MYRNA COELHO SOFRIMENTO E TORTURA
Transcripción
MYRNA COELHO SOFRIMENTO E TORTURA
MYRNA COELHO SOFRIMENTO E TORTURA: BRASIL (1964-1979) E ARGENTINA (1976 – 1983). Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – PROLAM Universidade de São Paulo São Paulo – 2010 2 MYRNA COELHO SOFRIMENTO E TORTURA: BRASIL (1964-1979) E ARGENTINA (1976 – 1983). Tese de doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de doutor, orientada pela Profa. Dra. Dilma de Melo Silva. Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina – PROLAM Universidade de São Paulo São Paulo – 2010 3 COMISSÃO EXAMINADORA _________________________ Profa. Dra. Cecília Maria Bouças Coimbra Departamento de Psicologia – UFF-RJ _________________________ Profa. Dra. Dilma de Melo Silva PROLAM/ECA/MAC – USP (orientadora) _________________________ Profa. Dra. Lucia Maria Salvia Coelho Faculdade de Medicina – Departamento de Psiquiatria – USP _________________________ Prof. Dr. Marcos Oreste Colpo Faculdade de Psicologia – PUC-SP _________________________ Prof. Dr. Osvaldo Coggiola PROLAM/FFLCH – Departamento de História - USP 4 AGRADECIMENTOS Agradeço minha orientadora, Profa. Dra. Dilma de Melo Silva, que desde o início do mestrado vem acompanhando e estimulando meu percurso acadêmico. Orientadora dedicada e amiga querida, sem dúvida um grande exemplo acadêmico e de luta por um mundo mais justo e tolerante. Agradeço minha coorientadora, Profa. Ida Elizabeth Cardinalli, que com muita disponibilidade e precisão aceitou o desafio de participar desse trabalho. Psicóloga e pesquisadora admirável, contribuiu com muito talento e dedicação, fazendo com que a experiência de coorientação determinasse o percurso dessa pesquisa a partir de mudanças fundamentais e essenciais. Aos professores que colaboraram com esse trabalho por ocasião do exame de qualificação: Profa. Dra. Lucia Coelho e Prof. Dr. Osvaldo Coggiola, que com pertinência e sensibilidade puderam discutir os desdobramentos de minha pesquisa. À CAPES, pelo auxílio financeiro recebido durante a pesquisa. Aos meus queridos amigos – minha família de escolha – que muito me acolheram nesse período. Especialmente aos que colaboraram diretamente nas discussões da pesquisa, suportando longas conversas teóricas e técnicas sobre tortura e também o meu sofrimento: Alessandro de Oliveira Campos, Alexandre da Cruz Bonilha, Ana Carmen de Freitas Oliveira, Eliane Manfio, Fabíola Jardini, Gabriela Gramkow, Juliana Nascimento e Marcos Bernardini. Ao grande apoio recebido por Fabíola Jardini e Rafael Atuati, por ocasião das pesquisas de campo em Buenos Aires. E também ao prestimoso trabalho de Adriana Lúcia na transcrição das entrevistas. À Carlos Lord, Elina Aguiar, Griselda Abdala e Juanita de Pargament, pelos decisivos compartilhamentos de experiências tão doloridas. 5 RESUMO O presente trabalho propõe-se a analisar a experiência de presos políticos torturados pelas ditaduras do Brasil (1964 - 1979) e da Argentina (1976 – 1983) a partir da fenomenologia-existencial. Após conceituar a "tortura" e inscrevê-la historicamente, esta pesquisa utiliza-se da análise de literatura de testemunho, de entrevistas e de depoimentos, problematizando ao final o conceito de “tortura psicológica”. Palavras-chave: tortura; ditadura, fenomenologia-existencial. RESUMEN Este trabajo tiene como objetivo examinar, a partir de la fenomenología existencial, la experiencia de los presos políticos torturados en las dictaduras de Brasil (1964 - 1979) y Argentina (1976 - 1983). Después de conceptualizar la “tortura” en sus circunstancias históricas, esta investigación recurre a la literatura de testimonios, entrevistas y relatos, problematizando al final el concepto de “tortura psicológica”. Palabras clave: tortura; dictadura; fenomenología existencial. ABSTRACT This study aims to examine the experience of political prisoners tortured by the dictatorships of Brazil (1964 - 1979) and Argentina (1976 - 1983) from the existential phenomenology point of view. After conceptualizing the "torture" in its historical circumstances, this research recurs to the literature of witnesses, interviews and testimonies, and questioning at the end the concept of "psychological torture". Keywords: torture, dictatorship, existential phenomenology. 6 “I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it.” Evelyn Beatrice Hall “The friends of Voltaire”, 1906 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1. MÉTODO 14 1.1 Procedimento do levantamento bibliográfico 15 1.2 Levantamento de depoimentos da experiência de tortura 15 1.3 Procedimento de análise dos depoimentos 19 1.4 Método fenomenológico-existencial 20 2. 3. 4. TORTURA 26 2.1 Tortura e Suplício, Ditadura e Violência 30 2.2 Poder de Soberania 36 2.3 Biopoder 37 2.4 Biopoder Disciplinar 38 2.5 Biopoder Biopolítico 38 2.6 Suplício e tortura ou a exceção no “Biopoder de Soberania” 39 BRASIL (1964-1979) 58 3.1 Doutrina de Segurança Nacional 61 3.2 Modus Operandi 66 3.3 Terror 72 3.4 Tortura 76 ARGENTINA (1976-1983) 81 4.1 O “Processo” 85 4.2 Doutrina de Segurança Nacional 87 4.3 Modus Operandi 96 4.4 Terror 98 4.5 Tortura 101 8 5. A EXPERIÊNCIA-SOFRIMENTO DO PRESO POLÍTICO 110 5.1 Medo de “cair” 112 5.2 O sequestro 112 5.3 O desaparecimento 115 5.4 Modus Operandi da tortura 117 5.4.1 O encarceramento 117 5.4.2 Condições do encarceramento: espaço e tempo 118 5.4.3 “Tortura no corpo” 122 5.4.4 Ameaças de morte 125 5.4.5 Ameaças à família 129 Resistência ao sofrimento 132 5.5.1 Companheirismo 132 5.5.2 Ódio ao torturador 133 5.5.3 Perder o medo da morte 134 5.5.4 Suicídio 135 5.5.5 Imaginação 136 5.5.6 Calar ou falar 137 Justificativa da tortura 138 5.6.1 Coação 138 5.6.2 Depoimentos Forjados 139 5.6.3 Terror 142 “TORTURA PSICOLÓGICA?” 148 5.5 5.6 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 167 REFERÊNCIAS 174 ANEXOS 185 9 INTRODUÇÃO Onde cessa a palavra, surge a violência. Rollo May 10 A história da América Latina tem sido contada a partir do referencial da história oficial e da história oral. Segundo Coimbra (2001), em períodos em que houve grande repressão e censura, como no caso dos governos ditatoriais, contamos com a história oficial e com diversas tentativas de se construírem documentos que relatem a história oral. A presente pesquisa pretende tornar visível uma dimensão da história oral do Brasil (1964 – 19791) e da Argentina (1976 – 1983): o sofrimento na situação de tortura, já que “É necessário dar voz aos atores de um período histórico que ainda está por ser estudado” (Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 13). Entre meados de 1960 e 1980, a América do Sul foi dominada por regimes militares, mas “A história desse período, em geral e em cada país, ainda está para ser feita (...).” (Coggiola, 2001, p. 9). Os regimes militares sul-americanos da década de 60 apresentavam como pontos em comum a dissolução das instituições representativas, a falência ou a crise aguda dos regimes e partidos políticos tradicionais e a militarização da vida política e social em geral, além do crescente poderio econômico das instituições militares. Em especial, três desses regimes tiveram uma influência determinante da diplomacia estadunidense: Brasil (1964), Argentina (1966) e Bolívia (1964) (Coggiola, 2001, p. 11). As “novas” ditaduras militares surgidas na década de 1970, inclusive quando eram só a reformulação de ditaduras já existentes (como nos casos de Peru e Brasil), não se distinguiam apenas por um grau muito maior de brutalidade contra seus opositores do que as precedentes. Elas também correspondiam a uma situação histórica nova, tanto no plano interno como no plano internacional. No plano interno, eram a resposta a situações de caráter revolucionário, que tinham abalado os próprios alicerces do Estado, o que foi particularmente visível na emergência de situações ou organismos de “duplo poder” na Bolívia, Chile, Argentina e Uruguai. Diferentemente das ditaduras da década de 1960, que possuíam um caráter mais “preventivo” de um eventual contágio da Revolução Cubana, as ditaduras da década de 1970 possuíam um caráter evidentemente contra-revolucionário (Coggiola, 2001, p. 35). A segunda metade da década de 1970 seria a etapa mais sombria da história da América do Sul. (Coggiola, 2001, p. 49). 1 Vale ressaltar que embora o período dessa ditadura brasileira seja de 1964-1985, pesquisamos o registro de utilização de tortura até 1979. Infelizmente, sabemos que tal dispositivo vem sendo utilizado pelo Estado até a presente data. 11 O presente trabalho se propõe a estudar esse período. Consideramos que, especialmente a “segunda fase” da ditadura brasileira pós AI-5 e o “Processo de Reorganização Nacional” argentino de 1976, produziram um estado de terror a partir da prática sistemática da tortura e do desaparecimento como estratégia de dominação da população. Com isso, pretendiam não apenas violar os participantes de movimentos contrários aos regimes totalitários, mas “servir de exemplo” para que toda a população se calasse. Dessa forma, pretendemos nos aproximar de uma compreensão desse fenômeno analisando seus desdobramentos especialmente nas pessoas que foram submetidas à tortura em ambos os Estados. Em um interrogatório (...) o essencial é quebrar o moral, o espírito de resistência do interrogado. Você vai pressionando até o momento em que ele se decompõe e começa a falar. (...) É importante que você afirme sua autoridade aos olhos do interrogado (Fon, 1979, p. 39). A forma principal do mecanismo de dominação política das ditaduras, tanto brasileira quanto argentina, foi a união pessoal dos representantes do grande empresariado com a camada superior da burocracia estatal, com a cúpula das forças armadas e com as sucessivas “equipes técnicas governamentais” (Coggiola, 2001, p. 51). (...) o componente decisivo da instauração das ditaduras foi o terror. A expressão “terrorismo de Estado”, cunhada posteriormente, define com alguma 2 precisão, mas com uma ambigüidade fundamental , a natureza das “ditaduras institucionais das Forças Armadas” – elas foram, antes de mais nada, regimes terroristas. (Coggiola, 2001, p. 52) Tanto no Brasil quanto na Argentina os militares passaram a utilizar das práticas de torturas entre eles mesmos, a fim de resolverem desavenças pessoais. Também o Estado transformou-se numa máfia, visto que os dois países se aproveitavam dos regimes de terror para se fortalecerem no comércio ilegal, no tráfico de drogas e no roubo e venda dos bens dos sequestrados políticos. Dessa forma, a tortura passou a ser utilizada contra os próprios 2 Segundo Coggiola (2001, p. 57), esse termo é ambíguo na medida em que oculta o essencial: o massacre metodicamente planejado e executado pelas Forças Armadas. Na presente pesquisa, a partir dessa lógica, utilizaremos os termos “ditadura” e “regime terrorista” como sinônimos. 12 militares que a empregavam, o que culminou, no Brasil, com o DOI-CODI e o DOPS numa “interminável disputa”. (Coggiola, 2001, p. 56-58, Gaspari, 2002b e Fon, 1979, p. 49-53). Nos regimes militares latino-americanos: (...) a tortura foi praticada com tanta sistematicidade e assiduidade (incluindo mutilações atrozes) que, evidentemente, já não possuía outra finalidade que não a própria tortura e a morte subseqüente. Nem vingança, nem obtenção de informações: a tortura e a morte viraram uma atividade-fim, praticada não de modo isolado, mas sistemático, por milhares de torturadores, em dezenas de milhares de casos (Coggiola, 2001, p. 59-60). Hilda Gomes da Silva, esposa de Virgílio Gomes da Silva – o “Jonas”, da ALN – foi presa no dia seguinte ao assassinato de seu marido, massacrado a pontapés numa sala da OBAN. Como não sabia das ações do marido, nada disse em dois dias de tortura. Tal fato não convenceu os mesmos carrascos que haviam matado seu marido, assim, decidiram torturar sua filha, um bebê de apenas 4 meses de idade. Enquanto Hilda não sabia responder às perguntas de seus torturadores, os mesmos aplicavam choques elétricos no bebê (Fon, 1979, p. 39). Do mesmo modo, na Argentina, Carlos Lord foi preso com sua mulher e seu filho de 2 meses de idade. Carlos nos relatou em uma entrevista (em anexo) que, enquanto ele não respondia ao interrogatório, seu bebê era torturado sobre seu corpo. O presente trabalho pretendeu compreender o sofrimento dos presos políticos na situação de tortura. A partir daí, apresentaremos, no primeiro capítulo, nossas discussões metodológicas, explicitando o percurso da pesquisa e como se deu a coleta de dados a partir do referencial da fenomenologia-existencial. No segundo capítulo percorremos alguns conceitos que consideramos fundamentais em nossa construção: a história do suplício e seu desdobramento como tortura nas instituições totais e no estado de exceção, a fim de compreendermos a utilização desse dispositivo nas ditaduras citadas. 13 Nos terceiro e quarto capítulos desenvolvemos um percurso que nos aproximou de uma compreensão acerca desse fenômeno nas ditaduras do Brasil (1964-1985) e da Argentina (1976-1983), para tornar visível o modus operandi da tortura. Respectivamente no quinto capítulo, apresentamos a experiência do preso político numa análise a partir das literaturas de testemunho, da leitura de depoimentos e de entrevistas sobre o sofrimento na situação de tortura. Finalmente, no sexto capítulo, partindo da fenomenologia-existencial, propomos uma reflexão sobre o sofrimento na situação de tortura, concluindo que não é possível separar a tortura psicológica da física, o que comumente é usado na literatura em vertentes diferenciadas. 14 1 MÉTODO (...) (o) que mais influiu no ânimo da depoente foi o fato de ser mostrado a ela um rapaz, que hoje sabe ser Flávio de Melo e que se encontrava arrocheado no braço e com o rosto inchado, e disseram à depoente que, se não concordasse em colaborar, ficaria igual a ele; (...) que disseram a ela que a tortura ali era científica, não deixava marca; que foi espancada e despiram a depoente e provocaram choques elétricos; que, enquanto um aplicava choque, o Dr. Mimoso abanava a depoente para que a mesma não desmaiasse; que havia pausa a critério médico; que aplicaram choques nos seios, no umbigo e na parte interna das coxas; que, após, foi jogada numa cadeira, já que não podia ficar de pé; (...). (Ilda Brandle Siegl in: BNMb, p. 204). 15 1.1 PROCEDIMENTOS DO LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO Considerando o objetivo principal de tornar visível a situação de tortura a partir da experiência-sofrimento dos presos políticos, a presente pesquisa foi desenvolvida em três etapas. Primeiramente optamos por nos aproximarmos do tema a partir de bibliografia selecionada para definir e discutir a tortura e sua prática como estratégia política. O resultado dessa pesquisa está no capítulo 2. Na segunda etapa da pesquisa, foi realizado um levantamento teórico para descrever e, assim, aproximar o contexto político das ditaduras, a saber, Brasil 1964 a 1985 e Argentina 1976 a 1983. A escolha da comparação do Brasil com a Argentina se deu porque, também pela posterioridade de seu regime, a Argentina viveu o que consideramos o ápice desse triste momento político latinoamericano. Essa etapa consistiu em levantamento bibliográfico de literatura visando esclarecer o funcionamento desses regimes totalitários. Esse levantamento consistiu em buscas na internet e em bibliotecas. Na Argentina, pesquisamos especialmente a “Biblioteca Del Congreso de la Nación” e a “Biblioteca Popular Julio Huasi”, da Universidad Popular das Madres de Plaza de Mayo, em Buenos Aires. O resultado dessas pesquisas está nos capítulos 3 e 4. 1.2 LEVANTAMENTO DE DEPOIMENTOS DA EXPERIÊNCIA DO TORTURADO A terceira etapa da pesquisa teve como objetivo analisar relatos de presos políticos a fim de, num primeiro momento, compreendermos como se deu a experiência dos torturados em ambos os regimes e, assim, mostrar que o sofrimento decorrente da tortura não se restringe à tortura física. Dessa forma, selecionamos relatos presentes em literatura 16 de testemunho. Com o decorrer da pesquisa, percebemos que esses relatos não eram suficientes para a compreensão que objetivávamos, pois a tortura acarreta um grande sofrimento que cabe esclarecer a partir dessa experiência e de suas consequências. Assim, decidimos optar por dois documentos: os depoimentos contidos no “Projeto Brasil: nunca mais” e no argentino “Nunca más”. Além disso, para possibilitar a análise do material, percebemos que se fazia necessário maior aprofundamento nessa história argentina. Por isso, realizamos quatro entrevistas: com Juanita de Pargament, uma das fundadoras do coletivo “Madres da Plaza de Mayo”; com Carlos Lord, representante do coletivo “Asociación de ex-detenidos desaparecidos” (AEDD); com Griselda Abdala, representante da “Comisión Nacional por el Derecho a La Identidad” (CONADI) e com Elina Aguiar, psicóloga especialista em atendimento à torturados da “Asociación Argentina de Psicologia y Psicoterapia de Grupo” e da “Asamblea Permanente por los Derechos Humanos”3. Prezando a dimensão da experiência do torturado, consideramos a fenomenologiaexistencial para estudá-la. Habitualmente, pensamos a tortura apenas em sua dimensão física, talvez pela crueza dessa forma de agressão. Neste trabalho, pretendemos mostrar que a compreensão da tortura implica poder compreendê-la em sua totalidade. Consideramos a fenomenologiaexistencial a fim de demonstrar uma possibilidade de concepção da tortura para além da “tortura física”, mas também, que não se encerra na “tortura psicológica” (habitualmente, essas categorias são tratadas de formas separadas). Sobre o Brasil, escolhemos o documento “Brasil: nunca mais”, produzido pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), por conter depoimentos específicos de torturados. Consta de um relatório de 6.891 páginas chamado “Projeto A”4, que foi resumido no “Projeto B”, em formato de livro. 3 Excetuando-se a entrevista concedida por Dna. Juanita, esse material está disponível na íntegra nos anexos desse trabalho. 4 A partir de agora todas as referências à pesquisa “Brasil: Nunca mais” – projeto A serão feitas a partir da sigla BNMa. Ressaltamos que a pesquisa “Brasil: Nunca mais” é considerada a mais completa feita até hoje sobre o período dessa ditadura militar. 17 Para a presente pesquisa, além do “Projeto B”5, utilizamos o “Tomo V” do “Projeto A” denominado “A Tortura”. Consta de 3 volumes que, após conceitualizarem tortura, trazem 1.843 depoentes presos políticos denunciando torturas que sofreram no Brasil no período de 1964 a 1979. Esses depoimentos são transcritos na íntegra, de modo a oferecer material para pesquisas. São depoimentos obtidos nos arquivos do Supremo Tribunal Militar, em registros com o nome do depoente, sua idade, profissão e local ou locais onde esses sofreram torturas, além das descrições das mesmas. Em geral, os relatos são de arquivos das Auditorias Militares, mas o documento apresenta também cartas de denúncias de próprio punho e cartas de advogados de defesa. Os relatos sobre a tortura aparecem de modo bastante diverso, alguns são descrições pormenorizadas e outros são breves indicações da ocorrência da tortura nas instituições do Estado. No BNMa, a partir desses depoimentos estabeleceu-se um código para descrever os tipos de tortura, que foram reagrupados no chamado “código compacto” (BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 14) apresentado abaixo: 1. Coações morais e psicológicas; 2. Coações físicas; 3. Violências sexuais; 4. Torturas com instrumentos; 5. Torturas com aparelhos mecânicos; 6. Tortura com aparelhos elétricos; 7. Tortura contra sinais vitais; 8. Torturas complementares às torturas; 9. Torturas atípicas. É necessário esclarecer que as 1.843 denúncias de torturados compilados pelo projeto “Brasil: Nunca Mais” não correspondem à totalidade dos presos políticos torturados 5 A partir de agora todas as referências à pesquisa “Brasil: Nunca mais” – projeto B serão feitas a partir da sigla BNMb. 18 durante esse regime terrorista. A maioria desses depoimentos ocorreu enquanto os presos políticos continuavam em presídios. Muitos preferiram calar nesse momento, porque sabiam que seriam punidos caso revelassem a verdade. (...) que, ontem, foi Delio de Oliveira Fantini ameaçado de ter a visita de seu pai cortada, em virtude de ter feito certas declarações nesta auditoria;(...). (Ângelo Pezzuti da Silva in: BNMa, tomo V, vol.1, p. 311). (...) No dia seguinte, fui levado à presença do delegado Itamar Fernandes de Souza, o qual me advertiu de que se eu contasse para alguém ter sido espancado pelos seus subordinados, ele infernizaria o resto da minha vida. (...). (Hélio da Silva Maciel in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 158). Os documentos são depoimentos de denúncia da tortura e, em muitos casos, os depoentes ainda se encontravam presos. Isso significa que denunciar a tortura naquele momento implicava uma grande possibilidade de voltar às câmaras de tortura, ter seus familiares ameaçados e ser ameaçado de morte, novamente. Além disso, há indícios de que advogados instruíam seus clientes a não denunciarem as torturas, de modo a facilitar a absolvição ou a liberdade condicional (BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 15). O documento “Brasil: nunca mais” relata 246 dependências listadas como locais de torturas. Nessas, foram aplicadas 6.016 tipos diferentes de torturas. Os relatos revelam que a tortura foi deliberadamente determinada e adotada como parte essencial do aparelho de repressão criado nesse regime terrorista brasileiro (BNMa, TomoV, Vol.1, p. 17). Em relação à tortura na Argentina, além de literatura de testemunho encontrada nas referências pesquisadas para o presente trabalho e entrevistas realizadas, pesquisamos o “Informe de la Comisión Nacional sobre la desaparición de personas – Nunca Más”. Este informe indica que o desaparecimento como metodologia repressiva existia antes do início do período estudado (1976), mas foi a partir desse regime terrorista que o Estado implementou generalizadamente essa metodologia. Citam aproximadamente 340 campos de concentração, mas outras fontes relatam a existência de cerca de 500 campos6. As torturas utilizadas na Argentina são, em sua maioria, as mesmas utilizadas no Brasil, conforme “código compacto” já apresentado (BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 14). No entanto, 6 Conforme entrevista de Carlos Lord, em anexo. 19 observamos na Argentina, talvez pela posterioridade de seu regime, a utilização em número muito superior do dispositivo do desaparecimento. 1.3 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DOS DEPOIMENTOS Na leitura desses depoimentos, selecionamos alguns trechos que consideramos significativos para a análise7 da experiência do torturado. Como complemento, tendo em vista essa aproximação, utilizamos relatos de literatura de testemunho, encontrados na bibliografia utilizada no presente estudo. Os relatos foram analisados conjuntamente porque o fundamental nessa pesquisa não é caracterizar diferenças no modus operandi desses regimes – afinal muito parecidos – mas sim tornar visível o sofrimento na situação de tortura. Os depoimentos foram lidos em sua totalidade por três vezes. A partir de então, selecionamos os trechos que mais esclareciam a experiência. Assim sendo, o que apresentaremos nessa pesquisa será uma análise de como se deu a tortura e o sofrimento do torturado a partir de exemplificações dos trechos de depoimentos e relatos selecionados. Apresentaremos as análises e os trechos de relatos selecionados organizados a partir de seis modos que visam tornar visível a experiência do preso político: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7 8 Medo de “cair”8; O seqüestro; O desaparecimento; Modus operandi da tortura; Resistência ao sofrimento; Justificativa da tortura. Será apresentada no capítulo 5 dessa pesquisa. “Cair” era uma gíria que na época significava ser seqüestrado e preso pelas forças da repressão. 20 Dessa forma, selecionamos temas que serão analisados e explicitados em trechos de relatos. Elegemos, entre a bibliografia anunciada, trechos que entendemos tornarem visível nosso objetivo de análise: o sofrimento na situação de tortura. Esses relatos serão apresentados no original, isso faz com que os relatos brasileiros tenham alguns erros gramaticais, que foram mantidos no original. Os trechos referentes à ditadura Argentina estão no original espanhol. Vale lembrar que estudos sobre situação de tortura apontam para um sofrimento transgeracional9, mas não abordaremos esse tema na presente pesquisa. 1.4 MÉTODO FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL Tendo em vista aproximar e compreender o sofrimento do torturado, consideramos que o pensamento fenomenológico-existencial permite esclarecer a amplitude dessa experiência. Como nesse trabalho, além do levantamento bibliográfico, foram utilizados relatos de literatura de testemunho a fim de nos aproximarmos dessa experiência, a metodologia utilizada na análise dos relatos será fenomenológico-existencial e, portanto, a presente pesquisa se delineará como qualitativa. A existência humana está, desde o começo, “aí fora” junto dos entes do mundo, de tal modo que nenhum mundo interior, subjetivo, pode ser demonstrado... Ela existe sempre com eles, em relações definidas pelos significados percebidos nesses entes (Boss, 1979, p. 183-184). Esse modo de pesquisa qualitativa tem sido produtivo quando se pretende romper a hegemonia das concepções clássicas na aproximação da experiência vivida. 9 Para maiores informações consultar: CINTRAS, EATIP, GTNM/RJ, SERSOC. Daño Transgeracional: consecuencias de la represion politica en el cono sur. Santiago, 2009. 21 O ser humano, por ser amplo e complexo, não pode ser apreendido diretamente pela observação. A experiência-vivida só pode ser alcançada mediante quem a vivenciou. A partir do pressuposto fenomenológico de que o homem significa os acontecimentos de sua existência, sabemos que essa existência revelará modos de como o homem significa suas experiências. Se as situações que experimentamos apresentam um sentido para quem as vivencia, faz-se necessário que o mesmo se torne visível na pesquisa. O sentido que uma determinada situação adquire para uma pessoa é uma experiência íntima que escapa à observação simples. Para desvendar o sentido dessa experiência faz-se necessário que o pesquisador tenha informações fornecidas pela própria pessoa, justificando, assim, a utilização da literatura de testemunho (Forghieri, 1993, p. 57-58). Aqui entra a aplicabilidade do método fenomenológico. Em relação à experiência, os métodos tradicionais vindos das ciências naturais não conseguem responder a perguntas do tipo: o que significa ter tal ou tal experiência? Isso acontece porque as metodologias das ciências naturais são apropriadas para lidar com apenas um lado da polaridade: com o comportamento observável. Segue-se daí a utilização do método fenomenológico (Moreira, 2002, p. 112). Percebemos no pensamento filosófico de Martin Heidegger em “Ser e Tempo” (2009a) e “Seminários de Zollikon” (2009b) uma compreensão da existência humana abarcando uma totalidade da experiência vivida que pode facilitar o esclarecimento do sofrimento na situação de tortura. O método fenomenológico possibilita empreender pesquisas sobre fenômenos humanos tais como foram experienciados e significados pelo homem. Para Boss, o esclarecimento da dimensão existencial das patologias permite, também, que elas sejam compreendidas como modalizações do existir, isto é, como maneiras de o homem realizar o próprio existir. Assim sendo, no estudo dos modos patológicos focalizamos como a realização do existir se encontra afetada e qual âmbito do viver está prioritariamente prejudicado (Cardinalli, 2004, p. 165). 22 Portanto, o método fenomenológico compreende a experiência de intenso sofrimento psíquico como situacional e relacionada a um momento de “limitação das possibilidades de existência do ser” (Cardinalli, 2002, p. 83). Discussões acerca das situações de tortura relatam que as mesmas não se configuram apenas em violência física, mas também em “violência psicológica” (Bermann, Edelman, Kordon et all, 1994; Rauter, Passos e Benevides, 2002; Mourão, 2009). Maria Aparecida dos Santos se vale da seguinte expressão de um amigo para simbolizar o significado da experiência de tortura na ditadura militar brasileira: Tenho a impressão de que sou um espelho estilhaçado. Por mais que eu junte os pedaços e os cole, não adianta, ele continua fraturado em várias partes. A imagem refletida nunca mais vai ser a mesma, vai estar sempre quebrada (Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 278). A fenomenologa-existencial não divide corpo e psique. Assim, em seu fundamento, retorna aos gregos de forma a desconstruir o modo de pensar metafísico. Ressignifica a metafísica como uma perspectiva, e não como método de acesso à verdade absoluta. A partir da ideia de que não há uma ontologia sem uma fenomenologia, essa escola se aproxima do campo de investigação do homem, voltando à atenção para a experiência vivida. A metafísica, ao perguntar pelo Ser, quer detectar o permanente, o universal. Dessa forma objetiva-o, transforma-o em substância. Atentarmos somente a essa perspectiva empobrece o ser humano, reduzindo nossa liberdade de relação, de experiência e de ressignificação. Assim, compreendemos que a interpretação psicológica nos distancia das coisas mesmas. Nessa nova concepção de homem ele é visto como um vir-a-ser, lançado em possibilidades de Ser. Desta forma, o método de investigação da psicologia fenomenológicoexistencial indaga pelo sentido, não pela causa de determinado fenômeno. Assim, não é possível fazer uma teoria do psiquismo, e sim um método de nos aproximarmos do Ser. Partimos da compreensão da existência humana em sua totalidade como Dasein e da aplicação desta para compreendermos a experiência de quem foi torturado, entendemos 23 que não é possível trabalhar com os conceitos de tortura física e tortura psicológica. Qualquer violação é física e psicológica, na medida em que não partimos de um pressuposto metafísico. Não há acontecimento que possa ser compreendido em separado. Na análise dos relatos partiremos desses pressupostos. Aqui, trabalharemos com dois conceitos da Daseisanalyse, a saber, temporalidade e corporeidade. A Daseinsanalyse foi formulada por Medard Boss a partir de suas discussões e aproximações com a filosofia de Martin Heidegger. A Daseinsanalyse clínica compreende a análise da existência humana no modo fenomenológico. Compreende-se o ser humano como Dasein, ou seja, como “um acontecer que ocorre no aí, no mundo, existindo nesse movimento para fora” (Cardinalli, 2004, p. 58). (...) o Dasein não tem como qualidade o estar aberto, mas ele é este estar aberto ou clareira que possibilita perceber, compreender, entender e conhecer a totalidade dos significados de tudo o que é encontrado no mundo (Cardinalli, 2004, p. 58-9). Dessa forma, o ser humano não é compreendido igual aos outros entes diferentes do homem, sendo impossível pensar o homem como objeto ou como passível de objetivação. Ao pensar no homem como Dasein, Heidegger utiliza o termo existencial para assinalar suas estruturas ou características, mas não de acordo com o significado de categoria ou de atributos, e sim como modos possíveis de ser. Algumas dimensões fundamentais utilizadas nesse trabalho são: temporalidade, espacialidade, ser-com-o-outro, corporeidade, disposição do medo e ser-mortal. (...) o existir humano subentende, ocupa, ou melhor ainda, é de imediato, uma abertura transparente e estendida para o que se encontra no mundo, do mais próximo ao mais longínquo, tanto no sentido espacial quanto temporal (Boss e Condreau, 1997, p. 27). Cardinalli (2004, p. 61) esclarece que na medida em que ao Dasein é inerente ser-nomundo, o mundo aqui é compreendido não como lugar físico, mas como horizonte da totalidade das relações referentes e significativas do homem. Assim, homem e mundo não 24 são entes separados, o homem está junto ao mundo diferentemente de qualquer outro ente colocado num espaço. Ele se ocupa da tarefa de vir-a-ser nesse mundo, com os outros. Já que em sua essência o homem tem não somente a possibilidade de escolher ele mesmo que tipo de relação quer estabelecer com os diferentes entes que se apresentam a ele em meio a multiplicidade de dados no mundo, mas também porque lhe é necessário a todo momento tomar pessoalmente tais 10 decisões, o ser humano – e só ele – deve ser qualificado de ser-si-mesmo . (Boss e Condrau, 1997, p. 27). Assim, a experiência do tempo do agora é sempre relacionada ao tempo que passou e ao que ainda está por vir (Heidegger, 2009a, p. 65). Aproximamo-nos do tempo a partir do tempo decaído – o tempo do relógio, do calendário. Mas a existência é permeada pelo tempo na medida em que ele sempre nos é concedido (Heidegger, 2009a, p. 98). Este mundo é apresentado ainda como sendo um contexto de remetimento de significados. Esse contexto está articulado entre passado-presente-futuro, de forma que o entendimento possível se dá sempre a partir da apropriação da história. É nessa tripla temporalização cooriginária que se dá nosso aí (Heidegger, 2009a, p. 101). A Daseinsanalyse interpreta o corpo como fenômeno decorrente do fenômeno originário da existência sendo que existência e corpo são apreendidos sob o horizonte fundamental do fenômeno do tempo. O corpo como fenômeno pode ser entendido dentro da existência, no âmbito ontológico, enquanto corporeidade e ser-corpo. (...) trabalhamos numa perspectiva em que não estão presentes aquelas cisões entre mente e mundo, entre mente e corpo. Concebemos a existência humana, ou seja, o Dasein, como uma estrutura que se caracteriza como ser-nomundo. Dasein já é, por princípio, sempre junto às coisas; é um ente que só pode ter acesso a si mesmo enquanto compartilha a presença dos entes que são distintos dele mesmo. E a maneira de Dasein ser-no-mundo é sendo corporal (Pompéia, 2002). 10 Grifos do autor. 25 O corpo não aparece por meio da reflexão teórica, pois ele faz parte, desde sempre, de nossa existência, e é a partir dele que estabelecemos conexões com o mundo. Não é possível distingui-lo da existência, pois aqui nos encontramos diante da experiência de um mesmo acontecimento. O ser-corpo nunca é um corpo qualquer ou geral, ele é sempre nosso (Michelazzo, 2002). Só poderemos, finalmente, compreender o fenômeno fundamental do corpo, como expressão da existência temporal, quando, então, esse cruzamento de encontros for por nós pensado, experimentado, assumido. (Michelazzo, 2002, p. 27). Do mesmo modo que Dasein é aquele que existe sempre vindo a ser, portanto, temporal, ele é corporal. E ao mesmo tempo em que a corporeidade diz respeito ao corpo, ela diz respeito ao mundo. Nesse sentido, fazer uma fenomenologia da corporeidade é “buscar a qualidade de uma experiência que está intimamente relacionada com a questão do corpo” (Pompéia, 2002, p. 31). Segundo Pompéia (2002), o ser corporal de Dasein nos mostra que o existir é ao mesmo tempo indigência e potência. O Dasein é um ente que muda e produz mudanças. Indigência significa estar submetido à condição de mudanças, implicando perda, carência e falta. Ao passo que potência diz respeito ao poder que temos de produzir mudanças, de possibilitar crescimento, desenvolvimento e ganhos. 26 2. TORTURA Que o erro e a punição se intercomuniquem e se liguem sob a forma de atrocidade, não era a consequência de uma lei de talião obscuramente admitida. Era o efeito, nos ritos punitivos, de uma certa mecânica do poder: de um poder que não só se furta a se exercer diretamente sobre os corpos, mas se exalta e se reforça por suas manifestações físicas; de um poder que se afirma como poder armado, e cujas funções de ordem não são inteiramente desligadas das funções de guerra; de um poder que faz valer as regras e as obrigações como laços pessoais cuja ruptura constitui uma ofensa e exige vingança; de um poder para o qual a desobediência é um ato de hostilidade, um começo de sublevação, que não é em seu princípio muito diferente da guerra civil; de um poder que não precisa demonstrar por que aplica suas leis, mas quem são seus inimigos, e que forças descontroladas os ameaçam; de um poder que, na falta de uma vigilância ininterrupta, procura a renovação de seu efeito no brilho de suas manifestações singulares; de um poder que se retempera ostentando ritualmente sua realidade de super-poder (Foucault, 1987, p. 52). 27 Segundo o artigo 1º da Convenção da ONU “Sobre a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes”, de 10 de dezembro de 1984, a tortura é definida como: Qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, por sua instigação, ou com seu consentimento ou aquiescência (Dallari, 1992, p. XXII). A tortura é aqui compreendida como dispositivo de uma política sistemática dos Estados brasileiro e argentino por estímulo, omissão, conivência e tolerância tanto das autoridades quanto da sociedade em geral (Coimbra, 2001; Arantes: in Freire, Almada e Granville Ponce, 1997). Para Foucault (2007), dispositivo constitui um conjunto de práticas e discursos que vão se institucionalizando ou se dispondo num arranjo que se estabelece com uma função estratégica dominante. Ele está inscrito em um jogo de poder unido a uma ou a configurações de saber que dele surgem e que também o regulam. Desse modo, são estratégias de relações de força, operando tipos de saber e sendo operadas pelos mesmos. Ainda hoje, segmentos pauperizados da população são constantemente violados em seus direitos e rotulados como perigosos, o que justifica a utilização da tortura como prática relacionada ao controle da sociedade. Em especial nos regimes terroristas, a prática da tortura deixa de recair somente nos segmentos marginalizados socialmente e surge no horizonte dos opositores políticos daquele regime. Dentre as diversas formas de terror, implantadas e institucionalizadas estava a tortura, usada não só para a obtenção de informações sobre grupos revolucionários que combatiam o sistema instituído, como também para impor, através do medo, o silêncio e o conformismo a todos os dissidentes potenciais (Naffah Neto, 1983, p.1). 28 Assim, torna-se premente analisar e comparar as ditaduras da América Latina – no caso do presente trabalho, as do Brasil e Argentina – em seus mecanismos de tortura e analisar os desdobramentos dessas situações. Esse objetivo se coloca não apenas para compreendermos essa parte de nossa história, mas também para avaliarmos as implicações existenciais de situações de violência extrema, já que não temos pesquisas no campo da psicologia que relacionem a ditadura e o sofrimento dos sequestrados políticos nos termos apresentados na presente pesquisa11. Para aqueles que foram atingidos diretamente pela violência institucionalizada, faz parte de um processo de reparação trazer essa outra história, apontar os crimes então cometidos, seus responsáveis, seus parceiros, assessores e aliados. Enfim, lutar contra a impunidade de todas essas pessoas, articulando tal luta com a violação dos direitos humanos, hoje tão naturalizada e banalizada em nosso cotidiano, sem dúvida, tem sido o início de uma reparação. Não só uma forma de resistência, mas fundamentalmente a procura de uma reparação que o Estado brasileiro, ainda hoje, se nega a admitir. Quando muito, como uma espécie de “cala-boca”, o último governo “condescendeu” – após muitas pressões – em dar uma reparação financeira aos familiares de mortos e desaparecidos políticos (Coimbra, 2001). Na presente pesquisa não abordaremos os aspectos econômicos envolvidos nos antecedentes e nos desenvolvimentos dos regimes terroristas brasileiro e argentino. Sabemos que esses aspectos são importantes, mas entendemos que nenhum desdobramento no campo da economia se justificaria jamais pela utilização de tais meios desumanos. La influencia de la política de los Estados Unidos en el desenvolvimiento de las políticas militares en Latinoamérica se ejerció a través de las reuniones de cancilleres y por intermedio de las conferencias de ejércitos americanos. Estas últimas se constituyeron en el ámbito de expresión y organización de las tendencias antidemocráticas y dictatoriales del continente, de la difusión de la doctrina de contrainsurgencia y han sido el punto de articulación de las tácticas de aplicación de la Doctrina de la Seguridad Nacional en cada país. En ese espacio llegaran a establecerse alianzas de índole militar independientes de los propios gobiernos. (Poce, 2002, p. 43) 11 Para uma aproximação ao tema, consultar: Naffah Neto, 1989; Edelman e Bermann 1994 e Grupo Tortura Nunca Mais – RJ in: Clínica e Política 1 e Clínica e Política 2. 29 Juan Carlos Onganía, que se tornou presidente da Argentina no período de 1966 a 1970, em 1965 ao retornar de viagem à Espanha franquista, discursou no Brasil apoiando sua teoria das “fronteiras ideológicas”, pronunciando-se a favor de uma aliança militar argentino-brasileira para enfrentar a subversão. Segundo Poce (2002, p. 44), esta foi a doutrina que sustentou politicamente o golpe de estado de 1966 contra o presidente Arturo Illia. Outro exemplo de crime cometido pelo governo ditatorial brasileiro foi o lançamento, pelo general-de-exército Costa e Silva, de um comunicado para todas as entidades militares dizendo-se “Comandante do Exército Nacional” com cinco incongruências jurídicas que demonstram a manutenção do poder a partir da ilegalidade (Gaspari, 2002a, p. 116-7). Além disso, no Brasil o SNI (Serviço Nacional de Informações) controlou ouro, contrabando, mercado negro de dólares, exportações de café e urânio etc, acobertou atos terroristas contra organizações de esquerda e matou muitos de seus militantes (Gaspari, 2002a). As práticas que fundamentaram os regimes terroristas estudados se basearam numa metodologia de auxílio mútuo. Um exemplo disso foi o Plano Cóndor: Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai unidos, estimulados e instrumentalizados pelos EUA, que tiveram uma participação “criminosa” na origem na operação terrorista continental. (Hitchens apud Coggiola, 2001, p. 71). Outro exemplo foi a Escola das Américas. 30 2.1 TORTURA E SUPLÍCIO; DITADURA E VIOLÊNCIA O objetivo do presente capítulo é apresentar conceitos que serão utilizados nas categorias de análise no decorrer da pesquisa. Para isso, iniciaremos por conceitualizar a tortura como dispositivo de manutenção do Estado ditatorial (tanto brasileiro quanto argentino) a partir de dois aspectos: o primeiro é considerar “a punição como uma função social complexa” (Foucault, 1987, p. 26) e o segundo é “adotar em relação aos castigos a perspectiva da tática política” (Foucault, 1987, p. 26). En su origen, el tormento se confunde con la pena y suele ser una forma cruenta de eliminar al acusado y no un procedimiento judicial inquisitivo. (Lamas, 1956, p. 11) Essa escolha se dá porque, entendendo o ser humano a partir do referencial da fenomenologia-existencial, não podemos deixar de relacioná-lo sempre ao mundo em que vive, só sendo possível compreendê-lo em suas relações estabelecidas, inclusive históricas e políticas. A existência humana está, desde o começo, “aí fora” junto dos entes do mundo, de tal modo que nenhum mundo interior, subjetivo, pode ser demonstrado... Ela existe sempre com eles, em relações definidas pelos significados percebidos nesses entes (Boss, 1979, p. 183-4). A partir da metodologia de pesquisa fenomenológica, a história não é algo do passado, visto como um objeto. É compreendida como historicidade, ou seja, um dinamismo em que existe a possibilidade de o homem compreender a si próprio por meio da experiência vivida. Segundo a fenomenologia, o homem é um ser histórico e o objetivo das ciências humanas é compreender a vida a partir de categorias intrínsecas a ela e dela derivadas. Deste modo, a experiência não é estática, pois tende a envolver tanto o passado quanto a antecipação do futuro, já que a temporalidade abrange toda a experiência humana (Bruns e Holanda, 2001, p. 70). 31 Desta forma, ao contextualizarmos a tortura como prática sistemática dos Estados ditatoriais do Brasil e da Argentina, levaremos em consideração: Analisar antes os “sistemas punitivos concretos”, estudá-los como fenômenos sociais que não podem ser explicados unicamente pela armadura jurídica da sociedade nem por suas opções éticas fundamentais; recolocá-los em seu campo de funcionamento onde a sanção dos crimes não é o único elemento; mostrar que as medidas punitivas não são simplesmente mecanismos “negativos” que permitem reprimir, impedir, excluir, suprimir; mas que elas estão ligadas a toda uma série de efeitos positivos e úteis que elas têm por encargo sustentar (...) (Foucault, 1987, p. 27). A tortura funcionou como um instrumento para manutenção dos estados ditatoriais que se utilizaram da violência como técnica para a sobrevivência da soberania. A ditadura é um “retorno”12 do poder de soberania, portanto, a tortura se justifica como prática nesse estado para proteção ao soberano, no caso, a própria manutenção das ditaduras aqui estudadas. Neste sentido, a violência se torna viável já que a mesma “(...) é um fenômeno intrínsecamente político (...).” (Duarte in: Arendt, 2009, p. 159). Aqui, não cabe dizer que a tortura mantém o poder13. Segundo Hannah Arendt (2009b), violência e poder, embora intrínsecamente ligados, são incompatíveis. Desta forma, podemos relacionar o poder arendtiano com a autoridade, e a violência com o autoritarismo. Segundo a autora, as diferentes formas de governo são formas de organização “(...) das relações de dominação do homem pelo homem, as quais encontrariam na violência sua justificativa última e seu próprio fundamento.” (Duarte in: Arendt, 2009, p. 137-8). Assim, a violência só é utilizada para a manutenção de qualquer relação na medida em que o poder diminui. 12 Utilizamos o termo “retorno” entre aspas pois estudiosos do pensamento foucaultiano esclarecem que os diferentes tipos de poderes apresentados pelo pensador não se substituem, ao contrário, se sobrepõem. Mas o termo “retorno” se justifica na medida em que defenderemos as ditaduras do cone sul, especialmente no Brasil e na Argentina, como fundadas num aumento substancial do poder de soberania. 13 Utilizaremos o termo poder em itálico como maneira didática de diferenciação dos conceitos de poder para Hannah Arendt e de poder para Foucault. 32 O poder está baseado no apoio – tácito ou explícito – e, mais diretamente, no número daqueles que conferem a ele o seu consentimento, e não primordialmente nos meios da violência de que dispõe. Isso é o que faz da tirania um governo impotente e, portanto, extremamente violento (Duarte in:Arendt, 2009a, p. 145). Para Hannah Arendt (2009b), o poder está ligado à ação, e a ação é a única atividade que se exerce diretamente entre os homens, sem a mediação das coisas ou da matéria. Para que ela aconteça é necessário que exista um espaço público, ou seja, um espaço correspondente à condição humana da pluralidade. Um espaço em que iniciativa e palavra circulem, dando a todos o igual direito de expressar suas diferenças na construção coletiva. A ação é a condição para a vida política, a condição para que os sujeitos sejam protagonistas de seus papéis como zoon politikon na construção coletiva de transformações das realidades humanas. A ação se consolida, então, como a condição humana fundamental. A mesma autora levanta as dificuldades que temos na contemporaneidade em manter ou criar a esfera pública, ou seja, em promover a ação. Nesta medida, quatro dificuldades se apresentam. Num primeiro momento, temos a tradução errada para o latim de obras gregas que tratavam do zoon politikon como animal socialis. Para os gregos o social não distingue o homem dos animais, visto que a vida é vinculada ao espaço privado, à economia, à oikia (casa). Mas para além dessa associação há a política, considerada como verdadeira condição humana na medida em que promove e sobrevive no exercício da ação. Uma segunda dificuldade para a existência da ação aparece com o advento da Modernidade, que promove o “social” a partir da ascensão do capitalismo supervalorizando o indivíduo e a propriedade privada, onde os interesses particulares se sobrepõem aos públicos, portanto, onde a iniciativa e a palavra não podem circular e onde ação e poder são inexistentes. Num terceiro momento, a construção do espaço público ainda torna-se mais difícil na medida em que vivemos a experiência da massificação. Segundo a autora, nossa sociedade vive um processo de conformismo permeado por normas burocráticas que se 33 contrapõe com o político da antiguidade (que compreende a ação, a participação na vida pública e o poder). Finalmente, a quarta dificuldade é que hoje temos a mudança do local de diferenciação dos homens. Antigamente se diferenciavam na esfera pública, no exercício da ação e do poder, hoje o local de diferenciação dos homens passa a ser a esfera privada em sua principal atividade: o consumo. Além disso, as pessoas se unem em torno da condição do labor (subsistência, conceito arendtiano intimamente ligado ao trabalho alienado de Karl Marx). Com o trabalho alienado ganhando status de principal atividade humana, torna-se ainda mais difícil a existência da ação. Assim, para Hannah Arendt, o poder existe apenas entre os homens e é resultado da ação (Duarte in:Arendt, 2009a, p. 143). Só há poder se são preservadas condições favoráveis para a ação coletiva e para a troca de opiniões divergentes em um espaço público; do mesmo modo, o que garante a permanência do próprio espaço público é o poder, que tem de ser reatualizado constantemente por meio de atos e palavras não violentos (Duarte in:Arendt, 2009a, p. 144). Esse conceito de poder aredtiano é diferente do poder para Foucault. Enquanto Foucault nos apresenta o conceito de poder como fenômeno complexo ligado à manutenção de um governo segundo a defesa de seus próprios interesses políticos, Arendt nos apresenta o poder como um conceito ligado à ação e ao espaço público. Ela salienta que esses conceitos, que nos remetem a polis grega, não são encontrados nos governos contemporâneos, daí o aumento da violência, em especial a expressa na crescente brutalidade e na ineficácia da polícia. Todo aumento da violência é sinal de um decréscimo ou mesmo da perda do poder e a marca mais evidente da destruição do poder pela violência é o isolamento entre os homens e a concomitante desagregação do espaço público como espaço destinado ao aparecimento da pluralidade de homens e opiniões, com suas diferenças e conflitos intrínsecos (...) (Duarte in:Arendt, 2009a, p. 157). Poder e violência, ao mesmo tempo em que se distinguem, se relacionam. A violência tem caráter instrumental: apresenta-se como o último recurso para conservar intacta a estrutura de poder contra os contestadores. É como se a violência fosse o pré-requisito do poder, a mais flagrante manifestação do poder (Arendt, 2009, p. 64). Desta forma, no século 34 XX a multiplicação dos meios de violência pela revolução tecnológica foi introduzida na política como, por exemplo, no caso da tortura (Arendt, 2009a, p. 10). Jamais existiu governo exclusivamente baseado nos meios da violência. Mesmo o domínio totalitário, cujo principal instrumento de dominação é a tortura, precisa de uma base de poder – a polícia secreta e sua rede de informantes (Arendt, 2009a, p. 67). Assim, podemos dizer que o dispositivo da violência é regido pela categoria meio-fim e se explica na medida em que considera como fim um perigo, o que justificaria, então, a utilização de quaisquer métodos para superá-lo (Arendt, 2009a, p. 18). Portanto, na violência, os meios se sobrepõem aos fins (Arendt, 2009a, p. 100). A violência pode ser entendida como tudo aquilo que reduz um sujeito à condição de objeto. De acordo com Chauí (1994), a violência é o exercício da força física e da coação psíquica para obrigar alguém a fazer alguma coisa contrária a si, causando-lhe danos tão profundos que podem chegar a ser irreparáveis. A violência é normatizada pela ética, e uma ação ética, diferentemente da violência, não se justifica pelos fins, pois só meios éticos são aprováveis e podem estar de acordo com fins éticos. Desta forma, a violência funciona como um dispositivo antiético de manutenção do governo autoritário (Arendt, 2009a, p. 68) e o domínio deste governo pela violência significa, para Arendt, que o poder foi perdido (Arendt, 2009a, p. 71). No caso das ditaduras brasileira e argentina, uma tentativa de recuperar o poder foi feita pelos grupos de oposição aos regimes, principalmente quando esses regimes passaram a utilizar o dispositivo da violência como terror sistematicamente. O terror não é o mesmo que a violência; ele é, antes, a forma de governo que advém quando a violência, tendo destruído todo o poder, em vez de abdicar, permanece com controle total (Arendt, 2009a, p. 72). O dispositivo do terror foi utilizado como forma de submeter toda a sociedade à ideologia da violência a partir das idéias de “perigo iminente” e de “segurança nacional”. Para os governos ditatoriais, essas idéias justificavam a utilização da violência a partir do 35 princípio legal de “legítima defesa” do Estado. Isso pode ser observado quando, ao assumir a presidência do Brasil, Garrastazú Medici pronunciou: “Quem semear a violência colherá fatalmente a violência” (Gaspari, 2002b). Mas isso não se justifica na medida em que possamos compreender a “subversão” como desobediência civil em resposta à soberania e à violência e como tentativa de reconstrução do poder. Desta forma, estes governos só podem ser compreendidos como criminosos: Na medida em que considera a obediência como um reflexo do consentimento, Arendt defende a desobediência civil como um ato político legítimo, distinto da transgressão criminosa às leis de um país. Enquanto a desobediência civil defende sua causa abertamente no espaço público e, mesmo sendo minoritária, reivindica a adesão de uma maioria para a transformação ou a conservação de uma determinada situação, a transgressão criminosa tem necessariamente de ocultar-se, pois ela nada mais é do que uma exceção aberta em nome de interesse próprio. (...) Em situações políticas emergenciais, a desobediência civil é, portanto, uma forma de recuperação da capacidade humana para agir coletivamente e resistir contra a arbitrariedade e a opressão, refundando e renovando as bases do poder constituído por meio do recurso ao potencial renovador do poder constituinte (Duarte in:Arendt, 2009a, p. 155-156). Muitos trabalhos sobre ditadura e tortura referem-se a uma análise psicopatológica do torturador, como se este fosse imputado de uma personalidade violenta que o possibilita participar de rituais degradantes. Não compartilhamos dessa construção. Compreendemos, com Hannah Arendt, que os torturadores são pessoas “terrivelmente normais” (Arendt, 1999) que agem segundo exista recompensa e, no caso da tortura nas ditaduras militares, faz-se uso da burocracia carreirística do mérito como recompensa. Isso colocou os torturadores brasileiros, por exemplo, ao mesmo tempo na condição de “infratores e de intocáveis.” (Gaspari, 2002b, p. 22-24-26). Pretendemos discutir as contingências políticas que criam a possibilidade da existência de lugares como o do torturador, que são mantidos não por uma personalidade perversa, mas por toda uma estrutura política perversa, que se faz presente na relação de micro e macropoderes, já que “(...) não há nada de irracional na violência que porventura advenha de tais intenções e interesses conflitantes, visto que eles são parte constitutiva da vida política.” (Duarte in:Arendt, 2009, p. 153). 36 Para compreendermos a utilização da violência pelas ditaduras, em especial a tortura como dispositivo fundamental destes governos, entendemos necessário distinguir os termos suplício e tortura. Mas essa diferença não é possível de se estabelecer sem antes nos debruçarmos em seus contextos. Para compreendê-los, estabeleceremos a diferença entre poder de soberania, biopoder disciplinar e biopoder biopolítico, de acordo com Foucault, como poderes que se não sucedem historicamente, mas se somam. A partir desses conceitos é que pretendemos compreender o contexto de manutenção da tortura como violência estratégica nas ditaduras, diferenciando-a do suplício. Propomos, assim, as ditaduras como um período político de aumento significativo do poder de soberania (Foucault, 1987) viabilizado pela inscrição da tortura e do desaparecimento como dispositivos fundados no conceito de “estado de exceção” (Agamben, 2004). Segundo Foucault, a diferença entre esses três tipos de poder se dá, basicamente, a partir de distintas concepções de vida, de morte e de corpo (Pelbart, 2009). 2.2 PODER DE SOBERANIA O poder de soberania é localizado até o século XVII e, em alguns casos, século XVIII, e é apresentado por Foucault através da máxima: “faz morrer e deixa viver”. Assim, vida e morte são fenômenos políticos através dos quais se tornam visíveis os aparatos de poder que funcionam como um mecanismo de retirada, num direito do soberano de apropriar-se dos súditos (vida, riquezas, trabalho etc.). Esse poder se apresenta como mecanismo negativo na medida em que há um direito estabelecido legalmente de que o soberano retire a vida de seus súditos (Pelbart, 2009). Aqui, a morte é ritualizada porque faz parte da vida muito mais intrinsecamente. Basta considerarmos a mortalidade infantil, as pestes e a expectativa de vida frente às doenças causadas, por exemplo, pela ausência de saneamento (Foucault, 1987). Para além de uma 37 conceitualização natural de vida e morte, elas são inscritas no campo político como dispositivo de poder soberano, mas, “Mais do que a vida, porém, é a morte que ele (súdito) deve ao soberano (...) ponto em que se manifesta de maneira espetacular o poder absoluto do soberano.” (Pelbart, 2009, p. 56). Com a explosão demográfica e a industrialização, esse tipo de poder tornou-se inoperante. 2.3 BIOPODER Assim, no final do século XVIII, Foucault localiza predominantemente o que ele denomina como biopoder, cuja máxima é: “faz viver e deixa morrer” (Pelbart, 2009). Este poder funciona como um mecanismo de incitação para gerir a vida mais do que exigir a morte. Esta, só será exigida em defesa da vida-administração. O objetivo do biopoder é produzir forças, fazê-las crescer e ordená-las, mais do que barrá-las ou destruí-las. Como exemplo, podemos pensar nas guerras; se no poder de soberania elas estavam ligadas à sobrevivência de um Estado (lógica da soberania), no biopoder, elas se referenciarão à sobrevivência de uma população (lógica biológica). O biopoder funciona com base na incitação, no controle, na vigilância, visando à otimização das forças que ele submete (Pelbart, 2009). Gerir a vida, mais do que exigir a morte. E quando exige a morte, é em nome da defesa da vida que ele se encarregou de administrar. Curiosamente, é quando mais se fala em defesa da vida que ocorrem as guerras mais abomináveis e genocidas – o poder de morte se dá como um complemento de um poder que se exerce sobre a vida de maneira positiva (Pelbart, 2009, p. 56). O biopoder se reveste de duas formas: disciplinar e biopolítica. 38 2.4 BIOPODER DISCIPLINAR Três séculos mais tarde percebemos mudanças legais no modo de penalizar os condenados com o fim dos suplícios e o início do que Foucault chama de biopoder disciplinar. O biopoder disciplinar foi analisado em sua obra “Vigiar e Punir” (1987). Tendo como foco o corpo individual, surgiu no século XVII nas escolas, fábricas, hospitais e no exército, ou seja, ligado tanto às “instituições totais” (Goffman, 2008) quanto à produção e manutenção do binômio “saber-poder” (Foucault, 2006). O poder disciplinar é resultado da disciplinarização e docilização dos corpos, a partir de sua regulação pelo Estado, portanto, como resultado histórico dos suplícios. Este modo de poder político se baseia no adestramento do corpo, na otimização de suas forças, na integração dos corpos em sistemas de controle e na concepção de corpo como máquina sujeita a uma anátomo-política (Pelbart, 2009). 2.5 BIOPODER BIOPOLÍTICO O biopoder biopolítico surgiu no século XVIII e mobilizou a gestão da vida da população – não dos indivíduos – enquanto espécie. O corpo tornou-se, então, suporte de processos biológicos: “(...) a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a longevidade – é a biopolítica da população.” (Pelbart, 2009, p. 57). A biopolítica da população está baseada num poder que apresenta quatro características principais: é difuso (micro-poder); não é controlado por instituições; está disperso em todas as instituições e relações; tem como objeto a vida, e não a morte, mas uma vida na qual tudo é capitalizado (Pelbart, 2009). Foucault introduziu o conceito de biopolítica na conclusão de sua obra “História da Sexualidade” (2006): 39 (...) pois a sexualidade encontra-se precisamente nesse entrecruzamento entre os dois eixos da tecnologia política da vida, a do indivíduo e da espécie, a do adestramento dos corpos e a regulação das populações, a dos controles infinitesimais, o micropoder sobre o corpo e as medidas massivas, estimações estatísticas, intervenções que visam o corpo social como um todo. De fato, o sexo faz a ponte entre o corpo e a população, a tal ponto que o que era a sociedade do sangue, correspondente ao poder de soberania, na era do biopoder torna-se sociedade do sexo (e depois, talvez, venha a tornar-se a sociedade dos gens...). Ainda que encavalamentos diversos tenham mesclado os dois regimes, o do sexo e do sangue, como no nazismo (Pelbart, 2009, p. 58). 2.6 SUPLÍCIO E TORTURA OU O A EXCEÇÃO NO “BIOPODER DE SOBERANIA” Foucault (1987) descreve logo no início do livro “Vigiar e Punir” o suplício aplicado ao corpo de um condenado em 2 de março de 1757. Nessa descrição pormenorizada, torna-se visível que o condenado foi brutalmente torturado. O papel do carrasco/torturador era justamente colocar em prática, a partir de sua técnica, a sanção a que foi submetido o criminoso. A citada cerimônia ocorreu diante da porta principal da Igreja de Paris, já que esse ritual necessariamente ocorria num local que possibilitasse o acesso de toda a população da cidade. Visto que o objetivo também era impactar a população, a função daquela cerimônia era a aplicação da lei perante toda a cidade. Durante o suplício, o condenado, além de pedir perdão a Deus e à cidade publicamente repetidas vezes, perdoava, também em voz alta, seus carrascos, dizendo que compreendia que os mesmos estavam apenas cumprindo o seu ofício “em cumprimento da sentença” e que, portanto, “não lhes queria mal por isso” (Foucault, 1987, p. 12). O ritual do suplício se diferencia do da tortura. A dor no corpo físico se configura, ao mesmo tempo, como punição ao condenado e punição à sociedade. Neste sentido, o espetáculo do suplício tem como função servir de exemplo à sociedade para que a mesma não cometa crimes. Isso também foi feito pelas ditaduras aqui estudadas, mas o suplício é uma pena estabelecida num julgamento legal, e embasada também legalmente. Portanto, para cada crime em particular diferentes tipos de suplício eram empregados no momento 40 histórico que Foucault localizou o poder de soberania (Pelbart, 2009). Vale ressaltar que a prática do suplício nas sociedades soberanas era a forma da aplicação da lei, reconhecida legalmente, portanto, tanto pelo soberano quanto por seus súditos (Foucault, 1987). Sua finalidade (suplício) é menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar, até um extremo, a dissimetria entre o súdito que ousou violar a lei e o soberano todo-poderoso que faz valer sua força (Foucault, 1987, p. 46). Assim, apesar de todo sofrimento físico encontrado no relato de 2 de março de 1757, podemos dizer que o fato do condenado aceitá-lo como regra legal coloca essa tortura numa qualidade existencial diferente das torturas ilegais realizadas durante as ditaduras militares que abordamos na presente pesquisa. O condenado aceita a tortura como ofício e como pena, reconhecendo sua atitude como criminosa (no caso citado, um parricídio). Nas ditaduras, podemos dizer que o fato da ilegalidade do governo e das torturas relacionarem como ilegal o que chamaremos de “pensamento de esquerda” faz justamente com que o torturado sofra as terríveis consequências da tortura em seu principal aspecto: a injustiça. Portanto, diferenciamos suplício de tortura a partir de sua referência legal. Dizer que há uma filosofia implicada no suplício não é irrelevante. O suplício, no contexto em que se inscrevia, não era símbolo de uma mera degeneração moral da sociedade, da falta de racionalidade ou de valores humanistas. Pelo contrário, por meio dele se disponibilizava ao infrator a oportunidade de expiar os erros cometidos, de alcançar a misericórdia divina. (...) A tortura, ao contrário do suplício, sempre foi e sempre será apenas um pastiche das grandes performances humanas: morais, políticas, religiosas ou científicas. Uma prática dos porões, das sombras, dos sem rosto e sem voz, dos sem história. A tortura só existe na história dos torturados. (Silva in: Mourão, 2009, p. 86). Segundo Foucault: “O desaparecimento dos suplícios é pois o espetáculo que se elimina; mas é também o domínio sobre o corpo que se extingue” (Foucault, 1987, p. 15). O corpo que será dominado no poder disciplinar nos remete à ideia da reificação do corpo no capitalismo. O corpo reificado pode, portanto, ser utilizado como meio para se obter informações que se justificam como exceção (Agamben, 2004) para garantir a “segurança nacional”, pois a reificação do corpo obscurece, justamente, a reificação do sujeito como sujeito de direitos, inclusive em sua potência ideológica (Arendt, 2005). A reificação do sujeito é uma das formas mais hostis de violência. O corpo reificado está, portanto, 41 mergulhado num campo político de relações de poder nas quais o suplício só pode se justificar a partir do estado de exceção. Corpo útil à produção deve também ser corpo útil à informação, independente dos meios que se empreguem nessa nova “tecnologia política do corpo” (Foucault, 1987, p. 28). Foucault define essa mudança no estilo penal como resultado de uma transformação em toda a Europa no final do século XVIII e na primeira metade do século XIX da redistribuição da economia do castigo numa “nova justificação moral ou política do direito de punir” (Foucault, 1987, p. 13), inaugurando uma nova era da justiça penal. O autor compreende que o desaparecimento da tortura não se deve a uma aparente “humanização” das relações sociais, mas a uma certa “descrição na arte de fazer sofrer” com a supressão do “espetáculo punitivo” ( Foucault, 1987, p. 14): A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo desde então terá um cunho negativo; e como as funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrandolhes a freqüência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração. (...) Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte da violência que está ligada àa seu exercício (Foucault, 1987, p. 14-5). Se o castigo “passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos” (Foucault, 1987, p. 16), a punição dos corpos mediante a tortura tornase ilegal e ser submetido à ilegalidade pelo Estado é racionalmente inadmissível. É um contra-senso a punição nas guerras serem opostas à nova moral estabelecida própria do ato de punir desde os séculos XVIII e XIX. Sob o nome de crimes e delitos, são sempre julgados corretamente os objetos jurídicos definidos pelo Código. Porém julgam-se também as paixões, os instintos, as anomalias, as enfermidades, as inadaptações, os efeitos de meio ambiente ou de hereditariedade. Punem-se as agressões mas, por meio delas, as agressividades, as violações e, ao mesmo tempo, as perversões, os assassinatos que são, também, impulsos e desejos. Dir-se-ia que não são eles que são julgados; se são invocados, é para explicar os fatos a serem julgados e determinar até que ponto a vontade do réu estava envolvida no crime. Resposta insuficiente, pois são as sombras que se escondem por trás dos elementos da causa, que são, na realidade, julgadas e punidas (Foucault, 1987, p. 21). 