VIVENDO O CONCILIO
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VIVENDO O CONCILIO
<rm José Maria Vigil VIVENDO O CONCILIO José Maria Vigil VIVENDO 0 CONCÍLIO Guia para a animação conciliar da comunidade cristã EDIÇÕES PAULINAS Do original em língua espanhola Viver ei Concilio — Guia para Ia anirnación conciliar de ia comunidad cristiana © Ediciones Paulinas, 1985, Madri © José Maria Vigil Gallego, 1985 Tradução J. Alves Revisão e preparação dos originais Carlos Rizzi Capa J. Sanai Poto: /. Castro EDIÇÕES PAULINAS Av. Indianópolis, 2752 04062 — S. Paulo — SP (Brasil) Edições Paulinas — São Paulo, 1987 PRÓLOGO A apresentação que meu irmão, José Maria Vigil, faz de seu livro — útil e provocador — dispensaria qualquer prólogo. O livro é justamente o que Vigil afirma: uma ferramenta pastoral. O Concilio Vaticano II, o famoso concilio do século XX, o "nosso" Concilio traído e deturpado e já tão esquecido... é posto em ritmo de reflexão diária para a vida da comunidade eclesial, apresentado em grandes sínteses, bem escolhidas e fiéis sempre, para incrementar as celebrações e os encontros, os estudos e a catequese, as atividades pastorais e a vida cristã. Vigil escreve de maneira firme e clara. Há pedagogia e rigor em suas palavras. Acrescente-se a isso o alento missionário, que não deixa de ser um encorajamento. No livro existe uma conjugação de textos conciliares e de textos bíblicos correspondentes, acompanhados de reflexões lúcidas e questionamentos de propostas para a vida prática e orações sugestivas. Tudo isso faz deste livro um maravilhoso vaãe-mécum conciliar. É uma obra muito oportuna. Seja pelo fato de o Concilio Vaticano II celebrar o seu vigésimo aniversário, seja por outras razões eclesiásticas menos felizes... Creio ser oportuna para todos. Certamente, para muitos cristãos que ainda não leram o Concilio, apesar de tê-lo ouvido em seu tempo como um sino de ressurreição; e para aqueles cristãos que se referem ao Vaticano II como um marco obrigatório que explica suas próprias vidas e justifica a caminhada atual da Igreja; como também, com maior razão, para os novos cristãos jovens que sequer puderam viver o Concilio por causa de uma impret^sa podada. Com este vade-mécum, todos poderão recuperar de modo vital o Concilio Vaticano II. 5 Muita falta nos está fazendo. Após vinte anos — agora, um século — o Vaticano II está ai, em parte, por ainda fazer a sua estréia. Ao menos, naquilo que ele tem de melhor em si. Ou seja, no ímpeto que ele desencadearia providencialmente, se fosse assumido com "abertura conciliar", com o objetivo de possibilitar uma resposta crucial historicamente, crível socialmente, inadiável ecumenicamente, à fundamental pergunta de fundo que o motivou em sua originalidade: — "Igreja de Deus, o que dizes de ti mesma?" Serás capas de reconhecer-te, por fim, como o que és ou deverias ser? Como te concebes, sem ruptura e "católica", não apenas em tua hierarquia privilegiada, mas também em todos e em cada um de teus filhos, iguais enquanto igreja, diferentes apenas em seus carismas e serviços? Por que proíbes de estarem vivos em ti, adultos e co-responsáveis, tantos cristãos, pertencentes a esta ou aquela cultura, deste ou daquele sexo, todos nascidos de suas pias batismais? Por que te recusas a ser, medrosa e egoísta, o que te sonhou o Espírito? A fim de que pudesse ela também, a igreja, responder ao mundo que a interroga ou a julga ou a desconhece: — "O que dizes de ti mesma ao mundo, igreja de Jesus? O que dizes a este mundo do século XX? Ao Primeiro Mundo..., ao Terceiro Mundo também? É verdade que o Vaticano II não descobriu o Terceiro Mundo, pelo menos na acolhida oficial de suas sessões plenárias. Não lhe faltaram os corredores proféticos, porque o vento de Pentecostes sopra sempre para além de nossas obtusidades e se nega a ser encer- rado em uma sala ou em um esquema, nem que sejam de um concilio. Sempre o Espírito é mais "católico" que a igreja. No Terceiro Mundo, nesta América Latina da qual escrevo estas palavras — ásperas hoje, outra vez, e contudo esperançadas —, sentimos com particular realismo quão europeu foi o Concilio Vaticano II, quando a sua letra fica atrás de muitas de nossas inquietações pastorais e sociais. Como nos faria falta — com perdão dos assustadiços ou dos que já se instalaram previamente na eternidade — um Concilio Vaticano III, ou um Concilio Jerosolimitano II, para ser mais exigente. Sua letra, digo. Sua letra fica atrás. Porque seu espírito continua vigente, primaveril, católico, ecumênico. O espírito, teológico e pastoral, que pervade seus grandes documentos e suas intuições maiores. Na Lumen Gentium, na Ad Gentes, na Unitatis Redintegratio. No desejo ardente de diálogo, não no âmbito real que abarca, a constituição pastoral Gaudium et Spes faz a igreja voltar o seu rosto para o mundo. Quiséramos que a fizesse entrar de cheio — de pés e braços, de cabeça e de coração — no solo e subsolo das estruturas sócio-econômicas, nos desafios mundiais da justiça, da igualdade e da liberdade para todos os povos. De Este a Oeste, de Norte a Sul. Entrando também, é claro, para não ser tachada de hipócrita, na revisão séria de suas próprias estruturas de poder, de participação e de opinião, tão pouco atuais, tão pouco evangélicas e evangelizadoras. Como estamos longe aqui, muitos de nós — estas nossas igrejas açoitadas — dos medos de certos irmãos, hierarcas ou não, desejosos de enquadrar judicialmente o Concilio Vaticano II, como se tratasse de um misterioso réu, culpado de todos os males que acontecem hoje na santa igreja! Não é por excesso de Concilio que andamos mal. É por falta de Concilio. 6 7 Por falta de espírito conciliar. A letra do Vaticano II pode ser considerada, em muitos aspectos, superada; isto porque o tempo também passa pelas páginas de um concilio, obra real dos homens tanto quanto graça do Espírito Santo. A história não acabou há vinte anos. Não terminou com o Vaticano II a história da igreja, a sempre igual e mutável história da salvação. Entretanto, se a letra do Vaticano II está superada em parte, seu espírito continua intocado, em pé, desafiando-nos. Agora já sem possíveis adiamentos. Temos de abrir muitas janelas ainda para ventilar o recinto fechado de nossa igreja. E estaria na hora de abrir as portas também. Os filhos, os irmãos, entram e saem pela porta... Os barqueiros do rio Araguaia, bons conhecedores de sombras e bancos de areia, sabem "ler as águas". Deveríamos ler o espírito do Concilio Vaticano II, mais para dentro de sua letra, em profundidade e à medida que o barco avança. Em uma releitura dinâmica e situada, "ubicada", como se diz por aqui. (Se os próprios evangelistas releram a vida e a palavra de Jesus, nunca será demais que a igreja — todos nós, juntamente com o papa e os bispos, ajudados pelos teólogos, beneméritos e acossados — saibamos reler o Concilio. O mesmo Espírito que acompanhava os evangelistas — na inspiração e na inerrância — e acompanhava os padres conciliares — em sua hierárquica e colegial missão — acompanha-nos também — na vivência da fé e na evangelização atualizadas. Disse que este livro era oportuno também "por outras razões eclesiásticas menos felizes". Os bispos brasileiros — suspeitos para alguns e aplaudidos por outros — temos o privilégio de contar com dois companheiros oficialmente sinodais: dom Aloísio Lorscheiãer, cardeal-arcebispo de Fortaleza, no sofrido Ceará nordestino, e dom Paulo Evaristo Arns, 8 cardeal-arcebispo da monstruosa e batalhadora cidade de São Paulo. Na última assembléia ordinária da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) — agora, ainda em tempo de Páscoa —, em plenário, eu cobrava desses dois magnos pastores seus créditos e seus méritos no Sínodo extraordinário que o papa João Paulo II nos decretou, de surpresa, para este vigésimo aniversário do Concilio. Nessa sessão, expus duas preocupações de nossa assembléia. Estas duas preocupações foram compartilhadas por tantos outros na igreja de Deus que está no mundo. Primeira: não quererá, de fato, o Sínodo "enquadrar" o Vaticano II, deixando-o ali, em sua letra fixa, como definitivo, um ponto final, um ponto de chegada? Segunda preocupação: como devolver ao Sínodo sua credibilidade perdida? A segunda preocupação foi suficientemente comentada e deplorada em conferências episcopais, em encontros eclesiásticos e em publicações de todo o tipo, para que não resultasse uma novidade ou uma insolência. A primeira preocupação seria infundada, ao que pareceria, se atendemos as justificativas que o próprio Papa apresentava para convocar esse Sínodo extraordinário, consagrado à comemoração e avaliação do Concilio Vaticano II. Porém, isto pode ter seus lampejos de veracidade, uma vez considerados os ares vindos da Cúria Romana e que uma revista, órgão de um movimento oficiosamente vaticano, justificaria também só com o título que encabeçava seu editorial referente a esse Sínodo: "O Sínodo, quase um Concilio". Levei um tremendo susto quando o li. Nada de quase, amigos! Um sínodo é apenas um sínodo. E um concilio é todo um concilio. No fim, o Deus de Jesus que conduz sua igreja, apesar de nossos pecados eclesiásticos, estará presente 9 também nesse Sínodo e atuará, livre e libertador, nessa hora de suspeitas e processos, de involuções e neoconservadorismos, de comunidades eclesiais de base, de martírio e de teologia da libertação. Pelo menos, toca-nos — e já seria muito, não é Vigil? — viver o Concilio. Vivê-lo hoje também de uma forma atualizada. Vivê-lo na América Latina, por exemplo, com sabor de Medellín e de Puebla. Vivê-lo no mundo, com a exemplaridade, com a evangélica modernidade e com a coragem cristã que estes últimos decênios do século XX exigem de nós. Para essa renovada vivência do Concilio Vaticano II — ponto de chegada e ponto de uma maior partida também, para a comunidade sempre peregrina dos seguidores de Jesus —, este "guia conciliar" de José Maria Vigil é mais do que útil e oportuno: pode ser necessário para quantos ainda não mergulharam nos documentos conciliares, escritos já faz vinte históricos anos. Vou pedir a Maria de Pentecostes, animadora da primeira comunidade e boa assessora dos apóstolos de Jesus, que ponha um longo latejo de seu coração eclesial sobre este teu livro, Vigil, irmão. DOM PEDRO CASALDÁLIGA APRESENTAÇÃO O que apresentamos aqui é, simplesmente, uma ferramenta pastoral. Trata-se, pois, de algo prático, manejável, sem complicações, útil para o trabalho pastoral. Sua finalidade é clara: quer ser um instrumento para os agentes pastorais desejosos de suscitar em suas comunidades cristãs um confronto com o espírito do Vaticano II, seja para recordá-lo, estudá-lo, aprofundá-lo, seja para assimilar e vivê-lo de maneira mais intensa e melhor. Poderá ser utilizado de várias formas e em diversas ocasiões: • na comunidade cristã paroquial, na comunidade de base ou no grupo de formação; • como texto-base ou guia para o trabalho em grupo de adultos, de jovens, ou no catecumenato, para suspender momentaneamente o seu itinerário temático de dedicar um curso, por exemplo, que nos coloque diante do espírito do Concilio; • como tema escolhido na paróquia para a celebração diária e homílias durante um determinado "tempo forte" (advento, quaresma, tempo comum, ou "um mês de renovação conciliar". . . ) , com a finalidade de fazer a comunidade se confrontar com o espírito e o estilo conciliar e, desta maneira, tomar consciência de quão distante estamos dele; • para apresentar o Concilio aos jovens, aos que não o viveram, seja no grupo de jovens da comunidade, seja nas aulas de religião; 10 11 • para estudo, reflexão e revisão pessoal; • para evangelizar a partir do culto, uma vez que o Concilio tem autoridade e utilidade suficientes para distribuir prodigamente sua mensagem oportuna e inoportunamente nas homílias dominicais, nas festas dos santos, nas datas especialmente importantes etc. O material que ora apresentamos divide-se em 26 blocos ou temas fundamentais através dos quais se pretende transmitir a mensagem global do Concilio. Cada tema, por sua vez, contém os seguintes elementos: — Sínteses de textos conciliares: em vista da brevidade e da utilidade, transcrevemos apenas as idéias mais importantes, as determinações conciliares mais desafiadoras e carregadas de conseqüências. A partir desse elenco de citações poder-se-á selecionar o texto ou textos mais adequados para a leitura, como ponto de partida em cada grupo, de acordo com sua situação peculiar ou sua mentalidade. — Guia de textos bíblicos, que poderão ser relacionados com o tema, seja na liturgia da Palavra ou numa simples leitura por parte do grupo. A abundância dos textos facilitará a seleção adequada. — Questões para o trabalho em grupo. Segundo a diversa metodologia que se use em cada caso, é aconselhável que o grupo, antes ou depois (ou em vez) da reflexão ou aprofundamento do tema proposto pelo animador ou responsável, troque suas opiniões entre si por meio de um trabalho mutuamente iluminador de busca coletiva. — Reflexões ou sínteses doutrinais do espírito conciliar, como ajuda para o grupo que não conta com animador, ou para o animador que prepa12 ra a sessão de trabalho em grupo, ou para o sacerdote que prepara a homília. Trata-se de "sínteses" que logicamente deverão ser ampliadas e aplicadas em cada caso. — Aplicação à vida. Um breve questionário ou exame procura pôr o dedo na ferida da realidade e da vida prática. Algumas sugestões para a conversão oferecem, com criatividade e imaginação, pistas de ação, iniciativas de trabalho, decisões a ser consideradas pelos órgãos responsáveis da comunidade, novas atitudes a adotar individual ou comunitariamente. — Ajudas para a celebração, para os casos em que tudo isto se realize no marco das celebrações da comunidade cristã, ou para aqueles casos cujo grupo de estudo termine sua reunião de trabalho com um momento de oração comunitária. Temos aí a oração universal ou preces dos fiéis; a oração comunitária, que tanto pode ser de abertura como de conclusão. — Textos de trabalho, úteis sobretudo para quem quer aprofundar-se, com mais intensidade, no espírito conciliar — procurando compará-lo com outros momentos históricos ou outras opiniões atuais —, no diálogo da reunião de grupo, na homília etc. (Apêndice). Sem dúvida, esta ferramenta pastoral pode oferecer duas considerações bem simples: uma sistematização concreta do pensamento conciliar e uma forma pedagógica de transmiti-lo. Quanto à sistematização, devemos afirmar que não é a única, tampouco pretende ser a melhor. Não quer também ser exaustiva nem isenta de certo subjetivismo na escolha e concretização dos temas. Todo comentário é interpretativo e toda seleção tem algo subjetivo. Quanto à forma pedagógica concreta adotada, somente nos resta dizer que provavelmente alguém não 13 se sentirá bem se utilizá-la ao pé da letra, sem aplicá-la sem passá-la pelo filtro ou pelo crivo da situação e das necessidades concretas da própria comunidade ou grupo. Em qualquer caso, confrontar-se com o Espírito presente na mensagem conciliar não poderá deixar de trazer frutos abundantes a serviço do Reino. E este é o objetivo final. 1 A IGREJA COMO MISTÉRIO Textos conciliares LG 1: A igreja é como um sacramento, ou seja, sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano. LG 2-4: A igreja e a Trindade. A igreja e a história da salvação. LG 5: O Reino de Deus manifesta-se na palavra, nas obras e na presença de Cristo. A partir daí a igreja recebe a missão de anunciar e instaurar o Reino em todos os povos, e constitui na Terra o gérmen e o princípio de tal Reino. LG 7: LG 8: GS 40: GS 45: A igreja, Corpo místico de Cristo. A igreja, comunidade de fé, esperança e de amor, visível e espiritual ao mesmo tempo. A igreja tem por vocação formar, na própria história do gênero humano, a família dos filhos de Deus. A igreja pretende somente uma coisa: o advento do Reino de Deus e a salvação e toda a humanidade. A Palavra de Deus — U o 1,1-4: Nós vos anunciamos o que vimos e ouvimos, para que estejais em comunhão conosco, que estamos em comunhão com o Pai e seu Filho Jesus Cristo. 14 15 — Cl 1,18: Ele é a cabeça do corpo, da igreja. — Ef 3,1-7: Aquilo que me foi revelado do mistério de Cristo. — Cl 3,15: Fostes chamados como membros de um só corpo. — Cl 1,24: Em favor de seu corpo, que é a igreja. Questões para o diálogo — Que definições de igreja aprendemos no catecismo infantil? Vamos recordá-las e analisá-las com os demais. — Procuremos enumerar os conteúdos tão diferentes que costumamos dar à palavra "igreja" nos diversos usos (povo de Deus, hierarquia, templo, papa, Vaticano, fiéis cristãos, doutrina oficial, comunidade cristã e t c ) . Destes significados, quais os mais e os menos importantes? Quais são os que mais utilizamos? E os que menos utilizamos? — "Jesus anunciou o Reino de Deus, porém o que surgiu foi a igreja". Comentar esta frase de A. Loisy. — A igreja e o Reino de Deus são a mesma coisa? Em que se diferenciam? Que relação conservam entre si? — Que elementos, aspectos ou detalhes concretos de nossas práticas eclesiais revelam ainda uma visão absolutizada da igreja, como fim em si mesma ou como "sociedade perfeita"? — Comentar estas duas frases: "Jesus fundou a igreja" e "A igreja se funda em Jesus". — Colocar em comum tudo o que nestes anos passados disse o Concilio sobre a igreja enquanto mistério de salvação. Avaliá-lo. — A igreja é um sacramento? Não são apenas sete? 16 Reflexão 1. O tema central do Concilio Vaticano II consistiu no tema da igreja e seu mistério. Todos os documentos e declarações do Concilio podem ser relacionados com esse tema central. O Concilio procurava responder à pergunta que flutuava no ambiente, e que Paulo VI conseguiu expressar magistralmente: "Igreja, o que dizes de ti mesma?" Por isso, a mudança fundamental que a mentalidade conciliar supôs na igreja verifica-se, precisamente, na idéia mesma que temos da igreja. 2. Podemos expressar simplificadamente esta mudança dizendo que passamos de uma concepção jurídica para uma concepção teológica, de uma visão externa para uma visão interna. Definia-se a igreja a partir de seus elementos externos: congregação dos fiéis cristãos, presididos p o r . . . , sob a autoridade d e . . . , tendo em comum tal profissão de fé, tal disciplina, tais sacramentos. . . O Vaticano II verá a igreja "a partir de dentro", a partir das forças ocultas que a criam e do mistério que a habita e que constitui seu ser mais profundo. A igreja é, dirá o Concilio, um mistério, como também um sacramento, uma comunhão, uma comunidade de fé, de esperança e de amor. 3. As afirmações fundamentais do Concilio sobre o ser da igreja encontram-se no primeiro capítulo da constituição dogmática Lumen Gentium. Antes de tudo, a igreja é um sacramento, isto é, sinal e instrumento da união íntima com Deus e da unidade de todo o gênero humano. Através da história da salvação, a igreja liga-se profundamente com a própria vida da Trindade, do Pai, do Filho e do Espírito. Sua vida íntima, derramada em favor da humanidade, confere ser e vida à igreja. Desde a pregação de Jesus sobre o Reino de Deus já aparece de modo pleno o mistério da igreja. Enriquecida com as palavras e as obras de Jesus, nas quais brilha perante os homens o Reino de Deus, a igreja re17 cebe a missão de anunciá-lo e instaurá-lo em todos os pobres, e constitui na Terra o gérmen e o princípio deste Reino. Tais afirmações conciliares são de uma transcendência radical, e supõem uma ótica profundamente nova, ao mesmo tempo profundamente bíblica e tradicional. Não resta dúvida de que ainda não se tirou destas graves afirmações todas as lições e conseqüências possíveis para a igreja pós-conciliar. 4. Entretanto, o Concilio exclui do jogo falsas colocações que dominaram por longo tempo na igreja. A igreja não se identifica com o Reino de Deus, porque o Reino de Deus é outra coisa. A igreja é, mais fundamentalmente, o gérmen e o princípio desse Reino. Sua maior glória consiste em estar a seu serviço. Dessa maneira, a igreja deve converter-se incessantemente ao Reino. 5. Por outro lado, a igreja é a presença da salvação, porém não se pode identificá-la com a salvação. Esta ultrapassa suas fronteiras, está semeada nos povos e nas religiões. Não tem sentido uma igreja auto-entronizada, voltada para si mesma, fechada ao diálogo e à cooperação. É no serviço ao Reino, que é serviço à salvação dos homens e a sua unidade com Deus e entre si, que a igreja deve encontrar seu caminho. Exame — Nossa visão de fé é suficiente para vermos, por trás das aparências, o mistério da salvação que habita dentro da igreja? — Continuamos a ter uma visão muito exterior ou superficial da igreja? — A igreja é, em cada um de nós, "sacramento de salvação"? — O que podemos fazer para que a pequena parcela de igreja que está em nossas mãos seja, de modo verdadeiro e radical, uma igreja a serviço do Reino de Deus? 18 — Vivemos, em nossa comunidade cristã local, a missão da igreja de anunciar e instaurar o Reino de Deus? Conversão — Aprofundar em comunidade o tema do mistério da igreja. — Organizar na comunidade alguma iniciativa para que a renovação conciliar chegue a todos. — Fazer oração pessoal e comunitária que interiorizem em nossa espiritualidade o mistério da igreja. — Amar a igreja com um amor maduro: sem absolutizações, para além da superfície, com visão crítica e compreensão histórica... — Fazer minha a missão da igreja de anunciar e instaurar o Reino. Preces — Pela igreja, para que se despoje de tudo aquilo que ofusca seu sinal sacramentai. — Para que se ponha cada dia mais radicalmente a serviço do Reino. — Por todos aqueles que não conseguem captar pela fé seu mistério profundo. — Por todos aqueles que na igreja têm maiores responsabilidades, para que sejam fiéis ao Espírito. — Para que amemos a igreja apesar de seus defeitos humanos. Oração Deus, nosso Pai: nas palavras e nas obras de Jesus revelaste ao mundo a sua vontade salvadora, que é o teu Reino. 19 Nós te pedimos que, como seguidores de Jesus, como igreja, façamos sua própria missão: anunciar e instaurar o Reino, para ser assim, a partir de nossa comunidade eclesial, seu gérmen e princípio neste mundo. 2 SOMOS O POVO DE DEUS Textos conciliares 20 LG 9: Aprouve a Deus salvar os homens não singularmente, mas constituindo um povo. Características descritivas do novo povo de Deus. LG 12: O Povo de Deus participa da função profética de Cristo. Por seu "sensus fidei" não pode enganar-se a respeito daquilo que ele crê em matéria de fé e de costumes. O Espírito suscita e mantém esse senso da fé. O mesmo Espírito distribui entre os fiéis de qualquer condição graças especiais, conforme lhe apraz. "Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos". LG 32: Comum dignidade de todos os membros do Povo de Deus. AG 37: O Povo de Deus vive em comunidades, principalmente diocesanas e paroquiais, e nelas aparece de certo modo visivelmente. GS 32: Desde o início da história da salvação Deus escolheu os homens não somente como indivíduos, mas como membros de uma comunidade. GS 30: Urge superar uma ética meramente individualista. 21 A Palavra de Deus — Ex 19,3-8: Vós sereis o meu povo. Antiga Aliança. — Rm 12,4-8: Como num corpo, uns membros a serviço de outros. — lPd 4,10: O dom que cada um recebeu deve ser colocado a serviço dos demais. — At 2,42-47; 4,32-35: A comunidade cristã primitiva. — Mt 20,25-28: Quem quiser ser o primeiro, seja o servidor de todos. — Jr 31,31-34: Uma nova aliança. — ICor 12,4-11: Muitos carismas, um mesmo Espírito. — Ef 4,11-13: A uns constituiu apóstolos, a outros profetas, a o u t r o s . . . — lPd 2,4-5.9-10: Raça escolhida, sacerdócio real, povo adquirido por Deus. — Mt 18,20: Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome. Questões para o diálogo — Assinalar alguns aspectos ou detalhes que coloquem em evidência a falta de sentido comunitário com que era pregada a salvação cristã antigamente. Até que ponto era um "salve-se quem puder"? — Pregou-se, nestes anos pós-conciliares, o sentido comunitário do cristianismo de modo suficiente? — O que predomina hoje na igreja, em sua organização: a linha verticalista ou a horizontalista, a autoridade ou a participação? — Que evolução podemos notar no pós-concílio neste sentido? — O que ainda nos falta para que possamos desenvolver essa verdade fundamental: a igreja e o Povo de Deus? 22 Reflexão 1. O ordenamento dos capítulos da Lumen Gentium é algo bem-intencionado, e por isso mesmo muito eloqüente. Foi somente na última redação que se chegou à ordem atual. Nas redações anteriores, após o primeiro capítulo, dedicado ao mistério da igreja, vinha o segundo, dedicado à hierarquia, e somente depois vinha o capítulo terceiro, "sobre o Povo de Deus, e principalmente sobre os leigos". De conformidade com este antigo ordenamento, que representava claramente a visão eclesiológica pré-conciliar, a hierarquia ficava como que deslocada e fora do Povo de Deus, e este Povo de Deus nada mais significava que a parte popular ou plebéia da igreja. Foi na última redação que se fez a mudança de ordenamento, eloqüente por si mesmo. Após o mistério da igreja, colocado como primeiro capítulo, passa-se a considerar o Povo de Deus. Este não é uma parte da igreja, a parte popular, mas é a igreja toda em seu conjunto. Ser cristão é ser membro do Povo de Deus. Isto e tudo aquilo que aí se encerra é o essencial e o que importa para o cristão. Tudo o mais será sempre colocado em segundo plano. 2. Em primeiro plano emergiu a imagem bíblica de Povo de Deus. Trata-se da imagem bíblica mais simples e mais direta, comum no Antigo Testamento. Esta imagem passa para o Novo Testamento, especialmente através da primeira carta de São Pedro. Como imagem bíblica, situa a igreja dentro da trajetória da história da salvação. Expressa essencialmente seu caráter comunitário. Evoca espontaneamente a dimensão histórica da igreja peregrina. 3. Neste tema o Concilio faz afirmações transcendentais, como por exemplo, quando diz que Deus não quer salvar os homens sem conexão de uns com os outros, mas constituindo-os em um povo. Supera-se então a clássica visão individualista da salvação. Não nos sal23 vamos sozinhos, mas comunitariamente, constituindo um povo. A salvação é comunitária e deve-se viver comunitariamente. Resta aí um longo caminho a percorrer: uma secular tradição individualista não se transforma em sentido comunitário em pouco tempo. Viver a fé a partir de uma verdadeira comunidade cristã é, ainda hoje, algo, via de regra, minoritário na igreja. 4. Apenas na perspectiva do Povo de Deus é que as funções e ministérios com que o Espírito o dotou adquirem seu verdadeiro sentido. Levando-se em consideração o verdadeiramente essencial, que é o comum, o acidental recobra seu verdadeiro sentido. Todos os ministérios e os carismas que o Espírito suscita têm sentido dentro da comunidade e a serviço do Povo de Deus. Qualquer outra colocação é resquício de uma eclesiologia periclitante, pré-conciliar. Exame — Temos de fato o sentido comunitário? Quantas comunidades cristãs existem em minha circunscrição paroquial? Vivo em comunidade? — Em minha comunidade cristã, vive-se a verdadeira vida de comunidade? — Que carisma me concedeu o Espírito para o serviço da comunidade? Coloco-o de fato a serviço da comunidade? — Como exercem o seu ministério os que estão próximos de nós: autoritariamente ou como serviço? Podemos fazer algo a respeito? — Exigimos que haja na igreja sentido comunitário e participativo? Denunciamos de alguma forma, em alguma ocasião, as transgressões? Segundo o nosso ponto de vista, que transgressões observamos atualmente? — Consentimos entre nós o clericalismo, a "casta" sacerdotal, o distanciamento burocrático da administração e governo da igreja? 24 — Temos conselho pastoral em nossa comunidade? Se não, estamos promovendo sua criação? Conversão — Apesar de uma pastoral de massas, de paróquias simplesmente geográficas, fomentar em nosso meio os grupos comunitários. .. — Fazer com que todos participem da comunidade cristã. Especialmente os que em nossa vida diária encontram-se mais marginalizados (a mulher, os jovens, as crianças. . . ) . — Criar um. ambiente adequado para que cada um coloque, de fato, seus carismas a serviço da comunidade cristã. — Esforçar-me também eu para ser um membro ativo capaz de contribuir com alguma coisa em relação ao "sentido da fé do Povo de Deus", e não ficar simplesmente na "fé do carvoeiro". — Rezar por todos aqueles que exercem algum ministério na comunidade cristã, para que sempre o exerçam como serviço e nunca como domínio. Preces — Pela grande maioria dos cristãos que ainda vive sua fé num total individualismo, sem pertença real a nenhuma comunidade. — Pelas numerosas "comunidades eclesiais de base", para que se expanda o sentido comunitário do qual elas dão exemplo. — Pelos "novos ministérios" que surgem em tais comunidades, para que sirvam de renovação da igreja universal. — Pela igreja que surge e se consolida entre os pobres e as classes populares da América Latina. 25 3 — Pelos "conselhos pastorais" e demais órgãos de participação que já trabalham em tantas comunidades. — Para que se evidencie cada vez mais que ser cristão é viver em comunidade o anúncio e a construção do Reino de Deus. PARA UMA IGREJA VERDADEIRAMENTE UNIVERSAL, CATÓLICA Oração Deus, nosso Pai, tu não queres salvar os homens de modo isolado, mas constituindo um povo. Dá-nos consciência de nossa responsabilidade cristã, para que consigamos fazer de todos os homens uma mesma família, uma só comunidade, o único e total Povo de Deus. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Textos conciliares LG 13: LG 16: LG 17: 26 Todos os homens são chamados a pertencer ao Povo de Deus. Todos os membros do Povo de Deus, dispersos pelo mundo, estão em comunhão com os demais no Espírito Santo. Ao introduzir o Reino, o Povo de Deus não diminui o bem temporal de povo algum. Ao contrário, fomenta e assume, naquilo que têm de bom, as capacidades, as riquezas e os costumes dos povos. Assumindo-os purifica-os, reforça-os e eleva-os (cf. também GS 76). No Povo de Deus existem diferenças legítimas, as quais servem à unidade em vez de prejudicá-la. Os que não conhecem o Evangelho podem salvar-se, não porém sem a graça de Deus. A igreja considera preparação ao Evangelho tudo aquilo que existe de bom e de verdadeiro neles. A igreja deseja que tudo o que de bom se encontra semeado no coração e na mente dos homens ou nos próprios ritos e culturas dos povos não só não desapareça mas seja purificado, elevado e aperfeiçoado. 27 AG 8: AG 9: AG 10: Cristo e a igreja transcendem todo particularismo de raça ou de nação e, portanto, não podem ser considerados estranhos por ninguém em lugar algum. A atividade missionária aperfeiçoa publicamente a história da salvação. Por isso, tudo quanto de bom se encontra semeado — como que por uma quase secreta presença de Deus — no coração e na mente dos homens ou nos próprios ritos e culturas dos povos, não apenas permanece, mas é elevado, purificado e consumado... para a glória de Deus e felicidade do homem. A igreja deve inserir-se nos povos com o mesmo afeto com que Cristo se uniu por sua encarnação às condições sociais e culturais dos homens de seu tempo. AG 11: Que os missionários se unam com os demais povos com estima caridosa: sintam-se membros do grupo humano em que vivem; tomem parte na vida social e cultural; familiarizem-se com suas tradições nacionais e religiosas; descubram com alegria e respeito as sementes da Palavra aí ocultas. AG 22: De modo semelhante à economia da encarnação, as igrejas jovens assumem em admirável intercâmbio todas as riquezas dos povos. SC 37: A igreja não deseja impor uma forma rígida e única para aquelas coisas que não dizem respeito à fé ou ao bem de toda a comunidade. Antes, respeita e promove o gênio e as qualidades peculiares das diversas raças e povos. SC 123: 28 A igreja jamais considerou seu estilo algum de arte. GS 42: GS 44: GS 58: A igreja não se prende a nenhuma forma peculiar de cultura ou sistema político, econômico ou social. Desde o início de sua história, a igreja aprendeu a exprimir a mensagem de Cristo através dos conceitos e linguagens dos diversos povos e, além disso, tentou ilustrá-la com a sabedoria dos filósofos. Esta adaptação da pregação da palavra revelada deve manter-se como lei de toda evangelização. Deus falou de acordo com a cultura própria de cada época. .4 Palavra de Deus — At 10,1-48: Deus não faz distinção de pessoas. — Jo 15,1-5: Eu sou a vida, vós, os ramos. — Jo 16,11: Que sejam um, como tu e eu somos um. — Lc 9,49-50: Não molesteis a ninguém, pois quem não está contra nós está conosco. — At 15,22-29: Concilio de Jerusalém. Não impor mais obrigações do que as necessárias. — lTs 5,16-22: Discerni tudo e ficai com o que é bom. — lPd 4,10: Cada um coloque os seus dons a serviço dos demais. — Ef 4,15-16: Um corpo unido, e diverso em seus membros. Questões para o diálogo — Fala-se, por exemplo, em "africarnzar a igreja na África", que significa? Como isso pode legitimar-se? — Que relações existem entre "a conquista" da América e "a evangelização" da América? Como julgaríamos hoje, a partir da perspectiva histórica, tais relações? 29 — Que sentido tem dizer que é preciso cuidado ante "as ideologias alheias ao Evangelho"? Em que sentido uma ideologia é ou não alheia ao Evangelho? — Não haverá coisas que secularmente tivemos por imutáveis, de direito natural ou divino? Coisas que talvez sejam, simplesmente, essencialmente ocidentais e, portanto, não necessariamente exigíveis na igreja universal? — Que coisas ainda restam para "inculturar" verdadeiramente na igreja diante dos pequenos grupos e subgrupos, como, por exemplo, diante da cultura juvenil, das crianças, dos intelectuais? — Que repercussões teria a inculturação da igreja na cultura popular, operária, dos pobres? Reflexão 1. O desbordamento do cristianismo da cultura semita para a cultura grego-latina ocorreu de forma muito rápida na história da igreja. Mais tarde, com a destruição do império romano, a igreja tornou-se praticamente a única detentora de toda a cultura existente no Ocidente. Culturalmente falando, a Idade Média foi um período obscuro e difícil. A construção da cristandade identificou em uma só unidade a fé com as formas sociais, políticas e culturais. Faltava a perspectiva crítica necessária para distinguir a fé das formas que ela pode revestir. Muitos elementos culturais foram interpretados como elementos essenciais à fé, quase dogmáticos. A Bíblia, a filosofia, a teologia e a incipiente ciência se uniram e se identificaram em uma única realidade. Sequer podia-se imaginar a possibilidade de ser cristão a partir de outra filosofia, ou de outra forma de pensar, ou de outra cultura. Por tudo isto é que se tornou doloroso o processo de desenvolvimento científico, o surgimento de outras filosofias, as reivindicações de pluralismo por parte das diversas minorias. Por este motivo, ante a apa30 rição no cenário histórico de novos povos e culturas, a reação evangelizadora da igreja foi levar simultaneamente a fé e a cultura. Não se podia imaginar outra coisa. 2. O repúdio da nova ciência em relação à tutela da teologia foi sumamente doloroso, e não isento, por parte da igreja, de atitudes de oposição entre ciência e fé, hoje "deploráveis" (GS 37). O interminável conflito religioso-político das guerras de religião teve de ser superado pelo "jusnaturalismo", primeira doutrina sociopolítica desvinculada de toda aderência teológica. Nesses e em outros planos, a distinção entre fé e suas diferentes formas sociais, culturais ou políticas foi introduzida a partir de fora da igreja, a partir da ciência, da filosofia, da política, e contra a vontade da igreja. Por um tempo, esta preferiu incomunicar-se, encerrar-se em seu próprio gueto de cristandade para uso doméstico, com sua "filosofia perene", sua uniformidade imposta, sob férrea catolicidade monolítica. 3. As ciências modernas histórico-críticas possibilitaram uma abertura de pensamento. Por sua própria natureza, a fé é uma atitude que está além de toda fórmula ou categoria de pensamento, mesmo que jamais se possa dar a fé em estado "puro", sem se exprimir em uma linguagem filosófica ou cultural. Porém, precisamente por essa distinção, podemos afirmar que a fé pode e deve expressar-se em qualquer linguagem cultural, com qualquer categoria de pensamento não deturpada em sua bondade natural. 