Fim de linha: a extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina

Transcripción

Fim de linha: a extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina
DILMA ANDRADE DE PAULA
FIM DE LINHA
A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Doutor. Área de Concentração: História
Contemporânea. Economia e Sociedade.
Orientador: Profa Dra Sonia Regina de Mendonça
Niterói
2000
Paula, Dilma Andrade de. Fim de Linha: a
extinção de ramais da Estrada de Ferro
Leopoldina/Dilma Andrade de Paula. –
Niterói: [s.n.], 2000.
356 p.
Tese (Doutoramento em História)
- Universidade Federal Fluminense, 2000.
Bibliografia: p. 331–344.
1. Economia e Sociedade. I. Título.
DILMA ANDRADE DE PAULA
FIM DE LINHA:
A extinção de ramais da Estrada de Ferro Leopoldina, 1955-1974
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em História da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do título de
Doutor. Área de Concentração: História
Contemporânea. Economia e Sociedade
Aprovada em Setembro de 2000
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profa Dra Sonia Regina de Mendonça – Orientadora
Universidade Federal Fluminense
______________________________________________________
Profa Dra Virgínia Maria Fontes
Universidade Federal Fluminense
_______________________________________________________
Prof. Dr. Geraldo Beauclair de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
________________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Luís Alves Natal
Universidade Federal do Rio de Janeiro
________________________________________________________
Prof. Dr. Sidnei José Munhoz
Universidade Estadual de Maringá
Niterói
2000
AGRADECIMENTOS
Muitas pessoas participaram direta ou indiretamente do processo de
elaboração deste trabalho. Algumas, “cúmplices” de antigas trajetórias; outras, conquistas
recentes, durante o curso de Doutorado. A tarefa da pesquisa não é empreitada nada fácil
para nós, no Brasil. Esbarramos, freqüentemente, em acervos abandonados e na falta
crônica de incentivos financeiros para a manutenção da memória documental. Muitas das
vezes, precisamos de intervenções pessoais. Não raro, são os funcionários que mantêm as
instituições em funcionamento, e possibilitam nosso acesso às fontes, com sua dedicação e
boa vontade. A todas essas pessoas, minha sincera gratidão.
À Professora Dra Sonia Regina de Mendonça, que desempenha com
maestria o trabalho historiográfico e a arte de ser professora, pela orientação e amizade.
À Professora Dra Virgínia Fontes, pela disposição com que sempre me
acolheu, dialogando e às suas efetivas contribuições na qualificação e, também, pela
amizade construída nessa trajetória. Ao Professor Dr. Jorge Natal, presença fundamental
no debate sobre transportes no Brasil, possibilitou, com a sua participação na Banca
Examinadora da Qualificação, o crescimento do trabalho.
Desde 1998, trabalhando como professora no curso de História da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Marechal Cândido Rondon, não
poderia deixar de agradecer aos colegas pelo esforço coletivo na obtenção de uma licença
III
parcial das atividades. Através dessa licença, pude concentrar-me na atividade da redação
da tese e na finalização da pesquisa. Aos alunos, pela compreensão.
Realizei a maior parte da pesquisa no Setor Geral de Documentação da
Rede Ferroviária Federal S. A., sem o apoio de Ana Maria Campio Gomes e de Vera Lúcia
Passos de Souza essa tarefa teria sido inglória.
Alguns pesquisadores das ferrovias e ferroviários, generosa e gentilmente,
franquearam-me seus acervos pessoais, depoimentos e alguns, transformaram-se em
importantes interlocutores. No Rio de Janeiro: Herval Arueira, Waldemar Pires Ribeiro,
Clarice Soraggi, Benício Guimarães, Edmundo Coelho, José A. Vasconcelos, Victor José
Ferreira, João Bosco Setti e Luis Octávio da Silva Oliveira. Em São João de Meriti: Edson
Vander Teixeira. Em Niterói: Sergio Gomes de Pinho e Carlos Alberto Nunes de Barros.
Em São Gonçalo: Luis Carlos Esteves. Em Belo Horizonte: Pedro Paulo Resende. Em
Pirapetinga: José Mauro Silveira. Em Cantagalo: Gerson Tavares do Carmo, interlocutor
constante. A todas essas pessoas, meus agradecimentos pelo inestimável auxílio.
Alguns amigos, professores e colegas de trabalho que empenharam-se na
busca de informações, de livros, textos, músicas e muitas outras referências fundamentais
ao trabalho. Ao Professor Dr. Carlos Gabriel Guimarães, pelas indicações de textos de
referência sobre a Leopoldina. Sobre informações e referências sobre ferrovias, Professor
Dr. León Pomer. Sobre o Estado de Minas Gerais no século XIX, devo as informações ao
Professor Dr. Rômulo Garcia Andrade.
Às pesquisas em jornais, longos papos e muitas hospedagens, à Luciana
Muniz e Fernando Florêncio. À descoberta de referências as mais diversas, ao contato com
pessoas do setor ferroviário e a uma dedicação sem igual, Anna Beatriz (Bela) de Sá
Almeida, “madrinha” deste trabalho. A Antônio Cláudio Rabello (Tuninho) e Marina Leite
Ribeiro, pela amizade e afinidades tecidas ao longo do curso na UFF. À Lia Calabre de
IV
Azevedo, Idemburgo (Guinho) Pereira Frazão Felix, Laurinda Maciel e Beatriz Kushinir,
pela amizade e ajuda na coleta de informações. À José Marcelo Giffoni e Mônica Torres,
pelo lindo trabalho sobre a “Baiminas” e pela disponibilidade de informações.
Aos amigos Robson Laverdi e Marta de Almeida, pela amizade muito além
do trabalho e por ajudarem imensamente na vida em terras paranaenses.
À minha família, pelo apoio nessas longas trajetórias, pela presença
constante de meus irmãos, sobrinhos, primos e tias, apesar da distância geográfica. Seria
impossível mencionar os nomes de todos, espero que perdoem-me. Carinho especial para
minha mãe, D. Elza, também companheira de viagem nos trens da Leopoldina. Sem o
apoio de Roberto, Miriam, Dilson e Rodrigo, dificilmente poderíamos ter alçado vôos para
terras mais distantes. À minha irmã, Dilza, pela dedicação e incentivo desde muito tempo.
Ao Elder, irmão, amigo e parceiro de trabalho, pelas ótimas trocas e bate-papos sobre
nossas angústias e bem-aventuranças na vivência e análise da política brasileira. À
(Mari)Neide, pelas hospedagens e tantas coisas importantes realizadas, em função de
minha ausência do Rio.
À Lucimar Campos, Rose Ferreira, Clara Emília M. de Barros, Ana Maria
Andrade e Otton da Silveira, pelo apoio incondicional.
A Alberto Moby, toda a minha admiração e carinho. À ele, também o gosto
pela música popular como fonte histórica.
Como dizia o saudoso professor José Luís Werneck da Silva, “a vida é a arte
do possível”. Com o auxílio de tantas pessoas, fiz o máximo “possível” na confecção deste
trabalho que foi, acima de tudo, um aprendizado constante. As eventuais falhas e omissões,
são de minha inteira responsabilidade.
À CAPES, pelo financiamento à pesquisa de 1997 a 1998, interrompido
devido ao início de meu vínculo institucional com a Unioeste.
V
E assim chegar
e partir
são só dois lados da mesma viagem
o trem que chega é o mesmo trem da partida
A hora do encontro
é também despedida
a plataforma desta estação
É a vida desse meu lugar
é a vida desse meu lugar
é a vida
(Encontros e Despedidas, 1985, Milton Nascimento/Fernando Brant)
A história da Leopoldina não se extingue com um simples apanhado de dados
históricos envolvendo inauguração e organização; também é uma história de luta e
de conquistas de ferroviários determinados, que se aventuraram em estender as
paralelas de aço em terrenos cuja topografia tinha difíceis acessos, rasgando
barrancos e matas, cortando pântanos, abrindo túneis, construindo pontes, e nos
mesmos moldes das outras ferrovias, possibilitando a criação de lugarejos e vilas,
que hoje são cidades, metrópoles, etc.
(Sr. José Vasconcelos, agente de estação, telegrafista e agente de segurança da E. F.
Leopoldina)
Uma filosofia da práxis só pode apresentar-se, inicialmente, em uma atitude
polêmica e crítica, como superação da maneira de pensar precedente e do
pensamento concreto existente (ou mundo cultural existente). E portanto, antes de
tudo, como crítica do ‘senso comum’ [...].
(Antonio Gramsci. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Brasiliense,
1991, p.18)
VI
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS....................................................................................................... X
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS ............................................. XII
RESUMO.........................................................................................................................XIII
ABSTRACT .................................................................................................................... XIV
APRESENTAÇÃO ............................................................................................................ 16
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 23
Trens: entre o passado e o futuro ............................................................................. 23
Fontes .......................................................................................................................... 29
Historiografia sobre ferrovia .................................................................................... 33
Memória e memorialistas ................................................................................. 36
Produção acadêmica ......................................................................................... 37
CAPÍTULO I ..................................................................................................................... 48
A FERROVIA COMO QUESTÃO HISTÓRICA.......................................................... 48
I.1 A Era do vapor e do ferro .................................................................................... 50
VII
I.2 Aventuras e desventuras da modernidade ........................................................ 64
I.3 A crise do padrão ferroviário .............................................................................. 75
CAPÍTULO II .................................................................................................................... 86
A ESTRADA DE FERRO LEOPOLDINA ..................................................................... 86
II.2 The Leopoldina Railway Company Limited .................................................... 94
II.2.1 Greves e Encampação ........................................................................... 104
CAPÍTULO III ................................................................................................................ 120
O IMPÉRIO DAS RODOVIAS ..................................................................................... 120
III.1 O Estado no Centro da Análise ...................................................................... 121
III.2 Redefinição do padrão de transportes ........................................................... 124
III.3 Anos 50: metas e desenvolvimentismo ........................................................... 137
III.3.1 GEIA ..................................................................................................... 143
III.4 O rodoviarismo no Brasil................................................................................ 152
III.5 Regime Militar e Tecnocracia ........................................................................ 162
III.5.1 O dono da voz ...................................................................................... 177
CAPÍTULO IV................................................................................................................. 189
A ERRADICAÇÃO DE RAMAIS FERROVIÁRIOS ................................................. 189
IV.1 Planos e projetos para a erradicação de ramais ........................................... 190
IV.1.1 As metas ferroviárias na Comissão Mista Brasil - Estados Unidos 190
IV.1.2 Grupos de Trabalho ............................................................................ 201
IV.1.3 GESFRA ............................................................................................... 214
IV.1.4 Planos .................................................................................................... 222
VIII
IV.2 Crise .................................................................................................................. 228
IV.3 Aparelhos privados de hegemonia ................................................................. 237
IV.4 Quando a saída supera a voz .......................................................................... 245
CAPÍTULO V .................................................................................................................. 249
DO TRILHO AO BARRO .............................................................................................. 249
V.1 O impacto regional ............................................................................................ 252
V.1.1 O movimento de cargas e de passageiros ............................................ 261
V.3 Arrancando-se trilhos ....................................................................................... 274
V.3.1 O combate nos trilhos ........................................................................... 280
V.3.2 Combates pelos trilhos .......................................................................... 291
V.3.3 No compasso do tempo.......................................................................... 299
V.3.4 Caminho de ferro, mandaram arrancar... ......................................... 313
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 320
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 332
ANEXOS .......................................................................................................................... 346
IX
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Via férrea em milhas (milhares de milhas)......................................................... 51
Quadro 2: Ritmo cíclico das construções ferroviárias iberoamericanas.............................. 63
Quadro 3: Extensão ferroviária/população. ......................................................................... 79
Quadro 4: Evolução da rede ferroviária iberoamericana (km). ........................................... 80
Quadro 5: Quadro geral dos municípios e da população da Zona da Mata de Minas
Gerais em 1872. ................................................................................................. 87
Quadro 6: Desenvolvimento dos serviços de transportes da Leopoldina Railway.............. 98
Quadro 7: Receita e despesa da Leopoldina Railway........................................................ 100
Quadro 8: Expansão e decadência das ferrovias no Brasil, 1854-1979............................. 128
Quadro 9: Montagem de veículos automotores - Automóveis e caminhões. .................... 148
Quadro 10: Investimento na área de transporte rodoviário e ferroviário, 1966-1975
(valor a preços correntes de 1966-1975 - Cr$1.000.000). ............................. 176
Quadro 11: EFL – Ramais a eliminar. ............................................................................... 192
Quadro 12: RFFSA – Ramais a extinguir, 1961................................................................ 208
Quadro 13: Quadro simplificado dos agentes do Gesfra, pela ordem de sucessão
(1966-1974) .................................................................................................... 215
Quadro 14: Sistemas regionais RFFSA, 1970. .................................................................. 217
Quadro 15: RFFSA – O Programa de Erradicação, em 31/12/74. .................................... 221
X
Quadro 16: Construção e Pavimentação de rodovias pelo DNER (1966-1975) ............... 234
Quadro 17: Tráfego interurbano de passageiros e de cargas, 1950, 1960, 1970 e 1980
(em percentagens). ......................................................................................... 236
Quadro 18: Padrões regionais de população e renda, 1967. .............................................. 254
Quadro 19: Passageiros do interior transportados pela Estrada de Ferro Leopoldina. ...... 267
Quadro 20: Passageiros transportados na EFCB. .............................................................. 268
Quadro 21: Passageiros transportados na EFL. ................................................................. 268
Quadro 22: RFFSA - Sistema Regional Centro – 7a Divisão – Leopoldina. Passageiros
e cargas transportadas (1968-1970). .............................................................. 274
Quadro 23: Trechos e Estações fechadas, 1972. ............................................................... 278
Quadro 24: Redução de pessoal na E. F. Leopoldina, 1964-65......................................... 279
Quadro 25: Ramais erradicados, em 31 de Dezembro de 1974......................................... 293
Quadro 26: Ramais com tráfego suspenso, aguardando erradicação em 31 de
dezembro de 1974. ......................................................................................... 294
XI
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
AEF – Associação dos Engenheiros Ferroviários
AEFL – Associação dos Engenheiros Ferroviários da Estrada de Ferro Leopoldina
AFPF – Associação Fluminense de Preservação Ferroviária
ALERJ – Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
AMEFL – Associação Mútua Auxiliadora dos Empregados da E. F. Leopoldina
NA – Arquivo Nacional
APERJ – Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro
BN – Biblioteca Nacional
CE – Clube de Engenharia
CFN – Conselho Ferroviário Nacional
CMF – Centro de Memória Ferroviária
CPDOC/FGV – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil
– Fundação Getúlio Vargas
DNEF – Departamento Nacional de Estradas de Ferro
DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
EFL – Estrada de Ferro Leopoldina
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MF – Ministério da Fazenda
MT – Ministério dos Transportes
MVOP – Ministério da Viação e Obras Públicas
SEDOC/RFFSA – Biblioteca do Setor Geral de Documentação da Rede Ferroviária
Federal S.A.
XII
RESUMO
A história ferroviária brasileira foi marcada por uma fase de intensas construções de
ferrovias, troncos e ramais ferroviários, entre finais do século XIX e início do XX, mas
logo conheceu um descenso, após a década de 1930. A partir de 1960, as ferrovias
começaram a sofrer o processo de “erradicação” de ramais, notadamente aqueles
considerados pela fala oficial como "antieconômicos", devido à política governamental de
incentivo às rodovias e pela própria concorrência do transporte rodoviário, além dos
problemas técnico-operacionais-administrativos internos às empresas. A Estrada de Ferro
Leopoldina foi das mais vitimadas por esse processo. Construída a partir de 1873,
incorporou diversas empresas de menor porte, espalhando-se por vastas extensões
territoriais dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, superando 3 mil
quilômetros, transportando cargas, encomendas e passageiros. Entendendo-se o Estado
enquanto relação de forças, objetiva-se investigar o processo da desativação de ramais,
através da análise dos agentes e agências envolvidos neste processo ao longo do período
compreendido entre 1955 a 1974. Em particular, será analisado o exemplo da Estrada de
Ferro Leopoldina.
XIII
ABSTRACT
The Brasilian railroad history was marked by a phase of intensive railroad buildings,
railroad mains and branches, between the end of the nineteenth century and the beginning
of the twentieth century, but soon it decreased, after 1930. Since 1960 the railroads started
suffering a process of erradication of their branches, mainly those ones considered by the
oficial speech as “anti-economical”, because of the government policy of incentive to
highways and the competition between the railroads, besides the tecnical, operational and
administrative problems of the companies. Leopoldina railroad was the main victim of this
process. It was built from 1873, it incorporated several smaller companies, spreading over
large territories of the states of Minas Gerais, Espírito Santo and Rio de Janeiro it reached
more than trhee thousand kilometers and it transported cargos, orders and passengers. As
the State is comprehended as a relation of forces, this project has as the objective to
investigate the process of the railroad branches disactivation by the analysis of the agents
and the agencies that were involved in this process along the period from 1955 to 1974,
mainly it will be analysed the example of Leopoldina railroad.
XIV
À
D. Elza,
Dilza
e Elzinha,
com amor
XV
APRESENTAÇÃO
A temática das ferrovias voltou à ordem do dia, multiplicando-se as
reportagens sobre a desarticulação dessa modalidade de transporte, o desmonte da Rede
Ferroviária e o abandono do seu patrimônio. Um dos motivos para o retorno dos debates
foi a primeira grande greve dos caminhoneiros, deflagrada no dia 27 de julho de 1999, que
evidenciou
a
vulnerabilidade
do
sistema
de
transportes
brasileiro,
calcado
fundamentalmente no modal rodoviário. Várias são as facetas dessa questão, desde os altos
pedágios cobrados, as multas, os constantes aumentos dos combustíveis, etc., passando por
problemas mais gerais, como o das privatizações das rodovias e os abusos cometidos pelas
concessionárias.
É interessante observar que as concessionárias responsáveis pelas rodovias,
são controladas pelas grande empreiteiras do país: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e
Norberto Odebrecht. Todas vêm se beneficiando de incentivos governamentais desde
meados da década de 1950 e, evidentemente, são também responsáveis diretas pela
definição do padrão de transportes preponderante no país. Em época de escassez de
investimentos na área social (educação e saúde, principalmente), uma flagrante distorção
pode ser constatada: segundo a Folha de São Paulo (07/08/1999, 2o Caderno, p. 01), o
BNDES investiu R$ 500,4 milhões em seis empresas privadas que assumiram a
administração de rodovias públicas, o que equivale a quatro vezes o orçamento deste ano
do programa de recuperação de rodovias do Ministério dos Transportes.
Nos perguntamos, então, por que o Brasil, dotado de vastas dimensões
territoriais, depende hoje basicamente da malha rodoviária para os transportes de forma
geral? Enquanto os países europeus continuam desenvolvendo cada vez mais a tecnologia
ferroviária1, no Brasil, grande parte dos trilhos já foi arrancada. De que forma o Estado
brasileiro vem tratando a questão ferroviária? Houve alguma reação ao processo de
desmonte do setor ferroviário? Que conseqüências sociais teve essa política?
Aspectos como os constantes engarrafamentos nas rodovias nos períodos de
férias e feriados, os altos índices de acidentes automobilísticos, o monopólio de algumas
poucas empresas de ônibus ditando seus preços e regras, além das recentes discussões
sobre a privatização das
poucas ferrovias ainda existentes, foram fatores que me
conduziram ao trabalho com esta temática, ou melhor, com a história da destruição da
malha ferroviária. Ainda se deve considerar um importante fator de ordem cultural que foi
a formação de um “culto ao trem”, principalmente no interior. Segundo um dos
entrevistados no decorrer da pesquisa, Waldemar Pires Ribeiro, “trem é uma palavra
mágica”. A influência desse meio de transporte na formação cultural brasileira, ainda
pouco estudada pelas ciências sociais, mas muito explorada pelo cancioneiro popular e
pela literatura, também é um aspecto a ser considerado, mas que não será tratado neste
trabalho, já que seu objetivo primordial é analisar as motivações políticas da política de
extinção dos ramais definidos como antieconômicos.
17
Segundo Rachel de Queiroz,
de todas as máquinas corredeiras, flutuantes ou voadoras que o homem tem
inventado, nunca houve nenhuma que se comparasse à majestade de um grande
trem, a correr com suas dezenas de vagões... botando fumaça e fogo pela chaminé,
como um dragão das lembranças perdidas dos primeiros homens.2
A chegada do trem marcava as horas, trazia as notícias da capital, trazia
também os moços casadoiros. Em torno das estações era a festa dos “encontros e
despedidas”. O apito do trem regulava os hábitos: de acordo com um cronista anônimo, “o
apito do trem marcava as horas... Muitas famílias esperavam que a ‘953’ apitasse na
encruzilhada, e quando a última vibração dissolvia-se em silêncio, alguém apagava as
luzes e todos iam dormir”. (Idem:117)
Embora não seja objeto específico do trabalho, nos perguntamos: embora
praticamente extinto no Brasil, o que teria favorecido a impregnação da memória social
pela temática do trem? Sobre os mecanismos da memória, segundo Henri-Pierre Jeudy, o
abandono, seja de lugares e/ou de objetos, é também um teatro de memórias plurais que
tanto guarda ou preserva quanto expurga os sentimentos que impulsiona. É um “espaço de
catarse social no qual a cólera e a revolta não têm por figuração mais que o eco das
imagens mnésicas”.(Jeudy,1990: 129) Há uma estética do abandono; os objetos/lugares
abandonados resistem, evocando nostalgia, como se os eventos que haviam anunciado seu
fim se tornassem os signos de sua transmutação em símbolos. E, ainda: “neste vasto
depósito do mundo, tudo é símbolo ao menos um instante” (Idem: 126). Os trilhos
abandonados e/ou arrancados, os maquinários jogados em algum depósito ou apodrecendo
às vistas públicas estimulam a produção de novos símbolos, ou de recordações, na
1
A ferrovia está hoje no centro dos principais projetos urbanísticos do mundo, na tentativa de buscar soluções para deslocamentos
urbanos mais rápidos, pois as grandes cidades estão sendo paralisadas pela entropia do transporte rodoviário. Cf. Folha de São Paulo,
Mais! 29/10/95, Caderno 5, p. 04.
2
Rachel de Queiroz. Trem de ferro. Centro de Preservação da História Ferroviária do Ceará. Rio de Janeiro: RFFSA, 1982. (Apud:
Telles, 1993: 119)
18
produção de um sentido para o passado. O trem não mais existe, mas, como na música
Ponta de Areia, de Milton Nascimento, as “casas esquecidas” e as “viúvas nos portais”
sugerem sua sobrevivência enquanto símbolo de uma época.
Há também motivações pessoais na escolha da temática, que vão muito
além do que simples saudosismo. Nascida no município mineiro de Barão do Monte Alto,
servido pelos trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina, assisti a uma boa parte do processo
de arrancamento dos seus trilhos. Via os antigos ferroviários mudando-se da cidade, a
estação fechando-se e a paisagem, lentamente, modificando-se. A norma que previa a
substituição dos trilhos pela estrada de rodagem, lá foi aplicada parcialmente. Uma estrada
foi construída sobre o leito da ferrovia, conquanto nunca pavimentada. A população, ainda
hoje, trafega (em carros particulares ou em ônibus coletivos) em precária estrada de
rodagem e costuma ficar “ilhada” em épocas de chuvas. A promessa da pavimentação da
estrada é, até hoje, moeda de troca política, eleição após eleição, tendo virado folclore. E a
população, na espera, sempre.
Os trens da Leopoldina, ainda que funcionando de forma precária, ligavam
essa região a outras do mesmo Estado e aos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo,
permitindo o transporte de pessoas e de pequenas cargas a curtas, médias e longas
distâncias, quando necessário. Atualmente, qualquer viagem requer muitas baldeações e
muito tempo para conciliar os horários de ônibus. Sem falar no custo financeiro dessas
verdadeiras aventuras. O transporte de cargas continua problemático, o que dificulta muitas
tentativas de diversificação da produção local, sendo a região formada por pequenas e
médias propriedades mais voltadas à pecuária leiteira.
Juntamente com essas reminiscências da memória e a observação da
historiografia, ora através de um texto, ora de reportagens de jornais, também comecei a
observar a (des)organização da área de transportes no Brasil. Tanto nos centros urbanos,
19
quanto no interior, era absoluto o predomínio do transporte rodoviário. Paralelamente,
consolidaram-se grandes empresas empreiteiras desse setor, a preponderância inconteste de
grandes empresas do setor de transportes urbanos e interestaduais, assegurando
monopólios sobre a interligação de extensas áreas do Brasil. Dessa forma, unindo partes da
observação de minha trajetória pessoal com a prática acadêmica, resolvi enfrentar a
temática das ferrovias e do seu processo de agonia. Percebi que os conceitos de “déficit”,
“atraso tecnológico”, “antieconômico” e “falhas estruturais” estão profundamente
arraigados não somente na mentalidade dos agentes da administração dos transportes, mas
também em setores da Academia e da própria população. Lamenta-se o fim dos trens, mas
se o justifica pelas suas dificuldades “permanentes” e pela concorrência rodoviária. Todas
as respostas pareciam aí esgotar-se. O objetivo desse trabalho foi construído a partir da
perspectiva de entender a construção desses argumentos e, portanto, da necessidade de
desnaturalizá-los, para, então, buscar as motivações mais amplas para esse processo.
O projeto inicial previa não só o tratamento da questão política, mas
também da reação ao processo em uma de suas vertentes, a sobrevivência da cultura
ferroviária através da análise de letras de músicas de compositores brasileiros. Mas, por
que a música? Porque, enquanto linguagem (Schurmann,1990: 09-10), a música é um
veículo privilegiado de expressão social. Enquanto elabora a linguagem musical,
transforma a cultura popular em elementos artísticos. As músicas que têm o trem como
tema3, além do espaço urbano, referem-se ao espaço rural e, de forma geral, versam sobre a
saudade, a migração para as cidades, a estreita ligação do ritmo do trem com o tempo
social, o devir. Temas caros à população do interior servida, no passado, pelas ferrovias.
3
Alguns exemplos são citados por Ilmar Carvalho. O trem na música popular brasileira. Refesa, Rio de Janeiro, p. 28-31, mar./abr. 1968.
SEDOC/RFFSA
20
Embora a música seja uma mistura de ritmo, timbre, intensidade, trama
melódica e harmônica dos sons, ela pode ser, também, veiculadora de temáticas ligadas à
vida concreta. De acordo com José Miguel Wisnik,
a música mantém com a política um vínculo operante e nem sempre visível: é que
ela atua, pela própria marca do seu gesto, na vida individual e coletiva, enlaçando
representações sociais a forças psíquicas (...) . Estando muito próxima daquilo que
conseguimos experimentar em matéria de felicidade humana, a música é um foco de
atrativos que se presta a variadas utilizações e manipulações. Instrumento de
trabalho, habitat do homem-massa, meio metafísico de acesso ao sentido para além
do verbal, recurso de fantasia e compensação imaginária, meio ambivalente de
dominação e de expressão de resistência, de compulsão repetitiva e de fluxos
rebeldes, utópicos, revolucionários.4
A música é, por excelência, um riquíssimo campo a explorar. No entanto, já
à época do exame do projeto pela Banca do concurso, várias foram as sugestões emitidas
para que eu me detivesse em um único viés analítico, devido à extrema abrangência da
proposta inicial. Acatando as sugestões, escolhi a problemática política, não abandonando
de todo a música popular, mas inserindo-a somente à guisa de ilustração dos assuntos
tratados. Acrescentando, ainda, alguns trabalhos de origem literária.
Inicialmente, também, pensava estudar as ferrovias fluminenses e a política
do Estado do Rio em particular. Mas, quando iniciei o levantamento de fontes na
Biblioteca Geral do Setor de Documentação da Rede Ferroviária Federal S. A., verifiquei
que a política de "supressão de ramais antieconômicos" foi coordenada em âmbito federal,
escapando, até certo ponto, das peculiaridades regionais. Achei mais interessante deter-me
nessa política, analisando uma ferrovia em particular, a E. F. Leopoldina, no período de
1955 a 1974. De todos os trabalhos existentes sobre ferrovias, nenhum dedicava-se a essa
empresa. Totalizando mais de 3 mil quilômetros, distribuídos por áreas do Sudeste,
4
José Miguel Wisnik. Algumas questões de música e política no Brasil. (Bosi (org.), 1987: 114-115)
21
abrangia trechos dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro e foi quase
integralmente desmontada.
Um dos problemas a estudar dizia respeito aos sucessivos projetos de
modernização impostos pelo Estado e sofridos pela sociedade brasileira das maneiras as
mais arbitrárias possíveis. Mas, então, o que é o Estado? Como se articulam esses projetos
no seu interior? Quais as suas peculiaridades no Brasil? Essas questões foram
tangencialmente tocadas no trabalho de mestrado5 e acabei me decidindo por aprofundálas, através do estudo de outra temática, numa temporalidade ainda mais contemporânea.
Assim, instigada pelas "coisas sólidas que se desmancham no ar", resolvi insistir nos
dramas/perversões da modernidade, no rápido surgir/apagar e é claro, no processo de
acumulação capitalista no Brasil, vitimando pessoas e natureza através de suas
(anti)políticas públicas, no caso de meus trabalhos, das grandes hidrelétricas e das poucas e
deficientes opções de meios de transportes.
5
Intitulado: A cidade submersa: o processo de destruição de São João Marcos (1930-1945). Essa dissertação foi desenvolvida na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação da Prof. Dra. Marieta de Moraes Ferreira. O seu objetivo central era analisar o
processo de constituição do Estado brasileiro no período de 1930 a 1945, através da tentativa de regulamentação do setor elétrico e da
sua relação com uma empresa em particular: a The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power, Co. Ltd. O ponto central para esta
discussão foi a investigação sobre a destruição da cidade fluminense de São João Marcos, episódio onde estas relações se evidenciavam.
O embate entre os atores envolvidos no processo de destruição da cidade significou o estabelecimento de limites para a atuação do
Estado em relação às empresas estrangeiras do setor elétrico; a consolidação do poder da Light e o desaparecimento de São João Marcos.
22
INTRODUÇÃO
Trens: entre o passado e o futuro
No final da tarde de 27 de setembro de 1952, dia de São Cosme e São
Damião, na estrada Rio-São Paulo, próximo à cidade de Taubaté - SP, morria, vítima de
acidente automobilístico o cantor Francisco Alves, mais conhecido como o “cantor das
multidões”. Chico Alves dirigia seu Buick a 130 km/h e não resistiu ao violento choque
com um caminhão. No Brasil inteiro foi grande a comoção; era um dos primeiros grandes
ídolos populares a morrer num acidente automobilístico. Também em 1952 aconteceria o
choque sobre a balança de comércio externo do Brasil, em conseqüência da importação de
mais de 100 mil automóveis e caminhões, de todas as marcas e tipos, a um custo de 310
milhões de dólares.
Ambos os episódios, aparentemente desvinculados, deram início a uma
longa fase no Brasil, a do império automobilístico. O recorde nas importações de veículos
em 1952 acabaria por gerar a implantação definitiva deste ramo industrial no país. Na
época da ‘bossa nova”, já circulava um novo ídolo pelas ruas: o carro nacional e em 1970,
23
24
essa indústria já era responsável por quase 90% do faturamento e 82% dos empregos em
todo o setor do material de transporte - que incluía o ferroviário, o naval e o aeronáutico6.
Durante o governo Juscelino Kubitschek (1955-1960), foi implementada
uma articulada política de atração das indústrias automobilísticas estrangeiras, com a
criação do GEIA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística, em 1956. Fortalecia-se,
igualmente, uma outra tendência no setor de transportes: a do desmonte das ferrovias. A
política rodoviária/automobilística viria seguida da progressiva desativação das estradas de
ferro, particularmente das linhas do interior.
A questão dos transportes é, cada vez mais, um problema que atinge
diretamente a massa da população brasileira, vitimada pela atuação de grandes empresas
oligopolistas do setor rodoviário. Para o trabalhador das grandes cidades, o trajeto casatrabalho-casa tornou-se um exercício cotidiano de espera, de acidentes, de lotações muito
além da capacidade dos vagões. Como na letra da música Pedro Pedreiro, composta em
1965, por Chico Buarque, em que o operário Pedro pedreiro, esperava não só o trem, mas o
aumento de salário, o sol, a sorte grande da Federal, o dia de voltar para o Norte, um filho
(cujo futuro seria esperar também), etc. Esperando, “enfim nada mais além da esperança
aflita, bendita, infinita, do apito do trem”. Essa “sorte” multiplica-se em milhares de vidas.
Anos 90. Em março de 1992, pelo Decreto 473, o governo incluiu a Rede
Ferroviária Federal S.A. - RFFSA, no Programa Nacional de Desestatização. Com pouco
mais de 29 mil quilômetros de extensão, a malha ferroviária brasileira era operada por
quatro empresas que respondiam por 95% do total de cargas deslocadas por ferrovia. Três
eram controladas pelo Governo Federal: Rede Ferroviária Federal S.A.; Estrada de Ferro
Vitória a Minas e Estrada de Ferro Carajás. As duas últimas pertencem ao patrimônio da
Companhia Vale do Rio Doce. A quarta operadora é a Ferrovia Paulista S.A - FEPASA e
6
Trechos extraídos do texto Rastros das múltis. In: Retrato do Brasil. São Paulo: Política, 1984, v. 4.
25
pertence ao Governo de São Paulo. Essas empresas transportam minérios metálicos e
produtos da indústria siderúrgica.
O passo seguinte, em curso, é a eliminação da própria Rede Ferroviária
Federal S. A., criada em 1955 e em processo de liquidação desde 1999. São poucas as
ferrovias que atualmente trabalham com o transporte interurbano de passageiros. Episódios
semelhantes a esses se multiplicaram:
Primeiro de junho em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul: acaba a última viagem do
trem de passageiros que ligava a cidade à capital, Campo Grande.
Três de setembro em Montes Claros, Minas Gerais: o trem baiano sai, pela última
vez, para Monte Azul.[...]
Em 1° de dezembro saiu de circulação o Expresso Mantiqueira, que ligava Juiz de
Fora a Santos Dumont, e em breve será desativada a linha Cataguases-Miguel
Bournier, na Zona da Mata7.
Todas essas notícias referem-se a acontecimentos do ano de 1996,
conseqüências imediatas das concessões de empresas ao capital privado, mas também
frutos de um processo um pouco mais longo iniciado em meados da década de 50 e
fortalecido a partir de 1964, visando extinguir os ramais ferroviários do interior,
principalmente os de passageiros. As principais justificativas para esse desmonte
baseavam-se nos déficits constantes das ferrovias federais e na implantação da indústria
automobilística: o transporte ferroviário, obsoleto e deficitário, não mais atenderia às
necessidades de segurança e rapidez no transporte de cargas e de passageiros, o que seria
satisfatoriamente atendido pela rodovia.
Analisando a trajetória da Estrada de Ferro Leopoldina, esse trabalho
investiga a política de “erradicação de ramais ferroviários”. A área de atuação dessa
empresa incluía, além do Estado do Rio de Janeiro, um quarto do Espírito Santo e uma
7
Estações fechadas. A RFFSA abandona o transporte de passageiros e libera os trilhos. Revista CNT, n. 2, v.20, p. 46-47, dez. 1996.
26
pequena parte do Sudeste de Minas Gerais. Compreendia, ao todo, cerca de 80 mil km2,
tendo, em 1960, uma população estimada em 6,2 milhões de habitantes, dos quais 3,2
milhões no território fluminense.
As empresas, como a Leopoldina, que já traziam antigos déficits
operacionais, tornaram-se alvo de atenções do governo, empenhado no fortalecimento do
transporte rodoviário. Por outro lado, regionalmente, as oficinas de manutenção ferroviária
foram extintas, provocando o desemprego; as ligações inter-regionais e interestaduais
também foram dificultadas. Todas as estatísticas e estudos dos órgãos técnicos
governamentais e dos periódicos especializados, apontam o déficit permanente dos
chamados “ramais antieconômicos”. Este trabalho procura mostrar de que forma,
politicamente, o aparelho burocrático do Estado articulou medidas de conseqüências tão
drásticas (a curto, médio e longo prazos) para a população e para a economia de várias
regiões do interior. Interessa, ainda, resgatar o conflito social presente na articulação da
política de transportes e definir o arranjo de "fronteiras" que se estabelece com a extinção
dos trilhos e a proliferação das estradas de rodagem.
O período abordado, de 1955 a 1974, engloba desde a política
automobilística de Juscelino Kubitschek, marco essencial no desmonte das ferrovias, até a
extinção do Departamento Nacional de Estradas de Ferro - DNEF. Marca também a
extinção da Contadoria Geral de Transportes e do Conselho de Transportes e Tarifas. As
tarefas relacionadas ao controle e coordenação do tráfego mútuo, bem como o rateio da
receita gerada entre as ferrovias foram atribuídas à RFFSA. Dessa forma, o sistema
ferroviário ficava sem força efetiva de regulamentação e coordenação, agravando a
estagnação dos subsistemas ferroviários8. De modo geral, em todo esse período, as linhas
8
Cf. Revista Ferroviária, p. 27, nov. 1994. SEDOC/RFFSA
27
básicas da política de desativação ferroviária tiveram continuidade. Alguns trechos de
transporte de passageiros do subúrbio do Rio de Janeiro e de outras grandes cidades foram
mantidos, ainda que com pouco ou nenhum cuidado, e o interestadual, praticamente
erradicado.
Logo, os objetivos centrais são os seguintes: a) analisar a política do Estado, em
nível federal, que desativou os ramais ferroviários do interior, no geral, e em particular os
da Estrada de Ferro Leopoldina no interior dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e
Espírito Santo; b) verificar as conseqüências da extinção dos trens nessas regiões; c)
estudar a história administrativa e política da empresa ferroviária Leopoldina. Para isso,
trabalhei com as seguintes hipóteses:
Sobre as razões para a desativação das linhas de trens do interior, considero que
esse desmonte foi devido não somente à concorrência rodoviária ou aos déficits da
Leopoldina, mas, principalmente à política de transportes definida a partir do Estado
brasileiro no período de 1955 a 1975. Com a configuração de um novo padrão de
acumulação capitalista mundial, baseado na industrialização e na urbanização, o Estado,
visto enquanto uma relação de forças (Gramsci:1978), define e prioriza novas áreas
estratégicas, fazendo um rearranjo no setor de transportes. Os ramais ferroviários
considerados não estratégicos, são desativados, em contraposição ao transporte de cargas
de minérios, do aço e do transporte suburbano, essencial às fábricas.
Tal política foi o instrumento principal de novos desequilíbrios regionais. Ela
contribuiu para o crescimento urbano e industrial de áreas urbanas do Centro-Sul, mas
também provocou a pauperização de outras áreas localizadas mais para o interior. Esse
direcionamento é responsável pelo crescente inchaço urbano e pela marginalização
daquelas áreas, na época, ainda impactadas pelo fim da economia cafeeira.
28
Embora a E. F. Leopoldina tivesse uma longa história de déficits de operação, o
principal fator que levou à desativação dos ramais do interior não foi exatamente a
insolubilidade dos problemas financeiros, mas uma orientação política mais geral voltada
para a extinção dos trens que não atendessem a interesses estratégicos.
Durante
o
curso
de
Doutorado,
novas
problemáticas
foram
surgindo.
Progressivamente, percebi que a desativação dos ramais ferroviários foi realizada devido a
razões que extrapolavam o domínio puramente econômico. Nesse sentido, a perspectiva
teórico-metodológica adotada permitiu analisar a questão para além da economia, sob os
ângulos da política, da cultura e das lutas entre os vários sujeitos sociais envolvidos.
Segundo Sonia Mendonça:
As lutas simbólicas pela imposição de uma dada visão do mundo social são sempre
lutas pela imposição de uma “fala” ou “representação” legítima, destinada a mostrar
e fazer valer uma dada realidade, que variará segundo as propriedades de posição de
seus enunciadores. Cabe ao pesquisador deslindá-las para, ao fazê-lo, desnaturalizar
a própria história, desconstruindo/reconstruindo uma realidade que – e disso ele não
deve afastar-se – é também por ele representada, ainda que noutro tempo histórico.
(1995: 76)
É no âmbito das agências ou aparelhos da sociedade política, devido à maior
abrangência de seu público, bem como à questão da conquista e/ou afirmação da
hegemonia por um dado grupo ou fração de classe, que as estratégias simbólicas de
construção da realidade social adquirem maior grau de “politização”. (1995:76)
A produção do consenso em torno das políticas públicas passa necessariamente pela
lógica da organização das agências do Estado e pelos conflitos intra-burocráticos. É,
portanto, através do Estado que foi conduzida a política que, ao mesmo tempo que
incentivava o setor rodoviário, contribuía substancialmente e deliberadamente para a
desativação ferroviária:
29
o Estado, no quadro referencial de uma sociedade dividida em classes, já abaliza o
campo das lutas (inclusive aquelas das relações de produção), organiza o mercado e
as relações de propriedade, institui a dominação política e instaura a classe
politicamente dominante, marca e codifica todas as formas da divisão social do
trabalho, todo real social. (Poulantzas. In: Siveira, 1984:88) 9
A forma como o Estado brasileiro veio se constituindo é muito particular.
Em 1995, numa entrevista, Nelson Werneck Sodré denunciava, a propósito da onda de
privatizações naquele momento:
o país se esquece de que muitas das estatais que estão aí na lista da privatização
nasceram da sucata deixada por investidores estrangeiros, concessionários de
serviços públicos que os levaram ao colapso. A Leopoldina Railway, por exemplo,
não passava de ferro-velho quando o governo brasileiro a comprou a preço de
ferrovia. O Estado, no Brasil, funciona mal porque ele existe para manter
privilégios. Ele deveria ser desprivatizado, pois trabalha para poucos e por isso o
povo tem horror a ele.
O Estado é uma entidade política. Mas, para que a opinião pública o valorize, é
preciso que ele seja realmente objeto da ação dos cidadãos. Isso não é costume no
Brasil. A política é privada e, portanto, o Estado é privado. Nossa política tem sido
dominada de forma quase absoluta por minorias.10
Assim, é necessário cuidado para analisar o Estado no Brasil. Historicizar a
sua atuação é fundamental para não sermos levados a apressadas generalizações. Na área
da política econômica a arena de enfrentamento político tem sido privilégio de poucos.
Fontes
A maior parte das fontes referentes às ferrovias no Brasil estão concentradas no
Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacional e na Biblioteca da Administração Geral da
RFFSA - SEDOC. Sendo que as fontes e bibliografia de períodos mais recentes estão
9
Nicos Poulantzas. O Estado, os poderes e as lutas. (In: Silveira (org.), 1984: 88)
Corrêa, Marcos Sá. Nas mãos de Deus. Veja, 27/09/95, p. 08.
10
30
majoritariamente concentrados nesta última. Trabalhei com a legislação sobre transportes,
relatórios do Ministério de Viação e Obras Públicas, posteriormente Ministério do
Trabalho e com os relatórios e outros documentos das demais agências de transportes. De
igual importância, foi a consulta a periódicos especializados do setor de transportes e da
construção civil.
Com a criação da Rede Ferroviária Federal S.A., em 1957, muitos
documentos existentes nas antigas empresas e nos municípios foram recolhidos à sede do
novo órgão. Infelizmente, como é de hábito no Brasil, vários foram os documentos
perdidos e/ou descartados. Depois, em anos recentes, com o processo da privatização, as 4
Bibliotecas Regionais da RFFSA encontram-se fechadas (Belo Horizonte, Juiz de Fora,
São Paulo e Curitiba). Parte de seu acervo foi incorporado à da Administração Geral.
Evidentemente, mais uma vez, grande parte do acervo se perdeu, o que é um claro sintoma
do "esquecimento" proposital a que vai sendo relegada a história ferroviária do Brasil.
Quanto aos museus ferroviários, a situação não é muito diferente: alguns
encontram-se fechados (Campos-RJ e Juiz de Fora-MG), outros extintos (Belo HorizonteMG e Fortaleza-CE) e alguns ainda resistindo (Rio de Janeiro-RJ, São Paulo-SP, Miguel
Pereira-RJ, Bauru-SP, São Leopoldo-RS, Curitiba-PR, Recife-PE e São João Del ReyMG). Outros, são de duas empresas em particular, a Estrada de Ferro Vitória-Minas, parte
da Companhia Vale do Rio Doce (localizado em Vitória-ES) e os Museus da Companhia
Paulista de Estradas de Ferro (localizados em Jundiaí e em Sorocaba).11
Os engenheiros e sua principal associação, o Clube de Engenharia, sempre
influenciaram na condução de assuntos estratégicos no Brasil. Em relação às ferrovias,
além do trabalho técnico, foram também dirigentes de empresas e minuciosos
11
Essas Informações são permanentemente atualizadas pelos organizadores da página virtual "Memória do Trem":
www.alternex.com.br/~spmtjbs
31
memorialistas. E, sem dúvida, influenciaram na condução da política ferroviária. Daí, optei
por consultar alguns números da Revista do Clube de Engenharia, principal veículo de
divulgação desse órgão.
Sobre a EFL há poucos trabalhos publicados. Na sua maioria são resumos
históricos publicados nos relatórios da empresa ou da RFFSA, ou então as publicações em
periódicos. A principal fonte memorialística sobre a trajetória histórica da empresa é da
autoria de Edmundo Siqueira: Resumo histórico da Leopoldina Railway Co., LTD. O autor
era funcionário da empresa e, fato comum nesses casos, apaixonado por sua trajetória.
Publicado em 1938, o livro faz uma descrição detalhada da incorporação de todas as linhas
e ramais da empresa, até a década de 1930. É a principal fonte, portanto, para o estudo dos
anos iniciais da EFL, fracamente documentado.
Analisar a história da E. F. Leopoldina, depende da consulta a diversos locais e em
fundos documentais descontínuos. Havia um grande acervo documental da empresa,
depositado no prédio-sede, Barão de Mauá, localizado na Av. Francisco Bicalho, s/n. Toda
a documentação foi perdida e/ou danificada devido a uma das muitas enchentes na região.
Há, ainda, uma documentação espalhada nos antigos depósitos, como o de Praia Formosa.
Assim, alguns relatórios, boletins, cadernetas de campo, balanços, anuários, dentre outros
documentos, encontram-se no Arquivo Nacional, na Biblioteca Nacional e no Setor de
Documentação da RFFSA.
Durante a pesquisa, percorri muitos lugares à busca de documentação sindical da
Leopoldina. Sobre a Central do Brasil, já havia sido constituído o Centro de Memória
Ferroviária, onde existem entrevistas e periódicos. Existe também o Arquivo de Memória
Operária - IFCS/UFRJ, que, em conjunto com o CMF realizou uma entrevista com
Batistinha, por exemplo. Além disso, existiam poucas informações sobre a Leopoldina. Na
própria sede do Sindicato, sugeriram-me que procurasse a Biblioteca do SEDOC/RFFSA,
32
para obter as informações que eu solicitava dos trabalhadores! Descobri, dessa forma, que
a trajetória sindical (caso não se recuperem urgentemente os documentos expostos à
umidade e ao abandono no próprio Sindicato e nos antigos galpões da RFFSA) está na
memória dos seus ativistas. Há que se considerar, ainda, como lembra Marcelo Badaró
(1998:14), que trabalhou basicamente com documentação sindical em sua tese de
doutoramento, que durante o Regime Militar, muitos documentos foram destruídos, ora
como fruto direto da repressão, ora como tentativa de escapar dela, através da “cultura da
clandestinidade”. Recuperar o máximo possível de evidências e de vestígios dos
movimentos sindicais, é não somente um rico campo de pesquisa, mas uma tarefa urgente
se quisermos avançar um pouquinho na compreensão dos sucessos, ilusões e fracassos dos
trabalhadores no Brasil.
A consulta a periódicos da grande imprensa não foi suficiente para acompanhar o
processo do desmonte, como pensava inicialmente, pois seria preciso a consulta dia-a-dia,
o que faria a pesquisa interminável. A “voz” oficial já estava bem representada através dos
documentos pesquisados no SEDOC/RFFSA. Faltava a voz dos atingidos pela extinção dos
ramais, ferroviários e população. Através do contato com representantes de entidades
preservacionistas (Movimento de Preservação Ferroviária, Memória do Trem e Associação
Fluminense de Preservação Ferroviária), obtive endereços de outros pesquisadores e enviei
correspondências para cerca de 30 pessoas, solicitando informações, depoimentos, recortes
de jornais, etc. O resultado foi muito além do esperado e recebi um farto material, que não
foi utilizado integralmente. Realizei, também, duas entrevistas, com depoimentos
temáticos e deparei-me com uma enorme riqueza analítica, que colocava a questão
ferroviária muito além das fronteiras que havia estabelecido de início. Ao questionar sobre
o universo do desmonte, emergiu, qual avalanche, a rica trajetória do movimento dos
33
ferroviários, a especificidade do ferroviário enquanto categoria profissional, a formação
desses trabalhadores e a especificidade dos engenheiros.
Metodologicamente, procurei identificar nessas e em outras fontes, os projetos
sobre as ferrovias, as formas de desativação e os principais atores envolvidos. Não
prescindindo de dados quantitativos, mas a análise qualitativa foi de fundamental
importância na percepção do jogo político. Os argumentos apresentados para as
desativações foram construídos a partir de uma pretensa racionalidade econômica e
repetidos à exaustão em diversas fontes, tornando-se cada vez mais difícil perceber a
existência de projetos divergentes. E, de fato, no âmbito da classe dominante, esse projeto,
que teve discordâncias significativas até 1964, logo alcançou força hegemônica, em parte,
devido aos mecanismos coercitivos da Ditadura, eliminando e alijando eventuais
opositores. De outro lado, o projeto rodoviário teve uma imensa força agregadora, sendo
que as oposições tornaram-se inexpressivas. E o que, numa perspectiva de planejamento
viário, deveriam ser projetos concomitantes (rodovia, ferrovia e outros), tornaram-se
concorrentes, fazendo do Brasil o “país das rodovias”.
Historiografia sobre ferrovia
No geral, há um emaranhado de estudos sobre as ferrovias, sob os seus mais
diversos aspectos: evolução técnica, ferreomodelismo, memorialismo, de um lado. De
outro, os estudos econômicos vinculados ao Estado: obras comemorativas, relatórios
oficiais, estudos diversos. E, por fim, os trabalhos acadêmicos, nas áreas de Engenharia
Industrial, Economia, História e Ciências Sociais. Assim, demarcar o sub-setor de estudos
nesse campo é tarefa fundamental para mapearmos a área da temática deste trabalho.
34
Não farei um balanço historiográfico exaustivo, pois, além de ser tarefa inglória e
inesgotável, outros trabalhos já o realizaram. Citarei apenas algumas obras referentes ao
período inicial das ferrovias e a algumas empresas em particular. Mais especialmente
dedicar-me-ei àqueles que tratam das ferrovias em tempos contemporâneos e,
particularmente, na sua relação com o Estado e com os demais meios de transporte, no
caso, as rodovias.
São muitos os sites na Rede Mundial de Computadores - WWW, que tratam de
assuntos relacionados à ferrovias: museus, discussões técnicas e memória. No Brasil, existe
um
site,
em
particular,
dedicado
à
ferrovia:
Memória
do
Trem
–
http://www.ibase.org.br/~spmtjbs, ligado à Sociedade de Pesquisa para a Memória do
Trem, localizada na cidade do Rio de Janeiro. Os organizadores do site desenvolvem uma
permanente troca de informações com usuários e estudiosos das ferrovias.
Em publicação de 1996, a ANPUH - Associação Nacional de História, inventariou
os pesquisadores e suas respectivas pesquisas. Sobre ferrovias, há o registro de 5
pesquisadores que se dedicam central ou perifericamente ao tema. São trabalhos
relacionados à cultura (2) e à história regional(3)12. A maioria com estudos de caso
localizados nas regiões Nordeste (3), Norte (1) e Sul (1). Portanto, nenhum deles dedicado
ao Sudeste, além de possuírem enfoques temáticos e temporais muito distantes do trabalho
aqui empreendido.
É preciso cuidado para tratar de "ferrovias" em geral, pelo menos até a
década de 1970. Alguns setores do transporte ferroviário subsistiram e foram relativamente
beneficiados, enquanto outros não. Também não é possível mencionar o transporte
12
São as seguintes referências: Gervácio Batista Aranha, projeto: O imaginário do trem na Paraíba: tramas do político, imagens do
moderno, mudanças culturais (1880-1922); Barsanufo Gomides Borges, projeto: A construção da rodovia Belém--Brasília e a integração
do norte goiano; Maria Cecília Silva de Almeida Nunes, projeto: Cotidiano da história do Piauí; Douglas Apratto Tenório, projeto: A
continuidade das oligarquias: Alagoas na Velha República e Nilson Thomé, projeto: Acordo de limites Paraná-Santa Catarina. Somente
35
ferroviário sem tratar das modificações paralelas no cenário econômico brasileiro, pois a
construção e a desativação de algumas ferrovias respondia a mudanças estruturais
estratégicas. À época do boom das desativações, as chamadas ferrovias estratégicas foram
priorizadas, para transporte de grãos e de minérios. As ferrovias mais afetadas nas décadas
de 50-70 foram as de transporte inter-regional, particularmente o de passageiros. Daí, por
exemplo, serem arrancados os trilhos da E. F. Leopoldina, mas, por outro lado, reforçada a
E. F. Vitória-Minas, para o transporte de minérios. Ou seja, dentro de dois estados da
federação, Minas Gerais e Espírito Santo, são priorizadas áreas diferentes. As antigas
regiões cafeeiras, que agora viviam da pecuária e da policultura, perderam a importância
diante das regiões de minério para exportação. Priorizava-se a exportação, em detrimento
do desenvolvimento do mercado interno. O transporte de trens suburbano que, na década
de 70, era visto como estratégico, por conta da localização das fábricas (de levar e trazer
passageiros dos subúrbios para o centro, por exemplo), a partir da década de 80 passou
para segundo plano, face à crescente desaceleração industrial e mudanças tecnológicas,
poupadoras de mão-de-obra. Por último, mas não menos importante, a extinção das
ferrovias é um processo que se desenvolve paralelo ao crescimento da indústria rodoviária,
em seus mais amplos aspectos (construção de estradas, indústria de autopeças e de
montagem de automóveis, comercialização e propaganda etc.).
O governo brasileiro, sob a gestão de Fernando Collor de Melo iniciou o
processo das privatizações em 1992, o qual foi religiosamente seguido pelo staff de
Fernando Henrique Cardoso, a partir de 1994, nos seus dois mandatos consecutivos. Os
desdobramentos dessa política ainda se fazem sentir e, certamente, as principais
conseqüências ainda estão por acontecer. Atrasos, apedrejamentos, acidentes constantes,
deste último consta um livro publicado, especificamente sobre ferrovia: Trem de ferro: história da ferrovia do Contestado. Florianópolis:
Lunardelli, 1993. 198 p.
36
material rodante desgastado, falta de investimentos formam o quadro ferroviário das
grandes metrópoles, invertendo-se o quadro da década de 1950: rede decadente, privatizase a baixíssimos preços. Provavelmente, quando estiverem ainda mais sucateadas, estatizase novamente. Esse é o aparente non sense da administração "pública" brasileira. A quem
interessa o transporte ferroviário?
Memória e memorialistas
Os relatos memorialísticos sobre ferrovias se multiplicam, sejam aqueles
independentes, escritos por curiosos e/ou apaixonados pelo tema ou mesmo aqueles
produzidos por profissionais (geralmente engenheiros) que escreviam sob encomenda com
vistas a alguma data comemorativa. Ressalta-se o livro de Eduardo G. David, 125 anos de
ferrovia, 1858-1983 (1985), sobre a trajetória da E. F. Central do Brasil, já trazendo
algumas referências ao processo de desativação dos ramais ferroviários.13
No entanto, sobre a E. F. Leopoldina, especificamente, há poucos trabalhos
publicados. Algumas dissertações e teses tratam dessa empresa, porém analisada em
conjunto com todas as outras, como é o caso da tese de Margareth Martins e da dissertação
de Andréa Rabello, citadas mais adiante. Na sua maioria, todavia, são resumos históricos
veiculados nos relatórios da empresa ou da RFFSA, ou então em periódicos.
A principal fonte memorialística sobre a trajetória histórica da empresa é da
autoria de Edmundo Siqueira. Resumo Histórico da The Leopoldina Railway Company
13
A bibliografia sobre as estradas de ferro em geral é extensa. Pode-se destacar: a) Ademar Benévolo. Introdução à História Ferroviária
do Brasil. Recife: Edições Folha da Manhã, 1953; b) Eduardo Gonçalves David. 127 anos de ferrovia. Juiz de Fora: Esdeva, 1985; c)
Sob a perspectiva governamental, é referência a obra de Francisco Ferreira Neto. 150 anos de Transportes no Brasil. Rio de Janeiro:
CEDOP do Ministério do Trabalho, 1974 e a seguinte edição comemorativa: IBGE/Conselho Nacional de Geografia. I Centenário das
Ferrovias Brasileiras. Rio de Janeiro: IBGE, 1954.
37
Ltd. (1938). Todos os informativos oficiais ou constantes em periódicos sobre a formação
da empresa foram extraídos desse trabalho. O livro faz uma descrição detalhada da
incorporação de todas as linhas e ramais da empresa, até a década de 1930. É a principal
fonte, portanto, para o estudo dos anos iniciais da EFL, fracamente documentado.
Produção acadêmica
Especificamente
na
área
de
História
em
geral
e
da
História
Econômica/Empresarial em particular, os estudos sobre ferrovias se concentram no período
de sua implantação, a partir de meados do século XIX, geralmente investigando a relação
café-ferrovias nos espaços regionais (Mattos, 1974; Castro, 1979; Saes, 1981; El-Kareh,
1982; Martins, 1985). Embora não sendo o viés central de análise, alguns trabalhos tratam
do surgimento da Estrada de Ferro Leopoldina, dentre outras (Blasenheim, 1982; Rabelo,
1996).
Alguns desses trabalhos têm o mérito de, sob o ponto de vista econômico,
descobrir suas clivagens e desvendar as tramas políticas na implantação e manutenção de
ferrovias (Queiroz,1997). Saliento, ainda, que a lógica econômica muitas vezes está
permeada por questões pertinentes ao domínio do cultural e do simbólico, resultado das
lutas entre classes e frações de classes sociais. É o que apontam alguns dos trabalhos
analisados, que a despeito de nem sempre vinculados diretamente à temática central desta
pesquisa, ampliaram o universo de análise, fazendo-me atentar para os diversos aspectos de
uma questão aparentemente ligada ao âmbito estritamente econômico, como é o caso do
empreendimento ferroviário. É principalmente o caso do trabalho de Francisco Foot
Hardman (1988).
38
Ainda que escape às abordagens da história econômica, inserindo-se nos
domínios da Filosofia, impossível não mencionar a tese de Francisco Foot Hardman,
posteriormente transformada em livro. É o Trem Fantasma. A modernidade na selva,
tratando sobre a E. F. Madeira Mamoré e suas representações espectrais. Nada mais
emblemático e mais revelador da história ferroviária brasileira do que a história da
Ferrovia do Diabo, aquela que ligava o "nada ao lugar nenhum". Construída sobre
cadáveres da/na selva, custou a vida de milhares (estima-se em 6 mil o número aproximado
de mortos, entre 30 mil construtores) de trabalhadores, incluindo índios, chineses, italianos,
norte-americanos, hindus e antilhanos. A primeira fase de construção, 1878-9 não concluiu
a ferrovia, a obra foi reiniciada em 1907. O projeto de ligação intercontinental ganhara
força com o Tratado de Petrópolis entre Brasil e Bolívia, assinado em 1903 visando
encerrar a Guerra do Acre. Pelo tratado, o Brasil obrigava-se a construir uma ferrovia
desde o Porto de Santo Antonio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, como um
ramal que se estendesse até Vila Bela, na Bolívia.
Hardman mostra que de todos os fatores que levaram o governo brasileiro a
essa construção, embora exploradores e oportunistas muito tenham lucrado com ele, em si
não representava um motor de desenvolvimento. A localização geográfica não justificava o
empreendimento, os fretes sairiam caríssimos. No final das obras, em 1912, vivia-se o
grande colapso da borracha, a queda dos preços do látex afetado pela concorrência da
produção asiática. Para Hardman:
a decisão de construir aquela estrada de ferro numa região insalubre e quase
inacessível possui determinações mais específicas que passam pela afirmação
nacional, pelo desejo de dominar o desconhecido e selvagem, pelo afã – em dado
momento, incontornável – de percorrer territórios estranhos e de transformá-los,
neles imprimindo as marcas conhecidas da engenharia mais avançada (1988:137).
39
Impossível, assim, encerrar o estudo da ferrovia Madeira-Mamoré no estrito
âmbito econômico.
Continuando e ampliando seu trabalho de mestrado numa tese de
doutoramento, Margareth Martins analisou a relação entre o Estado brasileiro e as
empresas ferroviárias, de 1934 a 1956 (Martins, 1995). Partindo da noção de ineficiência
econômica e administrativa e utilizando uma farta documentação, a autora trabalha com
algumas hipóteses como: a) a ineficiência das estradas de ferro estava mais ligada à
aplicação de investimentos ferroviários de maneira inadequada, que assegurava sua
presença em áreas economicamente inviáveis, deixando em um segundo plano os
problemas administrativos propriamente ditos (...); b) a crescente intervenção do Estado no
setor ferroviário não foi acompanhada de medidas de coordenação e centralização
correspondentes, representadas pela ineficiência do planejamento. De 1934 a 1956 as
ferrovias brasileiras teriam vivido sob o domínio da improvisação. Ressalta que a
ineficiência não era um privilégio da administração pública. As ferrovias de administração
privada também eram caracterizadas pelos serviços de má qualidade e só se apresentavam
lucrativas quando apoiadas em condições excepcionais fornecidas pelo governo brasileiro.
Quando o Estado assume a coordenação administrativa, com a Rede
Ferroviária Federal, já era tarde demais: "ferrovias já não eram tão necessárias para a
geração de desenvolvimento econômico, um bom sistema viário, descentralizado baseado
no sistema rodoviário passou a ser necessidade mais imediata" (Martins, 1995: 373).
Discordando parcialmente de Martins, considero que, em toda a história do
Brasil, um "bom" sistema viário nunca existiu. Racional e economicamente falando,
Martins tem suas razões. Mas há outros aspectos que permeiam as decisões econômicas.
Procuro encaminhar a análise aqui realizada “por dentro” do discurso econômico oficial,
tentando desmontá-lo e recusando-me a absorver a sua lógica, inserindo aí as questões
40
políticas a ele internas/externas. Economia é antes de tudo, política. Não existe uma lógica
econômica independente de decisões políticas e a economia por sua vez, não está
descolada da sociedade, como nos querem fazer crer os "economistas no poder". Não
esqueçamos dos grupos de pressão: lobistas atuando a favor de empreiteiras e da indústria
de autopeças.
São poucos os estudos que se concentram no período após 1930.
Particularmente no campo das ciências sociais, raros estudiosos se dedicaram ao fenômeno
da extinção das ferrovias e da implantação da industria automobilística/rodoviária no país.
Segundo a avaliação de Jorge Natal (1991), na literatura de economia e história brasileira:
o tema dos transportes aparece apenas como apêndice; vale dizer, não existe no
âmbito acadêmico nacional uma reflexão sistemática sobre os transportes no Brasil
na perspectiva da gênese e do desenvolvimento do capitalismo brasileiro (1991: 06).
Tratarei de alguns desses trabalhos a seguir, um pouco mais detalhadamente
do que os anteriores, já que se referem diretamente ao problema central desta tese. São
geralmente teses e dissertações ainda não publicadas. Como o tema da relação
ferrovia/rodovia é pouco visitado, optei em considerar também os trabalhos produzidos há
mais de uma década.
O historiador Mivaldo Messias Ferrari, em sua tese A expansão dos sistema
rodoviário e o declínio das ferrovias no Estado de São Paulo (1981), recupera importantes
apontamentos sobre a trajetória inversa de rodovias e ferrovias. Afirma que após a década
de 1920, quando teve início a era rodoviária no Brasil, não se acreditava que o sistema
ferroviário, que detinha o monopólio dos transportes no Brasil, pudesse ser afetado pela
concorrência rodoviária. Acreditava-se que as rodovias seriam grandes alimentadoras das
ferrovias (p. 158). Após a década de 1940 e, principalmente, após 1950, modifica-se o
prognóstico. Estimulava-se a competição desordenada entre os transportes ferroviários, de
41
cabotagem e o rodoviário: "os dois primeiros por apresentarem menor flexibilidade
operacional, administrativa e tarifária, deterioram-se, enquanto o último expande-se de
forma excessiva, ganhando a hegemonia absoluta, tanto no transporte de cargas, como no
de passageiros" (Ferrari: 162).
Para Ferrari, ainda que houvesse uma tendência mundial de declínio do
sistema ferroviário, no Brasil, ela foi mais acentuada, denunciando uma política rodoviária
intensiva. No entanto, afirma em seguida que o problema do transporte no Brasil se deve,
menos ao vertiginoso desenvolvimento do sistema rodoviário, do que à ineficiência das
demais modalidades, principalmente das ferrovias (p. 171). Em todo o período abarcado
por seu estudo - de 1920 a 1970 - Ferrari postula que a decadência do transporte ferroviário
deveu-se à falta de modernização técnica e de condições para atender às necessidades de
infra-estrutura de transportes solicitadas pelo mercado interno em expansão. Em
contrapartida, havia uma política governamental voltada para a expansão rodoviária, pois,
na década de 30 foram criados o DER paulista e o DNER, que iriam incrementar o
desenvolvimento rodoviário e, ao término da 2a Guerra Mundial, houve a criação da "Lei
Joppert", do Fundo Rodoviário Nacional destinado a financiar o desenvolvimento
rodoviário no país. Ainda segundo o autor, as modalidades de transporte se desenvolveram
mais sob pressão de interesses de grupos econômicos do que sob a influência de um plano
de desenvolvimento de infra-estrutura de transportes que proporcionasse a expansão global
da economia.
No âmbito da Economia, destaca-se o trabalho de Jorge Luiz Alves Natal,
Transporte, ocupação do espaço e desenvolvimento capitalista no Brasil: história e
perspectivas (1991). Analisa os transportes ferroviário e rodoviário no período de 1850 a
1990, considerando que a trajetória inversa dos modais rodoviário e ferroviário estaria
inserida na crise de padrão de desenvolvimento nos anos 50, exteriorizada na segunda
42
metade dos 70. Esta crise manifestar-se-ia no esgotamento do padrão de financiamento e
de transportes, apontando para novas definições institucionais. Trazendo um substancial
suporte analítico, esse trabalho contém, ainda, um vasto estudo estatístico, sistematizando
os poucos estudos sobre a questão. Considera a extinção dos ramais antieconômicos
(embora não problematize este conceito e a forma de sua operacionalização pelas agências
do Estado) como parte integrante da mudança do padrão de desenvolvimento, o que
também será considerado neste trabalho.
Outros trabalhos analisam a questão dos transportes via análise política. O
setor
de
transporte
e,
mais
particularmente,
a
supremacia
do
modelo
rodoviário/automobilístico é visto como o resultado de articulação política, de interesses de
grupos diversos e, também de uma vitoriosa concepção cultural, calcada no modelo
fordista norte-americano. É o caso da dissertação do historiador Flávio Limoncic, A
civilização do automóvel: a instalação da indústria automobilística no Brasil e a via
brasileira para uma improvável modernidade fordista, 1956-1961, defendida em 1997 e
que fornece alguns elementos interessantes para a comparação das trajetórias entre
ferrovias (o projeto extinto) e rodovias (o projeto que se torna hegemônico após a Era JK).
Para o autor, o sucesso da indústria automobilística no Brasil envolvia não
somente o Estado e a burguesia industrial. Através do modelo norte-americano, calcado no
automóvel como objeto central de consumo, construía-se um novo modelo de consumidor
e de ascensão social identificado à sociedade de classe média. Assim, forjava-se todo um
"clima" favorável à indústria automobilística e à obtenção do automóvel como um
cobiçadissímo objeto de consumo, símbolo de status e de ascensão social.. Para
empreender esse trabalho, o autor explorou como fonte a revista Quatro Rodas, a partir da
contribuição teórica de Pierre Bourdieu. O automóvel incorporara-se ao habitus de uma
parcela da sociedade brasileira, "transformando-se em uma espécie de capital simbólico,
43
de elemento diferenciador e distintivo e como a inter-relação entre os campos político,
econômico e cultural, formando um todo irredutível às partes (...)." (p. 120). O governo JK
teria aprofundado um modelo já delineado desde os tempos do governo Vargas, através da
instituição do Fundo Rodoviário Nacional, que criava o imposto único sobre combustíveis
e derivados. Com a implantação da indústria automobilística desencadeava-se um efeito
cascata de investimentos em diversos setores, metalurgia, borracha, metais não ferrosos e
máquinas como: prensas, tornos, gabaritos, motores elétricos, pontes rolantes etc. (p. 161).
Complementando a análise de Limoncic, embora em outra área
(EAESP/FGV), temos a dissertação de Antonio Carlos Accorsi sobre Estados e Grupos
Econômicos. A política de Expansão rodoviária no Brasil a partir de 1930 (1996).
Utilizando o conceito de “anéis burocráticos”, formulado por Fernando Henrique Cardoso,
supõe que os organismos do Estado são utilizados pelos grupos sociais como aparatos
políticos, em detrimento das organizações partidárias, à luz da existência de um sistema
político autoritário e fechado à livre competição partidária e eleitoral. (p. 06)
Para Accorsi, há uma verdadeira simbiose entre poder público e
empreiteiras, com a atuação facilitada graças à autonomização progressiva do DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem e do DER - Departamento Estadual de
Estradas de Rodagem. Somando-se a isso, de 1922 a 1966 não houve qualquer iniciativa
parlamentar sobre a questão das licitações públicas, sendo que cada órgão contratante
definia os critérios para habilitação e julgamento de propostas e fornecedores bem como
procedimentos relativos à administração de contratos firmados junto a terceiros.(p. 40).
Abria-se o espaço para a atuação das empreiteiras de construção civil e de seus agentes
junto ao próprio aparelho de Estado.
Esses trabalhos, partindo de áreas diferentes do conhecimento e também de
diversas perspectivas teóricas, geralmente não coincidentes com aquela aqui adotada,
44
contribuem muito para a complexificação da análise da transformação do setor de
transportes no Brasil. E, particularmente, fornecem elementos para a análise da política
rodoviária, contraponto essencial ao desmonte ferroviário.
De forma geral, as ferrovias são vistas como veículos por excelência do
investimento de capital externo, particularmente o inglês. Alguns trabalhos, como o de
Andréa Rabello (1996), mostram que havia o investimento de capitalistas nacionais nos
empreendimentos ferroviários do Sudeste, quebrando essa hegemonia.
É também comum a afirmação de que as linhas construídas respondiam
sempre ao trajeto áreas de produção-litoral, o que é parcialmente verdadeiro. Todavia, sob
o ponto de vista deste trabalho, essas mesmas linhas acabaram por criar um sistema de
transporte vital a muitas áreas do interior (tanto de passageiros como de mercadorias para
abastecimento do mercado interno), ainda que não fosse esse seu objetivo inicial. Como
em todas as pseudo-reformas realizadas no Brasil, ao se constatarem problemas, não se
eliminam seus fócos, sendo mais comum desmontar-se todo o sistema. É o caso das
reformas educacionais, as do setor da Saúde e, como não poderia deixar de ser, no setor de
transportes. Infelizmente, essas reformas se realizam sob a batuta de interesses privados
(nacionais e/ou estrangeiros), geralmente tentando instituir sistemas rentáveis aos
interesses hegemônicos em determinados momentos.
À medida que a pesquisa se desenvolveu e se fortaleceu o contato com
outros trabalhos de áreas diferentes, segui tentando evitar uma visão ingênua sobre o tema
das ferrovias, presente em alguns relatos memorialísticos, mas igualmente evitando cair no
argumento economicista, da pura racionalidade mercantil. Na primeira visão costuma-se
idealizar o transporte ferroviário outrora existente, “esquecendo” que ele também fora
utilizado de forma clientelista, e servindo muito bem à acumulação de capital num dado
contexto histórico e que igualmente sofria dos males de administrações duvidosas, do
45
descaso para com o transporte público e do descompasso tecnológico, para só citar alguns
dos muitos problemas das ferrovias no Brasil.
Na segunda visão, entende-se e justifica-se a extinção dos trens pelos
motivos explicitados anteriormente, devido aos déficits crônicos e ao fato de a ferrovia terse tornado um transporte antieconômico ou de que muitas das regiões por ela servidas
careciam, também, de expressão econômica. Tento situar esse trabalho entre ambas as
visões, considerando os problemas crônicos das ferrovias não como fenômenos naturais,
mas fruto de intervenções políticas. Ademais, reputo que esse meio de transporte propiciou
a existência de um sistema de abastecimento interno e de transporte inter-regional, ainda
que tenha sido construído em função da economia cafeeira, no sentido radial da produçãoportos. Outro aspecto é o seu legado na memória das populações por elas foram servidas,
não somente pelo saudosismo, mas pelas dificuldades enfrentadas nas locomoções, após a
erradicação dos ramais.
Acredito que a análise política permite a desnaturalização da categoria
"antieconômica" aplicada às ferrovias, ao tratarmos dos interesses envolvidos na
implementação da indústria automobilística, na construção de estradas de rodagem e da
sintomática ausência de investimentos no setor ferroviário. Sem investimentos, sem
melhorias técnicas, evidentemente que as ferrovias perdiam a concorrência para ônibus e
caminhões, tornando-se fantasmas à espera do golpe de misericórdia. As populações
atingidas, de seu lado, deixavam de contar com um transporte que, apesar de "ineficiente" e
problemático, era barato e funcional, permitindo que o pequeno produtor comercializasse
diretamente sua produção, levando seus queijos, aves etc., para cidades vizinhas. Muitas
das vezes, o trajeto dos ônibus que substituíram os trens não respondeu a esses interesses,
além de ter-se tornado progressivamente mais caro. Em algumas regiões, a promessa da
construção de estradas pavimentadas estende-se desde a época do desmonte dos trens e,
46
ainda hoje, serve a interesses eleitoreiros. Enfim, procuro mostrar que a questão do
transporte extrapola a arena da economia, sendo, acima de tudo, um problema social. A
forma com que o Estado organiza o setor, é um sintoma do projeto social, decidido no
enfrentamento político entre as classes e suas frações.
Para tentar dar conta de tantos desafios, o trabalho está organizado em cinco
capítulos. O primeiro apresenta a trajetória histórica desse modal no mundo e
particularmente no Brasil, desde as primeiras construções até as desativações. Projeto
inserido nos quadros da chamada "modernidade”, tanto a sua emergência quanto a sua
desarticulação são sedimentados pelo discurso do novo e da necessidade da transformação
constante. Mudando-se, o status quo permanece intocável. Muito mais radicalizado no
Brasil, a desativação de ferrovias também aconteceu em outros países, em alguns casos,
energicamente barrado pela sociedade, é o que trata o último item do capítulo.
O Capítulo II trata do histórico da Estrada de Ferro Leopoldina, desde sua
constituição, no Brasil, passando por sua compra pelos ingleses, a encampação pelo
governo brasileiro até a fase da constituição da Rede Ferroviária Federal S.A, em 1957.
Aborda, ainda, as regiões atendidas pela empresa, bem como o transporte de carga e de
passageiros (principal alvo do desmonte).
O Capítulo III versa sobre a construção do império automobilístico no
Brasil, de 1955 a 1974. Nesse período, com a implantação da indústria automobilística e do
incremento na construção de estradas, definiu-se um novo padrão de acumulação de
capital, abrindo o caminho para o incremento da extinção dos trens. Trata-se da questão da
política automobilística durante o governo JK, a formação e resultados do GEIA, bem
como do surgimento do “rodoviarismo”. Considerando que há uma continuidade dessa
política durante o Regime Militar, analisa-se a construção de sua legitimidade via obras
47
megalômanas, atentando em particular para a gestão paradigmática de Mário Andreazza
junto ao Ministério dos Transportes.
No Capítulo IV, eixo central da tese, é analisado o papel das agências e
agentes envolvidos na política de supressão de ramais ferroviários, enfatizando o histórico
da política de supressão de ramais ferroviários, bem como as redes de atores vinculadas ao
desmonte.
O Capítulo V trata especificamente da extinção de ramais da Estrada de
Ferro Leopoldina e das principais áreas atingidas, bem como das reações a esse processo.
Concluindo, procuro apontar a supremacia do rodoviarismo no panorama
dos transportes no Brasil contemporâneo. E, também, sintetizar e relacionar os principais
eixos teórico-metodológicos da tese, encaminhando, ainda, considerações sobre as
discussões mais atuais em torno do sistema de transportes, utilizando, para isso, livros,
artigos e informações da Rede Mundial de Computadores.
CAPÍTULO I
A FERROVIA COMO QUESTÃO HISTÓRICA
Desespero.
Não há nada mais triste do que o grito de um trem no silêncio
noturno. É a queixa de um estranho animal perdido, único sobrevivente de alguma espécie
extinta, e que corre, corre, desesperado, noite em fora, como para escapar à sua orfandade
e solidão de monstro.
Mário Quintana. Antologia Poética. 6 ed. São Paulo: Globo, 1997, p. 60.
O conhecimento do passado ajuda a compreender o presente e a prever o futuro
(Citação sobre a foto da locomotiva "Baroneza", no site do Ministério dos Transportes)
No Brasil, atualmente, vivemos o predomínio inconteste das rodovias no
panorama da infra-estrutura viária. Vejamos alguns dados de 1997, relativos aos
transportes terrestres: a extensão total de rodovias pavimentadas e não pavimentadas é de
1.658.677 km, enquanto a rede ferroviária estende-se por 29.577 km. A quantidade de
carga transportada em toneladas quilômetro é de 416.715 por rodovias e 138.724 por
ferrovias. O número de passageiros-quilômetro transportados é de 806.921 nas rodovias e
de 7.514 nas ferrovias (Geipot, 1998).
Contrariando os dados acima, sintomaticamente, a imagem referenciada no
site do Ministério dos Transportes não é a de modernos viadutos, auto-estradas ou
caminhões mas, sim, a da locomotiva "Baroneza", construída em 1852 e originalmente
pertencente à E. F. Mauá, depois incorporada ao acervo da E. F. Leopoldina. Exposta no
Museu Ferroviário do Engenho de Dentro, da RFFSA, no Rio de Janeiro, a "Baroneza", na
versão oficial, cristaliza um símbolo: digna de lembrança (pelo que representa, uma época
49
gloriosa), mas relegada ao passado, imóvel. De uma certa maneira, assenhoriar-se do
símbolo, significa também tentar se apropriar da memória, que é igualmente coletiva.
Lembrando a célebre citação de Jacques Le Goff: "tornar-se senhores da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos
que dominaram e dominam as sociedades históricas" (1992:13).
Se o papel da história é destruir a memória, como analisa Pierre Nora
(1984), então, sigamos contando (e analisando) o "que não faz juz a ser glorificado e se
deposita, grânulo, no poço vazio da memória", como interpretava o poeta Carlos
Drummond de Andrade, sobre o ofício do historiador. O objetivo é trazer movimento para
as imagens aparentemente mortas, cristalizadas no passado. Nesse caso, podemos
concordar parcialmente com a frase citada no site do MT, pois o conhecimento do passado
da política de transportes ajuda, de fato, a entender o presente. Quiçá, a prever o futuro...
O olhar ao passado é direcionado pelas contradições do presente e, no caso específico do
objeto deste estudo, das contradições deste "país de rodovias".
O objetivo deste capítulo é tratar do surgimento do transporte ferroviário,
especialmente no Brasil, enfocando até a década de 1940 e caracterizando-o enquanto
projeto ideologicamente inserido nos quadros da modernidade. Por outro lado, procuro
mostrar que a sua posterior supressão, através da opção pelo transporte rodoviário, é
também a readaptação desse projeto, que pressupõe auto-destruição constante, para que
tudo se conserve. Busquei, como contextualização, alguns exemplos do processo de
desativação de ramais ferroviários em países europeus, asiáticos e americanos.
50
I.1 A Era do vapor e do ferro
"Ferro + máquina a vapor = revolução nos transportes" (Bairoch, 1986:
337). Paul Bairoch analisa a economia européia nas fases de 1820-1840 e 1880-1900 como
prelúdios de um grande avanço industrial e da efetiva maturação desse processo. Por volta
de 1900, os sintomas eram claros: os países abrangidos pela industrialização representavam
30% da população mundial e a produção industrial saltara para 150% em relação a 1750.
Segundo o autor: "as regiões não abrangidas directamente pela industrialização estavam
em vias de vir a ser o mundo subdesenvolvido, por causa das conseqüências desta
industrialização" (Bairoch, 1986:337).
Tratando especialmente do alvorecer da maquinaria, Karl Marx, em O
Capital, chamava a atenção para o fato de que "a revolução no modo de produção de uma
ramo industrial acaba se propagando a outros." (1987, Livro 1, v.1: 437) Assim: "a
revolução no modo de produção da indústria e da agricultura tornou sobretudo necessária
uma revolução nas condições gerais do processo social de produção, isto é, nos meios de
comunicação e de transporte". (id., ibid.) Os métodos da manufatura não se ajustavam
mais à produção da grande indústria, então:
A indústria moderna teve então de apoderar-se de seu instrumento característico de
produção, a própria máquina, e de produzir máquinas com máquinas. Só assim criou
ela sua base técnica adequada e ergueu-se sobre seus próprios pés. Com a produção
mecanizada crescente das primeiras décadas do século XIX, apoderou-se a
maquinaria progressivamente da fabricação de máquinas-ferramenta. Mas só durante
as últimas décadas (que precederam 1866), a enorme construção de ferrovias e a
navegação transatlântica fizeram surgir as máquinas ciclópicas empregadas na
construção de motores. (id.:438)
Na Inglaterra, em particular, o aumento da produção industrial e a sua
concentração regional produziram uma pressão crescente sobre os meios de transportes,
traduzindo-se numa melhoria das vias de comunicação, em particular das redes de canais.
51
Com a introdução da máquina a vapor e com a disponibilidade do ferro a baixo preço,
houve uma verdadeira revolução nos transportes, criando-se as ferrovias. A primeira linha
foi aberta na Inglaterra em 1825. Seguiram-na, Estados Unidos, em 1827; França, em
1828; Alemanha e Bélgica em 1835. Os últimos países seguiram o modelo ferroviário
inglês e acabaram também, de modo particularizado, enfrentando fases semelhantes:
deterioração e encampação (como resultado do não planejamento na implantação);
dinamização da cadeia de relações interindustriais; impactos positivos sobre a Balança
Comercial; ocupação diferenciada (ou não) dos espaços nacionais, etc. (Natal: 1992: 47)
Após 35 anos da inauguração da primeira linha, o mundo inteiro contava
com 100 mil quilômetros de vias férreas em exploração, em 37 países. O Reino Unido
atingiu, em 1850, os primeiros 10 mil quilômetros de vias ferroviárias, seguindo-se a
Alemanha, em 1859 e a França, em 1862. À revolução nos transportes acompanhou a
maior difusão das inovações tecnológicas e, conseqüentemente da industrialização pelo
mundo (Bairoch, 1986: 336-337). Interessante observar, como salientado por Jorge Natal, é
que "o desenvolvimento tecnológico gestado no âmbito da ferrovia e em atividades a ela
relacionada propiciou o aparecimento do motor a combustão interna que, por sua vez,
possibilitou a invenção do automóvel" (1991:47). Vejamos, a seguir, a progressão da
expansão das ferrovias pelo mundo, até 1880, notando-se a sua notável concentração na
Europa e na América do Norte, em contraposição ao restante do mundo. Observe-se, ainda,
a sua expansão na Ïndia, fruto dos maciços investimentos imperiais britânicos,
contrastando-se com o restante do continente asiático:
Quadro 1: Via férrea em milhas (milhares de milhas).