42 Não é possível neutralizar a periculosidade dos “subversivos”, assim, ao Estado ditatorial cabe utilizar-se da exceção dos direitos humanos fundamentando-a na idéia de que o próprio autor do crime não tem condição de ser “reabilitado”, portanto, não lhe basta a punição legal (Agamben, 2004). Isso se dá porque os subversivos eram considerados marxistas e, portanto incuráveis, como podemos constatar na seguinte fala de González, um torturador formado pela Escola das Américas, ao descrever a um jornalista o conteúdo da palestra que assistiu sobre conceitualização do marxismo: Una vez un oficial vino a pasar una película y dio una charla. Y ahí habló de marxismo. O sea, dijo que había una corriente filosófica que era el marxismo, pero era una corriente de odio, de hombres poseídos por el demonio, gente cuyo cerebro desarrollaba las ideas más diabólicas… Ideas como masacrar y destruir el mundo, y sembrar el odio. Y nuestra tarea era combatir con el fusil esas ideas. Y Dios nos iba a dirigir para eliminar el comunismo del mundo… Eso es, más o menos, lo que recuerdo (Calloni, 2006, p. 273). Assim, fica claro como o “subversivo” é enquadrado como “subhumano”, o que o torna a exceção dos direitos humanos. A estratégia da tortura como poder soberano obedece a uma série de micropoderes que só podem ser compreendidos se contextualizados na história e nos efeitos por eles induzidos na rede em que se configuram. A partir dessa microfísica do poder podemos compreender toda a tática ditatorial latinoamericana inserida numa estratégia de dominação ideológica através da violência (Foucault, 1987, p. 29). E as aulas práticas e teóricas de tortura que ocorriam cotidianamente durante essas ditaduras ficam, portanto, inseridas numa economia da relação de poder-saber do corpo político como exceção (Foucault, 1987, p. 30 e Agamben, 2004). Trataríamos aí do “corpo político” como conjunto dos elementos materiais e das técnicas que servem de armas, de reforço, de vias de comunicação e de pontos de apoio para as relações de poder e de saber que investem os corpos humanos e os submetem fazendo deles objetos de saber (Foucault, 1987, p. 30). O corpo do condenado adquire um estatuto jurídico no suplício para tornar visível o “menos poder” que marca os que são submetidos a uma punição na medida em que esse 43 ritual qualifica o “mais poder” do soberano enquanto qualifica o “mínimo corpo” do condenado (Foucault, 1987, p. 31). O corpo interrogado no suplício constitui o ponto de aplicação do castigo e o lugar de extorsão da verdade. (...) A cerimônia do suplício coloca em plena luz a força que dá poder à lei. (...) O executor não é simplesmente aquele que aplica a lei, mas o que exibe a força; é o agente de uma violência aplicada à violência do crime, para dominá-la. (...) O soberano está presente à execução, não só como o poder que vinga a lei, mas como o poder que é capaz se suspender tanto a lei quanto a vingança. (...) A atrocidade que paira sobre o suplício desempenha portanto um duplo papel: sendo princípio da comunicação do crime com a pena, ela é por outro lado a exasperação do castigo em relação ao crime. Realiza ao mesmo tempo a ostentação da verdade e do poder; é o ritual do inquérito que termina e da cerimônia onde triunfa o soberano. E ela os une no corpo do supliciado (Foucault, 1987, p. 41 - 52). Diferentemente, o corpo do torturado nas ditaduras está à exceção de qualquer estatuto jurídico, e, portanto, de direitos. A punição da tortura pode ser considerada como violência na medida em que não se aplica somente ao corpo, mas à “alma”, conceitualizada por Foucault como: Realidade histórica (...), que, diferentemente da alma representada pela teologia cristã, não nasce faltosa e merecedora de castigo, mas nasce antes de procedimentos de punição, de vigilância, de castigo e de coação. Esta alma real e incorpórea não é absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de um certo tipo de poder e a referência de um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos do poder. Sobre essa realidade-referência, vários conceitos foram construídos e campos de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc. (...). A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política (...) (Foucault, 1987, p. 31-2). Mas a tortura e o suplício não se aproximam somente em seu aspecto violento. Os supliciados eram torturados até depois da morte, e a exposição desse corpo supliciado servia, justamente, como estratégia de educação14. Também os corpos dos torturados eram expostos – especialmente para outros torturados – mas na perspectiva de uma nova tortura a quem os visse. O medo como terror15 era um dos estratagemas de tortura mais utilizados durante as ditaduras militares latinoamericanas. Na tortura o acusado é condenado de antemão, enquanto que no suplício um julgamento era conduzido na tentativa de justificar a 14 15 No caso brasileiro, temos o exemplo da história de Tiradentes. O medo como terror será conceitualizado no item 5.6.3 da presente pesquisa. 44 condenação prévia (Foucault, 1987, p. 35). Em ambos os casos, a confissão a partir da coerção marca o acusado como produtor da verdade penal que justifica a utilização do método violento. A idéia de que a confissão é insuficiente como prova e de que obtê-la pela violência anula o esforço da investigação, era estranha a ele [cel. Aloysio Nunes], aos réus, ao DOI e ao regime. Agia-se com uma noção exclusiva de poder outorgando-se não só o direito de punir delinquentes da forma que parecesse adequada, como também a prerrogativa de fechar os olhos quando se julgasse conveniente. (...) O STM achou justo desconsiderar as confissões obtidas no DOI, mas esqueceu-se de determinar a investigação das torturas. O capuz da Justiça Militar estava torto: cego para a esquerda, enxergava à direita. Milhares de pessoas passaram pelos DOIs, mas a quadrilha de contrabandistas da PE foi o único grupo confesso na instrução policial integralmente absolvido em todas as instâncias judiciais (Gaspari, 2002b, p. 373). Mas há uma diferença fundamental entre as duas práticas: se o supliciado não confessasse o crime a que estava condenado, o magistrado era obrigado a abandonar as acusações e, com isso, o acusado estava livre da pena de morte. Nas ditaduras, os torturados eram submetidos à violência até a morte, caso não “abrissem”16. Por outro lado, o suplício tem a função jurídico-política de reconstituir a soberania do rei que foi lesada na medida em que um crime foi cometido: Na realidade, entretanto, o que até então sustentara essa prática dos suplícios não era a economia do exemplo, no sentido em que isso será entendido na época dos ideólogos (de que a representação da pena é mais importante do que o interesse pelo crime), mas a política do medo: tornar sensível a todos, sobre o corpo do criminoso, a presença encolerizada do soberano. O suplício não restabelecia a justiça, reativava o poder (Foucault, 1987, p. 46). A tortura, portanto, é uma técnica de saber-poder “físico-psicológico” cuja “tecnologia da alma – a dos educadores, dos psicólogos e dos psiquiatras – não consegue mascarar nem compensar, pela boa razão de que não passa de um de seus instrumentos.” (Foucault, 1987, p. 32). Assim, ao considerar a fenomenologia-existencial como parâmetro de análise dos desdobramentos das situações de tortura nas ditaduras militares do Brasil e da Argentina acreditamos que os fundamentos filosóficos dessa escola nos possibilitam 16 “Abrir” era uma gíria utilizada na época que significava revelar à repressão informações sobre seus opositores. 45 recolocar a psicologia não mais como um instrumento da “alma”, como nos diz Foucault (1987), mas como um modo de aproximação da existência humana que ressignifica o saberpoder intrínsecos aos saberes em saúde mental. Segundo Foucault, no final do século XVIII a tortura passa a ser denunciada como uma barbárie selvagem. A partir deste momento considera-se que: O interrogatório é um meio perigoso de se chegar ao conhecimento da verdade; por isso os juízes não devem recorrer a ela sem refletir. Nada é mais equívoco. Há culpados que têm firmeza suficiente para esconder um crime verdadeiro...; e outros, inocentes, a quem a força dos tormentos fez confessar crimes de que não eram culpados. (Ferrière, Dictionnaire de pratique, 1970, t. II, p. 612 apud Foucault, 1987, p. 39). Na medida em que os grandes códigos penais definidos nos séculos XVIII e XIX apresentam um novo sistema penal que suprime a tortura, eles também se encarregam de elementos e personagens extrajurídicos que têm como função, justamente, evitar que a operação penal seja somente uma punição legal, pois isso isenta o juiz “de ser pura e simplesmente aquele que castiga” (Foucault, 1987, p. 25), fazendo-o não se assemelhar ao verdugo. A justiça criminal hoje em dia só funciona e só se justifica por essa perpétua referência a outra coisa que não é ela mesma, por essa incessante reinscrição nos sistemas não jurídicos. Ela está voltada a essa requalificação pelo saber (Foucault, 1987, p. 25). E, como saber qualificado pelo capitalismo, a ameaça dos “subversivos” era, fundamentalmente, econômica e, por isso mesmo, profundamente perigosa. Era sob esses termos que a idéia de “segurança nacional” embasava a tortura nessas ditaduras como exceção a fim de justificar a tortura não apenas como método de inquérito, mas como punição e disseminação do terror. O verdadeiro suplício tem por função fazer brilhar a verdade (...). Ele opõe à condenação a assinatura daquele que sofre. Um suplício bem sucedido justifica a justiça, na medida em que publica a verdade do crime no próprio corpo do supliciado (Foucault, 1987, p. 42). 46 De qualquer forma, vale ressaltar que a mudança das leis na segunda metade do século XVIII é acompanhada por uma modificação na qualidade da violência e na morosidade da justiça. Delitos contra propriedades, por exemplo, serão mais comuns que crimes violentos. Esse fenômeno se apresenta num contexto em que há modificações no jogo das pressões econômicas, elevação no nível de vida, forte crescimento demográfico, aumento das riquezas e das propriedades além da necessidade de segurança que esse contexto pedia, tomando agora ares burgueses e de justiça de classe no que Foucault (1987) denomina como “passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude” que se contextualizam complexamente numa relação: (...) onde figuram o desenvolvimento da produção, o aumento das riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações de propriedade, métodos de vigilância mais rigorosos, um policiamento mais estreito da população, técnicas mais bem ajustadas de descoberta, de captura, de informação: o deslocamento das práticas ilegais é correlato de uma extensão e de um afinamento das práticas punitivas (Foucault, 1987, p. 72). A justiça passa, assim, a estar mais atenta ao corpo social tornando-se lacunosa. É levada a defender interesses particulares, tanto políticos como econômicos, numa nova política em relação às ilegalidades. Essa política se dá na passagem de uma assimilação jurídico-política a uma sociedade de apropriação dos meios e produtos do trabalho, separando a ilegalidade de bens (classes populares) da ilegalidade dos direitos (burguesia) (Foucault, 1987, p. 73-4/6/80). A ilegalidade dos direitos, que muitas vezes assegurava a sobrevivência dos mais despojados tende, com o novo estatuto da propriedade, a tornar-se uma ilegalidade de bens. Será então necessário puni-la. (...) Em suma, a reforma penal nasceu no ponto de junção entre a luta contra o superpoder do soberano e a luta contra o infrapoder das ilegalidades conquistadas e toleradas. (...) Um sistema penal deve ser concebido como um instrumento para gerir diferencialmente as ilegalidades, não para suprimi-las a todas (Foucault, 1987, p. 79 - 82). Esse aspecto de justiça burguesa aparece também nas ditaduras, visto seu fundamento econômico. 47 Todo malfeitor, atacando o direito social, torna-se, por seus crimes, rebelde e traidor da pátria; a conservação do Estado é então incompatível com a sua; um dos dois tem que perecer, e quando se faz perecer o culpado, é menos como cidadão que como inimigo (J. J. Rousseau, Contrat Social, livro II, cap. V apud Foucault, 1987, p. 83). Mas, segundo Foucault (1987), a reforma penal do século XVIII tem por objetivo maior não a regulação das penas violentas, mas sua suavização. E isso se deve não a um respeito ao criminoso, mas a suavizar o sofrimento dos juízes e dos espectadores. Humanidade é um termo respeitoso atribuído a essa racionalidade econômica que deve medir a pena e prescrever as técnicas ajustadas de modo que as mesmas possam controlar a generalização que um crime traz consigo. “Para ser útil o castigo deve ter como objetivo as consequências do crime, entendidas como a série de desordens que este é capaz de abrir.” (Foucault, 1987, p. 85). Deste modo, deixa-se de visar à ofensa passada para se voltar a preocupação à desordem futura, convertendo a punição numa “arte dos efeitos”, transformando o exemplo não mais num ritual que se manifesta pela sua intensidade, mas num sinal que cria obstáculo. Agora, a pena é economicamente ideal na medida em que é mínima para o que sofre e máxima para os que a imaginam (Foucault, 1987, p. 87). Assim, o ritual judiciário recoloca a verdade no campo de referência das provas, partilhando-a com a multiplicidade dos discursos científicos que proporcionará, ao mesmo tempo, uma classificação dos crimes e castigos e uma individualização das penas voltada para a singularidade de cada delituoso, numa tentativa de objetivação dos crimes e dos criminosos que passam a ser conhecidos como objeto. A reincidência adquire caráter não mais ligado ao ato do crime, mas ao delinqüente que a produz (Foucault, 1987, p. 91). Segundo Foucault, essa aparente “humanização” das penas exige que a justiça se volte não mais ao corpo, mas a “alma”, dispensando as velhas “anatomias punitivas” (Foucault, 1987, p. 91). A diferença se estabelece no bojo do poder de punir. É nesse sentido que se produz a figura do criminoso como “anormal”, portanto, desqualificado como cidadão. A exaltação da Razão inscreve uma nova anatomia política em que, embora o corpo continue como centro 48 das atenções, isso se coloca de uma forma diferente (Foucault, 1987, p. 93). A pena não vem mais da vontade do legislador, mas da “natureza das coisas”. Nessa relação da natureza do crime com a natureza da punição se inscreve o princípio de uma comunicação simbólica (Foucault, 1987, p. 95). Apesar de crueldades que lembram muito o Antigo Regime, é um mecanismo bem diverso que funciona nessas penas analógicas. Não se opõe mais o atroz ao atroz numa justiça de poder; não é mais a simetria da vingança, é a transparência do sinal ao que ele significa; pretende-se, no teatro dos castigos, estabelecer uma relação imediatamente inteligível aos sentidos e que possa dar lugar a um cálculo simples. Uma espécie de estética razoável da pena (Foucault, 1987, p. 95). Assim como as belas-artes deveriam seguir fielmente a natureza, também as instituições políticas deveriam estabelecer relações naturais entre crime e castigo, mascarando-se o poder “sobre a força suave da natureza” (Foucault, 1987, p. 95). No lugar das dores físicas, foi criada toda uma mecânica das forças de punição na intenção de estabelecer a relação crime-castigo na perspectiva de uma “reeducação”. Daí a idéia de que a pena só pode funcionar se terminar; exceção aos incorrigíveis, que devem ser eliminados (Foucault, 1987, p. 96-7). Os “pensadores de esquerda” destas ditaduras, ideologicamente incorrigíveis a partir dessa lógica, foram justificados pelo regime como elimináveis. Desta forma, encontramos nas ditaduras a ideia de que a eliminação dos “subversivos” consolida o capitalismo. No antigo sistema, o corpo dos condenados se tornava coisa do rei, sobre a qual o soberano imprimia sua marca e deixava cair os efeitos de seu poder. Agora, ele será antes um bem social, objeto de uma apropriação coletiva e útil. Daí o fato de que os reformadores tenham quase sempre proposto as obras públicas como uma das melhores penas possíveis (...). Obra pública quer dizer duas coisas: interesse coletivo na pena do condenado e caráter visível, controlável do castigo. O culpado, assim, paga duas vezes: pelo trabalho que ele fornece e pelos sinais que produz (Foucault, 1987, p. 98). Foucault (1987) apresenta que no biopoder o tempo torna-se operador da pena, ou seja, há uma mudança na relação com o tempo: nos suplícios, uma pena grave poderia ser punida rapidamente enquanto que uma menos grave poderia ser supliciada por mais tempo. Agora, a economia da pena na relação tempo de punição/intensidade do crime passa a ser 49 considerada. Além disso, o aspecto econômico faz com que penas de “escravidão ao Estado” se tornem mais interessantes como uma estratégia de fortalecimento do capitalismo (Foucault, 1987, p. 98). O tempo do condenado cumprindo sua pena também aumenta o tempo do exemplo vivo para a sociedade. Enquanto no suplício o terror era suporte do exemplo, “O suporte do exemplo, agora, é a lição, o discurso, o sinal decifrável, a encenação e a exposição da moralidade pública.” (Foucault, 1987, p. 99). As visitas aos lugares de castigos - chamados por Foucault de “museus da ordem” - eram tão comuns e estimuladas quanto aos manicômios (Foucault, 2000). Isso se dava na medida em que se pensava nesse tipo de visita estimulando civicamente a população numa dupla relação: enquanto a presença do povo levava o culpado à vergonha, a presença do culpado instruía o povo contra o crime (Foucault, 1987, p. 100). Não mais o grande ritual aterrorizante dos suplícios, mas no correr dos dias e pelas ruas esse teatro sério, com suas cenas múltiplas e persuasivas. E a memória popular reproduzirá em seus boatos o discurso austero da lei. Mas talvez fosse necessário, acima desses mil espetáculos e narrativas, colocar o sinal maior da punição para o mais terrível dos crimes: o ápice do edifício penal (Foucault, 1987, p. 101). “(...) depois de bem pouco tempo, a detenção se tornou a forma essencial de castigo” (Foucault, 1987, p. 103), que se estende para o século XIX. Isso se deu porque todas as penas, independente de suas naturezas específicas, carregavam o encarceramento como fundamento comum. Mas a prisão não era vista como uma pena, mas como uma garantia sobre a pena e o corpo do condenado (Foucault, 1987). As ditaduras militares do cone Sul, justamente, invertem essa lógica, assim como as grandes guerras. Se a pena serve para corrigir, reeducar e curar, ela não se aplica aos “pensadores de esquerda”, visto que esses não eram compreendidos como curáveis, mas como “subversivos” participantes de uma guerra suja e perigosa que é nomeada como 50 “perigo interno” fundamentando a ideologia da “segurança nacional”, baseada na idéia jurídica de estado de exceção (Agamben, 2004). Tendo garantia sobre o corpo do condenado, as prisões das ditaduras militares do cone Sul instauraram a prática da tortura como meio principal de investigação. Contudo, compreender a tortura aqui como uma retomada do poder de soberania não é suficiente, visto que na sociedade soberana, o suplício obedecia a um ritual inscrito na legalidade. Ao contrário, nas ditaduras militares a tortura foi utilizada como instrumento de investigação para manutenção do poder de forma ilegal, mas, mesmo assim, claramente estimulada e financiada. Enquanto os diferentes ditadores negavam a prática da tortura, os porões das ditaduras tornavam-na cada vez mais elaborada e cruel. Na medida em que a tortura é compreendida como resultado da “fraca influência da razão e da religião sobre o espírito humano” (Foucault, 1987, p. 16), ela só se justifica como método racional a fim de evitar um perigo maior – em nome da segurança nacional portanto, se justifica como exceção (Agamben, 2004). Marcada no corpo do torturado, num tempo que fica suspenso pela ameaça, pelo terror e pelo absurdo, entendemos que os períodos estudados apontam um certo “Biopoder de Soberania” como se fosse possível aqui unir os conceitos de poder soberano e biopoder de Foucault. O Estado se confunde com a ditadura e com a repressão, enquanto o inimigo se confunde com uma ideologia considerada extirpável. Compreendemos, portanto, que o fenômeno de um certo retrocesso ao poder de soberania vivificado pela ilegalidade da tortura pode ser melhor entendido à luz do conceito de estado de exceção, de Giogio Agamben (2004). Segundo Agamben, o estado de exceção é um ponto de desequilíbrio entre direito público e fato político. Ele é fruto dos períodos de crise política e, portanto, só pode ser compreendido no terreno político. O termo nasce com a transformação dos regimes 51 democráticos em função da progressiva expansão dos poderes do executivo durante e depois das duas guerras mundiais e ele se justifica a partir da guerra civil, da insurreição e da resistência. O estado de exceção se constitui de medidas jurídicas que não podem ser compreendidas no campo do direito, já que ele é a “forma legal daquilo que não pode ter forma legal.” (Agamben, 2004, p. 12). Há uma contiguidade entre estado de exceção e soberania, já que soberano é aquele que decide sobre o estado de exceção, mas “(...) o estado de exceção moderno é uma criação da tradição democrático-revolucionária e não da tradição absolutista.” (Agamben, 2004, p. 16). O totalitarismo moderno pode ser definido, nesse sentido, como a instauração, por meio do estado de exceção, de uma guerra civil legal que permite a eliminação física não só dos adversários políticos, mas também de categorias inteiras de cidadãos que, por qualquer razão, pareçam não integráveis ao sistema político (Agamben, 2004, p. 13). O estado de exceção é a abolição da distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário. Ele se apresenta como “um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo” (Agamben, 2004, p. 13). Em seu significado biopolítico, anula o estatuto jurídico do indivíduo, que perde sua identidade jurídica juntamente com a cidadania via suspensão da própria ordem jurídica. Na expressão “plenos poderes”, com que, às vezes, se caracteriza o estado de exceção, refere-se à ampliação dos poderes governamentais e, particularmente, à atribuição ao executivo do poder de promulgar decretos com força-de-lei (Agamben, 2004, p. 17). Mas se o pressuposto do estado de exceção é que retomamos um estado original onde não se distinguiu os diversos poderes (legislativo, executivo etc), na verdade remontamos um vazio de direitos. Isso é mais do que ter “plenos poderes”. “(...) a declaração do estado de exceção é progressivamente substituída por uma generalização sem precedentes do paradigma da segurança como técnica normal de governo.” (Agamben, 2004, p. 28). A necessidade não está sujeita à lei, ela é uma teoria da exceção. “Mais do que 52 tornar lícito o ilícito, a necessidade age aqui como justificativa para uma transgressão em um caso específico por meio de uma exceção.” (Agamben, 2004, p. 41). O estado de exceção, enquanto figura da necessidade, apresenta-se pois – ao lado da revolução e da instauração de fato de um ordenamento constitucional – como uma medida “ilegal”, mas perfeitamente “jurídica e constitucional”, que se concretiza na criação de novas normas (ou de uma nova ordem jurídica) (Agamben, 2004, p. 44). No estado de exceção o Estado continua a existir enquanto o direito desaparece. “O estado de exceção é um espaço anômico onde o que está em jogo é uma força-de-lei sem lei (que deveria, portanto, ser escrita: força-de-lei).” (Agamben, 2004, p. 61). Assim, o estado de exceção se mostra através da abertura de um espaço fictício no ordenamento, salvaguardando a existência da norma e sua aplicabilidade à situação normal. O estado de exceção é, nesse sentido, a abertura de um espaço em que aplicação e norma mostram sua separação e em que uma pura força-de-lei realiza (isto é, aplica desaplicando) uma norma cuja aplicação foi suspensa. Desse modo, a união impossível entre norma e realidade, e a conseqüente constituição do âmbito da norma, é operada sob a forma de exceção, isto é, pelo pressuposto de sua relação. Isso significa que, para aplicar uma norma, é necessário, em última análise, suspender sua aplicação, produzir uma exceção. Em todos os casos, o estado de exceção marca um patamar onde lógica e práxis se indeterminam e onde uma pura violência sem logos pretende realizar um enunciado sem nenhuma referência real (Agamben, 2004, p. 63). Estado de exceção não é ditadura: “Nessa perspectiva, o estado de exceção não se define, segundo o modelo ditatorial, como uma plenitude de poderes, um estado pleromático do direito, mas, sim, como um estado kenomático, um vazio e uma interrupção do direito.” (Agamben, 2004, p. 75). Mas podemos compreender o estado de exceção como o direito de legítima defesa para o Estado (Agamben, 2004, p. 69). Portanto, podemos dizer que no estado de exceção se exclui o outro como sujeito de direito na medida em que não se reconhece o outro como humano. Medici, por exemplo, deixa claro que para a ditadura brasileira “uns são mais humanos que outros” (Gaspari, 2002b, p. 160). 53 Neste sentido, não pretendemos compreender a ditadura como exceção, mas sim a prática ilegal da tortura na ditadura que sempre se manteve fora da ordem jurídica (Agamben, 2004, p. 87): “(...) não há senão uma zona de anomia em que age uma violência sem nenhuma roupagem jurídica.” (Agamben, 2004, p. 92). Assim, compreendemos que as ditaduras militares do cone Sul retrocedem ao poder de soberania no sentido da manutenção do Estado a partir da vontade do soberano, já que “sob condições de emergência, ou próximo a elas, o governo pode modificar esses critérios e adotar uma legislação diferente para tratamento dos capturados.” (Gaspari, 2002b, p. 314). Mas esse retrocesso ocorre via dispositivo do estado de exceção (Agamben, 2004), pois só a partir da violência da tortura como prática ilegal, negada e ao mesmo tempo financiada e estimulada, é que foi possível a manutenção desses regimes. Os governos ditatoriais lidam com a ilegalidade e a funcionalidade da tortura com uma ambiguidade que os obriga a manter ao mesmo tempo uma “situação mentirosa e um mundo clandestino” (Gaspari, 2002b, p. 21). Assim, sabemos que comumente presidentes e ministros negam delitos praticados ao mesmo tempo em que o “agente da exceção” é recompensado pela ação, ainda que assumindo o risco de virar bode-expiatório no caso de ocorrer um surto de moralização. A inimputabilidade dos militares envolvidos na repressão política passava a exigir mais que silêncio ou tolerância. Tratava-se de encobrir homicídios por meio de versões insustentáveis, pondo em funcionamento uma nova engrenagem. De um lado o porão demonstrava sua força impondo sua mordaça à oficialidade e ao aparato judiciário. De outro, ampliava seu contencioso com a sociedade e transformava a tortura numa linha demarcatória entre o repúdio e o apoio ao regime (Gaspari, 2002b, p. 173). A tortura se relacionava com o judiciário, que nem sempre se conluia, e com as dotações extra-orçamentárias, ora no empresário que financiava, ora no torturador que queria virar empresário. Fez-se necessário que ela continuasse para garantir recompensas, 54 mas também, para encobrir seus próprios crimes (Gaspari, 2002b, p. 29). Buscava-se a inimputabilidade da tortura no argumento da necessidade de utilizá-la (Gaspari, 2002b, p. 43). Começara-se transferindo aos tribunais militares o julgamento dos crimes contra a segurança do Estado, mas isso pareceu pouco. Suspendeu-se o habeas corpus, e transformou-se a tortura em política de Estado, mas isso não era tudo. Protegendo-se das anomalias que provocara, a ditadura acobertara ladroagens de seus agentes, mas isso também não bastara. Tornara-se necessário reformar a lei penal para assegurar a liberdade de um condenado (Gaspari, 2002b, p. 374-5, referindo-se ao delegado Fleury). Segundo Gaspari (2002b), durante a ditadura militar brasileira a tortura foi financiada por 15 grandes bancos brasileiros, além de empresas multinacionais. Como exemplo podemos citar o grupo Ultra, especialmente representado por seu diretor Henning Arthur Boilesen, que não só assistia aulas práticas de tortura, mas também, importou dos Estados Unidos um aparelho que ficou conhecido no Brasil como “pianola Boilesen”17. Ou seja, a relação entre empresariado, ditadura e tortura ia muito além do financiamento (Litewski, 2009). Também é conhecida a participação das ditaduras no chamado “crime organizado” e no tráfico de drogas. No Brasil, isso fica claro quando o delegado do DOPS – Sergio Fernando Paranhos Fleury - dá proteção ao tráfico de drogas e permite a participação de vários de seus funcionários na organização de esquemas de contrabando. Este mesmo delegado é considerado publicamente pela ditadura como símbolo de “tenacidade, desprendimento, alto espírito de sacrifício e excepcional coragem.” (Gaspari, 2002b, p. 315). Os “pensadores de esquerda” tinham a noção de que a “guerra antisubversiva” (tanto no Brasil quanto na Argentina) era uma criação paranóica dos militares baseada em princípios norteadores da CIA e do FBI estratégicos para eliminação de qualquer mínimo perigo oferecido, mesmo que construído historicamente, ao capitalismo e ao imperialismo estadunidense. Podemos confirmar essa teoria a partir da constatação de que a fonte de financiamento das ditaduras e torturas no cone Sul surge de empresários, na maioria, 17 Explicaremos o aparelho posteriormente. 55 vinculados a multinacionais. Ser vítima de uma estratégia política hipocritamente ilegal talvez seja a pior das torturas, pois não há possibilidades de proteção. (Foucault, 1987) Dessa forma, a exceção tornou-se uma estratégia de “biopoder soberano” do governo que não pode ser compreendida pelos “pensadores de esquerda” como justiça senão como injustiça e como absurdo, o que aumenta a violência envolvida nesta situação. Mobilizando suas energias políticas contra a “campanha”, e não contra a tortura, o regime de 1964 comprometeu-se com uma mistificação e, por 20 anos, comportou-se como se o combate à tortura não fizesse parte da luta em defesa dos direitos do homem. Negar a tortura significava defender o regime. Denunciá-la ou confirmá-la era atacá-lo (Gaspari, 2002a, p. 149). As ditaduras brasileira e argentina utilizaram a tortura como instrumento extremo de coerção e de extermínio, especialmente após o AI-5 que, como um dispositivo de exceção, anulou a lei. Além de prática rotineira dos estados ditatoriais, a tortura torna-se, também, matéria de ensino pela associação de dois conceitos. Por um lado, ela se embasa na concepção absolutista da segurança da sociedade, segundo a qual: “contra a pátria não há direitos”. Por outro lado, há uma compreensão pelo estado ditatorial da tortura como prática funcional defendida rotineiramente como uma resposta adequada e necessária à “ameaça terrorista” (Gaspari, 2002b, p. 17). (...) que por ocasião de sua prisão a interroganda foi conduzida ao CODI na Rua Barão de Mesquita, local onde foi submetida a uma série de torturas físicas e psíquicas; que sofreu espancamentos generalizados, inclusive, aplicações de choques elétricos na língua, seios e vagina; que, em seguida, foi levada à Bahia onde ficou constatado que a interroganda estava com uma paralisia na perna direita, estando a interroganda de posse de um laudo médico que comprova o aqui alegado; quer salientar, ainda, que antes da referida viagem à Bahia, sofreu a depoente torturas denominadas: “pau-de-arara” e “hidráulica” que consistia em jogar água pelo nariz; que retornando da Bahia, voltou ao CODI, onde foi novamente submetida ao mesmo tipo de tratamento e mais sofrento até violência sexual, o que obrigou a interroganda a assinar alguns inquéritos admitindo sua participação em diversas ações de natureza subversiva; que quer retratar de qualquer confissão por ventura existente nestes autos, por não representar ela a verdade dos fatos; que, na opinião da interroganda o tratamento que teve no CODI violenta a condição de qualquer ser humano e no caso particular da interroganda, violenta sua condição de mulher. (...). (Lúcia Maria Murat Vasconcelos in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 776). 56 As ditaduras do cone Sul receberam, além de financiamento, cursos técnicos de tortura. Um desses exemplos é a Escola das Américas, que funcionava no Panamá, além de, no caso brasileiro, as aulas abertas de tortura incluindo as famosas aulas do “tenente Ailton”, internacionalizadas no Plano Condor. Fulanizada, a lista dos estagiários informa que um em cada dez oficiais mandados ao Panamá pela ditadura fora ou viria a ser nominalmente acusado de tortura ou morte de presos. (...) O sítio do School of Americas Watch, HTTP://www.soaw.org, relaciona dezoito oficiais e sargentos ligados ao aparelho repressivo; deles, seis oficiais são associados a casos específicos de tortura pelo Grupo Tortura Nunca Mais (Gaspari, 2002b, p. 305). A destruição completa dos movimentos revolucionários brasileiros levou a ditadura à conclusão de que a tortura e o desaparecimento eram uma forma rápida e eficaz de conter a “subversão”. Assim, além dos porões das delegacias, outros equipamentos - tais como casas que funcionavam como aparelhos complementares aos DOIs- foram criados para facilitar o trabalho da exceção (Gaspari, 2002b, p. 379). A “tigrada” pusera nessa liça um grau de violência e ressentimento estranhos até mesmo à neurastenia do porão. Stuart Angel fora morto amarrado à traseira de um jipe, com a cabeça próxima ao cano de descarga, e arrastado pelo pátio da base aérea do Galeão. (...) Depois de ter sido presa no apartamento de Pituba, Nilda Cunha ouvira os gritos de seu namorado. Tinha dezessete anos e fora ameaçada de estupro. O delegado Sérgio Fleury, que voara de São Paulo, alisaralhe o rosto e avisara: “Vou acabar com essa sua beleza”. Vendaram-lhe os olhos, levaram-na para outro lugar. Quando voltou a ver, estava ao lado do cadáver de Iara. Obrigaram-na a tocá-la. Nilda enlouqueceu. Teve crises de cegueira e foi internada diversas vezes. Em novembro, numa das suas crises, morreu. Meses depois sua mãe enforcou-se com um fio de máquina de calcular (Gaspari, 2002b, p. 355). Frente às denúncias dos organismos internacionais de que havia tortura nas ditaduras do cone Sul, em especial na brasileira, o discurso do Estado mudou: passaram a assumir que existia tortura, mas ela existe em qualquer lugar onde existam maus policiais. Há tortura, mas como o governo a condena, ela é fruto de agentes descontrolados que seriam controlados pelo presidente “caso a sociedade colaborasse não tocando no assunto” (Gaspari, 2002b, p. 313). 57 Surrada, a oposição viu caducar a idéia de que a comprovação das torturas desmoralizaria o governo e enfraqueceria a ditadura. Medici chamara a “tigrada” de “agentes injustiçados da segurança deste país”, e o general Orlando Geisel avisava aos “celerados” que, “até o seu completo aniquilamento, não nos faltará energia, não desfalecerá nossa determinação, não adormecerá na rotina a eficiência dos órgãos de segurança.” (Gaspari, 2002b, p. 311). Apesar disso, e por conta disso, se estabeleceu um novo dispositivo de exceção nas ditaduras – o desaparecimento, utilizado principalmente na Argentina. Mais do que a máquina de tortura, os estados ditatoriais passaram a contar, também, com o extermínio. No fim de seu governo, justificando a regra de entrar nos aparelhos atirando, Medici dizia que matando-se os terroristas, reduzia-se o número de presos e, com isso, o poder de barganha dos que continuavam em atividade (Gaspari, 2002b, p. 382). As casas que funcionavam como aparelhos complementares passaram a serem utilizadas, então, para possibilitar o extermínio. Na casa de Petrópolis, por exemplo, após as torturas os capturados eram esquartejados e enterrados (Gaspari, 2002b, p. 384). Além disso, a ditadura brasileira contava com cemitérios clandestinos, como o de Perus, onde o delegado Fleury governava uma vala administrada por um policial do DOPS (Gaspari, 2002b, p. 388). Passou-se a recompensar quem colaborasse com o extermínio; na guerrilha do Araguaia, por exemplo, eram oferecidos montantes em dinheiro para quem apresentasse cabeças e mãos de guerrilheiros (Gaspari, 2002b, p. 444) – que eram utilizadas posteriormente em Brasília para identificação dos militantes assassinados. Na Argentina, além dos diversos campos de detenção, uma forma comum de desaparecimento era lançar os presos dopados ao mar ou ainda cremá-los nos campos de esporte militares. Pretendemos utilizar os conceitos apresentados neste capítulo no decorrer da tese de forma a levantar as convergências e divergências em relação à aplicação da tortura pelas ditaduras Brasileira e Argentina. Além disso, utilizaremos esses conceitos para compreender o sofrimento gerado pela violência incitada por essas “situações-limite” a fim de levantarmos indicativos fenomenológico-existenciais para a análise dos relatos de presos políticos torturados pelas ditaduras citadas. 58 3. BRASIL (...) as marcas da tortura estavam presentes no choro permanente, no cabelo que não admitia qualquer trato, na forma como vagava pela torre, trazendo um olhar perdido, chorando, chorando sem parar, e resistindo desesperadamente a sair da torre para algum lugar, mesmo quando fazia-se necessário ser levada ao hospital. (Rita Sipahy in: Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 183). 59 Na história recente do Brasil, utilizando o discurso do “dispositivo de periculosidade” (Foucault, 1987), vão sendo aceitas formas de tortura ao mesmo tempo em que são treinados profissionais para essa tarefa (Coimbra, 2001). Como já dissemos, a era da periculosidade inaugura-se, segundo Foucault (1987), nas sociedades disciplinares, desdobrando-se em internalização da ordem a partir do que ele denomina “Biopoder Biopolítico” (1988). Assim, determinados segmentos da população – eleitos a partir do contexto político estabelecido - deverão ser constantemente vigiados, disciplinados e normatizados. A partir desse dispositivo, qualquer “estado de exceção” justificaria, portanto, a utilização de métodos excessivos que desconsideram os direitos civis e políticos na medida em que, sob a exceção, a regra é colocada entre parênteses frente à apresentação do considerado “perigo coletivo”. Deste modo é que a “segurança nacional” torna-se inversamente proporcional ao respeito aos direitos humanos. Junto ao dispositivo da periculosidade, por todo o século XX, temos também o da tortura, não mais aos escravos ou outros marginalizados, mas aos pobres em geral. Somente em nossa última Constituição Republicana a prática da tortura foi criminalizada, mas, apesar disso, hoje a tortura continua sendo prática comum em delegacias policiais, presídios, manicômios e instituições para crianças e adolescentes em situação de risco social, além das “batidas policiais” ocorridas em espaços públicos. No Brasil, a principal condição de existência sistemática da tortura fora dos segmentos marginalizados esteve no regime terrorista inaugurado oficialmente em 1964 que permitiu, favoreceu e estimulou – tanto pela impunidade quanto pela pedagogização – seus agentes diretos e indiretos (Coimbra, 2001). Os DOI-CODIs (Destacamentos de Operações e Informações/Centros de Operações de Defesa Interna) existentes em cada região militar do Brasil, a partir de 1970, significaram uma integração maior entre os organismos repressivos já existentes, ligados às três armas, à Polícia Federal, às polícias estaduais, aos DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), às polícias militares, aos corpos de bombeiros, no sentido de “melhorar” a eficiência da repressão. Ficaram sob jurisdição do Comando Regional do Exército e passaram a dispor do comando efetivo sobre todos os órgãos de segurança existentes em cada região militar. Tais foram seus poderes e força que, nos anos 70, chegou-se a falar da existência de um verdadeiro Estado dentro do Estado (Coimbra, 2001, p. 16). 60 No caso brasileiro, o regime que se iniciou em 1964 comportou-se como se o combate à tortura não fizesse parte da luta em defesa dos direitos do homem, pois negar a tortura significava defender o regime. Ela foi vista como consequência da linha dura do governo ditatorial, já que os atos de tortura aparecem assim justificados como atos de defesa. Mas a maneira pela qual o governo negava a existência da tortura forneceu o alicerce de ilegalidade sobre o qual se edificou a ditadura, tornando o SNI (Serviço Nacional de Inteligência) um dos dez mais equipados serviços de informação do mundo. O governo estimulou e foi conivente à violência, fazendo com que o “terrorismo político entrasse na política brasileira na década de 60 pelas mãos da direita” (Gaspari, 2002a, p. 251). Dessa forma, o governo ditatorial estimulou e viabilizou a criação de núcleos paramilitares que se encarregaram tanto da ação quanto da pedagogização da tortura no Brasil, como o “Esquadrão da Morte” no eixo DEOPS – Presídio Tiradentes, em São Paulo (Freire, Almada e Granville Ponce, 1997). Com a suspensão do habeas corpus legalizada pelo AI-5, a máquina repressiva realizou sua reivindicação no sentido de fortalecer a prática da tortura como dispositivo fundamental da ditadura. Podia-se prender qualquer suspeito de agir contra a “Segurança Nacional” por 60 dias, dos quais 10 em regime de incomunicabilidade justamente para favorecer o trabalho dos torturadores, montando-se o cenário para os crimes da ditadura (Gaspari, 2002a, p. 339). A partir de então, palestras foram promovidas nos quartéis pela Polícia do Exército (PE) para ensinar os militares a torturarem a partir de aulas práticas com a participação de presos políticos torturados no palco dos anfiteatros (Gaspari, 2002a, p. 358). Apesar de o Exército ter chegado a afirmar: “Nós torturamos para não fuzilar.” (Alves, 1966, p. 25), o decreto-lei no. 898 de setembro de 1969 reintroduziu a pena de morte no Brasil (abolida desde 1922) e reintroduziu a pena de prisão perpétua, ampliando a definição de “segurança nacional” (Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 407). 61 3.1 DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL A Escola Superior de Guerra Brasileira – ESG - surgiu em 1949 como consequência da conjuntura internacional marcada pela guerra fria. Por conta do considerado “perigo comunista”, que fica avaliado como mais próximo com a revolução cubana de 1959, operase a internalização do conceito de segurança nacional. Para combater esse suposto perigo, a ESG definiu como prioridade o binômio segurança-desenvolvimento, baseado em enfatizar equipamento e autonomia para as Forças Armadas e fortalecer o Estado (Mendonça e Fontes, 1988, p. 37). A ESG procurava apoio na sociedade civil, sobretudo nos empresários. Desenvolveu uma ação ideológica que se consolidou na “doutrina de segurança nacional”, fundamentando, assim, esse regime terrorista brasileiro. Em sua lista de formandos, temos os seguintes atores dessa ditadura: Golbery de Couto e Silva – turma de 1952 Ernesto Geisel – turma de 1953 Humberto de A. Castelo Branco e Juscelino Kubitschek – turma de 1956 Tancredo de Almeida Neves – turma de 1957 João Baptista de Oliveira Figueiredo – turma de 1960 Robert McNamara – turma de 1963 (www.esg.br) A ESG buscou a expansão de papéis das Forças Armadas com a recepção de novas funções antes desempenhadas por civis, num processo onde o golpe de 1964 foi apenas o marco de amplas transformações (Mendonça e Fontes, 1988, p. 37). Mas o grupo da ESG não era homogêneo. Divergências ocorriam entre o grupo vitorioso e, pelo menos, mais três segmentos: os nacionalistas de direita, os “linha-dura” e as chefias, cada qual com interesses próprios e nem sempre afinados. O resultado da conjugação dessas forças foi a edição do AI5 (Mendonça e Fontes, 1988, p. 38). A ESG desenvolveu a base jurídico-filosófica para justificar um ato como lícito ou ilícito. Essa discussão era fundamentada na transposição para o âmbito das relações 62 internas, entre o Estado e os indivíduos, do conceito de “segurança nacional” (Fon, 1979, p. 27). Para elaborar o conceito de segurança, a ESG uniu a idéia de segurança subjetiva ausência de temor - com a de segurança objetiva - possuir meios necessários para enfrentar o perigo (Fon, 1979, p. 27). A ESG também conceitualizou nação. Para tal, fundamentou-se na doutrina alemã de nacionalidade – baseada na raça, integridade de território e na comunidade cultural – e na teoria franco-italiana (Fon, 1979, p. 28). Assim, conceitualizou nação como: (...) uma estrutura histórico-cultural constituída por determinada parcela da humanidade, que vive em determinado espaço de terra, aglutinada sob tradições, costumes, hábitos, linguagem, idéias, crenças, vocações, lutas e vicissitudes comuns, que visa a preservar os valores alcançados e a realizar os objetivos colimados (Fon, 1979, p. 28). É a partir desse conceito de nação que se fundamenta a ideia de “segurança nacional”. O conceito de “segurança nacional” volta-se ao de “segurança interna”. Isso se justifica pela influência da guerra fria presente, principalmente, na ideologia dos militares estadunidenses colaboradores da ESG. Assim define Castello Branco, na aula inaugural da ESG de 13 de março de 1967: A noção de segurança é mais abrangente. Compreende, por assim dizer, a defesa global das instituições, incorporando, por isso, os aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna; além disso, o conceito de segurança, muito mais explicitamente que o de defesa, toma em linha de conta a agressão interna, corporificando na infiltração e subversão ideológica, até mesmo nos movimentos de guerrilha, formas hoje mais prováveis de conflito que a agressão externa (Castello Branco apud Fon, 1979, p. 28). Portanto, o Estado recebe, por delegação da nação, a obrigação de zelar por seu direito à segurança. Isso justificaria, a partir da lógica da ESG, os excessos cometidos no combate à “subversão” a partir do conceito de “legítima defesa” do Estado e da teoria do “estado de necessidade” (Fon, 1979, p. 29). Dessa forma, criou-se a primazia do interesse e da segurança nacionais sobre os individuais. 63 Como complemento indispensável, a tese de “internacionalização da guerra” vem possibilitar que se apliquem na lógica da segurança interna regulamentos criados para territórios inimigos sob ocupação. O que se argumentava era que lutávamos contra um inimigo externo, o comunismo internacional, cujo exército estava disseminado dentro de nossa própria população. (...) Era uma situação semelhante à de um território ocupado, onde, pelo menos teoricamente, toda pessoa é potencialmente um soldado inimigo. Por isso, todos os exércitos do mundo concedem ao chefe do governo militar de uma zona de ocupação a autoridade de exercer justiça sumária (Fon, 1979, p. 31). Segundo Gaspari (2002a), data de julho de 1962 o início da efetiva participação estadunidense na política brasileira visando um golpe militar, a partir do presidente Kennedy e do seu embaixador no Brasil Lincon Gordon. Coggiola (2001) esclarece que entidades políticas e sindicais de direita passaram a receber generosos recursos financeiros do governo estadunidense. A operação Brother Sam fornecia, em 1964, apoio logístico, material e militar aos golpistas, e a CIA estava de prontidão para atuar militarmente caso houvesse resistência ao golpe militar (Coggiolla, 2001, p. 14). 18 O CIE recebia da Central Intelligence Agency relatórios de um instrutor de guerrilhas baseado em Cuba. Ele listava nomes, codinomes e atividades dos brasileiros que treinava (Gaspari, 2002b, p. 349). Em 1963 inicia a ação do “Comando de Caça aos Comunistas” (CCC) e do “Movimento Anti-Comunista” (MAC), organizações paramilitares de extrema direita que encetam o terrorismo político no Brasil (Gaspari, 2002a, p. 251). Outra organização paramilitar foi o “Braço Clandestino da Repressão”, que utilizou o campo de concentração “fazenda 31 de março”, chefiado pelo delegado do DOPS paulista Sergio Fernando Paranhos Fleury para esconder prisioneiros políticos do DOI-CODI (Fon, 1979, p. 40). 18 Centro de Informações do Exército, criado em 2 de maio de 1967 por Costa e Silva, Golbery e Geisel. 64 Assim, em 9 de abril de 1964 os dispositivos autoritários dessa ditadura brasileira foram sistematizados no AI-1, o primeiro Ato Institucional de uma longa lista de legalização do absurdo. O AI-1 institucionalizava a eleição indireta para presidente; concedia poder ao Executivo para decretar Estado de Sítio sem audiência prévia do Congresso; suspendia por seis meses as garantias constitucionais; aumentava o poder dos três ministros militares, que poderiam cassar mandatos legislativos federais e suspender direitos políticos por dez anos, sem direito a apelação judicial (Coggiola, 2001, p. 16). O golpe de 64 significou, portanto, uma dupla reordenação. De um lado, alijava e reprimia os movimentos populares. De outro, afirmava a hegemonia do capital monopolista sobre os demais segmentos (Mendonça e Fontes, 1988, p. 15). Em 15 de abril de 1964, Castello Branco toma posse como presidente do Brasil. A partir daí, o Brasil passou a ter sua vida política regida por dispositivos autoritários sistematizados nos Atos Institucionais e na criação do SNI (Serviço Nacional de Informações), que objetivava identificar e combater o “inimigo interno” através da “doutrina de segurança nacional” (Coggiola, 2001, p. 16-7). O SNI foi fundado por Golbery do Couto e Silva, que já havia defendido a criação desse dispositivo há mais de dez anos, quando se formou na Escola Superior de Guerra em 1952. Criado pela lei no. 4.341, de 13 de junho de 1964, dava status de ministro ao seu chefe e tinha colaboradores – voluntários e remunerados – espalhados pelos escritórios de todo país a fim de contribuir com informações objetivando encontrar lideranças “subversivas” e “neutralizá-las”. Medici foi chefe do SNI de 1967 a 1969, e Figueiredo de 1974 a 1978. Suas principais atividades eram: instalação e controle de grampos telefônicos, censura postal, investigações, contatos com a CIA e participação na Operação Condor. Em 1971, o SNI era um dos dez serviços de inteligência melhor equipados do mundo. Contava com uma escola nacional de informações que em 1982 atingiu seis mil funcionários. Continha laboratório de idiomas, academia de tiro subterrânea, emissora de TV, fábrica de aparelhos de criptografia e escuta, configurando-se no maior poder de alavancagem política do mundo no gênero (Gaspari, 2002a). O SNI surgiu com o objetivo de levar adiante a “doutrina de segurança nacional” a partir da identificação e do combate ao “inimigo interno”. Para isso, detinha poderes 65 absolutos sobre os indivíduos (Coggiola, 2001, p. 17). Vale lembrar que a “doutrina de segurança nacional” foi formulada pela Escola Superior de Guerra Brasileira, em colaboração com a Escola Superior de Guerra estadunidense e com a “Escola das Américas”. Em 27 de outubro de 1965 foi imposto o AI-2, que ampliava ainda mais os poderes presidenciais, além de aumentar a competência de a Justiça Militar, como por exemplo, julgar civis acusados de qualquer coisa que pudesse significar perigo a “segurança nacional”. Em 5 de fevereiro de 1966 é decretado o AI-3, ampliando ainda mais o caráter ditatorial do regime a partir de eleições indiretas para governadores e nomeação de prefeitos pelos governadores (Coggiola, 2001, p. 17). A base jurídico-filosófica dessa ditadura brasileira continuou sendo desenvolvida pela Escola Superior de Guerra em três anos (1966-1968), fundamentando-se no conceito de “segurança nacional”. Com a tese de internacionalização da guerra, passou-se a aplicar no próprio país regulamentos utilizados em territórios inimigos sob ocupação: Nos períodos de paz, a 5ª sessão de qualquer estado-maior é o de assuntos civis, ou seja, relações públicas. Durante a guerra, a 5ª sessão é encarregada da guerra psicológica e do governo militar dos territórios conquistados ao inimigo. (...) toda pessoa é potencialmente um soldado inimigo. (Fon, 1979, p. 31) Entre 1968 e 1969, os governos militares entraram em profunda crise (Coggiola, 2001, p. 20). No Brasil, ocorreram tanto manifestações estudantis contra a violência do regime militar quanto o aumento dos agrupamentos clandestinos de oposição ao regime totalitário. Assim, os militares decretaram o AI-5 em 13 de dezembro de 1968, dando origem ao período mais violento dessa ditadura brasileira, a partir dos seguintes pressupostos: recesso do Congresso Nacional, das Assembléias e das Câmaras de Vereadores; cassação de mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, com suspensão de direitos políticos por dez anos; intervenção nos Estados, Municípios e Territórios; decreto de Estado de Sítio e sua prorrogação; confisco de bens (Coggiola, 2001, p. 23). 66 O governo Nixon, por sua vez, foi responsável por apoiar o AI-5 reconhecendo-o como “um mal necessário” a fim de impedir que o Brasil se tornasse um país socialista. As correspondências entre Medici e Nixon mostram a atuação do presidente brasileiro alertando os EUA dos “movimentos subversivos” na América Latina. O governo dos EUA compreendia que a prática sistemática da tortura pelo regime brasileiro era um “assunto interno”, e afirmou que por conta do tamanho do Brasil, seria aconselhável dar-lhe tratamento preferencial visto que o perigo não era que esse país se transformasse numa nova Cuba, mas sim, numa nova China (Coggiola, 2001, p. 24-6). Em setembro de 1971, Nixon recebeu Medici nos jardins da Casa Branca e disse que sabia muito bem que para onde o Brasil fosse a América Latina também iria (Gaspari, 2002b, p. 335). Vista da Casa Branca, a América Latina ia de mal a pior. Noves fora Fidel Castro, o Chile era governado por um socialista, o Peru e a Bolívia por generais nacionalistas. No Uruguai o terrorismo tupamaro parecia o prelúdio de um governo de esquerda. Não só a ditadura brasileira era simpática ao governo do presidente Richard Nixon, mas também o governo Nixon mostrava-se simpático às ditaduras em geral. (Gaspari, 2002b, p. 330). Após o AI-5, o regime terrorista brasileiro ganhou um caráter mais preventivo de uma eventual contaminação pela revolução cubana (Coggiola, 2001, p. 35). Com isso, a “guerra antisubversiva” ganhou força focalizando o “inimigo interno”. Com o domínio institucional das Forças Armadas, essa nova fase é liderada pelo argumento da segurança interna. 3.2 MODUS OPERANDI O DOPS - Delegacia de Ordem Política e Social – foi criado durante o Estado Novo com a finalidade de controlar e reprimir movimentos políticos e sociais contrários ao regime. Em 1924, fundou-se esse órgão em São Paulo que teve vários nomes, como DEOPS – Departamento Estadual de Ordem Política e Social - e DELOPS – Delegacia de Ordem Política e Social. Por uma medida administrativa interna da Secretaria de Segurança Pública do 67 Estado de São Paulo, o DOPS, em meados de 1969, se especializou em diferentes formas de torturar (Fon, 1979, p. 21). A OBAN – Operação Bandeirantes – foi lançada oficialmente em 1 de julho de 1969 a fim de coordenar os diversos órgãos encarregados da repressão à “subversão” e ao “terrorismo” e legalizada apenas no governo Medici, quando funcionou – teoricamente – sob a jurisdição do DOI-CODI. Assim, tinha um funcionamento sem vínculos formais ou legais, o que conferia maior agilidade nas ações brutais a que se destinava. Ela foi elaborada a partir da tese de que era necessário um engajamento total, ideológico e operacional das Forças Armadas na luta “antisubversiva”. Assim, coordenava ações civis e militares a partir da Secretaria de Segurança Pública, da Marinha e da Aeronáutica e se ocupou, especialmente, em “sistematizar a prática da tortura como forma de arrancar informações e confissões, ou simplesmente humilhar presos políticos (...)” (Fon, 1979, p. 32). Para quem saía da “Operação Bandeirantes”, o DOPS era o paraíso, pelo menos por algum tempo. Pela primeira vez desde que havia sido preso, tomei um banho. Comíamos três vezes por dia – exceto quando íamos ser torturados – e podíamos receber roupas limpas, frutas e cigarros de nossas famílias. Havia até colchões e cobertas no DOPS. (Fon, 1979, p. 13). Com a OBAN buscava-se a centralização das atividades repressivas nas grandes cidades. As delegacias policiais, inclusive o DOPS, estavam obrigadas a mandar à OBAN todos os suspeitos de atividades “terroristas”. Criava-se, assim, um corpo de polícia política dentro do Exército (Gaspari, 2002b, p. 60). Mas a tentativa de militarizar as operações policiais acabou por policializar as operações militares, tornando os oficiais do exército cada vez mais parecidos com o corpo de policiais civis reconhecidamente corruptos da Delegacia de Roubos que estiveram na origem do DOPS, tais como Fleury (Gaspari, 2002b, p. 67). A OBAN transformou-se em CODI – Centro de Operações de Defesa Interna - em 1970 (coordenando as atividades burocráticas) e vários DOI – Departamento de Operações e 68 Informações (função operacional). Os DOI-CODI foram estabelecidos praticamente em todos os estados da federação (Fon, 1979, p. 15-21). O CODI era comandado por um oficial superior – até o posto de coronel – ligado ao comando militar da área através da segunda seção do estado-maior. Além do serviço burocrático, o CODI fazia a análise das informações e o planejamento estratégico do combate à “subversão”, definindo as metas prioritárias em sua área de ação (Fon, 1979, p. 20). O DOI possuía equipes de interrogatórios e capturas e se incumbia da execução dos planos traçados pelo CODI. Era composto por quatro seções: investigação, informações e análise, busca e apreensão, e administração (Gaspari, 2002b, p. 180). Seria muita ingenuidade acreditar que os generais Emilio Medici e Orlando Geisel criaram os DOIs (destacamentos de operações de informações) sem terem percebido que a sigla se confundia com a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo doer. Por mais de dez anos essas três letras foram símbolo da truculência, criminalidade e anarquia do regime militar (Garpari, 2002b, p. 175). O DOI paulista foi entregue ao major Carlos Alberto Brilhante Ustra em 20 de setembro de 1970. Até dezembro de 1971, quando foi transferido para Brasília, cerca de duas mil pessoas haviam sido torturadas por sua equipe (Gaspari, 2002b, p. 187). A partir de 1972, os DOI-CODI de São Paulo e Rio de Janeiro passaram a operar com grupos treinados especialmente para matar. As atividades desses grupos tinham caráter secreto até mesmo para os próprios DOI-CODI. Algumas de suas funções podem ser compreendidas a partir de suas gírias próprias: plantar significava enterrar, levar para as 200 significava jogar no mar, código 12 significava morte em trânsito. Vale ressaltar que as técnicas de execução desses grupos foram aprendidas na Escola das Américas, em um curso intitulado: “As 27 maneiras de se matar um homem” (Fon, 1979, p. 45). Mas a relação entre DOI-CODI e DOPS não foi tranqüila. A OBAN – depois DOI-CODI organizada pelo exército veio a se envolver numa interminável disputa com o delegado 69 Fleury, do DOPS paulista. A questão que fundamentava essa disputa eram as diversas tentativas de Fleury em esconder informações, investigações e prisioneiros do DOI-CODI. Essas divergências chegam ao ápice em 1970 quando Fleury decidiu esconder as investigações que culminaram com a prisão e assassinato do ex-deputado Carlos Marighella e a prisão de Mario Japa (Shizuo Ozawa) – que estava em contato com Lamarca. Quando a OBAN invadiu a delegacia de Fleury exigindo a entrega de Mario Japa, o delegado obrigou-o a deitar no chão e pulou com os dois pés sobre seu peito, quebrando-lhe várias costelas, para impedir que o mesmo fosse torturado pelos militares da OBAN, o que poderia culminar com a prisão de Lamarca pela OBAN (Fon, 1979, p. 52). Assim, diversas vezes o delegado foi afastado do DOPS, mas sempre retornando, além de ter sido enviado para torturar prisioneiros em outros países latinoamericanos, como Uruguai e Chile, principalmente por conta de suas ótimas relações com o CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) (Fon, 1979, p. 53). O CENIMAR operou o Presídio de Ilha das Flores, no Rio de Janeiro, conhecido por conta de suas cruéis torturas que contavam com um cão treinado para morder os testículos dos detidos. A ditadura brasileira contou com diversos campos de concentração/aparelhos clandestinos de repressão fora do eixo DOPS – DOI-CODI. Um exemplo disso é a Casa de Petrópolis, para onde eram levados alguns detidos a fim de que fossem torturados e executados, esquartejados e enterrados nas cercanias (Gaspari, 2002b, p. 384). Além disso, o delegado Fleury governava uma vala no cemitério de Perus, administrada por um policial do DOPS, a fim de que pudessem ser enterrados como indigentes os opositores executados (Gaspari, 2002b, p. 388). A inimputabilidade dos militares envolvidos na repressão política passava a exigir mais que silêncio ou tolerância. Tratava-se de encobrir homicídios por meio de versões insustentáveis, pondo em funcionamento uma nova engrenagem. De um lado o porão demonstrava sua força impondo sua mordaça à oficialidade e ao aparato judiciário. De outro, ampliava seu contencioso com a sociedade e transformava a tortura numa linha demarcatória entre o repúdio e o apoio ao regime. (Gaspari, 2002b, p. 173) 70 Muitas foram as tentativas dos opositores do regime em enfrentá-lo. O relatório “Brasil: nunca mais” (Bnma) lista 41 organizações de esquerda que tiveram atuação entre 1964 e 1979. Estas operaram diversas ações importantes contra a repressão do regime terrorista, como, por exemplo, seqüestros de embaixadores em troca de prisioneiros políticos. Dessas ações, consideramos a guerrilha do Araguaia como uma síntese. Em seus objetivos e no modo como foi exterminada, podemos compreender os objetivos das organizações de esquerda e o funcionamento da repressão. A guerrilha do Araguaia foi idealizada pelo PC do B. O PC do B, no campo da estratégia, considerava prioritária a luta revolucionária na área rural brasileira por meio de uma guerra sustentada por contingentes populares. Data de abril de 1972 a descoberta, pelos órgãos de segurança, da presença do PC do B na região do sul do Pará (Bnmb, p. 98; Gaspari, 2002b, p. 413). Os quadros do PC do B dividiram-se por três áreas (A, B e C), numa extensão de 130 quilômetros quadrados. Moviam-se numa superfície de 6,5 quilômetros quadrados. Até o primeiro semestre de 1972 eles foram 59 homens e 14 mulheres. Desses, mais de 50 foram executados (Bnmb, p. 99; Gaspari, 2002b, 400). O governo atacou entre abril e outubro de 1972 com 3200 militares. Em uma tática de guerra urbana, não obteve os resultados esperados. Os militantes estavam acostumados à selva e os moradores locais habituados à convivência, portanto, preferiram, de início, não se envolver na guerra entre “paulistas” e “exército”. Em outubro de 1972, as Forças Armadas voltaram com três mil militares treinados para a guerrilha no campo. Passaram a oferecer prêmios aos moradores por cabeça de “terrorista”, eram mil cruzeiros pagos a quem trouxesse a cabeça de um dos procurados (Gaspari, 2002b, p. 419,422,444). Eu matei um guerrilheiro e, seguindo a prática do Exército, cortei sua cabeça e as mãos para que seu nome pudesse ser riscado da lista negra entregue a todos os militares com os nomes e as fotos de todos os procurados (in: Gaspari, 2002b, p. 457). 71 Por conta das relações dos quadros do PC do B com a comunidade local, além do prêmio por cabeça de “paulista”, os moradores suspeitos de terem tido qualquer tipo de relação com os militantes eram presos e torturados. Estima-se que em dois meses, 300 pessoas foram capturadas e torturadas a fim de facilitar a ação do regime terrorista brasileiro. Após tortura e prisão, os locais eram obrigados a serem guias dos militares na mata (Gaspari, 2002b, p. 437-438). Esse nível de coação não encontra paralelo na repressão aos grupos armados urbanos. Desconhece-se caso de pessoa que tenha sido obrigada a trabalhar sistematicamente para o aparelho repressivo sem que mantivesse vínculos orgânicos com alguma organização clandestina. Muito menos de pessoa que tenha sido morta por ter-se recusado a fazê-lo. (Gaspari, 2002b, p. 439) A diretriz do Exército era que a população deveria temer mais a ele que aos “terroristas”. Essa intimidação articulou prisões em massa, torturas e agressão patrimonial. (Gaspari, 2002b, p. 439). Por outro lado, helicópteros sobrevoavam a região do Araguaia com alto-falantes através dos quais se oferecia rendição aos guerrilheiros. Todos os que se renderam foram executados (BNMa; Gaspari, 2002b, p. 453). Assim, desarticularam a guerrilha em quatro meses. Os “prisioneiros de guerra” eram identificados e desaparecidos (sepultados ou cremados). Os meios de comunicação estavam proibidos de noticiarem qualquer informação a respeito da guerrilha: (...) a ditadura temia que a propagação das notícias de combates, mesmo ocorrendo apenas no exterior e em canais semiclandestinos, desse notoriedade à guerrilha. (...) O segredo da operação militar determinou a clandestinação da ação do Estado. (Gaspari, 2002b, 435). A partir de outubro de 1973 todos os militantes do PC do B aprisionados foram executados. Para continuar a execução dos que não foram encontrados, o exército ofereceu cinco mil cruzeiros por “guerrilheiro”. A proposta era economicamente tão interessante para a região que pelo menos dois sargentos ficaram no Araguaia “caçando comunistas” (Bnma; Gaspari, 2002b, p. 457, 459). Enquanto isso, o exército: Apagava o registro do extermínio. Equipes de militares mandadas ao Araguaia abriram sepulturas, retiraram os corpos espalhados pela região e levaram-nos de helicóptero para a serra das Andorinhas, onde foram queimados 72 em fogueiras de pneus carecas. (...) A vida dos inimigos tornara-se uma irrelevância diante de um objetivo maior: o extermínio da subversão comunista. (Gaspari, 2002b, p. 462) O massacre do Araguaia foi o apogeu da violência do extermínio (tanto que a Corte Interamericana de Direitos Humanos acabou de condenar o Estado Brasileiro). Pela primeira vez na história da ditadura, o número de desaparecidos aproximava-se ao de mortos oficialmente admitidos. Com isso, surgiu um novo comportamento desse regime terrorista: a execução como dispositivo central. (...) o que sucedeu no Araguaia foi amostra radical, não de episódio isolado. (...) o general Ernesto Geisel preparava-se para ocupar a Presidência da República. Receberia uma ditadura militar que apoiara, sabendo que dentro dela estava montada uma máquina de extermínio das lideranças esquerdistas. Não havia mais guerrilha, muito menos terrorismo. Sobrara a máquina. (Gaspari, 2002b, p. 464). 3.3 TERROR Em 13 de dezembro de 1968 entra em vigor o AI-5, iniciando-se o período mais violento desse regime terrorista brasileiro que ficou conhecido como “anos de chumbo”. Em sua construção, que como apontado data efetivamente de uma reunião do presidente com o Conselho de Segurança Nacional na mesma data, o então Ministro da Fazenda Delfim Neto justificou a necessidade do AI-5 a partir do argumento de que essa seria uma estratégia econômica que aceleraria o desenvolvimento do país19. Mas: O golpe de 64, sob o ponto de vista estritamente econômico, não representou nenhuma mudança radical, sendo responsável pelo aprimoramento e consolidação do modelo implantado desde 1955. (...) o favorecimento da grande empresa era o seu objetivo. O arrocho salarial, sua estratégia. O combate à inflação, sua justificativa legitimadora. O “milagre” econômico veio a ser seu resultado (...) o qual nada mais significou senão a garantia de lucros mirabolantes 19 Como já dissemos, no presente trabalho não nos referiremos às questões econômicas relacionadas ao período estudado. Compreendemos que, mesmo se houvesse existido alguma melhora nesse aspecto, nada justificaria um golpe à liberdade e aos direitos humanos. 