4. Pela primeira vez, no Vaticano II, a igreja toma consciência oficialmente da distinção entre fé e cultura. E o faz até o ponto de reconhecer que a fé cristã é essencialmente supracultural, que não existe cultura alguma conaturalmente cristã. E todas podem ser seu veículo de expressão, com a purificação e o discernimento correspondentes. O que se diz em relação às culturas diz-se também em relação a quaisquer outras for31 mas de expressão humana, como sistemas políticos, sociais, econômicos, filosóficos etc. 5. De acordo com esta perspectiva varia profundamente o conceito de catolicidade e de universalidade da igreja. Tal catolicidade pode realizar-se graças ao fato de não estar ligada a cultura alguma, e não precisamente pela imposição monolítica de certas formas culturais a todos os povos. Conseqüentemente, mudam também a prática e o estilo da evangelização e da atividade missionária, não a sua necessidade e o seu fundamento. A mensagem da evangelização dos povos jamais deverá incluir a "cultura forasteira". Já não se poderá pedir ao missionário que faça da metrópole igreja e pátria, ao mesmo tempo. A atividade missionária deverá procurar encarnar a fé em cada cultura, inculturando-a verdadeiramente. E com respeito à evangelização do homem moderno já não se poderá fazer a partir de uma atitude de superioridade ou intransigência, mas numa atitude de diálogo, de escuta, de atenção aos sinais dos tempos. Já que a igreja não é algo absoluto (somente o Reino o é), muito menos o são suas formulações teológicas, os rituais litúrgicos, os ordenamentos disciplinares e canônicos, a institucionalização concreta em que se fixou, as formas habituais de administração eclesiástica etc. A partir dessa nova visão, muito do que se pretendeu imutável ou quase de direito divino necessita ser desabsolutizado, a fim de desbloquear muitas atitudes intransigentes ou incomunicativas que até hoje nos têm feito sofrer. Exame — Que tradições, formulações, ritos, costumes... nós indevidamente temos absolutizado? Por quê? — Somos daqueles que ainda pensam que os povos indígenas são povos "sem cultura", "não-civilizados", "pagãos abandonados por Deus"? — Que atos, conceitos, símbolos, gestos, categorias . . . do homem de hoje integramos na vida dè nossa comunidade cristã, em suas preocupações, em sua oração, em sua liturgia? — Sabemos dar espaço, na comunidade cristã, à linguagem própria dos grupos minoritários, ou marginalizados (crianças, jovens, outros grupos)? — Que categorias e usos da cultura burguesa nós ainda temos como sacralizados e absolutizados na igreja? Conversão — Olhar os povos pobres ou marginalizados sem complexo de superioridade, sem etnocentrismo. — Aproximar-se do homem de hoje com compreensão, em atitude de diálogo. — Não ser "mais papistas do que o papa". Saber e tomar consciência de que existem muitas coisas habitualmente inquestionadas que não têm por que ser como são. Coisas que são discutíveis, disciplinares, totalmente acidentais e perfeitamente criticáveis a partir do Evangelho. — Não sermos intransigentes conosco mesmos em relação à possível nostalgia dos tempos passados de monolitismo e uniformidade imposta na igreja, mesmo que os tempos atuais sejam menos tranqüilos. — Ter espírito conciliador. Saber ver a complementação das diferenças, sem perder com isso a radicalidade evangélica. Preces — Pelas igrejas não-européias, a fim de que a participação seja cada vez mais crescente. — Para que haja maior internacionalização da cúria romana e de todos os organismos centrais da igreja. 32 33 2. Viver... — Pelos responsáveis da reforma litúrgica, para que levem até o fim as possibilidades que o Concilio impulsionou. — Para que a igreja dialogue livremente com todas as ideologias, sobretudo com aquelas diante das quais manteve um medo secular. — Pelos missionários, para que descubram facilmente a presença secreta de Deus e de sua Palavra nas culturas dos povos. — Para que nos sintamos, a partir da fé, membros da mesma igreja, sem necessidade de nos apoiarmos em uma uniformidade imposta. 4 UMA NOVA VISÃO DO LEIGO Textos conciliares LG 31: Oração Deus, nosso Pai, queres que todos os homens se salvem. E por isso quiseste que teu Filho, em Jesus, fizesse sua a carne, a cultura e a história de um povo. Faze que nós, seus seguidores, jamais sejamos obstáculos para que tua Palavra continue hoje encarnando mais e mais em todos os povos. Por nosso Senhor Jesus Cristo. LG 32: LG 33: LG 34: LG 35: 34 Leigos são os fiéis que, incorporados a Cristo pelo batismo, integrados ao Povo de Deus e feitos partícipes a seu modo da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem na igreja e no mundo a missão de todo o povo cristão na parte que lhes corresponde: construir o Reino de Deus, ocupando-se dos assuntos temporais e ordenando-os segundo Deus. Devem contribuir para a santificação do mundo a partir de dentro, a modo de fermento. Unidade que existe no Povo de Deus apesar de sua diversidade. Como membros vivos, os leigos são chamados ao apostolado. Alguns podem sentir-se chamados a uma colaboração mais imediata. Ou a exercer cargos eclesiásticos. Têm uma espiritualidade própria, que brota de seu batismo e do sacerdócio comum. Toda a sua vida, mesmo o trabalho, o lazer, a vida conjugai e familiar... converte-se em sacrifício espiritual agradável a Deus. O Espírito constituiu os leigos em testemunhas e os dota com o sentido da fé e a graça da palavra. Capacita-os a manifestar a sua esperança através das estruturas da vida secular, em uma contínua luta contra os dominadores 35 deste mundo, contra os espíritos malignos. Tornam-se poderosos pregoeiros da fé nas coisas a ser esperadas, quando sem vacilação unem vida e fé. LG 36: A missão do leigo nas estruturas do mundo. LG 37: Têm o dever de exprimir perante a hierarquia suas opiniões acerca de assuntos concernentes ao bem da igreja. Os pastores reconheçam e promovam a dignidade e a responsabilidade dos leigos na igreja, recorram a seus conselhos, confiando-lhes cargos e dando-lhes liberdade e oportunidade para agir. Os pastores acatem a justa liberdade que a todos compete na sociedade civil. AA 1: AA 2: O apostolado dos leigos, que brota da essência mesma de sua vocação cristã, jamais pode faltar na igreja. Hoje é muito mais urgente. Esta é a missão da igreja: propagar o Reino de Deus por toda a terra, tornando os homens participantes da salvação e orientando o universo para Cristo. A vocação cristã é, por sua própria natureza, vocação para o apostolado. Os leigos a exercem no mundo e nos negócios temporais, à maneira de fermento. AA 3: Fundamentos do apostolado leigo. AA 4: Espiritualidade dos leigos. AA 5: A missão da igreja não é apenas oferecer aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas impregnar também e aperfeiçoar toda a ordem temporal com o espírito evangélico. O que Deus deseja é fazer de todo o mundo uma nova criação incoativamente aqui na terra e levando-a à plenitude no último dia. AA 7-8: 36 Renovação de toda a ordem temporal. AA 10: É necessária a ação dos leigos dentro das comunidades cristãs. Procurem os leigos trabalhar unidos com os sacerdotes nas paróquias. Apresentem à comunidade os seus próprios problemas e os problemas concernentes à salvação dos homens, a fim de examiná-los e solucioná-los em conjunto, e colaborem de modo criativo com as iniciativas apostólicas e missionárias. AA 12: Os jovens devem tornar-se os primeiros e imediatos apóstolos dos jovens. AA 13: Ninguém melhor do que os leigos poderá realizar o apostolado no meio social de igual para igual. Numerosos são os homens que não podem conhecer o Evangelho, a não ser por intermédio de vizinhos leigos. AA 14: Não recusem cargos políticos, já que com eles, dignamente exercidos, podem contribuir para o bem comum e, ao mesmo tempo, preparar os caminhos do Evangelho. Cooperem com todos os homens de boa vontade. AA 16: Espiritualidade no trabalho. AA 22: Leigos que se dedicam mais intensamente ao serviço eclesial. AA 33: O Concilio roga encarecidamente no Senhor a todos os leigos a que respondam generosamente. .. Sintam os jovens que este apelo é a eles especialmente dirigido... É o próprio Senhor quem de novo convida todos os leigos por meio deste Concilio... É o próprio Cristo quem novamente os envia às cidades e lugares onde ele está para chegar, para que se ofereçam como colaboradores... AG 19: Os leigos na sociedade política das igrejas jovens. 37 AG 21: A igreja não se acha verdadeiramente formada enquanto não houver um laicato propriamente dito. A Palavra de Deus — Mt 5,16: Brilhe a vossa luz diante dos homens. — lPd 2,4-5: Vós sois as pedras vivas do templo espiritual. — Jo 15,5: Aquele que permanece unido a mim produz muito fruto. — Cl 3,11: Não há mais grego nem judeu, estrangeiro, bárbaro, escravo... — Ef 4,15-16: Que o corpo inteiro, com todos os seus membros, vá crescendo cada vez mais. — lPd 2,9-10: Vós sois o sacerdócio régio, a nação consagrada, o povo de sua propriedade. Questões para o diálogo — "Leigo é aquele que não é clérigo nem religioso." Comentar esta clássica definição negativa. — Enumerar os rompantes de clericalismo que ainda temos na igreja. — "O papa vale mais pelo que tem de cristão do que pelo que tem de papa. O primeiro consiste naquilo que ele tem em comum conosco. O segundo é o que o diferencia. Sendo o primeiro o mais importante, costumamos dar mais valor ao segundo." É assim? Por quê? Que se deveria fazer? — O leigo é marginalizado na igreja? Fazer uma lista dos direitos de participação do leigo que não são atendidos. Procurar as causas. — Não tem o leigo uma parcela de culpa também em tudo isso? Por quê? — E a mulher? É verdade, como se afirma, que 38 à marginalização que sofre o leigo acrescenta-se um novo título de marginalização, o de ser mulher? Reflexão O estatuto do leigo na igreja sofreu uma mudança radical conforme o espírito do Concilio. Podemos descrever tal mudança em quatro linhas. 1. De uma definição negativa passou-se a uma definição positiva. Isto não foi uma simples mudança nominalista de definições, mas uma nova visão teológica e eclesial. Até então era costume na igreja definir o leigo como aquele que "não é clérigo nem religioso", o que não passa de uma definição negativa, por exclusão. O Concilio concebe uma visão do leigo fundada na sua positividade: o leigo é um crente, um cristão, batizado, incorporado ao Povo de Deus, participante da função sacer dotal, real e profética de Cristo, com a missão global da igreja de construir o Reino de Deus. E o faz a partir de seu peculiar modo de agir, que consiste em se ocupar dos assuntos do mundo conforme o espírito das bem-aventuranças... O leigo é, pois, o membro do Povo de Deus por antonomásia, o protótipo do cristão, o cristão em puridade, a forma mais normal de ser cristão. Diríamos que, pelo contrário, na nova visão conciliar, caberia definir os não-leigos com uma definição negativa: são os que, por se dedicar a uma função específica eclesial ou eclesiástica, ou por assumir um serviço concreto determinado, colocam entre parênteses em sua vida a dedicação fundamental primeira correspondente ao cristão normal (leigo). Ou seja, a construção do Reino de Deus no mundo a partir das realidades humanas e sociais. 2. Da marginalização passou-se à participação. Não faz muito tempo que Pio X afirmou que "somente à hierarquia cabe o direito e a autoridade necessárias para promover e dirigir os membros ao fim da sociedade: 39 como povo, não tem outro direito do que desejar-se conduzir e seguir documente por seus pastores" (Vehementer Nos, 8). O Concilio apresenta uma visão radicalmente diversa: o leigo deve sentir-se membro ativo da igreja; deve saber-se chamado ao apostolado não porque isto lhe concede a hierarquia, mas porque isto brota da essência de sua vocação cristã (AA 1). Deve expressar a sua própria voz e suas opiniões perante a hierarquia e na comunidade (LG 37; A A 10); pode dedicar-se mais intensamente a cargos eclesiais e eclesiásticos (AA 22; LG 33); há coisas na igreja que ninguém as saberá fazer melhor do que o leigo (AA 13; LG 33; AG 21) etc. 3. Da passividade passou-se a uma missão comprometida e central. Na mentalidade pré-conciliar, o leigo, antes de tudo, devia ser passivo. Escutar os pastores, calar, obedecer a eles (e financiá-los). Sua atividade máxima consistia na receptividade (passividade ativa). O Concilio afirma taxativamente que a missão do leigo (do "cristão normal", daquele que não deseja dedicar-se a um serviço intra-eclesial ou a um serviço extra-eclesial determinado) coincide com a própria missão global da igreja: procurar alcançar o Reino de Deus (LG 31; GS 45; AA 2), missão que levará a termo tal como Jesus pediu a seus discípulos: a modo de fermento (LG 31; Mt 13,33). 4. Passou-se de uma espiritualidade emprestada (monástica) a uma espiritualidade própria e acomodada. Na igreja, muitos ainda concebem a vida espiritual e expressam a sua fé (espiritualidade é justamente isto, uma linguagem da fé) a partir da espiritualidade clássica na igreja, tomada do modelo religioso ou monástico. De acordo com essa espiritualidade, o cristão no mundo santifica-se precisamente através daqueles momentos de adoração que consegue subtrair de seus condicionamentos próprios de cristãos no mundo, como se sua vida e atividade global, no mundo, fosse profana e estivesse desprovida da capacidade de ser culto agradá40 vel a Deus. Numerosos textos conciliares (LG 34, 10, 11; AA 4, 16; GS 34, 67; LG 41, 42; etc.) proclamam o contrário: por seu batismo, por sau sacerdócio comum, por sua participação na tríplice função de Cristo. .. toda a sua vida — profissional, conjugai, familiar, social, de lazer etc. — converte-se em sacrifício agradável a Deus e em meio de santificação em si mesmo, sem ter de deixar o que se é e se vive diariamente. Exame — Em suas pregações, nossos pastores fazem com que se conheça de modo suficientemente claro e abundante todas essas perspectivas que o Concilio abriu aos leigos na igreja? — Existe em nossa comunidade cristã uma verdadeira participação dos leigos? Até onde os leigos podem participar das decisões da comunidade cristã? E da diocese e da igreja universal? — Que casos conhecemos em que os leigos fizeram os pastores escutarem a sua voz, o seu modo de ver diferente? Quando é que os pastores os consultam? E o que fazem quando ninguém os consulta? — Qual é a proporção de cargos pastorais não necessariamente sacerdotais desempenhados atualmente por clérigos, os quais deveriam ser desempenhados por leigos, tanto em nível de nossa comunidade cristã, como da diocese ou da igreja universal? O que podemos fazer? — Valorizamos o "apostolado de vizinho a vizinho, de companheiro a companheiro"? — Existe conselho pastoral em nossa comunidade? E na diocese? 41 Conversão — Organizar-se verdadeiramente em comunidade. E montar nela os órgãos, comissões e linhas de participação necessárias. — Superar todo resquício de clericalismo. — Dar um novo impulso à comunidade (e em minha vida pessoal) quanto ao apostolado de companheiro a companheiro. — Tomar consciência de modo claro de que nossa santificação real reside antes de tudo em nossa vida profissional, familiar, conjugai, social, de trabalho, de lazer. .. Superar, a partir de uma visão de fé, o velho complexo de estar submergido em realidades profanas... — Fazer ura apelo para dar à mulher uma especial participação em postos de responsabilidade na comunidade, a fim de lutar contra a corrente da marginalização que ela sofre na sociedade e na igreja. Oração Deus, nosso Pai, em Jesus adquiriste um povo eleito, um sacerdócio real, uma nação consagrada, povo de tua propriedade. Nós te pedimos que, tendo a mesma dignidade de membros seus e sendo igualmente chamados à perfeição, façamos nossa a utopia do Reino pela qual vivemos e lutamos. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelos movimentos apostólicos leigos, para que recobrem vitalidade ao ritmo dos tempos atuais. — Pelos- leigos, cada vez mais numerosos, para que descubram o seu chamado ao trabalho pastoral comprometido, sem que deixem de ser leigos nem se clericalizem. — Pelos ministros da palavra, pelos animadores de comunidades de base. — Pelos numerosos padres de mentalidade atrasada que inibem a participação dos leigos. — Pelas religiosas, para que adotem uma postura mais crítica e participativa. — Pela igreja, para que promova cada vez mais a mulher. 42 43 5 UMA NOVA ESPIRITUALIDADE Textos conciliares LG 40: Jesus é o modelo cristão da santidade. A santidade consiste em seu seguimento. A santidade cristã suscita um nível de vida mais humano dentro da sociedade terrena (cf. também GS 11, 15, 41; AA 5). LG 41: Única é a santidade de todos os cristãos; ela é adquirida precisamente no desempenho diário das ocupações da própria vocação e estado de vida de cada um, "nas condições, ocupações ou circunstâncias de sua vida, e através de tudo i s s o " . . . LG 42: "Todos os fiéis cristãos são, pois, convidados e obrigados a procurar a santidade e perfeição do estado próprio." LG 10-11: Os cristãos exercem o seu sacerdócio comum por meio de suas obras, oferecendo-se a si mesmos como hóstia viva. Todos, de qualquer estado e condição, são chamados, cada um por seu caminho, a ser perfeitos como o é o Pai. GS 38: Não se deve procurar a caridade unicamente nos acontecimentos importantes, mas, sobretudo, na vida de cada dia. LG 34: Os leigos e a consagração do mundo pelo sacerdócio comum. 44 A Palavra de Deus — Mt 5,43-48: Sede perfeitos (autenticamente bons) como o vosso Pai. — lTs 4,3: Esta é a vontade do Pai: vossa santificação. — Rm 12,1-2: Oferecei a vossa existência como sacrifício agradável a Deus. — Cl 3,9b-17: Revesti-vos do homem novo, das virtudes dos santos. — Gl 5,16-26: Vivei segundo o Espírito, não segundo a carne. — ICor 10,31: Fazei tudo pela maior glória de Deus. — Jo 4,21-24: Adorar em espírito e em verdade. — At 17,28: Em quem nos movemos e existimos. Questões para o diálogo — "Santidade": Em que isto nos leva a pensar? Que ressonância é lembranças afetivas nos evoca? Colocar isso em comum. Analisar, depois, cada colocação. — As imagens dos santos: estátuas, estampas. . . Que "imagem" de santidade refletem? — Não houve uma certa antinomia inconsciente entre santidade, por um lado, e vida no mundo, matrimônio, amor humano, vida cotidiana, política, sexualidade, diversão, vida profissional, reivindicações pela justiça, homem da rua, modernidade . . . , por outro? A que se deve isso? — Fazer o "retrato-robô" do que seria um santo hoje. Entre todas as pessoas que conhecemos e com as quais lidamos em nossa vida, existe algum homem ou alguma mulher a quem podemos ter na conta de "santo"? — O que seria uma santidade "política"? 45 Reflexão 1. A maioria das religiões pensa que Deus, enquanto mistério e enquanto santo, está além do homem e da história, completamente separado e distanciado. Daí a definição de santidade como separação e distanciamento do profano. Santo, sagrado, separado... tornaram-se sinônimos. Entretanto, a partir de Jesus, isto deve ser corrigido. Deus, com sua santidade, encarnou-se, assumiu a nossa natureza e a nossa história, e, desde então, romperam-se as barreiras entre o sagrado e o profano. Tudo é sagrado, para quem sabe ver, sob os leves envoltórios da terra e da história, a presença daquele que é e que vem. 2. Mesmo que isto seja assim, na história do cristianismo voltaram a entrar influxos filosóficos alheios (idealismo, platonismo, maniqueísmo etc.) que conseguiram desterrar a santidade a um exílio forçado de fuga do mundo. A vida monástica constituiu-se em protótipo da santidade da igreja. O resultado popular foi contundente: "Santidade é coisa para monges e clérigos". 3. O Vaticano II coloca-nos a exigência de voltar a uma concepção mais cristã da santidade. Trata-se, portanto, de uma santidade encarnada, não separada, não fuga deste mundo. O texto conciliar (LG 41) repete insistentemente que a santidade deve ser alcançada na vida diária, nas ocupações de cada estado de vida e condição, não em uma separação ou fuga do mundo. O fundamento teológico de tudo isso é, além da lei da encarnação cristã, o sacerdócio comum dos fiéis (LG 1011), verdade teológica eminentemente bíblica, olvidada no século XVI e redescoberta pelo Vaticano II. Esta fecundíssima visão teológica implica uma verdadeira revolução na existência cristã, na qual já não se faz distinção entre lugares ou tempos sagrados e profanos. Isso nada mais significa que resgatar a mensagem genuinamente neotestamentária. 46 4. É importante sublinhar certo aspecto da santidade cristã que o texto conciliar repete em diferentes passagens, como um estribilho involuntário que denuncia uma nova forma de pensar: a santidade, a vida, a mensagem cristã suscitam no mundo um nível de vida mais humano, inclusive na sociedade terrena, apresentam soluções plenamente humanas, respondem aos anseios e exigências mais profundos do coração humano, são plenamente humanizantes, aperfeiçoam cada vez mais a própria dignidade humana etc. (LG 40; GS 11, 15,41; AA 5). 5. Outro ponto-chave não deve ser esquecido: o famoso e último parágrafo do capítulo V da Lumen Gentium. Que todos, portanto, sintam-se "convidados e mesmo obrigados" à santidade. Jamais isto foi dito com tanta precisão. Ainda mais: "Todos devem ser diligentes em confessar a Cristo diante dos homens", pelo martírio (LG 42). 6. Seria bom que tudo isso fosse visto na perspectiva histórica da evolução dos conceitos de santidade e da espiritualidade correspondente: do "ora et labora" às espiritualidades apostólicas do "contemplata aliis tradere" e do "contemplativus in actionem". Modernamente chegaríamos então à espiritualidade da teologia do trabalho e das realidades terrestres. E depois do Concilio podemos falar de "contemplativus in liberatione", e de uma nova perspectiva de "santidade política". Exame — Somos daqueles que dizem por dizer que "santidade é coisa de padres e freiras"? — Em nossa espiritualidade ainda dependemos de tempos, práticas, lugares "sagrados"? — A redescoberta conciliar do sacerdócio comum dos fiéis significou alguma coisa para minha vida? Alterou alguma coisa em minha espiritualidade? 47 — Que modelo de santidade permanece latente nas práticas pastorais de nossa comunidade cristã? Ou não há modelo algum? Que imagem exterior de santidade (estátuas, estampas, l i v r o s . . . ) apresentamos? Conversão — Propiciar uma linguagem nova, porém explícita, sobre a santidade. — Colaborar com nossa vida e testemunho para eliminar as conotações negativas da palavra "santidade". — Denunciar o modelo pré-conciliar e evasivo de santidade que alguns grupos ainda patrocinam. — Tornar consciente em minha própria espiritualidade a perspectiva teológica do sacerdócio comum. — Revisar minha prática de oração pessoal e comunitária. Oração Deus, nosso Pai, tu és o único santo, e queres que sejamos autenticamente santos, como tu. Abre nossos olhos para que descubramos os numerosos santos que nos rodeiam, para que saibamos também nós encontrar a santidade na vida diária. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Por aqueles que acreditam que a santidade não é coisa para eles. — Por aqueles que se encontram em situações difíceis de luta pela justiça, para que o Senhor os sustente e os faça modelo de "santidade política". — Por aqueles que prevêem a possibilidade do martírio em sua vida, para que acolham fielmente esse dom de Deus. — Para que a igreja universal não ignore, mas venere os numerosos mártires que atualmente temos em diversas regiões da igreja. — Para que integremos nossas tarefas mais cotidianas na perspectiva do chamado à santidade. 48 49 6 A IGREJA CAMINHA PELA HISTORIA Textos conciliares LG 48: LG 49: LG 50: GS 39: GS 45: 50 A igreja tem um caráter escatológico. Está a caminho. Alcançará sua plenitude somente no final dos tempos. O Espírito age sem cessar no mundo. A restauração prometida já começou. Vivemos unidos à igreja celestial. A comunhão com nossos entes queridos não se interrompe com a morte, mas ao contrário é fortalecida. O próprio Deus se nos manifesta e nos atrai para si na vida daqueles irmãos nossos que mais vivamente se transformam em sua imagem. Voltaremos a encontrar límpidos, iluminados e transfigurados no Reino, os frutos da natureza e de nosso esforço. E o Reino já se encontra aqui misteriosamente presente na terra. Quando o Senhor vier, consumar-se-á sua perfeição. O Senhor é a meta da história, convergência dos desejos da história e dos povos, gozo do coração humano e plenitude total de suas aspirações. A igreja pretende somente uma coisa: o advento do Reino. A Palavra de Deus — lPd 1,3-9: Fomos gerados para uma esperança viva. — Ap 2,10b: Sê fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida. — Rm 8,19-24: A humanidade geme em dores de parto. — 2Cor 5,6-10: Teremos de comparecer perante o tribunal de Cristo. — Uo 3,1-3: Ainda não se vê o que seremos. — Lc 24,13-35: Jesus ressuscitado tornou-se companheiro nosso de viagem. — Gn 12,1-3: Sai da terra e vai para onde te mostrarei. — At 1,6-8: Não compete a vós conhecer os tempos e os momentos. Recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas. — Mt 24,32-36: Ninguém sabe o dia nem a hora. Questões para o diálogo — Há uma visão estática e uma visão dinâmica do tempo e da história. Como as distinguimos? — As realidades escatológicas (o além-morte, a vida eterna), estão simplesmente "além, no final da vida, depois da morte" ou, pelo contrário, já têm, de algum modo, uma certa presença nesta vida? Em que consiste tal presença? — "A esperança na vida eterna serviu para ouvidar a terra." "A religião é o ópio do povo." Comentar tais afirmações. — "A comunhão com nossos entes queridos não se interrompe com a morte, mas, ao contrário, é fortalecida" (LG 49). Comentar. — Como se costuma dizer, é verdade que vivemos em uma sociedade que tem medo de falar sobre 51 a morte? Nesta sociedade, que significado tem a igreja dar testemunho da ressurreição? Como nossa fé na vida eterna pode ser significativa para o homem moderno? — "A plenitude dos tempos chegou, e a renovação do mundo está irrevogavelmente decretada"; "já começou, e continua, impulsionada pelo Espírito, a restauração prometida" (LG 48). Que isto significa? A que diz respeito? Que exige de nós? Reflexão 1. Sempre existiu na igreja^ a fé na ressurreição, na vida eterna, na escatologia. Entretanto, esta fé sempre ajustou-se às exigências do evangelho e de uma atitude verdadeiramente respeitosa da história. O Vaticano II implica uma profunda mudança da perspectiva escatológica. 2. Como era antes a visão escatológica predominante na igreja? As realidades escatológicas eram pensadas como alguma coisa que "se situava" no final da história, no além-túmulo. Algo separado e distante, sem influência nem presença na realidade da história. O que importava era a salvação ("no final da caminhada, quem se salva sabe, e quem não, nada sabe"), a salvação conseguida pela coincidência da morte com o estado de graça. A salvação consistia, pois, na entrada em um mundo absolutamente diferente e heterogêneo (o céu), sem continuação alguma com este mundo. Consideravam-se o nosso mundo e a nossa história simplesmente como tempo de provação. Um tempo para conquistar méritos, para merecer a salvação ou a condenação. Esta abateria sobre nós depois da morte, como algo exterior, vindo de fora. O verdadeiro mundo é o definitivo, o eterno; o nosso mundo, ao contrário, é caduco e destinado a perecer: de tudo aquilo que aqui se faz nada importa verdadeiramente; de tudo o que aqui se 52 faz somente se salvará o amor, a retidão de intenção que colocamos em nosso esforço. Não eram poucas nem leves as conseqüências que podemos deduzir dessa visão escatológica. Não poucas vezes a esperança escatológica foi instrumentalizada contra o compromisso para com os deveres terrestres, servindo de ópio ou de droga para adormecer as reivindicações de justiça dos pobres. Colocou-se o modelo de santidade na fuga mundi, na fuga deste mundo perverso que tenta nossa alma e coloca em perigo nossa salvação eterna. O importante era a salvação da alma, salvar-se a si mesmo, entendido como uma aventura individual, entre Deus e a alma. Procurava-se passar pelas coisas deste mundo desprezando-as, defendendo-se de suas ciladas, buscando somente as coisas do céu. O céu seria definitivamente outra coisa, completamente distinta. Algo sem conexão alguma com este mundo a não ser a gratuita misericórdia de Deus que no-Io outorga em base aos nossos merecimentos neste vale de lágrimas em que tudo está condenado à morte e ao fogo. 3. Qual a visão escatológica que o Vaticano II apresenta? As realidades escatológicas não são mais vistas como algo que está (estaticamente situado) além da história e além da morte individual. São vistas, isto sim, como algo dinamicamente presente na vida do homem e na história da humanidade. O escatológico não é uma realidade estática nem um lugar. Tampouco é um tempo, mas uma dimensão permanente de toda a história da salvação. As realidades escatológicas não estão somente lá. Elas já estão aqui, mesmo que ainda não. É tempo histórico da igreja peregrinante, não é apenas uma provação. O que fazemos neste mundo nosso não é simplesmente ocasião de merecimento. Em nossa história e em nosso esforço humano estão em jogo valores eternos, definitivos, escatológicos. Isto porque precisamente está em jogo a construção do Reino de Deus, "que já está misteriosamente presente em nossa terra", ainda que sua perfeição "venha se consu53 mar quando o Senhor vier" (GS 39). Portanto, o céu não será algo absolutamente heterogêneo, mas a consumação, a plenitude, por graça gratuita de Deus, daquilo que aqui já estamos vivendo no Espírito do Senhor. "Voltaremos a encontrar os excelentes frutos da natureza humana e de nosso esforço. E os encontraremos límpidos de toda a mancha, iluminados e transfigurados quando Cristo entregar ao Pai o Reino" (GS 39). As conseqüências desta nova visão são também claras e importantes. A fuga mundi, a fuga do mundo, já não é o modelo de santidade adequado. Não se trata de salvar-se do mundo, tampouco salvar-se no mundo, mas de salvar o mundo. É então precisamente em virtude da esperança escatológica que o cristão deve encarnar-se e se comprometer no mundo, em suas lutas, em seus conflitos. Atualmente, com esta nova visão escatológica, inverteu-se a direção do sinal: antigamente quanto mais alguém se afastava das realidades terrestres ("fuga mundi") e procurava imitar a forma celeste de viver ("vita angélica") dava um testemunho de maior valor escatológico. Hoje, ao contrário, mostra um maior amor escatológico quem mais se compromete, quem mais se encarna na realidade histórica. É aí que verdadeiramente encontramos a única presença a nós acessível das realidades escatológicas (GS 39, 21, 57, 34, 38, 42, 43). Com Jesus, o escatológico encarnouse na história. O Reino de Deus anunciado por ele já não é outro mundo, mas este mesmo mundo, porém totalmente outro. E devemos colaborar apaixonadamente nas dores de parto (Rm 8,19-24) dos novos céus e da nova terra (2Pd 3,13-14). reição e da transcendência. Isto, porém, de forma nova, de acordo com esse caráter escatológico que ineludivelmente a vida eclesial tem. É preciso que se divulgue no povo cristão uma expressão reformulada dos novíssimos de sempre: morte, juízo, inferno e paraíso (LG 48). 4. De tudo isto podemos deduzir, segundo o espírito e a letra do Vaticano II, implicações vivificantes para a vida eclesial. A igreja encontra-se em viva comunhão com a igreja celestial. A comunhão com os irmãos falecidos não se interrompe, mas se fortalece (LG 49). Nesta sociedade que se coloca de costas para a morte, nós, cristãos, devemos ser hoje, testemunhas da ressur- — Facilitar em nossa comunidade cristã o estudo e a divulgação de uma visão atualizada das realidades escatológicas. — Examinar no conselho pastoral da comunidade cristã (ou, na falta deste, na reunião dos animadores) a pastoral que se está fazendo em relação a missas de defuntos, sufrágios, respon- 54 Exame — Que importância dou à convicção da ressurreição? Não há em minha vida gestos a mostrar que também eu vivo um tanto de costas para a morte, procurando ignorá-la? — Há em mim um sentido íntimo e de fé de que estou participando na construção do Reino eterno, no futuro absoluto da história, na construção do céu? — Temos ainda a mentalidade dos que pensam que é preciso salvar-se "do" mundo, ou "no" mundo? — Leio os avanços (e os retrocessos) da atualidade mundial à luz da fé, como o caminhar do Reino escatológico em nossa história, procurando distingui-los devidamente? — Tenho me preocupado em adquirir uma visão atualizada dos "novíssimos", ou possuo ainda, de modo vergonhoso, a visão que me deram em minha educação infantil? Conversão 55 sos e t c , e qual a linguagem empregada em tal pastoral. — Amar as coisas deste mundo, amar nosso trabalho, valorizar os progressos históricos à luz da fé e da esperança. — Encarnar nossa esperança escatológica no compromisso histórico. Unir contemplação e militância. — Educar nossa maneira de ver: para quem tem fé e esperança nada há de profano nem de indiferente. Oração Deus, nosso Pai, que na ressurreição de Jesus fez-nos renascer a uma viva esperança: nós te pedimos que amemos as realidades celestes de tal modo que nos comprometamos ativamente neste mundo e em sua história, como Jesus, encarnado, morto e ressuscitado. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelos teólogos e pastoralistas, para que colaborem na divulgação da nova visão escatológica conciliar. — Para que sejamos testemunhas da fé na ressurreição com uma esperança encarnada e comprometida na história. — Para que sejamos uma prova viva de que a religião não somente pode não ser ópio para o povo, mas, ao contrário, fermento de esperança ativa. — Pelos enfermos que têm medo de enfrentar a morte. — Por todos os que amam seu trabalho, pelos que se lançam apaixonadamente na transformação do mundo, pelos que por falsos motivos cristãos depreciam o mundo e as lutas históricas. — Pelos religiosos e religiosas, para que se definam como "sinal escatológico" para o povo cristão, para que o sejam efetivamente e com uma visão atualizada. 56 57 UMA NOVA IMAGEM DE MARIA Textos conciliares LG LG LG LG 55-59 60-65 66-67 68-69 Maria na história da salvação. Maria e a igreja. O culto a Maria. Maria, sinal de esperança para o povo de Deus. A Palavra de Deus — Jo 2,1-5.11-12: Fazei o que ele vos mandar. — Lc 11,27-28: Mais ditosos os que escutam a Palavra de Deus. — At 1,12-14: Maria orando com a primeira comunidade cristã. — Lc 1,26-38: Faça-se em mim segundo a tua Palavra. — Lc 1,46-53: Depôs os poderosos e elevou os humilhados. Questões para o diálogo — Com a participação de todo o grupo, evocar e recordar como era a devoção a Maria nos tempos pré-conciliares. Fazer uma análise crítica. — O que, em nossa educação infantil, ouvimos sobre Maria e que hoje nos parece inaceitável? Por quê? Analisar as causas. 58 — O que, fundamentalmente, o Concilio supôs transformar no que diz respeito ao lugar que Maria ocupa na devoção dos cristãos? — Qualidades admiráveis e/ ou imitáveis de Maria: enumerá-las e distingui-las. — O que significa a afirmação conciliar de que Maria é "a figura da igreja" (LG 63)? — Citar e recordar as práticas da religiosidade popular mariana. Analisar. Que existe aí de cristão e/ou de religioso, de conciliar e de pré-conciliar? Reflexão 1. Os padres conciliares debateram o estatuto que deu origem ao texto do Concilio sobre Maria. Alguns queriam que o texto fosse autônomo e outros queriam incorporá-lo na Lumen Gentium. Finalmente prevaleceu a segunda opção. Com isto quiseram que o verdadeiro lugar de Maria é a Igreja, e que a reflexão sobre o seu mistério deve ter um caráter marcadamente eclesial. 2. Com efeito, registrava-se no debate conciliar a presença de duas mariologias. Poderíamos denominar a primeira de "cristotípica", isto é, a reflexão mariana era elaborada a partir do modelo de Cristo Redentor. A outra poder-se-ia denominar "eclesiotípica", cuja reflexão teológica sobre Maria era feita a partir de sua dimensão eclesial. Os debates conciliares optaram pela segunda orientação. 3. De acordo com essa visão, em relação a nós, Maria encontra-se na linha da igreja. Maria é, antes de tudo, uma crente, a que primeiro acreditou, modelo dos crentes. Isto significa que ela não é uma deusa, não está do lado da divindade, mas, sim, do lado dos crentes. Não é o correlato feminino da divindade. É uma mulher de nossa raça e de nosso povo, do Povo de Deus. E o importante na sua figura não é somente o que 59 ela tem de prerrogativas de graças sublimes e irrepetíveis, mas o que tem de modelo para nós. O que importa é o que ela tem de realização "modélica" ou exemplar de obediência e de fé. Nesse sentido Maria é o tipo, o modelo, o projeto daquilo que a igreja é e deve ser. Paulo VI, em sua Marialis Cultus, desenvolve as facetas desta exemplariedade de Maria a respeito da igreja (MC 16ss.) E a Lumen Gentium ilustra seu caráter de figura da igreja. 