Regiões
Europa
América do Norte
India
Resto da Ásia
1840
Anos
1860
1850
1,7
2,8
–
–
14,5
9,1
–
–
1870
31,9
32,7
0,8
–
63,3
56,0
4,8
–
1880
101,7
100,6
9,3
*
52
Australásia
América Latina
África (incluindo Egito)
Total mundial
–
–
–
4,5
–
–
–
23,6
–*
–*
–*
66,3
1,2
2,2
0,6
128,2
5,4
6,3
2,9
228,4
* Menos de 500 milhas
Fonte: Mulhal, M. A dictionary of statistics. London:1892, p. 495. Apud: Hobsbawn, Eric. A Era do Capital - 1848-1875. Rio de
Janeiro; Paz e Terra, 1982, p. 73.
Ainda que em expansão, a rede ferroviária permanecia suplementar à de
navegação internacional. Como meio de transporte na Ásia, Austrália, África e América
Latina, sua função era basicamente a de ligar regiões produtoras de bens primários aos
portos para a exportação (Hobsbawn, 1982: 76).
Segundo El-Kareh, a revolução ferroviária foi também uma revolução
econômica, expressa no crescimento paralelo da produção mineira (hulha e ferro), da
produção siderúrgica (trilhos, vagões e pontes metálicas), além da produção de máquinas e
motores, dentre outras (1982: 15). Empreendimento de vastíssimo capital empregado, a
construção de ferrovias demandava novas formas de associação, surgindo daí a sociedade
por ações:
A sociedade anônima permitia concentrar capitais em quantidades fabulosas nas
mãos de uns poucos indivíduos, que criavam os mecanismos legais para manter o
controle sobre o capital social da empresa. Em torno da estrada de ferro se
alinhavam e se entrelaçavam interesses industriais (fornecimento de materiais) e
bancários (fornecimento de capitais e serviços, como a venda das ações e
obrigações). Com ela surgiram os grupos econômicos e o capital financeiro (ElKareh, 1982: 15).
No continente ibero-americano a primeira ferrovia construída foi em 1837,
em Cuba, para o transporte do açúcar, onze anos antes do ocorrido na própria metrópole
espanhola. Em termos gerais, o empreendimento ferroviário nessas regiões americanas
representava uma ruptura jurídica, tecnológica, econômica e social em regiões até então
submetidas à lógica colonial e vitimadas pelas guerras de independência. (Fernández,
1998:19)
53
O Estado passou a representar papel essencial no processo de
"modernização", desde as concessões até os incentivos para as construções ferroviárias14.
Em todos os países foram necessárias generosas concessões para que os empreendimentos
se realizassem, tais como: a) cessão da exploração das vias por 50 e 99 anos; b) cessão das
terras necessárias à construção, incluindo o uso gratuito de recursos naturais disponíveis
nas regiões; c) isenção de taxas de importação de materiais ferroviários; d) garantia sobre o
capital investido, pagos na Venezuela, Brasil e Argentina e as subvenções por quilômetro
aberto pagos no México e em Honduras. Esses "incentivos" foram tão fundamentais que,
no caso venezuelano, quando se eliminaram as garantias em 1892, o capital estrangeiro
deixou de investir no setor. De forma geral, as ferrovias respondiam às necessidades das
economias agrário-exportadoras, fazendo o trajeto áreas produtoras-portos, gerando uma
rede extremamente regionalizada. Alguns países contaram com redes integradas
(Argentina, México, Uruguai, Chile, Cuba e El Salvador), graças aos efeitos
multiplicadores ocasionados sobre outras atividades (Fernández, 1998:376 e 379).
No Brasil, a partir da década de 1830 é que surgiram as primeiras leis de
incentivo à construção ferroviária15, sendo que somente a partir de 1850 elas foram
efetivamente iniciadas, conforme Esquema evolutivo das linhas férreas, no Anexo 1. Até o
surgimento das ferrovias, o transporte de mercadorias era penosamente feito em lombo de
burro, enfrentando precárias estradas de chão, do local da produção até os portos. A
expansão da rede ferroviária respondeu, economicamente, sobretudo, à necessidade de
exportação do café, paralelamente a um programa de melhoria dos portos como o de
14
As empresas estrangeiras possuíam em 1880 cerca de 50% da vias abertas em toda a região latino-americana, chegando a 75% no final
do século. O capital investido era majoritariamente britânico, representando 80% e 75%, respectivamente. (Fernández, 1998: 377)
15
A legislação pró-ferrovias foi inaugurada com o Decreto n0 101 de 31 de outubro de 1835: "autoriza o Governo a conceder a uma ou
mais companhias, que fizerem uma estrada de ferro da capital do Império para as de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, e Bahia, o
privilégio exclusivo por espaço de 40 anos para o uso de carros para transporte de gêneros e passageiros, sob as condições que se
estabelecem". Brasil. Coleção das Leis do Império. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1836, p. 118. BN
54
Manaus, Belém do Pará e Rio de Janeiro. Por outro lado, era também uma alternativa de
investimento de capitais fora da esfera da economia exportadora.
Começava, assim, a sinuosa trajetória desse meio de transporte no panorama
nacional. E sinuosa por várias razões. Em primeiro lugar porque o empreendimento
ferroviário inseria-se no contexto de uma sociedade escravista, respondendo aos anseios de
melhoria nos transportes dos gêneros de exportação das frações agrárias dominantes. Além
disso, em algumas regiões, como a fluminense, o início do tráfego de uma linha coincidia
com o início da decadência da região para a qual ela havia sido destinada (Rabello,
1996:26). As ferrovias paulistas também foram construídas para exportar o café, portanto,
aos primeiros sinais da crise do produto, as ferrovias também sentiam seu efeito, iniciando
a trajetória dos déficits (Saes, 1981:187). Com alguma freqüência, as empresas
constituíam-se de linhas que se tornavam obsoletas em pouco tempo.
Nesse jogo de contradições, percebemos a história ferroviária no Brasil
vitimada pelos contrastes do Brasil "Moderno", atravessado pelo que havia de mais atual
em termos de associação do capital financeiro, as sociedades por ações e, do outro lado,
como a outra face da moeda, o trabalho escravo e toda a lógica de funcionamento de uma
sociedade escravista. El-Kareh analisa o funcionamento de uma empresa capitalista no seio
do Estado imperial escravista. Afirma que, na base desse Estado,
para o fazendeiro, o "lavrador" como era chamado, a estrada de ferro era uma dessas
esperanças milagrosas. Se para a nação o trem era o símbolo do progresso, para ele
representava a salvação. A revolução ferroviária significava muito mais do que o
aumento da capacidade de transporte e velocidade; dela dependia sua sobrevivência
como senhor de escravos, como classe. A ferrovia lhe permitia concentrar toda sua
"energia negra" na plantação, seu último reduto. (...) A sociedade brasileira estava
diante de algo novo, de uma empresa de tipo novo. Mas enquanto as novas relações
capitalistas amadureciam rapidamente no setor ferroviário, ali no perímetro mesmo
da estrada, e como que justificando a exploração do assalariado, estava o escravo,
abrindo caminho para o trem passar ( El-Kareh, 1982: 56 e 83).
55
A fase de construção ferroviária explica-se pela necessidade de expansão do
capital estrangeiro, britânico, em particular, pelas necessidades de acumulação interna e é
claro, pelos interesses políticos nacionais. João Manuel C. de Mello aponta a complexidade
do significado das ferrovias no âmbito da economia brasileira: “a estrada de ferro e a
maquinização do beneficiamento não somente reforçam a economia mercantil-escravista
cafeeira nacional. Ao mesmo tempo se opõem a ela, criando condições para a emergência
do trabalho assalariado” (1988:82).
Segundo Ana Célia Castro, a railroadization do território nacional acontece
em dois momentos: o primeiro de 1860 a 1880 e o segundo correspondente ao período
anterior à Primeira Grande Guerra. O Governo brasileiro assegurava, a partir da legislação
de 1857, garantia de juros de 7% sobre o custo estimado da ferrovia, vigorando pelo prazo
da concessão da ferrovia, entre 50 e 90 anos. Havia, ainda, os subsídios para importação de
equipamentos e trilhos; a gratuidade no transporte de carvão; direito no uso de madeiras,
desapropriações, inclusive de minas de carvão, areia, pedreiras, etc; a concessão para
explorar as minas que porventura fossem encontradas no processo da exploração da
estrada. Alguns desses privilégios eram comuns em qualquer país. Segundo Castro, o que
diferenciava o sistema de subvenções no Brasil era a concessão de uma zona privilegiada,
em torno de 30 quilômetros, por onde não passaria nenhuma estrada alternativa
(Castro,1979:48). Segundo Cardoso de Mello, sobre o papel desempenhado pelo Estado
nesse empreendimento:
É indiscutível, também, que o Estado brasileiro, ao conceder garantia de juros aos
investimentos externos em ferrovias, assegurando ao capital estrangeiro
rentabilidade certa a longo prazo, desempenhou um papel essencial. Em suma, o
entrelaçamento do capital mercantil nacional com o capital financeiro inglês,
tornado possível e estimulado pelo Estado, começa por explicar o extraordinário
surto ferroviário na segunda metade dos 60 (1988:80-81). (grifo do autor)
56
Ana Castro divide as ferrovias em três grandes blocos: a) as do café; b) as da cana;
c) as de integração (pouco expressivas até 1900). A importância do capital estrangeiro seria
bem maior nos dois últimos grupos, concentrando-se nas regiões do extremo Sul:
Os estrangeiros construíram, preferentemente, as estradas da "periferia", que se
mostrariam as menos lucrativas; a região mais dinâmica, por sua vez, não só tinha
condições de organizar e construir sua infra-estrutura, como tinha a necessidade
premente de fazê-lo. O papel dos engenheiros nacionais é notável – são eles, em
geral, que fazem os estudos preliminares, que controlam os orçamentos, analisam os
custos e as próprias condições técnicas (1981:56).
O investimento estrangeiro foi menos significativo do que se imagina nas
ferrovias dos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro. Na área capixaba, dos 490 km
construídos até 1886, apenas 218 correspondiam a investimentos ingleses. Também eram
de capital nacional todas as 18 ferrovias fluminenses desse mesmo período. Totalizavam
1.471,541 km construídos por empresários brasileiros, dentre os quais, o Barão de Mauá,
Cristiano Ottoni16 e Mariano Procópio (Castro, 1981: 51). A fraca importância do capital
estrangeiro, principalmente o britânico, nas ferrovias da região Sudeste é confirmada pelo
estudo de Andréa Rabello. (1996:124). Segundo a autora, até o final do Império não houve
investimentos da Inglaterra no setor ferroviário fluminense. A sua implantação contou
basicamente com a participação do capital nacional, público ou particular. No entanto, a
tecnologia, matéria-prima, maquinário e combustível utilizados, provinham de diferentes
países, como a França e Estados Unidos e não somente da Inglaterra, como acreditava-se.
Havia, ainda, as próprias oficinas nacionais, como a Dom Pedro, para a manutenção e até
construção de vagões para várias empresas.
Somente em 1854 seriam realizados os primeiros 14,5 km de caminhos de
ferro brasileiros, que tiveram uma curta existência. Tudo começou quando, em 1852, o
57
financista e industrial Irineu Evangelista de Souza, Barão e Visconde de Mauá, firmou um
contrato com o Governo provincial do Rio de Janeiro para a construção de uma estrada de
ferro que, partindo da Praia de Estrela, no fundo da Baía da Guanabara, iria até a raiz da
Serra de Estrela, contraforte da Serra do Mar, de onde prosseguiria ao vale do Rio Paraíba
e à Província de Minas Gerais. O projeto de uma estrada de ferro ligando o Rio de Janeiro
às províncias de São Paulo e Minas Gerais, existia desde 1835 (lei do Regente Feijó,
mencionada anteriormente). Em 1840, Thomas Cochrane, médico homeopata inglês,
conseguiu autorização para construir um caminho de ferro ligando o Rio de Janeiro a São
Paulo. Durante mais de dez anos tentou, sem sucesso, formar a empresa. Não dispondo de
capital, apesar do apoio legal, o projeto de Cochrane fracassou. Ao contrário, o Barão de
Mauá, tendo obtido o capital inicial, solicitou à Assembléia Provincial do Rio de Janeiro o
privilégio de zona, ou seja, a garantia de que não haveria concorrência no trecho que
abrangia o projeto. Não contava, portanto, com a garantia de juros do governo.
Importante salientar que Mauá, embora ligado a diversos empreendimentos
financeiros, não se vinculava diretamente ao setor agro-exportador escravista. Foi deputado
efetivo pelo Partido Liberal-RS (1857-67), participou da comissão encarregada da
elaboração do Código Comercial, caixeiro da firma comercial do negociante de grosso
trato português João Rodrigues Pereira de Almeida, sócio da casa comercial inglesa
Carruthers & Co., presidente da Sociedade dos Assinantes da Praça (1846-47), negociante
no setor manufatureiro, formando a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia,
juntamente com outros empreendedores sediados no Rio de Janeiro (Guimarães, 1997:
152).
16
Cristiano Benedito Ottoni foi o primeiro presidente efetivo da Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II. Diplomado em engenharia
pela Escola Militar, oficial da Marinha e catedrático da Escola naval, sendo também deputado em várias legislaturas durante o Império e
a República. Publicou diversos trabalhos sobre a memória ferroviária. (Cf. El-Kareh, 1982: 98-101)
58
Em 1852 foi, então, organizada a “Imperial Companhia de Navegação a
Vapor Estrada de Ferro Petrópolis” e iniciada a construção da ferrovia. Houve 26
interessados no projeto, incluindo Richard Carruthers, Alexander Donald MacGregor e
Thomas Fulding. Havia ainda comerciantes portugueses e brasileiros, além de nomes da
política, como os senadores Pimenta Bueno (futuro Marquês de São Vicente), e Teófilo
Otoni. No dia 06 de setembro de 1853, no momento da queda do gabinete do Visconde de
Itaboraí (Ministro da Fazenda no Império que permaneceu por mais tempo no cargo, de
outubro de 1848 a setembro de 1853), Mauá encenou a primeira viagem de trem na história
do Brasil, convidando jornalistas e embaixadores. O relato a seguir é de um dos
participantes:
Enquanto o mundo político se agitava esta manhã, e a espada de Dâmocles,
deixando de oscilar por um momento, caía sobre o Ministério, íamos eu e mais
alguns curiosos, entre os quais os ministros da Inglaterra e da Áustria, arriscamo-nos
a uma experiência no primeiro carro de vapor que trilhava o primeiro caminho de
ferro do Brasil.
Adaptou-se à locomotiva um carro grosseiro de transporte de materiais e sem
demora deitamo-nos todos neste wagon improvisado.
De repente um grito prolongado, estridente, um sibilo de força de cinqüenta
sopranos, estrugiu pelos ares e nos fez levar as mãos aos ouvidos. Era o anúncio da
partida, era o aviso a quem se achasse à frente para acautelar-se do bote mortal,
aviso dado por um tubo da própria locomotiva.
Mais veloz do que uma flecha, do que o vôo de uma andorinha, o carro enfiou-se
pelas trilhas, embalou-se, correu, voou, devorou o espaço e atravessando campos,
charnecas e mangues aterrados, parou enfim arquejante no ponto onde o caminho
não oferece segurança.
O espaço devorado foi de uma milha e três quartos. O tempo que durou o trajeto foi
de quatro minutos incompletos.
Que futuro para o Brasil estávamos vendo nas rodas daquela locomotiva! Felizes
entre nós os que tiverem uma longa vida: estes passarão por grandes cidades, por
grandes estabelecimentos rurais, recordando-se de que os sítios onde transitam
foram paus e matas.
Paz no entanto e descanso eterno à pobre raça muar. Vem o motor invisível
substituí-la nos serviços, com as primazias e vantagens que uma bela manhã sucede
a uma noite escura e feia (Caldeira, 1995: 285).
59
Nesse deslumbramento inaugurava-se a história das ferrovias no Brasil. A
máquina fumegante, devoradora de espaços, atravessaria os mais distantes rincões e, em
menos de um século, perderia esse brilho civilizatório. Somente no dia 30 de abril de 1854
é que de fato se concluía o primeiro trecho ferroviário do Brasil, com bitola de 1,676 e
extensão de 14,5 km, entre a praia, depois Porto Mauá e a localidade de Fragoso, a 1,733
km da raiz da Serra. A empresa possuía três locomotivas, uma das quais a “Baroneza”
(homenagem a Maria Joaquina, mulher de Mauá), fabricadas por Fairbann Sons, de
Manchester. O trem inaugural, composto de locomotiva, três carros de passageiros e um de
bagagem, fez o percurso até o ponto terminal do trecho de 25 minutos, numa média de 35
km/h. Na cerimônia de inauguração, o imperador Pedro II afirmaria:
Os diretores da Imperial Estrada de Ferro Petrópolis e da Companhia de Navegação
a Vapor podem ficar certos de que por igual compartilho o seu regozijo na estréia de
uma empresa que tem de animar tão grandemente o comércio, as artes e a indústria
deste Império (Caldeira, 1995: 293).
Inovando através da conjugação multimodal (ainda que muito precária) de
transporte, a E. F. Mauá transportava passageiros e mercadorias embarcados no vapor
"Guarani", na Praça Mauá e desembarcava em Guia de Pacobaíba, no fundo da baía,
seguindo, então, até a raiz da serra, pela ferrovia (David, 1985: 8). Posteriormente, a E. F.
Mauá seria incorporada à Leopoldina Railway17, em 1890. E, somente em 18 de fevereiro
de 1883 é que os trilhos chegaram a Petrópolis, através de 6 km de linha, em cremalheira.
Sem a garantia de juros governamentais e percorrendo um trecho de difícil acesso e pouca
lucratividade, a E. F. Mauá não se equilibraria financeiramente, sendo superada pela E. F.
D. Pedro II (depois E. F. Central do Brasil), em 1855. Por outro lado, o crescimento
17
Informações extraídas de: Jorge Caldeira. Mauá: Empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 e Rede Ferroviária
Federal S.A./Departamento de Relações Públicas. História das Estradas da Rede Ferroviária Federal. Rio de Janeiro, 1960, p. 05.
SEDOC/RFFSA
60
industrial fluminense já estava numa posição secundária no início do século XX,
contribuindo, dessa forma, para um período de baixa nos transportes na região.
Alguns episódios relativos ao período inicial da construção ferroviária no
Brasil poderiam passar despercebidos, não fosse o contexto, muito freqüente, de
favorecimentos pessoais, interesses escusos e grandes negociatas que envolviam a
implantação dos serviços de infra-estrutura. A expansão das atividades das empresas
estrangeiras e de seus agentes financeiros no Brasil, os chamados promoters, foi facilitada
não somente pela necessidade de implementação dos serviços urbanos e de transportes,
mas devido à aceitação dos governos brasileiros desde o período Imperial. Esses grupos se
estabeleciam no mercado e conseguiam concessões de serviços públicos na maioria das
vezes às custas de suborno a autoridades públicas e fortes pressões políticas18.
Vejamos, por exemplo a trajetória do contrato da E. F. D. Pedro II. Sigamos
a história contada por Caldeira. Depois de quinze anos de tentativas, Thomas Cohcrane
perdeu o privilégio de concessão. Estava aberto o caminho para outra empresa que quisesse
atuar na mesma área, ou seja, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo. Assim, em 09 de
fevereiro de 1855, com base no Decreto 641, o Ministro brasileiro em Londres, Sérgio
Teixeira Macedo, obedecendo às instruções do ministro do Império, assinava contrato com
o empreiteiro Edward Price. Em 09 de maio do mesmo ano, através do Decreto 1599
ficava constituída a Companhia de Estrada de Ferro D. Pedro II. Além de assinar um
contrato para uma obra sem saber quem seria o contratante brasileiro, não havia quaisquer
estudos prévios do traçado e à Price foi possibilitada a escolha das condições para o
18
O caso mais célebre dos promoters talvez seja o de Percival Farquhar. Filho de Arthur Farquhar, industrial de sucesso nos Estados
Unidos, Percival Farquhar presidiu uma mineradora de carvão e foi deputado estadual em Nova York, dentre outras atividades.
Solidificou seu prestígio e sua base econômico-financeira nos Estados Unidos, partindo para os negócios em diversos países da América
Latina. No Brasil, seus empreendimentos se ramificaram de norte a sul, desde a participação na construção da ferrovia Madeira-Mamoré,
na Amazônia, até os empreendimentos na Brazil Railway, num projeto de estrada de ferro que ligaria São Paulo a Rio Grande (SPRG)18. Sobre a biografia e atuação de Percival Farquhar na América Latina, e no Brasil em particular, ver Paul Singer. O Brasil no
contexto do capitalismo internacional - 1889-1930. In: Boris FAUSTO (org.). História Geral da Civilização Brasileira. III. O Brasil
Republicano. 1. Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). São Paulo: Difel, 1985, p.377-389.
61
empreendimento. Esse exigiu todas as garantias, ganhos de porcentagem sobre os gastos,
que não houvesse qualquer exigência técnica sobre o seu trabalho e mais um fixo. Depois
de assinado o contrato e constatadas suas cláusulas leoninas, Macedo foi demitido e
seguiu-se uma verdadeira correria para viabilizar a construção da ferrovia. À base de
empréstimos na City londrina a ferrovia foi construída com linha defeituosa e toda uma
gama de problemas técnicos e operacionais (Caldeira, 1995: 322-325). Contou, desde a
origem, com garantia de juros de 5% do governo imperial, complementada por 2% do
governo provincial. Apesar de toda a sua precariedade, monopolizou o transporte interregional das áreas mais ricas do país.
Outras importantes ferrovias foram construídas ainda no século XIX, a
maioria no Estado de São Paulo, servindo ao complexo cafeeiro, rebaixando custos,
elevando a produtividade e fazendo com que elas se destacassem no cenário nacional como
os empreendimentos mais lucrativos: a Santos-Jundiaí, em 1864; a companhia Paulista de
Estradas de Ferro, em 1872; a Sorocabana, fundada em 1871 e a Companhia Mogiana, teve
seu primeiro trecho construído em 1875. Ao contrário dessas ferrovias, que passaram a
operar com lucro, as outras, impossibilitadas de saldar seus juros ao governo, tiveram suas
propriedades transferidas a ele (Cano, 1977: 53, apud: Natal, 1991: 64).
Apesar de as empresas paulistas operarem com lucro, os empreendimentos
teriam dificuldades posteriores, pois eram tipicamente voltados para a lógica cafeeira,
orientando-se no sentido fazendas-portos (como o era a maioria das outras Estradas). Cada
empresa possuía seu próprio procedimento técnico, administrativo, econômico e financeiro
e na sua configuração espacial se limitavam ao sentido radial (Natal, 1991:68). Segundo
Natal, ainda no final do século XIX esse problema começou a ser objeto da atenção de
vários engenheiros que elaboraram planos que visavam a articulação das linhas e também
62
dos primeiros planos gerais de viação (p. 69). Reconhecia-se, portanto, a crise do sistema
de transporte que mal acabara de surgir.
Em 1901, o governo brasileiro iniciou a operação de resgate de 12 ferrovias
estrangeiras que se beneficiavam da garantia de juros (a maioria delas nas regiões Sul e
Nordeste). Motivo: num momento em que a dívida externa pesava sobre a economia
brasileira, reconsiderava-se a garantia de juros obtida com as leis de 1852 (que concedia
juros de 5% sobre o capital) e de 1857 (que elevava-os para 7%) devido ao rombo
provocado por esses mesmos incentivos junto aos cofres públicos, sempre cobrindo a
diferença que as administrações privadas não se empenhavam em obter da exploração das
estradas. Ana Castro defende, no entanto, que, sem esses privilégios, dificilmente teria sido
possível atrair os capitais estrangeiros. Essa posição é também defendida por Saes, para
quem a garantia de juros, vigorando até o início do século XX marcou o período de
implantação da maior parte das ferrovias no Brasil. (1981:22)
Ainda que o boom das construções das ferrovias paulistas acontecesse no
século XIX, o período de maior expansão nacional ocorreu de 1908 a 1914, em
conseqüência da recuperação financeira no Brasil, após a crise do encilhamento. Em um só
ano, 1910, foram construídos 2.225 km de ferrovias, índice nunca mais atingido.
(Telles,1984:35) Veja-se, por exemplo, através do Quadro 8, que o período de 1908 a 1914
alcançou o índice mais alto de construção, 22,2 % em relação ao ano de 1960 (ano em que
a extensão ferroviária começou a decrescer). É interessante observar que o acréscimo de
linhas foi geral em todo o continente iberoamericano, resultado, em grande parte, do afluxo
de capital estrangeiro. No período de 1901 a 1915 foram construídas 45.936 km de linhas
(o segundo maior índice foi no período 1881-90, com 26.606 km), representando mais de 3
mil quilômetros/ano, conforme o Quadro 2 abaixo. Como exemplo: no México, 7.603 km;
no Brasil 7.944 km e na região Platina (Argentina, Uruguai e Paraguai) 19.489 km.
63
Quadro 2: Ritmo cíclico das construções ferroviárias iberoamericanas.
Ciclo
Km. Construídos
657
7.671
2.764
26.606
17.390
45.936
1.091
14.788
1837-55
1856-75
1876-80
1881-90
1891-00
1901-15
1916-20
1921-30
Média
Media anual
34,6
383,6
552,8
2.660,6
1.739,0
3.062,4
218,2
1.478,8
1.216,3
Índice (média=100)
2,2
31,5
45,4
218,7
143,0
251,8
17,9
121,6
100
Fonte: Dados extraídos de: Jesús Sanz Fernández. Los ferrocarrilles iberoamericanos en perspectiva histórica. In: Jesús Sanz Fernández
(coord.). Historia de los ferrocarrilles de Iberoamerica (1837-1995). Madrid: Fundación de los Ferrocarrilles Espanõles, 1998, p. 23.
A Primeira Guerra Mundial (e a conseqüente dificuldade para importar
equipamentos), a crise de 1929 (e com ela a crise do setor agroexportador) e o início da
expansão rodoviária (além das questões ligadas à política interna, na administração dos
órgãos e das empresas ferroviárias), fizeram com que a rede ferroviária, de modo geral,
estagnasse. De acordo com o quadro acima, percebemos que o índice de novas construções
nos anos 1916-20 foi dos mais baixos desde o período inicial das construções. No Brasil,
especialmente, durante os anos da guerra, a rede brasileira aumentou em 12%, sendo que,
após o conflito, não se produziu uma recuperação da anterior dinâmica construtiva. As
empresas privadas deixaram de mostrar interesse pelas construções. As empresas menores
porque careciam de recursos econômicos e as maiores, porque consideravam que seus
sistemas estavam consolidados, absorvendo grande parte da produção exportadora, como
de fato acontecia, não acreditando na necessidade de ampliação das redes. (Carrasco, in:
Fernández, 1998:187)
Como avaliação geral desse período inicial de construções ferroviárias,
Natal considera que:
[...] não há como negar: o surto ferroviário verificado, a partir de 1870, significou
uma ruptura na história dos transportes no Brasil – a precariedade dos meios de
transportes então existentes era notória. A ferrovia foi um avanço notável: ela se
apresentava como real necessidade de transportes, acelerava a mercantilização da
economia, abria espaços geo-econômicos dentro do país (ainda que limitadamente),
constituía-se em espaço de aplicação de capitais (a nacionais e estrangeiros),
64
possibilitava a integração da economia brasileira (exportadora) à economia mundial
(basicamente ao centro hegemônico do capitalismo, a Inglaterra), etc. (1991:77-78).
Por outro lado, o modelo agro-exportador fez com que o país mantivesse
relações mais intensas com o exterior do que com suas próprias economias regionais.
Segundo Natal:
às economias insulares correspondia um transporte também capsulado. Ora, na
medida em que aquele padrão de desenvolvimento exaure, também este tipo de
transporte se mostre esgotado. Ou melhor: inadequado frente aos novos e crescentes
fluxos de comércio inter-regionais que vão se estabelecendo. É verdade que a
concentração geográfica das ferrovias na região cafeeira (São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais e Guanabara), se bem que cumpria certo papel no desenvolvimento
destes estados, particularmente de São Paulo, evidenciava sua relativa irrelevância
no que tange ao restante do País, afora sua incapacidade de articulação com estas
regiões. (1991:103)
É inquestionável que a mudança de eixo de uma economia voltada para
exportação de produtos primários para outra baseada em substituição de importações,
trouxe consigo também a queda do principal meio de transporte que garantia o modelo
anterior (ferrovia), abrindo caminho para o desenvolvimento de outro padrão (rodoviárioautomobilístico). Todavia, há que se considerar que, embora desenvolvida em torno dos
eixos cafeeiros, as ferrovias do Sudeste favoreceram a criação de toda uma rede de
comércio, de serviços e de indústrias. Muitas das regiões que no passado dedicavam-se ao
café, passaram a comportar uma policultura, indústrias de cimento, de derivados do
petróleo, de interligação com áreas mineradoras ou mesmo da indústria turística que, se
aproveitadas, realimentariam as ferrovias. Não foi essa a "opção brasileira". Estudaremos
mais adiante, parte dos efeitos "indiretos" provocados pelas ferrovias.
I.2 Aventuras e desventuras da modernidade
65
Estranho e impressionante carro de fogo, o trem maravilhava a todos que o
observassem. Em 1866, Binchun, viajante chinês encarregado de observar valores e
costumes ocidentais, observava:
Por volta de quatro horas subimos no carro de fogo. Na frente ia a locomotiva, onde
se queima o carvão de "pedra"; lá se acumula a água que aciona as rodas. O vagão
de trás é preso à sua traseira por meio de um enorme gancho. Seguem-se desse modo
trinta a quarenta veículos onde estão sentados homens e mulheres em número
variável [...] O trem só parte no terceiro toque de campainha. No início ele parece
caminhar, depois, ao fim de alguns avanços irregulares, ele se lança como um cavalo
embalado. O olhar não fixa as casas, árvores, colinas, trilhas que desfilam a toda
pressa [...] (Levy, 1988: 80).
Na literatura, na música e nas artes de forma geral, a cultura ferroviária
sempre marcou presença. Algumas passagens são memoráveis, como essa presente no livro
Cem anos de solidão, de Gabriel Garcia Marquez, quando uma mulher que lavava roupa no
rio desperta Macondo com uma notícia, "num alarmante estado de comoção":
Vem aí – conseguiu explicar – um negócio horrível como uma cozinha arrastando
uma aldeia.
Nesse momento a população foi sacudida por um apito de ressonâncias pavorosas e
uma descomunal respiração ofegante. Nas semanas anteriores viram-se grupos de
trabalhadores que colocavam dormentes e trilhos, mas ninguém prestou atenção
porque pensaram que era um novo artifício dos ciganos, que voltavam com a sua
secular e desprestigiada teimosia de apitos e chocalhos apregoando as excelências de
sabe Deus que miserável panacéia dos xaroposos gênios ierosolimitanos. Mas
quando se recuperaram do espanto dos assovios e bufos, todos os habitantes
correram para a rua e viram Aureliano Triste acenando, com a mão, da locomotiva, e
viram assombrados o trem enfeitado de flores que, pela primeira vez, chegava com
oito meses de atraso. O inocente trem amarelo que tantas incertezas e evidências, e
tantos deleites e desventuras, e tantas mudanças, calamidades e saudades haveria de
trazer para Macondo (1974:200).
Esse espanto e a perspectiva de novidades bem poderiam ser aplicados a
qualquer recanto do Brasil. Novo desafio ao tempo, o trem prenunciava a transformação do
capitalismo rumo a velocidades cada vez maiores e a fluidez do tempo e das coisas: "o
olhar não fixa as casas...". Segundo Francisco Foot Hardman, “com a ferrovia e a
navegação a vapor, o mercado mundial ganhava ao mesmo tempo concretude, o que vale
dizer, nesse caso, que a forma-fetiche das mercadorias estava definitivamente liberada
para encantar toda a humanidade” (Hardman, 1988:39). E, ainda:
66
O trem já partiu.
Sua história passada contém elos perdidos das culturas não oficiais da modernidade.
Sua presença desvela um universo singular de representações. Com as ferrovias,
muito claramente, a técnica se desgarra das formas que a produziram e assume
feição sobrenatural. A paisagem dos caminhos de ferro torna-se, assim, remota, cujo
duplo sentido dá conta das rupturas operadas simultaneamente nas relações com o
tempo e com o espaço, podendo-se aí configurar tanto como localidade perdida
quanto época resgatável. A ordem cronológica quebra-se: o tempo da locomotiva aquela que já fora celebrada como deusa do progresso - permaneceu parado. As
coordenadas geográficas esboroam-se: o trem extraviou-se em algum ramal solitário,
em alguma estação sem nome (Id., ibid.).
Na segunda metade do século passado e princípios do atual, o mundo
ocidental viveu uma verdadeira “febre” das exposições universais, quando a engenharia
ferroviária desempenhou um papel de destaque. Vivia-se a euforia das inovações técnicas,
tanto na Europa quanto no Brasil. A arquitetura de vidro e ferro moldava as estações
ferroviárias, verdadeiros templos da modernidade, lugar dos "encontros e despedidas",
pois,
em pouco tempo a estação ultrapassou seu papel estritamente utilitário, ligado ao
transporte, e tronou-se espaço social de poderoso poder de atração por significar o
novo ligado ao sentido de desenvolvimento e porque as pessoas aí encontravam um
local adequado às aspirações mundanas, ou de lazer, além de uma visualidade nova.
Por essas razões, também na Europa as estações ferroviárias foram vistas e
interpretadas pelos principais movimentos artísticos do final do século. William
Turner, na tela "Chuva, vapor, velocidade", fez a primeira representação em pintura
de uma locomotiva, muito à sua maneira, imersa em vapores e brumas de delicadas
gradações e cores. Os impressionistas muitas vezes se aproximaram deste assunto
como pretexto para dar vazão ao gosto pelas atmosferas, pela irrealidade efêmera da
luz, brumas e da fumaça.
As vanguardas históricas, principalmente os futuristas, enfocavam as gares
destacando sua principal função: lugar de trânsito, mundo de sensações dinâmicas e
símbolo da modernidade. (Costa, 1994:116)
No Brasil, o incentivo às construções ferroviárias veio acompanhado de um
deslumbre: o trem era difundido (embora na prática, os seus traçados não correspondessem
a esse ideal) como o veículo por excelência da integração nacional e condutor da
civilização aos mais distantes rincões. Nessa época, o conferencista Affonso Celso
expressava uma convicção que sintetiza o encantamento em relação ao papel da ferrovia:
67
propaguem-se estas verdades, povoem-se todos os nossos rios de embarcações
destinadas a trazer do interior os nossos produtos, cubram-se de estradas de ferro os
nossos sertões, espalhe-se a instrução por todas as classes sociais, fazendo
desaparecer os preconceitos, e em breve, senhores, numa cidade populosa e rica se
elevará um edifício grandioso, onde se reunirão representantes de todas as nações da
terra, atônitos das riquezas e tesouros aí exibidos, e sobre ele tremulará ovante aos
ventos a bandeira auriverde, que será então o símbolo augusto do progresso - o
estandarte da civilização! (Aplausos, Muito bem! Muito bem!) (Apud: Hardman,
1988: 227)
A ideologia do progresso incorporada ao transporte ferroviário moldou
hábitos sociais, provocou sonhos e esperanças. E, também:
Foi o trem que ajudou a criar nossa percepção do passar do tempo. A estrada de
ferro implantou um tempo universal, abstrato, suprimindo as marcações locais.
Trouxe a experiência do ritmo, da seqüência, elementos que seriam constitutivos do
dispositivo e da linguagem cinematográficos, como o travelling. O trem inaugura o
processo de aceleração das cidades, a rápida sucessão de estilos arquitetônicos, que
caracteriza a metrópole contemporânea.
Mas a ferrovia é também um mundo de coisas que se opõem ao movimento, que
oferecem resistência. Coisas feitas para ficar, não disponíveis à manipulação. Elas
têm peso, inércia, exigem grande esforço. Aqui nada tem a leveza e a transitoriedade
dos objetos atuais. Tudo é feito para mover muitas toneladas. Puxar, empurrar,
19
trabalho sempre reiterado. É o mundo ferroviário: transporte feito por tração .
Símbolo da modernidade e do futurismo, o trem chegava às cidades
desenhando uma nova paisagem urbana, criando bairros e redefinindo o sentido do tempo:
o horário do trem se sobrepôs à hora local, solar e relativa, dada pela igreja. As
diferenças de minutos passaram a ser importantes e, nas cidades maiores, as torres
das estações introduziram relógios marcando a hora exata, conceito até então
injustificado. "perder o trem" tornou-se expressão de incompetência e ridículo.
(Costa, 1994:123)
No entanto, como diz Peixoto, a estrutura ferroviária também se opõe ao
movimento. No Brasil, principalmente, como não houve um esforço para a modernização
dessa modalidade de transporte, ela permaneceu ainda mais pesada, imóvel e cada vez
mais abandonada nos pátios e no meio das matas (como os trens da Madeira-Mamoré). A
68
ferrovia provocou, na cidade de São Paulo, por exemplo, nas regiões Central e Oeste, o
surgimento da primeira fábrica, dos primeiros serviços públicos, das primeiras escolas
técnicas, do primeiro museu de arte e os primeiros prédios de apartamentos. Ali também,
complementarmente, surgiram as primeiras zonas mortas da cidade, com prédios e
casarões aristocráticos abandonados. Paradoxo inerente aos símbolos modernos20.
Segundo Marshall Berman, parafraseando Marx, “tudo o que é sólido
desmancha no ar”:
tudo que é sólido’ - das roupas sobre nossos corpos aos teares e fábricas que as
tecem, aos homens e mulheres que operam as máquinas, às casas e aos bairros onde
vivem os trabalhadores, às firmas e corporações que os exploram, às vilas e cidades,
regiões inteiras e até mesmo as nações que as envolvem - tudo isso é feito para ser
desfeito amanhã, despedaçado ou esfarrapado, pulverizado ou dissolvido, a fim de
que possa ser reciclado ou substituído na semana seguinte e todo o processo possa
seguir adiante, sempre adiante, talvez para sempre, sob formas cada vez mais
lucrativas.
O pathos de todos os monumentos burgueses é que sua força e solidez material na
verdade não contam para nada e carecem de qualquer peso em si; é que eles se
desmantelam como frágeis caniços, sacrificados pelas próprias forças do capitalismo
que celebram. Ainda as mais belas e impressionantes construções burguesas e suas
obras públicas são descartáveis, capitalizadas para rápida depreciação e planejadas
para se tornarem obsoletas; assim, estão mais próximas, em sua função social, de
tendas e acampamentos que das pirâmides egípcias, dos aquedutos romanos, das
catedrais góticas. (Berman, 1986: 97)
Esse movimento extremamente rápido de construir e de destruir é o mais
fascinante e o mais amedrontador do mundo capitalista. O que é “in” num momento, no
seguinte já é “out” e o que interessa, aparentemente, é o movimento criado pelas
"necessidades econômicas", obscurecendo, assim, interesses de grupos dominantes.
Quaisquer que sejam as prioridades da economia e/ou dos interesses dos grupos
hegemônicos, tudo se justifica, ideologicamente. Ao mesmo tempo, ainda que as
manifestações da mudança sejam perceptíveis, na essência, o sistema é o mesmo. Tudo
19
Nelson Brissac Peixoto. "A beleza convulsiva". Mais! Folha de São Paulo, 29/10/1995, p. 05-05. O autor, foi coordenador do projeto
Arte/cidade, que realizou um seminário visando tratar do transporte ferroviário e o futuro das megalópoles, ocorrido na cidade de São
Paulo, em novembro de 1995.
69
muda para que tudo permaneça como está: "é o tempo do capitalismo, em que as forças
produtivas se renovam no interior das relações de produção inalteráveis" (Rouanet,
1992:111). O capitalismo, através de transformações profundas, esgotou o projeto da
modernidade, ainda que, para subsistir se alimente desse esgotamento, e se perpetue nele
(Santos, 1995:102).
O conceito de modernidade, surgido no século XIX21 como resposta cultural
à agressão do mundo industrial, generalizou-se em meados do século XX,
metamorfoseando-se na idéia de modernização, principalmente nos países localizados na
esfera terceiro-mundista (Le Goff, 1992:167). O movimento de descolonização dos países
afro-asiáticos, posterior à Segunda Guerra Mundial, bem como a emergência da liderança
norte-americana tornou mundial a questão do desenvolvimento urbano-industrial e da
progressiva generalização da cultura de massa. Assim, moderno, modernização,
desenvolvimento e progresso foram termos apropriados pelos setores hegemônicos da
sociedade e que cimentaram grandes projetos de transformação na esfera da autoreprodução do capital, excluindo de sua órbita de interesses e benefícios, a grande maioria
da sociedade. Transformaram-se em doxas, no sentido atribuído por Pierre Bourdieu, ou
seja, um conjunto de pressupostos dados como evidentes, "aquém de qualquer discussão,
porque constituem a condição tácita da discussão"22. E a difusão desses conceitos foi tanto
mais forte quanto mais dependente era o país em que essas transformações se operavam.
Nos projetos de modernização, a idéia de novo assume um papel central. No
dizer de Jacques Le Goff, no sentido não pejorativo (como no caso dos homines novi, na
Roma antiga, homens sem passado, novos-ricos), o termo tem o significado de nascido,
20
Idem, p. 04.
Segundo Jacques Le Goff: "o termo "modernidade" foi lançado por Baudelaire no artigo La peintre de la vie moderne, escrito na sua
maior parte em 1860 e publicado em 1863. O termo teve um sucesso inicial limitado aos ambientes literários e artísticos da segunda
metade do século XIX; teve depois um reaparecimento e uma ampla difusão após a Segunda Guerra Mundial". (1992:188)
21
70
puro: "mais do que uma ruptura com o passado, 'novo' significa um esquecimento, uma
ausência de passado" (Le Goff, 1992:173). A cada novo projeto, o passado se esvai. Fazse, de preferência, tábula rasa da experiência humana pregressa e, conseqüentemente, do
devir, moldável aos "novos" interesses. Como sintetiza Peixoto: "é porque o antigo nos
aparece como ruína que o aproximamos do moderno, igualmente fadado à destruição"
(1995:04).
A ferrovia desempenhou um importante papel transportando mercadorias e
passageiros; décadas mais tarde sua função seria reavaliada, em função de um "novo"
projeto:
a ferrovia foi perdendo a sua missão pioneira, deixando de ser a locomotiva o
veículo desbravador de novos horizontes, para fixar-se no seu papel legítimo de
estimuladora do progresso pela rápida e densa movimentação de utilidades. O
caminhão, embora com sacrifícios iniciais, passou a executar a tarefa desbravadora,
23
enquanto o avião se apresta para idênticos objetivos.
A partir de 1913, paralelamente ao discurso de ineficiência da ferrovia, que
já se esboçava, surgiam os argumentos de exaltação às rodovias, defendidos pelos diversos
governantes e assessores. Em 1926, Washington Luís diria que “governar é abrir estradas”,
frase que tornou-se célebre para expressar o rodoviarismo no país. Não coincidentemente,
o dia 13 de maio de 1926 é considerado o início da “Era Rodoviária” no Brasil. De acordo
com Natal, coube ao engenheiro Paulo de Frontin, em 1927, a responsabilidade da
divulgação de um documento que representou a primeira inflexão, no plano do discurso,
sobre a concepção dos transportes: Política de Viação Brasileira, atuais redes de
comunicação, futuras redes. Nele, a rodovia aparecia não mais como alimentadora da
22
O conceito de doxa é desenvolvido por Pierre Bourdieu ao analisar o campo científico, afirmando que a "ciência jamais teve outro
fundamento senão o da crença coletiva em seus fundamentos, que o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe". O
fundamento do consenso acontece a partir do campo da doxa. (In: Ortiz, 1994:145).
23
Francisco Capistrano do Amaral. Histórico do Departamento Nacional de Estradas de Ferro. Estradas de Ferro do Brasil. Suplemento
da Revista Ferroviária, 1958, p. 31. [grifos DAP] SEDOC/RFFSA
71
ferrovia (visão predominante até então), mas como desbravadora (1991:75). Daí em diante,
esse argumento adquiriu força a ponto de direcionar a política de transportes.
Todavia, com exceção da União e Indústria, inaugurada em 1861, e a RioPetrópolis, inaugurada em 1926, pouco mais se construiu. Somente a partir do final da
década de 20 os governos brasileiros iniciaram uma política efetiva de construção da rede
rodoviária (Monteiro, In: Linhares (org.), 1990: 218-219).
Em setembro de 1922 aconteceu, no Rio de Janeiro, o 2o Congresso SulAmericano de Estradas de Ferro, reunindo, além do Brasil, representantes do Chile, Peru,
Argentina e Uruguai. A grande vedete do encontro foi a eletrificação da Companhia
Paulista, uma das duas mais prósperas do país (a outra era a Inglesa, também particular).
Mas, naquela ocasião era fato preocupante a "decadência" da maioria das estradas de ferro
no Brasil.
A partir do final da década de 30 e início da de 40, com o início de uma
política estatal voltada para a industrialização, se implementaram novas políticas de
transportes, as quais no entanto, perderam cada vez mais para a construção de rodovias, em
função da implementação da indústria automobilística. Em 1945 cerca de 70% das
ferrovias situavam-se na Região Sudeste, com um total de 35.280 km de estradas
instaladas.
Essa tendência à modificação no padrão de transportes em favor das
rodovias é apresentada em alguns documentos como fruto de uma característica
"psicológica" do povo brasileiro, a idolatria pelo novo. Vejamos um trecho exemplar
presente no Relatório da CMBEU - Comissão Mista Brasil - Estados Unidos (que será
melhor analisada no capítulo seguinte):
A idéia de que a estrada de ferro é velho sistema de transporte, se comparada com a
aviação e o transporte motorizado nas rodovias, induz espontaneamente à conclusão
de que ela é antiquada, sem qualquer exame aprofundado. No Brasil, êste fator
72
psicológico tem força relativa às condições de país novo e relativamente inculto, em
que as tendências conservadoras ainda são débeis. Por outro lado, êle é estimulado
pela realidade das ferrovias locais, em que o equipamento e as normas de serviço são
24
precários e obsoletos .
Essa "idolatria", para os autores do Relatório, estava aliada ao "fraco poder
de discernimento" e a preferência pelo novo nem sempre guardaria correspondência com a
escolha do bom25. Todo o aparato administrativo/político formado a partir dos anos 20/30 e
atuante no redirecionamento do padrão de transportes "encontrou" uma justificativa
naturalizante nas "características psicológicas" do povo brasileiro. A modernidade já
estaria presente no meio social, como um componente inato, logo, receptivo às
transformações.
Vejamos um comentário acerca da inauguração de trechos da rodovia RioBahia, em maio de 1963, num importante periódico que, embora não ligado aos órgãos
governamentais, sempre veiculava e defendia as posições oficiais:
a Rio-Bahia, vivificando cidades, vilas e povoados, até então anônimos e
adormecidos, tronco de rêde capilar de outras estradas, como um elo de Unidade
Nacional, aí se estende qual laço que estreita e fortalece a comunidade continental
26
brasileira” .
A era ferroviária chegava ao final no Brasil. Não houve, durante todo esse
período e nos posteriores, qualquer tentativa de recuperação e implementação do setor
ferroviário como um todo. A tendência marcante foi a de privilegiar as “ferrovias
estratégicas” militarmente, ou aquelas que atendessem a zonas comerciais e/ou industriais
voltadas à exportação, relegando-se as demais ao completo abandono ou à extinção.
Portanto, até a década de 20, o aparelho de Estado incentivou a ferrovia, criando uma
24
COMISSÃO MISTA BRASIL-ESTADOS UNIDOS - CMBEU. Relatório Geral. Estudos Diversos. Rio de Janeiro, 1954, p. 148.
SEDOC/RFFSA
73
legislação apropriada, além de bonificações e isenções às empresas do setor. Dessa época
em diante, lentamente, essa tendência se inverteu e, cada vez mais, o Estado assumiu a
coordenação de uma política de desmonte do setor ferroviário. O argumento do progresso
se vincularia, agora, à rodovia, sendo a ferrovia identificada ao arcaísmo e, principalmente,
ao antieconômico.
Todavia, a obsolescência dos trens não significou o seu desaparecimento
imediato e por inteiro. Os símbolos do que significaram as ferrovias estão presentes em
vários caminhos da memória, nos quais o passado não está apaziguado: "essas coisas
aparentemente mortas são atravessadas por um rumor interior, têm as entranhas revoltas,
um lençol freático as anima. Daí seu estado de convulsão" (Peixoto, 1995:04). Na
literatura, em suas muitas manifestações, as referências aos trens são uma constante.
Somente uma pesquisa específica sobre essa questão daria conta de analisar grande parte
da riqueza aí contida. Neste trabalho, ocupará o espaço de algumas referências esparsas.
Seguem alguns trechos de uma crônica de Carlos Heitor Cony, sobre o "Cruzeiro do Sul",
trem da Central do Brasil que, para o autor, na sua memória familiar,
era mais do que um trem: era uma instituição, um símbolo de luxo, um emblema de
grandeza (...). No silêncio das noites de Rodeio, nunca chegando antes, nunca
chegando depois, ouvíamos o "Cruzeiro do Sul" ainda ao longe, saindo do túnel 11 e
vindo majestosamente, serpente de aço azulado, precisando cumprir o horário, nunca
parando ali. Ninguém ia dormir sem que ele chegasse com seus vagões iluminados,
deslizando sobre os trilhos como uma lagarta fosforescente, fazendo a estação
rejeitada tremer de orgulho ferido, mas de vaidade também (...)
Assim eram os trens daquele tempo, assim era o "Cruzeiro do Sul", que não dava
bola para Rodeio e o humilhava com o seu desdém, passando lentamente com seus
vagões iluminados e se perdendo na noite. Mesmo assim, Rodeio sentia que vivera
mais um instante de glória. Podia adormecer, agora, no silêncio deixado pelo trem
27
azul, silêncio magnífico, silêncio que cheirava a carvão e cheiraria a saudade.
25
Idem, ibidem.
Rio-Bahia. A Rodovia da Unidade Nacional. Revista dos Transportes, jun. 1963, p. 46. [grifos DAP]. SEDOC/RFFSA
27
Carlos Heitor Cony. O Cruzeiro do Sul. Opinião, Folha de São Paulo, 17/03/1996, p. 1.
26
74
A memória freqüenta as ruínas. Em muitas cidades do interior, construídas
às bordas dos trilhos, a população se dispersou lentamente a partir do fim do transporte
ferroviário e do processo de concentração populacional nos grandes centros urbanos, a
partir da década de 70. Na região abrangida pela antiga Leopoldina28, algumas estações
ainda funcionam com o transporte precário de passageiros, como a ligação Itaboraí-São
Gonçalo (ex-Leopoldina, ex-CBTU, ex-Flumitrens, atual SuperVia, concessionária de
empresas espanholas, desde novembro de 1998):
sem qualquer conservação, a ferrovia é tomada por lixo, tem sinalização deficiente e
trens que fazem quatro viagens diárias, duas saindo de Niterói pela manhã e duas
que partem de Itaboraí à tarde". (...) Tratado durante anos como um ramal
deficitário, a ligação entre Niterói e Itaboraí corta o município de São Gonçalo de
ponta a ponta. Curiosamente, todos os governantes – tanto do estado quanto de São
Gonçalo – prometem, a cada início de mandato, investir na recuperação da ferrovia.
29
O tempo passa e nada acontece.
O quadro acima retrata uma região amplamente urbanizada, próxima à
cidade do Rio de Janeiro, em que milhares de pessoas enfrentam, diariamente, o caos do
transporte rodoviário e os constantes engarrafamentos da Ponte Rio-Niterói, principal via
de acesso que liga os municípios de Niterói e São Gonçalo à cidade do Rio. As antigas
instalações ferroviárias, armazéns, oficinas e estações transformam-se, às vezes, em
moradias de antigos ferroviários, quando não encontram-se completamente abandonadas e
em ruínas. E as promessas de recuperação tornam-se moeda de troca política.
Ainda no município fluminense de Itaboraí, é possível presenciar a
decadência da antiga linha Campos-Rio (também pertencente à antiga Leopoldina,
importante elo de ligação entre municípios do Norte fluminense), no que se refere ao
28
Segundo reportagem do Jornal do Brasil, a perspectiva de colapso sempre acompanhou a história do transporte ferroviário no Rio de
Janeiro: "Décadas de uso de trens sem cuidados mínimos de manutenção, a falta de recursos e o vandalismo dos passageiros – irritados
com atrasos e as péssimas condições de viagem – vieram provocando, ano a ano, uma redução trágica no número de usuários, forçados a
procurar a alternativa cara, lenta e sem conforto dos ônibus." "Anos de abandono". Cidade, Jornal do Brasil on line, 02/11/1998. Essa e
outras reportagens sobre a situação caótica do transporte ferroviário, saíram na esteira do processo de privatização da Rede Ferroviária
Federal e da Flumitrens, em novembro de 1998, contribuindo para o desserviço da informação ligada a interesses privados.
29
Otávio leite. A decadência ao longo dos trilhos do trem. Niterói, Jornal do Brasil, 29/10/1995, p. 04.
75
transporte de passageiros: "o trem que levava dez horas para cobrir a distância entre
Campos e o Rio, freqüentado pelos barões do açúcar, deixou de trafegar no início da
década de 80".30 A maior parte das estações virou moradia (precária) de ex-funcionários
pauperizados e outras servem como base para o conserto de trens avariados, geralmente
improvisando ao máximo e reaproveitando velhos materiais. Máquinas e prédios
abandonados, passageiros enfrentando o caos rodoviário e o monopólio das grandes
empresas. Seriam esses os símbolos da modernidade brasileira?
I.3 A crise do padrão ferroviário
De forma geral, na década de 1960, as ferrovias passaram por uma forte
crise em várias regiões do mundo, vitimadas pelo crescimento vertiginoso da produção de
veículos automotores, multiplicando-se, com isso, os estudos, avaliações e novos projetos.
Numa reportagem publicada pelo International Railway Journal, de autoria de James N.
Sites e traduzido pela Revista Ferroviária, essa situação foi minuciosamente avaliada,
principalmente no caso europeu e asiático. Apesar da crise, o prognóstico era a necessidade
da sobrevivência do transporte ferroviário, baseado no reconhecimento de que é a
modalidade que concentra enorme movimento num pequeno espaço, além de diminuir as
despesas de tração no deslocamento de pesado volume de tráfego. Reconhecia que havia
áreas em que as estradas de ferro "não tinham negócios a operar" e que os transportes de
forma geral, operam bem quando há uma integração funcional de cada modal.31
Comparando as ferrovias dos Estados Unidos (predominantemente particulares) e as da
30
A reportagem de Marcelo Aguiar, que contém essa informação tem o título sugestivo de: Que trem é esse? Onde, na fotografia que a
acompanha, mostra um tipo de trole sendo impulsionado, pelos trilhos, com varas de bambu. Economia, O Globo, 13/08/1995, p. 58.
76
Europa (predominantemente estatais), o autor concluía que, de modo geral, os governos
europeus atuavam mais para a unidade e o equilíbrio de todas as formas de transporte. Ao
contrário, nos Estados Unidos havia um predomínio das rodovias e dos automóveis para o
transporte urbano. Não havia também, nos EUA, muitas restrições e regulamentações à
utilização de caminhões, ao contrário do que acontecia na Europa.
O crescimento da indústria automobilística e a expansão da capacidade de consumo
fizeram com que algumas das dificuldades já enfrentadas pelas ferrovias, fossem
agravadas. Esse fato provocou diferentes reações. Alguns exemplos. Na Holanda,
anualmente, um Grupo de trabalho reunia-se e, de acordo com a avaliação da demanda
extra de transporte, regulamentava-se a utilização de caminhões. Nos Estados Unidos, ao
contrário, as empresas de caminhões licenciadas poderiam usar quantos veículos
necessitassem para o transporte de mercadorias. Na Alemanha, foi aprovada uma lei
limitando em 26 mil o número de caminhões de aluguel trafegando para além de 50 km da
sua sede. Na Índia, discutia-se limitações semelhantes para equilibrar a utilização de
ferrovias e rodovias. A prática da subvenção às ferrovias, cobrindo os seus déficits, era
constante na França e Rússia, por exemplo. De forma geral, os governos da Europa
Ocidental pagavam anualmente 2,5 bilhões de dólares para a cobertura de déficits das
ferrovias nacionalizadas. Segundo James Sites, na base dessa prática, estava o
convencimento de que:
A grande e inexplorada arte, tanto quanto permite a política de cada governo [...], é a
de fazer com que o trem e o caminhão, e também as embarcações e o avião,
funcionem como partes de uma equipe harmônica. Os trens devem ser usados para
explorar suas vantagens básicas de meio de transporte de pesadas cargas ou
transporte em massa. Isto representa obter custo muito mais baixo para o público; e
quanto mais baixo o preço, maior volume de carga pode ser atraído para o trilho. O
caminhão e o ônibus, por outro lado, são unidades que podem mais facilmente
operar pequenos movimentos ou suprir cargas para os longos transportes por trem –
31
Como aproveitar ao máximo o transporte ferroviário. Revista Ferroviária, jan. 1964, p. 15. SEDOC/RFFSA
77
ou por navios ou embarcações fluviais, quando existir um meio natural ou de baixo
custo para tal.32
Havia o reconhecimento da necessidade de mudança nas ferrovias, para
adaptar equipamentos e serviços às transformações surgidas no século XX. Com isso,
eliminar-se-ia o tráfego leve e de alto custeio, centralizando-se cada vez mais o tráfego nos
troncos e principais ramificações da rede ferroviária; realização de pesquisas para o
desenvolvimento de novos métodos de tarifação e para novos equipamentos; criação de
métodos eficientes de baldeação do transporte rodoviário para o ferroviário; redução de
tarifas em linhas de crescente rentabilidade; etc33.
O caso mais célebre, na Europa, de supressão de ramais ferroviários, foi a
Grã-Bretanha. Nacionalizadas pelos Trabalhistas em 1948, as ferrovias enfrentavam
grandes dificuldades financeiras. Em 1961, o Parlamento votou a verba de 380 milhões de
dólares para cobrir os déficits ferroviários, o que provocou grandes protestos populares. O
governo, então, relaxou a política de controle sobre as British Railways, deixando-as
regular suas tarifas de acordo com as condições do mercado e da demanda. Coube a
Richard Beeching (1913-1985), funcionário das Indústrias Químicas do Império, a direção
da British Railway Board (Conselho de Administração das Ferrovias da Grã-Bretanha), a
partir de 1961. Surgiu daí o "Plano Beeching" que provocou verdadeiras tormentas
políticas pela radicalidade de suas medidas: supressão drástica das linhas de pouco
movimento, retirada de serviço de cerca de um terço da frota mais antiga de vagões e forte
redução de pessoal.34
32
Id., p. 17-18.
Id., ibid.
34
Cf. informações de James Sites. Como aproveitar ao máximo o transporte ferroviário. Revista Ferroviária, jan. 1964, p. 15. A título
de curiosidade, para se ter uma idéia de como o Lorde Beeching notabilizou-se pelas medidas adotadas, no livro sobre E. Thompson,
Bryan Palmer lembra que Thompson considerava a gestão de Perry Anderson na New Left Review como à de Beeching na BRB: "as
principais linhas da crítica foram submetidas a uma modernização geralmente impiedosa". (Palmer, 1996: 100)
33
78
Essa crise nas ferrovias britânicas arrastou-se pela década de 1970. Em
1972, jornalistas tiveram acesso a um documento confidencial, intitulado "Rail Policy
Review" que previa a redução de 18.670 km de linhas para cerca de 11.200 km. Dos 190
milhões de toneladas movimentadas pelas British Railways, talvez em torno de 60 milhões
fossem direcionadas às rodovias. Esse documento foi publicado e provocou tal revolta no
público em geral, que foi preciso a intervenção do Ministro dos Transportes, John Peyton
para acalmar a opinião pública. Afirmou que o documento continha somente
recomendações, sugestões para o setor elaborado pelas British Railways. Assim, o violento
processo de erradicação de ramais britânicos foi contido pela mobilização da sociedade
civil. Por outro lado, ainda que a medida fosse radical, não era a intenção erradicar o
transporte ferroviário inglês na sua totalidade.
Na Alemanha, também, houve tentativas de supressão de trens. A idéia era
reduzir despesas e a duração das viagens, através da abolição das paradas de trens nas
cidades com menos de 20 mil habitantes. Por conta disso, houve inúmeros protestos,
principalmente na Baviera, menos densamente povoada que as regiões industriais da
Renânia e Westfalia, mas conscientes de que a ausência da estrada de ferro entravaria sua
circulação35.
Nos Estados Unidos, paralelamente ao incentivo do transporte rodoviário,
houve a supressão de 66 mil km da rede ferroviária entre 1916 e 1960, ou seja, 15% do
total. Mesmo com a política de supressão de linhas, a extensão ferroviária norte-americana
permaneceria considerável e a do Brasil, baixíssima (em 1965, quando o programa de
erradicação apenas começava). Observe-se o quadro relativo ao número de quilômetros de
ferrovias por 1 mil habitantes:
35
Cf. Ferrovia ou rodovia? Revista do Clube de Engenharia, n. 1, ano XIX, jan. 1965, p. 79. CE
79
Quadro 3: Extensão ferroviária/população.
País
Canadá
Argentina
Estados Unidos
Chile
México
Brasil
Quilômetros/ 1 mil hab.
4,1
2,1
2,0
1,0
0,7
0,5
Fonte: Nelson Werneck Sodré. O problema ferroviário. Revista Ferroviária, abr. 1965, p. 26.
O Brasil apresenta o menor índice, mesmo em relação a outros países sulamericanos, sendo que a proporção diminuiu ainda mais nos últimos anos, através do
programa de supressão de ramais, ou mesmo devido à recente privatização. Certamente, os
técnicos brasileiros e estrangeiros que participaram das diversas comissões de desativação
de ramais, inspiraram-se nesses exemplos de cortes da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos.
No entanto, a grande diferença é que nesses países a rede ferroviária foi reformada e
mantida, ainda que reduzida. Percebemos que as ferrovias foram (e são) "atualizadas" em
países europeus, norte-americanos e asiáticos. Principalmente nos dois primeiros grupos,
reconhecia-se o déficit e a desatualização dos traçados. Mas isso não significou o rechaço
dessa modalidade e a adoção indiscriminada do transporte rodoviário. Ao contrário, novos
investimentos em tecnologia e atualização de equipamentos foram realizados. Nesses
países, o trem continua cumprindo papel significativo tanto no transporte de cargas quanto
no de passageiros, competindo em condições de igualdade com o caminhão e o ônibus. No
Brasil, ao contrário, o desmonte não atingiu somente algumas linhas e ramais, mas
ferrovias inteiras, tornando-se um dos campeões em utilização do transporte rodoviário.
Vimos que o período de maior crescimento ferroviário na Iberoamérica foi
de 1901 a 1915. Após 1930, houve um grande processo de nacionalização das empresas
ferroviárias nessas regiões, agrupando-se em empresas únicas, de caráter semelhante ao da
RFFSA. Paralelamente, começou a diminuir a quilometragem de linhas em serviço e
80
também aumentaram os processos de liquidação e de fechamento de empresas ferroviárias.
Até 1930, 9 empresas fecharam, ou seja 14%
do total. Porém, entre 1931 e 1970
(concentrando-se
registraram
mais
entre
1961-65)
se
48,
totalizando
75%.
(Fernández,1998:33). Pode-se observar no Quadro 4, a evolução da rede ferroviária
Iberoamericana, que após 1950, todas as regiões, com exceção do México, sofreram
redução da quilometragem ferroviária.
Quadro 4: Evolução da rede ferroviária iberoamericana (km).
Anos
1840
1850
1860
1870
1880
1890
1900
1910
1920
1930
1940
1950
1960
1970
1980
1990
Andes
342
881
2.907
4.884
6.161
9.044
13.122
13.999
13.972
14.610
14.599
13.671
12.847
12.265
Antilhas
104
437
846
1.207
1.549
1.969
2.608
4.131
5.228
6.210
6.252
6.240
5.484
5.408
5.166
4.651
Brasil
363
829
2.589
7.753
12.999
19.777
20.454
24.928
29.014
27.896
34.064
29.625
29.418
29.986
América
Gran
Central Colombia
15
82
50
82
235
271
770
743
1.461
1.572
2.244
2.273
3.359
2.920
4.928
4.592
4.658
5.103
4.478
4.990
4.443
4.533
4.396
4.064
4.287
3.805
3.578
4.074
México
12
17
289
793
7.538
11.308
16.590
18.230
19.609
19.765
20.881
22.181
23.293
23.293
24.809
Prata
39
631
2.852
14.145
19.083
26.204
38.906
42.741
46.026
47.095
47.785
43.598
37.687
37.823
Total
104
449
1.704
3.969
11.196
37.802
55.192
80.263
102.219
117.007
124.790
126.190
133.089
124.055
116.503
117.186
Fonte: Dados extraídos de: Jesús Sanz Fernández. Los ferrocarrilles iberoamericanos en perspectiva histórica. In: Jesús Sanz Fernández
(coord.). Historia de los ferrocarrilles de Iberoamerica (1837-1995). Madrid: Fundación de los Ferrocarrilles Espanõles, 1998, p. 20.
Os autores adotaram o critério geográfico para a classificação das regiões: América Central (Costa Rica, Guatemala, Honduras,
Nicarágua, Panamá e El Salvador); Antilhas: (Cuba, Porto Rico e República Dominicana); Gran Colombia (Colombia, Equador e
Venezuela) ; Andes (Bolívia, Chile e Peru); Prata (Argentina, Paraguai e Uruguai); Brasil e México.
Semelhante à situação brasileira, enquanto diminuía a importância do
transporte ferroviário, começava, não por acaso, a ascendência do rodoviário. A Grande
Depressão agravava a crise do modelo agro-exportador e, conseqüentemente do seu
principal sustentáculo na área de transportes: as ferrovias. Houve um progressivo corte dos
serviços de cargas de menor volume e nos de passageiros, chegando à década de 70
81
bastante escassos, quando os governos recomeçam a privatizar as ferrovias. (Thomson,
1999:173)
Na região andina, após 1960, houve a redução do número de empresas e o
fechamento de linhas e ramais de escassa longitude, considerados de fraca importância
econômica, mas também de importantes troncos. No Peru, por exemplo, foram extintas:
Pisco-Ica; Paita-Piura, Noroeste, Etén-Chiclayo, Pascamayo, Trujillo. Alguns ramais
ficaram somente prestando serviço para algumas indústrias Em 1970, o Peru dispunha de
somente 58% da quilometragem existente em 1950. (Fernández,1998:105)
O transporte ferroviário perdeu a hegemonia no Prata após os anos 30. Na
Argentina e no Uruguai foram construídas rodovias, muitas das vezes paralelas aos
traçados ferroviários, como aconteceu no Brasil. Em todos esses países, a situação das
ferrovias agrava-se após 1960, num contexto de regimes militares e da Guerra Fria. Essa
política traduzia-se na eliminação de ramais deficitários e subutilizados, na supressão da
tração a vapor e na simplificação do modo de exploração. O coroamento desse processo,
foram as privatizações a partir de final dos anos 80. Na Argentina, a política
"racionalizadora" eliminou cerca de 10 mil quilômetros de ferrovias. A rede total, passou
de 44 mil para 34 mil, em 1980. Também foram suprimidos os serviços de passageiros de
ramais secundários, abandonando-se, progressivamente, o mínimo do papel social
desempenhado pela ferrovia. No Paraguai e no Uruguai, o processo foi idêntico, fechando
ramais, eliminando serviços de transporte de passageiros e reduzindo drasticamente o
efetivo pessoal empregado no setor. (Carrasco, In: Fernández,1998:160-165)
Na Colômbia, a rede ferroviária passou de 2.764 km (1951-55) a 2.549 km
(1971-75), ainda que realizada a construção de uma grande ferrovia, em 1961. Na
Venezuela, a quilometragem ferroviária descendeu de 778 km (1951-55) para 449 km
(1980). No Equador, os efeitos dos fechamentos de ramais diluíram-se devido à construção
82
de uma ferrovia ligando Norte e Sul. Nesse país, a rede ferroviária passou de 1114 km
(1951-55) a 1051 km, em 1971-75. (Muriel, In: Fernández,1998:235-234)
Exceção aos casos acima mencionados, no Panamá e em países da América
Central, a ferrovia seguiu como transporte prioritário até a década de 70, devido a vários
fatores, dentre eles: a) a crise do modelo agrário-exportador não foi tão violenta nessa
região como nas outras; b) grande parte das vias férreas serviam ao transporte de bananas
que, após o dêbacle de 1930, acabou se recuperando; c) a debilidade econômica regional
não permitiu o largo desenvolvimento das rodovias como nos outros países; d) a falta de
meios concorrentes outorgou ao trem o veículo por excelência para o transporte, detendo o
monopólio dos locais de embarque de mercadorias. Após 1970, no entanto, com as
privatizações, muitas linhas foram fechadas (García, In:Fernández,1998:284-285).
No México, as ferrovias têm uma intrincada história36. Após a II Guerra
Mundial, o Estado investiu na implementação de rodovias e no desenvolvimento da
indústria automobilística. No entanto, não abandonou por completo o transporte
ferroviário. Nesse país, também, se criou uma Comissão Mista EUA-México, estudo de
onde saíram aprovados os investimentos para a recuperação de 3 mil quilômetros de vias
férreas. Novos programas de recuperação também foram elaborados nas décadas de 40 e
50. Assim, foram criadas novas linhas para vertebrar o sistema (as novas construções
foram até 1961), investimentos na melhoria da infra-estrutura, transformação tecnológica
do sistema de tração, etc. Apesar dessas transformações e do crescimento da rede, os
resultados de exploração econômica não foram dos melhores, prolongando os déficits. Nos
anos 80, com a grande crise da dívida, a situação agravou-se. A política que mantinha as
ferrovias estatais, foi substituída pela privatização das linhas. (Fernández, 1998:369-371)
36
Os ferroviários mexicanos também sofreram forte repressão. Em 1948, época de grandes greves também no Brasil, foram demitidos
12 mil ferroviários. Em 1958-59, novos movimentos aconteceram e foram reprimidos, desta vez, com a tomada dos sindicatos.
83
Excetuando-se alguns casos particulares, a história das ferrovias na
Iberoamérica é muito semelhante. Criadas para atender a uma economia agrárioexportadora e também para investimentos de capitais, padeceram com as mudanças no
padrão de acumulação no pós 1930. Deficitárias, tecnicamente defasadas, carentes de
investimentos e de modernização foram estatizadas maciçamente depois de 1960. Daí em
diante, aumentou a concorrência com os automóveis e caminhões, e diminuíram-se ainda
mais os já escassos investimentos. Na década de 90, iniciam-se as privatizações, processo
esse ainda em curso. De forma geral, o transporte de passageiros, principalmente, foi
relegado ao abandono e o que prevaleceu foi o setor de exportação (minérios, produtos
agrícolas).
O que é importante ressaltar é que, embora criadas para atender ao setor
primário agro-exportador, as ferrovias criaram uma grande rede de comunicação interna,
ainda que precária e deficiente, possibilitando a movimentação de cargas e de passageiros.
Nesse ponto, discordo de algumas abordagens sobre esse problema que tendem a
considerá-lo exclusivamente em torno da economia cafeeiro-exportadora. Vejamos, por
exemplo, a análise de Paulo Queiroz sobre a experiência das ferrovias no Brasil.
Comparando o transporte ferroviário e rodoviário e assinalando as vantagens do último
sobre o primeiro em termos de flexibilidade para atender ao processo de industrialização
brasileira, afirma: "[...] notamos que, construídas para atender ao movimento de
exportação e importação, as ferrovias apresentavam-se, como sistema, estruturalmente
inaptas para a tarefa de integração". (1999:109) O autor encaminha respostas às dúvidas
sobre a necessária retificação dos traçados:
O país não dispunha de capitais suficientes para empreender um reordenamento de
sua rede ferroviária na escala em que isso se fazia necessário, caso se quisesse
(Fernández, 1998:369-371). Portanto, a questão dos transportes vai além de aspectos puramente técnicos, ela insere-se no centro da luta
de classes.
84
basear o citado processo no transporte sobre trilhos. As rodovias, ao contrário, como
é amplamente reconhecido, prescindiam de grandes inversões concentradas no
tempo, podendo aperfeiçoar-se aos poucos, à medida do aumento do tráfego.
(1999:109)
Considerando todas as variáveis analisadas por Queiroz em seus estudos,
observo que essa característica estrutural das ferrovias poderia, sim, ser adaptada e
retificada caso houvesse uma coincidência entre os interesses políticos e as necessidades
econômicas. Haveria a necessidade de se realizar um estudo sobre os custos e benefícios
totais de ambas as modalidades de transportes, para que uma comparação efetiva pudesse
se realizar. No mais, não se trata de eleger uma modalidade em detrimento da outra, mas
de conciliá-las, adaptando-as às necessidades sócio-econômicas-políticas-culturais de cada
região. Ainda que estruturalmente concebidas no plano radial, as ferrovias provocaram
efeitos indiretos que devem ser considerados para uma análise global. Como analisa Ángel
Carrasco:
Por lo anteriormente expuesto parece deducirse que el tren brasilenõ se limitó a
cumplir un rol específico dentro de la economía agroexportadora. Esta visión
tradicionalista le niega cualquier contribuición en cuanto a la dinamización de la
economía de puertas hacia adentro. Si bien, el ferrocarril nació pensado de puertas
hacia afuera y las políticas ferroviarias fueran inspirradas por comerciantes y
plantadores, cuyos intereses se centraban en el mercado mundial, no hay que
depreciar los efectos indirectos que se derivaron de la implantación y expansión de
un medio de transporte tan revolucionario. Está claro, a estas alturas de trabajo, que
la propia configuración de un sistema desintegrado constituyó un serio handicap de
cara a fomentar la integración de una economia nacional, e incluso se les puede
acusar de haber debilitado los lazos comerciales del interior establecidos por los
tradicionales arrieros al potenciar un tipo de economía más rentable. (In: Fernández,
1998: 190-191)
O estudo de Célia Calvo, por exemplo, sobre a experiência dos
trabalhadores ferroviários da Paulista (1890-1925), vem ao encontro da perspectiva
apontada por Carrasco e contraria as visões mais tradicionais sobre o problema. Segundo
essa autora, se a ferrovia emergiu como um empreendimento dos cafeicultores paulistas,
interessados no escoamento das safras, "certamente, esse não foi o único significado de sua
expansão" (1994:42). Cita uma pesquisa realizada pelo Departamento Estadual do
85
Trabalho, em 1917, apontando algumas cidades às margens das ferrovias, como pólos
industriais significativos, já em 1910, sendo também importantes mercados de consumo e
de abastecimento:
Esta pesquisa assinalou a existência de muitas fábricas de tecidos, ladrilhos, bebidas,
móveis, companhias de energia e de transporte urbano, como bondes, serviços de
abastecimento de água e esgoto, que certamente encontraram condições para suas
instalações face ao crescimento dessas cidades. No entanto, o enriquecimento desses
empresários não seria possível, se não houvesse nesses locais, um grande
contingente de trabalhadores disponíveis que vinham dos mais diversos lugares,
aptos para o trabalho e em busca de melhores condições de vida .(1994:42)
Ainda que seja um estudo de um caso específico, numa região que
posteriormente cresceu enquanto pólo industrial, destacando-se das demais, introduz
variáveis importantes para considerar o transporte ferroviário numa relação dinâmica com
os espaços e sociedades por onde ele se estendia. Caso não consideremos esses efeitos
indiretos do transporte ferroviário, desde a sua origem e também vedemos os olhos às
necessidades sociais, estaremos reproduzindo o discurso oficial, impregnado por uma
lógica aparentemente econômica/racional. Absorvemos o "sentido" da economia dos países
localizados abaixo da linha do Equador: de portas afora, sempre, exportando café, bananas,
minérios, soja, petróleo, mão-de-obra, etc. Desconsiderar esses aspectos é contribuir para
camuflar os interesses de classes presentes em cada projeto aparentemente "nacional".
86
CAPÍTULO II
A ESTRADA DE FERRO LEOPOLDINA
A igreja de costas para o trem
nuvens que são cabeças de santo.
Casas torcidas
e a longa voz que sobe
que sobe do morro
que sobe...
(Caeté, Carlos Drummond de Andrade)
A história da Estrada de Ferro Leopoldina–EFL, é muito semelhante à de
outras empresas ferroviárias constituídas no século XIX. Começou com a concessão e
alguns favores do Governo Imperial no início do século, e, a partir de 1880, a empresa
construiu alguns pequenos trechos e incorporou outros, estendendo sua malha. Todos esses
casos tiveram o mesmo destino, qual seja, o da encampação oficial em 1957. Sua história
jurídica é das mais intrincadas e tornar-se-ia fatigante analisá-la pormenorizadamente.
Além do que, esse tipo de descrição escapa aos objetivos deste trabalho. Mencionarei
somente alguns episódios, como ilustração.
O ponto de partida para a criação oficial da EFL situa-se em 10 de outubro
de 1871, através da Lei no 1.826, da província de Minas Gerais que autorizava seu
Presidente a conceder subvenção quilométrica (de 9.000$000) ou a garantia de juros sobre
o capital de 2.400:000$000 à empresa que se organizasse para construir uma estrada de
ferro entre Porto Novo do Cunha, na margem do Paraíba, onde existia um ramal da
Estrada de Ferro D. Pedro II e a Cidade de Leopoldina. Através do Decreto 4.914, de
27/03/1872, oficializou-se a concessão e o privilégio de exploração durante 50 anos para a
construção de uma estrada de ferro com bitola de 1,0 metro, partindo de Porto Novo do
Cunha até Santa Rita de Meia Pataca (atualmente a cidade mineira de Cataguases), com
ramal para a Cidade de Leopoldina. O beneficiário da concessão foi o engenheiro Antônio
87
Paulo de Melo Barreto37 e foi então montada a empresa sob a denominação de Estrada de
Ferro Leopoldina, com garantia de juros e subvenções avalizadas pelo governo brasileiro,
bem como de empréstimos feitos em Londres, iniciando-se a exploração em 1872 e a
construção em 1873. Em 1878, para conseguir a completa construção das linhas da Estrada
de Ferro Leopoldina, Melo Barreto, contraiu um empréstimo, baseado em debêntures (os
primeiros a serem lançados na Praça)38.
Construída para o transporte do café nas terras mineiras e fluminenses, a
Leopoldina se constituiu, até meados da década de 20, no único meio de transporte da
região, quando se iniciou a construção de rodovias em larga escala. A "angústia das
origens", típica de historiadores, levou-me a percorrer parte da historiografia sobre Minas
Gerais oitocentista a fim de analisar o surgimento das ferrovias em geral, e da Leopoldina
em especial, na região conhecida como Zona da Mata.
A implantação dos trilhos constitui-se num capítulo à parte da história
político-econômica da província de Minas Gerais e particularmente da Zona da Mata39.
Veja, abaixo, o Quadro Geral dos Municípios da população dessa região, em
1872.
Quadro 5: Quadro geral dos municípios e da população da Zona da Mata de Minas Gerais
em 1872.
Número
Municípios
No de freguesias
População
37
O engenheiro Melo Barreto nasceu em 10/12/1839, na capital da província do Rio de Janeiro, filho de João Paulo dos Santos Barreto
(Marechal do exército e Conselheiro de Estado) e Ana Luiza de Melo Barreto. Formou-se pela Escola Militar, em 1855. Percorreu vários
países da Europa, estudou os portos da Mancha; fez parte da Comissão da Exposição Universal de 1862. Em 1865 foi nomeado
Engenheiro Fiscal da Companhia City Improvements; foi também Engenheiro Fiscal da Botanical Garden Company. Em 1877 foi
Presidente do Clube de Engenharia e em 1890 tornou-se "Visconde de Melo Barreto". Também em 1890 passou a fazer parte do Instituto
dos Engenheiros Civis de Londres. "Engenheiro Melo Barreto". Revista do Clube de Engenharia, no 13, 1905, p. IX-XII. CE
38
Idem, p. IX-XII.
39
Nessa região, segundo Rômulo Andrade, predominava a cafeicultura de base escravista, ainda que não houvesse uma uniformidade no
conjunto regional. Citando Orlando Valverde, afirma que a formação vegetal originária da chamada Zona da Mata unia-se à floresta do
Médio Paraíba, ao Sul, e ao Norte ao Vale do Rio Doce. Os campos naturais do Sul e do Centro de Minas constituíam o limite a Oeste.
As características especiais do relevo permitiram que se formasse o cultivo do café, em altitudes de 800-900 metros até 1200. (1995: 19)
88
Livre
Escrava
Total
01
Ponte Nova
09
49.627
7.604
57.231
02
Leopoldina
08
26.633
15.253
41.886
03
Juiz de Fora*
05
23.968
14.368
38.336
04
Sta. Rita do Turvo
06
30.460
6.636
37.096
05
Muriaé**
11
27.682
6.938
34.620
06
Pomba
06
25.528
7.028
32.556
07
Ubá
06
25.311
7.149
32.460
08
Mar de Espanha
05
19.632
12.658
32.290
09
Rio Novo
03
15.838
6.957
22.795
10
Piranga
06
18.241
4.195
22.436
11
Rio Preto
05
15.746
6.313
22.059
70
278.666
95.099
373.765
Total
Fonte: Recenseamento Geral do Brasil, 1872. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, Seção de Obras Raras. In: Andrade, Rômulo. Família
escrava e estrutura agrária na Minas Gerais oitocentista. População e Família – São Paulo, vol. 1, n. 1, jan./jun. 1998, p. 200. Notas do
autor: * 01 paróquia não recenseada (N. Sra. Da Glória em S. Pedro D'Alcântara
** 01 Curato não recenseado (Divino Espírito Santo).
Essa região era de base agrícola cafeeira, havendo imensas dificuldades de
escoar a produção para o Rio de Janeiro, que normalmente se fazia pela via fluvial e/ou
terrestre. Por esse mesmo motivo, havia o desestímulo à produção de outros gêneros. É o
caso de Muriaé, citado por Rômulo Andrade:
sua produção agrícola para o Rio de Janeiro dependia do rio Muriaé e de uma
estrada incipiente para Campos, percorrida por tropas, além do trajeto marítimo
Campos-Rio, dificultando o transporte e encarecendo o produto. Ou seja, a maior
distância de Muriaé do centro exportador e as dificuldades de transporte foram
obstáculos sérios ao seu processo de acumulação. [...] A consolidação da economia
agrícola de Muriaé veio a acontecer já no final do escravismo, a partir de 1886,
quando foi inaugurada a E. F. Leopoldina, abrindo novas possibilidades para o
escoamento da produção cafeeira pelo porto do Rio de Janeiro (1995:19).
A relação trabalho escravo-produtividade-ferrovia foi assim avaliada por
Robert Slenes:
a construção de ferrovias nas décadas de 1860 e 1870 aumentou em muito a
produtividade do escravo. Teve esse efeito porque permitia a transferência de uma
proporção substancial de escravos (20% da força de trabalho masculina, segundo
89
Stein) do cuidado das tropas de muares para a lavoura, diminuía a necessidade de
mão-de-obra para a produção de cereais, já que não era preciso manter tantos
animais como antes, e praticamente eliminava as freqüentes perdas de café em
trânsito causadas por chuva ou por acidente nas estradas lamacentas40.
Em sua tese de doutoramento, Peter Louis Blasenheim fez um estudo
político-econômico sobre a Zona da Mata mineira, de 1870 a 1906, citando uma vastíssima
documentação, onde os transportes ocupam um capítulo em especial (1982). Em artigo
recentemente publicado no Brasil, Blasenheim recorta esse capítulo, analisando a trajetória
das principais ferrovias mineiras, destacando-se a Leopoldina (1995:61-80). Tratando de
muitos aspectos interessantes, que merecem estudos mais aprofundados, acompanharei
somente alguns apontamentos desse autor que permitem uma melhor compreensão do
surgimento da Leopoldina no contexto de uma sub-região cafeeira.