73 às empresas oligopolistas, nacionais e estrangeiras. (Mendonça e Fontes, 1988, p. 21-2). O então chefe do SNI, Medici, apoiou com satisfação, assim como o então chefe do Estado Maior das Forças Armadas Orlando Geisel. O AI-5 fechou o Congresso por tempo indeterminado e suspendeu o habeas corpus, atendendo a reivindicação da máquina repressiva. A partir dele, podia-se prender qualquer pessoa por tempo indeterminado, dos quais dez dias em regime de incomunicabilidade – ação clara a facilitar o trabalho dos torturadores (Gaspari, 2002a, p. 339). Em 30 de outubro de 1969 Medici assumiu a presidência e, com ele, iniciou-se a fase mais violenta desse regime terrorista. Data do dia seguinte de sua posse a primeira aula do “tenente Airton” na 1ª. Companhia do Batalhão da Polícia do Exército, na Vila Militar (Gaspari, 2002b, p. 124). A Castello Branco a ditadura parecera um mal. Para Costa e Silva, fora uma conveniência. Para Medici, um fator neutro, instrumento de ação burocrática, fonte de poder e depósito de força. Não só se orgulhou de ter namorado o AI-5 desde antes de sua edição, como sempre viu nele um verdadeiro elixir: “Eu posso. Eu tenho o AI-5 nas mãos e, com ele, posso tudo”, disse certa vez aos seus ministros (Gaspari, 202b, p. 129). Medici dava ordens aos militares de que entrassem nos aparelhos (casas utilizadas como ponto de encontro dos militantes de esquerda) atirando. Pedia que matassem os “subversivos”, seus familiares, amigos e “carteiros que levassem suas cartas”. Justificava-se dizendo que, ao matar um “terrorista”, economizava-se reduzindo o número de presos e, além disso, diminuía-se o poder de barganha dos seqüestros promovidos por aqueles que ainda estavam vivos (Gaspari, 2002b, p. 382). No final de junho de 1970 estavam desestruturadas todas as organizações que algum dia chegaram a ter mais de cem militantes. A unificação de esforços colaborou para o trabalho da “tigrada”, mas foi o porão que lhe garantiu o sucesso. Entre 1964 e 1968 foram 308 as denúncias de torturas apresentadas por presos políticos às cortes militares. Durante o ano de 1969 elas somaram 1027 e em 70, 20 1206. De 1964 a 1968 instauraram-se sessenta IPMs contra organizações de esquerda; só em 69 abriram-se 83 novos inquéritos. O da ALN formou doze 20 Inquéritos Policiais-Militares. 74 volumes, com 3 mil páginas e 143 indiciados. Em apenas cinco meses, de setembro de 1969 a janeiro de 70, foram estourados 66 aparelhos, encarceradas 320 pessoas e apreendidas mais de 300 armas (Gaspari, 2002b, p. 159-160). No Brasil, com o argumento de que a segurança nacional é uma tarefa básica de toda a sociedade, foi criado o GPMI – Grupo Permanente de Mobilização Industrial. Esse grupo consistia em empresários imbuídos na “indústria do anticomunismo” e gerou fortunas entre 1969 e 1974 (Fon, 1979, p. 55). Particularmente, podemos nos referir a Henri Boilesen, amigo particular de Fleury, como um representante ícone desse grupo, além de Gastão Vidigal, dono do antigo Banco Mercantil de São Paulo e de vários outros empresários. Boilesen já havia se organizado com empresários num grupo de reação a Jango, grupo esse que se intermediou com os militares brasileiros a partir de Paulo Egídio Martins. Diretor do Grupo Ultra, Boilesen financiou a tortura na OBAN, além de comparecer pessoalmente para assistir sessões de tortura a presos. O Grupo Ultra foi o maior contribuinte dessa ditadura brasileira. Como já dissemos, há um equipamento de tortura chamado “Pianola Boilesen”, trazido por Boilesen dos EUA especialmente para aparamentar ainda mais a tortura no Brasil e, além do mais, testado por ele mesmo nos presos políticos brasileiros. Boilesen adotou o método da máfia de contribuição financeira junto aos empresários para reforçar o orçamento da repressão (Litewski, 2009). Um forte esquema de corrupção envolveu o empresariado nesse regime terrorista brasileiro que possibilitou a existência de uma verdadeira “indústria do anticomunismo”, fosse pela participação da máfia dos empresários ou pelos prêmios mensais destinados aos agentes dos órgãos de segurança na prisão e eliminação de “subversivos” (Fon, 1979, p. 556). O aperfeiçoamento desse esquema levou à criação de duas empresas de consultoria encarregadas de arrecadar e gerir o dinheiro utilizado nos prêmios: a CIA – Consultores Industriais Associados – e a Intelligence Assessoria Integral. Com escritórios no Rio de Janeiro e em São Paulo, essas duas empresas possuíam agentes em todas as cidades que sediavam DOI-CODI (Fon, 1979, p. 56). A contribuição dos empresários não era somente voluntária, praticava-se a extorsão sempre que necessário, especialmente aos empresários brasileiros, pois os ligados a multinacionais poderiam ser transferidos de país. As ameaças consistiam não apenas em violência física, mas em cortes de créditos nos bancos, o que fazia 75 com que os empresários tivessem pouco a perder e muito a ganhar participando do esquema (Fon, 1979, p. 58-59). Ligados ao financiamento desse regime terrorista brasileiro temos 15 grandes bancos nacionais, a Federação das Indústrias de São Paulo, a Federação do Comércio e a Confederação Nacional do Comércio (Gaspari, 2002b, p. 62-4). Além do auxílio internacional que o regime terrorista brasileiro recebeu dos EUA, sul-coreanos, sul-africanos e portugueses que também trabalharam aqui como instrutores de torturas, segundo relatos de detidos (Fon, 1979, p. 61). Nos anos de 1974 e 1975 o governo – por conta da perda de controle desses órgãos e da “subversão” da hierarquia militar – tentou criar uma campanha para dispersar agentes acusados de praticarem maus-tratos contra prisioneiros políticos. Assim, muitos integrantes do DOI-CODI passaram a se organizar em grupos clandestinos paramilitares de extrema direita. A criação no nordeste dos “Voluntários da Pátria”, em São Paulo do “Braço Clandestino da Repressão”, entre outros, vai coincidir com o aumento dos “desaparecimentos” de opositores do regime. Golbery do Couto e Silva, indicado como um dos responsáveis pela nova estratégia do governo terrorista recebeu oito cartas intituladas “novela da traição”, sendo identificado como comunista. Criou-se uma nova versão do Plano Cohen (uma falsa história de conspiração comunista que, em 1937, serviu como pretexto para a dissolução do Congresso e o advento do Estado Novo) apresentando-se uma pretensa ameaça de conspiração organizada pelo Partido Comunista Brasileiro em conexão com a KGB (Comitê de Segurança do Estado da União Soviética). Os assassinatos de Vladimir Herzog e de Manoel Fiel Filho frustraram esse plano, acelerando o processo de desativação do DOICODI (Fon, 1979, p. 66, 67, 69). Além disso, a rede responsável pela “segurança interna” brasileira controlou ouro, contrabando, mercado ilegal de dólares, exportações de café e urânio, além de acobertar atos terroristas contra organizações de esquerda, assassinando militantes. Os contrabandistas contratavam serviços de trabalhadores do DOI, o Exército escoltava a chegada e saída de contrabando no país, além de atuarem na organização do “jogo do bicho” e de escolas de samba. Muitas vezes, havia entraves entre policiais e militares na 76 passagem de propina dessas operações, muitos deles, torturadores que receberam a “Medalha do Pacificador21” (Gaspari, 2002b, p. 366-375). Desde 1964, quando a polícia paulista sumira com um casaco de peles da casa de Luiz Carlos Prestes, os agentes que invadiam aparelhos dispunham de uma carta de corso sobre os bens que lhes interessassem. Furtavam até anéis de presas. (...) Noves fora suas atividades no Esquadrão da Morte, o delegado Fleury fora acusado de aliviar o patrimônio descoberto nos aparelhos e de comandar uma Máfia da Proteção, vendendo segurança aos empresários. O CIE protegia-o dos promotores paulistas. (...) A tolerância com o crime estava expressa na zona de sombra lançada pela proteção a Fleury (Gaspari, 2002b, p. 366). 3.4 TORTURA O relatório Brasil: nunca mais copilou que 1.918 pessoas foram torturadas entre 1964 e 1979 pelo regime terrorista em 283 diferentes formas de torturas (Bnma). A Resolução no. 60/147 da ONU aprovada em 2005, e à qual o Brasil é signatário, afirma que a efetiva reparação por danos sofridos nessa ditadura deve incluir compensação, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição. O Brasil iniciou sua ação pela reparação financeira aos presos políticos que se tornaram impedidos de realizarem suas atividades profissionais durante esse regime terrorista. Até hoje o Estado brasileiro pagou cerca de 11 mil indenizações. Esse é um dos aspectos que faz do Brasil o país mais atrasado entre os países latinoamericanos que passaram por ditaduras, estando longe de reconhecer os crimes de tortura e de responsabilizar seus autores (Lavoratti, 2009, p. 26). Como já dito, no Brasil, a prática da tortura permanece como uma forma de violência institucional presente nos aparelhos de segurança pública, ainda contaminados pela lógica militar. Ela se tornou matéria de ensino e prática rotineira dentro da máquina militar de repressão política desse regime ditatorial pela associação de dois conceitos: a concepção 21 Medalha concedida a profissionais que obtiveram destaque nas ações de tortura e desaparecimento de opositores do regime. 77 absolutista de segurança da sociedade na qual “contra a pátria não há direitos” e a ideia de funcionalidade dos suplícios. Deste modo, a ação policial da ditadura foi e é defendida rotineiramente como uma resposta adequada e necessária à “ameaça comunista” (Lavoratti, 2009, p. 26; Gaspari, 2002b, p. 17). No final de 1970, um grupo de oficiais do I Exército foi enviado à Inglaterra a fim de aprender o sistema de “interrogatório” inglês. O método consistia em colocar o prisioneiro desnudo numa cela chamada “geladeira” onde se variavam o nível de ruídos, iluminação e temperatura a fim de desorientá-lo. Também se deixava o prisioneiro de 18 até 24 horas sem alimento, depois se dava o almoço e, uma hora após, o jantar, a fim de desorientar temporalmente o detido (Fon, 1979, p. 72). Mas os métodos preferidos pelos brasileiros consistiam no uso da violência física. Alguns dos métodos de tortura utilizados por esse regime terrorista que temos conhecimento são: arrancar dentes e unhas; estupros; colocar os detidos no “pau de arara”; deixar os detidos trancados numa cela com animais: cães treinados a morderem testículos, jacarés, jibóias, ratos, baratas, e também obrigar o contato físico do detido com animais, como colocar baratas, lesmas e ratos no corpo dos torturados, especialmente no ânus e na vagina. Também foi recorrente a utilização de torturas a partir da eletricidade com “maquininha de choque/pimentinha/manivela/perereca”: dando choques nos prisioneiros; cadeira do dragão: uma cadeira de choques; a pianola Boilesen: aparelho de choques; a cadeira do dragão foi ainda aperfeiçoada com a colocação de um microfone que fazia a voltagem da descarga elétrica aumentar de acordo com os gritos dos prisioneiros torturados. Também eram utilizadas técnicas de afogamento, combinadas ou não com outras torturas, como por exemplo, o pau de arara. Além disso, aplicavam nos detidos o pentotal sódico, vulgo soro da verdade; além de outras torturas químicas como a aplicação de amoníaco nas vias respiratórias e éter pingado no ânus ou em forma de injeção, normalmente nos pés, o que causa necrose e gangrena. O torniquete, por sua vez, consistia num aparelho colocado em volta da cabeça que a pressionava, causando morte por dilaceração encefálica. Além disso, muito comum era a utilização de espancamentos com palmatórias, pedaços de madeira, cordas molhadas, correntes de aço e cassetetes de borracha. Outra forma de 78 agressão era o “telefone”: bater com as palmas das mãos nos dois ouvidos do prisioneiro, o que estourava os tímpanos. Também eram produzidas queimaduras com velas e cigarros; e cortes com navalhas e estiletes; além de fraturar dedos. Os presos também ficavam imobilizados de diversos modos: no “polé/roldana”: que serve para amarrar o preso de cabeça para baixo, suspenso do chão, para a aplicação de outras torturas; suspenso a partir dos testículos, entre outros. (BNMb, p. 31-42; Fon, 1979, p. 71 – 79). Comumente, presidentes e ministros negaram e negam a utilização do dispositivo da tortura. Mas sabemos que os agentes envolvidos diretamente nesse dispositivo eram recompensados. O CIE – Centro de Informações do Exército - concedia a “medalha do pacificador” aos torturadores, reconhecendo as torturas como atos de “bravura” ou serviços relevantes prestados como forma de estimulá-la. Assim, a própria burocracia carreirística do mérito funcionou como estímulo a tortura; e, associada a condição de infração por não ser abertamente defendida pelo regime, tornava os seus funcionários intocáveis (Gaspari, 2002b, p. 21, 22, 24). De qualquer forma, busca-se a inimputabilidade da tortura no argumento da necessidade de utilizá-la. (Gaspari, 2002b, p. 43). E a destruição completa dos movimentos revolucionários brasileiros levou à conclusão de que os dispositivos da tortura e do desaparecimento são uma forma rápida e eficaz de conter a “subversão”. Numa cartilha preparada pelo DOPS paulista temos a seguinte definição para torturador: “expressão utilizada pela subversão para designar todos aqueles que se empenham ou colaboram na prisão de subversivos terroristas” (apud Gaspari, 2002b, p. 25). A tortura se relacionava com o Judiciário, que nem sempre se conluia, e com as dotações extra-orçamentárias, ora no empresário que financiava, ora no torturador que queria virar empresário. Faz-se necessário que ela continue para garantir recompensas como também para encobrir os crimes. “Para funcionar, o porão expande-se além das fronteiras da sua clandestinidade. Ele precisa de diretores de hospitais, médicos e legistas dispostos a receber presos fisicamente destruídos, fraudar autos de corpo de delito e autópsias” (Gaspari, 2002b, p. 29). 79 Antes de 1964, há registros de 105 brasileiros que passaram pela Escola das Américas. Desses, tiveram aulas de tortura nove oficiais da Marinha e do Exército. Entre 1965 e 1970, outros 60 brasileiros tiveram aulas de tortura (Gaspari, 2002b, p. 305). A necrópsica de Hansen revela uma “pielonefrite aguda”. A insuficiência renal que matou vários presos era provocada pela aplicação de pancadas na musculatura mole do corpo, o que a faz liberar quantidades elevadas de uma proteína chamada mioglobina. Esse ciclo fatal foi descoberto durante a Segunda Guerra, na Inglaterra, estudando-se os padecimentos de pessoas machucadas em desabamentos durante os bombardeios alemães. Denomina-se “crush syndrome” (Gaspari, 2002b, p. 312). A teoria da funcionalidade da tortura baseia-se numa confusão entre interrogatório e suplício. Num interrogatório há perguntas e respostas. No suplício, o que se busca é a submissão. Segundo relatos dos detidos torturados, mais do que dar uma informação ao carrasco, a situação de tortura configura que o torturado reconheça no carrasco o senhor de sua voz e de sua humanidade. Dessa forma, tanto quanto a dor física sofre-se por estar submetido à vontade do torturador: “Meu maior medo não era do pau, mas da possibilidade de tomar um pau.” (Gaspari, 2002b, p. 40). A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o ponto (lugar marcado para encontros), os militantes do grupo. Era o primeiro estágio. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória. (...) Você manda o sujeito abrir a mão. O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez, quinze bolos na mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A etapa seguinte era o famoso telefone das Forças Armadas. (...) É uma corrente de baixa amperagem e alta voltagem. (...) Não tem perigo de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas pontas dos dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre no mesmo lado do corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é deixar a corrente passar pelo coração. Aí mata. (...) O último estágio em que cheguei foi o pau-de-arara com choque. Isso era para o queixo-duro, o cara que não abria nas etapas anteriores. Mas pau-de-arara é um negócio meio complicado. (...) O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marca. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal. (Entrevista de Marcelo Paixão de Araújo (tenente e torturador do 12º. RI de Belo Horizonte de 1968 a 1971) a Alexandre Oltramari, Veja, 9 de dezembro de 1998, apud Gaspari, 2002b, p. 182-3). 80 Há vários relatos de ex-presos políticos que, submetidos à condição desumana da tortura, desenvolveram grave sofrimento psíquico por efeito da violência. No Brasil, um exemplo de sofrimento psíquico na situação de tortura na ditadura militar bastante discutido foi o de Frei Tito de Alencar Lima, que cometeu suicídio na França. Ainda no Brasil, Jefferson Cardim foi torturado em três quartéis, num deles teve o diagnóstico de “crise de demência”22 e foi submetido a tratamento médico, depois foi espancado e crucificado nas grades de sua cela (Gaspari, 2002a, p. 197). Além deste, nos relatos de memórias dos sobreviventes do Presídio Tiradentes, encontramos diversas alusões a graves sofrimentos psíquicos reativos à situação de tortura (Freire, Almada e Granville Ponce, 1997). Os aspectos existenciais relacionados à tortura serão aprofundados posteriormente no capítulo 5. 22 Que pode ser considerada como grave sofrimento psíquico. 81 4. ARGENTINA Antes de que fallecieran sus padres, su marido salió de la cárcel, a él también lo habían torturado, pero nunca se tocó el tema, ella en especial nunca contó todo lo que había pasado, porque sentía vergüenza, después el se fue enterando porque ella fue teniendo como delirios y tenía temor de ir a cualquier psiquiatra, pero ahora ha comenzado un tratamiento y está dispuesta a colaborar, si es que su testimonio sirve. (testemunho de M. de M., relatório Nunca Más). 82 Inspirado no sucesso dos militares brasileiros em 1964, a “revolução argentina” nome dado ao golpe de Olganía (1966 – 1970) - subordinava o país cada vez mais ao capital estadunidense, o que gerou resultados econômicos catastróficos e fez com que a classe média se desiludisse com o golpe militar (Coggiola, 2001, p. 19). O golpe de Onganía também provocou um sério retrocesso no movimento operário. Durante as ditaduras dos generais Onganía (1966 - 1970), Levingston (1970 - 1971) e Lanusse (1971 - 1973), o partido militar se organizou e começou a colocar em prática a teoria das fronteiras ideológicas e a “Doctrina de Seguridad Nacional”, que se concretizaram em um sistema de segurança implementado pelo “Consejo Nacional de Seguridad”, pelo “Comité Militar”, pelo “Centro Nacional de Inteligencia” e pela “Escuela Nacional de Guerra”. Deste modo, a reorganização das relações de trabalho, o controle político da população e a representação exercida através da “Doctrina de Seguridad Nacional” se constituíram como complemento indispensável para aplicar um sistema econômico, político, social e cultural contrário aos interesses do próprio país (Poce, 2002, p. 12). Mas vale ressaltar que o autoritarismo imposto na Argentina ao longo da década de 1970 é a culminação de um longo processo que começa muito antes (Molas, 1985, p. 167). A ideia de utilizar da violência contra terceiros baseia-se na justificativa de que esta se oferece à ordem estabelecida como uma alternativa válida para silenciar os heterodoxos e dissidentes, além de espalhar o terror a toda população (Molas, 1985, p. 168). Muitos lutaram por uma nova Argentina. Para alguns, isso significava justiça social e independência econômica, como foi o caso dos Montoneros. Outros viam no peronismo um meio para construir uma sociedade marxista. E ainda havia aqueles que rechaçaram abertamente o peronismo e aderiram a ideia de uma revolução popular armada, como a ERP (Ejército Revolucionario del Pueblo) (Poce, 2002, p. 64). O “Cordobaço”, manifestação ícone da história argentina ocorrida em Córdoba em 29 de maio de 1969 que culminou com a queda do presidente Onganía, abriu uma situação revolucionária que permaneceu latente entre os anos de 1969 a 1976 (Coggiola, 2001, p. 28). 83 Frente a esse contexto, os conflitos sindicais tornaram-se isolados, mas muito duros, o que culminou em 1976, com um governo terrorista militar no qual se estima mais de 30 mil desaparecidos, além de 2,4 milhões de exilados. (Coggiola, 2001, p. 27). A eleição de Perón em 24 de fevereiro de 1946 marcou o começo da operação, com a chegada ao país de muitos criminosos de guerra condenados por “inteligência contra o inimigo” tanto da França, quanto da Itália de Mussolini e da Alemanha nazista (Robin, 2005, p. 302-303). Em 1973, o Frejuli (Frente Justicialista de Libaración) levou Perón à presidência da Argentina num minigolpe de Estado, quando substituiu Cámpora (1973) na presidência em julho. Em outubro de 1973 o esquadrão da morte anticomunista “Triple A” (Aliança Anticomunista Argentina) começou a agir, criado pelo secretário pessoal de Perón José López Rega (Coggiola, 2001, p. 46). Iniciou-se assim o “(...) fechamento do processo de insurreições populares iniciado pelo “Cordobaço” e o caminho que levaria a um novo golpe militar em 1976, que surpreenderia o mundo pela sua violência” (Coggiola, 2001, p. 32). Depois da morte de Perón, sua mulher “Isabel” assumiu a presidência com a ultradireita peronista até 24 de março de 1976, quando se iniciou a “ditadura do processo”, presidida pelo general Jorge Rafael Videla e uma junta militar. Isabel, logo após a morte de Perón, designou o Ministério do Bem Estar Social a Lópes Rega, que deu amplo apoio a ultradireita peronista (e a organização paramilitar de repressão clandestina denominada “Triple A”), e entregou a chefia do Exército a Jorge Rafael Videla (Poce, 2002, p. 21). Logo que Videla assumiu a chefia do Exército, começaram reuniões de chefes e oficiais superiores das três forças armadas que, em setembro de 1975, decidiram dar um golpe de Estado dali a no máximo seis meses. Discutiram longamente os aspectos desse projeto e nessas reuniões se organizaram as estruturas de poder, de decisões e o plano econômico (a cargo de Martínez de Hoz) do governo terrorista. Como primeira medida, adotaram a metodologia clandestina elaborada pelos serviços de inteligência, aplicando a “Doctrina Argentina de Seguridad” (Poce, 2002, p. 19). 84 Em novembro de 1975, Isabel assinou dois decretos que ordenavam as forças armadas a aniquilarem a subversão rural e urbana. Assim, iniciaram-se enfrentamentos, sequestros, torturas e assassinatos. Na época, as organizações de resistência contavam com cerca de dois mil militantes, sendo que 20% com treinamento e armas. Para eles, as forças armadas mobilizaram 200 mil efetivos. O próprio Videla sustentava que, em janeiro de 1975, a guerrilha estava vencida e não constituía um perigo. La supuesta guerra contra un enemigo poderoso fue una falacia para realizar un frío genocidio de los opositores progresistas. (…) La existencia de restos de la guerrilla no constituyó el motivo real de la rebelión militar; existió un objetivo corporativo fundado en la pretensión de las fuerzas armadas de constituir la única elite capaz de gobernar el país. (Poce, 2002, p. 20) A situação política durante o governo de Isabel tornou-se caótica, existia um vazio de poder, a violência era soberana e se produziram greves e disputas no partido Peronista. Havia grande protagonismo político da juventude, especialmente universitária, que imaginava uma revolução social próxima. Isabel anunciou eleições para outubro de 1976, mas, em 24 de março de 1976 foi presa e intimada a renunciar. Em 24 de março de 1976 tomou o poder a “Junta Militar” composta pelo Tenente General Jorge Rafael Videla, Almirante Emilio Massera e pelo Brigadeiro Orlando Ramón Agosti. Iniciou-se assim, o “Proceso de Reorganización Nacional”, que suspendeu a constituição e ditou atas, estatuto e regulamento para esse regime terrorista. Criou-se a situação mais grave que o país havia conhecido, visto que o povo tornou-se vítima do terrorismo, com 30 mil desaparecidos e milhares de presos políticos, meios de comunicação censurados, capacidade produtiva destruída. Isso se revelou num dos mais baixos níveis de educação, saúde e trabalho da história do país, uma situação que exilava os argentinos em sua própria terra, sofrendo as consequências da guerra das Malvinas e hipotecados por uma fabulosa dívida externa que transformou um problema financeiro em um problema social (Poce, 2002, p. 12-13). 85 4.1 O “PROCESSO” Na Argentina, o “Processo” se justificava pela eliminação da corrupção peronista e pela eliminação dos “subversivos” (Coggiola, 2001, p. 56). Segundo Poce (2002), o motivo real da rebelião militar foi instalar uma transformação sócio-econômica para favorecer os capitais nacionais e internacionais, preservando-os do “perigo marxista”. Para isso, o “Proceso” submeteu os Direitos Humanos à supremacia da “Doctrina de Seguridad Nacional”, executada através das “Fuerzas de tareas”, além de atos institucionais, como o de 18 de junho de 1976, elaborado com o objetivo de considerar atos de prejuízo aos “interesses superiores da nação” causas tão genéricas como: inobservância de princípios morais básicos no exercício de funções públicas, políticas ou atividades que comprometessem o interesse público (Poce, 2002, p. 25). Ou causas mais definidas, como: (...) evitar la producción, aplicación y difusión de textos, bibliografía, recursos didácticos de apoyo a la enseñanza y procesos culturales y científicotecnológicos, cuyos contenidos de conocimiento y formativos estuvieran provistos de connotaciones ideológicas extremistas, cualquiera fuera su origen. (Poce, 2002, p. 27) Subversão é definida como uma ação que busca mudar a ordem política ou social estabelecida num país, que se expressa mediante a confrontação ideológica ou aplicando métodos violentos, no caso, aplicável legislação penal. Enquanto o conceito jurídico universal considera mais leves as motivações políticas, o contrário se passou na Argentina, considerando-se subversivos todos aqueles que se opusessem ao “Processo”. (Poce, 2002, p. 59). Desta forma, na Argentina: Al cabo de cinco décadas de golpes de estado, represión y crímenes impunes, de corrupción y entrega, de mojigatería y censura de injusticias sociales y económicas; de complacencia interesada de la mayoría de los dirigentes políticos y sindicales y de no pocos intelectuales, hubo un momento en que todos nos hicimos subversivos (Gabetta apud Poce, 2002, p. 64). Com a ditadura militar de Videla, Massera e Agosti, se desatou com toda a intensidade a chamada “guerra suja”. Na realidade, os militantes das organizações armadas 86 já haviam sido eliminados ou estavam exilados por conta da repressão exercida nos anos anteriores. O que existiam eram jovens simpatizantes da resistência, de organizações políticas progressistas, universitários, sindicalistas, profissionais e intelectuais opositores da ditadura, além de seus familiares e amigos, que também sofreram perseguição, cárcere, tortura e morte nos operativos militares e policiais executados da maneira mais covarde, no anonimato, com total impunidade e negadas pelos chefes militares que as dirigiam (Poce, 2002, p. 65). (…) la lucha contra los subversivos, con la tendencia que tiene toda caza de brujas o de endemoniados, se había convertido en una represión demencialmente generalizada, porque el epíteto de subversión tenía un alcance tan vasto como imprevisible. (Sábato apud Poce, 2002, p. 65). Entendemos por terrorismo as ações delitivas caracterizadas por empregar métodos violentos contra indivíduos, comunidades ou entidades para atemorizar, lesionar ou eliminar fisicamente o adversário político, social, racial, religioso ou de nacionalidade considerada inimiga. O Código Penal argentino assinala os delitos de terrorismo e as penas a eles correspondentes, ou seja, o Estado conta com os elementos punitivos e deve utilizá-los de forma legal. Assim, não se pode justificar a “guerra suja” ou os “excessos repressivos”, nem restringir os direitos e as garantias constitucionais ao inimigo de um determinado governo sem que esse se converta em um “Estado terrorista” (Poce, 2002, p. 60). Assim, o terrorismo estatal aplicado pelo “Processo” atuou massiva e indiscriminadamente a fim de criar um estado de espanto para paralizar a população e silenciar os meios de comunicação, para poder, assim, desenvolver sua política sem oposição (Poce, 2002, p. 60). 87 4.2 DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL Documentos mostram que a França ensinou à Argentina a doutrina da “guerra moderna” desde 1957, que implicava na eliminação de qualquer oposição a partir da tortura, do seqüestro e da ocultação de cadáveres (Coggiola, 2001, p. 60). Supostamente pensada para dar resposta à guerra total contra a subversão, a doutrina de segurança nacional francesa não se restringia a ensinamentos militares, mas também apontava para que esses assumissem posições políticas e econômicas em seus respectivos países, já que para os franceses a guerra contrarrevolucionária interferia imediatamente na política (Robin, 2005, p. 348). Trinquier elaborou a “doutrina da clandestinidade”: repressão baseada no ocultamento dos centros de detenção, desaparecimento de pessoas e eliminação dos corpos; uso de pessoal militar vestido de civil, organizado em comandos e percorrendo à noite os centros urbanos em busca de vítimas ou suspeitos para torturar – técnicas implementadas na Argélia por Aussaresses e Massu e importadas para a Argentina (Coggiola, 2001, p. 61). Desde 1957, assessores militares franceses recrutados pelo Estado Maior Argentino passaram a realizar um trabalho de preparação ideológica difundindo a doutrina da guerra contrarrevolucionária nas formações das forças armadas com a colaboração intensa de oficiais argentinos formados pela Escola Superior de Guerra de Paris (Robin, 2005, p. 278). Assim como na Argélia, os franceses trouxeram à Argentina a lógica de que a luta antisubversiva necessitava de uma excelente rede de inteligência e comunicação (Robin, 2005, p. 279). Deste modo, foram instalados ciclos de conferência sobre a guerra antisubversiva em todas as unidades e institutos militares da Argentina (Robin, 2005, p. 277). Com a revolução cubana levando ao poder Fidel Castro em 1 de janeiro de 1959, a “paranóia comunista” na América do Sul fica confirmada aos olhos dos militares, justificando, assim, a existência de um perigo comunista “real” (Robin, 2005, p. 280). Em 1960 os militares franceses ministraram cursos de guerra contrarrevolucionária no Uruguai e no Peru. Assim, nasce a ideia de ministrar o primeiro “curso interamericano de 88 guerra contrarrevolucionaria”, em Buenos Aires em outubro de 1961 cujo objetivo era reconhecer oficialmente o comunismo como inimigo comum e admitir um plano de ação contra a subversão marxista (Robin, 2005, p. 281-282). Em 1962, cinco anos após o início da “missão francesa”, os argentinos contavam com um manual intitulado “Instrucciones para la lucha contra la subversión”, inspirado no documento da Escola Superior de Guerra francesa “Point de vue. Conduite de la guerre revolutionnaire”. Na sessão II do capítulo III, intitulado “El trato de los prisioneros”, explicase: Interrogatorio: es necesario proceder a su identificación utilizando todos los medios disponibles. (…) interrogar a todas las personas sospechosas. (…) Muchas de estas medidas son demasiados severas y deben estar coordinadas merced a una intensa campaña de operaciones psicológicas para convencer a la población de que esos métodos rudos se llevan a cabo para su propio bien.” (Robin, 2005, p. 286). Assim, a tortura passa a ser caracterizada como a arma própria da guerra contrarrevolucionária. Portanto, para que esse dispositivo fosse melhor compreendido, exibia-se o filme “A Batalha da Argélia” frequentemente nas formações militares, a fim de instruir os militares na doutrina da guerra antisubversiva. Além disso, o filme era apresentado também por um capelão militar que afirmava que a tortura era uma arma necessária de combate, convertendo a população civil num novo inimigo (Robin, 2005, p. 308; Verbitsky, 2006, p. 132). A Igreja Católica argentina apoiou o “Processo”, ora por omissão, ora declarando apoio. Padres ligados as Forças Armadas garantiam aos militares que: “Era honroso torturar y matar aún violando sus convicciones religiosas, en defensa del mundo occidental cristiano” (Poce, 2002, p. 41; Halac, 1986, p. 24). E essa ideia era difundida não apenas pela Igreja Católica, mas também pelos militares. O general Videla em janeiro de 1978, por exemplo, afirmava que “un terrorista no es simplemente alguien con un fusil o una bomba sino alguien que despliega ideas que son contrarias a la civilización occidental y cristiana.” (Poce, 2002, p. 107). 89 Ao final de uma ação violenta, como a prática de torturas ou o lançamento de seqüestrados dopados ao mar, as forças armadas ofereciam aos militares um representante da Igreja católica – capelão militar ou padre – para que pudessem se confessar e se absolver. Adolfo Scilingo, no livro “El Vuelo” (Verbitsky, 2006, p. 38) conta que ao voltar de seu primeiro “vôo”, foi recebido por um capelão militar da ESMA que lhe disse ser essa morte uma morte cristã, visto que os sequestrados não sofriam, não era uma morte traumática. Disse também que era necessário eliminá-los, pois a guerra era assim, e que na Bíblia está prevista a eliminação do joio no trigal, oferecendo apoio ao militar incomodado. A Igreja optou por aconselhar que não se realizassem missas pelos desaparecidos; alguns padres que desobedeceram a essa recomendação, desapareceram, e a Igreja não se pronunciou a esse fato. O vigário do exército monsenhor Victorio Bonamín disse que: El ejército está expiando la impureza de nuestro país. (…) ¿No querrá Cristo que algún día las fuerzas armadas estén más allá de su función? (…) esta lucha es en defensa de la moral, de la dignidad del hombre, es una lucha en defensa de Dios… Por ello pido la protección divina en esta “guerra sucia” en la que estamos empeñados. (…) Hay que desestimar las denuncias extranjeras sobre de desapariciones (Poce, 2002, p. 114). Assim, o genocídio não só se realizou em nome da “civilização ocidental e cristã”, mas também contou com o apoio de setores da própria hierarquia eclesiástica. A Igreja atuou tardiamente, de forma tangencial, sem se comprometer com a defesa da vida, essência de sua doutrina (Poce, 2002, p. 123), e apesar da constituição argentina garantir a liberdade de cultos religiosos, durante o “Processo” se estabeleceu a obrigatoriedade do ensino religioso católico nas escolas (Poce, 2002, p. 159). Os franceses trouxeram à Argentina o conceito de “inimigo interior” (Robin, 2005, p. 267). Resumidamente, o “inimigo interior” era qualquer pessoa cujas idéias não eram compartilhadas pelos militares e que, portanto, poderiam ter afinidades com o comunismo ou com o peronismo, que era considerado subproduto do primeiro. A ideia central era que, para destruir a ideologia subversiva que colocava em perigo os valores “cristianos occidentais” deveriam destruir fisicamente o inimigo. Foi a doutrina francesa que preparou o 90 terreno para a ditadura de Videla, e embora a Argentina já tivesse vivido vários golpes de Estado, nunca havia conhecido tantas violações dos direitos humanos (Robin, 2005, p. 268). A primeira operação militar francesa na Argentina foi a “Hierro Forjado”, que consistia numa reorganização da divisão territorial das Forças Armadas Argentinas segundo a técnica de quadriculação desenvolvida pelos franceses na Argélia. Os militares também realizavam outros treinamentos práticos de tortura. Um exemplo disso era o treinamento realizado na Terra do Fogo, onde os oficiais eram divididos em dois grupos – representando os subversivos e as forças militares – que se perseguiam, capturavam e torturavam, aplicando concretamente os métodos de repressão urbana cujo modelo era a batalha da Argélia (Robin, 2005, p. 310). Sabemos, através de diversos documentos, inclusive do relatório argentino “Nunca Más”, que as operações repressivas dentro do território nacional de cada país da América Latina não respeitaram as limitações geopolíticas, contando com a colaboração de todos os serviços de inteligência locais em procedimento de reciprocidade na violação dos direitos humanos, facilitando o sequestro de estrangeiros que deveriam estar protegidos por leis de refugiados. Com o advento da Guerra Fria, os Estados Unidos estabeleceu, entre 1947 e 1962, 500 bases militares principais e 3000 secundárias na Europa, Ásia e América com o objetivo de construir um “cordão sanitário” ao redor do mundo comunista. Em 1947 assinou-se no Rio de Janeiro o “Tratado Interamericano de Assistência Recíproca” (TIAR) vinculando os países da América do Sul com a doutrina de segurança nacional estadunidense, estabelecendo uma zona de segurança mútua frente a uma eventual agressão extracontinental, supostamente comunista. Em 1948, em Bogotá, se criou a “Organização dos Estados Americanos” (OEA), dando um novo passo na integração continental. Em 1951, os Estados Unidos impõs sua liderança militar com a “Ata de Segurança Mútua”, formalizando a instrução dos exércitos latinoamericanos pela doutrina de segurança nacional estadunidense (Robin, 2005, p. 343). Essa interrelação entre os governos ditatoriais latinoamericanos ficou visível a partir de instituições como a “Escola das Américas” e da “Operação Condor”. Criada pelos Estados 91 Unidos na zona do canal do Panamá em 1946, a “Escola das Américas” foi transferida para a Geórgia em 1984, para o Fort Benning. Ela se propõe a doutrinar exércitos da América Latina a partir de cursos de técnicas de interrogatório que incentivam a violação dos direitos humanos. A Escola das Américas foi responsável pelo treinamento de 60.000 soldados na América Latina em operações de comando, “guerra psicológica” e técnicas de contrainsurgência e interrogatório. Utilizavam um manual que se acercava primeiramente do controle da população, como tática fundamental para a inteligência e a repressão. Especialmente o curso “O-47” era dedicado a operações antisubversivas, conceitualizando a subversão não só como uma insurreição armada, mas também como ações não violentas que poderiam ser: manifestações, greves, trabalhos pastorais ou promoção de “ciências sociais comprometidas”, que “atizan el descontento de la población” (Robin, 2005, p. 357). Além disso, toda tentativa de analisar as causas históricas, sociológicas ou econômicas da pobreza na América Latina passou a ser considerada “subversão”. Segundo o curso, deve-se “extraer la información del prisionero lo más rápido posible (...) y después meterlo tres metros bajo tierra.” (Robin, 2005, p. 357). Aqui também haviam aulas práticas onde os soldados eram torturados pelos instrutores. No curso sobre métodos de interrogatório, se ensinava a não perder tempo com alguém que não quer falar, fazendo-o sofrer o máximo possível rapidamente a partir de técnicas específicas de tortura. Além de ensinarem, também, a torturar familiares em frente ao suspeito – como, por exemplo, a esposa em frente ao marido ou o bebê em frente aos pais - aliás, método que, segundo o curso, costuma dar bons resultados (Robin, 2005, p. 358). A proliferação dos esquadrões da morte na América do Sul está intimamente relacionada aos ensinamentos dispensados pela escola estadunidense sobre a guerra contrainsurgente (Robin, 2005, p. 360). Num manual da “Escola das Américas” elaborado pela seção de treinamento de interrogatórios do exército dos Estados Unidos, faz-se referência a uma estratégia chamada “lavagem cerebral”. Segundo o documento, esse é um tratamento misterioso e irresistível baseado em algum “segredo psicológico” que os comunistas possuem. Muitos foram torturados e mortos a fim de que as forças repressivas descobrissem esse “segredo”. Nesse manual, também havia instruções de como manter 92 vivos e com boa capacidade de resposta as vítimas de choques elétricos a partir de uma técnica de molhar as cabeças com água salgada, descrita e pedagogicamente ilustrada (Calloni, 2005, p. 226). A influência dos EUA no desenvolvimento das políticas militares dos regimes terroristas latinoamericanos se deu através de reuniões de chanceleres e conferências dos exércitos americanos. Estas se constituíram na expressão e organização das tendências antidemocráticas e ditatoriais do continente, da difusão da doutrina de contra-insurgência e foram o ponto de articulação das táticas de aplicação da “Doutrina de Segurança Nacional” em cada país (Poce, 2002, p. 43). Em 2 de outubro de 1961 foi inaugurado o “Curso Interamericano de Guerra Contrarrevolucionaria” na Escola Superior de Guerra de Buenos Aires (Poce, 2002, p. 43). O aspecto básico da doutrina de guerra desenvolvida implicava na eliminação física da denominada “subversión apátrida” e uma orientação ideológica dentro dos princípios da defesa da tradição, família e propriedade. A doutrina tinha também como propósito implantar o terror generalizado na população para evitar o desenvolvimento da guerrilha. Esses conceitos fundamentaram o dispositivo do “desaparecimento” sistemático tão utilizado pelo regime terrorista argentino de 1976 (Poce, 2002, p. 56). Em decorrência desse curso, os serviços de inteligência militares passaram a trabalhar definitivamente em conjunto. Na 11ª Conferência de Exércitos Americanos (CEA), de 19 a 25 de outubro de 1975 em Montevidéu, Videla anunciou as bases do “Processo” ao afirmar: “Para que vuelva a reinar la paz en Argentina, deberán morir todas las personas que sea necesario.” (Poce, 2002, p. 46). Na conferência seguinte, de 7 a 10 de novembro de 1977 em Manágua, criou-se o “Sistema Interamericano de Comunicação do Exército” (SITE). Na década de 60, Kennedy já havia adotado a “Estratégia de contra-insurgência” fundamentada na “Doutrina de Segurança Nacional” (Poce, 2002, p. 51). Robert Mc 93 Namara23 disse que o objetivo principal dos EUA na América Latina consistia em ajudar, onde fosse necessário, o contínuo desenvolvimento das forças militares e paramilitares para que estas fossem capazes de proporcionar, unidas com a polícia e outras forças de segurança, a necessária segurança interna (Poce, 2002, p. 52). Assim, a administração Regan aplicou um dispositivo chamado “Doutrina dos conflitos de baixa intensidade” que consistia no desenvolvimento de operações políticomilitares ou paramilitares aplicadas às áreas “subversivas”. A coordenação se realizou com grupos mercenários anticomunistas e organizações privadas de extrema direita, como a “Liga Mundial Anticomunista” e os “Amigos da América”. A ação foi canalizada a partir do FBI, da Fundação Nacional para a Democracia, da CIA e do Instituto Americano para o Desenvolvimento do Trabalho Livre (Poce, 2002, p. 53). Como consequência dessa estratégia, 3.676 militares argentinos foram treinados na Escola das Américas entre 1950 e 1975 (Poce, 2002, p. 54). Além disso, há registros de oficiais argentinos afirmando que foram treinados na tortura com prisioneiros vivos também no Brasil, a partir de 1968 (Robin, 2005, p. 309). Segundo o relatório argentino “Nunca Más”, a metodologia empregada pelas ditaduras latino-americanas consistiu, basicamente, na inter-relação dos grupos paramilitares “ilegais” de repressão que atuaram como se fossem uma única força repressiva “multinacional”, o que consistiria, em sua lógica, uma violação da soberania nacional. Isso ocorreu tanto no Brasil quanto na Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Bolívia e, participando somente com as forças de inteligência, os Estados Unidos da América24. Nelson Eduardo Dean, uruguaio preso em 13 de julho de 1976 e torturado na Argentina, revelou uma das ligações entre os governos militares da Argentina e do Uruguai: En estos interrogatorios y torturas comprobé que participaban directamente oficiales del Ejército uruguayo. Algunos decían pertenecer a un grupo llamado OCOA - Organismo Coordinador de Operaciones Antisubversivas (relatório Nunca Más). 23 Como já dito, Robert McNamara se formou na Escola Superior de Guerra do Brasil em 1963, na mesma turma que o brasileiro Cel. Ubiratan. 24 Especialmente através da CIA, do FBI e da Escola das Américas. 94 Seguindo a mesma lógica, a “Operação Condor” foi uma aliança político-militar criada na década de 70 entre as ditaduras latino-americanas do Brasil, da Argentina, do Uruguai, do Chile, do Paraguai e da Bolívia para coordenar as ações repressoras nesses territórios. El plan de combate al marxismo en el mundo – diseñado en Washington y diseminado por la CIA, y que alzó vuelo como Cóndor bajo la dirección de la DINA – incluyó servicios de Inteligencia de muchos países, asociaciones criminales (como la Triple A de Argentina), grupos comandos y de tareas de la guerra socia, escuadrones de la muerte, cubanos “anticastristas”, los terroristas del coronel croata Vlado Scecen, la ultraderecha italiana de Stefano Delle Chiaie, la Organización del Ejército Secreto de Francia (OAS) y apoyos de gobiernos como el de Sudáfrica, en manos del régimen del apartheid, entre otros. Pero también muchos de los hombres que colaboraron en Cóndor tenían relación con la Interpol, como sucedió con agentes de la DINA en Buenos Aires (Calloni, 2005, p. 5). O “Condor” funcionava a partir de três níveis: o agregado militar, a participação de alguns diplomatas e o contato por telex (Calloni, 2005, p. 118). Um elemento chave da operação “Condor” era a ilegalidade. Recorria à utilização de grupos de segurança, policiais e militares da América Latina para acompanhamentos, controles telefônicos, controles postais, familiares e estratégias sexuais para descoberta de dados confidenciais. Além disso, outro aspecto fundamental instaurado pelo plano “Condor” foi à possibilidade de se transportar sequestrados de um país a outro sem nenhuma autorização legal, submetendo-os a torturas e transladando-os inclusive aos Estados Unidos, violando, assim, disposições soberanas (Calloni, 2005, p. 6). Além disso, em janeiro de 1974 foi celebrado um acordo de cooperação entre as forças repressivas do Uruguai, Brasil, Paraguai, Bolívia e Chile (Calloni, 2005, p. 74). Esses países trocavam informações, prisioneiros e tecnologia de guerra (Calloni, 2005, p. 120). Segundo Calloni (2005, p. 11), os Estados Unidos proporcionaram inspiração, financiamento e assistência técnica a repressão, iniciando o que podemos chamar de primórdios da operação “Condor”. A CIA promoveu uma maior coordenação entre os serviços de inteligência do Cone Sul, inclusive organizando as primeiras reuniões entre funcionários de segurança uruguaios e argentinos para discutir estratégias de vigilância aos exilados políticos, ou ainda intermediando reuniões entre os “esquadrões da morte” brasileiros, argentinos e uruguaios. Além disso, a CIA também subsidiou ao Brasil e a Argentina equipamentos de tortura elétricos e assessoria técnica sobre tortura, para que se 95 evitassem o que se convencionou chamar de “acidente de trabalho”, ou seja, o torturado morrer por conta da tortura sem que essa fosse a decisão do torturador. A CIA também treinou os agentes de segurança latinoamericanos na fabricação de bombas, e o FBI participou ativamente através de sua polícia técnica. Mas essas instituições estadunidenses não operaram na clandestinidade. Foram claramente apoiadas pelo seu governo enquanto armavam e protegiam os repressores latinoamericanos e operavam nas “guerras sujas”, discutindo abertamente no congresso estadunidense (Calloni, 2005, p. 238). A operação “Condor” significava a difusão em todo continente da criminalidade política terrorista espionando, perseguindo e matando aqueles considerados “subversivos” (Calloni, 2005, p. 17). Além de impostos de todos os governos envolvidos, essa operação também foi financiada por importantes empresários estadunidenses e regionais (Calloni, 2005, p. 43). Segundo Calloni (2005, p. 72), o general Lópes Rega chegou a dizer numa das reuniões do plano “Condor” que na Argentina não se necessitaria milhões de mortos como na Indochina, pois com dez mil mortos ele já resolveria o problema da subversão. A operação “Condor” também participou no sequestro e desaparecimento dos 500 bebês argentinos filhos de “detenidos-desaparecidos” (Calloni, 2005, p. 217). Além disso, através da operação “Condor”, diversos agentes de segurança envolvidos nos crimes desses regimes terroristas adquiriram diferentes passaportes (Calloni, 2005, p. 262). A “Triple A” tinha conexão aberta com a CIA, e também participou ativamente no regime terrorista de Pinochet, trabalhando em conjunto com a DINA (Direção Nacional de Inteligência do Chile), que importou experimentos de tortura dos nazistas (Calloni, 2005, p. 68-122). Há registros de que os membros dos esquadrões da morte argentinos eram recrutados entre os simpatizantes da ideologia autoritária e fascista, exibiam nos seus chaveiros suásticas e utilizavam braceletes similares aos nazistas (Molas, 1985, p. 168). Entre julho e setembro de 1974 se produziram 220 atentados da “Triple A” – quase 3 por dia -, 60 assassinatos – um a cada 19 horas – e 44 vítimas foram gravemente feridas, além de 20 sequestros: um a cada dois dias (Calloni, 2005, p. 77). Na Argentina, a “Triple A” assassinou duas mil pessoas entre 1974 e março de 1976 (Calloni, 2005, p. 136). Há registros 96 de que no Uruguai, agentes da CIA ensinavam militares a torturar a partir de aulas práticas com pessoas em situação de rua e profissionais do sexo (Calloni, 2005, p. 65). Assim, houve uma complementariedade entre as escolas francesa e estadunidense. A primeira deixou um conjunto de técnicas militares e políticas, tanto aos argentinos quanto aos próprios estadunidenses. A segunda colaborou com o marco ideológico dessas técnicas – a Doutrina de Segurança Nacional - que permitiu a Argentina inserir-se em um modelo continental cuja finalidade era essencialmente econômica, no sentido de preservar os interesses dos Estados Unidos na América Latina (Robin, p. 311). 4.3 MODUS OPERANDI Basicamente, o modo como a repressão operou na Argentina, pode ser resumido a partir de um informe da CELS de outubro de 1980. Em primeiro lugar, existia um sistema definido e estruturado para que as forças de segurança agissem tanto em conjunto quanto, ao mesmo tempo, em separado, repressivamente, inclusive no uso de códigos e linguagem. Em segundo lugar, os centros de detenção clandestinos tinham um caráter estável, contando com pessoal permanente e rotativo, dotados de autonomia ao mesmo tempo em que inseridos nesse sistema. Em terceiro lugar, esses centros eram absolutamente articulados com as estruturas superiores, contando com apoio orgânico para a realização de todas as suas “tarefas” (Poce, 2002, p. 73). Viola ditou as seguintes ordens secretas em 17 de dezembro de 1976: 1) “Operaciones contra elementos subversivos” (R-C-9-1): consistia em ordem de aplicar o poder de combate com a máxima violência possível a fim de aniquilar os “delinqüentes subversivos”. A ação militar deve ser sempre “violenta e sangrenta”. O “delinquente” armado deve ser aniquilado. Também institui o dispositivo da emboscada e as “fuerzas de tarea”. 97 2) “Instrucciones para operaciones de seguridad” (R-F-10-51): informava a obrigatoriedade na utilização de capuz e vendas nos detidos a fim de que os mesmos não pudessem reconhecer para onde haviam sido levados. Ainda indica sobre as características dos informantes: devem ser inteligentes e com uma razão ideológica para serem informantes (crença, ódios, rancores, política, ideológica, dinheiro, vingança, rivalidade, vaidade etc) (Poce, 2002, p. 75). A execução dos procedimentos do “Processo” ficava a cargo dos diferentes serviços de Inteligência, coordenados pelo SIDE (Servicio de informaciones Del Estado) que informava ao Comando dos distintos corpos do exército, marinha, aeronáutica ou polícia o andamento de suas ações (Poce, 2002, p. 75). De acordo com esse padrão organizativo, se estabeleceram bases de operações denominadas “Base”. Era chefiada por um coronel de Inteligência denominado “gerente”. Da “Base” dependiam quatro sessões: Política, Grupo de Tarefas, Operações Especiais e Logísticas. A “Sessão Política” funcionava na “Base” e se ocupava do controle de suspeitos e dos objetivos da repressão. Armazenava informações sobre “subversivos” obtidas tanto nos campos de concentração como fora deles, a partir de estruturas “infiltradas”. Elaborou listas de “indesejáveis”, investigou dados obtidos e estabeleceu as prioridades nos procedimentos, além de arquivar os expedientes e repassá-los para a Seção de Inteligência. O “Grupo de Tarefas” estava a cargo de um oficial e um suboficial, além de dez outros suboficiais de diferentes armas e mais um grupo de civis vinculados. Utilizavam diferentes locais como campos de concentração. Sua missão era realizar os operativos encarregados pela “Sessão Política”, controle de agentes secretos, perseguições, investigação, controle de informantes, instalação de microfones e interceptação de chamadas telefônicas. Também eram encarregados das relações públicas. O serviço de inteligência de defesa do Uruguai (SID), por exemplo, tinha 60 membros trabalhando nessa seção. O “Grupo de tarefas” adotou o “método de la cadena”, que consistia em prender e torturar amigos e parentes dos perseguidos. 98 A “sessão de operações especiais” compreendia os campos de concentração e suas atividades de interrogatório e tortura. Eram comandados por um capitão e um primeirotenente, além de um suboficial encarregado e pessoal das forças armadas. Referiremos-nos especialmente a essa sessão no próximo item. A 4ª sessão era chamada “Logística” e funcionava na “Base”, cumprindo tarefas de logística cujas diretrizes eram fixadas pelos Comandos das Forças Armadas e polícias (Poce, 2002, p. 79-81). Em 1977, os Organismos de Direitos Humanos iniciaram uma campanha internacional repudiando os procedimentos do “Processo”. Assim, se criou o “Centro Piloto de París” encarregado ao “Grupo de tareas 3”, cujos objetivos eram modificar a deteriorada imagem do “Processo” na Europa. Isso se deu, por exemplo, no desenvolvimento da operação “Mercúrio” destinada a detectar, infiltrar e desaparecer com militantes exilados, além de criar espaço nos meios de comunicação para difundir idéias a favor do “Processo” (Poce, 2002, p. 81). 4.4 TERROR Assim como o Brasil, a Argentina pode contar, para instalação e manutenção do regime terrorista, com o apoio do empresariado. A partir da crise política de 1975, os empresários tradicionais, organizados no “Consejo Empresario Argentino” passaram a contatar os militares. Um de seus representantes, José Martínez de Hoz, advogado, executivo de empresas nacionais como “Acindar” e internacionais como “Pan American Airways” e “ITT”, tornou-se Ministro da Economia do “Proceso”. Era homem chave na relação dos grupos oligárquicos com o capital financeiro norte-americano, através de suas vinculações com o grupo “Rockefeller” e com a “United Steel”, entre outros (Poce, 2002, p. 29-30). 99 Scilingo (Verbitsky, 2006, p. 46) explicou que no movimento de carros roubados pelas forças armadas na ESMA havia “mucha plata en juego”. Também esclareceu que alguns oficiais obrigavam detidos e familiares a assinarem documentos de compra e venda de imóveis e, após eliminá-los, encaminhavam esses documentos para suas próprias imobiliárias; comércio, esse, que também movimentou muito dinheiro para os participantes do “Processo”. A relação ditadura do “processo” e extorsão fica clara na entrevista de Carlos Lord (anexo). Com o “Processo”, a “Triple A” (Alianza Anticomunista Argentina) ganhou mais poder e tornou-se encarregada de eliminar os inimigos do regime autoritário. Assim, começaram a surgir nas ruas de Buenos Aires e no Rio da Prata cadáveres com marcas de torturas, como foi o caso do sacerdote Carlos Mugica. Desta forma, esperava-se aumentar o terror na medida em que a população ia se sentindo cada vez mais ameaçada (Relatório Nunca Más). Marcelo Larraquy (2004) calculou que nos vinte meses que sucederam o golpe do general Videla (1976 – 1981), a “Triple A” assassinou mais de 2 mil pessoas. Assim como no Brasil e no Uruguai, a ditadura argentina adotou o discurso de evitar o terrorismo comunista através da “Doutrina de Segurança Nacional”, no entanto, ao contrário do caso brasileiro, seu Estatuto da Revolução não se propunha a ser temporário. Foram instalados, aproximadamente, 340 “Centros Clandestinos de Detención” (CCD)25. A principal ideia dos militares era instaurar o terror na sociedade civil com a intenção de estimular as denúncias contra o regime para inibir e coibir a oposição. Após serem levados aos CCD, o destino de muitos sequestrados políticos era a morte, que poderia ser em torturas como afogamento, sufocamento, fuzilamentos individuais ou em massa, em supostos enfrentamentos armados, ou ainda em lançamento de presos dopados ao mar, a partir de aviões da Marinha. Segundo Claudio Martyniuk (2004), a tortura era praticada em todas as prisões a partir do que ele denomina: “Manipulación de la sangre para manipular sentimientos.”(Martyniuk, 2004, p. 123). Em especial na ESMA (Escuela de Mecánica de la Armada), em Buenos Aires, entre março de 1976 e novembro de 1983, funcionou um campo de desaparecimento por onde passaram mais de 5000 detido-desaparecidos, o que o 25 Este é o número oficial; de acordo com a “Asociación de ex detenidos-desaparecidos” (AEDD) argentina são 550 campos (entrevista de Carlos Lord em anexo). 100 tornou, junto ao “Campo de Mayo”, um dos maiores centros clandestinos de tortura e reclusão da história do país. Assim como o “Esquadrão da Morte” brasileiro, “Grupos de Tareas 3” foram criados pelas Forças Armadas para a “repressão ilegal” na ditadura argentina. Os militares também se infiltraram no grupo das “Madres de Plaza de Mayo”, intervindo em sequestros e assassinatos (Martyniuk, 2004, p.13). Na Argentina existiu um plano sistemático pelo qual as detidas grávidas eram mantidas com vida até o momento do parto, que ocorria nos centros clandestinos ou em hospitais das forças armadas. Ali, os militares ficavam com os bebês e “desapareciam” com as mães (Calloni, 2005, p. 278). Ao menos 500 bebês desaparecidos foram contabilizados pela “Asociación Madres de Plaza de Mayo” (www.madres.org) e pelo CONADI (Comisión Nacional por el Derecho a La Identidad – Ministerio de Justicia), tanto aqueles que nasceram em cativeiro quanto os que foram detidos junto aos seus pais. E, a partir da operação “Condor”, criou-se um esquema de troca de bebês de detidas sequestradas entre os países envolvidos (Calloni, 2005, p. 280)26. A quase totalidade das denúncias apresentadas à “Comisión Nacional sobre La Desaparición de Personas” referem-se a situações de tortura. Segundo o documento argentino “Nunca Más”, os “Centros Clandestinos de Detención” foram concebidos especialmente para praticar a tortura impunemente. A experiência de intenso sofrimento marcada por essa prática torna-se visível nos relatos das pessoas que sofreram essa situação: De todo ese tiempo, el recuerdo más vivido, más aterrorizante, era ese de estar conviviendo con la muerte. Sentía que no podía pensar. Buscaba, desesperadamente, un pensamiento para poder darme cuenta de que estaba vivo. De que no estaba loco. Y, al mismo tiempo, deseaba con todas mis fuerzas que me mataran cuanto antes. (...) La lucha en mi cerebro era constante. Por un lado: “recobrar la lucidez y que no me desestructuraran las ideas”, y por el otro: “Qué acabaran conmigo de una vez”. (depoimento de Norberto Liwski, relatório Nunca Más). Una noche se entretuvieron con un chico de Las Palmas (Chaco) y yo. Los soldados se entretenían escuchando la radio, jugaban Patria, el crédito local y Rosario Central. Durante todo el partido al chico le aplicaron el casco, a partir de ese momento quedó loco como dos semanas. Después me volvió a tocar a mí. Durante los interrogatorios siempre había alguien que con una maderita le 26 Para maiores informações, CONADI; “El trabajo del Estado en la recuperación de la identidad de jóvenes apropiados en la última dictadura militar”. BsAs: 2007; e CONADI; Historias Buscadas. BsAs: 2007. 101 destrozaba a uno los nudillos de las manos o de los pies. (depoimento de Miño Retamozo, relatório Nunca Más). 4.5 TORTURA Como já dito, entre 1976 e 1983 funcionaram ao menos 340 campos de concentração e extermínio na Argentina (550 segundo AEDD), que levaram a 30 mil desaparecidos (Asociación Madres de La Plaza de Mayo) além dos 500 bebês desaparecidos (Ministerio de Justicia, Seguridad y Derechos Humanos). O dispositivo da tortura foi justificado pelo “Processo” da mesma forma que em outros regimes terroristas, transformando-se no instrumento burocrático por excelência da barbárie (Halac, 1986, p. 30). Declarou-se estado de sítio ou de emergência, suspendendo a Constituição. A partir daí, tentou-se dar legitimidade ao que era um estado de exceção a partir de um referendum ou da “Doutrina de Segurança Nacional”. Finalmente, engendrouse a violência e o desaparecimento como dispositivos legítimos. Vale ressaltar que repressão e prevenção tornavam-se intimamente relacionadas e que a segurança individual – ou a garantia dos direitos humanos – tornava-se inversamente proporcional à “segurança nacional” (Halac, 1986, p. 24). Um dispositivo fundamental desse regime terrorista argentino foi o “terrorismo del miedo” (Halac, 1986, p. 12). Os procedimentos de sequestro, tortura e desaparecimento buscavam implantar o terror na sociedade argentina como forma de conivência e também a fim de “quebrar el ánimo” dos oponentes (Halac, 1986, p. 12). Una fuerza surgida como punta de lanza de la más feroz represión surgida en la Argentina, la Triple A, había dejado ya sentadas las características de este tipo de faena. Los Falcon grises y los paramilitares de bigote y anteojos oscuros pasaron a ser un prototipo que con sólo una mirada decretaban la sepultura o la agonía. La plaza pública de la muerte acechando por toda la República fue el modo de establecer ese reino del miedo (Halac, 1986, p. 13). 