4. Isto supõe certamente um giro apreciável na linha mariológica da teologia pré-conciliar e, correlativamente, na espiritualidade e na pastoral mariana na igreja. Superam-se alguns traços "festivos", "extrinsecistas", barrocos e excessivamente sobrenaturalistas, para traduzir a mesma devoção mariana de sempre em uma linguagem mais acomodada ao homem de hoje. O próprio Paulo VI (Marialis Cultus 38) chamava a atenção e enumerava falhas e desvios a se corrigir: atitudes culturais errôneas, exageros de conteúdos e de formas, falseamento da doutrina, obtusidade de mente, vã credulidade, sentimentalismo, coisas manifestamente legendárias ou falsas... A espiritualidade mariana conciliar, como a espiritualidade mariana genuinamente mais evangélica, conduz a Jesus: "Fazei tudo o que vos disser", e nos abre a ulteriores desenvolvimentos pós-conciliares sobre Maria como profetisa da libertação do Deus dos pobres (Lc 1,45-55)... Exame — Como é a nossa devoção a Maria? Procuramos atualizá-la? — É relevante em nossa comunidade cristã a orientação eclesiológica que o Concilio desejou imprimir à espiritualidade mariana? — Em Maria nós nos fixamos mais no admirável do que no imitável? — O que temos feito pastoralmente perante a religiosidade popular (tradições, festas de padro60 eiros, santuários, práticas piedosas, mês de Maria, novenas. . . ) ? Fazemos algum esforço em relação a isto, a fim de ajudar o povo cristão a amadurecer e a se renovar, ou deixamos as coisas como estão, disfarçando nossa preguiça com algumas desculpas pastorais? — Quantas práticas marianas continuam hoje intactas, como há vinte anos, como se não tivéssemos celebrado o Concilio? Conversão — Escutar a Palavra de Deus e colocá-la em prática, como correção concreta que o próprio Jesus faz aos admiradores de sua mãe (Lc 11,28). — Analisar o aspecto mariano e nossa comunidade cristã. Partindo dos organismos competentes, programar uma animação diretamente relacionada com as próximas datas marianas. — Estudar comunitariamente o capítulo oitavo da Lumen Gentium. — Revisar nossa piedade mariana pessoal. — Compromisso com a causa da mulher. Preces — Para que encontremos uma linguagem adequada a nova espiritualidade mariana pós-conciliar (imagens, expressões, práticas, estampas, materiais p a s t o r a i s . . . ) — Pelo povo cristão para que amadureça em sua religiosidade popular mariana. — Pelos que dirigem a pastoral dos santuários, para que atendam devidamente o povo cristão. — Pelas mulheres cristãs, para que exijam um lugar mais justo na sociedade e na igreja. — Para que nossa admiração por Maria nos leve a imitá-la concretamente em nossa vida. 61 8 Oração Deus, nosso Pai, na Mãe de Jesus nos deste um exemplo, o tipo do que deverá ser a igreja como fiel discípula de Jesus. Dá às comunidades cristãs a sua fé e a sua esperança, a fim de que se comprometam pelo Reino com o seu amor eficaz. Por nosso Senhor Jesus Cristo. UMA VISÃO ESPERANÇOSA DO MUNDO E DA HISTORIA Textos conciliares GS 1: GS 2: GS 3: GS 4: 62 As alegrias e as esperanças dos homens de hoje são também as alegrias e as esperanças dos discípulos de Cristo. Nada de verdadeiramente humano existe que não lhes ressoe no coração. O Concilio dirige-se a todos os homens, a toda família humana. O gênero humano freqüentemente debate problemas angustiantes. A maior prova de respeito, amor e solidariedade da igreja para com a família humana consiste em dialogar sobre esses problemas. É o homem "todo inteiro" que deve ser salvo. É dever permanente da igreja perscrutar a fundo os sinais dos tempos. É necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, suas esperanças, suas aspirações... O gênero humano encontra-se hoje em um período novo de sua história, caracterizado por mudanças profundas e aceleradas. Pode-se falar de uma verdadeira metamorfose social e cultural, que afeta também a vida religiosa. É uma crise de crescimento. Jamais o homem teve um sentido tão agudo de sua liberdade. Jamais teve à sua disposição tantas possibilidades. 63 GS 5: A própria história está submetida a um processo de tal aceleração que apenas é possível ao homem segui-la com dificuldade. Torna-se una a sorte da comunidade humana e não mais diversificada como que entre várias histórias. Assim, a humanidade passa de uma noção mais estática da ordem das coisas para uma concepção mais dinâmica e evolutiva. Novas análises e novas sínteses se fazem necessárias. no se apresenta, ao mesmo tempo, capaz tanto do melhor como do pior. GS 10: A igreja acredita que a chave, o centro e o fim de toda história humana se encontram em Cristo. GS 11: O Povo de Deus discerne nos acontecimentos os sinais da presença de Deus. A sua fé orienta a mente para soluções plenamente humanas. GS 6: Registram-se mudanças profundas na ordem social, nas tradicionais comunidades locais. Isto por causa do tipo de sociedade industrial que se impõe, como também pelo fenômeno do urbanismo que se alastra, pelos meios de comunicação social, migrações, socialização. Profundas mudanças psicológicas, morais e religiosas. Mudanças de mentalidade, constatadas especialmente nos jovens. Instituições, leis, formas de pensar e sentir herdadas do passado são afetadas por tais mudanças. Um espírito crítico mais aguçado purifica a religião de um conceito mágico do mundo e de resíduos supersticiosos, exigindo uma adesão à fé cada vez mais pessoal e operante. Multidões cada vez mais numerosas se afastam praticamente da religião. Desequilíbrios e discrepâncias. Cresce a convicção de que o homem precisa estabelecer uma nova ordem política, econômica e social, mais a serviço do homem, com uma distribuição mais eqüitativa, mais participativa. Todavia, cada dia aumenta a distância entre os países ricos e os países pobres. As pessoas e os grupos sociais estão sedentos de uma vida plena e livre, digna do homem, que coloque a seu serviço as imensas possibilidades atuais. Cada vez mais as nações buscam uma comunidade universal. O mundo moder- GS 42: GS 7: GS 8: GS 9: 64 A igreja reconhece tudo o que há de bom no dinamismo social hoje. João XXIII: (Há os que) "em nossos tempos modernos não vêem outra coisa do que prevaricação e ruína. Dizem e repetem que a nossa hora, em comparação com as passadas, p i o r o u . . . Nós discordamos destes profetas de calamidades. Na presente ordem das coisas.. . é preciso reconhecer os arcanos desígnios da Providênc i a . . . " (cf. Discurso de 11.10.1962, ao inaugurar o Concilio, parágrafos 9 e 10). Paulo VI: "De modo muito consciente, a postura do Concilio tem sido otimista. Uma corrente de admiração e de afeto tem-se espalhado pelo mundo moderno. E m lugar de deprimentes diagnósticos, o Concilio enviou ao mundo contemporâneo remédios alentadores: em vez de funestos presságios, mensagens de esperança; seus valores não somente têm sido respeitados, mas honrados; sustentados os seus incessantes esforços, suas aspirações purificadas e louvadas" (cf. Discurso de encerramento do Concilio, 7.12.1965, parágrafo 9). A Palavra de Deus — lTs 5,16-22: Discerni tudo e ficai com o que é bom. Não apagueis o Espírito. — Lc 9,49-50: Quem não é contra nós está a nosso favor. 65 — Rm 12,12: Alegres na esperança. — Mt 28,20: Eu estarei convosco até o fim dos tempos. — Rm 8,28: Tudo coopera para o bem daqueles que amam. — Mc 6,47-51: Ficaram com medo. Ele, porém, disse: "Não temais, sou eu". Questões para o diálogo — Nas grandes crises da história, é típico os altos escalões da igreja adotarem uma postura negativa, conservadora, de desconfiança e de pessimismo. Citar alguns casos. Comentar. Como explicar o fenômeno? — Traçar um retrato-robô de nosso mundo moderno, com seus traços positivos e negativos. Fazer um balanço: o resultado é negativo ou positivo? Facilidades e dificuldades que um mundo assim oferece à igreja. — "Discordamos dos profetas de calamidades..." Comentar esta frase de João XXIII. Aplicá-la à atualidade. — Ainda se nota na igreja um certo receio diante do novo, uma atitude conservadora ou de desconfiança diante das novas possibilidades (da ciência, da técnica, da medicina, da psicoterapia etc.)? — Qual é a atitude predominante hoje na igreja a respeito do mundo moderno? Assumimos o espírito conciliar? — Poderá o homem de hoje aceitar uma mensagem de fé que se apresente em categorias mentais e culturais antimodernas? Pode-se evangelizar o homem moderno sem antes fazer a síntese entre consciência moderna e consciência crente? 66 Reflexão 1. As colocações introdutórias da Gaudium et Spes apresentam de modo plástico o espírito que impregna os textos conciliares: um espírito de diálogo, de compreensão, de aproximação, de superação de velhos receios e temores, de verdadeiro carinho e amor para com o mundo moderno; uma atitude de realismo: começar, não por análises teóricas, mas abrindo os olhos à realidade. 2. Com este espírito, o Concilio, desenvolve e descreve uma imagem concreta do mundo moderno. Fala sobre suas esperanças, temores, profundas mudanças na ordem social, psicológica, moral, religiosa; seus desequilíbrios, aspirações e interrogações mais profundas. Não vamos transcrever aqui o seu pensamento. Suas análises e descrições não perderam a vigência; ao contrário, são confirmadas. À primeira vista pode parecer que tal análise não tem valor teológico. O fato é que o tem, e valor muito profundo, porque se trata muito mais de um discernimento feito a partir da fé para descobrir os sinais verdadeiros da presença ou dos planos de Deus (GS 11). 3. A igreja conciliar tem um talante de otimismo que no fundo é uma profunda esperança. Está livre de preconceitos e sabe reconhecer tudo o que de bom se faça no atual dinamismo do mundo (GS 42). Ela se apresenta sem complexos de inferioridade perante o mundo moderno, porque está convencida de que sua fé e sua mensagem promovem no mundo soluções plenamente humanas (GS 11) e, também, um nível de vida mais humano na sociedade terrena (LG 40). Este otimismo é esperança pascal. Isto porque a igreja sabe que "O Senhor é o fim da história humana, ponto de convergência para o qual tende os anseios da história e da civilização, centro da humanidade, alegria do coração humano e plenitude total de suas aspirações. Caminhamos como peregrinos para a consumação da his67 tória humana, a qual coincide plenamente com o seu amoroso desígnio: restaurar em Cristo tudo o que existe no céu e na terra" (GS 45). Exame — O Concilio afirma que estamos em uma nova etapa da história (GS 4), com uma verdadeira metamorfose sociaPê cultural (ib.). Aceitamos realmente este diagnóstico? Ou vivemos nossa fé como antigamente, como se nada houvesse mudado? — Colocamo-nos em uma atitude de acolhida, de compreensão, de aceitação, de valorização sincera de tudo o que é positivo no mundo de hoje? — Somos daqueles que acham que "qualquer tempo passado foi melhor"? — Além de qualquer otimismo superficial, temos a verdadeira esperança pascal? — Sentimos em nós, espiritualmente, a convergência entre os desejos da história e as promessas do Senhor? — Somos verdadeiramente homens do nosso tempo, cuidamos do mundo moderno, ou preferimos, no fundo de nosso coração, o mundo pré-moderno? Realizamos em nós mesmos a síntese entre consciência cristã e consciência moderna? — Viver nossa vida comunitária cristã com espírito de diálogo e compreensão para com o mundo moderno. Preces — Pelos que vêem a situação atual do mundo de um modo sem esperança. — Pelos que na igreja provocam conflitos, repúdios, falta de diálogo com o mundo. — Para que saibamos assumir tudo o que de bom nos oferece a situação atual. — Para que os cristãos colaborem com a gestação de um mundo novo. Oração Deus, nosso Pai: amaste tanto o mundo que lhe entregaste teu próprio Filho, Jesus, que deu sua vida por ele. Faze que nós, seguindo seus passos, sejamos capazes também de dar nossa vida não para julgar o mundo, mas para salvá-lo. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Conversão — Viver conscientes e alegres de estarmos em uma etapa crucial da história humana. Procurar ser hoje instrumentos de amor de Deus para o mundo. — Aderir de modo radical à esperança. — Converter-se aos valores do mundo moderno. 68 69 9 UMA NOVA VISÃO RELIGIOSA DO HOMEM Textos conciliares GS 11: A fé orienta a mente para soluções plenamente humanas. A missão da igreja é religiosa e, por isso mesmo, plenamente humana. GS 12: Todos os bens da terra devem ordenar-se em função do homem, centro e cume de tudo. GS 13: Pelo pecado, o homem experimenta uma divisão íntima. GS 14: O homem é uma síntese do universo material. No homem, essa síntese alcança o seu cume. O homem não deve desprezar a vida corporal. GS 16: Dignidade da consciência moral. Por ela seremos julgados. Nela comungamos com os demais homens na busca da verdade. GS 17: Hoje se exalta a liberdade com entusiasmo. E isto com razão. GS 18: A morte, o maior enigma da vida humana. A igreja afirma que o homem foi criado para um destino pós-morte feliz. GS 19: Também os crentes têm sua parte de responsabilidade na gênese do ateísmo; esconderam mais do que revelaram o genuíno rosto de Deus. GS 21: 70 A igreja deve ser "fiel a Deus e aos homens". De modo algum o reconhecimento de Deus se opõe à dignidade humana. A igreja sabe que sua mensagem está de acordo com os mais profundos anseios do coração humano. GS 22: Jesus, o Homem Novo. Pelo mistério pascal a salvação alcança todos os homens, mesmo que de uma forma somente por Deus conhecida. GS 20: Cresce a consciência da exoelsa dignidade da pessoa humana, de seus direitos e deveres universais e invioláveis. O fermento evangélico tem despertado e desperta no coração do homem essa irrefreável exigência de dignidade. GS 41: Não existe lei humana capaz de garantir a dignidade pessoal e a liberdade do homem com a segurança com que o Evangelho o faz. AG 12: Os cristãos devem viver preocupados pelo homem em si mesmo. NA 1: Os homens esperam das diversas religiões a resposta aos enigmas recônditos da condição humana que hoje, como ontem, intimamente comovem seu coração. A Palavra de Deus — Gn 1,26-27: Façamos o homem segundo nossa imagem e semelhança. — U o 4,7-8: Quem ama conhece a Deus. — Mt 25,31-46: Cada vez que fizeste isto a um de meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste. — Cl 1,15-16: Ele é a imagem do Deus invisível. Por seu intermédio foi criado o universo celeste e terrestre. Questões para o diálogo — "Nós também — mais do que ninguém — somos promotores do homem" (Paulo VI, Discurso de encerramento do Concilio, 7.12.1965). Comentar esta frase. 71 — O ateísmo humanista sustentou a célebre posição: "Ou Deus ou o Homem". Por que tantos ateus chegaram a uma imagem de Deus em conflito com o homem? — "Não creio no Deus que coloca semáforo vermelho às alegrias do homem" (Juan Árias). Comentar. — "Tu te farás tanto mais santo quanto mais violência te fizeres" (Kempis). Comentar a imagem de santidade, a imagem de Deus, e a idéia de mortificação que se encerra nesta frase. — "O Deus em que muitos ateus não crêem e um Deus em quem tampouco acreditamos" (Máximos IV, na aula conciliar). Comentar. — "Todo homem é um problema não-resolvido para si mesmo" (GS 21). "O homem jamais ficará indiferente perante o problema religioso" (GS 41). Que conceito de religiosidade o Concilio está revelando nesta afirmação?" Reflexão 1. A visão do Concilio é antropocêntrica. Coloca o homem no centro e no cume de todos os bens da terra (GS 12). Nisto — afirma — geralmente crentes e não-crentes estão de acordo. É uma declaração solene sobre a dignidade da pessoa humana, sobre sua consciência e liberdade. Reconhece também sua fragilidade e a divisão íntima causada pelo pecado. Também a economia deve estar a serviço do homem (GS 64), e sob seu controle (GS 65). Os cristãos devem viver preocupados em servir o homem em si mesmo (AG 12). E se trata do homem inteiro, de todo o homem, também a sua vida corporal, na qual deve também glorificar a Deus (GS 14). São desconsideradas, pois, todas aquelas velhas atitudes anti-humanistas, inadequadamente teocêntricas, depreciadoras do mundo e do corpo. 72 2. O Concilio declara a convergência entre as aspirações do homem e as ofertas de Deus. "Sua mensagem está de acordo com os mais profundos anseios do coração humano" (GS 21). "O Senhor é o ponto de convergência para o qual tendem os anseios da história e da civilização, centro da humanidade, alegria do coração humano e plenitude total de suas aspirações" (GS 45). Essa nova consciência, conciliar, situa-nos, enquanto crentes, na melhor postura imaginada ao longo da história para estabelecer um diálogo com o mundo, para evangelizar sem avassalar, para não ver de forma pessimista o mundo de hoje, para unir forças e colaborar com todos os homens de boa vontade. 3. O aspecto religioso situa-se na profundidade do homem. O Concilio apresenta uma visão humanista do religioso. O religioso não consiste em práticas externas, nem na simples aceitação de certas afirmações teológicas . . . mas no posicionamento fundamental da vida diante da verdade e do amor. Posicionamento este que se decide no íntimo do homem, em sua consciência moral mais íntima. Ali onde todo homem pode encontrar a Deus crendo também não encontrá-lo. Por isso, todo homem que o seja verdadeiramente e em profundidade tem um sentido religioso, também no ateísmo explícito. Desta maneira, a salvação mediada por Jesus Cristo alcança todo homem mesmo além das fronteiras da igreja, ainda que não possamos explicar nem conhecer o modo — "somente de Deus conhecido" (GS 22) — como isto acontece. 4. O ateísmo é visto agora em perspectiva nova. Já não se adota uma postura condenatória e negativa a priori. Admite-se que muitos homens podem estar honestamente no ateísmo precisamente por recusa a uma imagem de Deus que deve ser posta de lado. Imagem esta que também nós não aceitamos. Na gênese do ateísmo, com efeito, os crentes podemos ter tido uma não pequena culpa, "enquanto que, com o descuido da educação religiosa, ou com a exposição inadequada da 73 doutrina, ou também com os defeitos de nossa vida religiosa, moral e social, velamos mais do que revelamos o genuíno rosto de Deus e da igreja" (GS 19). Exame — Percebemos que as aspirações do mundo convergem com as nossas, com as dos cristãos? Ou temos uma visão negativa do mundo de hoje? — Conseguimos descer com suficiente freqüência, em nossa oração, ao núcleo mesmo de nossa profundidade pessoal para nos encontrarmos ali com Deus e conosco mesmos? — Alguma vez tive um diálogo profundo com uma pessoa não-crente? — Muita gente tem se afastado tradicionalmente da igreja por causa de certas coisas. Destas coisas, o que ainda permanece vigente em cada uma? O que, na atualidade, podem estar sendo novas pedras de tropeço que afastam as pessoas da fé em Cristo? — Que idéia tenho a respeito da mortificação do corpo? Acaso, na prática, tenho a idéia de que Deus se alegra com o sofrimento humano? — Coloco a pessoa humana e a sua dignidade verdadeiramente no centro de meu mundo mental e de minhas ocupações vitais? Conversão — Fazer minha a virada antropológica que se registrou na reflexão da igreja. Colocar o homem no centro de meu esquema mental. — Reconhecer que por trás de muitos gestos humanos aparentemente simples oculta uma série de significação e de sentido que brota da religiosidade profunda do homem. — Não menosprezar as crenças e as práticas religiosas sinceras de pessoa alguma. 74 — Saber que mesmo no ateísmo explícito, se a pessoa é sincera, entram em jogo valores religiosos. Reconhecer a partir da fé que Deus não abandona ninguém longe de sua salvação. — Não acrescentar mais mal ao que já existe no mundo. Não buscar nunca a dor pela dor. Mudar de práticas de mortificação, se isto fizer falta. Aceitar, isto sim, a cruz que nos é imposta pelo fato de opor-nos ao mal e às cruzes dos que sofrem. — Dar graças a Deus porque a consciência da dignidade humana está crescendo no mundo. Preces — Por todos os homens que não são respeitados em sua dignidade. — Pelos países nos quais não se respeitam os direitos humanos. — Pelos que colocam os seus próprios interesses acima da dignidade do trabalhador. — Pelos que se afastaram da fé por causa de nosso mau exemplo. — Por todos os ateus de boa vontade, para que Deus os guie. — Para que na igreja respeitemos também escrupulosamente os direitos do homem até o final. Oração Deus, nosso Pai, que nos fizeste segundo a tua imagem e semelhança, e que em Jesus nos revelaste de modo total e definitivo a nossa dignidade mais plena, ajuda-nos a ser, à imagem e a exemplo de Jesus, verdadeiros homens novos. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 75 IO O HOMEM, ESSENCIALMENTE COMUNITÁRIO GS 28: GS 29: Textos conciliares GS 12: Deus não criou o homem solitário. O homem é, com efeito, por sua própria natureza, um ser social, e não pode viver nem desenvolver suas qualidades sem se relacionar com os outros. A revelação cristã é de grande ajuda para fomentar a comunhão interpessoal. GS 24: índole comunitária da vocação humana. O homem não pode encontrar sua própria plenitude a não ser pela entrega sincera de si mesmo aos outros. GS 25: A pessoa tem absoluta necessidade da vida social. Esta engrandece o homem. Dá-se hoje o fenômeno chamado "socialização": multiplicação crescente das conexões mútuas e das interdependências . GS 30: GS 23: GS 26: GS 27: 76 A crescente interdependência faz com que o bem comum se universalize cada dia mais, implicando direitos e obrigações que visam a todo o gênero humano. Qualquer grupo social deve levar em conta o bem comum de toda a família humana. Fazem-se necessárias a renovação de espírito e profundas reformas na sociedade. O desrespeito dos direitos humanos fundamentais degrada a civilização, desonra mais seus GS 31: GS 32: autores do que suas vítimas e é totalmente contrário à honra devida ao Criador. Respeito devido aos adversários. Isto, entretanto, não significa indiferença perante a verdade e o bem. É preciso distinguir entre o erro e o homem que erra. A igualdade fundamental entre todos os homens exige um reconhecimento cada vez maior. É lamentável que os direitos da pessoa humana ainda não estejam protegidos devidamente em todos os lugares. É preciso lutar com energia contra qualquer escravidão social ou política. É urgente que não haja ninguém que se conforme com uma ética puramente individualista. Existem pessoas que têm generosas opiniões, entretanto vivem de costas para suas obrigações sociais. A aceitação das exigências sociais e sua observância devem ser consideradas por todos como um dos primeiros deveres do homem contemporâneo. Quanto mais se une o mundo, mais abertamente os deveres do homem superam os grupos particulares e estendem-se pouco a pouco ao mundo inteiro. O futuro da humanidade está nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações de amanhã razões de viver e de esperar. Deus criou o homem para viver em sociedade. E o escolheu não somente enquanto indivíduo, mas também enquanto membro de uma determinada comunidade. Para que a humanidade se converta na família de Deus. A Palavra de Deus — Jo 17,21-22: Que sejam um, como tu e eu somos um. — Lc 6,27-38: Amor aos inimigos. 77 — Jo 15,13: Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida. — Rm 12,4-8: Colocar-se uns a serviço dos outros, como no corpo. — Mt 18,20: Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome. Questões para o diálogo — Que razões poderíamos dar a um cético para justificar-lhe a solidariedade entre os homens? — Que razões acrescentaríamos a partir da fé? — Que razões sociológicas e históricas tomadas da atualidade podem também aduzir-se para mostrar a solidariedade que de fato nos une, para o bem e para o mal? — A visão de homem herdada de nossa educação cristã leva em conta suficientemente sua dimensão comunitária e de solidariedade? — "O futuro da humanidade está nas mãos daqueles que são capazes de transmitir às gerações de amanhã razões de viver e de esperar" (GS 31). Que razões para viver e para esperar está oferecendo a igreja hoje às gerações jovens? Que razões pedem as gerações jovens? Reflexão 1. O homem é um ser social. Trata-se de uma afirmação capital do Concilio. Justifica-se a afirmação a partir da própria natureza do homem e a partir de uma argumentação teológica. O homem se desenvolve em sociedade. Precisa da sociedade para se desenvolver e para cultivar inteiramente sua vocação humana. Somente encontra sua plenitude na entrega aos demais. O próprio Deus o criou assim, não solitário, mas membro de uma comunidade, e para a comunhão. Isto se distancia muito dos posicionamentos clássicos que alcançaram 78 nossos dias impregnados do individualismo das "verdades eternas" da própria salvação individual. Em tais posicionamentos fomos educados, e neles talvez se cristalizou nossa estrutura espiritual. Faz-se necessária uma reeducação cristã para que se possa ser fiel ao espírito conciliar. 2. Ter essa consciência se faz hoje muito mais necessário e urgente pelas circunstâncias atuais que atravessam o mundo. O Concilio refere-se explicitamente a um fenômeno que denomina "socialização", que consiste na multiplicação de laços e interdependências entre os homens e os grupos sociais. Fala-se também, numerosas vezes, ao longo dos textos conciliares, de uma unificação mundial. E conclui sublinhando que o bem comum deve ser hoje entendido como estendido às fronteiras mesmas da humanidade. Somos todos uma mesma família e vivemos uma mesma história, não diversificada como antigamente (GS 30). Toda ética meramente individualista deve ser superada (GS 30). 3. Isso requer muitas exigências. A ordem social deve ser colocada a serviço da ordem individual (GS 26). Os direitos humanos devem ser respeitados (GS 27). É preciso buscar um reconhecimento cada vez mais intenso e urgente da igualdade fundamental de todo o homem. Por isso, será preciso superar, o quanto antes, as diferenças econômicas tão escandalosas (GS 29) etc. Corremos sempre o perigo de ter generosas opiniões sem que a elas corresponda um compromisso social adequado (GS 30). 4. Considerar-se cidadãos do mundo. Seria esta a conseqüência que se deveria extrair desta visão conciliar do homem como ser comunitário. O bem comum se faz amplo como o mundo. A solidariedade deve ser considerada por todos como um dos principais deveres do homem;contemporâneo (GS 30). "Os deveres do homem transcendem os grupos particulares e se estendem progressivamente a todo o mundo" (GS 30). Isto 79 significa que estamos decididamente diante de uma nova visão, que exige "renovação dos espíritos e profundas reformas na sociedade" (GS 26). Não é valiosa e radical essa abordagem do pensamento conciliar? Exame — Avaliar a nossa própria solidariedade humana, com os homens de todo o mundo. — Que atos de solidariedade fazemos em favor das sociedades nas quais se sofrem violações dos direitos humanos? — Distinguimos o erro do homem que os comete? — Podemos dizer, de fato, que lutamos com energia contra qualquer escravidão social ou política (GS 29)? — Em nossa comunidade cristã, damos aos jovens motivos para viver e esperar? Conversão — Abrir nossa mentalidade. Começar a pensar em chave de mundo, sentir-se irmão de todos os homens, vizinho de todos os povos, cidadão do mundo. — Examinar o cumprimento de nossas solidariedades. — Ser homens e mulheres de esperança. Dar as razões de nossa esperança, especialmente às gerações vindouras. — Cultivar as relações humanas, a cordialidade, a comunicação e a amizade na comunidade cristã. — Tomar providências para que nossa comunidade cristã seja um gérmen de solidariedade cada vez mais forte perante a sociedade que a circunda. 80 Preces — Para que as organizações internacionais se consolidem em vista de uma maior unificação mundial. — Para que em todo mundo sejam reconhecidos os direitos humanos e desterrado tudo aquilo que humilha o homem. — Por aqueles que vivem sozinhos. — Por aqueles que trazem consigo traumas pessoais de comunicação com os demais. — Para que lutemos com energia contra toda forma de escravidão moderna. — Para que a fé faça aumentar em nós o sentido de cidadãos do mundo. Oração Deus, nosso Pai, que puseste a plenitude da vida humana na entrega do homem aos demais, e em Jesus Cristo nos deste um exemplo completo de amor até a entrega da vida, dá-nos força para saber imitá-lo, empregando nossa vida na tarefa de converter o mundo em uma só família. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 81 11 feito não somente nos acontecimentos importantes, mas sobretudo na vida do dia-a-dia. Jesus Cristo nos ensina a suportar a cruz que a carne e o mundo impõem sobre os ombros daqueles que buscam a paz e a justiça. Ele mesmo encoraja e purifica os esforços da família humana em tornar mais suportável sua vida e submeter a terra a este fim. UMA NOVA VISÃO DO TRABALHO E DA ATIVIDADE HUMANA GS 39: Textos conciliares GS 34: O conjunto ingente de esforços humanos da história para alcançar melhores condições de vida corresponde à vontade de Deus. Isto vale também para os afazeres mais comuns. Através de seu trabalho os homens desenvolvem a obra do Criador. "A mensagem cristã não desvia os homens da construção do mundo nem os leva a negligenciar o bem de seus semelhantes. Antes, os obriga ainda mais a realizar tais coisas." GS 35: Esta é a norma: a atividade humana deve ordenar-se ao homem. Deve permitir-lhe cultivar e realizar integralmente sua plena vocação. GS 36: A autonomia da realidade terrena é absolutamente legítima e corresponde à vontade de Deus. GS 37: Embora se reconheça que o progresso pode servir à verdadeira felicidade do homem, é preciso reconhecer também que ele pode se desviar por causa do pecado. Por esse motivo, o homem deve lutar continuamente, deve batalhar duramente contra o poder das trevas. GS 38: 82 Fazer um esforço para instaurar a fraternidade universal não é algo inútil. Isso deve ser "A esperança de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra". Embora o progresso temporal deva ser cuidadosamente distinguido do aumento do Reino de Deus, contudo é de grande interesse para o Reino de Deus. Voltaremos a encontrar límpidos, iluminados e transfigurados os frutos da natureza e de nosso trabalho. O Reino já está misteriosamente presente em nossa terra; quando o Senhor vier, consumar-se-á sua perfeição. GS 67: O trabalho associa o homem à obra redentora de Cristo. A Palavra de Deus — Gn 3,19: Ganhar ás o pão com o suor de teu rosto. — Mt 25,14-30: Parábola dos talentos. — Jo 4,21-24: Adorar em espírito e em verdade. — 2Pd 3,13-14: Esperamos um novo céu e uma nova terra. — Rm 8,19-24: A humanidade geme em dores de parto. — Cl 1,13-20: Recapitular todas as coisas em Cristo. — ICor 10,31: Tudo quanto façais, fazei-o pela maior glória de Deus. 83 Questões para o diálogo — A que se deve o fato de a moral ter-se centrado quase que exclusivamente no culto e no íntimo, deixando fora de seu campo de atenção uma valorização positiva do trabalho profissional, do esforço humano, do compromisso no mundo? — "Deus deixou a criação inacabada, para que o homem a termine." Comentar esta frase. — Apresentar exemplos, famosos na história, de conflito e de falta de respeito à autonomia das realidades terrestres (por exemplo, o caso de Galileu Galilei). — "A Deus rogando e com o malho dando." "A Deus pedindo e as mãos urdindo". Possibilidades e limites da eficácia da oração de petição. — "Glória Dei, homo vivens" (a glória de Deus é que o homem viva). Que idéia de Deus e de sua glória esta frase evoca? É habitual na igreja esta idéia? Relacioná-la com Gs 35. — Onde devemos construir o Reino de Deus: no templo, na comunidade cristã, na rua, na/família? Que sentido tem o que fazemos e vivemos na comunidade cristã? — Citar exemplos concretos da religiosidade popular que mostrem falta de respeito à autonomia das realidades terrestres. a profanidade criacional e natural do trabalho, o qual em si mesmo não seria mediação de Deus. Esta experiência espiritual foi compartilhada pelo povo cristão e perdurou até nossos dias. 2. A mentalidade moderna supõe um rompimento com tais posicionamentos espirituais. De certa forma, o lema se inverte: labora et ora. O trabalho e a atividade humana passam também a ocupar o primeiro plano, de acordo com a moderna cultura do trabalho. Descobre-se o caráter divino e crístico da criação e do trabalho como forma de colaboração humana à ação divina. O trabalho tem sua dignidade e sacralidade não por estar batizado pela oração ou por uma "reta intenção" sobrenaturalizante, mas por sua própria natureza criacional, inserida no projeto cristológico. Deus deixou o mundo inacabado... e o homem, com sua atividade e seu trabalho, colabora com a ação criadora e redentora, e contribui de modo pessoal para que se cumpram os desígnios de Deus na história (GS 34, 67). Esta visão teológica e espiritual sobre o trabalho encaixa-se perfeitamente no tema do sacerdócio comum dos cristãos (LG 10-11). Em virtude deste, toda nossa vida, inclusive o trabalho, a vida conjugai, o descanso e o lazer (LG 34) convertem-se em sacrifício espiritual agradável a Deus por Jesus Cristo. Reflexão 3. O Concilio destaca uma norma: tudo deve ordenado para o homem. O trabalho e a atividade mana não devem se ordenar para o ter, mas para o A técnica deve colocar-se a serviço do homem, e contra ele. O trabalho não deve alienar o homem. 1. A tradição monástica clássica expressou a sua experiência espiritual na fórmula clássica; ora et labora, orar e trabalhar. Nesta experiência espiritual, a oração é que capitaliza todo o valor religioso. O monge desejaria dedicar à oração tempo integral. Entretanto, uma vez que isto não é possível, abre em sua vida um espaço também para o trabalho, sabendo^o santificado pelo influxo da oração. De certa maneira, esta resgata 4. Outro ponto capital: a autonomia das realidades terrestres. O Concilio afirma que é "absolutamente legítima" e que "corresponde à vontade do Criador" (GS 36). Isto supõe também uma ruptura capital à tradicional falta de respeito a tal autonomia, necessária especialmente em relação a fé-cultura, mas também em relação à ação e à oração, ao trabalho e à providên- 84 ser huser. não 85 cia de Deus, à esperança religiosa e ao compromisso na história, à natureza e à graça. Trata-se de uma nova forma de pensar que de modo algum podemos considerar assimilada na igreja. 5. O Concilio supera definitivamente toda atitude de desprezo pelas realidades terrestres ("contemptus mundi"). "O homem pode e deve amar as coisas criadas por Deus", pode "usá-las e usufrui-las com liberdade de espírito" (GS 37). A esperança cristã "deve avivar a preocupação no aperfeiçoamento desta terra" (GS 39; cf. 21, 34, 38, 42, 43 e 57). E podemos ficar cientes, a partir da fé, de que "os frutos da natureza e de nosso trabalho retornarão a nós límpidos e purificados..." (GS 39). É uma atitude radicalmente contrária àquela da espiritualidade clássica medieval e barroca. Uma atitude ainda muito longe de ter sido assimilada devidamente na igreja. A espiritualidade conciliar nos convida a amar de modo apaixonado as coisas, nosso trabalho, a terra e sua história, porque em tudo habita a presença de Deus, e nisto estão em jogo osdestinos do Reino, da graça de Deus. Exame — Temos consciência de que em nossa vida espiritual nada existe de profano e desprovido de responsabilidades divinas em nossa vida diária? — A nossa vida é um testemunho vivo de que a esperança cristã anima a preocupação e o compromisso do homem no aperfeiçoamento deste mundo? — Prevalece ainda no íntimo de nós o preconceito de que nosso trabalho somente se santifica na medida em que o impregnamos de gestos religiosos? — Amamos nosso trabalho ou nossa atividade? — Recorremos de maneira errada à oração de petição em campos ou aspectos nos quais devería86 mos respeitar a autonomia das realidades terrestres? — Temos ainda latente em nossa consciência o preconceito maniqueísta de que o gozo, o prazer das criaturas, a diversão e o prazer são realidades pecaminosas ou irreligiosas? Conversão — Integrar em nossa oração pessoal e comunitária a vida do trabalho e profissional, familiar, social... — Fazer um discernimento sobre a vontade de Deus nos campos de atividade nos quais atuo. — Amar apaixonadamente o triunfo da terra e da humanidade. Sentir-se colaborador, protagonista da história, atômica mas real. — Dar exemplo de responsabilidade, competência e entusiasmo no trabalho. Preces — Pelos que amam seu trabalho, pelos que são obrigados a trabalhar em coisas indignas ou que não correspondem a suas qualidades. — Pelos desempregados e pelos que, com seu egoísmo econômico, criam tal situação. — Pelos operários e por todos os que são explorados em seu trabalho, para que reivindiquem seus direitos em nome da justiça. — Pelos exploradores, para que nós, todos unidos, os façamos mudar. — Para que a fé nos ajude a valorizar nosso trabalho e nos comprometa cada vez mais com ele. — Para que, como igreja, respeitemos definitivamente a autonomia das realidades terrestres. 