de la Imatge de Barcelona). Es miembro de la Red de Profesionales en Educación en Museos y Centros de Arte. Fernando Herraiz García Fernando Herraiz García es profesor dentro de la Unidad de Pedagogías Culturales en la Facultad de Bellas Artes (Universidad de Barcelona) impartiendo asignaturas como: Pedagogía del Arte, y Antropología y Sociología del Arte. Su trabajo de tesis doctoral abordaba los Estudios de las Masculinidades como campo de investigación haciendo especial hincapié en los aprendizajes de género y sexo en el ámbito escolar. En la actualidad, forma parte del grupo de investigación Esbrina y el grupo de innovación docente Indaga-t vinculados a la Universidad de Barcelona donde desarrolla su trabajo reflexionando sobre relaciones pedagógicas emergentes en diferentes contextos educativos. Anderson Ferrari Professor adjunto da faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz Fora (UFJF) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. Pós-doutor em Cultura Visual e Educação pela Universidade de Barcelona e Doutor em Educação pela UNICAMP. Roney Polato de Castro Licenciado em Ciências Biológicas, Mestre e Doutorando em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz Fora (UFJF). Professor Assistente da Faculdade de Educação da UFJF. Ana Maria Mauad Ana Maria Mauad, doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense, com pós-doutorado no Museu Paulista da USP. Atualmente é professora do Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF, desde 1992 e do CNPq desde 1996. Dedica-se ao ensino de teoria e metodologia da história. É autora do livro Poses e Flagrantes: estudos sobre história e fotografias (Eduff, no prelo), e de vários artigos e capítulos de livros sobre temas ligados à História da cultura, cultura visual e História da Imagem, especialmente fotografia. Josep María Caparrós-Lera 282 Doctor en Filosofía y Letras (1980) y profesor de la Universitat de Barcelona (UB) desde 1982, es catedrático de Historia Contemporánea y Cine en la misma UB, además de Director del Centre d’Investigacions Film-Història. Editor de la revista Filmhistoria desde 1991, es miembro de la Academia de las Artes y las Ciencias Cinematográficas de España y de la Academia del Cinema Català. Antiguo crítico cinematográfico y autor de más de 40 libros especializados, fue vicepresidente de la International Association for Media and History (IAMHIST, Oxford) desde 1987 a 1993. El año 2007, el Círculo de Escritores Cinematográficos (CEC, Madrid) le otorgó la Medalla a la Mejor labor literaria y periodística por toda su trayectoria profesional. Cristina Souza da Rosa Cristina Souza da Rosa é formada em história pela Universidade do Estado de Santa Catarina. Mestre em história social pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutora em história social pela UFF. Atualmente é pesquisadora do centre d’investigaciòn Film-história, pertencente à Universidade de Barcelona. Autora de diversos artigos relacionados ao tema cinema e história. Ana Maria Cavaliere Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi- UNIRIO) e coordenadora do Grupo de Estudos dos Sistemas Educacionais (Gesed-UFRJ). Lígia Martha Coelho Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Coordenadora do Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi-UNIRIO). Sandra Cristina Oliveira da Silva Sandra Cristina Oliveira da Silva é graduada em Pedagogia e mestranda em educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua como professora do Ensino Fundamental I na rede pública da cidade do Paulista – PE Sheyla Cavalcante de Arruda Sheyla Cavalcante de Arruda é graduada em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco. Telma Ferraz Leal Telma Ferraz Leal é doutora em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua como professora da UFPE, no Centro de Educação. Pesquisa principalmente os seguintes temas: leitura, produção de textos, alfabetização. É coordenadora do Centro de Estudos em Educação e Linguagem, onde desenvolve atividades de formação de professores, produção e análise de materiais didáticos e de propostas curriculares. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, orientando dissertações e teses no Núcleo de Educação e Linguagem. Até 2010, publicou 17 artigos em periódicos científicos, 41 capítulos de livros e organizou 05 livros. 