VIVENDO O CONCILIO

Transcripción

VIVENDO O CONCILIO
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José Maria Vigil
VIVENDO
O CONCILIO
José Maria Vigil
VIVENDO 0 CONCÍLIO
Guia para a animação conciliar
da comunidade cristã
EDIÇÕES PAULINAS
Do original em língua espanhola
Viver ei Concilio — Guia para Ia anirnación conciliar de ia
comunidad cristiana
© Ediciones Paulinas, 1985, Madri
© José Maria Vigil Gallego, 1985
Tradução
J. Alves
Revisão e preparação dos originais
Carlos Rizzi
Capa
J. Sanai
Poto:
/. Castro
EDIÇÕES PAULINAS
Av. Indianópolis, 2752
04062 — S. Paulo — SP (Brasil)
Edições Paulinas — São Paulo, 1987
PRÓLOGO
A apresentação que meu irmão, José Maria Vigil,
faz de seu livro — útil e provocador — dispensaria
qualquer prólogo. O livro é justamente o que Vigil afirma: uma ferramenta pastoral.
O Concilio Vaticano II, o famoso concilio do século XX, o "nosso" Concilio traído e deturpado e já
tão esquecido... é posto em ritmo de reflexão diária
para a vida da comunidade eclesial, apresentado em
grandes sínteses, bem escolhidas e fiéis sempre, para
incrementar as celebrações e os encontros, os estudos e
a catequese, as atividades pastorais e a vida cristã.
Vigil escreve de maneira firme e clara. Há pedagogia e rigor em suas palavras. Acrescente-se a isso o
alento missionário, que não deixa de ser um encorajamento.
No livro existe uma conjugação de textos conciliares e de textos bíblicos correspondentes, acompanhados
de reflexões lúcidas e questionamentos de propostas
para a vida prática e orações sugestivas. Tudo isso faz
deste livro um maravilhoso vaãe-mécum conciliar.
É uma obra muito oportuna. Seja pelo fato de o
Concilio Vaticano II celebrar o seu vigésimo aniversário, seja por outras razões eclesiásticas menos felizes...
Creio ser oportuna para todos. Certamente, para
muitos cristãos que ainda não leram o Concilio, apesar
de tê-lo ouvido em seu tempo como um sino de ressurreição; e para aqueles cristãos que se referem ao Vaticano II como um marco obrigatório que explica suas
próprias vidas e justifica a caminhada atual da Igreja;
como também, com maior razão, para os novos cristãos jovens que sequer puderam viver o Concilio por
causa de uma impret^sa podada. Com este vade-mécum,
todos poderão recuperar de modo vital o Concilio Vaticano II.
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Muita falta nos está fazendo.
Após vinte anos — agora, um século — o Vaticano
II está ai, em parte, por ainda fazer a sua estréia. Ao
menos, naquilo que ele tem de melhor em si. Ou seja,
no ímpeto que ele desencadearia providencialmente, se
fosse assumido com "abertura conciliar", com o objetivo de possibilitar uma resposta crucial historicamente, crível socialmente, inadiável ecumenicamente, à fundamental pergunta de fundo que o motivou em sua originalidade:
— "Igreja de Deus, o que dizes de ti mesma?"
Serás capas de reconhecer-te, por fim, como
o que és ou deverias ser?
Como te concebes, sem ruptura e "católica",
não apenas em tua hierarquia privilegiada, mas
também em todos e em cada um de teus filhos,
iguais enquanto igreja, diferentes apenas em
seus carismas e serviços?
Por que proíbes de estarem vivos em ti, adultos e co-responsáveis, tantos cristãos, pertencentes a esta ou aquela cultura, deste ou daquele sexo, todos nascidos de suas pias batismais? Por que te recusas a ser, medrosa e egoísta, o que te sonhou o Espírito?
A fim de que pudesse ela também, a igreja, responder ao mundo que a interroga ou a julga ou a desconhece:
— "O que dizes de ti mesma ao mundo, igreja de
Jesus? O que dizes a este mundo do século XX?
Ao Primeiro Mundo..., ao Terceiro Mundo também?
É verdade que o Vaticano II não descobriu o Terceiro Mundo, pelo menos na acolhida oficial de suas
sessões plenárias. Não lhe faltaram os corredores proféticos, porque o vento de Pentecostes sopra sempre
para além de nossas obtusidades e se nega a ser encer-
rado em uma sala ou em um esquema, nem que sejam
de um concilio. Sempre o Espírito é mais "católico" que
a igreja.
No Terceiro Mundo, nesta América Latina da qual
escrevo estas palavras — ásperas hoje, outra vez, e contudo esperançadas —, sentimos com particular realismo quão europeu foi o Concilio Vaticano II, quando a
sua letra fica atrás de muitas de nossas inquietações
pastorais e sociais. Como nos faria falta — com perdão dos assustadiços ou dos que já se instalaram previamente na eternidade — um Concilio Vaticano III, ou
um Concilio Jerosolimitano II, para ser mais exigente.
Sua letra, digo. Sua letra fica atrás. Porque seu
espírito continua vigente, primaveril, católico, ecumênico.
O espírito, teológico e pastoral, que pervade seus
grandes documentos e suas intuições maiores. Na Lumen Gentium, na Ad Gentes, na Unitatis Redintegratio.
No desejo ardente de diálogo, não no âmbito real
que abarca, a constituição pastoral Gaudium et Spes
faz a igreja voltar o seu rosto para o mundo. Quiséramos que a fizesse entrar de cheio — de pés e braços,
de cabeça e de coração — no solo e subsolo das estruturas sócio-econômicas, nos desafios mundiais da justiça, da igualdade e da liberdade para todos os povos.
De Este a Oeste, de Norte a Sul. Entrando também, é
claro, para não ser tachada de hipócrita, na revisão séria de suas próprias estruturas de poder, de participação e de opinião, tão pouco atuais, tão pouco evangélicas e evangelizadoras.
Como estamos longe aqui, muitos de nós — estas
nossas igrejas açoitadas — dos medos de certos irmãos,
hierarcas ou não, desejosos de enquadrar
judicialmente
o Concilio Vaticano II, como se tratasse de um misterioso réu, culpado de todos os males que acontecem
hoje na santa igreja!
Não é por excesso de Concilio que andamos mal.
É por falta de Concilio.
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Por falta de espírito conciliar.
A letra do Vaticano II pode ser considerada, em
muitos aspectos, superada; isto porque o tempo também passa pelas páginas de um concilio, obra real dos
homens tanto quanto graça do Espírito Santo. A história não acabou há vinte anos. Não terminou com o
Vaticano II a história da igreja, a sempre igual e mutável história da salvação.
Entretanto, se a letra do Vaticano II está superada
em parte, seu espírito continua intocado, em pé, desafiando-nos. Agora já sem possíveis adiamentos.
Temos
de abrir muitas janelas ainda para ventilar o recinto
fechado de nossa igreja. E estaria na hora de abrir as
portas também. Os filhos, os irmãos, entram e saem
pela
porta...
Os barqueiros do rio Araguaia, bons conhecedores
de sombras e bancos de areia, sabem "ler as águas".
Deveríamos ler o espírito do Concilio Vaticano II, mais
para dentro de sua letra, em profundidade e à medida
que o barco avança.
Em uma releitura dinâmica e situada, "ubicada",
como se diz por aqui.
(Se os próprios evangelistas releram a vida e a
palavra de Jesus, nunca será demais que a igreja — todos nós, juntamente com o papa e os bispos, ajudados
pelos teólogos, beneméritos e acossados — saibamos
reler o Concilio. O mesmo Espírito que acompanhava
os evangelistas — na inspiração e na inerrância — e
acompanhava os padres conciliares — em sua hierárquica e colegial missão — acompanha-nos também —
na vivência da fé e na evangelização atualizadas.
Disse que este livro era oportuno também "por outras razões eclesiásticas menos felizes".
Os bispos brasileiros — suspeitos para alguns e
aplaudidos por outros — temos o privilégio de contar
com dois companheiros
oficialmente sinodais: dom
Aloísio Lorscheiãer, cardeal-arcebispo de Fortaleza, no
sofrido Ceará nordestino, e dom Paulo Evaristo Arns,
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cardeal-arcebispo da monstruosa e batalhadora cidade
de São Paulo. Na última assembléia ordinária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) — agora, ainda em tempo de Páscoa —, em plenário, eu cobrava desses dois magnos pastores seus créditos e seus
méritos no Sínodo extraordinário que o papa João Paulo II nos decretou, de surpresa, para este vigésimo aniversário do Concilio.
Nessa sessão, expus duas preocupações de nossa
assembléia. Estas duas preocupações foram compartilhadas por tantos outros na igreja de Deus que está
no mundo.
Primeira: não quererá, de fato, o Sínodo "enquadrar" o Vaticano II, deixando-o ali, em sua letra fixa,
como definitivo, um ponto final, um ponto de chegada?
Segunda preocupação: como devolver ao Sínodo sua
credibilidade perdida?
A segunda preocupação foi suficientemente
comentada e deplorada em conferências episcopais, em encontros eclesiásticos e em publicações de todo o tipo,
para que não resultasse uma novidade ou uma insolência.
A primeira preocupação seria infundada, ao que
pareceria, se atendemos as justificativas que o próprio
Papa apresentava para convocar esse Sínodo extraordinário, consagrado à comemoração e avaliação do Concilio Vaticano II.
Porém, isto pode ter seus lampejos de veracidade,
uma vez considerados os ares vindos da Cúria Romana
e que uma revista, órgão de um movimento oficiosamente vaticano, justificaria também só com o título
que encabeçava seu editorial referente a esse Sínodo:
"O Sínodo, quase um Concilio".
Levei um tremendo susto quando o li. Nada de
quase, amigos! Um sínodo é apenas um sínodo. E um
concilio é todo um concilio.
No fim, o Deus de Jesus que conduz sua igreja,
apesar de nossos pecados eclesiásticos, estará presente
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também nesse Sínodo e atuará, livre e libertador, nessa hora de suspeitas e processos, de involuções e neoconservadorismos, de comunidades eclesiais de base, de
martírio e de teologia da libertação.
Pelo menos, toca-nos — e já seria muito, não é
Vigil? — viver o Concilio. Vivê-lo hoje também de uma
forma atualizada. Vivê-lo na América Latina, por exemplo, com sabor de Medellín e de Puebla. Vivê-lo no
mundo, com a exemplaridade, com a evangélica modernidade e com a coragem cristã que estes últimos decênios do século XX exigem de nós.
Para essa renovada vivência do Concilio Vaticano
II — ponto de chegada e ponto de uma maior partida
também, para a comunidade sempre peregrina dos seguidores de Jesus —, este "guia conciliar" de José Maria Vigil é mais do que útil e oportuno: pode ser necessário para quantos ainda não mergulharam nos documentos conciliares, escritos já faz vinte históricos
anos.
Vou pedir a Maria de Pentecostes, animadora da
primeira comunidade e boa assessora dos apóstolos de
Jesus, que ponha um longo latejo de seu coração eclesial sobre este teu livro, Vigil, irmão.
DOM
PEDRO
CASALDÁLIGA
APRESENTAÇÃO
O que apresentamos aqui é, simplesmente, uma
ferramenta pastoral. Trata-se, pois, de algo prático, manejável, sem complicações, útil para o trabalho pastoral.
Sua finalidade é clara: quer ser um instrumento
para os agentes pastorais desejosos de suscitar em suas
comunidades cristãs um confronto com o espírito do Vaticano II, seja para recordá-lo, estudá-lo, aprofundá-lo,
seja para assimilar e vivê-lo de maneira mais intensa
e melhor.
Poderá ser utilizado de várias formas e em diversas
ocasiões:
• na comunidade cristã paroquial, na comunidade de base ou no grupo de formação;
• como texto-base ou guia para o trabalho em grupo de adultos, de jovens, ou no catecumenato,
para suspender momentaneamente o seu itinerário temático de dedicar um curso, por exemplo, que nos coloque diante do espírito do Concilio;
• como tema escolhido na paróquia para a celebração diária e homílias durante um determinado "tempo forte" (advento, quaresma, tempo
comum, ou "um mês de renovação conciliar". . . ) ,
com a finalidade de fazer a comunidade se confrontar com o espírito e o estilo conciliar e, desta maneira, tomar consciência de quão distante
estamos dele;
• para apresentar o Concilio aos jovens, aos que
não o viveram, seja no grupo de jovens da comunidade, seja nas aulas de religião;
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• para estudo, reflexão e revisão pessoal;
• para evangelizar a partir do culto, uma vez que
o Concilio tem autoridade e utilidade suficientes
para distribuir prodigamente sua mensagem
oportuna e inoportunamente nas homílias dominicais, nas festas dos santos, nas datas especialmente importantes etc.
O material que ora apresentamos divide-se em 26
blocos ou temas fundamentais através dos quais se pretende transmitir a mensagem global do Concilio. Cada
tema, por sua vez, contém os seguintes elementos:
— Sínteses de textos conciliares: em vista da brevidade e da utilidade, transcrevemos apenas as
idéias mais importantes, as determinações conciliares mais desafiadoras e carregadas de conseqüências. A partir desse elenco de citações
poder-se-á selecionar o texto ou textos mais
adequados para a leitura, como ponto de partida em cada grupo, de acordo com sua situação peculiar ou sua mentalidade.
— Guia de textos bíblicos, que poderão ser relacionados com o tema, seja na liturgia da Palavra ou numa simples leitura por parte do grupo. A abundância dos textos facilitará a seleção adequada.
— Questões para o trabalho em grupo. Segundo a
diversa metodologia que se use em cada caso,
é aconselhável que o grupo, antes ou depois (ou
em vez) da reflexão ou aprofundamento do tema proposto pelo animador ou responsável,
troque suas opiniões entre si por meio de um
trabalho mutuamente iluminador de busca coletiva.
— Reflexões ou sínteses doutrinais do espírito conciliar, como ajuda para o grupo que não conta
com animador, ou para o animador que prepa12
ra a sessão de trabalho em grupo, ou para o
sacerdote que prepara a homília. Trata-se de
"sínteses" que logicamente deverão ser ampliadas e aplicadas em cada caso.
— Aplicação à vida. Um breve questionário ou exame procura pôr o dedo na ferida da realidade
e da vida prática. Algumas sugestões para a
conversão oferecem, com criatividade e imaginação, pistas de ação, iniciativas de trabalho,
decisões a ser consideradas pelos órgãos responsáveis da comunidade, novas atitudes a adotar individual ou comunitariamente.
— Ajudas para a celebração, para os casos em que
tudo isto se realize no marco das celebrações
da comunidade cristã, ou para aqueles casos
cujo grupo de estudo termine sua reunião de
trabalho com um momento de oração comunitária. Temos aí a oração universal ou preces
dos fiéis; a oração comunitária, que tanto pode
ser de abertura como de conclusão.
— Textos de trabalho, úteis sobretudo para quem
quer aprofundar-se, com mais intensidade, no
espírito conciliar — procurando compará-lo com
outros momentos históricos ou outras opiniões
atuais —, no diálogo da reunião de grupo, na
homília etc. (Apêndice).
Sem dúvida, esta ferramenta pastoral pode oferecer duas considerações bem simples: uma sistematização concreta do pensamento conciliar e uma forma pedagógica de transmiti-lo.
Quanto à sistematização, devemos afirmar que não
é a única, tampouco pretende ser a melhor. Não quer
também ser exaustiva nem isenta de certo subjetivismo
na escolha e concretização dos temas. Todo comentário
é interpretativo e toda seleção tem algo subjetivo.
Quanto à forma pedagógica concreta adotada, somente nos resta dizer que provavelmente alguém não
13
se sentirá bem se utilizá-la ao pé da letra, sem aplicá-la
sem passá-la pelo filtro ou pelo crivo da situação e das
necessidades concretas da própria comunidade ou grupo.
Em qualquer caso, confrontar-se com o Espírito
presente na mensagem conciliar não poderá deixar de
trazer frutos abundantes a serviço do Reino. E este é
o objetivo final.
1
A IGREJA COMO MISTÉRIO
Textos conciliares
LG 1:
A igreja é como um sacramento, ou seja, sinal e instrumento da união íntima com Deus
e da unidade de todo o gênero humano.
LG 2-4: A igreja e a Trindade. A igreja e a história da
salvação.
LG 5:
O Reino de Deus manifesta-se na palavra, nas
obras e na presença de Cristo. A partir daí a
igreja recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino em todos os povos, e constitui na
Terra o gérmen e o princípio de tal Reino.
LG 7:
LG 8:
GS 40:
GS 45:
A igreja, Corpo místico de Cristo.
A igreja, comunidade de fé, esperança e de
amor, visível e espiritual ao mesmo tempo.
A igreja tem por vocação formar, na própria
história do gênero humano, a família dos filhos de Deus.
A igreja pretende somente uma coisa: o advento do Reino de Deus e a salvação e toda a humanidade.
A Palavra de Deus
— U o 1,1-4: Nós vos anunciamos o que vimos e
ouvimos, para que estejais em comunhão conosco, que estamos em comunhão com o Pai e
seu Filho Jesus Cristo.
14
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— Cl 1,18: Ele é a cabeça do corpo, da igreja.
— Ef 3,1-7: Aquilo que me foi revelado do mistério de Cristo.
— Cl 3,15: Fostes chamados como membros de
um só corpo.
— Cl 1,24: Em favor de seu corpo, que é a igreja.
Questões para o diálogo
— Que definições de igreja aprendemos no catecismo infantil? Vamos recordá-las e analisá-las
com os demais.
— Procuremos enumerar os conteúdos tão diferentes que costumamos dar à palavra "igreja"
nos diversos usos (povo de Deus, hierarquia,
templo, papa, Vaticano, fiéis cristãos, doutrina
oficial, comunidade cristã e t c ) . Destes significados, quais os mais e os menos importantes?
Quais são os que mais utilizamos? E os que
menos utilizamos?
— "Jesus anunciou o Reino de Deus, porém o que
surgiu foi a igreja". Comentar esta frase de A.
Loisy.
— A igreja e o Reino de Deus são a mesma coisa?
Em que se diferenciam? Que relação conservam
entre si?
— Que elementos, aspectos ou detalhes concretos
de nossas práticas eclesiais revelam ainda uma
visão absolutizada da igreja, como fim em si
mesma ou como "sociedade perfeita"?
— Comentar estas duas frases: "Jesus fundou a
igreja" e "A igreja se funda em Jesus".
— Colocar em comum tudo o que nestes anos passados disse o Concilio sobre a igreja enquanto
mistério de salvação. Avaliá-lo.
— A igreja é um sacramento? Não são apenas sete?
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Reflexão
1. O tema central do Concilio Vaticano II consistiu no tema da igreja e seu mistério. Todos os documentos e declarações do Concilio podem ser relacionados com esse tema central. O Concilio procurava
responder à pergunta que flutuava no ambiente, e que
Paulo VI conseguiu expressar magistralmente: "Igreja,
o que dizes de ti mesma?" Por isso, a mudança fundamental que a mentalidade conciliar supôs na igreja verifica-se, precisamente, na idéia mesma que temos da
igreja.
2. Podemos expressar simplificadamente esta mudança dizendo que passamos de uma concepção jurídica para uma concepção teológica, de uma visão externa para uma visão interna. Definia-se a igreja a partir
de seus elementos externos: congregação dos fiéis cristãos, presididos p o r . . . , sob a autoridade d e . . . , tendo
em comum tal profissão de fé, tal disciplina, tais sacramentos. . . O Vaticano II verá a igreja "a partir de dentro", a partir das forças ocultas que a criam e do mistério que a habita e que constitui seu ser mais profundo. A igreja é, dirá o Concilio, um mistério, como também um sacramento, uma comunhão, uma comunidade
de fé, de esperança e de amor.
3. As afirmações fundamentais do Concilio sobre
o ser da igreja encontram-se no primeiro capítulo da
constituição dogmática Lumen Gentium. Antes de tudo,
a igreja é um sacramento, isto é, sinal e instrumento da
união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero
humano. Através da história da salvação, a igreja liga-se profundamente com a própria vida da Trindade, do
Pai, do Filho e do Espírito. Sua vida íntima, derramada
em favor da humanidade, confere ser e vida à igreja.
Desde a pregação de Jesus sobre o Reino de Deus já
aparece de modo pleno o mistério da igreja. Enriquecida com as palavras e as obras de Jesus, nas quais
brilha perante os homens o Reino de Deus, a igreja re17
cebe a missão de anunciá-lo e instaurá-lo em todos os
pobres, e constitui na Terra o gérmen e o princípio
deste Reino. Tais afirmações conciliares são de uma
transcendência radical, e supõem uma ótica profundamente nova, ao mesmo tempo profundamente bíblica
e tradicional. Não resta dúvida de que ainda não se
tirou destas graves afirmações todas as lições e conseqüências possíveis para a igreja pós-conciliar.
4. Entretanto, o Concilio exclui do jogo falsas
colocações que dominaram por longo tempo na igreja.
A igreja não se identifica com o Reino de Deus, porque
o Reino de Deus é outra coisa. A igreja é, mais fundamentalmente, o gérmen e o princípio desse Reino. Sua
maior glória consiste em estar a seu serviço. Dessa maneira, a igreja deve converter-se incessantemente ao
Reino.
5. Por outro lado, a igreja é a presença da salvação, porém não se pode identificá-la com a salvação.
Esta ultrapassa suas fronteiras, está semeada nos povos
e nas religiões. Não tem sentido uma igreja auto-entronizada, voltada para si mesma, fechada ao diálogo e à
cooperação. É no serviço ao Reino, que é serviço à salvação dos homens e a sua unidade com Deus e entre si,
que a igreja deve encontrar seu caminho.
Exame
— Nossa visão de fé é suficiente para vermos, por
trás das aparências, o mistério da salvação que
habita dentro da igreja?
— Continuamos a ter uma visão muito exterior ou
superficial da igreja?
— A igreja é, em cada um de nós, "sacramento de
salvação"?
— O que podemos fazer para que a pequena parcela de igreja que está em nossas mãos seja, de
modo verdadeiro e radical, uma igreja a serviço
do Reino de Deus?
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— Vivemos, em nossa comunidade cristã local, a
missão da igreja de anunciar e instaurar o Reino de Deus?
Conversão
— Aprofundar em comunidade o tema do mistério da igreja.
— Organizar na comunidade alguma iniciativa para que a renovação conciliar chegue a todos.
— Fazer oração pessoal e comunitária que interiorizem em nossa espiritualidade o mistério da
igreja.
— Amar a igreja com um amor maduro: sem absolutizações, para além da superfície, com visão crítica e compreensão histórica...
— Fazer minha a missão da igreja de anunciar e
instaurar o Reino.
Preces
— Pela igreja, para que se despoje de tudo aquilo
que ofusca seu sinal sacramentai.
— Para que se ponha cada dia mais radicalmente
a serviço do Reino.
— Por todos aqueles que não conseguem captar
pela fé seu mistério profundo.
— Por todos aqueles que na igreja têm maiores
responsabilidades, para que sejam fiéis ao Espírito.
— Para que amemos a igreja apesar de seus defeitos humanos.
Oração
Deus, nosso Pai: nas palavras e nas obras de
Jesus revelaste ao mundo a sua vontade salvadora,
que é o teu Reino.
19
Nós te pedimos que, como seguidores de Jesus,
como igreja, façamos sua própria missão: anunciar e instaurar o Reino, para ser assim, a partir
de nossa comunidade eclesial, seu gérmen e princípio neste mundo.
2
SOMOS O POVO DE DEUS
Textos conciliares
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LG 9:
Aprouve a Deus salvar os homens não singularmente, mas constituindo um povo. Características descritivas do novo povo de Deus.
LG 12:
O Povo de Deus participa da função profética
de Cristo. Por seu "sensus fidei" não pode enganar-se a respeito daquilo que ele crê em matéria de fé e de costumes. O Espírito suscita e
mantém esse senso da fé. O mesmo Espírito
distribui entre os fiéis de qualquer condição
graças especiais, conforme lhe apraz. "Cada
um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos".
LG 32:
Comum dignidade de todos os membros do
Povo de Deus.
AG 37:
O Povo de Deus vive em comunidades, principalmente diocesanas e paroquiais, e nelas
aparece de certo modo visivelmente.
GS 32:
Desde o início da história da salvação Deus
escolheu os homens não somente como indivíduos, mas como membros de uma comunidade.
GS 30:
Urge superar uma ética meramente individualista.
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A Palavra de Deus
— Ex 19,3-8: Vós sereis o meu povo. Antiga Aliança.
— Rm 12,4-8: Como num corpo, uns membros a
serviço de outros.
— lPd 4,10: O dom que cada um recebeu deve ser
colocado a serviço dos demais.
— At 2,42-47; 4,32-35: A comunidade cristã primitiva.
— Mt 20,25-28: Quem quiser ser o primeiro, seja
o servidor de todos.
— Jr 31,31-34: Uma nova aliança.
— ICor 12,4-11: Muitos carismas, um mesmo Espírito.
— Ef 4,11-13: A uns constituiu apóstolos, a outros
profetas, a o u t r o s . . .
— lPd 2,4-5.9-10: Raça escolhida, sacerdócio real,
povo adquirido por Deus.
— Mt 18,20: Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome.
Questões para o diálogo
— Assinalar alguns aspectos ou detalhes que coloquem em evidência a falta de sentido comunitário com que era pregada a salvação cristã
antigamente. Até que ponto era um "salve-se
quem puder"?
— Pregou-se, nestes anos pós-conciliares, o sentido
comunitário do cristianismo de modo suficiente?
— O que predomina hoje na igreja, em sua organização: a linha verticalista ou a horizontalista,
a autoridade ou a participação?
— Que evolução podemos notar no pós-concílio
neste sentido?
— O que ainda nos falta para que possamos desenvolver essa verdade fundamental: a igreja
e o Povo de Deus?
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Reflexão
1. O ordenamento dos capítulos da Lumen Gentium é algo bem-intencionado, e por isso mesmo muito
eloqüente. Foi somente na última redação que se chegou à ordem atual. Nas redações anteriores, após o primeiro capítulo, dedicado ao mistério da igreja, vinha
o segundo, dedicado à hierarquia, e somente depois vinha o capítulo terceiro, "sobre o Povo de Deus, e principalmente sobre os leigos". De conformidade com este
antigo ordenamento, que representava claramente a visão eclesiológica pré-conciliar, a hierarquia ficava como que deslocada e fora do Povo de Deus, e este Povo
de Deus nada mais significava que a parte popular ou
plebéia da igreja.
Foi na última redação que se fez a mudança de
ordenamento, eloqüente por si mesmo. Após o mistério
da igreja, colocado como primeiro capítulo, passa-se a
considerar o Povo de Deus. Este não é uma parte da
igreja, a parte popular, mas é a igreja toda em seu
conjunto. Ser cristão é ser membro do Povo de Deus.
Isto e tudo aquilo que aí se encerra é o essencial e o
que importa para o cristão. Tudo o mais será sempre
colocado em segundo plano.
2. Em primeiro plano emergiu a imagem bíblica
de Povo de Deus. Trata-se da imagem bíblica mais simples e mais direta, comum no Antigo Testamento. Esta
imagem passa para o Novo Testamento, especialmente
através da primeira carta de São Pedro. Como imagem
bíblica, situa a igreja dentro da trajetória da história
da salvação. Expressa essencialmente seu caráter comunitário. Evoca espontaneamente a dimensão histórica da igreja peregrina.
3. Neste tema o Concilio faz afirmações transcendentais, como por exemplo, quando diz que Deus não
quer salvar os homens sem conexão de uns com os outros, mas constituindo-os em um povo. Supera-se então
a clássica visão individualista da salvação. Não nos sal23
vamos sozinhos, mas comunitariamente, constituindo
um povo. A salvação é comunitária e deve-se viver comunitariamente. Resta aí um longo caminho a percorrer: uma secular tradição individualista não se transforma em sentido comunitário em pouco tempo. Viver
a fé a partir de uma verdadeira comunidade cristã é,
ainda hoje, algo, via de regra, minoritário na igreja.
4. Apenas na perspectiva do Povo de Deus é que
as funções e ministérios com que o Espírito o dotou
adquirem seu verdadeiro sentido. Levando-se em consideração o verdadeiramente essencial, que é o comum,
o acidental recobra seu verdadeiro sentido. Todos os
ministérios e os carismas que o Espírito suscita têm sentido dentro da comunidade e a serviço do Povo de Deus.
Qualquer outra colocação é resquício de uma eclesiologia
periclitante, pré-conciliar.
Exame
— Temos de fato o sentido comunitário? Quantas
comunidades cristãs existem em minha circunscrição paroquial? Vivo em comunidade?
— Em minha comunidade cristã, vive-se a verdadeira vida de comunidade?
— Que carisma me concedeu o Espírito para o
serviço da comunidade? Coloco-o de fato a serviço da comunidade?
— Como exercem o seu ministério os que estão
próximos de nós: autoritariamente ou como
serviço? Podemos fazer algo a respeito?
— Exigimos que haja na igreja sentido comunitário e participativo? Denunciamos de alguma forma, em alguma ocasião, as transgressões? Segundo o nosso ponto de vista, que transgressões
observamos atualmente?
— Consentimos entre nós o clericalismo, a "casta"
sacerdotal, o distanciamento burocrático da administração e governo da igreja?
24
— Temos conselho pastoral em nossa comunidade? Se não, estamos promovendo sua criação?
Conversão
— Apesar de uma pastoral de massas, de paróquias
simplesmente geográficas, fomentar em nosso
meio os grupos comunitários. ..
— Fazer com que todos participem da comunidade cristã. Especialmente os que em nossa vida
diária encontram-se mais marginalizados (a mulher, os jovens, as crianças. . . ) .
— Criar um. ambiente adequado para que cada
um coloque, de fato, seus carismas a serviço
da comunidade cristã.
— Esforçar-me também eu para ser um membro
ativo capaz de contribuir com alguma coisa em
relação ao "sentido da fé do Povo de Deus", e
não ficar simplesmente na "fé do carvoeiro".
— Rezar por todos aqueles que exercem algum
ministério na comunidade cristã, para que sempre o exerçam como serviço e nunca como domínio.
Preces
— Pela grande maioria dos cristãos que ainda vive sua fé num total individualismo, sem pertença real a nenhuma comunidade.
— Pelas numerosas "comunidades eclesiais de base", para que se expanda o sentido comunitário
do qual elas dão exemplo.
— Pelos "novos ministérios" que surgem em tais
comunidades, para que sirvam de renovação da
igreja universal.
— Pela igreja que surge e se consolida entre os
pobres e as classes populares da América Latina.
25
3
— Pelos "conselhos pastorais" e demais órgãos de
participação que já trabalham em tantas comunidades.
— Para que se evidencie cada vez mais que ser
cristão é viver em comunidade o anúncio e a
construção do Reino de Deus.
PARA UMA IGREJA
VERDADEIRAMENTE
UNIVERSAL, CATÓLICA
Oração
Deus, nosso Pai, tu não queres salvar os homens de modo isolado, mas constituindo um povo.
Dá-nos consciência de nossa responsabilidade cristã, para que consigamos fazer de todos os homens
uma mesma família, uma só comunidade, o único
e total Povo de Deus. Por nosso Senhor Jesus
Cristo.
Textos conciliares
LG 13:
LG 16:
LG 17:
26
Todos os homens são chamados a pertencer
ao Povo de Deus. Todos os membros do Povo
de Deus, dispersos pelo mundo, estão em comunhão com os demais no Espírito Santo.
Ao introduzir o Reino, o Povo de Deus não
diminui o bem temporal de povo algum. Ao
contrário, fomenta e assume, naquilo que têm
de bom, as capacidades, as riquezas e os costumes dos povos. Assumindo-os purifica-os,
reforça-os e eleva-os (cf. também GS 76).
No Povo de Deus existem diferenças legítimas,
as quais servem à unidade em vez de prejudicá-la.
Os que não conhecem o Evangelho podem
salvar-se, não porém sem a graça de Deus.
A igreja considera preparação ao Evangelho
tudo aquilo que existe de bom e de verdadeiro
neles.
A igreja deseja que tudo o que de bom se
encontra semeado no coração e na mente dos
homens ou nos próprios ritos e culturas dos
povos não só não desapareça mas seja purificado, elevado e aperfeiçoado.
27
AG 8:
AG 9:
AG 10:
Cristo e a igreja transcendem todo particularismo de raça ou de nação e, portanto, não
podem ser considerados estranhos por ninguém em lugar algum.
A atividade missionária aperfeiçoa publicamente a história da salvação. Por isso, tudo
quanto de bom se encontra semeado — como
que por uma quase secreta presença de Deus
— no coração e na mente dos homens ou nos
próprios ritos e culturas dos povos, não apenas permanece, mas é elevado, purificado e
consumado... para a glória de Deus e felicidade do homem.
A igreja deve inserir-se nos povos com o mesmo afeto com que Cristo se uniu por sua encarnação às condições sociais e culturais dos
homens de seu tempo.
AG 11:
Que os missionários se unam com os demais
povos com estima caridosa: sintam-se membros do grupo humano em que vivem; tomem
parte na vida social e cultural; familiarizem-se com suas tradições nacionais e religiosas;
descubram com alegria e respeito as sementes da Palavra aí ocultas.
AG 22:
De modo semelhante à economia da encarnação, as igrejas jovens assumem em admirável intercâmbio todas as riquezas dos povos.
SC 37:
A igreja não deseja impor uma forma rígida
e única para aquelas coisas que não dizem
respeito à fé ou ao bem de toda a comunidade. Antes, respeita e promove o gênio e as
qualidades peculiares das diversas raças e povos.
SC 123:
28
A igreja jamais considerou seu estilo algum
de arte.
GS 42:
GS 44:
GS 58:
A igreja não se prende a nenhuma forma peculiar de cultura ou sistema político, econômico ou social.
Desde o início de sua história, a igreja aprendeu a exprimir a mensagem de Cristo através
dos conceitos e linguagens dos diversos povos e, além disso, tentou ilustrá-la com a sabedoria dos filósofos. Esta adaptação da pregação da palavra revelada deve manter-se como lei de toda evangelização.
Deus falou de acordo com a cultura própria
de cada época.
.4 Palavra de Deus
— At 10,1-48: Deus não faz distinção de pessoas.
— Jo 15,1-5: Eu sou a vida, vós, os ramos.
— Jo 16,11: Que sejam um, como tu e eu somos
um.
— Lc 9,49-50: Não molesteis a ninguém, pois quem
não está contra nós está conosco.
— At 15,22-29: Concilio de Jerusalém. Não impor
mais obrigações do que as necessárias.
— lTs 5,16-22: Discerni tudo e ficai com o que é
bom.
— lPd 4,10: Cada um coloque os seus dons a serviço dos demais.
— Ef 4,15-16: Um corpo unido, e diverso em seus
membros.
Questões para o diálogo
— Fala-se, por exemplo, em "africarnzar a igreja
na África", que significa? Como isso pode legitimar-se?
— Que relações existem entre "a conquista" da
América e "a evangelização" da América? Como
julgaríamos hoje, a partir da perspectiva histórica, tais relações?
29
— Que sentido tem dizer que é preciso cuidado
ante "as ideologias alheias ao Evangelho"? Em
que sentido uma ideologia é ou não alheia ao
Evangelho?
— Não haverá coisas que secularmente tivemos
por imutáveis, de direito natural ou divino?
Coisas que talvez sejam, simplesmente, essencialmente ocidentais e, portanto, não necessariamente exigíveis na igreja universal?
— Que coisas ainda restam para "inculturar" verdadeiramente na igreja diante dos pequenos
grupos e subgrupos, como, por exemplo, diante
da cultura juvenil, das crianças, dos intelectuais?
— Que repercussões teria a inculturação da igreja na cultura popular, operária, dos pobres?
Reflexão
1. O desbordamento do cristianismo da cultura
semita para a cultura grego-latina ocorreu de forma
muito rápida na história da igreja. Mais tarde, com a
destruição do império romano, a igreja tornou-se praticamente a única detentora de toda a cultura existente
no Ocidente. Culturalmente falando, a Idade Média foi
um período obscuro e difícil. A construção da cristandade identificou em uma só unidade a fé com as formas sociais, políticas e culturais. Faltava a perspectiva
crítica necessária para distinguir a fé das formas que
ela pode revestir. Muitos elementos culturais foram interpretados como elementos essenciais à fé, quase dogmáticos. A Bíblia, a filosofia, a teologia e a incipiente
ciência se uniram e se identificaram em uma única realidade. Sequer podia-se imaginar a possibilidade de ser
cristão a partir de outra filosofia, ou de outra forma de
pensar, ou de outra cultura.
Por tudo isto é que se tornou doloroso o processo de desenvolvimento científico, o surgimento de outras filosofias, as reivindicações de pluralismo por parte das diversas minorias. Por este motivo, ante a apa30
rição no cenário histórico de novos povos e culturas,
a reação evangelizadora da igreja foi levar simultaneamente a fé e a cultura. Não se podia imaginar outra
coisa.
2. O repúdio da nova ciência em relação à tutela
da teologia foi sumamente doloroso, e não isento, por
parte da igreja, de atitudes de oposição entre ciência e
fé, hoje "deploráveis" (GS 37). O interminável conflito religioso-político das guerras de religião teve de
ser superado pelo "jusnaturalismo", primeira doutrina
sociopolítica desvinculada de toda aderência teológica.
Nesses e em outros planos, a distinção entre fé e suas
diferentes formas sociais, culturais ou políticas foi introduzida a partir de fora da igreja, a partir da ciência,
da filosofia, da política, e contra a vontade da igreja.
Por um tempo, esta preferiu incomunicar-se, encerrar-se
em seu próprio gueto de cristandade para uso doméstico, com sua "filosofia perene", sua uniformidade imposta, sob férrea catolicidade monolítica.
3. As ciências modernas histórico-críticas possibilitaram uma abertura de pensamento. Por sua própria
natureza, a fé é uma atitude que está além de toda fórmula ou categoria de pensamento, mesmo que jamais
se possa dar a fé em estado "puro", sem se exprimir
em uma linguagem filosófica ou cultural. Porém, precisamente por essa distinção, podemos afirmar que a
fé pode e deve expressar-se em qualquer linguagem cultural, com qualquer categoria de pensamento não deturpada em sua bondade natural.