87 — Para que cresça na humanidade a consciência de nosso dever de amar a natureza e zelar pelo meio ambiente. Oração Deus, nosso Pai, que nos mandaste amar a natureza, a vida, a terra, o homem e sua história, abre nossos olhos para que sejamos conscientes das grandes possibilidades que temos de colaborar contigo no projeto de levar adiante a criação e a história. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 12 A IGREJA A SERVIÇO DO MUNDO Textos conciliares GS 40: A igreja não somente comunica a vida divina ao homem, mas cura e eleva sua dignidade, consolida a firmeza da sociedade e confere à atividade de cada dia da humanidade um sentido mais profundo. Pode oferecer uma grande ajuda na busca de um sentido mais humano para o homem e para sua história. GS 42: A missão da igreja é religiosa. Porém, precisamente deste fato derivam funções e energias que podem servir para estabelecer e consolidar a comunidade humana conforme a lei divina. GS 43: Enganam-se aqueles que, sob o pretexto de que aqui não temos cidade permanente, pensam que podemos descuidar das tarefas temporais, sem se darem conta de que a fé nos obriga ainda mais a um perfeito cumprimento das mesmas. GS 43: Prazeirosamente colaborem com aqueles que buscam idênticos fins. (O mesmo repete o Concilio em GS 16, 43, 57, 92, 93. . . ) . GS 43: A igreja reconhece muito bem que, ao longo de sua dilatada história, nem todos seus membros foram fiéis ao Espírito de Deus. Reconhece também que ainda hoje é grande a distância que existe entre a mensagem que ela anun88 89 cia e a fragilidade dos mensageiros (cf. também GS 36, DH 12). Devemos combater tais deficiências com a maior energia, para que não prejudiquem a difusão do Evangelho. GS 44: A igreja inteira, mas especialmente os pastores e os teólogos, devem perscrutar, discernir e interpretar os sinais dos tempos. GS 4: É um dever permanente da igreja perscrutar o âmago dos sinais dos tempos. É necessário conhecer e compreender o mundo em que vivemos, suas esperanças, suas aspirações e o curso dramático que com freqüência o caracteriza. AG 11: Como Cristo esquadrinhou o coração dos homens e os conduziu ao diálogo, assim também seus discípulos devem conhecer os homens com os quais convivem e dialogar com eles. GS 44: A igreja reconhece os numerosos benefícios que recebeu da evolução histórica do gênero humano. A igreja precisa de maneira particular da ajuda daqueles que, por viverem no mundo, sejam crentes ou não-crentes, conhecem a fundo as diversas instituições e disciplinas. A igreja reconhece agradecida a variada ajuda que recebe da parte dos homens de qualquer classe ou condição. A comunidade cristã depende também das realidades externas. GS 45: A igreja apenas pretende o advento do Reino. GS 93: O anseio do cristão não pode ser outro a não ser o de servir com crescente generosidade e com suma eficácia os homens de hoje. AG 12: A igreja não quer mesclar-se de modo algum com o governo da cidade terrena. Não reivindica para si outra autoridade que a de servir. 90 GS 33: A igreja reconhece que nem sempre tem ao alcance da mão resposta adequada para cada questão (cf. GS 43, 2.°). A Palavra de Deus — Mt 5,13-16: Vós sois a luz e o sal. — Jo 17,15: Não te peço que os tires do mundo, mas que os guardes do mal. — Mt 28,16-20: Ide e fazei discípulos. — Lc 10,5-9: Quando entrardes em uma casa dizei: " P a z " . . . e curai os enfermos. Questões para o diálogo — Que dados podemos apresentar a respeito do histórico afastamento e também confronto entre igreja e mundo moderno? Por que se produziu? Que aspectos desse afastamento podemos considerar como precisamente superados pelo Concilio Vaticano II? — Pode-se dizer que a igreja recebe ajuda da sociedade? Em que aspectos? — "A Igreja (no Concilio) declarou-se a serva da humanidade." Comentar esta famosa frase de Paulo VI na sessão pública do encerramento do Concilio. — "A vida cristã suscita um nível de vida mais humano também na sociedade terrena" (LG 40). Pode ser esta uma das ajudas fundamentais que a igreja presta ao mundo? — "A esperança celeste não diminui, antes aumenta o compromisso terrestre" (GS 39,34,21, 43,57...). Comentar esta repetitiva afirmação conciliar. — "A religião é o ópio do povo." Poderia ser o contrário? Do que depende? O que ela está sendo hoje, em nossos dias? 91 Reflexão 1. As relações entre igreja e mundo nem sempre foram ideais, tampouco sem problemas. No século IV deu-se um giro copernicano no estatuto social da igreja: esta passou de perseguida a perseguidora, de clandestina a aliada do poder oficial. Por muitos séculos de cristandade, a igreja considerou-se o centro da sociedade. Era sociedade perfeita e todos lhe deviam homenagem e serviço. As evoluções e revoluções posteriores se procederam na sociedade quase sempre à margem ou mesmo contra a igreja. As relações entre igreja e mundo moderno, entre igreja e cultura e pensamento moderno foram ultimamente tecidas de incompreensão e de incomunicação. 2. O Concilio exige uma mudança radical de atitude. Em primeiro lugar, a igreja, com uma atitude cheia de humildade, proclama-se não auto-suficiente. Reconhece que recebeu ajuda da sociedade e do mundo ao longo da história, e que continua necessitando de ajuda. E, em segundo lugar, reconhece que tem um dever permanente de se abrir à comunicação, ao diálogo, à escuta, a perscrutar permanentemente os sinais dos tempos. A nova postura é, pois, de humildade, de abertura, comunicação, compreensão, diálogo. 3. Não é somente isto. A ajuda que a igreja presta ao mundo provém fundamentalmente de sua própria missão, de sua mensagem, da própria fé cristã: a fé cristã promove no mundo uma vida mais humana, mais digna do homem (LG 40; GS 11,15). Lei humana alguma é capaz de garantir a dignidade e a liberdade humana com a segurança com que o Evangelho o faz (GS 41). A igreja sabe que a construção do Reino de Deus é precisamente a melhor coisa para o homem, e "isso é a única coisa que a igreja pretende" (GS 45). Por isso, caberia dizer que não é tão certo aquele "fora da igreja não há salvação"; certo seria afirmar o contrário, ou 92 seja, fora da salvação, fora de onde existe serviço, amor e libertação do homem, não pode haver igreja cristã. 4. O Concilio chega a declarar inequivocamente a missão da igreja na linha de serviço à humanidade: "Os cristãos nada podem desejar mais ardentemente do que prestar serviço aos homens de hoje com generosidade sempre maior e mais eficaz" (GS 93). "Os cristãos devem se preocupar pelo homem em si mesmo, especialmente pelos pobres" (AG 12). "De forma alguma pretende a igreja imiscuir-se no governo do estado. Não reclama para si nenhuma outra autoridade que a de servir aos homens" (ib.). Trata-se, pois, de uma eclesiologia que se encontra nas antípodas daquela atitude dominante e amante do poder que prevaleceu nos séculos passados. É uma igreja que deseja despojar-se de todo o poder e de todo interesse próprio, para se colocar inteiramente a serviço do homem e do mundo, como a forma própria de lutar pelo advento do Reino, que é o seu único objetivo (GS 45). É ainda uma igreja que intui sua necessária conversão ao Reino de Deus. Exame — Quantas coisas na igreja continuam funcionando encerradas em seus próprios guetos, incomunicadas com a sociedade, sem diálogo, ou cheias de incompreensão para com o homem? — De alguma forma persiste ainda uma igreja que não se reconciliou com os valores da cultura moderna? — Podemos afirmar que a igreja atual está realmente a serviço do Reino? Em que coisas podemos exigir da igreja uma mais clara conversão ao Reino? — Poder-se-ia fazer uma distinção entre os verdadeiros interesses eclesiais e os "interesses eclesiásticos"? Citar alguns casos nos quais estes últimos estão em oposição aos primeiros. 93 — O mundo operário ainda continua pensando que a igreja não está comprometida realmente com os pobres, apesar de algumas declarações formais? Conversão — Começar em nossa própria casa: fazer de nossa comunidade cristã um lugar de diálogo, de tolerância, de compreensão, de respeito aos valores modernos, de diálogo com o mundo de hoje... •— Pospor os possíveis "interesses eclesiásticos" de nossa comunidade cristã (segurança econômica, prestígio social, tranqüilidade sem conflitos, assistência massiva, apoios econômicos dos poderosos. . .) aos verdadeiros interesses eclesiais, aos interesses do Reino (a pregação íntegra do Evangelho, a opção pelos pobres, a luta pela justiça, a denúncia profética, o compromisso com a história. . . ) . — Estudar na comunidade cristã o tema da situação do mundo de hoje, os sinais dos tempos, os valores de nossa sociedade, positiva e negativamente. — Colocar em prática a missão de serviço da igreja, começando por nós mesmos. jam compreendidos e apoiados pela igreja universal. — Pelos religiosos de vida contemplativa, para que realizem de modo iminente seu serviço ao mundo. — Para que perscrutemos atentamente também os sinais dos tempos que ocorrem na própria igreja. — Para que a igreja se coloque de fato ao lado dos pobres. Oração Deus, nosso Pai: amaste tanto o mundo que lhe enviaste o teu próprio filho, Jesus, que veio não para condená-lo, mas para salvá-lo. Faze que nós, como seguidores seus, não procuremos tanto salvar-nos no mundo quanto salvar o mundo. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelos responsáveis pela "instituição" eclesiástica, para que coloquem todo seu aparato administrativo verdadeiramente a serviço da causa do Reino. — Para que a igreja saia dos guetos em que ainda se encontra e comece a dialogar com o mundo. — Pelos cristãos de vanguarda que estão dando testemunho de diálogo e de cooperação com ideologias e com grupos cristãos, para que se94 95 13 GS 72: Os cristãos que lutam pela justiça estão convencidos de que muito podem contribuir para o bem-estar da humanidade e para a paz do mundo. Quem procura em primeiro lugar o Reino de Deus encontra nisso um amor mais forte e mais puro para ajudar os homens. GS 74: A comunidade política e a autoridade pública fundam-se na natureza humana e, por isso mesmo, pertencem à ordem prevista por Deus. Quando existe abuso de autoridade, é lícito defender seus direitos e os direitos de seus concidadãos contra o abuso de tal autoridade. GS 75: Está perfeitamente de acordo com a natureza humana que os cidadãos participem do campo político. Estes têm o direito de votar livremente. A igreja louva e estima todos aqueles que se dedicam à coisa pública e aceitam o seu fardo. Os cidadãos devem evitar atribuir demasiado poder à autoridade pública. É desumano que a autoridade política incorra em formas totalitárias ou ditatoriais. O cristão deve respeitar a pluralidade de opiniões e dar exemplo de responsabilidade e de serviço ao bem comum. Lutem contra a injustiça e a opressão, contra a intolerância e o absolutismo de um só homem ou partido. GS 76: É preciso distinguir entre a ação que os cristãos realizam a título pessoal na comunidade política e aquilo que fazem em nome da igreja. A igreja e a comunidade política são independentes e autônomas. A igreja promove, tanto a nível nacional como internacional, a justiça, o amor, a liberdade e a responsabilidade. A igreja não coloca sua esperança em privilégios concedi- A IGREJA E A COMUNIDADE POLÍTICA Textos conciliares GS 63: GS 64: GS 66: Também a vida econômica-soeial deve submeter-se ao bem da dignidade da pessoa humana integral e ao bem comum. Registram-se hoje graves desequilíbrios econômicos. O luxo cresce de maneira espantosa junto à miséria. Cada dia aumenta nossa sensibilidade diante dessas disparidades, porque estamos plenamente convencidos de que o mundo moderno pode e deve corrigir esse estado de coisas. São necessárias muitas reformas e uma mudança de mentalidade e de costumes em cada um. Tende-se, com razão, ao aumento da produção, mas a finalidade dessa produção não pode ser o benefício nem o poder, mas o serviço ao homem integral. A atividade econômica deve ser exercida dentro da ordem moral. Todos os esforços possíveis devem ser feitos para que desapareçam o mais rapidamente possível as grandes e crescentes diferenças que existem atualmente (cf. GS 29). GS 67-68: Direitos do trabalho e do trabalhador. GS 69: Princípio fundamental e primeiro: os bens da terra destinam-se a todos os homens. 96 97 dos pelo poder civil. É uma questão de justiça que a igreja possa dar juízo moral também a respeito de assuntos referentes à ordem política. AA 14: Não se recusem os cristãos a desempenhar cargos políticos, visto que com isso podem servir ao bem comum e preparar os cami' nhos para o Evangelho. A Palavra de Deus — Gn 4,9-10: Onde está o teu irmão? — Mt 25,31-46: Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes. — Rm 12,4-8: Como no corpo, uns a serviço dos outros. — Mt 20,25-28: Sabeis que os grandes oprimem. Não será assim entre vós. — PI 4,8: Promover tudo aquilo que há de bom, justo e s a n t o . . . Questões para o diálogo — "O meu Reino não é deste mundo" (Jo 18,36). Portanto, religião nada tem a ver com política. Comentar esta forma de pensar. — De onde provém a valorização negativa da política por parte dos cristãos? Ainda ocorre hoje? Citar exemplos. — É possível ser apolítico? Que jogo político se faz com o abstencionismo? — Existem "pobres e ricos" ou existem "pobres porque existem ricos"? Qual nosso tipo de análise social? — "Os que afirmam que a religião não tem nenhuma relação com a política, não sabem o que 98 significa religião" (Mahatma Gandhi). Comentar esta frase. — "Lutem contra a injustiça e a opressão" (GS 75). "Todos os esforços possíveis devem ser feitos para que desapareçam o mais rapidamente possível as grandes e crescentes diferenças que existem atualmente" (GS 66). Relacionar estas duas frases com a chamada "luta de classes". Semelhanças e diferenças. Reflexão 1. O Concilio discute o tema econômico e político. Isto é a primeira coisa que se deve notar. O Concilio é sensível perante esse aspecto da realidade, abre os olhos à realidade e discute o tema. Porque não há nada verdadeiramente humano que não encontre eco no coração dos seguidores de Cristo (GS 1). Totalmente outra é a atitude de não poucos "cristãos envelhecidos" que proclamam que a vida cristã nada tem a ver com política e que esta é intrinsecamente má. 2. A comunidade humana funda-se na natureza humana e pertence à ordem prevista por Deus. Trata-se, pois, de uma visão positiva. Pode acontecer que a política "esteja" em pecado (haveria, então, que se aproximar dela para saná-la). O político é algo natural e corresponde à ordem estabelecida por Deus, que fez o homem social e comunitário. 3. O Concilio enumera muitos problemas sócio-econômicos, globalmente, até agora. E o faz a partir da fé. A igreja deve preocupar-se com o político. Entretanto, ao fazê-lo, não o faz politicamente, mas religiosamente, mediante a ótica da fé, porque descobre nessa realidade política a carga, o conteúdo da salvação ou a perdição que tais realidades encerram. A igreja, cujo objetivo e missão é a construção do Reino de Deus, olha a realidade política — e qualquer outra realidade — a partir dessa perspectiva, e procura discer99 nir o avanço, o retrocesso, as dificuldades e as possibilidades de construir o Reino de Deus. O Concilio está ciente de que a busca do Reino capacita ainda mais os cristãos a ajudar os homens (GS 76) e que, com isso, contribui de maneira cada vez mais intensa na promoção da justiça, do amor, da liberdade e da responsabilidade (GS 76). Aí está em jogo o advento do Reino. 4. Ver a realidade política a partir dessa perspectiva é fruto de uma experiência espiritual. Quem não tem essa perspectiva espiritual dirá logicamente que no político não está em jogo nenhum interesse por parte da igreja, e que fé e política nada têm em comum entre si. 5. O Concilio apresenta o campo do político como um lugar apto para o compromisso dos cristãos. Fala da vocação particular e própria de cada cristão na comunidade política (GS 75) e, embora haja necessidade de distinguir o que se faz a título pessoal daquilo que se faz em nome da igreja, louva e estima aqueles que se entregam à coisa pública e aceitam o fardo desse ofício (ib.). E, com frase forte e contundente, convida os cristãos a um compromisso social militante de implicações políticas: "Lutem contra a injustiça e a opressão, contra a intolerância e o absolutismo de um só homem ou de um só partido" (GS 75). "Lutem também com energia contra qualquer escravidão social ou política" (GS 29), "todos os esforços possíveis devem ser feitos para que desapareçam o mais depressa possível as enormes diferenças econômicas existentes" (GS 66; cf. também GS 60, 72, 89 e t c ) . 6. O Concilio considera superada a velha leitura privatizada do cristianismo, que funcionava como se as promessas escatológicas feitas por Deus em Jesus Cristo se dirigissem unicamente à intimidade pessoal, não à humanidade e ao mundo. Era como se a salvação procedesse no âmbito da relação eu-tu e não também lá onde se entrelaçam os destinos dos homens em suas 100 mais amplas perspectivas. Todo o retorno ao cristianismo vivido de modo privativo ou intimista é um recuo a posicionamentos pós-conciliares. Exame — A que círculos, a que horizontes chegam as preocupações "espirituais" de nossa comunidade cristã: o íntimo, o pessoal, familiar, grupai, social, político, mundial? E minhas preocupações pessoais? — Somos daqueles que ainda pensam que política é coisa má, ou que nada tem a ver com a prática religiosa? — Somos daqueles que sentem nostalgia das formas totalitárias ou ditatoriais, de cristandade imposta? Admitimos cordialmente a democracia, o pluralismo, as divergências sociais (GS 75)? — O que fazemos, em nossa vida pessoal, pela justiça, pela superação das diferenças sociais, pela liberdade dos povos? E através da comunidade cristã, o que fazemos? — Concordamos com as pessoas que, a partir da fé cristã, legitimam as escandalosas diferenças sociais, a pobreza do Terceiro Mundo, o luxo dos egoístas? — Aceitamos passivamente que em muitos círculos ainda haja uma linguagem religiosa etérea, abstrata, espiritualista, que não se traduz em nada de concreto, sem referência alguma com a história real dos homens? Conversão — Tematizar em minha oração (e na oração comunitária) as implicações sociais e políticas que o Evangelho, a vida de Jesus e sua mensagem têm. 101 — Adotar uma postura inequivocamente militante em favor da justiça, da liberdade, da igualdade. — Analisar criticamente minhas preferências políticas subconscientes, se é que sou daqueles que pretendem ser apolíticos. — Realizar ações concretas de solidariedade para com os povos oprimidos por ditaduras. Não ficar indiferente diante dos povos que sofrem. — Não pedir à igreja nenhum privilégio. Preferir a humildade e o compartilhar da situação dos pobres. — Tomar alguma iniciativa na comunidade cristã a fim de propiciar uma reflexão conjunta e uma formação adequada no campo das implicações políticas. — Para que onde haja um cristão haja sempre uma testemunha da justiça do Reino. Oração Deus, nosso Pai, tu chamaste todos os homens para formar um único povo. Dá-nos lucidez para nos entregarmos apaixonadamente à causa do Reino, para que, unindo nosso esforço ao esforço de todos os homens que amam e praticam a justiça, consigamos fazer do mundo uma família, a família dos filhos de Deus. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelos cristãos que exercem cargos públicos, para que lutem, não pelos interesses eclesiásticos, mas pelos interesses do Reino. — Pela igreja no seu todo, para que se jogue de corpo e alma era favor da justiça e contra as diferenças sociais de classe. — Por todos os homens explorados em seu trabalho. — Pelos que objetivamente estão provocando por egoísmo a exploração dos pobres, para que a situação os desmascare e assim não mais se apresentem como cristãos, a não ser depois de uma conversão efetiva. — Para que o tabu que afasta tantos cristãos dos temas políticos sejam superados. — Para que se supere o divórcio entre fé e vida dos cristãos. — Para que os leigos fermentem as realidades do mundo com o espírito das bem-aventuranças. 102 103 14 OS CRISTÃOS, CONSTRUTORES DA PAZ INTERNACIONAL tista é a lepra mais grave da humanidade e prejudica os pobres de maneira intolerável. GS 82: Todos devem trabalhar para que cesse a corrida armamentista, inclusive para que se comece sua redução. É preciso estender a mente além das fronteiras da própria nação, renunciar a egoísmos nacionais e adotar um profundo respeito para com toda a humanidade. É sumamente urgente reeducar a mentalidade e dar nova orientação à opinião pública. Os que trabalham na educação e na formação da opinião pública têm, nesse sentido, uma responsabilidade especial. GS 83: Para construir a paz, o primeiro passo necessário é eliminar as causas da discórdia: especialmente as injustiças, as excessivas desigualdades, o marasmo das soluções, o afã do domínio etc. Que sejam estimulados incansavelmente a criação de organismos que promovam a paz. GS 84: A igreja se alegra com o espírito de fraternidade existente na colaboração entre organismos internacionais, mundiais ou regionais. GS 85: É preciso estabelecer uma cooperação maior na ordem econômica. Carece haver ajuda de pessoal técnico aos países em vias de desenvolvimento. Faz-se necessário mudar muitas coisas para encontrar uma nova ordem econômica internacional. GS 88: Que os cristãos cooperem com ficação da ordem internacional. de escândalo o fato de os países ricos. Merecem louvor e ajuda na cooperação internacional. GS 89: Ao anunciar o Evangelho, a igreja contribui para consolidar a paz. É absolutamente necessária a presença da igreja na comunidade dos Textos conciliares GS 77: GS 78: Em seu processo de maturidade, a família humana chegou a um momento de suprema crise. Não é possível continuar na construção de um mundo mais humano para todos, a não ser que os homens se convertam à verdade da paz. Por isso, a mensagem evangélica, "tão em harmonia com os mais altos desejos e aspirações do gênero humano, brilha com novo esplendor nos dias de hoje". A verdadeira paz é fruto da justiça, não mera ausência de guerra, nem equilíbrio de forças, nem temor diante de uma hegemonia despótica. A paz é uma tarefa permanente. E é também fruto do amor, que supera a justiça. O Concilio chama a atenção, de maneira insistente, de todos os cristãos para que se unam a todos os homens realmente pacíficos na tarefa de estabelecer a paz. GS 80: As novas armas científicas, que permitem uma quase destruição total, obriga-nos a colocar o tema da guerra com uma mentalidade totalmente nova. GS 81: Com a corrida armamentista não somente não se eliminam as causas do conflito, antes corre-se o risco de agravá-las. A corrida armamen104 alegria na ediQue não sirva cristãos serem os voluntários 105 povos para fomentar a cooperação de todos, seja através das instituições públicas, seja através da colaboração de cada um. GS 90: Forma excelente da atividade internacional dos cristãos é a colaboração individual ou coletiva dada às instituições de cooperação internacional. A Palavra de Deus — Mt 5,9: Bem-aventurados os que se esforçam para construir a paz. — Is 2,4: Das suas espadas forjaram arados. — Jo 14,27: Eu vos dou a minha paz, não como o mundo a dá. — Rm 14,17: O Reino de Deus é . . . a justiça, paz e alegria. — 2Cor 5,18-21: Somos ministros da reconciliação. — Ef 4,3: Conservar a unidade do Espírito com o vínculo da paz. Questões para o diálogo — "Se queres a paz, prepara a guerra." Comentar esta filosofia. — Quais são as causas da guerra? Quais poderão ser as causas ou ameaças da possível próxima guerra mundial? — Existem no mundo 60.000 armas nucleares. Os explosivos acumulados no planeta eqüivalem a 14 toneladas de TNT por pessoa. É possível destruir 50 vezes o planet a . . . Diante dessa situação, pode-se afirmar que estas coisas são políticas e que o cristia nismo nada tem a ver com política? — Como designamos a realidade com maior veracidade: quando dizemos "países subdesenvolvi106 dos" ou "países dependentes", ou quando dizemos "países pobres" ou "países oprimidos"? — O Ocidente é o "setor rico" ou o "setor opressor do mundo"? — Constatar o fato de que os países poderosos do mundo, aqueles que dirigem os destinos da humanidade, na maioria são países cristãos. Comentar este fato. O Concilio deseja que isso não seja ocasião de escândalo (GS 88). Por que poderia ou pode ser ocasião de escândalo? Basta desejar que não o fosse? — Por que os temas da paz internacional nos foram apresentados como alheios à realidade da vida cristã? Insistiu-se de modo suficiente no contrário, depois do Concilio? Reflexão 1. O Concilio se pronuncia a respeito do tema da paz mundial. Isto significa que ele julga o tema como importante, a partir da ótica da igreja. Não pensa que seja um tema exclusivamente dos políticos, nem estritamente técnico, nem irrelevante para os interesses do Reino de Deus. Aqui também é preciso recordar aquelas palavras: "Nada que seja verdadeiramente humano pode deixar de encontrar eco no coração dos seguidores de Cristo" (GS 1). É a preocupação pela vinda do Reino e pela salvação da humanidade que preocupa a igreja (GS 45), porém a partir de uma perspectiva mais ampla, cósmica, responsavelmente histórica. 2. Para o Concilio a paz é fruto da justiça. O pensamento conciliar sobre a paz é crítico. Atinge as raízes. E descobre as raízes das discórdias produzidas na injustiça, as desigualdades econômicas, o marasmo na aplicação de soluções, o afã do domínio, o desprezo pelas p e s s o a s . . . (GS 83). O Concilio acredita que a corrida armamentista não soluciona as ameaças da paz. Antes, agrava-as, já que se trata da praga mais grave 107 da humanidade e prejudica os pobres de maneira intolerável (GS 81). O nível alcançado pela tecnologia armamentista — desenvolvida de modo incomparável no pós-concílio — e suas múltiplas possibilidades atuais de destruição total do planeta faz com que pensemos a possibilidade da guerra — afirma o Concilio — de uma forma inteiramente nova. Coisa que, efetivamente, não fez senão radicalizar-se nos anos posteriores ao Concilio de forma crescente. 3. Nossa atitude habitual ainda é de desentendimento diante dos problemas. Se é certo que atualmente cresce o número de grupos cristãos e de cristãos individuais comprometidos decididamente nesses campos, é verdade também que a grande massa de cristãos permanece à margem. Ainda prevalece o preconceito inveterado de que tais temas saem do âmbito de nossas obrigações cristãs. Ou, o que é pior, pertencem a uma zona vedada ao cristão, que é aquela das implicações políticas. Dessa maneira, temos de assistir ao lamentável espetáculo de ver que, enquanto aumentam cada vez mais as pessoas que se integram hoje na tarefa da construção internacional da paz, os cristãos, que oficialmente se afirmam portadores da salvação para a humanidade, permanecem desentendidamente à margem do esforço de evitar uma catástrofe cósmica. 4. O Concilio nos convida a nos comprometermos. Devemos ser cônscios de nossa responsabilidade humana e cristã e nos esforçar para despertar em nosso âmbito pessoal de vida a solícita vontade de cooperar com a comunidade internacional (GS 82). Uma excelente maneira de fazê-lo, é a cooperação com instituições internacionais (GS 90), cujo melhor funcionamento, coordenação e multiplicação deve ser estimulado de maneira incansável (GS 83). Devemos todos assumir uma postura ativa e militante diante da atual corrida armamentista (GS 82). Devemos também fomentar as ajudas técnicas, econômicas e em material humano para os países em vias de desenvolvimento (GS 108 85, 88). Enfim, participar dos esforços de encontrar uma nova ordem econômica internacional mais justa (GS 85). Tudo isso foi dito, de modo suficiente, ao povo cristão? O povo cristão sabe que tudo isso é pensamento conciliar? Esse espírito foi assimilado na linguagem religiosa de nossas comunidades cristãs? Isso se traduz mediante uma incorporação crescente de cristãos às tarefas da paz, desde as instâncias nacionais e internacionais? O que podemos fazer? Exame Combatemos suficientemente a filosofia não-cristã do "si vis pacem, para bellum"? Mantemo-nos em uma indiferente passividade diante dos movimentos pacifistas e ecologistas? Ajudamos suas campanhas? O que de concreto temos feito a partir de nossa comunidade cristã? Acreditamos que o movimento ecologista é puro modismo ou contracultura, ou conserva alguma convergência, consciente ou inconsciente, com a vontade de Deus Criador? Separamos excessivamente o tema da ameaça da destruição nuclear do tema das causas atuais de ameaça de guerra (injustiça, povos famintos, afã de poder, desequilíbrio dos blocos políticos)? - Continuamos, em nosso íntimo, a ter medo do político? Ou nossa idéia é de que o político é mau para o cristianismo? Ou, simplesmente, a idéia de que no político não está em jogo nenhum interesse cristão? - Achamos que a responsabilidade nesses temas da paz internacional corresponde somente às instâncias públicas ou às entidades políticas? Pensamos que não podemos fazer nada? Que podemos fazer? 109 Conversão — Colaborar com os organismos promotores da paz, dar apoio às campanhas que se julguem oportunas. — Organizar na comunidade cristã jornadas ou procedimentos de estudo sobre as relações entre ecologia e cristianismo. — Propiciar para que haja na comunidade cristã pessoas que se sintam chamadas a se comprometer politicamente pela paz. — Dar apoio aos voluntários internacionalistas que porventura haja em nossa comunidade cristã. Se não existirem, fazer com que possam surgir. — Adotar, a partir da fé, uma atitude convicta não-belicista, não-militarista, mas solidária. — Participar de gestos de solidariedade. — Incorporar a nossa linguagem religiosa, as nossas preocupações, seja em nível pessoal seja em nível comunitário, a preocupação pela paz. — Superar os posicionamentos privatizados da fé, apenas intimistas, nacionalistas, apolíticos, ingênuos. .. — Pelos povos que atualmente estão em guerra, pelos países que estão se beneficiando com guerras, para que os cristãos que neles vivem levantem sua voz e protestem. — Por nós mesmos, para que sejamos portadores de paz a partir de nosso pequeno âmbito pessoal. Oração Deus, nosso Pai, não nos deixes dormir tranqüilos, sem pesadelos, enquanto sabemos que o mundo está sangrando pelas guerras, miséria, fome, injustiça, ameaça de destruição total. Faze-nos partidários apaixonados da paz e dá eficácia a nossos esforços para construir essa paz. Assim, possamos acolher de modo veraz a bem-aventurança de Jesus. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Para que a paz venha ao mundo, como resultado da justiça. — Para que não acumulemos internacionalmente novas espadas, mas que as convertamos em arados. — Para que adquiramos de maneira cada vez mais crescente a consciência de cidadãos do mundo, além das fronteiras, raças, nacionalismos. — Para que ninguém justifique impunemente em nome da fé a corrida armamentista ou a situação de injustiça internacional. 110 111 15 DV 21: A igreja sempre venerou a Sagrada Escritura, da mesma forma como o próprio Corpo do Senhor. Toda a pregação da igreja, como toda a religião cristã, deve alimentar-se e reger-se pela Sagrada Escritura. São tão grandes o poder e a eficácia que se encerram na Palavra de D e u s . . . DV 23: Os exegetas e os demais teólogos investiguem . . . para que se multipliquem os ministros da Palavra. O Concilio incentiva todos os que estudam a E s c r i t u r a . . . A Escritura deve ser a alma da teologia. O ministério da Palavra, a pregação pastoral, a catequese.. . devem alimentar-se da Escritura. O Concilio recomenda a todos a leitura assídua. . . (cf. OT 16; PO 13, 19; PC 6; AG 19). NOVA ATITUDE DIANTE DA PALAVRA DE DEUS Textos conciliares DV 4,2.°: A nova aliança é definitiva e jamais passará. Não se deve esperar nenhuma outra re> velação pública. DV 10: A Sagrada Tradição e a Escritura constituem o depósito sagrado da Palavra de Deus. Ao Magistério foi confiada a autêntica interpretação da Palavra de Deus. Tal Magistério evidentemente não está acima da Palavra de Deus, mas a seu serviço, para ensinar somente aquilo que foi transmitido. Tradição, Escritura, e Magistério estão de tal maneira entrelaçados e unidos, que um não tem consistência sem os outros. DV 11: Na composição dos livros, Deus se valeu de homens eleitos, que são os verdadeiros autores. DV 12: Deus fala na Escritura por meio de homens e na linguagem humana. É preciso estudar com atenção. Devemos levar em conta os gêneros literários. Labor dos intérpretes, teólogos, exegetas. DV 13: 112 A Palavra de Deus se expressa em línguas humanas, assumindo nossa débil condição humana. DV 24: DV 25: A Palavra de Deus — Rm 15,4: A Escritura foi escrita para ensinamento nosso. — 2Tm 3,14-17: Todo escrito inspirado por Deus é útil. — Jo 21,24-25: Muitas outras coisas fez Jesus que não se podem escrever todas. — Lc 1,1-4: A tarefa de compor um relato dos fatos acontecidos. Questões para o diálogo — Que fatos ou anedotas conhecemos sobre o apreço ou o esquecimento em que se tinha a Bíblia antes do Concilio, comparando com o que ocorre hoje em dia? — Numerar as causas daquela situação e as causas da mudança. 113 — Que são os gêneros literários? Quem o souber, pode explicar ao grupo. Conseqüências que se deduz de sua descoberta. — Compartilhar com o grupo a evolução que cada um registrou em sua vida a respeito da compreensão da Bíblia. — Que pensar das hipotéticas "revelações particulares" atuais? Reflexão 1. A religião cristã é uma das chamadas "religiões de livro", as quais têm em algum tipo de Escritura algo assim como carta fundamental. Não obstante isso, por diferentes avatares históricos, nos séculos passados, e até o próprio Vaticano II, tal fato quase foi negado. Diríamos que a Bíblia estava como que seqüestrada do povo cristão. Raramente era usada. Não se inculcava sua leitura e meditação. Houve séculos em que se manteve obrigatoriamente a Bíblia em latim e se proibia sua tradução em língua popular. A leitura individual era desencorajada, por medo das interpretações "livres" e não assessoradas. O Magistério eclesiástico ocupava na vida consciente da igreja lugar de maior envergadura que a própria Palavra de Deus. O afã e a veneração da Bíblia entre os católicos eram coisas "suspeitas" de "protestantismo". 2. O Vaticano II supõe a consagração de uma mudança radical na igreja. Restitui a Palavra de Deus ao lugar central que deve ocupar na vida eclesial. Inculca-se seu uso e leitura a todos os fiéis. E se reconhece que o "Magistério está a seu serviço, para ensinar somente aquilo que foi transmitido" (DV 9). 3. Desde os fins do século XVIII, especialmente no século XIX e no presente século, os estudos bíblicos deram uma autêntica virada à visão que temos da Bíblia, ao seu conhecimento científico, à sua hermenêutica, à sua interpretação. Conhecemos hoje os gê114 neros literários, a redação em suas diferentes formas e substratos redacionais, as implicações e os influxos sociais, as línguas antigas, o ambiente histórico concreto, até detalhes inimagináveis, e isto apenas há uns decênios... Entretanto, apesar disso, numerosos cristãos ainda continuam entendendo a Bíblia como se nada tivesse mudado, da mesma maneira como ela foi lida na Idade Média mediante uma interpretação literal, fundamentalista, "maravilhosista", como se expressava a Pontifícia Comissão Bíblica no princípio do século, ou como um prontuário de citações com a finalidade de interpretar e de esgrimir arbitrariamente... Não se fez um esforço suficiente para a divulgação bíblica. 