Segundo Blasenheim, a maioria das ferrovias da Mata foram construídas
com capital particular, mas o governo provincial estimulou os investimentos com a
garantia de retorno de 7% no seu capital ou concedendo subsídios às empresas baseando-se
na quilometragem. Ainda que fossem péssimas as condições de tráfego, sem essa garantia
de juros, dificilmente esses "empresários" se aventurariam no empreendimento ferroviário.
Das 25 concessões outorgadas em 1870 na província, 11 vinculavam-se à Mata. Até 1884,
enquanto a Mata contava com 602 km de linhas instalados, o restante da rede mineira
contava com 269 km no Sul e 135 km no Centro. As críticas às inúmeras concessões
partiam de grupos da própria província. Benedito Valadares, um sulista, envolvido ele
próprio nas disputas, denunciava o que considerava um "suicídio" para a Província, devido
às várias concessões, levando as estradas de ferro à porta de cada fazendeiro (Blasenheim,
1995: 90). Enquanto a produção do café justificava a euforia, quadruplicando entre 1870 e
40
Robert Slenes. "Grandeza ou decadência? O mercado de escravos e a economia da província do Rio de Janeiro, 1850-88. In: Iraci del
Nero (org.). Brasil: História Econômica e Demográfica. 1986, p. 149, nota 60. (Apud: Andrade, 1995: 53). [Grifos DAP]
90
1891, a linhas regionais se degladiavam em torno de traçados e privilégios. Os traçados
ferroviários acompanhavam as regiões cafeeiras (principalmente em Minas Gerais),
contrariamente aos Estados Unidos, por exemplo, onde as ferrovias precediam as fronteiras
econômicas (Blasenheim: 88)
A EFL foi organizada na cidade de Leopoldina41 e dirigida por fazendeirospolíticos matenses, no entanto, não era uma empresa circunscrita à região, pois aos poucos
foi fortalecendo seus vínculos com a Corte, a ponto de, sintomaticamente vencer as
concorrências com as principais empresas rivais42. Segundo Blasenheim:
Embora capitalizada por fazendeiros da Mata, a Leopoldina tinha fama de gozar de
acesso ao mercado de investimentos do Rio. As contribuições relativas de capital
matense e carioca são difíceis de medir, já que os legisladores de Minas estavam
mais dispostos a apoiar o empreendimento local e a companhia escondia
informações sobre investidores do Rio (1995:97).
No dia 08/10/1874 as três primeiras estações da Leopoldina foram abertas
ao tráfego, nos quilômetros 3, 12 e 27, denominadas São José, Pântano e Volta Grande e,
em julho de 1877, a linha atingia a meta inicial, passando por Santa Rita de Meia Pataca e
parando em Leopoldina, que distava 120 km de Porto Novo43.
Em outubro de 1877 o governo concedeu à EFL preferência para a
construção do prolongamento da via férrea de Cataguases até o vale do Jequitinhonha,
inaugurando-se em 1880, a estação de São Geraldo e em 1885, o trecho até Teixeiras (na
Zona da Mata mineira).
41
Os primórdios das lutas políticas pelo transporte são contados por Blasenheim: "Manoel José Monteiro de Castro, primeiro Barão (e
fundador) de Leopoldina, liderou a campanha por um sistema de transporte mais eficiente e extenso na Mata Oriental [...]. Em 1867, a
Legislativa provincial prometeu a Monteiro de Castro apoio financeiro para uma estrada que ligasse Leopoldina e Mar de Espanha com
Porto Novo no rio Paraíba, mas o projeto nunca foi financiado. Enfurecidos, os fazendeiros de Leopoldina formaram um plano para
separar-se de Minas e juntar-se à província do Rio a qual esperavam ser mais favorável a aliviar o 'engarrafamento' de transporte".
(1995: 85).
42
Segundo Blasenheim, as figuras mais importantes da diretoria eram fazendeiros locais até a reorganização da empresa, em 1892. Melo
Barreto era exceção, porém, tinha fortes vínculos com os fazendeiros locais. Sua nora era neta do Barão de Juiz de Fora, o que lhe
rendeu influência junto às famílias mais poderosas de Juiz de Fora e Cataguases. Outros que tiveram cargos decisórios na empresa eram
também políticos regionais. É o caso de Nominato de Souza Lima, deputado de Leopoldina, que propôs a primeira concessão para a
empresa em 1871; seu "obituário citou o seu serviço à companhia como a sua maior contribuição para o desenvolvimento de Minas"
(Idem: 98).
43
Estrada de Ferro Leopoldina. Estradas de Ferro do Brasil, 1960, p. 90. SEDOC/RFFSA
91
A partir de 1885, a EFL adquiriu direitos e obrigações de várias outras
empresas que exploravam pequenos trechos, o que era uma prática comum entre as
empresas do setor, como afirmado anteriormente, comprando os ramais de Sumidouro e
Pirapetinga, concluindo o ramal de Muriaé em dezembro de 1886, quando também foi
inaugurada a estação de Tombos, a 182 km de Porto Novo do Cunha. Em 1887 foi
inaugurada a estação de Melo Barreto e aberto ao tráfego o ramal de Sumidouro. No
mesmo ano a empresa adquiriu a Estrada de Ferro Cantagalo e o ramal de Porto das Caixas
a Macaé. Em 1890 adquiriu várias outras linhas, absorvendo praticamente todos os seus
rivais44. Assim, a Leopoldina foi se estendendo pelos Estados de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Espírito Santo, conforme o Mapa, no Anexo 2, integrada por diferentes bitolas e
com traçados tecnicamente precários. O agrupamento de pequenas estradas, de forma
indiscriminada, sempre foi a principal crítica à EFL, como veremos mais adiante. Esse
"pecado original", digamos assim, contribuiria para justificar a sua desativação décadas
mais tarde.
Interessante observar que os contornos assumidos pelas ferrovias eram, em
alguns casos, respostas diretas a pressões políticas dos produtores de café. No caso da E. F.
Cantagalo, era o Barão de Nova Friburgo o principal empreendedor. Proprietário de
fazendas de café entre Cachoeiras e Cantagalo, acumulava, ainda, a função de comerciante
na praça do Rio de Janeiro. O empreendimento ferroviário conseguira, em 1858, a garantia
de juros de 7% de forma integral pela província. O primeiro trecho construído atendia aos
interesses do Barão, atravessando extensões de suas terras e comunicando o Porto das
Caixas à raiz da serra da Boa Vista, escapando, portanto, do projeto da estrada cujos pontos
iniciais e terminais eram Cantagalo e Niterói. Produção e comercialização eram, então,
44
Eram linhas independentes, de propriedade particular ou frutos de concessões oficiais: Linha de Carangola, ramal de Itabopoana,
ramal de Patrocínio, Araruama (tronco), Estrada de Ferro Grão Pará, Norte, Juiz de Fora e Piáu, Central de Macaé, Imbetiba a Campos,
92
faces de uma mesma moeda, e a ferrovia representava baixos custos de transporte.
Vejamos o seguinte trecho citado por Andréa Rabello:
A vantagem que podem oferecer as estradas de ferro à lavoura, entre nós, não
consiste tanto na rapidez da locomoção, mas principalmente em prestarem transporte
barato e melhor acondicionamento dos gêneros.
Aos nossos fazendeiros, como aos produtores de todos os países, é quase indiferente
que os seus produtos cheguem ao mercado alguns dias mais cedo ou mais tarde, o
45
que lhes importa muito é fazê-los aí chegar com menor despesa .
De fato era comum que os traçados ferroviários respondessem a interesses
particulares. Não devemos ver nisso, no entanto, uma particularidade da ferrovia.
Tomemos como exemplo, o caso do traçado da rodovia União e Indústria, ligando o Rio de
Janeiro à região da Zona da Mata mineira e inaugurada em 1861 (contava com 144 km e
reduziu o tempo da viagem Juiz de Fora-Rio de 4 dias para 9 horas!), tendo à sua frente o
comendador Mariano Procópio. Devido às querelas políticas com as "elites" da Cidade de
Paraibuna, o comendador modificou o traçado inicial da rodovia, não adentrando na
cidade, que ficava sem uma estação. Ao mesmo tempo, o novo traçado escolhido
beneficiava os interesses particulares de Mariano Procópio, proprietário de grandes
extensões de terras às margens dessa rodovia (Genovez, 1998:179).
Em 1891 a extensão total da rede da Leopoldina era de 2.127,582 km, dos
quais 844,117 km pertencentes à rede mineira, 1.246,465 km à fluminense e 37 km à
capixaba (Siqueira, 1932: 32).
Durante alguns anos a abundância de café na região servida pela Leopoldina
permitiu à Companhia uma situação de relativo equilíbrio. Em 1890, porém, o estado
financeiro da empresa estava delicado. Tendo comprado inúmeros ramais e assumido
Campos a S. Sebastião, Santo Antônio de Pádua, Ramal Férreo de Cantagalo e Santo Eduardo de Cachoeiro de Itapemirim. Idem, p. 92.
45
BRASIL. Governo Provincial. Relatório apresentado a S. Ex. o Sr. Conselheiro Benvenuto Augusto de Magalhães Taques, Presidente
da província do Rio de Janeiro pelo 1o Vice presidente Dr. Eduardo Pindahyba de Matos em 8 de agosto de 1868. Rio de Janeiro,
Typographia do Correio Mercantil, 1868, p. 19. (Apud: Rabello,1996: 75)
93
compromissos e responsabilidades além de suas possibilidades de solvência, passou a
enfrentar sérias dificuldades, agravadas pela crise do Encilhamento (1890-94), época de
muitas falências de empresas (principalmente devido ao déficit e ao desequilíbrio das
contas externas do país pagas em ouro). A conjuntura desfavorável ao café quase levou a
empresa à falência. Nessa época, profícua às especulações financeiras, "a empresa se
dissolveu sem notificar as autoridades estaduais e nacionais nem os seus credores e
fundou a Companhia Geral de Estradas de Ferro" (Blasenheim, 1995:107), propondo-se a
comprar, vender ou custear estradas de ferro por conta própria ou de outrem. Os golpes
ainda duraram mais dois anos. Depois, alguns diretores foram presos, outros fugiram
(Siqueira, 1938: 15).
A
nova
diretoria
da
empresa
encontrou
uma
situação
caótica:
desorganização administrativa e financeira, agravada pelo péssimo estado de conservação
das linhas. As baldeações constantes, avarias, insuficiente material rodante, bitolas de
padrões variados, etc. comprometiam o funcionamento mínimo da ferrovia. Através de
novos empréstimos e de uma relativa prosperidade na economia cafeeira no Centro e
Nordeste da Mata, foram unificados 468 km de linhas e todo o material rodante adaptado.
Em 1893, a empresa atingiu o seu recorde, transportando 50, 4 milhões de quilos de café.
Mas outros problemas se anunciaram no final desse ano. A partir dos navios ancorados no
Rio de Janeiro, aconteceu a Revolta da Armada, movimento naval resultante das
rivalidades entre Exército e Marinha e dos ressentimentos do líder do movimento contra o
governo de Floriano Peixoto, almirante Custódio de Mello. A Revolta interrompeu o
tráfego por quase um ano, obrigando a empresa a realizar grandes despesas a fim de
assumir toda a demanda daí resultante.
Em fins de 1894, por causa de uma epidemia do cólera em Porto Novo do
Cunha, que ameaçou todo o Vale do Paraíba, a população, tentando evitar a propagação da
94
peste, destruiu parte das linhas férreas, arrancando trilhos entre Santa Izabel e Recreio e
parte de Campo Limpo. Somente no Ramal de Sumidouro foram destruídos 4 quilômetros
de linhas. Para completar o quadro, no final desse ano, fortes chuvas interromperam o
tráfego, ocasionando descarrilamentos. Alguns trechos ficaram interrompidos durante
cinco meses (Siqueira, 1938:15-16).
A concomitância de todos esses fatores contribuiu fortemente para agravar a
situação da empresa. Todavia é possível imaginar o estado precário em que a Leopoldina
se encontrava a ponto de ser tão violentamente atingida por essas calamidades que, caso se
abatessem sobre uma empresa relativamente organizada, com material rodante em bom
estado e com linhas bem construídas, certamente não provocariam estrago tão grande.
A diretoria da empresa, pressionada pelos credores ingleses, inconformados
com a mora no pagamento dos juros, ameaçando requerer o seqüestro das linhas
hipotecadas em garantia do capital e dos prêmios da dívida, propôs três soluções ao
governo: a liquidação judicial; a encampação ou a reorganização com base em um
empréstimo externo. A "Companhia Estrada de Ferro Leopoldina" entrou então em
liquidação forçada, sendo julgado o acordo por sentença de 26/11/1897 (Siqueira, 1938:
15). Nesse ano a Leopoldina registrava um capital de 371.926:600$. Para efeito de
comparação, o total do capital empregado nas indústrias do Distrito Federal era de
167.120.000$.46
II.2 The Leopoldina Railway Company Limited
46
Cf. Delfim Moreira. Mensagem ao Congresso Nacional, 1919, p. 47. (Apud: Osório, 1989: 284).
95
Como desdobramento dos fatos acima narrados, em 06/12/1897 foi
organizada em Londres a The Leopoldina Railway Company LTD., autorizada, no ano
seguinte (Decreto n. 2. 797, de 14/01/1898), a funcionar no Brasil. Seus diretores eram
Rob. H. Benson, F. H. Barrow, R. E. Brounger e J. H. Whicks (Wileman, 1909:794). Essa
empresa, obrigada pelo contrato a cumprir os acordos realizados com as empresas
incorporadas, assumiu todos os bens e empreendimentos da antiga Estrada Leopoldina.
Com a ajuda financeira do governo brasileiro e fazendo face ao passivo existente,
reconstruiu linhas, reformou o material rodante e unificou a bitola, num total de gastos em
torno de 4 milhões de libras esterlinas. Com novas concessões, prolongou os trilhos até
Vitória, no Espírito Santo. De Ponte Nova, a ferrovia estendeu-se a Raul Soares e de
Carangola a Manhuaçu. A L. R. recebeu 2.118 quilômetros de linha, construiu 688 e
adquiriu 280 quilômetros (Siqueira, 1938: 31). As linhas transferidas foram as seguintes:
GOVERNO FEDERAL –Decreto 2.896, de 09 de maio de 1898:
Total: 434 km
Itapemirim - de Santo Eduardo a Cachoeiro do Itapemirim.
Central de Macaé – de Macaé a Glicério.
Prolongamento de Araruama – de Triunfo a Manoel de Moraes.
Ramal de Sumidouro – de Melo Barreto a Sumidouro.
Linha do Norte – de S. Francisco Xavier a Entroncamento.
ESTADO DO RIO DE JANEIRO – Termo de reconhecimento de 12 de novembro
de 1898:
Total: 831 km
Linha Grão-Pará – de Mauá a S. José do Rio Preto.
Linha de Cantagalo – de Niterói a Macuco, com os ramais de Porto das Caixas a
Macaé, Conselheiro Paulino a Sumidouro e de Cordeiro a Portela.
Linha de Macaé a Campos – de Imbetiba a Campos.
Conde de Araruama – de Araruama a Triunfo.
Campos a S. Fidelis.
S. Fidelis a Pádua.
Pádua a Miracema.
Campos a S. Sebastião – de Campos a Saturnino Braga.
Carangola – de Campos a Santo Antonio e Ramal de Poço Fundo.
ESTADO DE MINAS GERAIS – Contrato de 5 de setembro de 1898:
Total: 853 km.
Linha do Centro - De Porto Novo a Saúde.
Ramal de Pirapetinga – de Volta Grande a Pirapetinga.
Ramal Alto Muriaé – de Recreio a Santa Luzia do Carangola.
Ramal de São Paulo – de Patrocínio a São Paulo do Muriaé.
Ramal de Leopoldina – de Vista Alegre a Leopoldina.
União Mineira – de Serraria a Ligação.
96
Ramal de Rio Novo – De Furtado de Campos a Rio Novo.
Ramal de Piáu – de Juiz de Fora a Rio Novo.
Ramal de Pomba – de Guaraní a Pomba.
Ramal de Paraoquema – de Paraoquema a Cisneiros.
A história desses ramais foi, na sua maioria, muito tumultuada. Vejamos,
por exemplo, a trajetória da E. F. Carangola que, em 3 anos, mudou de mãos três vezes. A
empresa, organizada em 1875, passou, em 1890, para a Companhia Barão de Araruama (de
concessão do Governo Federal, em 1889). No mesmo ano, porém, incorporou-se à Estrada
de Ferro Leopoldina. E, em 1898 foi, finalmente, transferida à Leopoldina Railway.
As linhas de concessão federal que percorriam o Estado do Espírito Santo
eram todas estrategicamente localizadas, adentrando áreas de grande produção cafeeira. Na
E. F. Santo Eduardo a Cachoeiro do Itapemirim, por exemplo, todas as estações
construídas respondiam à localização de grandes fazendas de café. O ponto final,
Cachoeiro de Itapemirim, era o centro de grande parte do Sul do estado, não só pelas
mercadorias que ali convergiam, mas também pelo trânsito de passageiros, permitindo a
comunicação com a Cidade de Campos e o Rio de Janeiro (Siqueira, 1938:58). A partir
dessas pequenas linhas, a Leopoldina foi estendendo suas malhas e interligando os Estados
de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, geralmente sob pressão do Governo
Federal. Nem todas as linhas foram incorporadas tranqüilamente ao acervo da Leopoldina
Railway. Foi o caso da Companhia E. F. Sumidouro (incorporada à Leopoldina em 1885)
que durante um tempo foi objeto de disputas. O Decreto 7.046, de 18/10/1878, que
regulamentava a sua concessão, previa a reversão para o Governo Federal, no prazo de 30
anos. Em 15 de outubro de 1908 a Repartição Federal de Fiscalização de Estradas de Ferro,
através de seu Inspetor, Paulo de Frontin, comunicou à Leopoldina que procederia ao
recebimento da linha férrea. A empresa, não aceitando a decisão, apresentou um Memorial
ao Governo. Somente em 1920, foi formado um Juízo Arbitral pelo Ministério da Viação e
97
Obras Públicas, para resolver a questão. Em março de 1921, os árbitros davam ganho de
causa à Leopoldina, afirmando que o Ramal não estava sujeito à cláusula da reversão,
dentre outros fatores, porque o próprio Estado promoveu ostensivamente a transferência de
todas as linhas, em 1898, da Companhia Estrada de Ferro Leopoldina para a Leopoldina
Railway, desaparecendo essa cláusula no novo contrato. O interesse nessa linha de 34 km
justificava-se, em parte, por ela ser o elo de ligação da rede mineira com a fluminense.
(Siqueira,1938:108-120) Seria interessante analisar esse tipo de conflito, que parece não ter
sido raro, para entender o intrincado jogo de poder entre os representantes das agências
governamentais republicanas e as empresas estrangeiras. As motivações, provavelmente,
extrapolavam a arena da economia.
O café era, sem dúvida, o produto mais lucrativo transportado. No entanto,
com a crise de preços, iniciada em finais da década de 1880, as rendas da empresa também
ficaram comprometidas, sendo suas perdas compensadas via aumento de tarifas. Na
medida em que a ferrovia era atingida pelos sintomas da decadência do setor ao qual
prioritariamente atendia – e em especial a Leopoldina Raiway Company – é óbvio que
também atuaria no sentido de acentuar essa mesma decadência, posto que buscou a
minimização dos prejuízos via altas tarifárias sucessivas, como a que ocorreu em 1900 na
linha fluminense quando, para além da taxa fixa por km cobrada, se passou a cobrar uma
taxa móvel proporcional à queda do câmbio abaixo de 20 d., onerando ainda mais o custo
da produção no Estado e levando a constantes protestos dos proprietários da região
(Mendonça, 1977:107).
Fretes caros, baixa produção do café, foram fermentos fundamentais aos
protestos que cresciam. Os protestos transpareciam nos discursos e mensagens na
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, acusando a empresa de contribuir
98
para a atrofia econômica do estado, como os destacados por Sonia Mendonça. Vejamos o
que dizia Nilo Peçanha, presidente do Estado, à época:
Se uma tarifa é alta demais, a produção pára. Cessando a produção diminui o
transporte nos dois sentidos e a companhia, duplamente prejudicada no tráfego da
importação e da exportação, entra no período franco de falência, depois de haver
arruinado seus melhores fregueses .47
Nessa conjuntura, tudo indicava que a trajetória da empresa estava fadada
ao fracasso. Aplicava tarifas diferenciadas aos produtos, sendo o café, animais e madeira
os mais taxados. As verduras, cereais e produtos da pequena lavoura, tinham abatimentos,
vindo ao encontro da política de diversificação agrícola em regiões fluminenses,
minimizando a crise cafeeira (Mendonça,1977:181). É fácil imaginar, como seria
interessante para o pequeno produtor transportar os gêneros pela ferrovia, abastecendo
centros maiores, com baixo preço e facilidade de escoamento de sua produção.
Evidentemente, lucraria também o consumidor, recebendo os produtos a menores preços e,
por fim, fortalecendo o mercado interno. Esse pequeno comércio regional e inter-regional
seria o mais afetado, anos mais tarde, com a desativação dos ramais.
Em 1923, nova época de prosperidade (ainda que efêmera) na região
abrangida pela empresa, especialmente no Noroeste fluminense. A quantidade de
passageiros transportados passou de 8.550.355, em 1917, para 11.807.905, em 1920 e
21.636.170, em 1926, conforme Quadro 6, abaixo.
Quadro 6: Desenvolvimento dos serviços de transportes da Leopoldina Railway.
Anos
1899
1902
1905
1908
1911
1914
47
Número de passageiros
1.849.688
1.870.700
2.211.434
2.968.808
4.265.354
6.434.421
Cf. MPERJ, 1904. (Apud: .Mendonça, 1977: 108)
Encomendas
(toneladas)
24.387
17.222
20.781
28.785
45.037
65.028
Mercadorias
(toneladas)
364.776
476.068
490.350
585.414
749.211
1.001.172
99
1917
1920
1923
1926
1929
1932
1935
1938
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
8.550.355
11.807.905
17.111.553
21.636.170
26.580.804
26.519.580
29.278.287
25.129.235
25.135.685
30.632.647
32.107.353
36.186.372
36.466.764
35.540.619
30.452.190
71.008
92.603
99.916
107.911
96.800
100.241
128.285
143.666
156.198
162.826
155.297
162.859
174.046
174.380
175.084
1.271.252
1.654.265
1.584.054
1.756.078
1.885.796
1.366.973
1.744.084
1.879.908
2.018.405
2.120.295
1.942.208
2.026.079
2.153.983
2.026.891
1.944.832
Fonte: AGUIAR, Feliciano de Souza. Uma exposição sobre a Leopoldina Railway na Reunião dos Diretores das Estradas de Ferro. S.
l., s.ed., s.d. , p. 07.
Note-se
que
houve
um crescimento significativo
de
passageiros
transportados até 1945. Desse ano em diante, começa o descenso, baseado em fatores que
serão mais explorados no Capítulo V. O mesmo não acontece, no entanto, com as
encomendas, que mantém um índice pequeno e regular. Em relação às mercadorias, há
praticamente uma estagnação, mantendo mais ou menos o mesmo patamar, de 1929 a
1947. Um dos fatores explicativos para tais resultados, é que o Estado do Rio retomava,
nessa época, sua produção de café, deslocando-se o eixo econômico de sua parte
meridional para a setentrional, principalmente nos municípios de Itaperuna, Cambuci e
Santo Antônio de Pádua. A produção do café aumentou de 81.640 toneladas em 1920, para
91.586 toneladas, em 192848. Por outro lado, a indústria agroaçucareira fluminense,
concentrada na região de Campos, vivia o seu declínio nesse período (Ferreira,1994:49).
Apesar do relativo sucesso inicial, acompanhando o novo boom cafeeiro,
logo a empresa entraria em dificuldades econômicas. A Leopoldina continuou sendo uma
ferrovia cafeeira até a década de 1920, quando o valor dos laticínios ultrapassou o valor do
48
Para complementar, em 1920 existiam no Estado do Rio 10.766 estabelecimentos produtores de café, contra 8.688 no ano de 1928. E o
número de pés, que em 1920 era de 150.578.704, aumentou para 193.631.746 em 1928. Dados do Relatório do Instituto do Fomento
Agrícola do Estado do Rio de Janeiro, 1928. (Apud: Ferreira, 1994:48)
100
café: "como um empreendimento britânico sobreviveu, mas nunca prosperou como em
seus primeiros anos" (Blasenheim, 1995: 109).
O declínio do preço do café, a partir da crise mundial de 1929, e a expansão
das plantações para o Estado de São Paulo levaram ao abandono as lavouras fluminenses;
os cafezais se transformaram em pastagens. O decréscimo da produção e o
empobrecimento das zonas atravessadas pela ferrovia determinaram uma sensível redução
na capacidade do tráfego. Essa crise foi momentaneamente solucionada, uma vez mais,
com o aumento de tarifas. No ano de 1926 o Governo Federal autorizou o aumento de
tarifas de concessão federal da L. Railway e uma taxa adicional de 10% sobre o tráfego de
carga, a fim de formar o Fundo de Melhoramentos.
No ano seguinte, os governos dos Estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro
também autorizaram o aumento das tarifas sobre as linhas de suas concessões. Essas
medidas fizeram com que a empresa aumentasse sua arrecadação, conforme observamos
no Quadro 7:
Quadro 7: Receita e despesa da Leopoldina Railway.
Ano
financeiro
1899
1902
1905
1908
1911
1914
1917
1920
1923
1926
Receita mil-Cr$
16.879
17.186
16.765
19.146
20.349
25.118
29.465
43.603
61.123
76.729
Despesa mil-Cr$
12.896
11.347
11.049
13.156
14.122
17.618
19.097
33.521
42.214
54.268
Saldo de Custeio
Mil-Cr$
Equivalente em
LL
3.983
128.238
5.839
290.877
5.716
393.322
5.990
377.483
6.227
418.480
7.500
462.905
10.368
490.595
10.082
553.622
18.909
420.844
22.461
689.907
Câmbio médio
anual
32,337
29,105
15,059
15,868
14,884
16,254
18,732
16,445
44,393
33,391
101
1929
1932
1935
1938
1941
1942
1943
1944
1945
1946
1947
100.668
76.143
79.689
99.631
111.264
128.241
153.019
198.371
235.398
267.389
261.382
65.439
53.226
72.882
90.448
97.887
116.452
140.010
177.591
212.409
239.560
271.145
35.230
22.917
6.807
8.871
13.378
11.789
13.010
20.780
22.989
27.829
- 9.763
874.154
479.797
109.397
102.711
168.395
148.424
163.467
262.656
291.371
345.884
-129.466
40,689
48,531
85,270
86,242
79,832
79,585
79,585
79,326
78,901
78,230
78,410
Fonte: AGUIAR, Feliciano de Souza. Uma exposição sobre a Leopoldina Railway na Reunião dos Diretores das Estradas de Ferro. S.
l., s.ed., s.d. , p. 19.
Como efeito imediato, entre 1928 e 1929 a empresa distribuiu dividendos de
5% aos acionistas ordinários. Depois dessa época, no entanto, não se constatou mais a
distribuição de dividendos. E a partir de 1947, inicia-se a trajetória descendente, com saldo
negativo.
Desde o Império, estudava-se formas de prolongar a Linha do Norte até o
centro da Cidade do Rio de Janeiro e a sua ligação com a E. F. Cantagalo, em Porto das
Caixas. Até então os passageiros da Linha do Norte desembarcavam em S. Francisco
Xavier, subúrbio da E. F. Central do Brasil, e seguiam em baldeação para o centro da
Capital. Os protestos da população e os pedidos para o prolongamento da linha eram
constantes, o que foi resolvido em 06/08/1909, com o decreto 7.479, autorizando a obra.
Muitas discussões e projetos antecederam a escolha do local para a futura estação. A
empresa adiou o quanto pode a construção, mas, em fins de 1924, o governo intimou a
empresa a realizar o compromisso assumido e, finalmente, foi construída a estação "Barão
de Mauá", inaugurada em 6 de novembro de 1926. Também nessa época, a Leopoldina
inaugurou o tráfego público da linha de Magé, de Rosário a Porto das Caixas, suprimindo,
assim, o tráfego marítimo entre Niterói e a Capital Federal.
Da crise de 1929 até 1936 (época de depressão mundial) os déficits
aumentaram, junto com os custos de materiais e salários. Em 1936, com 18 mil
102
empregados, 50% da receita bruta era absorvida pela folha salarial. A verba de pessoal,
aumentada desde 1939, chegou a perto de 95 milhões de cruzeiros em 1945, com um
aumento que correspondia a 89% sobre o total pago em 1939. Nesse mesmo ano, a
empresa conseguiria um empréstimo do governo federal e algumas facilidades para
amortização das dívidas49. Segundo Margareth Martins, no entanto, o período de 1934 a
1940 foi promissor para algumas empresas, dentre elas a Leopoldina que, junto com a São
Paulo Railway, Great Weastern, Goiás e Mossoró apresentaram superávits em todo esse
período. A Leopoldina, no entanto, ainda que com crescimento positivo, não ultrapassava
os 5% ao ano (1995:114 e 119).
O açúcar e a cana eram as principais cargas da empresa, com tonelagem
igual à metade do total transportado. Mas a cana era transportada em curto percurso, dos
canaviais até as usinas, em média de 26 km, a tarifas reduzidas. Em terceiro lugar, na
ordem de importância, vinham o cimento e a cal, cerca de um sexto do volume. As
restantes mercadorias incluíam café, madeiras, derivados do petróleo e minerais, leite e
legumes.
O transporte de parte da produção da região se deslocava para a rede
rodoviária, especialmente o café e artigos manufaturados, devido à incapacidade da
Leopoldina em satisfazer a procura de vagões de carga. Mesmo os produtores de açúcar,
que preferiam o transporte ferroviário, passaram a transportar 28% de sua produção em
caminhões.
Durante e após a Segunda Guerra Mundial, novas dificuldades surgiram,
fazendo com que os auxílios governamentais ficassem cada vez mais comuns. A partir de
1o de junho de 1945, os aumentos de salários passaram a ser custeados pelos recursos
49
Os dados desse parágrafo e do anterior foram extraídos de: RFFSA. Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de Janeiro:
RFFSA/Departamento de Estatística e Cálculo Mecânico, 1961, p. 02. (mimeo.) SEDOC/RFFSA
103
provenientes do aumento de tarifas concedido pela Portaria 378 (13/03/45) do Ministério
da Viação. Em 1946, em virtude de uma greve geral dos trabalhadores, que reivindicavam
melhorias salariais, foi decretada a intervenção federal na empresa, pelo Decreto-Lei 9.
265-A, que durou de 18 de maio a 3 de outubro desse ano. Os trabalhadores ficaram sob
controle direto das autoridades públicas. O texto do Decreto revela, ao mesmo tempo, os
conflitos latentes com os trabalhadores e a importância da ferrovia:
Considerando que as anormalidades que se verificam em alguns setores da TLRC
ltda., decorrentes da cessação do trabalho por motivo de greve resultam na
paralisação de transportes essenciais à coletividade, atingindo interesses sociais e
econômicos do país;
Considerando que se torna necessário criar as condições para diminuir as
divergências existentes entre empregadores e empregados daquela ferrovia;
Considerando que os serviços ferroviários da The Leopoldina Railway Co. ltd., são
indispensáveis ao abastecimento de grande parte da população e que sua paralisação
virá aumentar as dificuldades da coletividade e, sobretudo, das próprias classes
trabalhadoras;50
Através de um contrato de trabalho coletivo, em 20 de setembro, houve
aumentos de despesas salariais de 30 mil cruzeiros ao ano. Conjuntamente ao reajuste
salarial, o Governo Federal concedeu algumas subvenções à Leopoldina, tais como: a) a
isenção de certas restrições compulsórias e de direitos alfandegários sobre combustíveis e
acessórios de material rodante; b) a concessão de subsídio de (Cr$ 7 500 000) 7 milhões e
500 mil cruzeiros para o pagamento de salários atrasados e c) um reajuste de tarifas
(Portaria 785, do Ministério da Viação, de 31 de agosto de 1946).51
50
Decreto-lei 9.265 - A, 18/05/46. BN
RFFSA/Superintendência Geral Administrativa/Departamento de Estatística e Cálculo Mecânico. Estrada de Ferro Leopoldina.
(mimeo.). p. 04. SEDOC/RFFSA
51
104
II.2.1 Greves e Encampação
Com os salários baixos, as greves eram constantes e também constantes as
intervenções federais para solucionar conflitos trabalhistas e os déficits. Nos relatórios da
empresa e nos diversos resumos históricos veiculados pela RFFSA mais tarde, junto com a
queda do café na região, outro fator apontado como um dos grandes "pecados capitais" da
Leopoldina eram os salários pagos aos trabalhadores e as constantes lutas por
reivindicações salariais. Por volta de 1948, havia um total de 2.546 trabalhadores nas
estações, distribuídos nas funções de: Chefes de estação; Ajudantes de estação; Fiscais de
rodísio; Recebedor de rodísio; Porteiro; Guarda salão; Cabineiros; Bagageiros;
Manobreiros de pátio; Guarda-chaves; Trabalhadores; Guarda-passagens; Vigias e
Folgadores, distribuídos em 307 estações, 200 paradas e 35 postos telegráficos52.
As estações eram divididas em 7 distritos, cada um dirigido por uma
Inspetoria subordinada à Chefia do Tráfego, no Rio de Janeiro. A média de empregados
por estação era de 8,3, existindo, porém, estações como a de Praia Formosa, com 222
empregados e outras com apenas um funcionário. O número de empregados do Tráfego por
quilômetro de linha não passava de 0,8%. A instituição do salário mínimo e outras
garantias sociais trabalhistas levaram a modificações na estrutura organizacional da
empresa. Com a Consolidação das Leis do Trabalho, extinguiram-se as classificações de
Agentes, Conferentes, Bilheteiros, telegrafistas, Auxiliares, Trabalhadores, etc., limitando-
52
Os ferroviários tinham também outros motivos a reivindicar, além dos baixos salários. Segundo o depoimento de Demisthóclides
Baptista, o Batistinha, referenciado mais adiante, os ferroviários realizavam trabalho pesado. Cita o exemplo de seu pai, José Baptista,
que: "quando entrou no Estado do Rio, o trabalho dele era carregar e descarregar um vagão sozinho. Quem conhece um vagão de carga
sabe muito bem... e naquela época os sacos eram de 60 quilos. Ele sozinho pegava no chão, botava na cabeça, sariava – o nome sariar é o
nome técnico deles: sariar, botar na cabeça – e sozinho carregava. Também sozinho descarregava os outros". Sobre a consciência da
exploração, Batistinha afirma que o seu pai tinha "um verdadeiro ódio ao patrão, porque sentia a exploração que sofria". Sem
qualificação, realizava um trabalho para três ou quatro homens e ganhava uma miséria. Cf. Demisthóclides Baptista. Demisthóclides
Baptista (depoimento, 1986). Rio de Janeiro: FIOCRUZ/COC. Programa de História oral, 1991, 123 p. , dat., p. 11.
105
se a Chefes de Estação (principal responsável), Ajudantes (conferencista, bilheteiro, etc.),
Praticantes e Guarda-Chaves (faz as chaves e o serviço do Trabalhador).
Sobre as greves, vemos o ponto de vista da empresa através do parecer do
diretor Feliciano de Souza Aguiar:
O serviço [oferecido pela empresa] tem se ressentido de um modo geral pelas
perturbações mundiais e em particular com as ideologias em moda, procurando
qualquer pretexto para instigar empregados contra empregadores, estimulando a
malandragem e a demagogia, instilando o espírito da intriga, da inveja e do ódio
53
entre os sêres humanos .
O autor reconhecia que havia dificuldades adicionais à empresa, como a
falta de escolas próximas às estações, condenando os filhos dos ferroviários ao
analfabetismo e a insalubridade de algumas áreas servidas pelas linhas. Mas a principal
delas era a greve.
Os embates trabalhistas com a direção inglesa eram constantes desde a
década de 1920, ainda que pairem acusações de "peleguismo" no Sindicato54, como
veremos adiante. Em O Jornal, de 24/03/1920, comunicava-se a greve geral da Federação
dos Condutores de Veículos e da Federação dos Trabalhadores do Rio de Janeiro, em
solidariedade aos trabalhadores ferroviários da Leopoldina Railway:
Está na memória de toda a população da cidade os motivos justíssimos sobre que se
basearam os ferroviários para declararem a greve. Ganham elles uma miséria, não
têm garantias de nenhuma espécie, são estrangeiros dentro da poderosa companhia
55
ingleza, que os despreza, os infelicita, os odeia.
A greve de 1920 expôs os males das condições de trabalho dos ferroviários
da Leopoldina. Lígia Osório, num artigo sobre o "amarelismo" dos sindicatos dos
53
Eng. Feliciano de Souza Aguiar. Uma Exposição sobre a Leopoldina Railway na Reunião dos Diretores de Estradas de Ferro. S.l.:
s.ed., 1948, p.07. SEDOC/RFFSA
54
O sindicato dos trabalhadores da Leopoldina foi criado em 1919. Antes, porém, existia a "Caixinha" assistencial dos ferroviários,
criada em 1917, que era a Associação Mútua e Auxiliadora dos Empregados da Estrada de Ferro Leopoldina, que atualmente funciona na
Rua São Cristovão, 460, no Bairro de São Cristovão, Rio de Janeiro.
55
A greve geral foi decretada. O Jornal, 24/03/1920, s.p. Fundo Desps. Pasta 47. Leopoldina Railway Company Limited. APERJ.
106
marítimos e ferroviários no início do século, nos informa que essa greve começou de forma
espontânea e foi dirigida por uma organização criada às vésperas do conflito. Teve um
efeito explosivo, inicialmente foi apoiada pela imprensa, e o governo atuou como
intermediário nas negociações. As reivindicações salariais foram imediatamente atendidas,
mas ficou a pendência da empresa em relação aos "elementos subversivos", que a diretoria
da empresa insistia em demitir. Isso fez com que a greve se prolongasse, de 14 a 29 do mês
de março. Nesse momento é que houve o apoio da Federação dos Trabalhadores,
decretando a greve geral, conforme manifesto acima citado. Com a radicalização do
processo, como costuma ainda ser de hábito no Brasil, a imprensa, inicialmente favorável,
começou a posicionar-se contrariamente aos grevistas. O governo, do seu lado, iniciou a
repressão fechando várias associações profissionais, bem como efetuando inúmeras
prisões. Neste contexto, surgiram os "amarelos" para fazer a intermediação que, por fim,
causaram o enfraquecimento do movimento e a divisão dos trabalhadores:
criado o impasse devido à ameaça da Leopoldina Railway de despedir todos os
grevistas e ao apoio irrestrito do governo à Companhia, aparecem em cena novos
intermediários. No dia 27, dezenove delegados de quatorze associações marítimas
não grevistas, dirigiram-se ao Presidente da República solicitando que este
intercedesse em favor da readmissão dos grevistas e reabrisse as associações
fechadas. O governo atendeu ao apelo dos líderes marítimos com a condição de que
a greve terminasse imediatamente. A Leopoldina Railway concordou em readmitir
todos os empregados que se apresentassem ao trabalho "com exceção dos muito
poucos que, antes da greve, e por atos comprovados tivessem se tornado
incompatíveis com os serviços da empresa" (1989:292).56.
Lígia Osório afirma que dificilmente poderia se acusar a Leopoldina de
empreguista ou de conceder aumentos salariais demagógicos, "tendo em vista os fatos que
vieram a público quando da greve de 1920 sobre as péssimas condições de trabalho que
imperavam nesta ferrovia" (1989:285). Para Osório, ferroviários e marítimos eram
56
A autora baeia-se em reportagem do jornal Correio da Manhã, de 27 de março de 1920.
107
altamente combativos, ainda que sejam acusados de precursores do sindicalismo "pelego"
ou "trabalhista" do pós-30. As greves realizadas por esses setores,
tinham os mesmos objetivos imediatos que as greves dirigidas pelos anarcosindicalistas: aumentos salariais, jornada de oito horas, proteção contra os acidentes
de trabalho, aposentadoria etc. A diferença, no caso se situava no fato de que os
anarco-sindicalistas encaravam essas greves como preparatórias da 'greve geral' que
terminaria com o capitalismo e os marítimos e ferroviários eram mais imediatistas e,
pelo menos em tese, não colocavam em questão o sistema (1989:282).
Para Demisthóclides Baptista, o Batistinha57, por duas vezes presidente do
Sindicato da Leopoldina e deputado federal, considerado um dos grandes líderes
ferroviários da história do país, o Sindicato da Leopoldina sempre pactuava com a direção
da empresa. Para ele, um dos agentes principais do processo nas eleições sindicais em
1954,
pela primeira vez fez-se uma chapa de oposição que ganhou as eleições, vindo do
interior. Eu de Cachoeiro, o colega secretário de Macaé, e o outro, o tesoureiro, de
Campos. [...] Anteriormente eram sempre pelegos. Eram sempre diretores
manobrados pela direção da Leopoldina58.
Vimos, no entanto, que não era um processo tão automático assim. As
lideranças mais reativas aos acordos existiam, no entanto, eram sistematicamente
expurgadas diretamente pela empresa ou indiretamente pelo governo. Ou, ainda, colocados
à margem pelos "amarelos".
Em épocas de greves e/ou de outras quaisquer ameaças de movimentos
sociais, as ferrovias eram um dos alvos prediletos. Na repressão ao movimento comunista
desencadeada em 1935, o Chefe da Polícia do Rio de Janeiro preocupou-se em solicitar a
57
Batistinha nasceu em Cachoeiro do Itapemirim-ES, a 18 de outubro de 1925. Filho de Ferroviário da Estrada de Ferro Leopoldina,
ingressou na empresa com 16 anos, onde trabalhou até ser demitido por motivos políticos, em 1964. Foi também professor secundário e
jornalista em Cachoeiro do Itapemirim e formou-se em direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, em 1958. Eleito deputado
federal com 38 mil votos, por uma coligação integrada pelo Movimento Trabalhista Renovador (MTR), Partido Socialista Brasileiro
(PSB) e pelo Partido Social Trabalhista (PST), cumpriu apenas 14 meses de mandato. Cassado em abril de 1964, foi incluído no
Inquérito Policial Militar (IPM) da Leopoldina, entre outros processos. Cf. Demisthóclides Baptista. Demisthóclides Baptista
(depoimento, 1986). Rio de Janeiro: FIOCRUZ/COC. Programa de História oral, 1991, 123 p. , dat.
58
Idem, p. 13.
108
planta da malha ferroviária da Leopoldina a fim de detectar possíveis locais que pudessem
vir a sofrer algum tipo de "ataque". Assim, a direção da empresa enviou um mapa
identificando pontes e pontilhões e outros "locais mais vulneráveis, em caso de qualquer
tentativa contra o nosso serviço de trens"59. A correspondência da direção da empresa com
o serviço policial parecia ser uma constante nesse período, visando até mesmo a
identificação de possíveis envolvidos no movimento comunista60. Não é de se admirar,
portanto, que a reivindicação dos trabalhadores da empresa fosse considerada como o
"bode expiatório" das suas crises.
Recuando ainda um pouco no tempo, os ferroviários da Leopoldina também
realizaram a primeira greve após a Constituição de 1934. Essa greve, que durou de 06 a 08
de abril de 1934, paralisando os trens, era reivindicatória, na qual lutava-se por um quadro
de carreira. Os ferroviários retornaram ao trabalho mediante laudo, proferido por uma
Comissão Especial (constituída por representantes da Administração da empresa e do
Sindicato, sob a presidência de um funcionário do Ministério do Trabalho), nomeada pelo
Ministro do Trabalho, e em virtude do qual foi a Estrada obrigada a reestruturar o seu
quadro de pessoal, com aumento geral de salários. O engenheiro ferroviário Alcides Lins
assim avalia essa ação reivindicatória dos ferroviários:
nesta época iniciaram-se os aumentos freqüentes e vultosos dos salários, mediante a
intervenção do Govêrno, não tendo sido mais possível a Estrada discutir livremente
61
esse problema com seus operários .
Em outra passagem do mesmo relatório a idéia da nocividade da intervenção
do Ministério do Trabalho, atrapalhando a livre negociação empresa-empregado é
59
Ofício da Leopoldina Railway para Seraphim Braga, Chefe da Segurança Política e Social, da Polícia Central do Districto Federal.
08/10/1935. Fundo Desps. Pasta 49. Leopoldina Railway Company Limited. APERJ.
Cf. ofícios diversos. Fundo Desps. Pasta 49. Leopoldina Railway Company Limited. APERJ.
61
Alcides Lins. Comissão de Economia Geral, 3a parte de 1o Estudo relativo à Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de Janeiro: 1950, p. 116
(mimeo.) Acervo SEDOC/RFFSA.[grifo DAP].
60
109
veementemente reforçada, embora se tratando de outro período, 1945, por conta de uma
nova greve e um novo reajuste salarial:
Com o controle dos salários e a presença constante de representantes do Ministério
do Trabalho, foi-se simultaneamente abalando os fundamentos da disciplina e do
62
respeito hierárquico.
Em maio de 1946, houve outra grande greve, com a intervenção do governo
federal, colocando os trabalhadores da empresa sob o controle direto das autoridades
públicas. Ainda nesse ano, o governo propôs a uma comissão formada por ingleses e
brasileiros, a remodelação da empresa, prevendo a injeção de capital. A comissão fora
reconhecida pela direção da empresa, no entanto, não se mostrara interessada na compra de
novos equipamentos. Calculava que mesmo recebendo um montante equivalente a 13
milhões de libras, não indenizaria convenientemente seus acionistas. Assim, "preferia
continuar a operar em condições antieconômicas na esperança de que sua política levasse
o governo brasileiro a comprar a ferrovia ou a garantir uma renda para a mesma"
(Moura, 1991:94). Em fevereiro de 1948 a situação era explosiva junto aos trabalhadores e
usuários. Felizmente, para a direção da Leopoldina, o governo brasileiro também estava
preocupado com a sua situação. Isso fez com que se iniciasse o processo de negociação
para a sua compra.
Em relação aos trabalhadores, a situação estava insustentável e acabaram
deflagrando nova greve em 194863, dessa vez, tendo também como reivindicação a
estatização da empresa. Sobre esse movimento, vejamos a avaliação de Batistinha:
62
Alcides Lins. Comissão de Economia Geral, 3a parte de 1o Estudo relativo à Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de Janeiro: 1950, p.
140 (mimeo.) [grifo DAP]. SEDOC/RFFSA.
63
Os ferroviários da Leopoldina interromperam as suas atividades durante 6 dias, reivindicando melhorias salariais imediatas e
paralisando coordenadamente as atividades em Barão de Mauá, Caxias, Alto da Serra e Magé. O título da reportagem do jornal O Globo
sobre o movimento era: "Métodos comunistas na deflagração da greve". E abaixo: "A reportagem de O Globo constata o emprego da
tática vermelha pelos que dirigiram o movimento da Leopoldina". Apud: Betânia Figueiredo. Trilhando, abril 1989. Arquivo Centro da
Memória Ferroviária.
110
essa greve de 1948 teve uma importância muito grande porque ela visava estatizar a
empresa, tirar do domínio dos ingleses. O governo interviu e eles foram alijados da
ferrovia. É bem verdade, como sempre, nessas manobras o trabalhador acaba sendo
usado... naquela greve nosso objetivo era ótimo, estatizar, mas a forma como foi
feita a estatização, não foi boa: a empresa deveria vir para o Governo Federal de
graça, porque já estava terminado o prazo de arrendamento, mas acabou o governo
Dutra, que sucedeu a Getúlio, comprando dos ingleses.
O Brasil tinha acumulado muita reserva de ouro, muita libra esterlina após a guerra,
pois houve um esforço muito grande e o Brasil só vendeu sem comprar nada, porque
os países vendedores estavam todos empenhados na guerra. [...] Agora queimou
todas as divisas com quinquilharias: a compra da ferrovia a peso de ouro e de
quinquilharias que os americanos vendiam pra cá. Nessa época os americanos já
estavam desalojando os ingleses, ocupando o espaço que era deles aqui. E qual a
forma que os americanos começaram a usar? Foram as rodovias. Faziam
empréstimos ao governo brasileiro, mas esses empréstimos não eram em dinheiro,
era para o Brasil comprar toda a linha desde o petróleo bruto, os caminhões, os
tratores, até as rodovias. Hoje você vê a Central, a Leopoldina, com um material
rodante muito antigo, porque não houve um esforço realmente sério em aparelhar o
64
sistema ferroviário.
Assim, Batistinha indicava a força do Sindicato dos trabalhadores da
empresa, mas, ao mesmo tempo, o processo inicial de sua desarticulação. Essa
desarticulação viria a ser desencadeada não pela encampação e sim pela repressão política
e devido ao progressivo avanço do transporte rodoviário que se tornaria predominante no
país em poucos anos. Ao deslocar o fluxo de mercadorias e passageiros para as rodovias,
desancava-se o transporte ferroviário de sua frágil predominância e, simultaneamente,
ceifava-se uma poderosa categoria de trabalhadores.
Após a II Guerra Mundial, a maioria das empresas de serviços públicos no
Brasil passava por dificuldades financeiras, refletindo-se no nível dos serviços oferecidos e
nas suas políticas salariais. O capital inglês ainda era predominante no Brasil, apesar do
avanço progressivo do norte-americano. O governo brasileiro pretendia fazer uso do
excedente acumulado na balança comercial com a Inglaterra, renovando o sistema de
comunicações terrestres e marítimos. Foram empreendidas tentativas de negociação, mas o
governo brasileiro foi surpreendido, em 1948, quando o governo britânico suspendeu a
111
conversibilidade da libra e o superávit comercial do Brasil, em torno de 60.000.000 de
libras tornou-se sem valor, “a não ser para pagamento da dívida externa e da aquisição
das empresas britânicas de serviços no Brasil” (Moura, 1991:82). Ainda em 1948 foi
enviada ao Brasil uma missão econômica britânica, com o propósito de “induzir os
brasileiros a aceitar libras esterlinas (não conversíveis) e utilizá-las para compras neste
país (Grã-Bretanha)” (Idem, ibidem) No final da década, nova surpresa, a libra havia sido
desvalorizada e as garantias de revalorização a favor do Brasil haviam se esgotado em
maio de 1949 e não haviam sido renovadas. (Idem.:83) Nesse quadro insere-se a compra da
Leopoldina.
Segundo Gerson Moura, a situação crítica vivida pelas empresas no Brasil
era reconhecida pelo governo britânico em caráter privado. A solução ideal para salvar os
investimentos, era a compra das empresas pelo governo brasileiro, indenizando os
acionistas. A Coroa britânica não podia reconhecer publicamente a incapacidade das
empresas, sob o risco de municiar aqueles setores nacionalistas65 que pregavam a
expropriação das empresas sem indenização, apenas cobrindo o seu "custo histórico".
Foi adotada uma solução paliativa, na qual o governo brasileiro "auxiliava"
as empresas britânicas a enfrentar a crise e o governo britânico aceitava essa política como
um mal menor. O acordo durou até o momento em que algumas autoridades estaduais se
movimentaram, reivindicando a expropriação de algumas empresas, sem indenização. As
autoridades financeiras de Londres igualmente não aceitaram o emprego de libras
64
Idem,Demisthóclides Baptista. In: Betânia Gonçalves Figueiredo (org.). Batistinha. O combatente dos trilhos. Rio de Janeiro: Centro
de Memória Ferroviária/Amorj, 1994, p. 22-23.
65
Essa época, localizada entre o fim do Estado Novo e o segundo governo Vargas representou, segundo Sonia Mendonça, “um
interregno para as tendências estatizantes até então vigentes no campo da política econômica, em nome da euforia ‘democratizante’
que se opunha a todos os vestígios de autoritarismo. Foi aí que se articularam as forças conservadoras partidárias do arrefecimento da
industrialização pesada e da reintegração do país ao ‘livre comércio’ internacional”. (In: Linhares, 1990:249). Destaca-se, em 1946 a
realização do III Congresso de Engenharia e Indústria, realizado no Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro, marcado pelo debate
desenvolvimentista. A maioria dos engenheiros era favorável à ampla movimentação do capital estrangeiro na economia nacional. Essa
posição marcou as principais resoluções sobre a mineração e petróleo (Bielschovwsky, 1996:290). As clivagens do pensamento
desenvolvimentista, serão um pouco mais detalhadas no Capítulo III, ao tratar da formação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos,
em 1952.
112
bloqueadas para o pagamento das empresas, exigindo pagamento em moeda corrente,
temendo que o Brasil acumulasse libras em excesso. O governo Dutra posicionou-se a
favor da salvaguarda dos interesses britânicos e, no caso da Leopoldina, houve a sua
compra com alta margem de lucro para a matriz (Moura, 1991:83). É o que veremos a
seguir.
Antes da greve de 1948, num encontro no gabinete do Ministro da Viação,
reunindo o Ministro do Trabalho, o Chefe de Polícia, o diretor do Departamento Nacional
de Estradas de Ferro - DNEF e a diretoria local da Leopoldina Railway, se articulou a
encampação da empresa, solicitando-se a vinda de representantes da diretoria inglesa.
Logo na primeira quinzena de março de 1948 chegaram de Londres dois diretores da
empresa, Lord Hawke e T. E. Baring. Os diretores retornaram a Inglaterra, antes da
resolução da Comissão criada pelo Governo Federal (com representantes do DNEF e das
Estradas de Ferro Central do Brasil e da Viação Férrea do Rio Grande do Sul). Num
parecer de 1o de Outubro de 1948, a Comissão afirmava:
A situação da "The Leopoldina Railway Company Limited" é de tal ordem que
motiva a justa apreensão do Govêrno Federal, situando o problema que ela envolve
entre aqueles que carecem de uma solução do Estado, não só por atingir superiores
interesses de três unidades da Federação e da Capital da República como porque
reflete de maneira acentuada a conjuntura que caracteriza a vida econômica e social
do povo brasileiro, no momento atual.
A tarefa imposta à comissão nomeada por V. Excia para estudar a encampação da
Leopoldina, toma assim vulto, talvez imprevisível, embora decorrente da análise das
66
funções específicas dessa via férrea .
Os debates parlamentares envolvendo a questão da Leopoldina Railway,
também
se
acirravam.
Seria
interessante
investigar
os
diferentes
interesses
políticos/econômicos daqueles atores que se posicionavam pró ou contra a encampação da
empresa, tarefa que escapa aos objetivos deste capítulo. A favor da encampação, o
113
deputado federal Ezequiel Mendes, egresso do universo ferroviário da Leopoldina, num
discurso pronunciado em 25/01/1949, acusava a direção da empresa de "inepta" face aos
problemas do pós-guerra, no tratamento dos seus funcionários e de realizar um verdadeiro
"descalabro administrativo".
Segundo Mendes, havia meses que a empresa não recolhia à Caixa de
Aposentadoria e Pensões as importâncias referentes às contribuições mensais do pessoal,
cotas de amortização de empréstimos e de dívidas contraídas para a aquisição de casas, de
cuja cobrança ela se encarrega por desconto em folha. Além da dívida com os empregados,
devia ainda ao Governo, cerca de 35 milhões tomados por empréstimo em 1939 e 150
milhões de cruzeiros das cotas arrecadadas do público por conta da verba de 10% mais
10% para Renovação e Melhoramento do Material Rodante que, ao invés de serem
recolhidas ao Banco do Brasil, conforme a Lei, vinha sendo empregada na sua despesa
ordinária. Faltava-lhe o crédito na Praça, estando em débito para com firmas fornecedoras
de materiais, lenha e gêneros alimentícios, em cerca de 30 milhões de cruzeiros. Nesse
ponto, era o empregado o maior prejudicado, segundo Mendes, pois embora descontado
em folha, os armazéns da empresa encontravam-se desprovidos. Citava ainda um discurso
do então Governador do Estado do Rio de Janeiro, Edmundo de Macedo Soares e Silva, na
abertura da Exposição Agropecuária do Município de Cordeiro, quando também defendeu
a encampação da empresa como "uma necessidade inadiável, como única medida capaz de
libertar a lavoura fluminense da asfixia por falta de transporte" (Mendes, 1949: 04).
Assim, permaneciam os velhos problemas relacionados à Leopoldina. Ao
mesmo tempo, culpar o sistema de transporte pela constante crise agrícola parecia sempre
ser um recurso que funcionava no universo do discurso político. Para Mendes, a empresa:
66
Alcides Lins, op. cit., p. 141.
114
com seu material antiquado, seus carros sem higiene, sem conforto, sem segurança,
arrastando-se morosamente sem noção de horário, sôbre trilhos colocados em
dormentes pôdres, a Leopoldina, longe de atrair, afugenta qualquer iniciativa de
empreendimento nas regiões por ela tão mal servidas (Mendes, 1949:03).
E, no final: "não tenhamos dúvidas, Senhores Deputados que é bastante
viável a encampação pelo preço que deve valer o ferro velho de uma Companhia
deficitária, que está em agonia financeira" (id.:06). Naquele momento, defendia-se a
encampação em detrimento de empréstimo ou subvenção como a empresa cogitara
inicialmente. Veremos adiante, como no texto final da Mensagem ao Congresso Nacional,
justificando a encampação e o altíssimo preço pago, o "tom" empregado em relação à
empresa seria radicalmente outro, face àquele de Ezequiel Mendes. Deslocava-se a
responsabilidade da falência financeira da direção da empresa para a economia brasileira
como um todo.
Decidida a encampação, as negociações efetuaram-se entre 1948 e 1949, nas
Cidades do Rio de Janeiro e Londres. A direção da Leopoldina empenhava-se em garantir
o preço de 11 milhões de libras, mas a proposta do Ministério da Viação (aceita pelo
ministro da Fazenda e pelo presidente Dutra) era de não pagar mais do que 7,5 milhões de
libras. E, segundo Gerson Moura, havia uma "oposição ácida às negociações" no próprio
governo, no mundo da política e dos negócios no Brasil. Os ingleses acreditavam que, por
conta dos temores quanto à situação trabalhista na empresa, o governo acabaria aceitando
um preço alto (Moura, 1991:84). No final de 1948, conforme a expectativa dos britânicos,
o governo estava disposto a aumentar o valor. No acordo final, ficou a União responsável
por todos os encargos financeiros da empresa, sendo designado um administrador geral
para atuar junto à diretoria inglesa, a partir de 30 de abril de 1949.
Pela Lei 1.288, de 20/12/1950 a Leopoldina Railway foi encampada. O
Governo brasileiro pagou 10 milhões de libras esterlinas, de acordo com as cláusulas 2a e
115
3a do Contrato, pela Estrada de Ferro, com todo o seu material fixo e rodante, instalações
auxiliares, bem como todas as propriedades imobiliárias da Companhia do Brasil,
estranhas à via férrea. Combinou-se que o material do Almoxarifado e dos armazéns de
abastecimento seriam pagos pelo preço de custo. O Governo desobrigava a Empresa de
ônus, cujos pagamentos só seriam devidos condicionalmente, conforme a cláusula 4,
alíneas a e b.67 A implementação do acordo aguardaria, agora, a aprovação do Congresso
Nacional, após o encaminhamento de uma Mensagem e Exposição de Motivos do Ministro
da Viação, em 10/10/1949. Através de alguns trechos dessa Mensagem, podemos observar,
dentre outras coisas, a total subserviência do Governo Brasileiro à direção da Leopoldina
Railway. Quase pede-se desculpas pelas dificuldades econômicas da empresa que seriam
advindas da crise do próprio país. Seria até cômica, não fosse essa história trágica aos
cofres públicos e à sociedade brasileira. Da Mensagem no 534, de 1949, selecionamos
alguns tópicos elucidativos:
5. Importa, desde logo, salientar que a situação da Leopoldina não é singular;
decorre ela de fatores externos e internos que estigmatizaram de maneira geral, as
atividades ferroviárias do Brasil, sob seus diversos aspectos [...].
9. O valor das inversões leva-se a montante próximo a 21 milhões de cruzeiros.
Representada o ônus imposto, hoje, à coletividade brasileira, pelo desfalque em
melhoramentos, do patrimônio ferroviário, postergados, anos a fio e cuja coerência
responde, em parte, pela alarmante situação econômica, das estradas de ferro do
país, como revelam os seguintes índices de sua exploração comercial, no último
quinqüênio:
Exploração comercial da Estrada de Ferro Leopoldina
ANOS
1944
1945
1946
1947
1948
SALDO (1.000)
DEFICITS
253.073
106.253
-
(1.000,00)
240.080
519.791
758.109
[...]
25. Umas e outras [as causas das dificuldades das empresas ferroviárias] como se vê,
escapam ao controle das administrações privadas, pois que são resultados do império
das circunstâncias e da política econômica adotada pelo Govêrno [...].
67
Idem, p. 143.
116
54. Assim agiu o Govêrno [no sentido de uma indenização "justa"], considerando
que se no âmbito legal, deveria a Companhia arcar com todos os ônus provenientes
de uma exploração desvantajosa, no âmbito moral era preciso considerar, que essa
falta de êxito, decorria em parte de causas estranhas à ação administrativa da
Companhia como a nossa debilidade econômica e de outra, a de controle estrito de
suas tarifas e da política de expansão rodoviária, exercido um e outro pelo Governo
Federal68.
Os agentes do Governo Federal redimiam a empresa de quaisquer
responsabilidades, atribuindo ao próprio Governo a grande parte da causa dos déficits. O
restante das "causas", seria fruto do "império das circunstâncias", numa tentativa de
naturalizar o processo social, como se tudo ocorresse num vácuo, com isenção de
responsabilidades dos agentes responsáveis pela direção da empresa. Conforme o Quadro
7, percebemos que, de fato, após 1947 há um considerável déficit de operação,
apresentando um saldo negativo de 9.763 mil cruzeiros. No quadro apresentado acima,
esse déficit inicia-se em 1946. Nessa época, a concorrência rodoviária fazia-se sentir nas
áreas servidas pela Leopoldina, conforme veremos no Capítulo V. Durante a II Guerra
houve um crescimento da demanda, relativamente atendida pela empresa. O número de
passageiros transportados seguia numa tendência crescente, mas, também após 1947,
iniciou-se uma trajetória negativa. Havia solicitação de vagões para transporte de cargas,
mas a empresa, desaparelhada tecnicamente, não mais atendia suficientemente a demanda.
Por outro lado, a administração inglesa parecia pouco interessada em fazer com que a
empresa prosperasse, pois em termos de lucros, a encampação seria mais negócio.
A venda foi uma dádiva para uma empresa beirando à falência, com
materiais rodantes obsoletos, em profunda crise trabalhista e com os seus usuários. Na
Mensagem, a existência das ferrovias parece ser incompatível com a realidade brasileira,
68
Idem, p. 143-146.
117
pois não houve adaptação às circunstâncias. Esse argumento acabou tornando-se uma
constante nos discursos posteriores que justificavam a desativação de ferrovias.
O Sindicato dos trabalhadores da Leopoldina, no entanto, posicionou-se
contrário à encampação69. É o que diz Herval Arueira, na época um dos seus diretores:
a Leopoldina era dos ingleses, que no acordo firmado com a Coroa Inglesa em 26 de
novembro de 1882, ficou combinado que os ingleses vinham para explorar o sistema
de transporte ferroviário pelo período de 70 anos, e, que venceria em 26 de
novembro de 1952. Até hoje ninguém sabe porquê, em 26 de novembro de 1951, o
governo brasileiro achou por bem comprar a Leopoldina. Quando, que pelo contrato,
os ingleses não tinha cumprido uma (nenhuma) cláusula do contrato, e ficou todo o
nosso dinheiro, todo o nosso dinheiro que a gente tinha na reserva, no tesouro em
Londres70.
Na época, Batistinha era o Presidente do Sindicato e, segundo Arueira, no
protesto, os ferroviários lançaram um documento, repudiando a encampação:
Demistóclides Batista, Aristóteles de Miranda Melo, de Macaé e Abel de Souza
Lopes que era de.... Porque aquele tempo o Sindicato era três diretores, nós éramos
em 18 mil ferroviários, agora há pouco tempo aí, estava com 5 mil ferroviários e tem
15 diretores, você fica até maluco (mas, bom). Resultado, nós então... divulgamos
um documento, protestando, nós sabíamos que o nosso salário iria ficar muito alto,
mas acima do nosso, do salário alto, nós ficamos com a Pátria (entendeu?). Então
saímos dali da Leopoldina, e ali para Câmara dos Deputados, ali por onde hoje tem a
estátua do Ghandi, ali era o palácio Monroe. (...)
(...) então acabou acontecendo a encampação, que foi feita através da lei 1.288 de
1950. (...)
Ah, nós éramos [contra a encampação], pelo seguinte; por causa do preço mesmo
(...) E outra coisa; ganharam dinheiro na época da guerra, porque criaram umas
cinco ou seis taxas, afora a taxa normal, a tarifa normal, criou uma taxa chamada de
valor, de lei de aposentadoria, taxa de expediente. Olha, botava na cabeça do
governo brasileiro que nós estávamos em guerra, então era preciso, porque a ferrovia
.... ,(entendeu?). Mas era estratégica e tal.71
69
Segundo Margareth Martins, a encampação da Leopoldina e de outras ferrovias, como a São Paulo Railway foi arrastada e carregada
de polêmica. Quanto à Leopoldina, houve também reportagens nos jornais denunciando a transação. Títulos como: "Panamá no governo
Dutra"; "A Leopoldina que custou aos cofres públicos 800 milhões, em 1952, podia ser incorporada gratuitamente" (1994:347).
70
Entrevista concedida à autora, no dia 18/11/99, no Rio de Janeiro. Herval Arueira, nasceu em 17/11/24, em Campos-RJ. O pai era
motorista nas usinas de açúcar da região. Estudou até o 3o ano primário e em 1935 começou a trabalhar na “saudosa e querida D.
Leopoldina”. Foi diretor e Presidente do Sindicato, ainda hoje é um militante incansável da causa dos trabalhadores das ferrovias.
71
Idem.
118
No entanto, apesar da oposição, o Sindicato não conseguiu impedir o
processo de encampação. Seria uma das muitas lutas travadas e insistentemente vencidas
pelos setores hegemônicos dos transportes.
***
Em 1950, a Leopoldina chegou à expansão máxima de suas linhas, com
3.056 quilômetros, sendo, portanto, uma das mais extensas ferrovias brasileiras,
abrangendo aproximadamente 80 mil quilômetros quadrados em áreas de maior densidade
populacional do país72. A produção concentrada nessa área envolvia produtos como café,
laranja, milho, cana-de-açúcar (principal cultura, mas concentrada no município
fluminense de Campos); carne e laticínios. Dos produtos industrializados destacavam-se os
alimentícios, tecidos, transformação de minerais não metálicos, metalurgia e produtos
químicos, a fabricação de equipamentos de transporte e uma crescente indústria do
cimento73.
O tráfego suburbano produziu e moldou diversos bairros no Rio de Janeiro.
A linha (hoje incorporada à Super Via, empresa privada) tinha a extensão do centro do Rio
(Barão de Mauá) até a Penha, com 11,94 km e do centro até Duque de Caxias, com 19,176
km, compreendendo as seguintes estações: Barão de Mauá, Triagem, Manguinhos,
Bonsucesso, Ramos, Pedro Ernesto, Penha, Penha Circular, Braz de Pina, Cordovil, Lucas,
Vigário Geral e Duque de Caxias. Em 1960, eram transportados, em média 80 mil
passageiros, em 130 trens diários nos dois sentidos74. Esse índice comportou variações no
tempo, mas destaca-se que permaneceu praticamente o mesmo desde 1950, fruto da
concorrência rodoviária e, principalmente do péssimo estado de conservação do quadro
geral da ferrovia.
72
73
Cf. Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de Janeiro: RFFSA/Depto Estatística e Cálculo Mecânico, 1961, p. 06. SEDOC/RFFSA
Idem, ibidem.
119
Havia oficinas em Porto Novo do Cunha (onde mantinha tráfego mútuo com
a E. F. D. Pedro II), em Bicas- MG, Imbetiba (Macaé), Niterói, Cachoeiras de Macacu, no
Alto da Serra, em Friburgo e em Barão de Mauá. O quadro do material rodante, em 1950,
era o seguinte: contava com 325 locomotivas de tração a vapor, desse total, cerca de 61,5%
encontravam-se obsoletas, considerando a vida útil na faixa de 30 anos. As mais velhas, 56
ao todo, eram de 1890, com 60 anos de trabalho. As intermediárias, cerca de 29 no total,
tinham 50 anos de existência e as mais novas, no total de 51, com menos de 10 anos de uso
(Guimarães, 1993: 69).
O regime de intervenção durou até 1951, quando o governo federal
encampou a ferrovia, que passou a chamar-se, outra vez, Estrada de Ferro Leopoldina, pelo
Decreto 1.288, de 20/12/1950, subordinando-se ao Ministério da Viação. Mais tarde, em
1957, foi incorporada ao sistema supervisionado pela Rede Ferroviária Federal. A partir
daí, todas as decisões implementadas na E. F. Leopoldina sofreriam a influência direta da
administração federal. A criação da Rede respondia a uma nova tendência na
administração ferroviária, a de unificar todas as estradas, organizando-as em sistemas
regionais. Essa tendência visava também a fortalecer os chamados “ramais estratégicos” e
desativar progressivamente os “ramais antieconômicos”. Começava, assim, a retirada dos
trens do interior.
74
Idem, ibidem.
120
CAPÍTULO III
O IMPÉRIO DAS RODOVIAS
Mas nhô Augusto era couro ainda por curtir, e para quem não sai, em tempo, de cima da linha, até o
apito de trem é mau agouro. Demais, quando um tem que pagar o gasto, desembesta até o fim. E, desse jeito, achou que não
era hora para ponderados pensamentos.
(João Guimarães Rosa. A hora e a vez de Augusto Matraga)
121
Este capítulo, que pretende cobrir um extenso período, trata das principais
concepções teóricas que orientam a análise da política de transportes, considerando o
Estado como "relação de forças". A partir desses pressupostos iniciais, a análise centrar-seá nos principais marcos norteadores da política para os transportes nos anos 1950- 1960
recuperando, retrospectivamente, alguns acontecimentos das décadas de 1930/40, quando
se esboçou a transformação do padrão rodoviário para os transportes. Adicionalmente,
tratarei, em particular, da emergência do "rodoviarismo", a fim de entender a consolidação
de interesses das empresas nacionais de obras públicas e do setor internacional da
produção automobilística, após 1950.
Além disso, procurei inserir o processo de regulamentação das agências dos
transportes nesse período, até 1974. Por último, ao tratar da tecno-burocracia engendrada
durante o Regime Militar, analiso, em particular a atuação de Mário Andreazza, o primeiro
a ocupar o cargo de Ministro da pasta dos transportes, criada em 1967. A atuação de
Andreazza respondia, em primeiro lugar, à consolidação do padrão rodoviárioautomobilístico. Para isso, havia um estreito relacionamento com os setores privados da
construção e do empresariado nacional. E, no campo da legitimação dos programas
implantados, havia a constante divulgação das realizações de obras "públicas" nos diversos
meios de comunicação. A análise detém-se, em particular, nos documentos oficiais,
discursos e matérias publicadas nos periódicos especializados do setor.
III.1 O Estado no centro da análise
Tratando-se de política pública, a análise da anti-política ferroviária no
Brasil pressupõe que devamos estabelecer uma démarche acerca do que se compreende por
122
Estado e a opção metodológica adotada neste trabalho. Para isso, acompanhando alguns
acontecimentos marcantes no que se refere a essa política, utilizaremos principalmente as
análises de Antonio Gramsci e Nicos Poulantzas para a abordagem do Estado capitalista
ocidental. Além desses dois autores, matrizes centrais da análise marxista acerca do
Estado,
trabalharei,
confrontando
e
complementando
a
análise,
com
autores
contemporâneos dos diversos ramos das ciências sociais que têm a questão política como
preocupação central. Acredito que, através desses parâmetros teóricos aplicados às fontes,
será possível compreender a lógica mais geral das disputas pela inserção política no
interior do aparelho de Estado em seus diversos momentos.
Sobre as análises que têm o Estado como centro, Norberto Bobbio
historiciza:
Con la transformación del puro Estado de derecho en Estado social, las teorías
meramente jurídicas del Estado, condenadas como formalistas, han sido
abandonadas por los mismos juristas, y han tomado fuerza los estudios de sociología
política que tienem por objeto el Estado como forma compleja de organización
social (de los cuales el derecho sólo es uno de los elementos constitutivos). (Bobbio,
1989: 74)
O pressuposto deste trabalho é, pois, a análise do Estado enquanto relação
de forças. Gramsci amplia a noção de Estado, liberando-o das amarras economicistas (o
Estado instrumental, manipulado por uma classe-sujeito) ao afirmar que “por ‘Estado’
deve-se entender, além do aparelho governamental, também o aparelho ‘privado’ de
‘hegemonia’ ou sociedade civil” (1988: 147). Dessa forma, a clássica dicotomia entre infra
e superestrutura deixa de ter lugar, permitindo que a análise do Estado seja enriquecida
pela dinâmica dos embates entre as classes sociais em ambos os planos de análise
propostos. Na concepção desse Estado ampliado, a noção de hegemonia torna-se crucial,
pois é através dela que a classe dirigente, através de mecanismos coercitivos e da cultura –
123
que sempre é política – vai promover o consenso ao restante da sociedade, formando,
assim o bloco histórico:
a realização de um aparato hegemônico, enquanto cria um nôvo terreno ideológico,
determina uma reforma das consciências e dos métodos de conhecimento, é um fato
de conhecimento, um fato filosófico. Em linguagem croceana: quando se consegue
introduzir uma nova moral adequada a uma nova concepção do mundo, termina-se
por introduzir também esta concepção, isto é, determina-se uma reforma filosófica
total (Gramsci, 1978: 52).
Segundo Bobbio:
Al igual que Marx, Gramsci considera a las ideologías como parte de la
superestructura, pero a diferencia de Marx, que llama sociedad civil al conjunto de
las relaciones económicas que constituyen la base material, Gramsci llama sociedad
civil a la esfera en la que actúan los paratos ideológicos cuya tarea es la de ejercer la
hegemonía y, mediante la hegemonía, de obtener el consenso. No es que Gramsci
abandone la dicotomía base/superestrutura, para sustituirla por la dicotomia sociedad
civil/Estado. Él agrega la segunda a la primera y de esta manera hace más complejo
su esquema conceptual (Bobbio, 1989: 49-50).
Retomando e aperfeiçoando esta noção ampliada de Estado de Gramsci,
menos influenciado pelo estruturalismo althusseriano, Nicos Poulantzas afirma que “o
Estado não é nem uma coisa-instrumento que se possa apossar; nem uma fortaleza, onde
se penetra com cavalos de pau; nem uma caixa-forte que se arrebente por arrombamento:
ele é o centro do exercício do poder político”75. Assim, ao estudar o Estado, estaremos
também analisando o jogo das relações sociais e a luta dos diversas frações dominantes no
poder.
Segundo Eli Diniz, contrastando com as estruturas partidárias européias,
mais enraizadas socialmente, os partidos políticos no contexto latino-americano revelaramse incapazes de funcionar como instrumento de universalização e racionalização das
demandas sociais básicas. Conseqüentemente,
75
Rumo a um socialismo democrático. (In: Silveira, 1984:162)
124
tais demandas tenderiam a fluir diretamente da ordem econômica, emergindo do
mercado em seu estado bruto e alcançando o sistema político sem a mediação dos
partidos. Ao penetrarem no aparelho estatal, sob a influência de contatos informais
ou através de pressão de organizações empresariais, os interesses particulares
passariam à esfera pública, insinuando-se nas instâncias governamentais e dando
origem à privatização de segmentos expressivos do Estado (Diniz, 1992: 35).
Esse processo seria responsável por um Estado extremamente permeável a
interesses privados dominantes. Principalmente após 1964, na forma do Estado autoritário,
os partidos políticos e as instituições sociais tiveram acesso restrito às decisões.
Veremos, inicialmente, como a ferrovia deixou de ser um projeto
hegemônico no decorrer do desenvolvimento capitalista brasileiro, cedendo o lugar à
rodovia, que, por sua vez, passa a ser o locus privilegiado de disputas dos setores
dominantes em relação aos transportes de passageiros e de mercadorias.
III.2 Redefinição do padrão de transportes
O progressivo avanço estatal sobre o planejamento dos transportes começou
a acontecer após os anos 30. O único órgão central até então existente era a Inspetoria
Federal de Estradas, criada em 1911, com a função de fiscalizar todos os serviços que se
relacionassem a exploração e construção ferroviária e rodoviária, desde que dependentes
diretamente do governo da União, excetuadas aquelas sob sua administração direta. A
Inspetoria fora criada no período de maior expansão ferroviária no Brasil, conforme o
capítulo 1. Nessa época, o transporte era majoritariamente ferroviário. Em 1921 a IFE
passou a incorporar adicionalmente, dentre outras, funções mais ligadas ao planejamento
da viação terrestre, superintendência das administrações federais das estradas de ferro de
125
propriedade da união, bem como a fiscalização das empresas arrendadas ou concedidas
pelo Governo Federal.
No Plano de Viação de 1931, primeiro projeto nacional para os transportes
aprovado oficialmente, após vários não oficiais, desde 1838, se reconhecia que a ferrovia e
a navegação marítima e fluvial eram os meios, por excelência, de transportes a baixo
preço, para grandes volumes de tráfego, em grandes distâncias. No planejamento geral, a
primazia ainda era para a ferrovia (Martins, 1994: 105), mesmo com a campanha em prol
das rodovias iniciada desde a década de 1920. As condições de tráfego nas estradas eram
as piores possíveis, em algumas épocas do ano elas ficavam intransitáveis. Para o
presidente Washington Luís, além de "abrir estradas", era preciso "construir estradas para
todas as horas do dia e para todos os dias do ano" (Telles, 1993: 566). A rodovia seria,
inclusive, um elo de ligação com as ferrovias:
As estradas de ferro de penetração são os primeiros pioneiros da civilização, mas a
sua ação é lenta ou incompleta, se ela não se continuar pelas estradas de rodagem. A
estrada de ferro não é mais hoje o único meio rápido de comunicação e não
corresponde a todas as necessidades... precisa da colaboração rodoviária. Para isto
76
devemos fazer estradas de rodagem interligando as estradas de ferro.
A partir de 1926 foram elaborados os primeiros planos rodoviários e em
1927 foi criado o Fundo Especial para a Construção e Conservação de Estradas de
Rodagem, que consistia num imposto adicional sobre os combustíveis e veículos
importados. Também nesta época foram construídas as antigas Rio-São Paulo e RioPetrópolis, inauguradas em agosto de 1928, trechos iniciais dos grandes troncos ligando
todo o Oeste-Sul com todo Norte-Este do Brasil (Idem: 567). O serviço de ônibus de
passageiros nessa linha só foi inaugurado em 1936.
76
Maria Chambarelli de Oliveira. Achegas à história do rodoviarismo no Brasil. Rio de Janeiro: Memórias futuras, 1986, p. 75. (Apud:
Telles. 1993: 566)
126
Com a Inspetoria Federal de Estradas não mais atendendo ao início da
complexificação da área dos transportes no Brasil, foi criado o Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem – DNER, em 1937 e posteriormente o Departamento Nacional de
Estradas de Ferro – DNEF, através do Decreto-lei no 3.136, de 1941. O DNEF tinha por
função: a) estabelecer metas para o cumprimento do Plano de Viação; b) propor normas
gerais para a atividade ferroviária; c) superintender a administração das empresas a cargo
da União; d) fiscalizar as empresas não administradas pela União; e) elaborar e rever
projetos sobre novas linhas e obras gerais; f) elaborar legislação apropriada ao
funcionamento das ferrovias; g) organizar e atualizar as estatísticas das atividades
ferroviárias no país. Em 1946, a estrutura organizacional do DNEF sofreria novas
modificações, especificando melhor as suas atribuições quanto a execução direta ou
indireta de novas ligações ferroviárias, elaboração de normas gerais para todo o serviço
ferroviário do país, de acordo com a política traçada pelo governo, bem como a
fiscalização de seu cumprimento e a superintendência da direção das ferrovias diretamente
administradas pelo Governo Federal.77
A partir da segunda metade da década de 1940, se intensificou a construção
rodoviária. Construíam-se estradas paralelamente aos traçados ferroviários. Ao invés de se
estimular a integração inter-modal de transportes, acirrava-se a competição principalmente
entre rodovias, ferrovias e navegação de cabotagem. Mivaldo Messias Ferrari (1981),
recupera os debates travados acerca da concorrência rodoviária em relação às ferrovias e
afirma que, inicialmente, acreditava-se que as rodovias seriam grandes alimentadoras das
ferrovias (Idem: 158). Com o passar do tempo, os prognósticos foram modificando-se: era
evidente o incentivo progressivo às rodovias, através da criação de vários impostos visando
a captação de recursos. Ferrari cita o depoimento do engenheiro Álvaro de Souza Lima,
77
Cf. MT. DNEF. Relatório de 1971, p. 02-03. SEDOC/RFFSA
127
Diretor Geral do DER do Estado de São Paulo, no VI Congresso Nacional de Estradas de
Rodagem, em novembro de 1936, onde considerava os déficits ferroviários, iniciados a
partir de 1929, como fruto da depressão econômica e não da concorrência dos transportes
rodoviários. Via, com otimismo, o transporte cada vez maior de cargas pelas rodovias,
acreditando num equilíbrio e nas vantagens gerais produzidas: "por contribuição direta ou
pelo desenvolvimento das regiões tributárias, contrabalançavam até com vantagem os
prejuízos causados" (Idem: 159).
Outros, menos otimistas, vislumbravam a ameaça à sobrevivência
ferroviária. É o caso do Engenheiro Arthur P. de Castilho, que contestou a tese de Souza
Lima, afirmando que a construção desordenada de rodovias impediu que se pensasse na
possibilidade da unificação dos transportes, prejudicando, de imediato, a obsoleta ferrovia:
veio o depauperamento do imenso patrimônio nacional ferroviário e o problema dos
transportes terrestres, no Brasil ficou insolúvel, porque a rodovia não substitui a
ferrovia, pela falta duma construção adequada, pela ausência da organização do
tráfego regular rodoviário e pela natureza do próprio transporte que não pode levar a
preço razoável as mercadorias pesadas a longa distância.78
As ferrovias padeciam de problemas crônicos, que atravessavam
persistentemente os tempos, segundo Margareth Martins (1994), e a concorrência
rodoviária apresentava sinais ameaçadores na década de 1920. No entanto, ainda que se
considere a força da indústria automotiva enquanto representante do padrão tecnológico
dominante no Pós-II Guerra Mundial, esse fator não seria suficiente para explicar as
deficiências das ferrovias brasileiras. Para Martins, as causas dos problemas ferroviários
brasileiros eram mais endógenas à própria organização empresarial. Conforme o Quadro 8,
percebemos que houve um crescimento da extensão das linhas ferroviárias até a década de
78
Arthur P. de Castilho. Contestação da Tese do Engo Álvaro de Souza Lima referente à coordenação dos Transportes. In: Boletim do
DER. São Paulo: jan. 1937, p. 72. Apud: Ferrari, p. 160.
128
1960. Daí em diante, começou a retração, com crescimento negativo, reflexo da extinção
de linhas férreas.
Quadro 8: Expansão e decadência das ferrovias no Brasil, 1854-1979.