4. Pela primeira vez, no Vaticano II, a igreja toma consciência oficialmente da distinção entre fé e cultura. E o faz até o ponto de reconhecer que a fé cristã
é essencialmente supracultural, que não existe cultura
alguma conaturalmente cristã. E todas podem ser seu
veículo de expressão, com a purificação e o discernimento correspondentes. O que se diz em relação às culturas diz-se também em relação a quaisquer outras for31
mas de expressão humana, como sistemas políticos,
sociais, econômicos, filosóficos etc.
5. De acordo com esta perspectiva varia profundamente o conceito de catolicidade e de universalidade
da igreja. Tal catolicidade pode realizar-se graças ao
fato de não estar ligada a cultura alguma, e não precisamente pela imposição monolítica de certas formas
culturais a todos os povos. Conseqüentemente, mudam
também a prática e o estilo da evangelização e da atividade missionária, não a sua necessidade e o seu fundamento. A mensagem da evangelização dos povos jamais deverá incluir a "cultura forasteira". Já não se
poderá pedir ao missionário que faça da metrópole
igreja e pátria, ao mesmo tempo. A atividade missionária deverá procurar encarnar a fé em cada cultura,
inculturando-a verdadeiramente.
E com respeito à evangelização do homem moderno já não se poderá fazer a partir de uma atitude de
superioridade ou intransigência, mas numa atitude de
diálogo, de escuta, de atenção aos sinais dos tempos.
Já que a igreja não é algo absoluto (somente o Reino o é), muito menos o são suas formulações teológicas,
os rituais litúrgicos, os ordenamentos disciplinares e
canônicos, a institucionalização concreta em que se fixou, as formas habituais de administração eclesiástica
etc. A partir dessa nova visão, muito do que se pretendeu imutável ou quase de direito divino necessita ser
desabsolutizado, a fim de desbloquear muitas atitudes
intransigentes ou incomunicativas que até hoje nos têm
feito sofrer.
Exame
— Que tradições, formulações, ritos, costumes...
nós indevidamente temos absolutizado? Por
quê?
— Somos daqueles que ainda pensam que os povos indígenas são povos "sem cultura", "não-civilizados", "pagãos abandonados por Deus"?
— Que atos, conceitos, símbolos, gestos, categorias . . . do homem de hoje integramos na vida
dè nossa comunidade cristã, em suas preocupações, em sua oração, em sua liturgia?
— Sabemos dar espaço, na comunidade cristã, à
linguagem própria dos grupos minoritários, ou
marginalizados (crianças, jovens, outros grupos)?
— Que categorias e usos da cultura burguesa nós
ainda temos como sacralizados e absolutizados
na igreja?
Conversão
— Olhar os povos pobres ou marginalizados sem
complexo de superioridade, sem etnocentrismo.
— Aproximar-se do homem de hoje com compreensão, em atitude de diálogo.
— Não ser "mais papistas do que o papa". Saber
e tomar consciência de que existem muitas coisas habitualmente inquestionadas que não têm
por que ser como são. Coisas que são discutíveis, disciplinares, totalmente acidentais e perfeitamente criticáveis a partir do Evangelho.
— Não sermos intransigentes conosco mesmos em
relação à possível nostalgia dos tempos passados de monolitismo e uniformidade imposta na
igreja, mesmo que os tempos atuais sejam menos tranqüilos.
— Ter espírito conciliador. Saber ver a complementação das diferenças, sem perder com isso a
radicalidade evangélica.
Preces
— Pelas igrejas não-européias, a fim de que a participação seja cada vez mais crescente.
— Para que haja maior internacionalização da cúria romana e de todos os organismos centrais
da igreja.
32
33
2. Viver...
— Pelos responsáveis da reforma litúrgica, para
que levem até o fim as possibilidades que o
Concilio impulsionou.
— Para que a igreja dialogue livremente com todas as ideologias, sobretudo com aquelas diante das quais manteve um medo secular.
— Pelos missionários, para que descubram facilmente a presença secreta de Deus e de sua Palavra nas culturas dos povos.
— Para que nos sintamos, a partir da fé, membros
da mesma igreja, sem necessidade de nos apoiarmos em uma uniformidade imposta.
4
UMA NOVA VISÃO DO LEIGO
Textos conciliares
LG 31:
Oração
Deus, nosso Pai, queres que todos os homens
se salvem. E por isso quiseste que teu Filho, em
Jesus, fizesse sua a carne, a cultura e a história de
um povo. Faze que nós, seus seguidores, jamais
sejamos obstáculos para que tua Palavra continue
hoje encarnando mais e mais em todos os povos.
Por nosso Senhor Jesus Cristo.
LG 32:
LG 33:
LG 34:
LG 35:
34
Leigos são os fiéis que, incorporados a Cristo
pelo batismo, integrados ao Povo de Deus e
feitos partícipes a seu modo da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem na
igreja e no mundo a missão de todo o povo
cristão na parte que lhes corresponde: construir o Reino de Deus, ocupando-se dos assuntos temporais e ordenando-os segundo Deus.
Devem contribuir para a santificação do mundo a partir de dentro, a modo de fermento.
Unidade que existe no Povo de Deus apesar
de sua diversidade.
Como membros vivos, os leigos são chamados
ao apostolado. Alguns podem sentir-se chamados a uma colaboração mais imediata. Ou a
exercer cargos eclesiásticos.
Têm uma espiritualidade própria, que brota
de seu batismo e do sacerdócio comum. Toda
a sua vida, mesmo o trabalho, o lazer, a vida
conjugai e familiar... converte-se em sacrifício espiritual agradável a Deus.
O Espírito constituiu os leigos em testemunhas
e os dota com o sentido da fé e a graça da
palavra. Capacita-os a manifestar a sua esperança através das estruturas da vida secular,
em uma contínua luta contra os dominadores
35
deste mundo, contra os espíritos malignos. Tornam-se poderosos pregoeiros da fé nas coisas
a ser esperadas, quando sem vacilação unem
vida e fé.
LG 36:
A missão do leigo nas estruturas do mundo.
LG 37:
Têm o dever de exprimir perante a hierarquia
suas opiniões acerca de assuntos concernentes ao bem da igreja. Os pastores reconheçam
e promovam a dignidade e a responsabilidade
dos leigos na igreja, recorram a seus conselhos, confiando-lhes cargos e dando-lhes liberdade e oportunidade para agir. Os pastores
acatem a justa liberdade que a todos compete
na sociedade civil.
AA 1:
AA 2:
O apostolado dos leigos, que brota da essência
mesma de sua vocação cristã, jamais pode faltar na igreja. Hoje é muito mais urgente.
Esta é a missão da igreja: propagar o Reino
de Deus por toda a terra, tornando os homens
participantes da salvação e orientando o universo para Cristo.
A vocação cristã é, por sua própria natureza,
vocação para o apostolado. Os leigos a exercem
no mundo e nos negócios temporais, à maneira de fermento.
AA 3:
Fundamentos do apostolado leigo.
AA 4:
Espiritualidade dos leigos.
AA 5:
A missão da igreja não é apenas oferecer aos
homens a mensagem e a graça de Cristo, mas
impregnar também e aperfeiçoar toda a ordem temporal com o espírito evangélico. O
que Deus deseja é fazer de todo o mundo uma
nova criação incoativamente aqui na terra e
levando-a à plenitude no último dia.
AA 7-8:
36
Renovação de toda a ordem temporal.
AA 10:
É necessária a ação dos leigos dentro das comunidades cristãs. Procurem os leigos trabalhar unidos com os sacerdotes nas paróquias.
Apresentem à comunidade os seus próprios
problemas e os problemas concernentes à salvação dos homens, a fim de examiná-los e solucioná-los em conjunto, e colaborem de modo criativo com as iniciativas apostólicas e
missionárias.
AA 12:
Os jovens devem tornar-se os primeiros e imediatos apóstolos dos jovens.
AA 13:
Ninguém melhor do que os leigos poderá realizar o apostolado no meio social de igual para igual. Numerosos são os homens que não
podem conhecer o Evangelho, a não ser por
intermédio de vizinhos leigos.
AA 14:
Não recusem cargos políticos, já que com eles,
dignamente exercidos, podem contribuir para
o bem comum e, ao mesmo tempo, preparar
os caminhos do Evangelho. Cooperem com todos os homens de boa vontade.
AA 16:
Espiritualidade no trabalho.
AA 22:
Leigos que se dedicam mais intensamente ao
serviço eclesial.
AA 33:
O Concilio roga encarecidamente no Senhor a
todos os leigos a que respondam generosamente. .. Sintam os jovens que este apelo é a
eles especialmente dirigido... É o próprio Senhor quem de novo convida todos os leigos
por meio deste Concilio... É o próprio Cristo
quem novamente os envia às cidades e lugares onde ele está para chegar, para que se
ofereçam como colaboradores...
AG 19:
Os leigos na sociedade política das igrejas jovens.
37
AG 21:
A igreja não se acha verdadeiramente formada enquanto não houver um laicato propriamente dito.
A Palavra de Deus
— Mt 5,16: Brilhe a vossa luz diante dos homens.
— lPd 2,4-5: Vós sois as pedras vivas do templo
espiritual.
— Jo 15,5: Aquele que permanece unido a mim
produz muito fruto.
— Cl 3,11: Não há mais grego nem judeu, estrangeiro, bárbaro, escravo...
— Ef 4,15-16: Que o corpo inteiro, com todos os
seus membros, vá crescendo cada vez mais.
— lPd 2,9-10: Vós sois o sacerdócio régio, a nação
consagrada, o povo de sua propriedade.
Questões para o diálogo
— "Leigo é aquele que não é clérigo nem religioso."
Comentar esta clássica definição negativa.
— Enumerar os rompantes de clericalismo que
ainda temos na igreja.
— "O papa vale mais pelo que tem de cristão do
que pelo que tem de papa. O primeiro consiste
naquilo que ele tem em comum conosco. O segundo é o que o diferencia. Sendo o primeiro o
mais importante, costumamos dar mais valor
ao segundo." É assim? Por quê? Que se deveria
fazer?
— O leigo é marginalizado na igreja? Fazer uma
lista dos direitos de participação do leigo que
não são atendidos. Procurar as causas.
— Não tem o leigo uma parcela de culpa também
em tudo isso? Por quê?
— E a mulher? É verdade, como se afirma, que
38
à marginalização que sofre o leigo acrescenta-se um novo título de marginalização, o de ser
mulher?
Reflexão
O estatuto do leigo na igreja sofreu uma mudança
radical conforme o espírito do Concilio. Podemos descrever tal mudança em quatro linhas.
1. De uma definição negativa passou-se a uma
definição positiva. Isto não foi uma simples mudança
nominalista de definições, mas uma nova visão teológica e eclesial. Até então era costume na igreja definir
o leigo como aquele que "não é clérigo nem religioso",
o que não passa de uma definição negativa, por exclusão. O Concilio concebe uma visão do leigo fundada na
sua positividade: o leigo é um crente, um cristão, batizado, incorporado ao Povo de Deus, participante da
função sacer dotal, real e profética de Cristo, com a
missão global da igreja de construir o Reino de Deus.
E o faz a partir de seu peculiar modo de agir, que
consiste em se ocupar dos assuntos do mundo conforme
o espírito das bem-aventuranças...
O leigo é, pois, o membro do Povo de Deus por
antonomásia, o protótipo do cristão, o cristão em puridade, a forma mais normal de ser cristão. Diríamos que,
pelo contrário, na nova visão conciliar, caberia definir
os não-leigos com uma definição negativa: são os que,
por se dedicar a uma função específica eclesial ou
eclesiástica, ou por assumir um serviço concreto determinado, colocam entre parênteses em sua vida a dedicação fundamental primeira correspondente ao cristão
normal (leigo). Ou seja, a construção do Reino de Deus
no mundo a partir das realidades humanas e sociais.
2. Da marginalização passou-se à participação. Não
faz muito tempo que Pio X afirmou que "somente à hierarquia cabe o direito e a autoridade necessárias para
promover e dirigir os membros ao fim da sociedade:
39
como povo, não tem outro direito do que desejar-se
conduzir e seguir documente por seus pastores" (Vehementer Nos, 8). O Concilio apresenta uma visão radicalmente diversa: o leigo deve sentir-se membro ativo
da igreja; deve saber-se chamado ao apostolado não
porque isto lhe concede a hierarquia, mas porque isto
brota da essência de sua vocação cristã (AA 1). Deve
expressar a sua própria voz e suas opiniões perante a
hierarquia e na comunidade (LG 37; A A 10); pode dedicar-se mais intensamente a cargos eclesiais e eclesiásticos (AA 22; LG 33); há coisas na igreja que ninguém
as saberá fazer melhor do que o leigo (AA 13; LG 33;
AG 21) etc.
3. Da passividade passou-se a uma missão comprometida e central. Na mentalidade pré-conciliar, o
leigo, antes de tudo, devia ser passivo. Escutar os pastores, calar, obedecer a eles (e financiá-los). Sua atividade máxima consistia na receptividade (passividade
ativa). O Concilio afirma taxativamente que a missão
do leigo (do "cristão normal", daquele que não deseja
dedicar-se a um serviço intra-eclesial ou a um serviço
extra-eclesial determinado) coincide com a própria missão global da igreja: procurar alcançar o Reino de
Deus (LG 31; GS 45; AA 2), missão que levará a termo
tal como Jesus pediu a seus discípulos: a modo de fermento (LG 31; Mt 13,33).
4. Passou-se de uma espiritualidade
emprestada
(monástica) a uma espiritualidade própria e acomodada. Na igreja, muitos ainda concebem a vida espiritual
e expressam a sua fé (espiritualidade é justamente isto,
uma linguagem da fé) a partir da espiritualidade clássica na igreja, tomada do modelo religioso ou monástico. De acordo com essa espiritualidade, o cristão no
mundo santifica-se precisamente através daqueles momentos de adoração que consegue subtrair de seus condicionamentos próprios de cristãos no mundo, como se
sua vida e atividade global, no mundo, fosse profana e
estivesse desprovida da capacidade de ser culto agradá40
vel a Deus. Numerosos textos conciliares (LG 34, 10, 11;
AA 4, 16; GS 34, 67; LG 41, 42; etc.) proclamam o contrário: por seu batismo, por sau sacerdócio comum,
por sua participação na tríplice função de Cristo. ..
toda a sua vida — profissional, conjugai, familiar, social, de lazer etc. — converte-se em sacrifício agradável
a Deus e em meio de santificação em si mesmo, sem
ter de deixar o que se é e se vive diariamente.
Exame
— Em suas pregações, nossos pastores fazem com
que se conheça de modo suficientemente claro
e abundante todas essas perspectivas que o Concilio abriu aos leigos na igreja?
— Existe em nossa comunidade cristã uma verdadeira participação dos leigos? Até onde os leigos podem participar das decisões da comunidade cristã? E da diocese e da igreja universal?
— Que casos conhecemos em que os leigos fizeram os pastores escutarem a sua voz, o seu modo de ver diferente? Quando é que os pastores
os consultam? E o que fazem quando ninguém
os consulta?
— Qual é a proporção de cargos pastorais não necessariamente sacerdotais desempenhados atualmente por clérigos, os quais deveriam ser desempenhados por leigos, tanto em nível de nossa comunidade cristã, como da diocese ou da
igreja universal? O que podemos fazer?
— Valorizamos o "apostolado de vizinho a vizinho,
de companheiro a companheiro"?
— Existe conselho pastoral em nossa comunidade?
E na diocese?
41
Conversão
— Organizar-se verdadeiramente em comunidade.
E montar nela os órgãos, comissões e linhas de
participação necessárias.
— Superar todo resquício de clericalismo.
— Dar um novo impulso à comunidade (e em minha vida pessoal) quanto ao apostolado de companheiro a companheiro.
— Tomar consciência de modo claro de que nossa
santificação real reside antes de tudo em nossa
vida profissional, familiar, conjugai, social, de
trabalho, de lazer. .. Superar, a partir de uma
visão de fé, o velho complexo de estar submergido em realidades profanas...
— Fazer ura apelo para dar à mulher uma especial participação em postos de responsabilidade
na comunidade, a fim de lutar contra a corrente da marginalização que ela sofre na sociedade
e na igreja.
Oração
Deus, nosso Pai, em Jesus adquiriste um povo
eleito, um sacerdócio real, uma nação consagrada,
povo de tua propriedade. Nós te pedimos que, tendo a mesma dignidade de membros seus e sendo
igualmente chamados à perfeição, façamos nossa
a utopia do Reino pela qual vivemos e lutamos.
Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pelos movimentos apostólicos leigos, para que
recobrem vitalidade ao ritmo dos tempos atuais.
— Pelos- leigos, cada vez mais numerosos, para
que descubram o seu chamado ao trabalho pastoral comprometido, sem que deixem de ser leigos nem se clericalizem.
— Pelos ministros da palavra, pelos animadores
de comunidades de base.
— Pelos numerosos padres de mentalidade atrasada que inibem a participação dos leigos.
— Pelas religiosas, para que adotem uma postura
mais crítica e participativa.
— Pela igreja, para que promova cada vez mais
a mulher.
42
43
5
UMA NOVA ESPIRITUALIDADE
Textos conciliares
LG 40:
Jesus é o modelo cristão da santidade. A
santidade consiste em seu seguimento. A
santidade cristã suscita um nível de vida
mais humano dentro da sociedade terrena
(cf. também GS 11, 15, 41; AA 5).
LG 41:
Única é a santidade de todos os cristãos;
ela é adquirida precisamente no desempenho diário das ocupações da própria vocação e estado de vida de cada um, "nas condições, ocupações ou circunstâncias de sua
vida, e através de tudo i s s o " . . .
LG 42:
"Todos os fiéis cristãos são, pois, convidados e obrigados a procurar a santidade e
perfeição do estado próprio."
LG 10-11:
Os cristãos exercem o seu sacerdócio comum por meio de suas obras, oferecendo-se
a si mesmos como hóstia viva. Todos, de
qualquer estado e condição, são chamados,
cada um por seu caminho, a ser perfeitos
como o é o Pai.
GS 38:
Não se deve procurar a caridade unicamente nos acontecimentos importantes, mas, sobretudo, na vida de cada dia.
LG 34:
Os leigos e a consagração do mundo pelo
sacerdócio comum.
44
A Palavra de Deus
— Mt 5,43-48: Sede perfeitos (autenticamente
bons) como o vosso Pai.
— lTs 4,3: Esta é a vontade do Pai: vossa santificação.
— Rm 12,1-2: Oferecei a vossa existência como sacrifício agradável a Deus.
— Cl 3,9b-17: Revesti-vos do homem novo, das virtudes dos santos.
— Gl 5,16-26: Vivei segundo o Espírito, não segundo a carne.
— ICor 10,31: Fazei tudo pela maior glória de
Deus.
— Jo 4,21-24: Adorar em espírito e em verdade.
— At 17,28: Em quem nos movemos e existimos.
Questões para o diálogo
— "Santidade": Em que isto nos leva a pensar?
Que ressonância é lembranças afetivas nos evoca? Colocar isso em comum. Analisar, depois,
cada colocação.
— As imagens dos santos: estátuas, estampas. . .
Que "imagem" de santidade refletem?
— Não houve uma certa antinomia inconsciente
entre santidade, por um lado, e vida no mundo,
matrimônio, amor humano, vida cotidiana, política, sexualidade, diversão, vida profissional, reivindicações pela justiça, homem da rua, modernidade . . . , por outro? A que se deve isso?
— Fazer o "retrato-robô" do que seria um santo
hoje. Entre todas as pessoas que conhecemos e
com as quais lidamos em nossa vida, existe algum homem ou alguma mulher a quem podemos ter na conta de "santo"?
— O que seria uma santidade "política"?
45
Reflexão
1. A maioria das religiões pensa que Deus, enquanto mistério e enquanto santo, está além do homem
e da história, completamente separado e distanciado.
Daí a definição de santidade como separação e distanciamento do profano. Santo, sagrado, separado... tornaram-se sinônimos. Entretanto, a partir de Jesus, isto
deve ser corrigido. Deus, com sua santidade, encarnou-se, assumiu a nossa natureza e a nossa história, e, desde então, romperam-se as barreiras entre o sagrado e
o profano. Tudo é sagrado, para quem sabe ver, sob
os leves envoltórios da terra e da história, a presença
daquele que é e que vem.
2. Mesmo que isto seja assim, na história do cristianismo voltaram a entrar influxos filosóficos alheios
(idealismo, platonismo, maniqueísmo etc.) que conseguiram desterrar a santidade a um exílio forçado de
fuga do mundo. A vida monástica constituiu-se em protótipo da santidade da igreja. O resultado popular foi
contundente: "Santidade é coisa para monges e clérigos".
3. O Vaticano II coloca-nos a exigência de voltar
a uma concepção mais cristã da santidade. Trata-se, portanto, de uma santidade encarnada, não separada, não
fuga deste mundo. O texto conciliar (LG 41) repete insistentemente que a santidade deve ser alcançada na
vida diária, nas ocupações de cada estado de vida e
condição, não em uma separação ou fuga do mundo. O
fundamento teológico de tudo isso é, além da lei da encarnação cristã, o sacerdócio comum dos fiéis (LG 1011), verdade teológica eminentemente bíblica, olvidada
no século XVI e redescoberta pelo Vaticano II. Esta fecundíssima visão teológica implica uma verdadeira revolução na existência cristã, na qual já não se faz distinção
entre lugares ou tempos sagrados e profanos. Isso nada mais significa que resgatar a mensagem genuinamente neotestamentária.
46
4. É importante sublinhar certo aspecto da santidade cristã que o texto conciliar repete em diferentes
passagens, como um estribilho involuntário que denuncia uma nova forma de pensar: a santidade, a vida, a
mensagem cristã suscitam no mundo um nível de vida
mais humano, inclusive na sociedade terrena, apresentam soluções plenamente humanas, respondem aos anseios e exigências mais profundos do coração humano,
são plenamente humanizantes, aperfeiçoam cada vez
mais a própria dignidade humana etc. (LG 40; GS 11,
15,41; AA 5).
5. Outro ponto-chave não deve ser esquecido: o
famoso e último parágrafo do capítulo V da Lumen
Gentium. Que todos, portanto, sintam-se "convidados
e mesmo obrigados" à santidade. Jamais isto foi dito
com tanta precisão. Ainda mais: "Todos devem ser diligentes em confessar a Cristo diante dos homens", pelo
martírio (LG 42).
6. Seria bom que tudo isso fosse visto na perspectiva histórica da evolução dos conceitos de santidade
e da espiritualidade correspondente: do "ora et labora"
às espiritualidades apostólicas do "contemplata aliis
tradere" e do "contemplativus in actionem". Modernamente chegaríamos então à espiritualidade da teologia
do trabalho e das realidades terrestres. E depois do Concilio podemos falar de "contemplativus in liberatione",
e de uma nova perspectiva de "santidade política".
Exame
— Somos daqueles que dizem por dizer que "santidade é coisa de padres e freiras"?
— Em nossa espiritualidade ainda dependemos de
tempos, práticas, lugares "sagrados"?
— A redescoberta conciliar do sacerdócio comum
dos fiéis significou alguma coisa para minha
vida? Alterou alguma coisa em minha espiritualidade?
47
— Que modelo de santidade permanece latente nas
práticas pastorais de nossa comunidade cristã?
Ou não há modelo algum? Que imagem exterior
de santidade (estátuas, estampas, l i v r o s . . . )
apresentamos?
Conversão
— Propiciar uma linguagem nova, porém explícita,
sobre a santidade.
— Colaborar com nossa vida e testemunho para
eliminar as conotações negativas da palavra
"santidade".
— Denunciar o modelo pré-conciliar e evasivo de
santidade que alguns grupos ainda patrocinam.
— Tornar consciente em minha própria espiritualidade a perspectiva teológica do sacerdócio comum.
— Revisar minha prática de oração pessoal e comunitária.
Oração
Deus, nosso Pai, tu és o único santo, e queres
que sejamos autenticamente santos, como tu. Abre
nossos olhos para que descubramos os numerosos
santos que nos rodeiam, para que saibamos também nós encontrar a santidade na vida diária. Por
nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Por aqueles que acreditam que a santidade não
é coisa para eles.
— Por aqueles que se encontram em situações difíceis de luta pela justiça, para que o Senhor
os sustente e os faça modelo de "santidade política".
— Por aqueles que prevêem a possibilidade do martírio em sua vida, para que acolham fielmente
esse dom de Deus.
— Para que a igreja universal não ignore, mas venere os numerosos mártires que atualmente temos em diversas regiões da igreja.
— Para que integremos nossas tarefas mais cotidianas na perspectiva do chamado à santidade.
48
49
6
A IGREJA CAMINHA
PELA HISTORIA
Textos conciliares
LG 48:
LG 49:
LG 50:
GS 39:
GS 45:
50
A igreja tem um caráter escatológico. Está a
caminho. Alcançará sua plenitude somente no
final dos tempos. O Espírito age sem cessar
no mundo. A restauração prometida já começou.
Vivemos unidos à igreja celestial. A comunhão
com nossos entes queridos não se interrompe
com a morte, mas ao contrário é fortalecida.
O próprio Deus se nos manifesta e nos atrai
para si na vida daqueles irmãos nossos que
mais vivamente se transformam em sua imagem.
Voltaremos a encontrar límpidos, iluminados
e transfigurados no Reino, os frutos da natureza e de nosso esforço. E o Reino já se encontra aqui misteriosamente presente na terra.
Quando o Senhor vier, consumar-se-á sua perfeição.
O Senhor é a meta da história, convergência
dos desejos da história e dos povos, gozo do
coração humano e plenitude total de suas aspirações. A igreja pretende somente uma coisa:
o advento do Reino.
A Palavra de Deus
— lPd 1,3-9: Fomos gerados para uma esperança
viva.
— Ap 2,10b: Sê fiel até a morte e eu te darei a
coroa da vida.
— Rm 8,19-24: A humanidade geme em dores de
parto.
— 2Cor 5,6-10: Teremos de comparecer perante o
tribunal de Cristo.
— Uo 3,1-3: Ainda não se vê o que seremos.
— Lc 24,13-35: Jesus ressuscitado tornou-se companheiro nosso de viagem.
— Gn 12,1-3: Sai da terra e vai para onde te mostrarei.
— At 1,6-8: Não compete a vós conhecer os tempos e os momentos. Recebereis uma força, a
do Espírito Santo que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas.
— Mt 24,32-36: Ninguém sabe o dia nem a hora.
Questões para o diálogo
— Há uma visão estática e uma visão dinâmica
do tempo e da história. Como as distinguimos?
— As realidades escatológicas (o além-morte, a vida eterna), estão simplesmente "além, no final
da vida, depois da morte" ou, pelo contrário, já
têm, de algum modo, uma certa presença nesta
vida? Em que consiste tal presença?
— "A esperança na vida eterna serviu para ouvidar a terra." "A religião é o ópio do povo." Comentar tais afirmações.
— "A comunhão com nossos entes queridos não
se interrompe com a morte, mas, ao contrário,
é fortalecida" (LG 49). Comentar.
— Como se costuma dizer, é verdade que vivemos
em uma sociedade que tem medo de falar sobre
51
a morte? Nesta sociedade, que significado tem
a igreja dar testemunho da ressurreição? Como
nossa fé na vida eterna pode ser significativa
para o homem moderno?
— "A plenitude dos tempos chegou, e a renovação
do mundo está irrevogavelmente decretada"; "já
começou, e continua, impulsionada pelo Espírito, a restauração prometida" (LG 48). Que
isto significa? A que diz respeito? Que exige
de nós?
Reflexão
1. Sempre existiu na igreja^ a fé na ressurreição,
na vida eterna, na escatologia. Entretanto, esta fé sempre ajustou-se às exigências do evangelho e de uma atitude verdadeiramente respeitosa da história. O Vaticano
II implica uma profunda mudança da perspectiva escatológica.
2. Como era antes a visão escatológica predominante na igreja? As realidades escatológicas eram pensadas como alguma coisa que "se situava" no final da
história, no além-túmulo. Algo separado e distante, sem
influência nem presença na realidade da história. O que
importava era a salvação ("no final da caminhada, quem
se salva sabe, e quem não, nada sabe"), a salvação conseguida pela coincidência da morte com o estado de
graça. A salvação consistia, pois, na entrada em um
mundo absolutamente diferente e heterogêneo (o céu),
sem continuação alguma com este mundo. Consideravam-se o nosso mundo e a nossa história simplesmente
como tempo de provação. Um tempo para conquistar
méritos, para merecer a salvação ou a condenação. Esta abateria sobre nós depois da morte, como algo exterior, vindo de fora. O verdadeiro mundo é o definitivo, o eterno; o nosso mundo, ao contrário, é caduco e
destinado a perecer: de tudo aquilo que aqui se faz
nada importa verdadeiramente; de tudo o que aqui se
52
faz somente se salvará o amor, a retidão de intenção
que colocamos em nosso esforço.
Não eram poucas nem leves as conseqüências que
podemos deduzir dessa visão escatológica. Não poucas
vezes a esperança escatológica foi
instrumentalizada
contra o compromisso para com os deveres terrestres,
servindo de ópio ou de droga para adormecer as reivindicações de justiça dos pobres. Colocou-se o modelo de
santidade na fuga mundi, na fuga deste mundo perverso que tenta nossa alma e coloca em perigo nossa salvação eterna. O importante era a salvação da alma, salvar-se a si mesmo, entendido como uma aventura individual, entre Deus e a alma. Procurava-se passar pelas
coisas deste mundo desprezando-as, defendendo-se de
suas ciladas, buscando somente as coisas do céu. O céu
seria definitivamente outra coisa, completamente distinta. Algo sem conexão alguma com este mundo a não
ser a gratuita misericórdia de Deus que no-Io outorga
em base aos nossos merecimentos neste vale de lágrimas em que tudo está condenado à morte e ao fogo.
3. Qual a visão escatológica que o Vaticano II
apresenta? As realidades escatológicas não são mais
vistas como algo que está (estaticamente situado) além
da história e além da morte individual. São vistas, isto
sim, como algo dinamicamente presente na vida do homem e na história da humanidade. O escatológico não
é uma realidade estática nem um lugar. Tampouco é
um tempo, mas uma dimensão permanente de toda a
história da salvação. As realidades escatológicas não
estão somente lá. Elas já estão aqui, mesmo que ainda
não. É tempo histórico da igreja peregrinante, não é
apenas uma provação. O que fazemos neste mundo nosso não é simplesmente ocasião de merecimento. Em
nossa história e em nosso esforço humano estão em
jogo valores eternos, definitivos, escatológicos. Isto porque precisamente está em jogo a construção do Reino
de Deus, "que já está misteriosamente presente em
nossa terra", ainda que sua perfeição "venha se consu53
mar quando o Senhor vier" (GS 39). Portanto, o céu
não será algo absolutamente heterogêneo, mas a consumação, a plenitude, por graça gratuita de Deus, daquilo que aqui já estamos vivendo no Espírito do Senhor. "Voltaremos a encontrar os excelentes frutos da
natureza humana e de nosso esforço. E os encontraremos límpidos de toda a mancha, iluminados e transfigurados quando Cristo entregar ao Pai o Reino" (GS 39).
As conseqüências desta nova visão são também
claras e importantes. A fuga mundi, a fuga do mundo,
já não é o modelo de santidade adequado. Não se trata de salvar-se do mundo, tampouco salvar-se no mundo, mas de salvar o mundo. É então precisamente em
virtude da esperança escatológica que o cristão deve
encarnar-se e se comprometer no mundo, em suas lutas, em seus conflitos. Atualmente, com esta nova visão
escatológica, inverteu-se a direção do sinal: antigamente quanto mais alguém se afastava das realidades terrestres ("fuga mundi") e procurava imitar a forma celeste de viver ("vita angélica") dava um testemunho
de maior valor escatológico. Hoje, ao contrário, mostra
um maior amor escatológico quem mais se compromete, quem mais se encarna na realidade histórica. É
aí que verdadeiramente encontramos a única presença
a nós acessível das realidades escatológicas (GS 39, 21,
57, 34, 38, 42, 43). Com Jesus, o escatológico encarnouse na história. O Reino de Deus anunciado por ele já
não é outro mundo, mas este mesmo mundo, porém
totalmente outro. E devemos colaborar apaixonadamente nas dores de parto (Rm 8,19-24) dos novos céus e da
nova terra (2Pd 3,13-14).
reição e da transcendência. Isto, porém, de forma nova,
de acordo com esse caráter escatológico que ineludivelmente a vida eclesial tem. É preciso que se divulgue no
povo cristão uma expressão reformulada dos novíssimos de sempre: morte, juízo, inferno e paraíso (LG 48).
4. De tudo isto podemos deduzir, segundo o espírito e a letra do Vaticano II, implicações
vivificantes
para a vida eclesial. A igreja encontra-se em viva comunhão com a igreja celestial. A comunhão com os irmãos
falecidos não se interrompe, mas se fortalece (LG 49).
Nesta sociedade que se coloca de costas para a morte,
nós, cristãos, devemos ser hoje, testemunhas da ressur-
— Facilitar em nossa comunidade cristã o estudo
e a divulgação de uma visão atualizada das realidades escatológicas.
— Examinar no conselho pastoral da comunidade
cristã (ou, na falta deste, na reunião dos animadores) a pastoral que se está fazendo em relação a missas de defuntos, sufrágios, respon-
54
Exame
— Que importância dou à convicção da ressurreição? Não há em minha vida gestos a mostrar
que também eu vivo um tanto de costas para
a morte, procurando ignorá-la?
— Há em mim um sentido íntimo e de fé de que
estou participando na construção do Reino eterno, no futuro absoluto da história, na construção do céu?
— Temos ainda a mentalidade dos que pensam que
é preciso salvar-se "do" mundo, ou "no" mundo?
— Leio os avanços (e os retrocessos) da atualidade
mundial à luz da fé, como o caminhar do Reino escatológico em nossa história, procurando
distingui-los devidamente?
— Tenho me preocupado em adquirir uma visão
atualizada dos "novíssimos", ou possuo ainda,
de modo vergonhoso, a visão que me deram
em minha educação infantil?
Conversão
55
sos e t c , e qual a linguagem empregada em tal
pastoral.
— Amar as coisas deste mundo, amar nosso trabalho, valorizar os progressos históricos à luz
da fé e da esperança.
— Encarnar nossa esperança escatológica no compromisso histórico. Unir contemplação e militância.
— Educar nossa maneira de ver: para quem tem
fé e esperança nada há de profano nem de indiferente.
Oração
Deus, nosso Pai, que na ressurreição de Jesus
fez-nos renascer a uma viva esperança: nós te pedimos que amemos as realidades celestes de tal
modo que nos comprometamos ativamente neste
mundo e em sua história, como Jesus, encarnado,
morto e ressuscitado. Por nosso Senhor Jesus
Cristo.
Preces
— Pelos teólogos e pastoralistas, para que colaborem na divulgação da nova visão escatológica conciliar.
— Para que sejamos testemunhas da fé na ressurreição com uma esperança encarnada e comprometida na história.
— Para que sejamos uma prova viva de que a religião não somente pode não ser ópio para o
povo, mas, ao contrário, fermento de esperança ativa.
— Pelos enfermos que têm medo de enfrentar a
morte.
— Por todos os que amam seu trabalho, pelos que
se lançam apaixonadamente na transformação
do mundo, pelos que por falsos motivos cristãos depreciam o mundo e as lutas históricas.
— Pelos religiosos e religiosas, para que se definam
como "sinal escatológico" para o povo cristão,
para que o sejam efetivamente e com uma visão atualizada.
56
57
UMA NOVA IMAGEM
DE MARIA
Textos conciliares
LG
LG
LG
LG
55-59
60-65
66-67
68-69
Maria na história da salvação.
Maria e a igreja.
O culto a Maria.
Maria, sinal de esperança para o povo de
Deus.
A Palavra de Deus
— Jo 2,1-5.11-12: Fazei o que ele vos mandar.
— Lc 11,27-28: Mais ditosos os que escutam a Palavra de Deus.
— At 1,12-14: Maria orando com a primeira comunidade cristã.
— Lc 1,26-38: Faça-se em mim segundo a tua Palavra.
— Lc 1,46-53: Depôs os poderosos e elevou os humilhados.
Questões para o diálogo
— Com a participação de todo o grupo, evocar e
recordar como era a devoção a Maria nos tempos pré-conciliares. Fazer uma análise crítica.
— O que, em nossa educação infantil, ouvimos sobre Maria e que hoje nos parece inaceitável?
Por quê? Analisar as causas.
58
— O que, fundamentalmente, o Concilio supôs
transformar no que diz respeito ao lugar que
Maria ocupa na devoção dos cristãos?
— Qualidades admiráveis e/ ou imitáveis de Maria: enumerá-las e distingui-las.
— O que significa a afirmação conciliar de que
Maria é "a figura da igreja" (LG 63)?
— Citar e recordar as práticas da religiosidade popular mariana. Analisar. Que existe aí de cristão
e/ou de religioso, de conciliar e de pré-conciliar?
Reflexão
1. Os padres conciliares debateram o estatuto que
deu origem ao texto do Concilio sobre Maria. Alguns
queriam que o texto fosse autônomo e outros queriam
incorporá-lo na Lumen Gentium. Finalmente prevaleceu a segunda opção. Com isto quiseram que o verdadeiro lugar de Maria é a Igreja, e que a reflexão sobre
o seu mistério deve ter um caráter marcadamente eclesial.
2. Com efeito, registrava-se no debate conciliar
a presença de duas mariologias. Poderíamos denominar
a primeira de "cristotípica", isto é, a reflexão mariana
era elaborada a partir do modelo de Cristo Redentor.
A outra poder-se-ia denominar "eclesiotípica", cuja reflexão teológica sobre Maria era feita a partir de sua
dimensão eclesial. Os debates conciliares optaram pela
segunda orientação.