4. Os textos conciliares destacam a importância que a Palavra de Deus deve ter na vida eclesial. Ela deve embeber a teologia, a pregação, a catequese, a homília, a oração comunitária e pessoal... O Concilio recomenda isto a todos e a cada um dos cristãos de modo insistente. É um absurdo deixar de lado a Palavra de Deus para colocar nossa atenção em outras revelações ou devoções. Exame — Com que freqüência ou assiduidade leio a Palavra de Deus? Quanto tempo faz que não rezo com ela? — Quantos de nós temos em casa uma Bíblia, ou um Novo Testamento? — Existem pessoas entre nós que ainda pensam que interessar-se pela Bíblia é algo "protestante"? — Sustento ainda interpretações bíblicas literaristas, fundamentalistas? Penso nos livros bíblicos como se fossem crônicas ou reportagens? — Temos em casa algum estudo ou comentário sobre a Bíblia? 115 16 — Damos mais valor a devoções ou a supostas revelações particulares do que à revelação? Conversão — Participar de alguma atividade de formação permanente sobre a bíblia. — Adquirir uma Bíblia ou um Novo Testamento e algum comentário ou instrumento para seu estudo, se não os tenho ainda. — Julgar sobre a possibilidade de alguém, em nossa comunidade cristã, se aproximar mais do conhecimento da Palavra de Deus. — Procurar adquirir uma espiritualidade bíblica. — Procurar ajudar as pessoas que se desviam para revelações particulares. Preces — Pelos teólogos, exegetas, para que investiguem e encontrem. — Pelos catequistas e diferentes agentes pastorais, para que ajudem o povo de Deus. — Por nós mesmos, para que aumentemos o apreço pela Palavra de Deus. — Por todos os que cursam, em seminários e em universidades, diferentes estudos bíblicos, para que sirvam depois com eficácia a comunidade cristã. Oração Deus, nosso Pai: tua Palavra eterna habitou entre nós, penetrou nossa história, assumiu uma cultura, expressou-se em fatos concretos... A Palavra se fez carne. Agora toca-nos fazer carne a Palavra. Ajüda-nos. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 116 A PALAVRA DE DEUS NOS REVELA NOVAS RIQUEZAS Textos conciliares DV 2: A revelação realiza-se por obras e palavras intrinsecamente ligadas. As obras realizam as palavras; as palavras explicam seu mistério. DV 3: Na própria criação Deus oferece um testemunho perene de si mesmo. Ele se revelou desde o princípio aos nossos primeiros pais. DV 6: Deus é cognoscível pela razão natural a partir das coisas criadas. A revelação proporciona um conhecimento absolutamente certo e sem possibilidade de erro sobre as realidades divinas, que não são em si inacessíveis à razão humana. DV 7: A transmissão foi oral e escrita. A Escritura anda junto com a Tradição. DV 8: A Tradição apostólica "vai crescendo" na igreja com a ajuda do Espírito. Cresce a compreensão das palavras quando os fiéis as meditam e estudam... DV 9: A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus, enquanto escrita por inspiração do Espírito Santo. DV 14: Deus se revela na história da salvação. LG 5: O Reino brilha diante dos homens na Palavra, nas obras e na presença de Cristo. 117 AA 6: A igreja deve manifestar a mensagem de Cristo ao mundo "com obras e palavras". A Palavra de Deus — Jo 1,1-18: A Palavra se fez carne. É o Pilho quem nos deu a conhecer Deus. — Rm 1,18-20: Na criação Deus oferece um testemunho de si. Porém, os homens oprimem a verdade com a injustiça. — Uo 1,1-4: O que vimos e ouvimos vo-lo anunciamos. E isto vos escrevemos para que a nossa alegria seja completa. — Hb 4,12-13: A Palavra de Deus é cortante. Penetra até dividir alma e espírito. Questões para o diálogo — Quando pela primeira vez ouvimos falar do conceito "História da Salvação"? Que entendemos por "História da Salvação"? — Que implicações acarreta a afirmação de que Deus se manifesta na história? — O livro da Bíblia contém toda a mensagem cristã? Para alguém que ignora o cristianismo, bastaria a Bíblia para que conhecesse a fé Cristã? — Que relação e diferença existem entre o Antigo e o Novo Testamento? — Que nos diz o fato de que Deus se manifesta através dos fatos históricos? — Que relação existe entre a história real e a História da Salvação? Reflexão 1. O Vaticano II consagrou a visão do conteúdo da Bíblia como descrição da História da Salvação. A Bíblia deixa de ser uma fria coleção de textos ou de 118 afirmações reveladas, e passa a ser a manifestação de Deus através da História da Salvação. Esta História começa na própria criação, e ultrapassa os limites do povo de Israel. A História da Salvação faz-se uma realidade onipresente e oniabrangente. Com isso compreendemos melhor a presença universal de Deus e de sua misteriosa pedagogia. 2. Fica assim superada a concepção doutrinária da revelação (DV 2; LG 5; AA 6). Afirma-se claramente que a revelação divina se realizou (e se realiza) por meio de obras e de palavras, intimamente ligadas entre si. Deus intervém na história. A revelação torna-se histórica, mediante fatos históricos. Emerge assim, na consciência conciliar da igreja, uma imagem de Deus genuinamente bíblica: Deus sempre maior, Deus que se revela na história, que caminha diante do povo conduzindo-o à utopia da terra prometida, e que se realiza definitivamente em Jesus, em suas palavras e em suas obras, como manifestação escatológica da "história de Deus" e da vontade de Deus sobre a história. 3. A Palavra de Deus deixa de ser, assim, um simples livro, isolado em si mesmo, para ocupar o seu lugar no contexto da comunidade crente, na tradição viva do Povo de Deus peregrino. Tradição essa "que vai crescendo na igreja com a ajuda do Espírito" (DV 8). A Palavra de Deus, assim, nos é manifestada no Concilio a partir dessa nova perspectiva, "revela-nos novas riquezas". Exame — Temos ainda uma concepção puramente doutrinária da revelação bíblica? — Sentimo-nos herdeiros e protagonistas da História da Salvação? Vivemos inseridos na História da Salvação, sabendo que ela, justamente agora, está passando por nossa vida? Que é pa119 ra nós um conceito abstrato? Um conceito distante? — Valorizamos devidamente em nossa comunidade a Palavra de Deus? Em que gestos concretos podemos mostrá-lo? — O que Deus quer que eu leve à História da Salvação? Conversão — Ler, estudar mais a fundo a Bíblia. — Viver intensamente o agora da História da Salvação. — Fazer oração com a Palavra de Deus. 17 REDESCOBRIMOS A LITURGIA Textos conciliares SC 5: SC 6: Preces — Pelos catequistas e transmissores da fé. — Pelos teólogos e investigadores da Bíblia. — Pelos ministros da Palavra, pelos que animam as celebrações da Palavra. — Por todos aqueles aos quais não chegou a notícia do Evangelho. — Por todos os que geram opressão e injustiça, opondo-se à salvação da história. SC 7: SC 8: SC 9: SC 10: SC 12: Oração Deus, nosso Pai, que em Jesus te fizeste companheiro nosso na caminhada pela história, nos revelaste a utopia da história e te fizeste história da salvação. Faze que também nós nos entreguemos à salvação da história. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 120 Antes de tudo, o Senhor realizou a obra da salvação pelo mistério pascal. Cristo enviou seus apóstolos também para realizar a salvação, a qual eles proclamavam mediante o sacrifício e os sacramentos. Cristo sempre está presente em sua igreja, especialmente na ação litúrgica. Na liturgia terrena pregustamos a liturgia celestial e dela participamos. A liturgia não esgota toda a atividade da igreja. . . A liturgia, por sua vez, é o ponto de partida e a meta da atividade da igreja. Por sua própria natureza, a liturgia ultrapassa os exercícios de piedade. A Palavra de Deus — Mt 18,18-20: Ali estarei no meio de vós. — Rm 12,1-2: Oferecei a vossa própria existência como culto vivo. — ICor 15,28: Até que Cristo seja tudo em todas as coisas. — Mt 9,11-13: Quero misericórdia e não sacrifícios. — Is 58,6-8: O jejum que me agrada. 121 — Am 5,21-24: Detesto as vossas festas. — ICor 11,17-34: Isto já não é a ceia do Senhor. — Mt 18,20: Ali estou no meio deles. Questões para o diálogo — Recompor juntos a imagem da liturgia antes do Vaticano II (relatar as próprias lembranças ou aquilo que cada um ouviu dizer: língua utilizada, tipo das homilias, ritos e gestos concretos já inexistentes hoje, lugar do culto na vida cristã em geral, os sacramentos. . . ) . — Quais as mudanças mais fundamentais que houve? Avaliá-las. — Fala-se às vezes negativamente de "sacramentalização". Que significa? Por que se critica? Que atitudes concretas são ainda meramente sacramentalistas? Qual a atitude que seria correta hoje? Que mudanças implicaria? — Que significa o fato de a liturgia ser o cume e a fonte da vida cristã? O que isso não significa? — Que "práticas piedosas" de cunho pós-conciliar conhecemos? (Enumerá-las em conjunto.) São muitas ou poucas? Por quê? Reflexão 1. Basta um pouco de memória histórica para lembrar que a liturgia foi uma das mais apelativas e visíveis reformas conciliares. Para aprofundar e consolidar a mudança, é útil recordar a imagem pré-conciliar da liturgia. Uma liturgia em latim. Um missal romano que perdurou por quase quatro séculos de vigência sem mudança nem alteração alguma. Uma piedade cristã convertida em um conjunto desordenado de práticas devocionais sem conexão nem hierarquia. Um cristianismo fundamentalmente pietista e cultuai. O predomínio da religiosidade popular e do devocional sobre o sacramentai litúrgico. 122 2. O Vaticano II recoloca a liturgia no seu devido lugar (SC 10). Coloca-a, "por sua própria natureza, muito acima dos piedosos exercícios" (SC 12). A liturgia é a atualização da salvação que Cristo realizou especialmente pelo mistério pascal (SC 5), o hoje da história da salvação, cujo prosseguimento encomendou aos discípulos (SC 6). Cristo está presente em sua igreja especialmente na ação liturgica (SC 7), mediante a qual participamos da liturgia celestial (LG 50). 3. A constituição sobre a liturgia foi a primeira a ser discutida, elaborada e aprovada pelo Concilio. Ao contrário dos últimos documentos, ela reflete menos a evolução do pensamento teológico. Sua leitura deve ser completada com os outros documentos conciliares. Apesar disso, o documento sobre a liturgia deixa claro a superação de toda a redução da vida eclesial ao culto. A liturgia não é a única atividade da igreja (SC 9). Antes, é o ponto de partida e, por sua vez, a meta (SC 10) na qual se recolhe o que deve ser feito e a missão da igreja: anunciar e construir o Reino de Deus (LG 5). A igreja deve centrar-se em sua missão, em torno e a serviço do Reino de Deus. Faltando isto, a liturgia giraria no vazio. O tema das exigências proféticas de justiça e de amor perante o culto é um tema iminentemente bíblico, mas que o Concilio não tematizou, embora o tenha feito, e de uma maneira muito intensa, a espiritualidade pós-conciliar. Exame — Nossas celebrações litúrgicas são verdadeiras "celebrações"? — A igreja de hoje é "sacramentalista"? Em que sentido? E nossa comunidade cristã? — Criamos ao nosso redor e dentro de nós mesmos as condições de justiça e de amor suficientes para celebrar devidamente a liturgia? Como solucionar esse problema? 123 — Somos cristãos que reduzem seu cristianismo ao culto, à liturgia, ou às práticas de religiosidade? — Damos oportunidades em nossa comunidade cristã para a formação litúrgica? Temos uma imagem e um apreço verdadeiramente conciliar da liturgia? Oração Deus, nosso Pai, que em Jesus nos prometeste a tua presença lá onde dois ou três nos reunimos em seu nome. Faze que experimentemos sempre tua presença salvadora tanto na comunidade orante como na liturgia viva de nosso trabalho diário. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Conversão — Fazer uma reflexão comunitária sobre o lugar que damos à liturgia em nossa vida e em nossa comunidade. — Examinar o equilíbrio entre oração litúrgica ou comunitária e oração pessoal em nossa própria vida. — Superar o cultualismo ou pietismo; unir liturgia e vida. — Estudar alguma oportunidade de formação litúrgica em nossa comunidade cristã. Preces — Por todos aqueles que presidem a liturgia nas comunidades. — Pelos animadores leigos da liturgia, pelos ministros da Palavra. — Para que a igreja supere toda visão e prática meramente cultualista. — Pelas comunidades que utilizam inconscientemente a liturgia e o pietismo para ocultar as injustiças e as divisões. — Pelos responsáveis da reforma litúrgica na igreja, para que tornem concretas todas as suas virtualidades. — Pelos seminaristas, para que se formem autenticamente e tenham sensibilidade para as necessidades do povo cristão. 124 125 18 SC 38: NOVAS ATITUDES DIANTE DA LITURGIA SC 40: Serão admitidas variações e adaptações legítimas de acordo com os diversos grupos, regiões, povos, especialmente nas missões. Em certos lugares e circunstâncias urge uma adaptação mais profunda da liturgia. A Palavra de Deus Textos conciliares SC 14: A igreja deseja ardentemente que todos os fiéis sejam levados àquela plena, cônscia e ativa participação das celebrações litúrgicas, que a própria natureza da liturgia exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão tem direito e obrigação. Os pastores devem aspirar a essa participação ativa e plena de todo o povo por meio de toda atuação pastoral. SC 19: Fomentar a educação litúrgica e a participação ativa dos fiéis. SC 21: O objetivo da reforma é fazer com que os textos e os ritos expressem com maior clareza o que eles significam e o povo cristão possa compreendê-los com facilidade e participar das celebrações plena, ativa e comunitariamente. SC 27: Deve-se preferir sempre a celebração comunitária à individual ou semiprivada. SC 37: A igreja não pretende impor uma rígida uniformidade às coisas que não afetem a fé ou o bem de toda a comunidade, nem sequer à liturgia. Antes, ela respeita e promove o gênio e as qualidades peculiares das diferentes raças e povos... 126 — lPd 2,4-10: Vós sois um povo de reis, um povo sacerdotal. — Jo 4,21-24: Os verdadeiros adoradores, em espírito e em verdade. — ICor 14,1-25: Que seja para a edificação da assembléia. — ICor 14,26-33: Participação na liturgia comunitária. — Hb 9,11-14: O sacerdócio de Cristo. — Mt 5,23-24: Deixa a tua oferenda e vai te reconciliar primeiro. Questões para o diálogo — Em muitos lugares, celebra-se a liturgia em língua vernácula e com livros novos, mas com "espírito pré-conciliar". Em que podemos distinguir o espírito pré-conciliar do novo espírito conciliar? — Quantas pessoas, a fim de nos frear em iniciativas de participação e de criatividade litúrgica, citam o Concilio? Quantas pessoas, ao contrário, animam-nos e nos dão forças para nos manter firmes, citando o Concilio? — O povo cristão está cônscio de que a "participação ativa e plena" é "um direito e um dever que lhe assiste enquanto batizado"? Tem-se pregado isto de modo suficiente e claro? — No início do século houve um célebre confronto entre Roma e os missionários que trabalha127 vam na China. Roma negava-lhes as petições feitas para não celebrar em latim, com ritos, ornamentos e gestos latinos. Como julgar hoje o caso a partir do espírito do Vaticano II? Podemos aplicá-lo à atualidade? Reflexão 1. O Vaticano II ressaltou certas atitudes novas a ser observadas na liturgia. Entre elas, talvez a mais importante é o fato de a participação ativa e plena não somente ser uma obrigação, mas um direito que assiste a todo cristão em virtude de seu batismo. Quando se trata de direitos fundamentais, tem-se a obrigação de exercê-los e de exigi-los ÍPace in terris 44). Para a grande maioria do povo cristão a novidade litúrgica conciliar reduziu-se à língua vernácula. Além do mais, continua "assistindo" à liturgia com uma atitude de passividade. Não se dá oportunidade à participação real. Os próprios sacerdotes e animadores do culto sentem, em grande parte, as suas capacidades de criatividade bloqueadas. Os escalões responsáveis pela reforma litúrgica freqüentemente concentram a sua preocupação — com uma exagerada desproporção — nas possíveis falhas, esporádicas, devidas a iniciativas inadequadas de participação e criatividade. Estão muito mais preocupados com isso do que com a imensa quantidade de celebrações perfeitamente rituais, mas sem vida, anódinas, totalmente insignificantes para o povo cristão. Existe aqui um imenso campo para o exame de nossa renovação litúrgica conciliar. 2. Nesse mesmo sentido é preciso recordar que o Vaticano II fala que a reforma e a renovação litúrgicas apontam para o objetivo de conseguir uma maior clareza e expressividade dos gestos litúrgicos. E afirma que essa preocupação deve estar presente em toda atividade pastoral dos animadores do povo cristão. Trata-se de uma atitude esquecida e às vezes bloqueada pelo 128 ritualismo. Entretanto, é também um direito do povo cristão. 3. Uma terceira atitude nova e capital é a preferência pelas celebrações comunitárias (SC 27). Refere-se a uma atitude que no pós-concílio jamais chegou a ser sinceramente aceita pelos movimentos e grupos de marcada inspiração individualista e espiritualista, e que agora, nos últimos anos, está sendo de novo combatida. Conservar esse sentido e preferência comunitária é uma forma não somente de obediência ao espírito conciliar, mas de obediência ao sentido comum e à natureza mesma da igreja e de sua liturgia. 4. O Concilio pede também uma atenção especial para com a formação litúrgica do povo cristão. Visto que a reforma litúrgica foi tão cerceada nos vários aspectos aludidos, já não se costuma ver a necessidade de tal educação e formação litúrgica. Todavia, no fundo continua sendo tão necessária como necessário é levar à concretização o espírito conciliar da reforma litúrgica. Exame — Nossa comunidade cristã cuida da liturgia? É suficientemente clara, expressiva, significativa, participativa, viva? — Somos criativos? Recorremos, sempre, tempestiva e intempestivamente, à missa sem saber encontrar outras celebrações mais adequadas a outros momentos? — Damos preferência às celebrações individuais ou semiprivadas? Deixamo-nos levar pelas pressões de certos grupos contra o espírito conciliar? — Estamos cônscios do direito e do dever que temos a respeito de uma participação plena e ativa? Exigimos alguma vez algo nesse sentido? 129 Deixamos de fazê-lo por confundi-lo com a agressividade ou com o conflito? — Pelo contrário, deixamos o sacerdote sozinho na hora de preparar a liturgia, embora ele ofereça espaço para a participação? — Que falta ainda em nossa comunidade cristã para levar adiante o espírito da reforma litúrgica do Vaticano II? Conversão — Sermos criativos na liturgia. — Participação de mais leigos em sua preparação e celebração. Criar uma equipe de liturgia na comunidade cristã, se isso for necessário. — Encontrar e criar celebrações distintas das pré-estabeleeidas para momentos especiais que as requeiram. — Sermos sensíveis ao pecado de uma liturgia perfeitamente ritualista e desprovida de vida e de significação para o homem de hoje. — Cuidar e escolher celebrações especialmente pensadas para crianças e jovens. — Preferir sempre as celebrações comunitárias às individuais ou semiprivadas. — Para que o povo cristão cresça em participação na liturgia, especialmente a participação dos leigos e da mulher. — Pelos que continuam aferrados a uma piedade individual e espiritualista. Oração Deus, nosso Pai, que em Jesus fez conosco uma nova aliança, por meio da qual nos levaste além dos antigos sacrifícios rituais e da mediação dos lugares sagrados. Nós te pedimos: faça de nós uma comunidade de verdadeiros adoradores que te adorem em espírito e em verdade. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelos que exercem os ministérios litúrgicos nas comunidades. — Especialmente pelos ministros leigos, ministros da Palavra... — Por muitos que ainda vão à missa aos domingos "para não cometer um pecado mortal". — Para que a liturgia se inculture realmente nos grupos humanos, no Terceiro Mundo e no Primeiro Mundo. 130 131 19 TODA A IGREJA DEVE SER MISSIONÁRIA AG 37-41: As comunidades cristãs não se renovarão verdadeiramente se não tiverem pelos que estão afastados uma preocupação semelhante àquela que têm por seus próprios membros. Deveres semelhantes de cooperação dizem respeito a todos os estamentos e membros do Povo de Deus. A Palavra de Deus Textos conciliares AG 2: A igreja peregrina é, por sua natureza, missionária. AG 2-5: Exposição da teologia da atividade missionária. A igreja se origina da missão do Filho e da missão do Espírito, de acordo com o desígnio de Deus Pai. AG 6: A missão da igreja é uma só e a mesma em toda parte e em qualquer situação. Varia de acordo com as circunstâncias, que dependem algumas vezes da igreja e outras vezes dos povos a que se destina. No cumprimento da missão da igreja existem momentos de início, de crescimento e de progresso, de insuficiência ou de estancamento, como de bloqueio e recuo também. Por isso, embora a atividade missionária seja distinta da atividade pastoral ordinária e distinta do ecumenismo, pode se dar em uma multidão de situações, inclusive em situações de velha cristandade. AG 36: Todos os fiéis têm o dever de cooperar com a atividade missionária. A primeira e principal forma de colaborar deve ser a de viver com profundidade de acordo com o Evangelho. — Mt 28,16-20: Ide pelo mundo e fazei discípulos. — Mc 16,14-18: Ide pelo mundo pregando a Boa Notícia. — Lc 4,16-20: Jesus, o primeiro evangelizador. — ICor 9,16-18: Ai de mim se não evangelizar. — lTm 2,4-7: Deus deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da Verdade. — Rm 10,14-17: E como haverão de crer se não ouviram? Questões para o diálogo — Refletir de modo descritivo, recordando juntos a imagem que recebemos do que eram as clássicas "missões de infiéis". — Que seriam hoje "as missões"? Corresponde à mente conciliar a idéia de missões somente como as "de infiéis"? — "O Senhor nos enviou para sermos pescadores de homens, mas preferimos nos converter em proprietários de aquários." Comentar esta frase de Fulton Sheen. — "Brasil, país de missão." Que nos sugere esta frase? — Que situações de nosso país, de nossa igreja local ou do ambiente em que se move minha co133 munidade estão em situação de necessidade missionária? — A missão clássica: fazer uma análise e tirar lições. Por exemplo, no caso da missão no descobrimento da América. — Qual seria o fundamento da missão para com os não-cristãos? E como se deveria concretizar tal missão? — Pode haver hoje preocupação missionária sem relação com a solidariedade internacional, com a problemática do Terceiro Mundo, com a conscientização? Reflexão 1. O Decreto sobre a atividade missionária da igreja é um dos últimos elaborados pelo Concilio. Reflete em síntese a cota mais alta da teologia conciliar. O posicionamento que se faz da teologia da missão excede uma perspectiva estritamente missionológica para se converter em teologia fundamental da missão da igreja e da evangelização. A perspectiva é profundamente trinitária e claramente dinâmica, em chave de História da Salvação. Sem dúvida, deve ser apresentada mais abundantemente à comunidade cristã. 2. Do conjunto do Decreto brota uma série de atitudes que significam uma profunda renovação do espirito missionário. Dentro do próprio espírito da Declaração sobre a liberdade religiosa ficam desqualificadas toda atitude compulsória na missão, toda imposição ou utilização do poder político ou das vantagens materiais para facilitar a aceitação da fé cristã. Adota-se uma postura clara de assumir as diversas culturas, de valorização positiva do patrimônio cultural de cada povo, de encarnação e inculturação da igreja em cada povo, e colaboração na construção da sociedade civil dos mesmos. Uma atitude de diálogo e de pobreza configura definitivamente o espírito novo da missão. 134 3. Esse espírito novo da missão transcende "as missões", porque a missão é colocada num plano mais profundo e amplo, como missão da igreja. Das missões passamos à missão. Por sua própria natureza, toda igreja é missionária (não simplesmente "missional"), embora se continue falando das missões como situações "ordinariamente em uns territórios assinalados pela Santa Sé" (AG 6), declara-se que a missão é uma só e a mesma em todo lugar e situação (ib.), e que pode realizar-se em países de velha tradição cristã que "requeiram de novo sua ação missionária". Com isso, a missão, tradicionalmente situada na periferia da igreja, é recuperada e transferida para o centro mesmo da igreja. Também os grupos humanos descristianizados são missão. Há frentes missionárias, a partir dessa nova perspectiva, aqui e ali e em toda parte da igreja. 4. O dever da cooperação missionária diz respeito a todo o povo, Povo de Deus, a começar pelos bispos e passando pelas comunidades cristãs. Assinala o Concilio que a renovação global das comunidades vincula-se a sua renovação missionária. E deve ser sublinhado: a primeira obrigação missionária não é relacionar-se com as missões, mas viver profundamente a vida cristã (AG 36). Exame — Como classificaríamos a pastoral que nossa igreja local realiza: de cristandade, de sacramentalização, de manutenção, progressista, missionária? — E a minha comunidade cristã concreta? E eu, pessoalmente? — Nosso cristianismo é missionário ou de vanguarda? Em quê? — Que pessoas ou grupos humanos afastados da fé cristã vivem perto de nós, em nosso próprio âmbito? 135 — Embora a igreja seja por natureza missionária, nós o somos? — Em nossa preocupação missional, levamos em conta o fato de que o testemunho cristão diante dos povos não-cristãos também passa pelo testemunho de solidariedade internacional, de cooperação de cada um para com a justiça internacional . . . ou não ultrapassamos os posicionamentos clássicos, românticos, paternalistas ou assistencialistas? Conversão — Planejar uma revitalização global da atividade evangelizadora em nossa comunidade. Chamar a atenção dos responsáveis, dos animadores, do "conselho pastoral" para isso. — Fazer um sério esforço comunitário para que a comunidade cristã passe a ser verdadeiramente missionária e evangelizadora, preocupada pelos mais afastados. — Viver em sintonia com as igrejas jovens. Cooperar com elas generosa e eficazmente. —-. Abandonar a imagem obsoleta e romântica das "missões de infiéis". Não dar apoio a iniciativas que caminham numa linha pré-conciliar. — Pelas igrejas e comunidades voltadas narcisisticamente para si mesmas. — Para que todos sejamos missionários. — Por nossa solidariedade internacional também com países não-cristãos. Oração Deus, nosso Pai: em Jesus nos mostraste o primeiro evangelizador, anunciador e construtor do Reino. Faze de nós apaixonados seguidores seus, para que, a partir da comunidade, anunciemos a Boa Notícia e construamos o Reino sem limitação de fronteiras. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelas "regiões missionárias" que existem em nossa própria igreja local. — Pelos missionários que trabalham em países distantes. — Para que haja também participação leiga nas missões, para que surjam muitas vocações de missionários leigos. — Para que as igrejas cresçam e se implantem com autonomia e alcancem o quanto antes sua emancipação e independência. 136 137 20 A LIBERDADE, EXIGÊNCIA DA DIGNIDADE HUMANA Textos conciliares DH 1,1.°: DH DH DH DH O homem de hoje tem consciência cada vez maior da dignidade da pessoa e da exigência de uma liberdade responsável. 1,3.°: A verdade não se impõe senão por força da própria verdade, ao mesmo tempo forte e suave. 2: O direito à liberdade religiosa fundamenta-se na dignidade da pessoa humana. 9: Tudo o que este Concilio declara sobre a liberdade religiosa fundamenta-se na dignidade da pessoa. 11,1.°: Deus respeita a dignidade da pessoa humana, que deve reger-se pela própria determinação e gozar de liberdade. A Palavra de Deus — Gn 1,26-31: Deus nos criou segundo sua imagem e semelhança. — Jo 8,31-36: A verdade vos libertará. O Filho vos dará a liberdade. — Rm 8,18-23: Clamor universal, cósmico e histórico pela liberdade gloriosa dos filhos de Deus. 138 Questões para o diálogo — Como justificar e temetizar de maneira diferente a afirmação conciliar de que a liberdade religiosa se fundamenta na dignidade humana? Isso vale também para as demais liberdades humanas? — Quando e como o homem tomou consciência de que a liberdade é uma exigência de sua dignidade? Assinalar os momentos históricos importantes. — Como vemos o passado histórico da igreja a respeito da liberdade? Que fatos históricos despertaram a igreja para uma maior valorização da liberdade humana? Como explicar o medo eclesiástico à liberdade? — Pistas que se descobrem no Evangelho sobre Jesus como homem livre. Reflexão 1. A liberdade é um distintivo da pessoa humana, situando-a acima de todas as realidades cósmicas. É o emblema de seu caráter espiritual e de sua dignidade suprema. A liberdade é um dos dons humanos supremos. A liberdade religiosa não é senão um aspecto concreto. 2. Nós, crentes, podemos valorizá-la também como uma participação de Deus, que nos criou a sua imagem e semelhança. E podemos nos apoiar em nossa tradição e revelação para valorizá-la devidamente. A prática concreta de Jesus, livre e libertador, é, para o cristão, norma definitiva e indiscutível. 3. A liberdade real é uma ausência na história. A história é uma história de libertações parciais, uma longa caminhada para a conquista da liberdade. Nessa longa caminhada histórica ninguém deve olvidar a par139 ticipação dos grupos humanos de qualquer credo e condição, especialmente os anônimos lutadores que deram a vida em defesa da liberdade da dignidade humana. A consciência atual que a humanidade tem da dignidade da liberdade é fruto dessa luta histórica. 4. Embora, em certas etapas históricas, os cristãos tenham se comportado de maneira contrária ao Evangelho da liberdade (DH 12), o Espírito deseja converter a igreja a uma verdadeira valorização profunda da liberdade do homem. Depois do Vaticano II, já não resta dúvida alguma. "Deus respeita a dignidade da pessoa humana, que deve ser livre" (DH 11). O tema é muito mais profundo e amplo que a estrita liberdade religiosa. 5. Finalmente, os cristãos devemos valorizar a liberdade do homem sem necessidade de recorrer a citações magisteriais, teológicas ou bíblicas: a liberdade tem valor por si mesma, valor evidente, indiscutível, cuja exigência se nos impõe. Somente então a verdade nos terá feito livres. Exame — Depois do Vaticano II, já é possível distinguir a igreja, como amante da liberdade, partidária insubornável da mesma? — Testemunhamos com suficiente clareza que não é cristã a nostalgia que algumas pessoas têm de tempos passados sem liberdade? — Nós, cristãos, ainda temos medo das "liberdades modernas" (pluralismo religioso e político, liberdades públicas, democracia, não confessionalidade...)? — Ainda temos de justificar com numerosas citações ou com longas dissertações teológicas o dever que temos como cristãos de lutar por todas as liberdades do homem? 140 — Damos suficiente valor a todos os que, fora da história da igreja, lutaram e morreram pela liberdade? — Olvidamos com demasiada facilidade os dados históricos da oposição da igreja à liberdade? — Valorizo a liberdade em minha vida de cada dia: família, grupo, vizinhança, educação dos filhos? Conversão — Não me sentir verdadeiramente livre enquanto houver homens e povos oprimidos, sem liberdade. — Analisar comunitariamente nossas deficiências no apreço e valorização da liberdade. — Sempre nos definirmos, indiscutivelmente, a favor da liberdade do homem. — Decidir comunitariamente por ações de solidariedade internacional a favor dos povos que lutam por sua liberdade. — Pronunciar-se radicalmente contra a tortura e contra qualquer menosprezo dos direitos humanos. Preces — — — — Pelos homens e povos privados da liberdade. Pelos cristãos antidemocratas. Pelos que fazem mau uso da liberdade'. Pelas minorias étnicas, culturais, religiosas ou políticas oprimidas. — Para que façamos nossa a valorização que o Concilio faz da liberdade. 141 Oração Deus, nosso Pai, nós te damos graças porque criaste o homem a tua imagem e semelhança; porque lhe deste participação de teu Espírito, que é fonte de liberdade; porque respeitas a dignidade do homem e desejas que ele seja livre. Nós te pedimos nos concedas te imitar nesse amor apaixonado pela liberdade, que vem de ti e nos conduz a ti. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 21 A LIBERDADE RELIGIOSA, DIREITO E DEVER DA SOCIEDADE Textos conciliares DH 2: Ninguém seja obrigado a agir contra a própria consciência, nem se impeça de agir de acordo com ela, em particular e em público, só ou associado a outrem. Esse direito da pessoa humana à liberdade religiosa na organização jurídica da sociedade deve ser de tal forma reconhecido que chegue a converter-se em direito civil. DH 3,3.°: Não se pode forçar nem impedir o homem de agir contra sua consciência. A prática da religião, por sua própria índole, consiste em primeiro lugar em atos voluntários e livres. Ao negar ao homem a livre prática da religião, sempre que esteja a salvo a justa ordem pública, faz-se injúria à pessoa humana e a Deus. DH 6,4.°: O poder civil deve procurar evitar que se lese a igualdade jurídica por motivos religiosos, aberta ou ocultamente, nem haja discriminação entre os cidadãos. DH 7,3.°: Na sociedade deve-se observar a regra da completa liberdade, segundo a qual deve-se reconhecer ao homem o máximo de liberda143 de, e não se deve restringir senão quando se fizer necessário e na medida em que o for. A Palavra de Deus — Lc 9,49-50: A ninguém impeçais; quem não está contra nós, está a nosso favor. — Mt 13,24-30: O trigo e o joio. — Mc 2,23-28: O homem não foi feito para a lei, mas a lei para o homem. Questões para o diálogo — Que bases tem a mensagem cristã para defender a liberdade religiosa? — Que exemplos concretos podemos tirar da prática de Jesus? — Tem direitos a "consciência errônea"? Que pensar da opinião dos que afirmam que Deus somente deseja a liberdade da religião verdadeira? — Que pensar da perseguição religiosa que ocorre em sociedades que proclamam oficialmente a liberdade religiosa e os direitos humanos? Citar exemplos concretos. Analisá-los. — Uma vez que existe liberdade religiosa habitual, é melhor que existam certos elementos que "favoreçam" a prática religiosa (costumes sociais, folclore, apoio social, uma pastoral que ofereça facilidades.. . ) , ou isto é pior? Reflexão 1. É um absurdo tentar arrancar violentamente de uma pessoa uma declaração de amor ou de amizade sob pressão ou ameaças, porque o amor e a amizade ou são livres e espontâneos, ou não são. Assim ocor144 re no aspecto religioso, que é uma vivência humana do amor e de amizade. O religioso, por sua própria natureza, ou é livre ou não o é (DH 3). Se não se tem isso de modo claro, não se tem claro também o que seja o religioso. 2. Apesar disso, desde os tempos antigos, as religiões históricas viveram unidas ao poder político. Este era justificado e legitimado por aquelas, e as religiões, por sua vez, gozavam dos privilégios do poder. Por isso, a vinculação com o poder sempre foi uma tentação para a religião. E quando a religião é entronizada oficialmente pelo poder político como religião pública, todo dissidente religioso (por praticar uma outra religião, por não praticar a religião ou por ser simplesmente ateu) converte-se, para a sociedade, em inimigo político. Em tais situações torna-se impossível a liberdade religiosa, e torna-se também impossível a verdadeira religião: livre, espontânea, gratuita. 3. A liberdade religiosa foi fruto e descoberta da Idade Moderna. Jesus não viveu em tempos de liberdade religiosa, mas em tempos de uma religião política. Ele foi executado, conjuntamente, pelo poder político e pelo poder religioso, como subversivo e blasfemo. Ele fez a sua oferta em liberdade e respeitou tão profundamente a liberdade dos homens que preferiu deixar-se matar. Jamais deu margem a que o poder político fosse instrumentalizado "em nome de Deus", a fim de impor algo a alguém. Por isso, sempre será um mistério como seus seguidores, os cristãos, passaram com o edito de Milão (313) e de Teodósio (380) de perseguidos a perseguidores, de uma religião clandestina e perseguida a uma religião oficial e perseguidora. Podemos compreender, mas jamais justificar nossa história religiosa de inquisição e intolerância. 