283 Gabriela Silveira Meireles Pedagoga formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Psicóloga formada pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Durante a graduação, foi bolsista PROBIC e CNPq no projeto de iniciação científica “Inclusão: desvelando sentidos nos cursos de Pedagogia e Psicologia das IFES mineiras” e participou como voluntária do projeto intitulado “A pesquisa em Educação Especial no Brasil: aspectos epistemológicos”, ambos na Universidade Federal de Juiz de Fora. Atua na área da Educação, principalmente com questões ligadas à Diversidade Humana, Educação Infantil, relações de Ensino-Aprendizagem, didática e prática ensino, metodologia de ensino, relações de Poder e os estudos sobre Sexualidade e Relações de Gênero. É Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com defesa da dissertação intitulada “A infância nas tramas do poder: um estudo das relações entre as crianças na escola”, onde trabalha a relação entre infância e poder na perspectiva foucaultiana destacando as relações institucionais especificamente vivenciadas na escola, as relações entre adultos e crianças, as relações entre as crianças e de cada uma delas consigo mesmas. Participa do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (GESED), sob a coordenação do Prof. Dr. Anderson Ferrari, na Universidade Federal de Juiz de Fora. Trabalhou como professora substituta na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde lecionou as disciplinas “Processos de Ensino e Aprendizagem”; “Psicologia da Educação I” e “Prática Escolar I”, vinculadas ao departamento de Psicologia da Educação. Trabalhou como Coordenadora Pedagógica em uma escola pública da rede municipal de Juiz de Fora, que atende desde a Educação Infantil até os anos finais do Ensino Fundamental. Foi professora regente de uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública da rede municipal de ensino de Juiz de Fora. Atualmente é doutoranda em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, cujo projeto pretende investigar o currículo dos Blogs educativos, com ênfase nas relações de gênero e nas sexualidades. 284 Resumo das Dissertações A(Contra) reforma da educação pública em Minas Gerais: o programa de Resumo das Dissertações avaliação da rede pública de educação básica/PROEB em análise Autor: Josiane Cristina dos Santos Orientador: Rubens Luiz Rodrigues Data da defesa: 08 de junho de 2010 Esta dissertação foi desenvolvida com os seguintes objetivos: (i) compreender a apropriação da política de avaliação da educação básica – Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica/Proeb – por professores e gestores das escolas públicas estaduais; (ii) analisar como esta política de avaliação se insere no contexto da gestão escolar e das práticas pedagógicas; (iii) compreender que significado tem a palavra “qualidade” para os profissionais envolvidos no processo educacional das escolas públicas (iv) analisar os impactos do Proeb nestas escolas, no que diz respeito ao currículo, práticas pedagógicas e práticas de gestão. Realizou-se um estudo teórico orientado pelo materialismo histórico-dialético, buscando, a partir das leituras realizadas, compreender a política neoliberal de avaliação da educação imposta às escolas mineiras a partir dos anos 90. Neste estudo observou-se que as políticas implementadas no sistema educacional em Minas Gerais no contexto da (contra) reforma seguiram os pressupostos neoliberais e buscaram alcançar maior eficiência e produtividade das escolas. Em Minas Gerais, a avaliação do Proeb tem representado o controle do Estado sobre as escolas públicas. Esta política de avaliação se insere de maneira arbitrária no contexto escolar, determinando os objetivos 287 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 do trabalho pedagógico. Tal situação tem contribuído para a proletarização do trabalho docente. O Proeb tem ditado não só o que deve ser trabalhado, a partir da definição das habilidades e competências a serem desenvolvidas, mas também a maneira como o docente deve realizar seu trabalho, interferindo na autonomia pedagógica. Apesar do discurso da necessidade da avaliação externa para a melhoria da qualidade da educação, o modelo de avaliação do Proeb não considera as complexidades do processo educativo, pauta-se apenas no produto, no resultado final, indicando sua orientação para a perspectiva do “exame”, que nada tem contribuído para o alcance de uma educação de qualidade. Além disso, esta avaliação não oferece critérios legítimos para avaliar a qualidade da educação ofertada, compreendendo por educação de qualidade aquela que oferece uma formação histórico-cultural que atenda às necessidades e expectativas dos alunos e da comunidade escolar. Conclui-se que a avaliação externa tem sido utilizada pelo Estado como mais um instrumento para regular o trabalho docente e para avaliar seus resultados. Palavras-chave: Educação. Avaliação externa. Gestão escolar. Trabalho docente. (Contra)reforma. Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 288 As condições do trabalho Resumo das Dissertações docente e o processo ensino-aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental Autor: Glaúcia Fabri Carneiro Marques Orientador: Maria da Assunção Calderano Data da defesa: 06 de julho de 2010 Esta dissertação tem como objetivo principal investigar as condições do trabalho docente e sua interferência no processo ensino-aprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Como perspectiva metodológica optou-se pela concepção filosófica do Realismo Crítico, tendo por base alguns de seus princípios, segundo os quais se compreende o processo de pesquisa como uma busca contínua de fatores que se relacionam internamente e sustentam os fenômenos analisados, indo além das aparências observadas. Para o alcance do objetivo central, realizou-se inicialmente um levantamento da produção de estudos referentes ao trabalho docente e às condições de trabalho do professor a partir da década de 1990 no Brasil e na América Latina. Apesar da pouca produção de estudos que aprofundem mais o tema central, encontraram-se referências importantes que o abordavam em relação a aspectos fundamentais como à qualidade do ensino e a saúde docente. Podem ser citados, entre outros, os estudos de Tardif e Lessard; Campos e Körner; Codo; Sampaio e Marim. Também se destacam trabalhos organizados por diversos órgãos, tais como INEP, UNESCO e CNTE. Empenhou-se também na busca de uma organização e reflexão acerca das concepções relacionadas ao conceito de trabalho e profissão docente, analisando como elas se inserem no contexto atual e que repercussões apresentam no cotidiano escolar. Neste campo podem ser citados os 289 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 trabalhos de Nóvoa, Costa, Villela, Gadotti; Viannna. Com o propósito de articular o campo teórico do empírico, esse estudo também baseou-se em três fontes de dados. A primeira refere-se a dados primários, levantados no âmbito desse estudo, através de entrevistas semiestruturadas. As entrevistas foram realizadas com professor e coordenador de duas escolas de Juiz de Fora, (uma da rede estadual de ensino e outra da rede municipal) e com uma representante sindical de cada rede de ensino. As outras duas fontes são secundárias e referem-se respectivamente à pesquisa interinstitucional e ao Censo Escolar. Na pesquisa interinstitucional, analisaram-se questões relacionadas às condições de trabalho docente, que pudessem oferecer uma dimensão diferenciada aos assuntos abordados. Através do trabalho com o Censo Escolar, buscou-se enriquecer as análises sobre a relação entre infraestrutura escolar e qualidade do ensino. Os resultados obtidos com a realização desse estudo indicam a importância das condições de trabalho para o bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. No âmbito escolar, destacam-se as questões referentes à gestão escolar, número de alunos em sala, violência do entorno social e utilização de recursos e equipamentos escolares. Nos aspectos relacionados à carreira docente destacam-se o vínculo empregatício e o plano de carreira. Além de o processo ensinoaprendizagem sofrer interferência das condições de trabalho do professor, observou-se que a saúde docente, condição primeira para a efetivação do trabalho, não pode ser desvinculada das discussões relacionadas à qualidade do processo escolar. Palavras-chave: Condições de trabalho docente. Profissão docente. Processo ensino-aprendizagem. Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 290 Práticas Alfabetizadoras: Resumo das Dissertações ressignificando a questão metodológica Autor: Mary Luci Silva de Paula Orientador: Luciane Manera Magalhães Data da defesa: 05 de julho de 2010 Esta dissertação tem por objetivo compreender o modo como são construídas as práticas alfabetizadoras hoje, tendo em vista a questão metodológica. Para tanto, empreendeu-se uma pesquisa de cunho qualitativo, na qual foram entrevistadas seis professoras da rede pública de ensino de Juiz de Fora - MG, com mais de dez anos de atuação nas classes de alfabetização. Os aportes teóricos principais assentam-se nas obras de autores que abordam especificamente sobre a alfabetização, como Soares, Frade, Araújo, Ferreiro, Casasanta, Cagliari e outros. A análise dos dados, construída no entrecruzamento dos relatos das professoras e do arcabouço teórico, organiza-se em torno de quatro temas: (i) A constituição do ser alfabetizadora, (ii) As estratégias metodológicas mais utilizadas para alfabetizar, (iii) Formação continuada e saberes considerados indispensáveis às alfabetizadoras e (iv) As dificuldades e facilidades na