3. De acordo com essa visão, em relação a nós,
Maria encontra-se na linha da igreja. Maria é, antes de
tudo, uma crente, a que primeiro acreditou, modelo
dos crentes. Isto significa que ela não é uma deusa,
não está do lado da divindade, mas, sim, do lado dos
crentes. Não é o correlato feminino da divindade. É
uma mulher de nossa raça e de nosso povo, do Povo de
Deus. E o importante na sua figura não é somente o que
59
ela tem de prerrogativas de graças sublimes e irrepetíveis, mas o que tem de modelo para nós. O que importa é o que ela tem de realização "modélica" ou exemplar de obediência e de fé. Nesse sentido Maria é o
tipo, o modelo, o projeto daquilo que a igreja é e deve
ser. Paulo VI, em sua Marialis Cultus, desenvolve as
facetas desta exemplariedade de Maria a respeito da
igreja (MC 16ss.) E a Lumen Gentium ilustra seu caráter de figura da igreja.
4. Isto supõe certamente um giro apreciável na
linha mariológica da teologia pré-conciliar e, correlativamente, na espiritualidade e na pastoral mariana na
igreja. Superam-se alguns traços "festivos", "extrinsecistas", barrocos e excessivamente sobrenaturalistas,
para traduzir a mesma devoção mariana de sempre em
uma linguagem mais acomodada ao homem de hoje. O
próprio Paulo VI (Marialis Cultus 38) chamava a atenção e enumerava falhas e desvios a se corrigir: atitudes
culturais errôneas, exageros de conteúdos e de formas,
falseamento da doutrina, obtusidade de mente, vã credulidade, sentimentalismo, coisas manifestamente legendárias ou falsas... A espiritualidade mariana conciliar, como a espiritualidade mariana genuinamente
mais evangélica, conduz a Jesus: "Fazei tudo o que vos
disser", e nos abre a ulteriores desenvolvimentos
pós-conciliares sobre Maria como profetisa da libertação
do Deus dos pobres (Lc 1,45-55)...
Exame
— Como é a nossa devoção a Maria? Procuramos
atualizá-la?
— É relevante em nossa comunidade cristã a orientação eclesiológica que o Concilio desejou
imprimir à espiritualidade mariana?
— Em Maria nós nos fixamos mais no admirável
do que no imitável?
— O que temos feito pastoralmente perante a religiosidade popular (tradições, festas de padro60
eiros, santuários, práticas piedosas, mês de Maria, novenas. . . ) ? Fazemos algum esforço em
relação a isto, a fim de ajudar o povo cristão
a amadurecer e a se renovar, ou deixamos as
coisas como estão, disfarçando nossa preguiça
com algumas desculpas pastorais?
— Quantas práticas marianas continuam hoje intactas, como há vinte anos, como se não tivéssemos celebrado o Concilio?
Conversão
— Escutar a Palavra de Deus e colocá-la em prática, como correção concreta que o próprio Jesus faz aos admiradores de sua mãe (Lc 11,28).
— Analisar o aspecto mariano e nossa comunidade cristã. Partindo dos organismos competentes, programar uma animação diretamente relacionada com as próximas datas marianas.
— Estudar comunitariamente o capítulo oitavo da
Lumen Gentium.
— Revisar nossa piedade mariana pessoal.
— Compromisso com a causa da mulher.
Preces
— Para que encontremos uma linguagem adequada a nova espiritualidade mariana pós-conciliar
(imagens, expressões, práticas, estampas, materiais p a s t o r a i s . . . )
— Pelo povo cristão para que amadureça em sua
religiosidade popular mariana.
— Pelos que dirigem a pastoral dos santuários,
para que atendam devidamente o povo cristão.
— Pelas mulheres cristãs, para que exijam um
lugar mais justo na sociedade e na igreja.
— Para que nossa admiração por Maria nos leve
a imitá-la concretamente em nossa vida.
61
8
Oração
Deus, nosso Pai, na Mãe de Jesus nos deste
um exemplo, o tipo do que deverá ser a igreja
como fiel discípula de Jesus. Dá às comunidades
cristãs a sua fé e a sua esperança, a fim de que se
comprometam pelo Reino com o seu amor eficaz.
Por nosso Senhor Jesus Cristo.
UMA VISÃO ESPERANÇOSA
DO MUNDO E DA HISTORIA
Textos conciliares
GS 1:
GS 2:
GS 3:
GS 4:
62
As alegrias e as esperanças dos homens de
hoje são também as alegrias e as esperanças
dos discípulos de Cristo. Nada de verdadeiramente humano existe que não lhes ressoe no
coração.
O Concilio dirige-se a todos os homens, a toda família humana.
O gênero humano freqüentemente debate problemas angustiantes. A maior prova de respeito,
amor e solidariedade da igreja para com a família humana consiste em dialogar sobre esses problemas. É o homem "todo inteiro" que
deve ser salvo.
É dever permanente da igreja perscrutar a fundo os sinais dos tempos. É necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos,
suas esperanças, suas aspirações...
O gênero humano encontra-se hoje em um
período novo de sua história, caracterizado por
mudanças profundas e aceleradas. Pode-se falar de uma verdadeira metamorfose social e
cultural, que afeta também a vida religiosa.
É uma crise de crescimento. Jamais o homem
teve um sentido tão agudo de sua liberdade.
Jamais teve à sua disposição tantas possibilidades.
63
GS 5:
A própria história está submetida a um processo de tal aceleração que apenas é possível
ao homem segui-la com dificuldade. Torna-se
una a sorte da comunidade humana e não mais
diversificada como que entre várias histórias.
Assim, a humanidade passa de uma noção mais
estática da ordem das coisas para uma concepção mais dinâmica e evolutiva. Novas análises
e novas sínteses se fazem necessárias.
no se apresenta, ao mesmo tempo, capaz tanto do melhor como do pior.
GS 10: A igreja acredita que a chave, o centro e o
fim de toda história humana se encontram em
Cristo.
GS 11: O Povo de Deus discerne nos acontecimentos
os sinais da presença de Deus. A sua fé orienta
a mente para soluções plenamente humanas.
GS 6:
Registram-se mudanças profundas na ordem
social, nas tradicionais comunidades locais.
Isto por causa do tipo de sociedade industrial
que se impõe, como também pelo fenômeno do
urbanismo que se alastra, pelos meios de comunicação social, migrações, socialização.
Profundas mudanças psicológicas, morais e religiosas. Mudanças de mentalidade, constatadas especialmente nos jovens. Instituições, leis,
formas de pensar e sentir herdadas do passado são afetadas por tais mudanças. Um espírito crítico mais aguçado purifica a religião de
um conceito mágico do mundo e de resíduos
supersticiosos, exigindo uma adesão à fé cada
vez mais pessoal e operante. Multidões cada
vez mais numerosas se afastam praticamente
da religião.
Desequilíbrios e discrepâncias.
Cresce a convicção de que o homem precisa
estabelecer uma nova ordem política, econômica e social, mais a serviço do homem, com
uma distribuição mais eqüitativa, mais participativa. Todavia, cada dia aumenta a distância
entre os países ricos e os países pobres. As
pessoas e os grupos sociais estão sedentos de
uma vida plena e livre, digna do homem, que
coloque a seu serviço as imensas possibilidades atuais. Cada vez mais as nações buscam
uma comunidade universal. O mundo moder-
GS 42:
GS 7:
GS 8:
GS 9:
64
A igreja reconhece tudo o que há de bom no
dinamismo social hoje.
João XXIII: (Há os que) "em nossos tempos modernos não vêem outra coisa do que prevaricação
e ruína. Dizem e repetem que a nossa hora, em
comparação com as passadas, p i o r o u . . . Nós
discordamos destes profetas de calamidades.
Na presente ordem das coisas.. . é preciso reconhecer os arcanos desígnios da Providênc i a . . . " (cf. Discurso de 11.10.1962, ao inaugurar o Concilio, parágrafos 9 e 10).
Paulo VI: "De modo muito consciente, a postura do
Concilio tem sido otimista. Uma corrente de
admiração e de afeto tem-se espalhado pelo
mundo moderno. E m lugar de deprimentes
diagnósticos, o Concilio enviou ao mundo contemporâneo remédios alentadores: em vez de
funestos presságios, mensagens de esperança;
seus valores não somente têm sido respeitados, mas honrados; sustentados os seus incessantes esforços, suas aspirações purificadas e
louvadas" (cf. Discurso de encerramento do
Concilio, 7.12.1965, parágrafo 9).
A Palavra de Deus
— lTs 5,16-22: Discerni tudo e ficai com o que é
bom. Não apagueis o Espírito.
— Lc 9,49-50: Quem não é contra nós está a nosso
favor.
65
— Rm 12,12: Alegres na esperança.
— Mt 28,20: Eu estarei convosco até o fim dos
tempos.
— Rm 8,28: Tudo coopera para o bem daqueles
que amam.
— Mc 6,47-51: Ficaram com medo. Ele, porém,
disse: "Não temais, sou eu".
Questões para o diálogo
— Nas grandes crises da história, é típico os altos
escalões da igreja adotarem uma postura negativa, conservadora, de desconfiança e de pessimismo. Citar alguns casos. Comentar. Como
explicar o fenômeno?
— Traçar um retrato-robô de nosso mundo moderno, com seus traços positivos e negativos. Fazer
um balanço: o resultado é negativo ou positivo?
Facilidades e dificuldades que um mundo assim
oferece à igreja.
— "Discordamos dos profetas de calamidades..."
Comentar esta frase de João XXIII. Aplicá-la
à atualidade.
— Ainda se nota na igreja um certo receio diante
do novo, uma atitude conservadora ou de desconfiança diante das novas possibilidades (da
ciência, da técnica, da medicina, da psicoterapia etc.)?
— Qual é a atitude predominante hoje na igreja a
respeito do mundo moderno? Assumimos o espírito conciliar?
— Poderá o homem de hoje aceitar uma mensagem
de fé que se apresente em categorias mentais e
culturais antimodernas? Pode-se evangelizar o
homem moderno sem antes fazer a síntese entre consciência moderna e consciência crente?
66
Reflexão
1. As colocações introdutórias da Gaudium et
Spes apresentam de modo plástico o espírito que impregna os textos conciliares: um espírito de diálogo,
de compreensão, de aproximação, de superação de velhos
receios e temores, de verdadeiro carinho e amor para
com o mundo moderno; uma atitude de realismo: começar, não por análises teóricas, mas abrindo os olhos
à realidade.
2. Com este espírito, o Concilio, desenvolve e
descreve uma imagem concreta do mundo moderno. Fala sobre suas esperanças, temores, profundas mudanças
na ordem social, psicológica, moral, religiosa; seus desequilíbrios, aspirações e interrogações mais profundas.
Não vamos transcrever aqui o seu pensamento. Suas
análises e descrições não perderam a vigência; ao contrário, são confirmadas. À primeira vista pode parecer
que tal análise não tem valor teológico. O fato é que o
tem, e valor muito profundo, porque se trata muito mais
de um discernimento feito a partir da fé para descobrir
os sinais verdadeiros da presença ou dos planos de Deus
(GS 11).
3. A igreja conciliar tem um talante de otimismo
que no fundo é uma profunda esperança. Está livre de
preconceitos e sabe reconhecer tudo o que de bom se
faça no atual dinamismo do mundo (GS 42). Ela se
apresenta sem complexos de inferioridade perante o
mundo moderno, porque está convencida de que sua
fé e sua mensagem promovem no mundo soluções plenamente humanas (GS 11) e, também, um nível de
vida mais humano na sociedade terrena (LG 40). Este
otimismo é esperança pascal. Isto porque a igreja sabe
que "O Senhor é o fim da história humana, ponto de
convergência para o qual tende os anseios da história
e da civilização, centro da humanidade, alegria do coração humano e plenitude total de suas aspirações. Caminhamos como peregrinos para a consumação da his67
tória humana, a qual coincide plenamente com o seu
amoroso desígnio: restaurar em Cristo tudo o que
existe no céu e na terra" (GS 45).
Exame
— O Concilio afirma que estamos em uma nova
etapa da história (GS 4), com uma verdadeira
metamorfose sociaPê cultural (ib.). Aceitamos
realmente este diagnóstico? Ou vivemos nossa
fé como antigamente, como se nada houvesse
mudado?
— Colocamo-nos em uma atitude de acolhida, de
compreensão, de aceitação, de valorização sincera de tudo o que é positivo no mundo de hoje?
— Somos daqueles que acham que "qualquer tempo passado foi melhor"?
— Além de qualquer otimismo superficial, temos
a verdadeira esperança pascal?
— Sentimos em nós, espiritualmente, a convergência entre os desejos da história e as promessas
do Senhor?
— Somos verdadeiramente homens do nosso tempo, cuidamos do mundo moderno, ou preferimos, no fundo de nosso coração, o mundo pré-moderno? Realizamos em nós mesmos a síntese entre consciência cristã e consciência moderna?
— Viver nossa vida comunitária cristã com espírito de diálogo e compreensão para com o mundo moderno.
Preces
— Pelos que vêem a situação atual do mundo de
um modo sem esperança.
— Pelos que na igreja provocam conflitos, repúdios, falta de diálogo com o mundo.
— Para que saibamos assumir tudo o que de bom
nos oferece a situação atual.
— Para que os cristãos colaborem com a gestação de um mundo novo.
Oração
Deus, nosso Pai: amaste tanto o mundo que
lhe entregaste teu próprio Filho, Jesus, que deu
sua vida por ele. Faze que nós, seguindo seus passos, sejamos capazes também de dar nossa vida
não para julgar o mundo, mas para salvá-lo. Por
nosso Senhor Jesus Cristo.
Conversão
— Viver conscientes e alegres de estarmos em
uma etapa crucial da história humana. Procurar ser hoje instrumentos de amor de Deus
para o mundo.
— Aderir de modo radical à esperança.
— Converter-se aos valores do mundo moderno.
68
69
9
UMA NOVA VISÃO RELIGIOSA
DO HOMEM
Textos conciliares
GS 11: A fé orienta a mente para soluções plenamente humanas. A missão da igreja é religiosa e,
por isso mesmo, plenamente humana.
GS 12:
Todos os bens da terra devem ordenar-se em
função do homem, centro e cume de tudo.
GS 13:
Pelo pecado, o homem experimenta uma divisão íntima.
GS 14:
O homem é uma síntese do universo material.
No homem, essa síntese alcança o seu cume.
O homem não deve desprezar a vida corporal.
GS 16:
Dignidade da consciência moral. Por ela seremos julgados. Nela comungamos com os demais homens na busca da verdade.
GS 17:
Hoje se exalta a liberdade com entusiasmo. E
isto com razão.
GS 18:
A morte, o maior enigma da vida humana. A
igreja afirma que o homem foi criado para um
destino pós-morte feliz.
GS 19:
Também os crentes têm sua parte de responsabilidade na gênese do ateísmo; esconderam
mais do que revelaram o genuíno rosto de Deus.
GS 21:
70
A igreja deve ser "fiel a Deus e aos homens".
De modo algum o reconhecimento de Deus se
opõe à dignidade humana. A igreja sabe que
sua mensagem está de acordo com os mais
profundos anseios do coração humano.
GS 22: Jesus, o Homem Novo. Pelo mistério pascal
a salvação alcança todos os homens, mesmo
que de uma forma somente por Deus conhecida.
GS 20: Cresce a consciência da exoelsa dignidade da
pessoa humana, de seus direitos e deveres universais e invioláveis. O fermento evangélico
tem despertado e desperta no coração do homem essa irrefreável exigência de dignidade.
GS 41: Não existe lei humana capaz de garantir a dignidade pessoal e a liberdade do homem com
a segurança com que o Evangelho o faz.
AG 12: Os cristãos devem viver preocupados pelo homem em si mesmo.
NA 1: Os homens esperam das diversas religiões a
resposta aos enigmas recônditos da condição
humana que hoje, como ontem, intimamente
comovem seu coração.
A Palavra de Deus
— Gn 1,26-27: Façamos o homem segundo nossa
imagem e semelhança.
— U o 4,7-8: Quem ama conhece a Deus.
— Mt 25,31-46: Cada vez que fizeste isto a um de
meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste.
— Cl 1,15-16: Ele é a imagem do Deus invisível.
Por seu intermédio foi criado o universo celeste e terrestre.
Questões para o diálogo
— "Nós também — mais do que ninguém — somos promotores do homem" (Paulo VI, Discurso de encerramento do Concilio, 7.12.1965).
Comentar esta frase.
71
— O ateísmo humanista sustentou a célebre posição: "Ou Deus ou o Homem". Por que tantos
ateus chegaram a uma imagem de Deus em conflito com o homem?
— "Não creio no Deus que coloca semáforo vermelho às alegrias do homem" (Juan Árias). Comentar.
— "Tu te farás tanto mais santo quanto mais violência te fizeres" (Kempis). Comentar a imagem
de santidade, a imagem de Deus, e a idéia de
mortificação que se encerra nesta frase.
— "O Deus em que muitos ateus não crêem e um
Deus em quem tampouco acreditamos" (Máximos IV, na aula conciliar). Comentar.
— "Todo homem é um problema não-resolvido para si mesmo" (GS 21). "O homem jamais ficará indiferente perante o problema religioso" (GS
41). Que conceito de religiosidade o Concilio está revelando nesta afirmação?"
Reflexão
1. A visão do Concilio é antropocêntrica. Coloca
o homem no centro e no cume de todos os bens da
terra (GS 12). Nisto — afirma — geralmente crentes e
não-crentes estão de acordo. É uma declaração solene
sobre a dignidade da pessoa humana, sobre sua consciência e liberdade. Reconhece também sua fragilidade
e a divisão íntima causada pelo pecado. Também a economia deve estar a serviço do homem (GS 64), e sob
seu controle (GS 65). Os cristãos devem viver preocupados em servir o homem em si mesmo (AG 12). E se
trata do homem inteiro, de todo o homem, também a
sua vida corporal, na qual deve também glorificar a
Deus (GS 14). São desconsideradas, pois, todas aquelas
velhas atitudes anti-humanistas, inadequadamente teocêntricas, depreciadoras do mundo e do corpo.
72
2. O Concilio declara a convergência entre as aspirações do homem e as ofertas de Deus. "Sua mensagem está de acordo com os mais profundos anseios do
coração humano" (GS 21). "O Senhor é o ponto de convergência para o qual tendem os anseios da história e
da civilização, centro da humanidade, alegria do coração humano e plenitude total de suas aspirações" (GS
45). Essa nova consciência, conciliar, situa-nos, enquanto crentes, na melhor postura imaginada ao longo da
história para estabelecer um diálogo com o mundo, para evangelizar sem avassalar, para não ver de forma pessimista o mundo de hoje, para unir forças e colaborar
com todos os homens de boa vontade.
3. O aspecto religioso situa-se na profundidade do
homem. O Concilio apresenta uma visão humanista do
religioso. O religioso não consiste em práticas externas,
nem na simples aceitação de certas afirmações teológicas . . . mas no posicionamento fundamental da vida
diante da verdade e do amor. Posicionamento este que
se decide no íntimo do homem, em sua consciência moral mais íntima. Ali onde todo homem pode encontrar
a Deus crendo também não encontrá-lo. Por isso, todo
homem que o seja verdadeiramente e em profundidade
tem um sentido religioso, também no ateísmo explícito.
Desta maneira, a salvação mediada por Jesus Cristo alcança todo homem mesmo além das fronteiras da igreja, ainda que não possamos explicar nem conhecer o
modo — "somente de Deus conhecido" (GS 22) —
como isto acontece.
4. O ateísmo é visto agora em perspectiva nova.
Já não se adota uma postura condenatória e negativa
a priori. Admite-se que muitos homens podem estar
honestamente no ateísmo precisamente por recusa a
uma imagem de Deus que deve ser posta de lado. Imagem esta que também nós não aceitamos. Na gênese do
ateísmo, com efeito, os crentes podemos ter tido uma
não pequena culpa, "enquanto que, com o descuido da
educação religiosa, ou com a exposição inadequada da
73
doutrina, ou também com os defeitos de nossa vida religiosa, moral e social, velamos mais do que revelamos
o genuíno rosto de Deus e da igreja" (GS 19).
Exame
— Percebemos que as aspirações do mundo convergem com as nossas, com as dos cristãos? Ou
temos uma visão negativa do mundo de hoje?
— Conseguimos descer com suficiente freqüência,
em nossa oração, ao núcleo mesmo de nossa
profundidade pessoal para nos encontrarmos
ali com Deus e conosco mesmos?
— Alguma vez tive um diálogo profundo com uma
pessoa não-crente?
— Muita gente tem se afastado tradicionalmente
da igreja por causa de certas coisas. Destas coisas, o que ainda permanece vigente em cada
uma? O que, na atualidade, podem estar sendo
novas pedras de tropeço que afastam as pessoas
da fé em Cristo?
— Que idéia tenho a respeito da mortificação do
corpo? Acaso, na prática, tenho a idéia de que
Deus se alegra com o sofrimento humano?
— Coloco a pessoa humana e a sua dignidade verdadeiramente no centro de meu mundo mental
e de minhas ocupações vitais?
Conversão
— Fazer minha a virada antropológica que se registrou na reflexão da igreja. Colocar o homem
no centro de meu esquema mental.
— Reconhecer que por trás de muitos gestos humanos aparentemente simples oculta uma série
de significação e de sentido que brota da religiosidade profunda do homem.
— Não menosprezar as crenças e as práticas religiosas sinceras de pessoa alguma.
74
— Saber que mesmo no ateísmo explícito, se a
pessoa é sincera, entram em jogo valores religiosos. Reconhecer a partir da fé que Deus não
abandona ninguém longe de sua salvação.
— Não acrescentar mais mal ao que já existe no
mundo. Não buscar nunca a dor pela dor. Mudar de práticas de mortificação, se isto fizer
falta. Aceitar, isto sim, a cruz que nos é imposta pelo fato de opor-nos ao mal e às cruzes dos
que sofrem.
— Dar graças a Deus porque a consciência da dignidade humana está crescendo no mundo.
Preces
— Por todos os homens que não são respeitados
em sua dignidade.
— Pelos países nos quais não se respeitam os direitos humanos.
— Pelos que colocam os seus próprios interesses
acima da dignidade do trabalhador.
— Pelos que se afastaram da fé por causa de nosso
mau exemplo.
— Por todos os ateus de boa vontade, para que
Deus os guie.
— Para que na igreja respeitemos também escrupulosamente os direitos do homem até o final.
Oração
Deus, nosso Pai, que nos fizeste segundo a tua
imagem e semelhança, e que em Jesus nos revelaste de modo total e definitivo a nossa dignidade
mais plena, ajuda-nos a ser, à imagem e a exemplo
de Jesus, verdadeiros homens novos. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
75
IO
O HOMEM, ESSENCIALMENTE
COMUNITÁRIO
GS 28:
GS 29:
Textos conciliares
GS 12:
Deus não criou o homem solitário. O homem
é, com efeito, por sua própria natureza, um
ser social, e não pode viver nem desenvolver
suas qualidades sem se relacionar com os outros.
A revelação cristã é de grande ajuda para fomentar a comunhão interpessoal.
GS 24: índole comunitária da vocação humana. O homem não pode encontrar sua própria plenitude a não ser pela entrega sincera de si mesmo
aos outros.
GS 25: A pessoa tem absoluta necessidade da vida social. Esta engrandece o homem. Dá-se hoje o
fenômeno chamado "socialização": multiplicação crescente das conexões mútuas e das interdependências .
GS 30:
GS 23:
GS 26:
GS 27:
76
A crescente interdependência faz com que o
bem comum se universalize cada dia mais, implicando direitos e obrigações que visam a todo o gênero humano. Qualquer grupo social
deve levar em conta o bem comum de toda a
família humana. Fazem-se necessárias a renovação de espírito e profundas reformas na sociedade.
O desrespeito dos direitos humanos fundamentais degrada a civilização, desonra mais seus
GS 31:
GS 32:
autores do que suas vítimas e é totalmente
contrário à honra devida ao Criador.
Respeito devido aos adversários. Isto, entretanto, não significa indiferença perante a verdade
e o bem. É preciso distinguir entre o erro e
o homem que erra.
A igualdade fundamental entre todos os homens exige um reconhecimento cada vez maior.
É lamentável que os direitos da pessoa humana ainda não estejam protegidos devidamente
em todos os lugares. É preciso lutar com energia contra qualquer escravidão social ou política.
É urgente que não haja ninguém que se conforme com uma ética puramente individualista.
Existem pessoas que têm generosas opiniões,
entretanto vivem de costas para suas obrigações sociais. A aceitação das exigências sociais
e sua observância devem ser consideradas por
todos como um dos primeiros deveres do homem contemporâneo. Quanto mais se une o
mundo, mais abertamente os deveres do homem superam os grupos particulares e estendem-se pouco a pouco ao mundo inteiro.
O futuro da humanidade está nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações
de amanhã razões de viver e de esperar.
Deus criou o homem para viver em sociedade.
E o escolheu não somente enquanto indivíduo,
mas também enquanto membro de uma determinada comunidade. Para que a humanidade
se converta na família de Deus.
A Palavra de Deus
— Jo 17,21-22: Que sejam um, como tu e eu somos um.
— Lc 6,27-38: Amor aos inimigos.
77
— Jo 15,13: Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a sua vida.
— Rm 12,4-8: Colocar-se uns a serviço dos outros,
como no corpo.
— Mt 18,20: Onde estiverem dois ou três reunidos
em meu nome.
Questões para o diálogo
— Que razões poderíamos dar a um cético para
justificar-lhe a solidariedade entre os homens?
— Que razões acrescentaríamos a partir da fé?
— Que razões sociológicas e históricas tomadas da
atualidade podem também aduzir-se para mostrar a solidariedade que de fato nos une, para
o bem e para o mal?
— A visão de homem herdada de nossa educação
cristã leva em conta suficientemente sua dimensão comunitária e de solidariedade?
— "O futuro da humanidade está nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações
de amanhã razões de viver e de esperar" (GS
31). Que razões para viver e para esperar está
oferecendo a igreja hoje às gerações jovens?
Que razões pedem as gerações jovens?
Reflexão
1. O homem é um ser social. Trata-se de uma afirmação capital do Concilio. Justifica-se a afirmação a
partir da própria natureza do homem e a partir de uma
argumentação teológica. O homem se desenvolve em
sociedade. Precisa da sociedade para se desenvolver e
para cultivar inteiramente sua vocação humana. Somente encontra sua plenitude na entrega aos demais. O próprio Deus o criou assim, não solitário, mas membro de
uma comunidade, e para a comunhão. Isto se distancia
muito dos posicionamentos clássicos que alcançaram
78
nossos dias impregnados do individualismo das "verdades eternas" da própria salvação individual. Em tais
posicionamentos fomos educados, e neles talvez se cristalizou nossa estrutura espiritual. Faz-se necessária uma
reeducação cristã para que se possa ser fiel ao espírito
conciliar.
2. Ter essa consciência se faz hoje muito mais
necessário e urgente pelas circunstâncias atuais que
atravessam o mundo. O Concilio refere-se explicitamente a um fenômeno que denomina "socialização", que
consiste na multiplicação de laços e interdependências
entre os homens e os grupos sociais. Fala-se também,
numerosas vezes, ao longo dos textos conciliares, de
uma unificação mundial. E conclui sublinhando que o
bem comum deve ser hoje entendido como estendido
às fronteiras mesmas da humanidade. Somos todos uma
mesma família e vivemos uma mesma história, não diversificada como antigamente (GS 30). Toda ética meramente individualista deve ser superada (GS 30).
3. Isso requer muitas exigências. A ordem social
deve ser colocada a serviço da ordem individual (GS
26). Os direitos humanos devem ser respeitados (GS 27).
É preciso buscar um reconhecimento cada vez mais intenso e urgente da igualdade fundamental de todo o homem. Por isso, será preciso superar, o quanto antes,
as diferenças econômicas tão escandalosas (GS 29) etc.
Corremos sempre o perigo de ter generosas opiniões
sem que a elas corresponda um compromisso social
adequado (GS 30).
4. Considerar-se cidadãos do mundo. Seria esta a
conseqüência que se deveria extrair desta visão conciliar do homem como ser comunitário. O bem comum
se faz amplo como o mundo. A solidariedade deve ser
considerada por todos como um dos principais deveres
do homem;contemporâneo (GS 30). "Os deveres do homem transcendem os grupos particulares e se estendem progressivamente a todo o mundo" (GS 30). Isto
79
significa que estamos decididamente diante de uma nova visão, que exige "renovação dos espíritos e profundas reformas na sociedade" (GS 26). Não é valiosa e
radical essa abordagem do pensamento conciliar?
Exame
— Avaliar a nossa própria solidariedade humana, com os homens de todo o mundo.
— Que atos de solidariedade fazemos em favor
das sociedades nas quais se sofrem violações
dos direitos humanos?
— Distinguimos o erro do homem que os comete?
— Podemos dizer, de fato, que lutamos com energia contra qualquer escravidão social ou política (GS 29)?
— Em nossa comunidade cristã, damos aos jovens
motivos para viver e esperar?
Conversão
— Abrir nossa mentalidade. Começar a pensar em
chave de mundo, sentir-se irmão de todos os
homens, vizinho de todos os povos, cidadão do
mundo.
— Examinar o cumprimento de nossas solidariedades.
— Ser homens e mulheres de esperança. Dar as
razões de nossa esperança, especialmente às gerações vindouras.
— Cultivar as relações humanas, a cordialidade, a
comunicação e a amizade na comunidade cristã.
— Tomar providências para que nossa comunidade cristã seja um gérmen de solidariedade cada vez mais forte perante a sociedade que a
circunda.
80
Preces
— Para que as organizações internacionais se consolidem em vista de uma maior unificação mundial.
— Para que em todo mundo sejam reconhecidos
os direitos humanos e desterrado tudo aquilo
que humilha o homem.
— Por aqueles que vivem sozinhos.
— Por aqueles que trazem consigo traumas pessoais de comunicação com os demais.
— Para que lutemos com energia contra toda forma de escravidão moderna.
— Para que a fé faça aumentar em nós o sentido
de cidadãos do mundo.
Oração
Deus, nosso Pai, que puseste a plenitude da
vida humana na entrega do homem aos demais, e
em Jesus Cristo nos deste um exemplo completo de
amor até a entrega da vida, dá-nos força para saber imitá-lo, empregando nossa vida na tarefa de
converter o mundo em uma só família. Por nosso
Senhor Jesus Cristo.
81
11
feito não somente nos acontecimentos importantes, mas sobretudo na vida do dia-a-dia. Jesus Cristo nos ensina a suportar a cruz que a
carne e o mundo impõem sobre os ombros daqueles que buscam a paz e a justiça. Ele mesmo encoraja e purifica os esforços da família
humana em tornar mais suportável sua vida
e submeter a terra a este fim.
UMA NOVA VISÃO
DO TRABALHO
E DA ATIVIDADE HUMANA
GS 39:
Textos conciliares
GS 34:
O conjunto ingente de esforços humanos da
história para alcançar melhores condições de
vida corresponde à vontade de Deus. Isto vale
também para os afazeres mais comuns. Através de seu trabalho os homens desenvolvem a
obra do Criador. "A mensagem cristã não desvia os homens da construção do mundo nem
os leva a negligenciar o bem de seus semelhantes. Antes, os obriga ainda mais a realizar tais
coisas."
GS 35:
Esta é a norma: a atividade humana deve ordenar-se ao homem. Deve permitir-lhe cultivar
e realizar integralmente sua plena vocação.
GS 36: A autonomia da realidade terrena é absolutamente legítima e corresponde à vontade de
Deus.
GS 37: Embora se reconheça que o progresso pode
servir à verdadeira felicidade do homem, é
preciso reconhecer também que ele pode se
desviar por causa do pecado. Por esse motivo,
o homem deve lutar continuamente, deve batalhar duramente contra o poder das trevas.
GS 38:
82
Fazer um esforço para instaurar a fraternidade universal não é algo inútil. Isso deve ser
"A esperança de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo
aperfeiçoamento desta terra". Embora o progresso temporal deva ser cuidadosamente distinguido do aumento do Reino de Deus, contudo é de grande interesse para o Reino de Deus.
Voltaremos a encontrar límpidos, iluminados
e transfigurados os frutos da natureza e de
nosso trabalho. O Reino já está misteriosamente presente em nossa terra; quando o Senhor
vier, consumar-se-á sua perfeição.
GS 67: O trabalho associa o homem à obra redentora
de Cristo.
A Palavra de Deus
— Gn 3,19: Ganhar ás o pão com o suor de teu
rosto.
— Mt 25,14-30: Parábola dos talentos.
— Jo 4,21-24: Adorar em espírito e em verdade.
— 2Pd 3,13-14: Esperamos um novo céu e uma nova terra.
— Rm 8,19-24: A humanidade geme em dores de
parto.
— Cl 1,13-20: Recapitular todas as coisas em Cristo.
— ICor 10,31: Tudo quanto façais, fazei-o pela
maior glória de Deus.
83
Questões para o diálogo
— A que se deve o fato de a moral ter-se centrado quase que exclusivamente no culto e no íntimo, deixando fora de seu campo de atenção
uma valorização positiva do trabalho profissional, do esforço humano, do compromisso no
mundo?
— "Deus deixou a criação inacabada, para que o
homem a termine." Comentar esta frase.
— Apresentar exemplos, famosos na história, de
conflito e de falta de respeito à autonomia das
realidades terrestres (por exemplo, o caso de
Galileu Galilei).
— "A Deus rogando e com o malho dando." "A Deus
pedindo e as mãos urdindo". Possibilidades e
limites da eficácia da oração de petição.
— "Glória Dei, homo vivens" (a glória de Deus é
que o homem viva). Que idéia de Deus e de
sua glória esta frase evoca? É habitual na igreja esta idéia? Relacioná-la com Gs 35.
— Onde devemos construir o Reino de Deus: no
templo, na comunidade cristã, na rua, na/família? Que sentido tem o que fazemos e vivemos na comunidade cristã?
— Citar exemplos concretos da religiosidade popular que mostrem falta de respeito à autonomia das realidades terrestres.
a profanidade criacional e natural do trabalho, o qual
em si mesmo não seria mediação de Deus. Esta experiência espiritual foi compartilhada pelo povo cristão e
perdurou até nossos dias.
2. A mentalidade moderna supõe um rompimento com tais posicionamentos espirituais. De certa forma, o lema se inverte: labora et ora. O trabalho e a
atividade humana passam também a ocupar o primeiro
plano, de acordo com a moderna cultura do trabalho.
Descobre-se o caráter divino e crístico da criação e do
trabalho como forma de colaboração humana à ação
divina. O trabalho tem sua dignidade e sacralidade não
por estar batizado pela oração ou por uma "reta intenção" sobrenaturalizante, mas por sua própria natureza
criacional, inserida no projeto cristológico. Deus deixou
o mundo inacabado... e o homem, com sua atividade
e seu trabalho, colabora com a ação criadora e redentora, e contribui de modo pessoal para que se cumpram
os desígnios de Deus na história (GS 34, 67).
Esta visão teológica e espiritual sobre o trabalho
encaixa-se perfeitamente no tema do sacerdócio comum
dos cristãos (LG 10-11). Em virtude deste, toda nossa
vida, inclusive o trabalho, a vida conjugai, o descanso
e o lazer (LG 34) convertem-se em sacrifício espiritual
agradável a Deus por Jesus Cristo.
Reflexão
3. O Concilio destaca uma norma: tudo deve
ordenado para o homem. O trabalho e a atividade
mana não devem se ordenar para o ter, mas para o
A técnica deve colocar-se a serviço do homem, e
contra ele. O trabalho não deve alienar o homem.
1. A tradição monástica clássica expressou a sua
experiência espiritual na fórmula clássica; ora et labora, orar e trabalhar. Nesta experiência espiritual, a oração é que capitaliza todo o valor religioso. O monge desejaria dedicar à oração tempo integral. Entretanto,
uma vez que isto não é possível, abre em sua vida um
espaço também para o trabalho, sabendo^o santificado
pelo influxo da oração. De certa maneira, esta resgata
4. Outro ponto capital: a autonomia das realidades terrestres. O Concilio afirma que é "absolutamente
legítima" e que "corresponde à vontade do Criador"
(GS 36). Isto supõe também uma ruptura capital à tradicional falta de respeito a tal autonomia, necessária
especialmente em relação a fé-cultura, mas também
em relação à ação e à oração, ao trabalho e à providên-
84
ser
huser.
não
85
cia de Deus, à esperança religiosa e ao compromisso na
história, à natureza e à graça. Trata-se de uma nova
forma de pensar que de modo algum podemos considerar assimilada na igreja.
5. O Concilio supera definitivamente toda atitude
de desprezo pelas realidades terrestres ("contemptus
mundi"). "O homem pode e deve amar as coisas criadas por Deus", pode "usá-las e usufrui-las com liberdade de espírito" (GS 37). A esperança cristã "deve avivar a preocupação no aperfeiçoamento desta terra" (GS
39; cf. 21, 34, 38, 42, 43 e 57). E podemos ficar cientes,
a partir da fé, de que "os frutos da natureza e de nosso
trabalho retornarão a nós límpidos e purificados..."
(GS 39). É uma atitude radicalmente contrária àquela
da espiritualidade clássica medieval e barroca. Uma atitude ainda muito longe de ter sido assimilada devidamente na igreja. A espiritualidade conciliar nos convida
a amar de modo apaixonado as coisas, nosso trabalho,
a terra e sua história, porque em tudo habita a presença de Deus, e nisto estão em jogo osdestinos do Reino,
da graça de Deus.
Exame
— Temos consciência de que em nossa vida espiritual nada existe de profano e desprovido de
responsabilidades divinas em nossa vida diária?
— A nossa vida é um testemunho vivo de que a
esperança cristã anima a preocupação e o compromisso do homem no aperfeiçoamento deste
mundo?
— Prevalece ainda no íntimo de nós o preconceito
de que nosso trabalho somente se santifica na
medida em que o impregnamos de gestos religiosos?
— Amamos nosso trabalho ou nossa atividade?
— Recorremos de maneira errada à oração de petição em campos ou aspectos nos quais devería86
mos respeitar a autonomia das realidades terrestres?