4. O Vaticano II reconciliou-nos com as "liberdades modernas" (nascidas fora da igreja) e com nossas verdadeiras origens: as práticas de Jesus, supremamen145 te livre e libertador. É um dom do Espírito à sua igreja, mas é, ao mesmo tempo, uma conversão, um imperativo e uma tareía a cumprir. Exame — Aceitamos plenamente, sem reservas, o princípio de liberdade religiosa? Aceitamo-lo na prática? — Existe verdadeira liberdade religiosa em nossa sociedade? Existe ainda discriminações, manifestas ou ocultas, em nossa sociedade por motivos religiosos? — Alimentamos em nosso íntimo preconceitos ou antipatias para com outras vivências religiosas (outras confissões cristãs, judaísmo, islamismo, religiões orientais. . .) ? — Temos em nossa comunidade cristã local contatos com outros grupos religiosos, ou os ignoramos? — Que gestos ou sintomas existem em nossa vida que denunciam dentro de nós um inquisidor ou um intolerante? — Defendemos a liberdade religiosa, mesmo que o seja para outros? — Ainda existem pessoas entre nós que desejam a volta de uma igreja de cristandade? — Temos medo de que a sociedade se torne plenamente livre, competindo em nível de igualdade de circunstâncias e sem privilégios com as demais ideologias e propostas religiosas? Preferimos os guetos? Conversão — Não condescender com qualquer gesto de privilégio do poder para com uma confissão religiosa, seja qual for. 146 — Realizar algum gesto de aproximação das comunidades religiosas não-católicas que estão mais perto de nós. — Fazer nossa proposta religiosa a partir da pura gratuidade evangélica: não querer atrair ninguém mediante o privilégio, o prestígio ou qualquer outra vantagem não-religiosa. — Aceitar corajosamente a humildade correspondente a uma igreja em estado de missão no meio de uma sociedade pluralista. — Jamais trair a liberdade religiosa da sociedade para adquirir vantagens para a instituição eclesiástica. — Aceitar também a liberdade religiosa e o pluralismo no âmbito da própria família, dos filhos, das amizades. Preces — Para que todos juntos façamos a sociedade cada dia mais adulta e livre. — Por todos os que hoje, no mundo, sofrem discriminação religiosa. — Pelos educadores, para que eduquem para a liberdade. — Para que as igrejas (cristãs ou não) renunciem a qualquer privilégio que lhes venha do poder político, em favor da liberdade religiosa. — Para que a igreja anuncie corajosamente o Evangelho a partir da debilidade e sem privilégios. — Por todos os que estão arriscando suas vidas em nome da fé. — Pelos povos oprimidos, sem liberdade. — Para que cessem os que de um lado ou de outro querem impor suas idéias religiosas com violência. 147 Oração Deus, nosso Pai: em Jesus nos deste o protótipo do homem verdadeiramente livre. Nele nos ensinaste que respeitas tanto a liberdade do homem que preferiste deixar morrer teu próprio Filho para não impor tua vontade. Concede-nos consigamos ser homens novos, livres e libertadores, como ele. Por nosso Senhor Jesus Cristo. UMA IGREJA EM ESPIRITO DE LIBERDADE Textos conciliares DH 3,3.°: O homem percebe e reconhece a vontade de Deus por meio de sua consciência, a qual ele tem obrigação de seguir fielmente em toda sua atividade para chegar até Deus. A religião, por sua própria natureza, consiste era atos voluntários e livres. DH 4,4.°: Na difusão da religião deve-se evitar tudo aquilo que possa significar coação ou persuasão desonesta, especialmente com os necessitados. Agir assim deve ser tido como abuso do direito próprio e lesão do direito alheio (cf. AG 13,2.°). DH 7,3.°: Que seja observada a regra da liberdade integral, ou seja, deve-se reconhecer o máximo de liberdade que só deve ser restringida quando e na medida em que for necessário. DH 8,2.°: O Concilio exorta a todos, especialmente aos educadores, a que se esmerem em formar homens amantes da liberdade, que julguem as coisas com critério próprio à luz da verdade. DH 9: Essa doutrina da liberdade tem suas raízes na revelação divina, e por isso mesmo deve ser mais escrupulosamente observada pelos cristãos. 148 149 DH 10: O ato de fé é voluntário por sua própria natureza. Está, conseqüentemente, em total acordo com a índole da fé a exclusão de qualquer gênero de coação por parte dos homens em matéria de religião. DH 11: Deus respeita a dignidade da pessoa humana, que deve reger-se por sua própria determinação e gozar de liberdade. Isto se faz patente especialmente em Jesus. . ., nos apóstolos .. . DH 12: Na vida do Povo de Deus ocorreu às vezes um comportamento não condizente com o espírito evangélico, quando não contrário a ele (em matéria de liberdade religiosa). GS 43: Os cristãos podem ter discordâncias nas tarefas seculares. Não se deve esperar sempre de seus pastores soluções concretas. Que ninguém reivindique de modo exclusivo a autoridade da igreja. Antes, procurem se esclarecer mutuamente mediante um diálogo sincero e caridoso. GS 92: É preciso promover dentro da igreja a estima mútua, o respeito, a concórdia, o reconhecimento das legítimas diversidades, o diálogo entre todos. Que haja unidade naquilo que for necessário, liberdade naquilo que for duvidoso, e caridade em tudo. LG 13: No Povo de Deus existem "diferenças legítimas" e "divergências que servem à unidade". A Palavra de Deus — Gl 5,1: Para que sejamos livres, Cristo nos libertou. — Rm 8,15-17: Não recebestes um Espírito que os torna escravos, mas filhos. 150 — Lc 13,31-32: Jesus, livre diante das autoridades políticas. — Mt 23: Jesus, livre para denunciar. — 2Cor 3,17: Onde estiver o Espírito do Senhor, ali está a liberdade. — At 15,1-35: Concilio de Jerusalém. Liberdade de expressão na igreja. Questões para o diálogo — Tudo o que dissemos sobre a liberdade em geral e a liberdade religiosa em particular tem aplicação também dentro da igreja? Existem matizes ou diferenças entre um campo e outro? — Que opiniões religiosas ou teológicas podem estar contra a existência, de fato, de um âmbito de liberdade? — Comentar a opinião teológica que afirma ser a igreja "a consciência crítica da liberdade libertadora". — Que falha na compreensão vulgar do magistério eclesiástico o leva a ser percebido como inimigo da liberdade no seio da igreja? Reflexão 1. Um sutil sofisma jamais declarado explicitamente levou-nos à seguinte suposição: tudo o que afirmamos sobre a liberdade em geral e sobre a liberdade religiosa em particular é válido para a sociedade civil, mas não para a igreja. Isto porque esta seria uma sociedade completamente diferente no gênero à qual não se poderiam aplicar tais liberdades. Ficariam assim descartadas na igreja liberdades tão fundamentais como a liberdade de pensamento, de expressão, de manifestação, de associação. .. Bastaria sacudir a rotina a que nos acostumamos e adotar uma postura prontamente crítica a fim de descobrir entre nós muitas tra151 dições e práticas que vão contra a liberdade e os direitos humanos em geral. 2. É preciso resgatar toda a poderosa força de argumentação do Concilio para denunciar essa interpretação dualista da aplicação dos princípios da liberdade à igreja e à sociedade civil. Tudo o que dissemos da liberdade e dos direitos humanos no âmbito social vale, com mais razão ainda, para a igreja. A igreja deveria, pois, converter-se para a sociedade em modelo do que pode ser uma convivência em liberdade e respeito (porque a caridade "outra coisa" não é senão "isso e muito mais"). 3. Ainda estamos por desenvolver de maneira plena no meio de nós algumas das riquezas próprias de uma sociedade com vida e em movimento (mesmo que tenhamos, por outro lado, como igreja, outras riquezas absolutamente próprias e características). Falta-nos, por exemplo, desenvolver (e previamente aceitar) a existência de uma opinião pública na igreja, tal e como há tempos sugeriu Pio XII. Não nos parece ter chegado já a uma liberdade de pensamento e de investigação (teológica) ampla, nem a uma regulamentação adequada e digna dos direitos que assistem aos possíveis processados pela autoridade eclesiástica (casos H. Küng, L. Boff). Nem tampouco chegamos a uma aceitação tolerante e dialogante de discordância na igreja, nem a uma possessão pacífica e efetiva da descentralização e da colegialidade quando se tomam decisões importantes. A mesma coisa pode-se dizer quanto a uma liberdade de participação suficiente da mulher, e a um diálogo realmente respeitoso do centro para com as maiorias eclesiais da periferia que percebem uma experiência espiritual distinta (teologia da libertação). .. Para quem quiser entender, dever-se-á afirmar que a liberdade gloriosa dos filhos de Deus não é, sem mais, "outra coisa" senão — também aqui — "tudo isso e muito mais"... 152 4. É preciso eliminar os fatores que continuam bloqueando a liberdade do Povo de Deus: o monolitismo herdado, a uniformidade imposta, o temor à criatividade e à imaginação, a obediência entendida como renúncia intelectual, a fidelidade entendida como repetição de fórmulas e conservação do "depósito da fé", a hipertrofia do magistério eclesiástico como algo que vem de cima e fora do Povo de Deus, o medo à denúncia profética disfarçado de comunhão eclesial ou caridade fraterna etc. "É preciso reconhecer as legítimas diversidades para abrir, com fecundidade sempre crescente, o diálogo entre integrantes do único Povo de Deus, tanto os pastores como os fiéis. Haja unidade no necessário, liberdade naquilo que é duvidoso, caridade em tudo" (GS 92,2.°; UR 4,7.°). 5. Essa liberdade vivida dentro da igreja não conclui, entretanto, de maneira narcisista em si mesma; antes, abre-se para o mundo como condição de um serviço crítico da igreja à sociedade. Somente uma igreja livre em si mesma pode chegar a ser uma "consciência da liberdade liberta e libertadora" (Metz) para com a sociedade. E isto faz parte de sua missão. Por isso, a liberdade na igreja não é apenas um direito que nos assiste, e ao qual poderíamos renunciar abnegadamente: é um dever para conosco mesmos e para com a missão. Isso, fora do âmbito eclesial, expressa-se comumente de outra maneira: "A liberdade se toma, não se pede" (porque uma liberdade permitida ou outorgada por decreto não é liberdade, mas permissão). Exame — Que bloqueios da liberdade ocorrem em geral na igreja e que estão presentes também em nossa comunidade cristã em particular? — Os animadores e os responsáveis dos ministérios em nossa comunidade cristã dão margem à liberdade, à criatividade e à participação de todos os membros da comunidade? 153 — Existem ainda entre nós os que têm receio ou desprezo diante de qualquer manifestação de discordância, de reflexão própria, de originalidade criativa? — Temos medo de que decresça a "prática religiosa" se a sociedade e a igreja se tornarem cada dia mais livres de toda a pressão alheia à fé (tradições, folclore, valores sociais de prestígio, vantagens de comodidade social etc.)? — É a nossa igreja hoje uma instância crítica de liberdade libertadora para com a sociedade? Conversão — Valorizar o pluralismo, a variedade, a universalidade "católica" da igreja. — Fomentar atitudes de tolerância, diálogo, respeito, estima mútua. — Não condescender diante de qualquer nova (ou inveterada) prática de inquisição ou "perseguição de hereges". — Fomentar o debate público, a opinião pública na igreja. — Procurar fazer os perplexos compreenderem os aspectos positivos e o fundamento evangélico de uma comunidade cristã mais participativa em diálogo e em liberdade. — Estudar, individualmente ou em grupo, temas como o diálogo, a discordância, o pluralismo, a liberdade, o magistério... na igreja. — Pelos que se sentem incompreendidos em sua vivência de fé, privados do necessário diálogo eclesial. — Para que nós cristãos sejamos exemplo de apreço e de vivência da liberdade. — Por todas as pessoas de fé não cultivada que se escandalizam diante das divergências ou das tensões, para que amadureçam em sua fé. — Para que desapareçam para sempre as práticas inquisitoriais na igreja. Oração Deus, nosso Pai, que em Jesus nos convocaste a formar uma comunidade de irmãos como âmbito perfeito da liberdade liberta e libertadora. Dá-nos testemunhar ao mundo com fatos que, onde estiver teu Espírito, ali estará a liberdade. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelos teólogos, pelos pensadores da fé, para que tenham liberdade e criatividade. — Pelos que exercem ministérios hierárquicos na igreja, para que não caiam na tentação de impor um uniformismo. 154 155 23 PARA UMA ATITUDE ECUMÊNICA GLOBAL Textos conciliares UR 3: Algumas vezes as divisões na igreja ocorreram não sem culpa dos homens de ambas as partes. UR 3: "Ademais, dentre os elementos ou bens com os quais, em conjunto, a própria igreja é edificada e vivificada, alguns e até muitos e muito importantes podem existir fora do âmbito da igreja católica" (cf. também LG 8; AG 9). É preciso eliminar palavras, juízos e ações que não correspondem, segundo a justiça e a verdade, à condição dos irmãos separados. Também aqui, um grande critério: unidade no necessário, liberdade no resto, caridade em tudo. Preocupação pelo restabelecimento da união é coisa de toda igreja, tanto dos fiéis como dos pastores. Toda renovação da igreja consiste essencialmente no aumento da fidelidade para com sua vocação. A igreja é chamada por Cristo a essa "perene reforma, da qual ela, enquanto instituição terrena e humana, necessita permanentemente". UR 4: UR 4: UR 5: UR 6: UR 7: 156 Não existe ecumenismo autêntico sem conversão interior. UR 12: Todos os homens são chamados a colaborar cada vez mais em uma empresa comum, como de fato já está se impondo por toda parte. Os cristãos têm ainda muito mais motivos para dar sua colaboração. NA 2: A igreja católica não despreza o que existe de verdadeiro e santo no hinduísmo, no budismo e nas demais religiões. Considera com sincero respeito os modos de agir e de viver, os preceitos e as doutrinas... NA 3: O Concilio exorta a olvidar as desavenças passadas e inimizades entre cristãos e muçulmanos, a procurar uma mútua compreensão e a defender unidos a justiça social. NA 4: A igreja deplora os ódios, as perseguições e manifestações de anti-semitismo de qualquer tempo e pessoa contra os judeus. NA 5: A igreja reprova como alheia ao espírito de Cristo qualquer discriminação ou humilhação realizada por motivos de raça ou de cor, condição ou religião. OE 2: A variedade na igreja, longe de ir contra sua unidade, manifesta-a de um modo melhor. OE 6: Que os orientais conservem seus próprios ritos, e não os mudem senão por razões próprias, suas. GS 22: O Espírito, de um modo apenas conhecido por ele, oferece a todos os homens a possibilidade de associar-se ao mistério de salvação. A Palavra de Deus — Lc 9,49-50: Não o impeçais. Se não está contra nós, está a nosso favor. — At 10,1-48: Deus não faz distinção de pessoas. 157 — lTm 2,1-5: Deus deseja que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. — Jo 17,21: Que sejam um como tu e eu somos um. — At 15,22-29: Concilio de Jerusalém. Não impor mais fardos do que os indispensáveis. — ICor 1,10-13: Coloque-os de acordo. Está Cristo dividido? — Ef 4,2-6: Há um só corpo e um só Espírito. Suportem-se uns aos outros com amor. — Lc 7,33-34: Jesus, amigo dos cobradores de impostos e dos incrédulos. Questões para o diálogo — "Toda a renovação da igreja consiste essencialmente numa maior fidelidade à própria vocação" (UR 6). De conformidade com isso, o que é no fundo a renovação conciliar? Podemos dizer que já acabou o tempo de renovação da igreja? — "Cristo chama a igreja a uma perene reforma, a qual é permanentemente necessária enquanto instituição humana e terrena" (UR 6). Não é uma expressão muito forte? Constatamos atitudes de eclesiástico que pensam exatamente o contrário? Que elementos ou aspectos da igreja institucional podem estar chamados, a partir do Evangelho, a uma reforma mais profunda ou mais urgente? — "Fora da igreja não há salvação." Comentar esta frase tão mal entendida de são Cipriano. Teria algum sentido a afirmação contrária: "Fora da salvação não há igreja"? — Que obstáculos doutrinais e práticos mais importantes subsistem hoje para a união das diferentes confissões cristãs? 158 — Com quais pessoas nós, cristãos, temos mais medo de colaborar? Por quê? Que dever-se-ia fazer? — Conhecemos casos de proselitismo religioso fanático? Que fazer? Reflexão 1. "Constitui um absurdo e grande injúria afirmar que é necessária uma certa restauração ou regeneração (da igreja) para fazê-la voltar à sua primitiva incolumidade, dando-lhe um novo vigor, como se precisasse crer que a igreja é passível de defeito, ignorância ou de quaisquer outras imperfeições humanas", afirmava no século passado Gregório XVI (Mirari vos, 10). O Concilio supõe a superação desse orgulho eclesiástico, que fazia da igreja uma entidade intolerante e incapacitada radicalmente para o diálogo e para o ecumenismo. A igreja do Vaticano II reconhece humildemente certas atitudes suas como "deploráveis" (GS 36), que foram "contrárias ao espírito evangélico" (DH 12), das quais, de qualquer modo, "devemos ter consciência clara e combater com a maior energia" (GS 43). As próprias divisões na igreja se fizeram "algumas vezes não sem culpa de ambas as partes" (UR 3). Trata-se de uma atitude de humildade desconhecida há séculos na igreja. Não são meras declarações de princípio: acarretam muitas conseqüências e aplicações para quem saiba entendê-las. 2. A conseqüência e aplicação global resume-se na consciência que a igreja tem de que necessita de conversão, de mudança, de reforma, e de uma reforma permanente (UR 6). Abandona-se definitivamente a velha tese da igreja como sociedade perfeita, como também sua clássica identificação com o Reino de Deus. Agora sabemos que a igreja não é o Reino de Deus, mas simplesmente o "germe e princípio do Reino" (LG 5). Desabsolutizamos com isso a igreja, devolvendo-a ao 159 seu verdadeiro estatuto, que é referencial, relativo com respeito ao Reino de Deus. A igreja está, deve estar a serviço e em função do Reino de Deus. E a partir da perspectiva do Reino é possível ao cristão (e se faz obrigatório) submeter a igreja à crítica, a fim de purificá-la para "combater com a maior energia a grande distância que ainda hoje se dá entre a mensagem e a fragilidade humana dos mensageiros" (GS 43). Reconhecendo que "a igreja somente tem um objetivo, o advento do Reino de Deus" (GS 45), o Vaticano II ressitua a igreja em seu verdadeiro fundamento evangélico e introduz um filão crítico de conseqüências eclesiológicas imprevisíveis. 3. Com essas novas atitudes tira-se o bloqueio do "impasse" em que se encontrava o ecumenismo intereclesial, assim como a incomunicação e também o confronto com a cultura moderna. A igreja reconhece que fora de sua estrutura existem também muitos elementos de verdade e de santidade (LG 8), uma quase secreta presença de Deus nos povos (LG 9), "sementes da Palavra" contidas em suas tradições nacionais e religiosas (AG 11), assim como em outras religiões (NA 2). Enfim, "numerosos e muito valiosos" elementos de salvação se encontram fora do recinto visível da igreja católica (UR 3; LG 16; GS 22). Isto é, não temos o monopólio da verdade nem da salvação. Não somos "a salvação". Não é verdade que fora da igreja não há salvação. Embora o contrário pudesse ser verdade: fora do serviço ao Reino (que é sempre um serviço libertador, salvador, segundo Lc 7,18ss.), fora da salvação não haveria igreja, pelo menos igreja verdadeiramente cristã, a serviço do Reino. Ficam assim desqualificados para a igreja os proselitismos não fundamentados no Evangelho, ou a ele contrários: o "apostolado pelo apostolado", o apostolado que somente procura fazer expandir uma igreja a serviço de si mesma, a atividade missionária que transmite "cultura forasteira" (ou regulamentações canônicas e teorizações alheias), em vez da Boa Notícia para 160 os pobres, a conjunção da ceder espaço mênica como cristianização compulsória a partir da cruz com a espada etc. Tudo isso deve a uma atitude tão dialogantemente ecucorajosamente testemunhai. 5. A partir da perspectiva do Reino, o ecumenismo ultrapassa toda fronteira confessional e também religiosa: trata-se então de um ecumenismo leigo, integral, global, pelo Reino. O Concilio repete com insistência, algumas vezes com as mesmas palavras, uma percepção intuitiva clara: o mundo tente inevitavelmente para a unidade (LG 28; GS 5, 33, 43, 56, 57; DH 15; NA 1; PO 7); conseqüentemente, impõe-se por toda parte a colaboração de todos os homens sem exceção no campo social, e com maior razão dos que acreditam em Deus (UR 12). Os cristãos têm como missão trabalhar com todos os homens na edificação de um mundo mais humano (GS 57). Na luta pelo Reino, que é o que verdadeiramente importa, os cristãos devem sentir-se "unidos a todos os que amam e praticam a justiça" (GS 92). Pode ser que isso que nos une seja muito mais forte que outras coisas menos importantes que nos separam. As velhas fronteiras intra-eclesiais e intereclesiais ficam esfumadas e esmaecidas dentro do irresistível torvelinho ascendente das forças humanas e divinas que convergem para o Reino. É um ecumenismo integral, global, total. Exame — Ainda vemos o mundo dividido em "bons e maus", "os nossos e os outros"? — Em que aspectos e episódios reflete-se o fato de muitos cristãos ainda pensarem que a igreja é quase perfeita? — Temos preconceitos anti-ecumênicos, conscientes ou inconscientes? — Temos consciência de que a atual divisão dos cristãos é um escândalo, ou nos acostumamos a isso? 161 — Nossa comunidade local é um exemplo de atitude ecumênica, dialogante, pluralista, compreensiva? — Temos consciência de que existe uma "hierarquia de verdades" (UR 11), que nem tudo é igualmente importante nem está igualmente relacionado com o núcleo da fé? — À medida de nossas responsabilidades, fazemos alguma coisa para que na igreja não se coloquem os interesses eclesiásticos acima dos interesses do Reino? preocupados com a unidade do mundo do que cem a unidade das igrejas. — Para que abandonemos qualquer espécie de medo de colaborar com aqueles que amam e praticam a justiça, seja quem for, não importa sua cor ideológica ou religiosa. — Para que "combatamos com maior energia as deficiências" que ainda hoje se dão na igreja (GS 43). — Para que comecemos primeiro por nós mesmos a "reforma permanente" (UR 6) a que a igreja é chamada. Conversão — Fazer algum gesto concreto de relacionamento ou contato com as comunidades religiosas não-católicas mais próximas de nós. — Oferecer em nossa comunidade cristã uma oportunidade de informação sobre a situação ecumênica atual, o mapa de confissões não-católicas, a doutrina teológica correspondente etc. — Dar a nossa vida uma perspectiva ecumênica, acima das raças, títulos, fronteiras, delimitações . . . e lutar "unidos com todos os que amam e praticam a justiça" (GS 92). — Aproximar mais e mais nossa vida do Evangelho, como principal forma prática de ecumenismo (UR 7). — Adiantar-se no encontro com os outros (UR 4). Oração Deus, nosso Pai, queres que sejamos um, que cheguemos à unidade, na igreja e no mundo. Converte-nos tão apaixonadamente ao Reino, que compreendamos que todos os que estão comprometidos com ele estão conosco, e que as demais diferenças serão sempre secundárias. Assim no-lo ensinou teu Filho. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pela unidade. Para que sejamos sensíveis a sua urgência. — Para que se removam os obstáculos burocráticos e administrativos. — Para que nos unamos "pelo Reino". — Para que nós, cristãos, estejamos ainda mais 162 163 24 GS 34: Uma coisa é certa para os crentes: a atividade humana individual e coletiva, o conjunto ingente de esforços realizado pelo homem ao longo dos séculos para alcançar condições melhores de vida, considerado em si mesmo, corresponde à vontade de Deus. GS 38: Jesus, sofrendo a morte por todos nós, ensina-nos com o seu exemplo a carregar "a cruz que a carne e o mundo joga sobre os ombros dos que buscam a paz e a justiça". Cristo palmilhou caminhos de verdadeira encarnação; se fez pobre. A igreja deve continuar o seu caminho de pobreza e de imolação até a morte. Nos pobres, Cristo levanta sua voz para despertar a caridade de seus discípulos. Que não sirva de escândalo o fato de que os países opulentos sejam cristãos. O espírito de pobreza é a glória da igreja de Cristo. A IGREJA DOS POBRES Textos conciliares LG 8,3.°: A igreja, como Cristo, destina-se a percorrer um caminho de pobreza e de perseguição. Como Cristo, também a igreja deve proclamar a humildade e a abnegação com seu exemplo. Reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem de seu Fundador pobre e paciente e procura servir neles a Cristo. AG 12: A todos os homens, mas especialmente aos pobres e aflitos. GS 1: De todos os homens de nosso tempo, em primeiro lugar dos pobres e de quantos sofrem. GS 27,2.°: Urge a obrigação de aproximar-se para servir a todos, especialmente os necessitados. GS 29: Lutem com energia contra qualquer escravidão social ou política. LG 35: Manifestem sua esperança na vida futura através das estruturas da vida secular, em constante renovação e em luta com os dominadores deste mundo tenebroso. AG 12: Que os cristãos participem dos esforços daqueles povos que, lutando contra a fome, a ignorância e as enfermidades, esforçam-se por conseguir melhores condições de vida e por afirmar a paz no mundo. 164 AG 3: AG 5: GS 88: A Palavra de Deus — Lc 6,20-26: Bem-aventuranças e mal-aventuranças. — Lc 4,16-21: Enviou-me para anunciar a Boa Notícia aos pobres. — Lc 7,18-23: A evangelizaçao dos pobres, sinal messiânico. — Mt 25,31-46: Tudo o que fizestes aos meus irmãos mais pequeninos. — Mt 10,34-36: Jesus, sinal de contradição. — Mt 23,23-24: Olvidais o que é mais grave: a justiça e o amor. — Mt 5,23-24: Deixa a tua oferenda e vai primeiro reconciliar-te. — Is 1,11-18: Estou farto dos vossos sacrifícios. 165 Questões para o diálogo — Foi João XXIII quem começou a falar do tema "igreja dos pobres". Que se fez deste tema no pós-concílio? Tem-se proclamado e pregado este tema depois do Concilio? — O tema dos pobres é essencial ou secundário nos Evangelhos? Apresentar citações. Confrontar as opiniões. — Por que perseguiram Jesus? Por que o mataram? Teve alguma relação com sua postura diante dos pobres? E que postura Jesus assumiu diante dos pobres? — Pode-se afirmar que os pobres pensam que a igreja está de fato com eles? Foi superada a contenda entre igreja e classe operária? De que novas formas esse problema se reveste hoje? — Desde sempre a igreja tem-se preocupado em atender as necessidades dos pobres. Ela o tem feito preferentemente de forma assistencialista, a ponto de ter identificado, via de regra, caridade com beneficência e de ter contraposto a caridade à justiça. A caridade não exige, em primeiro lugar, a luta pela justiça em favor dos pobres? — Igreja "para" os pobres ou igreja "dos" pobres? Qual a diferença? — "A glória de Deus é que o homem viva", dizia santo Irineu de Lyon. "A glória de Deus é que o pobre viva", acrescentou dom Oscar Romero. Comentar. Reflexão 1. O tema da igreja dos pobres que aparece completamente elaborado ciliares. No pós-concílio tornou-se um desenvolvidos e desafiantes. Porém, já mente expresso em germe. 166 não é um tema nos textos condos temas mais estava ali clara- 2. A igreja sempre se preocupou pelos pobres. A atenção para com os necessitados e todos os homens que sofrem tem sido uma constante na história da igreja. Sempre se teve a intuição de que se devia expressar e manter uma preferência pelos pobres. E isto fica claramente assinalado no Concilio (AG 12; GS 1, 27, 4 2 . . . ) . 3. Atualmente, uma visão mais crítica leva-nos a descobrir que a assistência aos pobres pelo caminho da beneficência, mesmo que vista de perto e em cada caso seja urgente e inevitável, feita de modo indiscriminado e em grande escala, pode redundar em prejuízo para os próprios pobres. Isso porque serve de paliativo a conseqüências negativas do sistema econômico que produz os pobres, e com isso o consolida (e, conforme o caso, legitima-o religiosamente). Tudo depende da análise da realidade que se tem em conta. Somente a partir de uma análise sociocrítica pode-se compreender claramente que a beneficência não basta (mesmo que, por outro lado, seja inevitável em muitos casos, e bastante evangélica). 4. O modelo de análise da realidade utilizado pelo Concilio não era precisamente um modelo sociocrítico. O conceito de mundo que os textos conciliares têm diante de si é, em primeiro lugar, o mundo moderno ocidental, o mundo das liberdades modernas, o mundo do ateísmo e da cultura etc. O Concilio não gozou de uma ótica adequada para ler o mundo a partir do ponto de vista das grandes maiorias da humanidade oprimida que padecem miséria e injustiça. A ótica predominante do Concilio era a européia, a ótica das igrejas progressistas européias, dos países ricos. Ainda não havia soado a hora das igrejas do Terceiro Mundo. 5. Apesar disso, podemos descobrir através de seus textos numerosos impulsos dirigidos, de maneira decidida, ao compromisso dos cristãos na luta pela transformação do mundo (AG 12; GS 29, 34, 38; LG 35). Para quem aceita como sua a ótica dos pobres, esses 167 textos seriam suficientes para tornar a igreja uma insubornável aliada da causa da justiça e dos pobres. 6. Além disso, é preciso recordar o famoso texto da LG 8,3.°, introduzido a pedido de alguns bispos e cardeais, como Lercaro, Gerlier e Himmer. Estes estavam escandalizados pelo pouco espaço que se dava aos pobres no tratamento dogmático da igreja. Esses bispos faziam suas propostas a partir da realidade dos pobres. O Concilio, deixando um pouco a realidade dos pobres, centrou seu interesse na vida de Jesus. Ali encontrou unidos o tema da pobreza e o tema da perseguição, mesmo sem afirmar explicitamente que a perseguição de Jesus teve como motivo o fato de ele se situar do lado dos pobres, acarretando assim a inimizade dos ricos e dos poderosos. O Concilio não desenvolveu o tema, mas o introduziu germinalmente, e esse germe, como uma semente de mostarda, se desenvolveu espantosamente no pós-concüio. Exame/ — Como vejo o mundo: a partir dos interesses dos pobres ou a partir dos interesses dos ricos? — Que mentalidade predomina em nossa comunidade cristã? É uma mentalidade burguesa, operária, paternalista, apolítica, neutra, comprometida? — Em nosso íntimo, sentimos medo do tema dos pobres? — O mundo está dividido e confrontado entre ricos e pobres, entre empobrecidos e enriquecidos. De que lado se acha nossa comunidade cristã? E quanto a mim, de que lado estou? — Somos das pessoas que consideram tabu o tema dos ricos e pobres, as implicações sócio-políticas? 168 Conversão — Definir-nos sempre e inequivocamente do lado dos mais pobres. — Escutar o testemunho e estar em comunhão com as igrejas locais que mais desenvolveram no pós-concüio a realidade da igreja dos pobres. — Estudar a possibilidade de alguma iniciativa na comunidade cristã para que todos possamos refletir sobre esse tema, romper preconceitos, desbloquear medos arcaicos, abrir-nos a novos compromissos. — Não ignorar nem menosprezar o testemunho sangrento dos atuais mártires pela justiça e pela causa dos pobres de numerosas igrejas locais. Preces — Para que a igreja seja de fato a igreja dos pobres. — Para que a mentalidade paternalista seja superada. — Para que não tenhamos medo de enfrentar as conseqüências que uma alienação clara a favor dos pobres pode trazer-nos. — Para que sejamos na igreja a voz dos sem-voz. — Pelos pobres que estão na igreja, para que não se sintam deslocados, mas que transformem a igreja. — Para que enfrentemos corajosamente as críticas que têm origem no seio da própria igreja, por causa da opção pelos pobres. 169 Oração Deus, nosso Pai, tu não és neutro nem podes olhar impassível a injustiça no mundo, as lutas fratricidas de teus filhos. Por isso nos manifestaste em Jesus teu projeto de justiça, de amor e de fraternidade: o Reino. Faze que também nós, como Jesus, sejamos a Boa Notícia para os pobres. Por nosso Senhor Jesus Cristo. 25 SACERDOTES PARA A COMUNIDADE CRISTÃ Textos conciliares LG 28: Os bispos confiaram legitimamente o ofício de seu ministério, em diferente grau, a pessoas diversas na igreja. PO 2: O Senhor Jesus faz todo o seu Corpo Místico participar da unção do Espírito, pela qual ele foi ungido. Pois nele os fiéis todos tornam-se um sacerdócio santo e régio, oferecem a Deus sacrifícios espirituais por Jesus Cristo e anunciam as maravilhas de Deus. Não existe assim membro que não tenha parte na missão de Cristo. O mesmo Senhor, porém, instituiu alguns como ministros. PO 3: Os presbíteros convivem com os demais homens como com irmãos. Seu próprio ministério exige, por título especial, que não se conformem a este mundo. Ao mesmo tempo, no entanto, requer que vivam, neste mundo, conheçam suas ovelhas e estimem o trato humano. PO 4: Têm como principal dever anunciar o Evangelho de Deus a todos. A pregação não deve ser geral e abstrata, mas aplicada a situações concretas. PO 5: Ministros dos sacramentos. 170 171 PO 6: PO 9: Chefes do Povo de Deus. Relação com os leigos. A Palavra de Deus — Mt 10,lss: Envio dos doze. — Jo 20,19-23: Como o Pai me enviou, assim os envio. — Mt 20,25-28: Quem quiser ser o primeiro, seja o servo de todos. — Jo 10,7-18: O bom pastor. — lPd 2,4-10: Sacerdócio comum dos fiéis. — ICor 12,12ss: Muitos membros e um só corpo. — Mt 18,18-20: O que ligardes ficará ligado, pois onde dois ou três estiverem unidos em meu nome, ali eu estou. Questões para o diálogo — "Jesus não foi sacerdote nem monge, mas um leigo." Comentar. — Sacerdotes existiram e haverão de existir em todas as religiões. Existe também sacerdócio no cristianismo? Que seria o especificamente cristão de tal sacerdócio? — A palavra "sacerdote" não aparece no Novo Testamento aplicada a ninguém em particular (exceto a Jesus). Mas aplica-se somente ao conjunto do Povo de Deus. A palavra "sacerdote" aplicada a pessoas concretas dentro da comunidade cristã apareceu nos séculos posteriores. Que nos diz tudo isto? — Como a opinião pública vê o sacerdote e a hierarquia em geral? O que mudou nessa opinião? — Relação entre o celibato e o ministério sacerdotal. 172 — O sacerdócio da mulher: razões a favor e contra neste debate pós-conciliar. — Que razões se podem aduzir como explicação da crise vocacional? Reflexão 1. O sacerdócio é uma realidade antes religiosa que cristã. Ou seja, todas as religiões tiveram e têm sacerdotes. A forma concreta que adota o sacerdócio em cada religião depende da imagem de Deus que nela ocorre. Por isso, tem sido clássica a imagem do sacerdote como separado do povo (para marcar a separação entre o sagrado e o profano), como portador de poderes sagrados (às vezes quase mágicos), como homem profissionalizado e especializado no âmbito sagrado (fora das realidades seculares), como homem que freqüentemente explora seus poderes sagrados para adquirir uma posição privilegiada ou uma aliança com o poder . . . tendo como pano de fundo uma idéia dominante que é a do sacerdote como mediador entre Deus e o homem. Nesse sentido, Jesus não foi o criador original da idéia do sacerdócio. Já existia o sacerdócio do Antigo Testamento no tempo de Jesus, e ele próprio não pertenceu ao sacerdócio, mas, enquanto cidadão, foi um leigo. 2. Se existe um sacerdócio cristão, este deverá tomar a sua realidade essencial não do conceito comum e universal do sacerdócio, mas do sacerdócio de Jesus, que no Novo Testamento se mostra fundamentalmente distinto. No Novo Testamento não se aplica a palavra "sacerdote" a ninguém individualmente (exceto a Jesus), mas é referida coletivamente ao Povo de Deus. Jesus mesmo não é interpretado no Novo Testamento a partir de categorias cultuais e sacerdotais, mas de modo lato. Os ministérios na igreja nascente são designados por palavras tomadas do vocabulário civil não sacral: presbíteros (ancião), apóstolos (enviado), epis173 kopos (supervisor), ekklesia (assembléia)... O Novo Testamento mostra explicitamente que Jesus marca a superação do antigo sacerdócio e a inauguração de um novo. Toda a participação no sacerdócio de Jesus será uma participação nessa radical novidade de sua missão, de sua causa, de seu serviço ao Reino.,. 3. Ao longo da história, também no sacerdócio cristão da igreja acrescentaram-se múltiplas aderências procedentes não do sacerdócio cristão, mas do sacerdócio pagão. O sacerdócio tornou a cair em uma separação sacralizada com respeito ao povo, em uma elevação social e em um fechamento em si mesmo como casta poderosa, em um protagonismo clerical absorvente, sufocador de outras energias e possibilidades eclesiais etc. O Concilio convida a voltar à fonte, que é o próprio Jesus. 