102 O desaparecimento figura em toda a literatura acerca do “Processo” como sendo uma forma de tortura, tanto para aqueles que poderiam desaparecer, como para familiares e amigos de desaparecidos, facilitando o terror da sociedade como dispositivo da metodologia dos opressores. Nesse aspecto, a Argentina não inovou. Os “desaparecimentos” políticos começaram nos anos 60 no Brasil e na Guatemala, em 1973 no Chile. A Argentina só aumentou o recorde na utilização desse dispositivo (Halac, 1986, p. 24). Segundo Carlos Lord (entrevista em anexo), os montoneros, por conhecerem as atrocidades praticadas pelas forças armadas, tinham mais medo da tortura que da morte. Por isso, passaram a utilizar constantemente uma cápsula de cianureto na boca, que seria engolida no caso de serem sequestrados (Coggiola, 2001, p. 59). Os militares não demoraram em descobrir essa estratégia e criaram um novo dispositivo de terror: ao deter uma pessoa, introduziam um extintor de incêndio em sua boca e acionavam-o, fazendo com que o sequestrado expelisse a cápsula antes que a mesma fizesse efeito. A 3ª sessão, ou “Sessão de Operações Especiais”, funcionou com amplos recursos humanos e financeiros. Contavam com cerca de uma a três salas de tortura denominadas “quirófanos”, dotadas de mesas de aço e “picanas eléctricas”. Os detidos, além de sofrerem o trauma do sequestro, a angústia e o desespero de sua família, eram mantidos reféns e submetidos a surras, amarrados e vendados, e lançados em celas de cerca de um metro de altura chamadas “leonera”. Os que eram assassinados, por consequência eram fotografados nos campos de concentração e suas impressões digitais eram tomadas, a fim de que fossem incluídos nos informes mensais; posteriormente, eram enterrados como indigentes ou lançados ao rio (Poce, 2002, p. 85). Tornando visível a brutalidade das torturas, um informe oficial numa rádio de Junín, em 15 de março de 1977, dizia o seguinte: (...) un prisionero subversivo se evadió anoche, se ruega a la población que colabore en su búsqueda; el individuo es fácilmente reconocible: no posee uñas ni dientes. (Poce, 2002, p. 87) A tortura “no corpo” consistia no uso da “picana eléctrica” de 80 até 220 volts, aplicada nas partes mais sensíveis do corpo: lábios, orelhas, ânus, testículos, pênis, mamas e 103 vagina, e durava cerca de três horas. Há registros de que a “picana eléctrica” foi uma invenção argentina de 1934 (Halac, 1986, p. 17) e até a Gestapo (Polícia Secreta do Estado Nazista) julgou-a “eficaz e cruel” (Halac, 1986, p. 36). Entre as primeiras formas de tortura conhecidas na América estão as mutilações (Halac, 1986, p. 13), técnica constantemente utilizada pelo “Processo”. Além disso, os detidos eram submetidos a técnicas de afogamento chamadas “Submarinos”, úmido mediante imersão e seco, por asfixia. Também submetidos a “cepo”, queimaduras, “estacamiento”, “empalamiento”, aplicação de alfinetes em baixo das unhas, estupros, simulação de fuzilamento, soterramento, mordidos por cachorros, pau de arara, submergidos em água quente e fria, “encadenamiento” (afogamento na descarga), confinamento, imobilização, posição de pé durante muitas horas, utilização de drogas, extração de dentes, unhas, olhos, dedos, tortura de familiares na presença do detido, lançados de helicópteros e aviões ao mar, submetidos a alterações bruscas de sons, aplicação de sal nas feridas, entre outros. Assim, os sequestrados apresentavam sequelas tais como: queimaduras, paralisias de membros, fortes dores no corpo causadas pelas convulsões por conta dos choques elétricos, cortes nos ligamentos por conta de receberem os choques amarrados, lesões neurológicas, disritmia, cefaléias, perda de memória, insensibilidade epitelial, além de diversas lesões nos órgãos, provocando inclusive perda de rim. (Halac, 1986, p. 37; Poce, 2002, p. 87-89). Além dessas, outras como: telefone, que consistia em golpear com as palmas das mãos, em uníssono, os dois ouvidos; chutar os órgãos vitais e sexuais; colisões nas costas, cabeça, costelas e ventre. “Reanimar” significava colocar o torturado frente a um ventilador para que recuperasse a consciência a fim de continuar com as torturas (Molas, 1985, p. 146). Na hierarquia militar, há que se confiar cegamente em seu superior. Não se busca compreender uma ordem nem tão pouco a questiona. Com o argumento de que a guerra antisubversiva era uma guerra distinta, justificou-se que os métodos utilizados deveriam ser também distintos. Isso fez com que os envolvidos reconhecessem que as ordens, mesmo que pudessem vir a perturbá-los, deveriam ser cumpridas sem hesitação. Esse é o argumento que fundamenta a lei da obediência devida. No âmbito castrense existe lógica 104 nesse argumento, mas há que reconsiderá-lo. Segundo Chauí (1994, p. 433), empregar meios imorais para atingir fins morais é impossível, portanto, não é possível desresponsabilizar quem cumpre ordens imorais, independente da situação de exceção em que essas ordens estão inseridas. Scilingo descreveu na entrevista concedida para o jornalista Horacio Verbitsky (2006) o cumprimento de ordens absurdas – a saber – lançar sequestrados dopados ao mar, um dos muitos acontecimentos impressionantes do “Processo”. Relata que, na ESMA (mas também em outros campos de detenção) uma cúpula militar produzia uma lista com nome de alguns detidos, cerca de 20 por semana. Esses detidos eram levados à enfermaria da ESMA na quarta-feira (Verbitsky, 2006, p. 33), onde recebiam a informação de que seriam transladados ao sul e por esse motivo iriam receber uma vacina, como uma “desinfecção”. Mas há registros de mais vôos por semana, no sábado (Verbitsky, 2006, p. 55) e na quintafeira (Verbitsky, 2006, p. 86). Assim, o médico naval aplicava um sedativo em cada sequestrado. Os prisioneiros eram levados a um caminhão com dificuldades de locomoção, já que estavam sedados. Este caminhão levava-os ao aeroporto militar. De lá, eram embarcados em aviões da prefeitura de Buenos Aires (Skyvan), do exército (Electra de La Aviación Naval) ou em helicópteros. No vôo, eram acompanhados de dois oficiais, do médico e de alguns “convidados especiais”: militares de alta patente que compareciam a fim de apoiar moralmente a ação (Verbitsky, 2006, p. 55). Após a decolagem, o médico aplicava a segunda dose do tranquilizante, que os fazia adormecer (Verbitsky, 2006, p. 54). Os oficiais retiravam então suas roupas (que seriam posteriormente queimadas com outros cadáveres no campo de esportes militar) e lançavamnos ao mar aberto. Segundo Verbitsky, embora Scilingo não tenha confessado, há indícios de que um dos prisioneiros acordou e resistiu ao atentado, quase conseguindo levar o militar com ele ao mar, não fosse a ajuda de outro oficial. Esses vôos ocorreram por dois anos – cerca de 2000 pessoas foram lançadas ao mar nessa operação (Verbitsky, 2006, p. 57). Como consequência dessa prática, cerca de 30 cadáveres foram encontrados em praias do atlântico sul claramente torturados: sem unhas 105 nas mãos e nos pés, com membros amputados e com vários cortes (Verbitsky, 2006, p. 78 97). Vale ressaltar que esses dados se referem somente a ESMA, mas também da principal guarnição do exército de Buenos Aires decolaram aviões e helicópteros na mesma operação (Verbitsky, 2006, p. 143). A princípio, os prisioneiros ficavam contentes com a ideia de que iriam para o sul, não suspeitavam de nada (Verbitsky, 2006, p. 33). Com o tempo, perceberam que a “desinfecção” tinha o objetivo de apagar provas, e a partir de conversas com os oficiais, os sequestrados souberam que o intuito dessa ação era exterminá-los (Verbitsky, 2006, p. 90). Essa era a técnica do “translado”, que consistia em matar os sequestrados, seja lançando-os ao mar ou executando-os e enterrando-os em cemitérios sob o título de indigentes, ou ainda cremados em valas comuns ou nos campos de esportes militares. Esses procedimentos eram informados à “Base” sob o código “QTM fijo”. Assim, entre 76 e 79 aumentou enormemente o número de pessoas sepultadas como indigentes. Estudos da equipe de antropologia forense argentina esclarecem que muitas dessas pessoas foram executadas com tiros na cabeça e que, por serem incineradas ou destruídas, não puderam ser identificadas, o que consistiu numa ação clara do “Processo” tentando apagar as provas de sua barbárie. Em todos os casos, os cadáveres “indigentes” tinham entre 20 e 30 anos e seus atestados de óbito foram assinados por médicos (Poce, 2002, p. 91). Como desdobramento dessa situação degradante, os detidos vivenciavam a incerteza acerca de sua vida e de seus familiares o tempo todo. Perdiam a noção do tempo, do espaço e do próprio corpo. Isolados, saudosos e desprotegidos, só lhes restava a memória e o medo. Ao chegarem ao campo de concentração, eram chamados por números, a fim de favorecer a perda da identidade. Como forma de pressionar e confundir os detidos, coronéis visitavam campos de concentração e prometiam aos detidos que levariam às suas famílias cartas ou notícias; que se colaborassem seriam enviados a sítios de recuperação onde seriam bem tratados e onde as torturas cessariam, além de fazerem contatos telefônicos com familiares a fim de mostrar ao detido que conheciam sua família e, portanto, a ameaçavam. Mesmo nesse contexto, era impossível aos familiares dos detidos darem a eles qualquer assistência afetiva, legal ou material. Vale lembrar que todos esses procedimentos 106 foram adquiridos e especializados pelas forças repressoras com as escolas de guerra dos EUA (Poce, 2002, p. 88). Pero nadie podrá contentarse con la explicación de que un sádico se coló en las filas policiales y allí dio rienda a su enfermedad, maltratando a presos. No, la tortura es parte de una política represiva que se aplica acompañando y permitiendo la entrega del país y la explotación de su pueblo (Halac, 1986, p. 36-7). Desta forma as torturas eram constantes e intensas. Na Argentina, por exemplo, há relatos de torturadores que obrigaram mulheres a se casarem com eles, compartilhando, inclusive, festas de família sem que as mesmas pudessem denunciá-los (Martyniuk, 2004, p. 16). Também podemos pensar que a própria vivência num governo ditatorial pode se constituir em tortura, pois para que um governo totalitário se mantenha faz-se necessário reprimir toda ação que o ameace, neste sentido, uma das armas fundamentais da repressão é a disseminação do preconceito e do terror (Naffah Neto, 1983, p. 17). Frente a esses acontecimentos a sociedade se calou. Enquanto a barbárie acontecia, a sociedade argentina não identificava quanto havia de verdade ou de exagero nos boatos acerca dos procedimentos do “Processo”. Em alguns casos, supomos que o silêncio era uma condição para a sobrevivência pessoal, em outros, condição para a sobrevivência do desaparecido. O tema dos desaparecidos foi autocensurado pela sociedade, com exceção das “Madres de Plaza de Mayo”. O pânico paralisou a sociedade. O controle absoluto dos meios de comunicação favorecia essa estratégia dos militares: quem contestava, desaparecia. Houve casos de vizinhos que, ao reclamarem invasões e prisões, desapareceram. Os militares levaram à população a ideia de que a dissidência política deveria ser considerada uma inadaptação social e, portanto, o desaparecimento de uma pessoa não era nada mais que prova de sua culpa. Segundo o prólogo do CONADEP: (...) la lucha contra los “subversivos”, con la tendencia que tiene toda caza de brujas o de endemoniados, se había convertido en una represión demencialmente generalizada, porque el epíteto de subversión tenía un alcance tan vasto como imprevisible (…) (CONADEP apud Poce, 2002, p. 98). Além disso, o “Processo” desinvestiu na educação e na saúde públicas, houve problemas econômicos graves, que, como já dito, não serão abordados na presente 107 pesquisa. A união de educadores denunciou, em novembro de 1982, que a cada dia aumentava o número de crianças que estavam na escola sem terem comido em casa, o que tornava a aprendizagem impossível. A Argentina exportou suas técnicas de desaparecimento e tortura para diversas ditaduras, entre elas Honduras, Nicarágua e El Salvador, principalmente a partir de sua participação ativa no plano “Condor”. O “Processo” é considerado a pior de todas as ditaduras da história argentina por conta de sua brutalidade. Segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, entre 1975 e 1979 foram cometidas por omissão e/ou ação das autoridades públicas e de seus agentes numerosas e graves violações de fundamentais direitos humanos tais como: direito a liberdade pessoal, direito a segurança e integridade pessoal, direito a justiça e a um processo regular, direito a liberdade de opinião, expressão e informação entre outros (Poce, 2002, p. 177). Muitas organizações se formaram por conta desse período e seguem sua luta em busca de justiça. As “Madres de Plaza de Mayo”, “Abuelas de Plaza de Mayo”, “Asociación de Ex detenidos-desaparecidos – AEDD”, “Asamblea Permanente por los Derechos Humanos”, “Centro de Estudios Legales y Sociales – CELS”, “Comisión Nacional por el Derecho a la Identidad – CONADI”, entre muitas outras, são exemplos da resistência da sociedade ao absurdo do “processo”. 30.000 desaparecidos: Local do seqüestro domicílio Via pública Local de trabalho Local de estudo Dependências militares e/ou policiais 62% 24,6% 7% 6% 0,4% Atividades operários trabalhadores profissionais professores 30% 17,9% 10,7% 5,7% 108 Autônomos Donas de casa Forças de segurança estatais Jornalistas Artistas Religiosos 5% 3,8% 2,5% 1,6% 1,3% 0,3% Sexo Homens Mulheres Gestantes 70% 30% 3% Sequestros por ano: 1976 1977 1978 1979 1980 1981 45% 35% 12,5% 4% 2,5% 1,5% Fonte: Poce, 2002, p. 99. Esse regime terrorista argentino entrou em crise por conta de suas contradições internas e de apoio, por pressões internacionais das organizações de Direitos Humanos e pela derrota nas Malvinas (Poce, 2002, p. 180). Em 28 de abril de 1983, a Junta Militar tornou público um documento intitulado “Documento final sobre la guerra contra la subversión y el terrorismo”. Esse documento pretendia informar o desenvolvimento dos acontecimentos do “Processo” sob a ótica militar. Afirmava que o regime terrorista manteve os direitos e garantias constitucionais, e que a luta militar foi realizada em nome da liberdade e da justiça. Afirmava, ainda, que quem se encontrava nomeado como desaparecido e não se encontrava exilado ou na clandestinidade - inclusive 500 recém-nascidos e crianças - para efeitos jurídicos e administrativos deviam ser considerados mortos. Afirmava, também, que todas as operações cumpridas para fins de repressão foram executadas pelas forças armadas e de segurança em cumprimento de disposições e planos aprovados e supervisionados por mandos superiores hierárquicos e pela própria Junta. Dessa forma, os atos realizados não são passíveis de revisão e “Sólo el juicio de Dios y la historia dirán su palabra.”(Poce, 2002, p. 179). Também manifestaram que as ações que 109 foram consideradas abusivas e irregulares pela consequência de seu modo de operação, foram julgadas e sancionadas pelos conselhos de guerra. (Poce, 2002, p. 102, 107, 122, 179). Terminaram o informe garantindo que: (…) la experiencia había sido positiva y sabrían aprovecharla en otra ocasión. (Poce, 2002, p. 103) 110 5. A EXPERIÊNCIA-SOFRIMENTO DO PRESO POLÍTICO (...) No dia 19 de fevereiro de 1969, fui seqüestrado brutalmente por militares e levado à prisão. Aí já se encontrava o padre que morava comigo, preso uns dias antes e cruelmente torturado. Agora era a minha vez de enfrentar a fúria dos carrascos. Acabei conhecendo de perto outro aspecto do sofrimento do nosso povo: a crueldade da Ditadura militar do governo. De fato, basta qualquer suspeita, qualquer delação anônima ou simples atitude que não agrade, para que alguém seja seqüestrado, ficando incomunicável sem que os parentes sejam avisados, e torturado. Caso não se encontre a pessoa procurada, um parente é, muitas vezes, preso como refém e torturado. Um amigo meu, professor da USP, foi pendurado de cabeça para baixo, e, assim, durante horas, batido com porrete e submetido a choques elétricos nas partes mais 27 sensíveis do corpo. Uma (ileg .) desconhecida dele, teve de presenciar a cena e sofreu depois o mesmo tratamento vergonhoso na presença do meu amigo. Um outro preso foi interrogado enquanto sua esposa estava sendo violada pelo carrasco em frente dele. Uma senhora grávida foi torturada a tal ponto que a criança morreu. A senhora foi depois abandonada sozinha numa cela e poucos (ileg.) depois faleceu também. Isso são apenas alguns dos casos que cheguei conhecer! (...). (Jan Talpe in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 271). 27 Na maioria dos processos, trechos de relatos aparecem com a sigla (ileg.) informando que o trecho estava ilegível para quem o datilografou. 111 No presente capítulo pretendemos realizar uma análise fenomenológico-existencial de alguns aspectos da experiência do preso político, enfatizando o sofrimento na situação de tortura nas ditaduras do Brasil e da Argentina. Ao tomar contato com diferentes relatos, fizemos a escolha desses aspectos por compreendê-los como uma estratégia de aproximação dessa experiência-sofrimento28. Como já dito, não é nosso objetivo central realizar a análise dos relatos. Os modos de sofrimento apresentados na análise foram criados a partir da leitura dos testemunhos por diversas vezes. Portanto, os testemunhos serão utilizados a fim de exemplificar as análises. Apresentamos as categorias a partir de uma lógica. Propomos uma linearidade na discussão das mesmas. Essa escolha é uma proposta de sistematização a fim de facilitar a compreensão da discussão. Utilizaremos o recurso de marcação “negrito” em algumas partes dos trechos apresentados como exemplo, a fim de salientar os aspectos dos depoimentos que consideramos relevantes para nossa análise. 28 Valeremos-nos do conceito “experiência-sofrimento” para nos aproximarmos fenomenologicamente da experiência do preso político. Esse conceito se baseia no caráter de processo na compreensão da loucura que indicou tanto a viabilidade quanto a necessidade de abordagens que possibilitassem compreender o que, de certo modo, é impreciso, dinâmico, não quantificável. Para pensar a clínica da reforma psiquiátrica, Basaglia propõe que coloquemos a doença entre parênteses, utilizando-se da redução fenomenológica de Husserl (Amarante, 2003, p. 55). A idéia da doença entre parênteses pode ser entendida como uma atitude epistêmica de suspensão de um determinado conceito a fim de criar possibilidades de novos contatos empíricos com o fenômeno em questão. Esse fenômeno é a experiência vivida. Desta forma, a doença entre parênteses não significa a negação da existência da experiência que a psiquiatria convencionou denominar doença mental. A estratégia de colocar a doença entre parênteses é uma ruptura com o modelo teórico-conceitual da psiquiatria, que adotou o modelo das ciências naturais para conhecer a subjetividade e terminou por objetivar e coisificar a experiência humana (Amarante, 2007, p. 67). A estratégia da doença entre parênteses é uma forma de fazer surgir o sujeito da experiência que estava neutralizado pelo modelo metafísico de aproximação do humano. Assim, a partir da fenomenologia-existencial, podemos denominar o campo da saúde mental como aquele que se ocupa não das doenças ou dos diagnósticos, mas da “experiência-sofrimento”. 112 5.1 MEDO DE “CAIR29” Percebemos que em ambas as ditaduras pesquisadas aqui, um efeito notado é a produção de uma atmosfera de medo na maior parte da sociedade. Independentemente das pessoas reconhecerem o motivo deste, essa atmosfera era constante. Um dado que nos chama a atenção, e que será tratado mais adiante quando fizermos a discussão a respeito da justificativa da tortura, é que a prática da tortura não foi exclusivamente utilizada aos considerados “inimigos” dos regimes. Muitos torturados não pertenciam a nenhuma organização, o que reforçava essa atmosfera de medo, já que a tortura era utilizada para justificar os regimes terroristas. Com isso, as pessoas percebiam que não era necessário ser contrário aos regimes para ser sequestrado e torturado, o que gerava um clima de perseguição e paranóia constantes. 5.2 O SEQUESTRO O que nos chama a atenção, em primeiro lugar, é que o que as ditaduras nomearam como prisão é, na verdade, um sequestro. Isso se dava, principalmente, pela demora em registrar o sequestrado como prisioneiro, o que o configurava como desaparecido tanto para a sua família quanto legalmente. O objetivo dessa estratégia era facilitar o trabalho dos torturadores. Independentemente da história de vida do prisioneiro, o sequestro e o desaparecimento se apresentam como uma fixação no tempo presente, deixando o futuro “entre parênteses”, suspenso. A vida do sequestrado é atravessada por uma invasão que o destitui de seu futuro, do poder sobre si mesmo, sendo cerceado em sua autonomia. Assim, 29 “Cair” era uma gíria utilizada pelos militantes de organizações de esquerda da época para definir a detenção. 113 anuncia-se que restará ao desaparecido ocupar-se de sua sobrevivência a fim de aumentar, ao máximo, a possibilidade de se restituir o poder sobre si mesmo. (...) que o interrogado começou a ser espancado no dia em que foi preso, espancamento esse feito com um batedor de bife, martelo e um cassetete de alumínio, isso depois de serem postos nus; que um de seus torturadores bateu-lhe com o amassador de bife até arrancar sangue do ombro, o que lhe deixou uma marca; que, com o cassetete de alumínio, os torturadores batiam, principalmente, nas juntas, isso ocorrendo até às 23:00 horas aproximadamente, pois a vizinhança, um tanto alarmada, obrigou a que os policiais transferissem o interrogado e seus companheiros para o 12º RI; (...). (José Afonso de Alencar in: BNMb, p. 79). O sequestro se dava no momento em que os sequestradores surgiam. Isso não quer dizer que a detenção ocorria a partir de um modo padrão de voz de prisão. Muitos sequestrados não sabiam por quem e nem porque estavam vivendo essa experiência30. O local do sequestro variava, normalmente, entre residência, local de trabalho e via pública, prevalecendo a residência, conforme relato acima. Na maioria das vezes, antes do preso ser transferido, a tortura se iniciava. (...) o interrogado foi surpreendido na residência de seus pais por uma verdadeira caravana policial; que ditos indivíduos invadiram a casa, algemaram seus pais e, inicialmente, conduziram o interrogando a uma das dependências lá existentes; que em dita dependência os policiais retiraram violentamente as roupas do interrogando e, utilizando-se de uma bacia com água onde colocaram os pés do interrogando, valendo-se ainda dos fios que eram ligados em um aparelho, passaram a aplicar choques; (...) que o depoente foi, em seguida, conduzido à porta do quarto onde se encontrava sua esposa e lá constatou que o mesmo processo de torturas era aplicado na mesma; que o interrogando foi, em seguida, conduzido para fora da casa, lá avistando seus pais amarrados em uma viatura; (...). (Luiz Andréa Fávero in: Brasil: nunca mais, p. 78). A C. G. F., argentina, casada (Legajo N ° 7 372), la secuestraron en la puerta de su lugar de trabajo, en el centro de la Capital Federal, a las 5 de la tarde, su hora habitual de salida. Con el procedimiento de siempre. Automóvil inidentificable... ojos vendados... descenso en un lugar desconocido... amarrada a una cama...: (A C. G. F., argentina, casada in: Nunca Más) (...) que foi vítima de arbitrariedades e violências; que quando regressava a casa, foi abordada por policiais e fizeram-na entrar no carro a pretexto de prestar informações, aproximadamente às 11 horas da noite; que desde esse momento, 30 Entendemos que, para o sequestrador, é muito provável que o sequestro se inicie na elaboração do plano da ação. Ele precisa contar com o elemento surpresa para evitar a fuga de seu suspeito. Além disso, relatos afirmam que, no inicio do sequestro, os sequestradores apresentavam informações intimas acerca da vida do seqüestrado, informações essas, utilizadas também como forma de tortura, a saber, como coação. Como os torturadores não oferecem relatos acerca de suas ações, se torna muito difícil delimitar o campo dessas práticas. 114 até às 4 horas da manhã, sofreu por parte dos policiais toda sorte de violências, inclusive, espancada, ameaçada de morte e seviciada; que apertaram a ponta de seus seios e introduziram instrumento de metal sob suas unhas; que sofreu dores terríveis e toda sorte de insultos; que, depois foi levada para a Ilha das Flores, juntamente com outros presos; lá ficaram de pé, viradas contra a parede, algemadas e com grandes ameaças nesse meio tempo; depois foi levada para os Oitis, que é um local da Ilha bem afastado; que lá um dos torturadores disse a depoente que ela poderia gritar a vontade; que debaixo de comentários obcenos tiraram a roupa da depoente, amarraram nas mãos fios elétricos enquanto outro torturador despejava balde com água salgada sob o corpo da depoente para aumentar os efeitos das descargas, depois foi jogada ao chão e amarraram fios aos pés; depois bateram com a cabeça da depoente contra a parede; que depois foi imobilizada, jogaram água salgada sob o nariz da depoente; o que representava para a depoente o afogamento; que depois foi jogada no centro de uma roda onde era empurrada de um lado para outro, até que um deles apertou o pescoço da depoente; enforcando-a e depois espancaram a depoente com palmatória; que chamaram o soldado que a escoltara para presenciar aquela cena; que o clima que viveu no Oitis foi de terror e de sadismo; que todo o sofrimento que teve era entrecortado por insultos; que depois foi jogada numa cela e teve hemorragia por vários dias; que não podia dormir por sofrer alucinação, revivendo·todas as cenas que tinha passado, com rosto inchado e coberto por manchas roxas; que ao ver lIda Brandle igualmente seviciada piorou o seu estado psicológico; que foi interrogada pelos mesmos torturadores que ameaçavam a depoente; que diante daquele clima tinha chegado praticamente ao fim as suas forças;que após vários dias acabou por assinar os depoimentos constantes do processo; negando assim o teor dele; (...). (Dorma Tereza de Oliveira in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 752). Muitos relatos indicam a existência de tortura e coação nos carros, enquanto os presos eram transferidos. Após esse primeiro momento, os sequestrados eram levados para os equipamentos próprios de tortura. Como percebemos nos relatos acima, a prática da tortura era um ato contínuo. O preso político sabia que a tortura, iniciada no momento do medo de cair e tendo sequencia no sequestro, seria intensificada durante o tempo em que estivesse desaparecido. Isso nos leva a pensar a respeito do sofrimento envolvido nesses sequestros. A partir do momento em que o sequestro é iniciado, aumenta a sensação de vulnerabilidade, pois o sequestrado sabe que ficará desaparecido, que possivelmente será submetido a torturas e que talvez seja assassinado. A dimensão da possibilidade já é em si torturante, porque acaba por configurar uma realidade extremamente desesperadora. Existe a dimensão da indefinição, pois a impossibilidade de decidir sobre o próprio futuro fica exacerbada. Também a dimensão da ameaça de morte iminente. 115 A partir desse momento fica claro que nenhuma ação do sequestrado poderá produzir alívio. O sequestrado encontra-se extremamente vulnerável. Além disso, existe a dimensão da injustiça, pois o sequestrado sabe que foi destituído como sujeito de direitos por um dispositivo ilegal. Apresenta-se, então, o torturado como objeto da repressão. Tornase assim objeto de indiferença, mas também, de humilhação, tendo sua humanidade negada. Segundo Pompéia (2002, p. 36): (...) A dor não se limita ao corpo. Ela pertence à existência. (...) A situação de tortura é aquela em que a dor é produzida como instrumento de dominação, de vingança, de destruição; (...) Aquilo que sustenta o torturado é estranho para o torturador. Põe-se então a questão de o que caracteriza o humano, põe-se a questão da dignidade. O que se configura, a partir do sequestro, é que nesse novo encontro se dá uma tentativa de retirar a dignidade do torturado, por isso a sensação de injustiça. A proposta da tortura era que o torturado fosse colocado num lugar de indiferença, a fim de que ele deixasse de ser reconhecido como humano. Aqui, ele se torna apenas portador de uma informação que deve ser obtida a qualquer custo. 5.3 O DESAPARECIMENTO Aqui temos a terceira experiência-sofrimento na situação de tortura. O sequestro retira do sequestrado a possibilidade de qualquer compreensão e defesa. É a primeira ação que demonstra o fato do detido estar completamente a mercê do sequestrador, pois implica em seu desaparecimento. Como desaparecido, não tem mais direitos, não pode ser acompanhado muito menos protegido. No dispositivo da exceção, é anunciado ao sequestrado o suplício pelo qual passará. 116 É a invenção da figura do desaparecido político, feita pela ditadura brasileira e exportada para as demais ditaduras latinoamericanas... Isso é de uma perversidade atroz. (...) Porque você continua torturando o cara até a morte, o familiar (Cecília Coimbra in:Formaggini, 2007). O desaparecimento é mais uma forma de tortura, dessa vez, não só ao opositor político do regime vigente, mas ao familiar. Aqui se embasa a técnica – utilizada em ambos os países – de terror à população. A técnica do desaparecimento serve como um “exemplo” para calar tanto os familiares quanto a sociedade. (...) Depois, numa outra sala, puseram-me em contato com a srta. Nobue Ishii. Notei que ela estava profundamente abatida, os olhos muito inchados, mal conseguia abri-los, (...) Pouco depois de ter sido liberado pelo DOPS, fui informado de que a Srta. Nobue Ishii, fora internada na Santa Casa de Misericórdia da capital, em estado lastimável. Disseram-me que ela estava um "trapo" e que dias depois, dali desaparecera misteriosamente... (...). (Kenichi Kaneko in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 719). O desaparecimento funcionou como uma tortura pela condição de ameaça de morte aos presos políticos. Enquanto viam seus companheiros desaparecerem, percebiam o contexto presente de assassinato e impunidade. Segundo Pietrocolla (2006): (...) o fato do desaparecimento, eliminando o direito ao reconhecimento da morte, é incompreensível, injustificável. Isto nos dois sentidos: de quem morre e de quem fica. Os primeiros não podem gozar do desfecho de uma vida e os que ficam não tem o direito de viver a dor da perda. Daí a necessidade dos rituais de morte: eles fazem parte do conjunto de representações da morte. O desaparecimento é a negação da possibilidade de ressignificar a experiência da morte. Ele mantém a dor suspensa, não permitindo que ela seja elaborada pelos familiares e amigos do desaparecido. Para o sequestrado que vive a possibilidade de ser assassinado, estar desaparecido potencializa a angústia já iniciada no momento do sequestro. 117 5.4 MODUS OPERANDI DA TORTURA 5.4.1 O encarceramento Ser mantido em regime de incomunicabilidade aumenta ainda mais a experiência de sofrimento, pois amplia a solidão e o desamparo. A incomunicabilidade viabiliza a experiência de desaparecimento. Incomunicável de outros sequestrados, não se pode compartilhar com o outro a dor, não se pode delinear a dimensão do perigo do sequestro. Neste primeiro momento, não é possível ensaiar uma compreensão sobre os tipos de perigo que o esperam, o que, de certa forma, o prepararia minimamente para os riscos. Incomunicável da família tem-se a dimensão do desaparecimento estendida. De um lado, sabe-se que ninguém poderá o ajudar, visto que já não existe legalmente. Por outro lado, adiciona-se a apreensão de que a família está preocupada, sem notícias, sem saber se está vivo ou morto. (...) que deseja esclarecer, também, que em todas as acusações, que foi torturado lhe foi colocado capuz; que esteve 40 dias preso incomunicável em uma cela desprovida de banheiro e, para satisfazer as suas necessidades fisiológicas, que só podiam ser satisfeitas somente duas vezes por dia, saia da cela encapuçado; (...). (Aldir Silva de Almeida Nunes in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 213). A incomunicabilidade visa uma experiência de solidão extrema, a sensação de que não se pode contar com ninguém, não há mais com quem compartilhar. Se o Dasein já é, desde sempre, aí no mundo com os outros, ao negar o encontro com um outro nessa situação extrema é negada a possibilidade de ser. A vida se apresenta impedida na dimensão do encontro, já que nesse contexto a experiência é marcada somente pela subordinação. 118 5.4.2 Condições do encarceramento: espaço e tempo Tanto no Brasil quanto na Argentina, muitos são os sequestrados que relatam perder a noção do tempo. Isso se dava a partir de diversos dispositivos. Em primeiro lugar, todos os sequestrados ficavam vendados – fosse por meio de esparadrapos nos olhos, capuz ou outros meios – e também as celas eram privadas de iluminação externa. Com isso, impossibilita-se a captação sensorial de dia e noite. Sem essa referência, perdemos a noção de tempo cronológico. Isso era agravado por técnicas específicas de torturas para perda de referência temporal. Em ambos os países, as celas fechadas se somavam a técnica de confundir o detido a partir dos horários de alimentação. Por exemplo, deixava-se o detido sem comer por 32 horas, dava-lhe almoço e, duas horas depois, o jantar. Assim, a alimentação, que poderia funcionar como uma referência temporal, deixa de sê-lo. Também seu corpo perde a potência de oferecer minimamente esse parâmetro a partir da fome. Eram 2 horas da madrugada do dia 22 de outubro de 1975 e o seqüestro se dera a 19 de outubro do mesmo ano. Foi possível, então, averiguar, com surpresa, que, no local de tortura, havia permanecido cerca de 14 ou .15 dias. Deles tivera vaga consciência do transcurso de 6 ou 7. O resto desse tempo, passara-o inconsciente, por efeito das torturas, inclusive, o ruído excessivo, debilitação das pílulas que, pelo menos três vezes, se recorda, lhe fizeram tomar da tensão dos interrogatórios sucessivos, demorados e cheios de ameaças; das angústias em ouvir os gritos torturados de outros seres humanos, inclusive, mulheres, alguns dos quais possivelmente seus amigos, cuja resistência física e psíquica não podia presumir e cujas vidas talvez fossem cortadas, em seguida, pela crueldade irracional e mórbida, mas, o que é inominável, inteiramente acobertada e protegida por todo um poder de estado ainda mais criminoso. (Affonso Celso Nogueira Monteiro in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 174) (...) Ali permaneci por 5 ou 6 dias, nu, algemado, de mãos para trás, capuz, sem comer e sem dormir, fazendo as necessidades fisiológicas dentro da cela. Durante o dia e a noite, sons, os mais estridentes, eram emitidos com o objetivo de, segundo afirmação neles, desestruturar a minha personalidade. Além dos sons diabólicos, alguns dos quais pareciam penetrar no cérebro como um sacarolhas , eram emitidos gritos com palavras de baixo calão dirigidas à companheira Elza de Lima Monnerat. De vez em quando, abriam a porta e jogavam-me baldes d'água e jarras de água gelada. Nestas condições, não se podia ter noção de tempo. (Aldo Silva Arantes in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 217). (…) En ese lugar fuimos ubicados en diferentes sitios. Esposadas las muñecas a la espalda, vendados los ojos y sangrando abundantemente comenzó una nueva andanada de golpes. A la media hora de estar detenido fui trasladado a un cuarto 119 de la planta alta. Allí me quitaron toda la ropa, me volvieron a esposar las muñecas a la espalda y comenzaron a tirarme baldes de agua. Acto seguido me colocaron cables alrededor de la cintura, el tórax y los tobillos. Ataron una cuerda o cadena a las esposas y me subieron los brazos hasta donde éstos podían soportar sin desarticularse. En esa posición, literalmente colgado y a una distancia aproximadamente de 30 centímetros del piso, estuve por un espacio de tiempo que no es posible determinar en horas, sino en dolor. Se pierde, por el gran sufrimiento que causa esta forma de tortura, toda noción de tiempo formal. (Nelson Eduardo Dean in: Nunca Más). (…) a dependencias del Batallón de Ingenieros de Construcciones 161, a un lugar denominado La Escuelita, que es en realidad el chupadero que funciona en la zona. Allí soy esposado de ambas manos a los costados de una cama, donde permanezco por un tiempo hasta ser trasladado a otra dependencia, haciéndome caminar siempre en cuclillas con el objeto de no deducir las distintas instalaciones del lugar. Nuevamente soy esposado, pero ahora de pies y manos, sobre el elástico de una cama y me introducen dos cables entre el vendaje, a la altura de la sien. Se me formula una serie de preguntas sobre datos personales, que son volcados a máquina en lo que parecía ser una ficha. Terminado esto, comienza un interrogatorio totalmente diferente. La primera pregunta que me hacen es acerca de cuál era mi grado y nombre de guerra, a lo que respondo que no poseo ninguna de estas características. Ese es el momento en el que recibo la primera descarga de electricidad. Las preguntas giraban sobre mi participación en política, desde mi función en alguna organización hasta mi inclusión en listas para elecciones del Centro de Estudiantes. Me preguntan también si tengo idea del lugar en que estoy, lo cual les preocupaba mucho, ya que lo hacen en forma insistente y es debido a que en esa Unidad Militar estuve cumpliendo con el Servicio Militar en el año 1976. En la medida que voy respondiendo negativamente, aumenta el ritmo, la duración y la intensidad de las descargas, siempre en la cabeza. Pierdo la noción del tiempo, aunque parecen transcurrir varias horas. En medio de las preguntas y los gritos se suceden amenazas de distinto tipo. (Raúl Estaban Radonich in: Nunca Más). Durante un tiempo, que no se puede determinar, la dicente es llevada a diferentes sitios del centro clandestino. (A. N., 17 anos, argentina in: Nunca Más). Como tenía esas convulsiones, se enojaban más porque a ella le saltaba el cuerpo constantemente, venía el médico y la revisaba, pero pasaba el tiempo, hasta que perdió la noción del mismo. Constantemente era igual, los mismos gritos; después le dijeron que a su hijo lo habían traído allí, le hacían escuchar una grabación, pero ella se había puesto muy terca, en un estado de inconsciencia y ya no le importaba. (M. de M. in: Nunca Más). A incomunicabilidade se desdobra na perda do tempo. Sem poder dividir com outro essa sensação, passa-se a questionar as próprias referências, numa perda de parâmetro temporal completa. Goffmann (2008) afirma que nas instituições totais há uma sensação de que o tempo não passa, pois a passagem do tempo implica na possibilidade de escolhas. Isso revela que nessas instituições o tempo não é possível de ser vivido como tempo ressignificado. O conhecimento do tempo cronológico sugere a possibilidade de ampliação do futuro, e a 120 tortura traz em si a sensação de que o tempo parou até que o torturado possa abrir suas informações. Minkowski (1973) inicia seus estudos sobre o tempo na guerra, quando convocado como médico do exército. Nesses escritos, ele salienta o fato do tempo da guerra ser diferenciado do tempo da vida. Durante a guerra, descreve como a vida monótona da trincheira fazia com que os soldados se confundissem em relação ao tempo. Além disso, também proporcionava a eles que transformassem o modo de contar objetivo do tempo, substituindo o tradicional calendário por outro mais apropriado para a situação. Segundo Minkowski (1973), na guerra lutavam contra o tédio, que os ameaçava reduzir a nada, compreendendo esse fenômeno como sendo de natureza temporal. Segundo o autor, nem a ideia de tempo mensurável- no domínio da norma - nem a ideia de desorientação no tempo - no domínio do patológico - são capazes de esgotar o fenômeno do tempo vivido. Ambas não constituem mais que uma pequena parte, um aspecto abstrato, que não pode servir de ponto de partida para uma análise completa do tempo por estar distante demais da realidade experienciada. Para Minkowski (1973), o que precisamos, antes de tudo, é captar vivamente o fenômeno do tempo em toda sua riqueza, em toda sua original peculiaridade. Podemos aplicar essa compreensão na situação de tortura, pois o tempo do desaparecimento e do terror é outro que não o da vida cotidiana. Se para a fenomenologia a temporalidade implica numa relação entre presente, passado e futuro, a primeira questão que se coloca é que o desaparecimento é perda da noção do presente como tempo cronológico que se desdobra num porvir. Porém, mais do que isso, essa situação de terror conduz a perda da possibilidade de futuro, visto que o sequestrado está destituído de sua autonomia. De fato, não sabemos se continuaremos vivos amanhã, mas tentamos, na vida cotidiana, nos ocupar de projetos contando com isso. Nesse encarceramento é ampliada a situação de desamparo absoluto e solidão. (...) Perplexo, tentei coordenar os pensamentos e tentar compreender o 121 terrível drama que estava vivendo, mas gritos de (ileg.) e desespero parcialmente abafados pelo som de um rádio ligado em alto volume, chegaram-me aos ouvidos, embaralhando-me as idéias. Para se ter uma idéia do meu estado, a minha primeira impressão era que eu estava escutando meus próprios gritos. Mas, logo voltando à realidade percebi que outras pessoas, tal como eu, eram vítimas daquele autêntico inferno. Levantando o esparadrapo de um dos olhos, verifiquei que estava sozinho num pequeno quarto e que meu corpo estava coberto de hematomas e minhas nádegas eram carne viva, totalmente sem pele. Percebi que na porta do meu cubículo havia um rádio ligado em volume (ileg.) mas, percebi que haviam mais rádios, suponho que na porta de cada cela, havia um rádio. Os gritos, que eu escutara vinham do mesmo lado em que um rádio (ileg.) alto volume. (...). (Ednaldo Alves Silva in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 785-786). Conforme relato acima, o tempo passa a ser o tempo da confusão. Quando Ednaldo afirma que não sabia distinguir seus gritos dos gritos dos demais torturados, nos aproximamos da complexidade da experiência-sofrimento na situação de tortura. A permanência na confusão compromete o tempo, que por sua vez, junto à dimensão do espaço, contribui para manutenção dessa condição. Como já dito, em ambos os países o espaço reservado aos torturados era fechado, sem possibilidade de referências temporais. Aqui temos o primeiro comprometimento do espaço: um lugar sem luz natural. Os ambientes também careciam de ventilação, aumentando ainda mais a sensação de desespero e abandono. Além disso, os ambientes eram iluminados continuamente, a fim de confundir a percepção do torturado. Isso também se dava para que o torturado ficasse impedido de descansar, de forma a aumentar ainda mais sua desorientação. (...) que desconhece o local em que estava: que perdeu a noção de onde estava; que isto aconteceu em Goiás; (...) que foi preso encapuçado, não vendo nada, não podendo precisar o local em que estava; que lhe tiravam o capuz para fazer as refeições; que na cela não tinha janelas; (...). (Alexandre Alves de Almeida in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 230). (…) y a colgarme de la garganta, hasta que perdí el conocimiento; en ese lugar comienzo a perder la noción del tiempo y los recuerdos se entrecruzan sin saber con seguridad qué sucedió antes pero estoy casi seguro que en ese lugar me sacaron una foto y luego me dieron picana en el suelo... (Enrique Igor Peczac in: Nunca Más). Cuando las personas llegaban allí eran llevadas a fosos que cavaban en la tierra con anterioridad, enterraban allí a las personas hasta el cuello, a veces durante cuatro o más días, hasta que pedían que los sacaran, decididos a declarar. Los tenían sin agua y sin comida al sol o bajo lluvia. Al desenterrarlos (los enterraban desnudos) salían con ronchas de las picaduras de insectos y hormigas. De allí los llevaban a la sala de torturas (al lado había una habitación donde vivían los torturadores). (Teresita Azurum in: Nunca Más). 122 Todos os relatos lidos informam que a tortura faz com que o supliciado perca a noção de tempo e espaço. Nas celas, água era arremessada para que o detido não conseguisse dormir. Sem banheiros, as necessidades fisiológicas eram feitas na própria cela, gerando um odor insuportável. Isso também fazia com que as celas tivessem muitos ratos. Além disso, era uma prática comum manter um número muito grande de presos em celas pequenas. Para a Daseinsanalyse, a espacialidade é uma dimensão da existência humana. Aqui, o espaço é percebido como de fato se mostra: amplamente e completamente ameaçador. A degradação do espaço influencia nosso modo de ser, de forma a dificultar que o torturado se mantenha íntegro e coeso. 5.4.3 “Tortura no corpo” A tortura é, muitas vezes, compreendida como tal somente em sua dimensão corporal. Quando assim a definimos, corremos o risco de, pela brutalidade dos castigos físicos utilizados, minimizarmos os outros dispositivos de que a tortura se utiliza. Aqui temos um fundamento dessa pesquisa: a impossibilidade de separarmos corpo e mente, sujeito e objeto. Compreendemos que o suplício que objetiva a dor se dá na dimensão da corporeidade. Todos os relatos lidos, tanto brasileiros quanto argentinos, tratam desse tema como o mais chocante. Talvez pela crueza da dor e por sua concretude. As técnicas de tortura na dimensão corporal eram as mesmas em ambos os países: se valiam muito de diferentes formas de ministrarem choques elétricos nos detidos. O afogamento também era uma técnica muito utilizada. O lançamento de presos dopados ao mar era especialmente utilizado na Argentina, embora tenha sido encontrado um relato brasileiro onde o torturador 123 ameaçava o detido com esse dispositivo e, também, encontramos várias referências a ele nas gírias utilizadas pela repressão, o que nos faz pensar que os brasileiros já tinham algum domínio desse modo de tortura. Não encontramos relato de uso de pau de arara na Argentina, mas diversas técnicas de espancamentos eram constantes nos dois países. Outra forma espantosa de tortura era utilizar animais para aterrorizar os detidos. Como já dito, no Brasil, encontramos relatos de jibóias, ratos e jacarés nas celas, mas também se utilizava passar lesmas pelo corpo dos torturados, assim como introduzir baratas no ânus e ratos na vagina. Na Argentina, encontramos relatos de gatos presos nos interrogados no momento em que esses eram torturados com choques elétricos. Em ambos os países, foram utilizados cães treinados para morderem os torturados. O estupro foi uma técnica muito utilizada por ambos os regimes, assim como provocar abortos nas gestantes, preferencialmente em frente aos pais das crianças. Abusos sexuais eram mais um dispositivo de tortura constantemente utilizado, especialmente nas mulheres. Outra técnica de tortura utilizada era manter um preso numa posição por horas, às vezes dias, sem se mexer. Seguindo essa lógica, percebemos também que as escolhas pelas partes do corpo a serem machucadas se davam, preferencialmente, em lugares já feridos ou que produzem maior dor, especialmente se aplicados choques elétricos em partes sensíveis do corpo mantidas molhadas, a fim de aumentar o suplício. Outro absurdo da situação de tortura era os torturadores solicitarem aos torturados as partes de seus corpos que seriam atingidas, por exemplo, pedindo a mão para bater com a palmatória ou pedindo que oferecessem o rosto para um soco. Outras vezes, o supliciado deveria inalar o odor proveniente do sapato do torturador. Isso revela uma humilhação do supliciado, numa posição de subordinação absoluta. Além disso, a alimentação era negada constantemente e, quando apresentada – na lógica atemporal a que já nos referimos – esta era insuportável, negando a possibilidade ao torturado de se alimentar. A comida era muito doce, ou muito salgada, ou em quantidade insuficiente ou, ainda: 124 (...) obrigados a alimentar-se de arroz, feijão e um pouco de carne, sendo que o arroz vem com excrementos de ratos, o que provoca em si e nos companheiros um estado de sub-alimentação, advindo desta, surto de gripes, disenterias e até mesmo tuberculose; (...). (Aldir Silva de Almeida Nunes in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 213). No Brasil havia um cuidado para que a população não tomasse conhecimento da violência do “porão”; na Argentina, não localizamos relatos que comprovem a mesma tática. que os sinais de tortura desapareceram com o tempo decorrido e antes de ser solta fora examinada por um médico, o qual verificando que não havia sinais no corpo tratou de por a interrogada em condições de ser solta; (...) (Yone Sano in: BNMa, Tomo V, Vol. 3, p. 933). Em ambos os países, relatos informam que os torturados eram privados de alimentação horas antes de serem submetidos à sessão de torturas físicas, a fim de impossibilitar a morte por congestão. Há registros de outras torturas físicas utilizadas pelos regimes estudados. Citaremos alguns exemplos das mesmas. Olhos vasados; orelhas e dentes arrancados; queimaduras, especialmente nos dedos e genitais; deixar os prisioneiros de 3 a 10 dias sem comer, assim como deixá-los um grande espaço de tempo de cabeça para baixo. Beliscá-los com alicates; asfixiá-los, seja a seco ou com auxílio de tambores da água suja, constantemente adicionados a fezes e urina. Nas “geladeiras” os detidos ficavam em incomunicabilidade com auto-falantes que transmitiam gritos de outros torturados, ruídos ensurdecedores e insultos, a fim de desorientar os presos. A iluminação e a temperatura da solitária também eram utilizadas como forma de tortura. A “cadeira-do-dragão” era utilizada para choques elétricos, assim como queimaduras de cigarros e introdução de bambus e estiletes sob as unhas. Era comum que mulheres menstruassem durante as sessões de tortura e que os torturados tivessem hemorragia. Assim como médicos participavam das sessões a fim de manterem os presos vivos e ministrarem injeções de relaxantes musculares para ampliar a sensação de dor. Também há registros de lançamento de ácido do rosto e nas feridas dos presos. Além disso, registros revelam o uso de palmatória nos testículos, introdução de cassetete elétrico e cabo de vassoura no ânus do torturado, introdução de gás asfixiante e pistola nas narinas e boca, extração de unhas, ajoelharem em cacos e telhas, entre outros. (Fon, 1979, p. 53 e Poce, 2002). 125 Quando falamos da dimensão do corpo estamos apontando para uma compreensão da tortura além da violência física. Isso porque a violência contra o corpo se fundamenta na intolerância com as ideias do torturado, na intolerância com qualquer ideia que seja diferente e que, nessa diferença, negue o fundamento do regime vigente. Nega-se ao detido sua possibilidade de compreensão do mundo. O objetivo da tortura física é aniquilar o corpo para aniquilar a ideia, já que essa expressa a existência da diferença. Nesse combate ao corpo esse fenômeno torna-se visível. Assim, é necessário que tomemos cuidado ao olharmos para o corpo a fim de que não fiquemos apenas na leitura do horror físico. Há de se entender que a necessidade de se destruir o corpo é fundada no ataque à diferença e ao que ela representava: as relações do establishment e o fato de que os governos recorreriam a qualquer método para sua manutenção no poder. Nos relatos lidos, por mais que esses explicitem o horror da experiência, o que mais nos chama a atenção são os comentários acerca do que o torturador representava. Nessa dimensão, além da dor física o que chama a atenção é o que motiva o ataque. É essa relação de exterminar o diferente que se estabelece para que o corpo possa ser atacado dessa forma. A partir disso, o corpo se torna um meio para o torturador, e se revela ao torturado como continuidade do sinistro, pois reúne a confusão, o estranhamento, o ineditismo dessa experiência, a dor e a morte. 5.4.4 Ameaças de morte Outro aspecto da tortura era o terror causado pelas ameaças de morte. Muito comum no Brasil foi a “roleta-russa” como forma de tortura. Há também vários relatos de 126 tentativa de enforcamento pós “roleta-russa” acompanhada do argumento de que seria uma morte mais higiênica para o local, o que pouparia o trabalho dos torturadores. Diziam, constantemente, “vamos te suicidar”, o que consiste em tornar visível que, além da vida do torturado estar nas mãos dos torturadores, esses também poderiam negar o assassinato, transferindo a responsabilidade ao torturado – o que se configura numa nova forma de tortura. Também foi muito comum no Brasil e na Argentina a utilização de simulação de fuzilamento: os detidos eram levados a um pátio, colocados em fileira de costas e rajadas de metralhadoras eram ouvidas; posteriormente os torturadores assinalavam que postergariam suas mortes, lhes dando mais uma chance de falar. Alguns torturados eram supliciados após serem apresentados aos seus próprios atestados de óbito! Às vezes, acompanhados por matérias nos jornais informando suas fugas ou combates com a polícia, e posteriores mortes. Alguns detidos eram levados a cemitérios para serem supliciados, informados que lá seriam sepultados como indigentes. Obviamente, quem não passava por essa experiência concretamente dentro dos aparelhos de repressão, sabia exatamente o que acontecia, de forma a aumentar o terror e o efeito dessa tortura. A esses também eram mostradas fotos de sequestrados mortos objetivando ameaçá-los. Além disso, quando um detido morria na situação de tortura, esse acontecimento também era utilizado como ameaça. É, sem dúvida nenhuma, a experiência de morte em vida. Outra técnica bastante utilizada em ambos os países era descobrir uma fragilidade do torturado para facilitar as ameaças de morte. (...) que, tão logo lá chegou, foi despida, amarraram-lhe panos molhados num dos braços e num dos tornozelos; que depois de receber um balde d’’agua que lhe foi atirado, passou a sofrer choques elétricos, querendo os torturadores com isso que a interrogada se incriminasse, admitindo sua participação numa organização política; que nos três dias em que lá ficou, sofreu torturas psicológicas, foi espancada, levou tapas nos ouvidos, golpes na nuca, pontapés, enfim vários tipos de sevícias; que, no segundo dia sofreu muitos choques que produziram quedas na depoente, sua língua enrolou, chegando a sufocá-la e durante 8 dias perdeu a coordenação motora na perna; que lhe colocaram às costas alguma coisa molhada, dizendo que era uma lesma, após ameaça de lhe colocarem bichos nas costas; que, sabendo que a interrogada é diabética, diziam que iriam fazê-la comer açúcar, além de não lhe darem remédios para diabete; (...) (Maria Cecília Bárbara Wetten in: BNMa, Tomo V, Vol. 3, p. 80). 127 Em nossa vida cotidiana, apesar da morte ser a condição mais própria do Dasein, somos impelidos a distanciá-la como estratégia de nos ocuparmos da vida. Ao aproximarmos a morte nessa intensidade, somos lançados ao não-futuro, o presente se alarga. Passado e presente se confundem nessa “situação-limite”, excluindo qualquer possibilidade de ressignificação dessa experiência. Vazia de sentido, isso se configura numa experiência de “morte em vida”, onde a busca por qualquer sentido se faz necessária, mesmo que esse seja uma recordação, uma esperança, a solidariedade de quem compartilha o sofrimento ou o próprio enlouquecimento. Assim, o medo de enlouquecer aparece presente na maioria dos relatos dos ex-presos políticos, de modo a configurar a qualidade dessa experiência como insustentável. Así siguieron las cosas, había guardias que golpeaban, pateaban y ajustaban las esposas hasta lastimar las muñecas. Los interrogatorios siguieron hasta el día 29, más o menos día por medio. Varias veces hicieron conmigo un juego macabro; colocaban en mi cabeza el cañón de un arma, riéndose apretaban el gatillo y el disparo no salía. De noche cuando había más tranquilidad se oían pasar camiones bastante cerca, lo que me hacía pensar que estábamos muy próximos a la ruta 22 y a mi juicio, nos encontrábamos en el Batallón 181. (Oscar Alberto Paillalef in: Nunca Más). (…) Que le es comunicado al dicente que sería eliminado. Que lo llaman por su apellido y lo someten a una brutal sesión de tortura que consistió en picana eléctrica y que luego de esto es obligado a colocarse contra una pared. Un hombre de gendarmería (al que le había visto una gorra militar) le da una patada de "karate" en la espalda tras la cual el dicente manifiesta que se desvaneció. Santos Aurelio Chaparro in: Nunca Más). (…) e hacen oler un líquido, preguntándole si sabía qué era lo que le hacían oler, a lo cual el dicente responde que sí, que se trataba de solvente. Le preguntan si tiene algo que decir, que entonces lo digas pues iban a quemarlo, mientras le hacen oír ruido de papeles. También le hacen un simulacro de fusilamiento con un arma en la sien. (Juan Matías Bianchi in: Nunca Más). (...) que foi ameaçado de morte por três vezes no DOPS e uma vez no DOI (...) digo, sendo que no DOPS já existia um atestado de óbito acusando como causa morte colápso cardíaco; (...). (Adilson Ferreira da Silva in: BNM, tomo V, v. 1, p. 151). Que, tanto o declarante como os seus companheiros foram postos numa parede nos fundos de uma casa em Minas e ameaçados de serem fuzilados. (Afonso Celso Lana Leite in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 185). 128 (...) Tentavam induzir-me à idéia de que eu estaria ficando louco e afirmavam que tinham como objetivo matar-me ou fazer-me louco. (...) Durante todo esse período, procuraram criar um clima de terrorismo. Falavam em me matar e jogar o meu corpo na represa de Três Marias. Diziam que o chefe deles já havia assegurado a cobertura para o meu "desaparecimento", anunciando minha morte pela imprensa. (Aldo Silva Arantes in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 217218). (...) Ficou no DOI durante um mês, juntamente com outras pessoas, num ambiente de insegurança e angústia. Essa insegurança decorria de constantes chamadas para ser espancado e torturado bem como de ouvir o mesmo acontecer com mais de 20 cidadãos que estavam na mesma situação que a sua. Essa insegurança aumentava à medida que se ouvia casos de morte e que pôde testemunhar, em parte, entre os dias 15 e 20 de março, com a morte de um jovem que foi torturado durante dois dias seguidos e que após esses dois dias, lhes foi informado pelas autoridades do local que ele havia suicidado-se. Veio a saber por informação que correu entre os presos, de se tratar de Alexandre Vanucchi. (...). (César Romam dos Anjos Carneiro in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 619). Dois meses após a prisão, quando já estava recolhida ao Presídio Tiradentes, fui levada de volta à operação Bandeirantes. Supunham que eu estivesse ligada a Marcos Sattamini Pena de Arruda, geólogo, que há mais de um mês vinha sendo torturado. Levaram-me à sala de torturas e um dos torturadores, capitão do Exército, avisou-me; "Prepare-se para ver entrar o Frankstein". Vi aquele cidadão entrar na sala com o passo lento e incerto, apoiando-se numa bengala, uma das pálpebras caída, a boca contorcida, os músculos do abdômen tremendo constantemente, incapaz de articular bem as palavras. Ele havia ficado hospitalizado, entre a vida e a morte, após o violento traumatismo que sofreu nas torturas. Disseram-me: "Obrigue-o a falar porque a Gestapo não tem mais paciência e se um de vocês não falar nós o mataremos e a morte dele será de sua responsabilidade”. (...). (Marlene de Souza Soccas in: BNMa, Tomo V, Vol. 3, p. 49). As ameaças eram feitas de muitas formas, de modo a perpetuar o terror. Mulheres grávidas e seus companheiros eram constantemente ameaçados de aborto. No Brasil, os torturadores se gabavam de terem íntimas ligações com a “Triple A”, ameaçando os supliciados de transladá-los para outros países (esse fato foi tratado anteriormente, quando discutimos a operação Condor). As aulas de tortura consistiam em uma tortura a mais. Nelas, os torturadores se enalteciam de suas “técnicas científicas e resolutivas”. Como já dito, nas aulas de tortura os presos eram torturados nos palcos de anfiteatros para uma platéia formada por torturadores da América Latina e empresários simpatizantes. Isso fazia com que os presos tivessem a dimensão da complexidade da rede de produção de terror. 129 Além disso, os sequestrados eram constantemente ameaçados de serem jogados ao mar, ao rio ou enterrados vivos. Sem direito a advogado ou visitas, restava ao sequestrado seus companheiros de cárcere e o horror da proximidade da morte. Outra técnica difundida pelos torturadores era fazer com que os prisioneiros assistissem sessões de tortura em outros companheiros. Esse método também se desdobrava no uso de auto-falantes para que os gritos dos torturados fossem ouvidos por todos. Ocasionalmente, esses auto-falantes tocavam música, de forma a esconder os gritos, o que não funcionava para este fim, mas sim para corroborar com a dimensão da desorientação. 5.4.5 Ameaças à família Tanto o Brasil quanto a Argentina utilizavam a estratégia de ameaçar as famílias dos torturados. Encontramos dados que referem a essa prática como um ensinamento tanto da “Escola das Américas” quanto da escola francesa de tortura, que garante ser essa uma estratégia “com bons resultados” (Robin, 2005). Luego de esto lo maniatan a una mesa, atándolo boca arriba con cadenas. Estaba con todos los miembros en posición abierta. Lo comienzan a torturar con picana eléctrica, de variada intensidad, acusándolo por el despido de dos compañeros que lo habían torturado antes, dejándolo con los problemas físicos que lo llevaron a que se opere. Hacían disparos sobre su cuerpo y lo amenazaban constantemente con quitarle la vida y con eliminar a su familia. Este tormento dura unas dos o tres horas. En la parte final de la tortura le aplican una gran cantidad de voltaje, lo que hace que su cuerpo se contraiga, a tal grado que cortó las cadenas que lo ligaban a la mesa. Le decían que sus bigotes eran más de fascista que de comunista, que él se había equivocado de ideología. Las consecuencias de esta sesión le duran varios días, con una gran depresión y consecuencias físicas. (Oscar Martín Guidone in: Nunca Más). (...) que, em seguida, o investigador Marcondes, começou uma série de perguntas, xingando a mim e meus familiares e afirmando que conhecia toda a minha vida familiar; que todos os meus familiares, estariam presos, ou melhor, que o Marcondes afirmou que meus familiares, referindo-se nominalmente a eles, já estavam todos presos, (...). (Alcides Ribeiro Soares in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 208). 130 Outra forma comum de tortura era supliciar um parente ou amigo em frente ao sequestrado. Como uma alternativa que reduzia dois problemas com uma só intervenção, é apresentada nas cartilhas tanto da Escola das Américas como das ESGs como uma técnica que costuma “dar bons resultados”. Essa situação envolve o supliciado na responsabilidade da tortura de alguém que ama. Sabendo ele o quanto a situação de tortura é sofrida, sofre em dobro, numa estratégia de ser empoderado pela tortura do outro. Desta forma, se recebe esse poder perverso, pode também sentir-se culpado. Esse é o fundamento de uma das técnicas que os militares denominam como “tortura psicológica”, onde a dor física não é diretamente causada na vítima, mas indiretamente, a partir de uma responsabilização. O absurdo dessa técnica está no que consideram sua “eficiência”: na produção da culpa. (...) que quanto ao depoimento constante do inquérito, este fora obtido porque o depoente sofrera pressões psicológicas e físicas, além de pressões e violências sexuais cometidas contra sua esposa na presença do depoente: no transporte, quando de sua prisão e no local onde fora detido que fora obrigado a assinar uma série de papéis sob ameaça de que prejudicaria em caso de negativa a si próprio e sua esposa; (...). (César Augusto Chaves Fernandes in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 610). (...) que o mesmo tratamento recebeu o seu esposo, sendo certo que as violências praticadas em comum, ou seja, foram espancados um na frente do outro; que a interroganda encontrava-se grávida e, em face dos maus-tratos recebidos veio a abortar; (...). (Clair Isabel Dedavid Fávero in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 633). (...) logo que cheguei fui levada à interrogatório numa sala onde já estava meu marido totalmente despido sangrando devido às torturas que já tinha passado. Me obrigaram a ficar totalmente despida, sendo espancada constantemente na frente dele e vice versa. Sendo que inclusive ameaçaram a gente de morte e simularam inclusive, assassinatos e a tortura psíquica, dizendo que iam me obrigar a torturá-Io a dar choque elétrico, a colocá-Io na chamada "cadeira do dragão" e diziam que iam matá-Io; (...). (Clementina de Lourdes Teixeira da Costa in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 668). (...) que o. interrogando deseja declarar a este Conselho que seu irmão, Virgílio Gomes da Silva, foi morto por agentes policiais na Operação Bandeirantes à vista do interrogando; que assistiu seu irmão, com mãos algemadas para trás, enfrentando cerca de quinze pessoas, dando-lhes pontapés e cuspindo nele ao mesmo tempo em que era cuspido e agredido por todas aquelas pessoas, até que uma delas lhe deu um pontapé na cabeça, produzindo um ferimento bastante grave, que dalí, seu irmão foi levado a uma sala onde continuou a sofrer maustratos durante oito horas, após isso veio a morrer; que naqueIa ocasião o interrogando também foi seviciado; (...). (Francisco Gomes da Silva in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 978). 131 Isso se dava em diversos desdobramentos. Um modo desse tipo de tortura era descobrir os nomes dos familiares do detido e citá-los, ameaçando-os, de modo a fazer com que o mesmo sentisse que a ameaça era real. Outra forma bastante utilizada em ambos os países era trazer um membro da família para assistir a sessões de tortura do detido, ameaçando, ali, torturar seu parente e, muitas vezes, torturando-os conjuntamente. Ainda temos a tortura de mulheres grávidas em frente aos seus esposos, ameaçando e, muitas vezes, causando abortos. Além disso, vale lembrar que torturaram, tanto no Brasil quanto na Argentina, bebês e crianças em frente ou em cima de seus pais. (...) que a depoente informa que a polícia depois de tudo ocorrido fez a depoente se ajoelhar, diante de armas e ainda levaram seu filho para o mato, judiaram com o mesmo, com a finalidade de dar conta de seu marido; que o menino se chama Francisco de Sousa Barros e tem a idade de nove anos; que a polícia levou o menino as cinco horas da tarde e somente voltou com ele as duas horas da madrugada mais ou menos; que bateram nas canelas da depoente com os fuzis para que a mesma desse conta de seu marido; que a depoente não informou por que não sabia onde o mesmo estava. (...). (Maria José de Sousa Barros in: BNMa, Vol. 2, p. 1). Luego de esto lo maniatan a una mesa, atándolo boca arriba con cadenas. Estaba con todos los miembros en posición abierta. Lo comienzan a torturar con picana eléctrica, de variada intensidad, acusándolo por el despido de dos compañeros que lo habían torturado antes, dejándolo con los problemas físicos que lo llevaron a que se opere. Hacían disparos sobre su cuerpo y lo amenazaban constantemente con quitarle la vida y con eliminar a su familia. Este tormento dura unas dos o tres horas. En la parte final de la tortura le aplican una gran cantidad de voltaje, lo que hace que su cuerpo se contraiga, a tal grado que cortó las cadenas que lo ligaban a la mesa. Le decían que sus bigotes eran más de fascista que de comunista, que él se había equivocado de ideología. Las consecuencias de esta sesión le duran varios días, con una gran depresión y consecuencias físicas. (Oscar Martín Guidone in: Nunca Más). Ter sua família ameaçada traz para o preso o aumento da sua situação de vulnerabilidade e, portanto, da tortura. A relação dos presos com suas famílias variava de intensidade conforme seus envolvimentos com as organizações de luta contra as ditaduras. Mas, apesar disso, essa estratégia aposta na impotência do torturado ao presenciar o sofrimento de um ente querido. Como já assinalamos, aqui, o objetivo da tortura não é obter informações do familiar, mas ele é visto, também, como um meio de obtenção de informação. Utiliza-se o familiar como recurso de obtenção de informações do preso. Uma vez mais notamos a presença do sinistro e do inominável. 132 Pode-se ter a idéia de que esse tipo de tortura produz culpa, mas não encontramos nenhum relato afirmando culpa e/ou arrependimento, e sim narrando essa tortura como extremamente desesperadora. 5.5 RESISTÊNCIA AO SOFRIMENTO 5.5.1 Companheirismo Após o primeiro momento da detenção, marcado pela incomunicabilidade, muitos presos eram transferidos de solitárias para celas coletivas. É nessa retomada do estar-com que o detido percebe que não está só. Isso traz a dimensão de compartilhar o sofrimento, mesmo que esse não seja dito. Lo llevan a la guardia en una situación muy mala, tal es así que la gente que estaba detenida en la cuadra, comenzó a golpear las rejas pidiendo que fuera inmediatamente atendido. Es llevado al Hospital Militar de Mendoza, en un camión donde es atendido por médicos de dicho nosocomio. Le colocan guardias armados en la puerta. La orden era que, a ese lugar, no entrase ni el presidente de la República. Al lado estaba el ex Gobernador Martínez Baca. "Luego se realiza una junta médica, manifestándole que sabían que el dicente estudiaba medicina, diciéndole que sabría lo que era una segunda eclosión de bazo, así que tendrían que operarlo. Lo operan en dicho nosocomio al día siguiente practicándole una "laparotomía". (…) Le efectuaron las curaciones estando fajado. A los 20 días vuelve al 8° Regimiento (que está al lado del Hospital Militar). Hasta le permiten seguir estudiando los libros de medicina. El dicente, por sus conocimientos, ayudaba a otros detenidos que salían de las sesiones de tortura. (Oscar Martín Guidone in: Nunca Más). (…) Cuando la guardia era un poco permisiva, pedíamos un cubo de agua y podíamos bañarnos. La primera vez que me bañé casi me muero. Cuando me levanté la venda me pareció imposible reconocerme. Estaba negro de marcas, como si me hubiera revolcado en alambres de púas, lleno de quemaduras, desde cigarrillos hasta el bisturí eléctrico, era el mapa de la desdicha. El "bisturí eléctrico" corta, quema y cauteriza. Lo utilizaron poco conmigo en relación con Velázquez Ibarra y demás prisioneros. De allí conservo huellas en la espalda ¿Electrodos o bisturí? Estando la espalda en carne viva se pegaba a la camisa, con el calor y la mugre, comenzó a descomponerse y yo no me daba cuenta. Mis compañeros que tanto me cuidaban llamaron a un soldado de la enfermería para que me desinfectara la herida. (Antonio Horacio Miño Retamozo in: Nunca Más) 133 Na maioria dos depoimentos que tivemos acesso, os detidos assinalam o companheirismo no cárcere como tendo um papel fundamental de reorganização da condição humana. É como se o encontro dos vitimados produzisse a possibilidade real de esperança, se não na sobrevivência, ao menos no momento atual. Todas as estratégias utilizadas pelos torturadores, mais do que o próprio aparelho do suplício, consistem em humilhar o detido, de forma a fazer com que esse se sinta absolutamente exposto e submetido, não só a força do torturador, mas ao seu desejo. Naquele contexto, toda e qualquer conquista era muito importante, pois as coisas mais simples nos eram dificultadas, quando não negadas. E isso me ensinou que toda conquista ali era resultados, na verdade, por menor que pudesse parecer, de nossa luta contra o poder. Fosse o poder imediato da direção do presídio, fosse o poder maior. Era a dignidade da condição humana tentando se firmar. (Santos in:Freire, Almada e Granville Poce, 1997, p. 275). Lord (entrevista em anexo) nos contou que a solidariedade surgia de muitas maneiras. Como exemplo, cita os momentos em que estavam em fila na ESMA, uns com as mãos nos ombros dos outros, marcando um formato de fila militarizado. Encapuzados, mesmo não sabendo quem estava em frente e atrás, acariciavam os ombros dos companheiros, numa atitude emocionante de retomar a grupalidade. A solidariedade é o oposto da indiferença. Ela oferece reconhecimento do sofrimento alheio e, igualmente, oferece legitimação da humanidade. Nesse sentido, a partir dessa experiência o torturado pode deixar de viver a condição de objeto imposta pela tortura. 5.5.2 Ódio ao torturador Muitos relatos afirmam que a possibilidade de resistir a esse sofrimento extremo da tortura está em odiar o torturador. Esse ódio representa manter o torturador e o sistema que o possibilita como absurdo, de modo que viabiliza ao torturado sentir-se injustiçado e, 134 dessa forma, reconhecer seu sofrimento e o absurdo da situação de tortura. O ódio aqui se traduz na possibilidade do torturado continuar existindo frente à violência extrema, se traduz como uma luta pela não demolição (Viñar, 1992). Esse ódio é uma forma de expressão da indignação. Para os presos que tinham algum envolvimento com coletivos contra os regimes, essa indignação já se mostrava quando iniciaram a luta contra as ditaduras. Nesse caso, é a partir do ódio que o torturado pode conseguir manter-se íntegro em sua ideologia. Para outros, aqui temos a indignação primeira diante da injustiça da situação de tortura. Neste caso, há a perplexidade por dar-se conta da injustiça e do abuso, fundamentos dos governos totalitários. Nesse momento, apontamos as possibilidades de resistência na situação de tortura. Mas esse ódio será repensado posteriormente em nossa pesquisa, para que a vida possa ser retomada ressignificando o ressentimento. Aqui, paradoxalmente, o ódio se equipara a dimensão da esperança em mudar a situação. 