tarefa de alfabetizar crianças. A análise dos dados apontou para a existência de uma pluralidade de práticas alfabetizadoras, consolidadas na experiência longitudinal das professoras. Constatou-se, ainda, que os procedimentos mais utilizados para alfabetizar aproximam-se, majoritariamente, de princípios do método silábico, embora tenhamos identificado outros elementos na busca de um trabalho pedagógico inovador e interessante. Os critérios informados pelas professoras para a escolha e mistura dos vários princípios metodológicos mostraram-se pouco precisos e algumas vezes equivocados. Há que reconhecer-se que a questão metodológica não se configura como a razão maior do fracasso das práticas alfabetizadoras, porém, as 291 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 reflexões tecidas nesta investigação indicam a necessidade de uma retomada desta temática, tão silenciada nos meios escolares, para a construção de propostas possivelmente mais eficazes e conscientes por parte das professoras. Palavras-chave: Alfabetização. Métodos. Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 292 Blogs Literários nas aulas de Língua Portuguesa: uma Resumo das Dissertações possibilidade de autoria Autor: Maria Leopoldina Pereira Orientador: Maria Teresa de Assunção Freitas Data da defesa: 09 de julho de 2010 Partindo da constatação de que os blogs literários têm se tornado um importante instrumento de produção e divulgação da escrita literária, e que a internet é na contemporaneidade um campo no qual os jovens transitam, a presente pesquisa busca compreender, junto a três professoras do Ensino Fundamental II do Colégio de Aplicação João XXIII, de que maneira os blogs literários podem se constituir como uma possibilidade de formação do aluno–autor no processo de produção escrita no interior das aulas de Língua Portuguesa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de abordagem histórico-cultural fundamentada em Lev S. Vygotsky e Mikhail Bakhtin. Para tal apresenta-se um percurso histórico dos blogs na rede mundial de computadores, com ênfase nas suas utilizações no Brasil, realizando uma revisão de literatura em trabalhos acadêmicos, livros e sites que tratam do tema. Discute-se a escolarização da literatura e a sua relação com a internet. Os blogs literários são compreendidos enquanto gênero do discurso, tendo como base a concepção de gêneros discursivos presente na teoria enunciativa da linguagem de Bakhtin e seu Círculo. Os conceitos de imaginação, arte, desenvolvimento, aprendizagem e mediação em Vygotsky orientam a compreensão do trabalho com blogs literários no espaço escolar. A investigação se desenvolveu através dos seguintes instrumentos metodológicos: a observação no processo de construção dos blogs literários com os alunos e as entrevistas dialógicas com as três professoras envolvidas. A análise de dados está organizada em três categorias: (a) os blogs 293 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 literários enquanto gênero do discurso; (b) o blog literário enquanto possibilidade de autoria e (c) o papel mediador do professor. Palavras-chave: Blogs literários. Autoria. Formação do aluno - autor. Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 294 Brincar(es) na infância: Resumo das Dissertações possibilidades no contexto da doença falciforme e hemofilia Autor: Luciana da Silva de Oliveira Orientador: Léa Stahlschmidt Pinto Silva Data da defesa: 20 de agosto de 2010 O presente estudo investigou como o brincar se faz presente no cotidiano de crianças portadoras de doença falciforme e de crianças portadoras de hemofilia. Trata-se de sujeitos que possuem uma doença crônica no sangue, com a qual terão de conviver ao longo de toda a vida. Devido a isso, demandam cautela quando à prática de atividades extenuantes. A fim de responder minha questão, decidi realizar uma triangulação envolvendo entrevistas com as mães, desenhos com as crianças e observação do contexto escolar em que estão inseridas. Os achados foram analisados na perspectiva do paradigma indiciário na linha de Ginzburg, compreendendo que cada dado se constitui como peculiar. Como respaldo teórico, busquei as contribuições de dois grandes autores: Winnicott e Vigotski. O primeiro foi médico pediatra e, ao imbricar-se no mundo da psicanálise, buscou compreender questões diversas da natureza humana, dentre as quais o brincar. Com base em suas contribuições, desvelei, junto à maternagem suficientemente boa, o contexto familiar da doença, bem como a relação do brincar com a saúde. Com Vigotski, na linha do materialismo históricodialético, busquei compreender os aspectos do brincar no espaço da vida, entre as