4. O Concilio arrola numerosas pautas para ressituar o ministério sacerdotal em um horizonte de renovação dentro do contexto de Povo de Deus: superação de um posicionamento estritamente vertical-hierárquico, encarnação no mundo, primazia do serviço da Palavra no anúncio evangélico, adoção de um novo relacionamento com os leigos, concretização e adaptação da pregação às circunstâncias concretas em que o homem e a comunidade de hoje vivem, articulação com os demais ministérios eclesiais renovados, revitalização dos recursos para a vida espiritual dos sacerdotes etc. Exame — Que resquícios de concepção paga, não-cristã, quem sabe mágica existem em nossa concepção de sacerdócio? — Ainda existe algo de "casta sacerdotal", de separação entre sacerdotes e povo? — Que gestos de clericalismo sobrevivem ainda na igreja? 174 — Continuamos ainda falando "das vocações" para nos referir às vocações ao sacerdócio ou à vida religiosa, como se as outras vocações (de leigo, do matrimônio, de outros ministérios. . .) fossem menos "vocação" ou menos importantes diante de Deus? — Apoiamos o sacerdote? Exigimos dele um ministério mais concreto, mais comprometido? Damos apoio a eles em nossa comunidade? Conversão — Tomar iniciativas para que em nossa comunidade cristã os jovens façam o discernimento de sua vocação, qualquer que seja ela, a partir de uma perspectiva cristã. — Favorecer em nossa comunidade o estudo do tema do sacerdócio e dos ministérios. — Converter a "dignidade" sacerdotal a colocações mais evangélicas e de serviço. — Tomar consciência em nossa comunidade da relação que temos com os sacerdotes que nos servem: acompanhá-los, apoiá-los e exigir deles... — Viver em cada uma de nossas famílias um ambiente que torne possível em nossos filhos um posicionamento verdadeiramente evangélico de sua vocação cristã. — Tomar iniciativas em nossa comunidade para superar todo resquício de clericalismo, marginalização do leigo, ausência de ministério e animadores etc. 175 Preces — Por todos os que entregam a vida a serviço da comunidade. — Para que os jovens se posicionem cristãmente em sua vocação, para além dos critérios de nossa sociedade consumista. — Para que os sacerdotes se entreguem em tempo integral pela causa do serviço ao Evangelho. — Pelos sacerdotes que abandonaram o ministério, e pelos muitos que desejam retornar a ele. — Para que floresça cada vez mais a participação e os ministérios nas comunidades cristãs. 29 RELIGIOSOS NO SEGUIMENTO DE JESUS Textos conciliares LG 44: Existem cristãos que fazem uma total consagração de si mesmos a serviço de Deus e a sua glória por título novo e especial. Nasce daí o dever de trabalhar para que o Reino de Cristo se estabeleça e se consolide. A profissão dos conselhos evangélicos aparece como um símbolo que pode e deve atrair eficazmente os membros da igreja. Esse estado imita mais de perto o gênero de vida que o Filho de Deus tomou. LG 46: Cuidem os religiosos para que, por seu meio, a igreja manifeste Cristo cada vez melhor. Os conselhos evangélicos contribuem para a purificação do coração e da liberdade espiritual . . . e assemelhem mais o cristão com o gênero de vida virginal e pobre que Jesus escolheu para si. PC 1: Já desde os primeiros tempos houve homens e mulheres que levaram, cada um a sua maneira, uma vida consagrada. PC 2: A adequada renovação da vida religiosa compreende, por sua vez, um retorno constante às fontes e a adaptação às condições dos tempos. É preciso manter como regra su- Oração Deus, nosso Pai, que em Jesus nos entregaste o verdadeiro e o supremo sacerdote. Faze com que sempre busquemos por sua mediação o teu rosto, e que sejamos para nossos irmãos caminho que os conduza para ti por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. 176 177 PC 5: PC 8: PC 9: PC 12-15: prema o seguimento de Jesus tal como se propõe no Evangelho. Elementos comuns a todas as formas de vida religiosa. Os carismas. Cada família religiosa tem dons diferentes segundo a graça que lhe foi dada. Os conventos devem ser viveiros de edificação do povo cristão. Castidade, pobreza, obediência e vida comum. A Palavra de Deus — Lc 18,18-30: Convite ao jovem rico. — Lc 7,18-23: Os sinais de autenticidade evangélica. — Mt 16,24-27: Condições para o seguimento. — Lc 10,38-42: Marta e Maria. — Mt 10,37-39: Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á. — ICor 12,4-30: Unidade e variedade de carismas. — Ef 4,17-5,2: O homem novo. Questões para o diálogo — Na verdade existem monges, bonzos, eremitas, ascetas não-cristãos,.. "religiosos" também em outras religiões, antes e fora do cristianismo. Como definiríamos a vida religiosa enquanto realidade supracristã, como experiência religiosa comum? — Qual seria o especificamente cristão da vida religiosa cristã? — Em que fatos e palavras de Jesus o fundamentamos? 178 — Um tipo de religiosos ou monges no tempo de Jesus foram os essênios, que viviam em Qumrã. Jesus não se tornou "essênio". Que pode significar esse fato para a vida religiosa cristã? — Diz-se que a vida religiosa é — entre outras coisas — sinal escatológico. Que isso pode significar? Em que isso pôde mudar no conjunto da visão religiosa moderna? Sob que condições isso será real hoje em dia? — Consagrar-se total e unicamente a Deus. .. Pode isso implicar consagrar-se a menos ao amor dos homens? Existe alguma forma de separação entre Deus e homem, entre céu e terra, igreja e mundo, mundo espiritual e mundo profano, as coisas de Deus e as preocupações do mundo? Reflexão 1. Considerada em si mesma, a vida religiosa é uma realidade supracristã, isto é, existia mesmo antes do cristianismo e continua existindo também fora do cristianismo. Isto nos faz pensar que a vida religiosa tem uma entidade genérica religiosa antes de qualquer concretização confessional. Qual seria essa entidade? O que seria aquilo que, em qualquer religião do mundo, vivem os religiosos? A vida religiosa, como estrutura antropológica-religiosa universal, seria a radicalização da experiência religiosa que alguns homens e mulheres carismáticos cumprem até ao ponto de convertê-la no centro de sua opção fundamental e de seu projeto vital. Nesse sentido, Jesus não foi o fundador da vida religiosa no mundo, mas foi, nesse mesmo sentido, um dos maiores religiosos do mundo. 2. Outra coisa é a forma concreta de que se reveste a vida religiosa nas diferentes religiões. Essa forma concreta que adota a vida religiosa dependerá, em cada caso, da imagem de Deus que cada religião tem. Assim, a imagem clássica de Deus nas diversas religiões 179 deu origem a uma vida religiosa marcada pela separação do mundo, pelo puritanismo, pelo legalismo, pela consciência de superioridade, pelo desprezo do mundo etc. Jesus também conheceu uma forma de vida religiosa semelhante, fruto da imagem de Deus do Antigo Testamento, tal como a viviam os essênios de Qumrã. E Jesus não se fez "religioso essênio" porque tinha outra idéia de Deus, uma idéia original, incompatível com aquela forma de vida religiosa dos essênios. Por isso, Jesus foi um religioso de forma absolutamente original, incompatível com a forma clássica existente em seu ambiente. 3. Desde o primeiro momento houve na história da igreja homens e mulheres que, levados pela radicalização de sua experiência religiosa, quiseram seguir Jesus em sua experiência religiosa fundamental, levando esse seguimento a incluir em si mesmos a reprodução mais próxima possível do projeto existencial e vital de Jesus. Assim foi, sem estruturas nem outras influências, a vida religiosa presente desde o começo mesmo do cristianismo. Todavia a história, com toda a sucessiva carga de influxos culturais, filosóficos e religioso-pagãos, foi se encarregando de introduzir na vida religiosa cristã não poucos traços clássicos da vida religiosa não-cristã: verticalismo (estabelecendo uma contraposição entre Deus e o homem, entre o céu e a terra. . . ) , legalismo (obscurecendo o seguimento do Evangelho com uma multidão de prescrições e regras), consciência de superioridade (ao se considerar como estado de perfeição), esquecimento da encarnação (separação, "fuga mundi", desprezo pelo mundo) etc. Tudo isso significa que nem tudo o que configura, de fato, a vida religiosa na igreja é, sem mais, cristão. É preciso proceder com um atento discernimento. 4. Também na vida religiosa cristã (UR 6) a renovação consiste em voltar à sua vocação original. A origem e a fonte da vida religiosa cristã é Jesus: sua 180 causa — o Reino de Deus —, sua radicalidade até a morte, sua encarnação, sua pobreza, sua palavra, suas obras, sua v i d a . . . a revelação de que é portador, a imagem de Deus que nos manifesta. Por isso diz o Concilio que "o seguimento de Jesus tal como o Evangelho propõe deve ser tido por todos os institutos como regra suprema" (PC 2). Esta é a renovação fundamental que o Concilio pede à vida religiosa. Exame — Os religiosos de hoje têm o Evangelho e o seguimento de Jesus como norma suprema? E m que o percebemos? — A vida religiosa continua a dinâmica da encarnação no mundo que Jesus seguiu, como fermento, ou continua alheia ao mundo, separada dele, evitando-o? Apresentar dados concretos e detalhes. — A vida religiosa realmente libera para poder seguir melhor Jesus e lutar por sua causa? — Os religiosos dão exemplo de radicalidade na construção do Reino de Deus e, portanto, também na luta pela justiça, pela defesa dos direitos humanos, dos pobres, da liberdade... a partir de seu peculiar estado de vida? — Fazem valer seu carisma profético diante do mundo e dentro da igreja? — Damos valor à existência da vida religiosa além das instituições existentes? — Que podemos nós, leigos e religiosos, fazer pela vida religiosa? Conversão — Damos suficiente apoio aos religiosos, exigindo deles um testemunho mais comprometido, atual, moderno, realista? 181 — Damos apoio ao fato de que já não são possíveis comunidades religiosas fechadas em seus próprios hábitos, em "suas obras próprias", sem encarnação real nas comunidades cristãs e na pastoral de conjunto? — Sentimo-nos todos co-responsáveis pela vida religiosa na igreja? — Fazemos com que os institutos e as instituições dos religiosos se coloquem verdadeiramente a serviço do povo, dos leigos, da renovação eclesial? o testemunho desses homens e mulheres radicais; jamais faltaram a denúncia de sua profecia, a fortaleza de sua luta, a confiança de sua esperança, a paixão de seu amor à utopia. Com firme confiança, cremos que, por caminhos sempre novos, jamais deixarás que faltem os religiosos em tua igreja e no mundo. Por nosso Senhor Jesus Cristo. Preces — Pelas novas formas de radicalismo evangélico que aparecem na igreja, para que as ajudemos a nascer e a crescer. — Pelas comunidades religiosas que se puseram ao ritmo de uma profunda renovação evangélica, para que encontrem a compreensão de todos. — Pelos religiosos e religiosas de clausura. — Por todos aqueles que abandonaram a vida religiosa. — Por todos os jovens que se sentem chamados para o seguimento de Jesus, para que jamais vejam seu chamado sufocado pelas estruturas ou pelas instituições. — Pelos grupos religiosos que se fecham à renovação. Oração Deus, nosso Pai, em todos os povos e religiões suscitaste homens e mulheres que viveram na radicalidade a experiência de tua presença, e em Jesus nos chamaste à perfeição, a uma entrega perfeita e radical pela causa do "Reino. Nós te damos graças porque ao longo da história jamais faltou 182 183 APÊNDICE TEXTOS DE TRABALHO 1. U m a igreja vazia de mistério? "A única igreja verdadeira é a comunidade de homens reunida pela profissão da mesma fé cristã, pela comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos legítimos pastores, principalmente do único vigário de Cristo na terra, o romano pontífice". (São Roberto Belarmino, Controversiae, tomo II: Prima controvérsia generalis, lib. I I I : De Ecclesia militante, cap. II: De definitione Ecclesiae). Nesta descrição da verdadeira igreja de Cristo várias coisas nos chamam a atenção: Toda a atenção está centrada na igreja invisível. Por esse motivo, Belarmino se preocupa sobremaneira em descrevê-la exclusivamente a partir de seus elementos externos: profissão externa da fé, participação nos sacramentos, organização externa de governo e submissão externa a esta organização. Uma igreja "tão visível e palpável como a sociedade do povo romano, ou o reino da França, ou a república de Veneza". A partir desse pressuposto é fácil, pois, determinar quem pertence à igreja e quem está fora dela. Todos os que, no plano exterior, coincidem na profissão da verdadeira fé, participam dos mesmos sacramentos, e vivem submetidos aos legítimos pastores, estão dentro da igreja. Todos os demais estão fora. E m conseqüência disso, pode-se estar dentro da igreja sem possuir virtude cristã alguma, mesmo sendo herege, enquanto se trata de um herege oculto. Pensar o contrário é, para Belarmino, cair necessariamente na igreja invisível de Lutero. Por isso existe uma grande preocupação de acrescentar a sua anterior descrição da verdadeira igreja: "Todas as demais definições requerem virtudes internas para alguém se constituir em igreja, e, conseqüentemente, dirão que a verdadeira igreja é invisível". Esse erro deve ser evitado a todo o custo, e somente quando ele for evitado se estará descrevendo a verdadeira igreja de Cristo, onde se praticam as verdadeiras virtudes. "Contudo, 184 não cremos que, para que alguém possa ser considerado como parte dessa verdadeira igreja, de que falam as Escrituras, requer-se dele virtude interior alguma. Bastam a profissão externa da fé e a comunhão dos sacramentos, perceptíveis pelos sentidos." Essa insistência na visibilidade da igreja, para os fins que Belarmino persegue, traz necessariamente duas conseqüências: exclusão de toda a interioridade na noção de igreja; redução da parte visível da igreja às categorias vigentes nas sociedades humanas. (Rufino Velasco, La eclesiologia em su historia, Valença, 1976, 213-215). 2. O próprio Deus obedece aos bispos " . . . Por isso, Pai, eu quisera em nome de todos, se mo permite, ajoelhar-me diante de vós, e todos estes irmãos comigo, como u m pequeno gesto de adesão completa a Pedro. Porque eu, Pai, lhes disse uma coisa: através de minha experiência em tantas nações e através dos sofrimentos que padeci, entendi que Deus obedece aos bispos. E como eu e todos nós não ousaríamos obedecê-los?" (Discurso de Kiko Argüello perante João Paulo II, na Audiência Privada concedida aos catequistas itinerantes das Comunidades Neocatecumenais na Sala Clementina, no dia 7 de janeiro de 1982). Eclesiologia como "hierarcologia" (A eclesiologia pré-conciliar tendia a ver a igreja) "como uma máquina de mediação hierárquica, dos poderes e do primado da sede romana, em uma palavra, 'hierarcologia'. De outro lado, os dois termos entre os quais a mediação ocorreu, o Espírito Santo de um lado e o povo crente ou o sujeito religioso do outro, permaneceram fora da consideração eclesiológica". (Y. M. Congar, Lay People in the Church, Md. Newman, 1965, 45). 3. Etnocentrismo contra catolicidade "Quando o africano se torna cristão, não renega a si mesmo mas recobra em espírito e verdade os antigos valores da tradição. Além disso, nós — europeus, ocidentais, da igreja latina, do rito romano — nós, que cantávamos aos acordes do órgão e rezávamos de joelhos e em santo silêncio, nós, que éramos incapazes de imaginar uma dança sagrada ao som dos tambo- 185 Uma comunidade de desiguais res..., pretendíamos que o africano, pelo simples fato de habi tar ao nosso lado, adotasse uma mentalidade européia e ocidental, se integrasse à igreja latina, rezasse segundo o rito romano, cantasse aos acordes e ao solene ritmo do órgão e abandonasse o batuque, o rito, a dança e a oração em movimento. Era o etnocentrismo total e orgulhoso dos europeus e da igreja que procedia da Europa". (B. Kloppenburg, "Ensaio de uma nova posição" in Revista Eclesiástica Brasileira, 28, 1968, 410). "A igreja, entretanto, não é uma comunidade de iguais na qual todos os crentes tiveram os mesmos direitos. Antes, é uma sociedade de desiguais, não somente porque entre os crentes uns são clérigos e outros leigos, mas especialmente porque na igreja reside o poder que vem de Deus pelo qual é dado a uns santificar, ensinar e governar, e a outros, não". (Concilio Vaticano I, NR, 369). "Te demos por mensagem cultura forasteira" Deixar-se conduzir documente "(Indígenas): Eu adorava a Deus!... (Todos): E nós te missionamos infiéis ao Evangelho, cravando em tua vida a espada de uma Cruz. Sinos de Boa-nova num dobre de finados! Infiéis ao Evangelho, do Verbo Encarnado, te demos por mensagem cultura forasteira. Quando nós te ferramos com um Batismo imposto, marca de humano gado, blasfêmia do Batismo, violação da Graça e negação de Cristo." (P. Casaldáliga e P. Tierra, Missa da terra sem males, Rio de Janeiro, Tempo e Presença, 1980, 44-45). 4. A posição do leigo na igreja "Um catecúmeno perguntou a um sacerdote católico qual era a posição do leigo na igreja. A posição do leigo em nossa igreja — respondeu o sacerdote — é dupla: a primeira é pôr-sa de joelhos diante do altar; a segunda, sentar-se frente ao púlpito. O cardeal Gasquet acrescenta: 'Falta ainda uma terceira que foi esquecida: pôr a mão no bolso para tirar a carteira de dinheiro...' " (Y. M. Congar, Jalones para uma teologia dei laicato, Barcelona, 3.a edição, 1963, p. 7). 186 "Somente na hierarquia residem o direito e a autoridade necessários para promover e dirigir todos os membros ao fim da sociedade. Quanto ao povo, este não tem outro direito do que o de se deixar conduzir documente pelos seus pastores." (Pio X, Vehementer Nos 8, 1906). 5. Orações litúrgicas • Nós te pedimos, Deus onipotente, que dignastes conceder-nos os dons celestes, pela intercessão de teus santos Cirilo e Metódio, conceda-nos desprezar as coisas terrenas. Por nosso Senhor Jesus Cristo. (Oração pós-comunhão da missa de são Cirilo e são Metódio, antes da reforma conciliar). « . . . Porque, reputando cheios de fel os gozos do mundo e os doces atrativos dos prazeres, alcançou os gozos celestiais. (Hino da Véspera do comum dos mártires). • ... Os laços de teu corpo santifiçado já foram desatados: livra-nos das amarras do mundo, com a graça de Deus eterno. (Hino de Laudes do comum dos mártires). • ... Ó nome isento (Hino Jesus, rei benigno dos céus, os seguidores de teu menosprezaram este mundo, vazio de frutos e de flores. das vésperas do comum dos mártires). « . . . Por haver desprezado em seu coração os gozos perecíveis deste mundo, goza agora, entre os anjos, o prêmio da eternidade. (Hino de Laudes do comum dos confessores e pontífices). 187 « . . . Por haver reputado vãos os gozos da terra, e cheios de miséria os bens da fortuna, possui agora, triunfante, os bens dos céus. (Hino de Landes do comum de confessor não-pontífice). • . . . Inflamada de santo amor, aborrecendo o falso amor do mundo, percorreu a áspera senda que conduz ao céu. Por haver mortificado o corpo com jejuns, e alimentado a sua alma com o doce manjar da oração, goza agora as delícias do céu. (Hino de Landes do comum dos santos não-mártires). Os santos de D e u s . . . não atenderam ao que agradava à carne, nem ao que brilhava no tempo; toda sua esperança e intenção se dirigiam para os bens eternos. Todos os seus desejos convergiam para o alto, para as coisas invisíveis e perenes. Vaidade atender somente à vida presente, sem prever as coisas futuras. Vaidade amar o que tão depressa passa e não buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura. Oh! que paz e grande sossego alcançaria quem se libertasse dos vãos cuidados, ocupando-se unicamente das coisas salutares e divinas." (Tomás de Kêmpis, Imitação 22,4; I, 1,4; I, 20,4). de Cristo, II, 5,3; I, 17,2; I, Citações dos críticos do cristianismo "Que o monge seja como Melquisedeque, sem pai, sem mãe, sem genealogia, e a ninguém chame de 'pai' nesta terra. Mas que pense de si próprio como se somente ele e Deus existissem'' (pseudo-Bernardo). "É difícil e até impossível desfrutar ao mesmo tempo os bens atuais e os bens futuros" (Jerônimo). "És demasiado ambicioso, irmão, se queres primeiro gozar neste mundo e depois reinar com Cristo" (Jerônimo). "Vós quereis tê-lo inteiramente: Deus e a criatura, e isto é impossível. O prazer divino e o prazer terreno não podem andar juntos" (Tauler). (Todas as citações são de Ludwig Peuerbach in La esencia dei cristianismo, Buenos Aires, 1963, 265 e 133). 6. M e d i t a ç ã o d o i n f e r n o "Verei, com os olhos da imaginação, o comprimento, a largura e a profundidade do i n f e r n o . . . Verei, com os olhos da imaginação, os grandes fogos e as almas como que em corpos incandescentes... Escutarei, com os ouvidos, prantos, alaridos, gritos, blasfêmias contra Cristo e contra nosso Senhor e contra todos os seus s a n t o s . . . Sentirei, com o olfato, o cheiro de fumo, enxofre, imundície e p o d r i d ã o . . . Procurarei com o gosto saborear coisas amargas, assim como lágrimas, tristezas e o remorso da consciência... Tocarei com o sentido do tato essas chamas, sentindo como elas envolvem e abrasam as almas." (Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 65-70). Dualismo irreconciliável entre céu e terra "A alma que ama a Deus tudo despreza por ele. Quem procura outra coisa fora de Deus e da salvação de sua alma, achará somente dor e tribulação. 188 7. A t i t u d e s e r r ô n e a s n o c u l t o a M a r i a "Cremos oportuno chamar a atenção sobre algumas atitudes cultuais errôneas. O Concilio Vaticano II denunciou, de maneira autorizada, seja o exagero de conteúdos ou de formas que chegam a falsear a doutrina, seja a estreiteza de mente que obscurece a figura e a missão de Maria. Denunciou também certos desvios cultuais: a credulidade vã que substitui o empenho sério pela fácil aplicação de práticas externas somente; o estéril e passageiro movimento do sentimento, tão alheio ao estilo do Evangelho que exige obras perseverantes e ativas. Reiteramos esta deploração: não estão em harmonia com a fé católica e, conseqüentemente, não devem subsistir no culto católico. A defesa vigilante contra tais erros e desvios tornará mais sólido e genuíno o culto à Virgem: sólido em seu fundamento, pelo qual o estudo das fontes reveladas e a atenção para com os documentos do magistério prevalecerão sobre a desmesurada busca de novidades ou de fatos extraordinários; objetiva no enquadramento histórico, pelo qual deverá ser eliminado tudo aquilo que é manifestamente lendário ou falso; adaptado ao conteúdo doutrinai, daí a necessidade de evitar apresentações unilaterais da figura de Maria que, insistindo excessivamente sobre um elemento, comprometem o conjunto da imagem evangélica; límpida em suas motivações, pelo qual se tenderá cuidadosamente longe do santuário todo interesse mesquinho." (Paulo VI, Marialis cultus, 38). 8. A t e o l o g i a p r é - c o n c i l i a r , a l h e i a a o m u n d o moderno "O Dictionnaire de théologie catholique é uma colossal obra coletiva constituída de 15 volumes e 41.338 colunas, redigida de 1930 a 1950 e destinada a proporcionar uma exposição completa do pensamento doutrinai da igreja católica. Segundo o seu dire- 189 tor, 'abrange todas as questões que interessam ao teólogo'. Que encontramos ali? Em profession, encontramos um artigo sobre 'profissão de fé'. E m métier (ofício, nada. E m travail (trabalho), nada. E m profane, nada. E m paternité, nada. E m maternité, nada. E m femme (mulher), nada. E m amour, um terço de coluna assim distribuído: amor de Deus, cf. charité; amor do próximo, cf. charité; amor próprio, algumas poucas linhas que remetem a ambition; amor puro, cf. charité; mas sobre o amor humano propriamente dito, nada consta. Amitié, nada. Bonheur (felicidade), um terço de coluna que nos remete à palavra béatitude. Vie (vida), um artigo sobre a 'vida eterna'. Corps (corpo), um a r t i g o . . . sobre os corpos gloriosos (!). Sexe, nada. Plaisir (prazer), nada. Joie (alegria), nada. Souffrance, nada. Maladie (enfermidade), um artigo que se inicia com estas palavras: 'Neste título agrupamos diversos casos de extensão da lei que supõe para os enfermos o seu mau estado de saúde' (!). Mal, vinte e cinco colunas. Economie, nada. Politique, nada. Pouvoir (poder): finalmente, um longo artigo de 103 colunas s o b r e . . . 'o poder do papa na ordem temporal' (!). Technique, nada. Science: novamente u m longo artigo dividido em quatro pontos: ciência sagrada, ciência de Deus, ciência dos anjos e das almas separadas, ciência de C r i s t o . . . ; entretanto, do que chamamos ciência, nada. Art (arte): um longo artigo s o b r e . . . a arte cristã primitiva. Beauté (beleza), nada. Valeur (valor), nada. Personne, uma linha: cf. hypostase (!). Histoire, nada. Terre, nada. Monde (mundo) nada. Laicat, nada mais que u m artigo sobre o laicismo, para estigmatizá-lo como uma heresia (!). Por conseguinte, do Dictionnaire de théologie catholique está praticamente ausente um discurso teológico organizado sobre as realidades terrenas". (Ph. Roqueplo, Experiência Salamanca, 1968, p. 19-21). dei mundo, experiência de Dios7, frutos da terra não germinarem e os arbustos secarem em contato com e l e . . . e se os cachorros o comerem são afetados de cólera." (Inocêncio III, De contemptu munãi). A mortificação exterior "As penitências exteriores praticam-se por três motivos principais: o primeiro, para satisfazer pelos pecados passados; o segundo, para vencer-se a si mesmo, isto é, para obrigar a sensualidade a obedecer à razão, e todas as tendências inferiores estarem mais sujeitas às superiores; o terceiro, para solicitar e obter de Deus alguma graça ou dom que a pessoa quer e deseja, por exemplo, a de sentir contrição íntima pelos seus pecados, de os chorar amargamente, de derramar lágrimas pelas penas e dores que Cristo nosso Senhor padeceu na sua paixão, ou enfim para achar a solução de alguma dúvida em que se encontre." (Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 87). O terceiro grau de humildade "O terceiro grau de humildade é o mais perfeito. Inclui os dois primeiros e consiste no seguinte: sendo igual o louvor e a glória da divina Majestade, para imitar e parecer-me mais atualmente com Cristo, eu quero e escolho, em vez de riqueza, mais pobreza com Cristo; em vez de honras, injúrias com Cristo; e desejo mais ser tomado como ignorante e louco por Cristo, que por primeiro foi tratado assim, do que ser tido por sábio ou prudente neste mundo." (Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 167). A religião é a Reconciliação c o m o mundo moderno "Romanus Pontifex potest ac debet cum progressu, cum liberalismo et cum recenti civilitate sese reconciliare et componere." (O Romano Pontífice pode e deve reconciliar-se e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna.) (Proposição condenada 9. D e s p r e z o d o pelo "Syllabus" de Pio IX, 1864). homem "O h o m e m . . . formado de asquerosíssimo sêmen, concebido com a insipidez da carne, nutrido com o sangue menstrual, do qual se afirma ser tão detestável e imundo a ponto de os 190 profundidade "Ser religioso significa perguntar apaixonadamente pelo sentido de nossa vida e estar aberto a uma resposta, mesmo quando ela nos faz vacilar profundamente. Uma concepção deste tipo faz da religião algo universalmente humano, se bem que isto derive do que ordinariamente se entende por religião. Religião como dimensão de profundidade não é a fé na existência de certos deuses, nem sequer na existência de um só Deus. Não consiste em atualizações ou atitudes nas quais se manifesta a vinculação do homem com o seu deus. Ninguém pode discutir: neste sentido, as religiões históricas são, com efeito, "religião". Porém a verdadeira essência da religião diz muito mais do que a religião tomada no sentido mencionado; é o ser mesmo do 191 homem enquanto se coloca em jogo o sentido de sua vida e da existência de modo geral. A religião é a substância, o fundamento e a profundidade da vida do espírito humano. Esta é a dimensão religiosa do espírito humano. Fé é o ser apreendido por algo que nos toca incondicionalmente, e Deus é o nome cujo conteúdo consiste nisso que nos toca incondicionalmente." (Paul Tillich, La dimensión perdida, Bilbao, 1970, p. 13, 32, 63). 10. Individualismo religioso "Onde estás, quando não estás presente a ti mesmo? E, se descurando de ti, percorres todas as coisas, de que te aproveitará? Se queres gozar verdadeira paz e concórdia, volta as costas a tudo, tendo somente a ti debaixo dos olhos. Não é necessário que respondas pelos outros; somente de ti deveras dar conta." (Tomás de Kêmpis, Imitação de Cristo, II, 5,2; II, 24,1). "Evita, quanto possível, do bulício do mundo; porque, por mais reta que seja a intenção, é sempre inconveniente tratar de coisas m u n d a n a s . . . Quisera eu, muitas vezes, ter calado e não me haver achado entre os homens. Disse alguém: 'Sempre que estive entre os homens menos homem voltei'. É o que experimentamos, amiúde, depois de prolongadas palestras. Aquele que se aparta de conhecidos e amigos, desse se aproxima Deus com os seus santos a n j o s . . . Merece louvor o religioso que sai raramente, foge de ver os homens e deles ser visto." (Tomás de Kêmpis, Imitação de Cristo, I, 10,1; I, 20,2; I, 20,6). 11. A atividade h u m a n a vale s o m e n t e t e n ç ã o " c o m q u e é feita pela "reta in- "Amigo, para revalorizar o trabalho humano, que a perspectiva e a ascética cristãs parecem desprezar, deves injetar-lhe a substância maravilhosa da boa vontade. Purifique as tuas intenções, e então a menor de tuas ações encontrar-se-á saturada de Deus. Sem dúvida, a materialidade de teus atos não têm valor definitivo algum. O fato de os homens descobrirem, mais ou menos uma verdade ou um fenômeno, que façam ou não boa música ou belas esculturas, que sua organização terrestre esteja mais ou menos alcançada, tudo isto carece diretamente de 192 importância para o céu. Nada, com efeito, de quanto toca estas criações ou estas descobertas formará parte das pedras com que está construída a nova Jerusalém. Todavia, o que ali constará, o que permanecerá sempre, é ter agido de conformidade com a vontade de Deus. Deus não precisa, em absoluto, é evidente, de nenhum dos produtos de tua industriosa atividade, visto que tudo pode ter sem ti. O que exclusivamente interessa a Deus e, evidentemente, deseja intensamente, é que se faça um uso fiel da liberdade e que a ele se dê preferência sobre todos os objetos que nos rodeiam. É preciso compreender bem isto: as coisas sobre a terra não te foram dadas a não ser como uma matéria. Isto para que te exercites com ela, com a qual é preciso que faças espírito e coração como sobre uma tabula rasa. Tu te encontras em campo de prova, no qual Deus pode julgar se és apto ou não para ser levado ao céu, à sua presença. Estamos em um período de provação. Portanto, pouco importa o valor como também não importa o que será feito dos frutos da terra. O problema está em saber se te serviste deles para aprender a obedecer e a amar. Não te apegues, pois, ao grosseiro envoltório das obras humanas. Não é senão palha, combustível, ou frágil barro. Pensa, ao contrário, que em cada um destes humildes vasos é possível trasvasar, como se fosse seiva ou um precioso licor, o espírito de docilidade e de união com Deus. Se os fins terrestres em si mesmos nada valem, podem ser, entretanto, objeto de amor, visto que oferecem a ocasião de dar provas de tua fidelidade ao Senhor." (Teilhard de Chardin, O meio divino, Ed. Cultrix, São Paulo. Palavras que o Autor coloca na boca do "diretor espiritual clássico"). 12. O poder material submetido ao poder espiritual "Por força da fé, obrigados a crer e a manter a existência de uma única e santa igreja católica e apostólica, e nós firmemente o cremos e simplesmente o confessamos, e fora dela não há salvação nem perdão dos p e c a d o s . . . Somos instruídos pelas palavras do evangelho de que, nesta e em sua potestade, há duas espadas: a espada espiritual e a espada t e m p o r a l . . . Tanto uma como a outra estão na potestade da igreja, a espada espiritual e a material. A espada material, entretanto, deve esgrimir-se a favor da igreja: a espada espiritual, pela igreja mesma. Uma pela mão do sacerdote, a outra pela mão do rei e dos soldados, se bem que com a indicação e consentimento do sacerdote. Porém, é preciso que a 193 espada esteja submetida à espada e que a autoridade temporal se submeta à autoridade espiritual... Que a potestade espiritual ultrapasse em dignidade e nobreza qualquer potestade terrena é coisa que devemos confessar com tanto mais clareza quanto ultrapasse o espiritual ao temporal... Porque, segundo atesta a verdade, a potestade espiritual tem que instituir a potestade temporal, e julgar se ela não for boa... Por isso, se a potestade terrena se desvia, será julgada pela potestade espiritual; se se desvia a espiritual inferior, por sua superior; mas se a suprema se desviar, por Deus somente, não pelo homem, poderá ser julgada... Esta potestade espiritual, mesmo que confiada a um homem e exercida por um homem, não é humana, mas, com maior razão, divina, pois por boca divina foi confiada a Pedro, e nele e em seus sucessores confirmada naquele a quem confessou, e por isso foi pedra, quando o próprio Senhor disse a Pedro: 'Tudo o que ligares...' etc. Submeter-se ao Romano Pontífice, nós o declaramos, afirmamo-lo, definimos e proclamamos como necessário para a salvação de toda a criatura humana". (Bonifácio VIII, Bula unam sanctam, 1302). A excomunhão de Pedro III de Aragão (1283) "Achamos oportuna que uma sentença vingadoura atinja o mencionado Pedro, descendente dos reis de Aragão, e a sua desmedida ousadia. Por isso, ao mesmo tempo em que declaramos livre o reino de Aragão e demais terras deste rei, conforme o conselho de seus irmãos, segundo mostra a continuação, privamos por sentença a este Pedro, rei de Aragão, por assim exigir a justiça, de seu reino, terra e honra real e, despojando-o deles, oferecemo-los à ocupação dos católicos ( . . . ) . A seus vassalos, aos quais já absolvemos do juramento de fidelidade pelo qual pudessem estar a ele sujeitos, nós os declaramos completamente livres e os eximimos mais uma vez expressamente dele e de qualquer vínculo de fidelidade e homenagem. Damos, pois, por nulos com pleno poder uniões, pactos, alianças, acordos e quanto tenha podido existir, dispensamos por completo dos juramentos prestados com tal motivo e das penas impingidas a todos e a cada um daqueles que se obrigaram solenemente a observá-los. E de um modo muito especial proibimos expressamente que os arcebispos, bispos e demais eclesiásticos, condes, viscondes, barões, vizinhos e moradores acima citados do reino è das terras de Aragão: tenham por rei o citado Pedro, rei que foi de Aragão. Todos ficam proibidos de lhe prestarem obediência e de lhe atenderem, em sua 194 pessoa ou na de quem o represente, em matéria de tributos, ajudas, dívidas por direitos real ou senhorio, ou procurem dar-lhe satisfação sob que pretexto for..." (Bullarim romanum IV, 64). Uma igreja a serviço dos homens "A igreja somente é igreja quando existe para os demais. Para dar um exemplo, deveria distribuir todos os seus bens aos pobres. O clero deveria viver exclusivamente do que livremente os membros de sua congregação lhe ofereçam, ou realizando por acaso alguma tarefa secular. A igreja deve participar dos problemas seculares da vida humana normal, não tentando dominar, mas ajudando e servindo." (D. Bonhoeffer, Cartas ãa prisão). 13. A religião, a tranqüilidade e a revolução "A liberdade religiosa é muito prejudicial para a liberdade verdadeira, tanto dos governantes como dos governos. A religião, ao contrário, é sumamente proveitosa para essa liberdade, porque coloca em Deus a origem primeira do poder e impõe com a máxima autoridade aos governos a obrigação de não esquecer os seus deveres, de não mandar com injustiça ou dureza e de governar os povos com benignidade e com um amor quase paterno. Por outro lado, a religião ordena que os cidadãos sejam submissos aos legítimos poderes como a re presentantes de Deus e os une aos governantes não somente por meio da obediência, mas também com um respeito amoroso, proibindo toda revolução e toda atividade que possa perturbar a ordem e a tranqüilidade pública." (Leão XIII, Libertas praestantissimum, 17, 1888). A religião, acima das turbulências políticas "É necessário separar também em nossa apreciação intelectual a religião da política, que são diferentes por sua própria natureza específica. Porque as questões políticas, por mais honestas e importantes que sejam, consideradas em si mesmas, não transcendem os limites desta vida terrena. Pelo contrário, a religião, nascida de Deus, refere a Deus todas as coisas, eleva-se muito mais alto, alcançando o céu. O que a religião deseja, a sua pretensão, é satisfazer a alma — que é a parte mais valiosa do homem — com o conhecimento e o amor de Deus e 195 conduzir, por um caminho seguro, o gênero humano à cidade futura, para a qual tendemos. Por esse motivo é certo consi derar a religião e tudo aquilo que se ligue a ela de um modo particular como realidades pertencentes a uma ordem superior. Donde segue-se que a religião, por ser o maior dos bens, deve permanecer sempre íntegra no meio das mudanças da vida humana e das mudanças políticas dos Estados. Isto porque a religião abrange todos os tempos e se estende a todos os territórios. E os filiados a partidos políticos contrários, mesmo que não se entendam em tudo o mais, é preciso que todos estejam de acordo neste ponto: que é preciso salvar no Estado a religião católica." (Leão XIII, Cum multa, 3, 1882). 