5.5.3 Perder o medo da morte Muitos relatos afirmam que perder o medo de morrer é uma possibilidade de continuar vivendo na situação de tortura. Se o medo da morte, na crueza que se apresenta nessas situações, é absolutamente desagregador, compreender e aceitar a possibilidade de morrer a qualquer momento faz com que um dos dispositivos de tortura – a ameaça de morte – perca sua força de ação. O torturador aposta na relação de poder, na produção do medo. Quando o torturado entende que essa aposta não é eterna – ampliando a dimensão do futuro – esse poder sobre a própria vida se deslegitima. Aqui, perder o medo da morte significa não cooperar com a tortura, contrapondo-se a essa dominação. Novamente nos aproximamos de uma situação paradoxal. 135 5.5.4 Suicídio A partir da perda do medo da morte, encontramos uma proposição de resistência que pode vir a culminar no suicídio. Entre os relatos encontrados, compreendemos duas formas distintas de suicídio. Intento suicidarme tomando el agua podrida que había en el tacho destinado para otro tipo de tortura llamada "submarino", pero no lo consigo. (Teresa Celia Meschiati in: Nunca Más). (...) Eu, Frei Giorgio Callegari, dominicano, ilegalmente detido desde o dia 14 (ileg.) de 1969, no Presídio Tiradentes em São Paulo, considerando: 1) A insistência do governo brasileiro em desconhecer a existência de preso em território nacional; 2) Prática de torturas da que fui vitima em inúmeras dependências policiais-militares. 3) A manifesta conivência do Sr. Juiz Auditor, Dr. Nelson Guimarães, com as torturas., visto que presos sub-judices têm sido retirados deste presídio com autorização e submetidos a torturas no DEOPS e na OPERAÇAO BANDElRANTES: É o caso do médico Antônio Carlos Madeira, dos universitários Oscar Terada (ileg), do jornalista Carlos Guilherme Penafiel e do operário (ileg.) todos levados de volta às salas de torturas, após estarem detidas (ileg.) e com prisão preventiva decretada. O caso mais dramático, foi (ileg.) o confrade Frei Tito de Alencar Lima, selvagemente torturado na OBAN em (ileg.) deste ano, tendo estado à beira da morte. Do estado degradante em que foi (ileg.) Frei Tito de Alencar Lima após as torturas, foram testemunhas oculares (ileg.) NELSON GUIMARÃES, o bispo LUCAS MOREIRA NEVES e o Provincial dominicano (ileg.). Nenhuma providência foi tomada até hoje para punir (ileg.) infligindo o mesmo sofrimento a outros; enquanto o GOVERNO BRASILEIRO (ileg.) para que a CRUZ VERMELHA INTERNACIONAL inspecione a real situação dos presos políticos; A ilegalidade da prisão de numerosas pessoas que como eu acham-se encarceradas há quase um ano sem que até agora pese sobre elas qualquer acusação formal (ileg.) também qualificadas ou interrogadas pela justiça militar, contrariando (ileg.) os prazos determinados em lei, pelo Código de Processo Penal Militar (ileg.) As condições em que se encontram os presos políticos, neste presídio, com absoluto rigor carcerário misturados com presos comuns que freqüentemente são espancados sob nossas vistas, DEClDO, por iniciativa estritamente pessoal iniciar, a partir da zero hora de 2a. feira, dia 14 de setembro, uma greve de fome. Perdurará enquanto perdurar a situação acima descrita. NÃO TEMO AS CONSEQÜENCIAS. (ILEG.) ELAS ME CUSTEM A PRÓPRIA VIDA. É preferível morrer lutando contra injustiças, do que .aceitar silenciosamente (ileg.) humano, em uma cadeia onde pago por crimes que não cometi. Se a (ileg.) suicídio de FREI TITO, ocasionada pelas torturas a que foi 136 submetido, (ileg.) então deliberadamente levo o meu protesto. (ileg.) é que me cabe na posição de cristão e religioso consagrado ao serviço do (ileg.). (ileg.) deixei a minha terra, a Itália, para vir sofrer vexames em outro país. (ileg.) missionário e quero provar, com o risco de minha vida, o (ileg.) ao Brasil, ao povo brasileiro e, sobretudo, à liberdade e à justiça. (ileg.) que, a partir do momento em que fui preso, estou sob INTEIRA RESPONSABILIDADE DO GOVERNO BRASILEIRO. As autoridades que me mantém presas, são responsáveis por tudo o que ocorrer. (...). (Giorgio Callegari in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 91-92). (...) que o interrogando deseja registrar nesta oportunidade que - quando de sua prisão na OBAN recebeu maus-tratos, ou seja, torturas, ficando de tal modo abalado física e mentalmente que chegou mesmo a tentar suicídio, cortando os pulsos com garfo de plástico não logrando seu intento face a lesão insuficiente para a hemorragia desejada e ainda porque foi socorrido em tempo; (...). (Jurandir Rios Garçoni in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 710). Uma das formas de resistir ao sofrimento encontrada nos relatos pesquisados é o suicídio como tentativa de se livrar da tortura. Tentar acabar com a própria vida, aqui, se refere a tirar do torturador o que ele tem, invertendo a situação de controle. Assim o suicídio é um modo possível de por fim a essa situação de sofrimento extremo, como encontramos nos relatos de Jurandir e Teresa. Outra possibilidade encontrada nos relatos é o suicídio como um dispositivo de afirmação da dignidade, confrontando a situação. Esse modo é encontrado em cartas anunciando greves de fome ou suicídios que se apontam como uma estratégia de tornar visível a luta contra as ditaduras, como no caso dessa carta de Giorgio Callegari. 5.5.5 Imaginação Outros relatos afirmam que alguns torturados lançavam mão da imaginação como forma de resistência ao sofrimento. A possibilidade do devaneio se apresenta aqui como uma tentativa de reconstrução de futuro, ampliando a esperança na existência. Essa estratégia utiliza a tentativa de não pensar na situação de opressão como forma de ampliar a 137 perspectiva de liberdade. Isso pode ser exemplificado pelos diversos livros que foram imaginados e escritos no cárcere. 5.5.6 Calar ou falar Na leitura dos relatos percebemos duas ações que tem a mesma finalidade, a partir de compreensões diferentes da situação de tortura. Alguns relatos se referem à possibilidade de calar, de negar informações ao torturador, como uma forma de manter a coesão com a ideologia de não se entregar. É uma resistência a entregar ao torturador aquilo que ele exige, calar como possibilidade de negar a potência da força e do poder do torturador. Outros, paradoxalmente, afirmam que falar – qualquer coisa, mesmo inventando informações – assinar os depoimentos forjados, por exemplo, era uma forma de tentar diminuir o período de tortura. Aqui, o torturado opta por resistir ao sofrimento da tortura, concordando em dar informações de modo a minimizar sua vivência de terror na situação de tortura, independente de serem verdadeiras ou não. Embora pareçam, num primeiro momento, contraditórias, ambas as ações – falar e calar – tem a mesma proposta. Em diferentes contextos, ambas se referem a minimizar o que, para determinada pessoa, mostra-se como principal sofrimento e saída possível do mesmo. Isso nos leva a uma nova discussão. Outra forma de tortura percebida durante essa pesquisa se dá no elogio a “não abertura”, ou seja, no estímulo a calar perante o torturador. Ora, tendo uma informação e retendo-a, o prisioneiro está pactuando com a morte. Se a revela, pactua com a morte de seus companheiros e de seu ideal. Não há saída que não seja torturante nessa situação. Algumas organizações de resistência aos regimes terroristas valorizavam que seus militantes se calassem durante a tortura. Podemos dizer que essa 138 dinâmica causa mais um tipo de tortura, pois “abrir” significa traição, o que torna ainda mais complexa e torturante essa situação. O elogio a “não-abertura” é uma lógica de punição que individualiza esse sofrimento político e, sem perceber, pactua com a privatização do sofrimento e consequente desarticulação dos coletivos de resistência impostas pelo Estado terrorista. 5.6 JUSTIFICATIVA DA TORTURA 5.6.1 Coação Aqui, pretendemos analisar os objetivos da tortura. Como já dito, num primeiro momento, a tortura se apresenta como dispositivo dos regimes totalitários a partir do argumento da segurança interna. Porém, um dado que consideramos fundamental para compreendermos a relação tortura-sofrimento é que a tortura era utilizada, tanto no Brasil quanto na Argentina, antes de qualquer tentativa de obter informações a partir de depoimentos. Aqui se dá, então, a coação como experiência-sofrimento do sequestrado. Eran custodiados por conscriptos, un cabo y un sargento. A pocos días de estar en este lugar, se presentó en su celda el Coronel Hernán Tectzlaff, quien traía consigo un testimonio que la dicente debió firmar bajo coacción, durante su cautiverio en el C.C.D. que hoy reconoce como "Vesubio", oportunidad en que le hizo firmar a la dicente una declaración en base a la citada. (A. N., 17 anos, argentina in: Nunca Más). (...) André foi obrigado, sob ameaça de voltar à tortura a copiar, com letra de seu próprio punho, alguns textos que lhe foram apresentados. Quarenta e oito horas antes de ser transferido para o DOPS, por terminação do prazo de sua incomunicabilidade, foi levado para uma sala onde havia uma câmara de televisão. Aí fizeram-no vestir-se com suas próprias roupas, puseram à sua frente um maço de cigarros e fósforos, bem como uma garrafa d'água, e fizeram um "vídeo tape", no qual teve ele que repetir a história que foi forçado a admitir para que seus torturadores cessassem o suplício. (André Teixeira Moreira in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 297). 139 Dessa forma, fica claro que na verdade nunca o torturado é ouvido, nunca o que diz é levado em consideração. Será considerado sempre o que disserem os torturadores. Portanto, não se pretende a obtenção de informações. O sofrimento é início, meio e fim da tortura. E a submissão é constante e invariável. O torturador é senhor da vida e da morte do torturado. E, também, de seu discurso: pronto a priori, necessitando somente de sua assinatura. (...) que na prisão a depoente sofreu coisas horríveis; ficou 11 dias sem comer e sem beber, puseram-na despida; puseram-na na "geladeira"; que a depoente sofreu forte traumatismo psíquico e, até hoje, está sob tratamento psiquiátrico; que a depoente quer esclarecer que na PE quiseram que a depoente dissesse coisas absurdas contra seu diretor e outras pessoas que a depoente nada sabia e que, cada vez que a depoente negava, voltava para a "geladeira"; (...). (Dalva Umbelina e Silva in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 690). Assim, a coação tornou-se também um dispositivo fundamental de tortura. Entendemos, então, que mais do que fazer falar, a tortura se aplica a fazer calar, de forma a oficializar uma história previamente construída pelos dominadores. 5.6.2 Depoimentos forjados (…) vendado, y con algodones en los ojos para impedirme ver, lo cual no impidió que dicha venda en momentos se aflojase y pudiese observar que algunos de los guardias que se encontraban allí usaban borceguíes del Ejército. Es más, en una oportunidad en que pretendieron que firmase una declaración-que no firméme sacaron las vendas y la persona que me hablaba, un hombre joven, lo hacía vestido con uniforme militar y con una máscara antigás colocada, que le cubría todo el rostro. (José Antonio Giménez in: Nunca Más) (...) Foi um relato que a polícia obrigou o interrogando a assinar sob tortura e sob sevicia; que sofreu essas violências muitas vezes no DOPS e outras no DOI; que até hoje ainda manca da perna e não foi em função do tiro que levou, o que foi superficial; ( ... ) que no DOI foi obrigado a assinar um documento revelando que o interrogando sofria de cálculos renais porque estava urinando sangue mas nunca sofreu de tal doença(...). (Adilson Ferreira da Silva in: BNMa, tomo V, vol. 1, p. 151). 140 (...) que o policial chamado Juvenal dizia pertencer ao Esquadrão da Morte, e a exibir à interroganda uma caveira que usava como distintivo, (ileg.) ainda uma corrente e afirmando que cada um de seus elos correspondia a uma morte que já praticara, que tais palavras reais tinham o objetivo de intimidar a interroganda, e mais especificamente para que a interroganda assinasse um mencionado papel que, em razão das violências acima contadas a interroganda terminou por assinar o referido papel, sem, no entanto, ler o seu texto; (...). (Clair Isabel Dedavid Fávero in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 633). (...) Isto define muito bem o que foi o Inquérito Policial. Violência, prisões, espancamentos e torturas foram a tônica da prova extorquida pela polícia. (...). (Elenaldo Celso Teixeira in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 816). (...) que diziam que o interrogando “é um burro” e “que era só dizer que as pessoas da relação eram comunistas"; que em resposta, o interrogando se propôs a assinar tudo que eles quisessem; desde que fosse embora, por não agüentar mais “aquele inferno”; que dali foi novamente conduzido para a cela, como de costume, de óculos escuros; que ali permaneceu, mais ou menos, uma hora e foi levado novamente para a sala, onde assinou três ou quatro folhas datilografadas, retornando, nova mente, para a cela; que na cela ficou cerca de quatro horas, (...). (João Alberto Einecke in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 307). (...) que não confirma o depoimento prestado no DOPS (termo de declarações de fls.9 a l2), porque tais declarações não foram prestadas pelo depoente, mas sim redigidas e o depoente apôs apenas a sua assinatura, debaixo de forte comoção; (...) que, nessa ocasião. fui espancado a socos e pontapés, inclusive no rosto, tendo cardo ao chão; (...) falando em seguida: "Vamos arrancar um dos culhões dele, assim ele fica inutilizado para o resto da vida"; (...)que assim, coagido, temendo novas sevícias, resolvi assinar o que eles queriam, ou seja: as declarações por eles preparadas, (...) (Alcides Ribeiro Soares in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 208). (...) que quando assinou o depoimento já referido a depoente teria assinado qualquer coisa, de vido ao seu pavor de voltar à prisão onde estivera; (...). (Ciema de Oliveira Silva in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 631). (...) Tempos depois, fui à 3a. Auditoria do Exército para ser interrogado , (...) Ainda sob os efeitos do terror das torturas, ainda vivendo sob clima de campo de concentração nos quartéis da Vila Militar, eu ali, naquela (ileg.) aceitei as denúncias que me imputavam; aceitei todos os depoimentos (...), mesmo aqueles falsos, aqueles forjados; depoimentos prestados sob (ileg.) pressão física e psicológica, (...) hoje respondem comigo a um processo, processo baseado em depoimentos arrancados sob tortura, processo 141 baseado em depoimentos, como os por mim respondidos. (...). (Manoel Henrique Ferreira in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 876). (...) que na prisão sofreu coações físicas e psicológicas para que fizesse esse depoimento; sofreu violências sexuais na presença e na ausência de seu marido; durante o seu transporte para a prisão fora despida, colocada em posições vexatórias e sob ameaças de que se a depoente não assinasse as declarações iriam matar o seu marido; (...). (Maria da Conceição Chaves Fernandes in: BNMa, Tomo V, Vol. 3, p. 93). Cuando le tomaron esa declaración no podía ver bien porque después de haber estado tanto tiempo con los ojos vendados, la luz le irritaba, sabe que le hicieron firmar 3 o 4 papeles, en ese momento le quitaron las vendas para firmar, pero le dijeron que no levantara la vista. Esa noche metieron a mucha gente dentro de ese camión, que constantemente se detenía y bajaban; en ese momento creía que las mataban, no tiene idea de nada, sabe que ella quedó para lo último, pero no quería bajarse porque creía que la iban a matar, fue así que el tipo que estaba de civil, con una campera marrón, como de cuero, era morocho, y le dijo: Bajá o te mato; ella pensaba que la iba a matar, pero fue así que forcejeando la venda se le cayó y lo vio, al verlo le dio un miedo muy grande, de ver esa cara, se bajó del camión y le puso la pistola en la cabeza y le dijo: No te des vuelta . Fue allí que ella creyó que se había muerto, se quedó mucho tiempo así, tanto que ni se dio cuenta que el tipo se fue, estaba en un estado de inconsciencia, creía que se había muerto. (M. de M. in: Nunca Más). A partir desses testemunhos, de todos os outros contidos no projeto “BNMa” e dos argentinos lidos no “Nunca Más”, das literaturas de testemunho e entrevistas que tivemos acesso, fica evidenciado que o objetivo principal dos sequestros não foi a obtenção de informações – como justificam os defensores da tortura – mas a produção de provas. Em todos os relatos a que tivemos acesso, fica claro que os detidos foram coagidos a assinarem depoimentos previamente preparados pelas instituições desses governos terroristas. Muitos depoimentos chamados “de próprio punho” já vinham escritos por outras pessoas, restando ao torturado apenas assiná-lo. Outros desses eram ditados ao sequestrado. Obviamente, todas as declarações dadas sob tortura não visavam uma confissão, senão o fim da tortura mesma. Isso revela que, em seu objetivo primeiro, o dispositivo da tortura foi utilizado para a manutenção das ditaduras a partir da fabricação de provas, e não como forma de controle da população. Nos regimes estudados, os “suspeitos” eram sequestrados, torturados e, posteriormente, eram apresentados depoimentos prontos: ou datilografados ou ditados para que o depoente pudesse escrevê-lo a próprio punho. Dessa forma concluímos que a 142 tortura não objetivava uma confissão, mas a produção de provas que justificassem esses regimes terroristas. Em todos os relatos de torturados que tivemos acesso esses indicam que foram coagidos aos depoimentos. Tanto no Brasil, quanto na Argentina, compreendemos que esse fato revela uma “fabricação de provas” no sentido de ratificar os regimes terroristas e seus dispositivos de segurança nacional. Há vários relatos que afirmam que os torturadores diziam que os sequestrados iriam “confessar o que sabe e o que não sabe”, revelando que o objetivo da tortura, mais do que obter informações, era mesmo a produção de uma justificativa para o próprio regime de terror. Outra frase dita em ambos Estados era “Torturamos para manter a forma” (BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 695), o que revela que os torturadores tinham na tortura o início o meio e o fim de seu dispositivo de legalização das ditaduras. 5.6.3 Terror Vários relatos afirmam que o pior sofrimento na situação de tortura é “o que atinge a alma”. Aqui, entenderemos como sofrimento a submissão a uma situação de humilhação onde as pessoas estão reduzidas à condição de objeto, sem direitos e sem respeito, submetidas completamente à vontade do torturador. Isso caracteriza que, independente de dor física, a dor da submissão em si é tortura. Esse modo de estar submetido só ocorre nessa situação, onde até o suicídio é negado. (...) En general todos los métodos utilizados para contrarrestar la tortura, incluido el suicidio que acá se implementó, antes de caer preso era mejor tomarse una pastilla de cianuro. (...) Porque la tortura era terrible, entonces eso también valió, porque ellos inventaron un método, con un matafuegos (...) Con una manguera, metían una manguera al tipo y le hacían (waaaahggg), y salía todo para fuera, ¿se entiende?, o sea que no te puedes ni siquiera suicidar, así inmediatamente que veían que te habías tomado la pastilla, te envían la manguera por la tráquea, (chak) te metían el matafuegos, con un coso de apagar el fuego ¿eh? ....o sea que hasta eso previeron, (...). (Carlos Lord, entrevista em anexo). 143 Nem mesmo o direito de tirar sua própria vida fica garantido. Nos regimes terroristas estudados, nenhum direito era garantido ou reconhecido. Na situação de tortura não se reconhece o outro como sujeito, muito menos de direitos. Saber que não se tem direito sobre a própria vida e a própria morte tira o torturado de uma característica básica e fundamental da vida: a angústia da morte. Essa angústia marca nossa existência na busca de nos tornarmos nós mesmos. Na situação de tortura, a morte é alívio. Desta forma, ela aponta para o fato de não mais podermos ser-aí, como se nosso ser não tivesse mais possibilidades de se reinventar. Seria como uma condição de “morte em vida”. Aniquilar a possibilidade da vida em vida é um sofrimento inenarrável. A vida continua apenas com o objetivo de delatar seus amigos e companheiros. Já não é humano, senão um arquivo que deve ser aberto a qualquer custo. Tudo se embaralhou. Não sabia mais o que fizera, nem mesmo o que desejava contar ou até ampliar, para ter credibilidade. Confundi nomes, pessoas, datas, pois já não era mais eu quem falava e sim os inquisidores que me dominavam e me possuíam no sentido mais total e absoluto do termo. (BNMb, p. 12). (...) Novas pauladas. Era impossível saber qual parte do corpo doía mais: tudo parecia massacrado. Mesmo que quisesse, não poderia responder às perguntas: o raciocínio não se ordenava mais. (Tito de Alencar Lima in: BNMa, Tomo V, Vol. 3, p. 793). Eu fiz duas cirurgias enquanto tava presa. Eu perdi um rim. Perdi o esquerdo (...). Não, eu acho que a principal é a de cabeça mesmo. A tentativa de te destruir como pessoa, destruir mesmo. E vários foram destruídos. Vários enlouqueceram, se suicidaram... Muitos foram assassinados, mesmo. E alguns ainda têm seqüelas bastante graves, não só do ponto de vista físico, mas psicológico. (Ana in: Formaggini, 2007) La idea era dejar a la víctima sin ningún tipo de resistencia psicológica, hasta dejarlo a merced del interrogador y obtener así cualquier tipo de respuesta que éste quisiera, aunque fuera de lo más absurda. Si querían que uno respondiera que lo había visto a San Martín andando a caballo el día anterior, lo lograban, y entonces nos decían que uno era un mentiroso, hasta que realmente uno lo sintiera, y lo continuaban torturando. (Daniel Eduardo Fernández in: Nunca Más). Si al salir del cautiverio me hubieran preguntado: ¿te torturaron mucho?, les habría contestado: Sí, los tres meses sin parar. Si esa pregunta me la formulan hoy les puedo decir que pronto cumplo siete años de tortura. (Miguel D'Agostino in: Nunca Más). 144 (...) Para que se saiba até que ponto chegou o desprezo e o ódio aos direitos fundamentais do homem, à dignidade e ao valor da pessoa humana, o Brasil e o mundo inteiro devem tomar conhecimento deste diálogo entre um oficial do Exército e o advogado Claudiney Nacarato, de R. Preto, preso na OB e, ai, torturado: Oficial do Exército: "Qual a sua profissão?" Advogado: “advogado" Oficial do Exército: “Conhece a Declaração Universal dos Direitos do Homem?" Advogado: "Conheço, capitão." ” Oficial do Exército: "Então, esqueça-a enquanto aqui estiver. ( ... ) (Claudinei Nacarato in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 635) (...) De repente, como se o sol aparecesse no ocaso, o "Dr." falou com voz elevada, dirigindo-se a alguém: "Tragam-me o Piracaia". Eu pensei que "Piracaia" fosse o nome de algum novo torturador, e um frio me subiu pela espinha. Para surpresa minha, quando me levantaram o capuz, apareceu à minha frente, também com o capuz levantado, o Tenente PM José Ferreira de Almeida todo machucado, agonizante, pedindo-me, pelo amor de Deus, para que eu concordasse com eles, para que fizesse exatamente como queriam porque, senão, meu fim seria igual ao dele. Quando o Tenente José proferiu a expressão "...pelo amor de Deus...”, uma voz se fez ouvir: "Deus está de férias, vá tomar no ... ". Excelências, perdõem-me a indescrição de certos detalhes, que preferiria não fazer pronunciar diante desse Tribunal. (...). (Ezequiel Sanches in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 892). (...) Em mim, essas torturas tiveram ainda o papel de me desestruturar psicologicamente. Elas levaram-me até o ponto de ir à televisão fazer um pronunciamento (ileg.) contra a luta da qual eu participara. Eu fui à televisão, fiz um pronunciamento renegando minhas idéias, e fiz isto sob um estado completo de desestruturação (ileg.) por todas as torturas sofridas, por todas as ameaças e pelo medo que tinha de vir a ser morto. (...). (Manoel Henrique Ferreira in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 876). (...) Logo nos primeiros dias de prisão começou a sentir-se angustiada, com pânico e medo, acompanhado de cefaléia intensa fronto-lateral esquerda, constante e latejante. Ao mesmo tempo notou dificuldade de movimentação de todo o corpo. Apresentou a seguir estado confusional agudo, desorientação temporal, perda do senso de realidade e idéias de auto-extermínio. Tinha a impressão, durante a noite, de que o interrogatório a que foi submetida continuava sem cessar, não conseguia distinguir o real do imaginário, não sabendo precisar por quanto tempo permaneceu naquele estado. Informa ter sofrido agressões físicas como por exemplo: espancamento no abdômem e choques elétricos na cabeça. Refere que quando sofreu estas agressões colocaram-lhe uma fronha na cabeça, vedando-lhe a visão. Queixa-se ainda de diminuição da memória para fatos recentes. Relata que vem tendo há dias contrações no corpo todo, não sabendo quando iniciaram, mas que são de poucos dias para cá. Informa ainda que desde os 14 anos, quando sofreu uma crise convulsiva, vem fazendo uso de anticonvulsivos. Passou um período sem medicação por prescrição médica, mas que voltou a tomar, nos últimos dias, mas não sabe precisar há quantos dias. (relatório médico de Maria Regina Peixoto Pereira in: BNMa, Tomo V, Vol. 3, p. 134-135). 145 Muitos depoimentos apontam a existência de “tortura psicológica”, “tortura moral”, “tortura mental”, mas não definem esses termos. Temos uma aproximação a partir de descrições como “Irresistível coação física e psicológica” e “Falta de condições psicológicas”. Também citam “clima de terror constante” que deixava o “estado psicológico abalado”. Isso nos faz pensar que os depoentes estavam denominando o estado constante de subordinação, abandono e encontro com a morte que a situação de tortura implica. Como já dissemos, em si, essa experiência é torturante. Nesses relatos fica claro nosso argumento: não é possível separar tortura física e psicológica, essa separação implica em empobrecer o sofrimento na tentativa de compartimentá-lo. As implicações psicológicas e físicas estão presentes não somente nos momentos em que os detidos são torturados, mas em toda a detenção, inclusive na possibilidade de ser torturado a qualquer momento, o que implica estar à mercê do torturador constantemente. Nos relatos fica claro que, tão ruim quanto a dor da tortura é ficar submetido à vontade do torturador. É o medo da possibilidade de ser torturado que, juntamente com os outros dispositivos da situação da tortura, vai aterrorizando o sequestrado. En esa casa hay una pileta de natación vacía, donde los meten, les ponen reflectores de alto voltaje, luego la introducen en la casa donde la torturan. Era una casa que tenía un baño, dos habitaciones grandes. En la pileta quedan centenares de muertos, había muchos muertos en la pileta. Sintió un guardía que decía: "éstos ya son boletas, éstos quedan, pasalos a la pieza uno y a la dos". Se llamaban entre ellos con nombres de animales: "El Tigre", "El Puma", "El Vizcacha", "El Yarará". (Lidia Esther Biscarte in: Nunca Más). Esse poder sobre o torturado se mostra em muitos aspectos. O que consideramos fundamental é a ameaça. Em muitos relatos, torturados afirmam que a ameaça da tortura é tão torturante quanto ela mesma. Isso nos faz compreender a própria ameaça como tortura. Na pesquisa “Brasil: nunca mais”, os 1843 relatos afirmam ameaça de tortura. Em raros casos a tortura consistiu somente na ameaça. Isso se deu em alguns casos onde o interrogado assinou uma confissão fabricada sem ler, antes mesmo de ser ouvido. Mas isso não garantia não ser supliciado. De qualquer forma, consideraremos que a própria coação é, 146 em si, uma tortura, pois não permite ao supliciado o direito de escolha ou a liberdade na resposta. Entendemos que todos os dispositivos de tortura citados até agora tem como objetivo aterrorizar o detido e a sociedade. Em toda a literatura pesquisada, é muito comum que os autores e os entrevistados se refiram às ditaduras como produtoras de terror. Nesse sentido, referem-se aos complexos dispositivos que – negados ou não – espraiavam em toda sociedade o medo como método de controle da população. Para Heidegger (2009a, § 30), o medo é um modo de disposição que pode ser analisado a partir de três determinações ontológicas: o de que se tem medo, o ter medo e o pelo que se tem medo. O de que se teme tem o caráter do amedrontador, da ameaça, e portanto possui o modo conjuntural de ser prejudicial. Embora já seja conhecido – já que o amedrontador implica um conhecimento prévio – ele ainda não se apresentou, pois se configura como ameaça, ou seja, como poder aparecer, embora já anuncie aquilo que se pode encontrar. E é nesse aproximar-se como ameaça que o prejudicial pode chegar ou não. Isso significa: ao se aproximar na proximidade, o prejudicial traz consigo a possibilidade desvelada de ausentar-se e passar ao largo, o que não diminui nem resolve o medo, ao contrário, o constitui. (Heidegger, 2009a, § 30, p. 200). Nesse sentido, podemos pensar a produção do medo pelas ditaduras estudadas a partir dos dispositivos da tortura apresentados no presente capítulo. A ameaça manifestada tem como objetivo os chamados “subversivos”, mas ela se espalha latentemente por toda a sociedade a partir do momento em que fica claro que qualquer pessoa a qualquer momento e sem nenhuma justificativa pode ser enquadrada na categoria “subversiva”, por representar perigo à segurança nacional. Como já dito, no sequestro não eram anunciadas as queixas, o que impedia a compreensão da causa da detenção. A segunda perspectiva – o ter medo – se constitui como fundamental. Nesse aspecto, o eu está disposto com sua fragilidade, aqui ameaçada. No caso das ditaduras, embora os 147 governos negassem a violência do “porão”, ela tornou-se conhecida por toda a sociedade que se dividia, basicamente, em dois grupos: os que apoiavam e os que temiam. A terceira perspectiva – pelo que se teme – pode ser complementada a partir do princípio que se teme pela própria integridade. Mesmo aqueles que não estavam diretamente ameaçados pelas ditaduras, experimentavam duas formas fundamentais do temer. A primeira caracterizava-se pelo perigo indiscriminado, ou seja, na medida em que se conheciam pessoas que, mesmo não ligadas aos grupos de enfrentamento, eram sequestradas e desaparecidas, esclarece-se que o perigo é real e próximo, pois a repressão não discriminava seus inimigos, ampliando cada vez mais a noção de segurança interna. Num segundo momento, aquele que não estava diretamente ligado a luta mas conhecia alguém que estivesse, teme pelo outro. Nesse caso, na maioria das vezes ter medo em lugar do outro ocorre quando “ele não tem medo e audaciosamente enfrenta o que ameaça” (Heidegger, 2009a, § 30, p. 201). Neste caso, “ter medo no lugar de” é um se sentir amedrontado. E Heidegger salienta que esse modo existencial do medo não é um medo atenuado, não perdendo, portanto, sua autenticidade específica, pois o medo de perder alguém se coloca na medida em que esse alguém faz parte do meu existir. Heidegger (2009a) ainda esclarece que os momentos constitutivos do fenômeno do medo podem variar, fazendo surgir diferentes possibilidades de ser do ter medo. Quando a ameaça, que como já dissemos tem o caráter do que se aproxima, subitamente é encontrada, o medo se transforma em pavor. Mas se o que ameaça possui um caráter totalmente não familiar, o medo transforma-se em horror. E quando o que ameaça vem ao encontro com o caráter de horror, ao mesmo tempo em que com o caráter de pavor – o súbito – o medo torna-se terror. A literatura sobre os regimes totalitários apresenta o terror como algo fundamental. Assim entendemos que a possibilidade de sequestro e tortura era vivida pelos opositores dos regimes como uma ameaça súbita de caráter não familiar. Para quem passa pela situação de tortura, essa experiência se apresenta com caráter de absurdo, sendo muito difícil sua compreenção, integração e elaboração. 148 6 “TORTURA PSICOLÓGICA?” (...) Torna-se desnecessário eu descrever aqui o que passei no DOI-CODI. Dezenas de pessoas já o fizeram e muitas ainda o farão. Escuta-se gritos de pavor, durante 24 horas por dia, choros desesperados, de homens e mulheres. Vi velhos de 70 anos serem brutalmente espancados. Pais e filhos, esposas e esposos e irmãos serem torturados uns na frente dos outros, serem obrigados a torturaremse uns aos outros. Alguns comparam aquele órgão ao inferno. Eu diria que essa palavra não consegue exprimir todo o horror que sentem aqueles que tiveram a infelicidade de entrar como prisioneiros naquela casa. (...). (Ednaldo Alves Silva in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p.790). 149 Já sabemos que os regimes terroristas costumam justificar a utilização do dispositivo da tortura como defesa da segurança interna (Naffah Neto, 1983, p. 14). Na verdade, esse dispositivo tem outros objetivos bem mais perversos, como já discutimos. (...) uma das armas fundamentais da repressão é a disseminação do preconceito: os inimigos potenciais do regime são postos como inimigos da Nação, agentes internacionais, pessoas a quem é preciso destruir para que a paz no país possa ser restaurada. Aí o discurso ideológico pode, por vezes, ter seu efeito doutrinário aumentado, em função da situação caótica instaurada; de qualquer forma, é uma palavra aparentemente capaz de ordenar e explicar a situação, especialmente para populações pouco politizadas. Na medida em que controla os meios de comunicação de massa, o poder instituído pode lançar mão de todos os tipos de propaganda, de técnicas de persuasão e de doutrinação para a formação ideológica das grandes massas. (Naffah Neto, 1983, p. 14) Um de seus fundamentos é a disseminação do preconceito, pois a violência – compreendida como qualquer situação onde ocorra a redução do homem a objeto (Chauí, 1994) – se apóia no preconceito para se justificar e atuar. Dessa forma, como já dissemos, reduzir a complexidade duma situação política limite onde pensamentos discordantes e opostos tomam a cena social a um fenômeno de criminalização de um dos pensamentos discordantes é um mecanismo preconceituoso de fomentação e sustentação da própria violência. Segundo Kordon (1994), a repressão ditatorial buscou um consenso social a partir de campanhas de ação psicológica, que ampliavam a situação de terror. A principal campanha, segundo a autora, era destinada a promover o silêncio. Assim, a partir do terror, não se podia falar sobre o que estava ocorrendo. Outra campanha se dedicava a culpabilizar as vítimas da repressão em conjunto com a sociedade, a que ela denomina como campanha de indução psicológica. Nessa campanha, a partir dos meios de comunicação em massa, tentava-se induzir as famílias e os sequestrados à ideia de que estavam em contraposição aos valores sociais – no caso, valores implantados pelas ditaduras. Nesse pacto perverso, cria-se a ideia de que aquele grupo não pertence aos valores sociais vigentes, portanto, não reconhecendo determinado grupo como pertencente aos valores daquela cultura. Dessa 150 forma, as ditaduras pretendem acordar com a sociedade diferentes padrões culturais de modo a sustentar um novo contrato coletivo que possibilite a mudança dos valores de determinada sociedade (Kordon, 1994, p. 79). Cabe reafirmar que as implicações da repressão não devem ser estudadas dentro da categoria de enfermidade. Segundo Kordon e Edelman (1994), elas devem ser consideradas como efeitos de uma situação de emergência social. (...) Não há uma patologia específica da tortura, uma sintomatologia unívoca que permita fazer um diagnóstico claro e propor um tratamento efetivo (...). Quanto às seqüelas psicológicas, dificilmente enquadráveis na semiologia clássica, são provocadas tanto pela situação mesma da tortura (métodos diversos, seqüências e períodos variáveis, associadas a outras circunstâncias traumáticas – tortura de outro membro da família, violação, simulacros de fuzilamento, desaparecimento, exílio, etc.), pelos traumatismos físicos e as suas seqüelas fisiológicas como pelo refinamento das próprias torturas psicológicas utilizadas (“os vamos enlouquecer...” dizia um torturador argentino) e a significação social e política que fora dada a esses gravíssimos fatos (a impunidade judicial dos torturadores, a cumplicidade governamental e institucional, o silêncio da mídia, o esquecimento, a rejeição, etc.). (Martín, 2005, p. 436-437). Muitos relatos afirmam que os torturados falavam “coisas desconexas” quando saíam das torturas. Una noche se entretuvieron con un chico de Las Palmas (Chaco) y yo. Los soldados se entretenían escuchando la radio, jugaban Patria, el crédito local y Rosario Central. Durante todo el partido al chico le aplicaron el casco, a partir de ese momento quedó loco como dos semanas. Después me volvió a tocar a mí. Durante los interrogatorios siempre había alguien que con una maderita le destrozaba a uno los nudillos de las manos o de los pies. (…) Un día conocí por fin cual había sido la lógica de mi infortunio, si puede hablarse de lógica en estos casos. Mientras que los presos políticos estaban en recreo, desde el calabozo de enfrente, alguien me relató que había "cantado" Mirta Infran. Habían apresado a ella y su marido. Primero lo torturaron hasta destrozarlo al marido. Luego lo eliminaron. Entonces comenzaron con ella. En determinado momento se extravió, pretendió salvarse o tropezó con los umbrales de la demencia y comenzó a "cantar" cosas inverosímiles. Mandó en prisión, fácilmente a más de 50 personas y dijo que yo había planeado el copamiento del Regimiento, que militaba en la organización "Montoneros" y que ellos me habían ofrecido apoyo logístico. (Antonio Horacio Miño Retamozo in: Nunca Más) Bermann (1994) considera que a tortura se dá em três etapas: a primeira, a mais denunciada e conhecida, objetiva o aniquilamento do indivíduo, a destruição de seus valores 151 e convicções. A segunda consiste numa experiência limite de desorganização da relação do sujeito consigo mesmo e com o mundo: é o que Viñar denomina “demolição” (Viñar, 1992). Entendemos que os relatos acima tornam visivel o aspecto bastante concreto da “demolição”. A terceira consiste na resolução dessa experiência limite, com o fim da crise se produz uma reorganização a partir de uma conduta substitutiva. A fim de finalizar nossa proposta de compreensão ao sofrimento na situação de tortura, selecionamos dois relatos – um brasileiro e um argentino – que serão apresentados na íntegra. Essa escolha se justifica na medida em que os desdobramentos desses relatos vão nos indicar outras possibilidades de discussão dessa experiência-sofrimento. RELATO BRASILEIRO (...) foi agarrado por vários indivíduos que não se identificaram e não apresentaram mandado judicial que o encapuçaram, que o algemaram, quando tem o direito de não ser algemado, por ter diploma superior: que foi conduzido às dependências do DOI/CODI-I, onde foi torturado nu, após tomar um banho pendurado no pau-de-arara, onde recebeu choques elétricos através de um magneto, em seus órgãos genitais e por todo o corpo e teve introduzido em suas narinas, na boca, uma mangueira de água corrente, a qual era obrigado aspirar cada vez que recebia uma descarga de choques elétricos; que, na técnica de torturas conhecida como afogamento, que, depois de retirado do pau-de-arara, foilhe amarrado um dos terminais do magneto num dedo de seu pé e no seu pênis, onde recebeu descargas sucessivas a ponto de cair no chão e tal era o seu descontrole fisiológico que defecou e urinou no chão; que, foi obrigado a comer suas fezes e a beber sua urina; que, foi pisoteado, socado, até sangrar violentamente pela boca, pelo nariz; que, durante 4 horas, sofreu todas essas torturas; que recebeu ameaças de que iria ser assassinado e jogado o seu corpo (ileg.) da baixada fluminense; que, após essas ameaças, encapuçado, algemado nos pés e nas mãos amarrados entre si, foi introduzido em um carro e transportado para local ignorado; que, a viagem durou 5 horas, tendo se chegado nas dependências do CODI/DOI-II, em S. Paulo; que, ali chegando, ouviu as palavras de que iria saber os corredores, os porões da (ileg.) que, foi imediatamente recebido e por volta da meia noite do (ileg.); que ratificando, por volta das 3 horas da manhã, do dia 6 de setembro, sentou-se numa cadeira conhecida como a cadeira do dragão, que é uma cadeira de madeira extremamente pesada, cujo assento é de zinco e que na parte posterior tem uma proeminência para ser introduzido um dos terminais da máquina de choque chamado magneto; que, passou dois dias nesta 152 sala de torturas sem comer, sem beber, recebendo sal em seus olhos, boca e em todo o seu corpo de modo que aumentasse a condutividade de seu corpo; que o terminal da máquina era ligado sucessivamente nos seus pés e no seu pênis; que ,em seu pênis e na folha de zinco da cadeira, entre as suas mãos estavam amarrados no braço da cadeira, nas suas narinas, na sua boca (ileg.) e, principalmente, em seus tímpanos; que o terminal dessa máquina era em forma de cápsulas de balas para facilitar a introdução nos orifícios do seu corpo; que, além disso, a cadeira apresentava uma mesa de madeira que empurrava as suas pernas para trás, de modo que cada (ileg.) de descarga, as suas pernas batessem na travessa citada, provocando ferimentos profundos, cujas marcas têm até agora, decorridos (ileg.) e 5 dias; que mostrará a este nobre tribunal tais marcas; que (ileg.) suas mãos foram machucadas, queimadas pelos choques elétricos e ainda apresentam marcas evidentes, inclusive, em seus braços; que ficou praticamente louco com os três dias de choques; que só levantava da cadeira do dragão para ter o seu tórax socado violentamente de modo a que perdesse o controle de toda sua musculatura e pudesse, assim, entrar na freqüência das máquinas de choques e, com isso, aumentar o perigo de paradas cardíacas, que teve várias; que, após três dias de violentas torturas passou, praticamente, 15 dias numa solitária infecta, exalando odores de esgoto e só saia carregado porque não podia andar, para as sessões de torturas que se desenvolveram por todo esse período; que foi, por duas vezes, nesse período, pendurado no pau-de-arara e lá teve parada cardíaca e respiratória e, inclusive, tendo sido diagnosticado pelo enfermeiro que fazia o acompanhamento dos torturados, como sentindo a doença de aerofagia, ou seja, bloqueio das vias respiratórias por conta de choques elétricos; que, a sua pressão chegou a 18 a 20 por 14, tendo sido lhe ministrado maciças doses de cepasol de 25 miligramas e relaxantes musculares de modo que seu corpo voltasse a ser sensível às dores das pancadas que foi submetido, pois a partir de certo instante tornou-se insensível a qualquer dor; que, depois desse período em que sua família era ameaçada de morte, de ser presa, torturada e o interrogtando mesmo de ser jogado de precipícios da via Anchieta, passou a ser torturado conjuntamente com Gildásio Westin Cosenza, sentados os dois, um ao lado do outro, amarrados pelos braços onde os terminais das máquinas eram ligados em cada um dos pênis dos citados acusados; que depois assistiu Gildásio ser torturado no pau-de-arara, enquanto o interrogando era torturado na cadeira do dragão; que chegaram ao ponto de nos obrigar a torturar um ao outro com as mesmas máquinas de modo a nos brutalizar, a tornar-nos animais, para conseguirem seus intentos; que teve suas unhas varadas por estiletes de bambus por mais de duas vezes, lentamente; que teve a palma de suas mãos inchadas por pancadas de palmatórias, o mesmo acontecendo com as solas dos seus pés de modo que não pudesse andar e era carregado pelos carcereiros para as diversas salas de torturas; que, depois, foi obrigado a assinar vários depoimentos, que foram peças de depoimentos apresentados como declarações de próprio punho; que os instrumentos de tortura a que foi submetido eram os seguintes: 1) havia uma máquina chamada “pimentinha”, na linguagem dos torturadores, a qual constituía de uma caixa de madeira; que no seu interior tinha um ímã permanente, no campo do qual girava um rotor combinado, de cujos terminais uma escova recolhia corrente elétrica que era conduzida através de fios que iam dar nos terminais que já descreveu; que essa máquina dava uma voltagem em torno de 100 volts e de grande corrente, ou seja, em torno de 10 amperes; que detalha essa máquina porque sabe que ela é a base do princípio fundamental: do princípio de geração de eletricidade; que essa máquina era extremamente perigosa porque a corrente elétrica aumentava em função da velocidade em que se imprimia ao rotor através de uma manivela; que, em seguida, essa máquina era aplicada com uma velocidade muito rápida e uma parada repentina e com um giro no sentido contrário, criando assim uma força contra eletromotriz que elevava a voltagem dos terminais em seu dobro de voltagem inicial da máquina; que, aliava-se assim uma tensão muito alta ou uma corrente muito alta; que ela era acionada com uma determinada freqüência, levando o seu corpo e o seu coração a entrarem na freqüência da máquina provocando o que se chama freqüência de ressonância ou sincronismo; que pode, inclusive, levar pontas de concreto armado à destruição a esses 153 terminais dessa máquina que eram aplicados nos dois lados do coração levavam-no sucessivamente à paradas cardíacas; que, existiam duas outras máquinas que são conhecidas, na linguagem técnica de eletrônica como: dobradores de tensão, ou seja, a partir da alimentação de um circuito (ileg.) por simples pilhas de rádio se pode conseguir voltagem de 500 ou 1.000 volts, mas, com correntes elétricas pequenas, como (ileg.) nos cinescópios de televisão, nas bobinas de carro; que essas máquinas possuiam três botões que correspondiam a três seções, fraca, média e forte, que eram acionadas individual ou em grupo o que nesta dada hipótese somavam as voltagens das três sessões; (ileg.) todas essas máquinas eram ligadas ao seu corpo ao mesmo tempo; que provocavam uma composição elétrica extremamente danosa para o seu organismo porque paralisava os seus músculos, a sua respiração e provocava queimaduras onde os terminais eram aplicados; que, em conseqüência disso a língua se partiu completamente e está toda marcada até hoje porque seus maxilares trepidavam violentamente esmagando-a; que, passou por mais de 10 dias praticamente sem comer; que, o pau-de-arara era uma estrutura metálica, desmontável guardada embaixo da escada que vai para a sala de interrogatórios no 1º. andar; que era constituído de dois ângulos de tubo galvanizado em que um dos vértices possuía duas meias luas em que eram apoiados e que por sua vez era introduzida de baixo de seus joelhos e entre as suas mãos que eram amarradas e levadas até os joelhos; que foi torturado psicologicamente por todo o tempo, inclusive, sendo acompanhado a todo instante por elementos que analisavam as suas reações às ameaças, às próprias torturas, ao interrogatório que se pretendia a qualquer hora do dia ou da noite, para então escolherem as melhores técnicas de abaterem ou aniquilarem física e psicologicamente; que passou dias sem comer e quando passou a comer tinha a sua ração diminuída ao máximo e sabia que logo em seguida seria torturado porque eles usavam a técnica de os torturar com o estômago vazio para·que não vomitasse, não defecasse e nem tivesse problemas de congestão; que os enfermeiros desempenhavam um papel de saberem até que ponto o interrogando resistiria às torturas e em segundo lugar de colocá-lo em condições de ser novamente torturado repetindo assim essa situação por várias vezes; que, depois, cuidavam do interrogando para eliminar as marcas que o seu corpo acusava; que, pior do que isso tudo, foi passar dias inteiros, por vários dias, vendo e ouvindo várias pessoas serem torturadas, crucificadas, penduradas nos registros das celas, espancadas nos corredores, gritando uma agonia indescritível; que viu pais e filhos sendo torturados, esposas e esposos serem também torturados e um sendo obrigado a torturar o outro; que viu velhos de quase 70 anos serem praticamente espancados e chegarem a ponto de debilitamento total; que, essas coisas que diz agora são uma síntese do que viveu; que, podem ser comprovadas pela carta que sua mãe, seu irmão, sua irmã, escreveram ao Dr. José Carlos Dias, no dia 9 de outubro, quando eles o visitaram por 15 minutos no DOI/CODI-II, carta esta que está anexada em seu processo; que foi para o DOPS no dia 14 de outubro e o seu peso era de menos quase 20 quilos pelos maus tratos que sofreu a ponto de que, quando no DOPS entrou, não vestia nenhum macacão, porque os que tinham lá não cabiam no seu corpo e, quando saiu de lá já estava usando folgadamente um macacão; que esse macacão não apresentava cintos; (...) que no DOPS não foi torturado, mas sobre aí, pesavam as ameaças de voltar ao DOI, inclusive, tendo lhe sido dito que existia um ofício pedindo o seu retorno (...) ficou mais de 45 dias sem assistência jurídica; (...) (ileg.) (...). (...) que, embora no Brasil haja uma legislação que lhe permite ser preso com mandado de autoridade judicial competente, a sua prisão revestiu-se de um verdadeiro seqüestro, já que após um jogo de futebol de salão com os seus colegas da fábrica de projéteis do Andaraí foi agarrado por vários indivíduos que não se identificaram e não apresentaram mandado judicial, (...). (José Mílton Ferreira de Almeida in: BNMa, Tomo V, Vol. 2, p. 598-610). 154 RELATO ARGENTINO Cuando, llevado por las extremidades, porque no podía desplazarme por las heridas en las piernas, atravesaba la puerta de entrada del edificio, alcancé a apreciar una luz roja intermitente que venía de la calle. Por las voces y órdenes y los ruidos de las puertas del coche, en medio de los gritos de reclamo de mis vecinos, podría afirmar que se trataba de un coche patrullero. Luego de unos minutos, y a posteriori de una discusión acalorada, el patrullero se retiró. Entonces me llevaron a la fuerza y me tiraron en el piso de un auto, posiblemente un Ford Falcon, y comenzó el viaje. Me bajaron del coche en la misma forma en que me habían subido, entre cuatro y, caminando un corto trecho (4 ó 5 metros) por un espacio que, por el ruido, era un patio de pedregullo, me arrojaron sobre una mesa. Me ataron de pies y manos a los cuatro ángulos. Ya atado, la primera vez que oí fue la de alguien que dijo ser médico y me informó de la gravedad de las hemorragias en las piernas y que, por eso, no intentara ninguna resistencia. Luego se presentó otra voz. Dijo ser EL CORONEL. Manifestó que ellos sabían que mi actividad no se vinculaba con el terrorismo o la guerrilla, pero que me iban a torturar por opositor. Porque: «no había entendido que en el país no existía espacio político para oponerse al gobierno del Proceso de Reorganización Nacional». Luego agregó: «¡Lo vas a pagar caro... !¡ Se acabaron los padrecitos de los pobres!» Todo fue vertiginoso. Desde que me bajaron del coche hasta que comenzó la primera sesión de «picana» pasó menos tiempo que el que estoy tardando en contarlo. Durante días fui sometido a la picana eléctrica aplicada en encías, tetillas, genital, abdomen y oídos. Conseguí sin proponérmelo, hacerlos enojar, porque, no sé por qué causa, con la «picana», aunque me hacían gritar, saltar y estremecerme, no consiguieron que me desmayara. Comenzaron entonces un apaleamiento sistemático y rítmico con varillas de madera en la espalda, los glúteos, las pantorrillas y las plantas de los pies. Al principio el dolor era intenso. Después se hacía insoportable. Por fin se perdía la sensación corporal y se insensibilizaba totalmente la zona apaleada. El dolor, incontenible, reaparecía al rato de cesar con el castigo. Y se acrecentaba al arrancarme la camisa que se había pegado a las llagas, para llevarme a una nueva «sesión». Esto continuaron haciéndolo por varios días, alternándolo con sesiones de picana. Algunas veces fue simultáneo. Esta combinación puede ser mortal porque, mientras la «picana» produce contracciones musculares, el apaleamiento provoca relajación (para defenderse del golpe) del músculo. Y el corazón no siempre resiste el tratamiento. En los intervalos entre sesiones de tortura me dejaban colgado por los brazos de ganchos fijos en la pared del calabozo en que me tiraban. Algunas veces me arrojaron sobre la mesa de tortura y me estiraron atando pies y manos a algún instrumento que no puedo describir porque no lo vi pero que me producía la sensación de que me iban a arrancar cualquier parte del cuerpo. En algún momento estando boca abajo en la mesa de tortura, sosteniéndome la cabeza fijamente, me sacaron la venda de los ojos y me 155 mostraron un trapo manchado de sangre. Me preguntaron si lo reconocía y, sin esperar mucho la respuesta, que no tenía porque era irreconocible (además de tener muy afectada la vista) me dijeron que era una bombacha de mi mujer. Y nada más. Como para que sufriera... Me volvieron a vendar y siguieron apaleándome. A los diez días del ingreso a ese «chupadero» llevaron a mi mujer, Hilda Nora Ereñú, donde yo estaba tirado. La vi muy mal. Su estado físico era deplorable. Sólo nos dejaron dos o tres minutos juntos. En presencia de un torturador. Cuando se la llevaron pensé (después supe que ambos pensamos) que esa era la última vez que nos veíamos. Que era el fin para ambos. A pesar de que me informaron que había sido liberada junto con otras personas, sólo volví a saber de ella cuando, legalizado en la Comisaría de Gregorio de Laferrère, se presentó en la primera visita junto a mis hijas. También me quemaron, en dos o tres oportunidades, con algún instrumento metálico. Tampoco lo vi, pero la sensación era de que me apoyaban algo duro. No un cigarrillo que se aplasta, sino algo parecido a un clavo calentado al rojo. Un día me tiraron boca abajo sobre la mesa, me ataron (como siempre) y con toda paciencia comenzaron a despellejarme las plantas de los pies. Supongo, no lo vi porque estaba «tabicado», que lo hacían con una hojita de afeitar o un bisturí. A veces sentía que rasgaban como si tiraran de la piel (desde el borde de la llaga) con .una pinza. Esa vez me desmayé. Y de ahí en más fue muy extraño porque el desmayo se convirtió en algo que me ocurría con pasmosa facilidad. Incluso la vez que, mostrándome otros trapos ensangrentados, me dijeron que eran las bombachitas de mis hijas. Y me preguntaron si quería que las torturaran conmigo o separado. Desde entonces empecé a sentir que convivía con la muerte. Cuando no estaba en sesión de tortura alucinaba con ella. A veces despierto y otras en sueños. Cuando me venían a buscar para una nueva «sesión» lo hacían gritando y entraban a la celda pateando la puerta y golpeando lo que encontraran. Violentamente. Por eso, antes de que se acercaran a mí, ya sabía que me tocaba. Por eso, también, vivía pendiente del momento en que se iban a acercar para buscarme. De todo ese tiempo, el recuerdo más vivido, más aterrorizante, era ese de estar conviviendo con la muerte. Sentía que no podía pensar. Buscaba, desesperadamente, un pensamiento para poder darme cuenta de que estaba vivo. De que no estaba loco. Y, al mismo tiempo, deseaba con todas mis fuerzas que me mataran cuanto antes. La lucha en mi cerebro era constante. Por un lado: «recobrar la lucidez y que no me desestructuraran las ideas», y por el otro: «Qué acabaran conmigo de una vez» La sensación era la de que giraba hacia el vacío en un gran cilindro viscoso por el cual me deslizaba sin poder aferrarme a nada. Y que un pensamiento, uno solo, sería algo sólido que me permitiría afirmarme y detener la caída hacia la nada. El recuerdo de todo este tiempo es tan concreto y a la vez tan íntimo que lo siento como si fuera una víscera que existe realmente. En medio de todo este terror, no sé bien cuando, un día me llevaron al «quirófano» y, nuevamente, como siempre, después de atarme, empezaron a retorcerme los testículos. No sé si era manualmente o por medio de algún aparato. Nunca sentí un dolor semejante. Era como si me desgarraran todo desde la garganta y el cerebro hacia abajo. Como si garganta, cerebro, estómago y testículos estuvieran unidos por un hilo de nylon y tiraran de él al mismo tiempo que aplastaban todo. El deseo era que consiguieran arrancármelo todo y quedar definitivamente vacío. Y me desmayaba. 156 Y sin saber cuándo ni cómo, recuperaba el conocimiento y ya me estaban arrancando de nuevo. Y nuevamente me estaba desmayando. Para esta época, desde los 15 ó 18 días a partir de mi secuestro, sufría una insuficiencia renal con retención de orina. Tres meses y medio después, preso en el Penal de Villa-Devoto, los médicos de la Cruz Roja Internacional diagnostican una insuficiencia renal aguda grave de origen traumático, que podríamos rastrear en las palizas. Aproximadamente 25 días después de mí secuestro, por primera vez, después del más absoluto aislamiento, me arrojan en un calabozo en que se encuentra otra persona. Se trataba de un amigo mío, compañero de trabajo en el Dispensario del Complejo Habitacional: el Dr. Francisco García Fernandez. Yo estaba muy estropeado. El me hizo las primeras y precarísimas curaciones, porque yo, en todo este tiempo, no tenía ni noción ni capacidad para procurarme ningún tipo de cuidado ni limpieza. Recién unos días después, corriéndome el «tabique» de los ojos, pude apreciar el daño que me habían causado. Antes me había sido imposible, no porque no intentara «destabicarme» y mirar, sino porque, hasta entonces, tenía la vista muy deteriorada. Entonces pude apreciarme los testículos... Recordé que, cuando estudiaba medicina, en el libro de texto, el famosísimo Housay, había una fotografía en la cual un hombre, por el enorme tamaño que habían adquirido sus testículos, los llevaba cargados en una carretilla. El tamaño de los míos era similar a aquel y su color de un azul negruzco intenso. Otro día me llevaron y, a pesar del tamaño de los testículos, me acostaron una vez más boca abajo. Me ataron y, sin apuro, desgarrando conscientemente, me violaron introduciéndome en el ano un objeto metálico. Después me aplicaron electricidad por medio de ese objeto, introducido como estaba. No sé describir la sensación de cómo se me quemaba todo por dentro. La inmersión en la tortura cedió. Aisladamente, dos o tres veces por semana, me daban alguna paliza. Pero ya no con instrumentos sino, generalmente, puñetazos y patadas. Con este nuevo régimen, comparativamente terapéutico, empecé a recuperarme físicamente. Había perdido más de 25 kilos de peso y padecía la insuficiencia renal ya mencionada. Dos meses antes del secuestro, es decir, por febrero de ese año, padecí un rebrote de una antigua simonelosis (fiebre tifoidea). Entre el 20 y 25 de mayo, es decir unos 45 ó 60 días después del secuestro, tuve una recidiva de la salmonelosis asociada a mi quebrantamiento físico. El trato habitual de los torturadores y guardias con nosotros era el de considerarnos menos que siervos. Eramos como cosas. Además cosas inútiles. Y molestas. Sus expresiones: «vos sos bosta». Desde que te «chupamos» no sos nada. «Además ya nadie se acuerda de vos». «No existís». «Si alguien te buscara (que no te busca) ¿vos crees que te iban a buscar aquí?«»Nosotros somos todo para vos». «La justicia somos nosotros». «Somos Dios». Esto dicho machaconamente. Por todos. Todo el tiempo, muchas veces acompañado de un manotazo, zancadilla, trompada o patada. O mojarnos la celda, el colchón y la ropa a las 2 de la madrugada. Era invierno. Sin embargo, con el correr de las semanas, había comenzado a identificar voces, nombres (entre ellos: Tiburón, Víbora, Rubio, Panza, Luz, Tete). También movimientos que me fueron afirmando (conjuntamente con la presunción previa por la ruta que podría asegurar que recorrimos) en la opinión de que el sitio de detención tenía las características de una dependencia policial. Sumando los datos (a los que podemos agregar la vecindad de una comisaría, una escuela-se oían cantos de niñas-también vecina, la proximidad-campanas-de una iglesia) se puede inferir que se trató de la Brigada de Investigaciones de San Justo. 157 Entre las personas con las que compartí el cautiverio, lo sé porque oí sus voces y me dijeron sus nombres, aunque en calabozos separados estaban: Aureliano Araujo, Olga Araujo, Abel de León, Amalía Marrone, Atilio Barberan, Jorge Heuman, Raúl Petruch, Norma Erenú. El 1° de junio, día de comienzo del Mundial de fútbol, junto con otros seis cautivos detenidos-desaparecidos, fui trasladado en un vehículo tipo camioneta (apilados como bolsas unos arriba de otros) con los ojos vendados a lo que resultó ser la Comisaría de Gregorio de Lafèrrere. Actuó en el traslado uno de los más activos torturadores. También puedo afirmar que fue el que me disparó cuando me secuestraron. El trayecto y tiempo empleado corrobora la hipótesis anterior con respecto al Centro Clandestino. Un dato previo, de suma importancia, después, es el de mi participación profesional a partir de 1971, en la Escuela Piloto de Integración Social de Niños Discapacitados, que había sido creada en 1963. Funcionaba en Hurlingham, partido de Morón. Después de permanecer dos meses en un calabozo de esa Comisaría (una noche me hicieron firmar un papel-con los ojos vendados-que después utilizaron como primera declaración ante el Consejo de Guerra Estable 1/1) el 18 de agosto me llevaron al Regimiento de Palermo, donde el Juez de Instrucción me hace conocer los cargos. Entre ellos figuraba el mencionado anteriormente de mi participación en la Escuela Piloto de Hurlingham. Allí denuncié todas las violaciones, incluyendo las torturas, el saqueo de mi hogar y la firma del escrito bajo apremio y sin conocerlo. (Norberto Liwsky in: Nunca Más). Estes dois relatos foram selecionados entre todos os lidos, por entendermos que trazem características fundamentais para compreendermos a “experiência-sofrimento” nas situações de tortura. Para o ser humano, nada fica fora de um contexto de entendimento. Se não conseguimos compreender determinado contexto, criamos um, de modo a circunscrever as experiências a partir de um contexto de remetimentos. Nossa tonalidade afetiva é colada na compreensão e a situação de tortura não é possível de ser compreendida, pois nela a vítima encontra-se reduzida ao inumano. Isso denuncia que, mais uma vez, na tortura a vítima está restrita ao modo afetivo da angústia. A tortura mostra, de forma radical, o que é estar exposto e abandonado diante do outro. (Pompéia, 2002, p. 37). 158 Como muitos torturados por ambos Estados, Norberto Liwsky e José Mílton não receberam nenhuma acusação além de discordar do regime. Foram utilizados, provavelmente, pelo dispositivo do terror como exemplo, o que consistia num fundamento para silenciar a sociedade, tanto no Brasil quanto na Argentina. Aqui, entendemos que o dispositivo da tortura objetiva o aumento do poder do torturador (Foucault, 1987) em detrimento do torturado (Arendt, 2009a). O poder do torturador, apesar de ilegal, torna-se fortalecido sob a lógica da exceção (Agamben, 2004). Isso faz com que o sentimento de injustiça do torturado fique ainda mais exacerbado. Percebemos que, apesar da dor física indescritível, o marco da trajetória de sofrimento foi a percepção de conviver com a morte. Encontramos esse marco assinalado em muitos outros relatos. (…) la dignidad humana ha sido avasallada por la indignidad humana, mediante una máquina de masacre, metódica y científicamente calculada, y no simplemente por la barbarie irracional. (Viñar, 1994, p. 70) Nesses relatos percebemos também o quanto a experiência da tortura não é ressignificada. De todas as experiências humanas, mesmo as mais dolorosas, essa é a única marcada pela ausência de possibilidade de ressignificação. Relembrar é sempre reviver, o que nos leva a revisitar as experiências vividas ampliando seus significados em nossas vidas. Não aqui. A tortura não pode ser ressignificada porque marca o torturado de forma imodificável, é uma situação que não suporta adjetivos, que não se traduz na linguagem. Só pode ser efetivamente compartilhada, assim, com quem também foi submetido a ela. Teoricamente, só podemos nos aproximar, mas nunca compreender de fato o que ela representa, ela é um conviver com a morte tão próximo como em nenhuma outra experiência humana. El dolor del campo y de la tortura engendran un indecible de horror que desemboca linealmente en algo socialmente irrecibible porque convoca y actualiza el espanto. (…) Es allí, en la recepción humana de los congéneres (familia, amigos, terapeutas) que se juega una disyuntiva; o el testigo es capaz de acoger, compartir y sufrir la experiencia; o ésta es proyectada en la designación de una patología alienante y segregadora. (Viñar, 1994, p. 75). 