— Temos ainda latente em nossa consciência o
preconceito maniqueísta de que o gozo, o prazer das criaturas, a diversão e o prazer são realidades pecaminosas ou irreligiosas?
Conversão
— Integrar em nossa oração pessoal e comunitária a vida do trabalho e profissional, familiar,
social...
— Fazer um discernimento sobre a vontade de
Deus nos campos de atividade nos quais atuo.
— Amar apaixonadamente o triunfo da terra e da
humanidade. Sentir-se colaborador, protagonista da história, atômica mas real.
— Dar exemplo de responsabilidade, competência
e entusiasmo no trabalho.
Preces
— Pelos que amam seu trabalho, pelos que são
obrigados a trabalhar em coisas indignas ou
que não correspondem a suas qualidades.
— Pelos desempregados e pelos que, com seu egoísmo econômico, criam tal situação.
— Pelos operários e por todos os que são explorados em seu trabalho, para que reivindiquem
seus direitos em nome da justiça.
— Pelos exploradores, para que nós, todos unidos,
os façamos mudar.
— Para que a fé nos ajude a valorizar nosso trabalho e nos comprometa cada vez mais com ele.
— Para que, como igreja, respeitemos definitivamente a autonomia das realidades terrestres.
87
— Para que cresça na humanidade a consciência
de nosso dever de amar a natureza e zelar pelo
meio ambiente.
Oração
Deus, nosso Pai, que nos mandaste amar a natureza, a vida, a terra, o homem e sua história,
abre nossos olhos para que sejamos conscientes
das grandes possibilidades que temos de colaborar
contigo no projeto de levar adiante a criação e a
história. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
12
A IGREJA
A SERVIÇO DO MUNDO
Textos conciliares
GS 40:
A igreja não somente comunica a vida divina
ao homem, mas cura e eleva sua dignidade,
consolida a firmeza da sociedade e confere à
atividade de cada dia da humanidade um sentido mais profundo. Pode oferecer uma grande ajuda na busca de um sentido mais humano para o homem e para sua história.
GS 42:
A missão da igreja é religiosa. Porém, precisamente deste fato derivam funções e energias
que podem servir para estabelecer e consolidar
a comunidade humana conforme a lei divina.
GS 43: Enganam-se aqueles que, sob o pretexto de
que aqui não temos cidade permanente, pensam que podemos descuidar das tarefas temporais, sem se darem conta de que a fé nos
obriga ainda mais a um perfeito cumprimento
das mesmas.
GS 43: Prazeirosamente colaborem com aqueles que
buscam idênticos fins. (O mesmo repete o Concilio em GS 16, 43, 57, 92, 93. . . ) .
GS 43: A igreja reconhece muito bem que, ao longo
de sua dilatada história, nem todos seus membros foram fiéis ao Espírito de Deus. Reconhece também que ainda hoje é grande a distância que existe entre a mensagem que ela anun88
89
cia e a fragilidade dos mensageiros (cf. também GS 36, DH 12). Devemos combater tais
deficiências com a maior energia, para que não
prejudiquem a difusão do Evangelho.
GS 44:
A igreja inteira, mas especialmente os pastores e os teólogos, devem perscrutar, discernir
e interpretar os sinais dos tempos.
GS 4:
É um dever permanente da igreja perscrutar
o âmago dos sinais dos tempos. É necessário
conhecer e compreender o mundo em que vivemos, suas esperanças, suas aspirações e o
curso dramático que com freqüência o caracteriza.
AG 11:
Como Cristo esquadrinhou o coração dos homens e os conduziu ao diálogo, assim também
seus discípulos devem conhecer os homens com
os quais convivem e dialogar com eles.
GS 44:
A igreja reconhece os numerosos benefícios
que recebeu da evolução histórica do gênero
humano. A igreja precisa de maneira particular da ajuda daqueles que, por viverem no
mundo, sejam crentes ou não-crentes, conhecem a fundo as diversas instituições e disciplinas. A igreja reconhece agradecida a variada ajuda que recebe da parte dos homens de
qualquer classe ou condição. A comunidade
cristã depende também das realidades externas.
GS 45:
A igreja apenas pretende o advento do Reino.
GS 93:
O anseio do cristão não pode ser outro a não
ser o de servir com crescente generosidade e
com suma eficácia os homens de hoje.
AG 12:
A igreja não quer mesclar-se de modo algum
com o governo da cidade terrena. Não reivindica para si outra autoridade que a de servir.
90
GS 33:
A igreja reconhece que nem sempre tem ao
alcance da mão resposta adequada para cada
questão (cf. GS 43, 2.°).
A Palavra de Deus
— Mt 5,13-16: Vós sois a luz e o sal.
— Jo 17,15: Não te peço que os tires do mundo,
mas que os guardes do mal.
— Mt 28,16-20: Ide e fazei discípulos.
— Lc 10,5-9: Quando entrardes em uma casa dizei:
" P a z " . . . e curai os enfermos.
Questões para o diálogo
— Que dados podemos apresentar a respeito do
histórico afastamento e também confronto
entre igreja e mundo moderno? Por que se produziu? Que aspectos desse afastamento podemos considerar como precisamente superados
pelo Concilio Vaticano II?
— Pode-se dizer que a igreja recebe ajuda da sociedade? Em que aspectos?
— "A Igreja (no Concilio) declarou-se a serva da
humanidade." Comentar esta famosa frase de
Paulo VI na sessão pública do encerramento do
Concilio.
— "A vida cristã suscita um nível de vida mais
humano também na sociedade terrena" (LG
40). Pode ser esta uma das ajudas fundamentais que a igreja presta ao mundo?
— "A esperança celeste não diminui, antes aumenta o compromisso terrestre" (GS 39,34,21,
43,57...). Comentar esta repetitiva afirmação
conciliar.
— "A religião é o ópio do povo." Poderia ser o
contrário? Do que depende? O que ela está sendo hoje, em nossos dias?
91
Reflexão
1. As relações entre igreja e mundo nem sempre
foram ideais, tampouco sem problemas. No século IV
deu-se um giro copernicano no estatuto social da igreja:
esta passou de perseguida a perseguidora, de clandestina a aliada do poder oficial. Por muitos séculos de
cristandade, a igreja considerou-se o centro da sociedade. Era sociedade perfeita e todos lhe deviam homenagem e serviço. As evoluções e revoluções posteriores
se procederam na sociedade quase sempre à margem
ou mesmo contra a igreja. As relações entre igreja e
mundo moderno, entre igreja e cultura e pensamento
moderno foram ultimamente tecidas de incompreensão
e de incomunicação.
2. O Concilio exige uma mudança radical de atitude. Em primeiro lugar, a igreja, com uma atitude cheia
de humildade, proclama-se não auto-suficiente. Reconhece que recebeu ajuda da sociedade e do mundo ao
longo da história, e que continua necessitando de ajuda. E, em segundo lugar, reconhece que tem um dever
permanente de se abrir à comunicação, ao diálogo, à
escuta, a perscrutar permanentemente os sinais dos tempos. A nova postura é, pois, de humildade, de abertura, comunicação, compreensão, diálogo.
3. Não é somente isto. A ajuda que a igreja presta
ao mundo provém fundamentalmente
de sua própria
missão, de sua mensagem, da própria fé cristã: a fé
cristã promove no mundo uma vida mais humana, mais
digna do homem (LG 40; GS 11,15). Lei humana alguma
é capaz de garantir a dignidade e a liberdade humana
com a segurança com que o Evangelho o faz (GS 41).
A igreja sabe que a construção do Reino de Deus é
precisamente a melhor coisa para o homem, e "isso
é a única coisa que a igreja pretende" (GS 45). Por isso,
caberia dizer que não é tão certo aquele "fora da igreja
não há salvação"; certo seria afirmar o contrário, ou
92
seja, fora da salvação, fora de onde existe serviço, amor
e libertação do homem, não pode haver igreja cristã.
4. O Concilio chega a declarar inequivocamente
a missão da igreja na linha de serviço à humanidade:
"Os cristãos nada podem desejar mais ardentemente
do que prestar serviço aos homens de hoje com generosidade sempre maior e mais eficaz" (GS 93). "Os cristãos devem se preocupar pelo homem em si mesmo,
especialmente pelos pobres" (AG 12). "De forma alguma pretende a igreja imiscuir-se no governo do estado.
Não reclama para si nenhuma outra autoridade que a
de servir aos homens" (ib.). Trata-se, pois, de uma
eclesiologia que se encontra nas antípodas daquela atitude dominante e amante do poder que prevaleceu nos
séculos passados. É uma igreja que deseja despojar-se
de todo o poder e de todo interesse próprio, para se
colocar inteiramente a serviço do homem e do mundo,
como a forma própria de lutar pelo advento do Reino,
que é o seu único objetivo (GS 45). É ainda uma igreja que intui sua necessária conversão ao Reino de Deus.
Exame
— Quantas coisas na igreja continuam funcionando encerradas em seus próprios guetos, incomunicadas com a sociedade, sem diálogo, ou
cheias de incompreensão para com o homem?
— De alguma forma persiste ainda uma igreja que
não se reconciliou com os valores da cultura
moderna?
— Podemos afirmar que a igreja atual está realmente a serviço do Reino? Em que coisas podemos exigir da igreja uma mais clara conversão ao Reino?
— Poder-se-ia fazer uma distinção entre os verdadeiros interesses eclesiais e os "interesses eclesiásticos"? Citar alguns casos nos quais estes
últimos estão em oposição aos primeiros.
93
— O mundo operário ainda continua pensando que
a igreja não está comprometida realmente com
os pobres, apesar de algumas declarações formais?
Conversão
— Começar em nossa própria casa: fazer de nossa comunidade cristã um lugar de diálogo, de
tolerância, de compreensão, de respeito aos valores modernos, de diálogo com o mundo de
hoje...
•— Pospor os possíveis "interesses eclesiásticos"
de nossa comunidade cristã (segurança econômica, prestígio social, tranqüilidade sem conflitos, assistência massiva, apoios econômicos
dos poderosos. . .) aos verdadeiros interesses
eclesiais, aos interesses do Reino (a pregação
íntegra do Evangelho, a opção pelos pobres, a
luta pela justiça, a denúncia profética, o compromisso com a história. . . ) .
— Estudar na comunidade cristã o tema da situação do mundo de hoje, os sinais dos tempos, os
valores de nossa sociedade, positiva e negativamente.
— Colocar em prática a missão de serviço da igreja, começando por nós mesmos.
jam compreendidos e apoiados pela igreja universal.
— Pelos religiosos de vida contemplativa, para que
realizem de modo iminente seu serviço ao mundo.
— Para que perscrutemos atentamente também os
sinais dos tempos que ocorrem na própria igreja.
— Para que a igreja se coloque de fato ao lado
dos pobres.
Oração
Deus, nosso Pai: amaste tanto o mundo que
lhe enviaste o teu próprio filho, Jesus, que veio
não para condená-lo, mas para salvá-lo. Faze que
nós, como seguidores seus, não procuremos tanto
salvar-nos no mundo quanto salvar o mundo. Por
nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pelos responsáveis pela "instituição" eclesiástica, para que coloquem todo seu aparato administrativo verdadeiramente a serviço da causa
do Reino.
— Para que a igreja saia dos guetos em que ainda
se encontra e comece a dialogar com o mundo.
— Pelos cristãos de vanguarda que estão dando
testemunho de diálogo e de cooperação com
ideologias e com grupos cristãos, para que se94
95
13
GS 72:
Os cristãos que lutam pela justiça estão convencidos de que muito podem contribuir
para o bem-estar da humanidade e para a
paz do mundo. Quem procura em primeiro
lugar o Reino de Deus encontra nisso um
amor mais forte e mais puro para ajudar
os homens.
GS 74:
A comunidade política e a autoridade pública fundam-se na natureza humana e, por
isso mesmo, pertencem à ordem prevista
por Deus. Quando existe abuso de autoridade, é lícito defender seus direitos e os
direitos de seus concidadãos contra o abuso
de tal autoridade.
GS 75:
Está perfeitamente de acordo com a natureza humana que os cidadãos participem do
campo político. Estes têm o direito de votar
livremente. A igreja louva e estima todos
aqueles que se dedicam à coisa pública e
aceitam o seu fardo. Os cidadãos devem evitar atribuir demasiado poder à autoridade
pública. É desumano que a autoridade política incorra em formas totalitárias ou ditatoriais. O cristão deve respeitar a pluralidade de opiniões e dar exemplo de responsabilidade e de serviço ao bem comum. Lutem contra a injustiça e a opressão, contra
a intolerância e o absolutismo de um só
homem ou partido.
GS 76:
É preciso distinguir entre a ação que os
cristãos realizam a título pessoal na comunidade política e aquilo que fazem em nome da igreja. A igreja e a comunidade política são independentes e autônomas. A
igreja promove, tanto a nível nacional como internacional, a justiça, o amor, a liberdade e a responsabilidade. A igreja não coloca sua esperança em privilégios concedi-
A IGREJA
E A COMUNIDADE POLÍTICA
Textos conciliares
GS 63:
GS 64:
GS 66:
Também a vida econômica-soeial deve submeter-se ao bem da dignidade da pessoa humana integral e ao bem comum. Registram-se hoje graves desequilíbrios econômicos.
O luxo cresce de maneira espantosa junto
à miséria. Cada dia aumenta nossa sensibilidade diante dessas disparidades, porque
estamos plenamente convencidos de que o
mundo moderno pode e deve corrigir esse
estado de coisas. São necessárias muitas reformas e uma mudança de mentalidade e
de costumes em cada um.
Tende-se, com razão, ao aumento da produção, mas a finalidade dessa produção não
pode ser o benefício nem o poder, mas o
serviço ao homem integral. A atividade econômica deve ser exercida dentro da ordem
moral.
Todos os esforços possíveis devem ser feitos para que desapareçam o mais rapidamente possível as grandes e crescentes diferenças que existem atualmente (cf. GS 29).
GS 67-68: Direitos do trabalho e do trabalhador.
GS 69:
Princípio fundamental e primeiro: os bens
da terra destinam-se a todos os homens.
96
97
dos pelo poder civil. É uma questão de justiça que a igreja possa dar juízo moral também a respeito de assuntos referentes à ordem política.
AA 14:
Não se recusem os cristãos a desempenhar
cargos políticos, visto que com isso podem
servir ao bem comum e preparar os cami'
nhos para o Evangelho.
A Palavra de Deus
— Gn 4,9-10: Onde está o teu irmão?
— Mt 25,31-46: Tudo o que fizestes a um destes
meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes.
— Rm 12,4-8: Como no corpo, uns a serviço dos
outros.
— Mt 20,25-28: Sabeis que os grandes oprimem.
Não será assim entre vós.
— PI 4,8: Promover tudo aquilo que há de bom,
justo e s a n t o . . .
Questões para o diálogo
— "O meu Reino não é deste mundo" (Jo 18,36).
Portanto, religião nada tem a ver com política.
Comentar esta forma de pensar.
— De onde provém a valorização negativa da política por parte dos cristãos? Ainda ocorre hoje?
Citar exemplos.
— É possível ser apolítico? Que jogo político se
faz com o abstencionismo?
— Existem "pobres e ricos" ou existem "pobres
porque existem ricos"? Qual nosso tipo de análise social?
— "Os que afirmam que a religião não tem nenhuma relação com a política, não sabem o que
98
significa religião" (Mahatma Gandhi). Comentar esta frase.
— "Lutem contra a injustiça e a opressão" (GS
75). "Todos os esforços possíveis devem ser
feitos para que desapareçam o mais rapidamente possível as grandes e crescentes diferenças que existem atualmente" (GS 66). Relacionar estas duas frases com a chamada "luta de
classes". Semelhanças e diferenças.
Reflexão
1. O Concilio discute o tema econômico e político. Isto é a primeira coisa que se deve notar. O Concilio é sensível perante esse aspecto da realidade, abre
os olhos à realidade e discute o tema. Porque não há
nada verdadeiramente humano que não encontre eco
no coração dos seguidores de Cristo (GS 1). Totalmente outra é a atitude de não poucos "cristãos envelhecidos" que proclamam que a vida cristã nada tem a
ver com política e que esta é intrinsecamente má.
2. A comunidade humana funda-se na natureza humana e pertence à ordem prevista por Deus. Trata-se,
pois, de uma visão positiva. Pode acontecer que a política "esteja" em pecado (haveria, então, que se aproximar dela para saná-la). O político é algo natural e corresponde à ordem estabelecida por Deus, que fez o homem social e comunitário.
3. O Concilio enumera muitos problemas sócio-econômicos, globalmente, até agora. E o faz a partir
da fé. A igreja deve preocupar-se com o político. Entretanto, ao fazê-lo, não o faz politicamente, mas religiosamente, mediante a ótica da fé, porque descobre
nessa realidade política a carga, o conteúdo da salvação ou a perdição que tais realidades encerram. A igreja, cujo objetivo e missão é a construção do Reino de
Deus, olha a realidade política — e qualquer outra realidade — a partir dessa perspectiva, e procura discer99
nir o avanço, o retrocesso, as dificuldades e as possibilidades de construir o Reino de Deus. O Concilio está ciente de que a busca do Reino capacita ainda mais
os cristãos a ajudar os homens (GS 76) e que, com
isso, contribui de maneira cada vez mais intensa na
promoção da justiça, do amor, da liberdade e da responsabilidade (GS 76). Aí está em jogo o advento do
Reino.
4. Ver a realidade política a partir dessa perspectiva é fruto de uma experiência espiritual. Quem não
tem essa perspectiva espiritual dirá logicamente que
no político não está em jogo nenhum interesse por
parte da igreja, e que fé e política nada têm em comum
entre si.
5. O Concilio apresenta o campo do político como um lugar apto para o compromisso dos cristãos.
Fala da vocação particular e própria de cada cristão
na comunidade política (GS 75) e, embora haja necessidade de distinguir o que se faz a título pessoal daquilo que se faz em nome da igreja, louva e estima
aqueles que se entregam à coisa pública e aceitam o
fardo desse ofício (ib.). E, com frase forte e contundente, convida os cristãos a um compromisso social
militante de implicações políticas: "Lutem contra a injustiça e a opressão, contra a intolerância e o absolutismo de um só homem ou de um só partido" (GS 75).
"Lutem também com energia contra qualquer escravidão social ou política" (GS 29), "todos os esforços possíveis devem ser feitos para que desapareçam o mais
depressa possível as enormes diferenças econômicas
existentes" (GS 66; cf. também GS 60, 72, 89 e t c ) .
6. O Concilio considera superada a velha leitura
privatizada do cristianismo, que funcionava como se as
promessas escatológicas feitas por Deus em Jesus Cristo se dirigissem unicamente à intimidade pessoal, não
à humanidade e ao mundo. Era como se a salvação
procedesse no âmbito da relação eu-tu e não também
lá onde se entrelaçam os destinos dos homens em suas
100
mais amplas perspectivas. Todo o retorno ao cristianismo vivido de modo privativo ou intimista é um recuo
a posicionamentos pós-conciliares.
Exame
— A que círculos, a que horizontes chegam as
preocupações "espirituais" de nossa comunidade cristã: o íntimo, o pessoal, familiar, grupai,
social, político, mundial? E minhas preocupações pessoais?
— Somos daqueles que ainda pensam que política
é coisa má, ou que nada tem a ver com a prática religiosa?
— Somos daqueles que sentem nostalgia das formas totalitárias ou ditatoriais, de cristandade
imposta? Admitimos cordialmente a democracia, o pluralismo, as divergências sociais (GS
75)?
— O que fazemos, em nossa vida pessoal, pela
justiça, pela superação das diferenças sociais,
pela liberdade dos povos? E através da comunidade cristã, o que fazemos?
— Concordamos com as pessoas que, a partir da
fé cristã, legitimam as escandalosas diferenças
sociais, a pobreza do Terceiro Mundo, o luxo
dos egoístas?
— Aceitamos passivamente que em muitos círculos ainda haja uma linguagem religiosa etérea,
abstrata, espiritualista, que não se traduz em
nada de concreto, sem referência alguma com
a história real dos homens?
Conversão
— Tematizar em minha oração (e na oração comunitária) as implicações sociais e políticas
que o Evangelho, a vida de Jesus e sua mensagem têm.
101
— Adotar uma postura inequivocamente militante
em favor da justiça, da liberdade, da igualdade.
— Analisar criticamente minhas preferências políticas subconscientes, se é que sou daqueles que
pretendem ser apolíticos.
— Realizar ações concretas de solidariedade para
com os povos oprimidos por ditaduras. Não ficar indiferente diante dos povos que sofrem.
— Não pedir à igreja nenhum privilégio. Preferir
a humildade e o compartilhar da situação dos
pobres.
— Tomar alguma iniciativa na comunidade cristã
a fim de propiciar uma reflexão conjunta e
uma formação adequada no campo das implicações políticas.
— Para que onde haja um cristão haja sempre
uma testemunha da justiça do Reino.
Oração
Deus, nosso Pai, tu chamaste todos os homens para formar um único povo. Dá-nos lucidez
para nos entregarmos apaixonadamente à causa do
Reino, para que, unindo nosso esforço ao esforço
de todos os homens que amam e praticam a justiça, consigamos fazer do mundo uma família, a
família dos filhos de Deus. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pelos cristãos que exercem cargos públicos, para que lutem, não pelos interesses eclesiásticos,
mas pelos interesses do Reino.
— Pela igreja no seu todo, para que se jogue de
corpo e alma era favor da justiça e contra as
diferenças sociais de classe.
— Por todos os homens explorados em seu trabalho.
— Pelos que objetivamente estão provocando por
egoísmo a exploração dos pobres, para que a
situação os desmascare e assim não mais se
apresentem como cristãos, a não ser depois de
uma conversão efetiva.
— Para que o tabu que afasta tantos cristãos dos
temas políticos sejam superados.
— Para que se supere o divórcio entre fé e vida
dos cristãos.
— Para que os leigos fermentem as realidades do
mundo com o espírito das bem-aventuranças.
102
103
14
OS CRISTÃOS, CONSTRUTORES
DA PAZ INTERNACIONAL
tista é a lepra mais grave da humanidade e
prejudica os pobres de maneira intolerável.
GS 82:
Todos devem trabalhar para que cesse a corrida armamentista, inclusive para que se comece sua redução. É preciso estender a mente além das fronteiras da própria nação, renunciar a egoísmos nacionais e adotar um profundo respeito para com toda a humanidade.
É sumamente urgente reeducar a mentalidade
e dar nova orientação à opinião pública. Os
que trabalham na educação e na formação da
opinião pública têm, nesse sentido, uma responsabilidade especial.
GS 83:
Para construir a paz, o primeiro passo necessário é eliminar as causas da discórdia: especialmente as injustiças, as excessivas desigualdades, o marasmo das soluções, o afã do domínio etc. Que sejam estimulados incansavelmente a criação de organismos que promovam a paz.
GS 84:
A igreja se alegra com o espírito de fraternidade existente na colaboração entre organismos internacionais, mundiais ou regionais.
GS 85:
É preciso estabelecer uma cooperação maior
na ordem econômica. Carece haver ajuda de
pessoal técnico aos países em vias de desenvolvimento. Faz-se necessário mudar muitas coisas para encontrar uma nova ordem econômica internacional.
GS 88:
Que os cristãos cooperem com
ficação da ordem internacional.
de escândalo o fato de os países
ricos. Merecem louvor e ajuda
na cooperação internacional.
GS 89:
Ao anunciar o Evangelho, a igreja contribui
para consolidar a paz. É absolutamente necessária a presença da igreja na comunidade dos
Textos conciliares
GS 77:
GS 78:
Em seu processo de maturidade, a família humana chegou a um momento de suprema crise. Não é possível continuar na construção
de um mundo mais humano para todos, a não
ser que os homens se convertam à verdade da
paz. Por isso, a mensagem evangélica, "tão
em harmonia com os mais altos desejos e aspirações do gênero humano, brilha com novo
esplendor nos dias de hoje".
A verdadeira paz é fruto da justiça, não mera
ausência de guerra, nem equilíbrio de forças,
nem temor diante de uma hegemonia despótica. A paz é uma tarefa permanente. E é também fruto do amor, que supera a justiça. O
Concilio chama a atenção, de maneira insistente, de todos os cristãos para que se unam
a todos os homens realmente pacíficos na tarefa de estabelecer a paz.
GS 80:
As novas armas científicas, que permitem uma
quase destruição total, obriga-nos a colocar o
tema da guerra com uma mentalidade totalmente nova.
GS 81: Com a corrida armamentista não somente não
se eliminam as causas do conflito, antes corre-se o risco de agravá-las. A corrida armamen104
alegria na ediQue não sirva
cristãos serem
os voluntários
105
povos para fomentar a cooperação de todos,
seja através das instituições públicas, seja através da colaboração de cada um.
GS 90:
Forma excelente da atividade internacional dos
cristãos é a colaboração individual ou coletiva
dada às instituições de cooperação internacional.
A Palavra de Deus
— Mt 5,9: Bem-aventurados os que se esforçam
para construir a paz.
— Is 2,4: Das suas espadas forjaram arados.
— Jo 14,27: Eu vos dou a minha paz, não como
o mundo a dá.
— Rm 14,17: O Reino de Deus é . . . a justiça,
paz e alegria.
— 2Cor 5,18-21: Somos ministros da reconciliação.
— Ef 4,3: Conservar a unidade do Espírito com o
vínculo da paz.
Questões para o diálogo
— "Se queres a paz, prepara a guerra." Comentar
esta filosofia.
— Quais são as causas da guerra? Quais poderão
ser as causas ou ameaças da possível próxima
guerra mundial? — Existem no mundo 60.000
armas nucleares. Os explosivos acumulados no
planeta eqüivalem a 14 toneladas de TNT por
pessoa. É possível destruir 50 vezes o planet a . . . Diante dessa situação, pode-se afirmar
que estas coisas são políticas e que o cristia
nismo nada tem a ver com política?
— Como designamos a realidade com maior veracidade: quando dizemos "países subdesenvolvi106
dos" ou "países dependentes", ou quando dizemos "países pobres" ou "países oprimidos"?
— O Ocidente é o "setor rico" ou o "setor opressor do mundo"?
— Constatar o fato de que os países poderosos
do mundo, aqueles que dirigem os destinos da
humanidade, na maioria são países cristãos.
Comentar este fato. O Concilio deseja que isso
não seja ocasião de escândalo (GS 88). Por que
poderia ou pode ser ocasião de escândalo? Basta desejar que não o fosse?
— Por que os temas da paz internacional nos foram apresentados como alheios à realidade da
vida cristã? Insistiu-se de modo suficiente no
contrário, depois do Concilio?
Reflexão
1. O Concilio se pronuncia a respeito do tema da
paz mundial. Isto significa que ele julga o tema como
importante, a partir da ótica da igreja. Não pensa que
seja um tema exclusivamente dos políticos, nem estritamente técnico, nem irrelevante para os interesses do
Reino de Deus. Aqui também é preciso recordar aquelas palavras: "Nada que seja verdadeiramente humano
pode deixar de encontrar eco no coração dos seguidores
de Cristo" (GS 1). É a preocupação pela vinda do Reino e pela salvação da humanidade que preocupa a igreja (GS 45), porém a partir de uma perspectiva mais
ampla, cósmica, responsavelmente histórica.
2. Para o Concilio a paz é fruto da justiça. O
pensamento conciliar sobre a paz é crítico. Atinge as
raízes. E descobre as raízes das discórdias produzidas
na injustiça, as desigualdades econômicas, o marasmo
na aplicação de soluções, o afã do domínio, o desprezo
pelas p e s s o a s . . . (GS 83). O Concilio acredita que a
corrida armamentista não soluciona as ameaças da paz.
Antes, agrava-as, já que se trata da praga mais grave
107
da humanidade e prejudica os pobres de maneira intolerável (GS 81). O nível alcançado pela tecnologia armamentista — desenvolvida de modo incomparável no
pós-concílio — e suas múltiplas possibilidades atuais
de destruição total do planeta faz com que pensemos
a possibilidade da guerra — afirma o Concilio — de
uma forma inteiramente nova. Coisa que, efetivamente,
não fez senão radicalizar-se nos anos posteriores ao
Concilio de forma crescente.
3. Nossa atitude habitual ainda é de desentendimento diante dos problemas. Se é certo que atualmente cresce o número de grupos cristãos e de cristãos individuais comprometidos decididamente nesses campos, é verdade também que a grande massa de cristãos
permanece à margem. Ainda prevalece o preconceito
inveterado de que tais temas saem do âmbito de nossas
obrigações cristãs. Ou, o que é pior, pertencem a uma
zona vedada ao cristão, que é aquela das implicações
políticas. Dessa maneira, temos de assistir ao lamentável espetáculo de ver que, enquanto aumentam cada
vez mais as pessoas que se integram hoje na tarefa da
construção internacional da paz, os cristãos, que oficialmente se afirmam portadores da salvação para a
humanidade, permanecem desentendidamente à margem do esforço de evitar uma catástrofe cósmica.
4. O Concilio nos convida a nos
comprometermos. Devemos ser cônscios de nossa responsabilidade
humana e cristã e nos esforçar para despertar em nosso âmbito pessoal de vida a solícita vontade de cooperar com a comunidade internacional (GS 82). Uma excelente maneira de fazê-lo, é a cooperação com instituições internacionais (GS 90), cujo melhor funcionamento, coordenação e multiplicação deve ser estimulado de maneira incansável (GS 83). Devemos todos assumir uma postura ativa e militante diante da atual
corrida armamentista (GS 82). Devemos também fomentar as ajudas técnicas, econômicas e em material
humano para os países em vias de desenvolvimento (GS
108
85, 88). Enfim, participar dos esforços de encontrar uma
nova ordem econômica internacional mais justa (GS
85). Tudo isso foi dito, de modo suficiente, ao povo
cristão? O povo cristão sabe que tudo isso é pensamento conciliar? Esse espírito foi assimilado na linguagem religiosa de nossas comunidades cristãs? Isso se
traduz mediante uma incorporação crescente de cristãos às tarefas da paz, desde as instâncias nacionais e
internacionais? O que podemos fazer?
Exame
Combatemos suficientemente a filosofia não-cristã do "si vis pacem, para bellum"?
Mantemo-nos em uma indiferente passividade
diante dos movimentos pacifistas e ecologistas?
Ajudamos suas campanhas? O que de concreto temos feito a partir de nossa comunidade
cristã?
Acreditamos que o movimento ecologista é puro
modismo ou contracultura, ou conserva alguma
convergência, consciente ou inconsciente, com
a vontade de Deus Criador?
Separamos excessivamente o tema da ameaça
da destruição nuclear do tema das causas
atuais de ameaça de guerra (injustiça, povos
famintos, afã de poder, desequilíbrio dos blocos políticos)?
- Continuamos, em nosso íntimo, a ter medo do
político? Ou nossa idéia é de que o político é
mau para o cristianismo? Ou, simplesmente, a
idéia de que no político não está em jogo nenhum interesse cristão?
- Achamos que a responsabilidade nesses temas
da paz internacional corresponde somente às
instâncias públicas ou às entidades políticas?
Pensamos que não podemos fazer nada? Que
podemos fazer?
109
Conversão
— Colaborar com os organismos promotores da
paz, dar apoio às campanhas que se julguem
oportunas.
— Organizar na comunidade cristã jornadas ou
procedimentos de estudo sobre as relações entre ecologia e cristianismo.
— Propiciar para que haja na comunidade cristã
pessoas que se sintam chamadas a se comprometer politicamente pela paz.
— Dar apoio aos voluntários internacionalistas que
porventura haja em nossa comunidade cristã.
Se não existirem, fazer com que possam surgir.
— Adotar, a partir da fé, uma atitude convicta
não-belicista, não-militarista, mas solidária.
— Participar de gestos de solidariedade.
— Incorporar a nossa linguagem religiosa, as nossas preocupações, seja em nível pessoal seja
em nível comunitário, a preocupação pela paz.
— Superar os posicionamentos privatizados da fé,
apenas intimistas, nacionalistas, apolíticos, ingênuos. ..
— Pelos povos que atualmente estão em guerra,
pelos países que estão se beneficiando com
guerras, para que os cristãos que neles vivem
levantem sua voz e protestem.
— Por nós mesmos, para que sejamos portadores
de paz a partir de nosso pequeno âmbito pessoal.
Oração
Deus, nosso Pai, não nos deixes dormir tranqüilos, sem pesadelos, enquanto sabemos que o
mundo está sangrando pelas guerras, miséria, fome, injustiça, ameaça de destruição total. Faze-nos partidários apaixonados da paz e dá eficácia
a nossos esforços para construir essa paz. Assim,
possamos acolher de modo veraz a bem-aventurança de Jesus. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Para que a paz venha ao mundo, como resultado da justiça.
— Para que não acumulemos internacionalmente
novas espadas, mas que as convertamos em
arados.
— Para que adquiramos de maneira cada vez mais
crescente a consciência de cidadãos do mundo,
além das fronteiras, raças, nacionalismos.
— Para que ninguém justifique impunemente em
nome da fé a corrida armamentista ou a situação de injustiça internacional.
110
111
15
DV 21:
A igreja sempre venerou a Sagrada Escritura, da mesma forma como o próprio Corpo
do Senhor. Toda a pregação da igreja, como toda a religião cristã, deve alimentar-se
e reger-se pela Sagrada Escritura. São tão
grandes o poder e a eficácia que se encerram na Palavra de D e u s . . .
DV 23:
Os exegetas e os demais teólogos investiguem . . . para que se multipliquem os ministros da Palavra. O Concilio incentiva todos os que estudam a E s c r i t u r a . . .
A Escritura deve ser a alma da teologia. O
ministério da Palavra, a pregação pastoral,
a catequese.. . devem alimentar-se da Escritura.
O Concilio recomenda a todos a leitura assídua. . . (cf. OT 16; PO 13, 19; PC 6; AG
19).
NOVA ATITUDE DIANTE
DA PALAVRA DE DEUS
Textos conciliares
DV 4,2.°:
A nova aliança é definitiva e jamais passará. Não se deve esperar nenhuma outra re>
velação pública.
DV 10:
A Sagrada Tradição e a Escritura constituem o depósito sagrado da Palavra de Deus.
Ao Magistério foi confiada a autêntica interpretação da Palavra de Deus. Tal Magistério
evidentemente não está acima da Palavra de
Deus, mas a seu serviço, para ensinar somente aquilo que foi transmitido. Tradição,
Escritura, e Magistério estão de tal maneira
entrelaçados e unidos, que um não tem consistência sem os outros.
DV 11:
Na composição dos livros, Deus se valeu de
homens eleitos, que são os verdadeiros autores.
DV 12:
Deus fala na Escritura por meio de homens
e na linguagem humana. É preciso estudar
com atenção. Devemos levar em conta os
gêneros literários. Labor dos intérpretes, teólogos, exegetas.
DV 13:
112
A Palavra de Deus se expressa em línguas
humanas, assumindo nossa débil condição
humana.
DV 24:
DV 25:
A Palavra de Deus
— Rm 15,4: A Escritura foi escrita para ensinamento nosso.
— 2Tm 3,14-17: Todo escrito inspirado por Deus é
útil.
— Jo 21,24-25: Muitas outras coisas fez Jesus que
não se podem escrever todas.
— Lc 1,1-4: A tarefa de compor um relato dos
fatos acontecidos.
Questões para o diálogo
— Que fatos ou anedotas conhecemos sobre o apreço ou o esquecimento em que se tinha a Bíblia
antes do Concilio, comparando com o que ocorre hoje em dia?
— Numerar as causas daquela situação e as causas da mudança.
113
— Que são os gêneros literários? Quem o souber,
pode explicar ao grupo. Conseqüências que se
deduz de sua descoberta.
— Compartilhar com o grupo a evolução que cada
um registrou em sua vida a respeito da compreensão da Bíblia.
— Que pensar das hipotéticas "revelações particulares" atuais?
Reflexão
1. A religião cristã é uma das chamadas "religiões
de livro", as quais têm em algum tipo de Escritura algo
assim como carta fundamental. Não obstante isso, por
diferentes avatares históricos, nos séculos passados, e
até o próprio Vaticano II, tal fato quase foi negado.
Diríamos que a Bíblia estava como que seqüestrada
do povo cristão. Raramente era usada. Não se inculcava
sua leitura e meditação. Houve séculos em que se manteve obrigatoriamente a Bíblia em latim e se proibia
sua tradução em língua popular. A leitura individual
era desencorajada, por medo das interpretações "livres"
e não assessoradas. O Magistério eclesiástico ocupava
na vida consciente da igreja lugar de maior envergadura que a própria Palavra de Deus. O afã e a veneração da Bíblia entre os católicos eram coisas "suspeitas" de "protestantismo".
2. O Vaticano II supõe a consagração de uma
mudança radical na igreja. Restitui a Palavra de Deus
ao lugar central que deve ocupar na vida eclesial. Inculca-se seu uso e leitura a todos os fiéis. E se reconhece que o "Magistério está a seu serviço, para ensinar somente aquilo que foi transmitido" (DV 9).
3. Desde os fins do século XVIII, especialmente
no século XIX e no presente século, os estudos bíblicos deram uma autêntica virada à visão que temos da
Bíblia, ao seu conhecimento científico, à sua hermenêutica, à sua interpretação. Conhecemos hoje os gê114
neros literários, a redação em suas diferentes formas
e substratos redacionais, as implicações e os influxos
sociais, as línguas antigas, o ambiente histórico concreto, até detalhes inimagináveis, e isto apenas há uns
decênios... Entretanto, apesar disso, numerosos cristãos ainda continuam entendendo a Bíblia como se nada tivesse mudado, da mesma maneira como ela foi
lida na Idade Média mediante uma interpretação literal, fundamentalista, "maravilhosista", como se expressava a Pontifícia Comissão Bíblica no princípio do século, ou como um prontuário de citações com a finalidade de interpretar e de esgrimir arbitrariamente...
Não se fez um esforço suficiente para a divulgação bíblica.