14. As desigualdades sociais, algo natural e imutável "Saibam, além disso, que também cai dentro da natural e imutável condição das coisas humanas que, mesmo fora da ordem de uma autoridade superior, uns prevaleçam sobre outros, seja pelos diversos dotes de alma e de corpo, seja pelas riquezas ou por outros bens desta índole. E jamais, sob pretexto algum de liberdade ou de igualdade, pode-se ter como lícito invadir bens e ou direitos alheios ou violá-los de qualquer modo." (Pio IX, Nostis et nobiscum, 19, 1849). As desigualdades sociais, algo querido por Deus "A sociedade humana tal como Deus a estabeleceu compõe-se por elementos desiguais. Conseqüentemente, está de acordo com a ordem estabelecida por Deus que na sociedade humana existam príncipes e súditos, patrões e proletários, ricos e pobres, sábios e ignorantes, nobres e plebeus." (Pio X, Fin dalla nostra prima enciclica, 5, 1903). A verdadeira igualdade social "Finalmente, saibam os fiéis confiados aos vossos e aos nossos cuidados que a verdadeira e perfeita liberdade e igualdade entre os homens consiste na guarda da lei cristã, posto que Deus onipotente, que criou o humilde e o poderoso e para quem é igual o cuidado de todos (Sb 6,8), não deixará de fora ninguém nem temerá a grandeza de nada (ib.) e determinou o dia em que haverá de julgar o mundo inteiro em eqüidade (Hb 17,31)." (Pio IX, Nostis et nobiscum, 23, 1849). 196 "A igualdade dos diferentes membros sociais consiste somente no fato de que todos os homens têm sua origem em Deus Criador, que foram redimidos por Jesus Cristo e devem, à medida exata de seus méritos e deméritos, ser julgados e recompensados ou castigados por Deus." (Pio X, Fin dalla nostra prima enciclica, 5, 1903). 15. Abrir a Bíblia para o povo "O sol é comum e está exposto à vista de todos, do mesmo modo também a doutrina de Cristo. Não afasta em absoluto ninguém, a não ser que alguém se afaste por si mesmo, privando-se a si mesmo. Com efeito, não concordo, veementemente com os que não querem que a Sagrada Escritura, traduzida na língua do povo, seja lida pelos leigos, como se Cristo tivesse ensinado coisas tão intrincadas que apenas pudessem ser compreendidas por uns poucos teólogos, ou como se a defesa da religião cristã estivesse no fato de ser desconhecida. Talvez seja bastante conveniente que se guardem os segredos dos reis. Porém, Cristo deseja que seus segredos sejam divulgados o máximo possível. Quisera eu que todas as jovens lessem o evangelho e as epístolas de são Paulo. E oxalá houvesse traduções em todas .as línguas para que esses escritos pudessem ser lidos e conhecidos não somente pelos escoceses e irlandeses, mas também pelos turcos e sarracenos. O primeiro passo é, certamente, conhecê-los de alguma maneira... Oxalá o lavrador ao seu arado cantasse algum trecho tirado da Bíblia, e o tecelão entoasse alguma passagem sagrada junto ao seu tear; oxalá o peregrino aliviasse o tédio da viagem com papos deste tipo. Que todas as conversas dos cristãos partam desses textos sagrados, pois na verdade somos tais como são nossas conversas de cada dia. Que cada um chegue até onde possa e que cada um expresse o que possa... Por que limitamos a uns poucos uma profissão que é propriedade comum de todos? Pois já que o batismo é comum por igual a todos os cristãos e é a primeira profissão da fé cristã, e já que os outros sacramentos e, em último termo, o prêmio da imortalidade pertencem a todos igualmente, não é coerente que somente os dogmas devam ser relegados a esses poucos a que chamamos hoje de teólogos ou monges." (Erasmo de Rotterdam, Paraclesis, id est, aãhortatio ad Christianae phüosophiae studium, prólogo à edição do Novo Testamento, 1556). 197 16. Os três primeiros capítulos do Gênesis "Carecem de sólido fundamento os sistemas exegéticos excogitados para excluir o sentido literal histórico dos três primeiros capítulos do Gênesis. Não se pode dizer que não contenham narrativas de coisas acontecidas realmente, ou ainda mitos pagãos purgados do politeísmo, ou ainda símbolos apresentados como história, ou ainda lendas apenas parcialmente históricas compostas para a edificação. De modo especial, não se pode colocar em dúvida o sentido literal histórico naquilo que diz respeito a fatos que tocam os fundamentos da religião cristã, como são: a criação do universo, a peculiar criação do homem, a formação da mulher a partir do homem; a unidade do gênero humano, a felicidade original no estado de justiça, o preceito divino como prova, a transgressão sob a sugestão do diabo em figura de serpente, a queda do estado original, a promessa do futuro Reparador." (Pontifícia Comissão Bíblica, 1909; Denzinger 2121-2128, abreviado). Os motivos da encarnação " . . . Aqui recordarei as Três Pessoas divinas, lançando os olhos sobre toda a redondeza da terra cheia de homens, e vendo como todos se precipitavam no inferno, decretaram em sua eternidade que a segunda Pessoa da SS. Trindade se fizesse homem para salvar o gênero humano, e assim, chegada a plenitude dos tempos, o Arcanjo são Gabriel foi enviado a Nossa Senhora..." (Inácio de Loyola, Exercícios Espirituais, 102). 17. Nova visão teológica e litúrgica a partir do mistério pascal "De acordo com uma idéia bastante difundida, a ressurreição é um epílogo. O mistério representa-se por completo no Calvário, e o drama tem seu desfecho na sexta-feira santa na hora nona. A Páscoa dá-nos a conhecer os destinos do herói depois de sua grande aventura. Consumada sua obra, era necessário que o Filho de Deus retornasse à vida, 'porquanto não era possível que fosse dominado pela morte' (Hb 2,24). A Escritura não concebe deste modo a história de nossa redenção. Em tempo não muito distante de nós, a teologia dissertava sobre a redenção de Jesus Cristo sem mencionar sequer sua ressurreição. Os teólogos esmeravam-se em valorizar o alcance 198 apologético do fato da Páscoa, porém não pensavam em esquadrinhá-lo como um insondável mistério da salvação. Concebiam a obra redentora de Cristo consumada em sua encarnação, em sua vida e morte na cruz. Insistiam no caráter de reparação, de satisfação e de mérito desta vida e morte, e geralmente não passavam daí. Se às vezes mencionavam a ressurreição, não era tanto para situá-la no mistério de nossa salvação, como para mostrar nela o triunfo pessoal de Cristo sobre seus inimigos, e como uma espécie de desforra gloriosa sobre seus anos de humilhações redentoras. Em uma palavra, a ressurreição de Cristo ficava privada da significação profunda que os primeiros herdeiros do Evangelho tinham propugnado e relegado à periferia da economia de nossa restauração. Uma omissão tão sensível tinha de empobrecer a teologia da redenção. Na história da espiritualidade da igreja, o despertar da consciência sobre o mistério pascal será indubitavelmente o maior acontecimento de nosso tempo." (F. X. Durrwell, La resurrección de Jesus, mistério de salvación, Barcelona, 1967, p. 17, 11 e 12). 18. Condições para comungar " ( . . . ) A missa nasceu durante uma refeição. Comer juntos é sinal de amizade, de união, de festa. Come do mesmo prato quem é da família, é amigo, companheiro leal. Na missa todos comem do mesmo pão, no mesmo prato, bebem do mesmo vinho, no mesmo copo. O pão e o vinho são Jesus. Esta comida chama-se comunhão: união com Deus, nosso Pai; união com os irmãos, sinal de igualdade. Somente pode comer deste pão quem é companheiro de verdade: — quem sabe repartir com os outros aquilo que possui; — quem se compromete com os pobres e os fracos, como o fez Jesus; — Quem luta para que não falte o pão na mesa de ninguém, para que todos tenham justiça e liberdade. Não pode comungar quem somente se preocupa consigo mesmo, com seus negócios e interesses: — quem explora a classe trabalhadora; — quem força os outros a viver oprimidos; — quem persegue os outros e não valoriza os pobres e os fracos. 199 A mesa de Deus é a mesa dos pobres e oprimidos que lutam pela igualdade e pela justiça. Jesus sempre esteve do lado dos pobres e oprimidos e contra os exploradores e dominadores do povo, contra os que usavam a religião para seu proveito próprio. Por isso chamaram-no de agitador e subversivo e o mataram. A morte de Jesus, porém, não acabou com ele. Ele ressuscitou! Está vivo. A ressurreição de Jesus é a grande força dos cristãos, fonte de coragem e de esperança. É sinal e garantia da vitória e da libertação. O pão e o vinho na missa são sinal e recordação da morte de Jesus. O pão é o corpo vitimado. O vinho, o sangue derramado. É a presença de Jesus ressuscitado no meio da comunidade. Comer deste pão, beber deste vinho, compromete o cristão a lutar e a viver como Jesus, sem medo da perseguição, do sofrimento e até da morte. Participar da missa é unir todo trabalho, todo sofrimento, toda luta, toda morte, ao sofrimento e à morte de Jesus para serem transformados pela fé, pela união do povo, pela luta valente contra a exploração e a injustiça, na alegria e na festa da vitória, como a morte de Jesus se transforma em vida e em 'ressurreição'." (Prelazia de São Félix do Araguaia, Que é a missa? Vozes, Petrópolis, 1980). 19. A condenação da conquista da América "Que esta guerra seja injusta, isto se prova, em primeiro lugar, levando-se em conta que nenhuma guerra é justa se não existe alguma causa que justifique a sua declaração; isto significa que o povo contra o qual se move a guerra deve merecê-la por alguma injúria cometida contra o povo atacante. Ora, o povo infiel que vive em sua pátria, separada dos confins dos cristãos, e ao qual se decide atacar pela guerra sem razão alguma a não ser aquela de sujeitá-lo ao império dos cristãos, para que se disponha a receber a religião cristã e para que se tirem os impedimentos da fé —, não cometeu contra o povo cristão nenhuma injúria pela qual mereça ser atacado com a guerra; logo, esta guerra é i n j u s t a . . . Esta guerra é iníqua, e a razão é que prejudica a piedade referente a Deus. Prejudica-a diminuindo ou colocando obstáculos à própria piedade divina, ao culto e à honra divinas, que se acrescentaram com a dilação da fé e com a conversão dos gentios, a quem estes homens escandalizam, despedaçam e matam . . . É, finalmente, uma guerra tirânica. Primeiramente, porque é violenta e cruel e é feita sem haver culpa nem causa, como 200 obra própria de ladrões, salteadores e tiranos; porque não têm o direito de fazer as coisas tão profundamente injuriosas e nefandas que fazem, trazendo aos gentios as maiores doenças, angústias e calamidades, como se fossem, como de fato o são, uma ruína da maior parte do gênero humano. E m segundo lugar, porque antepõem sua própria utilidade particular e temporal, coisa que é própria dos tiranos, ao bem comum e universal, isto é, à honra divina e à salvação e vida espiritual e temporal de inumeráveis pessoas e povos. De onde se deduz que o principado adquirido com tal guerra é injusto, mau e tirânico, e está cheio de maldições de Deus." (Frei Bartolomeu de Las Casas, De único vocationis modo omnium gentium ad veram religionem, 1536-1537, cap. 7,2). Renovação da vocação missionária da igreja no Concilio "O 'estado de sítio' da igreja dos séculos XIX e XX até o Vaticano II — tempo em que se formou o modelo da 'restauração espiritual do barroco' — pôde defender artificialmente a segurança existencial do sacerdote, criando-se uns muros diante do espaço real da vida e do pensamento moderno. Entretanto, essa situação era incompatível com a essencial vocação missionária da igreja. Era preciso optar, porque a igreja se convertera em uma seita marginal, ou voltar a abrir o diálogo com a história em marcha. Esta foi a opção do Vaticano II. Abriu a janela e entrou um furacão. De quem é a culpa? Quatro séculos de defasagem e de empenho em se manter linguagens dogmáticas, éticas, teológicas, espirituais... defasadas e sem vigência para o homem real que vive à altura do tempo." (Fernando Urbina, "Modelos Concilium 149, 1979, 430). de santidad sacerdotal" in 20. A igreja e a liberdade "Jesus Cristo, libertador do gênero humano, veio restaurar e enriquecer a dignidade antiga da natureza. Socorreu de modo extraordinário a vontade do homem e a elevou a um estado melhor, concedendo-lhe, por u m lado, os auxílios de sua graça e abrindo lhe, por outro, a perspectiva de uma eterna felicidade nos Céus. De modo semelhante a igreja foi e sempre será benemérita desse precioso dom da natureza, porque sua missão é precisamente a conservação, ao longo da história, dos bens que adquirimos por meio de Jesus Cristo. São, no entanto, muitos os homens para os quais a igreja é inimiga da liberdade humana. A causa desse preconceito reside em uma errônea e adulterada idéia da liberdade. 201 Já falamos, em outras ocasiões, sobre as liberdades modernas, distinguindo o que nelas existe de bem e de mal. Demonstramos, ao mesmo tempo, que tudo aquilo de bom que estas liberdades apresentam é tão antigo quanto a própria verdade, e que a igreja sempre o aprovou de boa vontade e sempre o incorporou à prática diária de sua vida. A novidade acrescida modernamente, se devemos falar a verdade, não é mais do que uma autêntica corrupção produzida pelas turbulências da época e pela imoderada febre de revoluções. . . . Das considerações expostas segue-se que é completamente ilícito pedir, defender, conceder a liberdade de pensamento, de imprensa, de ensino, de cultos, como outros tantos direitos dados pela natureza ao homem. Porque se o homem tivesse recebido realmente estes direitos da natureza, teria direito a rechaçar a autoridade de Deus, e a liberdade humana não poderia ser limitada por lei alguma. Segue-se além disso que estas liberdades, se existem causas justas, podem ser toleradas, porém dentro de certos limites para que não se degenerem em uma insolente desordem. Onde estas liberdades se acham vigentes, usem delas os cidadãos para o bem, porém pensem sobre elas o mesmo que a igreja pensa. Uma liberdade não deve ser considerada legítima mais do que quando supõe um aumento na facilidade para viver de acordo com a virtude. Fora desse caso, jamais" (30). (Leão X I I I , Libertas praestantissimum, 1888). 21. A intolerância "Primeiramente, se a Majestade do Rei se confessasse não somente católica, como sempre o fez, mas se se pronunciasse abertamente contrária e inimiga das heresias, e declarasse guerra a todos os erros heréticos, parece que seria, entre os remédios humanos, o maior e mais eficaz. Aproveitaria imensamente também não permitir a permanência no governo, sobretudo no governo supremo de alguma província ou lugar, nem em cargos de justiça nem em dignidades, ninguém que seja contaminado de heresia. Finalmente, oxalá ficasse assentado e fosse a todos manifesto o seguinte: não deve ser agraciado com honrárias e riquezas alguém que se convença ou caia em grave suspeita de heresia. Antes, deve ser destituído destes bens! E se aplicassem alguns corretivos, castigando a alguns com a pena da vida, ou com perda dos bens e do desterro. Tudo isto para mostrar que o negócio da religião deve ser tomado a sério. Este seria um remédio mais eficaz. Quanto aos professores da Universidade de Viena e de outras universidades ou quem nelas exerça cargos de governo, 202 observe-se o seguinte: se em coisas referentes à religião católica não gozam de boa fama, devem, ao nosso ver, ser destituídos do cargo. O mesmo pensamos a respeito dos reitores, diretores e professores de colégios privados, para evitar que corrompam os jovens. Os mestres de escola e educadores deveriam entender e provar, de fato, com a experiência, que não haveria para eles lugar nos domínios do Rei, caso não fossem católicos e dessem publicamente provas de sê-lo. Seria conveniente que, após diligente pesquisa, os livros heréticos encontrados em poder dos livreiros e de particulares fossem queimados, ou levados para fora das províncias do reino. Igualmente diga-se dos livros dos hereges, mesmo quando não heréticos, como os que versam sobre a gramática, sobre a retórica, sobre a dialética, de Melanchton etc. Do mesmo modo seria de grande proveito proibir, sob graves penas, que nenhum livreiro imprimisse algum dos livros citados. Não se deveria tolerar curas ou confessores suspeitos de heresia. Deveriam ser despojados imediatamente de todas as rendas eclesiásticas todos os que fossem declarados heréticos: pois é melhor uma grei sem pastor do que ter um lobo por pastor. Todos os que fossem tidos como heréticos seriam infames e inábeis para todas as honras; e ainda que parecesse possível, talvez fosse prudente conselho penalizá-los com o desterro ou com o cárcere, e alguma vez até com a morte." (Inácio de Loyola a Pedro Canísio, 13 de agosto de 1554). Não à liberdade religiosa "Liberam cuique homini est eam amplecti ac profiteri religionem, quam rationis lumine quis ductus veram putaverit." (Todo homem é livre para abraçar e professar a religião que julgue verdadeira, guiado pela luz de sua razão.) (Proposição condenada pelo Syllabus de Pio IX, 1864). Ser gratos a Constantino "Porque é muito doloroso que, enquanto agradecemos à divina Providência por ter chamado Constantino das trevas do gentilismo para que erigisse templos e altares àquela religião que seus antepassados durante três séculos procuraram exterminar, restituísse aos cristãos os bens usurpados e desse ao cristianismo plena liberdade religiosa, nós, em meio ao decantado progresso da civilização e em meio a tanta luz científica, devemos reclamar em vão para a igreja, inclusive dos governos cristãos, aquela liberdade que eles próprios reconhecem ou 203 deveriam reconhecer como necessária para o desenvolvimento da ação sobrenatural da igreja na terra." (Pio X, A liberdade da igreja, 1, 1913). 22. Direitos humanos na igreja "Os direitos humanos devem ser respeitados na igreja. Seja qual for o modo como alguém se associa à igreja, ninguém deve ser privado dos direitos comuns. A todos a igreja reconhece o direito a uma conveniente liberdade de expressão e de pensamento, o que supõe também o direito a que cada um seja ouvido em um espírito de diálogo que mantenha uma legítima variedade dentro da igreja. Os procedimentos judiciais devem conceder ao imputado o direito de saber quem são os seus acusadores, assim como o direito a uma conveniente defesa. A justiça, para ser completa, deve incluir a rapidez no processo, e isto se requer especialmente nas causas matrimoniais." (Sínodo Mundial dos Bispos de 1971, A justiça no mundo, III, 1). Queimar os hereges "Haereticos comburi est contra voluntatem Spiritus." (Levar os hereges à fogueira é algo que contraria a vontade do Espírito.) (Proposição condenada como erro de Martin Lutero pela Bula Exsurge Domine de Leão X, de 15 de junho de 1520, Denzinger, 773). O Papa e o Secretário Geral do PCUS "A posição do Papa em relação aos outros membros da hierarquia é muito semelhante àquela que corresponde ao Secretário Geral do Partido Comunista da União Soviética antes da revolução chinesa. O Papa é, por tradição, o guia infalível da política e, por dogma, o intérprete infalível da doutrina. O Secretário Geral do PCUS estava numa posição equivalente: ele tinha a sua autoridade 'teológica' reconhecida e era o intérprete principal do corpo doutrinai, as obras de Marx e Le nine. Tanto um como outro eram chefes de duas gigantescas burocracias que englobavam o conjunto dos fiéis — as massas cristãs ou o proletariado socialista — mas que se definiam como seus vanguardas e se arrogavam o direito de falar no nome deles. (...) A base organizacional para o exercício de seu poder era dada por um grupo de elite, selecionado do pessoal 204 profissional, permanente, no seio do qual existia uma nítida predominância nacional: a Cúria Romana, de maioria italiana, o Politburo, de maioria russa. (...) O recrutamento dos quadros não fazia teoricamente discriminações contra os grupos sociais, e oferecia a todos oportunidades iguais de subir. Entretanto, privilegiava-se a burguesia de um lado, e o proletariado do outro. Esses quadros tinham a obrigação comum de aderir sem crítica às estruturas de poder estabelecidas e de lhes prometer obediência. Sua liberdade de expressão era limitada pela invocação de razões maiores — o interesse do proletariado e da revolução ou aquele da igreja — cujos limites somente os árbitros supremos eram capazes de definir. A formação dos quadros, tanto num caso como no outro, se realizava em escolas especializadas, cuja ideologia era estritamente controlada por um aparelho burocrático e cujos professores eram escolhidos por sua ortodoxia, sua lealdade e seus conhecimentos do corpo doutrinai. As duas burocracias dispunham de organizações especializadas, entre as quais aquelas encarregadas do policiamento da doutrina..." (C. A. de Medina e P. A. Ribeiro de Oliveira, Autoridade e participação — Estudo sociológico da Igreja Católica, Petrópolis, 1973, citado por Leonardo Boff em Igreja: carisma e poder — Ensaios de Eclesiologia Militante, Vozes, Petrópolis, 1981, p. 91-92). 23. Instituição e crítica na igreja "Ao longo dã história, desde os primeiros tempos, a igreja teve um aspecto institucional. Teve ministros reconhecidos, fórmulas confessionais aceitas e fórmulas prescritas de adoração pública. Tudo isso é necessário, e portanto bom, porém não implica necessariamente uma institucionalização exagerada, da mesma maneira que a existência do Papa não implica papismo, nem a existência de leis legalismo, ou nem a existência de dogmas dogmatismo. Por institucionalismo queremos dizer um sistema no qual os elementos institucionais são considerados como primários. Do ponto de vista deste autor, o institucionalismo é uma deformação da verdadeira natureza da igreja em certos períodos de sua história, e que permanentemente existe um perigo de institucionalização da igreja. Um crente cristão deve opor-se energicamente ao institucionalismo e este não deve estar em conflito com o seu forte compromisso com a igreja como instituição." (Avery Dulles Modelos de Igreja, Santander, 1975, p. 36). 205 Uma igreja que não necessita de renovação "É tremendamente absurdo e altamente injurioso dizer que é necessária uma certa restauração ou regeneração (da igreja) para fazê-la voltar à sua primitiva incolumidade, dando-lhe um novo vigor, como se se devesse crer que a igreja é passível de defeito, de ignorância ou de qualquer outra imperfeição humana." (Gregório XVI, Mirari vos, 10). Igreja, sociedade perfeita "Ensinamos e declaramos: a igreja tem todas as marcas de uma sociedade perfeita. Cristo não deixou esta sociedade indefinida e sem forma, mas ainda mais deu-lhe existência, e sua vontade determinou a forma dessa existência e lhe deu sua constituição. A igreja não é parte nem membro de nenhuma outra sociedade. Ela é tão perfeita em si mesma que é justamente isto que a distingue de todas as outras sociedades humanas e a situa acima das demais." (Primeiro esquema da Constituição Dogmática sobre a igreja preparada pelo Concilio Vaticano II). e do espírito, desigualdade existente também na posse dos bens. Ordena, além disso, que o direito de propriedade nascido da mesma natureza seja mantido intacto e inviolado nas mãos de quem os possui... A igreja, entretanto, não descuida da defesa dos pobres. Como mãe piedosa não deixa de prover às necessidades destes. Pelo contrário, acolhendo-os em seu seio com materno afeto e tendo em consideração que representam a pessoa de Cristo, honra-os sobremaneira e os alivia de todos os modos possíveis. Preocupa-se com solicitude em erigir em todos os lugares casas e asilos em que são recolhidos, alimentados e cuidados, e preocupa-se em colocar esses estabelecimentos sob sua proteção. Além disso, impõe aos ricos o estrito dever de dar aos pobres o supérfluo, recordando-lhes que devem temer o juízo divino, que os condenará aos suplícios eternos se não aliviarem as necessidades dos indigentes. Por fim, eleva e consola o espírito dos pobres, propondo-lhes o exemplo de Jesus Cristo, que sendo rico se fez pobre por nosso amor, e recordando-lhes as palavras com que o Senhor os chamou bem-aventurados, prometendo-lhes a felicidade eterna. Quem não vê nesta doutrina o melhor meio para resolver o antigo conflito entre pobres e ricos?" (Leão XIII, Quod apostolici muneris, 9, 1878). 24. A questão das relações entre ricos e pobres "A questão das relações de rico e do pobre, que tanto preocupa os economistas, seria perfeitamente elucidada se à pobreza não faltar dignidade: que o rico seja generoso e cheio de misericórdia; o pobre, contente com a sua sorte e satisfeito com o seu trabalho; pois nem um nem outro nasceram para o gozo dos bens perecíveis, e devem subir ao céu, o pobre pela paciência e o rico pela liberalidade." (Leão XIII, Auspicato concessum, 12, 1882). Igreja dos pobres? "A sabedoria católica prove também à tranqüilidade pública e doméstica com os princípios que mantém e ensina a respeito do direito de propriedade e da distribuição dos bens adquiridos para as necessidades e utilidade da vida. Porque os socialistas apresentam o direito de propriedade como pura invenção humana, contrária à igualdade natural dos homens. Proclamam, além disso, a comunidade de bens e declaram que não se pode tolerar com paciência a pobreza, e que é lícito violar impunemente o direito de propriedade dos ricos. A igreja, em contrapartida, reconhece, com maior sabedoria e utilidade, a desigualdade entre os homens, distintos pelas forças naturais do corpo 206 Cristianismo e socialismo "Não é possível ser verdadeiro católico e verdadeiro socialista ao mesmo tempo." (Pio XI, Quadragesimo anno, 12, 1931). A condição da pobreza "A advertência de Cristo nosso Senhor e os demais avisos severíssimos sobre o uso das riquezas e seus perigos, que a igreja católica guarda zelosamente, devem-se ao fato de que a condição dos pobres e necessitados é mais suportável nos povos católicos do que em quaisquer outros povos. Eles poderiam ser ajudados muito mais ainda em nosso país se várias instituições criadas por nossos antepassados para socorrê-los não fossem forçadas a fechar suas portas ou não tivessem sido destruídas recentemente pelas reiteradas revoluções políticas. Recordem ademais nossos pobres que, como o ensina o próprio Cristo, não têm por que sentir tristeza de sua condição: às vezes a pobreza oferece um caminho mais fácil para alcançar a salvação, sempre, é claro, que alguém suporte pacientemente a indigência e não seja pobre somente de corpo, mas também de espírito. Já que 207 ele disse: Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus." (Pio IX, Nostis et nobiscum, 21, 1849). As bem-aventuranças da conciliação pastoral "Bem-aventurados os ricos, porque são pobres de espírito. Bem-aventurados os pobres, porque são ricos de graça. Bem-aventurados os ricos e os pobres, porque uns e outros são pobres e ricos. Bem-aventurados todos os humanos, porque além, em Adão, são todos irmãos. Bem-aventurados, enfim, os bem-aventurados que, pensando assim, vivem tranqüilos..., porque deles é o reino do limbo." (Pedro Casaldáliga) 25. Revisar um modelo cultuai de sacerdócio "Um passo decisivo para uma compreensão cúltico-religiosa da liturgia cristã se dá, segundo Bultmann, até o final do século I, quando a eucaristia é concebida como sacrifício, e vai desaparecendo a importância da Palavra nas reuniões litúrgicas ( . . . ) . Paralelamente a este processo na compreensão da liturgia, os ofícios da comunidade adquirem um matiz cúltico. O epískopos (supervisor), que em princípio não tinha caráter cúltico, converte-se em sacerdote. Deste modo é-lhe conferida uma qualidade que o separa do resto da comunidade e se introduz a distinção, desconhecida no começo, entre sacerdote e leigo. Quem dirige o culto agora é visto de acordo com o modelo das religiões ( . . . ) . Este é o passo decisivo de cultualização da fé cristã. Aparece então, também, a determinação de lugares e tempos sagrados, a distinção entre sacerdotes e leigos, mais tarde a distinção entre o bispo e os simples sacerdotes e, de modo geral, um direito da igreja como de origem divina ( . . . ) . O autor da carta aos Hebreus denuncia a cultualização do cristianismo segundo o modelo religioso do Antigo Testamento. Sua tese fundamental é que a graça de Deus já não pode ser obtida através de sacrifícios apresentados por homens, e que a comunidade não precisa de sacerdotes, entendidos como no An208 tigo Testamento, para conseguir a mediação entre Deus e os homens. A fundamentação desta tese é cristológica: Cristo é o único sacerdote verdadeiro. Porém, é interessante ver como se entende o sacerdócio de Cristo. No Novo Testamento, com exceção da carta aos Hebreus, não se fala normalmente de Jesus enquanto sacerdote ( . . . ) . O que nos chama a atenção é que os primeiros cristãos compreenderam durante anos a obra de Jesus sem apelar em nada ao culto, categoria explicativa fundamental nas religiões... Jesus foi um leigo, um civil. Não pertencia à tribo sacerdotal de Levi, mas à tribo de Judá. A atividade típica de Jesus não se desenrolou no templo, mas no meio do povo. A mediação de Jesus não consistiu em libações nem em holocaustos. Antes, em aproximar-se do oprimido para lhe dar uma esperança e um sentido de vida. A mediação de Jesus consistiu e m anatematizar o opressor a fim de promover a justiça e o aü 101 entre os homens; em uma palavra, sua mediação fundava-se n a pregação do Reino de Deus que se aproximava e em colocar a serviço dessa pregação toda sua atividade e, depois, sua próp r i a pessoa e vida. O grande conceito sacral — o conceito da vítima — é dessacralizado completamente por Jesus: nada oferece de vicário, a cruz não é um altar, sobre ela não existe nenh u m cordeiro, mas uma vida e um corpo de homem. E desta forma Jesus realizava, enquanto leigo e homem profano, efetiva e definitivamente, o que os sacerdotes haviam desejado fazer, sem consegui-lo, de maneira simbólica e sacral: tornar presente o amor de Deus entre os homens e o intento de uma solidariedade humana". (Jon Sobrino, Cristologia desde América Latina, Edições CRT, México, 2.' ed., 1976, p. 230-233). 26. O seguimento de Jesus na igreja "A teologia da vida religiosa, por um lado, e a teologia da vida espiritual, por outro, serviram para legitimar a situaçã 0 e a organização da igreja. Isto significa que, com os argumen^ 03 que essas teologias subministraram, a instituição eclesiástica teve 'boas razões' para tranqüilizar-se, para pensar que na igreja s e vive a fidelidade ao Evangelho. Porém, sem enfrentar nunc^ a questão decisiva que consiste em saber se a igreja vive de fat° essa fidelidade à mensagem de Jesus. Em outras palavra^» a teologia da vida religiosa e a teologia da vida espiritual serviram, de fato, para colocar à margem as exigências impo£ t a s pelo seguimento de Jesus, como exigência para a comunidade de discípulos, isto é, como exigência para a igreja. Isto sigíúfi" ca, em última instância, que essas teologias são, nada mais n a d a 209 menos, ideologias que serviram para alienar a igreja diante dos apelos que as palavras de Jesus apresentam para ela. Eis aqui como se chegou à anulação prática do seguimento de Jesus, como exigência fundamental que deveria definir e configurar a igreja. A conseqüência prática de tudo isto é que os dirigentes eclesiásticos podem continuar afirmando ser a igreja fiel e obediente à mensagem revelada, quando na realidade vive na desobediência formal a essa mensagem. Porque foram encontrados argumentos sutis e válidos para fazer tanto um como outro. E assim, mesmo que ensinem e se pratiquem coisas que estão formalmente contra o que Jesus disse sobre o poder, a autoridade, as honrarias, o dinheiro, a instalação social, a família e tantas outras questões, o certo é que nada disso representa um problema à autoridade eclesiástica e para a igreja em geral. Sabemos, por exemplo, que Jesus não tolera que alguém na comunidade se coloque acima dos demais. Tampouco tolera a desigualdade e menos ainda a dominação de uns sobre os outros. Jesus, por outro lado, ordena que quem quiser ser o primeiro deve-se colocar no último lugar. Todavia, na verdade, quem toma essas palavras de Jesus como palavras que devem ser cumpridas na igreja? Se algum dia alguém pronunciasse algo que formalmente contradissesse o papa, seguramente levantar-se-ia um problema sério na igreja. Resulta, porém, que não constitui problema de espécie alguma fazer ou afirmar exatamente o contrário ao que fez e disse Jesus. Pelo menos, não parece que isso possa causar problema igual a contradizer o bispo de Roma. Eis aqui, creio, o problema mais sério que a igreja deve enfrentar e resolver." (José Maria Castillo, El seguimiento de Jesus como tarea permanente para todo cristiano, em "Missión Abierta" 2, 1980, 223-224). Siglas LG — Lumen gentium, a igreja. Constituição dogmática sobre GS — Gaudium et spes, Constituição pastoral sobre a igreja no mundo atual. DV — Dei Verbum, Constituição dogmática sobre a divina revelação. SC — Sacrosantum liturgia. Concilium, Constituição sobre a AG — Ad gentes, Decreto sobre a atividade missionária da igreja. DH — Dignitatis humanae, Declaração sobre a liberdade religiosa. UR — Unitatis nismo. redintegratio, Decreto sobre o ecume- NA — Nostra aetate, Declaração sobre as relações da igreja com as religiões cristãs. OE — Orientalium ecclesiarum, jas orientais católicas. AA — Apostolicam actuositatem, tolado dos leigos. Decreto sobre as igreDecreto sobre o apos- PO — Presbyterorum ordinis, Decreto sobre o ministério e a vida dos presbíteros. PC — Perfectae caritatis, Decreto sobre a adequada renovação da vida religiosa. 210 211 SUMÁRIO Prólogo Apresentação 5 11 1. A igreja como mistério (LG I) 15 2. Somos o povo de Deus (LG II) 21 3. Para uma igreja verdadeiramente universal, católica (LG 13, GS, p. II, cap. II) 27 4. Uma nova visão do leigo (LG IV; AA) 35 5. Uma nova espiritualidade (LG V) 44 6. A igreja caminha pela história (LG VII) 50 7. Uma nova imagem de Maria (LG VIII) 58 8. Uma visão esperançosa do mundo e da história (GS 1-10) 63 9. Uma nova visão religiosa do homem (GS, p. I, cap. I) 70 10. O homem, essencialmente comunitário (GS, p. I, cap. II) 76 11. Uma nova visão do trabalho e da atividade humana (GS, p. I, cap. III) 82 12. A igreja a serviço do mundo (GS, p. I, cap. IV) 89 13. A igreja e a comunidade política (GS, p. II, cap. III e IV) 96 14. Os cristãos, construtores da paz internacional (GS, p. II, cap. V) 104 15. Nova atitude diante da Palavra de Deus (DV) 112 16. A Palavra de Deus nos revela novas riquezas (DV) 117 17. Redescobrimos a liturgia (SC 1-13) 121 18. Novas atitudes diante da liturgia (SC 13130) 126 19. Toda a igreja deve ser missionária (AG) 132 20. A liberdade, exigência da dignidade humana (DH) 138 21. A liberdade religiosa, direito e dever da sociedade (DH) 143 22. Uma igreja em espírito de liberdade (DH) 149 23. Para uma atitude ecumênica global (UR, NA, OE) 156 24. A igreja dos pobres (LG 8; GS; AG) 164 25. Sacerdotes para a comunidade cristã (PO) 171 26. Religiosos no seguimento de Jesus (LG VI; PC) Apêndice: Textos de trabalho 177 184 ep Impresso na Gráfica de Edições Paulinas - 1987 Via Raposo Tavares, Km 19 - 05577 - SÃO PAULO IGREJA DINÂMICA O Concilio Vaticano II aconteceu e, com ele, mil e uma transformações: a missa passou a ser celebrada em língua vernácula, os padres deixaram de usar batina... Muita gente não entendeu essas mudanças. Este livro quer ajudar nossas comunidades a entender o espírito do Concilio. São vinte e seis celebrações onde, de forma muito pertinente, encontramos os textos do Concilio e da Bíblia que alimentam a vida da igreja pósconciliar. Enfim, uma obra para a comunidade de cristãos refletir e dar uma resposta sobre si mesma. ep EDIÇÕES PAULINAS