159 É o encontro com esse “torturador-Deus” auto-proclamado que traz a singularidade da tortura como uma condição de absoluta resignação ao nada. A frase do torturador “Você é nada” resume com exatidão a condição humana na situação de tortura. O torturado se torna extensão do seu próprio inimigo na medida em que, ao continuar a existir, possibilita a tortura. Segundo Bermann (1994), mesmo existindo vários depoimentos e descrições das situações de tortura, é muito difícil estudar esse tema. Em primeiro lugar, pelo que ela chama de “vivência contratransferencial evidente e consciente”, ou seja, o tema nos toca diretamente, levando a um envolvimento consciente por parte do pesquisador. Esse se imagina na situação do torturado invariavelmente, o que desperta questões relativas aos próprios posicionamentos políticos do mesmo. Essa situação, pela sua crueza, também desperta a sensação da pesquisa estar sempre aquém da dramaticidade do tema. Além disso, em segundo lugar, temos outro fator de dificuldade nesse tipo de pesquisa. Quem conta sua experiência de torturado o faz de uma maneira que Bermann (1994) chama de “despersonalizada”, ou seja, automaticamente, de modo a cumprir com uma tarefa política de denúncia. Isso faz com que os relatos sejam marcados por detalhes técnicos e linguagem objetiva: os torturados descrevem o que lhes fizeram e como. Especialmente o relato de José Mílton nos chama a atenção por isso. E quem escuta luta contra o horror do que o outro omite, como se ambos tentassem reprimir suas sensações e sentimentos. Es que se trata de una realidad que sobrepasa nuestra imaginación y capacidad de empatía: horror sin límites, al que el torturado escapa haciendo uso de lo racional político para no revivir situaciones traumáticas en alto grado. Necesita reprimir el recuerdo de su dolor, su impotencia, pánico o desesperación, o vestirlos en una situación íntima, caso terapéutica, aunque está no sea formal o escape al encuadre clásico de una tarea profesional. Sin embargo, quien puede sobrevivir y resistir a ese infierno, sin delatar ni quebrarse, lleva también un justo orgullo, por haber sido capaz de resistir en base a sus convicciones humanas y políticas (Bermann, 1994, p. 16). O modo como os relatos são apresentados – especialmente o de José Mílton – torna visivel esse aspecto levantado por Bermann. José Mílton tenta intensamente descrever um 160 dos aparatos de tortura tecnicamente, como se a descrição técnica pormenorizada fosse nos aproximar do horror da situação de tortura. Mesmo numa leitura técnica, percebemos que a descrição de José Mílton não se justificaria. Como engenheiro, ele poderia ter explicado o funcionamento dos aparelhos de tortura de uma forma mais sintética. Isso nos faz pensar que, de fato, seu relato não objetiva uma explicação técnica, e sim a compreensão do absurdo dessa situação. Na leitura dos relatos ficou evidente a presença duma tentativa constante dos torturados em apreenderem o tempo e o espaço. Em muitos relatos os torturados tentam marcar o tempo com uma exatidão impressionante, que surpreende até quem utiliza relógio regularmente. Parece que essa tentativa se dá na medida em que reter a referência do tempo torna-se, aqui, uma resistência ao sofrimento. Como se assim pudessem se agarrar a algo que a tortura insiste em arrancar. Entendemos que essa necessidade se mostra como se essa apreensão pudesse significar uma possibilidade de saída do absurdo da situação, uma tentativa de buscar referências lógicas que determinam a experiência-sofrimento como localizadas num tempo e num espaço e, portanto, finitas. Assim, concluímos que a necessidade apresentada nos relatos de situar os presos no tempo e no espaço implica, na verdade, na necessidade em situar a possibilidade de finitude de experiência de absurdo que consiste a tortura. A temporalidade na situação de tortura possui um modo específico. Na situação de tortura, o que se quer acessar é o que o torturado retém de seu passado. Dessa forma, fica despotencializado de seu tempo na medida em que é obrigado a não mais ter propriedade na retenção da história. O presente é vivido como ameaçador e aniquilador da existência, a morte torna-se tão próxima quanto desejada, na medida em que se apresenta como única saída possível de uma situação de terror absoluto. Já não se têm esperanças no porvir, que aparece como distanciado e plenamente ameaçado. Dessa forma, o existencial da temporalidade fica completamente atravessado pela violência, rompido pela submissão absoluta. Na medida em que, como Dasein, somos sempre um a-fim-de-que, na situação de tortura esse a-fim-de-que fica reduzido a possibilidade de resgatar a qualquer custo a 161 condição humana, mesmo que seja pela morte. Mas a questão é que a morte também é negada, de forma que o torturado não fica mais lançado a nada, a não ser à violência. Somos sempre solicitados pelo mundo. Mas, na tortura, essa solicitação se move sob a forma de violência e, como tal, aniquila todas as outras possibilidades de solicitação. A condição da indigência traz a experiência da necessidade e da limitação. A necessidade tende a encurtar o tempo que a separa da satisfação. A limitação está presente em todas as dimensões da existência e, ao mesmo tempo em que nos impede, nos confere identidade. Ela delimita nossa existência. Essas condições existenciais são impostas ao Dasein de modo fundamental. O homem sente o peso de ter que suportar limites, imposições de necessidades, transformações que nunca param, e isso, em todos os aspectos da existência. A existência pesa. Quando o peso só é sentido como aprisionador, como impeditivo, existir se torna extremamente difícil (Pompéia, 2002, p. 35). E é exatamente o peso aprisionador que se impõe na situação da tortura, impedindo a existência do homem como Dasein. A indigência da existência fica ainda mais evidenciada na experiência da dor. E a dor não se limita ao corpo, “ela pertence à existência” (Pompéia, 2002, p. 36). A dor aparece como algo esvaziado de sentido que não leva a nada. Na tortura, a dor é produzida como instrumento de dominação e de destruição. Por isso, numa situação de tortura, é comum ouvirmos relatos de torturados que entendem que a única superação possível é calar ou falar31, como uma resposta a motivação de preservar sua existência. Vários relatos nos mostram que o torturador não compreende como o torturado pode suportar a dor e calar. Na situação de tortura, a vítima fica exposta e abandonada, a mercê do domínio e do controle do outro, numa experiência de ser invadido pelo outro. Mas essa invasão não se dá só no corpo. 31 Essa idéia foi apresentada no item 5.5.6 do presente trabalho. 162 É a própria existência que é invadida em sua privacidade. Isso porque, embora a corporeidade seja aquela dimensão existencial que mais nos atesta a nossa permanente exposição ao outro, o nosso estar à mercê, por outro lado, a corporeidade, enquanto diz respeito exatamente àquele particular corpo que somos, é o existencial que nos fala de algo – o nosso corpo -, que é aquilo que mais de perto experienciamos existencialmente como sendo nosso, como sendo nós; nesse sentido, ele é privado, é particular. Ter o corpo invadido é ter a privacidade da existência profundamente invadida (Pompéia, 2002, p. 37). Na medida em que a existência é invadida, a potência de ser fica violentada. Nessa situação de submissão total, nada pode ser feito, a não ser resistir e calar ou falar. Mas resistir e calar significa aumentar a dor e a invasão da existência, o que coloca o torturado num “beco sem saída”. Tanto “abrir” quanto calar aniquila sua existência. Não há forma de sobreviver à tortura na tortura. Isso não quer dizer que quem sobreviveu a essa situação não possa ressignificar sua existência. Mas, na situação específica da tortura, enquanto ela ocorre, a vítima se encontra absolutamente despotencializada, a mercê da violência e da invasão. Segundo Arantes (in: Freire, Almada e Granville Ponce, 1997), em uma sessão de tortura temos sempre três participantes: o torturador, o torturado e a sociedade, que, por omissão ou conivência, admite tal prática. Para não ser cúmplice dessa violência, cabe à sociedade se posicionar de forma clara e inequívoca em relação à tortura. Apesar de considerar em separado tortura física e psicológica, a autora compreende que ambas estão relacionadas. Entende que as duas – para nós simplesmente a tortura - utilizam o sofrimento, a dor e a destruição do ser humano para alcançar um objetivo. Desta forma, entende que não podemos considerar qualquer prática violenta e invasiva como o que denomina “tortura light” ou “pressão física intermediária”. A tentativa contemporânea de desqualificar a tortura e de banalizá-la tem sido um esforço permanente na tentativa de anestesiamento da sociedade. Sabemos também que os efeitos da tortura não se extinguem no ato que a sustenta. Se espalham no tempo e atravessam gerações. Ao estabelecer esses parâmetros e referências do que pensamos sobre a tortura e ao reafirmar nosso absoluto repúdio contra a prática, consolidamos nosso compromisso contemporâneo como cidadãos brasileiros e como psicólogos. (Arantes in: http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/jornal_crp/155/frames/fr_direitos_h umanos.aspx). 163 Segundo Cardoso (in: Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 478), a cena da tortura não tem regras. Ela é baseada numa relação dual entre torturador e torturado onde a onipotência do primeiro se dá na medida da impotência do segundo. E nessa cena, a aposta não é somente na confissão, ela se configura como uma submissão à vontade do torturador, a partir da idéia de “transparência do pensamento”, condição de intenso sofrimento. Essa submissão leva à ausência total de controle. Sabemos, a partir da fenomenologia-existencial, que a tentativa de controle é um modo de ser do homem que não se edifica de fato. Mas essa tentativa é fundamental para a sobrevivência do homem. Numa situação de ausência de controle, o homem sofre. Mas na situação de tortura, essa ausência assume um caráter presentificado ao extremo, conduzindo o homem a um grau de sofrimento absoluto. Lamas apresentou algumas características da situação de tortura que nos aproximam da violência da submissão, e também nos mostram essa submissão criada como dispositivo de tortura: 1) Pelotão se apresenta com chocante espetacularidade, opulento, para impressionar as vítimas. Esse impressionar objetiva a humilhação e a submissão antes mesmo de qualquer contato corporal. 2) Nega a oportunidade de calar quando está em jogo a vida de um companheiro. Negar a oportunidade de calar e proteger quem se ama, coloca o torturado no lugar de delator, atribuindo-lhe responsabilidade na tortura de outros. Isso dificilmente vai ser considerado pelo torturado como um contexto, porque o sofrimento extremo da situação torna-o sentindo-se corresponsável pela prática da violência. 3) Demonstra, através do lugar escolhido para exercer a violência, que o governo a estimula como uma ação razoável. Isso faz com que o torturado se reconheça como sujeito absolutamente sem direitos e, dessa forma, como objeto do Estado. Aqui fica claro que ele não tem a quem recorrer e que, portanto, nada pode ser feito para que a situação injusta possa ser reconhecida como tal de fato. 164 4) Orgulho em afirmar que são bons torturadores e aprenderam com os melhores. Somente essa fala já apresenta o quanto a tortura será cruel. Isso torna visível todos os elementos anteriores, como numa constatação de que o torturado será absolutamente violado em sua humanidade, sem nenhuma possibilidade de proteção e sem nenhum poder de resistência. Aqui se configura claramente a subordinação a que o torturado está submetido. 5) Violação da soberania de um país. Fica claro nesse procedimento que o país pelo qual o torturado lutou não o reconhece como cidadão ou sujeito de direitos. Isso faz com que alguns militantes passem a questionar sua própria militância, o que provoca um esvaziamento do sentido de sua existência. 6) Produzir uma falsa acusação. Mais uma vez fica claro que o torturado está a mercê de uma situação onde não será reconhecido como humano, os “direitos humanos” ficam suspensos (Lamas, 1956, p. 23). Essa descrição do dispositivo de tortura esclarece como essa estratégia vai aniquilando qualquer possibilidade de saída ao torturado. Nega-lhe a condição humana, reduzindo-o a objeto sem possibilidades de resistência32. Lamas continuou levantando mais algumas características desse dispositivo de dominação. A humilhação, a dor, os insultos e a desidratação total fazem com que o torturado se sinta “sem saída”. Isso fica agravado pela estratégia do torturador se impor o tempo todo e, contrariamente, tratar bem seus familiares na sua frente, como forma a esvaziar sua possibilidade de reconhecimento do sofrimento e acolhimento. A impossibilidade de acreditar numa justiça reparadora frente à constatação da impunidade, que se torna cada vez mais clara na situação de tortura, aumenta o sofrimento do torturado de forma a continuar e ampliar a tortura: ele passa a compreender, a partir da relação com o torturador, sua qualidade de ser efetivamente reconhecido fora da condição humana. 32 Essa ideia foi aprofundada no item 5.5 do presente trabalho. 165 Dessa forma, era comum torturados relatarem que, ao serem transferidos de campos de concentração a presídios – o que configurava legalmente deixar de ser desaparecido inicialmente chegavam falando “coisas desconexas”. A experiência de desumanidade vivenciada ao extremo fez com que muitos atingissem um grau de sofrimento tão grande, que a única possibilidade de sobrevivência era cindir com a realidade, num experimento de enlouquecimento reacional e temporário. Para alguns, essa experiência não se configurou como temporária, mas sim como sem retorno, seja pelo enlouquecimento ou pelo suicídio como única saída33. Alguns teóricos apresentam o enlouquecimento como “sequela psicológica” reacional a situação de tortura. Mas isso seria uma diminuição do entendimento. O sofrimento é transgeracional e se tornará visível em todos os aspectos da vida de alguém que passou por essa situação limite e, também, na vida de sua família. Ainda a experiência de ter que se tornar clandestino ou exilado se configura como tortura. Sair da vida pública implica em romper laços familiares, sociais e urbanos e, por mais que isso possa parecer uma escolha, não é possível que consideremos assim frente a esse estado de exceção. Frente à exceção, qualquer tentativa de resistência ou sobrevivência pertence a um contexto de violência e, portanto, de negação da humanidade (Arantes in: Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 446). Além disso, também temos a tortura apresentada no dispositivo do desaparecimento. Cardoso (1988), ao estudar a perda e a melancolia vivenciadas pelas vítimas dos acontecimentos de 1968, compreende o desaparecimento como a configuração de uma experiência de morte sem sepultura, "uma experiência de morte que se carrega em vida. A impossibilidade de realização do ritual de luto - a sepultura - configura uma situação de perda em que não se consegue renunciar ao objeto perdido, o que produz a melancolia" (Cardoso, 1988, p. 235). Tener un hijo desaparecido es dolor que mata y no deja morir, y que cada vez duele más. Es dolor tremendo y constante que obliga permanentemente y sin descanso a buscar esa vida. (Vázquez y Vázquez, 1984, p. 5) 33 Essa ideia foi aprofundada no item 5.5.4 desta tese. 166 A importância dos rituais da morte é assinalada por Hannah Arendt (1989) quando escreve sobre os campos de concentração. Denomina que neles ocorre uma “matança”, que conceitualiza como morte do homem coisificado, desumanizado. Ela assinala que no mundo ocidental, em situações de guerra o inimigo sempre teve o direito de ser lembrado, a partir das listas de mortos e desaparecidos. Os campos de concentração tornam a morte anônima, retirando seu significado de desfecho de uma vida, como se suas vítimas jamais tivessem existido. A tortura continua atingindo as famílias que não tiveram a chance de enterrar seus entes queridos. (Formaggini, 2007) Assim como no nazismo, os desaparecimentos dos regimes terroristas deixam os familiares sem terem o direito ao reconhecimento da morte e, com isso, o direito a vivenciar a dor da perda. Ao impedir rituais funerários, impede-se também o estado de luto, negando, assim, a vivência de busca de adequação e reordenação de significados. Ao negar essa experiência de ressignificação, nega-se a compreensão da morte aos familiares, desamparando-os, permanecendo-os na situação de tortura. O não-reconhecimento da morte significa, outrossim, a negação da identidade pessoal do indivíduo e o corte do vínculo de humanidade no sentido arendtiano. Nesta direção, o desaparecido transforma a morte num assunto político. Este diz respeito à história da violação dos direitos humanos, da liberdade, e aponta para a existência de uma violência mais explícita e insuportável, aplicada pelos sistemas de repressão dos Estados autoritários, configurada objetivamente na morte sob tortura e no desaparecimento. A autoridade, que mesmo um pobre diabo possua ao morrer, conforme Benjamim (1985), não faz parte da experiência do desaparecido. (Pietrocolla, 2006). Dessa forma, a figura do desaparecido existe para intimidar e ameaçar a sociedade. Com ela, além de se torturar os familiares, se tortura a sociedade a partir do dispositivo do terror. 167 CONSIDERAÇÕES FINAIS Somente a denúncia dos parentes, amigos, representantes da coletividade em todos os níveis, entidades de todas as naturezas, todos os meios de comunicação, do povo enfim, pode salvar os que, neste instante, em S. Paulo e outros pontos do país, estão sendo cruelmente torturados nos "buracos" secretos da repressão, assassinados e lançados com pés amarrados ao corpo em qualquer rio, lago, represa ou ponto do mar, ou enterrados em qualquer local escondido de floresta, pântano ou campo brasileiro, negados seus corpos ao último olhar, abraço e ósculo dos pais, cônjuges, filhos, parentes e amigos, ou mesmo qualquer· informação sobre seu "desaparecimento". (Affonso Celso Nogueira Monteiro in: BNMa, Tomo V, Vol. 1, p. 175). 168 Ao final dessa reflexão, entendemos que a tortura assume a condição de “instituição política do Estado” (Martín, 2005). La tortura y el genocidio son una pandemia, de origen humano, cuyos efectos son racional y científicamente calculados, que enferma no sólo algunos individuos sino que afecta la calidad y textura del tejido social y de los vínculos y nexos que allí se tejen. (Viñar, 1994, p. 74). Ou seja, o problema da tortura não equivale ao problema do torturador. Esse é apenas um dos dispositivos que essa complexa questão engendra. A tortura é viabilizada pela disseminação do preconceito e pela violência – como condição de transformação do sujeito em objeto. Ela revela, em sua essência, o poder em detrimento do poder, visualizados na ausência de treino dos homens em suportar e conviver com a diversidade a partir da ação (Arendt, 2009b). O âmbito castrense revela outra forma de estar no mundo. Nele, a obediência é condição, e o questionamento, em qualquer nível, é coagido. A partir do dispositivo da segurança cria-se a percepção de outra realidade controlável via hierarquia. Isso se torna visível a partir da nomeação utilizada pelas forças armadas: a patente antecede o nome próprio. Nessa nova realidade não há ambiguidade. Dessa forma, a vida de um oficial das forças armadas se resume ao cumprimento da missão, inquestionável. Esse tipo de lógica possibilita que o oficial cumpra ordens absurdas e abusivas, como a tortura. Além disso, permite que se crie a argumentação para leis de obediência devida, como se a própria lógica das forças armadas desobrigasse os oficiais de qualquer responsabilidade sobre seus atos. (...) aquele que tortura sob as ordens de um outro deve também sentir suas ações como que comandadas por uma outra mente, o que também o exime de qualquer responsabilidade pelo que pratica. Essa clivagem entre comando voluntário e ação concreta representa uma das facetas desse tipo de alienação que rege as práticas de terror. Não é, entretanto, incomum, a existência de um prazer sádico por parte do torturador; milhares de denúncias de torturados atestam esse fato, que também encontra justificativa no gozo pela violência e pelo poder de subjugar o outro, desenvolvido no adestramento militar. (Naffah Neto, 1983, p. 17) Tal vez un responsable del genocidio podía no avergonzarse de la cantidad de gente que había matado; en cambio se podía avergonzar de no cumplir las normas formales de saludo a las autoridades cuando era juzgado. Quiere decir que 169 la pertenencia a su grupo social con su sistema de valores señalaba de qué debía avergonzarse y de qué no (Edelman, 1994, p. 80). Esse modo de funcionamento do âmbito castrense que dá origem às absurdas leis de obediência devida só é possível em sociedades que não se instrumentalizaram para a convivência com a diferença. Sociedades que – especialmente em sua reificação – vão criando dispositivos que permitam que os homens tenham uma condição de humanidade efêmera. A partir do momento em que a sociedade pode questionar essa efemeridade, pode se reorganizar. Assim, cria-se um contradiscurso que propõe um novo contrato social, denunciando a imposição do discurso terrorista. Exemplo disso são as organizações que lutam por justiça. Tanto os familiares buscando seus desaparecidos quanto as associações de ex detidos-desaparecidos buscam na justiça uma reparação simbólica (Edelman, 1994, p. 84). Durante o percurso da presente pesquisa, nos deparamos cotidianamente com a sensação de que falar sobre essa experiência-sofrimento é muito perigoso. Como o horror do absurdo da tortura não é traduzível à linguagem, estamos lançados no terreno do perigo de minimizar o sofrimento. Ao iniciar nosso trabalho uma pergunta nos guiava: por que as pessoas envolvidas nas situações de tortura nos regimes terroristas relutam tanto a dizer o que lhes passou? Que a memória é fundamental para que tais situações não voltem a ocorrer, não há duvidas. Mesmo assim, ao entrar em contato com os discursos das pessoas envolvidas nessas situações, percebemos a dificuldade em relatar o ocorrido. Todos se referiam ao contexto político, mas nunca revelando a violência, se não citando sua intensidade, às vezes pontuando o absurdo e a injustiça, às vezes descrevendo cientificamente os dispositivos utilizados. A tese consiste numa aproximação a esses fatos. Aproximação essa, muito sofrida. Uma pesquisa sempre é acompanhada pelo sofrimento do pesquisador, mas nesse caso, 170 entrar em contato com essas histórias cruéis de violência nos fez entender porque os atores envolvidos não querem falar sobre isso: também não queremos! Concluímos que essa experiência-sofrimento é impossível de adjetivar. Se simplesmente a leitura teve esse efeito de nos calar, que dirá em quem sofreu essa situação? É muito difícil relatar esse absurdo. Relembrar implica reviver, e reviver a partir do discurso é, de certa forma, elaborar, compartilhar. Isso é feito a partir da linguagem, mas é impossível utilizar a linguagem – elemento especialmente humano – para descrever uma experiência não adjetivável. A tortura é isso: a redução de um ser humano à categoria de não humano. Portanto, é um grande desafio aproximar-se dela a partir da linguagem. Esse trabalho tenta, mas sabe que não consegue. O que sentimos lendo os relatos é indescritível. A partir deles pudemos compreender, minimamente, o quanto essa situação é absurda e terrível. Entendemos que a questão principal da tortura não é somente a dor física, mas a dor da situação de submissão, de redução a objeto. Ficar totalmente submetido à vontade do outro que desconsidera sua humanidade. O que fazer nessa situação? Como se proteger? Em todos os relatos, a primeira saída que os prisioneiros encontravam era a solidariedade. O agrupamento, como forma de compartilhar o sofrimento sem precisar necessariamente falar dele tornou-se o aliado dessas pessoas na busca pela sobrevivência. Na mesma lógica, aqui falamos sobre o horror na tentativa de nos solidarizarmos com quem foi submetido a ele. A grupalidade e o senso de humor aparecem nos relatos como fundamentais para a manutenção da sanidade na condição extrema da situação de tortura, onde “as coisas mais simples nos eram dificultadas, quando não negadas.” (Freire, Almada e Granville Ponce, 1997, p. 4). Concluímos que o torturador não é necessariamente um “sádico”, o torturador é uma figura de um fundo ideológico que constrói a idéia de que uns são mais humanos que outros. Foi assim na escravidão, no nazismo, nas ditaduras. É assim hoje nas prisões, nos manicômios, nas guerras, nas ações higienistas que tanto ocorrem no Brasil. 171 Qualquer ideologia que reduza características de determinado agrupamento humano possibilitará a tortura. Qualquer tentativa de construção de uma verdade possibilitará tortura. Qualquer forma de evitar o debate a partir de estratégias de redução do outro, da diferença e de tentar manter uma forma única de pensamento possibilitará a tortura. Fatalmente, toda tentativa de uníssono chegará à tortura. Não há como mantermos uma unidade sem respeitarmos a diversidade, a menos que se utilize o dispositivo da tortura. Compreendemos nesse trabalho que a única saída para a possibilidade de diminuição e reparação dos absurdos causados pela situação da tortura é a punição dos envolvidos. Anistia para torturadores ou leis de obediência devida são mais uma forma de tortura. Mais do que repensar a tortura nas ditaduras, é preciso repensar nossa relação com a violência. Faz-se necessário compreendermos que qualquer pessoa pode se tornar um torturador – inclusive sem se dar conta disso. Seja obedecendo a ordens, seja fazendo o “certo”, seja impondo ao outro o que é “melhor”. Relembrar esse período nos faz perceber o quanto podemos ser cruéis, o quanto somos atores de práticas degradantes. Só assim poderemos não mais o ser. E é na polarização, na cisão entre bem e mal, que permitimos espaço para existir o torturador. Mas como sairmos disso? Entendemos que o fato da compreensão na nossa sociedade estar fundada em dicotomias, em conceitos específicos e rígidos de bem e mal, certo e errado, fundamenta a existência do dispositivo da tortura. Todos os Estados-nação nascem e se fundam na violência, pois o momento de sua fundação é anterior à legitimidade que os instalam. Isso se torna visível ao percebermos que todos os Estados têm origem numa “agressão de tipo colonial” (Buff, 2009, p. 205). E essa agressão não é esquecida, pois a fundação é feita de forma a ocultá-la. Mas como ressignificar essa experiência-sofrimento limite? Uma outra consideração de importância se refere às seqüelas produzidas pela retraumatização, ou reativação das situações traumáticas vividas na tortura devido à impunidade dos torturadores, às leis de anistia, à continuidade da repressão, à negação do reconhecimento social e jurídico dos danos sofridos, assim como aos erros profissionais que nós, os profissionais da saúde, podemos cometer. 172 (...) as seqüelas psicológicas da tortura são crônicas e têm duração transgeracional (...). (Martín, 2005, p. 438-439). Pensar sobre isso nos levou a aproximarmo-nos da Comissão Verdade e Reconciliação (CVR). Essa comissão foi instituída em 1995 pelo então presidente da África do Sul Nelson Mandela a fim de romper com o regime do apartheid respeitando os termos do acordo, ou seja, evitando-se uma nova “caça as bruxas” ao mesmo tempo em que possibilitasse técnicas de encerrar o regime e organizar a sucessão, respeitando as chamadas “questões psicológicas” – a saber – os “pedidos das vítimas de reconhecimento público” (Buff, 2009, p. 223). O fundamento é que essa comissão possibilitasse um exercício público de reconciliação política baseado no novo paradigma de justiça e valorização a partir da justiça restaurativa e da importância do reconhecimento (Buff, 2009, p. 225). A CVR trabalhou com quatro conceitos de verdade: a verdade factual ou forense (do tribunal no qual se apóia a anistia); a verdade pessoal e narrativa ou das audiências e relatos; a verdade social ou a verdade do diálogo, ligada ao processo de partilha entre ofensores (...) e vítimas e a verdade que cura (...) ou da justiça restaurativa constitutiva da nova unidade africana, denominada esta última rainbow nation (o arco-íris é o símbolo de aliança entre Deus e a Terra, o arco da confiança recíproca entre vítimas e criminosos, o símbolo da promessa). (Buff, 2009, p. 225). Esses quatro conceitos são compreendidos como etapas da construção de uma verdade eficaz que implica o reconhecimento da existência de verdades contraditórias, que devem ser costuradas a fim de complementarem-se numa verdade consensual sobre o passado. Essa verdade tem caráter político e relativo, ligado à oportunidade e à construção comunitária que nos relembra o conceito de ação para Hannah Arendt (2009b). O objetivo das comissões de verdade instituídas pelo mundo no final do século passado e nesse deveria ser diminuir a circulação de mentiras (infelizmente, nem sempre é isso que ocorre). Na CVR sul-africana, pretendeu-se estabelecer a verdade sobre as violações dos Direitos Humanos para evitar que ocorressem novamente no futuro. Para isso, era fundamental buscar a reconciliação de toda a sociedade para possibilitar sua reconstrução. A alternativa encontrada para viabilizar tal tarefa foi fundá-la na “vontade de compreensão e 173 não vingança, de reparação e não de represálias, de auxílio fraterno (ubuntu) e não de vitimização.” (Buff, 2009, p. 228). Ubuntu é um termo intraduzível proveniente das culturas sul-africanas. Ele é oposto à vitimização e significa que: (...) o ser humano que se põe fora da sociedade, por seus atos, deve ser reumanizado a fim de se reintegrar, e que uma tal chance deve lhe ser dada. (...) (significa que) o indivíduo encontra sua expressão e sua identidade por meio de sua comunidade. (Buff, 2009, p. 230). Assim, não se trata de uma anistia, mas de uma justiça de transição que está além da anistia (Buff, 2009, p. 231). Nos termos das condições para a obtenção da anistia, apenas a cooperação, com efeito, a confissão, permite obter o perdão lato sensu. É difícil sondar os corações e avaliar a sinceridade das confissões feitas pelo demandante da anistia, mas ele deve colaborar com a manifestação da verdade e com o reconhecimento de sua culpabilidade. A anistia geral não pede, em troca, nenhuma compensação. Ela é outorgada sem condição, a todos os que participaram do conflito. Ela não pode favorecer o encerramento da memória e a incompreensão do que se passou. (Buff, 2009, p. 232). Em oposição às anistias outorgadas na América Latina sob pressão dos militares, não se tratava de apagar, mas de revelar, não de encobrir os crimes, mas de descobrir. Os antigos criminosos tiveram que participar da reescritura da história nacional para poderem ser perdoados: a imunidade se merece, implica o reconhecimento público dos crimes e a aceitação das novas regras democráticas. (Buff, 2009, p. 235). Assim como no romance “Strange Case of Dr. Jeklyll and Mr. Hide”, de Robert Louis Stevenson, é necessário nos darmos conta de que a qualquer momento relações viabilizam o surgimento de novos torturadores. É nosso dever, a partir da ressignificação da triste história dessas ditaduras, impedir que esse tipo de relação ocorra. 174 REFERÊNCIAS Actis, M.; Aldini, C.; Lewin, M.; Tokar, E. Esse infierno: conversaciones de cinco mujeres sobrevivientes de la ESMA. BsAs: Sudamericana, 2001. Agamben, G. Estado de Exceção. SP: Boitempo, 2004. Agamben, G. O que resta de Auschwitz. SP: Boitempo, 2008. Aguiar, E. Algunas consideraciones sobre los efectos psicológicos de la impunidad en parejas afectadas directas por la represión política. (texto fornecido pela autora). Aguiar, E. Efectos Psicológicos del terrorismo del Estado en parejas afectadas directas por la represión política. In: Revista de Psicología y Psicoterapia de grupo. Tomo XII, no. 1 – 2. BsAs: 1988. Aguiar, E. Efectos psicosociales de la impunidad. In: Impunidad. Ginebra: 1993. Alleg, H. A Tortura. SP: Ed. Zumbi, 1959. Alves, M. M. Torturas e torturados. RJ: Idade Nova, 1966. Amarante, P (org). Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. RJ: NAU, 2003. Amarante, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. RJ: NAU, 2007. Amati, S. Algunas reflexiones sobre la tortura para introducir una discusión psicoanalítica. In: XIV Congreso Interno de la APA. BsAs: 1985. Antognazzi, I.; Ferrer, R. (orgs). Del Rosariazo a la democracia del 83. Rosario: Escuela de Historia, Facultad de Humanidades y Artes, Universidad Nacional de Rosario, 1995. Arantes, M. A. A. C. In: Direitos Humanos – Tortura não! Jornal do CRP, 2008. www.crpsp.org.br/crp/midia/jornal_crp/155/frames/fr_direitos_humanos.aspx. (consultado em agosto de 2010) 175 Araujo, M. C. S., Soares, G. A. D. e Castro, C. (orgs). A volta dos quartéis: a memória militar sobre a abertura. RJ: Relume Dumará, 1995. Araujo, M. C. S., Soares, G. A. D. e Castro, C. (orgs). Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. RJ: Relume Dumará, 1994. Araujo, M. C. S., Soares, G. A. D. e Castro, C. (orgs). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. RJ: Relume Dumará, 1994. Archivos de la ESMA. La Plata: de la campana, 2009. Arendt, H. A condição humana. RJ: Forense Universitária, 2009b. Arendt, H. Crises da república. SP: Perspectiva, 1999b. Arendt, H. Dignidade da Política. RJ: Relume Dumará, 2002. Arendt, H. Eichmann em Jerusalém. SP: Companhia das Letras, 1999a. Arendt, H. Entre o passado e o futuro. SP: Perspectiva, 2005. Arendt, H. Origens do totalitarismo. SO: Companhia das Letras, 1989. Arendt, H. Sobre a violência. RJ: Civilização Brasileira, 2009a. Arquidiocese de São Paulo. Brasil: nunca mais. SP: Vozes, 1985. Asociación Madres de Plaza de Mayo. Historia de las Madres de Plaza de Mayo. BsAs: Ediciones Madres de Plaza de Mayo, 2009. Associação dos docentes da USP. O controle ideológico na USP: 1964-1978. SP: Adusp, 2004. Beguan, V. (et all). Nosotras, presas políticas: obra colectiva de 112 prisioneras políticas entre 1974 y 1983. BsAs: Nuestra América, 2006. Bermann, S.; Edelmann, L.; Kordon, D. (et all). Efectos psicosociales de La represión política - SUS secuelas en Alemania, Argentina y Uruguay. Córdoba: Goethe Institut, 1994. Binswanger, L. Três formas da existência malograda - extravagância, excentricidade, amaneiramento. RJ: Zahar editores, 1977. 176 Bonasso, M. Recuerdo de La muerte. BsAs: Booket, 2010. Bosi, A. “Cultura Brasileira e Culturas Brasileiras”, in: Dialética da Colonização. SP: Companhia das Letras, 2001. Bosi, E. Memória e Sociedade: Lembranças de Velhos. SP: Companhia das Letras, 1994. Boss, M. A paciente que ensinou o autor a ver e pensar de uma forma diferente. In: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, no. 11. SP: Associação Brasileira de Daseinsanalyse, 2002. Boss, M. e Condrau, G. Análise Existencial – Daseinsanalyse. In: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, no. 2. SP: A Associação, 1997. Boss, M. Introdução à Daseinsanalyse. In: Revista da Associação Brasileira de Dasainsanalyse, no. 8. SP: A Associação, 1997. Boss, M. O modo-de-ser esquizofrênico à luz de uma fenomenologia daseinsanalítica. In: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, no. 3. SP: A Associação, 1977. Boss. M. Na noite passada eu sonhei... SP: Summus, 1979. Braga, P. R. Os interesses econômicos dos Estados Unidos e a segurança interna no Brasil entre 1946 e 1964: uma análise sobre os limites entre diplomacia coercitiva e operações encobertas. In: Revista Brasileira de Política Internacional. No. 45, 2002. Bravo, E. B.; Gautier, A. Las secuelas de La tortura y La violência estatal. Los Amigos Del Libro: Bolivia, 2000. Bruns, M. A. T. e Holanda, A. F. (orgs). Psicologia e Pesquisa Fenomenológica: reflexões e perspectivas. SP: Ômega Editora, 2001. Bruschera, O. H. Las décadas infames: analisis político 1967-1985. Montevideo: Libreria Linardi y Risso, 1986. Buff, L. Horizontes do perdão: reflexões a partir de Paul Ricoeur e Jacques Derrida. SP: EducFapesp, 2009. Caldas, A. Tirando o capuz. RJ: Garamond, 2004. 177 Calloni, S. Operación Cóndor – pacto criminal. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 2006. Cardinalli, I. E. A Contribuição das noções de ser-no-mundo e temporalidade para a psicoterapia daseinsanalítica. In: Revista da Associação Brasileira de Dasainsanalyse, no. 14. SP: A Associação, 2005. Cardinalli, I. E. A Psiquiatria Fenomenológica: um breve histórico. In: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, no. 11. SP: Associação Brasileira de Daseinsanalyse, 2002. Cardinalli, I. E. Daseinsanalyse e Esquizofrenia: um estudo na obra de Medard Boss. SP: Educ - Fapesp, 2004. Cardinalli, I. E. Daseinsanalyse: corpo e corporeidade. In: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, no. 12. SP: A Associação, 2002. Cardoso, I. A. R. (org). Utopia e mal-estar na cultura: perspectivas psicanalíticas. SP: Hucitec: 1997. Cardoso, I. A. R. 68: a comemoração impossível. Tempo Social. São Paulo, v. 10, n. 2, p. 1-12, out. 1998. Carvalho, L. M. Mulheres que foram à luta armada. SP: Globo, 1998. Castello Branco, Carlos. Introdução à Revolução de 1964. RJ: Artenova, 1975. Castello Branco, Carlos. Os militares no poder. RJ: Nova Fronteira, 1977-1979. Chagas, C. A guerra das estrelas, 1964/1984: os bastidores das sucessões presidenciais. Porto Alegre: L&PM, 1985. Chauí, M. A Existência ética (unidade 8, capítulo 4). In: Convite à Filosofia. SP: Ática, 1994. CINTRAS, EATIP, GTNM-RJ, SERSOC. Daño Transgeracional: consecuencias de la represión política en el cono sur. Santiago, 2009. Coggiola, O. Governos Militares na América Latina. SP: Contexto, 2001. 178 Coimbra, C. M. B. Psicologia e Terror. In: Fundação Perseu Abramo. www.fpabramo.org.br/oque-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/ensaio-psicologia-e-terror. (consultado em 14 de janeiro de 2010). Coimbra, C. M. B. Tortura ontem e hoje: resgatando uma certa história. In: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 2, p. 11-19, jul./dez. 2001. Coimbra, C. M. B.; Nascimento, M. L. O Efeito Foucault: desnaturalizando verdades, superando dicotomias. In: Psicologia: teoria e pesquisa. Vol. 17, no. 3, Set-Dez 2001. CONADI. El trabajo Del Estado em La recuparación de La identidad de jóvenes apropiados em La última dictadura militar. Secretaria Nacional de Derechos Humanos: BsAs, 2007. CONADI. Historias buscadas. Secretaria Nacional de Derechos Humanos: BsAs, 2007. Costa, C. T. Cale-se: a saga de Vannucchi Leme, a USP como aldeia gaulesa, o show proibido de Gilberto Gil. SP: A Girafa, 2003. Couso, A. Memorias impersonales – fantasmas en el exilio. BsAs: Imago Mundi, 2009. Cunha Jr., H. NTU. In: Revista Espaço Acadêmico, no. 108. Maio de 2010. www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/Espaco-Academico/article/view/9380/5601. (consultado em 2 de junho de 2010). Dallari, D. Prefácio (pp. I - XXIX). In: Verri, P. Observações sobre a tortura. SP: Martins Fontes, 2000. Documenti dall’interno dell’Argentina. I desaparecidos. Roma: Editori Riuniti, 1983. Dossiê dos mortos e desaparecidos/documento do comitê Brasileiro pela Anistia, Secção do Rio Grande do Sul. [Porto Alegre, Brasil]: Estado do Rio Grande do Sul, Assembléia Legislativa, 1984. Dreifuss, R. A. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981. 179 Dunayevich, M. Algunas Consideraciones sobre la agresión del estado y sus consecuencias sociales y mentales. Revista de Psicología y Psicoterapia de grupo. Tomo X, No. 1, BsAs: 1987. Equipo de Asistencia Psicológica Madres da Plaza de Mayo. Desaparecidos: efectos psicológicos de la represión 2. BsAs: Casa de las Madres, 1984. Fernandes, F. “O que é Revolução”, in: “Clássicos sobre a Revolução Brasileira”. SP: Expressão Popular, 2002. Ferreira, E. F. X. Mulheres, militância e memória: histórias de vida, histórias de sobrevivência. RJ: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996. Fico, C. Além do golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. RJ: Record, 2004. Fon, A. C. Tortura – a história da repressão política no Brasil. SP: Global editora, 1979. Forghieri, Y. C. Psicologia fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. SP: Pioneira Thomson Learning, 2004. Foucault, M. História da Loucura na Idade Clássica. SP: Perspectiva, 2000. Foucault, M. História da Sexualidade volume I: a vontade de saber. RJ: Graal, 1988. Foucault, M. Microfísica do Poder. RJ: Graal, 2007. Foucault, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987. Francis, P. O Brasil no mundo: uma análise política do autoritarismo desde as suas origens. RJ: Jorge Zahar, 1985. Freire, A. Almada, I. e Granville Ponce, J. A. (orgs). Tiradentes, um presídio da ditadura: memórias de presos políticos. SP: Scipione, 1997. Garaño, S., Pertot, W. Detenidos-aparecidos – presas y presos políticos desde Trelew a La dictadura. BsAs: Editorial Biblos, 2007. Gaspari, E. A Ditadura Derrotada. SP: Companhia das Letras, 2003. 180 Gaspari, E. A Ditadura Encurralada. SP: Companhia das Letras, 2004. Gaspari, E. A Ditadura Envergonhada. SP: Companhia das Letras, 2002a. Gaspari, E. A Ditadura Escancarada. SP: Companhia das Letras, 2002b. Gasparini, O. C. Días de Prisión – memorias de Sierra Chica, Caseros, La Plata, U9… BsAs: Dunken, 2008. Goffman, E. Manicômios, prisões e conventos. SP: Perspectiva, 2008. Gorender, J. Combate nas Trevas. SP: Ática, 1998. Guimarães, L. M. P. Ditaduras e Exílios. SP: SBPC, 1996. Halac, R. La tortura - Yo fui testigo – tomo 17. BsAs: Editorial Perfil, 1986. Heidegger, M. Ser e Tempo. SP: Vozes, 2009a. Heidegger, M., Boss, M. Seminários de Zollikon. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2009b. Hollanda, C. B. Violência e trauma na transição política: o caso sul-africano. In: www.fundamentalpsychopathology.org/8_cong_anais/MR_319a.pdf (consultado em 18/07/2010). Hollanda, H. B. de. Cultura e participação nos anos 60. SP: Brasiliense, 1986. Jelin, E.; Kaufman, S. G. Subjetividad y figuras de La memoria. BsAs: Siglo XXI Editora Iberoamericana; NY: Social Science Research Council, 2006. Kijac, M.; Funtowicz, S. El síndrome del sobreviviente de situación extrema. In: Revista de Psicoanálisis. Tomo XXXVII, no. 6. BsAs: 1980. Kordon, D.; Edelman, L. I. Efectos psicológicos de la represión política. BsAs: Sudamericana/Planeta, 1986. Kucinski, B. O fim da ditadura militar. SP: Contexto, 2001. 181 Lamas, R. Los torturadores: crímenes y tormentos en las cárceles argentinas. BsAs: Lamas, 1956. Langguth, A. J. A face oculta do terror. RJ: Civilização Brasileira, 1979. Larraquy, M. Lópes Rega, uma biografia. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2004. Lavoratti, L. Chumbos de hoje. In: Revista Sociologia, no. 26. SP: Escala, 2009. Longhi, C. R. Idéias e práticas do aparato repressivo: um olhar sobre o acervo do DEOPS/SP – a produção do SNI em comunicação com o DEOPS/SP (1964-1983). Tese de doutorado apresentada ao departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. SP: 2005. Mariano, N. Operación Cóndor – terrorismo del Estado en el Cono Sur. BsAs: Ediciones Lohlé Lumen, 2006. Martín, A. G. As seqüelas psicológicas da tortura. In: Psicologia ciência e profissão. No. 25, 2005. Martyniuk, C. ESMA: fenomenologia de La desaparición. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2004. Marx, K. “O Trabalho Alienado”, in: Manuscritos Econômico-Filosóficos. SP: Martin Claret, 2004. May, R. (org.). Existencia, Madrid: Ed. Gredos, 1977. May, R. A Descoberta do Ser. RJ: Rocco, 2000. May, R. Poder e Inocência. RJ: Artenova, 1974. Mendonça, S. R. e Fontes, V. M. História do Brasil recente: 1964-1980. SP: Ática, 1988. Michelazzo, J. C. Daseinsanalyse e “doença” do mundo. In: Revista da Associação Brasileira de Daseinsanalyse, no. 10. SP: A Associação, 2001. Mignone, E. F., McDonnell, A. C. Estrategia represiva de la dictadura militar – la doctrina del “paralelismo global”. BsAs: Colihue, 2006. Minkowski, E. A noção de perda de contato vital com a realidade e suas aplicações em 182 psicopatologia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol. VII; no. 2; jun. 2004; p. 130-146. Minkowski, E. Breves reflexões a respeito do sofrimento (aspecto trágico da existência). In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental. Vol. III, no. 4, jun 2000b; p. 156-164. Minkowski, E. EI Tiempo Vivido: estudios fenomenológicos y psicológicos. México: Minkowski, E. La Esquizofrenia: psicopatología de los esquizoides y los esquizofrénicos. México: Fondo de Cultura Económica, 2000a. Molas, R. R. Historia de La tortura y el orden repressivo em La Argentina. BsAs: EUDEBA, 1985. Moreira, D. A. O método fenomenológico na pesquisa. SP: Pioneira Thomson, 2002. Mourão, J. C. (org). Clínica e Política 2: subjetividade, direitos humanos e invenção de práticas clínicas. RJ: Abaquar: Grupo Tortura Nunca Mais, 2009. Naffah Neto, A. Poder, vida e morte na situação de tortura: esboço de uma fenomenologia do terror. Tese de doutorado apresentada à Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1983. Nunes, B. Heidegger & Ser e Tempo. RJ: Zahar, 2004. Pelbart, P. P. Vida Capital – ensaios de biopolítica. SP: Iluminuras, 2009. Pietrocolla, L. G. A herança dos herdeiros. In: Fundação Perseu Abramo. www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoesanteriores/ensaio-heranca-dos-herdeiros (consultado em 14 de janeiro de 2010). Poce, J. C. Historia no oficial de la dictadura del “proceso”. BsAs: Grafikar, 2002. Pompéia, J. A. Corporeidade. In: Revista da Associação Brasileira de Dasainsanalyse, no. 12, SP: A Associação, 2003. Prado, M. F. A. Fenomenologia e Daseinsanalyse. In: Revista da Associação Brasileira de Dasainsanalyse, no. 14. SP: A Associação, 2005. 183 Puget, J. Violencia social y psicoanálisis – lo impensable y lo impensado. In: Psicoanálisis. Vol. VIII, no. 2-3. BsAs: 1986. Raffin, M. La experiencia del horror – subjetividad y derechos humanos en las dictaduras y posdictaduras del Cono Sur. BsAs: Del Puerto, 2006. Rauter, C.; Passos, E.; Barros, R. B. (orgs). Clínica e política: subjetividade e violação dos direitos humanos. RJ: Instituto Franco Basaglia/Editora TeCorá, 2002. Red de Informática de Instituciones de Derechos Humanos de Chile. Glosario de definiciones operacionales de las violaciones de los derechos humanos. Santiago: Fundación de Ayuda Social de las Iglesias Cristianas, 1991. Robin, M. M. Escuadrones de La muerte – la escuela francesa. BsAs: Editorial Sudamericana, 2005. Rolim, M. Justiça Restaurativa: para além da punição. In: A Síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. RJ: Zahar, 2006. Skidmore, T. Brasil: de Castelo Branco a Tancredo Neves. RJ: Paz e Terra, 1988. Skidmore, T. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco. RJ: Paz e Terra, 1982. Sodré, N. W. Formação histórica do Brasil. RJ: Graphia, 2004. Stein, E. La esencia de los actos de empatía e la empatia como comprensión de personas espirituales. In: Sobre el problema de la empatia. Madrid: Editorial Trotta, 2004. Toledo, C. N. 1964: o golpe contra as reformas e a democracia. In: Revista Brasileira de História. V. 24, no. 47. SP: 2004. Vázques, I.; Vázquez, A. C. Con vida los llevaron – 12 historias del tiempo de violencia. BsAs: Ediciones La Campana, 1984. Verbitsky, H. El Vuelo: una forma cristiana de muerte – confesiones de un oficial de la Armada. BsAs: Editorial Sudamericana, 2006. Viñar, M. Exílio e Tortura. SP: Escuta, 1992. 184 FILMOGRAFIA Charlo, J. P. e Garay, A. El Círculo. Documentário. Produção: Memoria y Sociedad e SUR Films. Coprodução: Guazú Media, Morocha Films e Parox: Uruguay, Alemanha, Argentina, Chile, 2008. Farias, R. Pra frente Brasil. Produção: Rogério Farias e Embrafilmes: Brasil, 1983. Formaggini, B. Memória para uso diário. Documentário. 4 ventos, Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, União Européi:. Brasil, 2007. Litewski, C. Cidadão Boilesen. Documentário. Brasil, 2009. Sbaraglia, L. La noche de los lápices. Tornasol Films, Argentina: 1986. SITES www.icrc.org (consultado em maio de 2009) www.madres.org (consultado em 2009 e 2010) www.serpaj.org.uy/familiares (consultado em fevereiro de 2009 e agosto de 2009) www.desaparecidos.org/arg/conadep/nuncamas/nuncamas.html (consultado de maio de 2009 a setembro de 2010) www.dhnet.org.br/dados/projetos/dh/br/tnmais/index.html (consultado de setembro de 2007 a maio de 2010) www.crpsp.org.br/crp/midia/jornal_crp/155/frames/fr_direitos_humanos.aspx. (consultado em agosto de 2010) 185 ANEXOS ENTREVISTA CARLOS LORD – Asociación de ex detenidos-desaparecidos – Argentina. CARLOS: o sea puedes hacer dos programas...o dos textos separados..pero no..no puedes incluir mis testimonios y después haber hablado con Astish......a ver que es los que piensa él ..y después lo que piensan.... MYRNA: no..no quiero..no me importa hablar o lo que piensan los jefes sobre eso...a mi no me importa.... C: bueno, bueno, muy bien...entonces vamos bien M: yo te podría grabar una autorización para que yo pueda usar el material con tu nombre y... C: si como no, yo me llamo Carlos Gregorio Borges Panince, documento No.10400491 y autorizo a Myrna Coelho a... utilizar este material con fines..... M: para su tesis C: para su tesis M: muchas gracias... C: Bueno..?por donde querés que empecemos? M: Bueno por el trabajo del colectivo..puede ser? C: Si como no... el trabajo de la asociación de ex-detenidos desaparecidos.. ehmm...se trata de....ehhmm... podríamos decir un trabajo que comenzó en el año 1984, cuando ehh.. se retorno a la democracia y distintos sobrevivientes de distintos centros clandestinos de detención del país ehh.. decidieron reunirse en una asociación, que contemplara las reivindicaciones propias de un ex-detenido-desaparecido. Nosotros no podíamos ingresar en madres, no podíamos ingresar en abuelos no podíamos, porque no representaba específicamente nuestra búsqueda, y lo…lo que pretendíamos hacer, ehh....de lo que básicamente se trato el trabajo de un momento fue: recopilar testimonios, ¿no? juntar el testimonio de cada uno de los sobrevivientes, que como yo te digo hay de diferentes centros 186 clandestinos del país, entonces no es solamente esma...esma, besubio, apresto, escobar, incobrinco, escuelitas de comodidad, escuelitas de Neuquen, o sea a lo largo y ancho de todo el país, que han habido sobrevivientes y nos hemos nucleado en esta asociación, en principio para rehacer una historia que estaba..estuvo negada, o sea la dictadura negaba, la existencia...tan esa así que…recientemente se logro saber que hubieron 500 centros clandestinos de detención, en Argentina. Hasta ahora son los identificados, y en principio bueno, se sabia de los campos de Mayo,..los famosos, la Perla, Córdoba , la esma y demás cuestiones, pero bueno este trabajo que nos hemos dado nos permitió identificar, primero: los diferentes centros clandestinos de detención, segundo: con un trabajo muy doloroso por parte de todos nosotros, lo que hemos podido es recopilar los nombres de los compañeros que estuvieron en los centros clandestinos de detención y que están desaparecidos. Entonces por ejemplo, para dar una ejemplo en la causa esma nosotros hemos aportado 800 nombres sobre un total de 5000 que han pasado por la esma, pero nosotros, nuestra experiencia nuestra vivencia de sobrevivientes nos permitió bueno....a mi, recordar algunos a otros recordar otros, y así armar digamos un esquema que es… la base sobre que la que se sustenta el acta de juicio de la esma, sin nuestro trabajo, los juicios nos hubiesen sido posible porque no habían victimas en todo caso, en cambio nuestro trabajo permitió eso. Ehhh....después lo que también y con mucho esfuerzo hemos logrado hacer a lo largo de todo estos años es la identificación de los represores. Porque, entendamos de que ningún represor en un centro clandestino de detención venia y se presentaba.. yo soy el teniente spitz, por eso tenían el nombre de cuervo, rubio, el ángel, Gustavo, niño o sea se cambiaban el nombre, ahora conseguir identificar a: el Aspis, con el nombre cambiado al de teniente Aspitz no fue fácil fue un trabajo mucho..muy complicado y ese trabajo en el caso especial del esma, por ejemplo que es una famosa obra del juicio, permitió identificar a 77 represores. O sea el trabajo de mucho esfuerzo durante muchísimos años, que, se vieron signados por una seria de, dificultades como por ejemplo las leyes de obediencia debida y punto final que hubieron en Argentina mas los indultos. Entonces bien, ese tiempo nosotros no lo desaprovechamos, hicimos trabajo de investigación durante todo ese tiempo porque sabíamos de que en algún momento íbamos a poder revertir esta situación de injusticia y que íbamos a poder abrir los juicios, en algún momento y que para que los juicios se llevaran adelante hacia falta cierta información. O sea que todo ese tiempo que nos dio la obediencia 187 debida y el punto final no fue tiempo desperdiciado, sino que al contrario fue tiempo, colocado en esta tarea como otras organizaciones como por ejemplo abuelas de plaza de mayo que utilizo todo ese tiempo, a pesar de que no podían abrirsen juicios y que…para identificar niños que como ya sabemos son mas de cien, en este momento….niños apropiados M: ¿recuperados son mas o menos ? C: cien si exactamente,, ehh entonces, esto es en reglas generales a lo que hace el funcionamiento específico de la asociación. Después en la materia que a vos te aboca que es la Psicología, o sea, desde como nosotros pudimos enfrentar esta situación una vez que salimos de los centros clandestinos de detención bueno, cada uno individualmente de alguna manera busco ayuda tuvo respaldo psicológico por que fue experiencia muy dura muy fuerte, para todos, en el caso mío en particular yo salí de….me escape de la Argentina con la ayuda del premio Nóbel de la paz Manuel Pérez Esquivel hacia Brasil, en Brasil... M: en que año C: en el año 83, en septiembre de 1983, con toda mi familia o sea., tenia mi mujer ,con mi mujer y tres hijos. Ehh, ahí llegamos a Brasil y ahí el alto comisión del club, el alto comisionado de las naciones unidas nos envió a Suecia, en Suecia yo supe de que existía el centro de recuperación del torturado de la cruz roja que se especializa en...en el trabajo psicológico respecto de las victimas de la tortura en todo el mundo M: humhumm C: bien,…ehh, este lugar en ese momento quedaba en Copenhague, en Copenhague no quedaba en Suecia sino quedaba en Dinamarca, entonces viajaba a Dinamarca a recibir tratamiento ahí, ehh…esto te lo cuento como anécdota, yo he visto en ese lugar torturados de países como Irak en la época de Saddam, o de Camboya o de África de los lugares que.. mas horripilantes de las dictaduras más horripilantes que te puedas imaginar he visto gente a la que le sacaron toda la piel por ejemplo, correcto? tortura limite, que podemos decir...y los psicólogos que atendieron mi caso y otros casos relativo a lo ocurrido en Argentina no pudieron con lo que ocurrió con nosotros, por la perversidad del sistema utilizado, por que una cosa es: te torturo o te mato y te saco la información y se acabo y otra cosa es la perversidad y la magnitud de lo hecho M: si 188 C: o sea, era ehh yo siempre sostengo y nosotros sostenemos desde la asociación que: la población Argentina empezó recibir la tortura en total, esto es valido mas allá que la gente se que ni siquiera se da cuenta de cuenta de ello, pero lo cierto es de que todo el mundo tiene un compañero de trabajo o de la universidad o un familiar o un vecino o alguien que formó parte de su vida que se encuentra desaparecido. ¡todos!, y esto lo llevo a este punto, a mi una de las.. las peores torturas que tuve que soportar en la esma fue que torturaran a mi compañero en la pieza de al lado, o que torturaran a de en bajada de cabeza a un señora de de 60 años preguntándole para que de información acerca de su propio hijo, o sea torturar a una madre para que entregue a su hijo..inenarrable, Entonces eso a mi me producían mas dolor que la propia tortura que me infligían a mi porque de alguna manera me daba la dimensión de que eso, que esto, no tenia ningún limite en mi caso particular torturaron a mi bebe de 20 días tenia Rodolfo, ,.. lo torturaban para que hablara yo, entonces eso daba una dimensión de que esto no tenia ningún fin, de que uno ni siquiera o podía disponer de su propia muerte, es decir yo me quiero morir ahora, y listo se acabo, no se podía pida ni siquiera eso, que es peor, ese fue.. es peor, la peor de las falta que podía cometer un prisionero era intentar quitarse la vida, como paso con el Papa de una compañera nuestra de acá del barrio Laurita Villaflor, que el papá se llamaba Edmundo Villaflor que fue torturado salvajemente durante dos días y él intento tomar agua del inodoro para matarse y no lo logro, pero los guardias los mataron a patadas, como diciendo acá los que disponen de la muerte somos nosotros, nosotros o sea no puedes ni siquiera suicidarte, entonces eso daba la dimensión de un túnel negro digamos sin..sin fin, sin ninguna luz al fondo, o sea que uno había caído en una dimensión que escapaba incluso a la gente que uno escuchaba en la calle, o a los aviones que pasaban o al tren que...o a las bocinas de los autos decía uno, la humanidad sigue transcurriendo, la vida de la gente se sigue desarrollando mientras acá ocurre esto, ¿cierto?, entonces daba la sensación de una dimensión extra, pero después con el tiempo habiendo ya salido de ahí y habiendo transcurrido tantos años nos damos cuenta de que nos paso a nosotros, en realidad les paso a todos, por que el avión que pasaba con pasajero cargados, todos los pasajero que iban arriba del avión sabían lo que pasaba a pesar de que no sabían que en ese momento precisamente, pero se sabia lo que pasaba en Argentina, el tren que pasaba con gente sabían lo que ocurría , los autos , los chicos de la escuela de al lado, había una escuela, al 189 lado de la escuela mecánica de la armada un colegio que se llamaba el colegio baggio todos los días ellos salían a recreo jugaban los niños afuera y demás, y yo después lo supe porque hable con el director una vez que salí de allí, hable con el director y me dice nosotros todos, sabíamos todos los padres sabíamos que era lo que pasaba allí, se escuchaban , se escuchaban los gritos M: ¿y porque a usted le parece que cierta complicidad si puede decir así de la sociedad? C: es que no es complicidad, acá lo que se aplico fue un plan de terror hacia el conjunto de la población, donde incluso nuestro rol de sobrevivientes fue justamente desparramar el terror, por que para ellos que tanto ocultaban todo, decían los centros clandestinos no existen, los desapreciados no existen y todas estas cuestiones, ¿ cual era el sentido de que algunos de nosotros, lo sacaran de ahí en el sacaran al aire? es que uno contaba, pero tenia que contar, porque yo tenia que ir a la casa mi compañeros a las madres y decirle tu hijo estuvo acá conmigo, y eso me ponía en un doble rol, en un doble rol, tenia que decir la verdad, pero sabia que al decir la verdad, aterrorizaba porque la gente esa decía: ¡no puede ser lo que me estas desciendo! y yo te estoy diciendo que si, por que acá decían de que mandaban la gente al sur a unos campos especiales de adoctrinamiento de la gente y todo el mundo tenía esa esperanza, las madres todas las madres tenían esa esperanza hasta ultimo momento de que sus hijos estuvieran en una gigantesca cárcel, digamos en alguna parte de la patagonia en Argentina que es inmensa, ahí….secreta en algún lugar que todos sus hijos estuvieran ahí, muy mal; físicamente, hambrientos, flacos como quisieran pero todos tenían esa esperanza y cuando uno salía a la calle ¿que contaba? y contaba la verdad, y la gente no nos quería creer, ¿se entiende?... pero ellos de una manera funcionan como una gota de aceite en el agua, ¿no?…cae una gota de aceite en el agua y la gota de aceite se desparrama, todo el mundo sabe y es conciente de lo que ocurre. Al momento de caer, yo caí bastante tarde, a mi me agarraron en noviembre de 1978 pensemos que la dictadura empieza en marzo del 76, yo estoy todo el 76 todo el 77 y casi todo el 78, yo era un militante político, no era una persona común que caminaba por la calle tenia un compromiso político, M: De que agrupación? C: de la juventud peronista, de montoneros, y…..el día que yo caigo, yo soy plenamente conciente de todo lo que pasa en la esma, por que ya habían huido, otros prisioneros de la esma, Darin Mayo por ejemplo o Jaime Gril que habían huido precisamente Jaime Gril 190 justamente a la frontera con Brasil y daril mayo había huido acá en la capital federal hasta que lo pudieron agarrar y lo mataron, donde relataron esto hacia afuera y se sabia lo que ocurría en la escuela mecánica de la armada. Entonces al momento que yo caí ya sabia y como lo sabia yo, lo sabia mucha gente, muchísima gente y cada vez se sabia mas, el propio Rodolfo walsh cuando escribe en el año 77, la carta a la junta militar habla de los casos incluso, que habiendo sido arrojados al mar el cuerpo, devolvían los cuerpos al agua hablan en el caso especifico del negrito de avellaneda que era un chico de 15 años, que lo mataron por espadamiento, adelante de la madre y a la madre la dejaron viva, para que la madre salga afuera y cuente que era lo que habían hecho con su propio hijo de 15 años. Entonces esto era un sistema de terror tan grande, que no era que la gente era cómplice, la gente tenia terror, no miedo, terror.. terror de que le pasara a uno, pasaban los patrulleros por la calle y la gente agachaba la cabeza, tuviera o no tuviera participación política no le importaba..... M: todos las personas tenia mie..miedo mismos, todas las personas de derecha o las personas que no tenían un compromiso político o eran.... C: acá era la represión en la Argentina fue absolutamente indiscrecional, o sea, acá no podemos hablar de personas de derecha, vos fíjate de que en este momento acá uno ve anular el indulto contra Martínez de hoz que era el ministro de economía de la junta militar, Martínez de hoz por un negocio propio..de él ehh? hizo secuestrar a dos empresarios que se supone que los empresarios son de derecha..los hizo secuestrar, y los hizo matar, para quedarse él con las compañías de... las..de estos tipos.. ¿se entiende? o sea que acá no hay que ataco a la izquierda, o que ataco al peronismo o que ataco a los mas o menos… ehh comprometidos, los que alguna vez leyeron un libro o que estaban en una agenda de teléfono de alguien, sino que no, fue muy profundo lo que ocurrió en Argentina y que casualmente…ehhh, el desarrollo de los juicios están marcando, porque los represores hablan, en los juicios, ahora que están abiertos entonces hablan y cuentan y dicen cosas que si bien nosotros sabíamos, esteee,..es decir cuando uno escucha bien suena diferente, entonces salió un general que fue presidente Bignone que dijo en el juicio que el había hablado con el anterior presidente que era Viola y le dijo en su momento la represión que va haber en Argentina va a ser pero que la de Chile, cuando para todo el mundo la dictadura de Chile era la cosa mas sangrienta que existía en el estado nacional lleno de presos y gente 191 fusilada y demás cuestiones, bueno eso en Chile implico 3000 personas muertas. En Argentina fueron ¡30 mil! o sea que se predijo esa predicción que habían hecho, se cumplió o sea, fue mucho peor acá que lo que paso incluso en el resto de los países de Sudamérica en su conjunto. Porque dictadura hubo en Brasil, hubo..te hablo de los países limítrofes, hubo en Brasil, en Paraguay, en Uruguay, en Bolivia y en Chile, si uno toma el conjunto de las victimas en todos los países esos, no llega a los 30 mil desaparecidos que hubo en Argentina, ose que lo que ocurrió acá fue mucho peor, sin embargo uno ve cada unos de estos países esta signado de alguna manera en su historia por el paso, por haber atravesado alguna dictadura y eso forma parte de su historia y de la idiosincrasia de esos pueblos, a este pueblo lo marco feo, esa experiencia, ....