Períodos
1854-1859
1860-1875
1876-1885
1881-1896
1897-1902
1903-1907
1908-1914
1915-1920
1921-1930
1931-1940
1941-1945
1946-1960
1961-1970
1971-1979
Extensão da rede no final
do período
109,4
1.801,0
6.930,3
13.576,7
15.680,4
17.605,2
26.062,3
28.535,0
32.478,0
34.252,0
35.280,0
38.173,0
31.335,0
29.909,0
Acréscimos durante o
período
109,4
1.691,6
5.129,3
6.646,4
2.103,7
1.924,8
8.457,1
2.472,7
3.943,0
1.774,0
1.028,0
2.893,0
-6.838,0
-1.426,0
Percentagens
construídas em
relação a 1960 (%)
0,3
4,4
13,4
17,4
5,5
5,0
22,2
6,5
10,3
4,6
2,8
7,6
-17,9
-3,7
Fonte: Anísio Brasileiro de F. Dourado. Aspectos sócio-econômicos da expansão e decadência das ferrovias no Brasil. Ciência e
Cultura, São Paulo, v. 36 , n. 5, p. 734, maio de 1984.
A Segunda Guerra Mundial contribuiu para acelerar a deterioração do
parque ferroviário, pois houve a redução do fluxo de materiais ferroviários e de
combustíveis para o Brasil, conjugado com uma maior exigência dessa modalidade de
transporte. Martins, analisando esse período, afirma que as queixas das empresas eram
uníssonas, conforme atesta o seguinte trecho de Relatório: "faltavam trilhos, aros, eixos,
molas e até metais de consumo permanente nas oficinas. Da restrição de importar, ao
consumo de gasolina e óleo, resultou séria crise no fornecimento do combustível
necessário às locomotivas, inclusive de lenha".79 A solução, caso houvesse interesse, seria
a formação do próprio parque de fabricação de materiais, tarefa dificultada, naquela altura,
pelo altíssimo custo desse empreendimento e devido ao fato de que o capital internacional
79
Ministério da Viação e Obras Públicas. Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Relatório apresentado ao Sr. Ministro da viação e
Obras Públicas, 1946, p. IX. (Apud: Martins, 1994: 220)
129
disponível era empregado na reconstrução dos países europeus, cuja principal fonte eram
os financiamentos norte-americanos, estabelecidos pelo Plano Marshall.
Outro importante fator a considerar, ressaltado por Célio Debes, estudioso
das questões do transporte ferroviário, foi o fato de os norte-americanos terem levado um
contingente de veículos automotores para a Europa, inclusive equipamentos de
terraplenagem, destinados a desobstruir as estradas, equipamento este que, após a guerra,
foi vendido a preços irrisórios e com grande prazo de pagamento aos países periféricos,
sendo o Brasil um dos principais caudatários desse material80. Dessa forma, a abundância
de materiais referentes à construção rodoviária sedimentava o preexistente caminho em
favor dessa modalidade de transporte.
Sem financiamentos e também sem uma política voltada para a construção
ferroviária, acentuou-se a deterioração do parque ferroviário e, paralelamente, fortaleceu-se
a política de construções rodoviárias, amplamente divulgada como de retorno financeiro
mais rápido e de uma infra-estrutura mais barata. Ainda que, no período da guerra, se
evidenciasse o problema da dependência dos óleos combustíveis, o lobby das rodovias se
acentuava.
O ano de 1946 marcou importantes modificações na área de transportes. O
DNER foi transformado em autarquia e criou-se o Fundo Rodoviário Nacional, pelo
Decreto-lei no 8.463, de 27 de dezembro de 1945. A partir daí surgiram, no ano seguinte,
os ante-projetos de leis originando os órgãos rodoviários estaduais e respectivos planos
rodoviários. Em 1947, realizava-se o 1o RAR – Reunião de Administrações Rodoviárias. O
DNER definia seus objetivos emergenciais, no início da construção de trechos
considerados de maior relevância geoeconômica e geopolítica: implantação da Rio-Bahia
(antiga BR-4, atual BR-116, pavimentada e concluída em 1963), nova Rio-São Paulo (via
130
Presidente Dutra, concluída em 1951), conclusão do seguimento São Paulo-Curitiba-LajesPorto Alegre (BR-2, atual BR-116, concluída na Segunda metade dos anos 50), nova RioBelo Horizonte (antiga BR-3, atual BR-135, concluída na segunda metade dos anos 50)
etc. No Nordeste, as principais vias estavam a cargo do DNOCS -Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas, e só passaram à jurisdição do DNER em 1951. No estado de São
Paulo, em 1944, foi construída a Via Anchieta, primeira auto-estrada brasileira, ligando a
cidade de São Paulo a Santos, marcando uma importante evolução técnica no domínio da
construção de rodovias. 81
Em 1946, igualmente, o Engenheiro Maurício Joppert da Silva82, então
Ministro da Viação e Obras Públicas, formou uma comissão encarregada de rever o Plano
de Viação de 1934. Não era uma iniciativa isolada, pois esse projeto partiu do II Congresso
de Engenharia e Indústria, realizado no Clube de Engenharia (Natal, 1991:124). Dentre
outras modificações, o relatório final da Comissão estabelecia que se reservasse "para a
navegação fluvial e para as rodovias a função pioneira de vias de penetração de
superfície". Ainda restringia mais:
a extensão da rede ferroviária a zonas fracamente povoadas e de escassa produção é
contrária ao aumento da densidade de tráfego; que a ida da estrada de ferro a regiões
economicamente inexpressivas, com a finalidade política e administrativa de
integrar na comunidade brasileira populações que aí habitam, não tem a importância
que antes apresentara, porque essa integração se opera pela aviação e pelo rádio; que
o papel pioneiro de despertar essas zonas e aí criar riquezas, cabe às estradas de
rodagem; que a extensão da rede ferroviária brasileira, quando não exigida para
interligação de sistemas regionais já existentes, deve processar-se, portanto, apenas
sob critérios econômicos e eventualmente militares; que essa é a orientação a seguirse num moderno plano de viação férrea83.
80
Entrevista com Célio Debes realizada no dia 08/10/1981, por Mivaldo Messias Ferrari. (In: Ferrari, 1981: 206)
Informações obtidas da seguinte matéria: 1947/1972: reformulação geral no sistema de transportes. Conjuntura Econômica. Rio de
Janeiro, 26 (11), novembro de 1972, p. 102-110. MF
82
Além de Ministro de Estado, Joppert era, na época, vice-presidente do Clube de Engenharia. Seu compromisso com o setor rodoviário
era evidente, Foi o idealizador do Fundo Rodoviário Nacional, cuja receita seria proveniente da arrecadação do Imposto Único Federal
sobre os combustíveis e lubrificantes. (Cf. Honorato, 1996: 86)
83
MT. Planos de Viação – Evolução Histórica (1808-1973). Rio de Janeiro: CNT, 1974, p. 180-181. SEDOC/RFFSA
81
131
Esse estudo transformou-se num projeto do Executivo e foi incorporado à
Mensagem Presidencial n0 242, de 1948, ficando estacionado na Câmara por três anos. Por
fim, tendo como relator o Engenheiro Edson Passos, que apresentou um substitutivo ao
projeto original, transformou-se no Plano de Viação de 1951. Apesar de algumas
modificações, o caráter secundário das ferrovias foi reforçado. Começava-se a impedir
novas construções ferroviárias que não atendessem a objetivos "econômicos" ou
"militares" (aumentara para quatro a participação de membros dos Ministério do Exército e
da Aeronáutica na confecção desse Plano, se comparado ao de 1934, que havia somente
um membro). Ainda que consideremos a ineficácia desse Plano (fato comum na história do
planejamento público no Brasil), o importante é observar a lenta construção de uma
concepção acerca das ferrovias, então presente nos meios políticos decisórios, assim como
no âmbito da própria sociedade civil (como o Clube de Engenharia) e que aos poucos se
entranhava no tecido social e nos futuros projetos governamentais.
É interessante notar que, dentre os responsáveis pela concepção do Plano de
Viação em 1946, encontravam-se três influentes engenheiros: Maurício Joppert, Edson
Passos e Edmundo Régis Bittencourt (do DNER), além de outros: Artur Pereira de
Castilhos, Jorge Leal Burlamaqui (da EFCB), Vinicius César da Silva Berredo, José Pedro
de Escobar, Gilberto Canedo de Magalhães, Vicente de Brito Pereira Filho, Benjamim do
Monte). Destes profissionais, alguns contavam com importante carreira pública, em
organizações da sociedade civil (Clube de Engenharia), enquanto outros atuavam em
empresas de transportes privadas.
Nesse contexto e não por acaso, destaca-se a realização do II Congresso de
Engenharia e Indústria, inaugurado no dia 25 de janeiro de 1946, sob os auspícios do Clube
de Engenharia, envolvendo representantes das áreas técnicas e governamentais da
Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai. Esse evento ratificava as principais diretrizes da
132
política governamental de transportes, particularmente o que estabelecera o presidente
Eurico Gaspar Dutra no mês anterior, no documento "Nova Política Rodoviária no Brasil".
Recomendava a ampliação da malha ferroviária nacional, visando atender o escoamento de
mercadorias entre as principais regiões do país (nota-se o critério "contábil/racional", bem
como a exclusão de passageiros nos planos), melhorias técnicas nos traçados e
equipamentos e a previsão para a fabricação de peças pela futura Usina de Volta Redonda
e outras a surgirem. A diretriz central era determinada pela Comissão de Planejamento e
Transporte, a qual considerava a rodovia como "via natural de urbanização da vida rural" e
argumentava que o critério a seguir na construção de vias de penetração fosse "unicamente
o rodoviário, devendo-se construir a ferrovia, se o desenvolvimento da zona ultrapassar a
capacidade do transporte rodoviário" (Honorato, 1996:87). Nota-se, então, que o dissenso
em torno do transporte ferroviário ganhava significativos adeptos. Por enquanto limitar-seiam as construções, mais tarde, ramais seriam eliminados.
Para se ter uma idéia da importância que os projetos rodoviários começavam
a adquirir, em julho de 1949 foi realizada a "Exposição rodoviária de Chicago", com a
ampla participação de técnicos rodoviários brasileiros. Sugeria-se que cada município
tivesse suas próprias máquinas de construção de estradas: caminhão distribuidor de asfalto
e de pedras e rolo compressor de 5 a 8 toneladas: "o essencial é que cada município faça o
revestimento de suas estradas realizando experiências e estudos próprios para que entre
nós, esses serviços nos sejam tão familiares como nos demais países"84 . A construção de
estradas passava a fazer parte da formação dos técnicos nacionais e a implementação
desses projetos foi, progressivamente, entregue à iniciativa privada.
Na Mensagem Presidencial ao Congresso Nacional, em 1953, Getúlio
Vargas reconhecia que o país então vivia uma "decidida preferência pela rodovia – em
133
detrimento da ferrovia – mesmo nos casos em que, tecnologicamente, a estrada de ferro
seja a melhor solução, como quando trata de atender a um volume ponderável de carga ou
de passageiros, a distâncias consideráveis"85. Estava-se recriando o sistema nacional de
transporte terrestre, sob o domínio do automóvel:
mesmo que isso possa implicar em desembolsos muito maiores e, em certos casos,
com menor rendimento. E o Poder Público é induzido a chamar a si os investimentos
mais importantes, isto é, a construção da via, além de sua conservação, o que alivia
consideravelmente o custo aparente da exploração de tal meio de transporte,
tornando-o mais atrativo para o particular do que, no exemplo, o ferroviário.86
A política adotada conduzia, inexoravelmente, para o predomínio do
transporte rodoviário87. Vargas reconhecia a importância das ferrovias, bem como o mais
alto custo do transporte rodoviário. Entretanto, respondia às "forças" que se
desencadeavam a favor das rodovias. Afirmava:
mas é meu dever advertir que, ao menos por enquanto, o custo do transporte
ferroviário é várias vezes mais leve, em termos de divisas, do que o rodoviário,
porque aqui mesmo podemos fazer os trilhos e os vagões e logo estaremos
construindo as locomotivas, e porque a estrada de ferro aceita energia como
poderemos produzir em quantidade ilimitadas, a exemplo da hidrelétrica ou, em
certas regiões, da lenha ou do carvão nacionais.88
O presidente Vargas, agia, de fato, sob as diretrizes estabelecidas pela
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Todos os planos posteriores, ligados aos
transportes em geral, e às ferrovias em particular, seriam um desdobramento (mais
radicalizado) da CMBEU.
84
Exposição rodoviária de Chicago. Correio da Manhã, 05/01/49, p. 03. BN
Getúlio Vargas. Mensagem Presidencial, 1953, p. 154. Esse e outros documentos oficiais dos órgãos de governo brasileiros foram
organizados e disponibilizados pela Universidade de Chicago, via Internet, no seguinte endereço: www.crl-jukebox.uchicago.edu.
86
Idem, p. 155.
87
Essa tendência se manifestava na preocupação com as especialidades do curso de Engenharia. Nesse sentido, insere-se a
"preocupação" do deputado do PSD gaúcho Clóvis Pestana, em criar nas Faculdades Federais de Engenharia, uma disciplina específica
sobre Estradas de Rodagem. As estradas de ferro e as rodovias dividiam uma mesma cadeira, durante 2 anos. Projeto 2.182, de 1956.
Atas da Câmara dos Deputados, 1956, v. 47., p. 163. ALERJ
85
134
Através de uma proposta do governo brasileiro aos Estados Unidos, numa
conferência de embaixadores americanos, em abril de 1950, foi criada a CMBEU –
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico. A Comissão,
instalada em abril de 1951, era formada por técnicos e funcionários públicos brasileiros,
dirigidos por Ary F. Torres, e por técnicos norte-americanos, contratados por uma empresa
particular e dirigidos por Merwin L. Bohan (Draibe, 1985: 196). Foi o primeiro estudo
sistemático recomendando a extinção de ramais ferroviários, por isso, merece
considerações um pouco mais detalhadas.
Essa equipe elaborou, entre 1951 e 1953 um diagnóstico da economia
brasileira89, apresentando 41 projetos específicos de financiamento (visando ao
financiamento do Banco Mundial e do Eximbank), envolvendo 387 milhões de dólares,
especialmente nas áreas de transporte e de energia elétrica que, supostamente, abririam
caminho à industrialização massiva. O trabalho apontava o "estrangulamento" da economia
brasileira, enfatizando a necessidade de investimento na área de infra-estrutura, como o
parque de geração de energia elétrica e de transportes, enquanto saída para a disseminação
e dinamização da indústria. Esse diagnóstico seria a base principal do futuro Plano de
Metas, no governo JK. Esses projetos, frutos do trabalho da Comissão, foram levados a
cabo sob o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE90.
Antes de prosseguirmos, é importante notar que a conjuntura internacional
era francamente favorável ao financiamento desse tipo de projeto. Vinculado ao FMI, o
Banco Mundial ou BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento)
88
Getúlio Vargas. Mensagem Presidencial, 1953, p. 155.
Desde o Estado Novo se elaboravam alguns planos parciais ligados à energia e transportes, que seriam aprofundados a partir da década
de 50. Em maio de 1952 foi criado o Plano Geral de Industrialização do País, pela Comissão de Desenvolvimento Industrial. Pregavase pontos comuns à CMBEU: incremento na produção energética, na expansão dos transportes e comunicações, intensificação dos fluxos
de capitais, melhoramento do sistema de crédito, formação de técnicos e aperfeiçoamento dos métodos de trabalho. (Cf. Draibe, 1985:
194)
89
135
foi criado em 1944, na Conferência de Bretton Woods91, com o objetivo inicial de financiar
projetos de recuperação econômica dos países atingidos pela guerra (Sandroni, 1994: 28).
Paulatinamente, começou a assumir outras funções, como a promoção do investimento
internacional, a manutenção da estabilidade do câmbio, além do tratamento de problemas
referentes à balança de pagamento. Sempre subordinado à política norte-americana, nos
seus primeiros anos de existência, o BIRD caracterizou-se por uma atuação dirigida
somente a países europeus (até 1952, representava 50% dos empréstimos). No decorrer da
década de 50, transformou-se numa organização similar à atual, investindo nos países
periféricos ou "em desenvolvimento".
Nos anos 50 e 60, os empréstimos foram destinados principalmente ao setor
de infra-estrutura, um total de aproximadamente 70%: energia, comunicações e
transportes. Esse elevado percentual se justifica em função do processo de descolonização
dos países africanos e asiáticos, ao mesmo tempo em que ganhava corpo a ideologia
desenvolvimentista em âmbito mundial. Promover a infra-estrutura nos países que
criavam/ampliavam seu parque industrial, significava investir em setores altamente
capitalizados e com longo prazo de maturação. Eram projetos com "razoável dose de
homogeneidade, tecnologia conhecida, de fáceis análises e cálculo de rentabilidade, etc."
(Araújo, 1991: 15).
De acordo com Maria Antonieta Leopoldi, cumprindo a função de
assessoramento técnico, que também lhe cabia, a CMBEU completou a formação de toda
uma geração de policy-makers, que participou ativamente das políticas nos anos 50 e 60:
Lucas Lopes, Roberto Campos, Otavio G. Bulhões, San Tiago Dantas, Alexandre Kafka,
90
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE, foi criado pela Lei 1.628, de junho de 1952, visava dar suporte à
viabilização de financiamento (e para oferecer garantia aos créditos externos) aos projetos gerados pela CMBEU e pelo Programa de
Reaparelhamento Econômico, criado em novembro de 1951. (Idem: 196)
91
Realizada em julho de 1944, em Bretton Woods (New Hampshire, EUA) com representantes de 44 países, para planejar a
estabilização da economia internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda Guerra Mundial (Sandroni,1994:68).
136
Rômulo Almeida. Conforme é possível verificar no Quadro I, dos Agentes e Atividades,
no anexo 5, grande parte desse grupo também atuou no BNDE (por sua vez, criado como
sugestão da Comissão) e ajudou na formulação do Plano de Metas, sob a direção de Lucas
Lopes e de Roberto Campos (Leopoldi,1991:95). Também tiveram participação destacada
no Plano vários membros do ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, fundado em
1955 e vinculado ao MEC.
É possível entender projetos como o da CMBEU (e muitos outros criados
posteriormente) a partir da lógica do pensamento desenvolvimentista em voga naquele
momento, representado, principalmente, pelos agentes ligados às assessorias econômicas
do governo brasileiro, preocupados com a questão da industrialização e do
desenvolvimento.
Ricardo
Bielschowsky
propõe
um
conceito
amplo
de
"desenvolvimentismo", como solução metodológica para a análise de um longo período,
localizado entre os anos de 1930 até 1964. Segundo esse autor, desenvolvimentismo é
definido como a "ideologia de superação do subdesenvolvimento através de uma
industrialização capitalista, planejada e apoiada pelo Estado" (1996:431).
Nesse trabalho, Bielschowsky esquadrinha o campo da produção intelectual
desenvolvimentista, mostrando suas clivagens e ligações com o projeto histórico em curso.
Parte da orientação de que, no Brasil da era desenvolvimentista, "as idéias econômicas
eram expostas e discutidas em estreita associação com o projeto econômico que cada
autor tinha para o país, sempre com uma remota ligação com a teoria econômica." (id.,
ibid.). Assim, principalmente a partir de 1952, o pensamento desenvolvimentista estaria
mais fortemente incorporado nas falas e práticas econômicas dos agentes do Estado
brasileiro.
Bielschowsky identifica duas correntes desenvolvimentistas principais, uma
de caráter mais nacionalista e outra, pró-capital estrangeiro. A segunda, teria atuação
137
decisiva junto ao BNDE e à CMBEU. Sob a batuta de Horácio Lafer, então Ministro da
Fazenda, eram favoráveis ao planejamento da industrialização via incorporação de
investimentos estrangeiros. Dentre seus principais defensores, destacam-se nomes como
Roberto Campos, Ary Torres e Glycon de Paiva92. A outra corrente, de orientação mais
nacionalista, atuava na Assessoria Econômica de Vargas e contava em seu núcleo principal
com Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida e Jesus Soares Pereira93. Este grupo advogava o
controle por empresas estatais do setor de infra-estrutura de serviços e de mineração, mas,
no geral, não se opunha ao capital estrangeiro. As divergências entre ambos os grupos
foram diluídas no esforço concentrado para viabilizar a orientação da industrialização
brasileira, segundo o autor (Bielschowsky, 1996: 344). No capítulo IV, serão tratadas as
prescrições da CMBEU em relação ao transporte ferroviário.
III.3 Anos 50: metas e desenvolvimentismo
Após 1945, com o processo de industrialização mais acelerado, consolidouse a passagem de uma economia voltada para a produção e exportação de produtos
primários para outra mais voltada para o mercado interno, sendo a indústria o seu carrochefe. A partir de 1950, incrementou-se a entrada de maciços investimentos estrangeiros,
principalmente de origem norte-americana. Entre 1955 e 1959, através da instrução 113 da
92
É possível entender a orientação desse grupo, a partir da sua rede de relações que incluía setores governamentais e privados. Conforme
o Quadro II, no Anexo 5, e de acordo com as informações de Maria Rita Loureiro, Roberto Campos, Lucas Lopes e Glycon de Paiva,
para só citar alguns dos principais agentes presentes nas mais importantes comissões desse período, fizeram uma extensa carreira em
firmas privadas, na maioria multinacionais. Dessa forma, é possível entender a sua posição favorável ao capital estrangeiro. Por outro
lado, na sua maioria eram membros de famílias de extração social elevada, no Rio de Janeiro: burguesia comercial, altos funcionários do
governo, oficiais militares, profissionais liberais, etc. (Ver Loureiro, 1997: 43, 50-60). Vide também a formação e a atuação desses
"intelectuais orgânicos" em Dreiffus, 1981.
93
Esse grupo, contrariamente ao anterior, realizou a carreira em órgãos do setor público, com exceção de Rômulo Almeida, que foi
Assessor Econômico (1950/51) e membro do Conselho Administrativo da CNI (1959). A esse respeito, ver o quadro elaborado por
Maria Rita Loureiro (1997:50-60), do qual extraí somente as referências dos agentes que permanecem na década de 1960, com
importante influência na questão dos transportes. Portanto, esses dados serão mais trabalhados no capítulo seguinte.
138
SUMOC, entraram no país quase 400 milhões de dólares, dos quais 48,6% provinham dos
EUA. Essa medida política, emitida pelo Conselho Monetário Nacional, em 1955, permitiu
que todo equipamento que entrasse no país como investimento estrangeiro direto fosse
importado sem cobertura cambial. Do total dos investimentos, 53,9% foram aplicados no
setor
máquinas-automóveis,
contribuindo,
assim,
para
consolidar
a
indústria
automobilística como líder absoluta do processo de industrialização (Dourado, 1984: 734).
Embora a decadência do transporte ferroviário tenha começado bem antes
dos anos 50, consideramos que só a partir daí é que se constituiu uma efetiva efetiva
política anti-ferroviária, de desmonte da maioria das linhas do setor.
Segundo Benevides,
da figura e da atuação de Juscelino Kubitschek terá ficado, para adversários e
admiradores, a imagem de seu espírito otimista e criador, iluminado por inegável
tolerância política. Os saudosistas falariam de um capitalismo “risonho e franco”.
Nunca houve tal coisa, é claro. Mas não deixa de seduzir o fascínio dos “50 anos em
5” do presidente que ousou duvidar da “eterna vocação agrícola” do país e que aliou
ao desenvolvimento acelerado uma experiência bem-sucedida de governo
democrático. Tão democrático quanto possível nos limites óbvios de uma
democracia de elites, com forte tradição oligárquica, militarista e mesmo golpista.
(199: 09)
Nessa revisão, Benevides ratifica o seu livro clássico sobre o Governo
Juscelino (1976). Aponta fatores como a esperança e a estabilidade democrática, ainda que
relativas, para a sobrevivência do mito JK e da idéia dos “50 anos em 5”. Num país tão
maltratado pelos seus governantes, em que a lógica dos absurdos parece não ter limites,
não é de se admirar que um político de tradição mineira, "conciliadora", tenha deixado
“saudade”. A produção das ciências sociais sobre esse período é praticamente unânime em
ratificar as causas desse conhecido “sucesso” do governo JK. Uma mistura da
139
personalidade inteligente e conciliadora, com um momento nacional de relativa “calma”
dos militares, graças às articulações do Marechal Henrique Teixeira Lott, e,
fundamentalmente, com um contexto externo de necessidade de expansão de capitais.
Dessa forma, JK empreendeu seu governo calcado na formação de Grupos Executivos e na
regência econômica do BNDE - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Para o
setor ferroviário, no entanto, esse período não foi dos melhores. Veremos o porquê.
A primeira fase do período JK foi marcada pela tentativa de estabilizar
politicamente o governo, integrando as forças partidárias representadas no Congresso,
através da aliança PTB/PSD. No entanto, várias greves nos setores de transportes coletivos,
manifestações estudantis e uma conturbada eleição para o Clube Militar94 (na qual acabou
vencendo o candidato do Governo, general Segadas Viana) provocaram uma momentânea
instabilidade política, levando à paralisia econômica. Essa tendência seria revertida a partir
de 1957, com a diminuição das tensões e o recomeço do crescimento econômico. É por
essa época que, efetivamente, começa a implementação do Plano de Metas.
Através do Plano de Metas o país iniciava-se na fase de industrialização
pesada, articulando, para isso, a multinacional, a empresa privada nacional e a empresa
pública. Isso foi possível devido à conjuntura política nacional, mas também devido ao
contexto internacional. Após a Segunda Grande Guerra, em meio à reconstrução
econômica, os países europeus e o Japão descobririam o mercado latino-americano como
potencial importador de capitais. A entrada do grande capital oligopólico internacional foi
coordenada através das 31 metas do Plano, mas com ênfase especial aos setores de energia,
94
A respeito do poderio dos militares e do caráter de suas constantes intervenções na política brasileira, Ricardo Maranhão tece algumas
considerações estratégicas para a nossa análise sobre o poder político. Segundo esse autor “no período de 1945 a 1964, o papel do Poder
Militar tem uma importância óbvia ao nível dos fatos, e não só por ter sido o general Dutra o primeiro presidente; é importante lembrar
que a estrepitosa campanha que levou Getúlio em 1950 à vitória eleitoral e à Presidência teve um nihil obstat prévio do Alto Comando
militar. Da mesma forma, esse Alto Comando exigiu o fim do governo Vargas em agosto de 1954, levando-o ao suicídio”. Ao contrário
de Alfred Stepan, Maranhão vê no poder militar mais do que um Poder Moderador, destinado à intervenções somente para garantir a
vitória das elites. Para Maranhão os militares não são cooptado pela elite política, mas pertencem a ela. Para chegar ao Alto Comando é
140
transportes, indústria pesada e alimentação. Segundo Sonia Mendonça, o Estado "adquiria
novas funções e esferas de regulação econômica, indo desde seu papel enquanto
banqueiro do capital privado - através das agências de financiamento ao crédito industrial
- até sua condição de produtor direto nos setores estratégicos da economia” (1990: 252).
Era essa a base essencial para a formação do nacional-desenvolvimentismo, combinação da
empresa privada nacional e do capital estrangeiro para promover o desenvolvimento com
base na industrialização.
Tanto a meta dos transportes quanto a de energia elétrica obedeceram, em
linhas gerais, as orientações da Comissão Mista Brasil–Estados Unidos95. A sexta e a
sétima metas previam o reaparelhamento das ferrovias existentes e a construção de 1.500
km de novas linhas férreas, sendo 500 de variantes e 1.000 km de novas extensões.
Ratificando o diagnóstico da Comissão Mista, o Plano avaliava que com as vias
permanentes em estado precário, locomotivas a vapor com muito tempo de uso, vagões de
carga e de passageiros em número insuficiente, o sistema ferroviário não tinha mais
condições de atender suficientemente o transporte de cargas e das safras, tampouco o de
passageiros. O reaparelhamento envolvia o assentamento de 410 mil toneladas de trilhos, 5
milhões de dormentes, 11 milhões de metros cúbicos de pedra britada, reforço de pontes,
aquisição de cerca de 5400 vagões de carga e carros de passageiros, 153 locomotivas a
diesel, além de equipamentos para oficinas e conservação de linhas. Indicava, ainda, a
necessidade de uma reformulação administrativa urgente, com a transformação da rede
ferroviária em uma empresa de economia mista. Era o primeiro passo para a criação da
Rede Ferroviária Federal S.A., englobando todas a s empresas ferroviárias da União (Dias,
1995:30).
preciso muito mais ter acesso ao núcleo do poder do que ter acúmulo de pontos profissionais. De 1945 a 1964, as principais chefias
militares tiveram muito mais estabilidade no poder do que a maioria das elites civis. (Cf. Maranhão, 1994: 35-36)
141
A meta rodoviária em compensação, era a mais importante em termos
econômicos, políticos e simbólicos. Respondia ao descaso dos governos de todo o período
anterior em relação à construção de estradas e, acima de tudo, constituía-se no elo mais
evidente com a meta da indústria automobilística, prevista pelo Grupo Executivo da
Indústria Automobilística - GEIA. Esse grupo teve um acompanhamento muito próximo do
presidente e era efetivado pelo próprio chefe da Casa Militar, General Nelson de Mello, o
que mostra a indiscutível ênfase nessa meta.
Segundo Dias, os financiamentos contratados pelo BNDE para as empresas
ferroviárias ao longo dos anos de execução do Programa de Metas constituíram, em sua
maioria, aditamentos e complementação de recursos destinados a projetos aprovados entre
1952 e 1955. De 1957 em diante, as ferrovias foram forçadas a renegociar prazos e
empréstimos, devido à elevação nos custos gerais e dificuldades na execução das obras
previstas (Dias, 1995: 95-96).
As empresas beneficiadas eram aquelas previstas nos estudos da CMBEU,
ou seja, somente aquelas que apresentassem "viabilidade econômica". O primeiro contrato
firmado pelo BNDE foi com a E. F. Central do Brasil, em 1952, para a execução de um
programa de reaparelhamento em diversos ramais, compreendendo a remodelação de trens
urbanos na cidade do Rio de Janeiro e nas linhas entre São Paulo, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte. Em 1956 foram reaparelhados trechos da Estrada de Ferro Sorocabana, Estrada
de Ferro Mogiana, Viação Férrea do Rio Grande do Sul e da Rede Mineira de Viação (id.,
ibid.).
É importante destacar, durante o gestão JK, a formação de Grupos
Executivos e Grupos de Trabalho, ligados ao Conselho de Desenvolvimento, cujo objetivo
95
Segundo Lucas Lopes, à época presidente do BNDE, a liberação de recursos do Eximbank para os projetos da equipe de JK, deveu-se,
inicialmente, à apresentação dos já conhecidos projetos da Comissão Mista. (CMEB, 1991:181)
142
era incentivar, centralizadamente, os investimentos em áreas estratégicas. Formavam uma
verdadeira administração paralela, ao lado de outros órgãos existentes como a CACEX
(ligada ao Banco do Brasil), o BNDE, a SUMOC e o CPA-Conselho de Política
Aduaneira. Para Benevides, esse recurso foi peça chave na implementação do Plano de
Metas, "que jamais teria sido possível se tivesse que passar pelos tradicionais processos
de
tramitação
legislativa,
caracterizados
pelas
longas
negociações,
entraves
oposicionistas etc." (1976: 226). Com a administração paralela e a progressiva
"eficiência”, o Estado hipertrofia-se diante da sociedade civil. Cada vez mais, as principais
decisões da área econômica seriam implementadas via decretos.
Estrategicamente, os GEs e GTs assumiram, aos poucos, funções que
caberiam ao Poder Legislativo, com a concentração de decisões cada vez mais nos
gabinetes dos técnicos. Os Grupos de Trabalho preparavam projetos de leis e decretos em
linguagem política adequada para a sua tramitação no Congresso. Os Grupos Executivos
aprovavam os projetos empresariais a eles apresentados, segundo os interesses do Plano de
Metas. Controlavam a oferta de tecnologia e financiamento aos empreendimentos
particulares, driblando os conflitos parlamentares (Mendonça, 1990: 254). A formação
desses grupos, experiência nova na administração brasileira, foi inspirada nas comissões
conjuntas, formadas por empresários e burocratas no esforço de reconstrução européia
(Leopoldi, 1991:75). A existência desses técnicos e o poder que detinham na esfera das
principais decisões da política econômica é um dos pontos de continuidade entre o regime
democrático de JK e os sucessivos governos militares. Nesse momento, interessa investigar
especificamente a atuação do GEIA - Grupo Executivo da Indústria Automobilística,
criado em junho de 1956 e encarregado de implementar a meta da indústria de veículos
motorizados.
143
III.3.1 GEIA
Durante muito tempo e ainda hoje, costuma-se atribuir a extinção do
transporte ferroviário no Brasil ao implemento da indústria automobilística, fruto de uma
imposição das multinacionais. Desconsidera-se, dessa forma, as questões internas e os
interesses previamente aqui tecidos para que tal predomínio acontecesse. Imagina-se que o
mercado brasileiro foi subitamente invadido pelas grandes fábricas de automóveis sob o
simples aceno do Presidente JK. No entanto, a história é bem outra e começa ainda antes
da década de 1950.
Num recente trabalho organizado por Glauco Arbix e Mauro Zilbovicius
(1997), historiadores e cientistas políticos demonstram que a indústria automotiva não
nasceu da "proveta estatal, nem muito menos foi imposta pelas multinacionais" (p. 18). Ela
surgiu como fruto de uma verdadeira negociação entre montadoras e o governo, capaz de
alterar planos de ambos os lados, redefinindo ritmos, prazos e o espectro das empresas que
aqui se instalaram, na visão de Helen Shapiro (id., ibid.). Acompanhemos, então, a análise
de Shapiro.
No início da década de 50 ainda parecia utopia que as montadoras aqui se
instalassem, pois o Brasil parecia um mercado pouco atrativo. Era um país basicamente
agrário, com o café representando 50% de suas exportações e a produção de aço ainda era
incipiente. Embora houvesse uma unidade montadora de carros e caminhões da Ford
(1919) e da General Motors (1925), a indústria automotiva era completamente dependente
dos kits importados, principalmente de Detroit (Idem: 25). Essas resistências iniciais foram
vencidas, até que em 1961, a produção de veículos atingiu 145 mil unidades e com
investimentos de 156 milhões de dólares em importação de equipamentos industriais
144
(Idem: 26). Superando as visões simplistas e dicotômicas que explicam essa reviravolta,
Shapiro lança uma nova luz sobre a ação política governamental, afirmando que tanto o
Estado brasileiro como as indústrias estrangeiras tinham interesses estratégicos que
transcendiam o investimento em si e não havia a tão falada coincidência de interesses.
Todo o processo foi marcado por embates. Daí que "tanto o timing como a forma de
investimento devem ser incluídos como elementos chaves no processo de barganha" (Idem:
69).
De 1946 a 1948 a importação de automóveis suplantou artigos mais
tradicionais como o petróleo e o trigo. De forma geral eram os EUA que dominavam o
mercado, possuindo amplas redes de serviço e de revenda. Na Europa, a Alemanha e o
Reino Unido eram os principais fornecedores para o Brasil. Aos poucos, com o
crescimento substancial das importações desses veículos, começou a haver uma tendência
na sua redução, motivada inicialmente pelo déficit da balança comercial e de pagamentos,
após 1947. No início dos canos 50, a Cacex começou a intervir e restringir as importações,
o que ainda não seria levado a sério pelos produtores internacionais. Até porque, embora
altamente rentável, o mercado brasileiro mostrava-se ainda muito restrito para acomodar as
economias de escala obtidas no setor (Shapiro, In: Arbix e Zilbovicius, 1997: 28). Em
1952, ainda no governo Vargas, foi criada a Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e
Carros, visando a produção desses veículos. Em 1953, as empresas Volkswagen, Mercedes
e Willys-Overland instalam aqui suas montadoras, um pouco devido à pressão
desencadeada pela proibição de importação de veículos automotores. Para as empresas,
significava garantir um mercado potencialmente em expansão, mesmo que ainda não
substancialmente lucrativo.
As viagens ao exterior visando a negociação com as montadoras foram, no
início, infrutíferas. Ainda em 1953, Lúcio Meira, então presidente da Subcomissão criada
145
por Vargas, em visita a Ford em Dearborn, Michigan (a convite da empresa), ouviu
argumentos que desestimulavam a produção nacional de caminhões, por se tratar de um
mercado acanhado e de infra-estrutura deficiente (Idem: 29). A direção da Ford, tentava, de
todas as maneiras, manter o fornecimento externo ao Brasil, o que também acontecia com
as demais empresas. Para Lúcio Meira, desanimado com as tentativas:
(...) tivemos sempre a consideração de perguntar aos representantes das empresas
quais eram os seus planos, quais os estímulos de que careciam por parte do governo
para lançar a indústria automobilística no Brasil. Fizemos questão de frisar que o
objetivo do governo era instalar esta indústria ou lançá-la e perguntávamos qual a
colaboração que podíamos esperar dessas empresas. As respostas têm sido as
mesmas: quase nenhuma. Tenho a impressão que nenhuma companhia de
automóveis estrangeira tem interesse em produzir 100% e somente o farão quando
obrigados (Apud: Shapiro, In: Arbix e Zilbovicius, 1997: 32).
Logo depois dessa visita, o Diretor-Geral da Ford Motor Co., em São Paulo,
Humboldt Monteiro, fez uma palestra contrária à fabricação de automóveis no Brasil,
diante da Câmara Americana de Comércio. Em janeiro de 1956, o próprio presidente
Kubitschek visitou os EUA. De novo a recusa da Ford e da General Motors (Bandeira,
1994: 125)96. Restava, portanto, à iniciativa nacional tentar medidas que restringissem as
importações, de forma a desencadear de vez, a instalação das fábricas no país. Nesse
contexto é que foi criado o GEIA (1956), encampando as propostas existentes. Através de
decretos, o Executivo fixou taxas de cambio e de racionamento cambial para veículos
automotivos, restringindo, assim, o mercado de importação e favorecendo as empresas
através de incentivos financeiros (Shapiro, In: Arbix e Zilbovicius, 1997: 32).
O GEIA tinha como objetivo atrair os investidores estrangeiros e coordenar
a divisão de tarefas entre o empresariado local ligado ao setor de autopeças e o setor
multinacional das montadoras. Foi coordenado pelo ministro Lúcio Meira, reunindo
96
Além do argumento do mercado ainda restrito, as empresa reclamavam das péssimas condições das estradas, trafegáveis somente seis
meses ao ano, segundo Henry Ford: "nos demais meses do ano, os caminhos se acham em tão más condições que nenhum carro
consegue percorrê-los". (Cf. Negro. In: Arbix e Zilbovicius (org.): 94)
146
empresários das montadoras estrangeiras, industriais do setor de autopeças nacional
existente e técnicos do governo: Roberto Campos, do BNDE; Tosta Filho, da Cacex;
Guilherme Pegurier, do Banco do Brasil e Sumoc; Sydney Latini (secretário do GEIA),
Américo Cury e Eros Orosco. (Leopoldi, 1991:86). A "autonomia" do GEIA em relação às
decisões do Congresso dava-lhe ampla liberdade de atuação. Por outro lado, a equipe teria
que ser coesa o suficiente para disciplinar um setor desde o início marcado por pesada
concorrência, bem como tentar evitar tratamentos diferenciados ou discriminatórios97.
Muitos avanços e recuos marcaram as decisões do GEIA, no freqüente embate com as
empresas, visando assegurar o cumprimento de suas próprias determinações.
Segundo Limoncic, o GEIA incorporou órgãos criados desde 1941, quando
da implantação da Cexim. Ainda que tenha inovado em termos de planejamento
econômico estatal, a maioria dos instrumentos utilizados precediam o governo JK. O que
de fato se deu, em termos de novidade foi a articulação de decisões "de todas as agências
que dele faziam parte em um processo decisório único e simultâneo, à luz dos planos
automotivos" (1997:143). Foram elaborados planos para a fabricação de caminhões, jipes,
veículos utilitários automóveis, que também existiam desde os anos Vargas98. Somente
nesse período, no entanto, é que as condições políticas/econômicas tornaram-se propícias
para que os planos se transformassem em ações efetivas.
Os principais estímulos concedidos pelo GEIA, foram, segundo Limoncic:
1. Cambiais: concessão de taxa de câmbio mais favorável, com reserva de quotas
nos orçamentos cambiais. A partir da diferenciação dos veeículos, segundo sua
97
Em relação, por exemplo, aos projetos de fabricação de jipes, a Vemag, empresa brasileira, teve seu projeto aprovado justamente para
evitar que a Willys, cuja produção facilmente abasteceria o mercado, estabelecesse o monopólio do setor. Cf. Shapiro, op. cit., p. 41.
98
Em 1952 foi instalada a Subcomissão de Jeeps, Tratores, Caminhões e Automóveis, coordenada por Lúcio Meira. Surgiu no âmbito do
Plano Geral de Industrialização, que priorizava os setores de energia, metalurgia, indústrias químicas, borracha e alimentos. Inicialmente
localizada no âmbito estatal foi, mais tarde incorporando a participação do empresariado, através da articulação patrocinada por Lúcio
Meira. Desse trabalho surgiu a CEIMA - Comissão Executiva da Indústria de Material Automobilístico, aprovada pelo presidente Vargas
e transformada no Decreto 35.729, de 25.06.1954, mas que não chegou a se instituída. Propunha a elaboração de planos automobilísticos
para as diferentes linhas de fabricação, a assistência aos órgãos da administração pública e providências para a execução dos planos
automobilísticos. Muitos desses objetivos foram incorporadas pelo GEIA. (Cf. Limoncic, 1997: 132)
147
importância, dispensou-se câmbio mais favorável às importações destinadas aos
veículos de maior importância econômica, como os caminhões;
2. Fiscais: isenção de direitos e taxas aduaneiras sobre máquinas e equipamentos,
assim como à importação de peças e partes complementares e isenção de imposto de
consumo para a venda de caminhões, jeeps e utilitários, e
3. Creditícios: financiamento dos ágios cambiais pelo Banco do Brasil por um
período de 1 a 3 anos e financiamentos a longo prazo do BNDE para aquisição de
99
equipamentos nacionais e construção de fábricas .
As disputas eram acirradas no interior do GEIA, em torno a 2 questões
principais: a) a da nacionalização dos carros a serem produzidos e b) a da reserva de
autopeças para a indústria local etc. As montadoras concentravam-se na cidade de São
Paulo e na região do ABC paulista. Eram, principalmente: FNM, estatal; Simca100, Toyota,
Vemag (nacional), Volkswagen e Willys Overland. Segundo Leopoldi, o grande número de
empresas não é um indicador da dispersão de capitais. Ao contrário, as montadoras
surgiram no país como um setor oligopolizado. Somente a Volkswagen e a Willys já
produziam, em 1962, cerca de 70% dos automóveis (1991: 86-87).
As fábricas alemãs se instalaram e impulsionaram a vinda das norteamericanas, mais pressionadas pela concorrência do que propriamente por uma verdadeira
expectativa quanto ao mercado brasileiro. Assim relata o Consulado-Geral da antiga
República Federal da Alemanha, em São Paulo, sobre a fabricação de caminhões e
automóveis:
Foram as firmas alemãs que compeliram as americanas a começarem no Brasil a
fabricação de caminhões, se o mercado não as quisesse perder.
[...]
99
BRASIL. Conselho de Desenvolvimento. Relatório do período 1956-1960. Rio de Janeiro: 1960, p. 34. (Apud: Idem: 142)
A história da implantação da Simca é emblemática para sinalizar o desafio à pretensa racionalidade e imparcialidade do GEIA, feito
pelo próprio presidente da República. Em visita à fábrica da empresa (organizada pelo presidente da Companhia Siderúrgica Nacional,
cuja filha casara-se com engenheiro da empresa), na França, impressionado, JK convidou informalmente a direção da empresa a instalarse em Minas Gerais, seu estado natal. A empresa formalizou o convite através de uma carta onde revelava a intenção de instalar uma
fábrica, claro, em Minas Gerais. Nesse meio tempo o GEIA foi criado e exigiu que a Simca enviasse a proposta completa, conforme o
regulamento. A empresa recusou-se, afirmando que sua proposta precedia a criação do GEIA. O lobby (reforçado pelo diretor da CSN)
foi estendido ao estado de Minas Gerais, que encampou o projeto. Depois de muita pressão, a Simca apresentou um projeto considerado
fraco, que foi aprovado com dezessete restrições. Segundo um representante da Ford, o caso da Simca levou a renúncia de Orosco, por
não sentir o apoio de Lúcio Meira e de a Simca estar sendo tratada preferencialmente. (Cf. Shapiro. In: Arbix e Zilbovicius, 1997:47-48.
100
148
Da produção destas duas firmas americanas [Ford e GM] pode-se prever que a
encarniçada concorrência pelo mercado brasileiro, em poucos anos, será decidida em
101
luta. Se foi bom ou não desafiar, no Brasil, os americanos, resta esperar para ver .
Essa posição foi confirmada pela própria direção da Ford, em 1956.
Segundo a sua avaliação, somente os decretos e os incentivos do governo brasileiro não
garantiriam a decisão de produzir veículos. No entanto:
a intenção manifestada pela GM de fabricar caminhões, com base num programa
para motores capaz de sustentar comodamente no futuro os planos para a produção
de carros de passeio faz com que, em nossa opinião, seja importante que a Ford
Motor Company mantenha sua posição competitiva em um mercado potencial como
o Brasil102.
Em setembro de 1956, foi então inaugurada a fábrica da Mercedes; em
novembro a da DKW-Vemag, vinculada à Auto-Union, de Düsseldorf, e início da
produção do DKW-Universal. Seguiram-nas a Volkswagen, com a produção da kombi
(agosto 1957); a Ford e a General Motors, com a fabricação de caminhões (outubro 1957) e
a Mercedes com a fabricação de ônibus e carros de passeio (1957 e 1958). Os "incentivos"
portanto, surtiram efeito, facilmente comprováveis também pelo salto da capacidade de
produção e da produção efetiva de automóveis e caminhões, no período de 1957 a 1960,
conforme o Quadro abaixo:
Quadro 9: Montagem de veículos automotores - Automóveis e caminhões.
Anos
Capacidade Instalada
Produção Efetiva
1957
Automóveis
11.853
Caminhões
18.847
Automóveis
10.845
Caminhões
19.855
1958
50.200
33.830
25.521
35.608
1959
81.040
57.590
48.679
47.564
1960
116.520
82.660
81.753
51.325
FONTE: J. Almeida. Evolução da capacidade de produção da indústria automobilística brasileira no período 1957-69. Pesquisa e
Planejamento Econômico, v. 2, n. 1 (jun. 1972), p. 55-80. Apud: Clóvis de Faro e Salomão L. Quadros da Silva. A década de 50 e o
Programa de metas. In: Ângela de Castro Gomes (Org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 1991, p. 62.
101
Anlage 1 z. Bericht v. 25.3.1958 - 415/91. 04-300-05-440/58. Generalkonsulat der BRD - São Paulo na das Auswärtige Amt, AA-PA,
Ref. 415, Band 215. (Apud: Bandeira, 1994:126-127)
102
Proposta para Programa de Fabricação de Caminhões, versão do rascunho, sem data, p. 25, Acc. AR-67-6, box 2. Ford industrial
Archives. (Apud: Shapiro. In: Arbix e Zilbovicius, 1997: 55)
149
E qual a razão de tanta preocupação e tanto investimento nessa política da
indústria automobilística? Qual era o plano? Para Flávio Limoncic, especialista no estudo
do contexto do Plano de Metas, tentava-se provocar o "efeito-cascata", da capacidade de
germinação dessa atividade: "a indústria automobilística era fundamental para mover
inúmeras outras indústrias consideradas como de base pelo Plano (Metas 25, da
borracha, 19, da Siderurgia, 21, dos metais não ferrosos), assim como outros setores da
economia" (1997: 161). Essa afirmação é confirmada pelo depoimento de Sydney Latini,
na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados, em 16 de junho de 1959,
parafraseando o ministro do Interior da Grã-Bretanha:
"O futuro técnico e a própria grandeza de um país dependem, em grande parte, da
indústria automobilística". Em linguagem de economista, podemos interpretar a
acertiva de Mr. Butler, dizendo que o esforço que ora se faz no Brasil para
implantar, em curto prazo, a indústria automobilística justifica-se pelo elevado efeito
promocional desta indústria sobre todos os setores da atividade (Apud: Limoncic,
1997:161).
Para Shapiro, "esperava-se que a indústria automobilística desempenhasse
o papel de setor líder, dada sua capacidade de atrair capital externo e tecnologia e de
gerar um sistema articulado de produção" (In: Arbix e Zilbovicius 1997:35). Partindo
dessas considerações pode-se começar a entender e a complexificar a aparentemente
simplista opção rodoviária. Dificilmente, nesse contexto e com tantos interesses
entrelaçados, seria possível vencer uma proposta contra-hegemônica de reaparelhamento
ferroviário.
Apesar do sucesso na implantação das indústrias, o período inicial foi
marcado por um excesso de capacidade produtiva e a demanda esperada não aconteceu no
150
curto prazo. O mercado, ainda fragilizado, desintegrou-se com a austeridade implantada
pelos militares em 1964. A recuperação e o avanço só aconteceram após 1967, permeados
pelo processo de fusões e incorporações de empresas. Das onze participantes iniciais, em
1968, restavam somente oito, todas elas empresas controladas pelo setor transnacional
permaneceram (Shapiro, In: Arbix e Zilbovicius, 1997:64). O GEIA por sua vez, esteve
vulnerável às pressões externas (como no caso da Simca) e às adversidades econômicas e
políticas: "as empresas transnacionais mostravam-se mais aptas do que o GEIA para a
manipulação da opinião pública e do Congresso" (Idem: 73).
De forma geral, apesar das marchas e contramarchas, o Programa de Metas
provocou um inegável crescimento econômico e industrial, evidentemente em alguns
setores específicos. Na totalidade, o setor ferroviário foi o que apresentou o pior
desempenho. Em 1960, o saldo era notavelmente negativo. A construção de linhas atingiu
apenas 50% do previsto, enquanto o reequipamento ferroviário, executado com
financiamentos
e
acompanhamento
do
BNDE,
ficou
na
margem
de
76%.
Sintomaticamente, a meta 08 foi superada, tendo sido construídos 20 mil quilômetros de
rodovias no lugar dos 10 mil previstos. A meta de pavimentação das rodovias, atingiu
6.215 km em 1961, totalizando mais de 100% da meta prevista. Somadas às existentes, as
rodovias novas totalizavam 13.169 km, também compondo mais de 100% da projeção
prevista (Dias, 1995:113). A rodovia Belo Horizonte-Brasília era apenas o começo de um
amplo projeto de cortar a Amazônia e o Brasil Central, incentivando a entrada do grande
capital na agricultura e nos grandes veios de mineração (Maranhão, 1994: 63).
A construção de Brasília, meta-síntese, necessitava também de formas de
"integração", atendidas basicamente pelas rodovias. Tudo parecia entrelaçar-se no projeto
dos 50 anos em 5: automóveis, estradas, ligação com o Brasil Central. Para o presidente
JK:
151
Brasília, apesar das dificuldades de acesso, estava sendo construída num ritmo
nunca verificado no país. A estrada, que vinha de Anápolis, era um formigueiro
humano. Tratava-se de uma obra prioritária pois, sem ela, estaria impedido o fluxo
de materiais indispensáveis às construções iniciadas. Além do mais com a abertura
dessa rodovia, a futura capital ficaria ligada à Estrada de Ferro Goiás, o que
representaria um respiradouro para os que exerciam suas atividades no Planalto. 103
E, como um "visionário":
Tive, então, a visão do que deveria ser feito. Rasgaria um cruzeiro de estradas,
demandando dos quatro pontos cardeais, tendo por base Brasília. Não se conquista
uma terra se não se tem acesso a ela. E a estrada é um elemento civilizador por
excelência. Concebi, pois, o plano das grandes longitudinais, cortadas, quase na
perpendicular, pelas grandes transversais. No centro do sistema, ficaria Brasília, que
seria uma torre para se contemplar o Brasil 104
As distorções se afirmariam e se aprofundariam nesse aparente plano
racional de crescimento viário. Mais do que a distorção na área dos transportes, o modelo
inaugurado na década de 50 expôs suas contradições em curto prazo e degenerou-se nos
sucessivos governos posteriores.
A implementação da indústria automobilística também teve efeitos diretos
ou indiretos junto a outras metas, como a 4 e a 5 referentes a produção e refino do petróleo;
estimulou a construção e pavimentação de rodovias, em detrimento das ferrovias.
Fortaleceu o mercado nacional do maquinário de todos os tipos: prensas, tornos, gabaritos,
motores elétricos, pontes rolantes, etc. (Limoncic, 1997: 161).
Paralelamente à criação da indústria automobilística, cresceu também a
indústria da construção de estradas de rodagem fortalecida, em 1954, através da criação da
Petrobrás. A instalação de fábricas de asfalto incentivou e favoreceu os trabalhos de
pavimentação de rodovias (Natal, 1991: 121).
Sem dúvida, a indústria automobilística e de construção de obras públicas
funcionaram como poderosas alavancas de acumulação de capital e de concentração de
103
Juscelino Kubitschek de Oliveira, Por que construí Brasília. Rio de Janeiro: Bloch, 1975, p. 72.
152
renda numa esfera pequeníssima da população brasileira. Tudo isso coordenado e
capitaneado pelos seguimentos empresariais encastelados junto ao Estado. Cada vez mais a
"civilização do automóvel" ganhava corpo, priorizando o transporte individual em
detrimento do coletivo. Cada vez mais o Brasil tornava-se dependente da extensão e
conservação de rodovias e, conseqüentemente, usando e abusando do petróleo como
combustível principal e provocando catastróficos efeitos ambientais, dentre outras
conseqüências.
III.4 O rodoviarismo no Brasil
Paralelamente ao amplo desenvolvimento das rodovias, houve um
decréscimo das ferrovias e pouco desenvolvimento das outras modalidades de transportes.
Não é possível afirmar que essa política fosse fruto de uma administração calculada e
eficiente. Ao contrário, os rumos da política de transportes foram, em grande parte,
definidos pelos grupos de pressão: interesses das montadoras, das multinacionais do
petróleo e da borracha, aliado aos interesses das empreiteiras nacionais. Nesse sentido,
Antonio Carlos Accorsi, ao analisar as relações desenvolvidas entre o Estado brasileiro e as
grandes empreiteiras de obras públicas no pós-30, afirma que a privatização desse Estado é
uma característica mais permanente do que conjuntural. Ou seja, haveria uma característica
praticamente estrutural de absorção de interesses privados na condução das chamadas
"políticas públicas", frutos de uma impermeabilidade do Estado brasileiro às demandas
democráticas. Para isso, ele estuda o chamado "rodoviarismo":
104
Idem, ibidem. [Grifos DAP]
153
[...] não só por apresentar talvez a primeira ação organizada do Estado, e de
segmentos de sua burocracia, na definição concreta de uma determinada política
pública voltada a resolver os gargalos da infra-estrutura, contando com a
participação ativa de um emergente setor do empresariado privado nacional – as
empreiteiras de obras públicas – como também ser este o setor que,
tradicionalmente, conseguiu melhor e mais rapidamente se acomodar, em épocas de
crise e reestruturação, a novas formas de regulamentação, preservando-se
fundamentalmente os interesses daqueles agentes mias diretamente envolvidos em
sua implementação, seja na área estatal seja na área privada (Accorsi, 1996: 20).
Esse "rodoviarismo", foi, para Accorsi, um verdadeiro movimento que
congregou legisladores, administradores e funcionários públicos, engenheiros, técnicos,
empreiteiros, entidades empresariais, setores militares etc, que começaram a organizar-se
desde o Primeiro Congresso Nacional de Estradas de Rodagem, em 1916 (idem: 25). Mais
do que isso, o rodoviarismo significou a ascensão de uma camada da burguesia nacional às
arenas decisórias do setor de obras públicas, através da crescente intervenção nas estruturas
principalmente do DNER e DER's, pregando a sua autonomia frente ao Ministério da
Viação e Obras Públicas (depois Ministério dos Transportes) e das decisões do Poder
Legislativo. Assim, foi se formando uma verdadeira arquitetura político-institucionalclientelista, que ao mesmo tempo solidificava a proposta rodoviária e enfraquecia as
demandas ferroviárias. Fruto dessas pressões, o DNER passou por profundas reformas
administrativas, ganhando agilidade e autonomia na implementação das metas rodoviárias.
Em 1954, em sessão na Câmara dos Deputados, Francisco Saturnino Braga,
deputado pelo PSD do Rio de Janeiro, um dos principais expoentes do movimento
rodoviarista, tentava mostrar que a construção de rodovias paralelas às ferrovias não
implicava em danos ao sistema ferroviário. Seu discurso era uma resposta a um
pronunciamento do Ministro da Fazenda veiculado pela televisão, no dia anterior, onde
este afirmava a necessidade de se restringir o transporte rodoviário em função das
ferrovias. Dessa forma, Braga argumentava:
154
A muitos pode parecer que uma estrada de rodagem, paralela a uma estrada de ferro
pode produzir concorrência danosa aos interesses ferroviários. É exatamente o
contrário o que as estatísticas demonstram, e o contrário pelo seguinte: o aumento da
produção proveniente da região onde se constróem estradas de rodagem é maior do
que a parcela que a estrada de rodagem rouba à estrada de ferro.105
No que foi contestado pelo Deputado Sylvio Echenique, do PTB gaúcho:
Eu gostaria que v. Excia. Explicasse por que, depois que se verificou o advento das
estradas de rodagem tornaram-se deficitárias as estradas de ferro. Não sou contra as
rodovias, porque creio firmemente que são grandes fatores de progresso. Mas todo
progresso pode ser absoluto: nunca é puro. Entretanto, há uma coincidência não só
106
em nosso país, mas por aí afora.
Para Braga, as ferrovias não mais responderiam às necessidades dos
transportes, além do fato de que, para serem minimamente eficientes, deveriam sofrer uma
ampla remodelação. Esse discurso seria recorrente em várias outras sessões.
Deputado estadual reeleito por três mandatos consecutivos, Braga, conforme
Quadro II, dos Agentes e Atividades, no Anexo 5, atuou em vários planos e projetos de
viação, no DER e DNER, foi professor e membro do Clube de Engenharia. Ou seja, foi um
intelectual orgânico107 na construção da hegemonia do projeto rodoviário no Brasil,
atuando em diversas frentes: "a partir de 1957 liderou o que a crônica política denominou
"bancada rodoviária" da Câmara, cuja composição incluía deputados de diferentes
partidos empenhados em defender o crescimento rodoviário no país." (Abreu e Beloch,
1984: 444)
O apoio à posição defendida por Saturnino Braga provinha, igualmente, de
outros partidos, como a concorrente UDN, mostrando que não havia uma definição
105
Saturnino Braga. Discurso na 173a Sessão da Câmara dos Deputados, em 20/11/1954. Anais da Câmara dos Deputados, 1954, p. 577.
ALERJ
106
Sylvio Echenique. Idem, ibidem.
107
Segundo Gramsci, todos os homens são intelectuais, porém nem todos desempenham a função intelectual na sociedade. Assim: “cada
grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo
tempo, de um modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não
apenas no campo econômico, mas também no social e no político : o empresário capitalista cria consigo o técnico da indústria, o
cientista da economia política, o organizador de uma nova cultura, de um nôvo direito, etc., etc.“[...]. (1978:03)
155
ideológico-programática quanto a esta questão. Por exemplo, o também deputado e
engenheiro à época, Maurício Joppert, da UDN,108 apoiava os mesmos argumentos de
Braga, evidenciando talvez mais uma posição do setor profissional a que estavam ligados
do que propriamente uma posição política definida. Em 1957, quando, efetivamente,
iniciou-se no Brasil o “rodoviarismo”, 80% das ferrovias do mundo eram exploradas com
lucro e 19% operavam com saldo negativo. O Brasil figurava, nessa época, com o maior
coeficiente de déficit, logo abaixo da Grécia, país pequeno e com péssimas condições de
tráfego rodoviário (Castro, 1981: 61).
Ainda assim, algumas vozes se levantaram, mas foram incapazes de conter a
desarticulação ferroviária. Em 1966, dois anos antes de sua morte, Braga reafirmaria sua
posição:
O fenômeno que se passa é o seguinte: a tonelagem que a estrada de rodagem rouba
da estrada de ferro é menor do que o aumento da produção provocado pela rodovia.
Quando isso não ocorre é porque a região é pobre, incapaz de criar riqueza e incapaz
de justificar a presença da estrada de ferro. Esta é que deve se retirar, com o
arrancamento dos trilhos. 109
Através da análise de Accorsi, é possível rever o Plano de Metas de JK e o
momento de emergência do rodoviarismo, a ponto de configurar um novo padrão de
transportes no Brasil, o rodoviário-automobilístico (Natal:1991:04). Por que as demandas
rodoviárias obtiveram tanto êxito naquela época? Somente a questão da seleção de
investimentos e a análise dos quadros nacionais ainda não seriam suficientes para compor
o "quebra-cabeças" dessa estrutura. A análise da formação do setor privado da construção é
a peça que faltava para formar o quadro. No final da década de 40 e início da de 50, o setor
público era o que mais potencial tinha para as construções (DNER), pois as empreiteiras
apenas "engatinhavam". Os crescentes contratos junto ao DNER/DER's fizeram com que
108
Cf. Ata da 17a Sessão, 21/01/1955. Anais da Câmara dos Deputados, 1955, p. 121-124. ALERJ
Saturnino Braga. As grandes balelas técnicas do sistema nacional de transportes. Trabalho apresentado ao 2o Simpósio nacional de
Transportes sobre pesquisas Rodoviárias, em 1966. In: Revista BR, novembro de 1967, p. 06. Apud: Ferrari, p. 164.
109
156
as empresas se capitalizassem, comprassem equipamentos, incrementassem sua
produtividade e seu poder de influência junto à burocracia estatal.
A trajetória das empreiteiras mineiras é particularmente interessante, pois
elas acompanharam a ascensão política de JK e foram imensamente favorecidas
posteriormente pelo Plano de Metas. Segundo Eli Diniz, durante o governo de JK em
Minas:
[...] o Estado agiu como verdadeira alavanca nos moldes da acumulação capitalista,
transferindo recursos públicos para empresas privadas. As tabelas de pagamento das
obras foram feitas tomando-se como base, em sua maioria, serviços manuais. Após a
concorrência, o DER reajustou a tabela. Por outro lado, as empresas começaram a se
equipar, o que foi facilitado pela taxa de câmbio preferencial para a importação de
equipamentos, estabelecido pela instrução 70 da SUMOC. A mecanização das
empresas implicou no aumento da produtividade e redução dos custos. Esta foi, pois,
a primeira forma de sobrelucros. Para acrescentar a isto, as empresas substituíram (e
o DER consentiu) a maioria das obras de arte (pontes, viadutos, etc...) por serviços
de terraplenagem. (1980, apud: Accorsi, 1996: 41).
Algumas das grandes construtoras mineiras surgiram nessa época,
destacando-se no cenário nacional das construções e administrações de rodovias e
projetando-se internacionalmente. Na década de 70, elas já estavam consolidadas, segundo
uma reportagem do periódico O Empreiteiro110. De toda a relação elencada, destacavam-se
duas empresas mineiras, a Mendes Jr e a SEEBLA111. Inicialmente detinham somente as
carrocinhas de terra puxadas a burro, para serviços de terraplenagem e, graças ao
110
Os segredos do sucesso. O Empreiteiro. São Paulo, maio 1972, p. 34-35. SEDOC/RFFSA
Fundada em 1953, com capital inicial de 3 mil cruzeiros, sob a denominação de Construtora José Mendes Jr. Ltda; passou em 1955 a
Sociedade Anônima, com a elevação do capital para 5 mil cruzeiros. Naquela época, era a 2a empresa do país em capital - 122 milhões
de cruzeiros - e congregava 12 mil empregados, 109 engenheiros, 600 técnicos e 6 mil operários especializados. Sua frota de
equipamentos totalizava 356 milhões de dólares. A empresa possuía representantes em quase todos os estados da federação e também se
expandiu para o exterior. Seu diretor-presidente, José Mendes Jr., nascido em Juiz de Fora - MG, cursou a Escola de Engenharia. Antes
do término do curso, em 1921, ingressou na EFCB. Em 1926 foi contratado como engenheiro da Secretaria de Viação e Obras Públicas
de Minas Gerais. Logo depois, ao deixar o cargo constituiu firma particular para construção de estradas (1942) e em 1953 fundou a
Mendes Jr. Esse trânsito entre os setores privado e público garantia o sucesso das empresas, graças à rede de relacionamentos e de
informações. A outra foi a SEEBLA - Serviços de Engenharia Emílio Baungart Ltda, também destacada pela O Empreiteiro. Empresa
que se projetou em Minas Gerais, construindo conjuntos esportivos, petroquímica e fábricas de cimento.
111
157
entrelaçamento
de
interesses,
troca
de
influências,
licitações
duvidosas112
e
superfaturamento foram ganhando status e porte de grandes empresas.
O sucesso do Plano de Metas explica-se por muitos fatores, alguns deles
apontados anteriormente. Segundo Regina Camargos, JK levou para o DNER "todo um
grupo de trabalho onde se incluíam, naturalmente, as empreiteiras que haviam
participado do programa rodoviário mineiro".(1993113, apud: Accorsi, 1996: 55). Assim,
foi conduzido ao DNER, por exemplo, o engenheiro Lafayette Salviano do Prado114,
responsável pela condução do programa rodoviário mineiro, à época do governo JK nesse
Estado. Daí, adquiriu vasta experiência e sólidos contatos com as empreiteiras e com o
setor privado de forma geral. Mais tarde, participaria do quadro de consultores de
transportes da empresa Trascon115. Segundo Camargos:
Questionados sobre as razões que teriam levado JK a 'presenteá-los' com a diretoria
do DNER, os empreiteiros mineiros são claros em afirmar a relação de dependência
mútua existente entre eles e o governo. Nesta relação, as empreiteiras precisavam
das obras rodoviárias do programa de metas para crescerem e JK precisava articular
uma base de apoio político, atendendo interesses de um grupo de empresários
mineiros que haviam contribuído substancialmente para sua campanha à Presidência
da República. Além da diretoria do DNER, entregue ao PSD mineiro, o Ministério
da Viação e Obras Públicas esteve a cargo do PSD carioca durante todo o governo
JK. No período de 56/59 o ministério foi ocupado por Lúcio Meira e no período de
59/61 por Ernani do Amaral Peixoto. Este fato se explica pelo grande prestígio
também desfrutado pelas empreiteiras cariocas Rabello, SBU e Quatroni junto ao
governo (Idem, 1996: 63).
112
De acordo com Accorsi, a "legislação sobre licitações públicas no Brasil permaneceu praticamente intocada de 1922 a 1966, sem que
nenhuma iniciativa parlamentar sobre o assunto fosse levada a efeito no período, só vindo a ser criada uma regulamentação de âmbito
federal específica no campo do direito administrativo brasileiro durante o regime de exceção, após 1964" (1996:40).
113
Regina Coeli Moreira Camargos. Estado e Empreiteiros no Brasil: uma análise setorial. Campinas, 1993. Dissertação – UNICAMP.
114
Lafayette Prado, publicou em 1997, o livro Transportes e corrupção: um desafio à cidadania. Graduou-se em engenharia em 1956,
trabalhou nos setores público e privado de construção e planejamento. Exerceu cargos relacionados a transportes no governo Jânio
Quadros, João Goulart, Tancredo Neves e Castello Branco. Ao término do último, segundo o autor: "deixei a SuperintendênciaExecutiva do GEIPOT, externando, no ato de transmissão do cargo, minha firme disposição de me afastar definitivamente da vida
pública, fielmente cumprida desde então", p. 21. No livro, discute a realização das rodovias Transamazônica e Perimetral Norte, a PonteRio Niterói e a Ferrovia do Aço, dentre outras obras, denunciando a corrupção e o desperdício de verbas públicas.
115
A Transcon - Consultoria Brasileira de Transportes Ltda, foi a responsável por vários projetos encomendados pela RFFSA, dentre
eles, o estudo de viabilidade técnico-econômica do Tronco 7, entre o Rio de Janeiro e Vitória, interligando trechos da EFCB, EFL e EF
Vitória-Minas. Cf. MT/DNEF. Relatório de 1970, p. 14. SEDOC/RFFSA
158
Na avaliação de Lucas Lopes, Juscelino, de fato, optara pelas rodovias. Mas,
essa opção provinha de outros tempos:
Ainda em seu primeiro governo, Vargas havia criado o DNER para pôr ordem nos
planos rodoviários. Todo o programa de expansão rodoviária foi feito naquela
época, quando passou a haver maior disponibilidade de recursos em função do
Fundo Rodoviário. Ao assumir o governo de Minas em 51, Juscelino viu com
clareza que era o momento de fazer a integração do estado através do sistema
rodoviário. Não tinha possibilidade de fazê-lo através do sistema ferroviário, pois
todas as estradas de ferro estavam decadentes, já que não haviam recomposto seu
material rodante nem reconstruído suas linhas desde a guerra. A verdade é que a
mentalidade era rodoviária, já naquela época como hoje. Estamos hoje com uma
economia completamente distorcida em termos da relação entre transporte
rodoviário e ferroviário. Estão sendo transportadas em rodovias massas que
normalmente deveriam ser transportadas em ferrovias, apenas porque a mentalidade
é rodoviária.
Portanto, desde seu governo em Minas JK havia preferido as rodovias porque não
tinha o que fazer em matéria de ferrovia .(CMEB, 1991: 193)
Oscilando ora entre a explicação da existência de uma "mentalidade"
rodoviária, ora para a fraqueza estrutural das ferrovias, Lopes justifica a política antiferroviária. Sabemos, no entanto, que muitos interesses (políticos, econômicos,
clientelistas) estavam e estão envolvidos nessa "mentalidade" rodoviária.
O Plano de Metas, era sustentado politicamente pela aliança PSD/PTB, que
garantiu ao governo JK maioria no Congresso e uma eficaz articulação nos principais
setores ministeriais. É nesse aspecto, principalmente, que percebemos como o projeto
ferroviário perde a hegemonia face aos interesses ligados à expansão das rodovias, de
ambos os partidos, por motivos diferentes. Vimos a defesa empreendida pelo deputado
pelo PSD fluminense, Saturnino Braga, dos interesses do desenvolvimento rodoviário, em
detrimento das ferrovias. Segundo Benevides,
O Partido Social Democrático (PSD), fundado formalmente em julho de 1945,
reunia sobretudo os interventores e todos aqueles responsáveis mais diretos pela
administração do Estado Novo, comerciantes, advogados, proprietários rurais,
enfim, figuras de maior destaque nos municípios e Estados (1976: 62).
159
O PSD era um partido com algo de liberal (na cúpula nacional), mas muito
de oligárquico, senhorial (na sua base local) (Idem: 66). A composição de forças vigente na
gestão de JK ganhou o seguinte perfil: o PTB dominava o Ministério do Trabalho,
controlando todos os Institutos de Previdência Social e com o Ministério da Agricultura; ao
PSD coube o Ministério da Fazenda, o das Relações Exteriores, o da Justiça e o da Viação
e Obras Públicas (o qual dominou mais ou menos de 1945 a 1964), com grande peso
político pela possibilidade de muitos empregos e manejamento de altas verbas. Importante
notar, ainda que as Comissões de Orçamento do Congresso eram também "feudo" do PSD.
(Idem: 76-77). Essa aliança não só garantia a "estabilidade" política do governo JK, como
também assegurava-lhe as vitórias no Congresso Nacional.
Citando Celso Lafer, Benevides considera que as características do Plano de
Metas, como um plano setorial, foram úteis para reforçar a aliança em torno de JK. O PSD
por exemplo, era um partido com ampla base rural, reduto de empreiteiros, mas também
contava com uma base burguesa progressista interessada na implementação do parque
industrial. O PTB, do seu lado, apoiava a implantação da indústria automobilística, por
outros motivos. Acreditava-se na ampliação da base do partido via incorporação de um
novo contingente de operários qualificados, bem como de suas associações. No entanto,
apresentava restrições quanto à participação do capital estrangeiro, fazendo campanha em
prol da Fábrica Nacional de Motores116 (1974: 218). Segundo Benevides:
Se o Programa de Metas conseguiu ser implementado sem grandes interferências
dos partidos políticos e do Congresso, teve dificuldades devido a questões
facilmente "politizáveis", como, por exemplo, quanto ao papel do capital estrangeiro
ou às metas rodoviárias, diretamente vinculáveis aos interesses locais, mas também
aos interesses dos grandes empreiteiros ligados à cúpula do PSD. (1976: 214-215)
116
A Fábrica Nacional de Motores - FNM, era uma empresa governamental criada em 1940 e inicialmente dedicada à produção de
motores de avião. Em 1950, a FNM passou também a produzir veículos de carga, sob licença da italiana Isotta-Fraschini (depois falida e
substituída pela Alfa-Romeo). Em 1954 a produção de caminhões chegou a 531 unidades e em 1955, na terceira etapa da nacionalização
das peças, a produção atingiu 2.420 unidades. (Cf Faro e Silva. In: Gomes, 1991: 45)
160
Por outro lado,
as dificuldades criadas em torno das metas rodoviárias foram sendo contornadas na
medida em que o "poder" do DNER não era contestado; o DNER já era equipado
com seus projetos viáveis e, principalmente, com recursos próprios. Logo, o
Programa de Metas apenas incorporava os projetos do DNER no seu orçamento
geral, o que compatibilizava os diversos interesses e se inseria na política do
Executivo: implementar o novo plano sem antagonizar os organismos já existentes
(Benevides, 1976: 215).
As metas rodoviárias se destacaram, comparativamente, como efeitos do
Plano de Metas, vejamos o índice alcançado em relação à proposta inicial para o setor de
transportes terrestres, conforme Faro e Silva (In: Gomes, 1991: 60):
6. Reaparelhamento de ferrovias
7. Construção de ferrovias
8. Pavimentação de rodovias
9. Construção de rodovias
76%
39,4%
124%
124,8%
A meta ferroviária, que era modesta, se comparada aos objetivos de
ampliação do sistema rodoviário, foi cumprida parcialmente. Em compensação, a
pavimentação e a construção de rodovias superaram as previsões iniciais.
Após os anos 50, portanto, coincide a fase de maior desenvolvimento
industrial com o fortalecimento do transporte rodoviário e a desarticulação do sistema
ferroviário. Em 1969, a CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina, divulgava
um documento, sobre os transportes na Latino-América que foi a consagração para os
empreiteiros, que assim anunciaram em um dos seus principais veículos de comunicação:
"Rodovias de Costa a Costa". Sugeria-se a construção de estradas do Atlântico ao Pacífico,
na América do Sul. Quanto às ferrovias: "às vésperas dos anos 70 o sistema ferroviário
enfrenta a situação financeira precária, lento e irregular processo de modernização de
equipamentos e persistente atraso nos métodos e práticas de operação".117 Desse modo, a
117
Rodovias de Costa a Costa. O Empreiteiro, set. 1969, p. 08. SEDOC/RFFSA
161
CEPAL também contribuía para a redefinição da modalidade de transportes na América
Latina, em favor das rodovias.
Em 1970, o transporte rodoviário já era responsável por 73% das toneladasquilômetros deslocadas e por 96% do total de passageiros. No período 1950/70 o transporte
rodoviário de passageiros cresceu em torno de 12,3 %, enquanto as ferrovias tiveram
desempenho negativo de 0,1 % e o transporte aéreo de 3,8 %.(Barat, 1973:117-121)
Segundo a avaliação de Josef Barat, economista e especialista na área de
transportes118, expressando uma visão recorrente na área, as ferrovias, originalmente
construídas no sentido interior-portos, revelaram-se inadequadas para responder aos
estímulos do intenso processo de industrialização no após 30, por isso foram abandonadas:
os sistemas ferroviários regionais, por conseguinte, devido à origem dos seus
traçados, contribuíram pouco para a unificação dos mercados e a integração da
fronteira agrícola em expansão, necessárias à consolidação das etapas superiores do
processo de industrialização. As diferenças de bitolas e as deficiências de traçado
nos sistemas ferroviários existentes, de um lado, e os altos custos de construção e os
períodos mais longos de maturação dos investimentos ferroviários, de outro,
transferiram para as rodovias o papel de destaque na consolidação de um mercado
nacional.(Barat, 1973: 125)
De outro lado, os serviços rodoviários de carga proliferavam, existindo um
número cada vez maior de empresas e de transportadores individuais, utilizando serviços
de carga e descarga mais simplificados, geralmente de porta a porta: "utilizando
relativamente menos densidade de mão-de-obra, com níveis de remuneração mais baixos,
devido à ausência, no País, de fortes pressões sindicais neste setor, como no caso dos
sindicatos marítimo e ferroviário" (Barat, 1973:157). A existência de uma categoria
fragmentada e dispersa, como a dos rodoviários, colocaria a concorrência inteiramente
favorável ao setor, barateando os preços dos fretes e também da mão-de-obra. Essa
118
Barat publicou diversos trabalhos sobre transportes e foi, por duas vezes, Secretário de transportes do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo Dreiffus, foi também colaborador da APEC - Análise e Perspectiva Econômica. (1981:586) Fazia parte, portanto, do núcleo
orgânico da nova tecnocracia, podendo ser considerado, também, como um intelectual orgânico.
162
observação é pertinente, pois, verificaremos uma grande repressão política à categoria dos
ferroviários já após 1960, como tratarei mais detalhadamente no capítulo 5, com o exemplo
dos
ferroviários
da
Leopoldina.
Reduzindo
traçados,
diminuindo
drástica
e
progressivamente o efetivo de pessoal empregado, esmagando lideranças sindicais,
desmontava-se, também, um importante setor organizado de reivindicação no panorama
mais geral da luta de classes no Brasil.
III.5 Regime Militar e Tecnocracia
Na década de 60, "as portas se fechavam" sobre as liberdades dura e
recentemente conquistadas no Brasil. Medo e reação se mesclavam. Nada a temer? A
repressão prepararia o terreno para a emergência do "milagre econômico", obtido a duras
penas, antes, durante e depois de 1974.. Como diz a música Trem de doido, de Lô e Márcio
Borges: ''é hora de você achar o trem e não sentir pavor dos ratos soltos na casa, sua
casa..."
O golpe de 64, sob o ponto de vista estritamente econômico, não
representou nenhuma mudança radical, sendo responsável pelo aprimoramento e
consolidação do modelo implantado desde 1955, de acordo com Sônia Mendonça e
Virgínia Fontes.(1988: 21) Com o argumento da estabilização e do combate à inflação, sob
a égide da Doutrina da Segurança Nacional, novas portas foram abertas para o capital
estrangeiro, propiciado pela aliança entre tecnocratas, empresários e militares. Sobre a
Segurança Nacional, segundo Maria Helena M. Alves,
foi em relação a este tipo de crise [das instituições democráticas formais] que as
classes clientelísticas brasileiras vieram a desempenhar um papel decisivo na criação
e desenvolvimento de uma forma autoritária de capitalismo de Estado. E é nesse
163
contexto que podemos compreender a ideologia da segurança nacional; um
instrumento utilizado pelas classes dominantes associadas ao capital estrangeiro,
para justificar e legitimar a perpetuação por meios não democráticos de um modelo
altamente explorador de desenvolvimento dependente119 .
Roberto R. Martins, citando José Alfredo de Amaral Gurgel, delegado da
ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra - ESG) em São Paulo,
no livro Segurança e Democracia, elenca os objetivos permanentes do Estado de
Segurança Nacional: a integridade territorial, integração nacional, democracia, progresso,
paz social e soberania. Vejamos especificamente dois desses objetivos: a) democracia:
“adotar como regime político aquele baseado nos princípios democráticos, e em coerência
com a realidade brasileira” (Gurgel, apud: Martins, 1986: 34). Para Martins, mesmo não
sendo possível perceber de que democracia Gurgel se refere e qual seria aquela coerente
com a sociedade brasileira, a prática do regime de segurança nacional negou os mais
elementares postulados democráticos. A democracia, quando mencionada pelos
governantes militares, era sempre adjetivada: democracia forte, democracia relativa, etc.,
reconhecendo, implicitamente, que a Segurança Nacional é uma ideologia essencialmente
antidemocrática; b) progresso: “conquista, em todos os campos da atividade nacional, de
níveis de vida compatíveis com os melhores padrões do mundo e propiciados pelos
recursos materiais e humanos do país”.(Idem:35) Sabemos, no entanto, que o principal
beneficiário da política econômica dos governos militares foi o grande capital. Roberto
Martins se utiliza dessas duas citações acima, dentre outras, para demonstrar a
generalidade e abrangência do conceito. Por serem vagos e abstratos, esses conceitos
podem englobar tudo, mas sempre escamoteando seus objetivos reais. A indefinição de
119
A Doutrina de Segurança Nacional foi elaborada durante 25 anos, pela Escola Superior de Guerra, em colaboração com o IPES e o
IBAD. É um abrangente corpo teórico constituído de elementos ideológicos e de diretrizes para infiltração, coleta de informações e
planejamento político-econômico de programas governamentais. A segurança nacional pressupunha um alto grau de desenvolvimento
econômico, industrialização massiva e treinamento de força de trabalho especializada, aliada à exploração de recursos produtivos e
naturais e de uma rede de transportes e de telecomunicações para integrar o território. (Alves, 1987: 23, 35 e 48)
164
alguns postulados da Segurança Nacional é o que faz sua eficiência, segundo o Pe Joseph
Comblin: a Segurança Nacional talvez não saiba muito bem o que está defendendo, mas
sabe muito bem contra quem: o comunismo. (Comblin, 1978: 55) O comunismo pode
aparecer em todos os setores da sociedade, para lutar contra ele é preciso um conceito
muito flexível. O Estado é, para a doutrina da Segurança nacional, o responsável em
colocar o Poder Nacional à disposição dos objetivos nacionais. (idem: 73)
A desarticulação das forças populares e o alijamento dos setores mais
atrasados das classes dominantes dos centros de poder, deixava o caminho livre para a
consolidação dos grandes grupos econômicos e dava lugar a um dos períodos mais
rentáveis da acumulação capitalista no país. Nesse período, aceleraram-se as taxas de
acumulação à custa de concentração de renda, do incremento das exportações, da
rearticulação e concentração do sistema financeiro, da maciça intervenção estatal na
economia e, finalmente, da ampla generosidade governamental de um Estado que
extorquia o que podia da grande maioria da sociedade, para dar o que tinha e o que não
tinha aos grandes monopólios. (Mantega, In: Mantega e Moraes, 1979: 51)
No reino do milagre econômico, a oposição foi calada e os grupos de
resistência armada eliminados. As tentativas de definir novos instrumentos de legitimação
do regime multiplicaram-se durante o período Médici, apoiando-se no binômio segurança
nacional/desenvolvimento. A vigência do “milagre” entre 1968 e 1974 forneceu o suporte
à tentativa de condicionar, cada vez mais, a legitimidade do governo ao seu grau de
eficiência na esfera econômica e financeira. A própria forma como eram produzidas as
comunicações oficiais denota essa estratégia - enfatizando dados essencialmente técnicos que buscava a criação de uma nova linguagem despolitizadora das informações
governamentais. (Fontes e Mendonça,1988: 49)
165
Por volta de 1973, é que o Estado e as oposições começaram a rever novas
estratégias. A trágica experiência da luta armada contribuiu para que setores intelectuais de
esquerda abandonassem as expectativas revolucionárias e se concentrassem na
redemocratização (houve democracia em outra época? que democracia?) do país. O tema
central deixava de ser a revolução e passava a ser o da democracia, termo em disputa dos
diversos grupos, à esquerda e à direita. Era a fase da “abertura lenta, gradual e segura”.
No pensamento de esquerda acadêmico inaugurava-se o conceito de “democracia
universal” divulgado por Carlos Nelson Coutinho, que ditou a principal tônica das
discussões. No prefácio à segunda edição do livro Democracia como valor universal e
outros ensaios, Coutinho fez uma observação esclarecedora quanto aos motivos que o
levaram a publicar seu trabalho:
[...] imaginar e construir um partido que, abandonando qualquer veleidade “golpista”
ou “vanguardista”, assuma como parâmetro fundamental de sua organização interna
e de sua linha política a aceitação do valor estratégico e permanente da democracia
pluralista na luta pela transformação socialista do país. (Coutinho, 1984:13)
Dessa forma, o socialismo seria viabilizado pelas transformações constantes
e contínuas, a partir da democracia de massas, conservando e elevando a nível superior as
conquistas da democracia puramente liberal ou formal. (Idem: 48) Os ânimos se
abrandavam e o regime militar conseguia eliminar o perigo de novas tentativas
revolucionárias de esquerda. Para manter o status quo, o regime precisava
institucionalizar-se, revestindo-se de uma aparência democrática e reduzindo a violência
repressiva. Era o caminho do aperfeiçoamento democrático, com autocontrole e
moderação, ou, no dizer dos Generais Geisel e Golbery, uma “democracia relativa”.