pessoas e as instituições que medeiam as relações construídas socialmente. É esse autor quem me auxilia a dialogar com as crianças e a compreender tanto as possibilidades do brincar, como o contexto escolar dos sujeitos 295 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 pesquisados. Os achados me levaram a concluir que, apesar de demandar certos cuidados para a manutenção do bem estar do sujeito, a doença falciforme e a hemofilia não impedem que a criança tenha qualidade de vida e que o brincar, mesmo nas ocasiões mais delicadas, em que os sintomas se agravam, não apenas pode ser exercido e explorado, como contribui para a promoção da saúde. Palavras-chave: Brincar. Doença falciforme. Hemofilia. Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 296 Estágio Supervisionado, Resumo das Dissertações espaço e tempo de formação do pedagogo para a atuação profissional Autor: Geiza Torres Gonçalves de Araújo Orientador: Maria de Assunção Calderano Data da defesa: 18 de agosto de 2010 Esta investigação tem por objetivo central analisar a relação entre teoria e prática presente no Estágio Supervisionado do curso de Pedagogia e o significado atribuído a esse componente curricular desenvolvido no curso de formação inicial, pelos discentes e pedagogos que hoje atuam no ensino fundamental em algumas escolas públicas e particulares da cidade de Juiz de Fora. Buscam-se possíveis relações entre as experiências vividas no estágio e a prática pedagógica atual desses profissionais. O estágio supervisionado nesta pesquisa caracteriza-se enquanto campo de conhecimento e também valiosa oportunidade de imersão no campo profissional favorecendo a construção de uma praxis educativa. A praxis educativa é entendida, na perspectiva de Vásquez, como prática intencional, interpretativa e criadora sendo neste sentido transformadora. Além desse autor, esta pesquisa toma como base as principais contribuições teóricas de diversos pesquisadores como: Libâneo, Pimenta, Franco,Tardif, Bourdieu, Giddens entre outros. Para atingir os objetivos propostos e realizar análises mais sistematizadas que permitam uma nova visão sobre os processos de formação do pedagogo, principalmente o relacionado ao estágio supervisionado, optou-se por implementar três tipos de procedimentos de coleta e análise de dados. O primeiro refere-se a uma análise documental, através da qual se focaliza a base legal que sustenta as concepções sobre o pedagogo e a sua formação. O segundo conjunto de informações utilizadas e analisadas refere-se a dados 297 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 298 secundários, cuja fonte é uma pesquisa interinstitucional intitulada “A Formação, o Trabalho dos Docentes que atuam no Ensino Fundamental e a Avaliação Sistêmica das Escolas Mineiras: um estudo comparado”, coordenada por Calderano (2009) dentro da qual foi desenvolvido um survey contendo, entre outros aspectos, questões relativas ao estágio. Decorrente dos estudos documentais e temáticos e da análise da pesquisa interinstitucional definiu-se o terceiro tipo de procedimento de coleta e análise de dados realizado através de entrevistas com professores da escola básica e com estudantes de Pedagogia de uma Faculdade particular da cidade de Juiz de Fora. Foram escolhidos dois subconjuntos de professores com os quais se realizou, separadamente, uma entrevista semiestruturada. Também as discentes do sétimo período do curso de Pedagogia da Faculdade Metodista Granbery (FMG) que já concluíram o estágio curricular constituíram parte do universo dessa investigação e participaram, em outro momento, de entrevista semiestruturada. Além dos dados coletados a partir destas entrevistas procedeu-se a análise dos documentos específicos de estágio: Plano de Atividade de Estágio e Relatório de Estágio das discentes, sujeitos desta pesquisa. Tal levantamento permitiu a sistematização de pistas sobre os significados construídos a partir da vivência dessa atividade no campo profissional. Esta pesquisa pauta-se na ideia de que o estágio pode representar um momento privilegiado de síntese teórico-prática, embora não se constitua o único espaço para tal aproximação. Apesar dessa ideia pautar toda a discussão neste trabalho, a análise dos dados aponta ainda um distanciamento entre espaço de formação profissional e campo profissional dificultando a construção de saberes pedagógicos necessários à construção de identidade numa perspectiva em que a articulação teoria, prática e reflexão seja orientadora da atuação profissional do pedagogo. Palavras-chave: Estágio Supervisionado. Formação do Pedagogo. Praxis educativa. Relação teoria e prática. Saberes docentes. Argumentação e