4. Os textos conciliares destacam a importância
que a Palavra de Deus deve ter na vida eclesial. Ela
deve embeber a teologia, a pregação, a catequese, a homília, a oração comunitária e pessoal... O Concilio
recomenda isto a todos e a cada um dos cristãos de
modo insistente. É um absurdo deixar de lado a Palavra de Deus para colocar nossa atenção em outras revelações ou devoções.
Exame
— Com que freqüência ou assiduidade leio a Palavra de Deus? Quanto tempo faz que não rezo
com ela?
— Quantos de nós temos em casa uma Bíblia, ou
um Novo Testamento?
— Existem pessoas entre nós que ainda pensam
que interessar-se pela Bíblia é algo "protestante"?
— Sustento ainda interpretações bíblicas literaristas, fundamentalistas? Penso nos livros bíblicos
como se fossem crônicas ou reportagens?
— Temos em casa algum estudo ou comentário
sobre a Bíblia?
115
16
— Damos mais valor a devoções ou a supostas revelações particulares do que à revelação?
Conversão
— Participar de alguma atividade de formação
permanente sobre a bíblia.
— Adquirir uma Bíblia ou um Novo Testamento
e algum comentário ou instrumento para seu
estudo, se não os tenho ainda.
— Julgar sobre a possibilidade de alguém, em nossa comunidade cristã, se aproximar mais do
conhecimento da Palavra de Deus.
— Procurar adquirir uma espiritualidade bíblica.
— Procurar ajudar as pessoas que se desviam para revelações particulares.
Preces
— Pelos teólogos, exegetas, para que investiguem
e encontrem.
— Pelos catequistas e diferentes agentes pastorais,
para que ajudem o povo de Deus.
— Por nós mesmos, para que aumentemos o apreço pela Palavra de Deus.
— Por todos os que cursam, em seminários e em
universidades, diferentes estudos bíblicos, para
que sirvam depois com eficácia a comunidade
cristã.
Oração
Deus, nosso Pai: tua Palavra eterna habitou
entre nós, penetrou nossa história, assumiu uma
cultura, expressou-se em fatos concretos... A Palavra se fez carne. Agora toca-nos fazer carne a
Palavra. Ajüda-nos. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
116
A PALAVRA DE DEUS
NOS REVELA NOVAS RIQUEZAS
Textos conciliares
DV 2:
A revelação realiza-se por obras e palavras intrinsecamente ligadas. As obras realizam as
palavras; as palavras explicam seu mistério.
DV 3:
Na própria criação Deus oferece um testemunho perene de si mesmo. Ele se revelou desde
o princípio aos nossos primeiros pais.
DV 6:
Deus é cognoscível pela razão natural a partir
das coisas criadas. A revelação proporciona
um conhecimento absolutamente certo e sem
possibilidade de erro sobre as realidades divinas, que não são em si inacessíveis à razão
humana.
DV 7:
A transmissão foi oral e escrita. A Escritura
anda junto com a Tradição.
DV 8:
A Tradição apostólica "vai crescendo" na igreja com a ajuda do Espírito. Cresce a compreensão das palavras quando os fiéis as meditam
e estudam...
DV 9:
A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus, enquanto escrita por inspiração do Espírito
Santo.
DV 14: Deus se revela na história da salvação.
LG 5:
O Reino brilha diante dos homens na Palavra,
nas obras e na presença de Cristo.
117
AA 6:
A igreja deve manifestar a mensagem de Cristo ao mundo "com obras e palavras".
A Palavra de Deus
— Jo 1,1-18: A Palavra se fez carne. É o Pilho
quem nos deu a conhecer Deus.
— Rm 1,18-20: Na criação Deus oferece um testemunho de si. Porém, os homens oprimem a
verdade com a injustiça.
— Uo 1,1-4: O que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos. E isto vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa.
— Hb 4,12-13: A Palavra de Deus é cortante. Penetra até dividir alma e espírito.
Questões para o diálogo
— Quando pela primeira vez ouvimos falar do
conceito "História da Salvação"? Que entendemos por "História da Salvação"?
— Que implicações acarreta a afirmação de que
Deus se manifesta na história?
— O livro da Bíblia contém toda a mensagem cristã? Para alguém que ignora o cristianismo, bastaria a Bíblia para que conhecesse a fé Cristã?
— Que relação e diferença existem entre o Antigo
e o Novo Testamento?
— Que nos diz o fato de que Deus se manifesta
através dos fatos históricos?
— Que relação existe entre a história real e a História da Salvação?
Reflexão
1. O Vaticano II consagrou a visão do conteúdo
da Bíblia como descrição da História da Salvação. A
Bíblia deixa de ser uma fria coleção de textos ou de
118
afirmações reveladas, e passa a ser a manifestação de
Deus através da História da Salvação. Esta História
começa na própria criação, e ultrapassa os limites do
povo de Israel. A História da Salvação faz-se uma realidade onipresente e oniabrangente. Com isso compreendemos melhor a presença universal de Deus e de sua
misteriosa pedagogia.
2. Fica assim superada a concepção
doutrinária
da revelação (DV 2; LG 5; AA 6). Afirma-se claramente que a revelação divina se realizou (e se realiza) por
meio de obras e de palavras, intimamente ligadas entre
si. Deus intervém na história. A revelação torna-se histórica, mediante fatos históricos. Emerge assim, na
consciência conciliar da igreja, uma imagem de Deus
genuinamente bíblica: Deus sempre maior, Deus que
se revela na história, que caminha diante do povo conduzindo-o à utopia da terra prometida, e que se realiza definitivamente em Jesus, em suas palavras e em
suas obras, como manifestação escatológica da "história de Deus" e da vontade de Deus sobre a história.
3. A Palavra de Deus deixa de ser, assim, um
simples livro, isolado em si mesmo, para ocupar o seu
lugar no contexto da comunidade crente, na tradição
viva do Povo de Deus peregrino. Tradição essa "que
vai crescendo na igreja com a ajuda do Espírito" (DV
8). A Palavra de Deus, assim, nos é manifestada no
Concilio a partir dessa nova perspectiva, "revela-nos
novas riquezas".
Exame
— Temos ainda uma concepção puramente doutrinária da revelação bíblica?
— Sentimo-nos herdeiros e protagonistas da História da Salvação? Vivemos inseridos na História da Salvação, sabendo que ela, justamente
agora, está passando por nossa vida? Que é pa119
ra nós um conceito abstrato? Um conceito distante?
— Valorizamos devidamente em nossa comunidade a Palavra de Deus? Em que gestos concretos
podemos mostrá-lo?
— O que Deus quer que eu leve à História da
Salvação?
Conversão
— Ler, estudar mais a fundo a Bíblia.
— Viver intensamente o agora da História da Salvação.
— Fazer oração com a Palavra de Deus.
17
REDESCOBRIMOS A LITURGIA
Textos conciliares
SC 5:
SC 6:
Preces
— Pelos catequistas e transmissores da fé.
— Pelos teólogos e investigadores da Bíblia.
— Pelos ministros da Palavra, pelos que animam
as celebrações da Palavra.
— Por todos aqueles aos quais não chegou a notícia do Evangelho.
— Por todos os que geram opressão e injustiça,
opondo-se à salvação da história.
SC 7:
SC 8:
SC 9:
SC 10:
SC 12:
Oração
Deus, nosso Pai, que em Jesus te fizeste companheiro nosso na caminhada pela história, nos
revelaste a utopia da história e te fizeste história
da salvação. Faze que também nós nos entreguemos à salvação da história. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
120
Antes de tudo, o Senhor realizou a obra da
salvação pelo mistério pascal.
Cristo enviou seus apóstolos também para realizar a salvação, a qual eles proclamavam mediante o sacrifício e os sacramentos.
Cristo sempre está presente em sua igreja,
especialmente na ação litúrgica.
Na liturgia terrena pregustamos a liturgia celestial e dela participamos.
A liturgia não esgota toda a atividade da igreja. . .
A liturgia, por sua vez, é o ponto de partida
e a meta da atividade da igreja.
Por sua própria natureza, a liturgia ultrapassa
os exercícios de piedade.
A Palavra de Deus
— Mt 18,18-20: Ali estarei no meio de vós.
— Rm 12,1-2: Oferecei a vossa própria existência
como culto vivo.
— ICor 15,28: Até que Cristo seja tudo em todas
as coisas.
— Mt 9,11-13: Quero misericórdia e não sacrifícios.
— Is 58,6-8: O jejum que me agrada.
121
— Am 5,21-24: Detesto as vossas festas.
— ICor 11,17-34: Isto já não é a ceia do Senhor.
— Mt 18,20: Ali estou no meio deles.
Questões para o diálogo
— Recompor juntos a imagem da liturgia antes
do Vaticano II (relatar as próprias lembranças
ou aquilo que cada um ouviu dizer: língua utilizada, tipo das homilias, ritos e gestos concretos já inexistentes hoje, lugar do culto na vida
cristã em geral, os sacramentos. . . ) .
— Quais as mudanças mais fundamentais que houve? Avaliá-las.
— Fala-se às vezes negativamente de "sacramentalização". Que significa? Por que se critica?
Que atitudes concretas são ainda meramente
sacramentalistas? Qual a atitude que seria correta hoje? Que mudanças implicaria?
— Que significa o fato de a liturgia ser o cume e
a fonte da vida cristã? O que isso não significa?
— Que "práticas piedosas" de cunho pós-conciliar
conhecemos? (Enumerá-las em conjunto.) São
muitas ou poucas? Por quê?
Reflexão
1. Basta um pouco de memória histórica para
lembrar que a liturgia foi uma das mais apelativas e
visíveis reformas conciliares. Para aprofundar e consolidar a mudança, é útil recordar a imagem pré-conciliar da liturgia. Uma liturgia em latim. Um missal romano que perdurou por quase quatro séculos de vigência sem mudança nem alteração alguma. Uma piedade
cristã convertida em um conjunto desordenado de práticas devocionais sem conexão nem hierarquia. Um
cristianismo fundamentalmente pietista e cultuai. O
predomínio da religiosidade popular e do devocional
sobre o sacramentai litúrgico.
122
2. O Vaticano II recoloca a liturgia no seu devido lugar (SC 10). Coloca-a, "por sua própria natureza,
muito acima dos piedosos exercícios" (SC 12). A liturgia é a atualização da salvação que Cristo realizou especialmente pelo mistério pascal (SC 5), o hoje da história da salvação, cujo prosseguimento encomendou
aos discípulos (SC 6). Cristo está presente em sua igreja especialmente na ação liturgica (SC 7), mediante a
qual participamos da liturgia celestial (LG 50).
3. A constituição sobre a liturgia foi a primeira
a ser discutida, elaborada e aprovada pelo Concilio.
Ao contrário dos últimos documentos, ela reflete menos a evolução do pensamento teológico. Sua leitura
deve ser completada com os outros documentos conciliares. Apesar disso, o documento sobre a liturgia deixa claro a superação de toda a redução da vida eclesial
ao culto. A liturgia não é a única atividade da igreja
(SC 9). Antes, é o ponto de partida e, por sua vez, a
meta (SC 10) na qual se recolhe o que deve ser feito
e a missão da igreja: anunciar e construir o Reino de
Deus (LG 5). A igreja deve centrar-se em sua missão,
em torno e a serviço do Reino de Deus. Faltando isto,
a liturgia giraria no vazio. O tema das exigências proféticas de justiça e de amor perante o culto é um tema
iminentemente bíblico, mas que o Concilio não tematizou, embora o tenha feito, e de uma maneira muito
intensa, a espiritualidade pós-conciliar.
Exame
— Nossas celebrações litúrgicas são verdadeiras
"celebrações"?
— A igreja de hoje é "sacramentalista"? Em que
sentido? E nossa comunidade cristã?
— Criamos ao nosso redor e dentro de nós mesmos as condições de justiça e de amor suficientes para celebrar devidamente a liturgia? Como solucionar esse problema?
123
— Somos cristãos que reduzem seu cristianismo
ao culto, à liturgia, ou às práticas de religiosidade?
— Damos oportunidades em nossa comunidade
cristã para a formação litúrgica? Temos uma
imagem e um apreço verdadeiramente conciliar da liturgia?
Oração
Deus, nosso Pai, que em Jesus nos prometeste
a tua presença lá onde dois ou três nos reunimos
em seu nome. Faze que experimentemos sempre
tua presença salvadora tanto na comunidade orante como na liturgia viva de nosso trabalho diário.
Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Conversão
— Fazer uma reflexão comunitária sobre o lugar
que damos à liturgia em nossa vida e em nossa comunidade.
— Examinar o equilíbrio entre oração litúrgica ou
comunitária e oração pessoal em nossa própria
vida.
— Superar o cultualismo ou pietismo; unir liturgia e vida.
— Estudar alguma oportunidade de formação litúrgica em nossa comunidade cristã.
Preces
— Por todos aqueles que presidem a liturgia nas
comunidades.
— Pelos animadores leigos da liturgia, pelos ministros da Palavra.
— Para que a igreja supere toda visão e prática
meramente cultualista.
— Pelas comunidades que utilizam inconscientemente a liturgia e o pietismo para ocultar as
injustiças e as divisões.
— Pelos responsáveis da reforma litúrgica na igreja, para que tornem concretas todas as suas
virtualidades.
— Pelos seminaristas, para que se formem autenticamente e tenham sensibilidade para as necessidades do povo cristão.
124
125
18
SC 38:
NOVAS ATITUDES
DIANTE DA LITURGIA
SC 40:
Serão admitidas variações e adaptações legítimas de acordo com os diversos grupos, regiões, povos, especialmente nas missões.
Em certos lugares e circunstâncias urge uma
adaptação mais profunda da liturgia.
A Palavra de Deus
Textos conciliares
SC 14:
A igreja deseja ardentemente que todos os
fiéis sejam levados àquela plena, cônscia e
ativa participação das celebrações litúrgicas,
que a própria natureza da liturgia exige e à
qual, por força do batismo, o povo cristão tem
direito e obrigação. Os pastores devem aspirar
a essa participação ativa e plena de todo o povo por meio de toda atuação pastoral.
SC 19:
Fomentar a educação litúrgica e a participação
ativa dos fiéis.
SC 21: O objetivo da reforma é fazer com que os textos e os ritos expressem com maior clareza
o que eles significam e o povo cristão possa
compreendê-los com facilidade e participar
das celebrações plena, ativa e comunitariamente.
SC 27:
Deve-se preferir sempre a celebração comunitária à individual ou semiprivada.
SC 37:
A igreja não pretende impor uma rígida uniformidade às coisas que não afetem a fé ou o
bem de toda a comunidade, nem sequer à liturgia. Antes, ela respeita e promove o gênio
e as qualidades peculiares das diferentes raças
e povos...
126
— lPd 2,4-10: Vós sois um povo de reis, um povo
sacerdotal.
— Jo 4,21-24: Os verdadeiros adoradores, em espírito e em verdade.
— ICor 14,1-25: Que seja para a edificação da assembléia.
— ICor 14,26-33: Participação na liturgia comunitária.
— Hb 9,11-14: O sacerdócio de Cristo.
— Mt 5,23-24: Deixa a tua oferenda e vai te reconciliar primeiro.
Questões para o diálogo
— Em muitos lugares, celebra-se a liturgia em língua vernácula e com livros novos, mas com "espírito pré-conciliar". Em que podemos distinguir o espírito pré-conciliar do novo espírito
conciliar?
— Quantas pessoas, a fim de nos frear em iniciativas de participação e de criatividade litúrgica, citam o Concilio? Quantas pessoas, ao contrário, animam-nos e nos dão forças para nos
manter firmes, citando o Concilio?
— O povo cristão está cônscio de que a "participação ativa e plena" é "um direito e um dever
que lhe assiste enquanto batizado"? Tem-se pregado isto de modo suficiente e claro?
— No início do século houve um célebre confronto entre Roma e os missionários que trabalha127
vam na China. Roma negava-lhes as petições
feitas para não celebrar em latim, com ritos,
ornamentos e gestos latinos. Como julgar hoje
o caso a partir do espírito do Vaticano II? Podemos aplicá-lo à atualidade?
Reflexão
1. O Vaticano II ressaltou certas atitudes novas
a ser observadas na liturgia. Entre elas, talvez a mais
importante é o fato de a participação ativa e plena não
somente ser uma obrigação, mas um direito que assiste a todo cristão em virtude de seu batismo. Quando
se trata de direitos fundamentais, tem-se a obrigação
de exercê-los e de exigi-los ÍPace in terris 44). Para
a grande maioria do povo cristão a novidade litúrgica
conciliar reduziu-se à língua vernácula. Além do mais,
continua "assistindo" à liturgia com uma atitude de passividade. Não se dá oportunidade à participação real.
Os próprios sacerdotes e animadores do culto sentem,
em grande parte, as suas capacidades de criatividade
bloqueadas. Os escalões responsáveis pela reforma litúrgica freqüentemente concentram a sua preocupação
— com uma exagerada desproporção — nas possíveis
falhas, esporádicas, devidas a iniciativas inadequadas
de participação e criatividade. Estão muito mais preocupados com isso do que com a imensa quantidade de
celebrações perfeitamente rituais, mas sem vida, anódinas, totalmente insignificantes para o povo cristão.
Existe aqui um imenso campo para o exame de nossa
renovação litúrgica conciliar.
2. Nesse mesmo sentido é preciso recordar que
o Vaticano II fala que a reforma e a renovação litúrgicas apontam para o objetivo de conseguir uma maior
clareza e expressividade dos gestos litúrgicos. E afirma
que essa preocupação deve estar presente em toda atividade pastoral dos animadores do povo cristão. Trata-se de uma atitude esquecida e às vezes bloqueada pelo
128
ritualismo. Entretanto, é também um direito do povo
cristão.
3. Uma terceira atitude nova e capital é a preferência pelas celebrações comunitárias (SC 27). Refere-se a uma atitude que no pós-concílio jamais chegou a
ser sinceramente aceita pelos movimentos e grupos de
marcada inspiração individualista e espiritualista, e que
agora, nos últimos anos, está sendo de novo combatida.
Conservar esse sentido e preferência comunitária é uma
forma não somente de obediência ao espírito conciliar,
mas de obediência ao sentido comum e à natureza mesma da igreja e de sua liturgia.
4. O Concilio pede também uma atenção especial
para com a formação litúrgica do povo cristão. Visto
que a reforma litúrgica foi tão cerceada nos vários aspectos aludidos, já não se costuma ver a necessidade
de tal educação e formação litúrgica. Todavia, no fundo continua sendo tão necessária como necessário é
levar à concretização o espírito conciliar da reforma
litúrgica.
Exame
— Nossa comunidade cristã cuida da liturgia? É
suficientemente clara, expressiva, significativa,
participativa, viva?
— Somos criativos? Recorremos, sempre, tempestiva e intempestivamente, à missa sem saber
encontrar outras celebrações mais adequadas
a outros momentos?
— Damos preferência às celebrações individuais
ou semiprivadas? Deixamo-nos levar pelas pressões de certos grupos contra o espírito conciliar?
— Estamos cônscios do direito e do dever que temos a respeito de uma participação plena e
ativa? Exigimos alguma vez algo nesse sentido?
129
Deixamos de fazê-lo por confundi-lo com a agressividade ou com o conflito?
— Pelo contrário, deixamos o sacerdote sozinho
na hora de preparar a liturgia, embora ele ofereça espaço para a participação?
— Que falta ainda em nossa comunidade cristã
para levar adiante o espírito da reforma litúrgica do Vaticano II?
Conversão
— Sermos criativos na liturgia.
— Participação de mais leigos em sua preparação
e celebração. Criar uma equipe de liturgia na
comunidade cristã, se isso for necessário.
— Encontrar e criar celebrações distintas das pré-estabeleeidas para momentos especiais que as
requeiram.
— Sermos sensíveis ao pecado de uma liturgia perfeitamente ritualista e desprovida de vida e de
significação para o homem de hoje.
— Cuidar e escolher celebrações especialmente
pensadas para crianças e jovens.
— Preferir sempre as celebrações comunitárias às
individuais ou semiprivadas.
— Para que o povo cristão cresça em participação
na liturgia, especialmente a participação dos
leigos e da mulher.
— Pelos que continuam aferrados a uma piedade
individual e espiritualista.
Oração
Deus, nosso Pai, que em Jesus fez conosco uma
nova aliança, por meio da qual nos levaste além
dos antigos sacrifícios rituais e da mediação dos
lugares sagrados. Nós te pedimos: faça de nós uma
comunidade de verdadeiros adoradores que te adorem em espírito e em verdade. Por nosso Senhor
Jesus Cristo.
Preces
— Pelos que exercem os ministérios litúrgicos nas
comunidades.
— Especialmente pelos ministros leigos, ministros
da Palavra...
— Por muitos que ainda vão à missa aos domingos "para não cometer um pecado mortal".
— Para que a liturgia se inculture realmente nos
grupos humanos, no Terceiro Mundo e no Primeiro Mundo.
130
131
19
TODA A IGREJA
DEVE SER MISSIONÁRIA
AG 37-41:
As comunidades cristãs não se renovarão
verdadeiramente se não tiverem pelos que
estão afastados uma preocupação semelhante àquela que têm por seus próprios membros. Deveres semelhantes de cooperação
dizem respeito a todos os estamentos e
membros do Povo de Deus.
A Palavra de Deus
Textos conciliares
AG 2:
A igreja peregrina é, por sua natureza, missionária.
AG 2-5:
Exposição da teologia da atividade missionária. A igreja se origina da missão do Filho e da missão do Espírito, de acordo com
o desígnio de Deus Pai.
AG 6:
A missão da igreja é uma só e a mesma em
toda parte e em qualquer situação. Varia
de acordo com as circunstâncias, que dependem algumas vezes da igreja e outras
vezes dos povos a que se destina. No cumprimento da missão da igreja existem momentos de início, de crescimento e de progresso, de insuficiência ou de estancamento, como de bloqueio e recuo também. Por
isso, embora a atividade missionária seja
distinta da atividade pastoral ordinária e
distinta do ecumenismo, pode se dar em
uma multidão de situações, inclusive em
situações de velha cristandade.
AG 36:
Todos os fiéis têm o dever de cooperar com
a atividade missionária. A primeira e principal forma de colaborar deve ser a de viver com profundidade de acordo com o
Evangelho.
— Mt 28,16-20: Ide pelo mundo e fazei discípulos.
— Mc 16,14-18: Ide pelo mundo pregando a Boa
Notícia.
— Lc 4,16-20: Jesus, o primeiro evangelizador.
— ICor 9,16-18: Ai de mim se não evangelizar.
— lTm 2,4-7: Deus deseja que todos os homens
se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade.
— Rm 10,14-17: E como haverão de crer se não
ouviram?
Questões para o diálogo
— Refletir de modo descritivo, recordando juntos
a imagem que recebemos do que eram as clássicas "missões de infiéis".
— Que seriam hoje "as missões"? Corresponde à
mente conciliar a idéia de missões somente como as "de infiéis"?
— "O Senhor nos enviou para sermos pescadores
de homens, mas preferimos nos converter em
proprietários de aquários." Comentar esta frase de Fulton Sheen.
— "Brasil, país de missão." Que nos sugere esta
frase?
— Que situações de nosso país, de nossa igreja local ou do ambiente em que se move minha co133
munidade estão em situação de necessidade missionária?
— A missão clássica: fazer uma análise e tirar lições. Por exemplo, no caso da missão no descobrimento da América.
— Qual seria o fundamento da missão para com
os não-cristãos? E como se deveria concretizar
tal missão?
— Pode haver hoje preocupação missionária sem
relação com a solidariedade internacional, com
a problemática do Terceiro Mundo, com a conscientização?
Reflexão
1. O Decreto sobre a atividade missionária da
igreja é um dos últimos elaborados pelo Concilio. Reflete em síntese a cota mais alta da teologia conciliar.
O posicionamento que se faz da teologia da missão excede uma perspectiva estritamente missionológica para
se converter em teologia fundamental da missão da igreja e da evangelização. A perspectiva é profundamente
trinitária e claramente dinâmica, em chave de História
da Salvação. Sem dúvida, deve ser apresentada mais
abundantemente à comunidade cristã.
2. Do conjunto do Decreto brota uma série de
atitudes que significam uma profunda renovação do espirito missionário. Dentro do próprio espírito da Declaração sobre a liberdade religiosa ficam desqualificadas
toda atitude compulsória na missão, toda imposição
ou utilização do poder político ou das vantagens materiais para facilitar a aceitação da fé cristã. Adota-se
uma postura clara de assumir as diversas culturas, de
valorização positiva do patrimônio cultural de cada
povo, de encarnação e inculturação da igreja em cada
povo, e colaboração na construção da sociedade civil
dos mesmos. Uma atitude de diálogo e de pobreza configura definitivamente o espírito novo da missão.
134
3. Esse espírito novo da missão transcende "as
missões", porque a missão é colocada num plano mais
profundo e amplo, como missão da igreja. Das missões
passamos à missão. Por sua própria natureza, toda igreja é missionária (não simplesmente "missional"), embora se continue falando das missões como situações
"ordinariamente em uns territórios assinalados pela
Santa Sé" (AG 6), declara-se que a missão é uma só
e a mesma em todo lugar e situação (ib.), e que pode
realizar-se em países de velha tradição cristã que "requeiram de novo sua ação missionária". Com isso, a
missão, tradicionalmente situada na periferia da igreja,
é recuperada e transferida para o centro mesmo da
igreja. Também os grupos humanos descristianizados
são missão. Há frentes missionárias, a partir dessa nova perspectiva, aqui e ali e em toda parte da igreja.
4. O dever da cooperação missionária diz respeito
a todo o povo, Povo de Deus, a começar pelos bispos e
passando pelas comunidades cristãs. Assinala o Concilio que a renovação global das comunidades vincula-se
a sua renovação missionária. E deve ser sublinhado:
a primeira obrigação missionária não é relacionar-se
com as missões, mas viver profundamente a vida cristã (AG 36).
Exame
— Como classificaríamos a pastoral que nossa
igreja local realiza: de cristandade, de sacramentalização, de manutenção, progressista, missionária?
— E a minha comunidade cristã concreta? E eu,
pessoalmente?
— Nosso cristianismo é missionário ou de vanguarda? Em quê?
— Que pessoas ou grupos humanos afastados da
fé cristã vivem perto de nós, em nosso próprio
âmbito?
135
— Embora a igreja seja por natureza missionária,
nós o somos?
— Em nossa preocupação missional, levamos em
conta o fato de que o testemunho cristão diante dos povos não-cristãos também passa pelo
testemunho de solidariedade internacional, de
cooperação de cada um para com a justiça internacional . . . ou não ultrapassamos os posicionamentos clássicos, românticos, paternalistas ou assistencialistas?
Conversão
— Planejar uma revitalização global da atividade
evangelizadora em nossa comunidade. Chamar
a atenção dos responsáveis, dos animadores, do
"conselho pastoral" para isso.
— Fazer um sério esforço comunitário para que
a comunidade cristã passe a ser verdadeiramente missionária e evangelizadora, preocupada pelos mais afastados.
— Viver em sintonia com as igrejas jovens. Cooperar com elas generosa e eficazmente.
—-. Abandonar a imagem obsoleta e romântica das
"missões de infiéis". Não dar apoio a iniciativas que caminham numa linha pré-conciliar.
— Pelas igrejas e comunidades voltadas narcisisticamente para si mesmas.
— Para que todos sejamos missionários.
— Por nossa solidariedade internacional também
com países não-cristãos.
Oração
Deus, nosso Pai: em Jesus nos mostraste o
primeiro evangelizador, anunciador e construtor
do Reino. Faze de nós apaixonados seguidores seus,
para que, a partir da comunidade, anunciemos
a Boa Notícia e construamos o Reino sem limitação de fronteiras. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pelas "regiões missionárias" que existem em
nossa própria igreja local.
— Pelos missionários que trabalham em países
distantes.
— Para que haja também participação leiga nas
missões, para que surjam muitas vocações de
missionários leigos.
— Para que as igrejas cresçam e se implantem com
autonomia e alcancem o quanto antes sua emancipação e independência.
136
137
20
A LIBERDADE, EXIGÊNCIA
DA DIGNIDADE HUMANA
Textos conciliares
DH 1,1.°:
DH
DH
DH
DH
O homem de hoje tem consciência cada vez
maior da dignidade da pessoa e da exigência de uma liberdade responsável.
1,3.°:
A verdade não se impõe senão por força
da própria verdade, ao mesmo tempo forte
e suave.
2:
O direito à liberdade religiosa fundamenta-se na dignidade da pessoa humana.
9:
Tudo o que este Concilio declara sobre a
liberdade religiosa fundamenta-se na dignidade da pessoa.
11,1.°: Deus respeita a dignidade da pessoa humana, que deve reger-se pela própria determinação e gozar de liberdade.
A Palavra de Deus
— Gn 1,26-31: Deus nos criou segundo sua imagem e semelhança.
— Jo 8,31-36: A verdade vos libertará. O Filho vos
dará a liberdade.
— Rm 8,18-23: Clamor universal, cósmico e histórico pela liberdade gloriosa dos filhos de
Deus.
138
Questões para o diálogo
— Como justificar e temetizar de maneira diferente a afirmação conciliar de que a liberdade
religiosa se fundamenta na dignidade humana?
Isso vale também para as demais liberdades
humanas?
— Quando e como o homem tomou consciência
de que a liberdade é uma exigência de sua dignidade? Assinalar os momentos históricos importantes.
— Como vemos o passado histórico da igreja a
respeito da liberdade? Que fatos históricos despertaram a igreja para uma maior valorização
da liberdade humana? Como explicar o medo
eclesiástico à liberdade?
— Pistas que se descobrem no Evangelho sobre
Jesus como homem livre.
Reflexão
1. A liberdade é um distintivo da pessoa humana,
situando-a acima de todas as realidades cósmicas. É o
emblema de seu caráter espiritual e de sua dignidade
suprema. A liberdade é um dos dons humanos supremos. A liberdade religiosa não é senão um aspecto concreto.
2. Nós, crentes, podemos valorizá-la também como uma participação de Deus, que nos criou a sua imagem e semelhança. E podemos nos apoiar em nossa
tradição e revelação para valorizá-la devidamente. A
prática concreta de Jesus, livre e libertador, é, para o
cristão, norma definitiva e indiscutível.
3. A liberdade real é uma ausência na história. A
história é uma história de libertações parciais, uma
longa caminhada para a conquista da liberdade. Nessa
longa caminhada histórica ninguém deve olvidar a par139
ticipação dos grupos humanos de qualquer credo e condição, especialmente os anônimos lutadores que deram
a vida em defesa da liberdade da dignidade humana. A
consciência atual que a humanidade tem da dignidade
da liberdade é fruto dessa luta histórica.
4. Embora, em certas etapas históricas, os cristãos tenham se comportado de maneira contrária ao
Evangelho da liberdade (DH 12), o Espírito deseja converter a igreja a uma verdadeira valorização profunda
da liberdade do homem. Depois do Vaticano II, já não
resta dúvida alguma. "Deus respeita a dignidade da
pessoa humana, que deve ser livre" (DH 11). O tema
é muito mais profundo e amplo que a estrita liberdade
religiosa.
5. Finalmente, os cristãos devemos valorizar a
liberdade do homem sem necessidade de recorrer a citações magisteriais, teológicas ou bíblicas: a liberdade
tem valor por si mesma, valor evidente, indiscutível,
cuja exigência se nos impõe. Somente então a verdade
nos terá feito livres.
Exame
— Depois do Vaticano II, já é possível distinguir
a igreja, como amante da liberdade, partidária
insubornável da mesma?
— Testemunhamos com suficiente clareza que não
é cristã a nostalgia que algumas pessoas têm
de tempos passados sem liberdade?
— Nós, cristãos, ainda temos medo das "liberdades modernas" (pluralismo religioso e político,
liberdades públicas, democracia, não confessionalidade...)?
— Ainda temos de justificar com numerosas citações ou com longas dissertações teológicas o
dever que temos como cristãos de lutar por
todas as liberdades do homem?
140
— Damos suficiente valor a todos os que, fora
da história da igreja, lutaram e morreram pela
liberdade?
— Olvidamos com demasiada facilidade os dados
históricos da oposição da igreja à liberdade?
— Valorizo a liberdade em minha vida de cada
dia: família, grupo, vizinhança, educação dos
filhos?
Conversão
— Não me sentir verdadeiramente livre enquanto
houver homens e povos oprimidos, sem liberdade.
— Analisar comunitariamente nossas deficiências
no apreço e valorização da liberdade.
— Sempre nos definirmos, indiscutivelmente, a
favor da liberdade do homem.
— Decidir comunitariamente por ações de solidariedade internacional a favor dos povos que lutam por sua liberdade.
— Pronunciar-se radicalmente contra a tortura e
contra qualquer menosprezo dos direitos humanos.
Preces
—
—
—
—
Pelos homens e povos privados da liberdade.
Pelos cristãos antidemocratas.
Pelos que fazem mau uso da liberdade'.
Pelas minorias étnicas, culturais, religiosas ou
políticas oprimidas.
— Para que façamos nossa a valorização que o
Concilio faz da liberdade.
141
Oração
Deus, nosso Pai, nós te damos graças porque
criaste o homem a tua imagem e semelhança; porque lhe deste participação de teu Espírito, que é
fonte de liberdade; porque respeitas a dignidade
do homem e desejas que ele seja livre. Nós te pedimos nos concedas te imitar nesse amor apaixonado pela liberdade, que vem de ti e nos conduz a
ti. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
21
A LIBERDADE RELIGIOSA,
DIREITO E DEVER
DA SOCIEDADE
Textos conciliares
DH 2:
Ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, nem se impeça de agir de
acordo com ela, em particular e em público,
só ou associado a outrem. Esse direito da
pessoa humana à liberdade religiosa na organização jurídica da sociedade deve ser de
tal forma reconhecido que chegue a converter-se em direito civil.
DH 3,3.°:
Não se pode forçar nem impedir o homem
de agir contra sua consciência. A prática da
religião, por sua própria índole, consiste em
primeiro lugar em atos voluntários e livres.
Ao negar ao homem a livre prática da religião, sempre que esteja a salvo a justa ordem pública, faz-se injúria à pessoa humana
e a Deus.
DH 6,4.°:
O poder civil deve procurar evitar que se
lese a igualdade jurídica por motivos religiosos, aberta ou ocultamente, nem haja discriminação entre os cidadãos.
DH 7,3.°:
Na sociedade deve-se observar a regra da
completa liberdade, segundo a qual deve-se
reconhecer ao homem o máximo de liberda143
de, e não se deve restringir senão quando
se fizer necessário e na medida em que o
for.
A Palavra de Deus
— Lc 9,49-50: A ninguém impeçais; quem não está
contra nós, está a nosso favor.
— Mt 13,24-30: O trigo e o joio.
— Mc 2,23-28: O homem não foi feito para a lei,
mas a lei para o homem.
Questões para o diálogo
— Que bases tem a mensagem cristã para defender a liberdade religiosa?
— Que exemplos concretos podemos tirar da prática de Jesus?
— Tem direitos a "consciência errônea"? Que pensar da opinião dos que afirmam que Deus somente deseja a liberdade da religião verdadeira?
— Que pensar da perseguição religiosa que ocorre
em sociedades que proclamam oficialmente a
liberdade religiosa e os direitos humanos? Citar exemplos concretos. Analisá-los.
— Uma vez que existe liberdade religiosa habitual,
é melhor que existam certos elementos que "favoreçam" a prática religiosa (costumes sociais,
folclore, apoio social, uma pastoral que ofereça facilidades.. . ) , ou isto é pior?
Reflexão
1. É um absurdo tentar arrancar violentamente
de uma pessoa uma declaração de amor ou de amizade sob pressão ou ameaças, porque o amor e a amizade ou são livres e espontâneos, ou não são. Assim ocor144
re no aspecto religioso, que é uma vivência humana do
amor e de amizade. O religioso, por sua própria natureza, ou é livre ou não o é (DH 3). Se não se tem isso
de modo claro, não se tem claro também o que seja o
religioso.
2. Apesar disso, desde os tempos antigos, as religiões históricas viveram unidas ao poder político. Este
era justificado e legitimado por aquelas, e as religiões,
por sua vez, gozavam dos privilégios do poder. Por
isso, a vinculação com o poder sempre foi uma tentação para a religião. E quando a religião é entronizada
oficialmente pelo poder político como religião pública,
todo dissidente religioso (por praticar uma outra religião, por não praticar a religião ou por ser simplesmente ateu) converte-se, para a sociedade, em inimigo
político. Em tais situações torna-se impossível a liberdade religiosa, e torna-se também impossível a verdadeira religião: livre, espontânea, gratuita.
3. A liberdade religiosa foi fruto e descoberta da
Idade Moderna. Jesus não viveu em tempos de liberdade religiosa, mas em tempos de uma religião política.
Ele foi executado, conjuntamente, pelo poder político
e pelo poder religioso, como subversivo e blasfemo. Ele
fez a sua oferta em liberdade e respeitou tão profundamente a liberdade dos homens que preferiu deixar-se
matar. Jamais deu margem a que o poder político fosse
instrumentalizado "em nome de Deus", a fim de impor
algo a alguém. Por isso, sempre será um mistério como
seus seguidores, os cristãos, passaram com o edito de
Milão (313) e de Teodósio (380) de perseguidos a perseguidores, de uma religião clandestina e perseguida
a uma religião oficial e perseguidora. Podemos compreender, mas jamais justificar nossa história religiosa de
inquisição e intolerância.
4. O Vaticano II reconciliou-nos com as "liberdades modernas" (nascidas fora da igreja) e com nossas
verdadeiras origens: as práticas de Jesus, supremamen145
te livre e libertador. É um dom do Espírito à sua igreja, mas é, ao mesmo tempo, uma conversão, um imperativo e uma tareía a cumprir.
Exame
— Aceitamos plenamente, sem reservas, o princípio de liberdade religiosa? Aceitamo-lo na prática?
— Existe verdadeira liberdade religiosa em nossa
sociedade? Existe ainda discriminações, manifestas ou ocultas, em nossa sociedade por motivos religiosos?
— Alimentamos em nosso íntimo preconceitos ou
antipatias para com outras vivências religiosas
(outras confissões cristãs, judaísmo, islamismo,
religiões orientais. . .) ?