Assim: “tratava-se de institucionalizar a estabilidade, até agora acompanhada de um
166
certo grau de autoritarismo e coerção”, já diziam, em 1975, Mario H. Simonsen e Roberto
Campos. (1975: 223)
Economicamente, a partir de 1968 até 1973, com a vigência do chamado
"milagre brasileiro", segundo Guido Mantega:
sob o escudo de um vigoroso autoritarismo militar, iria propiciar lucros faraônicos
para os monopólios nacionais e estrangeiros. A desarticulação das forças populares e
o alijamento dos setores mais atrasados das classes dominantes dos centros do
poder, deixava o caminho livre para a consolidação dos grandes grupos econômicos
e dava lugar a um dos períodos mais rendosos da acumulação capitalista no Brasil
(1979:51).
O modelo de desenvolvimento implantado nos anos 50 atingia o seu apogeu,
graças, em grande parte, aos investimentos estrangeiros nos setores produtivos. No período
1966/77 esses investimentos eram principalmente nos setores de mecânica (74,7%),
material elétrico (76,2%) e de transportes (96,5%) (id.: 57).
Politicamente, houve uma redefinição dos grupos no poder, com a ascensão
dos setores militares e do empresariado nacional. René Dreifuss mostra o surgimento dessa
nova composição, através do complexo formado pela ESG- Escola Superior de Guerra,
IPES - Instituto de Pesquisas Econômico-Sociais e IBAD - Instituto Brasileiro de Ação
Democrática. Destaca-se que não somente os setores citados acima estavam envolvidos
nesses órgãos, como também diversos setores da classe média, escritores, funcionários
públicos, membros da Igreja, etc. (1981).
A desarticulação das forças populares e as altíssimas taxas de acumulação,
foram obtidas graças a uma engenhosa e centralizadora máquina administrativa. Assim,
durante o Regime Militar (1964-1985), como um todo, houve um fortalecimento da
tendência de os grupos executivos assumirem as funções que, democraticamente,
envolveriam a atuação do Legislativo. Visando desarticular as influências políticopartidárias e sob o argumento da eficiência e da racionalidade, novos órgãos foram criados
167
e outros tiveram suas atribuições ampliadas. A desativação de ramais ferroviários não teria
o sucesso esperado, não fosse o contexto do regime de exceção política, implantado no
pós-64. Ainda que consideremos o avanço da indústria automobilística e da construção de
obras públicas, não é possível explicar o fim das ferrovias no Brasil somente por esses
aspectos. É um conjunto de fatores que se interrelacionam e formam um todo explicativo
na questão da desativação: crescimento rodoviário, asfixia das ferrovias e extinção de
ramais e o sufocamento sindical120. Esta última acirrada durante o regime militar.
De forma geral, o processo da industrialização brasileira, no pós-30,
aconteceu graças à montagem de um "modelo corporativo de intermediação de interesses"
(Diniz e Boschi, 1999: 10) no âmbito estatal, sem a mediação partidária e esvaziando a
autonomia das representações sindicais e industriais. O regime militar só fez acentuar essa
característica, ampliando o número das comissões consultivas, mas esvaziando a
representação organizacional:
as conexões entre interesses empresariais e a esfera governamental assumiriam
preponderantemente a forma de vínculos pessoais, em que a participação de
empresários nas instâncias decisória se faria não na qualidade de representantes de
classe, mas enquanto lideranças de prestígio ou dirigentes de empresas dotadas de
forte peso econômico. (Diniz e Boschi, 1999: 11)
Assim, "lideranças empresariais de peso foram admitidas nos diversos
conselhos e comissões ligadas ao Executivo, com funções consultivas e deliberativas para
as diversas áreas da política econômica".(Idem: 10) Segundo Dreyffus, por volta de 1960,
os interesses multinacionais e associados já formavam a força sócio-econômica dominante,
corporificada numa intelligentsia empresarial. E,
Ao mesmo tempo em que esse processo ocorria, um novo conjunto de agentes sóciopolíticos aparecia na economia e na política brasileiras. Esses agentes formaram um
120
De forma geral, os trabalhadores sofreram duros revezes após 1964. Não somente a repressão aos movimentos, com a prisão e exílio
das lideranças, mas também através do "arrocho salarial": o salário mínimo real caiu em cerca de 20% logo nos 3 primeiros meses do
regime militar. (Cf. Mantega, 1980:53)
168
aparelho civil e militar modernizante responsável pelos assuntos relativos à
produção e administração política do bloco econômico multinacional e associado
(1981: 71)
Durante a ditadura militar, esse processo recrudesceu. Segundo Otávio
Ianni, os "economistas profissionais", "técnicos" e "homens de negócios" se entendiam,
decidiam e realizavam planos e programas: "os governos militares imaginaram substituir o
'político' pelo 'técnico', a 'demagogia' pela 'ciência', o 'carisma' pela 'eficácia'" (1981:30) .
E, "à revelia das classes sociais assalariadas, em geral, e do proletariado e do campesinato,
em especial, o poder foi totalmente atrelado às exigências das classes dominantes" (Idem:
31). Ditadura e capital monopolista realizavam sua simbiose graças à presença desses
"técnicos" e "homens" de negócios que, com freqüência, transitavam entre os serviços
público e privado (característica que se acentuou incrivelmente nos anos 80-90,
principalmente entre os ocupantes de postos-chave no Banco Central e Ministério da
Fazenda). Para Ianni,
A maneira pela qual a tecnocracia se desenvolveu desde 64 permite conhecer ainda
melhor o poder estatal. Primeiro, a tecnocracia civil e militar confunde-se numa
categoria profissional importante para a organização, operação e reprodução da
ditadura. Segundo, é no âmbito da tecnocracia que tendem a desenvolver-se as
articulações entre o 'político' e o 'econômico', entre as razões do Estado e as razões
do capital monopolista, sob o manto da neutralidade, ou inocência, das técnicas da
economia política burguesa . Terceiro, a forma pela qual se articulam o 'político' e o
'econômico', o Estado e o capital, da mesma maneira que a tecnocracia civil e
militar, expressa a forma pela qual a burguesia, enquanto classe dominante, captura
o poder estatal, ou lhe confere as direções fundamentais (Idem: 32).
Portanto, estamos tratando de "entrelaçamento" de interesses, capazes de
direcionar a atuação do Estado em questões consideradas estratégicas121. Prefaciando as
121
Ou o que Fernando H. Cardoso chamava de "anéis burocráticos:": "é preciso pensar o sistema político em termos de "anéis"que
cortam horizontalmente as 2 estruturas burocráticas fundamentais, a Pública e a Privada. Dessa forma, partes das Empresas Públicas, ou
melhor da burocracia dessas empresas e seus dirigentes, podem ser captados pelo sistema de interesses das empresas multinacionais. O
169
Memórias do Desenvolvimento, de Lucas Lopes, Maria Antonieta Leopoldi afirma que as
áreas de política monetária, cambial e de planejamento não são puramente técnicas:
são antes de tudo os nervos do poder, e como tal, não podem ficar imunes à
influência dos etores econômicos nacionais ou estrangeiros. Não são portanto áreas
dotadas de autonomia decisória, nem seus assessores são figuras guiadas por uma
racionalidade técnica que os torna capazes de arbitrar, acima dos interesses, o que é
melhor para a economia brasileira. (In: CMEB, 1991: 12)
A questão da representatividade desses grupos técnicos é fato controvertido
nas ciências sociais. Ainda segundo Leopoldi, divergindo de Luciano Martins e Nathaniel
Leff::
O Estado não é aqui entendido como um bloco monolítico, que age coeso numa só
direção. Ele é visto como uma arena, que abriga interesses contraditórios e
complementares que se ajustam em alianças ou formam áreas de conflito. Não
supomos, portanto, que as políticas governamentais sejam formuladas por uma
equipe técnica do Estado, acima e no lugar das classes sociais, incapazes de
122
organização e de ação (1990:72 e 95).
Longe de estarem isolados no governo ou de representarem a si mesmos,
esses técnicos atuavam representando interesses de frações das classes dominantes, da
mesma forma que os militares no poder123. Daí a importância de identificar os principais
atores da política de desenvolvimento do país e a partir daí tentar traçar suas trajetórias
pessoais e profissionais. Estou me referindo ao que Pierre Bourdieu classifica de posição
de classe, ou seja, o conjunto de habitus adquirido por um indivíduo na sua trajetória de
mesmo pdoe ocorrer com diversos setores do Estado (ministérios, divisões, grupos executivos, etc). Inversamente, parte do setor
controlado pela empresa privada (inclusive seus órgãos de classe, como os sindicatos, federações etc) pode aliar-se com segmentos da
burocracia estatal, formando um "anel" de pressão [...]" (1975:183)
122
As obras citadas pela autora, são: Luciano Martins. Pouvoir et Dévelopment Économique. Formation et Évolution des Structures
Politiques au Brésil. Paris: Anthropos, 1976 e Nathaniel Left. Política Econômica e Desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
1977.
123
Segundo Poulantzas, geralmente, o alto pessoal da burocracia administrativa pertence, por seu modo de vida, por seu papel político,
etc., à burguesia; os membros intermediários e a base da burocracia pertencem ou à burguesia ou à pequena burguesia. Poulantzas faz
essa afirmação para se contrapor às visões de alguns sociólogos e politicólogos, dentre eles cita Herbert Marcuse e Alain Touraine que
consideravam essas categorias enquanto classes sociais. Para Poulantzas, a burocracia não representa um papel específico no processo da
produção, daí que não pode ser considerada classe social. Isso não quer dizer, no entanto, que ela não represente interesses, ao contrário,
a sua adscrição de classe a levaria a defender os interesses do grupo o qual pertence. (Cf. Poulantzas. In: Silveira, 1984: 110-111)
170
vida. Para Bourdieu, o habitus é “um conhecimento adquirido e também um haver, um
capital” (1989:61), é, portanto, a ponte entre indivíduo e sociedade, inerente ao ser social.
Analisando as trajetórias de agentes como Roberto Campos e Lucas Lopes,
por exemplo, podemos entender o direcionamento das política públicas no país. Por outro
lado, a atuação dos engenheiros Francisco Saturnino Braga, Maurício Joppert, Eliseu
Rezende e Lafayette Prado, dentre outros, foi fundamental ao direcionamento da política
de transportes para o modal rodoviário, não somente pelos postos que ocupavam, mas
pelos cursos proferidos, pela participação em entidades da sociedade civil e junto a
comissões diversas. Alguns agentes, como é o caso do Ministro Mário Andreazza,
dentendo posto-chave na administração pública, conseguiam articular ao seu redor,
verdadeira rede de influência, determinando, de fato, a consolidação de interesses
corporativos.
Para Sônia Draibe os técnicos atuavam no processo de regulação estatal, no
centro dos conflitos que atravessavam os diversos órgãos:
a força do técnico advém, de um lado, da incapacidade dos interesses econômicos se
imporem antes e previamente ao nível das forças reguladoras do mercado. Trazidos
para dentro do Estado, esta incapacidade se renova; os distintos interesses se
defrontam em cada uma das arenas, e as alianças que se estabelecem em cada órgão
são efêmeras pois construídas em torno de projetos ou medidas isoladas. Este é o
espaço da atuação mais “independente” e politizada da burocracia (1985: 53).
Com o seu conhecimento e sua capacitação, os técnicos atuariam como
intermediários centrais no jogo de forças de poder no interior do Estado. Essa atuação, no
171
entanto, como já afirmamos anteriormente, não é neutra, funciona como instrumento para a
constituição de interesses corporativos.
Nesse sentido, é possível entender a criação do GEIPOT – Grupo Executivo
para a Integração da Política de Transportes, (Decreto 57.003, em outubro de 1965), por
iniciativa dos Ministérios do Planejamento e da Fazenda, com a colaboração técnica e
financeira do Banco Mundial, para estabelecer diretrizes gerais para os transportes, sem
"favoritismo de uma modalidade em detrimento das demais, dentro de uma posição de
completa neutralidade fiscal, orçamentária e tributária, afastadas as influências perniciosas
de interesses políticos e eleitoreiros, saneados os custos, maximizada a eficiência,
racionalizados os investimentos".124 Pela sua configuração, conforme Quadro I, dos
Projetos e Agentes, no Anexo 4, percebe-se o direcionamento do que seria a "política" de
transportes no Brasil, fundamentada nas bases militares-econômicas do governo pós 64 e
fortemente influenciada pelos órgãos de financiamento internacionais, através do
envolvimento de técnicos estrangeiros ligados ao BIRD e com a participação da
tecnocracia militar brasileira.125
Nesse mesmo período, foi também reestruturado o CNT – Conselho
Nacional de Transportes, órgão criado em 1961, concentrando as atribuições executivas e
deliberativas antes dispersas por vários órgãos da administração federal. Em 1967 foi
criado o Ministério dos Transportes (organizado conforme o organograma, no Anexo 7) e
em 1969, foi realizada nova reestruturação do DNER.
O DNER que no início executava as principais obras (já que o mercado das
construtoras era ainda incipiente) foi, aos poucos, eximindo-se dessa função e
124
MVOP. Seminário das Atividades 1964-66. p. 36. SEDOC/RFFSA
Segundo Juarez Távora, Ministro da Viação e Obras Públicas à época, esse contrato com o Banco Mundial foi questionado pelo
Congresso Nacional e pelo Clube de Engenharia, sob a alegação de serem lesivos aos créditos da engenharia nacional. Na avaliação de
Távora, esse tipo de projeto permitiu abrir novas perspectivas para a formação de numerosas empresas dedicadas a estudos de
125
172
concentrando-se na gerência e viabilização dos recursos financeiros126. Portanto,
deslocava-se do ramo das construções, abrindo caminho para as construtoras por ele
alimentadas. Muitas empresas privadas foram, a partir de então, criadas para atender os
contratos de obras de engenharia do setor público e, mais do que isso, transformaram o
DNER no principal alvo de suas demandas, negociações e negociatas.
Segundo Accorsi: "consubstanciava-se , a partir da reforma administrativa
do DNER em 1969, o arcabouço institucional básico em torno do qual desenvolver-se-ia o
ambicioso programa rodoviário nacional da década de 1970" (1996:101). Outra
importante conseqüência a ressaltar é que através da nova regulamentação dos contratos, o
setor estatal acabava por selecionar o mercado, privilegiando as grandes empresas do setor
de construção. Construir obras públicas tornava-se um grande negócio para grandes
empresas. De acordo com o ranking empresarial de 1987, Accorsi aponta os maiores
grupos do setor de construção pesada, formados a partir da década de 60 e elencados entre
os maiores do país, em termos de patrimônio, receita e pessoal ocupado: Camargo Corrêa
(3o lugar), Andrade Gutierrez (6o lugar), Odebrecht (9o lugar), Mendes Jr (12o lugar), C. R.
Almeida (14o lugar) e Itamarati (17o lugar) (1996: 110).
Conjugado com as reformas internas, o Banco Mundial, através dos projetos
do GEIPOT, financiou a construção das rodovias "prioritárias". Lafayette Prado foi o
primeiro superintendente executivo desse órgão (01/11/1965 a 22/03/1967), acumulado à
Diretoria-Geral do DNER (por aí se percebe, efetivamente, qual a maior influência na área
de transportes) e conta:
viabilidade econômica das novas vias a implantar ou a pavimentar e obter grandes financiamentos internacionais para a execução de tais
obras. (1977:200-201)
126
Em 21/03/1969, através do Decreto-lei 512, o Ministro dos Transportes regulamentava a política Nacional de Viação e reorganizava o
DNER, centralizando nesse órgão, a gerência da política a nacional de viação rodoviária. Em termos de recursos financeiros, o DNER
passou a controlar as receitas do Fundo Rodoviário Nacional, das taxas de conservação das rodovias e do Imposto sobre Transporte
rodoviário de Passageiros , criados entre 1967-68; da trasnfer6encia de recursos orçamentários e créditos abertos por leis especiais; do
produto das operações de crédito que efetue no país ou no exterior e outras (Accorsi, 1996:95-96).
173
A Fase I das atividades do GEIPOT teve como objetivo a preparação de planos
diretores para o transporte rodoviário no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná
(com Kampsax/Dinamarca) e Minas Gerais (com Ingeroute/França); dos planos
diretores para os portos de Santos, Rio de Janeiro e Recife, bem como do estudo de
navegação de cabotagem (com Netherlands Consultants Engineering/Holanda); do
estudo do transporte ferroviário no Brasil e da coordenação da política nacional dos
transportes (com Coverdale & Colpitts e Stanford Research Institute/Estados
Unidos) (Prado, 1997: 40).
Os planos foram imediatamente aprovados e o BIRD financiou 50% do
investimento total das rodovias prioritárias, com carência durante a execução, prazo de
amortização entre 20 e 25 anos e juros inferiores a 5% ao ano. A Fase II contou com o
mesmo procedimento. (Prado, 1997: 41). A criação do Ministério dos Transportes inserese, também, nesse contexto dos projetos do GEIPOT.
Na seção de Recomendações dos estudos finais do GEIPOT/Coverdalle &
Colppits, estabelecia-se algumas diretrizes que seriam seguidas pelos futuros governos
brasileiros. Destacamos algumas: a) divisão das ferrovias federais e estaduais em 5
sistemas regionais; b) criação do Ministério dos Transportes127 ; c) o desenvolvimento e
operação das ferrovias como responsabilidade direta da RFFSA reorganizada; d) não
existência de qualquer outro órgão com autoridade sobre as operações ou instalações
ferroviárias; e) recomendada a extinção do DNEF (efetivada em 1974), transferindo
pessoal e atribuições para a RFFSA, etc. Outras recomendações de extinção: CGT –
Contadoria Geral de Transportes e CFN – Conselho Ferroviário Nacional, mas não
acatados. As linhas antieconômicas foram também objeto de apreciação, mais detalhado no
capítulo seguinte.
Os estudos apontavam ainda, que, além do combate aos déficits, outro
problema a enfrentar seria o aprimoramento administrativo e operacional. Considerava-se
127
"a criação do Ministério dos Transportes é endossada com empenho, recomendando-se que o Ministro seja responsável pelas políticas
de desenvolviemnto e operacional do sistema, prestando contas somente ao presidente da República e ao Congresso, em assuntos gerais
de interesse nacional". GEIPOT/Coverdalle & Colppits. Estudo de Transportes no Brasil. I Fase., 1967, p. 28. SEDOC/RFFSA
174
que havia uma multiplicidade de órgão ligados aos transportes, muitas das vezes com
atribuições semelhantes. No geral os principais departamentos e órgãos governamentais
dos transportes eram os seguintes, em 1966:
•
•
•
•
•
Ministério da Viação e Obras Públicas - MVOP
Conselho Nacional de Transportes - CNT
Departamento Nacional de Estradas de Ferro - DNEF
Contadoria Geral de Transportes - CGT
Secretaria de Transportes do Estado de São Paulo.
O Governo Federal era o maior acionista da RFFSA, o capital restante
pertencia a Estados e Prefeituras e o Ministro do MVOP era o representante direto do
Governo Federal, presidindo também o CNT. A RFFSA diferia dos demais órgãos
subordinados ao MVOP, tais como o DNEF, CNT e CGT, porque, enquanto estes
dependiam diretamente do MVOP, aquela era controlada indiretamente. O DNEF
controlava a construção de novas linhas e os fundos para melhoramentos das linhas, sendo
subordinado diretamente ao Ministério dos Transportes. Os membros do CFN eram os
representantes do DNEF e CGT, sendo o seu presidente nomeado diretamente pelo
Presidente da República.128
Durante o regime militar, particularmente no período de 1967-1973, houve
um crescimento recorde das firmas de engenharia e da construção civil, reforçando os laços
de solidariedade entre Estado/indústria automobilística (Natal, 1991: 204):
Cabe sublinhar, em adição, que a urbanização dos anos 60, a aceleração do processo
de integração nacional (incluindo a construção e a ampliação de grandes vias
troncais), com destaque para a consolidação de um mercado de abrangência nacional
e as safras descomunais (para aquela época e orientadas à exportaçào), aumentaram
a demanda por transportes de modo ímpar no país.
Talvez se possa dizer que as obras magnas do rodoviarismo-automobilismo, a Ponte
Rio-Niterói e a Transamazônica, e mesmo a construção dos metrôs do Rio de
Janeiro e de São Paulo, sejam verdadeiros signos do padrão nacional de transporte e
das articulações ensaiadas em 1956-61, sacramentadas em 1964-66 e, finalmente,
implementadas no período 1968-73. (Natal, 1991: 205)
128
idem, p. 7-20.
175
No período 1971-72 houve um salto quantitativo considerável no índice de
construção da rede federal pavimentada, expressão da opção realizada e do reconhecimento
da necessidade de dotar o país de uma rede de ligações (daí a preocupação com as
interligações de rodovias, a partir da Capital Federal) capaz de atender às demandas dos
fluxos de transportes, aliado às concepções da geopolítica e segurança nacional. Houve um
crescimento da rede rodoviária após 1970, de forma geral. A ideologia do "maior" era aí
ressaltada pelos empreiteiros, como o país "que possui a maior rede rodoviária
pavimentada da América Latina, no total de 44 mil km, superando o México (40.190 km),
Argentina (18.408 km) e Venezuela (17.687)." E, mais adiante: "o desenvolvimento
rodoviário no setênio 1964-1971 foi fruto de uma nova mentalidade e de uma diretriz
implantadas no sentido de promover e acelerar o progresso social e a valorização do
homem"129
Essa política de investimento maciço na construção rodoviária implicou em:
"de um lado, transferir recursos de outros setores da economia para o setor rodoviário
[...] e, de outro, de realizar uma pesada política de endividamento interno e externo."
(Natal, 1991: 236) Como exemplo, o total de despesas realizadas pelo DNER no ano de
1973 aumentou em 43,14% em relação a 1967. Tudo isso, ainda beneficiado pelas
"contribuições" dos usuários, através dos impostos: Taxa Rodoviária Única (de acordo com
a potência, capacidade e idade do veículo); Imposto sobre Transporte Rodoviário de
Passageiros; IULCLG (cobrado no preço de lubrificantes em geral); Fundo Rodoviário
Nacional e Fundo Especial de Conservação e Segurança do Tráfego. (Idem: 239 e 241)
Conforme o Quadro 10, abaixo, podemos notar a disparidade dos investimentos na área
dos transportes rodoviários e ferroviários, que acentuou-se após 1966. Para 43.952,6
176
investidos em rodovias, em 1975, correspondia 8.476,2 em ferrovias (com valores em
CR$1.000.000). Observe-se que, com a extinção do DNEF em 1974, foi também mais um
corte de verbas para as ferrovias.
Quadro 10: Investimento na área de transporte rodoviário e ferroviário, 1966-1975 (valor
a preços correntes de 1966-1975 - Cr$1.000.000).
Especificações
Anos
1970
1966
1975
Transp. Rodoviário
Rodovias
Federal - DNER
Estadual - DERs
Municipal
Veículos
2.510,1
890,3
217,0
577,7
95,6
1.619,8
8.808,9
2.996,0
1.161,9
1.607,1
227,0
5.812,9
43.952,6
12.664,8
6.200,0
5.812,6
652,2
31.287,8
Transp. Ferroviário
Federal
RFFSA
DNEF
Estadual – SP
CVRD
312,4
244,9
155,9
89,0
39,2
28,3
750,8
409,4
296,8
112,6
102,4
239,0
8.476,2
6.500,00 *
6.500,00
1.070,0
906,2
Fonte: Dados extraídos de Anuário Estatístico dos Transportes, 1975-76, p. 17.
* Valores arredondados
Ou seja, os altos investimentos iniciais nas rodovias seriam, aos poucos,
compensados pelos impostos, fazendo com que elas tivessem fontes alimentadoras
constantes. De outro lado, essa opção, considerada a mais "barata" tornar-se-ia cada vez
129
Ambas as citações: Transportes: duas vezes mais estradas. O Empreiteiro, maio 1971, p. 18. SEDOC/RFFSA
177
mais cara para os usuários, já que, a partir de então, passava a ser a principal alternativa de
transporte, sem concorrência.
Paralelamente ao crescimento da rede rodoviária, tem-se, após 1970, a
notável expansão da frota de veículos automotores (de passageiros e de cargas),
principalmente na região Sudeste que, diga-se de passagem, sofria os efeitos de uma
radical desativação de ramais ferroviários.
III.5.1 O dono da voz
Mário David Andreazza, ocupou o posto de Ministro dos Transportes de
1967 até 1974, dentre outros cargos no aparelho militar e na iniciativa privada, como atesta
o Quadro II, dos Agentes e Atividades, no Anexo 5. O ministro portava, durante o regime
militar, um importante capital de autoridade, utilizando a terminologia de Pierre Bourdieu.
A sua gestão no MT foi o período crucial no processo da desativação dos ramais
ferroviários, em consonância com o auge do "fechamento" político do regime e a vigência
do "milagre econômico".
A campanha realizada em 1966 a favor do nome de Arthur da Costa e Silva
para a presidência, rendeu a Andreazza a nomeação ao cargo de ministro no novo governo,
para a nova pasta do Ministério dos Transportes, que substituía o MVOP. Era o agente
certo numa área estratégica para a concretização dos ideais do regime. A sua atuação deve
ser compreendida num contexto ideológico de auto-legitimação do regime militar pós-64:
de 1960 a 1964, pensou-se no Brasil mais em problemas políticos do que no seu
desenvolvimento. O que de certo modo, perturbou sobremaneira o cumprimento dos
programas estabelecidos na área dos transportes que incluíam obviamente o
rodoviário. [...] Em 1964 a rede rodoviária brasileira tinha cerca de 545 mil
quilômetros de extensão, dos quais apenas 17 mil, ou seja, um pouco mais de 3%
eram pavimentados. Depois do advento do movimento revolucionário de 1964, o
novo regime e as novas personalidades que passaram a dirigir o País trouxeram para
178
o campo das realizações novas idéias, e princípios mais ecumênicos em relação aos
problemas nacionais. (Ferreira Neto: 133 e 146)
Esses princípios mais ecumênicos se traduziam na frenética construção
rodoviária e na total franquia às empresas fabricantes de automóveis. O interesse social só
aparecia à reboque do "desenvolvimento econômico". Por sua vez, Andreazza afirmava:
De março de 1964 a esta parte - apenas um decênio decorrido - quantas e quão
profundas reformas foram introduzidas em nossas estruturas econômicas e sociais!
Num esforço admirável, sensível aos reclamos do povo e à preservação do interesse
nacional, modificaram-se aspectos relevantes da vida brasileira, substituindo-se o
velho modelo de sociedade predominantemente agrícola e fornecedora de matériasprimas por um padrão moderno de país industrial, nas atividades do campo e da
cidade.
Os governos da Revolução vêm, não somente cumprindo obsessivamente, no plano
normativo, essa elevada missão histórica de transmudar a face do país no espaço de
uma geração, mas também, agindo com extraordinário vigor, vêm proporcionando
ao Brasil grandes obras de infra-estrutura, nos domínios da educação, da saúde, da
produção e dos transportes, que sejam o suporte mesmo do progresso e do bem-estar
do povo brasileiro130.
A história nos mostra que as afirmações do ministro são verdadeiras no que
concerne à grandiosidade e à profundidade das obras realizadas no pós-64, os exemplos,
infelizmente, se multiplicam. Na área dos transportes as transformações operadas serviram
para nortear os rumos seguidos ainda hoje131. As montadoras de automóveis adquiriram
força incontestável, a ponto de nunca serem derrotadas em suas reivindicações com os
governantes. Como já dizia Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda na fase final do
governo José Sarney: "enfrentar as montadoras é mexer em vespeiro"132.
As aparições de Andreazza nos jornais e na televisão, sempre ligado a uma
imagem próspera, vinculado a novas construções, contribuía para a imagem do "Brasil
grande", tão cara ao Regime Militar. Segundo Carlos Fico,
130
Mário D. Andreazza. Pronunciamento por ocasião da entrega ao tráfego da ponte Rio-Niterói, em 04 de março de 1974. Perspectivas
para os Transportes. Rio de Janeiro: S. GMT, 1972, v. 2, p. 210 [grifo DAP].
Em pouco tempo a indústria automobilística tomou conta do país. Em 1970, já era responsável por quase 90% do faturamento e 82%
dos empregos em todo o ramo do material de transporte - que inclui o ferroviário, o naval e o aeronáutico. (Retrato do Brasil, 1984, v.
1:262)
131
179
[...] o "milagre" coincidiu com um certo "espírito modernizante" que animava, já há
algum tempo, setores médios e da elite brasileira. Essa modernização traduzia-se
sobretudo na vontade de adotar bens e serviços até então não generalizados no
Brasil, e na realização de projetos grandiosos, empreitadas de vulto, especialmente
no campo da construção civil (1997: 83).
As freqüentes imagens de canteiros de obras, de estradas e barragens, das
"fronteiras" (agrícola e mineral), consolidavam as idéias do "mais" e do "melhor", do país
do "futuro", aquele que "vai pra frente". Sem dúvida, o papel simbólico desempenhado
pela atuação de Andreazza foi dos mais importantes para a consolidação desses ideais.
Aferrar-se ao antigo significaria opor-se ao progresso do país, que estava calcado nas
novas construções, no "desbravamento" do interior, na abertura de novas fronteiras.
Conseqüentemente, as ferrovias representavam o passado superado, às rodovias caberia o
papel de símbolo da modernização.
Além dos relatórios (dirigidos à máquina administrativa do Estado) e dos
periódicos do setor (dirigidos para um público mais amplo, mas muito especializado),
resolvi trabalhar em separado com os discursos do Ministro Andreazza. Era o ministro, em
suas freqüentes aparições públicas que veiculava a produção do trabalho dos técnicos,
portanto, Andreazza funcionaria, além de agente, como um porta-voz das transformações
cruciais na direção do setor de transportes e na sua propagação para um público mais vasto.
O objetivo não é realizar análise do discurso baseado nas propriedades formais do texto,
mas, sim, perceber nesses textos a forma pela qual se justificava o direcionamento da
política de transportes perante um público mais amplo, construindo as bases do consenso.
Segundo Danielle Forget, o discurso é um domínio privilegiado da estratégia política,
jamais dispensado por quaisquer dirigentes políticos e, no caso do discurso autoritário
brasileiro,
132
Flávia Varella. O limite de uma civilização. Veja, 07/08/96, p. 55.
180
o governo tenta eludir as questões conflitantes, revelando nos discursos apenas
divergências de opinião: conclui-se, por conseguinte, que um dos objetivos
essenciais das produções discursivas é não apenas o conteúdo, mas também a
imagem que os grupos querem projetar de si mesmos e que fazem de outros grupos
(Forget, 1994: 46).
Para além da análise do discurso baseada nas propriedades formais do texto,
de acordo com Pierre Bourdieu, criticando o filologismo, o universo social é um sistema de
trocas simbólicas e a ação social um ato de comunicação. Daí ele amplia o entendimento
do discurso ao introduzir as noções de legitimidade, força simbólica, valor e poder do
discurso e, enfim, capital simbólico que, para o autor é inseparável da posição do locutor
na estrutura social:
a estrutura da relação de produção lingüística depende da relação de força simbólica
entre os dois locutores, isto é, da importância de seu capital de autoridade (que não é
redutível ao capital propriamente lingüístico): a competência é também portanto
capacidade de se fazer escutar. A língua não é somente um instrumento de
comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. Não
procuramos somente ser compreendidos mas também obedecidos, acreditados,
respeitados, reconhecidos (Bourdieu, 1994: 167).
Para Bourdieu, o que fala nunca é a palavra, o discurso, mas toda a pessoa
social (é o que esquecem aqueles que procuram a “força locutória” do discurso no
próprio discurso) (Bourdieu, 1994: 167). O fundamental neste trabalho é perceber o
discurso legítimo que se impunha durante o regime militar, identificando o capital
simbólico que atravessava as questões relacionadas ao transporte, observando a forma pela
qual a opção rodoviária (imposta pelos grupos dominantes) era revestida de força
simbólica e de legitimidade. Evidentemente, o que estava em jogo não era simplesmente a
relação de disputas entre dois sistemas de transportes, mas a transformação na estrutura do
capital e a disputa pela hegemonia de novos grupos empresariais brasileiros entrelaçados
com os interesses das multinacionais. A implantação da indústria automobilística nos anos
181
50 alteraria todo o cenário sócial, político, econômico e cultural do Brasil, segundo Flávio
Limoncic mais do que a incorporação tecnológica do fordismo, por ela propiciada, o que
se consolidou de fato no Brasil foi todo um projeto de modernidade, hegemônico no pósguerra e de inspiração norte-americana, que tinha no automóvel seu elemento central
(1997: II)
Progresso, desenvolvimento econômico e bem-estar do povo raramente
andam juntos. Os tecnocratas do pós-64 (economistas, engenheiros, administradores etc.),
tornaram-se a vanguarda da grande burguesia, "sistematizando interesses particulares em
termos gerais, isto é, tornando-os 'nacionais' " (Dreiffus, 1981:72). Moses Finley, em seu
provocante livro Democracia antiga e moderna, nos mostra como o termo interesse
nacional é discutível e carregado de distorções ideológicas. Para o autor, o interesse
nacional é beneficiado pelo aumento do poder e da lucratividade das grandes empresas, daí
instiga a reflexão a partir da conhecida frase: “o que é bom para o país é bom para a
General Motors, e vice-versa”. O interesse nacional pressupõe o consenso. Mas qual o
alcance e o caráter do consenso? Finley lembra que houve consenso na Alemanha quanto à
“solução final”. Portanto, esse é um termo, no mínimo, discutível. Daí,
O “interesse nacional” é um termo desencaminhador, servindo apenas para
obscurecer a análise, e não propiciá-la. Com exceção de uma sociedade, bastante
pequena, muito simples (talvez os esquimós da Groenlândia), ou numa Utopia, os
interesses particulares de determinados grupos de pressão são os únicos termos com
os quais a análise pode operar. (Finley: 119)
O consenso, durante o regime militar, foi obtido não pelo atendimento às
demandas sociais (até porque "reclamações" e "demandas" poderiam ser vistas como uma
manifestação ideológica do inimigo maior, o comunismo), mas pela coerção, pela
desarticulação sindical e pela intensa propaganda. Era a
[...] "reivenção do otimismo", para consolidar e re-significar a convicção de que
vivíamos uma época superadora do atraso, como simbolizava a foto das águas de
182
Furnas cobrindo o passado, pobre e melancólico das casas de camponeses que
preferiram ficar até o momento final da inundação. Poucos se perguntavam sobre os
sacrifícios necessários a essa "modernização". (...) (Fico, 1997: 84)
Nessa "reivenção", o novo se sobrepunha ao antigo, não importando o preço
a pagar. Nos discursos analisados, os temas da recuperação, da eficácia, da racionalização
operacional e administrativa das ferrovias são constantes. O objetivo da política de
transportes, estabelecida dentro dos padrões da racionalidade e da operacionalidade, seria
garantir a continuidade do progresso econômico e social do país. Nesse sentido, a
erradicação dos ramais antieconômicos, presente na maioria dos discursos relacionados aos
transportes terrestres, era saudada como “uma das medidas mais salutares da Revolução”,
pois os trens já haviam cumprido o seu papel na história do país:
grandes estradas de ferro foram então construídas, ligando rincões remotos de nosso
território e propiciando-lhes condições de desenvolvimento realmente positivas.
Tudo isso aconteceu numa fase em que, praticamente, não existiam rodovias de
valor econômico ponderável. Hoje, porém, com os meios de acesso rodoviário que
possuímos, opera-se uma modificação no status da economia brasileira que, de certo
modo, torna antieconômicos e deficitários numerosos trechos ferroviários,
obrigados, por isso, à extinção133.
A ponte Rio-Niterói foi uma das mais destacadas obras dessa época e
também uma das mais polêmicas:
a oposição denunciou o caráter faraônico e não prioritário da obra, baseada
principalmente no fato de a ponte não cumprir um papel de transporte de massas, e
sim acentuar o uso individual de automóvel, num momento em que o consumo de
combustível já começava a aparecer como um dos graves problemas nacionais.
(Abreu e Beloch, 1984: 143)
Andreazza, no entanto, defendia o sistema rodoviário, devido à sua
capacidade de atrair o afluxo da iniciativa particular, a maior facilidade para escoamento
de produtos agrícolas e industriais, o papel preponderante no desbravamento do interior e a
183
maior facilidade para a assistência social às populações interioranas134. Sempre era
concedido grande destaque aos empreendimentos rodoviários, nos jornais de grande
circulação e na imprensa especializada. Uma das prioridades era a ligação de todas as
capitais do Brasil e "todas as estradas constituídas da Rede básica do Nordeste e destinadas
a unir as capitais nordestinas e vencer as extensas regiões sertanejas atingidas pelas secas
cíclicas"135.
O editorial da Revista dos Transportes (dentre outros136) costumava
enaltecer as realizações de Andreazza:
o Ministro dos Transportes está realizando em alguns anos o que se pensaria fazer
em decênios. Tudo isso representa um esforço desesperado para não arrefecer o
ritmo do progresso em que o Brasil se encontra em outros ramos da atividade
econômica e social137.
Os novos investimentos seriam calcados em aparentes "critérios
econômicos" (apresentados como portadores de uma racionalidade inata, mas que, na
verdade, são reduzidos a cálculos contábeis), ressaltados os casos de imperiosas
necessidades relacionadas com a Segurança Nacional e as de caráter social
imprescindíveis138. Essa era a diretriz do Plano Nacional de Viação de 1973, seguida à
risca pelo ministro e grupos técnicos. O texto é elucidativo:
tanto os investimentos
transportes reger-se-ão
necessidades imperiosas
inadiáveis, definidas e
na infra-estrutura como a operação dos serviços de
por critérios econômicos; ressalvam-se apenas, as
ligadas à Segurança nacional, e as de caráter social,
justificadas como tais pelas autoridades competentes,
133
Mário D. Andreazza, Pronunciamento na Câmara sobre a construção da Ponte Rio-Niterói, em 1968. Perspectivas para os
Transportes. Rio de Janeiro: S. GMT, 1972, v. 1, p. 31-33.
134
Cf. Mário D. Andreazza. Pronunciamento por ocasião da entrega ao tráfego da ponte Rio-Niterói, em 04 de março de 1974. Idem, p.
225.
135
25 anos de realizações do DNER. Revista dos Transportes, Rio de Janeiro, jan. 1971, p. 19. E também: Até o fim de 1971, ligadas
todas as capitais. Revista dos Transportes, Rio de Janeiro, abr. 1971, p. 24. SEDOC/RFFSA
136
Outro exemplo é a publicação O Empreiteiro, de propriedade privada, localizada na cidade de São Paulo, com periodicidade mensal,
iniciada em fevereiro de 1968. De distribuição nacional para o público da construção rodoviária, terraplenagem, pavimentação e obras de
arte. Sempre eram destacadas as inaugurações rodoviárias ou eventos do gênero, com a presença do Ministro Andreazza.
137
Editorial "Rodovias". Revista dos Transportes, maio 1971, p. 04. SEDOC/RFFSA
138
Idem, ibidem.
184
vinculando-se, porém, sempre aos menores custos, e levadas em conta outras
alternativas possíveis139.
Os projetos em relação à ferrovia, de forma geral, eram de redução e não
expansão das linhas existentes, pois: um raciocínio puramente econômico só aconselha e
justifica a implantação de projetos ferroviários quando comprovadamente rentáveis140. Os
critérios para a rentabilidade eram a especificidade das cargas a transportar (tipologia,
quantidade, distância e periodicidade). Segundo o Relatório do Ministério dos Transportes,
em 1969:
No setor ferroviário o objetivo principal é a redução do "déficit" operacional, numa
taxa de 10 a 15% ao ano, através da melhor utilização da capacidade existente, para
depois, então, expandir o sistema de maneira racional. Nesse sentido no decorrer doa
no prosseguiu-se com o programa de supressão de ramais antieconômicos, associado
à redução de estações desnecessárias devendo estar concluído em 1970. Prosseguiuse o programa de redução de pessoal, a fim de atingir o nível de apenas 120.000
servidores. No campo operacional adotou-se uma política agressiva de tarifas, com
base nos custos dos respectivos serviços.141
As obras prioritárias eram as do Tronco Principal Sul, para transporte de
grãos e, enfim, obras que "justificassem, junto ao BNDE, a obtenção de financiamento de
mais de NCR$ 100 milhões, fato que não ocorria há muitos anos"142.
Andreazza foi destacado, em 1973, como o "homem de construção do ano",
num "concurso" realizado pela revista O Empreiteiro:
Nada mais justo do que conceder o título de "O homem de construção do ano" a
quem vem em todos estes anos, desde que assumiu o Ministério dos Transportes, se
dedicando à tarefa de construir. Implantando estradas, ampliando e equipando os
portos, erradicando os ramais anti-econômicos, ampliando a frota da marinha
mercante e dando novas condições à indústria de construção naval, o ministro Mário
Andreazza fez do verbo construir a tônica de sua administração143
139
Ministério dos Transportes. Planos de Viação - evolução histórica (1808-1973). Rio de Janeiro: Conselho Nacional de Transporte,
1974, p. 180-181. SEDOC/RFFSA
140
Mário D. Andreazza Transportes no Desenvolvimento Econômico e na Integração Nacional. Perspectivas para os Transportes. Rio
de Janeiro: S. GMT, 1972, v. 2, p. 584.
141
Apresentação. Ação do Ministério dos Transportes, 1969, p. 03. SEDOC/RFFSA
142
Idem, p. 05.
185
Nessa mesma reportagem, foram destacadas as realizações de Andreazza no
Ministério. Em relação às ferrovias, o subtítulo da seção já é sugestivo "em busca do
equilíbrio financeiro", explorando o argumento naturalizado do desequilíbrio crônico.
Afirma:
hoje a ferrovia assume uma função de caráter essencialmente econômico, assentada
em bases empresariais, transportando grandes cargas a grandes distâncias, atendendo
ao crescimento da indústria siderúrgica e da agricultura às regiões onde se localizam
produtos adequados ao transporte ferroviário, além de se preparar para a exportação,
em larga escala, do minério de ferro (projeto MBR).
Atualmente, os ramais antieconômicos estão sendo erradicados progressivamente,
sendo substituídos por rodovias, que se encarregam da comunicação terrestre entre
as cidades onde existiam estações desses ramais e os demais núcleos
populacionais.144
O caráter "essencialmente econômico" respondia a interesses políticos
organizados em torno do Ministério dos Transportes e, naquele momento, em torno da
figura de Andreazza. Em outros momentos, em pequenas notas e reportagens, a figura do
Ministro era enaltecida, sempre recebendo homenagens, jantares etc. do empresariado da
construção civil. Ainda em 1967, a Revista noticiava um desses encontros com os
principais nomes do setor rodoviário brasileiro, em São Paulo. Os anfitriões eram
industriais, também proprietários da empresa de construção SOTEMA, como: Tácito
Barcellos, Roberto Simonsen, Osvan Nogueira, Francisco Wilmes e Gilberto Bueno.
Também presentes representantes das principais indústrias e distribuidoras de
equipamentos rodoviários do país: Barber-Greene; GE; Huber Warco; Caterpillar, Lion,
Emmeto, etc. Discutiu-se "informalmente" os planos e realizações rodoviárias do MT e da
Secretaria de Obras do Estado de São Paulo.145
No discurso do Ministro, o objetivo final da política do Governo, para o
qual devem convergir todas as atividades setoriais, seria promover o bem-estar social, que,
143
144
O Homem de construção do ano. O Empreiteiro, v. 13, n. 65, jun. 1973, p. 20. SEDOC/RFFSA
Idem p. 47-48. [grifos DAP]
186
por sua vez, se alcançaria na sua plenitude, mediante a integração nacional e o
desenvolvimento econômico146. Nesse sentido, a expansão rodoviária brasileira atendia
prontamente às exigências da economia: nenhum outro meio de transporte teria respondido
tão prontamente, com igual flexibilidade e rapidez, aos novos requisitos da demanda criada
por esse processo de desenvolvimento acelerado. Previa também, a capacitação do sistema
para o transporte de passageiros e de cargas, segundo os interesses econômicos e sociais do
Governo147.
Andreazza contava com o apoio do diretor do DNER, o engenheiro Eliseu
Rezende vide Quadro II dos Agentes e Atividades, futuro Ministro dos Transportes (19791982), membro da APEC (Dreyffus, 1981: 585) e que também defendia a rodovia como
principal elo de ligação entre as regiões, por serem menos onerosas quanto à implantação e
conservação e por promoverem o desenvolvimento regional em diferentes níveis. Nas
palestras e trabalhos publicados, Rezende pregava que a ferrovia sofria dos erros do
passado, quanto ao seu traçado e sucessivos déficits, assim, por ser mais econômica, a
rodovia deveria ser priorizada. Importante lembrarmos que havia representantes do DNER
em todas as comissões de desativação de ramais. Portanto, era com essa mentalidade (e
com muitos interesses aí incrustados) que o programa de erradicação seria executado.148 É
interessante observar que opiniões como essa desconsideram o custo dos veículos que
trafegam nas rodovias (seja de combustível, ou mesmo de seu custo social-ambiental).
Através desses trechos selecionados (que poderíamos multiplicá-los, pois
são de caráter recorrente em diversas ocasiões) é possível perceber a lógica argumentativa
145
O Empreiteiro, São Paulo, jun. 1967, n. 17, p. 05. Em outros momentos, o Ministro aparecia inaugurando fábricas, como a
BETUNEZ, de emulsões asfálticas , visando o fornecimento do produto para toda a região do interior paulista, Norte do Paraná, Sul de
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso. Cf. Emulsões asfálticas. O Empreiteiro, jul. 1969, p. 05.
146
Mário D. Andreazza. Transportes no Desenvolvimento Econômico e na Integração Nacional. Perspectivas para os Transportes. Rio
de Janeiro: S. GMT, 1972, v. 2, p. 579.
147
Idem, p. 587.
148
Eliseu Resende. Só a rodovia tem flexibilidade para atender, no setor de transportes, às conveniências econômicas e sociais dos países
em desenvolvimento. BR, n. 42, jan. 1968, p. 8-12. SEDOC/RFFSA
187
que comandava o setor de transportes: a ferrovia embora tivesse atendido com eficiência
no passado brasileiro, era obsoleta, ineficiente e dispendiosa seria a sua recuperação. A
rodovia, ao contrário, estava em expansão (com flexibilidade e rapidez) e representava um
importante caminho para a integração nacional, ligando os mais distantes rincões do país e
possibilitando o trânsito de pessoas e, principalmente, de cargas. A integração nacional,
por sua vez, era pressuposto do desenvolvimento econômico e da Segurança Nacional.
Assim, desenvolvendo a rodovia e fortalecendo a economia, a população seria beneficiada,
pois o bem-estar social só se alcançaria mediante desenvolvimento econômico. Essa era a
justificativa para os vultosos empreendimentos em vias rodoviárias e para legitimar a
rápida extinção dos ramais ferroviários. Por outro lado, se escamoteava os interesses
econômicos dos grandes grupos nacionais e multinacionais ligados ao setor da indústria
automobilística e da construção civil. À época da crise do petróleo, colocava-se
imperiosamente o problema do combustível; como justificar a extinção de um transporte
que além de não se utilizar do petróleo, ainda causava danos ambientais infinitamente
inferiores ao dos veículos automotores? Mas isso não era problema, o que não se pode
justificar? Num texto de 1974, já citado, publicado no Jornal do Brasil, o ministro
Andreazza articulava:
o investimento básico mundial em vias de superfície, incluídas as ruas, avenidas e
estradas, é tão grande e de tal ordem que, ante a escassez ou o desaparecimento de
determinado produto relacionado com as formas tradicionais de energia propulsora,
toda a tecnologia industrial existente se há de concentrar na procura e introdução de
sistemas alternativos de propulsão, capazes de preservar inalterada a utilização dessa
mesma infra-estrutura viária.
Não há quem não reconheça as indiscutíveis repercussões provocadas pela crise do
petróleo nos sistemas viários do mundo inteiro inteiro. Mas entre reconhecer tal
verdade e dela concluir pela contra-indicação de investimentos na infra-estrutura
rodoviária medeia distância tão grande que, em sadia consciência, a ninguém é dado
afirmá-lo sem incidir em grave erro de interpretação149.
149
Idem, p. 586.
188
Investia, ainda, no progresso, a escassez do petróleo evidentemente seria
suprida com novas fontes energéticas, fruto da pesquisa tecnológica; era só esperar,
enquanto se consumia o petróleo. O dono da voz nos transportes, através de seus discursos,
da freqüente aparição em fotos de jornais e de revistas (sempre em campo, inaugurando ou
vistoriando uma obra), não só construía a sua aura de poder e extensivamente a do regime
militar, como também legitimava a idéia recorrente na história do Brasil, a do país
moderno. Com isso, a sociedade perdia, irremediavelmente, uma importante opção de
locomoção, e era dirigida, a passos largos, para o consumo desenfreado de veículos
automotores. Tudo, sempre, travestido de interesse nacional.
As principais obras de sua gestão foram, na sua maioria, voltadas ao
transporte rodoviário: construção da segunda pista da Rodovia Presidente Dutra (novembro
de 1967); BR 277, ligando Paranaguá a Assunção, no Paraguai (março de 1969); Ponte
sobre o arroio Chuí, ligando o Brasil ao Uruguai (julho de 1971); a rodovia Porto VelhoRio Branco (outubro de 1971); Ligação pavimentada entre Cuiabá e R. Verde (dezembro
de 1973); Transamazônica (janeiro de 1974); asfaltamento da Belém-Brasília e Belém-São
Luís (fev. 1974); Ponte Rio-Niterói (março de 1974). Em termos de ferrovias, a realização
ficou em torno dos ramais do Tronco Sul, para o transporte de grãos. (Abreu e Beloch,
1984: 144).
189
CAPÍTULO IV
A ERRADICAÇÃO DE RAMAIS FERROVIÁRIOS
Êia, e vai o trem no sobe serra desce serra nessa terra
Vai carregado de esperança amor verdade e outros ades
Tantos males
Pra onde vai?
Quem quer saber?
(O trem. Luis Gonzaga Jr, 1979)
A erradicação de ramais foi um processo político, institucional, jurídico,
técnico e estratégico que envolveu a constituição de Grupos de Trabalho formados por
consultores estrangeiros, diretores do DNEF, DNER, RFFSA, Ministério do Planejamento
e representantes das Forças Armadas que programavam e selecionavam não só os ramais a
erradicar, mas também a construção de rodovias substitutivas. Foi necessária a elaboração
de leis e decretos que garantiam verbas e disciplinavam o programa. Não bastava retirar as
190
linhas, precisava-se criar a cultura do anti-ferroviarismo. Literalmente, significava
erradicar, termo originado do latim erradicare, que significa desarraigar; arrancar pela raiz,
geralmente empregado para o ato de exterminar pragas da agricultura. Para desarraigar, foi
preciso produzir e cultivar o discurso do deficitário, do antieconômico, do empreguismo
das ferrovias, do seu atraso tecnológico crônico em contraponto ao progresso que chegava
pela via rodoviária. Nesse sentido, a civilização do automóvel ganhava espaço,
legitimidade e força política e o transporte ferroviário estrangulava-se, de fato e
culturalmente falando.
O objetivo deste capítulo é tratar da engenharia político-institucional do
programa de erradicação, da construção da categoria "antieconômico", bem como da
repercussão desse processo na sociedade civil, através da análise dos principais veículos de
divulgação da imprensa especializada, do Clube de Engenharia e do Conselho Nacional de
Economia.
IV.1 Planos e projetos para a erradicação de ramais
IV.1.1 As metas ferroviárias na Comissão Mista Brasil - Estados Unidos
No relatório final da CMBEU há um item específico diagnosticando o setor
de transporte ferroviário no Brasil. Como foi mencionado anteriormente, os estudos sobre
erradicação de ramais tiveram nesse trabalho o seu ponto de partida.
Segundo os técnicos da CMBEU, incentivadas pelo governo do Império, as
ferrovias teriam se desenvolvido problematicamente, sem uma previsão de rendimento da
zona servida a médio e longos prazos, "o trilho foi utilizado como elemento de penetração,
191
em regiões pouco povoadas e de fraca produção, sem a criação paralela de outros
estímulos à atividade econômica, tendo daí resultado a falência de previsões de
desenvolvimento" (p. 86).
A maioria das empresas ferroviárias era deficitária, sendo que grande parte
era de propriedade federal. O déficit era antigo, próprio das origens dessas empresas que
eram particulares e foram estatizadas justamente pela sua difícil situação financeira.
Portanto, a administração pública não poderia ser acusada de má-administração, no
geral.150
Embora a Comissão abonasse o Estado quanto à responsabilidade pelos
déficits, afirmava que a administração oficial apresentava "características pouco
favoráveis a uma boa exploração pública" e, com exceção das ferrovias paulistas, todas as
demais encontravam-se com pequeno trabalho de transporte e com "insignificante"
densidade de tráfego (p. 25). Os principais problemas elencados eram: a) instabilidade nas
funções de chefia, excesso de pessoal improdutivo; b) a "pressão de influências políticas
perturbadoras" aliada ao excessivo arbítrio e o limitado controle sobre o que estava sendo
feito; c)variedade de bitolas (1,60 cm; 1,00 m;, 0,76 cm; 0,66 cm e 0,60 cm); d)
construções de ferrovias isoladas em diferentes zonas do país e vitimadas pelas influências
políticas determinando o rumo do traçado, resultando em ramais sem finalidade
importante; e) excessiva dependência dos mercados estrangeiros para a manutenção
técnica; equipamentos ultrapassados, prejudicando as condições do tráfego.
De todos os fatores elencados, a baixa densidade de tráfego era apontada
como a mais grave, considerada como a causa primordial da falta de estabilidade
econômica do sistema ferroviário do país. Ainda com o amparo oficial, via garantia de
150
Cf. COMISSÃO MISTA BRASIL-ESTADOS UNIDOS - CMBEU. Relatório Geral. Estudos Diversos. Rio de Janeiro, 1954. P. 20.
192
juros e a aplicação de tarifas remuneradoras para as mercadorias predominantes, como o
café, a questão do déficit não era resolvida.
Houve seções separadas para as empresas ferroviárias. A Estrada de Ferro
Leopoldina e a Rede Mineira de Viação foram alvos de duras críticas e das primeiras
formulações de desativação de ramais deficitários. Depois de analisar toda a região servida
pela EFL e as alternativas de transportes que ela já apresentava, a subcomissão de
transportes recomendava:
grande parte dos déficits era devida à manutenção do tráfego em linhas deficitárias
e, ao que tudo indica, desnecessárias. Com a criação de novas estradas de rodagem e
o melhoramento das rodovias existentes que incentivam o transporte rodoviário,
tanto para carga como para passageiros, é lícito esperar que as linhas enumeradas
nesta parte do relatório venham a se tornar menos necessárias do que atualmente o
151
são .
A sugerida eliminação de linhas consideradas "improdutivas" compreendia
trechos da serra e do noroeste fluminenses e trechos na Zona da Mata mineira, num total de
291,0 km:
Quadro 11: EFL – Ramais a eliminar.
Ramais (Bitola de 1,00 m)
Miracema
Pirapetinga
Manuel de Morais-Santa Maria Madalena
Guia de Pacobaíba
Miraí-S. Ana de Cataguases
Mar de Espanha
Crubixais
Total
Extensão (km)
14,0
31,0
118,0
12,0
48,0
25,0
43,0
291,0 km
Fonte: COMISSÃO MISTA BRASIL - ESTADOS UNIDOS - CMBEU. Projeto n028 (Anexos). Estrada
de Ferro Leopoldina. Rio de Janeiro, 1954, p. 01, parte C.
151
COMISSÃO MISTA BRASIL - ESTADOS UNIDOS - CMBEU. Projeto n0 28 (Anexos). Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de
Janeiro, 1954, p. 01, parte C.
193
Além do abandono das linhas acima referidas, a Comissão sugeria, para o
futuro, a desativação de 141 km adicionais. Essas regiões, na sua maioria, haviam sido
produtoras de café e encontravam-se em plena desarticulação de produção de artigos
"economicamente" interessantes para o mercado externo. Tratava-se, pois, de produtos
mais voltados ao mercado interno. Veremos isso mais detalhadamente no capítulo referente
à desativação das linhas da Leopoldina. Nas demais empresas, como a Rede Mineira de
Viação, os ramais improdutivos totalizavam 121.7 km e também na Cia Mogiana de E. de
Ferro, com um total de 142 km152.
A Comissão afirmava que, transformados em rodovias, esses ramais
deixariam de onerar deficitariamente as empresas e ainda se manteria o fluxo de
transportes. Para os da Leopoldina, em especial, concluíam:
são linhas de condições técnicas anti-econômicas e, por isso, de elevadíssimo
custeio, servindo a zonas que práticamente delas prescinde em favor da rodovia. Em
1951, do deficit total da ferrovia, de cêrca de 202 milhões de cruzeiros, 89 milhões
153
provieram da exploração dos trechos em causa.
É fundamental observar que é no Relatório da CMBEU que aparece, pela
primeira vez, o termo "antieconômico" no discurso referente às ferrovias. Sobre o
diagnóstico efetuado, com exceção desse termo, pouco podemos contestar, sem uma
análise mais acurada de balanços e outras fontes, impossível de ser realizada face aos
limites do trabalho. Desconheço, no entanto, estudos mais cuidadosos da região servida
pela ferrovia e de suas potencialidades. Como diz Arueira, quando foi convidado a
participar da primeira comissão de erradicação de ramais (possivelmente a primeira e
última em que a representação dos trabalhadores foi convocada):
152
153
Cf. COMISSÃO MISTA BRASIL-ESTADOS UNIDOS - CMBEU. Relatório Geral. Estudos Diversos. Rio de Janeiro, 1954, p. 160.
Idem, ibidem.
194
sobre a palavra antieconômico, aí eu gostaria que os senhores, todo ramal, que a
gente mesmo reconheceu como deficitário, eu gostaria de saber por que ele é
antieconômico, mas saber como né? Os senhores me trazendo um exame de
laboratório da terra, da região, de tudo o que pode acontecer naquela região. O que
está lá e o que pode ocorrer, porque vai me desculpar, mas eu nunca vou concordar
[...] Eu falei "olha, já na nossa cabeça existe um ramal que é, que é o ramal do
Carmo para Além do Paraíba, e segundo nós estamos informados, aquela região está
assim de calcário”. E não deu outra coisa, a maioria das fábricas de cimento hoje
tudo é ali e arrancaram a linha. Então, a ferrovia trazia a matéria prima que era o
calcário e levava o cimento [...]Macuco, Cordeiro aquela região toda ali você fica
maluco de poeira, porque é aqueles caminhões, trazendo e levando. Então, quer
dizer, eu até posso concordar desde que provem que aquela região nunca será nada
(entendeu?). Aí eu concordo [...]. Antieconômico, antieconômico é hoje e
amanhã?154
Os órgãos de divulgação do aparelho de Estado sintetizam nos conceitos de
deficitário e principalmente no de antieconômico toda a argumentação em prol da extinção
de ramais, baseando-se, para isso, na questão da alegada fraca produtividade dessa
modalidade de transporte. Essa era a senha: a partir de uma justificativa econômica todo o
resto era inquestionável, inclusive fatores de interesse social. Através da construção de
rodovias substitutivas aos ramais extintos, considerava-se resolvido o problema da ligação
entre as regiões.
Salta aos olhos a força que os argumentos da racionalidade econômica
detinham: critérios econômicos; regiões economicamente inexpressivas. Para quem? Por
que? Inexpressivas, talvez, para o atendimento do mercado externo, pois algumas destas
abasteciam o mercado interno. O discurso sedimenta a estratégia de desenvolvimento e a
mudança no padrão de acumulação, conciliando novos interesses e atores.
154
Entrevista de Herval Arueira, 18/11/99.
195
A antieconomicidade das linhas era definida em termos do déficit contábil.
Não se considerava, por exemplo, a relação custo-benefício de rodovias e ferrovias. Ou, o
que os economistas classificam como "externalidades"155:
são associadas às ações de um agente econômico que afetam as condições físicas do
consumo ou as condições tecnológicas da produção para outros agentes econômicos.
Podem ser positivas ou negativas. Desse modo, a poluição de um rio por uma
indústria situada rio acima, infuindo sobre as condições das fábricas rio abaixo, é
uma externalidade negativa. "Internalizar" uma externalidade significa conduzir os
agentes econômicos a levá-la em conta nas suas decisões, por meio regulamentação
ou da tributação (Guesnerie,1997:114).
No planejamento dos transportes, portanto, se considerados os custos e
benefícios globais, teria também que se avaliar as externalidades negativas provocadas pela
utilização indiscriminada dos automóveis (engarrafamentos, poluição etc.). Segundo Roger
Guesnerie, o "engarrafamento ilustra ao mesmo tempo a eficácia de nossas sociedades
comerciais de produzir bens industriais complexos e as dificuldades de administrar as
‘externalidades’ negativas que o uso desses bens engendra" (1997:47).
Algumas poucas vozes dissonantes desafiavam os cálculos dos tecnocratas
dos transportes, introduzindo variáveis. Esse tipo de estudo era, às vezes, publicado pela
Revista Ferroviária como, por exemplo, o de Délio Moreira, professor da Universidade
Católica de Goiás. Segundo esse especialista, haveria que encontrar uma metodologia
economicamente válida para a comparação dos custos dos transportes sobre pneus e sobre
trilhos. Ele questiona a metodologia de comparação de custos entre rodovias e ferrovias, a
partir do seguinte pressuposto:
como o transporte rodoviário vem a ser o substituto natural do transporte ferroviário
supresso, ou se torna o sistema principal de transporte terrestre nos países onde se
adota o critério contábil para se medir o custo do transporte ferroviário, a lógica
preconizada pela teoria econômica dos transportes deveria ser adotada para a
avaliação dos custos globais de ambos os sistemas antes de se basear somente na
155
Segundo Marcel Burssztyn, esse conceito foi criado pelo economista britânico Pigou, no livro A economia do bem-estar (1920). A
ideía central era que, “independentemente do bom funcionamento de um sistema econômico (uma empresa ou país), fatores externos
poderiam atuar como perturbadores ou como elementos favoráveis”. (1995:102)
196
contabilidade das vias férreas. Até o presente, não conseguimos estudo algum dos
custos GLOBAIS do transporte rodoviário, que fosse baseado nos mesmos critérios
utilizados para a avaliação dos custos ferroviários. Ainda mais: todos os estudos que
pudemos consultar utilizam de custos parciais do transporte rodoviário,
desconhecendo, por ser muitas vezes dificílimo obtê-los, custos indiretos
importantíssimos.156
Para o autor, a contabilidade comercial das empresas rodoviárias,
aquaviárias e aeroviárias deixam de incluir custos de transportes que são incluídos na
contabilidade comercial das empresas ferroviárias:
quando custos, operacionais ou não, deixam de ser incluídos na contabilidade
comercial das empresas que exploram determinado tipo de transporte, diz-se que a
empresa está sendo beneficiada por ECONOMIAS EXTERNAS. As economias
externas beneficiam as empresas transportadoras da mesma maneira que as isenções
fiscais e subsídios indiretos beneficiam as empresas industriais. De todos os meios
de transportes, o menos favorecido por economias externas e subsídios indiretos é o
transporte ferroviário, e isso se verifica seja na Alemanha ocidental, seja na
Inglaterra, seja nos Estados Unidos, seja na maioria dos países desenvolvidos.
[...] Por contabilizarem TODOS os custos operacionais do sistema, as ferrovias
apresentam uma contabilidade comercial que se aproxima tanto da contabilização
global dos custos (não se confunda com contabilidade de custos, conceito e técnica
inteiramente diversos) comerciais macroeconômicos, que pode ser aceita como
contabilização global. Já a contabilidade comercial das empresas rodoviárias, se
vista sob o prisma macroeconômico, é uma contabilidade fundamentalmente parcial.
Assim, sendo, podemos chegar a uma conclusão que parecerá estranha, mas que é
verdadeira de acordo com a teoria macroeconômica dos transportes: é fácil que as
ferrovias apresentem déficits operacionais e seja difícil extingui-los, ao passo que é
fácil e mesmo deve ser obrigatório que as empresas rodoviárias, desde que haja um
mínimo de transporte, apresentem superávits contábeis. Portanto, não se pode taxar
de mais antieconômico um sistema ferroviário ao compará-lo com um sistema
rodoviário, simplesmente comparando-se resultados contábeis, ou estribando-se no
déficit contábil para se concluir pela antieconomicidade de uma rede de trilhos.157
A seguir, o autor analisa os fatores da origem dos principais custos de
transportes terrestres brasileiros. Evidentemente, que esses aspectos mereceriam estudos
mais aprofundados. O que é importante observar é que esse tipo de análise não aparece no
"economês" dos tecnocratas dos transportes, que consideram o déficit como um conceito
auto-explicativo, não se avaliando a imprecisão dos dados e as prováveis falhas de
156
157
Délio Moreira. Transporte rodoviário e transporte ferroviário. Revista Ferroviária, abr. 1973, p. 20.
Idem p. 21. [grifos do autor]
197
interpretação. Não somente se nega a análise global de custos, como mais além disso,
encontra-se uma metodologia econômica capaz de justificar decisões de cunho político.
Desse modo, é a visibilidade dos grupos no poder e da articulação de interesses que ajuda a
explicar a adoção da política rodoviária massiva. Era uma política, sem dúvida, adotada em
vários países do mundo, em graus diferentes, como vimos no capítulo anterior. Foi seguida
no Brasil, de acordo com o receituário externo (mais radicalizado), através da orquestração
de interesses de novos grupos privados que emergiram após a década de 50.
Além das externalidades, os custos globais apontados por Moreira também
seriam variáveis fundamentais ao planejamento do setor transportes, caso a coletividade
fosse considerada. Ou melhor, caso houvesse uma composição de forças políticas
efetivamente representativas da coletividade. Esse tipo de consideração não era estranho
nos meios técnicos nacionais. Talvez, atualmente, devido à agudização do problema dos
inchaço dos grandes centros, da poluição e dos constantes engarrafamentos, haja um
retorno ao assunto das ferrovias e dos grandes transportes de massas. Segundo Waldemar
Pires:
fui numa palestra de um executivo da SNCF, da ferrovia francesa, um Sr. Bastante
idoso... inclusive nesses países se preserva muito a questão da, da cultura, da idade,
a idade das pessoas como experiência.(...) E ele era diretor, estava beirando os 90
anos e era diretor da ferrovia lá e uma pessoa conceituadíssima lá. Que,
infelizmente, aqui, às vezes a gente, v. vê um técnico aqui com 50 anos, profissional
que já, para as empresas, às vezes já é considerado obsoleto. E ele abordava com
muita propriedade essa questão estratégica da ferrovia, aonde eles viam na ferrovia a
questão, não do custo da ferrovia em si, o custo eles viam o custo social.
(...) Então, ele fazia uma comparação, com a própria ferrovia brasileira, que ele tinha
uma visão internacional, um conhecimento internacional sobre ferrovia muito
grande. Então, ele exemplificava muito essa questão aqui do Brasil, onde o
trabalhador, ele sai de casa 3 horas da manhã, chega no trabalho, pega 3, 4
conduções, faz 3 baldeações, 4 baldeações, na própria ferrovia, às vezes faz 2, 3
baldeações, pega ônibus e depois ainda tem que caminhar, para chegar no trabalho 7
horas. Depois, ele sai do trabalho 5 horas e vai chegar em casa meia noite, 11 horas
da noite. Então, ele chega em casa, chega, aborrecido, não tem paciência com a
família, chega desgastado. É... , gasta muito dinheiro no transporte, ele.. chega no
trabalho cansado, sofre acidente de trabalho. Recentemente mesmo teve uma
matéria, um estudioso falando na televisão, como que o Brasil gasta em acidentes de
trabalho, é um absurdo, uma fábula, não sei quantos porcento do PIB. E porquê? Por
que o trabalhador chega cansado, chega com fome, chega com problemas de família,
porque ele não tem como administrar essa questão. Então, todo esse custo, os
198
administradores da ferrovia francesa, eles computavam isso como custo social, né?
E, por maior que fosse o prejuízo da ferrovia, ele era um lucro enorme, quando v.
computava o custo social. Você tem um trabalhador, que ele saía do trabalho às 5
horas, quando fosse 5 e meia ele tava em casa, junto com a família dele,
descansando. Para chegar no dia seguinte, poder acordar descansado, chegar no
trabalho, descansado, para poder produzir sem problemas de ordem familiar, sem
problemas de ordem de cansaço, essa coisa toda.158
O quadro descrito é o quotidiano nas grandes cidades. De acordo com a
análise do especialista da SNCF, citado por Pires Ribeiro, entendemos o porquê da
manutenção e constante modernização das ferrovias francesas e européias como um todo.
Atualmente, há uma forte reação mundial ao movimento privatista e à economia
exclusivamente monetarista, valorizando conceitos como “economia plural” e “bens
globais”. Segundo René Passet:
sem preferências manifestas e sem custo marginal, o bem coletivo não pode
depender da lógica mercantil. Sua rentabilidade não aparece na contabilidade, mas
no faturamento das firmas ao seu redor, e a longo prazo. A verdadeira eficiência
econômica das ferrovias não se mede, ao longo da história, em perdas e lucros, mas
por sua contribuição ao crescimento da produção nacional. Até o déficit aqui pode
ser racional, na medida em que – em última instância – estimula a criação de
riquezas que lhe são superiores.159
Passet defende a economia plural, que mantenha relações interdependentes
com outros níveis, como o social e a natureza, cujos mecanismos e leis deve respeitar sob
pena de se autodestruir. É a valorização da coletividade e: “coletivo não quer dizer
necessariamente estatal: os atores sociais e os movimentos de cidadania têm também uma
palavra a dar sobre as estruturas que será necessário inventar para tanto.”160
158
Entrevista de Waldemar Pires Ribeiro. Seu pai era diretor da filial da fábrica de fogões Cosmopolita, da Metalúrgica Paulista e sua
mãe era proprietária de uma loja de enxovais, em Copacabana. Sempre estudou em Escola Pública, fez o curso de Engenharia Mecânica
na Escola de Engenharia do Rio de Janeiro, formando-se em 1973. Ingressou como estagiário na Rede Ferroviária Federal, em 1972.
Exerceu vários cargos de chefia, dentre eles, o de Superintendente da Leopoldina, em 1989, na época denominada Divisão Operacional
Campos, modificando-se a denominação pois a sede havia sido transferida para Campos-RJ. À época da entrevista era presidente da
Associação dos Engenheiros da Leopoldina, em final de mandato (1996-1999) e também assessor do Deputado Federal Paulo FeijóPSDB/RJ.
159
René Passet. Por uma economia plural. Le Monde Diplomatique. Edição Brasileira, ano 1, n. 4, maio 2000. www.diplo.com.br. [grifos
DAP] O autor é professor emérito da Universidade Paris I e presidente do Conselho Científico do ATTAC – Ação pela Tributação das
Transações Financeira para Apoio aos Cidadãos.
160
Idem, ibidem.
199
No Brasil, todavia, os maiores problemas começam a acontecer quanto às
soluções encaminhadas, não reformando ou modernizando o já existente, mas erradicandose. Segundo Ubirajara Baia, especialista em transportes, que também analisou os principais
documentos relativos à extinção de ramais, inclusive os relatórios do GESFRA:
não se encontram estudos mais aprofundados sobre a erradicação de linhas em nosso
meio técnico nacional. Normalmente, o que foi feito foram simples exercícios de
contabilidade financeira, onde está bastante nítida a falta de fidelidade ao se tratar de
estudos de previsões, sejam elas de cunho econômico ou social. Ao se analisar mais
detidamente qualquer um dos trabalhos existentes, nota-se claramente o
rodoviarismo tendencioso que tangeu o planejamento ferroviário brasileiro nos
últimos 30 anos (1994:27)
Apesar da total parcialidade, o termo antieconômico adquiriu a força de
doxa
161
calcada
. Nos documentos oficiais e nas notícias para o grande público, a terminologia
na
antieconomicidade
das
linhas
ferroviárias
ganhou
um
tom
de
inquestionabilidade devido à sua exaustiva repetição. Tornou-se, simplesmente, senso
comum, de fácil aceitação. Parece ser essa a estratégia quando dois ou mais projetos
encontram-se em disputa. Como analisa Alfredo de Almeida no discurso da "decadência da
lavoura" maranhense, no século XIX. Resguardando-se todas as diferenças, o tom do
discurso é permanente para diferentes problemáticas:
assinala-se indícios de um esforço metódico em fixar uma modalidade de percepção
única para se compreender a província. Ocorre uma transitividade que permeia tanto
os documentos oficiais, quanto os textos de vulgarização firmado por produtores
intelectuais reconhecidos e consagrados. (Almeida, 1983: 100).
Nesse sentido, os burocratas constituem os documentos com uma unidade
discursiva específica, que, com freqüência, é absorvido como verdade: "[...] a monotonia
dos textos oficiais, fruto deste consenso, é coextensiva ao próprio significado da
161
Conforme nota 9 do Capítulo I.
200
decadência suspendendo, pela repetição infinita, a possibilidade da dúvida e do
dissentimento." (Almeida, 1983:79)
Quanto ao famoso "empreguismo", ressaltado em quase todos os
documentos sobre os problemas ferroviários e que também adquiriu a força de doxa,
merece ser relativizado. Certamente, nos médios e altos escalões da administração
ferroviária, havia negociação de cargos em troca de favores políticos, como em todos os
setores públicos, ainda hoje. Cargo público continua sendo moeda de troca no Brasil. Mas,
vejamos a análise realizada por Margareth Martins sobre essa questão. Segundo a autora,
ainda que consideremos a prática clientelista inerente ao Estado brasileiro,
o número de pessoal contratado nas estradas de ferro estava também relacionado ao
tipo do equipamento e da tecnologia utilizados, assim como a sobrecarga em setores
como o das oficinas, que exerciam tarefas muito maiores que nas ferrovias dos
países mais adiantados. (1994: 88).
Apesar de sempre trabalharem adversamente, com equipamentos obsoletos,
exigindo esforços redobrados, Martins afirma que o número do pessoal empregado nas
ferrovias permaneceu estável, apesar do crescimento das linhas. (1994:88) Em relação ao
treinamento e formação de pessoal, as ferrovias mantinham escolas técnicas formadoras de
mão-de-obra especializada e difusora do que havia de mais moderno no mundo capitalista
do trabalho (até ser desbancado pelos padrões da indústria fordista, num primeiro
momento).162 O problema maior, era sim, com a renovação dos equipamentos. É possível
supor a dificuldade com que os ferroviários sempre operaram na manutenção das linhas e
dos carros, atuando em condições tão precárias.
Dificilmente contestaríamos a informação de que muitos traçados
ferroviários foram realizados em decorrência da injunção política de alguns coronéis,
162
Sobre as escolas mantidas pelas ferrovias e seu papel ver, por exemplo: Liliana R. P. Segnini. Ferrovia e Ferroviários: uma
contribuição para a análise do poder disciplinar na empresa. São Paulo: Autores Associados/Cortez, 1982.
201
interessados em que o trem percorresse a área de sua propriedade (ou não). Portanto,
muitos ramais, com o passar do tempo, tornaram-se absolutamente estéreis. Segundo
Martins, eram absorvidas devido a pressão dos usuários, diante do não cumprimento de
cláusulas de concessão ou de arrendamento (1994:83). Os concessionários "preferiam" não
dispor da grande quantidade de capital necessário para o seu satisfatório funcionamento, aí,
jogava o "ferro velho" nas mãos do Poder Público e a população que sofresse as
conseqüências.
IV.1.2 Grupos de Trabalho
Ao mesmo tempo em que implantava a indústria automobilística e construía
estradas, o governo JK também se "preocupava" com as ferrovias. Em 1956 foi criada uma
Comissão para a revisão das sugestões da CMBEU, composta por membros do DNEFDepartamento Nacional de Estradas de Ferro e DNER - Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem. Era o Grupo Informal de Trabalho sobre Transportes Ferroviários
(funcionou de 04/06/1956 a 05/07/1956), formado por: Othon Álvares de Araújo Lima;
Marcos Valdetaro da Fonseca; Antônio Furtado da Silva; Luis Burlamaque de Mello;
Joaquim Francisco Capistrano do Amaral; Jacintho Xavier Martins Jr.; Djalma Maia e
Renato de Azevedo Feio163. Foi coordenado por Otávio Augusto Dias Carneiro e Lucas
Lopes, na época, presidente do Conselho de Desenvolvimento (Vide Quadro II, dos
Agentes, e Atividades, no Anexo 5).
163
A maioria dos membros desse grupo era formada por engenheiros de profissão e ocuparam postos de chefia após a formação da
RFFSA. Os dados que obtive são referentes ao período de trabalho na Rede Ferroviária: Othon Lima, foi diretor (11/11/64 a 25/04/67);
Antônio Furtado da Silva, foi Diretor de investimentos (1960); Jacintho Xavier Martins Jr., foi Diretor de Estudos Gerais (1961) ;
Djalma Ferreira Alves Maia foi Diretor de Operações (1961/1962) e Renato de Azevedo Feio foi presidente (1957 a 1959).
202
O grupo diagnosticava a situação das ferrovias, expondo um plano de
construção das linhas prioritárias, de reaparelhamento ferroviário e de extinção dos ramais
antieconômicos. O Relatório final apontava:
A Rede ferroviária brasileira, iniciada a 30 de abril de 1854 pelo Imperador D. Pedro
II, expandiu-se, desordenadamente, ao sabor das exigências locais, resultando em
164
um sistema ferroviário heterogêneo e ineconômico .
A crítica da formação e desenvolvimento da rede ferroviária se baseava no
cálculo da produtividade efetiva das ferrovias, computada pelo índice de densidade de
tráfego, isto é, pelo quociente do número de toneladas-quilômetro úteis dividido pela
extensão da linha em quilômetros. O índice da densidade de tráfego nas ferrovias
brasileiras havia sido, em 1954, de 0,278. Comparado internacionalmente, segundo a
Comissão, era um índice baixo. Escolheram, como exemplo, o transporte nos Estados
Unidos com o índice no mesmo período de 2,264. A comparação, como de hábito, quando
a intenção é distorcer, não mostra as especificidades de cada um dos dois países, bem
como o fato de que nos EUA havia a consolidação do mercado interno, portanto, com um
volume de tráfego infinitamente superior.
Ainda que apontassem a situação deficitária do transporte suburbano, o
defendiam, devido à sua "função social". As linhas prioritárias, algumas em construção
eram as do Tronco Principal Sul, ligando Rio de Janeiro e São Paulo a Porto Alegre, para o
transporte de cargas relacionadas a cereais, minérios e adubos fosfatados. Afirmavam que
eram linhas com grande probabilidade de exploração e perspectiva de resultados
financeiros positivos.
164
Grupo Informal de Trabalho sobre Transportes Ferroviários. C. D. Relatório. Doc. no 9. Rio de Janeiro, 1956 (mimeo.). [Grifo DAP]
SEDOC/RFFSA
203
Era também uma área que crescia em termos dos interesses exportadores,
principalmente no que se refere ao mercado do Cone Sul. Nesse ponto, o Brasil se destacou
em poucos anos, como revela esse parecer de um representante das Nações Unidas:
durante el decenio de 1950 y 1960, los más grandes proyectos nacionales de
integración ferroviaria se realizaron en el Brasil, donde se construyeron varios
enlaces en la red ferroviaria federal. De estos proyectos, el meio tramo entre Lages
en Santa Catarina, y Montenegro en Río Grande de Sul tuvo importancia especial
165
para el tráfico internacional .
Toda a ênfase, progressivamente seria dada aos corredores de exportação de
grãos e de minérios. O mercado interno regional não estava nos planos estratégicos. Daí o
corte nos ramais regionais de áreas não mais "estratégicas". A supressão de ramais
baseava-se na Lei 2.698, de 27/12/1955166, quanto à substituição de ramais antieconômicos
por estradas pavimentadas. Dentre os ramais elencados, encontravam-se os da Leopoldina,
os mesmos discriminados pela CMBEU.
Para o reaparelhamento, considerava-se o déficit acumulado em função das
ferrovias sem conservação, com material rodante desgastado, a maioria das locomotivas
ainda a vapor, com vagões e carros de passageiros em número insuficiente e com pequena
lotação. Apontava que o déficit geral em 1945 fora de 4,5 bilhões e que em 1955 saltara
para 5,3 bilhões de cruzeiros. De 1945 a 1955, o volume de tráfego crescera apenas 32% e
tão somente com mercadorias de baixa tarifação, como minérios e matérias-primas de
reduzido valor. Dessa forma, ressaltava-se as conseqüências: as safras não são escoadas em
tempo hábil. Paralelamente, crescia o transporte rodoviário, de custo mais elevado, mas
com maior proporção de divisas e com maior rapidez. As perdas de safras são elevadas e
165
NAÇÕES UNIDAS. Comissão Econômica para a America latina. Los ferrocarrillles internacionales e Sudamerica y la integración
económica regional. New York: Nações Unidas, 1972, 198 p. , p. 131. BN
166
Essa lei representou um grande incentivo na construção de estradas. Previa a aplicação da receita da diferença de preços entre os
combustíveis e lubrificantes líquidos derivados do petróleo fabricados no Brasil e importados. Dentre as percentagens de aplicação dessa
verba, a cargo do DNER e DERs, o parágrafo 5o estabelecia: "o produto da arrecadação de 30% (...), será diretamente recolhido pelo
Banco do Brasil, ao BNDE para aplicação na pavimentação de rodovias e na construção, revestimento ou pavimentação de rodovias
204
não há estímulo à produção. Depois de todo o trabalho, tempo e dinheiro público
dispendido, a Comissão sugeria a atualização e revisão dos projetos elaborados pela
Comissão Mista Brasil-EUA, face aos planos financiados pelo BNDE e outras fontes,
incorporando um programa mínimo para o reaparelhamento ferroviário167. À época se
encontrava em adiantado estado a criação da Rede Ferroviária Federal, também reforçada
por essa Comissão como forma de melhor coordenação das ferrovias da União.
De acordo com o que foi visto anteriormente, na década de 50 há uma
entrada maciça de investimentos estrangeiros, acompanhada da progressiva consolidação
da indústria automobilística e das grandes empreiteiras de obras públicas. No Relatório do
Ministério de Viação e Obras Públicas, sob a regência de Lúcio Meira, o combate ao
déficit ferroviário era o argumento central, seguido posteriormente pelas principais
agências dos transportes. Nesse sentido, em 1957, havia sido aprovado o projeto de criação
da Rede Ferroviária Federal S.A., empresa de economia mista, vinculada ao Ministério de
Viação e Obras Públicas (depois ao Ministério dos Transportes) e controlada pelo Governo
Federal.