Direito: Resumo das Dissertações as contribuições da argumentação para o ensino de direito Autor: Johnny Marcelo Hara Orientador: Márcio Silveira Lemgruber Data da defesa: 25 de agosto de 2010 O presente estudo pretende relacionar a Teoria da Argumentação, de Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, (com base no Tratado da Argumentação e em Ética e Direito) ao ensino jurídico, através da utilização, nos âmbitos pertinentes à razão argumentativa, da estrutura retórica, como ponto de partida para o estudo da sistemática do direito e, em especial, como metodologia de ensino, complementar à dogmática do positivismo jurídico (a partir da Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen). Estabelecida a relação entre a argumentação e o ensino do Direito, suscita-se sua relevância em face da crise instalada no ensino jurídico, particularmente quanto à abordagem de noções e princípios fundamentais que permeiam o direito, diante do constitucionalismo vigente no Brasil. Como ilustração, foram realizadas entrevistas com diretores de faculdades de Direito. Palavras-chave: Teoria da argumentação. Chaïm perelman. Crise do ensino de direito. Positivismo jurídico. 299 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 Qualidade dos principais Resumo das Dissertações indicadores educacionais para o ensino básico no Brasil Autor: Gilson Luiz Bretas da Fonseca Orientador: Tufi Machado Soares Data da defesa: 30 de agosto de 2010 A partir do levantamento de indicadores educacionais utilizados por relevantes organismos estrangeiros (OCDE e NCES) e nacional (INEP), são selecionados os indicadores mais relevantes utilizados no Brasil para avaliação de escolas e redes de ensino básico: a taxa de atendimento, as taxas de rendimento (aprovação, reprovação e abandono) e o IDEB. Suas fontes (Censo Demográfico, PNAD, Censo Escolar e sistemas de gestão educacional), com exceção do que se refere à proficiência, são analisadas quanto à qualidade dos dados produzidos e os indicadores selecionados têm avaliadas as suas características de validade e fidedignidade. Palavras-chave: Indicadores educacionais. Fontes de dados educacionais. Qualidade de indicadores educacionais. Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 300 O papel do diretor na implementação do PDE escola: experiências em Juiz de Fora Resumo das Dissertações Autor: Liane Miranda Silva Ramos Orientador: Beatriz de Basto Teixeira Data da defesa: 30 de agosto de 2010 Objetivamos neste trabalho estudar o Planejamento Estratégico na Educação aplicado à Gestão Educacional como instrumento de inovação gerencial, tendo como ponto de partida a análise de um Programa do Ministério da Educação (MEC) que vem sendo implementado nas escolas públicas do país desde 1997, o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE Escola. Dentro de um novo contexto educacional e considerando as novas políticas públicas para a área após o lançamento, em 2007, do Plano de Metas do Governo Federal “Compromisso Todos pela Educação” e do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), fizemos uma abordagem no que diz respeito à implementação dessa ação sob a ótica do diretor, em seis escolas públicas municipais de Juiz de Fora que apresentaram baixo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no ano de 2007. Dessa forma, buscamos compreender como se dá a implementação do programa no âmbito da escola, tendo como foco o papel da liderança no processo. A pesquisa de cunho qualitativo envolveu entrevistas com diretores escolares e a análise dos dados encontrados se deu com base na produção recente de autores do campo da gestão escolar, como Dourado (2001), Fonseca (2003a, 2003b), Libâneo (2004), Lück (2008), Mendonça (2000), Paro (1998), Teixeira (2010). Os resultados apontam que a escola precisa apropriar-se de uma cultura de planejamento tendo como articulador central o gestor, devendo esse exercer 301 Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 uma forte liderança e ser capaz de dialogar com todos os segmentos da comunidade escolar de forma democrática, em prol de uma educação de qualidade. Palavras-chave: Diretor. Ideb. Liderança. PDE Escola. Planejamento estratégico. Resumo das Dissertações Educ. foco, Juiz de Fora, v. 18, n. 2, p. 287-302, jul. / out. 2013 302 Universidades que possuem todos os exemplares da Revista Educação em Foco Universidade Federal São Carlos Universidade Federal do Rio Grande do Norte Universidade Federal de Londrina Universidade Federal de Uberlândia Universidade Federal de Pernambuco Universidade Estadual do Centro-Oeste-Unicentro Universidade Estadual do Maranhão Universidade Estadual de Feira de Santana