— Temos em nossa comunidade cristã local contatos com outros grupos religiosos, ou os ignoramos?
— Que gestos ou sintomas existem em nossa vida
que denunciam dentro de nós um inquisidor
ou um intolerante?
— Defendemos a liberdade religiosa, mesmo que
o seja para outros?
— Ainda existem pessoas entre nós que desejam
a volta de uma igreja de cristandade?
— Temos medo de que a sociedade se torne plenamente livre, competindo em nível de igualdade de circunstâncias e sem privilégios com as
demais ideologias e propostas religiosas? Preferimos os guetos?
Conversão
— Não condescender com qualquer gesto de privilégio do poder para com uma confissão religiosa, seja qual for.
146
— Realizar algum gesto de aproximação das comunidades religiosas não-católicas que estão
mais perto de nós.
— Fazer nossa proposta religiosa a partir da pura
gratuidade evangélica: não querer atrair ninguém mediante o privilégio, o prestígio ou qualquer outra vantagem não-religiosa.
— Aceitar corajosamente a humildade correspondente a uma igreja em estado de missão no
meio de uma sociedade pluralista.
— Jamais trair a liberdade religiosa da sociedade
para adquirir vantagens para a instituição eclesiástica.
— Aceitar também a liberdade religiosa e o pluralismo no âmbito da própria família, dos filhos,
das amizades.
Preces
— Para que todos juntos façamos a sociedade cada dia mais adulta e livre.
— Por todos os que hoje, no mundo, sofrem discriminação religiosa.
— Pelos educadores, para que eduquem para a
liberdade.
— Para que as igrejas (cristãs ou não) renunciem
a qualquer privilégio que lhes venha do poder
político, em favor da liberdade religiosa.
— Para que a igreja anuncie corajosamente o
Evangelho a partir da debilidade e sem privilégios.
— Por todos os que estão arriscando suas vidas
em nome da fé.
— Pelos povos oprimidos, sem liberdade.
— Para que cessem os que de um lado ou de outro querem impor suas idéias religiosas com
violência.
147
Oração
Deus, nosso Pai: em Jesus nos deste o protótipo do homem verdadeiramente livre. Nele nos
ensinaste que respeitas tanto a liberdade do homem que preferiste deixar morrer teu próprio Filho para não impor tua vontade. Concede-nos consigamos ser homens novos, livres e libertadores,
como ele. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
UMA IGREJA
EM ESPIRITO DE LIBERDADE
Textos conciliares
DH 3,3.°:
O homem percebe e reconhece a vontade de
Deus por meio de sua consciência, a qual
ele tem obrigação de seguir fielmente em
toda sua atividade para chegar até Deus.
A religião, por sua própria natureza, consiste era atos voluntários e livres.
DH 4,4.°:
Na difusão da religião deve-se evitar tudo
aquilo que possa significar coação ou persuasão desonesta, especialmente com os necessitados. Agir assim deve ser tido como
abuso do direito próprio e lesão do direito
alheio (cf. AG 13,2.°).
DH 7,3.°: Que seja observada a regra da liberdade integral, ou seja, deve-se reconhecer o máximo
de liberdade que só deve ser restringida
quando e na medida em que for necessário.
DH 8,2.°: O Concilio exorta a todos, especialmente aos
educadores, a que se esmerem em formar
homens amantes da liberdade, que julguem
as coisas com critério próprio à luz da verdade.
DH 9:
Essa doutrina da liberdade tem suas raízes
na revelação divina, e por isso mesmo deve
ser mais escrupulosamente observada pelos
cristãos.
148
149
DH 10:
O ato de fé é voluntário por sua própria natureza. Está, conseqüentemente, em total
acordo com a índole da fé a exclusão de
qualquer gênero de coação por parte dos
homens em matéria de religião.
DH 11:
Deus respeita a dignidade da pessoa humana, que deve reger-se por sua própria determinação e gozar de liberdade. Isto se faz
patente especialmente em Jesus. . ., nos apóstolos .. .
DH 12:
Na vida do Povo de Deus ocorreu às vezes
um comportamento não condizente com o
espírito evangélico, quando não contrário a
ele (em matéria de liberdade religiosa).
GS 43:
Os cristãos podem ter discordâncias nas tarefas seculares. Não se deve esperar sempre
de seus pastores soluções concretas. Que
ninguém reivindique de modo exclusivo a
autoridade da igreja. Antes, procurem se esclarecer mutuamente mediante um diálogo
sincero e caridoso.
GS 92:
É preciso promover dentro da igreja a estima mútua, o respeito, a concórdia, o reconhecimento das legítimas diversidades, o diálogo entre todos. Que haja unidade naquilo
que for necessário, liberdade naquilo que
for duvidoso, e caridade em tudo.
LG 13:
No Povo de Deus existem "diferenças legítimas" e "divergências que servem à unidade".
A Palavra de Deus
— Gl 5,1: Para que sejamos livres, Cristo nos libertou.
— Rm 8,15-17: Não recebestes um Espírito que os
torna escravos, mas filhos.
150
— Lc 13,31-32: Jesus, livre diante das autoridades
políticas.
— Mt 23: Jesus, livre para denunciar.
— 2Cor 3,17: Onde estiver o Espírito do Senhor,
ali está a liberdade.
— At 15,1-35: Concilio de Jerusalém. Liberdade de
expressão na igreja.
Questões para o diálogo
— Tudo o que dissemos sobre a liberdade em geral e a liberdade religiosa em particular tem
aplicação também dentro da igreja? Existem
matizes ou diferenças entre um campo e outro?
— Que opiniões religiosas ou teológicas podem estar contra a existência, de fato, de um âmbito
de liberdade?
— Comentar a opinião teológica que afirma ser
a igreja "a consciência crítica da liberdade libertadora".
— Que falha na compreensão vulgar do magistério eclesiástico o leva a ser percebido como
inimigo da liberdade no seio da igreja?
Reflexão
1. Um sutil sofisma jamais declarado explicitamente levou-nos à seguinte suposição: tudo o que afirmamos sobre a liberdade em geral e sobre a liberdade
religiosa em particular é válido para a sociedade civil,
mas não para a igreja. Isto porque esta seria uma sociedade completamente diferente no gênero à qual não
se poderiam aplicar tais liberdades. Ficariam assim
descartadas na igreja liberdades tão fundamentais como a liberdade de pensamento, de expressão, de manifestação, de associação. .. Bastaria sacudir a rotina a
que nos acostumamos e adotar uma postura prontamente crítica a fim de descobrir entre nós muitas tra151
dições e práticas que vão contra a liberdade e os direitos humanos em geral.
2. É preciso resgatar toda a poderosa força de
argumentação do Concilio para denunciar essa interpretação dualista da aplicação dos princípios da liberdade à igreja e à sociedade civil. Tudo o que dissemos
da liberdade e dos direitos humanos no âmbito social
vale, com mais razão ainda, para a igreja. A igreja deveria, pois, converter-se para a sociedade em modelo
do que pode ser uma convivência em liberdade e respeito (porque a caridade "outra coisa" não é senão
"isso e muito mais").
3. Ainda estamos por desenvolver de maneira plena no meio de nós algumas das riquezas próprias de
uma sociedade com vida e em movimento (mesmo que
tenhamos, por outro lado, como igreja, outras riquezas
absolutamente próprias e características). Falta-nos,
por exemplo, desenvolver (e previamente aceitar) a
existência de uma opinião pública na igreja, tal e como
há tempos sugeriu Pio XII. Não nos parece ter chegado já a uma liberdade de pensamento e de investigação
(teológica) ampla, nem a uma regulamentação adequada e digna dos direitos que assistem aos possíveis processados pela autoridade eclesiástica (casos H. Küng,
L. Boff). Nem tampouco chegamos a uma aceitação tolerante e dialogante de discordância na igreja, nem a
uma possessão pacífica e efetiva da descentralização e
da colegialidade quando se tomam decisões importantes. A mesma coisa pode-se dizer quanto a uma liberdade de participação suficiente da mulher, e a um diálogo realmente respeitoso do centro para com as maiorias eclesiais da periferia que percebem uma experiência espiritual distinta (teologia da libertação). .. Para
quem quiser entender, dever-se-á afirmar que a liberdade gloriosa dos filhos de Deus não é, sem mais, "outra
coisa" senão — também aqui — "tudo isso e muito
mais"...
152
4. É preciso eliminar os fatores que continuam
bloqueando a liberdade do Povo de Deus: o monolitismo herdado, a uniformidade imposta, o temor à criatividade e à imaginação, a obediência entendida como
renúncia intelectual, a fidelidade entendida como repetição de fórmulas e conservação do "depósito da fé",
a hipertrofia do magistério eclesiástico como algo que
vem de cima e fora do Povo de Deus, o medo à denúncia profética disfarçado de comunhão eclesial ou caridade fraterna etc. "É preciso reconhecer as legítimas
diversidades para abrir, com fecundidade sempre crescente, o diálogo entre integrantes do único Povo de
Deus, tanto os pastores como os fiéis. Haja unidade no
necessário, liberdade naquilo que é duvidoso, caridade
em tudo" (GS 92,2.°; UR 4,7.°).
5. Essa liberdade vivida dentro da igreja não conclui, entretanto, de maneira narcisista em si mesma; antes, abre-se para o mundo como condição de um serviço crítico da igreja à sociedade. Somente uma igreja
livre em si mesma pode chegar a ser uma "consciência
da liberdade liberta e libertadora" (Metz) para com
a sociedade. E isto faz parte de sua missão. Por isso,
a liberdade na igreja não é apenas um direito que nos
assiste, e ao qual poderíamos renunciar abnegadamente: é um dever para conosco mesmos e para com a
missão. Isso, fora do âmbito eclesial, expressa-se comumente de outra maneira: "A liberdade se toma, não
se pede" (porque uma liberdade permitida ou outorgada por decreto não é liberdade, mas permissão).
Exame
— Que bloqueios da liberdade ocorrem em geral
na igreja e que estão presentes também em
nossa comunidade cristã em particular?
— Os animadores e os responsáveis dos ministérios em nossa comunidade cristã dão margem
à liberdade, à criatividade e à participação de
todos os membros da comunidade?
153
— Existem ainda entre nós os que têm receio ou
desprezo diante de qualquer manifestação de
discordância, de reflexão própria, de originalidade criativa?
— Temos medo de que decresça a "prática religiosa" se a sociedade e a igreja se tornarem cada
dia mais livres de toda a pressão alheia à fé
(tradições, folclore, valores sociais de prestígio,
vantagens de comodidade social etc.)?
— É a nossa igreja hoje uma instância crítica de
liberdade libertadora para com a sociedade?
Conversão
— Valorizar o pluralismo, a variedade, a universalidade "católica" da igreja.
— Fomentar atitudes de tolerância, diálogo, respeito, estima mútua.
— Não condescender diante de qualquer nova (ou
inveterada) prática de inquisição ou "perseguição de hereges".
— Fomentar o debate público, a opinião pública
na igreja.
— Procurar fazer os perplexos compreenderem os
aspectos positivos e o fundamento evangélico
de uma comunidade cristã mais participativa
em diálogo e em liberdade.
— Estudar, individualmente ou em grupo, temas
como o diálogo, a discordância, o pluralismo,
a liberdade, o magistério... na igreja.
— Pelos que se sentem incompreendidos em sua
vivência de fé, privados do necessário diálogo
eclesial.
— Para que nós cristãos sejamos exemplo de apreço e de vivência da liberdade.
— Por todas as pessoas de fé não cultivada que
se escandalizam diante das divergências ou das
tensões, para que amadureçam em sua fé.
— Para que desapareçam para sempre as práticas
inquisitoriais na igreja.
Oração
Deus, nosso Pai, que em Jesus nos convocaste
a formar uma comunidade de irmãos como âmbito perfeito da liberdade liberta e libertadora. Dá-nos testemunhar ao mundo com fatos que, onde
estiver teu Espírito, ali estará a liberdade. Por
nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pelos teólogos, pelos pensadores da fé, para que
tenham liberdade e criatividade.
— Pelos que exercem ministérios hierárquicos na
igreja, para que não caiam na tentação de impor um uniformismo.
154
155
23
PARA UMA ATITUDE
ECUMÊNICA GLOBAL
Textos conciliares
UR 3:
Algumas vezes as divisões na igreja ocorreram
não sem culpa dos homens de ambas as partes.
UR 3:
"Ademais, dentre os elementos ou bens com
os quais, em conjunto, a própria igreja é edificada e vivificada, alguns e até muitos e muito importantes podem existir fora do âmbito
da igreja católica" (cf. também LG 8; AG 9).
É preciso eliminar palavras, juízos e ações
que não correspondem, segundo a justiça e a
verdade, à condição dos irmãos separados.
Também aqui, um grande critério: unidade
no necessário, liberdade no resto, caridade
em tudo.
Preocupação pelo restabelecimento da união
é coisa de toda igreja, tanto dos fiéis como
dos pastores.
Toda renovação da igreja consiste essencialmente no aumento da fidelidade para com sua
vocação. A igreja é chamada por Cristo a essa "perene reforma, da qual ela, enquanto instituição terrena e humana, necessita permanentemente".
UR 4:
UR 4:
UR 5:
UR 6:
UR 7:
156
Não existe ecumenismo autêntico sem conversão interior.
UR 12:
Todos os homens são chamados a colaborar
cada vez mais em uma empresa comum, como
de fato já está se impondo por toda parte.
Os cristãos têm ainda muito mais motivos
para dar sua colaboração.
NA 2:
A igreja católica não despreza o que existe de
verdadeiro e santo no hinduísmo, no budismo e nas demais religiões. Considera com
sincero respeito os modos de agir e de viver,
os preceitos e as doutrinas...
NA 3:
O Concilio exorta a olvidar as desavenças passadas e inimizades entre cristãos e muçulmanos, a procurar uma mútua compreensão e
a defender unidos a justiça social.
NA 4:
A igreja deplora os ódios, as perseguições e
manifestações de anti-semitismo de qualquer
tempo e pessoa contra os judeus.
NA 5:
A igreja reprova como alheia ao espírito de
Cristo qualquer discriminação ou humilhação
realizada por motivos de raça ou de cor, condição ou religião.
OE 2:
A variedade na igreja, longe de ir contra sua
unidade, manifesta-a de um modo melhor.
OE 6:
Que os orientais conservem seus próprios ritos, e não os mudem senão por razões próprias, suas.
GS 22:
O Espírito, de um modo apenas conhecido
por ele, oferece a todos os homens a possibilidade de associar-se ao mistério de salvação.
A Palavra de Deus
— Lc 9,49-50: Não o impeçais. Se não está contra
nós, está a nosso favor.
— At 10,1-48: Deus não faz distinção de pessoas.
157
— lTm 2,1-5: Deus deseja que todos os homens
se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade.
— Jo 17,21: Que sejam um como tu e eu somos um.
— At 15,22-29: Concilio de Jerusalém. Não impor
mais fardos do que os indispensáveis.
— ICor 1,10-13: Coloque-os de acordo. Está Cristo dividido?
— Ef 4,2-6: Há um só corpo e um só Espírito.
Suportem-se uns aos outros com amor.
— Lc 7,33-34: Jesus, amigo dos cobradores de impostos e dos incrédulos.
Questões para o diálogo
— "Toda a renovação da igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação" (UR 6). De conformidade com isso, o que
é no fundo a renovação conciliar? Podemos
dizer que já acabou o tempo de renovação da
igreja?
— "Cristo chama a igreja a uma perene reforma,
a qual é permanentemente necessária enquanto instituição humana e terrena" (UR 6). Não
é uma expressão muito forte? Constatamos atitudes de eclesiástico que pensam exatamente
o contrário? Que elementos ou aspectos da igreja institucional podem estar chamados, a partir
do Evangelho, a uma reforma mais profunda
ou mais urgente?
— "Fora da igreja não há salvação." Comentar
esta frase tão mal entendida de são Cipriano.
Teria algum sentido a afirmação contrária: "Fora da salvação não há igreja"?
— Que obstáculos doutrinais e práticos mais importantes subsistem hoje para a união das diferentes confissões cristãs?
158
— Com quais pessoas nós, cristãos, temos mais
medo de colaborar? Por quê? Que dever-se-ia
fazer?
— Conhecemos casos de proselitismo religioso fanático? Que fazer?
Reflexão
1. "Constitui um absurdo e grande injúria afirmar que é necessária uma certa restauração ou regeneração (da igreja) para fazê-la voltar à sua primitiva
incolumidade, dando-lhe um novo vigor, como se precisasse crer que a igreja é passível de defeito, ignorância ou de quaisquer outras imperfeições humanas",
afirmava no século passado Gregório XVI (Mirari vos,
10). O Concilio supõe a superação desse orgulho eclesiástico, que fazia da igreja uma entidade intolerante
e incapacitada radicalmente para o diálogo e para o ecumenismo. A igreja do Vaticano II reconhece humildemente certas atitudes suas como "deploráveis" (GS 36),
que foram "contrárias ao espírito evangélico" (DH 12),
das quais, de qualquer modo, "devemos ter consciência clara e combater com a maior energia" (GS 43).
As próprias divisões na igreja se fizeram "algumas vezes não sem culpa de ambas as partes" (UR 3). Trata-se de uma atitude de humildade desconhecida há
séculos na igreja. Não são meras declarações de princípio: acarretam muitas conseqüências e aplicações para
quem saiba entendê-las.
2. A conseqüência e aplicação global resume-se
na consciência que a igreja tem de que necessita de
conversão, de mudança, de reforma, e de uma reforma permanente (UR 6). Abandona-se definitivamente
a velha tese da igreja como sociedade perfeita, como
também sua clássica identificação com o Reino de Deus.
Agora sabemos que a igreja não é o Reino de Deus, mas
simplesmente o "germe e princípio do Reino" (LG 5).
Desabsolutizamos com isso a igreja, devolvendo-a ao
159
seu verdadeiro estatuto, que é referencial, relativo com
respeito ao Reino de Deus. A igreja está, deve estar a
serviço e em função do Reino de Deus. E a partir da
perspectiva do Reino é possível ao cristão (e se faz
obrigatório) submeter a igreja à crítica, a fim de purificá-la para "combater com a maior energia a grande
distância que ainda hoje se dá entre a mensagem e a
fragilidade humana dos mensageiros" (GS 43). Reconhecendo que "a igreja somente tem um objetivo, o
advento do Reino de Deus" (GS 45), o Vaticano II ressitua a igreja em seu verdadeiro fundamento evangélico e introduz um filão crítico de conseqüências eclesiológicas imprevisíveis.
3. Com essas novas atitudes tira-se o bloqueio do
"impasse" em que se encontrava o ecumenismo intereclesial, assim como a incomunicação e também o confronto com a cultura moderna. A igreja reconhece que
fora de sua estrutura existem também muitos elementos de verdade e de santidade (LG 8), uma quase secreta presença de Deus nos povos (LG 9), "sementes
da Palavra" contidas em suas tradições nacionais e religiosas (AG 11), assim como em outras religiões (NA
2). Enfim, "numerosos e muito valiosos" elementos de
salvação se encontram fora do recinto visível da igreja católica (UR 3; LG 16; GS 22). Isto é, não temos o
monopólio da verdade nem da salvação. Não somos
"a salvação". Não é verdade que fora da igreja não há
salvação. Embora o contrário pudesse ser verdade: fora
do serviço ao Reino (que é sempre um serviço libertador, salvador, segundo Lc 7,18ss.), fora da salvação
não haveria igreja, pelo menos igreja verdadeiramente
cristã, a serviço do Reino.
Ficam assim desqualificados para a igreja os proselitismos não fundamentados no Evangelho, ou a ele
contrários: o "apostolado pelo apostolado", o apostolado que somente procura fazer expandir uma igreja a
serviço de si mesma, a atividade missionária que transmite "cultura forasteira" (ou regulamentações canônicas e teorizações alheias), em vez da Boa Notícia para
160
os pobres, a
conjunção da
ceder espaço
mênica como
cristianização compulsória a partir da
cruz com a espada etc. Tudo isso deve
a uma atitude tão dialogantemente ecucorajosamente testemunhai.
5. A partir da perspectiva do Reino, o ecumenismo ultrapassa toda fronteira confessional e também
religiosa: trata-se então de um ecumenismo leigo, integral, global, pelo Reino. O Concilio repete com insistência, algumas vezes com as mesmas palavras, uma
percepção intuitiva clara: o mundo tente inevitavelmente para a unidade (LG 28; GS 5, 33, 43, 56, 57; DH 15;
NA 1; PO 7); conseqüentemente, impõe-se por toda parte a colaboração de todos os homens sem exceção no
campo social, e com maior razão dos que acreditam em
Deus (UR 12). Os cristãos têm como missão trabalhar
com todos os homens na edificação de um mundo mais
humano (GS 57). Na luta pelo Reino, que é o que verdadeiramente importa, os cristãos devem sentir-se "unidos a todos os que amam e praticam a justiça" (GS
92). Pode ser que isso que nos une seja muito mais
forte que outras coisas menos importantes que nos separam. As velhas fronteiras intra-eclesiais e intereclesiais ficam esfumadas e esmaecidas dentro do irresistível torvelinho ascendente das forças humanas e divinas
que convergem para o Reino. É um ecumenismo integral, global, total.
Exame
— Ainda vemos o mundo dividido em "bons e
maus", "os nossos e os outros"?
— Em que aspectos e episódios reflete-se o fato
de muitos cristãos ainda pensarem que a igreja é quase perfeita?
— Temos preconceitos anti-ecumênicos, conscientes ou inconscientes?
— Temos consciência de que a atual divisão dos
cristãos é um escândalo, ou nos acostumamos
a isso?
161
— Nossa comunidade local é um exemplo de atitude ecumênica, dialogante, pluralista, compreensiva?
— Temos consciência de que existe uma "hierarquia de verdades" (UR 11), que nem tudo é
igualmente importante nem está igualmente
relacionado com o núcleo da fé?
— À medida de nossas responsabilidades, fazemos
alguma coisa para que na igreja não se coloquem os interesses eclesiásticos acima dos interesses do Reino?
preocupados com a unidade do mundo do que
cem a unidade das igrejas.
— Para que abandonemos qualquer espécie de medo de colaborar com aqueles que amam e praticam a justiça, seja quem for, não importa
sua cor ideológica ou religiosa.
— Para que "combatamos com maior energia as
deficiências" que ainda hoje se dão na igreja
(GS 43).
— Para que comecemos primeiro por nós mesmos
a "reforma permanente" (UR 6) a que a igreja
é chamada.
Conversão
— Fazer algum gesto concreto de relacionamento
ou contato com as comunidades religiosas não-católicas mais próximas de nós.
— Oferecer em nossa comunidade cristã uma oportunidade de informação sobre a situação ecumênica atual, o mapa de confissões não-católicas, a doutrina teológica correspondente etc.
— Dar a nossa vida uma perspectiva ecumênica,
acima das raças, títulos, fronteiras, delimitações . . . e lutar "unidos com todos os que amam
e praticam a justiça" (GS 92).
— Aproximar mais e mais nossa vida do Evangelho, como principal forma prática de ecumenismo (UR 7).
— Adiantar-se no encontro com os outros (UR 4).
Oração
Deus, nosso Pai, queres que sejamos um, que
cheguemos à unidade, na igreja e no mundo. Converte-nos tão apaixonadamente ao Reino, que compreendamos que todos os que estão comprometidos com ele estão conosco, e que as demais diferenças serão sempre secundárias. Assim no-lo ensinou teu Filho. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pela unidade. Para que sejamos sensíveis a sua
urgência.
— Para que se removam os obstáculos burocráticos e administrativos.
— Para que nos unamos "pelo Reino".
— Para que nós, cristãos, estejamos ainda mais
162
163
24
GS 34:
Uma coisa é certa para os crentes: a atividade
humana individual e coletiva, o conjunto
ingente de esforços realizado pelo homem
ao longo dos séculos para alcançar condições melhores de vida, considerado em
si mesmo, corresponde à vontade de Deus.
GS 38:
Jesus, sofrendo a morte por todos nós, ensina-nos com o seu exemplo a carregar "a
cruz que a carne e o mundo joga sobre os
ombros dos que buscam a paz e a justiça".
Cristo palmilhou caminhos de verdadeira
encarnação; se fez pobre.
A igreja deve continuar o seu caminho de
pobreza e de imolação até a morte.
Nos pobres, Cristo levanta sua voz para
despertar a caridade de seus discípulos.
Que não sirva de escândalo o fato de que
os países opulentos sejam cristãos. O espírito de pobreza é a glória da igreja de
Cristo.
A IGREJA DOS POBRES
Textos conciliares
LG 8,3.°:
A igreja, como Cristo, destina-se a percorrer um caminho de pobreza e de perseguição. Como Cristo, também a igreja deve
proclamar a humildade e a abnegação com
seu exemplo. Reconhece nos pobres e nos
que sofrem a imagem de seu Fundador pobre e paciente e procura servir neles a Cristo.
AG 12:
A todos os homens, mas especialmente aos
pobres e aflitos.
GS 1:
De todos os homens de nosso tempo, em
primeiro lugar dos pobres e de quantos sofrem.
GS 27,2.°: Urge a obrigação de aproximar-se para servir a todos, especialmente os necessitados.
GS 29:
Lutem com energia contra qualquer escravidão social ou política.
LG 35:
Manifestem sua esperança na vida futura
através das estruturas da vida secular, em
constante renovação e em luta com os dominadores deste mundo tenebroso.
AG 12:
Que os cristãos participem dos esforços daqueles povos que, lutando contra a fome,
a ignorância e as enfermidades, esforçam-se por conseguir melhores condições de
vida e por afirmar a paz no mundo.
164
AG 3:
AG 5:
GS 88:
A Palavra de Deus
— Lc 6,20-26: Bem-aventuranças e mal-aventuranças.
— Lc 4,16-21: Enviou-me para anunciar a Boa Notícia aos pobres.
— Lc 7,18-23: A evangelizaçao dos pobres, sinal
messiânico.
— Mt 25,31-46: Tudo o que fizestes aos meus irmãos mais pequeninos.
— Mt 10,34-36: Jesus, sinal de contradição.
— Mt 23,23-24: Olvidais o que é mais grave: a justiça e o amor.
— Mt 5,23-24: Deixa a tua oferenda e vai primeiro
reconciliar-te.
— Is 1,11-18: Estou farto dos vossos sacrifícios.
165
Questões para o diálogo
— Foi João XXIII quem começou a falar do tema
"igreja dos pobres". Que se fez deste tema no
pós-concílio? Tem-se proclamado e pregado este tema depois do Concilio?
— O tema dos pobres é essencial ou secundário
nos Evangelhos? Apresentar citações. Confrontar as opiniões.
— Por que perseguiram Jesus? Por que o mataram? Teve alguma relação com sua postura
diante dos pobres? E que postura Jesus assumiu diante dos pobres?
— Pode-se afirmar que os pobres pensam que a
igreja está de fato com eles? Foi superada a
contenda entre igreja e classe operária? De que
novas formas esse problema se reveste hoje?
— Desde sempre a igreja tem-se preocupado em
atender as necessidades dos pobres. Ela o tem
feito preferentemente de forma assistencialista,
a ponto de ter identificado, via de regra, caridade com beneficência e de ter contraposto a
caridade à justiça. A caridade não exige, em
primeiro lugar, a luta pela justiça em favor
dos pobres?
— Igreja "para" os pobres ou igreja "dos" pobres? Qual a diferença?
— "A glória de Deus é que o homem viva", dizia
santo Irineu de Lyon. "A glória de Deus é que
o pobre viva", acrescentou dom Oscar Romero.
Comentar.
Reflexão
1. O tema da igreja dos pobres
que aparece completamente elaborado
ciliares. No pós-concílio tornou-se um
desenvolvidos e desafiantes. Porém, já
mente expresso em germe.
166
não é um tema
nos textos condos temas mais
estava ali clara-
2. A igreja sempre se preocupou pelos pobres.
A atenção para com os necessitados e todos os homens
que sofrem tem sido uma constante na história da igreja. Sempre se teve a intuição de que se devia expressar
e manter uma preferência pelos pobres. E isto fica claramente assinalado no Concilio (AG 12; GS 1, 27, 4 2 . . . ) .
3. Atualmente, uma visão mais crítica leva-nos
a descobrir que a assistência aos pobres pelo caminho
da beneficência, mesmo que vista de perto e em cada
caso seja urgente e inevitável, feita de modo indiscriminado e em grande escala, pode redundar em prejuízo
para os próprios pobres. Isso porque serve de paliativo a conseqüências negativas do sistema econômico que
produz os pobres, e com isso o consolida (e, conforme
o caso, legitima-o religiosamente). Tudo depende da
análise da realidade que se tem em conta. Somente a
partir de uma análise sociocrítica pode-se compreender
claramente que a beneficência não basta (mesmo que,
por outro lado, seja inevitável em muitos casos, e bastante evangélica).
4. O modelo de análise da realidade utilizado pelo Concilio não era precisamente um modelo sociocrítico. O conceito de mundo que os textos conciliares
têm diante de si é, em primeiro lugar, o mundo moderno ocidental, o mundo das liberdades modernas, o
mundo do ateísmo e da cultura etc. O Concilio não
gozou de uma ótica adequada para ler o mundo a partir do ponto de vista das grandes maiorias da humanidade oprimida que padecem miséria e injustiça. A ótica predominante do Concilio era a européia, a ótica
das igrejas progressistas européias, dos países ricos.
Ainda não havia soado a hora das igrejas do Terceiro
Mundo.
5. Apesar disso, podemos descobrir através de
seus textos numerosos impulsos dirigidos, de maneira
decidida, ao compromisso dos cristãos na luta pela
transformação do mundo (AG 12; GS 29, 34, 38; LG 35).
Para quem aceita como sua a ótica dos pobres, esses
167
textos seriam suficientes para tornar a igreja uma insubornável aliada da causa da justiça e dos pobres.
6. Além disso, é preciso recordar o famoso texto
da LG 8,3.°, introduzido a pedido de alguns bispos e
cardeais, como Lercaro, Gerlier e Himmer. Estes estavam escandalizados pelo pouco espaço que se dava aos
pobres no tratamento dogmático da igreja. Esses bispos faziam suas propostas a partir da realidade dos pobres. O Concilio, deixando um pouco a realidade dos
pobres, centrou seu interesse na vida de Jesus. Ali encontrou unidos o tema da pobreza e o tema da perseguição, mesmo sem afirmar explicitamente que a perseguição de Jesus teve como motivo o fato de ele se
situar do lado dos pobres, acarretando assim a inimizade dos ricos e dos poderosos. O Concilio não desenvolveu o tema, mas o introduziu germinalmente, e esse
germe, como uma semente de mostarda, se desenvolveu espantosamente no pós-concüio.
Exame/
— Como vejo o mundo: a partir dos interesses
dos pobres ou a partir dos interesses dos ricos?
— Que mentalidade predomina em nossa comunidade cristã? É uma mentalidade burguesa,
operária, paternalista, apolítica, neutra, comprometida?
— Em nosso íntimo, sentimos medo do tema dos
pobres?
— O mundo está dividido e confrontado entre ricos e pobres, entre empobrecidos e enriquecidos. De que lado se acha nossa comunidade
cristã? E quanto a mim, de que lado estou?
— Somos das pessoas que consideram tabu o tema dos ricos e pobres, as implicações sócio-políticas?
168
Conversão
— Definir-nos sempre e inequivocamente do lado
dos mais pobres.
— Escutar o testemunho e estar em comunhão
com as igrejas locais que mais desenvolveram
no pós-concüio a realidade da igreja dos pobres.
— Estudar a possibilidade de alguma iniciativa na
comunidade cristã para que todos possamos
refletir sobre esse tema, romper preconceitos,
desbloquear medos arcaicos, abrir-nos a novos
compromissos.
— Não ignorar nem menosprezar o testemunho
sangrento dos atuais mártires pela justiça e
pela causa dos pobres de numerosas igrejas locais.
Preces
— Para que a igreja seja de fato a igreja dos pobres.
— Para que a mentalidade paternalista seja superada.
— Para que não tenhamos medo de enfrentar as
conseqüências que uma alienação clara a favor
dos pobres pode trazer-nos.
— Para que sejamos na igreja a voz dos sem-voz.
— Pelos pobres que estão na igreja, para que não
se sintam deslocados, mas que transformem a
igreja.
— Para que enfrentemos corajosamente as críticas que têm origem no seio da própria igreja,
por causa da opção pelos pobres.
169
Oração
Deus, nosso Pai, tu não és neutro nem podes
olhar impassível a injustiça no mundo, as lutas
fratricidas de teus filhos. Por isso nos manifestaste em Jesus teu projeto de justiça, de amor e de
fraternidade: o Reino. Faze que também nós, como Jesus, sejamos a Boa Notícia para os pobres.
Por nosso Senhor Jesus Cristo.
25
SACERDOTES
PARA A COMUNIDADE CRISTÃ
Textos conciliares
LG 28:
Os bispos confiaram legitimamente o ofício
de seu ministério, em diferente grau, a pessoas diversas na igreja.
PO 2:
O Senhor Jesus faz todo o seu Corpo Místico
participar da unção do Espírito, pela qual ele
foi ungido. Pois nele os fiéis todos tornam-se
um sacerdócio santo e régio, oferecem a Deus
sacrifícios espirituais por Jesus Cristo e anunciam as maravilhas de Deus. Não existe assim
membro que não tenha parte na missão de
Cristo. O mesmo Senhor, porém, instituiu alguns como ministros.
PO 3:
Os presbíteros convivem com os demais homens como com irmãos. Seu próprio ministério exige, por título especial, que não se conformem a este mundo. Ao mesmo tempo, no
entanto, requer que vivam, neste mundo, conheçam suas ovelhas e estimem o trato humano.
PO 4:
Têm como principal dever anunciar o Evangelho de Deus a todos. A pregação não deve ser
geral e abstrata, mas aplicada a situações concretas.
PO 5:
Ministros dos sacramentos.
170
171
PO 6:
PO 9:
Chefes do Povo de Deus.
Relação com os leigos.
A Palavra de Deus
— Mt 10,lss: Envio dos doze.
— Jo 20,19-23: Como o Pai me enviou, assim os
envio.
— Mt 20,25-28: Quem quiser ser o primeiro, seja
o servo de todos.
— Jo 10,7-18: O bom pastor.
— lPd 2,4-10: Sacerdócio comum dos fiéis.
— ICor 12,12ss: Muitos membros e um só corpo.
— Mt 18,18-20: O que ligardes ficará ligado, pois
onde dois ou três estiverem unidos em meu
nome, ali eu estou.
Questões para o diálogo
— "Jesus não foi sacerdote nem monge, mas um
leigo." Comentar.
— Sacerdotes existiram e haverão de existir em
todas as religiões. Existe também sacerdócio
no cristianismo? Que seria o especificamente
cristão de tal sacerdócio?
— A palavra "sacerdote" não aparece no Novo
Testamento aplicada a ninguém em particular
(exceto a Jesus). Mas aplica-se somente ao conjunto do Povo de Deus. A palavra "sacerdote"
aplicada a pessoas concretas dentro da comunidade cristã apareceu nos séculos posteriores.
Que nos diz tudo isto?
— Como a opinião pública vê o sacerdote e a hierarquia em geral? O que mudou nessa opinião?
— Relação entre o celibato e o ministério sacerdotal.
172
— O sacerdócio da mulher: razões a favor e contra neste debate pós-conciliar.
— Que razões se podem aduzir como explicação
da crise vocacional?
Reflexão
1. O sacerdócio é uma realidade antes religiosa
que cristã. Ou seja, todas as religiões tiveram e têm
sacerdotes. A forma concreta que adota o sacerdócio em
cada religião depende da imagem de Deus que nela ocorre. Por isso, tem sido clássica a imagem do sacerdote
como separado do povo (para marcar a separação entre
o sagrado e o profano), como portador de poderes sagrados (às vezes quase mágicos), como homem profissionalizado e especializado no âmbito sagrado (fora
das realidades seculares), como homem que freqüentemente explora seus poderes sagrados para adquirir
uma posição privilegiada ou uma aliança com o poder . . . tendo como pano de fundo uma idéia dominante que é a do sacerdote como mediador entre Deus e
o homem. Nesse sentido, Jesus não foi o criador original da idéia do sacerdócio. Já existia o sacerdócio
do Antigo Testamento no tempo de Jesus, e ele próprio
não pertenceu ao sacerdócio, mas, enquanto cidadão,
foi um leigo.
2. Se existe um sacerdócio cristão, este deverá
tomar a sua realidade essencial não do conceito comum
e universal do sacerdócio, mas do sacerdócio de Jesus,
que no Novo Testamento se mostra fundamentalmente
distinto. No Novo Testamento não se aplica a palavra
"sacerdote" a ninguém individualmente (exceto a Jesus), mas é referida coletivamente ao Povo de Deus.
Jesus mesmo não é interpretado no Novo Testamento
a partir de categorias cultuais e sacerdotais, mas de
modo lato. Os ministérios na igreja nascente são designados por palavras tomadas do vocabulário civil não
sacral: presbíteros (ancião), apóstolos (enviado), epis173
kopos (supervisor), ekklesia (assembléia)... O Novo
Testamento mostra explicitamente que Jesus marca a
superação do antigo sacerdócio e a inauguração de um
novo. Toda a participação no sacerdócio de Jesus será
uma participação nessa radical novidade de sua missão, de sua causa, de seu serviço ao Reino.,.
3. Ao longo da história, também no sacerdócio
cristão da igreja acrescentaram-se múltiplas aderências
procedentes não do sacerdócio cristão, mas do sacerdócio pagão. O sacerdócio tornou a cair em uma separação sacralizada com respeito ao povo, em uma elevação social e em um fechamento em si mesmo como
casta poderosa, em um protagonismo clerical absorvente, sufocador de outras energias e possibilidades
eclesiais etc. O Concilio convida a voltar à fonte, que é
o próprio Jesus.