A discussão sobre o projeto da RFFSA, processo importante e ainda a ser
estudado, iniciou-se no governo Vargas, como uma das principais sugestões da CMBEU,
pretendendo-se criar uma empresa de sociedade anônima, com a finalidade de coordenar as
empresas ferroviárias da União. A existência de uma empresa estatal aglutinadora de
ferrovias federais era fato na Europa desde o final do século XIX, segundo Margareth
Martins (1994:357). Assim, a criação da RFFSA respondia a uma tendência mundial em
termos de administração ferroviária e prosseguia uma tendência já iniciada no Brasil desde
o início do século, através da encampação de empresas. O projeto foi debatido no Clube de
destinadas a substituir ramais ferroviários reconhecidamente deficitários. Cf. Lei 2.698, de 27/12/1955. CLB. Atos do Poder Legislativo,
1955, p. 149-151. BN
205
Engenharia168; tramitou durante anos no Congresso, provocou acalorados debates entre
estatistas e privatistas, sendo regulamentado durante o governo JK e finalmente aprovado
sob a forma da Lei 3.115, de 16 de março de 1957. 169
Os principais acionistas da RFFSA eram o Governo Federal (87%), os
Estados (10,2%) e os Municípios (2,66%), consistindo de três instâncias principais: a) um
colegiado de sete diretores, inclusive o presidente; b) o presidente e os departamentos
executivos; c) as unidades de operação e as outras subsidiárias. O Presidente era, na
verdade, o chefe executivo; alguns diretores exerciam também funções executivas e outros
atuavam como consultores em áreas específicas. Ao colegiado de diretores cabia a
administração da empresa170.
A operação do sistema ferroviário não era prerrogativa exclusiva da Rede
Ferroviária. Também o CNT–Conselho Nacional de Transportes, o DNEF e o CGT–
Contadoria Geral dos Transportes influenciavam na política geral do setor.
Em 1959, o Relatório anual da RFFSA indicava que os dois objetivos
centrais da empresa eram a correção da insuficiência crônica dos transportes ferroviários
no país e a redução do montante do déficit de operação171. Apontava o item "pessoal"
167
Grupo Informal de Trabalho sobre Transportes Ferroviários. C. D. Relatório. Doc. no 9. Rio de Janeiro, 1956 (mimeo.), p. 22.
SEDOC/RFFSA
168
Como exemplos: Iniciado debate sobre a transformação das redes ferroviárias em sociedades anônimas. Revista do Clube de
Engenharia, jun. 1952, p. 183-185; Transformação das ferrovias em sociedades anônimas. Revista do Clube de Engenharia, abr. 1953,
p. 157-161. O debate girava em torno da necessidade de unificar a administração ferroviária, "eliminar influências políticas" na
administração, superar os déficits, eliminar ramais deficitários. Por outro lado, havia críticas à organização da Rede como economia
mista. Dizia o engenheiro Francisco Bonifácio Lafayette de Andrada que, ainda que o capital fosse predominantemente estatal, as
empresas detentoras do capital restante poderiam influenciar no transporte de mercadorias que lhes pertenciam, prejudicando os próprias
estados servidos pelas ferrovias. Transformação das ferrovias em sociedades anônimas. Revista do Clube de Engenharia, set. 1953, p.
29-35 e 49. Interessante que esse prognóstico não foi cumprido na época, mas aconteceu nos anos 90, com as concessões às empresas
privadas e a posterior liquidação da RFFSA, como veremos na Conlusão deste trabalho. CE
169
Estradas incorporadas à RFFSA: Rede de Viação Cearense (incorporando a E. F. Baturité e a E. F. Sobral); Rede Ferroviária do
Nordeste (ex-Great Western); Viação Férrea Leste Brasileiro; Estrada de Ferro Leopoldina; Estrada de Ferro Central do Brasil(ex-Pedro
III, Rede Mineira de Viação ( incorporando a e. F. Oeste de Minas e a Rede Sul Mineira); Estrada de Ferro Noroeste do Brasil; Rede de
Viação Paraná-Santa catarina e Viação Férrea do Rio Grande do Sul.
170
Cf. GEIPOT/COVERDALLE & COLPITTS. Estudo de Transportes no Brasil, I Fase, v. 2, 1967, p. 9-29. SEDOC/RFFSA
171
O estudo dos déficits multiplicava-se nos relatórios de diversos grupos de trabalho, ocupava a imprensa especializada e os discursos
dos "especialistas" nos transportes. Segundo a Revista Ferroviária: "o sistema deficitário das ferrovias brasileiras foi, ao mesmo tempo,
causa e efeito da não realização dos investimentos necessários à expansão e melhoria da capacidade de transporte [...]". Ago. 1971, p. 27.
Capistrano do Amaral, presidente da AFB - Associação Ferroviária Brasileira, afirmava que o "déficit" já havia se tornado 'slogan',
definindo-se como causa da grande desgraça nacional e que "o único modo de extingui-lo é a extinção do próprio sistema ferroviário, o
qual, dizem os espertos e acreditam os ingênuos, 'é a técnica obsoleta substituível pelo transporte rodoviário em todas as suas
206
como um dos alvos da redução, mas, contraditoriamente, reconhecia que as estradas de
ferro padeciam da falta de pessoal especializado, "restando um punhado de técnicos
abnegados" para dar conta de todas as funções, pois os técnicos e administradores já
haviam migrado em massa para outros setores dos transportes ou da indústria nacional. A
ferrovia deixava de ser setor de ponta na engenharia e administração nacionais.172 Por
outro lado, esses estudos eram fortemente calcados em estatísticas, sendo que o próprio
critério para a sua realização era discutidos por especialistas. De acordo com Alain
Abouchar, Professor Assistente de Economia na Universidade da Califórnia e, na época,
Coordenador do Setor de Transportes do Escritório de Pesquisa Econômica Aplicada, do
Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, as estatísticas brasileiras de
transportes estavam sob suspeita. Para esse autor, a pesquisa era insuficiente pois não
apurava as origens e destinos do transporte ferroviário, por Estado ou região e por
mercadoria. As ferrovias também não registravam de onde procediam as cargas que se
destinam às suas estações. Portanto, essas e outras dificuldades dificultariam um
planejamento racional porque limitavam bastante os dados disponíveis para o analista e
perturbavam a interpretação das outras estatísticas. 173
A evolução do déficit, segundo o Relatório, principalmente após a II Guerra
Mundial, devia-se muito mais à política econômica, financeira e de transportes praticadas
pelo governo do que propriamente das próprias empresas ferroviárias. Após a Guerra, as
ferrovias encontravam-se com os equipamentos desgastados e obsoletos e não houve
esforço para o reaparelhamento. Por outro lado:
uma política cambial de subvenção às importações, somada à de prioridade aos
investimentos rodoviários, gradativamente reduziu a capacidade competitiva do
aplicações'. Criticava, assim, o conceito de 'déficit' e propunha o reaparelhamento das ferrovias, deixando às rodovias o tráfego leve de
distribuição. "Trem é a solução". Revista Ferroviária, Rio de Janeiro, ago. 1967, p. 20. SEDOC/RFFSA
172
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1959. Rio de Janeiro, 1960, p. 37. SEDOC/RFFSA
173
Alain ABOUCHAR. Deficiências das Estatísticas Brasileiras de Transporte. Ferrovia, São Paulo, mar. 1968, p. 40. SEDOC/RFFSA
207
sistema ferroviário, ao mesmo tempo que uma política de tarifas baixas diminuía,
em têrmos reais, o preço cobrado pelas estradas.174
Dentre as soluções apontadas para esses e outros problemas, estava a
necessidade de aumento de densidade do tráfego (sempre considerando o transporte
ferroviário para o transporte de grandes massas a longas distâncias) e a eliminação de
ramais ou trechos ferroviários antieconômicos175. O tráfego de passageiros também era
responsabilizado pelos déficits: a RFFSA era obrigada a executar o serviço de passageiros
em todas as suas linhas, mediante as mais baixas tarifas do mundo (p. 47). O tráfego de
passageiros representaria metade do trabalho total produzido na RFF, em unidades de
tráfego, mas proporcionava "apenas" 20% da receita.176
Segundo Natal, apesar da melhoria no funcionamento geral da rede
ferroviária, com a dieselização progressiva, a eletrificação, a interligação de alguns ramais
e a construção de algumas novas linhas:
[...] a RFFSA foi conduzida, inicialmente, sem muita convicção sobre seus
propósitos. Talvez o fato de ser uma jovem S.A., pública, com acionistas nas
diversas instâncias da Federação e, em um país onde o novo padrão de
desenvolvimento estava se constituindo, mas assentado sob bases políticas
oligárquicas não desconsideráveis, tenha implicado, dentre outros problemas, na
dificuldade da supressão dos ramais deficitários. De outro modo: os interesses
regionais teriam desempenhado aí papel relevante (1991: 134).
Natal observa, ainda, que no Estado de São Paulo, onde o dinamismo
econômico favorecia as ferrovias, foram erradicados 1 mil quilômetros de ferrovias, face à
concorrência de importantes rodovias, sem pressões significativas do poder oligárquico
local.(1991: 134). Dentro da perspectiva adotada neste trabalho, essa informação evidencia
que a questão das desativações iam além da rentabilidade das empresas ferroviárias. Veja,
174
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1959. Rio de Janeiro, 1960, p. 39. SEDOC/RFFSA
Essa questão aparece como prioritária em todos os Relatórios da RFFSA, até 1974, quando encerra-se a consulta.
176
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1959. Rio de Janeiro, 1960, p. 47. SEDOC/RFFSA
175
208
no Gráfico da Erradicação de Linhas Antieconômicas, os ramais da FEPASA, no Anexo 8.
Se as empresas paulistas, em boa parte eram, de longe, o setor "bom" das ferrovias, porque
erradicar muitos de seus ramais? A questão é portanto, mais ampla, tratando-se de um
projeto de enfraquecimento do modal ferroviário como um todo e não, exatamente, de
cortes de linhas deficitárias. Segundo Carlos Lessa,
o programa de reequipamento ferroviário concentrava os recursos do setor na
melhoria das condições do sistema já existente, uma vez que o conceito de ferrovia
como meio de ampliação da fronteira agrícola foi substituído pelo de rodovia de
penetração.177
Nesse sentido, em 1961 foi formado outro Grupo de Trabalho encarregado
de fazer o levantamento das estradas de ferro ou ramais deficitários. A supressão de ramais
antieconômicos era vista como pré-condição para a recuperação do sistema ferroviário
como um todo. Obstruía-se, também, a construção de novas linhas, a "não ser para
aquelas com completa justificativa econômica e de alto interesse nacional".178 A nova
concepção foi assim justificada:
julgamos que os recursos deveriam ser aplicados, de preferência nas linhas que
viessem a favorecer a circulação de riquezas entre os centros de produção e de
consumo, em condições eficientes, e custos reais reduzidos de maneira a permitir o
desenvolvimento harmônico das atividades agro-pecuárias e industriais179.
A supressão prevista era de 4.996 km, sendo 4 empresas completamente
extintas:
Quadro 12: RFFSA – Ramais a extinguir, 1961.
177
Carlos Lessa. Quinze anos de política econômica. Cadernos IFCH/UNICAMP. Campinas, SP: 1975. Apud: Natal, 1991:139. Natal
complementa que, nessa época, os objetivos principais do governo JK eram: a) reduzir os antigos ramais, construídos em função da
agroexportação; b) modernizar os trechos prioritários do ponto de vista do processo de industrialização em curso; c) promover tais
racionalizações e modernizações tendo em vista o sistema existente. (id.: 140).
178
MVOP/DNER/CFN. Relatório do ano de 1963. Rio de Janeiro, 1965, p. 127. SEDOC/RFFSA
179
Idem, p. 129.
209
Empresa
Rede Mineira
Viação F. do Rio Grande do Sul
Rede F. do Nordeste
Rede Cearense
E. F. Central do Brasil
V. F. Paraná-Santa Catarina
E. F. Noroeste do Brasil
E. F. São Luis-Teresina
V. F. Leste Brasileiro
E. F. Leopoldina
Total
Extensão a erradicar (km)
1.087
495
372
124
318
4
107
43
297
952
3.799
Fonte: dados extraídos de Estrada de Ferro do Brasil, 1960, p. 04.
Segundo a avaliação da RFFSA, várias dessas ferrovias cortavam regiões
cujo "nível de produção não permite a exploração econômica, nem oferecem perspectivas
em futuro previsível, de propiciar estas condições"180. A "meta preferencial" do sistema
ferroviário era o transporte de cargas pesadas, principalmente de minério:
a produção mineral, aliás, é extremamente dependente do transporte ferroviário,
merecendo alta prioridade, quer do ponto de vista de assegurar o abastecimento de
matérias-primas para a indústria, quer do rendimento de divisas para a exportação.181
A partir de 1964, a política de erradicação de ramais se intensificou.
Segundo Ángel Carrasco:
sólo desde un governo fuerte, capaz de conter la presión social, se podía acometer
una política decidida de cierre de vías antieconómicas, cuya dimensión humana
significaba la redución de plantillas" (In: Fernández, 1998: 202-203).
Contra todas as pressões sociais (veremos os exemplos no próximo
capítulo), abafadas desde o início de 1960, no quinqüênio 1966-1970 eliminaram-se 3.926
km de vias férreas. Não por coincidência, também foi o período de maior repressão
política, através da edição do AI-5. Envolvidos pela euforia do milagre econômico, as
erradicações seguiam o curso programado. Algumas novas construções foram realizadas
180
181
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1961. Rio de Janeiro, 1962, p.03. SEDOC/RFFSA
Idem, p.04. [grifo DAP]
210
no plano econômico-estratégico, ligando a Capital Federal com as outras regiões e
contrabalançando o peso das erradicações nesse período. Em 1967, inauguraram-se as
seções dos ramais de Bento Gonçalves a Vacaria e de Pires do Rio a Brasília, ligando a
Capital Federal ao Rio de Janeiro através da conexão com as redes do Sul e do Centro. Em
1968, foram ligadas as capitais de Bahia e Maranhão, conectando a rede do Nordeste com
as demais. (Carrasco, In: Fernández, 1998:203)
O Relatório do Grupo de Trabalho criado em 1966 (GEIPOT/Coverdalle &
Colppits), fruto do acordo do Governo brasileiro com o Banco Mundial182, apontava que:
os diversos trechos dados como antieconômicos na base de informações completas
devem ser estudados mais minuciosamente e tomadas as providências adequadas. Os
trechos julgados anti-econômicos no estudo da RFFSA de 1965, devem ser
erradicados tão logo seja possível183
Na seção "providências a serem tomadas pela RFFSA", estava: "suspender o
tráfego em todas as linhas anti-econômicas, cuja eliminação tenha sido recomendada, com
particular ênfase para a EFSC, EFSLT e os ramais da EFL, RVC e RFN"184.
O objetivo central da supressão de ferrovias e ramais antieconômicos era,
para o Grupo de Trabalho de 1966 (por sua vez, inspirado nas conclusões da primeira
comissão DNEF/DNER, em 1956): "reduzir o pesado ônus que constitui para o erário
nacional a cobertura de déficits de sua operação; de outro, aliviar as ferrovias
remanescentes da sobrecarga por eles representada, proporcionando-lhes condições mais
favoráveis para seu equilíbrio financeiro". Os critérios para a erradicação de ramais eram:
o seu interesse para a Segurança Nacional; a densidade de tráfego; os déficits operacionais;
as implicações sócio-econômicas decorrentes de sua supressão e uma eventual ocorrência
de indícios ou previsão da possibilidade de sua recuperação econômica e o interesse que
182
183
MVOP. Seminário das Atividades 1964-66. p. 36. SEDOC/RFFSA
GEIPOT/Coverdallle & Colppits. Estudo de Transportes no Brasil. Fase I, 1967, p. 34. SEDOC/RFFSA
211
poderia ter como afluente, ou de interligação com outros ramais ou troncos ferroviários.
No lugar desses ramais, deveriam ser construídas rodovias, atendendo às necessidades de
todos os núcleos populacionais atingidos185. Previa, somente com relação à E. F.
Leopoldina, a erradicação de 22 ramais, num total de 917 km de estradas de ferro. Esses
ramais seriam substituídos por estradas de rodagem, o que era assim justificado:
na realidade, a rodovia substituta será um fator de desenvolvimento da região, uma
vez que a ferrovia já não cumpre plenamente as suas finalidades em virtude das
próprias deficiências que, por sua vez, não podem ser sanadas por não haver
densidade de tráfego que justifique a execução dos melhoramentos necessários.186
Sabemos, em primeiro lugar, o quanto as políticas regionais se aproveitaram
da promessa da construção e/ou pavimentação de rodovias. Portanto, essa substituição não
foi automática. Por outro lado, nem todas as regiões servidas pela ferrovia encontravam-se
permanente e eternamente sem "densidade de tráfego". Muitas, mais tarde, ficaram
sufocadas com o tráfego rodoviário sobrecarregado pelo intenso movimento de passageiros
(principalmente as regiões turísticas) e de cargas (derivados do petróleo, cimento, etc). A
economia inter-regional modificou-se bastante. No capítulo seguinte trabalharei mais
detalhadamente com a questão regional.
É interessante observar a migração do interesse econômico dentro de uma só
região geográfica, a sudeste. A E. F. Leopoldina abrangia extensões dos estados de Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, sendo que grande parte dos ramais foram
construídos em função do transporte do café, no século XIX. Passado o boom cafeeiro,
muitas daquelas antigas e prósperas regiões perderam poderio econômico e político,
transformando-se em grandes centros de emigração para os grandes centros urbanos. No
184
Idem, p. 42.
Cf. MVOP. Plano de Substituição de Ferrovias e Ramais antieconômicos - Relatório do Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria
393/65 do Ministério de Viação e Obras Públicas. SEDOC/RFFSA
186
MVOP. Plano de Substituição de Ferrovias e Ramais antieconômicos - Relatório do Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria
393/65 do Ministério de Viação e Obras Públicas, p. 6-7. SEDOC/RFFSA
185
212
entanto, outras áreas despontavam atendendo às novas exigências econômicas, como é o
caso das de mineração, mencionado anteriormente. Por isso, aquelas abrangidas pelas
cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília foram alvo de atenção do
DNEF em convênio com o GEIPOT, em 1973, para estudos de viabilidade de sistema
ferroviário, devido à grande atividade de mineração, notadamente no quadrilátero ferrífero
de Minas Gerais. As mineradoras abasteciam as grandes siderúrgicas nacionais e os setores
de exportação187.
Essas áreas passam a fazer parte, desde a década de 60, do que o Tenente
Coronel Mauro Moreira Diretor-Presidente da E. F. Leopoldina, chamou de áreas de maior
sentido sócio-econômico.188 Apontava a necessidade da melhoria dos traçados ferroviários,
tendo em conta as características econômicas regionais, pois algumas zonas servidas
[...] não têm produção capaz de justificar a ferrovia. [...] Desse modo, precisamos
encarar com firmeza a contingência de sermos obrigados a arrancar trilhos, onde
estes, economicamente, não se justificarem, transferindo, em tais zonas, a
incumbência do transporte para as rodovias.[...]189
Junto com essas medidas, não mais novidade desde a CMBEU,
recomendava o fechamento de estações, paradas e também do quadro de pessoal, revisão
das tarifas e fretes etc. Foi criada toda uma infra-estrutura administrativa para cuidar desse
processo.
Em 1965, quando se iniciava a constituição do grupo Geipot/Coverdalle &
Colppits, a Rede Ferroviária agilizou a desativação de ramais, criando a CRAE - Comissão
Regional para Assuntos Relativos à Erradicação de Trechos Ferroviários, para atuar em
cada uma das seguintes unidades da empresa: R.V. Cearense, R. F. do Nordeste, V. F.
Leste Brasileiro, v. F. Centro-Oeste, R. V. Paraná-Santa Catarina. E. F. Leopoldina. E. F.
187
188
MT/DNEF. Relatório das Atividades de 1973, p. 33. SEDOC/RFFSA
A Recuperação da Estrada de Ferro Leopoldina. Revista dos Transportes, Rio de Janeiro, set. 1963, p. 37. SEDOC/RFFSA
213
Central do Brasil, e. F. Noroeste do Brasil e V. F. Rio Grande do Sul. Caberia às CRAEs
auxiliar na execução interna da desativação de ramais, centralizando exame, relato e
preparo de todo e qualquer assunto correlato, além de manter estreito contato com os
órgãos rodoviários encarregados das construções das rodovias substitutivas, dentre outras
atribuições190. Não disponho de mais informações acerca do funcionamento das CRAE, o
que importa observar é a verdadeira rede burocrática que formava-se em torno da
erradicação de ramais, possivelmente cercando-se de todos os cuidados para que ela fosse
efetivamente implementada. Era uma política de fato prioritária, como continuaremos a
verificar.
Paulatinamente, estabeleciam-se as principais tendências norteadoras do
padrão dos transportes no Brasil, centralizando cada vez mais as decisões e colocando-as
fora do arbítrio do Congresso e definindo os rumos de um sistema quase exclusivamente
baseado nas rodovias. Em relatório de 1965, o Conselho Ferroviário Nacional, órgão
máximo do setor, reconhecia que o transporte terrestre não estava superado, no entanto,
faltava adequá-los: às rodovias transportes leves e a distâncias curtas; às ferrovias os
transportes pesados e a grandes distâncias. As principais metas eram a racionalização e
concentração de investimentos, estabelecendo prioridades para empreendimentos rentáveis
ou que maiores e mais rápidos resultados possam produzir191. As áreas que teriam
prioridade no transporte ferroviário seriam aquelas de mineração e da produção de bens
agrícolas para a exportação, como a soja, por exemplo.
A avaliação do DNEF, também em 1965, afirmava a necessidade de
readequar o transporte ferroviário, vitimado por um "pecado de origem": crescimento
desordenado, péssimas condições técnicas e ausência de estudos econômicos da região a
189
MVOP. Relatório do ano de 1956. Rio de Janeiro, 1957, p. 49. SEDOC/RFFSA
214
atravessar. A extinção de ramais antieconômicos, a recuperação de trechos de "real
expressão econômica" e a readequação tarifária eram medidas preconizadas para
solucionar a situação.192
O Decreto 58.992, de 04/08/66 tratou especificamente da erradicação de
trechos ferroviários antieconômicos, classificando-os em 3 grupos, de acordo com a
prioridade. O primeiro incluía a supressão de ramais onde já existia a rodovia para o
atendimento das populações. O segundo em áreas cujas rodovias já se encontravam em
execução. E o terceiro, por último, naqueles locais onde não tivessem sido iniciadas a
construção de rodovias substitutivas. Caberia ao Conselho Ferroviário Nacional a revisão
da programação, bem como a supervisão da construção das rodovias substitutivas. E, ao
Conselho Rodoviário Nacional caberia a aprovação dos programas anuais de construção de
rodovias substitutivas, realizando as revisões necessárias e compatibilizando o programa
com os recursos disponíveis.
IV.1.3 GESFRA
Em 1966, agilizando o cumprimento do decreto 58.992, foi criado o Grupo
Executivo para Substituição de Ferrovias e Ramais Antieconômicos - GESFRA, pela
Portaria do MVOP no 385, de 07/07/66 (reformulado em 16/06/67, conforme a legislação
atinente, no Anexo 9) e aprovado o seu regimento interno pela Portaria no 1.288 de
06/09/68, sob a regência do Ministério dos Transportes. Esse Grupo passou a ter função
permanente no comando das operações de desativação de ramais e foi decisivo nesse
190
A Rede Ferroviária Federal dinamiza a política governamental de supressão de ramais antieconômicos. Revista Ferroviária, jun.
1965, p. 13-14. SEDOC/RFFSA
191
Cf. MVOP/CFN. Relatório de 1965, p. 11. SEDOC/RFFSA
215
processo. Veja-se a sua composição no Quadro I, dos Projetos e Agentes, no Anexo 4,
envolvendo o staff do DNEF, DNER e RFFSA, formado, em todo o período, de 1966 a
1974, pelos seguintes nomes, pela ordem de sucessão.
Quadro 13: Quadro simplificado dos agentes do Gesfra, pela ordem de sucessão (19661974)
Função/ Órgão
Presidentes do Gesfra
Todos diretores do DNEF
Nome/formação
Outros cargos no alto escalão
Engenheiro Horácio Madureira
Diretor da RFFSA de 1969-73
Engenheiro
Barbosa
Diretor de Administração e
Finanças da RFFSA, 05/12/75 a
20/9/76.
Álvaro
Gomes
Engenheiro Manuel de Carvalho
S/informações
Barbosa
Membros:
a) presidentes da RFFSA
Gal. Antônio Adolfo Manta,
30/03/67 a 28/04/69; 28/04/69 a S/ informações
30/05/72
Cel. Antônio Andrade de Araújo
Vide Quadro I dos agentes, em
22/06/72 a 27/04/73; 27/4/73
anexo
29/03/74
Gal. Milton Mendes Gonçalves,
S/ informações
29/03/74 a 12/08/75
b) Diretor-Geral do DNER
Engenheiro Moacyr Guimarães
S/ informações
Engenheiro Eliseu Resende
Vide Quadro dos agentes
Presidente da RFFSA:
Tenente-Coronel Stanley Fortes
12/08/75 a 11/04/77; 11/04/77 a
Baptista
30/03/79
Dados extraídos de: MT/GESFRA. Relatório de 1974, p. 02. Maria A. T. Cabral (org.). Presidentes e Diretores da RFFSA, 30/9/57 a
30/3/85. Rio de Janeiro: RFFSA, 1986.
192
Cf. MVOP/DNEF. Relatório DNEF, 1965, p. 2-3. SEDOC/RFFSA
216
Portanto, pela composição, o alto escalão do Grupo revelava a lógica da
associação tecnocrata do pós-64: militares e/ou engenheiros e alguns, às vezes, também
com formação na área da Economia. Durante a pesquisa, consegui obter somente dados
mais detalhados de dois membros, conforme observação entre parênteses. De qualquer
forma, a composição do grupo, no geral, já é indicativa do rumo que foi seguido. Alguns,
permaneciam na administração ferroviária, como é o caso de Horácio Madureira.
O caso do engenheiro Eliseu Rezende é interessante, pois mostra uma
atuação constante no campo rodoviário. Fez a carreira em órgãos públicos ligados às
rodovias: DER-MG e DNER. Influente na sociedade civil, foi professor e membro da
APEC, portanto, co-partícipe do movimento geral que possibilitou o golpe de 1964.
Continuando sua trajetória, foi Ministro dos Transportes e atualmente é Deputado Federal
pelo PFL/MG- Partido da Frente Liberal. Nesse momento, farei uma incursão ao presente
imediato, março de 2000, que é esclarecedora. Resende é relator da Comissão Especial de
Transporte, destinada a regulamentar a Agência Nacional de Transporte. De início, esse
projeto, sintomaticamente, não previa a inclusão da RFFSA (desde 1999 em processo de
liquidação), comportando somente o GEIPOT e o DNER. Graças às pressões de diversas
entidades ligadas aos ferroviários193, existe a promessa de se criar um substitutivo ao
projeto original, incluindo setores da administração ferroviária. Esse assunto será retomado
na Conclusão deste trabalho. Retornemos ao GESFRA.
Ao GESFRA, competia: a) tratar de toda matéria relacionada com a política
de erradicação de linhas férreas antieconômicas; b) providenciar e assessorar a implantação
dessa política. A política de supressão era realizada pela decisão conjunta do DNEF,
193
São as seguintes: AENFER - Associação dos Engenheiros Ferroviários do Rio de Janeiro; AEEFEL - Associação dos Engenheiros da
Estrada de Ferro Leopoldina; Sindicato dos Trabalhadores da Central do Brasil e a ANTF - Associação Nacional dos Transportadores
Ferroviários (patronal).
217
DNER e RFFSA, fazendo parte dessa comissão os respectivos diretores desses órgãos, sob
a presidência do primeiro.
Em 1970 consolidava-se nova configuração administrativa da RFFSA, com
a implantação de 4 sistemas regionais incorporando as antigas empresas. Juntamente com
isso, progredia a extinção de linhas e ramais, de trens de passageiros de "baixa
produtividade", o fechamento de estações (55, em 1970), de depósitos de locomotivas e
das pequenas oficinas, com a centralização em âmbito regional, das grandes unidades de
manutenção. O financiamento do BNDE (150,2 milhões) obtido nessa época foi destinado
ao transporte de cargas (automóveis e grãos), para o oleoduto Santos - São Paulo e para a
reforma operacional da 9a Divisão194. Os sistemas regionais foram organizados da seguinte
forma:
Quadro 14: Sistemas regionais RFFSA, 1970.
Sistemas
Divisões
Nordeste
1a Maranhão-Piauí
2a Cearense
3a Nordeste
4a Leste
Centro
5a Centro-Oeste
6a Central
7a Leopoldina
Centro-Sul
9a Santos-Jundiaí
10a Noroeste
Sul
11a PR-Santa Catarina
12a Teresa Cristina
13a Rio Grande do Sul
14a Santa Catarina
Fonte: Dados extraídos do Relatório da Rede Ferroviária Federal S.A., 1970.
194
MVOP/RFFSA. Relatório anual de 1970. Rio de Janeiro, 1971, p.27-29. Ver também o de 1971, já firmando o declínio do número
de passageiros, "em conseqüência da melhoria da rede rodoviária", reduzindo-se de 2% o número de passageiros e médio e longo
percurso e em 8% o do serviço suburbano. Ministério da Viação e Obras Públicas/RFFSA. Relatório anual de 1971. Rio de Janeiro,
1972, p. 40.SEDOC/RFFSA
218
O pessoal dos ramais antieconômicos era encaminhado para outras funções,
por exemplo: os servidores que operavam telégrafos, eram transferidos para o
Departamento de Correios e Telégrafos; os restantes eram relacionados como disponíveis e
a administração ferroviária entrava em contato com os órgãos federais da região para
indicar o seu aproveitamento.195 A retirada dos ramais e trechos ferroviários dependia,
segundo a legislação atinente, da construção de rodovias substitutivas pelo DNER e DERs
regionais. No Relatório de 1970, o Grupo afirmava que a maior dificuldade enfrentada era
a erradicação de ramais férreos sem as respectivas rodovias substitutivas, assim:
de um lado, comprova-se a absoluta necessidade de erradicar linhas férreas cuja
operação vem se constituindo em sério prejuízo para os órgãos que a exploram, em
contrapartida verifica-se a impossibilidade de se efetivar essa erradicação, antes da
conclusão das respectivas rodovias substitutivas, sob pena de se provocar sérios
problemas de caráter econômico para as regiões servidas.196
Citam o caso dos ramais de Governador Portela - Barão de Vassouras e
Barão de Juparanã - Santa Rita de Jacutinga, em que foi recomendada e posta em prática a
erradicação da linha férrea antes da construção das rodovias substitutivas, nos leitos em
que se faziam necessários aproveitamentos total ou parcial do leito ferroviário para tal
construção. Não cumprindo a programação estabelecida, houve um atraso: "ocasionando
uma série de protestos das populações que eram atendidas pelas ferrovias".197 A partir daí,
segundo o documento, o GESFRA passou a agir mais cautelosamente erradicando a menor
extensão de linhas possível nesse período. É fácil imaginar (e comprovar) que muitos
ramais foram "erradicados", sem a devida correspondência de rodovias substitutivas. Num
195
Porque são suprimidos Ramais antieconômicos. O Globo, 1967 (?), p. 03. Acervo Edmundo Coelho
MT./GESFRA. Relatório 1970, s.p. A dificuldade de execução das obras (vários setores envolvidos, além das empreiteiras), a
exclusão de linhas dos projetos originais (devido a questões políticas ou militares) e a limitação de recursos financeiros eram
reclamações recorrentes nos Relatórios do GESFRA, justificando a morosidade das execuções. SEDOC/RFFSA
196
219
parecer de 1964, os técnicos do DNEF citavam o caso da Estrada de Ferro Bragança, que
tivera a sua extinção recomendada, pelo Plano Quinquenal, em 1961:
chegou-se ao cúmulo, no governo anterior, de se ter o tráfego restabelecido, em
determinados ramais, por intervenção direta do Sindicato dos Ferroviários.
Felizmente, no atual governo, o assunto foi retomado com maior objetividade, sendo
lícito esperar-se a aplicação desta medida numa escala bem maior do que até
então.198
Sobre esse episódio, há controvérsias. No Capítulo V, veremos que o
tráfego da Bragança foi restabelecido graças à influência direta do governador do Estado
do Pará, Coronel Jarbas Passarinho.
Em maio de 1963, na Revista dos Transportes, os ferroviários eram
acusados de fazerem greves pelo reajuste salarial e redução da jornada de trabalho, além de
se mobilizarem contra o fechamento de alguns ramais "paralisados em virtude da ausência
de qualquer sentido econômico, para não falar das despesas que acarretam para a
empresa".199
Essa reação era também indicada pelo Presidente da RFFSA, em 1966, ao
afirmar a necessidade de se extinguir os ramais antieconômicos: "quando se procura
fechar um ramal antieconômico ou uma estação desnecessária, que nada arrecada afirmou - é um Deus nos acuda. Surgem as pressões dos srs. Prefeitos, deputados,
associações comerciais, etc"200. Na avaliação da Refesa, periódico de divulgação da
RFFSA, o GESFRA tinha "uma das tarefas mais árduas do Ministério dos Transportes,
principalmente, pelo caráter muitas vezes antipopular de seu trabalho [...]"201. Portanto, as
197
Idem. [grifos DAP]
MVOP/DNEF. Sugestões para a Comissão Especial de Senadores destinada a examinar as causas da atual desorganização dos
transpoRtes ferroviários. Rio de Janeiro: 1964, p. 04 [grifo DAP]. Esse mesmo estudo apontava que 60% das linhas da RFFSA eram
consideradas antieconômicas, segundo o "critério-padrão", p. 13.
199
Essa reportagem é uma síntese de uma publicação no O Estado de São Paulo, em abril de 1963. O título é sugestivo e indica o que os
ferroviários enfrentaram após o Golpe de março de 1964: Líderes ferroviários: grupo de pressão contra o progresso nacional. Revista dos
Transportes, maio 1963, p. 50. Periódico mensal de ampla circulação em todo o Brasil, entre engenheiros civis e militares, indústria e
comércio especializado. SEDOC/RFFSA
200
Entrevista de Antonio Adolfo Manta à Revista dos Transportes: Lucro da ferrovia deve ser indireto. Rio de Janeiro, jul. 1967, p. 28.
201
O negócio é falar de trem. Refesa, Rio de Janeiro, 1972, p. 10. SEDOC/RFFSA
198
220
reações existiram, localizadamente, através da pesquisa nos periódicos e documentos
oficiais foi possível perceber o indício desses movimentos e oposições ao projeto. Esse
processo será melhor focalizado no Capítulo V.
Foram excluídos pelo Conselho Nacional de Transportes e pelo Ministério
dos Transportes alguns ramais listados para a erradicação pelo GESFRA, sob o argumento
de serem de interesse militar, industrial ou em recuperação. Esse fato indicava um dissenso
quanto à erradicação, em primeiro lugar. Em segundo lugar, mostrava que o "sólido"
argumento da antieconomicidade poderia variar de acordo com os interesses em jogo.
Essas "idas e vindas" nos projetos de linhas a erradicar justificavam a inclusão de novos
ramais e excluíam outros "que, por motivos diversos, não poderiam ou não deveriam ser
erradicadas"202. A precisão técnica e a tão proclamada eficiência esbarravam em questões
"diversas" que estavam ligadas a demandas políticas, militar-estratégicas ou mesmo às
dificuldades de execução em face de pressões das populações locais.
Em 1972, de acordo com o Relatório do GESFRA, era um total de 792 km
excluídos da listagem. Igualmente interessante é a relação dos ramais "em recuperação"
pois, primeiro decretava-se a extinção, depois verificava-se a sua possível recuperação. Se
foram excluídos realmente devido a essas razões, não temos elementos para comprovar. Da
E. F. Leopoldina foram excluídos 95 km de linhas, por serem de "interesse industrial":
Campos-Barcelos (20 km); Martins Lage-Usina Poço Gordo (9 km); Seguro-Sto Amaro de
Campos (34 km) . E, por estarem "em recuperação": Saracuruna-Vila Inhomirim (15 km))
e Magé-Guapimirim (17 km)203. Os últimos, por exemplo, foram excluídos da relação de
erradicação por estarem atendendo ao movimento de passageiros do subúrbio do Rio de
202
203
MT/GESFRA. Relatório Anual de 1971, s.p. SEDOC/RFFSA
MT/GESFRA. Relatório Anual de 1974, Anexo II. SEDOC/RFFSA
221
Janeiro204. Daí, percebemos que, no mínimo, esses ramais eram selecionados sem uma
avaliação exata das conseqüências de sua supressão. Ou, então, o capital político das áreas
atingidas fazia com que a decisão fosse revertida. Padronizar a erradicação pelo coeficiente
de exploração ou de densidade do tráfego é desconsiderar todo o restante de variáveis tão
ou mais importantes do que esse fator, como: sua função social; a interligação regional; o
abastecimento do mercado interno, etc.
No entanto, essas "dificuldades", no geral, não impediram o sucesso do
programa de erradicação, conforme pode-se observar no Gráfico das linhas férreas
erradicadas (1955-1971), no Anexo 8. Ressalte-se a significativa extinção de ramais da
RFFSA em contraposição aos da Fepasa, por exemplo, ainda considerados mais
"produtivos". Em 1974, havia a seguinte posição:
Quadro 15: RFFSA – O Programa de Erradicação, em 31/12/74.
Ramais/classificação
Tráfego suspenso
Erradicados
Em tráfego
Em observação
Em recuperação
Industriais (em tráfego)
Interesse militar
Fora de tráfego
Total programado
Extensão – km
1.329
4.881
1.845
154
205
105
482
6.210
8.055
Fonte: Dados obtidos a partir de: MT/GESFRA. Relatório de 1974, Anexo II, p. 23.
De acordo com a seguinte avaliação:
[...] o Governo Federal vem pondo uma política verdadeiramente realística, no que
tange à supressão de linhas férreas antieconômicas, através de medidas de natureza
jurídica, técnica, econômica, social e estratégica. Dadas as implicações de natureza
diversa, e conseqüentes de erradicação de ramais ferroviários, é que foi criado o
Grupo Executivo para Substituição de Ferrovias e Ramais Antieconômicos GESFRA"[...]205
204
205
O DNEF e suas principais atividades. Anuário das Estradas de Ferro do Brasil, Rio de Janeiro, 1972, p. 21. SEDOC/RFFSA
Idem, p. 20.
222
Apesar de todas as exclusões, o programa de erradicação foi cumprido,
graças à decisiva atuação do Gesfra. Os ramais com tráfego suspenso foram, na sua
maioria, desativados em poucos anos.
IV.1.4 Planos
O Plano Nacional de Viação de 1964 aprofundava as tendências rodoviárias,
inovando, através da preocupação com a geopolítica e com a integração do território
nacional através do pólo Centro-Oeste. Seus principais objetivos:
eliminar [...] os ramais antieconômicos; integrar os sistemas ferroviários regionais
interligando suas redes; dar especial importância às linhas de produtividade,
previsivelmente asseguradas, e às concessões com os terminais marítimos principais;
assegurar o transporte pesado de maneira a atender nas melhores condições
econômicas, a circulação interior, nos transportes de massa a grandes distâncias.
(Exposição de Motivos, apud: Natal, 1991:194)
Nas diferentes escolas da geografia política, os meios de comunicação
(incluindo as estradas) constituem o "sistema nervoso do Estado", para que possa dominar
a geografia de seu território (visando o escoamento de riquezas e a integração do
território), daí serem objeto de preocupação dos governantes (Miyamoto, 1995:146). Ao
tratar da necessidade da interiorização, criando novos pólos de desenvolvimento
econômico, o General Golbery do Couto e Silva, grande ideólogo do período militar,
afirmou:
a decisão de interiorizar a economia deve ser, necessariamente, uma decisão política
que se requer complementada, se dela não haja derivado, por uma diretriz definindo
223
inclusive, no plano do território, um verdadeiro esquema da grande manobra de
integração territorial e humana, a realizar.206
A integração territorial e humana era reforçada pela necessidade do controle
estatal dos recursos minerais existentes no país207. Isso faz parte de um movimento mais
amplo, de modificações na doutrina da Segurança Nacional, no âmbito da Guerra Fria. A
integração ao pólo capitalista sob a influência norte-americana era fundamental, caso não
se quisesse "sucumbir" à influência comunista soviética. Segundo Natal, a criação da
Escola Superior de Guerra operou na transformação da doutrina de "fronteira geográfica"
para a de fronteira "ideológica". E também,
os planos de desenvolvimento incorporaram a estratégia da exploração de recursos
naturais para exportação, associando-a à ocupação dessas áreas, num discurso de
integração nacional, sob o rótulo de "segurança e desenvolvimento", ou seja, sob a
"rationale" da segurança nacional. O projeto Rondon, de "treinamento profissional"
para estudantes universitários, para ilustrar, tinha por lema o célebre "integrar para
não entregar". Portanto, apesar dos pesares, havia um discurso com conotação
nacionalista; embora o "não entregar do lema, no fundo, estivesse mesmo se
referindo "ao comunismo". (1991: 209)
Dessa forma, a ênfase aos corredores de exportação respondia a uma nova
concepção
de
segurança
nacional,
conjugando
desenvolvimento
econômico/transportes/controle riquezas minerais e "proteção" contra o comunismo. Daí,
também, a pouca ou nenhuma importância das áreas que estivessem de fora dos principais
eixos econômicos. Por outro lado, era um setor muito cobiçado pelas multinacionais. Um
caso clássico de entrelaçamento de interesses e de favores é o do projeto Águas Claras
(quadrilátero ferrífero de Minas Gerais) da mineradora Hanna Mining, ainda durante o
governo JK. Dreiffus mostra a articulação de funcionários governamentais e/ou membros
206
Golbery do Couto e Silva. Interiorização, o grande tema em debate. In: Revista de Finanças Públicas. Jan. 1969, p. 2-4. Apud:
Miyamoto, 1995:149.
207
Sobre a trajetória da política mineral no Brasil e a constituição de grupos de interesses em torno desse setor, vide o trabalho de
Antônio Cláudio Rabello, 1998. O autor, ao estudar a abertura da rodovia ligando Brasília o Acre (1960), elegeu para a análise, três
setores da sociedade brasileira que se manifestavam em favor da mesma: os grupos ligados à produção mineral, a Escola Superior de
Guerra e profissionais da área de transportes.
224
de consultoria nacionais com a empresa. O caso de Lucas Lopes é um bom exemplo: ele
era ao mesmo tempo Ministro da Fazenda, um dos diretores da Hanna e membro da
Consultec (empresa de consultoria responsável pela elaboração do referido projeto Águas
Claras). (1981:90-91).
A partir do projeto Hanna (transformado no Decreto 42.020, de 10/08/57)
que garantia taxas especiais de câmbio, garantia de juros e o pagamento do minério de
ferro pelo menor preço em vigor no mercado internacional, foi criado o GEMF - Grupo de
Exportação de Minério de Ferro. Nesse grupo, mais uma vez, a participação de Lucas
Lopes, do Ministro da Fazenda, José Maria Alkmin e outros. Participava também o diretor
da RFFSA208. Dessa forma, fica ainda mais compreensível a ênfase aos corredores de
exportação, principalmente os de minérios. Em 1974, o minério de ferro era a principal
carga transportada no país, com acréscimo de 79% em relação ao ano anterior graças ao
transporte dessa matéria prima para a MBR- Minerações Brasileiras Reunidas (uma das
empresas concessionárias da RFFSA, nos anos 90).209
As ferrovias, por sua vez, estariam cada vez mais integradas à concepção de
Segurança Nacional, desempenhando um papel estratégico nas comunicações com outros
países do Continente. Analisando os Planos de Viação, de 1934 a 1973, percebe-se que, de
modo geral, o transporte sobre trilhos não se constituía mais como prioridade. No de 1973,
o caráter de prioridade econômica e principalmente o estratégico-militar seriam
ressaltados:
tanto os investimentos
transportes reger-se-ão
necessidades imperiosas
inadiáveis, definidas e
na infra-estrutura como a operação dos serviços de
por critérios econômicos; ressalvam-se, apenas, as
ligadas à Segurança Nacional, e as de caráter social,
justificadas como tais pelas autoridades competentes,
208
Dreiffus lembra que Jorge Shilling e J. L. Bulhões Pedreira foram diretores da E. F. Central do Brasil e que ambos eram membros da
Consultec. Essa era somente uma parte do "anel" dentro da RFFSA. Outro exemplo de ligação com o setor privado é o do economista
Iberê Gilson, Diretor Financeiro e Vice-Presidente da RFFSA (1961 a 1964), foi também diretor da Cosipa e membro da APEC Análise e perspectiva Econômica, organização de caráter técnico-empresarial, originária do núcleo da Consultec. (Dreiffus, 1981: 89-91)
209
Cf. MT/RFFSA. Relatório Anual 1974, p. 07. SEDOC/RFFSA
225
vinculando-se, porém, sempre aos menores custos, e levadas em conta outras
210
alternativas possíveis .
As estradas de ferro reconhecidamente prioritárias seriam aquelas que
viabilizassem o desenvolvimento do país:
- na economia regional e nacional, ligando zonas geográficas à pontos
econômicos;
- na economia Continental, favorecendo a emergente integração latinoamericana;
- na Segurança Nacional, ligando zonas ou pontos estratégicos;
- na segurança Continental, favorecendo a cooperação com nações
amigas211.
A concepção de transporte presente no Plano Decenal de Desenvolvimento
Econômico e Social, de 1967 , é esclarecedora quanto às concepções e aos rumos adotados:
os serviços de transportes, como os produtos agrícolas e industriais, são bens
econômicos e, portanto, têm custo e preço. São serviços de uso intermediário e
difundidos por toda a economia. Assim, os desequilíbrios e distorções no setor
transportes se transmitem, com maior ou menor intensidade, a todas as atividades
econômicas.212
De acordo com o General Antônio Adolfo Manta, presidente da Rede
Ferroviária213: o transporte ferroviário existe para servir e promover o desenvolvimento
econômico. O lucro que uma ferrovia deve dar é indireto e na área da macro-economia
210
MT/DNEF. Relatório das Atividades de 1972. SEDOC/RFFSA
Cf. MT/DNEF. Unificação da Administração Ferroviária Nacional - Operação Desemperramento v. 1 . Parte I. Rio de Janeiro:
DNEF, 1967, p. 11. SEDOC/RFFSA
212
Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Versão preliminar.
Março 1967. Tomo III. Infra-estrutura. V. 2 e 3. Transportes e Comunicações, p. 18. SEDOC/RFFSA
213
A RFFSA esteve sob intervenção federal no período de 14/04/1964 a 23/11/1964. Dessa época até 1979, todos os ocupantes da
presidência eram militares. (Cf. Cabral, 1986). Assim, é possível perceber o caráter estratégico desse órgão no âmbito do Regime
Militar.
211
226
geral da Nação214. Essa posição, no entanto, destoava da maioria dos Relatórios e projetos
Oficiais, que sempre apontavam que as tarifas deveriam expressar o valor real das
mercadorias.
No Plano Quadrienal do DNEF, de 1967-1970 as diretrizes para as ferrovias
eram assim fixadas:
quando não exigida pela interligação de sistemas regionais já existentes, além da
indispensável ligação de Brasília, ou atendendo a imperativos de Segurança
Nacional, a extensão ferroviária deve processar-se apenas obedecendo a critérios
econômicos; a implantação de ferrovias em zonas fracamente povoadas e de escassa
produção não atende a economia das nossas vias férreas; a ida da estrada de ferro a
regiões economicamente inexpressivas, com a finalidade política e administrativa de
integrar na comunidade brasileira populações que aí habitam, não tem mais a
importância do passado, porque essa integração se opera pela aviação e pelo rádio; o
papel pioneiro de despertar essas zonas e aí criar riquezas, cabe às rodovias; e evitar
a pulverização dos recursos de investimentos em empreendimentos numerosos e sem
significação positiva para a economia nacional ou a sua segurança, de tal sorte a
concentrá-los em poucos, porém expressivos, propiciando a conclusão rápida para
que, a curto prazo, possam gerar os efeitos benéficos que justificaram suas
prioridades.215
Nessa época, ainda era forte o argumento de que alguns ramais seriam
extintos para que outros, economicamente expressivos, se fortalecessem. O Governo
Federal, apoiado no DNEF, prosseguiu a política de construção já consagrada, qual seja a
de concentrar os recursos no menor número de empreendimentos possível e,
especialmente, naqueles mais importantes, sob o ponto de vista econômico,
evitando-se ao máximo a abertura de novas frentes e principalmente, com vistas à
extensão de nosso sistema de vias férreas. Paralelamente procurou-se dar maior
aceleração ao programa de substituição de vias férreas ‘antieconômicas’ por estradas
de rodagem, mediante mais íntimo e atuante entendimento com o Departamento
Nacional de Estradas de Rodagem” 216.
E, ainda: com vistas à eliminação das vias férreas antieconômicas que
perderam sua razão de ser, procurou-se obter máxima aceleração do programa de
214
Lucro da ferrovia deve ser indireto. Revista dos Transportes, Rio de Janeiro, jul. 1967, p. 28. SEDOC/RFFSA
MT/DNEF. Plano Quadrienal, 1967-1970. Rio de Janeiro: !967, p. 01. [grifos DAP]. SEDOC/RFFSA
216
MT/DNEF. Relatório das Atividades de 1969, p. 03. SEDOC/RFFSA
215
227
construções das rodovias substitutivas, condição indispensável para a consecução de tal
objetivo217.
Os estudos de implantação ou recuperação de uma ferrovia envolviam,
segundo as fontes oficiais, critérios de racionalidade econômica, como se tudo ocorresse
num vácuo político, sem quaisquer tipos de influências. Como por exemplo, os estudos de
viabilidade técnico-econômico do Tronco 7, entre o Rio de Janeiro e Vitória, envolvendo a
malha ferroviária compreendida entre trechos da E. F. Vitória-Minas218, da E. F. Central
do Brasil e da E. F. Leopoldina. Um dos pressupostos básicos era que
as linhas ferroviárias expressas são equiparadas às vias expressas urbanas, com
acessos limitados. Abandona-se, assim, o conceito tradicional de ferrovia como
coletora e distribuidora regional de passageiros, reservando-as só para aqueles
produtos e fluxos que lhe permitam uma disputa efetiva de mercado com as
rodovias219.
No relatório do DNEF de 1972, na introdução e na capa foi reafirmado o
lema reconhecido pelo Governo Federal: o trem é o transporte ideal para grandes cargas a
longa distância220. Essa visão tornara-se hegemônica, pois era uma das principais
justificativas para a extinção dos trens. Encontramos em diversas fontes a mesma
perspectiva quanto à função do transporte sobre trilhos:
a ferrovia, normalmente, deve atender a áreas já desenvolvidas economicamente,
porque uma ferrovia só é rentável quando pode transportar grandes cargas a grandes
distâncias. E essas cargas, evidentemente, estão em regiões de acentuada expansão
econômica (Peixoto, 1977: 131).
Assim, a ferrovia perdia o mínimo de função social que mantinha, tornandose um apêndice dos corredores de exportação e, quando muito, servindo ao transporte de
217
Idem, p. 20 [grifo do autor].
A E. F. Vitória Minas tem, atualmente, 850 km ligando as capitais de Belo Horizonte a Vitória, com capacidade de transporte de 120
milhões de toneladas/ano. Pertencendo à Companhia Vale do Rio Doce, foi igualmente privatizada em 1998. A história dessa ferrovia e
da Companhia Vale do Rio Doce, constituem-se num capítulo à parte na história brasileira.
219
MT/DNEF. Relatório das Atividades de 1970, p. 26. SEDOC/RFFSA
220
MT/DNEF. Relatório das Atividades de 1972, p. 1- 2. SEDOC/RFFSA
218
228
passageiros nos centros urbanos. O transporte suburbano, como interessava às indústrias,
foi mantido, ainda que com poucos e raros investimentos.
Um
dos
pontos
estabelecidos
pelo
Programa
Estratégico
de
Desenvolvimento de 1973 era o da concentração de investimentos em infra-estrutura
(energia, transportes e comunicação), siderurgia, mineração, habitação, saúde, educação e
agricultura, evitando-se uma pressão excessiva sobre o setor privado e promovendo-se uma
redução progressiva da participação do setor público no investimento global. Os
investimentos em infra-estrutura contribuíram para a consolidação do setor de bens de
capital (mecânica, material de transporte, material elétrico e de metalurgia e
comunicações) e especialmente da produção de bens de capital sob encomenda (Lago,
1992: 235-236-240). A indústria automobilística liderou o crescimento industrial com
taxas anuais acima de 30%. A ampliação do crédito ao consumidor aliada à revisão das
normas de produção, autorizando a fabricação de carros de tamanho médio, atraíram fortes
investimentos de empresas como a General Motors, Ford e Chrysler (Fausto, 1995: 485).
Daí podemos entender em que contexto o governo afasta-se dos investimentos ferroviários
e investe progressivamente em rodovias, literalmente abrindo caminho para os
investimentos privados no setor da produção automobilística.
IV.2 Crise
No início dos anos 70 deu-se a formação do cartel político-econômico dos
produtores de petróleo, provocando um grande aumento de preço desse combustível que,
entre 1950 e 1973 tornara-se a principal fonte de energia. No caso europeu ocidental, em
229
1950 o consumo de petróleo era em torno de 12% em relação à totalidade da energia
consumida. Essa cifra atinge 58%, em 1973. Segundo Paul Bairoch:
o primeiro aumento decidido em 1971, num contexto mais econômico que político,
foi da ordem dos 25-30% (segundo as regiões); o barril (que corresponde a 150 litros
e pesa cerca de 136 quilos) passou de 1,7 para 2,2 dólares. O segundo aumento
(entre os finais de 1973 e inícios de 1974), em que predominou o elemento político,
consistiu numa multiplicação dos preços por quatro; o barril que entretanto havia
passado progressivamente para 3 dólares, fixou-se então em 11,6 dólares. Daqui
resultou uma aumento generalizado dos preços de energia. (1986: 361)
O aumento inicial dos preços forçou a diminuição do consumo de energia e
a procura de novas fontes. Seria um atenuante temporário da grave situação enfrentada
pelas ferrovias, face à concorrência rodoviária. Todavia, a produção de automóveis
continuaria em ritmo crescente (com a descoberta de novas fontes, o preço do combustível
voltou a baixar), espalhando o modelo fordista pelo mundo:
a era do automóvel há muito chegara à América do Norte, mas depois da guerra
atingiu a Europa e mais tarde, mais modestamente, o mundo socialista e as classes
médias latino-americanas, enquanto o combustível barato fazia do caminhão e do
ônibus o grande meio de transporte na maior parte do globo. Se se pode medir o
aumento da riqueza na sociedade ocidental pelo número de carros particulares – dos
750 mil da Itália em 1938 para os 15 milhões, no mesmo país, em 1975 (Rostow,
1978, p. 212; UN Statistical Yearbook, 1982, tabela 175, p. 960) –, podia-se
reconhecer o desenvolvimento econômico de muitos países do Terceiro Mundo pelo
aumento do número de caminhões. (Hobsbawn, 1995: 259)
Diretamente proporcional à expansão automobilística também seria a
produção de clorofluorcaburetos, produtos químicos que destróem a camada de ozônio,
denunciados já nessa época pelos ecologistas. As emissões de dióxido de carbono (que
aquecem a atmosfera) praticamente triplicaram entre 1950 e 1973, aumentando a sua
concentração em quase 1% ao ano. (Hobsbawn, 1995: 258). Logo, é notável a
230
externalidade negativa da expansão desmedida do transporte rodoviário (esquecida pela
economia oficial), como já foi dito anteriormente.
A crise internacional do petróleo, portanto, forçou as autoridades brasileiras
a reorientar o problema dos transportes. Essa reorientação não modificaria as diretrizes
básicas da erradicação de ramais, já em fase adiantada, pois o que se procuraria fortalecer,
em face do alto preço dos combustíveis, era o transporte de cargas pelas ferrovias. De
acordo com Virgínia Fontes e Sonia Mendonça:
a crise do petróleo e o arrefecimento econômico mundial vinham levantar o véu da
euforia que o milagre produzira, desnudando o caráter desequilibrado da fase
anterior, que estivera dissimulado - e também agravado - por uma conjuntura
internacional extremamente favorável. A crise do milagre brasileiro caracterizou-se
por duas peculiaridades; foi uma crise de endividamento e uma crise de fim de
fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento (Fontes e Mendonça,
1988: 54).
Segundo Mantega, essa crise seria o "bode expiatório" para todos os
problemas estruturais que aforavam, frutos, em grande parte, da expansão desmesurada das
empresas estrangeiras:
se o crescente déficit das transações correntes não podia ser atribuído ao petróleo,
resta explicar as causas do enorme volume de divisas que deixa sistematicamente o
Brasil sob as mais diversas rubricas e que, sem sombra de dúvidas, significa a
transferência para o exterior de parte substancial do excedente gerado anualmente no
país. Isso ocorre sobretudo em virtude da grande participação de empresas
estrangeiras na economia brasileira, que remetem para suas matrizes ou associadas
crescente soma de dólares sob a forma de lucros, juros, sobre-faturamento, etc.
(Mantega, 1980: 66)
Embora a quadruplicação do preço do petróleo não tenha representado um
papel tão determinante para a crise brasileira, influenciou na elevação dos custos internos.
Determinante para a produção de produtos químicos e plásticos, o petróleo é também o
principal alimento do sistema de transporte nacional, baseado mais de 80% em rodovias
(Mantega, 1980: 60). Com a crise do petróleo, a fase de exaltação às rodovias perdeu
momentaneamente o seu brilho. O que era natural, o crescimento rodoviário x
231
desaparecimento dos trens, assume uma configuração menos eufórica nesse Relatório do
DNEF, de 1973:
a concorrência de uma política eminentemente rodoviária das 3 últimas décadas fez
com que a ferrovia deixasse de competir com os demais meios de transporte, não
obstante os custos operacionais mais baixos. Daí a expansão extraordinária da
indústria automobilística, mercê do generoso volume de investimentos oficiais
diretos e indiretos no setor rodoviário e a decorrente discrepância, cada vez mais
acentuada, no que se relaciona com a hegemonia desse meio de transporte sobre os
demais, sobretudo em se levando na devida consideração o quadro comparativo
registrado entre nações mais desenvolvidas, onde a relação se apresenta dentro dos
seguintes percentuais:
Ferrovia
Rodovia
Hidrovia
50
83
55
53
38
14
25
4
28
18
20
72
25
13
17
29
42
14
EUA
URSS
França
Alemanha
Japão
Brasil
A evasão cada vez mais acentuada de divisas, a aquisição de óleo bruto,
principalmente no Oriente Médio, gerou em princípio, entre nós, uma opção mais do
que lógica: o setor energético enveredou pelo caminho da utilização maciça de
recursos para o aproveitamento da energia hidráulica, posto que a carestia de
petróleo equivale à escassez de combustíveis e energia. Todavia, a multiplicação das
estradas de rodagem pavimentadas e, conforme já foi acentuado, o conseqüente
desenvolvimento da indústria automobilística no Brasil, impedia, de fato, a
eletrificação em larga escala, das linhas férreas, visto só ser justificável tal opção
quando a densidade de tráfego é superior a 3 milhões e meio de
toneladas/quilômetro brutas. E no que tange às necessidades imediatas das ferrovias
brasileiras acentuava-se a premissa dos economistas denominada de ‘processo de
causação circular’, ou seja, as ferrovias não podiam fazer investimentos por serem
deficitárias se novos investimentos visando à sua modernização não fossem
realizados. Registrou-se então a utilização sempre crescente do petróleo e do qual
dependemos hoje em aproximadamente 75% do mercado internacional, visto
encontrar-se a nossa produção diária ainda pouco acima de 150 mil barris221.
Percebemos,
na
tabela
exposta,
a
total
disparidade
referente
à
quilometragem de rodovias construídas no Brasil e em outros países. Ainda assim, entre
1977 e 1978 há um aumento no índice de supressão de trens de passageiros do interior,
chegando a 26 somente na área da SR3 (regional Rio de Janeiro, que passou, em 1975, a
administrar linhas da antiga Leopoldina). Embora extrapole o período de nosso trabalho,
221
MT/DNEF. Relatório das Atividades de 1973, p. 05. SEDOC/RFFSA
232
são dados importantes que só confirmam o desmonte progressivo do transporte ferroviário
de massas.
Em 1974, portanto, passando a euforia do “milagre” e, temporariamente, a
febre rodoviarista, resinalizava-se a preocupação com as ferrovias. No entanto, somente
aquelas ligadas ao setor exportador:
merece destaque particularizado o apoio dispensado ao subsetor de transporte
ferroviário, dentro das prioridades da atual política nacional de transportes, através
da alocação de recursos de vulto do Banco e da FINAME e diversos
empreendimentos de responsabilidade da RFFSA, do DNEF e da FEPASA,
incluindo a construção e remodelação de linhas férreas vitais, como a ferrovia Belo
Horizonte - São Paulo, a ligação Itapeva - Ponta Grossa para a conexão do Tronco
Sul com o sistema da FEPASA; a ligação Roca Sales - Passo Fundo (estrada do
trigo); o setor sul do anel ferroviário de São Paulo; e linhas suburbanas do Grande
Rio e Grande São Paulo, bem como o reequipamento e a modernização dos
materiais rodantes dos grandes sistemas ferroviários, mediante ação programada de
aquisição de milhares de vagões que assegura, por igual valioso apoio à indústria
nacional de materiais ferroviários.222
O caos do petróleo motivava o reinvestimento ferroviário, mas com um
destino certo: às "ferrovias vitais" e também ao transporte suburbano. Essa posição
confirmava-se no Relatório do ano seguinte, afirmando-se que o destino das verbas era
para "alguns projetos indispensáveis à criação de uma alternativa para o transporte, como
meio de reduzir o consumo de derivados do petróleo"223.
A seleção de investimentos também seria outro forte apelo nos relatórios
oficiais. Afirmava-se, freqüentemente, que seria por demais dispendioso investir em
trechos ferroviários tão deficitários e tão carentes de melhorias técnicas e, devido à
escassez dos recursos, a solução mais racional seria a de investir em áreas mais
promissoras. No entanto, como ainda hoje acontece, essa autonomia para aplicação dos
recursos é relativa, pois os empréstimos dos bancos internacionais chegam com endereço
certo, alocados segundo determinações rigidamente preestabelecidas. Segundo Theodoro
Gevert, consultor de transportes de um dos mais importantes periódicos do setor:
222
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Relatório de 1974. Rio de Janeiro. [grifo DAP]. SEDOC/RFFSA
233
o Banco Mundial, que vem concedendo empréstimos a várias ferrovias mundiais,
insiste em que todos os transportes sejam economicamente viáveis, com a única
exceção do transporte suburbano considerado função social da ferrovia. Os demais
transportes, inclusive de passageiros de longo percurso, têm que cobrir seus
custos.224
Enquanto isso, o avanço das rodovias era notável. Segundo Relatório do
Banco Interamericano de Desenvolvimento:
o Governo do Brasil atribuiu alta prioridade ao desenvolvimento dos sistemas de
transportes no país. Tal política foi especialmente dinâmica no que tange à rede
nacional de rodovias, à qual foi destinada cerca da metade dos investimentos
públicos feitos no setor. Em conseqüência, a rede aumentou de 38.670 km em 1967
para 51.540 km em 1970, ano em que dois terços da carga transportada em todo o
país utilizou a via terrestre.225
Um importante incentivo à construção rodoviária foi a Lei do imposto único
sobre combustíveis e lubrificantes líquidos derivados do petróleo.226 A receita decorrente
de 30% desse imposto formava o Fundo Nacional de Pavimentação, administrado pelo
BNDE e repassado em 40% para o DNER e 60% para os DERs, com vistas à
pavimentação de estradas de rodagem substitutivas aos trechos de ferrovias deficitárias.
Essa quota foi alterada para 11% em 1964 (Lei 4.442, de 05/11/64) e para no máximo 11%
em 1966 (Decreto-lei 61, de 22/11/66)227. O restante da verba seria para as rodovias
presentes no Plano Rodoviário Nacional. Dessa forma, no momento em que acelera-se a
extinção dos ramais antieconômicos, diminui-se a verba para a construção de rodovias
substitutivas. Não é necessário muita elocubração para imaginar como essas obras eram
223
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico. Relatório de 1975, p. 29. SEDOC/RFFSA
Theodoro Gevert. A proposta canadense de Transporte de passageiros. Anuário das Estradas de Ferro. Suplemento da Revista
Ferroviária, Rio de Janeiro, 1975, p. 94. SEDOC/RFFSA
225
Banco Interamericano de Desenvolvimento. Relatório de 1972, p. 48. SEDOC/RFFSA
226
Lei 2.698, de 27/12/55, alterada pela Lei 2.975, de 27/11/56 e novamente reformulada em 05/11/1964, pela lei 4.452. Nesta última,
foi vetado o artigo que previa a subordinação da suspensão de operação dos ramais antieconômicos à construção de outra via que
atendesse satisfatoriamente as necessidades de tráfego. BN
227
O Plano Nacional de Viação de 1973 alterou para no máximo dez por cento em rodovias substitutivas de linhas férreas federais
reconhecidamente antieconômicas. Lei 5.917, de 10/09/73. MT/CNT. Planos de Viação. Evolução Histórica (1808-1973). Rio de
Janeiro: CNT, 1974.
224
234
realizadas, considerando que as áreas "beneficiadas" eram consideradas de fraca expressão
econômica (e conseqüentemente, muitas da vezes, também política).
Na prática, muitas rodovias, quando existiram, ficaram só no revestimento
primário, sem pavimentação. Isso é refletido no Quadro 16:
Quadro 16: Construção e Pavimentação de rodovias pelo DNER (1966-1975)
Anos
1966
1967
1968
1969
1970
1971
1972
1973
1974
1975
DRF
1.347,7
1.299,4
876,5
434,1
483,1
2.291,8
3.004,1
4.109,7
1.315,1
995,6
Implantação (km)
DER
RFAE
DOC
352,7
247,5
947,4
339,2
671,8
366,9
1.441,3
142,6
308,0
159,0
568
253,6
189,8
619,9
123,3
86,1 1.506,6
310,4
101,8
971,4
292,3
783,9
290,3
137,5
892,9
Total
1.947,9
2.586,0
1.915,2
2.081,0
1.519,0
3.355,1
4.720,1
5.493,3
2.391,3
2.316,3
DRF
610,2
662,1
990,7
1.607,9
841,1
856,1
2.249,5
4.665,2
1.691,8
1.595,0
Pavimentação (km)
DER
RFAE
DOC
163,4
38,7
327,2
47,6
701,9
17,2
725,7
7,9
553,0
265,5
304,5
285,0
190,8
494,0
361,2
337,1
854,5
342,4
53,6
263,7
Total
812,3
1.036,9
1.709,8
2.341,5
1.659,3
1.445,6
2.934,3
5.363,5
2.887,7
1.912,3
Fonte: Dados extraídos de: MT. Anuário Estatístico dos Transportes, 1975-76, p. 71. OBS:
DRF - Produção da Administração do DNER diretamente ou por contrato sob jurisdição dos Distritos rodoviários Federais.
DER - Produção da Administração do DNER obtida por delegação de recursos aos órgãos rodoviários estaduais e municipais.
RFAE - Produção da Administração do DNER dentro do programa de construção de rodovias substitutivas de Ramais Ferroviários
Antieconômicos.
DOC - Produção da Administração do DNER obtida por delegação de recursos à Diretoria de Obras e Cooperação do Ministério do
Exército.
Em 1974 estavam erradicados 4.881 km de vias férreas e somente 1.770, 4
km de rodovias construídas. Destas, apenas 111,4 km pavimentadas!
De 1966 a 1975, houve um decréscimo substancial da quilometragem
construída, enquanto aumentava a quilometragem erradicada. É verdade que muitas
estradas de rodagem foram construídas paralelamente às vias férreas. Portanto, ao erradicar
a ferrovia, a estrada já existia. As grandes vias de penetração, como a Rio-Bahia e a BR101, também dispensavam a construção de outras vias. No entanto, o que é fundamental
observar é que muitas áreas do interior ficaram excluídas das novas fronteiras econômicas,
devido, em parte, à ausência de vias satisfatórias de comunicação. Isso sem considerarmos
as condições adversas para a locomoção das pessoas, pois sem ferrovia, com estradas de
235
rodagem precárias, que tipo de veículo (carro ou ônibus) por lá trafegaria? Efetivamente,
foi um retrocesso em termos de transportes e de integração.
Ainda como conseqüência parcial da crise do petróleo, em 1974, o
Ministério dos Transportes iniciou uma ampla reforma do sistema ferroviário nacional que
incluía a transformação da RFFSA numa holding e a extinção do Departamento Nacional
de Estradas de Ferro228. Essa transformação ainda era fruto dos estudos do Grupo
Geipot/Coverdalle & Colppits, de 1965, que já havia recomendado a extinção do DNEF,
por exemplo. As antigas prerrogativas desse órgão (controle, fiscalização e segurança)
concentrar-se-iam na RFFSA. Institucionalmente, portanto, percebemos o delineamento do
setor de transportes apontando a trajetória inversamente proporcional de rodovias e
ferrovias. Enquanto extingui-se o DNEF, crescia o poder do DNER (sempre presente nas
comissões das desativações, por exemplo) e dos DERs. Embora o que se anunciava fosse a
recuperação do sistema ferroviário nacional:
a falha não é deste governo, que recebeu como herança, de um Ministério dos
Transportes inebriado pela euforia rodoviária, uma política lesiva aos interesses
maiores do país. Entretanto, pode-se afirmar que a Revolução de março, durante os
seus dez anos de vigência, incidiu no clamoroso erro que hoje nos onera em
demasia: equacionar os nossos transportes com base nas estradas de rodagem,
relegando a segundo plano as ferrovias e hidrovias.
Mas, como diz o ditado, antes tarde do que nunca. Foi preciso a crise do petróleo
para que as nossas autoridades percebessem o quanto é frágil a economia de um país
que produz apenas 20% dos combustíveis exigidos pelo seu desenvolvimento e
ainda se dá ao luxo de aplicar 84% de seus parcos recursos justamente no sistema de
transportes que exige maior consumo.229
Sem citar os devidos nomes, essa reportagem crucifica a fase Andreazza,
coroada pelo desenvolvimento agressivo da política rodoviária. Coincidindo com a crise do
petróleo, redirecionava-se o Ministério dos Transportes, agora sob a gestão Dirceu
228
229
Extinção do DNEF. Revista Ferroviária, ago. 1974, p. 9.
Problemas ferroviários prioritários. O Estado de São Paulo, 09.7.74. Transcrito pela Revista Ferroviária, ago. 1974, p. 26.
236
Nogueira230. No entanto, essa tendência foi temporária. De fato, a década de 1960
consolidou a implantação da modalidade rodoviária, com uma imensa disparidade em
relação aos outros modais, em termos de transporte de cargas e de passageiros, conforme
os dados abaixo:
Quadro 17: Tráfego interurbano de passageiros e de cargas, 1950, 1960, 1970 e 1980 (em
percentagens).
Tipo
a. Passageiros
Rodoviário
Ferroviário
Marítimo
Aéreo
1950
Total (bilhões passag/km.)
b. cargas
Rodoviário
Ferroviário
Marítimo
Dutoviário
Aéreo
Total (bilhões ton./km)
1960
1970
1980
63,3
30,5
0,3
5,6
100,0
18,1
75,1
19,0
0,1
5,8
100,0
39,4
93,5
4,7
0,0
1,8
100,0
116,1
95,0
2,8
0,0
2,2
100,0
433,8
49,5
23,8
26,4
0,3
100,0
34,9
60,3
18,8
20,8
0,1
100,0
69,6
69,6
16,9
12,5
1,3
0,1
100,0
178,9
58,7
24,3
13,4
3,3
0,3
100,0
355,5
Fonte: MT/GEIPOT. Anuários Estatísticos dos Transportes. Apud: J. Barat. Transporte e Energia no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil: 1991:30.
Devemos observar que o diminuto índice de transporte de passageiros pela
via ferroviária (3%, em 1980), deve-se, em grande parte, ao transporte suburbano dos
grandes centros, face à desativação de grande parte de ferrovias e de ramais do interior. Em
1979, após a breve reversão provocada pela crise do petróleo, o transporte de carga por
rodovias voltou a recuperar o nível percentual que prevaleceu no em 1970 (com,
aproximadamente, 70% do total). (Barat, 1991:31).
No relatório do MT em 1975, estabelecia-se os principais objetivos para o
Plano de Desenvolvimento Ferroviário, a vigorar no período 1975-79: promoção do
sistema ferroviário, "adequado ao desenvolvimento econômico brasileiro", evitando-se o
estrangulamento dos transportes de grandes massas, principalmente no que se refere aos
230
Dirceu Nogueira era militar, foi Chefe do Departamento de Engenharia e Comunicação do Exército e Ministro dos Transportes entre
1974 e 1979. Nessa época, "fez declarações acerca da necessidade de o novo governo estabelecer uma substancial mudança estratégica
237
corredores de exportação, de transportes e ao programa siderúrgico nacional231.
IV.3 Aparelhos privados de hegemonia
Os protestos contra a extinção de ramais eram, às vezes, vistos como
expressões de "sentimentalismo". Nesses casos, setores técnicos dos serviços públicos,
economistas e engenheiros do Clube de Engenharia se irmanavam. As organizações da
sociedade civil foram fundamentais no processo do "desarraigar" ferroviário. Ao divulgar,
através dos periódicos, opiniões e estudos para um público mais amplo, contribuíam para a
imposição hegemônica do modal rodoviário. Havia opiniões divergentes, porém, eram
minoria. E, não nos esqueçamos de considerar o contexto mais amplo de profundo
autoritarismo. Ou seja, houve uma combinação de coerção e consenso.
Segundo Gramsci, a relação entre os intelectuais e o mundo da produção é
mediatizada pelo contexto social e “pelo conjunto das superestruturas, do qual os
intelectuais são precisamente os ‘funcionários’”. (1978:10). Os intelectuais seriam os
“’comissários’ do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da
hegemonia social e do governo político” (Idem: 11). A atuação dos intelectuais no plano
da sociedade civil, realiza-se através de um conjunto de “organismos chamados
comumente de ‘privados’” (Idem: 10). Analisaremos, então, vários desses aparelhos
privados, assim denominados, pois representam a adesão política programática espontânea,
fundamentais à produção consensual sobre os transportes.
na implementação da política de transportes, devido à intensificação da crise internacional do petróleo". (Abreu e Beloch, 1984:2396)
231
Ação do Ministério dos Transportes, Relatório de 1975, p. 27. SEDOC/RFFSA
238
O Clube de Engenharia, fundado em 1880, no Rio de Janeiro, congregava o
meio técnico nacional e sempre teve uma participação fundamental nos debates dos
grandes projetos nacionais. Os discursos de fundação da entidade são esclarecedores
quanto ao seu futuro papel. Vejamos um trecho do que dizia o futuro sócio Conrado
Niemeyer:
[...] esta sala será um ponto de reunião para os engenheiros, industriaes, fabricantes
etc., e que é um excellente meio de facilitar os negócios ao mesmo tempo um fóco
onde as questões technicas se discutirão resultando portanto o esclarecimento d'ellas,
de todo conveniente principalmente quando submetidas a opinião pública (Apud:
Honorato, 1996: 32)
Da escravidão à Transamazônica, muitas foram as questões debatidas pelo
Clube de Engenharia que extrapolavam o caráter meramente "técnico". Seu principal órgão
de divulgação ainda é a Revista do Clube de Engenharia que, principalmente a partir dos
anos 30, passou a manifestar-se inclusive sobre assuntos políticos. A partir de 1934, a
Revista, refletindo as transformações institucionais do Clube232, perdeu as características
de publicação oficial da entidade, convertendo-se num periódico comercial, atendendo a
um público mais vasto (Honorato, 1996:74). Portanto, o seu poder difusor de idéias
também se ampliava.
A partir de 1964, após o Golpe Militar, o Clube e a Revista assumem uma
nova luta. No auge da criação das empresas de economia mista, articulando Estado,
empresariado nacional e estrangeiro e também da formação de Grupos Executivos com a
participação de empresas de consultoria estrangeiras, o Clube sentia a "perda de terreno".
Lançou uma campanha nacional, que durou até o final da década de 60, visando a defesa
da engenharia nacional, exigindo igualdade de tratamento na contratação de firmas
estrangeiras e nacionais (Honorato, 1996:104). Esse objetivo, no entanto, entrava em
239
consonância com a propaganda "nacionalista" do Regime Militar. Um interessante episódio
é relatado por Honorato: em 1967, o Clube lançava os livros A luta pela Engenharia
Brasileira e Em defesa da Engenharia Brasileira. Na solenidade de lançamento deste
último estiveram presentes dois ministros de Estado: Afonso de Albuquerque Lima e
Mário David Andreazza. Logo depois foi aprovado o decreto 61.795, de 29/11/67,
"instituindo um grupo de trabalho para estudar e propor ao Governo medidas de política
tecnológica que promovessem o desenvolvimento da Engenharia Brasileira"233. O ideal do
Clube passava de oposição à situação. Assim, por exemplo, manifestou-se sobre a
Transamazônica: "Uma obra do século", estampada na capa da Revista do Clube de
Engenharia, em agosto de 1970 (Apud: Honorato: 110). É nesse contexto, portanto, que
inserem-se os debates sobre a questão dos transportes no geral e sobre as ferrovias, em
particular, que mereceriam não só reportagens, mas também a formação de grupos de
trabalho por parte dos engenheiros associados.
Segundo uma avaliação da Divisão Técnica do Clube de Engenharia, em
1961, deveriam ser extintas as linhas que servissem a regiões sem "nenhuma densidade
econômica" (e sem "possibilidades" de recuperação) e que justificassem a utilização da
ferrovia como meio. E, assim, "enfrentando com decisão, o impacto sentimentalista que
representará para as populações que serão privadas desses serviços, e os interesses da
política partidária regional".234 A execução de uma política coordenada de transportes
seria baseada em critérios "inteiramente racionais e perfeitamente ajustados à realidade
232
A morte de Paulo de Frontin, presidente perpétuo da entidade, em 1933, "representou muito mais do que a perda de sua mais
expressiva liderança: marca o início de uma nova fase da entidade". (Honorato, 1996, p. 74.)
233
Revista do Clube de Engenharia, n. 381. (Apud: Honorato, 1996: 108)
234
Maurício Joppert da Silva e E. John Gepp. Trabalho elaborado pela divisão Técnica sobre déficirt ferroviário, encaminhado ao
MVOP. Rio de Janeiro: Clube de Engenharia, 22/05/61, p. 10. CE
240
brasileira”, pois o sistema ferroviário achava-se inadequado ao processo de
desenvolvimento da economia brasileira.235
A Associação Ferroviária Brasileira, criada sintomaticamente em 1960, com
sessão solene no Clube de Engenharia, passou a editar também um periódico – Revista
Ferroviária – que se colocava no "front" dos embates em torno das questões dos déficits
ferroviários. Definia-se como uma "entidade civil, com finalidade educativa, técnica, de
divulgação e de defesa dos interesses ferroviários do país, que pugna pelo fortalecimento
de uma mentalidade ferroviária nacional capaz de levar a rede de transportes sobre
trilhos no grau de eficiência indispensável ao progresso e desenvolvimento econômico do
país".236 Algumas de sua propostas para o setor ferroviário eram: supressão dos ramais
deficitários, a reconquista de passageiros, a intensificação do tráfego pesado, a contenção
dos serviços de favor, a transferência do pessoal excessivo e a adoção de modificações
tarifárias237. Embora questionassem a forma de divulgação dos déficits e propusessem uma
recuperação do modal ferroviário, não divergiam da metodologia dos cálculos e absorviam
o argumento do excesso de pessoal e das baixas tarifas, por exemplo.
O Conselho Nacional de Economia também se manifestava. Num estudo
feito pela Divisão de Energia e Transporte, afirmando a necessidade de uma política
coordenada para o setor, apontavam as dificuldades para a exploração ferroviária:
traçados irregulares, ramais e estradas anti-econômicas, face a reduzida densidade de
tráfego, rampas e curvas demasiadamente acentuadas, problemas de bitolas e falta de
interligações de sistemas, são atualmente observadas, exigindo métodos de correção
que, além de necessitarem investimentos adicionais, implicam na determinação de
uma política ferroviária severa e corajosa que, certamente, há de contrariar grandes
interesses me jogo, notadamente em áreas regionais ou locais.238
235
Idem, p. 06.
Revista Ferroviária , jan. 1964, p. 17. SEDOC/RFFSA
Revista do Clube de Engenharia, set. 1960, p. 27. CE
238
CONSELHO NACIONAL DE ECONOMIA/DIVISÃO DE ENERGIA E TRANSPORTE. Aspectos e Perspectivas do Transporte
Ferroviário. S.l: 1961, V. 1, p. 06. SEDOC/RFFSA
236
237
241
Enfatizava, portanto, a necessidade da extinção dos ramais antieconômicos e
alertava para as possíveis contrariedades às medidas. A política ferroviária "severa e
corajosa" certamente seria implementada durante a ditadura, seguindo os "racionais"
ditames e desconsiderando as possíveis oposições.
Nos periódicos especializados239, com algumas exceções, a visão divulgada
geralmente não contrastava com os Relatórios oficiais, havendo algumas transformações
no decorrer do tempo. Até 1961, havia ainda algumas defesas das ferrovias. A partir de
1961, e principalmente a partir de 1967, os periódicos começam a divulgar a ideologia da
Segurança Nacional, vinculada à programação estratégica dos transportes, paralelamente,
extinguindo-se aqueles que não mais atendessem a esses interesses.
Na RAE - Revista da Associação dos Engenheiros da E. F. Central do Brasil,
até 1959-60, havia espaço para a defesa do reaparelhamento das ferrovias. As mudanças
sugeridas ainda eram no nível de revisão das linhas e ramais, de modo a manter o tráfego
existente e considerando os eventuais reflexos sociais e políticos da supressão de linhas.240
A partir de 1961, no entanto, aumentaram as reportagens e editoriais defendendo a
extinção progressiva dos ramais antieconômicos, ainda que mantendo o espaço para
posicionamentos contrários e para artigos de opinião. No início de 1964, a discussão ainda
centrava-se nos ramais "deficitários". Vejamos as considerações de Geraldo Barroso do
Amaral, da EFCB. Afirmava que a ferrovia estava propensa a perder o seu caráter pioneiro
de via de penetração, devido à supressão de ramais sem a adoção de medidas que poderiam
torná-los exploráveis e economicamente viáveis:
ramais existem, também, que por uma simples retificação sem eu traçado, fazendoos avançar um pouco além ou desviando-os para centros produtores de grande
239
É interessante observar a formação de uma verdadeira "imprensa ferroviária". Numa reportagem em 1972, a REFESA, publicação
bimestral do Departamento de Relações Públicas da RFFSA afirmava o aumento de notícias ferroviárias nos periódicos (e o aumento
numérico destes) e também nos noticiários televisivos. Cf. O negócio é falar de trem. REFESA, Rio de Janeiro, jul./ago.1972, p. 08-09.
240
A função das Estradas de Ferro nos países subdesenvolvidos. Tese apresentada no X Congresso Panamericano de Estradas de Ferro.
RAE - Revista da Associação dos Engenheiros da EFCB, Rio de Janeiro, ano III, n. 28, dez. 1960, p. 14-20. SEDOC/RFFSA
242
importância, transformar-se-iam de antieconômicos e improdutivos que são em
rendosos e úteis ao povo de toda uma região. É também ponto pacífico que o déficit
de um ramal ou mesmo de toda uma estrada de ferro desaparece em confronto como
benefício produzido na área penetrada e servida.241
Através de cálculos contábeis imediatos e imediatistas, desconsiderava-se a
questão do custo social da erradicação. De fato, não havia interesse em se aproveitar os
ramais ferroviários, o projeto era a sua extinção. O autor, publicou um outro artigo, dando
continuidade ao primeiro, citando o caso da E. F. Maricá, pertencente à Leopoldina e
condenada à extinção. Estudando o fluxo de mercadorias e de passageiros, demonstrava
que era uma área economicamente viável.242
Outro artigo de um engenheiro, Paulo de Queirós Matoso, afirmava que
"antieconômica geralmente é a erradicação do ramal, e não o ramal, o que fácilmente
pode ser demonstrado".243 Ponderava que haveria também o custeio e manutenção das
rodovias substitutivas e apresentava uma lista de seis ítens com sugestões de exploração
"menos antieconômica" dos ramais. Essa lista incluía a redução de pessoal e racionalização
dos serviços, adoção de material rodante leve, com velocidade reduzida, etc. Propunha a
reforma rentável dos ramais, em contraposição à sua destruição. Denunciava que alguns
trechos de linhas recentemente reformadas, tinham sido condenadas à destruição.244
A partir de 1967, a RAE adquire cada vez mais o perfil técnico,
despolitizado, focalizando também eventos de confraternização dos engenheiros
ferroviários. Praticamente desaparecem os artigos que ponderavam sobre a extinção de
ramais.245
241
Geraldo Barrozo do Amaral. Ramais Deficitários. RAE, v.6, n. 65, jan. 1964, p. 07. SEDOC/RFFSA
Esse episódio, por dizer respeito à Leopoldina, será descrito mais detalhadamente no próximo capítulo.