Universidade de Fortaleza Universidade Estadual Norte Fluminense Universidade Estadual Paulista Pontifícia Universidade Católica do Paraná Universidade Estácio de Sá Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal de Santa Catarina Universidade do Estado de Santa Catarina Universidade do Estado de São Paulo – UNESP Universidade Estadual de Ponta Grossa Universidade Estadual de Santa Cruz Universidade de Lavras – Unilavras Universidade de Cruz Alta – Unicruz Universidade Federal de Itajubá Universidade Federal de Ouro Preto Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Juiz de Fora Permutas 1. Educação Contemporaneidade Revista da FAEEBA 2. Ciências & letras Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e Letras 3. Revista Diálogo Educacional Programa de Pós-Graduação em Educação – PUCPR 4. Ciência & Educação 5. Revista Brasileira de Filosofia 6. Instituto Brasileiro de Filosofia São Paulo 7. Revista do Centro de Educação UFSM 8. Série Estudos Periódicos do mestrado em Educação da UCDB Educação escolar e formação de professores Dossiê Educação Superior 9. Revista FAMECOS Mídia, cultura e tecnologia. Faculdade de Comunicação Social Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 10. Comunicações Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba 11. Gestão em ação Universidade Federal da Bahia UFBA Faculdade de Educação – FACED 12. Entrelinhas Revista do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos 13. Revista Educação e Filosofia – Universidade Federal de Uberlândia 14. Revista Nuances Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” 15. Educação em Revista Universidade Federal de Minas Gerais 16. Ideação Revista do Centro de Educação e Letras Campus de Foz do Iguaçu – EDUNIOESTE 306 Normas para publicação O envio dos artigos para a Revista Educação em Foco deverá ser feito obedecendo as seguintes orientações: A- Página de rosto 1- Título do artigo 2- Resumo do artigo em Português (05 linhas) ou Espanhol, conforme a língua original do artigo 3- Resumo do artigo em inglês 4- Nome e titulação do(s) autor(es) 5- Endereço e telefone de contato do autor responsável pelo encaminhamento do artigo. E-mail do autor, instituição que trabalha. B- Corpo do trabalho 1- Título: em maiúscula e em negrito, separado do texto por um espaço 2- Digitação: programa Word para Windows 3- Formatação Papel tamanho A4 Margem superior com 3,0 cm Margem inferior com 2,5 cm Margem esquerda com 3,0 cm Margem direita com 2,0 cm Fonte Times New Romam Tamanho da letra 12 pontos Espaçamento justificado Espaçamento entrelinhas 1,5 Páginas numeradas – máximo 20 páginas; mínimo 12 páginas 4- Referências Bibliográficas Ao final do texto, de acordo com as normas da ABNT em vigor 5- Citações e notas Devem ser observadas as normas da ABNT em vigor 6- Quantidade de páginas: Mínimo de 12 páginas Máximo de 20 páginas 7- Encaminhamento Uma via impressa de folha de rosto Duas vias impressas do artigo Disquete de 3,5, contendo folha de rosto e o artigo Endereço para encaminhamento Universidade Federal de Juiz de Fora Faculdade de Educação/ Centro Pedagógico Revista Educação em Foco Campus Universitário/ Cidade Universitária Juiz de Fora – Minas Gerais CEP: 36036-330 Exemplos de organização das Referências bibliográficas Livros ROCHA, Marlos Mendes Bessa da. Matrizes da modernidade republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. Capítulos de Livros CURY, Carlos R. Jamil, A educação e a primeira constituinte republicana. In: FAVERO, Osmar. A educação nas constituintes brasileiras: 1823-1988. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. p. 69-80. 308 Artigos em periódicos CASTRO, Magaly. Memórias e trajetórias docentes: os bastidores de uma pesquisa. Revista Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p. 81-107, mar./ago. 2007. Teses e dissertações SOUZA, Jane A. G. Avaliação X relações de poder: Um estudo do Projeto Nova Escola / Rio de Janeiro. Juiz de Fora, 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Sociais, Universidade Federal de Juiz de Fora. Congressos SOUZA, J.A.G. Simave X Nova Escola: caminhos que convergem?. In: Congresso de Pesquisa e Ensino de História da Educação emMinas Gerais, IV, Juiz de Fora, 2007. Artigo em jornal MIRANDA, Ruy. Plano Collor acelera o processo de fusões e compras de empresas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 jun.. 1990. 309 Informações Gráficas Formato: 16 x 23 cm Mancha: 12,8 x 18,4 cm Tipologia: Adobe Garamond Pro - Garamond - Alberta extralight - Miniom Pro Papel : Pólen Bold 90 g/m² (miolo) - Cartão Supremo 250 g/m² (capa) Tiragem: 300 exemplares Impressão e acabamento: Gráfica e Editora Brasil LTDA.