4. O Concilio arrola numerosas pautas para ressituar o ministério sacerdotal em um horizonte de renovação dentro do contexto de Povo de Deus: superação
de um posicionamento estritamente vertical-hierárquico,
encarnação no mundo, primazia do serviço da Palavra
no anúncio evangélico, adoção de um novo relacionamento com os leigos, concretização e adaptação da pregação às circunstâncias concretas em que o homem e
a comunidade de hoje vivem, articulação com os demais ministérios eclesiais renovados, revitalização dos
recursos para a vida espiritual dos sacerdotes etc.
Exame
— Que resquícios de concepção paga, não-cristã,
quem sabe mágica existem em nossa concepção
de sacerdócio?
— Ainda existe algo de "casta sacerdotal", de separação entre sacerdotes e povo?
— Que gestos de clericalismo sobrevivem ainda
na igreja?
174
— Continuamos ainda falando "das vocações" para
nos referir às vocações ao sacerdócio ou à vida
religiosa, como se as outras vocações (de leigo,
do matrimônio, de outros ministérios. . .) fossem menos "vocação" ou menos importantes
diante de Deus?
— Apoiamos o sacerdote? Exigimos dele um ministério mais concreto, mais comprometido?
Damos apoio a eles em nossa comunidade?
Conversão
— Tomar iniciativas para que em nossa comunidade cristã os jovens façam o discernimento
de sua vocação, qualquer que seja ela, a partir de uma perspectiva cristã.
— Favorecer em nossa comunidade o estudo do
tema do sacerdócio e dos ministérios.
— Converter a "dignidade" sacerdotal a colocações mais evangélicas e de serviço.
— Tomar consciência em nossa comunidade da
relação que temos com os sacerdotes que nos
servem: acompanhá-los, apoiá-los e exigir deles...
— Viver em cada uma de nossas famílias um ambiente que torne possível em nossos filhos um
posicionamento verdadeiramente evangélico de
sua vocação cristã.
— Tomar iniciativas em nossa comunidade para
superar todo resquício de clericalismo, marginalização do leigo, ausência de ministério e animadores etc.
175
Preces
— Por todos os que entregam a vida a serviço da
comunidade.
— Para que os jovens se posicionem cristãmente
em sua vocação, para além dos critérios de nossa sociedade consumista.
— Para que os sacerdotes se entreguem em tempo integral pela causa do serviço ao Evangelho.
— Pelos sacerdotes que abandonaram o ministério, e pelos muitos que desejam retornar a ele.
— Para que floresça cada vez mais a participação
e os ministérios nas comunidades cristãs.
29
RELIGIOSOS
NO SEGUIMENTO DE JESUS
Textos conciliares
LG 44:
Existem cristãos que fazem uma total consagração de si mesmos a serviço de Deus
e a sua glória por título novo e especial.
Nasce daí o dever de trabalhar para que o
Reino de Cristo se estabeleça e se consolide. A profissão dos conselhos evangélicos
aparece como um símbolo que pode e deve
atrair eficazmente os membros da igreja.
Esse estado imita mais de perto o gênero
de vida que o Filho de Deus tomou.
LG 46:
Cuidem os religiosos para que, por seu meio,
a igreja manifeste Cristo cada vez melhor.
Os conselhos evangélicos contribuem para
a purificação do coração e da liberdade espiritual . . . e assemelhem mais o cristão
com o gênero de vida virginal e pobre que
Jesus escolheu para si.
PC 1:
Já desde os primeiros tempos houve homens
e mulheres que levaram, cada um a sua
maneira, uma vida consagrada.
PC 2:
A adequada renovação da vida religiosa compreende, por sua vez, um retorno constante
às fontes e a adaptação às condições dos
tempos. É preciso manter como regra su-
Oração
Deus, nosso Pai, que em Jesus nos entregaste
o verdadeiro e o supremo sacerdote. Faze com
que sempre busquemos por sua mediação o teu
rosto, e que sejamos para nossos irmãos caminho
que os conduza para ti por meio de nosso Senhor
Jesus Cristo.
176
177
PC 5:
PC 8:
PC 9:
PC 12-15:
prema o seguimento de Jesus tal como se
propõe no Evangelho.
Elementos comuns a todas as formas de
vida religiosa.
Os carismas. Cada família religiosa tem
dons diferentes segundo a graça que lhe foi
dada.
Os conventos devem ser viveiros de edificação do povo cristão.
Castidade, pobreza, obediência e vida comum.
A Palavra de Deus
— Lc 18,18-30: Convite ao jovem rico.
— Lc 7,18-23: Os sinais de autenticidade evangélica.
— Mt 16,24-27: Condições para o seguimento.
— Lc 10,38-42: Marta e Maria.
— Mt 10,37-39: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á.
— ICor 12,4-30: Unidade e variedade de carismas.
— Ef 4,17-5,2: O homem novo.
Questões para o diálogo
— Na verdade existem monges, bonzos, eremitas,
ascetas não-cristãos,.. "religiosos" também em
outras religiões, antes e fora do cristianismo.
Como definiríamos a vida religiosa enquanto
realidade supracristã, como experiência religiosa comum?
— Qual seria o especificamente cristão da vida religiosa cristã?
— Em que fatos e palavras de Jesus o fundamentamos?
178
— Um tipo de religiosos ou monges no tempo de
Jesus foram os essênios, que viviam em Qumrã.
Jesus não se tornou "essênio". Que pode significar esse fato para a vida religiosa cristã?
— Diz-se que a vida religiosa é — entre outras coisas — sinal escatológico. Que isso pode significar? Em que isso pôde mudar no conjunto da
visão religiosa moderna? Sob que condições isso será real hoje em dia?
— Consagrar-se total e unicamente a Deus. .. Pode isso implicar consagrar-se a menos ao amor
dos homens? Existe alguma forma de separação
entre Deus e homem, entre céu e terra, igreja
e mundo, mundo espiritual e mundo profano,
as coisas de Deus e as preocupações do mundo?
Reflexão
1. Considerada em si mesma, a vida religiosa é
uma realidade supracristã, isto é, existia mesmo antes
do cristianismo e continua existindo também fora do
cristianismo. Isto nos faz pensar que a vida religiosa
tem uma entidade genérica religiosa antes de qualquer
concretização confessional. Qual seria essa entidade? O
que seria aquilo que, em qualquer religião do mundo,
vivem os religiosos? A vida religiosa, como estrutura
antropológica-religiosa universal, seria a radicalização
da experiência religiosa que alguns homens e mulheres
carismáticos cumprem até ao ponto de convertê-la no
centro de sua opção fundamental e de seu projeto vital.
Nesse sentido, Jesus não foi o fundador da vida
religiosa no mundo, mas foi, nesse mesmo sentido, um
dos maiores religiosos do mundo.
2. Outra coisa é a forma concreta de que se reveste a vida religiosa nas diferentes religiões. Essa forma concreta que adota a vida religiosa dependerá, em
cada caso, da imagem de Deus que cada religião tem.
Assim, a imagem clássica de Deus nas diversas religiões
179
deu origem a uma vida religiosa marcada pela separação do mundo, pelo puritanismo, pelo legalismo, pela
consciência de superioridade, pelo desprezo do mundo
etc.
Jesus também conheceu uma forma de vida religiosa semelhante, fruto da imagem de Deus do Antigo
Testamento, tal como a viviam os essênios de Qumrã.
E Jesus não se fez "religioso essênio" porque tinha outra idéia de Deus, uma idéia original, incompatível com
aquela forma de vida religiosa dos essênios. Por isso,
Jesus foi um religioso de forma absolutamente original,
incompatível com a forma clássica existente em seu
ambiente.
3. Desde o primeiro momento houve na história
da igreja homens e mulheres que, levados pela radicalização de sua experiência religiosa, quiseram seguir
Jesus em sua experiência religiosa fundamental, levando esse seguimento a incluir em si mesmos a reprodução mais próxima possível do projeto existencial e vital
de Jesus. Assim foi, sem estruturas nem outras influências, a vida religiosa presente desde o começo mesmo do cristianismo. Todavia a história, com toda a
sucessiva carga de influxos culturais, filosóficos e religioso-pagãos, foi se encarregando de introduzir na vida
religiosa cristã não poucos traços clássicos da vida religiosa não-cristã: verticalismo (estabelecendo uma contraposição entre Deus e o homem, entre o céu e a terra. . . ) , legalismo (obscurecendo o seguimento do Evangelho com uma multidão de prescrições e regras), consciência de superioridade (ao se considerar como estado de perfeição), esquecimento da encarnação (separação, "fuga mundi", desprezo pelo mundo) etc. Tudo
isso significa que nem tudo o que configura, de fato,
a vida religiosa na igreja é, sem mais, cristão. É preciso proceder com um atento discernimento.
4. Também na vida religiosa cristã (UR 6) a renovação consiste em voltar à sua vocação original. A
origem e a fonte da vida religiosa cristã é Jesus: sua
180
causa — o Reino de Deus —, sua radicalidade até a
morte, sua encarnação, sua pobreza, sua palavra, suas
obras, sua v i d a . . . a revelação de que é portador, a
imagem de Deus que nos manifesta. Por isso diz o Concilio que "o seguimento de Jesus tal como o Evangelho
propõe deve ser tido por todos os institutos como regra suprema" (PC 2). Esta é a renovação fundamental
que o Concilio pede à vida religiosa.
Exame
— Os religiosos de hoje têm o Evangelho e o seguimento de Jesus como norma suprema? E m
que o percebemos?
— A vida religiosa continua a dinâmica da encarnação no mundo que Jesus seguiu, como fermento, ou continua alheia ao mundo, separada
dele, evitando-o? Apresentar dados concretos e
detalhes.
— A vida religiosa realmente libera para poder seguir melhor Jesus e lutar por sua causa?
— Os religiosos dão exemplo de radicalidade na
construção do Reino de Deus e, portanto, também na luta pela justiça, pela defesa dos direitos humanos, dos pobres, da liberdade... a
partir de seu peculiar estado de vida?
— Fazem valer seu carisma profético diante do
mundo e dentro da igreja?
— Damos valor à existência da vida religiosa além
das instituições existentes?
— Que podemos nós, leigos e religiosos, fazer pela vida religiosa?
Conversão
— Damos suficiente apoio aos religiosos, exigindo
deles um testemunho mais comprometido, atual,
moderno, realista?
181
— Damos apoio ao fato de que já não são possíveis comunidades religiosas fechadas em seus
próprios hábitos, em "suas obras próprias", sem
encarnação real nas comunidades cristãs e na
pastoral de conjunto?
— Sentimo-nos todos co-responsáveis pela vida religiosa na igreja?
— Fazemos com que os institutos e as instituições
dos religiosos se coloquem verdadeiramente a
serviço do povo, dos leigos, da renovação eclesial?
o testemunho desses homens e mulheres radicais;
jamais faltaram a denúncia de sua profecia, a fortaleza de sua luta, a confiança de sua esperança,
a paixão de seu amor à utopia. Com firme confiança, cremos que, por caminhos sempre novos, jamais deixarás que faltem os religiosos em tua igreja e no mundo. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
Preces
— Pelas novas formas de radicalismo evangélico
que aparecem na igreja, para que as ajudemos
a nascer e a crescer.
— Pelas comunidades religiosas que se puseram ao
ritmo de uma profunda renovação evangélica,
para que encontrem a compreensão de todos.
— Pelos religiosos e religiosas de clausura.
— Por todos aqueles que abandonaram a vida religiosa.
— Por todos os jovens que se sentem chamados
para o seguimento de Jesus, para que jamais
vejam seu chamado sufocado pelas estruturas
ou pelas instituições.
— Pelos grupos religiosos que se fecham à renovação.
Oração
Deus, nosso Pai, em todos os povos e religiões
suscitaste homens e mulheres que viveram na radicalidade a experiência de tua presença, e em Jesus nos chamaste à perfeição, a uma entrega perfeita e radical pela causa do "Reino. Nós te damos
graças porque ao longo da história jamais faltou
182
183
APÊNDICE
TEXTOS DE TRABALHO
1. U m a igreja vazia de mistério?
"A única igreja verdadeira é a comunidade de homens reunida pela profissão da mesma fé cristã, pela comunhão dos
mesmos sacramentos, sob o governo dos legítimos pastores,
principalmente do único vigário de Cristo na terra, o romano
pontífice".
(São Roberto Belarmino, Controversiae,
tomo II: Prima
controvérsia generalis, lib. I I I : De Ecclesia militante, cap. II:
De definitione
Ecclesiae).
Nesta descrição da verdadeira igreja de Cristo várias coisas
nos chamam a atenção:
Toda a atenção está centrada na igreja invisível. Por esse
motivo, Belarmino se preocupa sobremaneira em descrevê-la
exclusivamente a partir de seus elementos externos: profissão
externa da fé, participação nos sacramentos, organização externa de governo e submissão externa a esta organização. Uma
igreja "tão visível e palpável como a sociedade do povo romano,
ou o reino da França, ou a república de Veneza".
A partir desse pressuposto é fácil, pois, determinar quem
pertence à igreja e quem está fora dela. Todos os que, no plano
exterior, coincidem na profissão da verdadeira fé, participam
dos mesmos sacramentos, e vivem submetidos aos legítimos
pastores, estão dentro da igreja. Todos os demais estão fora.
E m conseqüência disso, pode-se estar dentro da igreja sem
possuir virtude cristã alguma, mesmo sendo herege, enquanto
se trata de um herege oculto. Pensar o contrário é, para Belarmino, cair necessariamente na igreja invisível de Lutero. Por
isso existe uma grande preocupação de acrescentar a sua anterior descrição da verdadeira igreja: "Todas as demais definições requerem virtudes internas para alguém se constituir em
igreja, e, conseqüentemente, dirão que a verdadeira igreja é
invisível".
Esse erro deve ser evitado a todo o custo, e somente quando ele for evitado se estará descrevendo a verdadeira igreja
de Cristo, onde se praticam as verdadeiras virtudes. "Contudo,
184
não cremos que, para que alguém possa ser considerado como
parte dessa verdadeira igreja, de que falam as Escrituras, requer-se dele virtude interior alguma. Bastam a profissão externa
da fé e a comunhão dos sacramentos, perceptíveis pelos sentidos."
Essa insistência na visibilidade da igreja, para os fins que
Belarmino persegue, traz necessariamente duas conseqüências:
exclusão de toda a interioridade na noção de igreja; redução da
parte visível da igreja às categorias vigentes nas sociedades humanas.
(Rufino Velasco, La eclesiologia em su historia, Valença,
1976, 213-215).
2. O próprio Deus obedece aos bispos
" . . . Por isso, Pai, eu quisera em nome de todos, se mo permite, ajoelhar-me diante de vós, e todos estes irmãos comigo,
como u m pequeno gesto de adesão completa a Pedro. Porque
eu, Pai, lhes disse uma coisa: através de minha experiência em
tantas nações e através dos sofrimentos que padeci, entendi
que Deus obedece aos bispos. E como eu e todos nós não ousaríamos obedecê-los?"
(Discurso de Kiko Argüello perante João Paulo II, na Audiência Privada concedida aos catequistas itinerantes das Comunidades Neocatecumenais na Sala Clementina, no dia 7 de janeiro de 1982).
Eclesiologia como "hierarcologia"
(A eclesiologia pré-conciliar tendia a ver a igreja) "como
uma máquina de mediação hierárquica, dos poderes e do primado da sede romana, em uma palavra, 'hierarcologia'. De
outro lado, os dois termos entre os quais a mediação ocorreu,
o Espírito Santo de um lado e o povo crente ou o sujeito religioso do outro, permaneceram fora da consideração eclesiológica".
(Y. M. Congar, Lay People in the Church, Md. Newman,
1965, 45).
3. Etnocentrismo contra catolicidade
"Quando o africano se torna cristão, não renega a si mesmo
mas recobra em espírito e verdade os antigos valores da tradição. Além disso, nós — europeus, ocidentais, da igreja latina,
do rito romano — nós, que cantávamos aos acordes do órgão
e rezávamos de joelhos e em santo silêncio, nós, que éramos
incapazes de imaginar uma dança sagrada ao som dos tambo-
185
Uma comunidade de desiguais
res..., pretendíamos que o africano, pelo simples fato de habi
tar ao nosso lado, adotasse uma mentalidade européia e ocidental, se integrasse à igreja latina, rezasse segundo o rito romano,
cantasse aos acordes e ao solene ritmo do órgão e abandonasse
o batuque, o rito, a dança e a oração em movimento. Era o
etnocentrismo total e orgulhoso dos europeus e da igreja que
procedia da Europa".
(B. Kloppenburg, "Ensaio de uma nova posição" in Revista
Eclesiástica Brasileira, 28, 1968, 410).
"A igreja, entretanto, não é uma comunidade de iguais na
qual todos os crentes tiveram os mesmos direitos. Antes, é
uma sociedade de desiguais, não somente porque entre os crentes uns são clérigos e outros leigos, mas especialmente porque
na igreja reside o poder que vem de Deus pelo qual é dado a
uns santificar, ensinar e governar, e a outros, não".
(Concilio Vaticano I, NR, 369).
"Te demos por mensagem cultura forasteira"
Deixar-se conduzir documente
"(Indígenas): Eu adorava a Deus!...
(Todos): E nós te missionamos
infiéis ao Evangelho,
cravando em tua vida
a espada de uma Cruz.
Sinos de Boa-nova
num dobre de finados!
Infiéis ao Evangelho,
do Verbo Encarnado,
te demos por mensagem
cultura forasteira.
Quando nós te ferramos
com um Batismo imposto,
marca de humano gado,
blasfêmia do Batismo,
violação da Graça
e negação de Cristo."
(P. Casaldáliga e P. Tierra, Missa da terra sem males, Rio
de Janeiro, Tempo e Presença, 1980, 44-45).
4. A posição do leigo na igreja
"Um catecúmeno perguntou a um sacerdote católico qual
era a posição do leigo na igreja. A posição do leigo em nossa
igreja — respondeu o sacerdote — é dupla: a primeira é pôr-sa
de joelhos diante do altar; a segunda, sentar-se frente ao púlpito. O cardeal Gasquet acrescenta: 'Falta ainda uma terceira
que foi esquecida: pôr a mão no bolso para tirar a carteira de
dinheiro...' "
(Y. M. Congar, Jalones para uma teologia dei laicato, Barcelona, 3.a edição, 1963, p. 7).
186
"Somente na hierarquia residem o direito e a autoridade
necessários para promover e dirigir todos os membros ao fim
da sociedade. Quanto ao povo, este não tem outro direito do
que o de se deixar conduzir documente pelos seus pastores."
(Pio X, Vehementer Nos 8, 1906).
5. Orações litúrgicas
• Nós te pedimos, Deus onipotente, que dignastes conceder-nos os dons celestes, pela intercessão de teus santos
Cirilo e Metódio, conceda-nos desprezar as coisas terrenas. Por nosso Senhor Jesus Cristo.
(Oração pós-comunhão da missa de são Cirilo e são
Metódio, antes da reforma conciliar).
« . . . Porque, reputando cheios de fel os gozos do mundo
e os doces atrativos dos prazeres, alcançou os gozos
celestiais.
(Hino da Véspera do comum dos mártires).
• ... Os laços de teu corpo santifiçado já foram desatados: livra-nos das amarras do mundo, com a graça de
Deus eterno.
(Hino de Laudes do comum dos mártires).
• ... Ó
nome
isento
(Hino
Jesus, rei benigno dos céus, os seguidores de teu
menosprezaram este mundo, vazio de frutos e
de flores.
das vésperas do comum dos mártires).
« . . . Por haver desprezado em seu coração os gozos perecíveis deste mundo, goza agora, entre os anjos, o prêmio da eternidade.
(Hino de Laudes do comum dos confessores e pontífices).
187
« . . . Por haver reputado vãos os gozos da terra, e cheios
de miséria os bens da fortuna, possui agora, triunfante,
os bens dos céus.
(Hino de Landes do comum de confessor
não-pontífice).
• . . . Inflamada de santo amor, aborrecendo o falso amor
do mundo, percorreu a áspera senda que conduz ao
céu. Por haver mortificado o corpo com jejuns, e alimentado a sua alma com o doce manjar da oração, goza
agora as delícias do céu.
(Hino de Landes do comum dos santos
não-mártires).
Os santos de D e u s . . . não atenderam ao que agradava à
carne, nem ao que brilhava no tempo; toda sua esperança e
intenção se dirigiam para os bens eternos. Todos os seus desejos convergiam para o alto, para as coisas invisíveis e perenes.
Vaidade atender somente à vida presente, sem prever as
coisas futuras. Vaidade amar o que tão depressa passa e não
buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.
Oh! que paz e grande sossego alcançaria quem se libertasse
dos vãos cuidados, ocupando-se unicamente das coisas salutares
e divinas."
(Tomás de Kêmpis, Imitação
22,4; I, 1,4; I, 20,4).
de Cristo,
II, 5,3; I, 17,2; I,
Citações dos críticos do cristianismo
"Que o monge seja como Melquisedeque, sem pai, sem mãe,
sem genealogia, e a ninguém chame de 'pai' nesta terra. Mas
que pense de si próprio como se somente ele e Deus existissem''
(pseudo-Bernardo).
"É difícil e até impossível desfrutar ao mesmo tempo os
bens atuais e os bens futuros" (Jerônimo).
"És demasiado ambicioso, irmão, se queres primeiro gozar
neste mundo e depois reinar com Cristo" (Jerônimo).
"Vós quereis tê-lo inteiramente: Deus e a criatura, e isto é
impossível. O prazer divino e o prazer terreno não podem andar juntos" (Tauler).
(Todas as citações são de Ludwig Peuerbach in La esencia
dei cristianismo, Buenos Aires, 1963, 265 e 133).
6. M e d i t a ç ã o d o i n f e r n o
"Verei, com os olhos da imaginação, o comprimento, a largura e a profundidade do i n f e r n o . . . Verei, com os olhos da
imaginação, os grandes fogos e as almas como que em corpos
incandescentes... Escutarei, com os ouvidos, prantos, alaridos,
gritos, blasfêmias contra Cristo e contra nosso Senhor e contra
todos os seus s a n t o s . . . Sentirei, com o olfato, o cheiro de fumo, enxofre, imundície e p o d r i d ã o . . . Procurarei com o gosto
saborear coisas amargas, assim como lágrimas, tristezas e o
remorso da consciência... Tocarei com o sentido do tato essas
chamas, sentindo como elas envolvem e abrasam as almas."
(Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 65-70).
Dualismo irreconciliável entre céu e terra
"A alma que ama a Deus tudo despreza por ele. Quem procura outra coisa fora de Deus e da salvação de sua alma, achará somente dor e tribulação.
188
7. A t i t u d e s e r r ô n e a s n o c u l t o a M a r i a
"Cremos oportuno chamar a atenção sobre algumas atitudes cultuais errôneas. O Concilio Vaticano II denunciou, de
maneira autorizada, seja o exagero de conteúdos ou de formas
que chegam a falsear a doutrina, seja a estreiteza de mente que
obscurece a figura e a missão de Maria. Denunciou também
certos desvios cultuais: a credulidade vã que substitui o empenho sério pela fácil aplicação de práticas externas somente;
o estéril e passageiro movimento do sentimento, tão alheio ao
estilo do Evangelho que exige obras perseverantes e ativas.
Reiteramos esta deploração: não estão em harmonia com a fé
católica e, conseqüentemente, não devem subsistir no culto católico. A defesa vigilante contra tais erros e desvios tornará
mais sólido e genuíno o culto à Virgem: sólido em seu fundamento, pelo qual o estudo das fontes reveladas e a atenção
para com os documentos do magistério prevalecerão sobre a
desmesurada busca de novidades ou de fatos extraordinários;
objetiva no enquadramento histórico, pelo qual deverá ser eliminado tudo aquilo que é manifestamente lendário ou falso;
adaptado ao conteúdo doutrinai, daí a necessidade de evitar
apresentações unilaterais da figura de Maria que, insistindo excessivamente sobre um elemento, comprometem o conjunto
da imagem evangélica; límpida em suas motivações, pelo qual
se tenderá cuidadosamente longe do santuário todo interesse
mesquinho."
(Paulo VI, Marialis cultus, 38).
8. A t e o l o g i a p r é - c o n c i l i a r , a l h e i a a o m u n d o
moderno
"O Dictionnaire de théologie catholique é uma colossal obra
coletiva constituída de 15 volumes e 41.338 colunas, redigida de
1930 a 1950 e destinada a proporcionar uma exposição completa
do pensamento doutrinai da igreja católica. Segundo o seu dire-
189
tor, 'abrange todas as questões que interessam ao teólogo'. Que
encontramos ali?
Em profession, encontramos um artigo sobre 'profissão de
fé'. E m métier (ofício, nada. E m travail (trabalho), nada. E m
profane, nada. E m paternité, nada. E m maternité, nada. E m
femme (mulher), nada. E m amour, um terço de coluna assim
distribuído: amor de Deus, cf. charité; amor do próximo, cf.
charité; amor próprio, algumas poucas linhas que remetem a
ambition; amor puro, cf. charité; mas sobre o amor humano
propriamente dito, nada consta. Amitié, nada. Bonheur (felicidade), um terço de coluna que nos remete à palavra béatitude.
Vie (vida), um artigo sobre a 'vida eterna'. Corps (corpo), um
a r t i g o . . . sobre os corpos gloriosos (!). Sexe, nada. Plaisir (prazer), nada. Joie (alegria), nada. Souffrance, nada. Maladie (enfermidade), um artigo que se inicia com estas palavras: 'Neste
título agrupamos diversos casos de extensão da lei que supõe
para os enfermos o seu mau estado de saúde' (!). Mal, vinte
e cinco colunas. Economie, nada. Politique, nada. Pouvoir (poder): finalmente, um longo artigo de 103 colunas s o b r e . . . 'o
poder do papa na ordem temporal' (!). Technique, nada. Science: novamente u m longo artigo dividido em quatro pontos: ciência sagrada, ciência de Deus, ciência dos anjos e das almas
separadas, ciência de C r i s t o . . . ; entretanto, do que chamamos
ciência, nada. Art (arte): um longo artigo s o b r e . . . a arte cristã
primitiva. Beauté (beleza), nada. Valeur (valor), nada. Personne,
uma linha: cf. hypostase (!). Histoire, nada. Terre, nada. Monde
(mundo) nada. Laicat, nada mais que u m artigo sobre o laicismo, para estigmatizá-lo como uma heresia (!).
Por conseguinte, do Dictionnaire
de théologie
catholique
está praticamente ausente um discurso teológico organizado
sobre as realidades terrenas".
(Ph. Roqueplo, Experiência
Salamanca, 1968, p. 19-21).
dei mundo,
experiência
de Dios7,
frutos da terra não germinarem e os arbustos secarem em contato com e l e . . . e se os cachorros o comerem são afetados de
cólera."
(Inocêncio III, De contemptu
munãi).
A mortificação exterior
"As penitências exteriores praticam-se por três motivos principais: o primeiro, para satisfazer pelos pecados passados; o
segundo, para vencer-se a si mesmo, isto é, para obrigar a sensualidade a obedecer à razão, e todas as tendências inferiores
estarem mais sujeitas às superiores; o terceiro, para solicitar e
obter de Deus alguma graça ou dom que a pessoa quer e deseja,
por exemplo, a de sentir contrição íntima pelos seus pecados,
de os chorar amargamente, de derramar lágrimas pelas penas
e dores que Cristo nosso Senhor padeceu na sua paixão, ou
enfim para achar a solução de alguma dúvida em que se encontre."
(Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 87).
O terceiro grau de humildade
"O terceiro grau de humildade é o mais perfeito. Inclui os
dois primeiros e consiste no seguinte: sendo igual o louvor e
a glória da divina Majestade, para imitar e parecer-me mais
atualmente com Cristo, eu quero e escolho, em vez de riqueza,
mais pobreza com Cristo; em vez de honras, injúrias com Cristo; e desejo mais ser tomado como ignorante e louco por Cristo,
que por primeiro foi tratado assim, do que ser tido por sábio
ou prudente neste mundo."
(Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais,
167).
A religião é a
Reconciliação c o m o mundo
moderno
"Romanus Pontifex potest ac debet cum progressu, cum
liberalismo et cum recenti civilitate sese reconciliare et componere." (O Romano Pontífice pode e deve reconciliar-se e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna.)
(Proposição
condenada
9. D e s p r e z o d o
pelo "Syllabus"
de Pio IX, 1864).
homem
"O h o m e m . . . formado de asquerosíssimo sêmen, concebido com a insipidez da carne, nutrido com o sangue menstrual,
do qual se afirma ser tão detestável e imundo a ponto de os
190
profundidade
"Ser religioso significa perguntar apaixonadamente pelo sentido de nossa vida e estar aberto a uma resposta, mesmo quando ela nos faz vacilar profundamente. Uma concepção deste
tipo faz da religião algo universalmente humano, se bem que
isto derive do que ordinariamente se entende por religião. Religião como dimensão de profundidade não é a fé na existência
de certos deuses, nem sequer na existência de um só Deus. Não
consiste em atualizações ou atitudes nas quais se manifesta a
vinculação do homem com o seu deus. Ninguém pode discutir:
neste sentido, as religiões históricas são, com efeito, "religião".
Porém a verdadeira essência da religião diz muito mais do que
a religião tomada no sentido mencionado; é o ser mesmo do
191
homem enquanto se coloca em jogo o sentido de sua vida e
da existência de modo geral.
A religião é a substância, o fundamento e a profundidade
da vida do espírito humano. Esta é a dimensão religiosa do
espírito humano.
Fé é o ser apreendido por algo que nos toca incondicionalmente, e Deus é o nome cujo conteúdo consiste nisso que nos
toca incondicionalmente."
(Paul Tillich, La dimensión perdida, Bilbao, 1970, p. 13, 32,
63).
10. Individualismo
religioso
"Onde estás, quando não estás presente a ti mesmo? E, se
descurando de ti, percorres todas as coisas, de que te aproveitará? Se queres gozar verdadeira paz e concórdia, volta as costas a tudo, tendo somente a ti debaixo dos olhos. Não é necessário que respondas pelos outros; somente de ti deveras dar
conta."
(Tomás de Kêmpis, Imitação de Cristo, II, 5,2; II, 24,1).
"Evita, quanto possível, do bulício do mundo; porque, por
mais reta que seja a intenção, é sempre inconveniente tratar
de coisas m u n d a n a s . . . Quisera eu, muitas vezes, ter calado e
não me haver achado entre os homens. Disse alguém: 'Sempre
que estive entre os homens menos homem voltei'. É o que experimentamos, amiúde, depois de prolongadas palestras. Aquele
que se aparta de conhecidos e amigos, desse se aproxima Deus
com os seus santos a n j o s . . . Merece louvor o religioso que sai
raramente, foge de ver os homens e deles ser visto."
(Tomás de Kêmpis, Imitação de Cristo, I, 10,1; I, 20,2; I,
20,6).
11. A atividade h u m a n a vale s o m e n t e
t e n ç ã o " c o m q u e é feita
pela
"reta in-
"Amigo, para revalorizar o trabalho humano, que a perspectiva e a ascética cristãs parecem desprezar, deves injetar-lhe a substância maravilhosa da boa vontade. Purifique as tuas
intenções, e então a menor de tuas ações encontrar-se-á saturada de Deus.
Sem dúvida, a materialidade de teus atos não têm valor
definitivo algum. O fato de os homens descobrirem, mais ou
menos uma verdade ou um fenômeno, que façam ou não boa
música ou belas esculturas, que sua organização terrestre esteja mais ou menos alcançada, tudo isto carece diretamente de
192
importância para o céu. Nada, com efeito, de quanto toca estas
criações ou estas descobertas formará parte das pedras com
que está construída a nova Jerusalém. Todavia, o que ali constará, o que permanecerá sempre, é ter agido de
conformidade
com a vontade de Deus.
Deus não precisa, em absoluto, é evidente, de nenhum dos
produtos de tua industriosa atividade, visto que tudo pode ter
sem ti. O que exclusivamente interessa a Deus e, evidentemente,
deseja intensamente, é que se faça um uso fiel da liberdade e
que a ele se dê preferência sobre todos os objetos que nos
rodeiam.
É preciso compreender bem isto: as coisas sobre a terra
não te foram dadas a não ser como uma matéria. Isto para que
te exercites com ela, com a qual é preciso que faças espírito
e coração como sobre uma tabula rasa. Tu te encontras em
campo de prova, no qual Deus pode julgar se és apto ou não
para ser levado ao céu, à sua presença. Estamos em um período de provação. Portanto, pouco importa o valor como também não importa o que será feito dos frutos da terra. O problema está em saber se te serviste deles para aprender a obedecer e a amar.
Não te apegues, pois, ao grosseiro envoltório das obras
humanas. Não é senão palha, combustível, ou frágil barro. Pensa, ao contrário, que em cada um destes humildes vasos é
possível trasvasar, como se fosse seiva ou um precioso licor,
o espírito de docilidade e de união com Deus. Se os fins terrestres em si mesmos nada valem, podem ser, entretanto, objeto de amor, visto que oferecem a ocasião de dar provas de
tua fidelidade ao Senhor."
(Teilhard de Chardin, O meio divino, Ed. Cultrix, São Paulo. Palavras que o Autor coloca na boca do "diretor espiritual
clássico").
12. O poder material
submetido
ao poder
espiritual
"Por força da fé, obrigados a crer e a manter a existência
de uma única e santa igreja católica e apostólica, e nós firmemente o cremos e simplesmente o confessamos, e fora dela
não há salvação nem perdão dos p e c a d o s . . .
Somos instruídos pelas palavras do evangelho de que, nesta e em sua potestade, há duas espadas: a espada espiritual e
a espada t e m p o r a l . . . Tanto uma como a outra estão na potestade da igreja, a espada espiritual e a material. A espada material, entretanto, deve esgrimir-se a favor da igreja: a espada
espiritual, pela igreja mesma. Uma pela mão do sacerdote, a
outra pela mão do rei e dos soldados, se bem que com a indicação e consentimento do sacerdote. Porém, é preciso que a
193
espada esteja submetida à espada e que a autoridade temporal
se submeta à autoridade espiritual... Que a potestade espiritual ultrapasse em dignidade e nobreza qualquer potestade terrena é coisa que devemos confessar com tanto mais clareza
quanto ultrapasse o espiritual ao temporal... Porque, segundo atesta a verdade, a potestade espiritual tem que instituir a
potestade temporal, e julgar se ela não for boa... Por isso, se
a potestade terrena se desvia, será julgada pela potestade espiritual; se se desvia a espiritual inferior, por sua superior;
mas se a suprema se desviar, por Deus somente, não pelo homem, poderá ser julgada...
Esta potestade espiritual, mesmo que confiada a um homem
e exercida por um homem, não é humana, mas, com maior
razão, divina, pois por boca divina foi confiada a Pedro, e
nele e em seus sucessores confirmada naquele a quem confessou, e por isso foi pedra, quando o próprio Senhor disse a
Pedro: 'Tudo o que ligares...' etc.
Submeter-se ao Romano Pontífice, nós o declaramos, afirmamo-lo, definimos e proclamamos como necessário para a salvação de toda a criatura humana".
(Bonifácio VIII, Bula unam sanctam, 1302).
A excomunhão de Pedro III de Aragão (1283)
"Achamos oportuna que uma sentença vingadoura atinja
o mencionado Pedro, descendente dos reis de Aragão, e a sua
desmedida ousadia. Por isso, ao mesmo tempo em que declaramos livre o reino de Aragão e demais terras deste rei, conforme o conselho de seus irmãos, segundo mostra a continuação,
privamos por sentença a este Pedro, rei de Aragão, por assim
exigir a justiça, de seu reino, terra e honra real e, despojando-o
deles, oferecemo-los à ocupação dos católicos ( . . . ) .
A seus vassalos, aos quais já absolvemos do juramento de
fidelidade pelo qual pudessem estar a ele sujeitos, nós os declaramos completamente livres e os eximimos mais uma vez
expressamente dele e de qualquer vínculo de fidelidade e homenagem.
Damos, pois, por nulos com pleno poder uniões, pactos,
alianças, acordos e quanto tenha podido existir, dispensamos
por completo dos juramentos prestados com tal motivo e das
penas impingidas a todos e a cada um daqueles que se obrigaram solenemente a observá-los. E de um modo muito especial
proibimos expressamente que os arcebispos, bispos e demais
eclesiásticos, condes, viscondes, barões, vizinhos e moradores
acima citados do reino è das terras de Aragão: tenham por
rei o citado Pedro, rei que foi de Aragão. Todos ficam proibidos de lhe prestarem obediência e de lhe atenderem, em sua
194
pessoa ou na de quem o represente, em matéria de tributos,
ajudas, dívidas por direitos real ou senhorio, ou procurem dar-lhe satisfação sob que pretexto for..."
(Bullarim romanum IV, 64).
Uma igreja a serviço dos homens
"A igreja somente é igreja quando existe para os demais.
Para dar um exemplo, deveria distribuir todos os seus bens
aos pobres.
O clero deveria viver exclusivamente do que livremente os
membros de sua congregação lhe ofereçam, ou realizando por
acaso alguma tarefa secular.
A igreja deve participar dos problemas seculares da vida
humana normal, não tentando dominar, mas ajudando e servindo."
(D. Bonhoeffer, Cartas ãa prisão).
13. A religião, a tranqüilidade e a revolução
"A liberdade religiosa é muito prejudicial para a liberdade
verdadeira, tanto dos governantes como dos governos. A religião, ao contrário, é sumamente proveitosa para essa liberdade,
porque coloca em Deus a origem primeira do poder e impõe
com a máxima autoridade aos governos a obrigação de não
esquecer os seus deveres, de não mandar com injustiça ou
dureza e de governar os povos com benignidade e com um
amor quase paterno. Por outro lado, a religião ordena que os
cidadãos sejam submissos aos legítimos poderes como a re
presentantes de Deus e os une aos governantes não somente
por meio da obediência, mas também com um respeito amoroso,
proibindo toda revolução e toda atividade que possa perturbar
a ordem e a tranqüilidade pública."
(Leão XIII, Libertas praestantissimum, 17, 1888).