Paulo de Queirós Mattoso. Erradicação de Ramais Antieconômicos. RAE, v. 10, n. 84, nov. 1987, p. 14. SEDOC/RFFSA
244
Idem, ibidem.
245
Analisei esse periódico de 1958 a 1976.
242
243
243
A Revista do DNEF refletia a própria política e a divulgava para setores da
imprensa ferroviária. Em 1972, afirmava:
a manutenção de certos ramais e até mesmo de algumas ferrovias vem se tornando
inviável. Justifica o seu desaparecimento o baixo potencial de carga, que não chega a
aconselhar a reconstrução de linhas obsoletas, de péssimas condições técnicas,
carecendo do mínimo de segurança e que leva, por todas essas razões, a uma
conservação altamente dispendiosa. Isso ocorre não somente em nosso país, mas no
mundo inteiro e é, sobretudo, uma conseqüência da própria evolução tecnológica
dos transportes e das mutações das zonas servidas. [...]
Transporte é problema técnico, a ferrovia tem características específicas, à estrada
de ferro não cabe, há muitos anos, a função de via pioneira de transporte, deverá ser
enquadrada corretamente para prestar os serviços que lhe são próprios, evitando,
assim, uma função decorativa ou causadora de transtornos.246
Essa e outras muitas argumentações transmitem uma imagem extremamente
parcial e ideologizada da ferrovia (travestida de argumentação técnica), como se ela
estivesse tecnicamente estagnada no mundo inteiro e condenada, naturalmente, à extinção.
Sabemos o quanto a tecnologia ferroviária vem sendo desenvolvida na Europa, na América
do Norte e no Japão, principalmente. Por outro lado, reduzir o transporte a um mero
"problema técnico" é, de fato, desconsiderar a sua função social e colocar o problema no
nível da racionalidade macroeconômica, apolitizada. Esse tipo de opinião-reportagem era
muito freqüente nos periódicos do setor, nesse período. A Revista Ferroviária247 foi,
talvez, um dos poucos periódicos especializados que manteve uma autonomia, publicando
também artigos que consideravam o problema dos transportes nas suas várias vertentes
que, em 1961 afirmava em seu editorial:
nos 5 anos de direção que agora terminaram, nunca tivemos uma política ferroviária.
Assistimos a tudo que se poderia imaginar de menosprezo pelas nossas estradas e a
própria instituição da RFFSA não escapou ao descalabro. Criada para uma
246
A erradicação de linhas férreas antieconômicas. Revista do DNEF, n. 16, ano VI, março 1971, p. 01. [grifo DAP]. Era trimestral, foi
analisado até 1974, quando extinguiu-se o DNEF.
247
Esse periódico existe ainda hoje, sediado no Rio de Janeiro. Começou como uma publicação da Associação dos engenheiros da E. F.
C. B. e, em 1940 passou a ser independente. Em 1960, tornou-se oficialmente um órgão de divulgação da então criada Associação
Ferroviária Brasileira. De periodicidade mensal, a publicação circulava nacionalmente no meio técnico e político da área dos transportes:
Ministérios, empresas ferroviárias e vários ramos industriais. Existia também um Suplemento: Estradas de Ferro do Brasil, consultado
de 1954 a 1975 (sendo que em 1966 o título modifica-se para Anuário das Estradas de Ferro.). De propriedade da Empresa Jornalística
dos Transportes S. A., que também editava a Revista dos Transportes, cujo diretor era Jorge de Moraes Gomes.
244
finalidade que deveria ser útil, em que pese o pouco que dela ainda se pode salvar, a
Rede nunca funcionou senão como empresa burocrática, ninho de apaniguados e
asilo de politicastros. O governo, seu exclusivo dono, jamais a levou a sério e
assistiu impassível, como ainda está assistindo até o seu derradeiro dia, o fato
escabroso de no Brasil transportar-se minério e gado em pé sobre caminhões.248
Essa perspectiva mais crítica era uma posição rara no meio, ainda que no
início de 1960. O grande consenso que começava-se a formar, dificultava o aparecimento
de vozes discordantes. Ainda quando se podia falar em oposição política, em 1963, o
Suplemento da Revista Ferroviária, Estradas de Ferro do Brasil, numa reportagem sem
assinatura, justificava as desativações:
com as dificuldades que comumente se antepõem às medidas do porte com que se
apresenta, e as reações que por tal motivo suscita – dificuldades e reações entre as
quais mais se destacam a incompreensão de muitos e o regionalismo facilmente
explorável pela oratória demagógica de políticos sem responsabilidade, a supressão
de ramais antieconômicos existentes nas estradas de ferro de propriedade da União
vai seguindo seu curso lento, mas continuado.
Até abril do corrente ano, já 1.549 quilômetros dessas linhas prejudiciais haviam
sido suprimidos [...].249
De antieconômicas, as linhas passavam, qualitativa e ideologicamente, a
prejudicais...
Em outro contexto, já após o Golpe Militar e no início do período de maior
"fechamento" do Regime, a revista Ferrovia proclamava o princípio da livre-concorrência
aplicado ao transporte ferroviário:
para a redenção do sistema ferroviário nacional devem os seus responsáveis encarar
as estradas de ferro como empresas industriais cujo único produto a oferecer é o
transporte e que os fretes sejam vendidos em livre concorrência, como uma
mercadoria qualquer, num balcão de uma loja comercial.250
248
Revista Ferroviária, jan. 1961, p. 19. SEDOC/RFFSA
Linhas e ramais antieconômicos. Estradas de Ferro do Brasil, 1963, p. 176. SEDOC/RFFSA
250
José Sartori Netto. Uma das causas dos déficits nas ferrovias. Ferrovia, São Paulo, agosto de 1967, ano 31, p. 05. Revista fundada
pelos engenheiros da E. F. Santos a Jundiaí, em 1935. SEDOC/RFFSA
249
245
O principal "usuário" da ferrovia era o grande produtor (de grãos, de
minérios etc.). O usuário-passageiro não constava das principais preocupações, tampouco
conseguiu se organizar suficientemente para se fazer presente nas políticas do setor de
transportes, em especial.
IV.4 Quando a saída supera a voz
A concorrência rodoviária às ferrovias era um problema mundial, mais
drástica nos países periféricos, que acabou atraindo a atenção de especialistas na teoria do
desenvolvimento. O economista Albert Hirschman, por exemplo, num trabalho de 1967,
estudou a deficiência das estradas de ferro na Nigéria frente à concorrência dos caminhões.
Segundo o autor, mesmo no caso de uma carga como o amendoim proveniente de lugares
longínquos e de elevado volume, cultivado no Norte da Nigéria, a cerca de 800 milhas dos
portos de Lagos e Port d'Harcourt, era transportada em caminhões. Propôs a seguinte
explicação para o "fenômeno":
a presença de uma fácil alternativa ao transporte ferroviário faz com que as falhas
das ferrovias devam ser combatidas ao invés de perdoadas. Devido à existência de
ônibus e caminhões para transporte, a deterioração do serviço ferroviário não é tão
grave quanto seria se as estradas de ferro tivessem um monopólio do transporte entre
grandes distâncias. Dessa forma, o público a suporta sem provocar as pressões
difíceis e explosivas necessárias à reforma da administração. Pode ser essa a razão
pela qual o empreendimento público, não só na Nigéria, mas também em muitos
outros países, tem seu ponto fraco em setores como educação e transporte, onde está
submetido à concorrência. Em vez de estimular um desempenho melhor ou um
desempenho máximo, a presença do substituto acessível e satisfatório para os
serviços oferecidos pelo empreendimento público priva-a de um precioso
mecanismo de retorno, cuja efetividade máxima requer a ligação de clientes à firma.
Isso porque a direção garantida pelo Tesouro Nacional é menos sensível a prejuízo
na renda, causado pelas saídas dos clientes para um concorrente, do que aos
246
protestos de um público revoltado, que não tendo outra alternativa, além da
dependência, provocará um tumulto".251
Para além das ferrovias, essa parece ser a história da concorrência entre
setores públicos e privados na área que deveria ser reservada à atuação (ou intervenção) do
poder público: educação, saúde e transportes. Existindo um concorrente aparentemente
eficiente ao do setor público, a população que pode pagar pelos serviços, corre sem
maiores protestos para o concorrente do setor privado. Enquanto os preços não aumentam e
a qualidade não se degrada acentuadamente, a alternativa prevalece. Enquanto isso, ocorre
o lapso de tempo suficiente (e o esquecimento da população) para que aquele serviço do
setor público seja desmontado e relegado ao abandono. Nesse caso, como analisa
Hirschman, a saída é mais forte do que a voz. Num primeiro, momento, a saída representa
a reação à degradação, no entanto, é uma alternativa que, a médio prazo, conduz à
acomodação. Ainda segundo Hirschman:
assim, enquanto a saída nada requer além da decisão por uma coisa ou por outra, a
voz é, em essência, uma arte, que constantemente toma novas direções. Esta
situação provoca um importante preconceito a favor da saída, quando as duas opções
estão presentes: clientes-membros basearão sua decisão em experiências passadas
com o custo e a efetividade da voz, sem levar em conta o fato de que a própria
essência da voz é o possível aparecimento de um custo mais baixo e de uma maior
eficiência. A presença da alternativa saída poderá, portanto, atrofiar o
desenvolvimento da arte da voz. (Idem:50) [grifos do autor]
Esse é a principal problemática levantada por esse estudo e que, às vezes,
precisa se nutrir de recortes, abordagens e fontes os mais diversos para tentar desfazer a
trama do senso comum, qual seja: a de que as ferrovias nasceram problemáticas, daí,
naturalmente, foram fadadas ao fracasso. É preciso, no mínimo, complexificar a análise.
Acredito que no Brasil, tal como na Nigéria, caso analisado por Hirschman,
a existência de ônibus e caminhões inicialmente mais abundantes, eficientes e baratos, fez
251
Originalmente, Hirshman fez essa observação em Development projects observed. Washington: Brookings Institution, 1967, p. 146147. Devido à polêmica provocada, ele retoma essas considerações em: Saída, voz e lealdade. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 53.
247
com que o público – de forma geral –, preferisse abandonar o transporte ferroviário à
reivindicar melhorias nesse modal. O desmonte ferroviário aconteceu com maior ênfase
após 1960, quando as ferrovias já estavam muito desgastadas, com o transporte de usuários
e de passageiros em franco declínio. Por outro lado, existia a força do arbítrio, capaz de
sufocar quaisquer "vozes" que se apresentassem. Por isso, os sindicatos ferroviários
tornam-se alvos da repressão. Ainda que os ferroviários, envolvidos com as questões mais
imediatas, parecessem não dimensionar o fim não somente da ferrovia, como da própria
categoria, como se evidenciou no final dos anos 90, o desmonte os alcançou de forma
surpreendente e avassaladora. Quanto aos usuários-passageiros, restou a alternativa da
submissão à modalidade rodoviária, enfrentando passagens cada vez mais caras e empresas
cada vez mais poderosas.
Analisando também a questão do ensino e da fuga das escolas públicas para
as particulares, Hirschman conclui que, de modo geral:
[...] a desigualdade de padrões de vida entre os níveis de qualidade alta e os níveis
de qualidade média e baixa tende a ser mais marcante, no caso destes serviços
essenciais. Isso porque é preciso voz para resistir à deterioração e ela surge mais
facilmente nos níveis de alta qualidade que nos inferiores. Isso acontece
principalmente nas sociedades onde há mobilidade social. Nas sociedades que não
permitem mudanças de uma camada social para outra, a opção de voz é
automaticamente mais forte: todos têm como motivação defender seu padrão de
vida. É óbvio que a separação entre as classes alta e baixa tende a aumentar e tornarse mais rígida em sociedades onde há mobilidade social; mas isto não é de fácil
constatação numa cultura onde sempre se acreditou que a igualdade de
oportunidades e a possibilidade de ascensão se encarregariam da justiça social.
(Idem: 59-60).
De fato, o transporte de massas interessa principalmente à maioria da
população que não dispõe da alternativa de automóveis, do transporte em ônibus
confortáveis (executivos, leitos, etc.) ou do transporte aéreo. Para os setores da classe
dominante que ainda se deslocam para seus escritórios, se há engarrafamentos, se há
perigos de assaltos nas estradas e de seqüestros, optam pela saída do transporte aéreo
248
particular. Ou, através da voz, fazem com que o poder público crie alternativas de restrição
da circulação dos "de baixo" pelas áreas empresariais, facilitando a sua mobilidade.
249
CAPÍTULO V
DO TRILHO AO BARRO
Quem vai nesse trem tem quase nada e não pode nem sonhar
E vai levando, buscando a sorte
A vida toda procurando se encontrar
(1995, Trem das Gerais - Xavantinho)
Filho do sinhô, vai embora
Tempo de estudos na cidade grande
Parte, tem os olhos tristes,
Deixando o companheiro na estação distante.
"Não me esqueça, amigo, eu vou voltar"
Longe, longe, o trenzinho ao Deus-dará....
(Morro Velho, Milton Nascimento)
Ainda que a tentativa em relação ao transporte ferroviário fosse a de
"erradicar", arrancar pela raiz, na cultura popular ainda permaneceram fortes traços, como
forma de resistência. Seja no termo "trem" dos mineiros, empregada em quase todas as
expressões; seja nas recordações das "viúvas nos portais"; seja na música popular, até os
dias de hoje; seja na literatura. De fato, como diz a música interpretada pela dupla Pena
Branca e Xavantinho, "quem vai nesse trem tem quase nada". À medida em que houve o
fortalecimento do transporte rodoviário, incrementou-se a saída do transporte ferroviário.
Quem persistia na utilização dos precários trens era a população de baixa renda, tanto no
transporte suburbano quanto no do interior. Esse também foi um dado que favoreceu o
golpe final nas ferrovias, pois era preciso força política/econômica para fazer frente aos
interesses multinacionais-associados nacionais corporificados no Estado brasileiro e não
era o que representava esse extrato da população.
Tratando das cidades paulistas, mas trazendo descrições bem comuns às
demais, de outras regiões, Monteiro Lobato escreveu suas impressões sobre a não tão
imaginária Oblivion, já nas primeiras décadas do século XX:
a cidadezinha onde moro lembra soldado que fraqueasse a marcha e, não podendo
acompanhar o batalhão, à beira do caminho se deixasse ficar, exausto e só, com os
olhos saudosos, pousados na nuvem de poeira erguida além.
250
Desviou-se dela a civilização. O telégrafo não a põe à fala com o resto do mundo,
nem as estradas de ferro se lembram de uni-la à rede por intermédio de humilde
ramalzinho.
O mundo esqueceu Oblivion, que já foi rica e lépida, como os homens esquecem a
atriz famosa que se lhe desbota a mocidade.[...] (1995:25)
Trata-se das características de tantas "Cidades mortas", onde "tudo foi, nada
é. Não se conjugam verbos no presente. Tudo é pretérito" (Lobato, 1995:21). Ficando para
trás na trajetória da mudança do padrão de acumulação capitalista, muitas regiões cafeeiras
amargaram o "silêncio permanente", com a migração em massa. Como na música Morro
Velho, a saída dos "meninos" era uma constante (variando segundo a posição social: alguns
para estudar e retornar, outros, para trabalhar e "se virar" nas grandes cidades, às vezes
nunca mais retornando). Ainda segundo Lobato:
da geração nova, os rapazes debandam cedo, quase meninos ainda; só ficam as
moças – sempre fincadas de cotovelos à janela, negaceando um marido que é um
mito em terra assim, donde os casadouros fogem. [...] (Lobato, 1995:23)
Cidades mortas, cidades sem futuro, locais sem "expressão econômica".
Somente o passado traz identidade aos seus moradores – tudo é pretérito252. Daí,
freqüentemente, a perda ser também identificada ao fim dos trens. Contudo, a extinção dos
trens foi apenas a manifestação do novo modelo de desenvolvimento adotado e adaptado
aos interesses locais253. Muitas das antigas áreas cafeeiras, ficaram, de fato, excluídas do
novo modelo e das novas fronteiras capitalistas, havendo a migração em massa para os
grandes centros na década de 1970.
252
A nostalgia parece ser um fenômeno universal mas, segundo Raymond Williams, só as nostalgias dos outros incomodam". Ao
analisar a literatura inglesa e a velha Inglaterra, o autor afirma que "as lembranças de infância têm uma importância permanente".
(1989: 25
253
Adotamos, aqui, a perspectiva assumida por Jorge Natal, baseado na periodização estabelecida por João Manuel Cardoso de Mello
(1984), considera que os padrões nacionais de transportes, ferroviarismo, ferroviarismo em decadência/rodoviarismo em expansão e
rodoviarismo, estão vinculados, respectivamente, aos padrões de desenvolvimento conceituados por Mello, quais sejam: Economia
Exportadora Cafeeira Nacional (1870-1930); Industrialização restringida (1933-1956) e Industrialização Pesada (1956-1980). Cf. Natal,
1991:09.
251
Analisando o campo e a cidade na literatura inglesa, Raymond Williams
trata, em particular, dos cercamentos dos campos ingleses, no século XIV. Na aurora do
capitalismo, as transformações já surgiam violentas. Assim, ele trata também das perdas:
o que foi drasticamente reduzido pelos cercamentos foi precisamente esse tipo de
espaço, uma independência cotidiana marginal, para milhares de pessoas. Tal perda
deve ser lamentada, mas também é preciso encará-la com objetividade. O que
aconteceu foi menos o cercamento em si – um simples método – do que o
estabelecimento mais palpável de todo um sistema que vinha se desenvolvendo
havia muito, que já assumira diversas formas e ainda viria a assumir outras tantas.
Os quilômetros e quilômetros de cercas e muros, os novos direitos expressos no
papel, representavam a declaração formal do novo poder constituído. O sistema
econômico de proprietário, arrendatário e trabalhador, que ganhava terreno desde o
século XVI, agora estava explicitamente no poder. Para sobreviver, o espírito
comunitário teria de se redefinir (1989: 151)
Guardando-se as devidas proporções sobre o fenômeno analisado por
Williams, para os que estão na periferia do sistema as mudanças efetivadas pelo
capitalismo são sempre violentas. A perda é uma constante, sem limites. Como o
cercamento na Inglaterra, a extinção da ferrovia no Brasil (principalmente do transporte de
passageiros do interior) foi um sintoma de um processo mais geral, reagrupando novos
atores sociais em novos interesses corporativos constituídos. Não foi, portanto, um
processo isolado e perdido no tempo.
Este capítulo tem como objetivo mostrar a forma pela qual foi realizada a
desativação de ramais da antiga E.F. Leopoldina, enfocando também as regiões por ela
servidas. Através de recortes de jornais, de depoimentos orais e escritos, pretende-se fazer
uma abordagem aproximativa do significado da extinção de ramais e de suas contradições,
promessas não cumpridas, etc. Não se restringindo à história administrativa da empresa,
embora ela também seja tratada, objetiva-se caracterizar a repressão ao movimento sindical
como uma forma decisiva de "erradicação" dos caminhos de ferro, além, é claro, de ser
uma demonstração de força no panorama da luta de classes.
252
V.1 O impacto regional
Na história das ferrovias, não há como desconsiderar as rivalidades
regionais ao longo se seus traçados, bem como as disputas entre os próprios ferroviários.
São conhecidas as rivalidades entre as áreas da E. F. Leopoldina e da E.F. Central do
Brasil. A Leopoldina, conhecida pelos seus famosos déficits, pelos atrasos, pela má
qualidade técnica de seus traçados, muitos com bitola estreita, era tratada de "bitolinha".
Esse mesmo apelido era aplicado aos ferroviários da empresa, como lembra Arueira, a
propósito das disputas internas entre os ferroviários, do enfraquecimento daí decorrente e
da oposição inicial em relação a criação da RFFSA:
porque aquele negócio de você brigar," não, a minha [empresa] é a melhor"! O
pessoal da Central sempre jogando na cara: "sai daí, Bitolinha", chamavam a gente
de "Bitolinha", (entendeu?).254
Arueira informa que, de início, o Sindicato da Leopoldina posicionou-se
contra a criação da RFFSA. Depois, acabaram sendo convencidos, devido a vários
argumentos, dentre eles, o da união administrativa como medida para fortalecer as
ferrovias e, quem sabe, diminuir as disputas regionais.
Esse traço presente na memória, também foi registrado na literatura.
Carlos Heitor Cony, que também rendeu homenagem ao "Cruzeiro do Sul", trem da
Central do Brasil que: "era mais do que um trem: era uma instituição...", tratou dessas
disputas regionais, ao contar a história de "Rodeio" (cidade imaginária, localizada no
interior fluminense, às margens da Central do Brasil) e de seus personagens, com muito
bom humor:
253
Itaipava pertencia a outro universo, o da antiga Leopoldina Railway, que servia a
região serrana, cujo núcleo principal é Petrópolis. Havia rivalidades homicidas por
causa dos dois ramais ferroviários, um morador do Méier desprezava o morador da
Penha porque o Méier era subúrbio da Central e a Penha da Leopoldina.
Se isso acontecia dentro dos limites da cidade do Rio de Janeiro, fora dela, a
rivalidade superava o desprezo e havia casos de morte sobre a excelência dos trilhos
e equipamentos da Central em relação aos da Leopoldina.
Eu próprio, sem nunca ter morado no subúrbio, tinha uma baita orgulho pelo fato de
que a família de minha mãe, meu avô Acácio Nunes de Assis, minhas tias Zizinha e
Zulmira, a figura austera de Joaquim Pinto Montenegro, que na minha imaginação
era o responsável por todos os dormentes da linha férrea que ia até São Paulo e Belo
Horizonte – toda essa gente, minha gente, que incluía remotamente o próprio
Francisco de Assis Rodano – pertencia aos trilhos da Central. Não chegava a odiar o
pessoal do ramal leopoldinense, mas o desprezava, a começar pelo nome:
"leopoldinense", na minha infância era um palavrão que designava uma
subumanidade.
Crescera, é verdade, superara essas disputas mesquinhas e delas me esquecera – eis
que chega Francisco de Assis Rodano com suas botas pretas, seu corpo esquelético,
e revive esse desprezo em seu rosto macerado, em seus olhos que havia pouco
estavam baços e de repente ficam coruscantes:
Itaipava? Um sinal em Itaipava?
Entendi o que ele queria dizer. Tudo o que não estivesse ao longo dos trilhos da
central do Brasil não pertencia ao mundo que interessava, ao mundo real em que
Francisco de Assis Rodano vivia e no qual disputaria o poder com o Outro. Para um
rodeiense como ele, filho do Choca, sobrinho da Maria das Graças de Assis, mais
conhecida como Zizinha, o ramal da Leopoldina nem merecia ódio porque não
existia.
Tentei insistir no assunto: (...)
Desde que soubera que o sinal era em Itaipava, Francisco de Assis Rodano voltou a
tapar a cara com o antebraço, desligou-se, não perderia tempo com um assunto que
nada tinha a ver com ele e com sua luta.
O deus que ele pretendia matar era um deus da Central do Brasil. O lado da
Leopoldina talvez nem tivesse deus algum, e, se tivesse, devia ser um subdeus que
não merecia uma luta inspirada pelo boi Papelão e executada pela Lança de
Longinus que Francisco de Assis Rodano roubara de uma igreja em Vassouras
(1996:149-150).
Todo o livro, O piano e a orquestra, está recheado dessa comparação, esse é
apenas o trecho em que o autor se detém mais nesse exercício. Outro trabalho, já clássico,
"O coronel e o lobisomem", ambientado em Campos-RJ, terra leopoldinense, também traz
muitas referências ao trem. O autor, José Cândido de Carvalho, de forma igualmente
humorada, diz, na sua autobiografia inicial ao livro:
254
Entrevista de Herval Arueira.
254
meu ideal era ser usineiro, viver no último andar de trezentos mil sacos de açúcar.
Como isso não foi possível, tratei de realizar o subideal que era ser funcionário da
Leopoldina. Sempre tive admiração toda especial por chefes de estação, espécie de
donos de trem. Como esse subideal também não veio, tratei de escrever para os
jornais da minha terra. (1978)
Retratada na literatura255, na música e na cultura popular, a história da
Leopoldina é tão intrincada quanto a sua fama. A estação Barão de Mauá, construída em
1926, resiste ao tempo, ao desgaste, funcionando precária e parcialmente (administrada
pela SuperVia), com apenas um trajeto, até Caxias. Ainda assim, o seu interior, no molde
das tradicionais e glamourosas estações ferroviárias, foi capa de CD de um músico
carioca256.
Assim, num misto de fama negativa e de "recordações de um mundo
perdido", a Leopoldina moldou não só bairros, como também vastas áreas dos estados em
que serpenteavam suas linhas. Envolvendo em torno de 80 mil quilômetros quadrados (em
áreas do antigo Estado da Guanabara, Rio de Janeiro, Espírito Santo e uma parte do
Sudeste mineiro), a estimativa populacional dessa área, em 1960, era de 6,2 milhões de
habitantes, dos quais 3,2 milhões na "Guanabara".257
De forma geral, ainda que muito desigual é a região Sudeste a que mais
concentra população e renda, conforme O Quadro 18, com dados de 1967, mostrando a
presença, aí, de 43,5% da população brasileira e de 61,2% da renda total.
Quadro 18: Padrões regionais de população e renda, 1967.
Regiões
Norte e Centro-Oeste
População
Renda
Porcentagem
Milhares de
Porcentagem do
Bilhões de cruzeiros
do total
habitantes
total
5.480,6
7,8
91,0
4,7
255
O livro "Trem da Mantiqueira ", de Renato Santos Pereira, também é ambientado em regiões da Leopoldina, na chamada SR-3
Superintendência Regional de Juiz de Fora. Esta, no entanto, é uma história que se passa na própria ferrovia, sendo o personagem
central, Crispim, na sua loucura e morte, emblema da trajetória do fim sistema ferroviário e da ordem social/política que o engendrou
(1990) . Outro romance, também ambientado em Minas Gerais, é "Trilhos e quintais", de Carmem L. Oliveira, que retrata não só o trem,
mas a vida quotidiana no interior do Estado (1998).
256
É o CD: "Suíte Leopoldina", de Guinga. Gravadora Velas, 1999.
257
Cf. RFFSA/Superintendência Geral Administrativa/Depto de Estatística e Cálculo Mecânico. Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de
Janeiro: RFFSA, jun. 1961, p. 05-09. SEDOC/RFFSA
255
Nordeste
Sudeste
Sul
22.640,2
30.491,5
11.528,9
32,3
43,5
16,4
308,5
1.187,0
353,3
15,9
61,2
18,2
Brasil
70.141,2
100
1.940,0
100
Fonte: FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. População - EPEA, Setor de Demografia e Renda. In: MINISTÉRIO DO
PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO ECONÔMICA. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social. Versão preliminar.
Março 1967. Tomo III. Infra-estrutura. V. 2 e 3. Transportes e Comunicações, p. 18.
Dessa forma, a Leopoldina percorria trechos da área mais rica do país. No
entanto, é uma região que também comporta a desigualdade, com altos níveis de
concentração de renda.
Segundo a economista Tânia Bacelar de Araújo, o processo de
desenvolvimento brasileiro foi marcado, durante muito tempo, pela formação de "ilhas
econômicas" (expressão cunhada por Francisco de Oliveira), que realizavam todo o seu
ciclo de acumulação mantendo pouca ou nenhuma relação com as demais "ilhas" e sempre
comandada, não na totalidade, mas em grande parte, pelo mercado externo. Através da
industrialização, essa característica começou a modificar-se, construindo-se "pontes" – ou
seja, fluxos econômicos e base de infra-estrutura – entre as "ilhas". No entanto, a produção
industrial concentrou-se em um só estado, São Paulo, que passou a deter uma hegemonia
muito forte258. Emerge, assim, a reivindicação para que se adotasse política de "proteção"
regional. Daí a criação de Institutos, como o do Açúcar e do Álcool, no pós-30 e a
implantação de planos de desenvolvimento regionais no após-60, como a Sudene, por
exemplo.
A construção de Brasília é também um marco para um novo desenho,
rompendo com a herança das ilhas e com os caminhos horizontais (do modelo
agroexportador, sentido produção-portos). Assim: "Brasília passa a ser o ponto do interior
de onde saem os novos eixos de integração físico-territorial e econômica do país". (In:
258
O trabalho citado é: Tânia Bacelar de Araújo. O elogio da diversidade regional brasileira. (In: Benjamin, Elias e Mineiro (org.),
1998: 161-182)
256
Benjamin, Elias e Mineiro (org.), 1998: 165). Ainda que voltado para a industrialização e
para a dinamização do mercado interno, "tivemos um Estado desenvolvimentista mas
conservador, pois todo esse processo se realizou em bases muito excludentes". (Idem: 168)
Essa exclusão vem sendo reforçada a partir da década de 80 e principalmente da de 1990,
interrompendo a tentativa de desconcentração espacial da base produtiva brasileira. A
dinâmica regional do Brasil "passou a ser trabalhada predominantemente pelos grupos
econômicos, que olham apenas para o que lhes interessa, ou seja, os espaços
dinâmicos"(Idem:173). Assim, para Bacelar:
a abordagem macrorregional se tornou insuficiente. Cada região tem "pedaços"
competitivos, e as regiões não estão mais descoladas umas das outras. As "ilhas" se
espalharam, "ilhas" de excelência e "ilhas" de abandono. E as "ilhas" competitivas
voltam a ter uma articulação predominante com o mercado externo, quebrando a
lógica que comandou a modernização do Brasil neste século. (Idem: 174)
Dentro de uma mesma região, podem existir, concomitantemente, bolsões
graves de pobreza com altíssimas concentrações de riqueza. Como diz Bacelar, para a
análise regional, seriam necessários "cortes mais finos" (Idem:179)
Embora, segundo Bacelar, essa concentração tenha se acentuado na década
de 90, ela vem se definindo desde 1950. Ainda que incentivando o mercado interno, o
padrão criado pela industrialização brasileira no auge do desenvolvimentismo, tendeu a
priorizar as regiões voltadas ao mercado externo. Seja na exportação de grãos, minérios ou
de implantação da indústria automobilística.
Essa incursão pela análise de Bacelar, objetiva mostrar que a questão da
opção pelo modal rodoviário dos transportes está inserida nesse recorte, é inerente ao
processo de redefinição regional e de (re)criação de novas fronteiras. Da mesma forma em
que é também co-responsável pelo processo de agudização das discrepâncias regionais.
Vejamos, as linhas desativadas, conforme o Mapa, no Anexo 3, que localizavam-se no
257
interior dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro, geralmente, regiões
pertencentes às "ilhas" do café. A rearticulação de sua produção não respondia os
interesses externos, mas era, sim, voltada ao mercado regional interno. Por outro lado, a
construção de Brasília e o processo de mudança de pólo econômico fez com que as áreas
anteriormente satélites da "Guanabara" também sentissem o refluxo.
Por volta da década de 1960, quando começaram as desativações de ramais,
a agricultura em toda a área da Leopoldina compreendia a produção de café, açúcar,
laranjas, milho e hortaliças. Sendo que muitas das antigas áreas cafeeiras foram
transformadas em pastagens, visando a pecuária leiteira e a indústria de laticínios. Havia a
industrialização de produtos alimentícios, tecidos, transformação de minerais não
metálicos, metalurgia e produtos químicos, a fabricação de equipamentos de transportes e
de cimento. No Espírito Santo, existiam centros produtores de madeira, de cimento e
também indústrias têxteis. A cidade de Vitória encontrava-se em expansão comercial,
devido ao movimento do porto por onde exportava-se o minério de ferro da Cia. Vale do
Rio Doce259. Também existiam depósitos de manganês, em Guaçuí. À época, cinco dos
oito maiores centros industriais do Estado eram servidos pela Leopoldina. Em Minas
Gerais, destacavam-se as fábricas de tecidos, principalmente em Juiz de Fora, Leopoldina e
Cataguases.260
As áreas do Estado do Rio de Janeiro, que eram servidas pela Leopoldina,
são exemplares, pois houve profundas diferenciações econômicas internas, principalmente
a partir da descoberta do petróleo na Bacia de Campos. No caso do Noroeste fluminense,
fronteiriço à Zona da Mata mineira e com características muito semelhantes (e ambas
259
Atualmente o antigo porto é um verdadeiro "complexo portuário", infra-estrutura portuária completa, com equipamentos para
movimentação de carga geral, conteineres, grãos e farelos, pátios e silos alfandegados. Cf. Site CODESA. Companhia Docas do Espírito
Santo: www.portodevitoria.com.br
260
Cf. RFFSA/Superintendência Geral Administrativa/Depto de Estatística e Cálculo Mecânico. Estrada de Ferro Leopoldina. Rio de
Janeiro: RFFSA, jun. 1961, p. 05-09. SEDOC/RFFSA
258
principais alvos do desmonte ferroviário), foram, originalmente, integradas aos centros
produtores capitalistas baseando-se na exploração da lavoura cafeeira, com uma
predominância da população rural e de pequenos núcleos urbanos, centros de comércio de
café e de prestação de serviços para a população rural. A cafeicultura e a expansão das
linhas ferroviárias foram as responsáveis pela interligação regional, conectando-as com os
grandes centros de escoamento do café. Após a fase da grande produção cafeeira, essas
regiões voltaram-se, lentamente, à pecuária leiteira, ao beneficiamento do café e do arroz,
existindo algumas cooperativas e fábricas de leite em pó (caso principalmente de
Itaperuna-RJ, o maior e mais importante município da região Noroeste fluminense), mas
continuando com um população essencialmente rural e raros núcleos urbanizados.261
O Noroeste Fluminense, em especial, configura-se (ainda hoje) como uma
região economicamente pobre, que:
ao mesmo tempo que permite ao empresário a reprodução do capital num quadro de
fraco desenvolvimento das forças produtivas e das relações de trabalho que
redundam em aviltamento da mão-de-obra, faculta-lhe a drenagem desse capital para
além das fronteiras regionais.
A análise da comercialização do leite nos conduz rigorosamente ao mesmo ponto,
qual seja, a incapacidade da economia regional de, por si só, se expandir na
conquista de mercados extra-regionais. Para conseguir comercializar um volume de
leite superior às suas possibilidades de escoamento, a CAPIL teve que se associar à
Leite Glória, que atua em âmbito nacional. Este fato, além de demonstrar uma dupla
relação de subordinação dos pequenos produtores ao capital comercial, evidencia o
caráter periférico do Noroeste Fluminense (José Grabois et. al. In: Carneiro et al.,
1998: 220-221).
Ainda que essa seja uma análise do período mais recente, revela uma
tendência que aprofundou-se desde a década de 1960, valendo, portanto, para o período ora
em estudo. Devido ao seu caráter de economia periférica, com os interesses empresariais
261
Cf. José Grabois et allii. Família e Trabalho. O papel da pequena produção na organização de um espaço periférico: o caso do
Noroeste Fluminense. (In: Carneiro et allii, 1998: 209-221).
259
dirigidos para fora, essa região não representava, de fato, "maior sentido sócio-econômico"
para os projetos desenvolvimentistas dos anos 50-70. Daí a facilidade com que se
extinguiram as ligações ferroviárias. Na área de transportes, com a desativação dos ramais,
restaram as ligações rodoviárias. Mas, os principais eixos rodoviários, as rodovias BR-101
e BR-116, não passam pela região, sendo a BR-356 a principal via que faz a ligação entre
esses dois eixos262.
Estudando o espaço agrário fluminense, sob o impacto da economia urbanoindustrial, Maria do Carmo Corrêa Galvão afirma que "tanto as ferrovias que comandaram
a expansão cafeeira quanto as rodovias que as substituíram nos eixos central e ocidental
reproduzem os velhos caminhos de terra abertos a partir do Rio de Janeiro rumo a Minas
e São Paulo" (1986: 101). A partir daí se configurariam os eixos dinâmicos (localizados
junto às grandes vias, como a Rio-Bahia e BR-101) e os depressivos (mais distantes das
vias de comunicação). Segundo Galvão:
Geradas pela cafeicultura e articuladas ao porto pela ferrovia, aquelas áreas
"perderam seu chão" ao serem erradicados, nos anos sessenta, os ramais ferroviários
antieconômicos que as mantinham ainda vivas. A decadência cafeeira não
justificava, por sua vez, a implantação de rodovias substitutivas à linha férrea,
explicando-se dessa forma, num esquema de acessibilidade rodoviária. A
emergência desses bolsões depressionários, constituídos por municípios tais como
Rio Claro, na porção ocidental do Estado; Rio das Flores, no Médio Paraíba;
Trajano de Morais e Santa Maria Madalena, na Zona serrana oriental; Cambuci e
Porciúncula, no Noroeste do Estado. (1989: 101-102)
Ainda que a erradicação de ferrovias fosse mais um sintoma da mudança do
padrão de acumulação, é interessante observar como a política de transportes adotada
262
Dado de 1993. Cf. Iara Sydenstricker (coord.). Guia Sócio-Econômico dos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Gráfica JB, 1993, v. 2, p. 199-201.
260
auxiliou na reestruturação das atividades econômico-produtivas, ainda que acentuando as
desigualdades pré-existentes.
Em algumas antigas áreas "sem expressão econômica", muita coisa mudou.
Cito alguns exemplos. A região das baixadas litorâneas fluminenses, englobando 10
municípios é atravessada pelo ramal ferroviário (precário e de cargas, conforme o Mapa
das linhas, no Anexo 2) ligando o Rio de Janeiro a Campos e ao Espírito Santo. Essa
região, conhecida também como "Costa do Sol", voltada progressivamente ao turismo é
vitimada pela estrutura deficiente para suportar o turismo de veraneio (Sydenstricker,
1993: 68). É servida pela BR-101, que corta o interior da região, e a RJ-106, que segue
pelo litoral desde Niterói até Macaé, na Região Norte Fluminense, sendo que apenas o
município de Cachoeiras de Macacu encontra-se fora desses dois eixos.
O Norte Fluminense é composto por 7 municípios que são servidos pela
BR-101 e algumas estradas vicinais. Desses municípios, Campos, Cardoso Moreira e
Macaé, contavam, principalmente, com a produção açucareira e de cimento. A partir da
década de 80, com a descoberta do petróleo na bacia de Campos, houve um grande e novo
impulso à urbanização, através do desenvolvimento da bioquímica, especialmente a
alcoolquímica e a petroquímica (Sydenstricker, 1993:248-249). Em 1999, esses municípios
viveram o seu auge, através do "milagre" dos royalties da Petrobrás. Segundo a Agência
Nacional do Petróleo, 46 dos 91 municípios fluminenses receberam royalties, embora os
nove produtores fiquem com quase 75% dos recursos. Em menor escala também são
beneficiados os municípios por onde passam os dutos da Petrobrás.263
Se a inexistência de "atividades economicamente relevantes" justificava a
erradicação dos ramais ferroviários, o que dizer da erradicação em locais onde havia,
claramente, fartas justificativas econômicas? As linhas Tronco (de cargas), do Rio de
261
Janeiro para Vitória e do Rio de Janeiro para a região mineira de Ouro Preto (em conexão
com a SR-8), foram temporariamente mantidas e recentemente relegadas ao abandono (são
as indicações presentes no Mapa das Desativações, no Anexo 3. Isso mostra que, na
verdade, não havia um interesse efetivo na manutenção das ferrovias, de forma geral.
V.1.1 O movimento de cargas e de passageiros
No Relatório da CMBEU, em 1954 (tratado mais detalhadamente no
Capítulo IV), ao mesmo tempo em que propunha-se a extinção de ramais, fazia-se uma
contemplação detalhada do transporte rodoviário nas zonas servidas pela Leopoldina. Logo
na primeira frase da seção sobre o transporte rodoviário, afirmava-se: "a área servida pela
Estrada de Ferro Leopoldina utiliza o transporte rodoviário de preferência ao
ferroviário"264. Daí em diante, ainda que reconhecesse o precário estado das estradas
regionais dos estados abrangidos pela EFL, afirmava a tendência à melhoria, graças às
obras dos DERs e do DNER. Informava que a cidade do Rio de Janeiro era o centro de
onde partiam as rodovias para o interior dos outros estados: a BR-3 (RJ-Belo Horizonte) e
BR-4 (Rio-Bahia). Estava ainda em construção a BR-5, que ligaria o Rio à Vitória,
justamente acompanhando o traçado da Leopoldina em muitos trechos. Tendenciosamente,
afirmava:
ao se avaliar a concorrência do transporte rodoviário nessa região, será necessário ter
em mente que, atualmente, os serviços prestados pela E. F. Leopoldina são
extremamente precários. Assim, mesmo não sendo de primeira classe, uma estrada
de rodagem que corte essa região pode oferecer melhores condições de transporte.265
263
Cf. Isabel Clemente. Dinheiro de petróleo anula crise no Rio de Janeiro. Brasil. Folha de São Paulo, 16/01/2000, p. 1-6.
CMBEU – Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o desenvolvimento econômico. Projeto no 28 (anexos). E. F. Leopoldina, p.
01. SEDOC/RFFSA
265
Idem, p. 03.
264
262
Logo, desde a década de 1950, o destino da empresa já estava relativamente
determinado, sendo seguidos os parâmetros estabelecidos pela CMBEU. Considerando que
nos anos 60 e 70 não houve rupturas em relação ao modelo econômico adotado na década
de 50, conseqüentemente, o direcionamento da política rodoviarista seria igualmente
preservado.
Todavia, para que houvesse a hegemonia do transporte rodoviário,
aconteceram enfrentamentos em diversos órgãos públicos entre os representantes das áreas
ferroviária e rodoviária. Ou, mais do que isso, o enfrentamento entre representantes dos
setores público (ferrovias) e privados (rodovias e transportadores individuais). Saliento
alguns exemplos. O primeiro, é uma declaração de Orsine de Castro, representante da E. F.
Santos-Jundiaí (antiga São Paulo Railway):
(...) as estradas de ferro, como sabem, vêem, pode-se dizer, desde 1925, lutando, não
só no Brasil, como em quase todo o mundo. Tenho muito prazer e muito empenho
em dizer algo a este respeito, no momento em que se acha presente, neste Conselho,
como representante do DNER, o ilustre engenheiro Abel Henriques de Figueiredo,
naturalmente continuará - é o que desejamos - a freqüentar as nossas reuniões,
tomando conhecimento da gravíssima situação em que nos encontramos, no Brasil,
de verdadeiro conflito entre ferrovias e rodovias. Verdadeiro conflito, verdadeiro
choque de interesses, em que a grande prejudicada, afinal de contas, é a economia
nacional.266
Muito mais do que a concorrência entre duas modalidades de transportes, o
que seria considerado "normal" num regime capitalista, colocava-se na arena de lutas, as
pressões do setor privado do transporte rodoviário, resguardados pelo DNER, sobre o setor
público das ferrovias. Na sua longa exposição, da qual extraímos apenas alguns trechos,
Orsine de Castro cita vários exemplos sobre a concorrência, mostra os índices de aumento
266
CGT - Contadoria Geral de Transportes. Atas do Conselho de Tarifas e Transportes, 1958, p. 58. SEDOC/RFFSA
263
da produção e da circulação dos caminhões pelo interior do Brasil. Analisa, ainda, o caso
dos produtores goianos:
agora, os produtores goianos de cereais não vão reclamar contra a deficiência dos
transportes, cansados de fazê-lo por mais de quinze anos consecutivos - tempo
suficiente para que se iniciasse o reaparelhamento da única ferrovia que lhes serve, a
E. F. Goiás - acharam, afinal, uma saída, o caminhão. (...) Um saco de cereal de 60
quilos, de Anápolis ao Rio, por caminhão, paga CR$120,00 de frete. Chega ao
destino em 6 dias. Pela estrada de ferro paga CR$125,00, gasta 4 meses e
geralmente sofre furtos e danos. A indenização pelas empresas de transporte
rodoviário é imediata, no caso de irregularidades. Pela ferrovia, exige um
processamento demorado, de muitos anos. E, se me exagero, há numerosíssimos
processos que, até eles mesmos, nem chegaram ao destino267
De acordo com a análise de Castro, voltamos à questão da "voz e saída" de
Hirschman, tratada no capítulo anterior. Naquele momento, em que a produção do país
aumentava e exigia-se maior capacidade de transporte, a ferrovia era tragada pela
morosidade burocrática e pelas deficiências técnicas. A saída? Claro, pelo transporte mais
ágil e num primeiro momento, mais barato, os caminhões. Com a saída maciça das
ferrovias, os transportadores, sem concorrência, fixavam os preços de acordo com os seus
interesses.
A concorrência da ferrovia com as rodovias, por exemplo, começava a
forçar uma política de regulamentação das taxas e fretes dos produtos transportados. Desse
modo, o Conselho de Tarifas e Transportes, órgão com função consultiva ligado
diretamente ao Ministro da Viação, reunido em 1959268, discutia sobre a pertinência de se
regulamentar o transporte rodoviário, até então, livre de taxas. Na verdade, o debate
evidenciava as posições relativas aos simpatizantes da rodovia ou da ferrovia (e, leia-se,
dos setores privado e público). Esse debate surgiu a propósito de uma carta à EFL enviada
pela direção de uma fábrica de móveis situada na cidade do Rio de Janeiro, reclamando da
267
Idem, p. 60.
O Conselho reunia representantes do DNER, DNEF, RFFSA e Companhias aéreas. CGT - Contadoria Geral de Transportes. Atas do
Conselho de Tarifas e Transportes, 1959, p. 31-66. SEDOC/RFFSA
268
264
concorrência desleal de caminhões clandestinos, chamados de "camelôs", que
transportavam toras e madeiras, procedentes de Minas Gerais e Espírito Santo, entregando
o produto porta-a-porta e sem pagar licenças ou quaisquer outros impostos. Isso
representava um problema não somente para a EFL, originalmente responsável pelo
transporte do produto, mas também para os estados produtores, para a Prefeitura do
Distrito Federal, para o Cais do Porto e para o Instituto Nacional do Pinho.
Em contrapartida, os conselheiros da CGT receberam também o
comunicado de outro ofício recebido pela EFL, do Sindicato dos Transportadores
Rodoviários, pedindo que aumentasse os seus fretes "para não fazer concorrência aos
caminhões".269 Os conselheiros, como Ernani Silveira (representante da EFL), acusavam
um suposto excesso na tributação de produtos carreados pelas ferrovias, impedindo um
transporte mais lucrativo. Propunha, então, uma regulamentação do transporte rodoviário,
para que a concorrência fosse menos desleal. Outros, afirmavam que as leis já existiam,
mas não eram cumpridas. O que havia, de fato, era a sonegação imensamente facilitada
pela própria natureza dos transportadores rodoviários. Como exemplo, o conselheiro
Francisco Ribeiro Jr., citou o caso da E. F. Mogiana, da qual fora funcionário do Serviço
Rodoviário, numa época em que tentavam canalizar o transporte de arroz do Triângulo
Mineiro para a ferrovia, quando ouviram da Associação Comercial local a seguinte
declaração: "Se os Srs. Levarem o nosso arroz de graça ainda nos dá prejuízo". Ou seja,
existia, inegavelmente, a facilidade da sonegação na estrada de rodagem, sendo esse mais
um fator a influenciar na concorrência.
Em novembro de 1956, numa Conferência no Clube de Engenharia, o
Coronel Naldyr Baptista Laranjeiras, Diretor-Superintendente da EFL, ao fazer um
histórico da empresa e da região servida, ponderava sobre os argumentos oficiais.
265
Chamava a atenção para os déficits e a crescente subvenção governamental às ferrovias.
No caso específico da Leopoldina, afirmava que havia grande número de carga a
transportar, no entanto, o maquinário estava por demais defasado:
- 313 máquinas a vapor com 30 a 40 anos de uso;
- 13 locomotivas diesel-hidráulicas praticamente encostadas, aguardando
reparação e outra diesel para manobras. Ou seja, 327 locomotivas quase totalmente
obsoletas;
- Eram, ao todo, 7 oficinas com um maquinário que permitia à empresa
colocar, mensalmente, 180 das 327 máquinas a vapor, o que não garantia a tração de 200
toneladas que a empresa deveria manter. Precisaria de 240 locomotivas funcionando
normalmente. E, cita um exemplo:
basta dizer que em Campos torna-se necessário trafegarem 60 e poucas composições
diariamente, o que equivale a dizer que necessita de 60 e poucas locomotivas por
dia. Por aí se vê que a capacidade de tração da ferrovia está bastante deficiente. Não
é possível pegar-se uma locomotiva com 80 e poucos e mais anos de uso e torná-la
eficiente. Elas saem das oficinas com capacidade, todavia, ficam ao longo da Estrada
tão logo. Na tarde de hoje devemos ter cerca de 900 vagões carregados de
mercadoria aguardando tração.270
As avaliações não param aí, o diretor da empresa desmonta o argumento
normalmente usado de que faltariam cargas à ferrovia. Afirma que as "cifras são
impressionantes", há mercadorias a transportar e há praças de comercialização dos
produtos:
Açúcar
Safra estimada em Campos: 4 a 5 milhões de safras para este ano.
Cimento
Cerca de 15 milhões de sacas das fábricas Paraíso e Mauá.
Café
Aproximadamente 3 milhões de sacas
Arroz, milho, feijão
Aproximadamente 1 milhão de sacas
Madeira
80 mil toneladas
Mármore e calcáreos 50 mil toneladas
269
Idem, p. 49.
266
Quanto à tração, afirmava, que uma estrada de rodagem pode fazer muito,
mas, nunca poderia fazer uma tração única de 50 vagões de 20 a 30 toneladas como ocorre
com a ferrovia. Daí a razão de ser o transporte rodoviário muitas vezes mais caro271.
Em relação ao transporte de passageiros, em 1955 foram 26 ou 27 milhões
transportados, quase 50% da população brasileira. Uma média de 80 mil passageiros/dia,
concentrados na Estação Barão de Mauá, aglomerados das 17 às 19 horas, todos os dias. E,
então:
o problema do transporte de passageiros é muito sério para se conseguir escoar uma
massa em curto espaço de tempo e com facilidade. No entanto, considero-o um
problema social, nem técnico, nem econômico. Hoje não se pode resolver os
problemas das estradas encarando-os sob o aspecto administrativo ou técnicoeconômico. Há um exemplo que reputo interessante: há trechos deficitários e vamos
discutir o prejuízo que estão dando a fim de estudarmos a possibilidade de sua
eliminação. Administrativamente está certo, econômica e técnica também, todavia,
política e socialmente está erradíssimo, isto por que, a eliminação de trechos
deficitários ocasiona dificuldades enormes para o govêrno e para a administração da
Estrada, além de abalar a tranqüilidade pública. Haja vista os exemplos que já
estamos presenciando de quebra-quebras havidos.272
As soluções propostas foram o reaparelhamento, melhoria das oficinas e do
material permanente273, pois:
está provado que um simples detalhe no melhoramento, uma simples locomotiva que
entra em funcionamento provoca o imediato aumento de renda. Na tarde de ontem,
por exemplo, verificamos uma renda de 3 milhões e 600 mil cruzeiros, quando a
renda média da Leopoldina é de um milhão e 500 mil. O aumento foi devido a uma
locomotiva que entrou em tráfego.274
Observava, ainda, problemas quanto aos traçados e concorrência com as
rodovias:
outro detalhe interessante da Leopoldina que omiti pela falta de tempo é referente a
seu traçado, é que ela passa, em muitos locais, principalmente no Espírito Santo, por
270
Planos de Melhoramentos da Estrada de Ferro Leopoldina. Conferência pronunciada pelo Cel. Naldyr Baptista Laranjeiras, no Clube
de Engenharia. Revista do Clube de Engenharia, nov. 1956, p. 51. CE
271
Idem, p. 52.
272
Idem, p. 52-53.
273
Segundo Naldyr, velhos ferroviários informaram que uma locomotiva diesel equivale a 5 ou 6 a vapor. Há outras avaliações, como a
de Renato Feio, Presidente da RFFSA, que equivaleria e 12 ou 14. Outro detalhe é que 70 a 80% das linhas não têm lastro, faltando, por
isso, a estabilidade necessária. Havia cerca de 1500 a 1600 descarrilhamentos/ano. Idem.
274
Idem, p. 53.
267
dentro de cidades em estradas onde trafegam diariamente de 800 a 1000 veículos.
Possuímos trechos percorridos entre fazendas, enfim, uma série de problemas que
necessitam de ser sanados para que a Estrada cumpra a sua finalidade, que é a de
bem servir.275
Em 1958, noticiava-se um investimento do BNDE para aquisição de 17
locomotivas, 80 carros para transporte de passageiros dos subúrbios, 100 gôndolas, 30
vagões de gado, 10 de laticínios, substituição de 450 km de trilhos, colocação de 1 milhão
de dormentes, lastreamento e padronização de engates para vagões. Nessa reportagem,
afirmava-se que esses gastos ainda seriam muito pouco, pois, com mais de 3 mil
quilômetros de extensão os recursos eram insuficientes para fazer face a problemas de
tantos anos:
isso considerado, o empréstimo à antiga estrada inglesa pouco influirá para
beneficiar suas condições gerais. Melhorará uma parte de seus serviços de
subúrbios, não há dúvida, assim como possibilitará a substituição de trilhos em
alguns trechos, naturalmente os piores, também não há dúvida - mas a Leopoldina -,
a grande rêde que se lança por aí afora, atravessando todo o estado do Rio de
Janeiro, até alcançar Vitória, no Espírito Santo, e cobrindo enorme área de Minas
Gerais, essa continuará nas mesmas condições precárias que todos reclamam porque
até lá não poderão chegar os efeitos do diminuto auxílio.276
No final da década de 50, portanto, havia a esperança de novos
investimentos nas ferrovias de forma geral e na Leopoldina, em particular. Mas, as
condições adversas faziam-se cada vez mais presentes.
Apesar de tudo isso, no Relatório da Leopoldina de 1961, afirmava-se que
todos os volumes de transporte foram superiores aos de 1960: de passageiros, bagagens,
encomendas e de mercadorias. Em outubro de 1961, havia sido o record da empresa. O
volume de bagagens e de encomendas crescia desde 1956. E o de passageiros também
aumentava consideravelmente, particularmente os do interior:
Quadro 19: Passageiros do interior transportados pela Estrada de Ferro Leopoldina.
275
Idem.
Estrada de Ferro Leopoldina. Estrada de Ferro do Brasil, 1958, p. 71. Entrevista com o Coronel. Naldir L. Batista, administrador
Geral da EFL.
276
268
Quantidade de passageiros
(número)
4.757.091
5.540.411
5.489.573
Ano
1957
1960
1964
Fonte: MT. RFFSA. Relatório da E. F. Leopoldina, 1965.
De forma geral, tanto a Central do Brasil, como a Leopoldina registraram
um aumento progressivo de passageiros tanto do interior como de subúrbio no período
1958-1962, apesar da crescente concorrência rodoviária que atingia principalmente as
viagens de longo curso. Segundo a Revista Ferroviária:
esses dados indicam o grande serviço que as duas estradas prestam às populações do
interior de 4 importantes unidades da região Centro-Sul do país, que servem em
Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.277
Vejamos os dados sobre o transporte nas duas ferrovias, para efeitos de
demonstração:
Quadro 20: Passageiros transportados na EFCB.
Ano
1958
1962
Total de passageiros (millhões)
Total
Interior
206.244
15.542
280.885
18.185
Fonte: O serviço das ferrovias. Revista Ferroviária, Rio de Janeiro, jan. 1964, p. 21.
Quadro 21: Passageiros transportados na EFL.
Ano
1958
277
Total de passageiros (millhões)
Total
Interior
38.937
8.031
O serviço das ferrovias. Revista Ferroviária, Rio de Janeiro, jan. 1964., p. 21. SEDOC/RFFSA
269
1962
43.976
11.207
Fonte: O serviço das ferrovias. Revista Ferroviária, Rio de Janeiro, jan. 1964., p. 21.
Em precárias condições de funcionamento e enfrentando uma pesada
concorrência, é até impressionante que tenha havido aumento geral de transporte. De
qualquer forma:
a concorrência rodoviária continua fazendo-se sentir com bastante intensidade nas
zonas desta Estrada, favorecida pela falta de vagões com que lutamos para atender
ao público e, também, pela insuficiência da capacidade de tração.278
O aumento do volume de transportes era conjuntural, pois nada contribuía
para que se afirmasse. É importante lembrar que o alvo do desmonte, inicialmente, foi
principalmente o transporte de passageiros do interior do qual voltarei a tratar mais adiante.
Para Célio Debes:
hoje os técnicos consideram o transporte de passageiros deficitário. Porém, eles se
esquecem de que o transporte de passageiros transforma o usuário do trem como
passageiro, num interessado no trem como meio de transporte de mercadoria. O
transporte de passageiros é uma motivação para que o elemento humano se interesse
pelo transporte de cargas." (In: Ferrari, 1981:208)
Periodicamente, os engenheiros ferroviários realizavam viagens de inspeção
nos diferentes ramais, elaborando relatórios circunstanciados que eram encaminhados ao
DNEF, denominados Relatórios de Inspeção. Esses documentos revelam o estado das
linhas e as condições gerais do tráfego, daí a sua importância. Sobre a EFL em especial,
existem alguns relatórios do período 1963-69, no SEDOC/RFFSA, que, de forma geral,
confirmam a avaliação presente em outros meios, sobre a queda no índice de mercadorias
transportadas (bem como suas principais causas) e as precárias condições técnicas da
ferrovia. Todavia, eles mostram que, ainda que em estado decrescente, havia o que
transportar, contrariando, portanto, o argumento de que as regiões servidas pela ferrovia
278
Idem, p. 24.
270
não tinham expressão econômica, mas indo ao encontro das avaliações do período anterior,
como o exposto acima.
No relatório de 1966, o engenheiro Fernando Luís de Sá Flosi, Chefe da
Seção de Fiscalização do 1o Distrito Ferroviário, afirmava em relação à Linha de Três Rios
(RJ) – Manhuaçu (MG), parte da Linha Tronco Porto das Caixas - Manhuaçu, com 498,
804 km:
[...] a grande indústria Barbosa e Marques, de Carangola [zona da Mata de MG], que
antes transportava quasi toda a produção pela Leopoldina, agora, lamentavelmente,
pouco o faz. Tal coisa, é devido ao fato, já por demais conhecido, de ser a Estrada
deficiente no atendimento de requisição de vagões por parte das indústrias, como,
também, por ser a tarifa rodoviária mais baixa do que a ferroviária (não esquecendo,
ainda, de que a rodovia oferece a vantagem de apanhar e entregar a mercadoria na
porta dos clientes), além do tempo de entrega da mercadoria transportada ser bem
mais demorada que o observado na rodovia. Daí ter essa grande indústria (como,
analogamente, ocorre com as demais existentes na linha Tronco ora inspecionada)
recorrido ao transporte por caminhão.
Entretanto, o feito na ferrovia ainda apresenta alguma expressão, sendo que as
principais mercadorias transportadas na Linha Tronco Manhuaçu são as seguintes:
café, cimento (Ouro Branco, fabricado em Cachoeiro de Itapemirim) e açúcar.279
A combinação das baixas tarifas cobradas pelos caminhões (pelo menos
naquele momento, quando ainda havia a concorrência com outro modal) e o não
atendimento da empresa às demandas das indústrias (pela própria insuficiência de
equipamentos atualizados e renovados) levava à fuga dos usuários-industriais da ferrovia,
como já foi tratado anteriormente. Nesse caso, pelo menos, não era a ausência do que
transportar (com lucro), mas o recuo da ferrovia face à demanda, em função do efeito de
sucateamento (não renovação de equipamentos, linhas deficientes etc.). Em relação ao
transporte de passageiros, acontecia fenômeno semelhante, em outro nível:
[...] nos trens de passageiros, a maioria das pessoas que os usam, faz apenas por
pequenos percursos, como, por exemplo, de uma estação à outra, sendo que raros
são os que se destinam às estações de destino. Tal fenômeno é devido a dois fatos, já
conhecidos por todos, e que são: o problema da falta absoluta de conforto observado
279
DNEF/Arquivo. Proc. 11.981/66. Fernando Luis de Sá Flosi. Relatório de viagem de inspeção efetuado no período de 10 a 17 de
outubro de 1966, p. 03. [grifos DAP] SEDOC/RFFSA
271
nos trens, somado à forte concorrência rodoviária, com tarifas mais baixas, o tempo
de percursos bem menores (por exemplo, de Carangola ao Rio, leva-se cerca de 9
horas de ônibus, enquanto que de trem gasta-se quase 18 horas).
Estes problemas não podem, em absoluto, serem esquecidos e desprezados pela
EFL, pois para garantir a sua sobrevivência torna-se necessário, principalmente,
dinamizar e incrementar o transporte de mercadorias e carga, por ser ele, realmente,
a grande fonte de receita de uma ferrovia.280
Esse tráfego inter-regional mencionado pelo engenheiro, garantia o
movimento interno, dentro de um mesmo estado ou entre cidades de estados diferentes.
Muitas das vezes, os ônibus não seguiram o percurso do trem e, com o fim desse
transporte, houve uma dificuldade adicional no trânsito entre uma cidade e outra. Por outro
lado, os percursos mais longos foram, de fato, sendo uma prerrogativa do transporte
rodoviário, pela sua rapidez. A ferrovia ficava para trás, numa lenta e decisiva entropia. Os
problemas mais comuns atestados em diversos relatórios eram: irregularidades nas
passagens de nível; acidentes e descarrilamentos, mais freqüentes no tempo de chuvas
(devido a traçados deficientes, principalmente em regiões muito montanhosas, com
topografia acidentada); baixo potencial de velocidade; higiene deficiente nos carros, etc.
Nas oficinas, o drama era constante, com pouco ou nenhum recurso para
administrar o reparo dos carros, das máquinas e das linhas. O caso da oficina de Porto
Novo (MG), por exemplo, apesar de tudo (iluminação deficiente, maquinária envelhecida e
obsoleta, em sua maior parte), produzia significativamente, segundo Flosi. Havia, ainda,
como agravante, a falta de pessoal. Devido a aposentadorias, dispensa e doenças, os 900
trabalhadores iniciais, foram reduzidos para 590; sendo que destes, 550 efetivamente
trabalhavam.
Outro relatório exemplar, da inspeção na Linha Tronco Barão de Mauá
(RJ)-Vitória (ES), com 638, 483 km, de 1968, realizado pelos engenheiros José Eduardo
272
Freire de Carvalho e o mesmo Luis Flosi, relata problemas semelhantes aos anteriores.
Essa linha, no entanto, foi uma das que sobreviveram às erradicações, através do transporte
de cargas. A exploração do tráfego desse trecho correspondia a 60% da receita global da
Estrada. Transportava-se, em maior escala: cimento, açúcar, cana de açúcar e produtos
siderúrgicos (laminados). Outros produtos: café em grão, álcool, gado, óleo combustível e
dormentes. As maiores fábricas de cimento: a) Paraíso (Estação Paraíso. Linha Transversal
Murundu – Porciúncula - RJ); b) Ouro Branco (Cachoeiro de Itapemirim); c) Hércules
(Italva (RJ), Linha Transversal Murundu-Porciúncula).
No caso da fábrica Paraíso, por exemplo. Embora significativo, o transporte
de cimento pela ferrovia caiu substancialmente, em decorrência do asfaltamento da BR-40
(Campos-Itaperuna). A produção de todas as fábricas tendia a aumentar, em virtude do
aumento da demanda, inclusive nos estados do Nordeste, no entanto, cada vez mais sendo
transportada pelas rodovias:
a concorrência rodoviária é muito forte, não só pelas peculiaridades desse meio de
transporte, como pelos menores desenvolvimentos dos seus traçados em relação aos
da ferrovia, o que em última análise se reflete em maiores discrepâncias tarifárias.281
Essa discrepância tarifária, como exemplo, no caso do cimento, em 1967:
Tarifa rodoviária
Tarifa Ferroviária
NCR$ 0,280/saco
NCR$ 0,364/saco282
Em 1968, a Leopoldina reduziu o valor do frete, igualando-o ao da rodovia.
Isso foi possível porque os vagões que transportavam o cimento, na volta, traziam a escória
de alto forno, originária da USIMINAS. Mas, houve retração na produção da USIMINAS,
280
Idem.
Idem.
MVOP/DNEF. José Eduardo Freire de Carvalho e Fernando Luis de Sá Flosi. Relatório de Inspeção efetuado na EFL, na linha
tronco Barão de Mauá-Vitória, no período de 23 a 29 de junho de 1968, p. 06. Participação do Diretor da Divisão de Fiscalização,
Engenheiro Cesar Bastos Morra e Silva. SEDOC/RFFSA
280
281
273
contribuindo para o dêbacle da estratégia. Outra medida para enfrentar a concorrência
nessa região, seria a construção de uma linha litorânea, reduzindo o percurso VitóriaCampos de 12 para 3 horas e meia.283 A viagem Rio-Vitória reduzir-se-ia de 18 para 9
horas e meia. Mas, segundo os inspetores: "inquestionável, portanto, é o sentido da obra
projetada, que não foi efetivada até agora por absoluta falta de recursos".284 Esses
exemplos são repetidos à exaustão, tanto nesses relatórios, quanto em outros documentos,
mas, creio já ser suficiente para exemplificar o processo pelo qual as ferrovias perderam os
seus clientes.
Em 1975, a direção da 7a Divisão Leopoldina, avaliava, no Anuário das
Estradas de Ferro do Brasil, o que, de alguma forma, contraria o argumento utilizado para
a extinção de muitos ramais:
[...] até 1971, [o transporte] era de pouca expressão econômica, passou, a partir de
1972, a oferecer perspectivas promissoras de recuperação, já que o volume de
transporte de minério do Vale do Rio Doce e de Mariana, escoado por suas linhas,
ultrapassou de muito os índices esperados, o mesmo acontecendo em relação ao de
cimento e açúcar. Ao mesmo tempo, abrem-se novas perspectivas para a Estrada,
com o início da movimentação dos derivados de petróleo da Refinaria Duque de
Caxias.285
Os dados do quadro abaixo fornecem um indicativo de que a região servida
pela 7a Divisão oferecia maiores oportunidades e diferenciação na carga transportada a
partir principalmente de 1974, quase dobrando a sua tonelagem, ao mesmo tempo que
diminuía significativamente o número de passageiros, já como conseqüência da
desativação dos ramais e do fim dos trens do interior.
282
Idem.
Existiram outros projetos de extensão das linhas, mas geralmente visando a captação de cargas de usinas siderúrgicas. Foi o exemplo
do trecho Capitão Martins-Ipatinga, visando o atendimento a Usiminas. O projeto rolou de 1964 a 1967, foi estudado por um Grupo de
Trabalho reunindo representantes da Usiminas, BNDE e RFFSA e acabou não sendo desenvolvido pela EFL, mas o foi pela E. F.
Vitória- Minas, da Companhia Vale do Rio Doce, garantindo que seria de menor custo. Sobre a construção de ramal da EFVM, ver,
especialmente, Processo M.T. 13967/67. Pasta Estrada de Ferro Leopoldina. Seção de Estudos Econômicos. Recortes de jornais,
informações, etc. SEDOC/RFFSA.
284
Idem, p. 14.
285
Os trilhos na economia mineira. Anuário das Estradas de Ferro do Brasil, Rio de Janeiro, 1975, p. 94. SEDOC/RFFSA
283
274
Quadro 22: RFFSA - Sistema Regional Centro – 7a Divisão – Leopoldina. Passageiros e
cargas transportadas (1968-1970).
Ano
1968
Extensão
Carga Geral
(km)
(t/km úteis)
2.551
273,2
1969
2.467
283,7
1970
1971
1972
1973
2.364
2.396
2.240
2.295
277,678
223.267
212.000
289.000
1974
2.178
570,200
1975
(s/previsão)
576,600
Passageiros
Carga
(mil)
Transportada
23.077
Cimento,
cana,açúcar,
23.260
café,
combustíveis
21.456 Id.
17.975 Id.
16.231 Id.
16.243 Id.
Minério
de
ferro, açúcar,
Cimento, cana,
16.793 calcáreos,
ferro, aço e
gusa, derivados
de petróleo
13.341 Id.
Receita
(NC$)
Despesa
-
-
22.235.737
80.953.238
25.121.000
28.743.000
50.183.832
50.339.000
97.450.000
116.244.000
154.325.534
167.698.000
71.956.000
197.954.000
76.690.000
202.935.000
Fonte: Dados extraídos de: Os trilhos na economia mineira. Anuário das Estradas de Ferro do Brasil, 1975, p. 91-94.
Houve, também, um ganho significativo de receita, mas também uma
elevação da despesa. Com o aumento da carga transportada, exigindo-se mais da malha
rodante, é possível prever um desgaste ainda maior numa situação já deteriorada, com
poucos investimentos.
V.3 Arrancando-se trilhos
A partir da incorporação à RFFSA, a Leopoldina e todas as outras empresas
perderam o caráter autônomo. Mantiveram-se na nomenclatura, mas passaram por várias
reformas administrativas mudando, inclusive, de sede administrativa.
275
No Relatório da direção da EFL em 1962, a extinção dos ramais
antieconômicos aparecia com mais vigor, até porque havia sido criada a Comissão
Regional para Extinção dos Ramais Ferroviários Antieconômicos (CRERFA), em junho
desse ano. Logo depois, em 1965, ela foi oficializada pela RFFSA, criando a CRAE Comissão Regional para Assuntos relativos a Erradicação de Trechos Ferroviários
Antieconômicos, assunto tratado no capítulo anterior. No total de um quarto das linhas da
empresa, a supressão era vista como "medida básica para o saneamento econômico da
Estrada". O Tenente Coronel Mauro Moreira, então Superintendente da empresa, afirmava:
a situação financeira da Leopoldina que, mesmo durante a administração inglesa,
nunca foi realmente boa, tendo se ressentido com a queda da produção agrícola,
principalmente provocada pelo declínio do surto cafeeiro, agravou-se após a II
Guerra Mundial, com a constante elevação dos salários. Não tendo autorizado o
reajustamento tarifário, em 1949, o Govêrno viu-se obrigado a assumir os encargos
financeiros da empresa e em 1951, promover sua encampação.286
Dessa forma, a própria administração da empresa assumia também o
discurso dos Grupos de Trabalho, do Ministério de Viação e Obras Públicas e da RFFSA.
Evidentemente, que os problemas internos da empresa eram graves, no entanto, vimos
anteriormente, como fatores externos a ela são determinantes. O lema: "transporte de
grandes massas a grandes distâncias" era encampado pelas administrações regionais,
excluindo grande parte dos serviços prestados pelas ferrovias. A extinção dos ramais
antieconômicos passa, a partir daí, a ser prioridade, em consonância com as diversas
comissões formadas para tal tarefa. Em 1962, informava-se a supressão do tráfego nos
ramais de Castelo (ES). Glicério (RJ) e de grande parte da E. F. Maricá (RJ). Além disso,
previa-se o prazo de dois anos para a extinção dos 952 km iniciais programados, sendo
que: "novos ramais deverão em breve ter seu tráfego suspenso, à medida que as rodovias
286
MVOP/RFFSA. Relatório da Estrada de Ferro Leopoldina, 1962, p. 02. SEDOC/RFFSA
276
substitutivas forem sendo concluídas, para o que a ação do DNER e dos DERs estaduais
serão de grande valia".287
Em 1963, numa entrevista com o Cel. Eng. Mauro Moreira, DiretorPresidente da EFL, afirmava que havia planos de modernização da EFL, com a
implantação da tração diesel-elétrica, modernização das oficinas, do material rodante e dos
traçados.
Em relação aos ramais antieconômicos, alguns eram analisados como
recuperáveis e outros absolutamente antieconômicos. Com relação aos primeiros, levandose em conta o papel do grande sentido sócio-econômico que representam, procuravam
recuperá-los: Ponte Nova- D. Silvério; Visconde de Itaboraí-Niterói; Furtado de Campos Juiz de Fora; Magé-Guapimirim; Neves-Virajaba; Porto das Caixas-Cachoeiras de
Macacu; Conde de Araruama-Triunfo e Iguaba Grande-Cabo Frio. Realizavam-se
melhoramentos para receber o trânsito de locomotivas diesel-elétricas:
fica, assim, e isso faço questão de frisar, perfeitamente patenteado não haver por
parte da RFFSA ou da direção desta Estrada, qualquer prevenção 'a priori' com
respeito aos ramais ferroviários.288
Nos ramais ditos não recuperáveis,
[...] os investimentos a serem feitos são de tal vulto e tão remotas as possibilidades
de tráfego que justifiquem tais gastos, que não se encontra quaisquer argumentos
racionais para tal feito. Além do mais, as verbas aí despendidas irão fazer falta em
outros setores igualmente necessitados, de maior sentido sócio-econômico para o
país.289
Em março de 1964, deu-se a intervenção direta do Governo Federal na
empresa. E houve um maior controle na administração ferroviária, de forma geral. Durante
o governo Jânio Quadros, o presidente da RFFSA foi Hermínio de Amorim Jr., engenheiro
287
288
Idem, p. 08.
A recuperação da Estrada de Ferro Leopoldina. Revista dos Transportes, Rio de Janeiro, set. 1963, p. 36. SEDOC/RFFSA
277
ferroviário e ex-secretário de Transportes do governo JQ em São Paulo. Durante a sua
gestão, havia um relativo diálogo com os ferroviários, reconhecido por lideranças como
Batistinha e Arueira.290 Logo depois, com o Golpe, fazia-se a intervenção políticoadministrativa na empresa, bloqueando-se o canal de comunicação com os ferroviários.
Dessa forma, a presidência da RFFSA era um cargo estratégico, ocupando um papel
central nesse jogo político.
Assim, aguardava a Interventoria:
responsável pela direção da EFL desde quando dela se afastou o Cel. Mauro
Moreira, que acumulava a função com a de diretor da RFFSA, o Eng. Herber
Maranhão Rodrigues, nomeado seu Interventor Federal, encontra essa antiga
ferrovia em uma fase em que diversos problemas esperam solução (administração e
renovação técnica).291
Sobre os ramais deficitários, afirmava o Interventor:
de um modo geral, deficitária e antieconômica é toda a Estrada, porque não houve
atualização do seu traçado como com as rodovias, havendo apenas modernização do
material de tração. É o mesmo que imaginássemos os carros modernos de hoje
trafegando em estradas de cem anos atrás.292
Com essa mentalidade reinante na sua diretoria, certamente, a empresa não
sobreviveria por muitos anos. Durante o Regime Militar, os diretores da empresa foram
ainda mais cuidadosamente escolhidos, na seguinte perspectiva:
acreditamos que os danos causados à produtividade e disciplina, pelas diretrizes
políticas adotadas no período da interventoria, com a conseqüente intromissão,
altamente danosa, do Sindicato nos assuntos operacionais da Estrada, tem sido, ou
vem sendo superados, com o trabalho intenso e profícuo primeiro do Sr. Delegado
289
Idem.
Segundo Batistinha, "durante os seis meses de Jânio Quadros, [Amorim] nunca teve problemas com os ferroviários". Demistóclides
Baptista (depoimento, 1986). Rio de Janeiro: FIOCRUZ/COC, 1991. Programa de História Oral, p. 69.
291
A Estrada de Ferro Leopoldina está sendo administrada sob regime de intervenção. Revista Ferroviária, Rio de Janeiro, mar. 1964, p.
17. SEDOC/RFFSA
292
Idem
290
278
da RFFSA e, me seguida, pela Diretoria Colegiada que, a partir de 27/04/64 assumiu
a direção da Estrada.293
Após 1964, com a Interventoria e um controle mais rígido sobre a direção
da empresa, acontecia, paralelamente, a sistematização da extinção de ramais e o desmonte
político do Sindicato da Leopoldina. Nesse mesmo ano, foram fechadas as seguintes
estações:
Quadro 23: Trechos e Estações fechadas, 1972.
Trechos e estações fechadas
Penha a Cantagalo
D. Mariana a Paquequer
M. da Serra a Moura Brasil
Uricana a Mar de Espanha
Campelo a Miracema
Leitão da Cunha a M. de Morais
Santana de Cataguases
Muriaé
Pomba
Total
Número de estações
14
7
11
3
2
6
1
1
1
46
Fonte: MVOP/RFFSA/Relatório da Estrada de Ferro Leopoldina, 1964, p. 02.
Outros ramais foram transferidos: Governador Portela- Santa Rita de
Jacutinga para a Viação Férrea Centro Oeste e Burnier-Ponte Nova para a E. F. Central do
Brasil.294 Com a extinção de ramais, argumentava-se que se fortaleceriam os restantes.
Assim, na gestão do Coronel Paulo Nunes Leal, reconhecia-se a importância da ferrovia às
regiões servidas e também nas tarefas sociais internas à empresa: manutenção de Escolas,
assistência médica, jurídica e financeira. Afirmava:
há que romper-se o círculo vicioso de não se ter rentabilidade operacional pelas más
condições de nossas linhas e temos linhas ruins porque não temos receita suficiente.
Há que conseguir-se condições para eliminação dos déficits operacionais sob pena
de vermos esses mesmos déficits, de modo crescente, absorverem recursos que
deveriam destinar-se a inversões de conta capital.
293
MVOP/RFFSA/Relatório da Estrada de Ferro Leopoldina, 1964, p. 02. O delegado interventor era o engenheiro Plauto Adroaldo dos
Santos Facin e o Diretor-Superintendente era o Coronel e engenheiro Paulo Nunes Leal (desde 27/4/64). SEDOC/RFFSA
294
Idem.
279
Não se pode negar o esfôrço feito pela Leopoldina, na maioria de seu pessoal, do
engenheiro ao humilde trabalhador da soca, para a recuperação da Estrada. Há que
apoiar-se decisivamente esse trabalho, dar um sentido a êsse esforço, canalizar esse
entusiasmo, corresponder a esse amor e a essa dedicação pela velha Estrada que,
podada de seus ramais antieconômicos, ressurgirá em plena pujança se não lhe
forem negados os recursos de que necessita.295
Esse discurso conciliador, valorizando os funcionários, ainda que presente
num veículo de circulação restrita, como é o caso do Relatório da empresa, camufla um
período de repressão sindical, de demissões, aposentadorias e transferência de pessoal dos
ramais extintos para outros serviços. De forma geral, houve uma drástica redução de
pessoal, sem novas contratações. Em dois anos, 1964 e 1965, saíram, por motivos diversos
(aposentadorias, demissões, etc.), 3.041 funcionários, assim distribuídos:
Quadro 24: Redução de pessoal na E. F. Leopoldina, 1964-65.
Funcionários /origem
Pessoal da CLT
Servidores Públicos
Total
Anos
1964 (no)
842
141
983
1965 (no)
1997
661
2.058
Fonte: MVOP/RFFSA. Relatório da Estrada de Ferro Leopoldina, 1965, p. 04
Em 1966, foi nomeado Diretor-Superintendente o Coronel Antônio Andrade
de Araújo, que também era membro do GESFRA e seria presidente da RFFSA (conforme
Quadro III dos Agentes da Política Ferroviária, no Anexo 6). Portanto, podemos inferir que
a empresa passava, de fato, por um regime de intervenção indireta e de cuidadosa escolha
de sua diretoria. Até 1972, continuava-se o trabalho relativo à erradicação de ramais:
295
MVOP/RFFSA/Relatório da Estrada de Ferro Leopoldina, 1965, p. 04. SEDOC/RFFSA
280
fechamento de estações, de postos telegráficos, transferência de linhas para outras
empresas, extinção de trens de passageiros e limpeza nos trechos dos trilhos arrancados
(retirada de trilhos, parafusos e sucatas em geral).296
V.3.1 O combate nos trilhos
A ação combativa e reivindicatória dos ferroviários continuou pela década
de 1960, mas já mostrando os seus limites internos e os externos, impetrados pelo regime
militar. O objetivo deste item é mostrar uma outra modalidade de erradicação ferroviária,
que complementou aquela realizada através do arrancamento dos trilhos, qual seja,
sucessivas ações políticas/repressoras que foram decisivas no fracionamento da categoria
dos ferroviários.
Uma paralisação convocada pelo Sindicato da Leopoldina em 1960 e a
repressão desencadeada, foi apenas o prenúncio do que viria poucos anos depois. De
acordo com Arueira:
nós queríamos ganhar a lei da paridade, não é essa paridade que o pessoal fala hoje,
não, que isso aí nós chamamos de complementação. Aliás, é o nome correto. Então,
nós pegamos, queríamos ganhar cento e tantos porcento de aumento em 1960, 18 de
novembro de 1960, um dia depois de meu aniversário. Aí, partimos para uma
greve...297
A greve nacional pela Paridade, paralisou não só os ferroviários, mas
também os marítimos e portuários, organizados em torno do PUA – Pacto de Unidade e
Ação298, criado pelos comunistas em 1957 e sediado no Rio de Janeiro. Reivindicava-se a
296
Cf. Relatórios da Estrada de Ferro Leopoldina, 1967, 1968, 1971 e 1972. SEDOC/RFFSA
Entrevista de Herval Arueira.
298
O PUA preparou o caminho para o surgimento da CGT - Comando Geral dos Trabalhadores, pouco tempo depois.
297
281
paridade com os militares, cujos salários haviam sido reajustados em julho de 1960, em
detrimento do funcionalismo civil e dos empregados nas empresas concessionárias de
serviço público. Após um período de tentativas infrutíferas de negociação, a greve foi
deflagrada, sendo que os velhos “pelegos” colocaram-se contra o movimento, reunindo-se
com o Ministro do Trabalho e colocando-se a favor do governo. Segundo Boris Fausto:
o próprio Jango não obteve vantagens com a paralisação e permaneceu em silêncio
no Rio Grande do Sul. A liderança ficou nas mãos dos comunistas e de figuras novas
do movimento operário. Militares substituíram os grevistas e pressionaram o
presidente e o Congresso para que solucionassem o problema, sob pena de
intervenção das Forças Armadas. Deliberando às pressas, o Congresso atendeu em
três dias às reivindicações dos grevistas. (1995: 431)
Ainda assim, vários sindicalistas foram presos, sendo que alguns deles
conseguiram a liberdade ainda em novembro de 1960. Segundo Arueira, durante essa
greve, com a tentativa de paralisação total dos trens, houve um episódio em que os
grevistas, ao saberem da existência de um maquinista que furava a greve, chamado de "Zé
Fumo", através de um piquete, tentaram impedir o tráfego de sua composição, em Parada
de Lucas, subúrbio do Rio de Janeiro. Lá chegando:
(...) Aí, deitamos 79 [ferroviários] no trilho, um sol desgraçado, (...) aquele calor.
(...) Nós estávamos pensando que o trem tava vazio. Aí, vem o trem... Eu era o
primeiro, porque eu era o único diretor do Sindicato que tava lá. (...) Aí fala [um
companheiro], assim: "Arueira, você se enrola na Bandeira nacional, porque você é
o diretor (...). Daí, o desgraçado [o maquinista] me viu deitado aí onde está você e
parou aquele limpa-trilho (chama limpa trilho, que fica bem na frente para tirar
qualquer coisa do trilho, pra máquina não ranger). Aí, parou. Quando parou, desceu
um Coronel e uma comandita de soldados do Exército. Aí, (...) "desocupa aí, seus
representantes de Moscou". Aí eu deitado (...), falei: "Coronel, não tá certo, porque
nós não estamos aqui representando país nenhum, não Senhor. Eu nem até mesmo
conheço Moscou". Aí ele falou: "Mas vocês são representantes do Partido
Comunista do Brasil". Aí, eu: "não aqui é tudo ferroviário. Pede o documento dele
para o Sr. ver, todo mundo aqui é ferroviário." (...) [E o Coronel]: "como é que é, vai
desocupar a linha?" Eu falei: "Coronel, mas, espera aí, estamos lutando por uma
reinvidicação justa , estamos tentando levar mais um pedaço de pão..." 299
299
Idem.