(quieres cerrar así no se escucha afuera así podemos.....), ehhh te quiero decir, eso te da la dimensión de que a este pueblo, el pueblo argentino, el paso de la dictadura, lo marco mucho mas profundamente, incluso que a los…que…que a los países hermanos de Sudamérica, porque tenés el ejemplo en Uruguay donde el pueblo puesto a votar a cerca de si va aceptar o no el indulto o la amnistía, votan que quieren la amnistía ¿por que?, por que hay 150 uruguayos desaparecidos y la mayoría desaparecieron acá en Argentina y en Chile ocurre lo mismo, Pinochet, fue senador vitalicio durante muchísimos años y hoy la gente sale a la calle a defenderlo hay manifestaciones que defienden a pinochet.. ehh ¿porque? por que en su conjunto el golpe pinochetista, produjo 3 mil victimas y lo mismo ocurre con Paraguay y Stressner, donde tiene ehhh…digamos delfines que siguen su camino como el general este…que, es strenerista y ahora no me acuerdo.. eh, no me puedo acordar, el nombre se me nubla tanto la memoria M: por lo menos en Brasil esta semana el supremo tribuna federal voto….. C: si,... M: voto que no se cambie la ley de amnistía de Brasil, que iba a proponer que se terminara la ley pero paso, 7 votos a dos unido la línea la ley de amnistía ..porque también en el poder están todos lo que.... C: están todos los que se...exactamente...bueno, lo mismo nos ocurre acá, nos ocurrió durante mucho tiempo, en los tres poderes del estado, el poder ejecutivo, el poder legislativo y el poder judicial. El poder ejecutivo ya, desde alfonsin, que no tenemos que olvidar que, alfonsin si bien es el que hizo la ..los juicios a la junta.. a las juntas militares fue el juicio mas ridículo que hubo, donde uno de los integrantes, de la primera junta militar, el 192 brigadier Agustín fue condenado a 4 años, ¡4 años!, termino el juicio y salió y se fue caminado de ahí, porque no tiene condena, o sea, cuatros años es irse a la calle…ehh además de eso, se produjeron las leyes de obediencia debida y de punto final en el gobierno de Alfonsín, después los pocos condenados que hubieron, Videla, Massera, y algunos que estaban condenados en el gobierno de las juntas, vino Menem y los indulto, digo, Menem estuvo en dos gobiernos sucesivos unos atrás del otro, y después de eso vino de La Rúa, cuando acá no se podían hacer juicios, todos los organismo de derechos humanos entre los que nos encontramos recurrimos a otras justicias del mundo, fuimos a España, fuimos a Italia, fuimos a Francia, fuimos a Méjico, a todos los lugares a buscar justicia a otro lado, por que acá no se podía juzgar, cuando en España, dijeron..tomaron el caso, que incluso llegaron a encarcelar a pinochet en Londres, en aquel momento, como consecuencia de la investigación de lo que ocurría en Argentina, este decidieron hacer un pedido de extradición de 40 militares argentinos, este De la Rua, el gobierno De la Rua puso la mas firme oposición a que eso ocurriera, o sea, hay.. hay un tratado de extradición entre los dos países que, es como decir ha.. ver España tiene una embajada en Argentina y la Argentina tiene una embajada en España, eso es una relación bilateral y se respetan...bueno, el tratado de extradición es lo mismo, es un tratado que se respeta, bueno en este caso, no fue así, no se extraditaron a los 40 represores argentinos, cuando en Argentina, tiene una política de extradición como paso..Paso en el caso frierken que era un asesino nazi que funciono en Italia y se lo conoce como el asesino de las fosas adriatinas y estaba acá en Bariloche, lo solicito la justicia italiana y a ese si lo extraditaron, pero a los represores argentinos de la rua no extradito a ninguno, ....y este gobierno.. bueno a todo esto, yo estoy hablando de los gobiernos desde el poder ejecutivo. Desde el poder legislativo, fue el congreso los que aprobaron las leyes de obediencia debida, punto final e indultos, fue el congreso, todos, nuestros representantes políticos, todos los que nosotros ponemos el voto, el congreso, levantaron la mano para anular...ehh..para poner estas leyes y anular y proponer el indulto... M: puedo abrir un poquito..ehhh. C: (sii,, siii ..disculpáme yo fumo mucho..y soy muy fumador)...bueno y por ultimo el poder judicial o sea los jueces, el poder ..y demás, eso es hija directa de la dictadura, todos los que era funcionarios en aquel entonces en la dictadura... menores ¿no? porque los jueces viejos 193 algunos se murieron otros no, siguen jueces de la dictadura, pero todos los que eran funcionarios, secretarios, fiscales y demás, de aquella época ascendieron hasta hoy ser jueces, entonces tenemos que en los juicios que se desarrollan hoy liberan, liberan militantes, porque si, por que se les da la gana, tenemos una instancia judicial que se llama la cámara casas...cámara nacional de casación penal que decide por si misma y es inapelable, ni siquiera la corte suprema de justicia puede revocar un fallo, entonces resulta que en la causa esma, donde actualmente hay 17 procesados que están en juicio en este momento, esta cámara de casación penal libero a 25, los dejo en la calle, si..25 asesinos del la esma están liberados por el....absurdamente, por el accionado del poder judicial, eso es ¡hoy! en este gobierno de los derechos humanos, 25 presos están en la calle, asesinos que seguramente en algún momento pasan por acá orgullosos y festivos contra ellos, ..ahhhh correcto M: ahh si..si..si C: los largo, este poder judicial parte constitutiva de este gobierno, entonces, esa es la cuestión, M: prima la persecución de los testigos.. C: si..si por supuesto acaban de matar hace menos de un mes a Silvia Supo en...secues.. M: hicieron como un robo.. C: hicieron como un robo pero en realidad la asesinaron..es un asesinato político, M: y con julio López.. C: y con julio López también , casualmente y no es, anecdótico esto, cuando estaba por terminar el juicio de ..Echecolas donde julio tenia que ir participar de la ultima audiencia ese día lo secuestran y desaparece y no aparece nunca mas ... y cuando termino el juicio de los represores de santa fe entre los que hay condenados..un juez de la época de la dictadura este..asesinan a Silvia Suco, es..es aleccionador o sea termina un juicio donde hay condenados buscan a uno y se la agarran con ese… MYRNA: como continuar con el estado de terror, no? CARLOS: exactamente, continuaron con el estado de terror.. que en el ámbito especifico que a vos te convoca que es la Psicología..digamos. estee..un estado de alteración total quee...yo 194 no duermo tranquilo..y cuando mi hijo va a la escuela yo siempre tengo miedo, cuando mi señora sale no sé si vuelve, cuando golpean la puerta no sé quien es, ehh es un estado constate de alteración.. que yo lo suplanto con un.. una digamos un compromiso y una voluntad de militante con respecto a la obligación que yo tengo en la vida..digamos que es…dar testimonio acerca de lo que ocurrió porque sino nunca va a haber justicia pero..de cualquier manera a mí me hace mucho mal esto, es decir no me produce tranquilidad porque: no hay una justicia plena, no se desarrolla, una plenitud de la justicia que ni siquiera veo de parte de ninguno de los gobiernos constitucionales que se han dado hasta ahora una voluntad política para que eso ocurra, la voluntad real, es decir acá vamos a cortar a fondo es decir vamos a ir hasta el hueso, no eso no pasa..toman casos emblemáticos Acosta, spitz en la, esma Martínez de hoz en el ministerio de economía, Videla, Menéndez, Bussi en Tucumán y así unas cosas emblemáticas..realmente pero el resto nosotros sabemos de que los que participaron en la masacre que hubo en Argentina desde el punto de vista de las fuerzas armadas, solamente, el numero es muy grande, estuvieron implicados todos los militares de aquella época, y aquellos que ya se han retirado que no forman parte mas de las fuerzas armadas, de la estructura de las fuerzas armadas le han enseñado a los que hoy están..son sus maestros, en los colegios militares funciona así, el superior le enseña al inferior entonces esta es una situación es muy preocupante que,..lógicamente nos asusta, pero no al punto de aterrorizarnos, nosotros los que ya sufrimos el terror una época y sabemos, hoy de que al pueblo decidió a que esto no vuelva a ocurrir, y eso se ve y se manifiesta cada 24 de marzo, que es la conmemoración del día del golpe militar cuando nuestro pueblo marcha de congreso hasta plaza de mayo a reclamar justicia, a que los juicios sean serios, a que se acabe la impunidad, todos los reclamos que hacen al tema de los derechos humanos en general M: Marchan como cien mil personas…. C: exactamente, es la marcha de carácter político mas importante que se desarrollas todos los años en la Argentina, no hay otra marcha política mas grande que esa, ocurra lo que ocurra, incluido cuando ocurrió lo de Julio López, tuvo una dimensión similar, pero al principio, digamos o sea las primeras marchas fueron muy masivas y después fue decayendo..decayendo y hoy a tres años y pico ya el interés se diluyo, digamos.. ahora no hay una participación tan activa, sin embargo la marcha del 24 es un día feriado ahora, 195 encima cosa que es un horror de parte de este gobierno, haber declarado feriado esa fecha, porque la gente puede decir bueno yo me voy a descansar, un día afuera al campo, a algún lugar, no tiene que sacrificar su día descanso e ir a la marcha entonces mucha gente hace eso, sacrifican su día de descanso y participan de la marcha para decir que este pueblo, no se olvida de lo que paso, y ya no esta mas aterrorizado como antes, que va a pelear que una situación así se vuelve a dar, se va encontrar con esas 100 mil personas en al calle,.. M: y cual es la comparación ehh por ejemplo con Brasil, porque una conmemoración así de la memoria así C: bueno, mira, ehhh..el ejercicio de la memoria, es..el otro día lo teníamos hablando justamente en función de esta..de este tema de los juicios, o sea lo único que permite llevar los juicios adelante es la, es la memoria, ¿bien? Entonces cuando nosotros estábamos al principio en los centros clandestinos de detención, y entre nosotros, los presos podíamos algo un poco hablar digamos, supimos que nuestra única arma, nuestra únicas arma sin saber si íbamos a sobrevivir o no, pero que nuestra única arma digamos... para lograr justicia por lo que estaba ocurriendo era la memoria, porque no teníamos otra cosa...lo único que podíamos hacer era guardar en la memoria, y hay muchísima gente que guardo en la memoria, que igual fue muerta, o sea hay, muchos recuerdos que se perdieron, porque....los recuerdos de cada uno, no,,se jamás son iguales a los del otro, por mas que se hayan dado en el mismo momento, mucho se perdió, porque muchos han matado, pero los que sobrevivimos tomamos eso como consigna digamos, nuestra arma para derrotar esto que está ocurriéndose la memoria, y eso lo supimos no solamente conservar sino, además desarrollar, durante unos años, vos fijáte que..no se si ustedes están siguiendo el juicio de la marina ahora, al altish el día que declaro, que hizo uso de la palabra, dice: acá es al revés, de los procesos este de, proceso humano donde el hombre a medida que envejece pierde la memoria, acá parece..que....a partir de que pasa mas el tiempo, cada vez se acuerdan de mas cosas, es cierto, que cada vez nos acordamos de mas cosas, porque es un ejercicio, porque es una obligación, es mi responsabilidad, yo a mis compañeros que estaban conmigo al lado,,, si yo sobreviví, y ellos no, yo los tengo que rendir cuentas por ellos, yo tengo que agarrar y sacar, traerlos y que estén presentes en mi juicio y que sean ellos los que acusen, a través de mi voz, a través de mi memoria, pero ellos también tiene que acusar, a los..a los que están ahí sentados, por eso.. 196 M: te pregunto también porque mi papa fue exiliado y también tenia una amiga que su papa...su abuelo es desaparecido, por eso, C: si, si.. M: y hay de las familias que conozco mas de clima de secreto, de olvidarse, y lo que encuentro acá en Argentina es la gente, no solo no se olvida, como se manifiesta y lucha por justicia, y allá veo un silencio, el secreto como algo que es pasado como... C: si, no es, yo creo que este,...la diferencia esta justamente en lo que mencionaba al principio en la magnitud de lo ocurrido o sea..vos cuando decís que a la plaza de mayo van 100 mil personas, bueno agarra una tercera parte de esas personas y desaparécelas, o sea es mucha gente, ¿se entiende? entonces..... entonces esta mucha gente a lo largo y ancho del país que no paso en buenos aires solamente, porque paso en todo el país, por lo tanto la identidad que.. y la identificación que tiene el pueblo argentino con lo que paso, es mucho más cercano, por que si por ahí alguien tiene un desaparecido en la familia pero sabe de alguien que lo tiene, entonces es mucho más concreto, eso por un lado, y después por otro lado, han habido ámbitos, donde lógicamente en la época de la dictadura estaban absolutamente censurados, como es el educacional, el cultural, el musical, eeeh. El psicológico y demás ámbitos, donde esta temática se ha tratado con mucha intensidad, y desde la música por ejemplo, hay muchos autores, que toman el tema de los desaparecidos, y se convierten en algo popular y oído por muchos, ¿entiendes? Desde la literatura y bibliotecas enteras que hablan acerca de esto, y mucha gente leyó estos libros, en la televisión se toma esta temática y mucha gente se entera, y no solamente eso, mi hijo menor que ahora va a venir de la escuela empezó el primer ano de la escuela secundaria, ahora..entonces, me muestra todos los libros nuevos que tienen y uno de ellos se llama instrucción cívica, y en el libro de instrucción cívica, esta desarrollado el juicio contra echecolaz , esta desarrollado el secuestro de julio López, y esta desarrollada las marchas del 24 de marzo, eso quiere decir de que hoy, los niños,,de.. mi hijo tiene 13 años, no habían nacido en la época de la dictadura...los chicos en la escuela, están estudiando lo que ocurrió así sea una cosa superficial..digamos pero lo cierto es que toman la temática, y todas las escuelas el 24 de marzo hacen un acto, porque es el día de la memoria, entonces a lo largo y ancho del país, se tiene que conmemorar así como se conmemora el día de la bandera, el día del himno, lo que sea, digamos… el día de la patria, a ver..el día de la memoria también se 197 conmemora, y eso produce estee, una conciencia colectiva que permite, entre otras cosas producir un rechazo, a eventualidades de que una cosa similar vuelva a ocurrir, y por el otro lado contrarresta, este silencio del “no te metas”, por que hay mucha gente que dice: mejor no hablar, si uno se pone a..a contar, porque acá también es una cuestión de estadísticas, y números, si los desaparecidos son 30 mil, .. ¿no es cierto?..uno va un jueves a la plaza de mayo y ¿cuantas madres hay dando vueltas, no hay 30 mil, ..cierto?..pero si hay un pueblo consciente de la lucha de las madres, y que donde le toquen un pelo a una sale todo el pueblo a la calle,..ta?, ahora hay muchas madres, que agarraron y se.guard....mi propia mama, el día que me secuestraron, estee, me dijo que además del terror que ella sufrió me dice: yo tenia tus dos hermanas, que cuidar, mi mama era sola mi papá ya había fallecido, entonces y yo era a esa altura también un sostén de ayudar a mi madre, porque mi mama era sola, bueno luego desapareciste vos y yo me tuve que hacer cargo de tus dos hermanas que estaban en edad escolar, todavía y tenia que velar por ellas y el peligro que representaba portar tu apellido solamente, en aquel entonces era muy peligroso, es decir que se llamaban como vos, era un peligro para ellas a pesar de que fueran menores, entonces mi madre, que hizo, se retrajo o sea, se metió en su familia, cuido a las hijas, y de eso es un tema que no se habla, y hasta que yo aparecí, dos años y medio después, era una cosa oculta y después muchos años después, también contar eso a mis hermanas también fue muy difícil, y hoy ellas saben plenamente que fue lo que paso pero bueno, tuvo que pasar mucho tiempo,.. M:, yo te quería decir que la memoria pasa por lo personal,, también no? por el modo en que uno tuvo una experiencia particular porque tiene un familiares y es cercano.no?... C: si por supuesto, pero yo creo que hay, es una consigna que mueve, digamos a todos los que están implicados en esta lucha contra la impunidad, que se llama memoria, verdad y justicia, ta?, la memoria se sustenta absolutamente y exclusivamente en la verdad, acá nadie inventa ninguna cosa, porque no hace falta,..no hace falta, decir de que ..que además se comían a los chicos, no hace falta, es no es verdad porque eso, no ocurrió, no es cierto y con lo que han hecho con los niños alcanza y sobra,..entonces nadie inventa nada, porque es horroroso lo que ya han hecho, con eso alcanza y sobra, lo que han hecho con las mujeres, lo que paso con hombres y mujeres lo que ha pasado con las madres de plaza de mayo, que arrojaron al mar, monjas, curas, niños, todo, no hace falta exagerar, no hace mentir, con 198 decir la verdad alcanza, entonces, la memoria y la verdad conducirán a la justicia, ahora la justicia, debe ser plena porque sino estos dos pasos quedan truncos ahora, y eso no funciono en 30 años, hace mas de 30 años que paso la dictadura, en la medida que no hay una satisfacción en este ámbito que esto, esto de que la justicia si no esta plena esto, sigue funcionando, sigue de alguna manera generando actores que ,producen cambios en este aspecto ya sea llevando aunque sea a un represor mas aunque sea uno mas.. M: ¿hay una relación entre justicia y la reparación? como yo.. C: si por supuesto, exacto si, o sea incluso es mas, es bueno que lo traigas a colación porque acá se intento en la argentina en el gobierno de menem reparar la falta de justicia con dinero.. M: si..si C: ¿eh?..es como si un desaparecido tuviera un precio.. M: si.. C: ¿ahora tu tienes hijos? M: no..no, C: bueno, ehhh el día que lo tengas, me vas venir y me vas a decir cuanto vale M: si.. C: y a ver si todo el dinero del mundo va hacer el que pague el valor de tu perdida, no existe, eso,, bien eso lo intento hacer menem ¿no es cierto? Y no funciono tampoco.. acá lo único que repara es la justicia.. M: si... C: es ver al asesino tras las rejas, es lo único que es reparador, no hay otra cosa..y ..saber de que va a cumplir su condena la justa la que le corresponde y la que consiguió con todas las garantías de la ley, cosa que nos dieron a nosotros, va a tener su abogado defensor, su fiscal, un tribunal va a tener todas las garantías de la ley para que la condena que el tipo reciba sea la justa, lo que le corresponde, y eso lo tenga que cumplir si o si ..entonces, eso es lo único que repone..estee, que repara por así decirlo. Pero..... Carlos: vos lo que tenes que pensar respecto del proceso de las madres, es de que ellas..no eran militantes políticas 199 Myrna: si.... C: Ellas eran: madres de militantes políticos M: si, si y Hebe siempre dice que los hijos las parieron C: eso dice Hebe y también dicen varias otras, pero lo cierto es de que...ehh..como en toda sociedad hay diferencias de pensamiento, entonces ehh..dentro de los que fueron militantes en Argentina y desaparecieron habían distintos estratos sociales, gente muy humilde y gente muy adinerada digamos, que a pesar de ser de una familia adinerada no les impedía digamos ser un militante populares o revolucionario por así decirlo, el mismo Che Guevara venia de una familia muy adinerada, para poner un ejemplo, ahora tenemos la fortuna en el caso de la madre del Che de que era una señora con conciencia o que supo desarrollar su conciencia a partir de la participación en política de su hijo, pero hay un montón de madres que no tienen la menor idea, que todavía se preguntan que es lo que paso, todavía se preguntan, la gran mayoría, vemos nisiquiera participan de la ronda....por ejemplo, entonces, no es ilógico que dentro de un grupo que subsistió digamos a la masacre, hayan dos grupos: unas que piensan de una manera y otras que piensan de otra, y suerte que hay nada mas que dos. Porque yo las conozco y hablo con ellas y tengo una excelente relación con muchas de ellas y yo se que individualmente entre ellas no se como están juntas todavía, pero bueno por suerte hay nada mas que dos grupos M: y hacen un trabajo histórico impresionante.... C: y..si, en este caso, particular en el de madres se da una situación que por lo menos permitió formar dos grupos, en abuelas por ejemplo queda Estella Carlotto, como abuela, después no hay mas abuelas, todas las otras abuelas se fueron, todas las fundadoras de abuelas no están en abuelas, ya no están mas, ehh incluida Chorrit de Marianni, la de la plata que es fundadora, y te la puedo nombrar porque ellas es un caso, muy, muy famoso que esta buscando a su nieta Clara Anahi Marianni, desde hace muchísimos anos, esteee.. ella fundo una asociación a parte que se llama fundación Anahi, pero que no se llama digamos Fundación abuelas Anahi, digamos, no ella fundo una cosa a parte...y bueno, el proceso en abuelas fue muy duro también produjo mucho desgaste, y mucha gente se fue..algunos por voluntad propia y algunos por....... (interrupción telefónica) 200 M: yo quería también saber, información sobre dictadura, de dinero, negocios, la patota, por que como es.... C: si, mira, ocurre lo siguiente: el golpe militar en Argentina se produce básicamente por razones económicas, ¿humm?, hay que entrar en una definición del carácter filosófico acerca de que es la política, digamos, pero la política abarca distintos aspectos, uno de ellos es el aspecto económico, esta ¿bien?, también la política abarca el plano militar de las cosas digamos, pero que es lo que genera el golpe militar en Argentina, es la implementación de la nueva política económica, que es la política neoliberal... M: si, C: ¿bien?, para conseguir eso en este país que tenia la conciencia política popular muy desarrollada, que venia del peronismo...y una serie de instancias especiales la única forma que tuvieron de implementarla, es eliminando físicamente a todos los opositores. ¿Bien? Eso fue lo que se implemento acá, o sea, al implementar el plan político, hubo que desaparecer a 30 mil personas, para eso utilizaron el poder militar, ¿no? que a lo Largo Y ancho del país puso toda su estructura en función de esta..de este nuevo plan digamos..económico. en este plan económico estuvo al frente Martínez de Hoz que es un aliado de Estados Unidos.. M: humm C: ahora se da, en el plano económico, dos saqueos, dos robos en Argentina muy importantes, uno, es el del plano institucional que surge a partir de la política implementada del ministerio de economía, donde, se, se roba la riqueza del país, se empeña el futuro del país a partir de solicitar créditos al Fondo monetario internacional, que no nos hacia falta pero se lo solicitaron y en cambio de toda la estructura política y productiva del país en el sentido de estatizarlo lo mas posible, eh? y eh, destruir la industria nacional y hacer de este un país agro-ganadero-exportador, solamente, no generador de, o sea generador de materia prima...y no de materia manufacturada, es un país al momento del golpe militar que tenia 7 fabricas de autos,..7, eh?: termino la dictadura y quedo 3, ¿eh?, se fabricaban camiones, tractores, aviones, todo eso desapareció, a partir de la implementación del plan de la dictadura, perfecto. Ahora, ¿que paso?, utilizaron al aparato militar para ello, y al aparato militar lo que le dieron vía libre fue lo que se llama el botín de guerra... ¿que hace un ejercito cuando invade una ciudad?, roba todo lo que tiene adentro, bien eso fue lo que hicieron los 201 militares en particular, humm, yo tenia una casa cuando me detuvieron a mi, un departamento, vivía con mi compañera y una hija, y el bebe, había recién nacido, yo tenia un televisor, una heladera, una cama, un placard, una biblioteca...se llevaron ¡todo!, no quedo ¡nada!, y una vez que a mi me sacaron de la esma porque venia la comisión interamericana de derechos humanos a revisar la esma, me llevaron a un quinta en la provincia de buenos aires, en la localidad de Luisa, se llama, me ponen la capucha todo, me suben auto...todos allá a encontrarnos allá, ¿que vi ahí?, mi heladera, la cuna de mi hija, ehh....mis muebles, todo en ese lugar, ahora esto produjo, hay un calculo estimado y esto salió publicado ayer en pagina doce, vale la pena leerlo, produjo un botín de 70 millones de dólares,..70 millones de dólares, o sea, esta, entre pequeñas cosas, y cosas de mas valor, o sea, ha habido gente que tenia dinero en la casa y se lo llevaron lógicamente, había gente que tenia mucho dinero y se lo llevo también, eh?, bueno..... M: 70 millones.... C: 70 millones, bueno 70 millones de dólares, de aquel entonces, ¿bien? Ehh, con esto doy respuesta digamos a que en realidad el tema de la economía, beneficio a un sector que es el tradicionalmente poderoso en la Argentina, al agro-exportador-ganadero, digamos, el menosprecio de la industria nacional a la que destruyo, ¿cierto? entonces se concentro todo el capital, todo el dinero, digamos, en un selecto numero de reducidas familias y para el resto de la población fue catastrófico, el golpe militar produjo su implementación, o sea, desde antes, al momento después, del golpe militar, una disminución del 40% del poder adquisitivo, o sea, es como que de tu sueldo te saquen el 40% de todo, y tengas, que vivir con eso, eso sometió aquel que ganaba, mil, le quedaron 600, pero aquel que ganaba 100, le quedaron 60, eso produjo una miseria terrible, se lleno de..acá les decimos de Villas miseria, favelas,..se lleno de favelas por todos lados porque la gente no tenia para pagar el alquiler, para comer, para mandar a los chicos a la escuela, se produjo una gran pobreza, que hoy se traduce en una pobreza estructural en Argentina, son muchas generaciones de gente que no consigue trabajo, entonces...antes el trabajo, del padre, se lo enseñaba al hijo digamos, pero ahora el padre se quedo sin trabajo y ya no tiene que enseñar, ya el padre, se murió y el hijo fue siempre un desocupado que ya tiene un hijo y no le puede enseñar nada, porque no..nunca trabajo, entonces, al pobreza es estructural, y eso produce lo que vos nombrabas, las mafias y ese tipo de negocios, entre comillas “alternativos” porque la gente tiene que 202 sobrevivir, nadie se va suicidar porque es pobre, entonces que hace la gente, roba, trafica drogas, y demás porque, eso a su vez tiene una directa relación con el poder, ¿no? en el poder, sobretodo el policial en la Argentina, acá no hay un solo delito que no se cometa sin que la policía lo sepa, o participe a veces, el porcentaje del delito se lo lleva la policía.... M: y la dictadura también.. C: si, claro, por supuesto... M: en Brasil también, C: si vos imagínate que habiendo una represión tan fuerte en el país, donde nadie podía salir ni, asomarse a la calle, como salían los ladrones a trabajar… M: si..si, claro C: Y como es que iban y asaltaban un banco y nunca pasaba nada, como es que nunca caían los ladrones, ¿como?, porque una parte del asalto del banco iba para ellos, así funciono, M: y la participación de estados unidos… C: la participación de estados unidos fue plena. Plena, tenían....ehhh... la conformación de lo que se llamo el plan Sudamérica, donde esto funciono como un embudo, pero era para todos los países de alrededor ¿no es cierto?, M: humm C: como decíamos Brasil, Uruguay, Paraguay que era la mas antigua, Bolivia, Chile, donde a la vez produjo de que todos, muchísimo refugiados vinieran a la Argentina se escaparan de esos países, vinieran a la Argentina y Vivian en diferentes partes del país y a la vez la represión empezó desde...desde, de afuera hacia adentro, en Tucumán, Córdoba, Santiago del estero, en tierra del fuego, entonces la gente seguía huyendo y venia a la provincia de buenos aires, y ya la provincia de buenos aires era una carnicería entonces la gente venia a la capital federal y acá terminaban de exterminarlos, y así fue que nosotros que éramos los últimos que estábamos organizados en la fuerzas políticas organizada en el país, se nos redujo en el año 78 y terminaron atrapándonos en el año 78, ya después de eso, no hubo en el país, organizado no hubo mas nada, todo lo que hubo vino de afuera, se armaban afuera con defensiva, no se que...blabla....y traían, venían la gente de afuera, a morir.... acá, pero así dentro del país no quedo mas nada, destruyeron todo M: los años de terror acá 76 hasta 83.. C: si, 203 M: en Brasil tenemos un periodo mas violento de la dictadura.. C: ¿cual? M: 68 hasta.. que viene como actos incosntitucionales, como quitando los derechos civiles, y ahí se empieza la mayor violencia, acá se empieza la dictadura así de un modo mas violento.. C: absolutamente, si M: inmediatamente, C: si inmediatamente, si, y eso no di respuesta a tu pregunta, porque me preguntabas cual era la participación de estados unidos también, bueno, esta clarificación acerca de dar golpes militares a todos los países de alrededor y después concentrar, ir concentrado, digamos todo lo que se opusiera, a las políticas de estados unidos en términos generales ¿no? en esa situación bipolar que había en aquel entonces, que era la unión soviética con estados unidos, eso que se llamaba la guerra fría, bueno el plan de extermino que hizo estados unidos respecto de Sudamérica fue ese, ¿si? En términos militares, se llama cerco y aniquilamiento, quiere decir cuando el ejercito combate a otro, lo primero que hace es rodearlo, para después....destruirlo, ¿eh? derrotarlo, eso es en términos militares lo que hicieron acá y eso lo enseñaron en lo que se llama la escuela de las Américas en Panamá... M: si, si, si... C: mas todos los métodos, los métodos de tortura y demás cuestiones también se...a pesar de que la Argentina en ese sentido, era absolutamente pionera, la picana eléctrica se invento acá en la Argentina, ¿eh? bueno, pero se utilizaba para combatir el delito común, ¿no? en general todas la comisarías tenían picana, ¿eh? que para lo único que servia era que para cualquiera que hablara confesara un delito que no había cometido, y ese era el que iba preso, mientras tanto los reales ladrones que estaban con la policía seguían trabajando, y el otro pobre estúpido iba a la cárcel, ¿bien?, bueno, eso para eso se utilizaba muchísimo tiempo la picana, cuando se le tuvo que utilizar con fines políticos no fue la dictadura militar del 76 la que la implemento, las dictaduras militares anteriores también la implementaron..la picana, la de Ongania, Lanus, ehh la de Levinson, hubieron otras dictaduras antes que también implementaron la picana pero, porque es un invento argentino simplemente, que eso implementado por los francés en Argelia primero y el desarrollo de lo que se llama la política de contrainsurgencia es lo que lleva al canal de Panamá en la escuela de las Américas como doctrina, doctrina para enfrentar a esta guerra 204 que ellos decían contrarrevolucionaria, el método que se tiene que utilizar es este, cerco y aniquilamiento, ahora como el aniquilamiento era agarrando uno torturándolo hasta que confiese y de el nombre de otro, de otros y otros, otros, hasta que al final, esteee, caen todos, algunas personas soportan las torturas con mas fuerza y otras, con menos intensidad. En general todos los métodos utilizados para contrarrestar la tortura, incluido el suicidio que acá se implementó, antes de caer preso era mejor tomarse una pastilla de cianuro. M: si, si C: porque la tortura era terrible, entonces eso también valió, porque ellos inventaron un método, con un matafuegos ¿se llama? M: si, aha, C: con una manguera, metían una manguera al tipo y le hacían (waaaahggg), y salía todo para fuera, ¿se entiende?, o sea que no te puedes nisiquera suicidar, así inmediatamente que veían que te habías tomado la pastilla, te envían la manguera por la traquea, chak te metían el matafuegos, con un coso de apagar el fuego ¿eh? ....o sea que hasta eso previeron, ehh...los métodos de decir yo resisto dos días para que todos los demás se puedan ir y demás, eso llego un momento en que la gente ya no tenia mas lugar donde ir, por mas que uno resistiera dos días y dijera bueno, no...no canto esta casa ¿no?, la tortura, la tortura es decir están buscando esta dirección, no la doy, no la doy, cuando cumplí los dos días, digo bueno el tercer día, si, bueno, la casa es esta y acá no se iba mas nadie, porque yo no tenia done mas ir después, ¿entiendes? Entonces así se produjeron mas caídas y mas caídas, por eso tuvo esta dimensión la implementación de la tortura y los efectos psíquicos que les quedo a todo el mundo el hecho de haber resistido la tortura, el tiempo estipulado, las 48 horas y que esa resistencia no haya, no se haya traducido en que los compañeros se hayan salvado, no, cayeron igual, y si no fue por ese método, esa vía fue por alguna otra circunstancia que también o sea, acá no se salvo nadie, había un control férreo, policial, estatal acerca del movimiento de todos, todo el mundo estaba absolutamente controlado, entonces estee, no hubo escape y además, como yo te decía, todo alrededor estaba cerrado, la única vía que tenias para salir era a Europa o irte a algún otro lado que fue lo que la mayoría de los casos paso, el exilio argentino en general fue a Europa o a Centroamérica, Méjico y... algunos países de por ahí.. M: Venezuela... 205 C: si Venezuela, pero ya no era, era muy sencillo que hubiera un golpe en Chile y una vez que se cruzaba a la Argentina y ya ta...pero ya a Chile uno de acá para Chile no podía ir, ni para Brasil tampoco y para Uruguay tampoco, entonces había que hacer el camino mas difícil, encima en los lugares de donde uno salía eran los mas controlados, los aeropuertos, los puertos, espacios fronterizos, o sea todo estaba muy controlado y era prácticamente imposible escaparse.. M: si.. C: y ocultarse y también era imposible porque donde te ibas a ocultar si al final, a la larga como nos paso a nosotros, que nos pudimos ocultar que te digo, durante 3 años y al final nos agarraron también, así que bueno esa era la situación (silencio)......no se si esto te sirve para tu tesis M: claro mucho C: porque no estoy abarcando mucho en términos psicológicos, digamos... M: no, no.,no mi tesis no es clínica C: aha, bueno M: mi pensamiento es decir los efectos psicológicos tuvieran que ver con la política, la reparación como lucha por justicia… C: bueno muy bien, ¿vos cuando te estas yendo? ¿Cuando retornas a Brasil? M: ahh el domingo... C: ¿el 10?o ¿este domingo?.. ¡ahh que lastima! M: el 10?... 9.. C: el domingo próximo es 10.. M: si bueno el 10 C: ah porque ese día se estrena en el cine Gaumont.. M: aha, C: una película a cerca a de la resistencia en la esma, porque eso es todo una parte que nosotros no hablamos... M: mas seguro el martes..lunes, lunes...?no? C: el 10 yo se que es el 10, el domingo 10 yo se, claro, lo que pasa es que yo voy al preestreno, que es el domingo..el lunes ya queda abierta al publico.... M: ¿en video o en DVD? no hay, 206 C: no..no..no por ahora esta en película solamente y se proyecta ese día del estreno, después si se van a repartir CDS, M: después se pueden enviar por correo, C: si porque esa es una parte interesante que pocas veces se refleja, incluso en los juicios, o demás situaciones, la resistencia dentro de los campos...que eso existió y mucho y que.....de diferentes maneras, de una u otra manera, de una u otra forma, trascendieron y conforman parte también de esta historia trágica del país, ¿no? un acto de resistencia siempre es tratar de escapar del centro clandestino de detención y se han producido muchas fugas, de los centros clandestinos de detención, mucha gente que se escapo, que dio testimonio a cerca de lo que vivía ahí adentro, se dieron salidas grupales de gente, de muchos grupos grandes como fue el nuestro que pudieron salir a Brasil primero y a Suecia después, somos un grupo de 6 familias, seis familias que estuvimos todos presos y con todos nuestros hijos pudimos hacer la ruta de Brasil-Suecia M: pero huyeron de la esma o .... C: ehh, ocurre así, en una época la esma nos dice, bueno, vos ahora nos vas a dormir mas acá, adentro, vas a dormir en tu casa pero vos tenes que venir cuando yo te llame o tenes que llamar por teléfono todos los días ¿bien?, en esas circunstancias nosotros planificamos escaparnos.. M: si claro, C: no queríamos es estar en esa situación y entonces eh.....con 24, con 24 horas de anticipación, yo recibí la visita de un oficial de la marina en mi casa, al día siguiente me iba, el tipo no sabia ¿no?, pero el tipo viene y me dice bueno que estas haciendo, de que estas trabajando, estas haciendo algo de política....yo decía no.. estas trabajado yo decía, si, ¿te portas bien? .(risas) ....si, si, ..al día siguiente me escape (risas) y ya teníamos el pasaje todo para irnos , así que bueno esas cuestiones, esteee.... hay.....la resistencia de las mujeres allá adentro fue una cosa increíble, era de un valor, de muchas veces superior al de los hombres, esteeee, la....la historia de Víctor Basterra, ¿ustedes lo conocen? Es el que saca todas las fotos de los marinos, ¿ustedes se enteraron de eso?.... M: no, no.. C: Víctor Basterra, esteee saca, las fotos de documentos, saco ciento y pico de fotos de la esma escondido en el calzoncillo, los negativos.... 207 M: ahh sii, C: entonces cuando el podía salir de visita a su casa, que lo dejaban ir a la casa y después tenia que volver, se llevaba los negativos los guardaba así muy pacientemente durante mucho tiempo y eso es lo que nos permitió identificar a uno por uno a todos los represores de la esma por ejemplo, eso es un acto de resistencia que yo creo que tremendo, no hay uno, no hay otro igual no se, en victoria, digamos, una cosa terrible y bueno y por sobretodo el acto de la resistencia básico y fundamental que fue el de la memoria, el de mantener la memoria, el no olvidar ¿no es cierto? y ponerse de acuerdo incluso en recuerdos que nosotros teníamos, hacíamos...cuando podíamos nos reuníamos los presos y nos poníamos de acuerdo en que recordar cada uno, porque el recordar todo era muy difícil, entonces cada uno se empeñaba en una parte y grababa en su memoria de todos los detalles habidos y por haber todo lo posible digamos, para mantenerlo por si algún día podíamos salir y poderlo contar M: y que se dio cuenta al momento de vivir para contarlo...juega un papel C: claro, M: importante C: y si, M: para la sobre vivencia... C: ...y si, exactamente, si eso es la sobre vivencia la búsqueda de justicia, porque el otro rol, el que nos quisieron imponer, el de salir a desparramar el horror, y cada vez hubiera mas miedo y la gente nunca mas quisiese participar en ninguna clase de cambio político en el país, porque en eso...a eso apuntaba ¿no es cierto?, eso no lo consiguieron por lo menos de nosotros, porque esta bien nosotros dimos un ejemplo de que se puede seguir siendo un militante político, se puede combatir contra la impunidad y se puede llevar a los tipos a juzgarlos en un...en el banquillo de los acusados como están ahora, luchando contra todos los poderes del estado el judicial...el..el...el ejecutivo, el legislativo durante muchísimos años, durante 30 años de lucha, pero al final se pudo y eso fue, el absoluta responsabilidad de los sobrevivientes porque: ustedes imagínense que las madres y demás organismos tuvieron un rol muy importante en todo esto, lo cierto es que cuando venían los militares a esta casa y me llevaban a mi, mi mama, futura plaza..madre de plaza de mayo, lo único que vio fue unos señores entrar y se llevaron al nene, al hijo, lo pusieron en el auto y se fueron y eso es todo 208 lo que vieron, ya lo que ocurrió adentro es lo que nosotros sabemos y es lo que hace a la historia, eso es lo que permite condenarlos... M: si, si C: es eso, y es exactamente acá hay una repetición en la historia, donde hay un antecedente histórico que ocurre que es el genocidio nazi, son los sobrevivientes que permiten condenar a los genocidas, a los nazis, es el rol del sobreviviente, los que juegan en esta historia, en esta etapa y en esta parte del mundo, nosotros, todo bien, ¿nos esta saliendo bien? Ahora...bueno por suerte, algo, algo se esta haciendo, falta mucho.... M: si. C: si, nos falta mucho todavía nos falta muchísimo..hay que luchar por supuesto.. M: triple A, operación cóndor, acá, C: si claro, si, si, la ehh....el golpe militar es una continuidad del accionar de la triple A, todo lo que viene antes del 76 y funcionaba como triple A se incorporo inmediatamente al accionar represivo del estado argentino, o sea, antes funcionaba como un ente paramilitar ¿no es cierto? M: si, si paramilitar... C: ahora, cuando el poder lo tomaron los militares formaron parte del poder militar, se sacaron digamos el; disfraz y empezaron hacer, y estaba a cargo de los mismos, estaban conformados por la misma gente....esteee..y....eso en cuanto a la triple A, y el plan cóndor bueno, venia existiendo y desarrollándose, lógicamente desde mucho antes en función de que las dictaduras, el ultimo país en caer en dictadura es la Argentina todos los demás ya están..o sea que ese conforma el plan cóndor también o sea, hay su interrelación entre los servicios de inteligencia de todos los países, el intercambio de información fue lo que permitió, bueno esta gran masacre que se produjo en todos nuestros países,... M: entonces antes, antes del 76 ya existía, ya había una tortura, una....dictadura C: si, si desapariciones, muertes,....si,si,si... M: pero del 76 hasta el 83 cuando hay muchas personas en Argentina....y se institucionaliza de algún modo .... C: si exactamente....y si, porque vos imagínate antes la triple A, funcionaban, se llamaban casas operativas, digamos esa casa de ahí en frente uno no sabe lo que es, ¿no? entra y sale 209 gente ¡que se yo!.. entra un auto...no sabe lo que hay, bueno la triple A funcionaba en ese tipo de casas, después del golpe militar empezaron a funcionar en los cuarteles.... M: si, si C: entonces funcionaba en la escuela mecánica de la armada, no hacia falta, estar en una casita allá chiquitita, pero así y todo vos tenes por ejemplo automotores Orletti que es el centro de la operación cóndor, o sea es el reducto donde efectivamente van a llevar a uruguayos, brasileros, cubanos, estee, chilenos, o sea de todas las nacionalidades, los llevan ahí a automotores Orletti, y automotores Orletti era un.....un taller de reparación de autos, un taller mecánico común y corriente, hoy se lo puede ir a ver y no sabes....,dices como es que esto pudo funcionar en este lugar, y están las argollas en la pared, donde tenían a la gente y todo los demás eso esta ahí, esteee...ahora mientras funciono como triple A dentro del marco del plan cóndor, digamos funciono en ese lugar, después se desparramo a...... los 500 centros clandestinos de detención del país M: y es cuando todos los países vivieron el terror cierto? C: exactamente, si era verdad que antes, durante el accionar de la triple A, el país también vivía una situación de terror, claro y si...la mayoría de los artistas, mercedes sosa por ejemplo se tuvo que ir del país, esteee nuestro máximo compositor de tango, se tuvo que ir amenazado por la triple A, ¿porque? Porque cantaban canciones, que no les gustan a la derecha, o sea, mercedes sosa cantaba las canciones de violeta parra, entonces la amenazaron y se tuvo que ir a vivir a Francia y eso fue antes del golpe miliar, muchísimos, muchísimo intelectuales, escritores, abogados, poetas... intelectuales en general, profesionales la gran mayoría, tuvieron que irse antes del golpe militar... M: ahora con, con una preparación para el golpe.... C: si era un...una preparación..ehhh...digamos el paso previo a necesario, creo yo, como que el golpe, fue cubriendo distintos momentos, ¿no es cierto? en un momento sacaron a toda la intelectualidad, la gente que pensaba y podía mantener desde lo ideológico un proyecto de país diferente.... ¿eh? M: si... C: entonces, a esos lo sacaron para afuera, después estaba la militancia aguerrida, esta el que va a la marcha el que va a la manifestación, el que es capaz de enfrentarse a la policía, esos lo eliminaron rápidamente, después todos los delegados fabriles, todo lo del 210 movimiento sindical, los que eran delegados, sindicalistas, representantes en la CGT, todos eso...barrieron con todos esos también, después, estee el movimiento ehh, cristiano de liberación o de cristianos... M: de la teolo... C: cristiano....progresista digamos ¿no? a eso.....y así fueron avanzando en olas digamos, que cubrieron a todo el espectro de la sociedad, simultáneamente se da a estos casos..a mi me gusta esta empresa que esta ahí enfrente la quiero para mi..decían, entonces agarraban lo secuestraban al tipo que no era militantes, no era de izquierda, no tenían ninguna participación, lo secuestraban y el dueño de la fabrica pasaba a ser el tipo que lo había mandado a secuestrar, o sea, si bien hay una serie de etapas necesarias que se fueron cubriendo; la primera que fue previa al golpe militar que abarco por sobretodas las cosas a buena parte de la intelectualidad Argentina, estee, las segundas, terceras y cuartas etapas que se fueron cumpliendo, no implicaban de que.....en determinado momento se persiguieran solamente a los sindicalistas, o sea se perseguían a los sindicalistas porque era la política en ese momento, pero si agarraban algún intelectual, era lo mismo.. M: claro, C: si agarraban algún religioso lo mismo, ehh y simultáneamente seguían con sus políticas de despojo de empresas y propiedades...así, complejo de explicar pero mas o menos eso es lo que ocurrió.. M: y la crisis del 2001 C: si... M: ¿ influencia de algún modo el movimiento de la verdad y justicia?... C: si claro..si yo creo que es un estallido popular que surge a partir de....el abuso del poder digamos, ¿no es cierto? porque la ciudadanía Argentina depositó su confianza en la democracia tras de haber salido del golpe.... (interrupción telefónica) CARLOS: dale, muy bien, ahí va,....esto que te decía, (¿estas grabando?), bueno dale. De que...el conjunto de la ciudadania, deposito su confianza en el sistema democrático, se vio 211 rapidamente, estee, desilusionado por los sucesivos gobiernos constitucionales que hubieron en Argentina, se suponía de que acá…antes de 2001, ocurrió en 1988,... 89 donde se vieron los levantamientos “carapintadas”, se llamaban, eran levantamientos militares no se si recuerdan, que salían los militares a la calle, con la cara pintada, las armas,..salieron un millón de personas fueron a la plaza de mayo a ofrecerse para ir a los cuarteles y terminar con el golpe..sin armas...como ves...salió alfonsin sino recuerdo mas eran pascuas era el mes de abril, salió alfonsin, la gente, se iba desde su casa a plaza de mayo caminando..caminando para plantar el golpe y salió alfonsi a decir no, ya esta todo controlado vuelvan a sus casa, la casa esta en orden, ¡felices pascuas para todos! M: (risas) C: a los dos días salieron las leyes de obediencia debida y de punto final, dos días después, que era lo que los militares querían entonces eso produjo una gran desilusión. Después viene Menem que durante toda la compania dijo síganme, no los voy a defraudar voy hacer todo lo contrario de lo que hace este, después en un programa en televisión salió diciendo: si yo decía lo que pensaba hacer no me votaba nadie, lo dijo en un programa de de televisión, si yo decía la verdad de lo que iba hacer, no me votaba nadie así que a ver..un caradura, lo dijo en el programa de Mirta Legrand, vos que vivís acá lo conoces, se lo dijo a ella, con una sonrisa y cagado de la risa, oíste...pero usted..le dijo la mina, la entrevistadora: ¿pero usted hizo todo al revés de lo que iba hacer?, “sii..y Mirta que queres que haga, si yo decía la verdad, no me votaba nadie”. Y ese tipo estuvo dos periodos..constitucionales y ya después, cuando el país se lo queria comer crudo viene este la alianza con este la Rua y que se yo...y resulto ser aun peor, entonces ya en el gobierno de De la Rua la cosa estalla..estalla porque nada mas, la gente o sea todos los políticos te mienten y sale la consigna “que se vayan todos”, al final no queríamos mas a nadie militares no, pero tampoco los políticos que….entre otras cosas, son los que sobrevivieron a la dictadura, por algo ¿no?...o sea los que sobrevivieron M: salen todas las clases sociales que se afectaron de algún modo, las clases mas bajas a las altas salen contra del gobierno C: si claro,exactamente,si,..si no acá fue..abarco a todas las clases sociales con excepción, lógicamente de los mas, de la cúspide de la... ahh?..... M: de la elite, de la elite 212 C: exactamente,si, no en eso,,hubo.. una..hay fotos y filmaciones acerca de eso de cómo..ehh salían caravanas de autos, de camiones blindados que son los que llevan ..camiones de caudales se llama acá, que van de banco a banco y llevan el dinero, esos camiones blindados digamos, M: un camión por la calle... C: eso, bueno, iban por la ruta de buenos aires hasta Uruguay , uno a tras del otro, así pero miles de camiones llevándose los dólares..de los ricos, así los que tenían...el corralito fue eso, o sea que sacaron la plata de clase media para abajo se lo sacaron a todo el mundo, se lo dieron a los ricos y se lo llevaron al Uruguay, eso fue lo que paso en.. y lógicamente la gente que se gano ese dinero honestamente trabajando durante toda su vida, tratando de garantizar una vejez tranquila por lo menos, se encontró de un día para el otro sin nada..sin dinero, el banco cerrado..no, de terror...fue muy especial ese momento.. M: y ahí el movimiento por la memoria viene con mas fuerza parece.... C: por supuesto...por supuesto porque para los sucesivos gobiernos que vinieron después, porque vinieron varios en el periodo de dos años tuvimos 5 gobiernos..esteee...desde que cayo de la rua hasta que termino asumiendo Kishner, o sea todos los gobiernos intentaron, todos esos gobiernos intentaron mantener, el status quo digamos...o sea sino esta iba hacer un país de un día para el otro socialista ¿se entiende?....entonces todos trataron de mantener digamos, las cosas para seguir manteniendo el status quo, que a pesar de que todo el mundo se había garantizado salvar su ganancia que estaban fuera del país, quiero decir los privilegiados,.esa gente no se conforma con eso solamente..quiere..quiere, todo, esa gente no se pudo llevar los campos digamos, eran dueños de campo, las grandes estancias en la Argentina, las industrias todo eso no se lo pudieron llevar y así todo lo que no se pudieron llevar, produjeron un fenómeno en el cual Argentina que fue único que los obreros se pudieron tomar la fabrica y se apropiaron de ellas y decidieron hacerla funcionar y lo mismo pasa en muchos campos, muchos campos abandonados, la gente agarro y siguió criando la vaca y siguió..esteee, sembrando M: si, e eso dio originen a muchas organizaciones sociales que se mantienen hasta hoy, no… C: exactamente..exactamente, M: y varias organizaciones mundiales ahí, y algunas se mantiene hasta hoy… 213 C: algunas se mantiene hasta hoy, pero eso fue exactamente, hacia ese punto fue lo que tendió toda la política posterior a lo del 2001 fue..tendiente a destruir eso..a destruir eso y el movimiento de los piquetes, donde los mas pobres, era lo único que podían hacer era ir a cortar rutas ¿se acuerdan? los movimiento de los piqueteros, que lo único que podían hacer era cortar ruta, los demás, no iban rompían los bancos que se yo.. hacían las asambleas y demás cuestiones.. desde el momento que cae de la Rua, hasta ..ahora todas las políticas que fueron tendientes hacer desaparecer esa forma de organización espontánea popular M: como coptando los movimientos… C: exactamente y …no abarco solamente a lo que surgió en 2001 sino que abarcó a muchos organismos de derechos humanos que hoy tienen una relación muy estrecha con el gobierno, cosa que no había ocurrido ¡nunca! ¡Jamás!, ninguna organismo de derechos humanos había tenido relación este, política con el gobierno y este gobierno logro coptar a muchos organismos de derechos humanos y hoy lamentablemente eso produce situaciones muy difíciles en los juicios, donde en realidad en los juicios tendría que estar sentados a Hebe de Bonafine, tendría que estar sentada la carlotto, pero en todos los juicios en todas las audiencias, no en algunas oportunidades van el día de la lectura de la sentencia y nada mas porque mantener..te digo que mantener un juicio es muy difícil...muy difícil. Desde el espacio donde nosotros trabajamos que se llama justicia ya y donde nuestros abogados que no cobran un peso les aseguro que ha venido a cubrir el juicio de San Martín en donde se le juzgaba a Quiñónez, en un galpón donde los rayos del sol, y el calor lo hacían subir a 45 grados, en pleno verano..no es cierto?, y tener que viajar todos los días y no tener, por que nosotros no tenemos dinero, no tener ni para comer, ni para tomar agua, ni nada, digamos así... bueno ese trabajo permitió la condena de 25 años a Quiñónez pero con una inmensa, un inmenso sacrifico de nuestros compañeros de nuestros militantes, de nuestros abogados, para cubrir eso, y los organismos de derechos humanos que supuestamente cuenta con recursos, digamos como para minimamente financiar o facilitar estas cuestiones no figuran...no financian.. no hay,,no hay ehhh...se corto la relación, o sea a pesar de que muchos de estos reciben subvenciones y financiamientos del gobierno para...el determinado organismo, el destino que le da cada organismo eso lo sabrán ellos, pero lo que es los juicios no,, nada, así que bueno...pero bueno eso no nos desanima a seguir M: pero mismo así se siegue intento… 214 C: por supuesto, por supuesto, ahora, nosotros nuestro colectivo ¡Justicia Ya!, tiene en cara como querella un juicio largo en la pampa, santa rosa de la pampa, es muy lejos de acá y tienen que ir nuestros abogados a trasladarse allá y son gente que tienen su familia, tenemos una abogada que tiene una bebita de un año, digamos y tiene que…que le resulta imposible, , digamos y además su propia vida, es abandonar un montón de cosas, como para..bueno pero hay que ir a cubrir el juicio a la pampa porque ahí se juzgan a 8 asesinos que actuaron en toda la zona sur de la provincia de Buenos Aires, la Pampa y Neuquen que si no se mantiene, si nadie sustenta el juicio se cae los largan libre, y no van los otros organismos hacer ese juicio, vamos nosotros, así que bueno. Esta política que se dio desde el 2001 en delante de coptar o tratar de destruir el movimiento popular que se formaron en ese momento tiene su éxito lamentablemente en este gobierno, que así mismo se autocalifica como defensor de los derechos humanos.. lamentablemente M: como se relacionan los hijos en Brasil, los niños desaparecidos, habia un discurso ideológico del estado que desaparecían como los niños para una higienización..entonces yo leo los libros para enseñar para adoctrinar C: entiendo,,entiendo M: para adoctrinar a los hijos, entonces los milicos que se casan C: se quedan con los chicos..si M: ¿acá también fue así? C: No, hubieron varios motivos, uno económico, los niños se vendieron M: dinero C: se vendían..uno M: ¿vendieron para...? C: ganar dinero M: si.. ¿pero vendieron afuera de Argentina? C: no..no, adentro de la Argentina, incluso a familias de militares, porque hay una..había una larga lista de que muchos militares no podían tener hijos o sus mujeres no podían tener hijos y muchos querían tener hijos, entonces no era cuestión de..cuando salía uno digamos, bueno quien lo quiere, bueno todos lo quieren, bueno, quien lo quiere mas, yo lo quiero mas porque pongo esto, entonces muchos chicos se vendieron….por un lado, por el otro lado, el..ehh..este es un argumento que se viene esgrimiendo ahora que es…de que en realidad se 215 hizo una obra de bien, porque entonces esos hijos hubiesen sido criados en los hogares de las abuelas digamos...o sea los familiares directos los tíos de ellos, con lo del rencor y el resentimiento no?.. que hubiese implicado…esteee, que los padres hubiesen sido asesinados por los militares, cosa que hasta ahora se demostró que no es cierto, porque sabemos que los chicos que fueron recuperados y devueltos a sus familia..ehh biológica a ninguno de ellos tomo justicias por mano propia.. ninguno, ninguno, en ningún caso, entonces ese argumento tampoco es valido..eeh y el tercer argumento que radica en el porque de que secuestraron a los niños nacidos en cautiverio solamente y no a los bebes que caían en una operación, es de que existe, cuando el bebe nace, existe la huella dactilar del pie..acá... la huella digital... M: ahh si..si..si.. C: entonces un bebe que apenas nace lo primero que hacen es tomarle la huella, ¿bien? Entonces por ejemplo en el caso de mi bebe que tenia 20 días siempre me pregunte porque no me lo secuestraron.. porque no se lo llevaron si solo era un bebito de 20 días, no se iba acordar jamás de su mama y de su papá real.. existía ese bebe, si y hacer desaparece eso es muy difícil..entonces, ellos tomaron solamente los que nacieron en cautiverio porque de ellos no existía ninguna clase de registro… y una cosa que ellos nunca tuvieron en cuenta, porque para eso son militares precisamente, ¡porque son muy brutos! fue el avance de la ciencia, el avance de la ciencia permitió la creación o el descubrimiento del ADN, y hoy el ADN es el que los condena, pero es así... M: hay historias también sobre torturas en bebes, en Brasil también, C: si, si yo te digo a mi bebe de 20 días fue torturado encima mío, me lo pusieron encima mio..estee en Brasil también yo se que ocurrió..si no es que vos imaginate que a partir de lo que a mi me ocurrió, o nos ocurrió en general a nosotros los sobrevivientes nos convertimos en unos estudiosos de esta situación, o sea estudiamos esta problemática no solamente ocurrida en Argentina sino que paso en todas partes, no solo en Sudamérica sino en todo el mundo para tratar de darnos una explicación y saber como es que estas cosas pasan, si son inherentes a la condición humana, si el hombre es así? O si son determinados hombres, y determinadas circunstancias que provocan esto, M: y usted qué piensa a cerca de esto? 216 C: yo pienso….acá hubo un gran filosofo que se llamaba Alberti que dijo: “uno es uno y sus circunstancias”, o sea quiere decir yo soy yo y lo que me rodea, en este momento, yo soy esto, porque estoy con vos..con vos y esta pasando lo que, yo creo que eso es valido para el total de la humanidad, ¿no? creo que es así y los momentos ¿no?,,,que a uno lo rodean son los que lo condicionan para ser como uno es, entonces este, no creo en el salvajismo del hombre ..yo creo que Hitler nació y fue un bebe que tomo la teta de su mama, ..después se hizo malo.. ¿ehh? pero cuando nació fue un bebe, que lloro que salió de su mama, que tomo teta, que fue criado, querido..este puesto en una cuna, arropado calientito, alimentado, mandado a la escuela..después se hizo malo.. M: ¿y a usted le parece que hay como una responsabilidad social, con Hitler por ejemplo que se sostuvo en el poder con otros, no, solo no llegaría donde llego y no se mantendría ahí? C si..si.. no, no bueno lo que pasa es que la gente mala tiene una especial habilidad para reunirse entre ellos, es mas, entre ellos son capaces de pelearse pero cuando ven que peligra su propia posición son muy unidos..esteee acá en Argentina, el campo y la industria son enemigos acérrimos..ehh la gente que es del campo dice que, este es un país agroganadero, exportador y chau..y la gente que es de industria dicen no acá hay lugar para poner la industria en toda Sudamérica y el mundo, entonces entre ellos se odian pero a la hora del golpe militar los dos se unieron pero así...o sea no, no tenían ninguna duda que ellos lo que mas les convenía era el golpe militar y siguen usufructuando esa situación porque hoy por hoy los empresarios que están de hoy son de aquella época.. y es mas..tenes, el caso de,... acá esta ventilado hasta en películas, mercedes Benz y ford tenían sus propios centros clandestinos de detención adentro de la fabrica, donde hacían desaparecer a sus propios obreros, y sus propios delegados adentro de la fabrica... M: ¿y nunca fueron juzgados ni nada? C: no, denunciados si, pero el poder judicial no hace nada, nada, nada, ehh…a los empresarios alemanes de mercedes benz, en Alemania fueron declarados personas no gratas, la propia Alemania dijo: estos no son alemanes, acá no los queremos, entiendes?.., los de la fabrica ford no, en estados unidos fueron recibidos como héroes, pero,, bueno te doy las visiones digamos que uno puedo tener acerca de esta situación... M: ¿Que te parece la diferencia entre las dictaduras Argentina y Brasileña allá del número de desaparecidos? 217 C: Yo creo que la dictadura brasilera, es..como le podemos decir, el globo de ensayo de las dictadura en general en Sudamérica, es el lugar donde se ensaya, donde se..se pone a prueba a ver si es factible desarrollar esto en Sudamérica, porque en realidad las doctrinas como yo te explicaba, las doctrinas que.. se aplicaron en definitiva, en este lugar había sido aplicadas en Argelia..si? y en Indochina, pero no en Sudamérica, en Sudamérica, las..la represión militar tenia otras características mucho mas salvaje, por ejemplo, en Méjico en el año 68, la matanza de la plaza de tlaperolco, en..las olimpiadas,... M: si se ha visto que viene después. C: claro, exactamente, acá en Argentina teníamos antecedentes que fue en el mes de julio de 1955, donde la aviación bombardea la plaza de mayo, con gente desarmada, o sea, bombardean a la gente, o sea es en un sistema muy brutal digamos, o sea, en Méjico la plaza llena de gente (brrrrmmm), salen todos los militares, (rrrrrffrfrfffr) a matar a todo el mundo es un método muy brutal, el método que utilizan los franceses en Argelia y en indochina es muy selectivo, te agarran a vos te hacen desaparecer, que guita tienen, te sacan jugo, todo lo que necesitan, después, (chukk)....te tiran al agua, y en cantidad de gente, ¿ehh? mataron mucho mas gente así, que en la plaza del tlaperolco en Méjico o que el propio bombardeo de la plaza de mayo, ehh cuantitativamente, en numero. En Brasil, yo creo que experimentaron el método enseñado en la escuela de las América en Panamá y el primer lugar donde lo implementan claramente es en Brasil, después en Uruguay, después en... ehh M: Chile C: en Chile, ehh después en Bolivia, porque en Bolivia los golpes militares seguían manteniendo esa estructura vieja digamos, salir a masacrar mineros, bombardear las minas, con toda la gente adentro, eso, eso lo seguían haciendo, pero después lo aprendieron de los argentinos, o sea una vez que se implementó acá enviaban, esteee. Especialistas argentinos a Bolivia para implementar el sistema. Incluso la Argentina, exporto expertos, a el salvador y a nicaragua, por ejemplo. Pero el primer país donde se implementa donde ellos lo que se enseño en la escuela para que los alumnos lo pongan en practica fue en Brasil. Entonces si yo tuviera que decir cual es la diferencia, tendría que decírtela en el tiempo, primero fue en Brasil y después nos toco a nosotros, y nada mas porque el método es el mismo M: ¿te parece que si hubiese pasado al revés, podría haber pasado mas violenta, violenta la dictadura en Brasil? 218 C: ehh yo...no creo eso porque tenemos procesos políticos diferentes, tenemos una historia política diferente. Acá para el status quo, para la clase dominante en Argentina, el gran peligro siempre fue el peronismo, y el peronismo en Argentina fue siempre un movimiento muy masivo, que cuando se puedo expresar electoralmente, mínimo saco el 60% de los votos, siempre, después todo el tiempo, después transcripto, pero cuando pudo poner los votos en la urna siempre saco el 60% y eso, eso es el 60% del población políticamente activa, digamos..los que pueden ir a votar, entonces eso numéricamente puesto en cuanto a la cantidad de victimas que tiene que tener un plan es mucho mas amplio que el que podía haber tenido en Brasil a partir del proceso..de los procesos de los movimientos populares brasileros... M: que no tenían una organización... C: que no tenia..exactamente, que no tenia una organización de esas características, que no tenia un liderazgo que..acá era perón, si bien en Brasil hubo lideres no fueron de la magnitud de la trascendencia.. M: Getulio seria el equivalente nuestro no tuvo la magnitud… C exacto no tuvo la magnitud, por lo tanto allá fue mucho mas localizado, digamos en grupos emergentes, que son propios de la década del 60 y del 70, a partir del mayo francés, de los movimientos revolucionarios en el mundo, de cuba, de lo que ocurre en cuba,`de lo que ocurre con el che en Bolivia, digamos se empiezan a dar en toda Latinoamérica movimientos propios digamos..es decir de generación espontánea que ni siquiera son..como podríamos decir, son apéndices del partido comunista, que saca una sección armada a llegar hacer la revolución..no, no. son grupos que agarran y se conforman, eso paso en Brasil y sobre esos grupos actuó la represión en particular, no fue sobre el total de la población, sino, que... M: desarticulando todo, C: si, si desarticulando todo muy, muy rápido M: si muy rápido C: además de que eran pocos digamos, fue muy, muy rápido entonces con eso que pudieron ver, que reacción popular generaba eso, o sea si la gente aceptaba o no aceptaba eso,..paso inadvertido,..después, después lo hicieron en Uruguay, donde si el movimiento tupapamaros, tenia una arraigo en la población muy importante, apoyo no electoral, no puesto en las urnas pero si tenían un apoyo muy importante. La cantidad de tupamaros 219 atrapados en el Uruguay es ínfima comparada con lo que pasaba en el Argentina, la gran mayoría de los tupamaros se quedaron atrapados después del golpe militar acá en Argentina, no en el golpe miliar en Uruguay..entonces existieron campos de concentración en Uruguay, existió la tortura, existieron todos los mismo métodos, pero la reacción de la población no se sintió porque en realidad, el grueso de la represión se desato acá, y bueno, en Chile, bueno ,lo mismo, y en Chile hubo una ambivalencia porque tuvo, dos rostros la represión porque por un lado el mostrarte, el estadio nacional lleno de presos digamos, fusilamientos en masa y demás cuestiones y por otro lado están los centros clandestinos de detención que fue exactamente igual al de la Argentina, donde llevaban a la gente a los cuarteles a las comisarías, los tenían y los tiraban al mar, (ellos tiene mucho mas mar que nosotros), entonces esas son las diferencias que no son sustanciales sino que son circunstanciales, ¿no? ehh, o sea de acuerdo a las circunstancias que cada uno tiene, incluso hubo una implicación en el tiempo, esteee.. porque lo que el...digamos , los golpes militares, en Brasil desarrollados en al década del 60 a fines de la década del 60, eh no tienen la intensidad ni la magnitud de los desarrollados en la década del 70, tanto en Uruguay como en Chile como en Argentina, o en Bolivia también, es una salto cualitativo, es una etapa superior que va en creciendo y que termina acá en Argentina desde todo punto de vista en su máxima expresión, en el sentido de que cualitativamente la represión es mucho mas efectiva, porque tienen que atrapar a mucha mas gente, es decir cualitativamente la calidad y cuantitativamente se expresa en una dimensión mucho, muy superior a lo que ocurre en los otros países. La enseñanza que nos deja esto es que a pesar de que es un panorama negro y desolador bueno, es que puede combatir contra eso también, es una enseñanza que en general las fuerzas armadas de los países que estuvieron comprometidos en esos procesos, este,,,asimilaron, hoy no hay ninguna, ninguna fuerza armada de ningún país se le pasa por la cabeza la idea loca de dar un golpe miliar. Ni en Brasil, ni en Uruguay, ni en Argentina ni en Chile, porque saben que es un método que no sirve, utilizaran otros que yo no se cual es, para dominar y someter a los pueblos pero, embarcarse en una cosa por el estilo como lo que han hecho no hay espacio político, no hay coyuntura, para que se una cosa así ni la habrá. Es como pensar de que en la humanidad pudiese volver a existir el nazismo, de una u otra manera eso se va a parar, o sea, surgirá los grupos neonazi y surgirán… 220 M: ¿A usted le parece que este tipo de cosas no van a volver a pasar? C: no yo creo que no, o sea, ..con la misma , o sea cuando uno habla de este tipo de cosas es muy genérico, yo creo que no va a volver a pasar lo mismo, ni..ni, algo parecido tampoco..va., alguna otra cosa va a pasar, porque los señores que detentan el poder no lo quieren perder, ninguno va a decir yo te doy de mi dinero, el campo...hagamos una sociedad igualitaria para todos, esta bien ninguno de ellos es socialista, digamos ¿eh? entonces al momento en que..sus pertenencias sus cuestiones estén en peligro van a salir, van a salir a aleccionar, por así decirlo, ahora en que manera lo van hacer, eso no lo se,..no lo se., ahora, seguramente lo estén preparando, hay ingenios digamos, porque así como en la escuela de las América funcionaba mucho antes de que nosotros, nos enteráramos de que existía, ahí estaban generando todas las estrategias para que después, no aplicaron acá, seguramente hay algunos genios, ahí de estos locos, malvados digamos en algún lugar digamos que están ahí diciendo si llega a pasar y no se que cosa, bahh no se, les tiramos la bomba atómica, digo que se yo....cualquier cosa. CARLOS: perdón!!, no, no es que vino la señora que le ayuda a mi mujer a limpiar,..entonces le tuve que dar las instrucciones por que no esta mi señora MYRNA: Yo quería preguntar C: si.. M: a cerca de la experiencia de..quedar.....detenido..de la experiencia personal de la vivencia de..porque yo pienso que..no se se sabe si tienes futuro, digo si hay un mañana ..un fin C:si..si es una situación muy..muy complicada donde las certezas acerca de si uno va a vivir al día siguiente o no no la tiene nunca..ehhmm supone..ehh todo el mundo tiene distinta supervivencia, todo el mundo espera vivir al día siguiente claro, pero, no, el panorama que uno.. las circunstancias que uno vive en ese lugar, le hace ser muy escéptico a cerca de si en realidad va a poder sobrevivir o no, porque el cotidiano en ese lugar es muerte. Entonces...esteee, noo....la mayoría de nosotros los que estuvimos ahí venimos del ámbito político donde, no confiamos en la suerte como factor determinante o sea uno no dice que me hagas …porque voy a tener mas suerte, no, no desestima esas posibilidades, entonces lo 221 que me parece es de que..lo que ahí es...una vivencia del día a día y el de tratar de, primero mantenerse uno como ser humano o sea mantenerse a flote digamos, no caer en una..en la situación en que los militares lo quieren llevar a uno o convertirse en un nada.. esteee porque por ejemplo yo te cuento yo tenia un nombre y un apellido. Digamos, después de entrar allá adentro nos pusieron un numero que en el caso de alemanes era en la guerra te lo grababan, a mi no, a mi lo grabaron acá, no me lo olvido mas, ¿entendes?.. e hicieron lo mismo con mi mujer y mi bebe, entonces esteee. Esa despersonalización a que intentaron llevarnos, una es un combate que da todos los días para que no ocurra, uno tiene que seguir sintiéndose como un ser humano a pesar de too lo que ahí esta ocurriendo, a pesar de que ellos..los militares parezcan unos cerdos..ehh yo tenia a Acosta, el capitán Acosta que era el dueño del grupo de tareas de la esma, el decía que iba a casa de Jesús..entonces si yo digo, si yo acepto la idea de que este tipo esta loco, no se es un demente, estee. Le quito el contenido político, aca este tipo no esta acá por que el se cree dios..noo este tipo esta acá, para implementar un sistema político, y estee. Y reprime de esta manera justamente para que..digamos que este enfrentamientos, digamos de dos posturas respecto de la vida, triunfe la de ellos, que es esta la de someter a todos los demás. ¿verdad? en beneficio propio, entonces yo bueno, yo veía, seguía ateniéndome a esa soga digamos de la que me podía agarrar, para no caer en el engaño de suponer que estos tipos son locos o animales, y no son ni locos ni animales, son tipos que implementan un proyecto político con..ese método, y..por eso tienen que pagar, no porque son locos, porque si uno dijera: es loco tiene que ir al manicomio, digamos o..a atenderlos psíquicamente, no, no son locos. Hitler, no era loco, Hitler era un genocida, entonces estee, yo creo de que, se trata la mayor de las resistencias en ese momento es de no perderse uno, de mantener, de tener la fuerza necesaria como para agarrar y no caer en las falsas trampas, digamos que, impone una realidad que te imponen, te dicen no. el mundo no es mas como era antes, el mundo es esto, entonces como te rodea, no es que te rodea un día, a mi rodeo dos anos y medio que dure allí adentro, entonces esa ,al día siguiente es lo mismo, y es lo mismo entonces uno empieza a pensar pero será así, y no no tenes que luchar contra eso, para decir esto no es así, y volver siempre a tu raíz, a tu fuente para agarrar y combatir esa idea monstruosa no?.. y después estee, la otra gran herramienta, digamos que utilizamos nosotros, fue el de la solidaridad entre nosotros, porque a pesar de que estaba absolutamente penado ser 222 solidario, o sea ahí, en ese lugar. Lo que… a lo que se aspiraba era a la exacerbación máxima del individualismo y del egoísmo, digamos ¿no?..es el..el sistema capitalista lo que tienden es a eso, cada uno, se salva uno y los demás..viste que cada uno se arregle..no?., y no le importa nada la pobreza, y no le importa nada, yo soy yo y chau, se acabo. Bueno, ser solidario en ese lugar que era el extracto de esa idea de..por así decirla capitalista occidental, digamos, esteee era muy difícil y sin embargo la solidaridad existió siempre..el…yo me acuerdo cuando nos hacían venir de un lugar a otro nos ponían en fila, nosotros teníamos unas cadenas acá en los pies, y teníamos las esposas, y la capucha puesta, entonces, nos ponían en fila y yo al que tenia adelante no se quien era, no podía saber quiera porque estaba tapado, pero yo sentía el de atrás que me hacia caricias, entonces yo acariciaba al de adelante, y eso fue, las mas pequeñas señales de vida, digamos allá adentro son las que dijeron....!carajo!! hicieron la humanidad sigue, viste… esto que quisieran imponer digamos, el de atrás me pegue a mi , y me pise y me pase por encima no lo pudieron conseguir., tenia un tipo atrás que me hizo una caricia M: por que estamos todos juntos… C: si exactamente, a pesar de que no nos conocíamos, no sabíamos ni quien era el que estaba adelante, entonces, eso yo creo que es una cosa que no lograron quebrar nunca..ehhh…ni siquiera en el peor del os casos en que vi gente, muy, muuy asustada allá adentro, gente que tenia mucho terror, digamos y así ser todos solidarios..este y luego bueno fue una de las experiencias mas validas desde el punto de vista reivindicativo, del porque de la lucha por que uno sabe que esta ahí adentro porque, porque fue un militante político que contrario a las ideas de los tipos que estaban ahí, entonces, se da cuenta a partir de esos pequeños gestos que la justicia, la justicia de la causa estaba del lado de uno no del lado de ellos, porque en la peor de las condiciones el ser humano es solidario y es bueno, ¿no?, y no nos equivocamos en eso y eso esta demostrado hoy en el juicio es patético, yo lo escuchaba o lo leí porque tengo ahí las declaraciones por escrito de..los de Astish y de Acosta y demás, donde, ellos si implementan eso de lo que quisieron hacer con nosotros pero lo hacen ellos, agarra y dice y porque yo estoy acá sentado en el banquillo de los acusados y no esta el otro, el otro y el otro, cosas que nadie lo obligo a hacer, a nosotros nos torturaban para que dijéramos los nombres de los otros, a este no..y agarro y dice y el jefe, fulano este y el almirante no se que, que también tendría que estar acá por donde esta, o 223 sea ellos exacerban el individualismo para salvarse ellos y que paguen otros o en todo caso compartir la culpa. Eso nos demuestra de que aquello en ese momento era la lucha de dos ideas podemos decir, estee ,la, la justa, la idea justa, la justicia estaba de nuestro lado y sigue estándolo. ¿Bien? Y bueno, eso te puedo contar, digamos que es lo mas..ehh lo mas, rescatable y todo lo demás, yo creo que son historias morbosas del cotidiano, digamos en el centro clandestino de detención, y que no valen la pena, es decir, hay que deja volar la imaginación y no se da cuenta, que es horrible revivir esas cosas porque, porque no tiene sentido, yo rescato la parte buena, digamos, que a pesar de lo terrible de la cosa , bueno la parte humana no? eso, me parece que lo mejor que se puede sacar de ahí… M: yo solo quería …tu bibliografías, tus libros, películas…. C: bueno eso yo te..no ahora, tengo que trabajarlo y te lo voy a mandar por el correo M: ahh bueno… C: y por otro lado, vos conoces a una institución, una institución acá que se llama EATIP, que es el: Equipo Argentino del Trabajo de Investigación Psicosocial, ehh te recomiendo, particularmente que te pongas en contacto con ellos.. M: tienes un fax o un… C: si, si te lo doy, no lo tengo ahora pero yo te lo mando por correo, porque son, ellos aquí en la Argentina, los que se han específicamente dedicado al tema de los sobrevivientes, entonces saben mucho ellos, mucho entonces entre profesionales van a poder tener un dialogo de mas fluido y de lo mas especifico que este que tenes conmigo que es algo mas genérico digamos, pero con ellos vas a poder completar mucho el marco, y ellos van a poder darte la bibliografía que es común, o sea todos tenemos los mismos libros, pero tal vez que te sea mas especifico, porque por ahí lo que averigües por ahí te sirve.. digamos ver películas que nada que ver, pero con ellos vas a poder entablar un dialogo que sea mas indicativo y que te lleve a los puntos específicos en los cuales debes trabajar..entonces yo voy a ver… M: bueno muchas gracias C: no, no hay porque. 