A religião, acima das turbulências políticas
"É necessário separar também em nossa apreciação intelectual a religião da política, que são diferentes por sua própria
natureza específica. Porque as questões políticas, por mais honestas e importantes que sejam, consideradas em si mesmas,
não transcendem os limites desta vida terrena. Pelo contrário,
a religião, nascida de Deus, refere a Deus todas as coisas, eleva-se muito mais alto, alcançando o céu. O que a religião deseja,
a sua pretensão, é satisfazer a alma — que é a parte mais valiosa do homem — com o conhecimento e o amor de Deus e
195
conduzir, por um caminho seguro, o gênero humano à cidade
futura, para a qual tendemos. Por esse motivo é certo consi
derar a religião e tudo aquilo que se ligue a ela de um modo
particular como realidades pertencentes a uma ordem superior. Donde segue-se que a religião, por ser o maior dos bens,
deve permanecer sempre íntegra no meio das mudanças da vida
humana e das mudanças políticas dos Estados. Isto porque a
religião abrange todos os tempos e se estende a todos os territórios. E os filiados a partidos políticos contrários, mesmo que
não se entendam em tudo o mais, é preciso que todos estejam
de acordo neste ponto: que é preciso salvar no Estado a religião católica."
(Leão XIII, Cum multa, 3, 1882).
14. As desigualdades sociais, algo natural e imutável
"Saibam, além disso, que também cai dentro da natural
e imutável condição das coisas humanas que, mesmo fora da
ordem de uma autoridade superior, uns prevaleçam sobre
outros, seja pelos diversos dotes de alma e de corpo, seja pelas riquezas ou por outros bens desta índole. E jamais, sob
pretexto algum de liberdade ou de igualdade, pode-se ter como
lícito invadir bens e ou direitos alheios ou violá-los de qualquer modo."
(Pio IX, Nostis et nobiscum, 19, 1849).
As desigualdades sociais, algo querido por Deus
"A sociedade humana tal como Deus a estabeleceu compõe-se por elementos desiguais. Conseqüentemente, está de acordo
com a ordem estabelecida por Deus que na sociedade humana
existam príncipes e súditos, patrões e proletários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus."
(Pio X, Fin dalla nostra prima enciclica, 5, 1903).
A verdadeira igualdade social
"Finalmente, saibam os fiéis confiados aos vossos e aos
nossos cuidados que a verdadeira e perfeita liberdade e igualdade entre os homens consiste na guarda da lei cristã, posto
que Deus onipotente, que criou o humilde e o poderoso e para
quem é igual o cuidado de todos (Sb 6,8), não deixará de fora
ninguém nem temerá a grandeza de nada (ib.) e determinou o
dia em que haverá de julgar o mundo inteiro em eqüidade (Hb
17,31)."
(Pio IX, Nostis et nobiscum, 23, 1849).
196
"A igualdade dos diferentes membros sociais consiste somente no fato de que todos os homens têm sua origem em
Deus Criador, que foram redimidos por Jesus Cristo e devem,
à medida exata de seus méritos e deméritos, ser julgados e
recompensados ou castigados por Deus."
(Pio X, Fin dalla nostra prima enciclica, 5, 1903).
15. Abrir a Bíblia para o povo
"O sol é comum e está exposto à vista de todos, do mesmo
modo também a doutrina de Cristo. Não afasta em absoluto
ninguém, a não ser que alguém se afaste por si mesmo, privando-se a si mesmo. Com efeito, não concordo, veementemente
com os que não querem que a Sagrada Escritura, traduzida na
língua do povo, seja lida pelos leigos, como se Cristo tivesse
ensinado coisas tão intrincadas que apenas pudessem ser compreendidas por uns poucos teólogos, ou como se a defesa da
religião cristã estivesse no fato de ser desconhecida. Talvez seja
bastante conveniente que se guardem os segredos dos reis. Porém, Cristo deseja que seus segredos sejam divulgados o máximo possível. Quisera eu que todas as jovens lessem o evangelho e as epístolas de são Paulo. E oxalá houvesse traduções
em todas .as línguas para que esses escritos pudessem ser lidos
e conhecidos não somente pelos escoceses e irlandeses, mas
também pelos turcos e sarracenos. O primeiro passo é, certamente, conhecê-los de alguma maneira...
Oxalá o lavrador ao seu arado cantasse algum trecho tirado
da Bíblia, e o tecelão entoasse alguma passagem sagrada junto
ao seu tear; oxalá o peregrino aliviasse o tédio da viagem com
papos deste tipo. Que todas as conversas dos cristãos partam
desses textos sagrados, pois na verdade somos tais como são
nossas conversas de cada dia. Que cada um chegue até onde
possa e que cada um expresse o que possa...
Por que limitamos a uns poucos uma profissão que é propriedade comum de todos? Pois já que o batismo é comum por
igual a todos os cristãos e é a primeira profissão da fé cristã,
e já que os outros sacramentos e, em último termo, o prêmio
da imortalidade pertencem a todos igualmente, não é coerente
que somente os dogmas devam ser relegados a esses poucos a
que chamamos hoje de teólogos ou monges."
(Erasmo de Rotterdam, Paraclesis, id est, aãhortatio ad
Christianae phüosophiae studium, prólogo à edição do Novo Testamento, 1556).
197
16. Os três primeiros capítulos do Gênesis
"Carecem de sólido fundamento os sistemas exegéticos excogitados para excluir o sentido literal histórico dos três primeiros capítulos do Gênesis. Não se pode dizer que não contenham narrativas de coisas acontecidas realmente, ou ainda
mitos pagãos purgados do politeísmo, ou ainda símbolos apresentados como história, ou ainda lendas apenas parcialmente
históricas compostas para a edificação. De modo especial, não
se pode colocar em dúvida o sentido literal histórico naquilo que
diz respeito a fatos que tocam os fundamentos da religião cristã,
como são: a criação do universo, a peculiar criação do homem,
a formação da mulher a partir do homem; a unidade do gênero
humano, a felicidade original no estado de justiça, o preceito
divino como prova, a transgressão sob a sugestão do diabo em
figura de serpente, a queda do estado original, a promessa do
futuro Reparador."
(Pontifícia Comissão Bíblica, 1909; Denzinger 2121-2128, abreviado).
Os motivos da encarnação
" . . . Aqui recordarei as Três Pessoas divinas, lançando os
olhos sobre toda a redondeza da terra cheia de homens, e vendo
como todos se precipitavam no inferno, decretaram em sua
eternidade que a segunda Pessoa da SS. Trindade se fizesse homem para salvar o gênero humano, e assim, chegada a plenitude dos tempos, o Arcanjo são Gabriel foi enviado a Nossa
Senhora..."
(Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 102).
17. Nova visão teológica e litúrgica a partir do mistério
pascal
"De acordo com uma idéia bastante difundida, a ressurreição é um epílogo. O mistério representa-se por completo no
Calvário, e o drama tem seu desfecho na sexta-feira santa na
hora nona. A Páscoa dá-nos a conhecer os destinos do herói
depois de sua grande aventura. Consumada sua obra, era necessário que o Filho de Deus retornasse à vida, 'porquanto não
era possível que fosse dominado pela morte' (Hb 2,24).
A Escritura não concebe deste modo a história de nossa redenção.
Em tempo não muito distante de nós, a teologia dissertava
sobre a redenção de Jesus Cristo sem mencionar sequer sua
ressurreição. Os teólogos esmeravam-se em valorizar o alcance
198
apologético do fato da Páscoa, porém não pensavam em esquadrinhá-lo como um insondável mistério da salvação.
Concebiam a obra redentora de Cristo consumada em sua
encarnação, em sua vida e morte na cruz. Insistiam no caráter
de reparação, de satisfação e de mérito desta vida e morte, e
geralmente não passavam daí. Se às vezes mencionavam a ressurreição, não era tanto para situá-la no mistério de nossa salvação, como para mostrar nela o triunfo pessoal de Cristo sobre seus inimigos, e como uma espécie de desforra gloriosa sobre seus anos de humilhações redentoras. Em uma palavra, a
ressurreição de Cristo ficava privada da significação profunda
que os primeiros herdeiros do Evangelho tinham propugnado
e relegado à periferia da economia de nossa restauração. Uma
omissão tão sensível tinha de empobrecer a teologia da redenção.
Na história da espiritualidade da igreja, o despertar da
consciência sobre o mistério pascal será indubitavelmente o
maior acontecimento de nosso tempo."
(F. X. Durrwell, La resurrección de Jesus, mistério de salvación, Barcelona, 1967, p. 17, 11 e 12).
18. Condições para comungar
" ( . . . ) A missa nasceu durante uma refeição. Comer juntos
é sinal de amizade, de união, de festa. Come do mesmo prato
quem é da família, é amigo, companheiro leal. Na missa todos
comem do mesmo pão, no mesmo prato, bebem do mesmo
vinho, no mesmo copo.
O pão e o vinho são Jesus. Esta comida chama-se comunhão: união com Deus, nosso Pai; união com os irmãos, sinal
de igualdade.
Somente pode comer deste pão quem é companheiro de
verdade:
— quem sabe repartir com os outros aquilo que possui;
— quem se compromete com os pobres e os fracos, como o
fez Jesus;
— Quem luta para que não falte o pão na mesa de ninguém,
para que todos tenham justiça e liberdade.
Não pode comungar quem somente se preocupa consigo
mesmo, com seus negócios e interesses:
— quem explora a classe trabalhadora;
— quem força os outros a viver oprimidos;
— quem persegue os outros e não valoriza os pobres e os fracos.
199
A mesa de Deus é a mesa dos pobres e oprimidos que lutam pela igualdade e pela justiça.
Jesus sempre esteve do lado dos pobres e oprimidos e
contra os exploradores e dominadores do povo, contra os que
usavam a religião para seu proveito próprio. Por isso chamaram-no de agitador e subversivo e o mataram. A morte de Jesus, porém, não acabou com ele. Ele ressuscitou! Está vivo. A
ressurreição de Jesus é a grande força dos cristãos, fonte de
coragem e de esperança. É sinal e garantia da vitória e da libertação.
O pão e o vinho na missa são sinal e recordação da morte
de Jesus. O pão é o corpo vitimado. O vinho, o sangue derramado. É a presença de Jesus ressuscitado no meio da comunidade. Comer deste pão, beber deste vinho, compromete o cristão a lutar e a viver como Jesus, sem medo da perseguição,
do sofrimento e até da morte.
Participar da missa é unir todo trabalho, todo sofrimento,
toda luta, toda morte, ao sofrimento e à morte de Jesus para
serem transformados pela fé, pela união do povo, pela luta valente contra a exploração e a injustiça, na alegria e na festa
da vitória, como a morte de Jesus se transforma em vida e
em 'ressurreição'."
(Prelazia de São Félix do Araguaia, Que é a missa? Vozes,
Petrópolis, 1980).
19. A condenação da conquista da América
"Que esta guerra seja injusta, isto se prova, em primeiro
lugar, levando-se em conta que nenhuma guerra é justa se não
existe alguma causa que justifique a sua declaração; isto significa que o povo contra o qual se move a guerra deve merecê-la
por alguma injúria cometida contra o povo atacante. Ora, o
povo infiel que vive em sua pátria, separada dos confins dos
cristãos, e ao qual se decide atacar pela guerra sem razão alguma a não ser aquela de sujeitá-lo ao império dos cristãos,
para que se disponha a receber a religião cristã e para que se
tirem os impedimentos da fé —, não cometeu contra o povo
cristão nenhuma injúria pela qual mereça ser atacado com a
guerra; logo, esta guerra é i n j u s t a . . .
Esta guerra é iníqua, e a razão é que prejudica a piedade
referente a Deus. Prejudica-a diminuindo ou colocando obstáculos à própria piedade divina, ao culto e à honra divinas, que
se acrescentaram com a dilação da fé e com a conversão dos
gentios, a quem estes homens escandalizam, despedaçam e matam . . .
É, finalmente, uma guerra tirânica. Primeiramente, porque
é violenta e cruel e é feita sem haver culpa nem causa, como
200
obra própria de ladrões, salteadores e tiranos; porque não têm
o direito de fazer as coisas tão profundamente injuriosas e
nefandas que fazem, trazendo aos gentios as maiores doenças,
angústias e calamidades, como se fossem, como de fato o são,
uma ruína da maior parte do gênero humano. E m segundo lugar, porque antepõem sua própria utilidade particular e temporal, coisa que é própria dos tiranos, ao bem comum e universal, isto é, à honra divina e à salvação e vida espiritual e temporal de inumeráveis pessoas e povos. De onde se deduz que
o principado adquirido com tal guerra é injusto, mau e tirânico,
e está cheio de maldições de Deus."
(Frei Bartolomeu de Las Casas, De único vocationis
modo
omnium gentium ad veram religionem, 1536-1537, cap. 7,2).
Renovação da vocação missionária da igreja no Concilio
"O 'estado de sítio' da igreja dos séculos XIX e XX até o
Vaticano II — tempo em que se formou o modelo da 'restauração espiritual do barroco' — pôde defender artificialmente a
segurança existencial do sacerdote, criando-se uns muros diante do espaço real da vida e do pensamento moderno. Entretanto, essa situação era incompatível com a essencial vocação
missionária da igreja. Era preciso optar, porque a igreja se
convertera em uma seita marginal, ou voltar a abrir o diálogo
com a história em marcha. Esta foi a opção do Vaticano II.
Abriu a janela e entrou um furacão. De quem é a culpa? Quatro séculos de defasagem e de empenho em se manter linguagens dogmáticas, éticas, teológicas, espirituais... defasadas e
sem vigência para o homem real que vive à altura do tempo."
(Fernando Urbina, "Modelos
Concilium 149, 1979, 430).
de
santidad
sacerdotal"
in
20. A igreja e a liberdade
"Jesus Cristo, libertador do gênero humano, veio restaurar
e enriquecer a dignidade antiga da natureza. Socorreu de modo
extraordinário a vontade do homem e a elevou a um estado
melhor, concedendo-lhe, por u m lado, os auxílios de sua graça
e abrindo lhe, por outro, a perspectiva de uma eterna felicidade
nos Céus. De modo semelhante a igreja foi e sempre será benemérita desse precioso dom da natureza, porque sua missão
é precisamente a conservação, ao longo da história, dos bens
que adquirimos por meio de Jesus Cristo. São, no entanto, muitos os homens para os quais a igreja é inimiga da liberdade
humana. A causa desse preconceito reside em uma errônea e
adulterada idéia da liberdade.
201
Já falamos, em outras ocasiões, sobre as liberdades
modernas, distinguindo o que nelas existe de bem e de mal. Demonstramos, ao mesmo tempo, que tudo aquilo de bom que estas
liberdades apresentam é tão antigo quanto a própria verdade,
e que a igreja sempre o aprovou de boa vontade e sempre
o incorporou à prática diária de sua vida. A novidade acrescida
modernamente, se devemos falar a verdade, não é mais do que
uma autêntica corrupção produzida pelas turbulências da época
e pela imoderada febre de revoluções.
. . . Das considerações expostas segue-se que é completamente ilícito pedir, defender, conceder a liberdade de pensamento, de imprensa, de ensino, de cultos, como outros tantos
direitos dados pela natureza ao homem. Porque se o homem
tivesse recebido realmente estes direitos da natureza, teria direito a rechaçar a autoridade de Deus, e a liberdade humana
não poderia ser limitada por lei alguma. Segue-se além disso
que estas liberdades, se existem causas justas, podem ser toleradas, porém dentro de certos limites para que não se degenerem em uma insolente desordem. Onde estas liberdades se
acham vigentes, usem delas os cidadãos para o bem, porém
pensem sobre elas o mesmo que a igreja pensa. Uma liberdade
não deve ser considerada legítima mais do que quando supõe
um aumento na facilidade para viver de acordo com a virtude.
Fora desse caso, jamais" (30).
(Leão X I I I , Libertas
praestantissimum,
1888).
21. A intolerância
"Primeiramente, se a Majestade do Rei se confessasse não
somente católica, como sempre o fez, mas se se pronunciasse
abertamente contrária e inimiga das heresias, e declarasse guerra a todos os erros heréticos, parece que seria, entre os remédios humanos, o maior e mais eficaz.
Aproveitaria imensamente também não permitir a permanência no governo, sobretudo no governo supremo de alguma
província ou lugar, nem em cargos de justiça nem em dignidades, ninguém que seja contaminado de heresia.
Finalmente, oxalá ficasse assentado e fosse a todos manifesto o seguinte: não deve ser agraciado com honrárias e riquezas alguém que se convença ou caia em grave suspeita de
heresia. Antes, deve ser destituído destes bens! E se aplicassem
alguns corretivos, castigando a alguns com a pena da vida, ou
com perda dos bens e do desterro. Tudo isto para mostrar que
o negócio da religião deve ser tomado a sério. Este seria um
remédio mais eficaz.
Quanto aos professores da Universidade de Viena e de outras universidades ou quem nelas exerça cargos de governo,
202
observe-se o seguinte: se em coisas referentes à religião católica não gozam de boa fama, devem, ao nosso ver, ser destituídos do cargo. O mesmo pensamos a respeito dos reitores, diretores e professores de colégios privados, para evitar que corrompam os jovens. Os mestres de escola e educadores deveriam
entender e provar, de fato, com a experiência, que não haveria
para eles lugar nos domínios do Rei, caso não fossem católicos
e dessem publicamente provas de sê-lo.
Seria conveniente que, após diligente pesquisa, os livros heréticos encontrados em poder dos livreiros e de particulares
fossem queimados, ou levados para fora das províncias do reino. Igualmente diga-se dos livros dos hereges, mesmo quando
não heréticos, como os que versam sobre a gramática, sobre a
retórica, sobre a dialética, de Melanchton etc. Do mesmo modo
seria de grande proveito proibir, sob graves penas, que nenhum
livreiro imprimisse algum dos livros citados.
Não se deveria tolerar curas ou confessores suspeitos de
heresia. Deveriam ser despojados imediatamente de todas as rendas eclesiásticas todos os que fossem declarados heréticos: pois
é melhor uma grei sem pastor do que ter um lobo por pastor.
Todos os que fossem tidos como heréticos seriam infames
e inábeis para todas as honras; e ainda que parecesse possível,
talvez fosse prudente conselho penalizá-los com o desterro ou
com o cárcere, e alguma vez até com a morte."
(Inácio de Loyola a Pedro Canísio, 13 de agosto de 1554).
Não à liberdade religiosa
"Liberam cuique homini est eam amplecti ac profiteri religionem, quam rationis lumine quis ductus veram putaverit."
(Todo homem é livre para abraçar e professar a religião que
julgue verdadeira, guiado pela luz de sua razão.)
(Proposição condenada pelo Syllabus
de Pio IX, 1864).
Ser gratos a Constantino
"Porque é muito doloroso que, enquanto agradecemos à
divina Providência por ter chamado Constantino das trevas do
gentilismo para que erigisse templos e altares àquela religião
que seus antepassados durante três séculos procuraram exterminar, restituísse aos cristãos os bens usurpados e desse ao
cristianismo plena liberdade religiosa, nós, em meio ao decantado progresso da civilização e em meio a tanta luz científica,
devemos reclamar em vão para a igreja, inclusive dos governos cristãos, aquela liberdade que eles próprios reconhecem ou
203
deveriam reconhecer como necessária para o desenvolvimento
da ação sobrenatural da igreja na terra."
(Pio X, A liberdade da igreja, 1, 1913).
22. Direitos humanos na igreja
"Os direitos humanos devem ser respeitados na igreja. Seja
qual for o modo como alguém se associa à igreja, ninguém deve ser privado dos direitos comuns.
A todos a igreja reconhece o direito a uma conveniente liberdade de expressão e de pensamento, o que supõe também o
direito a que cada um seja ouvido em um espírito de diálogo
que mantenha uma legítima variedade dentro da igreja.
Os procedimentos judiciais devem conceder ao imputado o
direito de saber quem são os seus acusadores, assim como o
direito a uma conveniente defesa. A justiça, para ser completa,
deve incluir a rapidez no processo, e isto se requer especialmente nas causas matrimoniais."
(Sínodo Mundial dos Bispos de 1971, A justiça no mundo,
III, 1).
Queimar os hereges
"Haereticos comburi est contra voluntatem Spiritus." (Levar os hereges à fogueira é algo que contraria a vontade do
Espírito.)
(Proposição condenada como erro de Martin Lutero pela
Bula Exsurge Domine de Leão X, de 15 de junho de 1520, Denzinger, 773).
O Papa e o Secretário Geral do PCUS
"A posição do Papa em relação aos outros membros da
hierarquia é muito semelhante àquela que corresponde ao Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética antes
da revolução chinesa. O Papa é, por tradição, o guia infalível
da política e, por dogma, o intérprete infalível da doutrina. O
Secretário Geral do PCUS estava numa posição equivalente:
ele tinha a sua autoridade 'teológica' reconhecida e era o intérprete principal do corpo doutrinai, as obras de Marx e Le
nine. Tanto um como outro eram chefes de duas gigantescas
burocracias que englobavam o conjunto dos fiéis — as massas
cristãs ou o proletariado socialista — mas que se definiam como seus vanguardas e se arrogavam o direito de falar no nome
deles. (...) A base organizacional para o exercício de seu poder era dada por um grupo de elite, selecionado do pessoal
204
profissional, permanente, no seio do qual existia uma nítida
predominância nacional: a Cúria Romana, de maioria italiana,
o Politburo, de maioria russa. (...) O recrutamento dos quadros
não fazia teoricamente discriminações contra os grupos sociais,
e oferecia a todos oportunidades iguais de subir. Entretanto, privilegiava-se a burguesia de um lado, e o proletariado do outro.
Esses quadros tinham a obrigação comum de aderir sem crítica às estruturas de poder estabelecidas e de lhes prometer obediência. Sua liberdade de expressão era limitada pela invocação
de razões maiores — o interesse do proletariado e da revolução ou aquele da igreja — cujos limites somente os árbitros
supremos eram capazes de definir. A formação dos quadros,
tanto num caso como no outro, se realizava em escolas especializadas, cuja ideologia era estritamente controlada por um
aparelho burocrático e cujos professores eram escolhidos por
sua ortodoxia, sua lealdade e seus conhecimentos do corpo doutrinai. As duas burocracias dispunham de organizações especializadas, entre as quais aquelas encarregadas do policiamento da
doutrina..."
(C. A. de Medina e P. A. Ribeiro de Oliveira, Autoridade e
participação — Estudo sociológico da Igreja Católica, Petrópolis, 1973, citado por Leonardo Boff em Igreja: carisma e poder
— Ensaios de Eclesiologia Militante, Vozes, Petrópolis, 1981, p.
91-92).
23. Instituição e crítica na igreja
"Ao longo dã história, desde os primeiros tempos, a igreja
teve um aspecto institucional. Teve ministros reconhecidos, fórmulas confessionais aceitas e fórmulas prescritas de adoração
pública. Tudo isso é necessário, e portanto bom, porém não
implica necessariamente uma institucionalização exagerada, da
mesma maneira que a existência do Papa não implica papismo,
nem a existência de leis legalismo, ou nem a existência de dogmas dogmatismo. Por institucionalismo queremos dizer um sistema no qual os elementos institucionais são considerados como
primários. Do ponto de vista deste autor, o institucionalismo é
uma deformação da verdadeira natureza da igreja em certos
períodos de sua história, e que permanentemente existe um perigo de institucionalização da igreja. Um crente cristão deve
opor-se energicamente ao institucionalismo e este não deve estar
em conflito com o seu forte compromisso com a igreja como
instituição."
(Avery Dulles Modelos de Igreja, Santander, 1975, p. 36).
205
Uma igreja que não necessita de renovação
"É tremendamente absurdo e altamente injurioso dizer que
é necessária uma certa restauração ou regeneração (da igreja)
para fazê-la voltar à sua primitiva incolumidade, dando-lhe um
novo vigor, como se se devesse crer que a igreja é passível de
defeito, de ignorância ou de qualquer outra imperfeição humana."
(Gregório XVI, Mirari vos, 10).
Igreja, sociedade perfeita
"Ensinamos e declaramos: a igreja tem todas as marcas de
uma sociedade perfeita. Cristo não deixou esta sociedade indefinida e sem forma, mas ainda mais deu-lhe existência, e sua
vontade determinou a forma dessa existência e lhe deu sua constituição. A igreja não é parte nem membro de nenhuma outra
sociedade. Ela é tão perfeita em si mesma que é justamente
isto que a distingue de todas as outras sociedades humanas e
a situa acima das demais."
(Primeiro esquema da Constituição Dogmática sobre a igreja preparada pelo Concilio Vaticano II).
e do espírito, desigualdade existente também na posse dos bens.
Ordena, além disso, que o direito de propriedade nascido da
mesma natureza seja mantido intacto e inviolado nas mãos de
quem os possui...
A igreja, entretanto, não descuida da defesa dos pobres.
Como mãe piedosa não deixa de prover às necessidades destes.
Pelo contrário, acolhendo-os em seu seio com materno afeto e
tendo em consideração que representam a pessoa de Cristo,
honra-os sobremaneira e os alivia de todos os modos possíveis.
Preocupa-se com solicitude em erigir em todos os lugares casas e asilos em que são recolhidos, alimentados e cuidados, e
preocupa-se em colocar esses estabelecimentos sob sua proteção. Além disso, impõe aos ricos o estrito dever de dar aos
pobres o supérfluo, recordando-lhes que devem temer o juízo
divino, que os condenará aos suplícios eternos se não aliviarem
as necessidades dos indigentes. Por fim, eleva e consola o espírito dos pobres, propondo-lhes o exemplo de Jesus Cristo,
que sendo rico se fez pobre por nosso amor, e recordando-lhes
as palavras com que o Senhor os chamou bem-aventurados,
prometendo-lhes a felicidade eterna. Quem não vê nesta doutrina o melhor meio para resolver o antigo conflito entre pobres e ricos?"
(Leão XIII, Quod apostolici muneris, 9, 1878).
24. A questão das relações entre ricos e pobres
"A questão das relações de rico e do pobre, que tanto preocupa os economistas, seria perfeitamente elucidada se à pobreza não faltar dignidade: que o rico seja generoso e cheio de
misericórdia; o pobre, contente com a sua sorte e satisfeito
com o seu trabalho; pois nem um nem outro nasceram para
o gozo dos bens perecíveis, e devem subir ao céu, o pobre pela
paciência e o rico pela liberalidade."
(Leão XIII, Auspicato concessum, 12, 1882).
Igreja dos pobres?
"A sabedoria católica prove também à tranqüilidade pública
e doméstica com os princípios que mantém e ensina a respeito
do direito de propriedade e da distribuição dos bens adquiridos
para as necessidades e utilidade da vida. Porque os socialistas
apresentam o direito de propriedade como pura invenção humana, contrária à igualdade natural dos homens. Proclamam,
além disso, a comunidade de bens e declaram que não se pode
tolerar com paciência a pobreza, e que é lícito violar impunemente o direito de propriedade dos ricos. A igreja, em contrapartida, reconhece, com maior sabedoria e utilidade, a desigualdade entre os homens, distintos pelas forças naturais do corpo
206
Cristianismo e socialismo
"Não é possível ser verdadeiro católico e verdadeiro socialista ao mesmo tempo."
(Pio XI, Quadragesimo anno, 12, 1931).
A condição da pobreza
"A advertência de Cristo nosso Senhor e os demais avisos
severíssimos sobre o uso das riquezas e seus perigos, que a
igreja católica guarda zelosamente, devem-se ao fato de que a
condição dos pobres e necessitados é mais suportável nos povos
católicos do que em quaisquer outros povos. Eles poderiam ser
ajudados muito mais ainda em nosso país se várias instituições
criadas por nossos antepassados para socorrê-los não fossem
forçadas a fechar suas portas ou não tivessem sido destruídas
recentemente pelas reiteradas revoluções políticas. Recordem
ademais nossos pobres que, como o ensina o próprio Cristo, não
têm por que sentir tristeza de sua condição: às vezes a pobreza
oferece um caminho mais fácil para alcançar a salvação, sempre,
é claro, que alguém suporte pacientemente a indigência e não
seja pobre somente de corpo, mas também de espírito. Já que
207
ele disse: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles
é o Reino dos Céus."
(Pio IX, Nostis et nobiscum, 21, 1849).
As bem-aventuranças da conciliação pastoral
"Bem-aventurados os ricos,
porque são pobres de espírito.
Bem-aventurados os pobres,
porque são ricos de graça.
Bem-aventurados os ricos e os pobres,
porque uns e outros são pobres e ricos.
Bem-aventurados todos os humanos,
porque além, em Adão, são todos irmãos.
Bem-aventurados, enfim,
os bem-aventurados
que, pensando assim,
vivem tranqüilos...,
porque deles é o reino do limbo."
(Pedro Casaldáliga)
25. Revisar um modelo cultuai de sacerdócio
"Um passo decisivo para uma compreensão cúltico-religiosa
da liturgia cristã se dá, segundo Bultmann, até o final do século I, quando a eucaristia é concebida como sacrifício, e vai
desaparecendo a importância da Palavra nas reuniões litúrgicas
( . . . ) . Paralelamente a este processo na compreensão da liturgia,
os ofícios da comunidade adquirem um matiz cúltico. O epískopos (supervisor), que em princípio não tinha caráter cúltico,
converte-se em sacerdote. Deste modo é-lhe conferida uma qualidade que o separa do resto da comunidade e se introduz a
distinção, desconhecida no começo, entre sacerdote e leigo. Quem
dirige o culto agora é visto de acordo com o modelo das religiões ( . . . ) . Este é o passo decisivo de cultualização da fé cristã.
Aparece então, também, a determinação de lugares e tempos
sagrados, a distinção entre sacerdotes e leigos, mais tarde a distinção entre o bispo e os simples sacerdotes e, de modo geral,
um direito da igreja como de origem divina ( . . . ) .
O autor da carta aos Hebreus denuncia a cultualização do
cristianismo segundo o modelo religioso do Antigo Testamento.
Sua tese fundamental é que a graça de Deus já não pode ser
obtida através de sacrifícios apresentados por homens, e que a
comunidade não precisa de sacerdotes, entendidos como no An208
tigo Testamento, para conseguir a mediação entre Deus e os
homens.
A fundamentação desta tese é cristológica: Cristo é o único
sacerdote verdadeiro. Porém, é interessante ver como se entende
o sacerdócio de Cristo. No Novo Testamento, com exceção da
carta aos Hebreus, não se fala normalmente de Jesus enquanto
sacerdote ( . . . ) . O que nos chama a atenção é que os primeiros cristãos compreenderam durante anos a obra de Jesus sem
apelar em nada ao culto, categoria explicativa fundamental nas
religiões...
Jesus foi um leigo, um civil. Não pertencia à tribo sacerdotal de Levi, mas à tribo de Judá. A atividade típica de Jesus
não se desenrolou no templo, mas no meio do povo. A mediação de Jesus não consistiu em libações nem em holocaustos.
Antes, em aproximar-se do oprimido para lhe dar uma esperança e um sentido de vida. A mediação de Jesus consistiu e m
anatematizar o opressor a fim de promover a justiça e o aü 101
entre os homens; em uma palavra, sua mediação fundava-se n a
pregação do Reino de Deus que se aproximava e em colocar a
serviço dessa pregação toda sua atividade e, depois, sua próp r i a
pessoa e vida. O grande conceito sacral — o conceito da vítima
— é dessacralizado completamente por Jesus: nada oferece de
vicário, a cruz não é um altar, sobre ela não existe nenh u m
cordeiro, mas uma vida e um corpo de homem. E desta forma
Jesus realizava, enquanto leigo e homem profano, efetiva e definitivamente, o que os sacerdotes haviam desejado fazer, sem
consegui-lo, de maneira simbólica e sacral: tornar presente o
amor de Deus entre os homens e o intento de uma solidariedade humana".
(Jon Sobrino, Cristologia desde América Latina, Edições
CRT, México, 2.' ed., 1976, p. 230-233).
26. O seguimento de Jesus na igreja
"A teologia da vida religiosa, por um lado, e a teologia da
vida espiritual, por outro, serviram para legitimar a situaçã 0 e
a organização da igreja. Isto significa que, com os argumen^ 03
que essas teologias subministraram, a instituição eclesiástica teve
'boas razões' para tranqüilizar-se, para pensar que na igreja s e
vive a fidelidade ao Evangelho. Porém, sem enfrentar nunc^ a
questão decisiva que consiste em saber se a igreja vive de fat°
essa fidelidade à mensagem de Jesus. Em outras palavra^» a
teologia da vida religiosa e a teologia da vida espiritual serviram, de fato, para colocar à margem as exigências impo£ t a s
pelo seguimento de Jesus, como exigência para a comunidade
de discípulos, isto é, como exigência para a igreja. Isto sigíúfi"
ca, em última instância, que essas teologias são, nada mais n a d a
209
menos, ideologias que serviram para alienar a igreja diante dos
apelos que as palavras de Jesus apresentam para ela. Eis aqui
como se chegou à anulação prática do seguimento de Jesus,
como exigência fundamental que deveria definir e configurar a
igreja.
A conseqüência prática de tudo isto é que os dirigentes eclesiásticos podem continuar afirmando ser a igreja fiel e obediente à mensagem revelada, quando na realidade vive na desobediência formal a essa mensagem. Porque foram encontrados
argumentos sutis e válidos para fazer tanto um como outro. E
assim, mesmo que ensinem e se pratiquem coisas que estão
formalmente contra o que Jesus disse sobre o poder, a autoridade, as honrarias, o dinheiro, a instalação social, a família e
tantas outras questões, o certo é que nada disso representa um
problema à autoridade eclesiástica e para a igreja em geral.
Sabemos, por exemplo, que Jesus não tolera que alguém na
comunidade se coloque acima dos demais. Tampouco tolera a
desigualdade e menos ainda a dominação de uns sobre os outros.
Jesus, por outro lado, ordena que quem quiser ser o primeiro
deve-se colocar no último lugar. Todavia, na verdade, quem
toma essas palavras de Jesus como palavras que devem ser
cumpridas na igreja? Se algum dia alguém pronunciasse algo
que formalmente contradissesse o papa, seguramente levantar-se-ia um problema sério na igreja. Resulta, porém, que não
constitui problema de espécie alguma fazer ou afirmar exatamente o contrário ao que fez e disse Jesus. Pelo menos, não parece que isso possa causar problema igual a contradizer o
bispo de Roma. Eis aqui, creio, o problema mais sério que a
igreja deve enfrentar e resolver."
(José Maria Castillo, El seguimiento de Jesus como tarea
permanente para todo cristiano, em "Missión Abierta" 2, 1980,
223-224).
Siglas
LG — Lumen gentium,
a igreja.
Constituição dogmática sobre
GS — Gaudium et spes, Constituição pastoral sobre a
igreja no mundo atual.
DV — Dei Verbum, Constituição dogmática sobre a divina revelação.
SC — Sacrosantum
liturgia.
Concilium,
Constituição sobre a
AG — Ad gentes, Decreto sobre a atividade missionária
da igreja.
DH — Dignitatis humanae, Declaração sobre a liberdade religiosa.
UR — Unitatis
nismo.
redintegratio,
Decreto sobre o ecume-
NA — Nostra aetate, Declaração sobre as relações da
igreja com as religiões cristãs.
OE — Orientalium ecclesiarum,
jas orientais católicas.
AA — Apostolicam actuositatem,
tolado dos leigos.
Decreto sobre as igreDecreto sobre o apos-
PO — Presbyterorum
ordinis, Decreto sobre o ministério e a vida dos presbíteros.
PC — Perfectae caritatis, Decreto sobre a adequada renovação da vida religiosa.
210
211
SUMÁRIO
Prólogo
Apresentação
5
11
1. A igreja como mistério (LG I)
15
2. Somos o povo de Deus (LG II)
21
3. Para uma igreja verdadeiramente universal,
católica (LG 13, GS, p. II, cap. II)
27
4. Uma nova visão do leigo (LG IV; AA)
35
5. Uma nova espiritualidade (LG V)
44
6. A igreja caminha pela história (LG VII)
50
7. Uma nova imagem de Maria (LG VIII)
58
8. Uma visão esperançosa do mundo e da história (GS 1-10)
63
9. Uma nova visão religiosa do homem (GS,
p. I, cap. I)
70
10. O homem, essencialmente comunitário (GS,
p. I, cap. II)
76
11. Uma nova visão do trabalho e da atividade
humana (GS, p. I, cap. III)
82
12. A igreja a serviço do mundo (GS, p. I, cap.
IV)
89
13. A igreja e a comunidade política (GS, p. II,
cap. III e IV)
96
14. Os cristãos, construtores da paz internacional
(GS, p. II, cap. V)
104
15. Nova atitude diante da Palavra de Deus
(DV)
112
16. A Palavra de Deus nos revela novas riquezas
(DV)
117
17. Redescobrimos a liturgia (SC 1-13)
121
18. Novas atitudes diante da liturgia (SC 13130)
126
19. Toda a igreja deve ser missionária (AG)
132
20. A liberdade, exigência da dignidade humana
(DH)
138
21. A liberdade religiosa, direito e dever da sociedade (DH)
143
22. Uma igreja em espírito de liberdade (DH)
149
23. Para uma atitude ecumênica global
(UR,
NA, OE)
156
24. A igreja dos pobres (LG 8; GS; AG)
164
25. Sacerdotes para a comunidade cristã (PO)
171
26. Religiosos no seguimento de Jesus (LG VI;
PC)
Apêndice: Textos de trabalho
177
184
ep
Impresso na Gráfica de Edições Paulinas - 1987
Via Raposo Tavares, Km 19 - 05577 - SÃO PAULO
IGREJA
DINÂMICA
O Concilio Vaticano II aconteceu e,
com ele, mil e uma transformações: a
missa passou a ser celebrada em língua vernácula, os padres deixaram de
usar batina... Muita gente não entendeu
essas mudanças.
Este livro quer ajudar nossas comunidades a entender o espírito do Concilio. São vinte e seis celebrações onde,
de forma muito pertinente, encontramos os textos do Concilio e da Bíblia
que alimentam a vida da igreja pósconciliar. Enfim, uma obra para a comunidade de cristãos refletir e dar uma
resposta sobre si mesma.
ep
EDIÇÕES
PAULINAS

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