224 ENTREVISTA GRISELDA ABDALA – CONADI - Argentina MYRNA: Muchas Gracias, Griselda. Puedes hacer una autorización para que....yo utilice la entrevista? Si...si? GRISELDA: ¿Por escrito? M: no...no..eh hablando.... G: ahhh!!! Si, si M: tu nombre.... G: Mi nombre es Griselda..ehh trabajo en la Comisión nacional por el derecho a la identidad, que esta dentro de la secretaría de Derechos humanos, en el ministerio de justicia, en..en Argentina, pertenece a la nación, ehhhh, bueno y esta M: se autoriza esta...... G: se autoriza esta entrevista ahh...... M: ¿cómo es el trabajo del colectivo, de este colectivo? G: ehh..es una comisión, si? M: una comisión si... G: ehh la conadi surge ehh...a formar parte, digamos.... de una estructura del estado, es un pedido que hacen las abuelas de plaza de mayo M:...las abuelas... G: en la búsqueda de la identidad y localización de sus nietos M: hummhumm G: ehhh, secuestrados juntos con sus papas, siendo muy chiquitos o estando aun en una etapa de gestación, durante el embarazo de sus madres y fueron secuestrados junto con sus padres y la gran mayoría nacieron en cautiverio en los centros clandestinos de detención,..ehh las abuelas de plaza de mayo inmediatamente empiezan la búsqueda de sus hijos y sus nietos en la época de la dictadura, y lo siguen haciendo hasta en la actualidad y esto desde dentro de una ONG, era la búsqueda, entonces habían recursos que se les limitaba, entonces es cuando ellas solicitan muchos años después, digamos es creada esta comisión, o sea eran principios de los 90s, ya habían sido 7 años de democracia se crea esta 225 comisión. Dentro del estado es un lugar en donde puede, ehh en un principio lo que podía hacer la comisión era..ehh recibir estos jóvenes que tenían duda de su identidad y en el caso que se creyera pertinente mandarlos hacer el análisis de ADN..si, no?...junto con el banco nacional de datos genéticos que se crea también por un pedido de las abuelas… digamos… esta comisión pasa a ser esto, ¿no? como, digamos, la parte institucional de las abuelas de plaza de mayo,.. M: si, si G: y el trabajo de la conadi concretamente, bueno a lo largo de, de van a hacer casi 20 años que la conadi funciona, falta un poco pero ya caso van a ser los 20 años, el objetivo principal es esto: poder localizar a los hijos de desaparecidos que hoy tienen entre 35 y 30 años,... M: si.. G: ya estamos hablando de adultos, cierto? Pero es también las metodologías van cambiando, no es lo mismo buscar un niño, un bebe, un adolescente que a un adulto. Y nosotros lo que hacemos al recibir jóvenes que están dentro de esa edad, que tienen duda sobre su identidad o la certeza de saber que no son hijos biológicos de los que lo criaron, y… bueno, se hace una investigación, y después se lo... en algunos casos la gran mayoría se los manda hacer el análisis de ADN, en donde se coteja su muestra de ADN con la de los familiares que buscan niños secuestrados en, en esta época, M: si, hay un banco de.... G: de datos, si, donde están todas las familias, ehh...que buscan chicos, el banco general de datos genéticos esta exclusivamente para buscar a los niños, o sea esta conformado por familiares que denuncian, que en ese momento en la época de la dictadura… ehh, han secuestrado un menor,.. M: si, G:..si, esto es bien distinto a lo que hace el equipo de antropología forense, que es localizar restos de desaparecidos, no?...pero... M: hummhum G: son distintos, digamos..eh..si,,.distintos, digamos, no son bancos porque el equipo de antropología forense no es un banco, pero digamos tienen distintos objetivos, una es la localización de los restos de los desaparecidos y otra es la de los niños M: si ehh.. 226 G: bah, jóvenes ya no son mas niños M si. y son cerca de cuantos.... G: ehhh;;; se han localizado 101 jóvenes que han recuperado su identidad desde el primer caso que las abuelas recupero, hasta el ultimo, ese total en estos 35 años..ehh se han encontrado 101, se estima que son 500 en total y hay denunciados con una certeza absoluta, o sea que hoy por hoy se estarían en condiciones de encontrarse unos 250 jóvenes mas,.. ¿no es cierto?, M: es... G: o sea de 500 en total, 100 ya se encontraron.. M: si..si, G: de los 400 digamos que..quedan, 250 están las familias completas para poder localizar a este joven, el resto están en un proceso de investigación, si? O no hay familiares, hay familias que el terrorismo de estado que las ha diezmado completas entonces no hay familiares para poder dejar su muestra de sangre y poder buscar al joven.. M: y… claro!! G: se sabe que esta el detenido o detenida estaba embarazada, pero junto con ellos estaba secuestrados sus padres, sus hermanos, toda la familia, no es cierto?...entonces ehh, es importante poder localizar, al, al res..al...los cuerpos, digamos para poder en algún momento ingresarlo al banco.. M: ¿si.. y..hay muchos jóvenes vienen acá? G: si, se presenta muchos jóvenes,, se presentan muchísimos.. M ¿y estos jóvenes que ya buscaron su identidad, sus familias, todos ellos encontraron y ..ehh ..como, quien quería encontrar la familia? G: mirá, de los 101 casos de los jóvenes restituidos, son todos muy distintos no es cierto?, algunos se han presentado voluntariamente, buscando sus orígenes y por supuesto ellos querían encontrar, hay otros casos que no,ehh que si bien ellos sabían que no eran hijos biológicos, y no querían encontrar sus orígenes, no se han analizado, no fueron analizados..eh voluntariamente..ehh sobre estos jóvenes se ha hecho una allanamiento en sus casas para recoger muestras como cepillos de dientes, no se lo puede tocar físicamente..no es cierto?, M: si, si… 227 G: nadie le puede arrancar un pedazo de pelo, o sacarle sangre, pero...ehh se saca de su casa, ehh objetos para poder determinar su ADN, esos jóvenes por supuesto que no querían, eh digamos conocer sus orígenes pero igualmente cuando todo ese proceso de poder esclarecer la identidad termina, por mas que el joven no haya querido en algún momento se siente liberado ¿no es cierto?, por que es victima ¿no es cierto? M: si, G: es...es rehén de quienes los han criado M: ¿y los padres que lo han criado son, hay algún implicación jurídica? G: ehh muchos de estos jóvenes restituidos, en una gran mayoría, ehh han sido apropiados por personas que estuvieron implicados en el secuestro de sus padres, han sido represores ..ehh por eso nosotros creemos que el estado se tenia que hacer cargo, porque ehh..digamos, estos jóvenes han sido victimas del terrorismo de estado, como una metodología, no fue algo azaroso que ocurrió una vez, sino que había toda una metodología de los militares de apropiarse de los hijos de las personas que ellos denominaban subversivos, guerrilleros, comunistas y criarlos con otra ideología. De la misma forma que la tortura, tenían un..digamos un... M: humhumm G: un sentido ¿no?, del miedo y de la opresión, apropiarse de sus hijos también tenia, digamos, la misma función, no? dentro de este imponer... M: si G: ¿no? una forma o un modelo de pensar M: habían entonces una idea de criar a los jóvenes, un modo de pensar que seria.... G: si. ha habido casos de jóvenes ehh... secuestrados criados por militares que ellos le han dicho siempre, no tu papá era un subversivo que tiraba bombas y yo te he salvado de...le han criado con ese discurso, por eso para nosotros lo jóvenes siempre son victimas M: si, G: no importa, ehh cual sea su postura ideológica en este momento ¿no? por mas que sea de mucho rechazo hacia las abuelas o hacia sus familiares biológicos que los están buscando, nosotros comprendemos que ellos son las victimas.. M: si claro, 228 G: ehh, pero bueno es una obligación de toda la sociedad saber quienes son estos jóvenes eh ¿no es cierto? M: claro, G: Ehh nuestro trabajo en la conadi se ve superado porque no abarca solamente la temática del joven apropiado en al dictadura, porque el trafico infantil es algo que ehhh, Durante la dictadura también no? , convivió paralelamente, entonces hay casos de jóvenes que se han acercado acá que no son hijos de desaparecidos, que su análisis de ADN dio negativo, que no tenían relación con familiares y sin embargo la metodología o la temática en la que llegaron a sus familia es de orígenes muy similar, ¿no? adopciones ilegales,.. M: con qué objetivo? G y el trafico infantil es un gran negocio M un gran negocio… G: es una gran negocio que funciona en el actualidad, funciono antes y es un problema estructural ¿no es cierto? De los países que debía haber políticas hacia el menor de mucho mas resguardo, pero.. M: entonces los gobiernos militares ganaban dinero con el trafico de... G: no, no, o sea el gobierno militar lo que hacia era apropiarse de jóvenes, que fueran ehh., hijos de personas militantes que ellos en ese momento estaban secuestrando y matando… solamente M: ehh.. G: solamente.. M: si... G: o sea el niño que nacía....a la mujer embarazada que secuestraban, la mantenían durante el embarazo, una vez que parían..ehh la desaparecían su cuerpo, la asesinaban, desaparecían su cuerpo y se quedaban con el niño.. M: si, G: si? M: para que... G: para criarlos con la ideología de ellos.. M: si, si, si... 229 G: ese era el objetivo, pero paralelamente en ese momento el trafico infantil que se llama..a la venta de niños.. ¿no? a.. que no este ligado con esa metodología, de ese lugar ideológico, también sucedía..sucede antes y sucede ahora en al actualidad.. M: si, G: ¿no es cierto?, M y acá hay un servicio psicológico o de atención a.. G: si, ehh acá en conadi no, pero las abuelas han creado un centro de ayuda psicológico en donde los jóvenes que están en este proceso de esclarecer su identidad pueden asistir gratuitamente M: ¿hay una relación intima con abuelas, no? G: es que nosotros trabajamos en conjunto con ellas todo el tiempo..todo el tiempo..ehh M: si,.. de los trabajos de las abuelas esto es lo principal? G: es una de las tareas principales, digamos que este es el nexo de las abuelas dentro del estado y los jóvenes por lo general se acercan a las abuelas de plaza de mayo, ¿no es cierto? a las casas que tienen las abuelas en las distintas provincias..diciendo nací en el año 78, tengo dudas sobre mi identidad creo que puedo ser uno de los nietos que están buscando. Las abuelas como ONG, no pueden darle la orden al banco nacional de datos genéticos que analice este joven, que es un organismo no gubernamental y son parte querellante en este asunto, no pueden, entonces ¿que hacen las abuelas?, nos derivan el joven a nosotros acá la conadi y nosotros como una institución dentro del estado si podemos decir al banco nacional de datos genéticos que analicen este joven... ¿si? M: la conadi es un organismo nacional? G: claro, por mas que cambien los presidentes..es autárquico.. ¿si?..otro de los trabajos que hace la conadi es seguir investigando embarazadas...que han sido secuestradas durante la época del proceso. O sea , poder investigar un caso significa..eh a través de una denuncia de un centro clandestino que hay..eh, detectar la mujer denunciada quien es, cuales son familiares y, formar otro grupo familiar.. ¿no es cierto? ese es un trabajo paralelo esta por un lado la recepción de jóvenes que dudan y por otro lado seguir ehh concretando todos los grupos familiares de estas mujeres que fueron secuestradas embarazadas Están desaparecidas estas mujeres, son los familiares..si están todas desaparecidas..todas 230 desaparecidas, de hecho después de parir, ehhh, las mataban y bueno desaparecieron sus cuerpos ¿no es cierto? M: ¿los niños desaparecidos, todos se entiende que están con familias o hay niños muertos también?.. G: ahh si han localizado niños muertos también, se han localizado, se ha detectado niños que han sido asesinados junto con sus padres...ehhh...hay alguna cantidad también de jóvenes que han sido dado en adopciones ah..algunas familias, eh pero digamos si bien la adopción tienen un marco legal..ehh, bueno fueron dejados por ejemplo por los mismos militares, como abandonados en plazas y lugares así, entonces el niño aparece como si no tuvieran ningún rastro biológico ¿no es cierto? M: si G: después esta la familia que lo adopta y lo cría, ehh..digamos legalmente, ¿no es cierto? pero ehh, que no tiene una relación con los militares, pero bueno el niño llega así de la nada digamos, aparece.. M: y hay historias sobre niños torturados.. G: también si..si, si M: acá hay historias como esas, pero se que en Brasil también... G: si mira..ehh, la metodología que usaron los militares para torturar ehh, ha sido realmente sinistra en este país..ehh.. esto que yo te lo estoy contando, es como muy resumido, ¿no es cierto? pero si han torturado niños para que sus padres dieran información..ehh.eeh.. hay niños que han estado detenidos en centros clandestinos de detención, observando como sus padres son torturados lo cual también es una tortura para el niño., M:claro, siii!! G: ¿no es cierto? ehh.. M: y como los niños que vivieron esa experiencia, como hablan de eso, como hacen algo o... G: ehhh, M: no son mas niños, G: si que ya son los jóvenes..y si mirá ehh, esta la organización de hijos... M: si, G: ¿no es cierto? que es una organización activa que esta comprometida en los juicios que hay ahora abiertos, que esta comprometida en la búsqueda de sus hermanos, porque 231 muchos de ellos están buscando a sus hermanos, digamos estos jóvenes que estamos buscando son hermanos de ellos..mucho..ehhh, si en las escuelas son muy particulares en cada caso ¿cierto?, no puede haber una generalidad única, ¿no es cierto? M: y los hijos también tiene contactos con conadi, para el bando de datos… G: si, mucho de ellos tuvieron que haber dado su muestrea de sangre para poder encontrar a su hermano por ejemplo.. M: si, si, G: si, si nosotros estamos en contacto también con ellos… y después bueno..ehh, digamos..acá un poco lo que te puedo comentar es cuales son las características, digamos psicológicas muy a grandes rasgos, porque yo no soy psicóloga..eh sobre un joven que duda, ¿no es cierto? de su identidad ehh..y cuando la persona se empieza a movilizar y a querer esclarecer sus orígenes, bueno esto también es muy movilizador, ¿no es cierto? ..ehh siempre es mejor cuando la persona que empieza a buscar sabe que no es hijo biológico de quienes lo criaron, porque no esta saliendo de la mentira absoluta.. M: si, claro, G: ¿no? fue criado con cierta verdad de que bueno no es hijo biológico y empieza a tratar de encontrar sus origen biológico, que es mucho mas difícil para un joven que digamos viene encima dudando, porque primero digamos tiene como que asimilar una mentira en la que vivió muchos años M: humhum. G: que le genera mucha culpa, esta duda, este romper con eso para poder, ehh… llegar a su origen, siempre con caminos muy dolorosos que movilizan mucho, pero..eh toda la experiencia de trabajo nos demuestra que..la verdad por mas triste que sea, nunca es peor ni que la duda ni que la incertidumbre… y mucho menos que el no saber.. ¿no es cierto? M: si claro, G: eh, pero bueno, siempre van surgiendo distintos factores, ehh, que los hacen movilizarse, ¿no es cierto? a lo largo de su vida, ser padres, nosotros vemos que han sido como un..como Algo que ha generado que los jóvenes se acerquen mucho, ¿no es cierto?, porque eso..empiezan a ser padres y madres y esto les pone en juego también lo que es su origen, lo que es su identidad biológica, el hecho de parir, de haberse procreado, el hecho de 232 reconocer a nadie de su familia es un factor....ehh..también es...creo que solamente la persona que lo padece puede entender de que se trata...verdad? M: si G: porque la persona que se ve parecida a su madre, a su padres, a sus hermanos, a sus tíos como que lo tiene tan naturalizado que no, que no lo ve como una carencia, ¿no es cierto?, en cambio la persona que no tiene esto, cuando encuentra a su familia biológica ponle que se mira desde la uña del pie hasta la oreja, viste!...los chiquitos, y esto también ehhh, me parezco a alguien en este.., M: si G: ¿no? en este mundo. Ehh y bueno después ehh.. esto no: la gran diferencia de criar a alguien en la verdad que es una mentira, son como las características mas fuertes con las que nosotros trabajamos M: ¿y acá en Argentina la dictadura fue tan grande que cuasi todas las personas, me parece, tienen un conocido un familiar desaparecido no? G: si, ehh no se si todas pero si.ehhh...la cantidad de victimas que dejo son ,son innumerables y aparte mas allá de la victima en concreto que es el desaparecido..todo esto como ha desmembrado familias si, ¿no cierto? M: si, G: enteras, entonces..si lo que pasa, es que yo opino que es una responsabilidad, un derecho y una obligación de todos nosotros..ehh poder localizar a esos jóvenes, como sociedad, ¿no es cierto? ya son algo que entonces nadie le va a poder decir a un joven si tiene que querer o no querer a una familia o a tal otra, entonces eso es algo que no, lo podemos ver nunca.. M: es un derecho a la verdad.. G: este un derecho a... esta es tu verdadera identidad.. M: si, G: después tu vinculo, armaras como puedas, como quieras.... M: si, G: como te salga.... M: pero.. G: pero esta es tu identidad biológica ¿no? y a parte la gran diferencia de..ehh..saber que tus papas no te dieron, ni te abandonaron, ni te regalaron.. 233 M: si, G: esta es la diferencia con el trafico, ¿me entendés?, ehh..cuando acá se acerco un joven del 68 y el caso, bueno, no es hijo biológico se manda a analizar da negativo es una frustración para él, porque es empezar a asimilar que su verdadera mama biológica tal vez lo dio, porque, porque lo que sea, tal vez porque no podía,,, ¿sabes? Tal vez, Por...por desidia, por desinterés es distinto para ellos..ehh..esto ¿no? saber , porque un hijo desapareció..ehh sus padres biológicos..ehh, no los van a encontrar porque están muertos, han sido asesinados pero saber que ellos no te dieron.. M: si, G: y saber que hay una familia que hace 30 años que te esta buscando, no es lo mismo..ehh, pero..un poco seria eso mas que nada lo que hace la conadi . M: ¿y acá las personas que tienen las historias, que están tocados directamente por la dictadura, trabajan con conadi, las personas que sufrieron directamente estas mismas madres, las abuelas, los hijos, toda la asociación de ex-detenidos-desaparecidos no? ....están en conadi... G: si, acá adentro de conadi hay compañeros que están buscando a sus hermanos..eh la coordinadora esta buscando a un sobrino, ehh,..compañeros que tienen sus padres desaparecidos sus madres desaparecidas..ehh otros que no..ejhhh...pero, pero si..hay un compañero que es un joven restituido.. M: ah que bueno. G: que se presento acá con duda de su identidad y era uno de los jóvenes que estábamos buscando y empezó a trabajar con nosotros.. M: porque es un trabajo que llama personalmente ¿no? G: si, si es un trabajo que..ehhh.. hay que ponerle mucho corazón a este trabajo M: si G: porque estamos trabajado con personas..ehh con algo muy movilizador que es la duda de tu identidad..ehh..y si..esto es: trabajar, trabajar, trabajar..trabajar..trabajar..trabajar para, una vez, poder tener una..digamos una alegría, digamos donde esto es ya mejor imposible, nosotros andamos con muchas frustraciones.. ¿cierto? con muchísimas frustraciones, o sea de que son meses de trabajo que tal vez.. eh, no tienen lo frutos o los resultados que 234 nosotros teníamos la esperanza al principio ¿no es cierto? Pero bueno, pero igual se arranca de nuevo..ehh.. M: si, G: ehh hay que hacerlo ehh con, con mucho compromiso ¿no? ideológico incluso de lo que se esta haciendo no? M: ¿y la formación profesional de las personas que están acá en conadi? G: ...abogados..hay psicólogos,.. M: psicólogos... G: hay..ehh personas que...si , sobretodo hay psicólogos M: ¿tu formación cual es? G: no yo soy docente.. M: ¿docente? G: mi formación fue aquí adentro digamos, empecé a hacer un ..trabajo hace 10 años, hace 10 años que trabajo aquí en conadi.. M: 10 años? G: si, 10 años, al principio cargo administrativo que era abrir sobres y registrarlos y cartas y después a trabajar los casos de los jóvenes.. que es una formación constante que yo he aprendido de mis compañeros, que se la he transmitido a otros compañeros y cada tanto es volver a repensar nuevas metodologías de trabajo, cada caso que se resuelve, se permite..ehh repensar como vas a seguir trabajado, ¿no es cierto? M: hoy la metodología de trabajo de conadi… llega acá un joven y... G: se investiga un poco la documentación M: si, G: nosotros hacemos mucho hincapié en la investigación de la documentación porque creemos que la persona que se acerca con dudas no es un objeto, nosotros podríamos recibirlos mandarlos hacer el ADN y listo.. M: si, G: pero como creemos que es una persona que esta en su proceso de búsqueda, primero agotamos todas las instancias, muchas veces estas dudas pueden quedar resultas a través de documentación, para nosotros hay documentaciones que nos ayudan, otras que no.. M: si, 235 G: de la misma forma que la documentación te ayuda a esclarecer, también te ayudan a dudar mas.. M: ah si, G: o sea, que ante la menor duda, si mandas al joven a analizar para descartar la pasibilidad de que sean hijos de desaparecidos, el tema es que también hacemos hincapié en otros..caso documental que no siempre están registrados en papeles, sino que también puede estar en ..la información oral que traigan de la casa: mirá vos no sos mi hijo biológico, pero tu mama en verdad se llamaba..ehh pirulita..ehh te dejo acá porque no te podía tener pero los padres de que....estos siempre ayuda cuando los padres de crianza le han dicho la verdad y tienen datos..si ¿no cierto? Si no, no se puede entonces se investiga todo esto si realmente esta señora pirulita existe, si existe, si fue y parió en un hospital que le dijeron que lo tuvo...entonces, nosotros hemos esclarecido muchas veces las identidades biológicas de muchos jóvenes que se han reencontrado con sus familias biológicas que nada tienen que ver con la dictadura.. M: si, G: por eso ahí te digo que el trafico y ..... ¿no? el trafico infantil y el terrorismo de estado con el secuestro de niños paralelamente van funcionando, no es que funcionan lo mismo, sino que paralelamente, entonces nosotros también tratamos de agotar esta instancia..humm?, y hay veces, que bueno realmente no se puede, que no son hijos de desaparecidos y que no hay datos para buscar, entonces por eso te digo que las alegrías y las frustraciones es como..constantemente ¿no? .. M: no hay que hacer ¿no? G: no hay que hacer, hay casos en los que no se pueden hacer nada. Lo mismo ocurre cuando los jóvenes fueron adoptados, paras nosotros es muy importante esta diferencia: la adopción siempre es legal ¿no? M: claro, G: entonces, una pareja se anota para adoptar un niño, después los llaman le entregan un niño, hay un expediente, un documento que les dicen que sus padres son adoptivos, que no son biológicos, ¿ si? Eso ya a ese joven tiene un montón de papales.. M: humhum.. 236 G: que lo van a poder ayudar a una aproximación o la certeza total de su origen biológico, cuando esto no ocurre nosotros lo que hablamos es de apropiación M: apropiación… G: ¿si? O en el caso que no sea tan fuerte como en el caso de que no sea tan fuerte como el termino de apropiación es inscripción como hijo propio.. M: si. G: ¿no? entonces en el cual figura como si fuera hijo biológico de determinado matrimonio y no lo es.. M: con documentos... G: con documentos, la partida de nacimiento con todo, con un medico que firma haber asistido al parto de tal señora y no lo es... M: si, G: ¿no es cierto? por eso es fundamental esto ¿no?, el que información le dieron a este joven ¿no? Porque en muchos casos, bueno, los padres lo han anotado como propio pero le han dicho la verdad, entonces si cometieron un delito, es verdad, que es inscribirlo como propio pero a este joven digamos de alguna manera le han jorobado menos la vida, ¿si? diciéndole la verdad.. ¿no es cierto? M: si,...y si el joven viene acá con los padres que hicieron ese delito G: si M: y descubre que es un hijo de desaparecido, los padres tiene que responder… G: si es hijo de desaparecidos si, y es citado por un juez. Por lo general, si estos padres que lo han criado no tuvieron relación en la dictadura, como siendo parte de represores, si ellos no fueron represores, digamos lo único..el único delito que cometieron es inscribirlo como propio, por lo general no quedan presos, porque las abuelas son las que son querellantes en estas causas ¿si? ehh..digamos no los llevan a juicio de la misma forma que si fuera un militar ¿no es cierto? ,hay una diferencia pero igualmente si son citados por un juez para que, bueno... es parte de reconstruir digamos que han hecho con los jóvenes que nosotros buscamos, como ha sido el circuito, como los sacaban de los centros clandestinos y un medico firmaba las documentaciones, poder recobrar..eh recuperar un poco como fue el mecanismo en que ese joven apropiado.. M: si, 237 G: siempre son citados y bueno...ehh como estos jóvenes son victimas del terrorismo de estado, es otra la pena que tienen los padres que lo han criado también por un juez.. ¿no es cierto? M: hay casos de militares... G: presos por esto? Si, si..si M: ¿hay muchos? G: no te podría dar el numero exacto pero todos los últimos jóvenes que se han localizado y los padres que eran policías, militares o represores...están detenidos, el represor y la mujer o la apropiadora también, los dos M: que bueno ¿eh? G: hubo un caso de una chica que ella inicio el juicio a sus padres...de crianza M: ah… G: ella misma.. M: si...porque la impunidad me parece ser una violencia mas… G: si, si totalmente, la impunidad es una violencia.. M: si..bueno... G: ¿queres preguntarme algo mas? M: los años de la dictadura que mas se apropiaron niños, tu sabes? G: si, mirá hay niños que han sido secuestrados del 75 al 80... M: 75 al 80...humhum G: La mayoría de estos niños, están entre el 77 y el 78.. M: 77 y 78… fueron los dos peores años ¿no? G: si, yo no te lo podría medir en esas cuestiones, ¿no? porque también toda la triple A en el 75, fue tremenda M: si pero... G: fue tremenda y todo, pero todo ehh, todo el 76, cuando empezó el golpe también..eh yo te estoy hablando de los casos que nosotros como....de jóvenes denunciados la mayoría están en esos años M: si G: en esos dos años... M: si, 238 G: digamos hay en el 79 y hay en el 76 ¿no es cierto? pero digamos la gran mayoría de esos 250 que hoy estaríamos en condiciones de poder localizar mañana mismo ...si se acercaran son en esos años M: ¿200? G: 250 están completas las familias en el banco de datos genéticos, acá no funciona, funciona en otra parte.. M: ah claro G: donde los jóvenes se acercan y dejan su muestra de sangre M: entonces parece que lo principal objetivo de la apropiación era ideológica como una higienización, una G: si eso era, digamos una metodología, el plan sistemático fue ese, por eso nosotros lo denunciamos desde ahí, de que esto es un plan sistemático, por eso son victimas del terrorismo de estado no es que fue un niñito de un dentro clandestino que un militar dijo ayy pobrecito!!, y se apiadado de él.. M: si, si G: uno o dos ¿verdad? 500 chicos..500 chicos en donde mucho de estos cuando son restituidos y pueden liberarse de esto cuentan como han sido criados dentro de lo que era la violencia y de ¿no? y de..y de impunidad esto.. M: ¿tu sabes el numero de chicos muertos en este periodo en los centros clandestinos detención? G: no..no con eso no. pero esos informes en la conadi los podes sacar...humm? M: ¿los padres, la mayoría están desaparecidos? G: bueno mirá el ultimo caso de restitución que hay M: si, G: el papa estaba vivo, y era un papa que trabaja activamente en las abuelas de plaza de mayo y lleva desde los 80 buscando a su hijo, es un papa de plaza de mayo y...es el joven que apareció en enero, así que desde enero que viven juntos y están felices y es muy fuerte porque, si bien no era el único papá deben haber sido 3 o 4 digamos padres, ¿no? que están buscando a sus hijos, pero él encontró al suyo y a parte es compañero de todos nosotros, y aparte lo ha buscado activamente ¿no? durante 30 años M si, 239 G: el ultimo caso si tenia papa, hermanos, tíos, y un papá...madres no M: madres, no G: no ,había una sola señora que localizo a su hijo M: ¿una sola? G: una sola, de estos 101 una, una señora había sido detenida, desaparecida y liberada y le habían robado el hijo y lo localizo hace...no hace mucho años....no muchos años M: ¿todas las madres no? G: humhumm, M: pienso que es eso... no no quiero tomar mas tu tiempo.... G: bien, bueno igual por mail cualquier cosa que quieras consultar no hay ningún inconveniente M: ¿no? ahhh...muchas gracias!!! G: si necesitas... M; muchas gracias!!! G: no se si te sirvió esto o... M; si claro, mucho, mucho en Brasil es muy diferente, acá las personas no quieren olvidar, en Brasil las personas quieren olvidar, acá me parece que es como, como una cuestión de...de..orgullo, ¿comprendes? G: humhum, M: tiene un..ehhhh G: familiar desaparecido M: si no podemos olvidar, tenemos que luchar..justicia, memoria, verdad..en Brasil no..en Brasil es una vergüenza si cada un quiere hablar con..es muy diferente la relación de sociedad con la represión del terrorismo de estado G: mira.. M: entonces no hay este, hijos de desap..no se habla mucho de eso .. G: si claro ¿hay casos de niños apropiados? también en... M: no se, debe ser pero son poco, por que acá son 30 mil desaparecidos , en Brasil son 500..entonces es algo muy diferente... G: si acá son 500 niños de desaparecidos M: si, si es muy diferente pero no es.. 240 G: bueno ahora te doy unos libros de conadi M: si yo quiero, si y material G: si, si M: y claro 241 ENTREVISTA ELINA AGUIAR – psicóloga especialista en atendimiento a victimas de tortura Asociación Argentina de Psicologia y Psicoterapia de Grupo, Asamblea Permanente por los Derechos Humanos e Universidad de Buenos Aires, Argentina. ELINA: Bueno, contáme las preguntas que vos tenias para mi, contáme.... MYRNA: ehh.....yo estuve pensado que un aspectos que me parece mas importante de la violencia de la situación de dictadura, es la impunidad... E: humhum.. M: entonces cuando encontré tu texto, encontré también un pensamiento, sobre la impunidad como se puede dar una nueva violencia.. ¿no? E: humhum... M: entonces quería saber sobre..ahhh.. un trabajo de secretaria de salud mental.. E: que yo trabajo ahí,.. M: si, si E: en la asamblea permanente, ehh los psicólogos tomamos temas acotados, eh, pequeños temas digamos, porque somos....son mucho temas y poca gente, si? Tenemos 8 personas. Históricamente desde que formamos la comisión que funciona desde 1983, lo que hacemos es trabajar algo así como con salud social comunitaria, no trabajamos con casos individuales, si bien yo algo de consultas puedo tener de casos individuales, creo que te mande uno de efectos psicológicos pero contra las parejas, yo trabajo especialmente con parejas, o pacientes individuales, digamos mas allá de mi experiencia clínica del consultorio, en la asamblea permanente lo que hacemos es hacer trabajos sociales o comunitarios y evaluamos desde 1983 a la fecha todos los años, que es la violencia que existe, desde la que por naturalización, no se habla y que sin embargo hace efectos en el psiquismo, en torno nosotros... a nuestros vínculos, eso es un termino que yo debo citar por ahí que se llama violencia simbólica,.. M: si, si Bourdieu... E: bueno, la violencia simbólica es una violencia verbal, que cuando se ejerce en cierto ámbitos, en cierto ámbitos de poder, nos va cambiando la manera en que percibimos las 242 cosas, o sea vamos haciendo como lo que piense el poder, yo digo por ejemplo: las prostitutas, en todas partes del mundo se dice las prostitutas,..ehh hablo de estee... niños marginales del gran buenos aires, o de las periferias de las ciudades..estee, cuando yo digo las prostitutas y enmarco la situación de las prostitutas, la mujer que se prostituye, lo que omito decir es: los prostituyentes, y las prostituidas, solamente con mencionar las..cuando digo la prostitución con eso solamente en la mujer prostituida, me estoy olvidando de los prostituyentes, esa es una manera de efectos de la impunidad, de ocultar el victimario, si yo digo las poblaciones marginales, de las periferias de las ciudades, también eso es violencia simbólica...hay que ver los diarios o impunidad, porque no son marginales, lo que estoy ocultando como toda situación de impunidad, es al victimario, son poblaciones marginadas, por varios procesos de exclusión social sistemáticos, tomados como manera para controlar a la población..esteee, los niños abusados o los niños violados, digamos el abuso a menores, son los niños abusados, son niños abusados, son abusadores ¿eh? No puedo hablar de la violencia sexual, sino hablo de los niños abusados y abusadores, todos usamos, todos los días, hasta nuestro marido esteee, cuando te dice: “ ¿estas lavando los platos?, entonces ehh yo colaboro con las tareas de la casa, que yo, yo te ayudo, dale que te ayudo, dale que yo te ayudo a lavar los platos”, se supone, los platos para la comida, se supone que si vivimos los dos, que el me ayude a mi, quiere decir que el asunto de los platos, es tan mío como atarme el cordón de mis zapatillas, si vamos viendo en el lenguaje cotidiano, es un buen ejercicio agarrar el diario, o escucharse uno mismo hablar, para ver como la violencia simbólica, impregna el lenguaje, y como dice Freud ¿no? estee. Freud decía que se termina... se empieza cediendo en las palabras y se termina modificando las acciones.. M: humhum... E: ese es el objetivo de la violencia simbólica, entonces cuando sale salud social comunitaria, en un enfoque, se sigue.....me voy a fijar cuales son los efectos de la violencia simbólica que padece mas fuertemente esa población. Entonces la Comisión de salud mental en el 83 nos dedicamos a dar gracias a maneras de hablar de las personas y cuales habían sido los efectos en los vínculos comunitarios del terrorismos de estado, de lo que no se hablaba, de lo que no se decía y todo aquello que era callado, entonces trabj,.,igual hicimos una jornada en el centro cultural san martín en el año 84 vinieron 1500 personas muchos que trabajaban todo el día...se llamaba efectos psicológicos del terrorismo de estado, era mucho 1500 243 personas en buenos aires por lo menos eran mucho, esteee trabajamos todo el día primero con panel y luego con talleres, yo trabajaba invitando a la gente. Muchos psicólogos, gente muy formada… entonces mucho psico...para ver como se impregnaba de violencia simbólica, mucho psicólogos tenían un cierto resquemor para ir y me decían, yo los llamaba ¿no?, esteee. ¿Quien te dijo que me llamaras a mi?, la situación de persecución de desconfianza hacia el otro, como decir lo que se pensaba, eran psicoanalistas como cualquiera, gente formada, gente inclusive inminentes psicoanalistas, muchos panelistas invitados, muchos no, muchos no quisieron ir para no comprometerse, ya en el 84, ya había un gobierno democrático establecido hacia unos meses, antes ni que pensar, uno me acuerdo que me dijo anótame en las jornadas, pero no me pongas mi nombre, pone NN, o cualquier cosa (ahh! Suspira) como poner NN..quiere decir N.N,.....NN, son desaparecidos, eso quiere decir que era tal el pánico que teníamos, que reprimíamos, el mostrarnos interesados o nuestra manera de pensar y tantas otras cosas de pensar , sobre lo que le había pasado al pensamiento, entonces uno de los primero efectos, después lo vamos a ver con la tortura .... M: uyyyy!!!! E: unos de los primeros efectos que vamos a ver es que nos alienamos ante la violencia simbólica nos alienamos, quiere decir.... M: como mecanismo de.... E: como mecanismo de defensa ante el terror que tengo, prefiero volverme como la cabeza de otro, soy alguien, viste alguien en..soy alguien soy otro y ya, no se que estoy alienado, es la mayor alineación, no saber que esta alienado, padezco de violencia simbólica y no se que lo estoy padeciendo ehh? el… bueno ehh, la imposibilidad de pensar, es uno de los efectos principales de la violencia simbólica desde el comercio desde donde sea hoy en día, y desde el terrorismo de estado, eso sienten los sujetos torturados, donde la única manera que tienen de rescatarse en esas situación, eso te dicen es rescatar el propio pensar, tener cosas que no va decir al otro, aunque sean cosas intimas, es un método de defensa, rescatar su posibilidad de pensar, en los efectos de violencia social entonces claudica, hay efectos de violencia simbólica y desde nosotros en la comisión de salud mental trabajamos mucho tiempo, hicimos cines-debate porque para la gente no se junta para pensar sobre efectos psicológicos del terrorismo de estado, entonces hacíamos cines-debate que pasábamos películas que tenían que ver con violaciones a los derechos humanos..(bahh! hay una 244 película que se esta vendiendo en los quioscos que se llama crónicas de un niño solo, de Leonardo Fabio, la vende pagina 12, que salió la semana pasada, de toda al cuestión de la infancia marginalizada y eso es..es interesante), pasábamos la película llamábamos al actor principal, que venia, entonces venia muchísima gente y hacíamos cines-debate de 150 personas..aprendimos a trabajar en grande, mas fácil, 150 personas y se empezaban a generar vínculos entre ellos, era gente de barrio,.. M: humhum.. E: de la zona, y se empezaban a generar vínculos fuertes entre ellos, donde se daba por... se empezaban a intercambiar y a conocerse y decir y metabolizar entre ellos lo que pasaba, dimos cines-debate, ¿cuánto tiempo?... muchos anos, 4 o 5 años, hasta que vimos que ya, ya era como vox populi, ya se sabía, ya había estado el juicio a las juntas, se había discutido lo de la obediencia debida, bueno ya llego el tiempo que no era necesario, hicimos la evaluación al año siguiente, pasados estos anos 3,4,5 ...hicimos la evaluación y la violencia simbólica naturalizada era la violencia acá en buenos aires, de los estamentos policiales hacia los jóvenes o en los lugares bailables, los que cuidan los lugares bailables, y esta bastante naturalizado esa violencia hacia los jóvenes y trabajamos entonces unos cuantos años también con los jóvenes de los colegios hacíamos psicodramas, roollplay bueno, en distintos colegios como 3 años, bueno, estee donde se hablaba de esto que no se hablaba, que aceptaban y se sometían y no tenían posibilidad de recurrir porque los jóvenes, cuando salen a la noche, bueno, no solamente los de clases desfavorecidas sino... de las clases altas de la sociedad en todas las capas era naturalizada la violencia social, la violencia hacia ellos, eso trabajamos un bueno tiempo y después empezamos a evaluar que, ya era por lo años 90s .(unos pocos, 95..96), que el efecto control social mas importante naturalizado era el de la amenaza de quedarse sin trabajo o de el sin trabajo, un efecto en la desocupación, el efecto psicosocial de la desocupación que es el ultimo método de control social que encontrábamos, el terror a quedarse sin trabajo, así como la tortura, se tortura a una persona con el objetivo de paralizar a toda la población... M: humhumm... E: Pawlovsky en el torturador, ¿leiste la obra? ...de Pawlosky? M: no.. 245 E: El senor Galíndez..(ahhh!!te la recomiendo), el señor Galíndez ..es un torturador y lo escribió un psicoanalista argentino que se llama Pavlowsky, es una obra de teatro, excelente, tendría que ser un texto que te...te puede ayudar mucho para ver la Psicología del torturador, bueno en el torturador del señor Galidez de Pavlowsky, el torturador dice: por un..por uno que tocamos..mil paralizados de miedo, nosotros actuamos por irradiación y el, el efecto de la desocupación es el mismo por uno que se queda sin trabajo vos aceptas pasar días mal pagos, cualquier cosa por ser consciente de tu situación y conformación laboral de que estas sin trabajo, entonces te sometes por uno que esta mal uno se somete, en al tortura es así, por uno que torturas, sometes a ese uno y a todo su núcleo social, por eso se privilegio en Montevideo, en Uruguay, que es un país chiquito, se privilegió la cárcel como un método de control social, donde todo el mundo tenia..hay vínculos mas..estee..(yo he estado en Montevideo también), son mas cara a cara, entonces por uno que estaba preso controlaba yo a su padre, a su madre, a sus tíos, a sus hermanos a sus amigos, controlabas a muchos mas, en la Argentina tenemos todas una...son maneras de verlo, pero teníamos toda una mitología del niño y el...digamos si nos esforzamos, ese niño tiene que salvarnos y todo eso, como el rey del hogar el niño, todos los esfuerzos son para el, para que se eduque, para que tenga..para que pueda...desaparece uno y se descontrola a toda la familia, no tengo todo el tiempo, no voy hacer nada por si aparece, y en Chile que son muy arraigados a la tierra, por ejemplo es una manera de verlo, hay muchas, o sea, son muy, muy terruños eso, estee, entonces el método que privilegiaron es el exilo, como pocos desaparecidos, pocos esteee,..bueno mucho fusilados pero pocos..el privilegiado fue el exilio, vistee como método de control social para volver, para que mi familia pueda volver..sin morir, entonces lo que se inmoviliza a la gente es su capacidad de pensamiento ¿ehh? entonces en la comisión solamente estamos trabajando hoy en día, hasta hoy en día el poder, sobre..trabajamos con grupos de desocupados , eh porque pensamos que la amenaza de desocupación hacia el mal trabajar, hoy en día no hay tanta gente que trabaja mal sino que trabaja por muy poco dinero y en muy malas condiciones, la mayoría profesionales, bueno ..por lo que estamos acá en callao y corrientes, centro de la ciudad, serian otros, digamos, si estuviéramos nosotros en otro lugar, estee.. las convocatorias ahí,...ehh porque es un método de control social donde la impunidad reina, porque yo me voy alienando y me voy sometiendo y resignando mi pensar con tal de...eso es violencia social, cuando no me doy cuenta que 246 estoy alienado y acepto cualquier cosa hoy en día, la Comisión de Salud mental, hoy en día, trabajamos con desocupación hablamos con dis-ocupación, o sea con personas con..con trabajos de mala calidad sean o profesionales o sean...eso ahcemos en la comision de salud mental comunitaria ..espero responder a tu pregunta...ah? M: si E: violencia simbólica.. M: hay entonces, ¿podemos comparar con la violencia de la tortura con la violencia de la desocupación?.. E: en ese sentido como método del control social, la tortura no tiene como objetivo sacar información porque total le das una inyección, hay , hay métodos químicos.. ¿verdad?...no es sacar información, es un método de control social que tiene como objetivo ultimo, creo, demoler a las personas, sabes lo que es la demolición no?.. la demolición psíquica, ehh alguien que trabajo bien, debes haber leído a Marcelo Viñar.. M; si, E; viste el termino el Pedro o al demolición..viste el capitulo ese.. M; humm no me recuerdo ahora... E: en Internet podes buscar a Marcelo Viñar, además tiene experiencia personal porque estuvo unos años en..uno o dos años en el penal de libertad que paso además tortura y todo eso, es un medico psicoanalista que fue presidente de la comisión psicoanalista de.. M: uruguayo no?.. E: es uruguayo si, ahora bien en Uruguay si lo podes ver a Marcelo, llamalo de parte mía es una persona ,estee, es una persona extraordinaria y es una persona que sabe mucho de esto... M: ahhh.. E: Marcelo Viñar,.. M: ¿tienes un contacto de él? E: ehh... te puedo mandar el mail o llámame a mi casa..si, si, pero para ir leyendo de él ,Marcelo Viñar se especializo en demolición durante la dictadura militar...entras en fracturas, el libro que ellos editaron es de Marcelo y Mario Viñar, son dos psicoanalistas es uno chileno y el otro argentino, tiene un libro excelente que se agoto, no se puede conseguir mas, entonces lo subieron a Internet..esteee, se llama fracturas de memoria...son 300 247 paginas pero bueno vale la pena y ahí vas a ver lo que es efectos de tortura..precioso cada uno de los capítulos, fracturas de la memoria..y el te va decir ahí y en otros capítulos, que en el capitulo que te voy hacer referencia ahora se llama pedro o la demolición, pero los otros también tienen, son muchos ¿eh? Léetelo porque me parece que es una base importante para que trabajes estos temas...a parte... M: humhum.. E: los psicólogos hablamos de demo..hay un termino de parecido a la alienación que es especifico y sucede en al tortura..eh, y vas a ver que también sucede en los mecanismos... yo lo trabajo mucho, Marcelo no lo trabajo para efectos de la desocupación, pero yo tome eso porque también hay demolición psíquica, alguien con efectos del pulmón como efectos de la desocupación, el va a mostrar, el..pedro por pedro, pedro fue un militante uruguayo que fue capturado, que estuvo en el penal de libertad, donde estuvo Marcelo también..esteee y entonces bueno, después hay una ley, después termina la dictadura en Uruguay y salen. esteeee..las personas del penal libertad salen, pero allá no fueron juzgados, como si fue en Argentina que es un proceso casi inusual digamos, se pudo poner a la vista y a la escucha de la gente, se pudo condenar digamos desde el estado se condena, se pudo ver, digo por no escuchar, porque en la época de alfonsin que había una transición política pero bueno que estaba así a mitad del agua, digamos, hizo el juicio pero por televisión no se podía escuchar, podía ver solamente las imágenes, muy simbólico el que no pudiera escuchar, prendías la televisión y estaba callada, estaban las imágenes, eso se esboza como para que la gente no piense, estaba ahí, entonces se esbozan las leyes de impunidad, de obediencia debida, eran las leyes acá.. M:....como la ley de 4 años..... E: las leyes de obediencia debida querían decir que si vos salías y matabas a alguien y era por orden superior, no eras culpable, obediencia debida, digamos yo mato a alguien pero después digo no, obediencia debida, como Pilatos me lavo las manos.. M: humhumm E: bueno eso fue el proceso de acá, con lo cual acá demoro mucho, en Uruguay todavía hay efectos de la obediencia debida, ya se revirtió ahora por ley están comenzado los juicios de nuevo bueno, por la impunidad reinante que hay por las amenazas brutales a todos los testigos, entonces sigue la tortura porque digamos el testigo si es amenazado hoy en día los 248 que van a testimoniar, pasado mañana, están siendo amenazados, perseguidos, llamadas por teléfono, bueno ... M: la semana pasada incluso de una manera me contaban la historia del supuesto robo.. E: por el robo Silvia,.. M: iba a dar... E: iba a dar testimonio si, pero es continuo, entonces, vuelvo a Uruguay, en Uruguay, no hubo este juicio, hubo una ley que decía que tenían que pagar dinero por el tiempo que estuvieron alojados y se pagar como la pensión… te iba contar la historia de pedro, Pedro en sus paredes tenia, en su celda, un buen pedazo de celda que le tocaba, tenia escritos todas cosas contra los militares, la dictadura, etc, etc, sale de la prisión, va a una pensión no se sabe que había pasado con sus familiares, eso que lo pone en un lugar muy ajeno, bueno estaba desconectado, que es un elemento importante, la desconexión de sus redes sociales, esta desconectado y va a parar en una pensión y el escribe un diario y también a través del diario esta puteando, enojado, y empieza a pensar que tiene que juntar la plata, y empieza a juntar la plata y dice bueno tengo que juntar el dinero porque en realidad los militares son unos hijos deputas, pero bueno alguna cosa yo hice, un poco, me merecía ese trato, y un poco, en algo razón tienen, bueno va, se va demoliendo, pierde su capacidad de pensar y empieza a pensar bueno, en realidad, dentro de todo me alimentaron y no me mataron, bueno sigue demoliéndose, bueno en ultimas debemos estar agradecidos, agradecido por el tiempo que me tuvieron, que me estuvieron protegiendo, sigue su proceso de demolición, con que les voy a pagar, con nada les podría pagar lo que hicieron por mi, sigue su proceso de demolición y termina suicidándose., que.. (era el suicidio de él o el suicidio de José, lo confundo con José que se va a otro capitulo, que se abrocha todo así José y termina suicidándose en el rió, era José el que se suicida, se me confundieron los personajes), como diciendo no tengo mas contactos, no sirvo mas para nada, estoy totalmente cerrado, me anula todo, nos sirvo. Ese es el éxito de la tortura, así bien no terminen suicidados, la tortura tiene como objetivo..demoler, las convicciones, la persona, convertirlo de persona en objeto, es decir, el sujeto en objeto, en ese vinculo de demolición no es solamente..el efecto de la tortura no es en el torturado.. M:humhumm E: el efecto de la tortura, es mucho en los familiares y en la comunidad toda.. 249 M: si, E: yo estuve trabajando un tiempo, me invitaron...(jeje risas) yo le comente a Marcelo me dijo:- vas a un hotel 5 estrellas-, esteee, el RCT, se llama (ahh se me olvido el nombre..) contra la tortura S.T... Rehabilitation Central Torture, ese que queda en Copenhague, a mi me invito el gobierno que estuve unas semanas... y a mi me dejo muy sorprendida que tenia como decía Marcelo..(dice :-ahh la vas a pasar bien, vas a comer rico, vas a un hotel 5 estrellas-), yo iba como psicóloga a ver, bueno a conocer me invito el gobierno a conocer ..esteee, a conocer los centros de refugiados eso veía, entonces las personas torturadas de distintas partes del mundo (que fue hace 10 años.....15...10 o 15 años.....si 15 años....), bueno personas torturadas de distintas partes del mundo son tratadas en el centro de rehabilitación contra la tortura, tiene que ir solos... M: en donde es? E: En Copenhague en Dinamarca, RCT...lo buscas en Internet?..bueno, son buenísimos muy linda gente pero no tiene, no tiene, no saben cual es el objetivo de la tortura..es una demolición psíquica, no leyeron a Marcelo Viñar, entonces tienen kinesiólogos, tienen médicos, tiene fonoaudiologos, terapistas físicos, bolsa de trabajo, asistentes sociales, entonces a mi se me corrió les pregunte... sino tenían tratamiento psicológico, bueno eventualmente individual, bueno, yo miren que en la tortura por lo que mas tenemos experiencia en Argentina, lo que mas daña son los vínculos, el; resentimiento que se funde entre ellos, la serie de demandas insatisfechas del uno hacia el otro, del niño hacia los padres, del torturado hasta, hasta sus propios padres, digamos los vínculos se fraccionan, la culpabilización, la victimización, la victimización del de afuera., la victimización del de adentro, el chivo expiatorio, la desconfianza mutua, yo lo que veía acá es que los vínculos afectivos, pero tienen todo tipo de derivaciones que son los primeros que quedan demolidos, que quedan alienados, digamos a esa labilidad, esteee, que se pretende obtener desde la tortura, esa labilidad Argentina, repercute, hay una labilidad como...vincular por decirlo así, ......esas, esa vulnerabilidad..a esa vulnerabilidad a la que estuvo expuesto el sujeto, y estuvieron de pronto los familiares, esa repercute finalmente a una fragilidad, a nivel de los vínculos, a una labilidad a nivel de los vínculos actuales, estuvieron en una situación de vulnerabilidad,..alguien tiene un lindo trabajo sobre esteeee, Roberta Stern, sobre, 250 M: si si, E: se llama......no se si llama los proces...(yo para citar, soy muy mala,..la bibliotecaria de acá, se pone y me dice....si Elina me dijo el titulo esta mal,...risas), creo que se llama procesos de exclusión social de Roberta,...bueno ella habla dice se pasa de la situación de vulnerabilidad que se ve en los distintos estamentos, habla de lo que es labilidad social, la vulnerabilidad a nivel emocional que lo va a ver en el nivel del trabajo y a nivel de los vínculos. La tortura en al situación de vulnerabilidad, en la que estuvieron redunda en una labilidad en los vínculos, de distinta especie y con distintas calidades, la desconfianza prima, el chivo expiatorio, la acusación, el resentimiento, las demandas, digamos mas demanda hay hacia el familiar cuando no pudo (yo no lo tengo escrito pero bueno, es una hipótesis de mi experiencia clínica digamos), mas demanda hay entre familiares, cuando mas problemas hay entre familiares, es de este tipo, del chivo expiatorio, “vos tenes la culpa, vos me dejaste, primero la militancia después yo, a vos no te importo por mi estaba primero defendiendo el derecho del otro, vos no pensaste en tu marido o en tu mujer y tus hijos”, bueno lo habitual que encontramos los psicólogos, ..hay mas incremento de la labilidad de esos vínculos, cuando el contexto social, no fue un ordenador y no trabajo a nivel de la violencia simbólica, cuando desde el contexto social se hace a la función de testigo como decía Gadalmez, ¿no? se test.....el contexto social recibe el testimonio y lo califica, como violencia, como crimen, como tortura, a las victimas como victimas y no “en algo estaría, en algo andaría” se dice en español ¿no? “en algo se ve que estaba”, ¿no? porque cuando desde el contexto social, se llaman las cosas por su nombre, o sea es violencia simbólica cuando no se llaman las cosas por su nombre, cuando se habla de la prostitución infantil, yo te voy a decir no, los niños prostituidos y los prostituyentes, si habla de prostitución infantil ya sabemos que se esta ocultando la clase sobre los prostituyentes, van hablar de lo que le paso al chiquito y van a obviar la prostitución, cuando el contexto social ayuda que no haya violencia simbólica y que no haya fragilidad en los vínculos, cuando se puede tomar, estudiar la tortura, a nivel político, sin estudiar en que contexto, de que manera, ese contexto social nomino a la tortura y como puso en relieve los hechos que pasaron, los efectos psicológicos de demolición en los mismo vínculos familiares, y en el sujeto son importantes, los estragos son muy importantes no es solamente una cuestión individual, sino que la tortura es uno de los métodos de control social.....(eh a las y media como en la carroza de blanca nieves, y la 251 cenicienta yo....risas, es que tengo que estar en otro lado y ahí no puedo faltar, estee, porque ahí soy yo la que coordino digamos, aunque haya una mas del grupo....)..ehh entonces, esto que estoy hablando como la importancia de la violencia simbólica en el contexto social y el proceso de tortura...el primero seria el proceso de demolición psíquica,..ehh M: si.. E: por si te queda..que otra cosa tenias que preguntar, tenes....todo subrayado haz leído muchísimo... M: la impresión que del yo argentino que... E: ahh si que no le importa M: que no tengo nada que ver.... E: nada que ver, yo argentino, no tengo nada que ver, M; incluso se escucha con broma, cuando alguien le dice algo a un oque le implica... E; ahh no,, el yo argentino, M; yo lo que pude comprender en tu texto, es como que un desdoblamiento de la vivencia de experiencia de la tortura, es que no, la persona permanezca paralizadas en su inserción social.. E; humhumm.. M: ¿es eso? E: claro, si, si esta bien, M; las personas no consiguen trabajo, ehh E: eso te muestra los efectos psicológicos del terrorismo de estado ¿la pareja? Si debe ser de la pareja... M: de la impunidad... E: ahh de la impunidad,.. M: si pero hay también... E: en la pareja también se pueden dar ejemplos, ¿si? M; si,si, E: si las personas les cuesta, reinser..reinsertarse socialmente, primero porque desde el contexto social no se les da el recibimiento adecuado, o sino quedan siempre, se ponen en muchas veces se ubican en acreedores sociales, quien ha sido victima muchas veces de una 252 violencia social no es...al no haber tramitado el contexto social lo suficientemente eso siempre esta como demandando de otro, así como vino un otro de arriba con la violencia social, la violencia del terrorismo de estado que lo, lo agredió, pide un resarcimiento siempre de un otro de afuera, descree de sus propias posibilidades, y yo en algún lugar lo denomino acreedores sociales,.. M; tiene algo que ver eso con la impunidad..los resarcimientos,, E: tiene que ver con la impunidad porque lo social...desde el contexto social no se hicieron suficientemente cargo de toda la situación… algunos organismos de derechos humanos, algunos el self, trabajo mucho en al terapia individual, de acá en al asamblea que trabajamos desde la Psicología social-comunitaria, los tomaban desde tratamientos individuales, porque la sociedad no tuvo todo un tratamiento todavía, todavía hoy nadie puede saber donde… muy poco digamos, puede saber digamos, donde esta la persona que desapareció, donde están sus desaparecidos, en que lugar, digamos el contexto social tiene muchas deudas, con las victimas, con la sociedad toda, que de alguna manera en mayor o menor grado son todos victimas, creo que esta relacionado que si desde el contexto, no se saldan las deudas, las personas que hasta tienen dificultades de insertarse laboralmente, siempre están como pidiendo que el otro les resuelva, equivocadamente piden, que les den trabajo, que les de una cosa, que les den otra, están como demandantes sociales, yo los llamaba acreedores sociales...eh? M: si,si, E: eh? Porque hay algo, piden pero equivocadamente, se ubican en demandantes todavía, que en cierto sentido tienen razón, en cosas fundamentales, que es pasar son demandantes, lograr un resarcimiento, algunos son resarcidos con dinero, ahora estamos ..bastante, si sin resarcidos, son resarcidos con dinero lo del dinero es un problema también, porque la persona que recibe el dinero,(pero esto problema, eso desaparecidos si es que tu tema es tortura... risas) hay indemnizaciones también, pero tienen otras consecuencias,.. M: pero me parece que hay un pedido de esos acreedores por justicia ¿no? y es como se la justicia pudiese de alguna forma, como dejar de ellos seres acreedores, digamos con la Justicia, E: ojala...suele pasar, que cuando hay justicia dejan de sentirse acreedores, es una situación bastante ideal, yo tengo un ejemplo clínico de una pareja, era con respecto..buenos ellos dos 253 eran una pareja, tenían problemas...los dos habían sido torturados, después pudieron exiliarse, se fueron por el ACNUR, estuvieron afuera y después volvieron,,esteee ella fue torturada estando embarazada, y tuvieron su hijo que hoy tiene veinti...pico de años, una mujer extraordinaria,...y al mismo tiempo, la sobrina de ellos muy querida, se muere en la amia...(¿sabes los que es al Amnia acá en Argentina?), un atentado que mataron ciento y pico de personas que hasta ahora no ha sido esclarecido, digamos como una cuestión de poder que nuestro presidente que seguramente tenia interese de que la amia desapareciera etc, fue un atentado que quedo impune..impune hoy en día,.......entonces esta chica que, esta señora ya, los dos se habían ido a la marcha.....todos los18 de julio se hace la marcha de las entidades judías...donde murieron judíos y no judíos, pero las judías tomaron esto, se llevan las fotos, de cada uno de los que mataron, 180 ...no se cuantos son... 180 no se, fue una cantidad importante, esteee y ella y le cuenta y en la marcha había mucha gente y estaba hablando..la que no se si es la presidenta o que.. o el presidente kishner con otro discurso, un discurso distinto, y ella se siente...no cuenta esto que se siente..después y le digo que se siente aliviada, digamos eras un marco distinto al que si habría alguna una esperanza distinta, para que se diera justicia y ella me dijo que se sintió cansada, se saco la foto que tenia, de su sobrina se la dio a otro, y ella se fue a tomar un café, se fue, ese movimiento que ella hizo, los psicólogos trabajamos así, en lo poquito se sabe ....no hacemos estreee ciencia positivas sino esteeee, .....entonces ahí pudimos trabajar y eso fue como un hito en su vida, y le cambio la posición social, gracias a..a que las marchas son muy, muy numerosas, hubo muchísima gente ella sintió, que ya podía salir del lugar de victima, era su, su sobrina preferida,...ella era su madrina bueno ocupaba un lugar importante, salió del lugar de victima otro pudo seguir reclamado justicia, y ella ya pudo....se fue. Se fue a tomar un café con su marido porque estaba cansada, este proceso se pudo dar coincidentemente con eso, ella trabajaba en computación , y daba clases por aquí daba clases por allá, poco tiempo después, se fueron y ya estaban bien, y después me llamo dos años después que iba a estados unidos viajando, bueno, se transformo...así cambio, salió del lugar de victima,..estee y a mi me pareció que esto no fue un hecho banal, que pudo finalmente no ir a la marcha del 18 porque se..... M: ¿entonces podemos pensar que el lugar de victimas, el lugar de justicia, pedir justicia o mirarse como victima, o....como....acreedor social es como un síntoma? 254 E: es un síntoma de la sociedad, que genera acreedores sociales porque.....no hay justicia y si.. ehh digamos se olvida la sociedad sin querer, digamos..lo opuesto a olvidar, no es recordar, lo opuesto a olvidar en este caso, se olvido hacer justicia, que no se olvide, cuando ella vio que no se olvidaba, ..era acreedor social...una vez que se hace justicia, y ya no tiene mas sentido su síntoma,..por eso las consecuencias individuales no dejan de ser....tienen que ver con todo, las consecuencias sociales...en el libro hay que hablar, algo de esto,... algo de ese libro esta aquí en la....en el libro. no...en la película de Akira Kurosawa, rapsodia en agosto, vistee, cuando hay alguien.,..la viste? M; si, E: cuando la vieja es escuchada finalmente, cuando adquiere sentido ella puede ver, y puede tener sentido a aquello que paso para los chicos y los chicos dejan de tener síntomas, recorridas que los chicos., ese chico que miraba el ojo, ese ojo tuvo palabras, hubo alguien que recibió su testimonio, en la sociedad pasa lo mismo, es decir si la sociedad recibe el testimonio, se hace cargo y acciona y pide justicia, el otro deja de ser acreedor social, como la chica esta, la señora que yo te digo, es un desarrollo impresionante a mi me impacto, salió de su lugar de victima, porque a las victimas nos dan trabajo A las victimas...de la tortura, victima siempre...........(Myrhna, nos quedan menos de 10 minutos así que...) M: si, si... M: creo que esta claro que podamos hablar, la impunidad como duplicación de las deudas no? E: humhum.. M: yo no comprendí muy bien los efectos de subversión de valores...es lo que ¿demolición? E: dame toda la frase de subversión de valores, M: de donde dice que desde el poder las mismas, están ocupadas es así como en Argentina que aparecen como de los ruidos sostenidos por el luto de los familiares de desaparecidos y detenidos en campo de exterminio. En caso de que no puedan pagar se le confiscan todos los bienes que poseen… E: se subvierten los valores, es efecto de la violencia simbólica, ahí tienes subversión de valores, lo que debería ser rojo no es rojo, esteeee, supuestamente ellos son los culpables, digamos las victimas son ..los victimarios.... pasan a ser victimas ..entonces hay resarcirlo, es la subversión de valores, desde la sociedad, la violencia simbólica, ..cuando yo hablo de 255 prostitución infantil, es subversión de valores, porque lo grave es el prostituyente, el prostituido es..pobre chico, eso es subversión de valores, el efecto de la violencia simbólica y la impunidad, va en la subversión de valores, M: tiene eh muchas referencias bibliografícas, muy buenas ¿no?..tienes acá esos libros, artículos..ehh E; si, ehh no se que necesitarías acá en la asociación? si debo ver, dejáme que ...los libros quizás no estén todos acá en al asociación, algunos deben estar en mi casa, ahora te digo, total podes conseguirlo acá y pedirle Andrea que te los fotocopie, Andrea es la bibliotecaria de aquí abajo es la mejor secretaria mucho mas ordenada que yo ..si todo esto debe estar acá no...este no, te digo lo que no deben estar acá…