282
Esses são apenas alguns trechos da longa narrativa (de forma
surpreendentemente irônica e bem-humorada) sobre detalhes do episódio, pois, de fato,
Arueira tem todos os motivos para jamais esquecer-se dele. Na tentativa de negociação, os
ânimos se exaltaram e houve um violento choque com a tropa ali presente. O resultado foi
o ferimento e a prisão de muitos ali envolvidos. Arueira foi dos mais atingidos,
sobrevivendo por "sorte":
eu fiquei 19 dias em coma, em três hospital. Quebraram oito costelas, [houve]
fissura nesse pulmão direito... e toda radiografia que eu tiro, ainda tem lá (...).
Desvio de coluna, quebrou as 2 pernas. A família [esposa e filhos] morava em
Campos...300
Batistinha também relata esse episódio, embora ele não estivesse presente.
Talvez, por isso, o desfecho relatado é radicalmente diferente do de Arueira. Para
Batistinha, um ferroviário denominado Válter, que tinha sido expedicionário, reconheceu
entre os soldados o seu antigo comandante na Itália: "o trem parou, os dois se abraçaram,
foi uma choradeira e a tentativa de furar a greve acabou aí".301 Para Arueira, o Válter, que
era conhecido como "Válter maluco", realmente reconheceu como companheiro de guerra,
não um soldado, mas o Coronel lá presente, à época da II Guerra, era Capitão. O desfecho
não foi o abraço, mas a acusação irada de Válter contra a atuação do referido oficial
durante a guerra, supostamente covarde e medrosa. Isso teria sido o estopim de toda a
confusão. Daí, as clivagens e divergências na memória, de acordo com a participação e/ou
envolvimento dos atores em determinados acontecimentos.
A repressão aos trabalhadores dava-se no contexto de acirramento político
interno302, em terreno preparatório para o Golpe Militar e no clima ideológico da Guerra
300
Idem.
Betânia G. Figueiredo (org.) Batistinha. O combatente dos trilhos, op. cit, p. 35.
302
Após a renúncia de Jânio Quadros (25/08/61), assumiu interinamente a presidência da República o presidente da Câmara, Ranieri
Mazzilli, pois o vice, João Goulart, encontrava-se em viagem ao exterior. Houve forte oposição (comandada pelos ministros militares) à
301
283
Fria. Os ferroviários foram os primeiros a paralisar as atividades, em defesa de uma
solução constitucional. Foi a greve da Legalidade que durou 12 dias, em agosto de 1961.
Com a posse de Jango, os ferroviários encerraram a greve, colocando nos trilhos o "Trem
da legalidade", conduzindo triunfalmente, desde Caxias, 3 mil ferroviários e entrando às 14
horas do dia 06/09 na Gare Barão de Mauá.303
A repressão não era uma novidade, pois a greve de 1948 (tratada no
Capítulo II), também foi muito influenciada pelo clima da Guerra Fria, lembrando que no
ano anterior o Partido Comunista havia sido colocado na ilegalidade. A direção da
Leopoldina tentou várias formas de acabar com o movimento, utilizando, inclusive, furagreves, sem êxito. No final, em torno de 300 ferroviários foram presos, segundo o jornal
comunista Gazeta Sindical.304 Da mesma forma, na greve de 1958 (deflagrada devido ao
atraso de pagamento, assim como várias outras), acirrava-se a intolerância, com o
"fantasma do comunismo". No relatório realizado pela Comissão do Departamento de
Transportes da Leopoldina, afirmava-se, sobre os principais acusados de envolvimento na
greve:
contra esses empregados, devem ser tomadas medidas drásticas, pois são ainda bem
novos de serviço e já estão demonstrando o grau de intolerância e desrespeito às
ordens emanadas da Alta Administração da Estrada.305
E, mais adiante, aparecia o "espectro do comunismo" :
essa greve nos trouxe exemplos de infiltração comunista em nosso meio, onde os
elementos que mais se destacaram foram os estagiários com menos de 5 anos de
posse de João Goulart, devido às suas supostas ligações com os comunistas. A solução de compromisso foi a adoção do regime
parlamentarista. João Goulart assumiu a presidência no dia 07 de setembro de 1961.
303
Cf. Centro de Memória Ferroviária do Sindicato da Central do Brasil. Ferroviários em luta, 1960-1980. Catálogo da Exposição de
fotografias. Rio de Janeiro: Arquivo de memória operária do Rio de Janeiro/IFCS/UFRJ, 1990, s.p. Vide Foto 1, no Anexo 10.
304
Ver nota 27 do capítulo II.
305
Ofício CT. 483/P. Da Chefia do Departamento de Transportes da EFL para a Chefia do Departamento de Engenharia Mecânica, em
16/02/1955 [grifo DAP]. Esse documento faz parte de um conjunto de processos internos da Leopoldina sobre os movimentos grevistas,
de 1948 a 1963. Foram recuperados recentemente no depósito da empresa de Praia Formosa, pelo pesquisador Gerson T. do Carmo (e
que gentilmente enviou-me cópias), e hoje estão acervados na UENF - Universidade Estadual do Norte Fluminense. Muitos outros
documentos importantes encontram-se "perdidos" nesses depósitos. Nesse caso, a atuação individual dos pesquisadores no resgate e
divulgação desse tipo de material é fundamental para a recuperação dessa memória.
284
serviço, os quais deveriam ser dispensados imediatamente, para servir de lição aos
demais trabalhadores.306
Portanto, já estava presente um autoritarismo exacerbado, insuflado pelo
clima anti-comunista. O importante a salientar, nesse caso, é que isso não era uma
prerrogativa exclusiva dos órgão governamentais ou do aparelho repressivo, mas
assimilados pela média burocracia da empresa. Enraizado no tecido social, o autoritarismo
prepararia a emergência da ditadura. Não é por acaso, que aparecem os nomes de duas
importantes lideranças dos ferroviários na lista de "infiltração Comunista" apresentada por
Dreyffus: Rafael Martinelli (mais conhecido como o "italiano", foi o presidente da
Federação Nacional dos Trabalhadores Ferroviários) e de Demisthóclides Baptista
(Batistinha). (1981: apêndice K)
O que muda substancialmente na década de 60 é o caráter sistemático,
contínuo e generalizado da repressão, atingindo grande parte dos trabalhadores urbanos e
rurais, mas estudantes, políticos, etc.
Em 1962 foi fundado, pelo Sindicato da Leopoldina, o Sindicato da Central
do Brasil. Conta Arueira:
em 62 fundou [o Sindicato dos Trabalhadores da Central do Brasil], porque aí já
tinha um pessoal CLT, que embora a Constituição que garantiu o direito aos
servidores públicos de sindicato, na Central tinha aqueles que entraram depois de 57
e era CLT, então, tinham o direito de ter sindicato. Agora nós da Leopoldina não,
nós da Leopoldina já éramos portadores de carteira profissional na época dos
Ingleses e, pelo acordo de Londres e pela escritura passada da Leopoldina, nós
passamos para cá no mesmo regime jurídico que nós tínhamos lá, que era CLT.307
Sob o impacto do Golpe Militar, em 31/03/64 o Comando Geral dos
Trabalhadores - CGT, convocou uma greve geral, que seria a última de um período de
grandes mobilizações sindicais. Os trens pararam às 16 horas do dia 31 de março. A cidade
306
Idem.
285
do Rio de Janeiro esvaziou-se com a ausência de circulação de pessoas, o que, apesar da
existência de alguns núcleos de resistência, inviabilizou uma resistência popular
massiva.308. Esse movimento, colocaria em exposição as limitações do movimento sindical
e da própria esquerda brasileira, naquela conjuntura, segundo Mattos. (1998:175). De
acordo com o autor:
dos relatos dos sindicalistas sobre os eventos de 31 de março/1o Abril, pode-se
concluir que, apesar das avaliações negativas de muitas lideranças sobre os
resultados do movimento, ao menos no Rio de Janeiro houve greve. Mais que isso,
que as lideranças do CGT não dispunham de diversos canais de acesso às
autoridades civis e militares da República e tudo fizeram para por a funcionar o
"dispositivo" de resistência militar, no qual tinham depositado todas as suas fichas.
Entretanto, a literatura especializada tendeu a caracterizar a greve como uma
"tentativa mal sucedida", paradigma dos limites do "sindicalismo populista" e
exemplo do caráter cupulista, dirigista e pouco mobilizador do conjunto das greves
do período. Voltando às greves de metalúrgicos, bancários e ferroviários, em fins
dos anos 50 e início dos 60, encontrei um quadro muito diferente. Greves
participativas, organizadas a partir do local de trabalho e com uma integração viável
entre demandas políticas gerais e bem sucedidos encaminhamentos de
reivindicações econômicas. (1989: 219)
Seria preciso uma incursão muito maior no movimento sindical ferroviário,
em especial, para entender o alcance das críticas de Mattos à historiografia corrente sobre o
assunto, analisando o caso dos ferroviários da Leopoldina em especial. Não sendo possível
realizar essa tarefa, contento-me com os relatos de Batistinha e de Arueira e uma pequena
parte de uma dispersa documentação sindical. É impressionante a riqueza de experiências
do Sindicato da Leopoldina, em especial e o pouquíssimo conhecimento que temos disso.
O meio ferroviário era formado por muitas clivagens sociais. Havia o
pessoal das oficinas, que pertencia geralmente a estratos sociais mais baixos e de baixa
escolaridade. Os setores medianos das estações, os burocratas dos serviços mais imediatos
e os de alta qualificação profissional, geralmente pertencentes às classes médias e alta,
eram os engenheiros, economistas e administradores que geralmente ocupavam os
307
Entrevista de Herval Arueira.
286
principais postos nas seções regionais das empresas, na Rede Ferroviária, no DNEF e nos
demais organismos de Estado ligado aos transportes. Na literatura marxista, esse segmento
é denominado de "categorias sociais", conjunto de agentes cujo principal papel consiste no
funcionamento dos aparelhos de Estado e da ideologia (Poulantzas, 1984:110). Não têm
uma adscrição de classe única, e, em geral, seus membros pertencem a diversas classes
sociais, embora possam apresentar unidade própria em torno de algumas questões:
assim, geralmente o "ápice", o "alto" pessoal da burocracia administrativa pertence,
por seu modo de vida, por seu papel político, etc., à burguesia: os membros
intermediários e a base da burocracia pertencem ou à burguesia, ou à pequena
burguesia. O caso dos "intelectuais", cujos membros também podem pertencer à
burguesia ou à pequena burguesia, é igual. (Poulantzas, In: Silveira, 1984: 110)
No caso dos técnicos e engenheiros vinculados à empresa, já vimos,
anteriormente, que, em alguns casos, embora do meio ferroviário e também assalariados,
podem colocar-se contra a maioria dos trabalhadores, que são os empregados das oficinas e
outros. Daí, como diz Poulantzas:
para este grupo social (técnicos e engenheiros organicamente vinculados à empresa),
cujo desenvolvimento no interior das empresas está vinculado à produção moderna,
pertencer ou não à classe operária depende dos critérios políticos e ideológicos,
especialmente: qual é a sua consciência de classe e qual é a sua posição política
concreta no interior da empresa? Com efeito, do ponto de vista da divisão social do
trabalho, esse grupo, em geral, tem uma posição ambígua, dúplice, contribuindo
cada vez mais para a produção da mais-valia; ao mesmo tempo, este grupo está
investido de uma "autoridade" especial na vigilância do processo de trabalho. Assim,
quanto à sua adscrição de classe, a questão decisiva é saber se o que tem primazia na
prática política efetiva é essa "autoridade" na organização capitalista "despótica" do
trabalho, ou se é sua solidariedade com a classe operária. (Idem: 104) [grifos DAP]
Os aspectos político-ideológicos, ou em termos gramscianos, de afinidade
de classe, são fundamentais para identificar a posição de um ator específico dentro do
contexto mais geral do panorama da luta de classes. Os critérios econômicos não bastam
para determinar e localizar as classes sociais em uma formação social concreta (Cf.
308
Cf. depoimento de Sr. Pompeu, militante do PCB e funcionário do Sindicato dos Bancários no Rio em 64. Apud: Mattos, 1998, p.
287
Poulantzas, 1984:103). Da mesma forma que um engenheiro pode, por afinidade de classe,
ser uma peça importante nas lutas operárias, um ferroviário de oficina, poderia,
igualmente, por afinidade (ou por motivos outros), ser um "traidor" de sua classe309.
Nesse embate se construíam e constróem os movimentos sindicais. No caso
dos ferroviários, as clivagens político-ideológicas-econômicas concretas não foram
solucionadas; sofreram um forte revés repressivo e, por último, mas não menos importante,
a própria categoria diminuiu numericamente, em função da extinção de ferrovias e de
ramais ferroviário, além do sucateamento progressivo das ferrovias. Isso acabou levandoos ao enfraquecimento e à quase extinção. Muito provavelmente, quando as desativações
começaram, não se tinha uma visão (ou não se procurou ter) sobre as conseqüências em
curto e médio prazos. Parece haver um hiato entre o processo de arrancamento de trilhos,
de um lado e o prosseguimento das lutas e reivindicações dos ferroviários, de outro. Nas
entrevistas de Batistinha, esse aspecto era tocado perifericamente. A avaliação de Arueira
atualmente sobre esse processo é, talvez, punitiva em excesso. Ele diz:
primeiro, o erro mais grave, como autocrítica, a culpa foi nossa, dos ferroviários.
Houve, havia um pequeno empecilho, porque os companheiros, servidores públicos,
eles estavam subordinados a um regime muito forte, e que, (entendeu?), pra não
perder o emprego. Nós, (...) e nós da Leopoldina, que viemos dos ingleses, naquela,
mais ou menos nessa época, nós já tínhamos...., nós já éramos amparados pela CLT,
por que a CLT nos amparava com 10 anos, nós éramos estáveis e para ser demitido
era preciso que nós cometêssemos uma daquelas 10 ou 15 letras do 482 da CLT,
certo? Então era difícil, entende? (...) E aqui no Sudeste, só tínhamos nós CLT, o
resto tudo era servidor público. Ferroviário, servidor público. Só depois da criação
da Rede é que o pessoal que ia entrando, já ia entrando como CLT. Então, foi a
época que nós formamos o Sindicato. Mas, no fundo no fundo, a culpa foi nossa.310
Além das dificuldades da unificação das lutas, por causa do regime de
trabalho e da instabilidade, Arueira avalia que, em parte, as lutas sindicais foram, de
175.
309
Segundo Batistinha, " a base operária de qualquer ferrovia é mesmo as oficinas. O pessoal da via permanente era geralmente
recrutado no campo. Já o pessoal da estação e do escritório trabalhava de gravata e quando a gente estava zangado dizíamos que eles
usavam a gravata como se fosse coleira. Andavam bem vestidos, eram recrutados na classe mais média, eles não tinham mentalidade
operária. Betânia G. Figueiredo (org.). op. cit., p. 34 [Grifo DAP].
288
alguma maneira, se afastando da sociedade e as lideranças se "descolando", indo ao
encontro de análises correntes sobre o movimento operário:
(...) antes a gente já pedia: “pelo amor de Deus, vamos cair na sociedade, vamos
esquecer o negócio de Bolsa de Valores, vamos esquecer que nós ferroviários, pra
nós, nós já sabemos o que queremos.” Para que agora eu vou ficar em jornal, vou
ficar em rádio, televisão e tal, nós somos contra. Mas contra, por que? O povo quer
saber o porquê. Vamos soltar uma carta. Qual foi o motivo até hoje, se Lula não
ganhou eleição até hoje, por que, você pergunta? Elegeu, o pessoal todo aí. Quando
elegeu... No começo, as coisas são simples, típicas de cartilha. Não gasta dinheiro
pra andar de avião! Joga isso em cima do interior. Principalmente do interior.
Nordeste, principalmente. Os coitados são dirigidos, não é isso mesmo? Joga isso,
chama a atenção: "olha, amanhã você não pode reclamar", então bota essas palavras
comum, comum que o trabalhador entende é a palavra comum. Tanto é que, muitas
vezes, o Batistinha queria fazer aquelas (...) [nos discursos], "Batistinha, eu vou tirar
essa palavra aqui". "Porque você vai tirar? ". [E Arueira] "Rapaz você não está
dando aula, não (...), bota um adjetivo, bota uma palavra, o adjetivo pro
companheiro compreender, ele é operário (entendeu?).311
E, para demonstrar as dificuldades, conta sobre as condições de trabalho do
ferroviário de base, que atuava nas linhas:
O trabalhador de soca (?) andava de pé no chão com aquela vara de bambu,
empurrando aquele trole, (entendeu?) por que, o bicho nem graxa tinha para rodar
melhor e tudo. Saía da casa da turma às 7:00 horas da manhã, o carro (...) com três
bandeiras, amarela, branca e vermelha, lá atrás. Na frente já saiu há meia hora o
outro, [Aí]: "evem um trem"! Joga aquilo tudo no chão, a ferramenta, dormente
velho, aquele troço todo. (...) Na volta era a mesma coisa. Então, ele saía para
trabalhar às 7:00 horas, 8:00 horas de trabalho, 16 horas, por causa da hora de
almoço, tinha que deixar. Deixava às 16:00, chegava às 19:00, 18:00 horas na casa
da turma. Nunca recebia um tostão de extraordinário (...). (...) Ah, minha filha, vou
dizer uma coisa. Nós pagamos muito caro, nós da Leopoldina, muito caro.312
Após 1964, as perseguições às lideranças foram constantes. Batistinha
(Deputado Federal em 1962) exilou-se e Arueira ficou na clandestinidade, por exemplo.
Abria-se o caminho para as lideranças "pelegas".
310
Entrevista de Herval Arueira.
289
No outro lado, os engenheiros ferroviários mantinham suas associações de
classe, mas também, em boa parte, não engajados na luta política e não atingidos pela
preocupação quanto ao seu futuro profissional, a partir da desativação dos ramais. Como
exemplo, analisei algumas Atas da Associação dos Engenheiros da E. F. Leopoldina
(fundada em 1949, cuja sede é no próprio prédio da empresa, na Gare Barão de Mauá), nos
anos de 1967 a 1974 e 1978. Os livros das Atas estão completos desde 1942, mas optei em
consultá-los somente no período de maior incidência do desmonte ferroviário. No geral, há
somente duas menções a questões de dificuldades da ferrovia (em 06/05/69 e 04/03/71),
mas nada em especial sobre as desativações em si. Na primeira menção, um pouco mais
enfática, foi numa época em que a Associação era presidida pelo Engenheiro Paulo Flores
de Aguiar (que era também Superintendente da empresa, desde 1968). A fala é do diretor
social da Associação, Aury Sampaio, a propósito de uma discussão sobre o reajuste dos
salários-base dos engenheiros e sobre cargos em comissão da Rede Ferroviária:
o Diretor Social, comentando sobre a observação feita pelo vice-Presidente, disse
que julgava mais oportuna a preocupação com a situação da produtividade da
Estrada. Quem tiver a oportunidade de analisar o panorama de transporte da Estrada,
verificará que é contristador, particularmente na zona mineira. Há dias que a
situação de carga sobre rodas, na Estrada inteira, é de apenas 7 a 8 mil toneladas. A
continuar tal situação não vemos outro recurso, senão uma providência drástica, a
que serão levadas as autoridades - isto é, fechar outros trechos desta ferrovia.
Temos, todos aqui, continuou o Diretor Social, preocupação em melhorar o nível
funcional e salarial dos ferroviários em geral, e dos engenheiros, em particular.
Entretanto, o salário não é o bastante. Temos, também, um ideal em torno do qual
prestamos o nosso serviço. Por isso é que quero chamar a atenção dos colegas para
esse problema que reputamos, realmente, grave.313
Após essa fala, não há quaisquer outros comentários, tampouco na Ata da
reunião seguinte. Na Ata de 04/03/71, novamente, a discussão se desenvolve em torno da
questão de reajuste salarial e o mesmo Aury Sampaio, agora Vice-presidente da
311
Idem. As palavras entre colchetes são explicações minhas, para o entendimento do texto.
Idem.
313
Cf. Ata da 199a Reunião ordinária do Conselho Diretor da Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Leopoldina, realizada no
dia 06 de Maio de 1969, p. 70. AEEFL. Gare Barão de Mauá.
312
290
Associação, solicita "dos associados maior empenho para enfrentar a situação de
dificuldades que por ora passa a Ferrovia".314
Essas associações eram um espaço fundamental de convivência, de troca e
também de aprendizagem e aperfeiçoamento profissionais. O ferroviário, de forma geral,
aprendia o seu ofício na própria ferrovia. No caso dos engenheiros, não havia nas
Faculdades uma formação específica para a área dos transportes. Como relata Waldemar
Pires Ribeiro315:
na verdade, só agora, recentemente, é que as Universidades começaram a
desenvolver um segmento na Engenharia, de Engenharia de Transporte e não para a
Engenharia de transporte ferroviário. As Universidades agora desenvolveram um
curso de Engenharia de Transportes que na minha época não tinha. Você tinha Civil,
Elétrica, Eletrônica e Mecânica. E, agora, nem todo mundo, dentro das Engenharias,
começava como eu comecei. Muitos colegas, que eu trabalhei na Rede Ferroviária,
iniciaram como alguns casos, como artífice, como escriturário. E dali foram, sabiam
que, com o desenvolvimento de um curso superior e principalmente voltado para a
Engenharia, que eles teriam uma possibilidade de ascensão profissional, com
maiores perspectivas dentro da empresa. Então, em função disso, alguns dos colegas
meus, engenheiros, tiveram origem nas próprias carreiras de base, da ferrovia
mesmo. E, outros não. Outros já entraram de uma formação superior mesmo, como
eu entrei. Fazendo estágio e depois... E outros nem fizeram estágio, formados,
faziam concurso para a Rede, já entrando com curso superior.
[...]
Então, a formação mesmo, profissional, de um técnico ferroviário, ela se adquiria
nas entidades de classe. Então, na Associação dos Engenheiros, nós tínhamos
cursos, promovidos pela Associação dos Engenheiros, cursos de idiomas, aqui nesta
sala, inclusive, que nós estamos. Mas aí, v. tinha cursos de inglês, porque a gente
usava os catálogos, por exemplo, de mecânica, das locomotivas, tudo, com
terminologia de inglês. E v. tinha que ter... na própria linguagem, do idioma, do
inglês, v., não era num curso de inglês que v. fazia [normal, né] normal, esses... v.
fazia um curso de inglês, mas de inglês técnico. Então era um curso de inglês mais
voltado. E todo esse conhecimento, a parte da locomotiva diesel elétrica, a parte de
circuitos elétricos, motor diesel, tudo isso, os catálogos eram tudo em inglês. Então,
v. tinha, não só na parte técnica da locomotiva, locomotiva, diferentemente de um
carro, que v. vai em qualquer oficina na rua... Então, era só aqui mesmo, dentro da
ferrovia, que v. adquiria esse conhecimento. Então eu, não só eu, como a maioria
dos técnicos da Rede, obtiveram esse conhecimento, não só na vivência, no dia-adia, nas oficinas, nos departamentos, como, ao longo do leito da linha, como nas
entidades de classe que promoviam esses cursos, fora do horário normal de, de... de
expediente. Então, v. ficava, depois do expediente, ou então na hora do almoço, v.
vinha para a Associação para fazer... Então, era quase que uma coisa que, v. ou, que
314
Cf. Ata da 243a Reunião ordinária do Conselho Diretor da Associação dos Engenheiros da Estrada de Ferro Leopoldina, realizada no
dia 04 de Março de 1971, p. 142. AEEFL. Gare Barão de Mauá.
315
Entrevista de Waldemar Pires Ribeiro.
291
v. entrava, v. tinha que entrar de sócio para participar, começar a participar da
Associação, para v. se aprimorar.316
A Associação dos Engenheiros da Leopoldina, conta hoje com menos de
300 associados, fruto das aposentarias e do processo recente de privatização das linhas da
Rede Ferroviária. Sobre o movimento sindical, Waldemar Pires analisa:
eu acho que os sindicatos se voltaram todos esses anos muito para a defesa dos
interesses dos ferroviários e não para o interesse maior da ferrovia em si, como um
todo. Eu acho que, é... esse foi o grande erro sindical do meio ferroviário, acredito
que tenha sido esse. Acho que, não estou fazendo aqui nenhuma crítica, nenhuma...
mas acho que isso, geral... Porque os sindicatos, se voltaram muito para a defesa dos
salários, dessas questões da classe, de vantagens de, né? Salariais... E essas questões,
por exemplo, de... supressão de ramais, essa questão de investimento, de falta de
investimento, todas essas outras questões maiores, de interesse da ferrovia (pausa),
eram colocadas em segundo plano. É isso aí. Acho que isso foi uma falha, mas
evidentemente que não foi uma falha proposital, foi uma falha é... Porque ninguém
imaginava, o sindicato, mas acho que isso não é uma falha só dos sindicatos
ferroviários, acho que isso é uma falha dos sindicatos de classe no Brasil317.
Na sua avaliação, portanto, não houve uma visão mais ampla nas
reivindicações sindicais, restringindo-se às questões mais imediatas. O que era, acrescento,
em nível diferente, a mesma perspectiva das outras associações de classe. Tudo isso,
indiretamente, acabou favorecendo a erradicação de ramais.
V.3.2 Combates pelos trilhos
316
317
Entrevista de Waldemar Pires Ribeiro. Vide nota 09, Capítulo IV.
Idem.
292
Segundo o Sr. José A. Vasconcelos, pesquisador das ferrovias, conhecedor
da empresa, pois fora agente de estação, telegrafista e agente de segurança da E. F.
Leopoldina:
grande parte das linhas da E. F. Leopoldina eram de pequenas ferrovias particulares
que atendiam a interesses dos proprietários de terras, fazendeiros, comerciantes, etc.
e não obedeciam a um traçado lógico e técnico, mas sim ao que melhor atendesse
aos interesses de seus proprietários. Sua curvas, bastante acentuadas, não permitiam
máquinas de grandes trações, bem como vagões de grande porte. A velocidade
alcançada pelas locos nesses ramais, em sua maioria, era de, no máximo 35 km/hora.
Ao apagar das luzes desses ramais, a degradação já era bastante comprometedora, e
o que se viu foi o velho sistema empregado por todos os governos quando querem se
livrar de algo que está sob sua obrigação. Primeiro deixa o ramal virar sucata até um
ponto em que as condições de recuperação requeiram um alto ônus, então, sob
alegação de alto investimento sem perspectiva de retorno, erradica-se o ramal.318
A antiga Estrada de Ferro Leopoldina, a partir de sua incorporação à Rede
Ferroviária Federal, em 1957, passou, conjuntamente com as outras empresas, por várias
modificações de caráter político-administrativo, mas, sempre, em trajetória econômica
descendente. Em 1969, com a divisão em Sistemas Regionais, transformou-se em 7a
Divisão Operacional Leopoldina, pertencente ao Sistema Regional Centro, mas ainda
mantendo a sede no prédio da Barão de Mauá. Em 1975, passou a denominar-se SP 3.2 Superintendência de Produção de Bitola Estreita, incorporada à SR 3 – Superintendência
Regional Rio de Janeiro, juntamente com a SP 3.1 - Superintendência de Produção Bitola
larga (ex Central do Brasil). Em 1977, a sede da SR-3 foi transferida para Juiz de Fora,
denominando-se Superintendência Regional de Juiz de Fora. Logo depois, a SP-3 foi, por
sua vez, transferida para Campos, tornando-se CSP 3 - Divisão Operacional Campos e
mais tarde, Superintendência Regional Campos, perdendo, portanto, a denominação
original.319 No entanto, no campo da memória, continuaria como "Leopoldina": subúrbio
da "Leopoldina"; Estação da "Leopoldina"...
318
319
José A.Vasconcelos, depoimento por escrito à autora, 13/02/2000, p. 2-3.. Campo Grande, Rio de Janeiro.
Cf. Rubens Matos do Couto. Síntese histórica da Divisão Operacional Campos. Expresso, Rio de Janeiro, p.05-08, s.d. AEEFL
293
De 1962 a 1964, foram retirados 259 km de linhas. Em 1965, houve um
significativo aumento: 283 km, superando o total dos 3 últimos anos. Dos primeiros 859
km selecionados para extinção, excluía-se 12 km do Ramal de Guia de Pacobaíba, que não
pode ser levantado devido ao fato de ter sido tombado pelo Patrimônio Histórico (Decreto
35.447-a, de 30/01/54). No entanto, em 1964 seria desativada a E. Ferro Mauá, primeira
ferrovia brasileira. 320
Em 1967, 958 km de linhas haviam sido arrancadas. Casos havia em que a
EFL tentava negociar a manutenção de alguns ramais. Por exemplo, da lista de 7 ramais
previstos para extinção em 1967, a direção da Estrada pleiteava a exclusão dos trechos
Saracuruna-Vila Inhomirim, Porto das Caixas-Cachoeiras de Macacu, para continuarem os
serviços de passageiros. Além de outros, para cargas: Campos-Atafona (até Barcelos),
Martins Lage-Barão de São José (até Poço Gordo) e Posto Telegráfico Seguro-Santo
Amaro de Campos, que solicitavam que continuassem para atender as oito usinas de açúcar
servidas por esses ramais.
Em 1974, conforme o Quadro 25, somente na área da Leopoldina, havia
sido suprimidos 1.136 quilômetros de linhas férreas.
Quadro 25: Ramais erradicados, em 31 de Dezembro de 1974.
Ramal ou trecho
Vila Inhomirim – Triângulo
Porto das Caixas - Cach. Macacu
Cach. Macacu - Cons. Paulino
Cordeiro – Macuco
Guarani - Rio Pomba
Volta Grande – Pirapetinga
Vista Alegre - Leopoldina
Patr. Do Muriaé - Muriaé
Virajaba - Cabo Frio
Pequeri - Mar de Espanha
Barcelos - Atafona
Usina do Poço Gordo - B. S. José
320
Refesa, Rio de Janeiro, nov./dez. 1971, p. 18. SEDOC/RFFSA
Extensão - km
74
40
41
20
27
31
13
18
155
25
23
4
294
Guapimirim - Terezopolis
Cons. Paulino - Portela
Cons. Paulino - Melo Barreto
Triunfo - Manoel de Moraes
Trajano - Sta. Maria Madalena
Coutinho - Castelo
Paraoquema - Miracema
Macaé - Glicério
Cataguases - Miraí
Guacuí - Espera Feliz
Guacuí - Cach. Itapemirim
Sereno - Santana de Cataguases
Conde de Araruama - Triunfo
Gov. Portela - Barão de Vassouras
Total
Fonte: MT/GESFRA. Relatório Anual, 1974. Anexo 11, p. 18.
17
121
92
61
27
21
14
43
35
47
91
13
40
43
1.136
Em 1974, o programa de comemorava a erradicação de 4.881 quilômetros
de ferrovias. Destes, 1.136 km eram da Leopoldina. Restavam, de acordo com os planos do
GESFRA, 3. 745 km a extinguir321. Outros, estavam paralisados, aguardando o
arrancamento de trilhos, ou um possível “destombamento”, como era o caso do ramal de
Guia de Pacobaíba-Piabetá, sob proteção do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional.
Quadro 26: Ramais com tráfego suspenso, aguardando erradicação em 31 de dezembro de
1974.
Ramal ou trecho
Extensão – km
Observações
Guia de Pacobaiba-Piabetá
12 S.P.H.A.N
Ponte Nova - D. Silvério
64 C.179/PRF/71
Furtado de Campos - Juiz de Fora
67 C.179/PRF/71
Itaperuna – Porciúncula
40 C.179/PRF/71
Candido Fróes - P. do Muriaé
36 C.179/PRF/71
Carangola – Manhuaçu
118 C.179/PRF/71
Guacuí - C. do Itapemirim
8 C.179/PRF/71
Total
345
Fonte: MT/GESFRA. Relatório Anual, 1974. Anexo 11, p. 16
321
MT/GESFRA. Relatório Anual, 1974. Anexo 11, p. 18. SEDOC/RFFSA
295
Conforme o Mapa das Desativações da Estrada de Ferro Leopoldina, no
Anexo 3, o "miolo", que eram as linhas do interior foram suprimidos e restaram 2 Linhas
Tronco e uma transversal, como descreve Waldemar Pires:
que era, no caso da Leopoldina, a linha que ligava Barão de Mauá, a estação Barão
de Mauá, da Leopoldina, na Francisco Bicalho, no Rio de Janeiro até Vitória, pela
linha fluminense, quer dizer... Aquela... pegava aqui, contornava a Baía de
Guanabara, pegava esse trecho do subúrbio, né? Caxias, Gramacho, Saracuruna, é...
pegava aqui Magé, Visconde de Itaboraí, é.. Silva Jardim, esses trechos, Casimiro de
Abreu, Macaé, Campos, Cachoeiro de Itapemirim e Vitória. Essa era a linha Tronco
fluminense. E a linha tronco mineira, que pega o trecho de Barão de Mauá, também,
que tem a origem em Barão de Mauá, pega ali em São Bento e vai ali, pegando ali,
Gov. Portela, pega ali a Serra de Gov. Portela, de Conrado a Gov. Portela, é...
Paraíba do Sul, Três Rios, Porto Novo, Recreio, Viçosa, Ponte Nova. Ponte Nova
ligava pra Caratinga, fazia bifurcação com a Caratinga, ia ali para região de Ouro
Preto, Mariana, ligando com Miguel Burnier, que era a estação de entroncamento
com a Regional de Belo Horizonte. (...)
(...) e tinha uma linha que nós chamamos de Transversal, que tem ainda, que v.
ligava uma linha tronco a outra. V. liga, justamente, de Recreio a Campos. V. liga a
linha mineira à linha fluminense.322
Dessas Linhas Tronco, permaneceram alguns ramais de transporte de
passageiros, que foram desativados paulatinamente e, finalmente "erradicados" a partir de
1990, com as concessões a empresas privadas. Assim foi anunciado o leilão da malha
sudeste da Rede Ferroviária Federal, coroando o processo de desmonte das ferrovias:
está tudo pronto para que o mais lucrativo trecho da Rede Ferroviária Federal S.A.
(RFFSA) passe às mãos do consórcio MRS Logística. Com apenas um candidato ao
arrendamento da Malha sudeste, a expectativa é que o leilão de hoje, marcado para
as 14h na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ), seja rápido.323
Esse trecho incluía a malha da antiga Leopoldina. E, curiosamente, agora,
divulgado como o "mais lucrativo trecho" da Rede. O consórcio MRS Logística é formado
por clientes da Rede Ferroviária, exploradores de minério transportados por essa ferrovia
nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Portanto, as regras de
funcionamento das linhas são determinadas exclusiva e diretamente segundo os interesses
296
dessas empresas. Esse trecho compreendia ainda alguns ramais de passageiros no Estado
do Rio e em Minas Gerais; o leilão aconteceu dois dias após um gravíssimo acidente
envolvendo dois trens, causando a morte de 15 passageiros, em Japeri - RJ. As suas causas
ainda estavam sendo investigadas, mas é fato conhecido, principalmente de parte dos
usuários, que o sucateamento é a principal delas: falhas na sinalização, utilização de peças
velhas na reposição, etc. O consórcio, segundo o JB, não tinha nenhum plano de melhorias
na linha de transporte de passageiros, o que seria discutido após a privatização. Segundo o
usuário Deoclides dos Santos, funcionário municipal de Juiz de Fora - MG, morador da
cidade vizinha de Santos Dumont, “já estamos ouvindo comentários de que a linha vai
acabar. Isto vai ser muito ruim pra gente aqui de Santos Dumont, porque a passagem é
muito mais barata e a viagem mais rápida”324. Mais uma vez, o interesse público ficava
em segundo plano em relação ao particular.
Não só o leilão seria rápido, como anuncia o Jornal do Brasil, como
também todo esse processo de desmonte do setor ferroviário, em especial o de transporte
de passageiros foi também muito rápido. A velocidade com que interesses privados
ocuparam o espaço público foi, de fato, impressionante.
E, então, nos perguntamos: houve reações? Analisamos anteriormente, que a
ferrovia perdeu espaço para o transporte rodoviário, em função do abandono a que foi
relegada. Por outro lado, o sindicato também sofreu duro revés, anulando-se
progressivamente. Na tentativa de descobrir as "reações", deparei-me com um quadro
fragmentado e um aparente imenso consenso sobre a questão das erradicações. Ao que
tudo indica foi um processo tecido através de interesses de grupos estrangeiros
(montadoras, grandes fabricantes de peças e assessórios, as multinacionais do petróleo, etc)
322
323
Entrevista Waldemar Pires Ribeiro.
Liana Verdini. Começa privatização da Rede. Jornal do Brasil, 20/09/96, p. 25.
297
e nacionais (empreiteiras, mineradoras, enfim, o que se transformou na alta burguesia
industrial e financeira). Utilizando o poder da mídia, para tornar senso-comum o "déficit",
a "ineficiência" e o "atraso tecnológico" das ferrovias, esse consenso atingia a base da
sociedade. As reações aconteceram, mas, de forma esparsa e localizada.
Nas entrevistas realizadas e no conjunto de periódicos obtidos na própria
pesquisa e junto a particulares é visível que, devido ao processo de asfixia, as ferrovias
perderam o seu público e, com isso, os seus principais aliados. Geralmente, os primeiros
alvos do desmonte eram os trens de passageiros. Citado anteriormente, Célio Debes afirma
que: "transporte de passageiros é uma motivação para que o elemento humano se
interesse pelo transporte de cargas." (In: Ferrari, 1981:208) E, segundo Waldemar Pires:
(...) o [fim do ] trem de passageiro foi um golpe mortal na ferrovia. Porque, tudo que
tem um apelo popular, você tem um aliado, né? Quando você tem o povo como teu
aliado, é uma grande coisa (...).E, na hora em que os trens de passageiros foram
suspensos, houve uma política do governo para suspender o transporte de
passageiros, né? As alegações, na época, eram várias. Primeiro, que o trem de
passageiros era mais demorado do que o rodoviário, era... que, você estava
utilizando locomotivas para fazer um trem de passageiros é...Aí, eu volto àquela
questão do custo social e do custo financeiro, né? Você estava utilizando uma
locomotiva para transportar passageiro que te rendia, financeiramente, pouco. Então,
v. podia pegar aquela locomotiva que tava fazendo transporte de passageiro para
fazer....é, entende... carga, que ia te dar um faturamento maior... né? É...havia um
movimento da mídia muito grande a dizer que... a ferrovia era um transporte
deficitário, né? (...)
(...)A mídia sempre colocou muito essa questão: "Ah, não, a ferrovia é deficitária".
Então, os administradores; "Ah, vamos pegar essa locomotiva, em vez de estar no
transporte de passageiro, vamos botar um trem de carga para faturar mais". Agora,
eu não sei, se de repente, por trás disso, isso é uma incógnita, porque... tudo no
campo da suposição... hipótese. A gente não sabe, se por trás disso também, havia
um apelo, havia um lobby, dos transportadores rodoviários, das empresas de ônibus,
para também acabar com o transporte de passageiros, por que? Você vê o exemplo,
vamos supor, da... do trecho Rio-Campos, você tem a BR-101 correndo ao lado da
ferrovia, evidentemente, no momento em que a ferrovia acabou, a tarifa... isso, eu
não tenho aqui dados históricos, dados tarifários históricos, pra te comprovar isso,
mas se houver uma pesquisa disso, com certeza, você vai encontrar que a tarifa, no
momento em que a ferrovia foi, o tráfego de passageiros foi suspenso, que a tarifa
rodoviária disparou, né? É evidente que devia ter um interesse também por trás
disso. Agora, se você me perguntar se o trem de passageiros acabou por uma coisa
ou por outra, aí, eu não vou saber te dizer... Eu, o que eu posso dizer pra você são as
324
Idem, ibidem.
298
hipóteses que eu imagino que, com certeza, ocorreram. E, de repente, pode ter
havido também as duas hipóteses.325
Com o sucateamento e a conseqüente saída dos usuários, o círculo vicioso
se instalava e justificava-se, facilmente, a extinção dos ramais que sobravam. Por outro
lado, o próprio ferroviário sofria as conseqüências das reclamações mais imediatas dos
usuários, como diz Waldemar Pires:
(...)Então... isso aconteceu certamente na ferrovia também, por falta de investimento,
o próprio usuário começou a ... triste, porque o usuário, às vezes, ele tem a
interpretação de que essa... essa falta de eficiência, às vezes é do profissional, dos
profissionais da ferrovia, quando não é. A mesma coisa é quando a pessoa vai num
hospital público, aí encontra a deficiência e aí, às vezes, sai no jornal que o
profissional, o médico que não atendeu direito, né?326
Na opinião de Arueira, também não teria havido reação das populações
locais atingidas pela extinção de ramais. E, lembra-se da concorrência:
Mesmo no interior, os nossos interiores estão pagando. Você veja só, eu me lembro,
que o preço de uma passagem de trem, quando tinha o trem de Campos para Atafona
e São João da Barra, que é ali, era "x". No dia que acabou com os trens, naquela
região, as passagens de ônibus subiu 130%, de cara (entendeu?). Quer dizer, não
gritam, não falam, não protestam (entendeu?). Não estou dizendo para ir lá xingar
ninguém, nem nada não, mas protestar. Tanto é que naquela ocasião, agora
ultimamente, quando nós fizemos aquele documento, eu fiz muita critica os meus
companheiros dirigentes de sindicatos (entendeu?).327
No caso de Arueira, por ainda fazer parte da Associação Mútua dos
Empregados da E. F. Leopoldina e atuar ativamente no processo político de defesa da
ferrovia e dos ferroviários face aos processos de concessões da malha ferroviária, de
liquidação da Rede Ferroviária e de criação da Agência Nacional de Transportes, a sua
avaliação sobre as primeiras desativações são muito influenciadas pelo processo atual. Ou
seja, como se fosse um processo único. O que permanece constante, de fato, é a não
325
Entrevista de Waldemar Pires Ribeiro.
Idem.
327
Entrevista com Herval Arueira.
326
299
efetividade de uma reação organizada e em bloco. É o que é possível perceber através das
reportagens da grande imprensa.
V.3.3 No compasso do tempo
A extinção dos trens foi, como já mencionado, um sintoma da orientação da
mudança de padrão de acumulação. No entanto, seria necessário estudar, regionalmente, as
conseqüências da política de transportes adotada, em termos de integração e comunicações,
da mobilidade de cargas e de passageiros e também, da reconfiguração espacial e
econômica dos municípios em função das novas áreas e meios de circulação. Alguns
estudos já foram iniciados nesse sentido, como o de Renato Assunção, que coletou
fotografias, mapas e entrevistou moradores e ferroviários das cidades fluminenses de
Miguel Pereira e Paty do Alferes. Em Governador Portela, distrito de Miguel Pereira,
existia a maior oficina mecânica de reparos, manutenção e pesquisa da Rede Ferroviária.
Nessas regiões, a ferrovia era fundamental ao comércio e pequenas indústrias locais. Com
uma forte tradição ferroviária, formou-se a FALA - Associação de Funcionários da Linha
Auxiliar. O presidente dessa Associação, Sr. Fernando Duarte, aponta sobre as
comunicações inter regionais realizadas pela linha férrea:
daqui nós pegávamos o trem e íamos para qualquer cidade da baixada fluminense,
onde não só os nossos filhos iam estudar como os deles iam estudar no CFP.
Naquela época, anos 60, o fluxo, via trem, entre as cidades da baixada fluminense
mais cidade do Rio de Janeiro com as regiões serranas, não era restrito apenas ao
verão, era durante todo o ano. Hoje é que é um fenômeno apenas veranista.(Apud:
Assunção, 1994: 20)
300
Em Governador Portela, havia, ainda vários depósitos. Três deles
armazenavam cimento, cal, açúcar e cerveja. Nos outros, legumes verduras e frutas. Sobre
esse comércio, foi entrevistado por Assunção o Sr. Alvino Baldez, agente de estação no
distrito de Conrado, em Miguel Pereira:
durante muitos anos a minha função foi fiscalizar os carregamentos vindos da cidade
do Rio de Janeiro e baixada fluminense para a nossa região. A minha função
requeria muita atenção. Eu examinava vagão por vagão, conferia a mercadoria e
depois autorizava o prosseguimento da viagem. E uma coisa que ainda está viva em
minha memória, é a capacidade dos vagões, naquela época, anos 60. Cada vagão
tinha uma capacidade de carregar 30 toneladas. E um caminhão carregava 3
toneladas. Sendo assim, se um trem subia a serra com 20 vagões dando um total de
600 toneladas, para nós transportarmos a mesma quantidade por caminhão, seria
necessário uma caravana de 200 caminhões. (Idem: 24)
Outro depoente, Sr. Samuel Baldez, irmão de Sr. Alvino, recordava-se,
também, que havia um carregamento de fubá, amido de milho, trigo etc., procedentes do
Moinho Fluminense, sediado no Rio de Janeiro. Em geral, essa carga ocupava 5 vagões, de
80 toneladas cada. Esse carregamento de 400 toneladas, abastecia todas as cidades do
ramal: Japeri, Miguel Pereira, Pati e Paraíba do Sul. Comparando-se, a carga maior que um
caminhão transporta é de 15 toneladas. (Idem: 26).
O caso da E. F. Maricá é exemplar. Segundo o engenheiro Barrozo do
Amaral, havia um aparente non sense das desativações. Cita, como exemplo, o caso dessa
ferrovia, que foi incorporada à Leopoldina. Condenada à extinção, ela ligava as cidades
fluminenses de Niterói e Cabo Frio. Na época, a região oferecia possibilidades substanciais
de transporte de mercadoria: o vidro plano da Covibra; o açúcar da Usina Santa Luzia; a
produção da Cia. Nacional de Álcalis; o sal, o cal e seus derivados das múltiplas salinas e
caieiras de toda a orla de Araruama a Cabo Frio; o pescado, etc. Para o autor, a situação do
transporte de passageiros não era menos promissora, devido ao tráfego turístico
(indiscutível nos dias atuais, principalmente) e de consideráveis aglomerados humanos que
trafegavam, diariamente, para trabalhar em Niterói e no Rio de Janeiro. Além da existência
301
de cargas a transportar, o que era um forte argumento contra a extinção, o outro problema
era a maneira pela qual eram efetivados os arrancamentos de trilhos:
agora, deu-se início ao fim da Maricá. Seus trilhos estão sendo arrancados. E,
usamos a força do verbo arrancar, porque o ato insólito não pede eufemismos, nem
adjetivação amenizante.
A ação predatória, começou de maneira esquisita: do meio para o princípio, isto é,
de Sampaio Corrêa para Niterói. De tal sorte, estão isolando o restante da Estrada,
da capital do Estado. Isto, parece-nos grave; pois estão deixando sem possibilidades
de atendimento ferroviário as composições que permanecem de Sampaio Corrêa
para cima. Além do mais, no trecho remanescente não existem oficinas, depósitos ou
galpões que abriguem o material rodante da ação do tempo. Também, parece não ter
sido levados em conta as dificuldades que surgirão, quando houver necessidade de
substituir esse material.328
Igualmente, em 1964, o Jornal do Brasil publicou um total de 8 reportagens,
divulgadas semanalmente sobre "O fim dos ramais antieconômicos" em várias regiões do
Brasil, mas enfocando, principalmente, o Estado do Rio de Janeiro. Era a época em que a
extinção dos trilhos começava a se processar mais eficazmente, daí, as reações pipocaram e
motivaram o aparecimento de reportagens dessa natureza. Face às oposições locais, o
governo federal logo tratou de implementar uma política mais efetiva do desmonte, que se
materializou na criação do GESFRA, em 1966 e no maior controle sobre as administrações
regionais, como foi o caso da Leopoldina, que passou, inclusive, por intervenções diretas.
As reportagens do JB focalizavam o processo da extinção de ramais, as
reações locais e a construção de rodovias substitutivas. Em alguns casos, as linhas eram
arrancadas e não se construíam estradas alternativas. É o caso da E. F. Ilhéus, cujo título da
reportagem era: "Cavalos voltam a ser disputados com a extinção da ferrovia", ficando a
população, portanto, desprovida de alternativas de transporte. Os jornalistas percorreram
mais de 2 mil quilômetros de ferrovias extintas e encontraram, no depoimento de um
ferroviário da Leopoldina, morador do interior do Estado do Rio, a "justificativa para
328
Geraldo Barrozo do Amaral. Ramais deficitários II. RAE, v. 6, n. 66, fev. 1964, p. 12. SEDOC/RFFSA
302
tantas reclamações contra o programa de supressão de ramais antieconômicos". Assim,
contam:
numa pequena estação de trens de uma cidadezinha do Estado do Rio, um velhinho
de pé, na plataforma abandonada, tira do bolso o seu relógio antigo, olha as horas e
fita o horizonte na esperança de avistar a fumaça de alguma locomotiva. O trem não
vem mais. Da ferrovia, para ele, só restou o velho prédio da estação e o hábito de 35
anos de esperar o trem com o relógio na mão. Seu nome é Romualdo Nogueira da
Gama. Tem 68 anos, maior parte dos quais dedicados à Estrada de Ferro Leopoldina,
como agente de estação. Há muito tempo, aquela plataforma vivia sempre cheia,
numa mistura complexa de passageiros, maquinistas, foguistas e cargas. Ali era o
escoadouro natural de riquezas da região. Hoje muito pouco representada apenas por
um casarão velho, cheio de saudades, que serve de residência ao antigo chefe.329
É o próprio Sr. Romualdo, que presta o seu depoimento sobre as
desativações. Para ele, o governo "matou" a ferrovia ao construir paralelamente a estrada
de rodagem. Os produtores, que queriam exportar suas cargas pela ferrovias, esperavam
"mais de um mês para conseguirem quatro ou cinco vagões dos 50 solicitados. Em vista
disso, com o aparecimento das estradas de rodagem, os produtores preferiram abandonar
os trens"330. E, ainda:
o povo miúdo, a gente humilde do campo que se utilizava do trem para viajar longas
distâncias ou para mandar para fora a sua pequena produção não merecia que o
governo a castigasse dessa maneira pelo único crime de produzir pouco. Se os trens
eram deficitários, mais deficitário será o bolso do pequeno lavrador que não dispõe
de dinheiro para fretar um caminhão.331
O que poderia parecer simplesmente "nostalgia" e "saudosismo", na prática,
era a perda efetiva de um modo de vida, de uma identidade (enquanto ferroviários) e de
meios de sobrevivência.
329
O fim dos ramais antieconômicos (1). Jornal do Brasil, 05/10/64, 1o Caderno, p. 18. BN
Idem.
331
Idem.
330
303
Em alguns locais, os trilhos eram arrancados e não havia sinais da
construção de rodovias substitutivas. Era o caso de regiões do Noroeste fluminense:
Miracema, Itaocara, Pádua, Portela:
os trilhos já foram retirados e em seu lugar o Governo vai construir uma rodovia,
quando? Ninguém sabe. O certo é que em dezenas de cidades, os trens foram
suprimidos sem que as estradas de rodagem estivessem em condições de substituir
as ferrovias. (...) Não há estradas e o trem não vem mais.332
Situação idêntica passaram as regiões ao redor da Rede Mineira de Viação,
ramal de Barra do Paraí-Sta. Rita de Jacutinga, também no Estado do Rio, um dos
primeiros a serem suprimidos, em 1961. Existia desde 1881, com 86 quilômetros de
extensão. A retirada dos trilhos:
condenou todos os moradores das localidades então servidas pela Rede Mineira de
Viação a fechar escolas, acabar com os negócios, vender suas propriedades e rumar
para outras cidades, onde o deslocamento fosse possível, forçando o êxodo dos
campos.
Somente dois anos depois foram os trilhos retirados e o leito da estrada começou a
ser utilizado da maneira mais precária, pois não se complementou a pavimentação. E
hoje os moradores são forçados a pagar Cr$ 10 mil por dia a um tratorista, para que
o antigo leito possa ser utilizado pelas carroças333.
A estrada de rodagem encontrava-se abandonada desde 1963, quando
começou a ser construída. Nos dias de chuva, nenhum veículo conseguia trafegar. Em
1967, ainda houve protestos nessa região, que é uma das divisas dos estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, em áreas da Leopoldina e Viação Férrea Centro Oeste (ex-Rede
Mineira de Viação) As autoridades municipais, com a participação de deputados estaduais
de ambos os estados se reuniram em Valença-RJ e elaboraram um memorial a ser dirigido
ao governo de Minas Gerais (Israel Pinheiro) e ao governo federal (Arthur da Costa e
332
Alberto Jacob e Sergio Galvão. Rodovias não têm condições para ocupar o lugar dos trens. Jornal do Brasil, 1o Caderno, 11/10/64, p.
17. BN
333
Sergio Galvão. Supressão do ramal Barra do Piraí - Sta Rita está forçando êxodo na região. Ramais Antieconômicos - VII, Jornal do
Brasil, 1o caderno, 15/11/64, p. 27. Bn
304
Silva), visando a manutenção do ramal que ligava os municípios fluminenses de
Governador Portela, Vassouras, Barão de Juparanã e Valença aos mineiros Rio Preto e
Santa Rita de Jacutinga, Bom Jardim de Minas e Arantina. Consideravam os danos
causados às comunicações das regiões, ao problema do escoamento dos produtos
hortigranjeiros e agropecuários, ao deslocamento de crianças para as escolas, etc., caso o
ramal fosse, de fato, extinto.334
Nas cidades capixabas, o quadro era semelhante. Na reportagem III da Série
dos Ramais Antieconômicos do JB, a população e antigos ferroviários de Cachoeiro de
Itapemirim e Coutinho faziam acusações adicionais: devido ao descaso a que fora relegada,
muitas vezes, havia roubos de carga e de mercadorias avulsas, algumas pequenas
negociatas, corrupções de funcionários da Rede, atrasos de trens para angariar horas-extras
e também, roubos do próprio patrimônio das estações (móveis, relógios, balanças) e da
Rede Ferroviária, principalmente após as erradicações. Os jornalistas transcreveram uma
crônica do escritor capixaba Rubem Braga, publicada em julho pelo JB, na seção Trivial
Variado, que segue em nosso rol dos registros literários, mas reveladores de aspectos
históricos:
em certas coisas o Brasil progride feito rabo de cavalo: para trás e para baixo. Por
exemplo: mandaram suprimir o ramal da Leopoldina que ligava Castelo a Coutinho,
no Espírito Santo. A ordem era para suprimir o ramal depois que a rodagem
estivesse pronta. Alegou-se, porém, que era melhor aproveitar o leito da ferrovia
para fazer a rodagem. Escangalhou-se uma e não se fêz a outra. Isso também está
acontecendo no Estado do Rio e em muitos outros Estados, onde há ramais
ferroviários deficitários: tira-se a linha e nãos e faz a estrada; o povo tem de se servir
dos caminhos de terra de 50 anos atrás e a produção volta a circular em lombo de
burro. Ainda há quem fale em era atômica!335
334
Indicação no 183, dirigida ao Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, em 14/08/97. Lux Jornal,
Belo Horizonte, 31/08/67. Pasta Leopoldina. SEDOC/RFFSA
335
Alberto Jacob e Sérgio Galvão. Supressão de ramais podia ser evitada se a Rêde tomasse outras medidas. 1o Caderno, Jornal do
Brasil, 18/10/64, p. 18. BN
305
As observações de Rubem Braga são também confirmadas pelas estatísticas
oficiais, conforme já tratei no capítulo IV, mas vale a pena repetir: em 1974, dos 4.881 km
de vias férreas extintas, correspondiam 1.770, 4 km de rodovias construídas. Portanto, a
verba prevista em lei para a pavimentação de rodovias substitutivas, existente desde 1955
(Lei 2.698, de 27/12/55) na prática, não aparecia ou não era destinada para a sua principal
finalidade. A população era vítima de um tipo de "propaganda enganosa", pois retiravamse os trilhos com a promessa da construção das rodovias que não se efetivavam.
As ferrovias que iam resistindo às desativações ou que ficavam na "lista da
espera", encontravam-se em condições cada vez mais precárias de funcionamento,
tornando-se um entrave. Segundo Sr. José Vieira, prefeito de Castelo, a estrada de ferro
"sempre deu prejuízo para a região, que ficava com a sua produção de café, milho, feijão
e arroz retida à espera de transporte"336 . Essa região era servida pelos ramais da antiga E.
F. Itapemirim, também incorporada à Leopoldina Railway, em 1932. No Relatório de
Inspeção de 1966, o engenheiro Hélio Lobo afirmava que
o prefeito de Cachoeiro, numa demonstração de que a estrada de ferro nada mais
representa para a economia da região por ela atravessada, resolveu proceder ao
arrancamento dos trilhos da ferrovia, na zona urbana daquela cidade, a fim de
atender o melhoramento de algumas ruas (...), sem nenhum protesto por parte da
indústria, do comércio, dos moradores ou da Câmara dos Vereadores.337
Somente o diretor da ferrovia insurgiu-se contra o prefeito, reclamando ao
Governador do Estado e ao Secretário do MVOP. As respostas foram no sentido de se
retirar de vez os trilhos da ferrovia da zona urbana338.
Contra a supressão de muitos dos trechos ferroviários, surgiram reclamações
e pressões políticas (por interesses diversos), que levaram ao restabelecimento de vários
336
Idem.
MVOP/DNEF/EFL. Helio Lobo. Fiscalização na E. F. Itapemirim, em fevereiro de 1966. SEDOC/RFFSA
338
Idem.
337
306
desses ramais, ao cancelamento da supressão em outros e até ao reaparelhamento de
alguns. Através dessas notícias nos jornais, adentramos num campo esquecido da memória.
O silêncio e o esquecimento sobre as ferrovias foram tão bem tecidos que apagaram-se,
inclusive, da memória dos próprios militantes. Daí, entendemos o porquê de um aparato
burocrático tão sólido como foi o da supressão de ramais, "amarrando" GESFRA,
Ministério dos Transportes e administrações regionais. Entendemos, ainda, o porquê de
massivas reportagens nos periódicos especializados sobre os déficits e sobre a necessidade
da desativação dos ditos ramais antieconômicos. Toda essa pressão foi desencadeada em
função das fortes reações regionais ao processo, num primeiro momento. Depois, os
mecanismos da supressão se renovaram e se fortaleceram e, ao mesmo tempo, o regime
"endurecia" e ia podando as oposições. Com o passar do tempo, as populações se
resignaram, até porque, as ferrovias continuavam sofrendo a asfixia e, tornavam-se, dia a
dia mais ineficientes e mais abandonadas. A alternativa era a saída.
Continuemos.
Na
reportagem
citada
anteriormente,
os
jornalistas
mencionam um documento emitido pelo "poderoso" Sindicato da Leopoldina, em que
defendia que o Governo deveria "modificar as velhas concepções das finalidades das
ferrovias". Segundo os jornalistas do JB, adotando essa campanha, um semanário
comunista (não mencionam o nome) do Rio de Janeiro divulgou que a supressão estava
sendo "denunciada pelos ferroviários como uma política anti-povo e anti-nação",
acrescentando que essa política tinha como objetivo velado "proteger os interesses dos que
exploram a rodovia".339
Portanto, houve resistência, segundo o JB: exacerbada por dirigentes
sindicais, por políticos "nacionalistas ou demagogos", alastrou-se a revolta nos municípios
339
Alberto Jacob e Sergio Galvão. Rodovias não têm condições para ocupar o lugar dos trens. Jornal do Brasil, 1o Caderno, 11/10/64, p.
17. Trechos também citados em: Stella Ladeira. Estrada de Ferro Maricá. Jornal AENFER, Rio de Janeiro, p. 21, maio/98.
307
onde se localizavam os ramais suprimidos. Prefeitos, deputados, vereadores dos estados de
Rio de Janeiro, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, principalmente, protestavam
energicamente. Comerciantes se declaravam em lockout,340 lavradores e influentes
fazendeiros ameaçavam represálias, associações de classes enviaram ofícios às autoridades
estaduais e federais, populares ameaçavam resistir. Mesmo os governadores de Estados
ameaçavam o MVOP e a RFF com a volta ao tráfego de ramais suprimidos. Contando com
a "complacência das autoridades federais", desfechou o Sindicato, em fevereiro, o golpe
de morte no programa. Seu presidente, auxiliado por membros da diretoria e associados,
organizou um "trem" por conta própria, "na marra", como se dizia então e restabeleceu o
tráfego no trecho Petrópolis-Pedro do Rio. O governo capitulou e restabeleceu o tráfego no
trecho citado e em outros da EFL e também em alguns da R. Mineira de Viação: "os
restabelecimentos eram comemorados com festas e foguetes e o Sindicato pode dar como
vitoriosa a sua campanha".341 Houve uma capitulação momentânea no processo de
supressões, os técnicos "desanimavam". Enquanto isso, mais de 1.500 km de ferrovias
estavam com o tráfego suspenso:
no momento em que o atual governo, desprezando todas as pressões, ia levando
adiante a política de supressão de ramais antieconômicos que os dois governos
anteriores não conseguiram cumprir por causa de injunções políticas, eis que o
primeiro golpe acaba de ser dado342.
Esse anunciado "golpe" partia de dentro das fileiras dos quadros dominantes
do Exército: o governador do Pará, coronel Jarbas Passarinho, usando de seu prestígio
pessoal com o Ministério da Viação, conseguiu barrar a desativação da E. F. Bragança,
prevista para o dia 23 de junho. Segundo o JB, a ferrovia continuava operando, ainda que
com uma despesa 15 vezes maior do que a receita. Alguns moradores de Belém foram
340
Outra reportagem mencionava um lockout de 200 comerciantes em Petrópolis, em protesto contra a retirada do ramal ferroviário Vila
Inhomirim-Petrópolis-Três Rios. A decisão foi apoiada pelo Sindicato da Leopoldina. Os comerciantes enviaram ao MVOP e aos
presidentes do Sindicato da Leopoldina e da República um memorial, com mais de 15 mil assinaturas, pedindo a manutenção do ramal.
Cf. reportagem, Fim de ramal, comercio faz lockout. Agência Folha, 09/05/63. Acervo pessoal: Edmundo Coelho.
341
Idem.
308
entrevistados e eles próprios reconheciam a "pouca importância" da ferrovia naquele
momento.343 Desse modo, muitos e variados interesses pegavam "carona" na onda dos
protestos. O que nos interessa, principalmente, é constatar o profundo dissenso instalado
em torno das desativações, pelo menos, nesse primeiro momento. Aos poucos, as vozes
foram sendo silenciadas.
Na IV reportagem da série do JB, era focalizada a cidade fluminense de
Nova Friburgo, mostrando os protestos de moradores, comerciantes e políticos locais
contra a extinção dos ramais de Porto das Caixas - Conselheiro Paulino; Cordeiro Macuco; Conselheiro Paulino - Portela e o ramal de Porto Novo. Sobre essa região, já
vimos os depoimentos dos ferroviários, analisados por Assunção. Aos argumentos oficiais
de que esses ramais davam prejuízos e que a região não tinha perspectiva econômica, as
autoridades locais se contrapunham, descrevendo as características e potencialidades do
município e adjacências: a) Nova Friburgo: com uma população de quase 80 mil
habitantes, possuía 220 indústrias, sendo 4 exportadoras para o mercado externo. Além
disso, havia a agropecuária, extrativismo, vastas áreas agrícolas e turísticas344 ; b) De Bom
Jardim até Itaocara, núcleos de migrantes japoneses dedicavam-se à apicultura e
floricultura. A ferrovia transportava 3 mil quilos de flores, diariamente; c) Cordeiro, com
indústria de laticínios e importantes fábricas de calcáreo. A fábrica de cimento Mauá, havia
solicitado à EFL 22 gôndolas que possibilitariam uma receita de CR$ 600 mil diários, pois
transportava, por rodovia, 20 toneladas/dia, num total de CR$ 50 ml/frete, mas o pedido
não foi atendido. Nos demais municípios e distritos, havia produção agropecuária,
indústrias de Cimento, como por exemplo a Cia. Portland, do Grupo Votorantim, que
342
Idem.
Idem.
344
Localizada na serra fluminense, a colonização das terras desse município data de 1818, quando D. João VI autorizou a vinda de
colonos suíços, originários do cantão de Friburgo. Foi o primeiro núcleo organizado de povoação de imigrantes, que chegaram entre
343
309
paralisar as suas atividades, devido à falta de transporte ferroviário. A empresa solicitava à
EFL uma média mensal de 12 vagões para o transporte de pedra calcária, cal e adubo. O
calcário da região destinava-se, potencialmente, para a Companhia de Álcalis, de Cabo
Frio, ao parque siderúrgico do Vale do Rio Doce - principalmente a Acesita, BelgoMineira e Usiminas. Os exemplos se multiplicavam, demonstrando que havia potencial
econômico na região, não podendo se caracterizada como antieconômica.345
Fazendo a ligação direta ou indireta a praticamente todos os municípios
fluminenses e mais aos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, eram em número de 11
os trens da Leopoldina que passavam por Nova Friburgo: 6 de carga; 3 de passageiros e 2
mistos (carga e passageiros). Além da estação de passageiros no centro da cidade cuja
última sede foi construída em 1934, onde passou a funcionar a sede da Municipalidade (o
Palácio Barão de Nova Friburgo), havia estações de carga e passageiros em Teodoro de
Oliveira, Muri, Conselheiro Paulino, Rio Grandim e Parada Branca.346
Extinta a ferrovia, não demoraria muito para começar a haver dificuldades
para o transporte de grandes cargas dessa região. Em 1975, pensava-se em reativar a linha
Cantagalo-Friburgo para escoar a produção de cimento, devido às pressões do
empresariado local. Reconhecia-se que a produção atendia à demanda, porém, "a estrutura
de transportes por estradas de ferro não consegue atender os mercados, principalmente
porque seus vagões estão tomados pelo transporte de minérios".347 Segundo o Sr. José
Vasconcelos, em primeiro lugar, não se poderia rotular de antieconômica uma região com
grande produção de calcário para cimento, mica, feldspato, quartzo, calcitas, mármores e
até bauxita (ainda que de qualidade sofrível). Depois da extinção do ramal,
1819-1820. Em 1824 chegaram também colonos alemães e, mais tarde, portugueses e sírios. Pelo seu primeiro núcleo migrante, é
conhecida como a "Suíça brasileira", sendo muito procurada por turistas. Cf. Sydenstricker (org.), 1993:308.
345
Alberto Jacob e Sérgio Galvão. Rêde não tem argumentos para justificar retirada de ramais da Leopoldina. Ramais Antieconômicos,
IV, Jornal do Brasil, 25/10/64, 1o Caderno, p. 19.
310
a gestão administrativa era tão incompetente, que passados cinco anos perceberam a
'gafe' cometida e desde então estão tentando retornar ao tráfego ferroviário entre
Mello Barreto e Cantagalo. "Esqueceram", no entanto, que o lobby da borracha é
muito forte em nosso país e a quantidade de caminhões carregados com minérios
que descem a serra atravessando Nova Friburgo ou mesmo em direção a Macaé é
muito grande (...).348
Poderíamos acrescentar que o tal lobby talvez já tivesse influenciado a
própria extinção do ramal. E o que seria uma aludida "incompetência" administrativa nada
mais era do que cessão às pressões de poderosos agentes econômicos.
A extinção da ferrovia provocava um reordenamento local. Em Friburgo, o
Grande Hotel Friburguense, inaugurado em 1898 e localizado em frente à estação de trens
que, com freqüência tinha lotação esgotada, perdeu público e condenava-se ao
esquecimento. Na época do "Jaú", trem noturno procedente de Niterói, que chegava em
Friburgo às 20 horas, os passageiros, às vezes dormiam nas poltronas do Grande Hotel, por
falta de acomodações.349 Por outro lado, os jornalistas salientavam, o prefeito da cidade,
não deu muita importância à retirada dos trilhos, pois não os queria mais no centro da
cidade. Isso acontecia com freqüência, em outros locais.
O pesquisador Ricardo Francisco Bokelman, ainda que particularmente
interessado na parte técnica das ferrovias, relativa às locomotivas a vapor, durante muitas
viagens, acompanhou o processo de erradicação de ramais da Leopoldina, da Central do
Brasil e da Rede Mineira de Viação. De acordo com sua observação, no caso específico da
Leopoldina, a população envolvida ficou entre a "indiferença e o contentamento". Afirma
desconhecer qualquer movimento organizado de protestos, ainda que eles pudessem ter
existido em locais onde não visitou:
346
Cf. Pelos trilhos do passado vem a solução para os velhos problemas. O Fluminense, 04/03/77. Pasta 36 (35). Nova Friburgo. Sala de
História Fluminense "Mattoso Maia". Biblioteca Estadual de Niterói-RJ.
347
Cimento: por que falta? Jornal do Brasil. Informe Econômico, 29/04/75. Acervo pessoal: José A. Vasconcelos.
348
Depoimento José Vasconcelos.
349
Alberto Jacob e Sérgio Galvão. Rêde não tem argumentos para justificar retirada de ramais da Leopoldina. Ramais Antieconômicos,
IV, Jornal do Brasil, 25/10/64, 1o Caderno, p. 19.
311
em Nova Friburgo, onde eu ainda embarquei num dos últimos trens para o Rio (8
horas de viagem, contra 3 de ônibus), escutei comentários do tipo 'já vai tarde'.
(...) Considere que os adversários dos ramais eram poderosos; principalmente a
promessa de construir-se uma rodovia asfaltada onde ainda não existisse
predispunha a população a apoiar a erradicação, e que os ramais, sucateados pela
falta de manutenção durante a Segunda Guerra, o descaso das administrações após a
nacionalização e pelo empreguismo do segundo governo Vargas não tinham como
competir com os ônibus e os caminhões. Acrescente-se o interesse das prefeituras
nos imóveis da Leopoldina, o alto custo das reformas necessárias (sem a garantia do
retorno financeiro pelo aumento da receita), o transtorno que os trens da Leopoldina
causavam em certas cidades (Nova Friburgo, Bom Jardim) e fica fácil entender
porque a erradicação se deu de forma pacífica.
(...) Dos mais atingidos - os funcionários da ferrovia - muito estavam perto da
aposentadoria. Muitos receberam imóveis para morar, outros se apossaram. A
resignação era geral, pelo menos nas estações e oficinas.350
As reações iniciais ao processo aconteceram, como vimos anteriormente.
Mas, com o passar do tempo vigorou essa resignação mencionada por Bokelmann, até
porque aumentaram as opções pelas rodovias. Mas, como lembra-se Waldemar Pires:
(...) havia nas comunidades desses municípios, uma... polêmica sobre isso. Porque
uma parte da população, ainda via a ferrovia como um setor extremamente
estratégico para o desenvolvimento da região. (...) Normalmente, sempre tem uma
estação, ou uma cidade que é uma cidade pólo de cada região. Então, a ferrovia, ela
sempre foi utilizada para esse fluxo, de, de compras nessas cidades pólo, então... O
comércio pela ferrovia, o transporte, essa questão, ela era importante ainda para uma
grande parte ali da comunidade. Até por falta de alternativa de transporte, porque o
transporte rodoviário era um transporte ainda alternativo, sem muita ainda, muita...
opção... Você, às vezes, tinha poucos ônibus. Ou as estradas de terra e... às vezes a
ferrovia era até um transporte mais interessante.
Mas, por outro lado, para o outro grupo de pessoas na comunidade, é, a ferrovia
passou a ser um entrave ali para a cidade. Por que? Porque todas as cidades, elas se
desenvolveram ao redor da ferrovia. E... as principais avenidas, ruas da cidade elas
atravessavam o leito da linha, a travessia de nível, a famosa travessia de nível.
Então, ao trem passar, ficava o tráfego ali, de quem tem carro, ônibus, essa coisa,
paralisado. Isso, às vezes... Manobra de um trem, às vezes ficava um trem
manobrando. Porque os trens, à medida que os trens foram ficando maiores, também
pela questão de locomotivas mais potentes, os trens foram ficando maiores, né? Com
um maior número de vagões. E os próprios pátios das estações, às vezes, não
comportava todo o trem formado só num desvio. Então, ao v. formar um trem, v.
tinha que botar o trem segmentado, uma parte do trem num desvio, outra parte
noutro desvio, outra parte noutro desvio.(...) E os carros, ficavam ali, naquele
negócio, parados, esperando a manobra do trem. Então, para algumas pessoas, e,
principalmente, às vezes até para alguns prefeitos, o trem passava a ser um... Porque
a população, pedia um... um viaduto, vamos supor, para o prefeito. Como o prefeito
350
Ricardo Francisco Bokelmann. Estrada de Ferro Leopoldina. [online] Mensagem pessoal enviada para a autora. 27 de Janeiro de
2000.
312
não tinha dinheiro para fazer o viaduto, ficava mais fácil pra ele, pedir que a ferrovia
fosse erradicada (risos)... Não é?351
Ainda que extrapole o período estudado, o seguinte episódio é exemplar do
efeito da asfixia do transporte ferroviário, para a população. Em 1982, quando começavase a cogitar a extinção do trem que ligava Visconde de Itaboraí a Niterói, que servia
principalmente a trabalhadoras domésticas e a trabalhadores de estaleiros e da construção
civil, as opiniões da população se dividiam em função das péssimas condições gerais de
funcionamento. Questionados sobre o que achavam do fim do trem, alguns disseram: “esse
trem é um entrave ao município, é antiestético” (Jeane das Chagas, secretária); “Acho que
o trem é um atraso de vida para São Gonçalo. Enfeia a cidade e cria muitos problemas”
(Alexandre Menezes, estudante). Já, outros, geralmente moradores afastados do Centro de
Itaboraí: “Sou contra. Acho que os trens poderiam ser mais bem aproveitados e servir
melhor à população” (Agenor Martins, advogado); “Para mim o trem não deve acabar.
Moro em Itambi e todos os dias venho no trem. Se viesse de ônibus, gastaria mais de Cr$
50 de passagem” (Paulo Roberto Oliveira, funcionário público).352
Em muitas cidades, atualmente, as antigas estações encontram-se
abandonadas, ou transformaram-se em depósitos ou, na melhor das hipóteses, em museus e
centro culturais. Ao seu redor, ruas calçadas sobre o antigo leito ferroviário e um ou outro
vestígio do tempo da ferrovia: um bar ou um hotel que sobrevivem heroicamente.
A reportagem sobre Friburgo provocou uma veemente resposta da direção
da Rede Ferroviária, curiosamente, a única reportagem da série, existente nos arquivos da
Rede Ferroviária (e que me conduziu às outras, na Biblioteca Nacional). Em carta enviada
ao JB, primeiro, a direção da Rede eximia-se de responsabilidade quanto às erradicações,
351
Entrevista com Waldemar Pires.
313
"pois apenas cumpre leis sancionadas pelo governo". Depois, dizia inexistir tal vulto
econômico na região de Friburgo e cargas para uma estrada de ferro, em curta distância.
Reafirmava que o transporte regional podia e deveria ser feito por caminhões. Na parte
final da reportagem, os autores da série defenderam-se dizendo que as informações
divulgadas foram obtidas junto às populações locais, cujos nomes foram indicados na
reportagem e, principalmente, em relatórios junto à própria Estrada de Ferro Leopoldina353.
Que havia cargas a transportar, já vimos anteriormente nos relatórios da Leopoldina. A
reportagem não cita o nome do Superintendente que enviara a carta, mas, nesse período a
empresa estava sob intervenção federal (14/04/64 a 23/11/64), sob a gestão do Coronel
Hélio Bento de Oliveira Mello (19/08 a 11/11/64 e depois até 27/04/65).
Na linha mineira, os trechos do ramal de Manhuaçu a Cisneiros, que fora
desativado por volta de 1976, existia a cidade de Patrocínio do Muriaé, de onde conta um
ex-ferroviário, Sr. Dalzio Salustiano, 70 anos: "aqui, a cidade parou de crescer. Haviam
seis hotéis que forneciam comida aos passageiros dos trens, por se tratar de parada para
almoço, jantar, lanches, etc.". Por lá passava o "Trem da Zona da Mata".354 Como foi
tratado anteriormente, essas regiões, na verdade, já sofriam o impacto da mudança de pólo
econômico desde o fim do boom cafeeiro. E, sem uma política voltada ao seu
desenvolvimento, foi se estagnando. A ferrovia acompanhou essa trajetória.
V.3.4 Caminho de ferro, mandaram arrancar...
De 1967 em diante, os protestos diminuíram e as ferrovias ainda existentes
continuaram sua trajetória descendente, cada vez mais vitimadas pela falta de
352
Segundo O Globo, o estado geral do ramal era de abandono, num completo sucateamento. Uma viagem diária de trem para mil
pessoas, a Cr$ 12. O Globo, 02/05/82. Acervo pessoal Sr. José A.Vasconcelos.
314
investimentos e pela saída dos usuários. Por outro lado, começaram a aparecer projetos de
recuperação de alguns ramais desativados, além do já mencionado projeto para estudar o
retorno da linha férrea Nova Friburgo - Rio de Janeiro - Niterói355, havia também o de
Cabo Frio (erradicada em 1966), para o transporte de passageiros, escoamento da produção
e incentivo ao turismo.356 Em outras regiões, outrora servidas pelas ferrovias, saudava-se
as rodovias construídas: a)em Sapucaia-RJ, elogio à Passagem da Rio-Bahia, escoando
gêneros e pessoas para regiões de MG e do NE e preocupação com a crise agrícola; b) em
Silva Jardim, o contentamento era trazido pela Estrada Niterói-Rio das Ostras, via Rio
Bonito, cortando o município em toda a sua extensão.357
Num trabalho de 1957, reeditado em 1997, Milton Santos analisou o caso de
Nazaré das Farinhas, um porto ferroviário no recôncavo baiano. O município vivia da
integração de um porto fluvial com a estrada de ferro (o seu ponto inicial foi criado em
1875), por onde escoavam os produtos locais (café, cacau, açúcar) para Salvador. Os
avanços da ferrovia favoreciam o crescimento urbano, mas a partir da abertura de estradas
paralelas à rede ferroviária, começou o retraimento desse meio de transporte e,
conseqüentemente, da região. A criação da BA-2, por exemplo, fez com que a ferrovia não
resistisse ao impacto da concorrência: viagens cada vez mais irregulares, atrasos
constantes, furtos de mercadorias pelo caminho, etc. Como agravante, a criação da rodovia
Rio-Bahia, passando pelo centro de Jequié e ligando quase todas as cidades marginais à
ferrovia.
353
Sergio Galvão. Rede explica a supressão do ramal ferroviário de Nova Friburgo. Jornal do Brasil, 1o Caderno, 08/11/64, p. 18.
Cf. Depoimento Sr. José Vasconcelos.
355
Cf. Pelos trilhos do passado vem a solução para os velhos problemas. O Fluminense, 04/03/77. Pasta 36 (35). Nova Friburgo. Sala de
História Fluminense "Mattoso Maia". Biblioteca Estadual de Niterói-RJ.
356
O diretor da RFFSA na época, René Fernandes Shoppa dizia ser muito difícil reconstruir o traçado da ferrovia, pois parte dela havia
sido absorvida pela Rodovia Amaral Peixoto. Por outro lado, ao realizar um traçado diferente do original, teria que enfrentar o ônus das
desapropriações. RFF admite volta do trem a Cabo Frio. O Globo, 06/10/79, p. 09. Acervo pessoal: José Vasconcelos.
357
Cf. Sapucaia ganha pela estrada o que perdeu com a crise agrícola. O Fluminense, 15/03/73. Pasta 50. Sapucaia; Estradas cão levar a
Silva jardim uma nova era econômica. O Fluminense, 15/03/73. Pasta 59. Silva Jardim. Sala de História Fluminense "Mattoso Maia".
Biblioteca Estadual de Niterói-RJ.
354
315
Como conseqüência da desestruturação da ferrovia, o porto de Nazaré
também foi decaindo e os produtores passaram a escolher o caminhão como principal meio
de transporte. Isso, evidentemente, causou grande desemprego, enfraquecendo também a
feira local. A cidade perdeu a função de entreposto das mercadorias regionais que eram
dirigidas para Salvador e a quase totalidade da população ativa que vivia das atividades
direta ou indiretamente ligadas ao porto, passou pelo desemprego ou pela necessidade de
reorientação de atividade (Santos, 1997a:7-9).
De forma geral, esse processo se reproduziu em toda a região cacaueira da
Bahia. De início, a estrada de rodagem fomentava o tráfego dos portos e da ferrovia,
agindo como fomentadora. Depois, extendendo-se cada vez mais, acabou provocando uma
concorrência ruinosa aos outros meios, a ponto de levá-los ao fim.(Santos, 1997b:32-33).
Em relação ao transporte de cacau, em 1940 ferrovias e portos transportavam 1.278.978
sacos e os caminhões 770.974. Em 1954, a situação inverteu-se: o transporte rodoviário
passou a carrear 2.146.936 sacos de cacau e via trens/barcos 490.523. (id.:37) A
desorganização dos transportes acabou por influenciar profundamente a vida regional,
concentrando as atividades econômicas cada vez mais nos grandes centros.
Enquanto isso, as outras desativações continuavam, alguns exemplos:
* 1972. A Estrada de Ferro Madeira-Mamoré deixava de funcionar. Em
1966, a administração da ferrovia passou para a responsabilidade do Ministério do
Exército, que designou o 5° Batalhão de Engenharia e Construções para administrar a
EFMM. Em 1968, uma rodovia ligando Porto Velho a Guajará-Mirim (acompanhando o
leito da ferrovia) ficou pronta e agravaram-se os problemas financeiros da ferrovia. Em
1979, foi reativado um pequeno trecho de 25 km, entre Porto Velho e a cachoeira de
Teotônio - para fins turísticos. Face a problemas operacionais, atualmente só está em
condições de tráfego um percurso de 8 km, de Porto Velho à cachoeira de Santo Antônio.
316
A pesquisadora/música Marlui Miranda, fez a adaptação da música “Estrada
de Ferro Madeira Mamoré e faz o seu depoimento:
Eu me impressionei muito com a epopéia da construção da Estrada de Ferro
Madeira-mamoré. Estudei o assunto e conheci esta canção lá. Ela foi feita quando
desativaram a estrada; todo aquele sacrifício e toda aquela riqueza jogada ao relento,
com os ex-ferroviários sem ter o que fazer. Sobrou apenas o espetáculo triste de 366
quilômetros de trilhos no meio do mato, composições inteiras paralisadas [...].358
Mais uma vez, a Madeira Mamoré torna-se emblema das ferrovias, mas,
desta vez, através da música:
Você precisa ver
Para saber como é
Que anda o trem na Madeira Mamoré
Caminho de ferro do oeste do Brasil
De Porto Velho até Guajará Mirim
Tanto progresso conduziu aquele trem
Hoje em regresso vai chegando a um triste fim
Você precisa...
Cada dormente colocado no seu leito
A lenda diz e que não é mentira não
Representa um operário morto em sua construção
Você precisa...
O trem que parte às seis da manhã
De Porto Velho com destino a Abunã
Sabem que sai, só Deus sabe como chegará
Mas, não há nada, todos sabem como é
Que andava o trem na Madeira Mamoré
Que andava o trem na Madeira Mamoré359
* 1975. Desativação do "trem das professoras", da Central do Brasil, que
saía da Estação D. Pedro II, na Central do Brasil com destino à Base Aérea de Santa Cruz.
Várias gerações de professoras embarcaram nesse trem, geralmente formadas pelo Instituto
de Educação iam exercer a profissão nos bairros do subúrbio e a condução mais rápida e
barata era o trem que saía às 5:40 horas em ponto. Tradicional e folclórico na cidade, o
trem inspirou os compositores Jorge Faraj e Benedito Lacerda com a música... "Trem das
358
359
Marlui Miranda. Revivência. Memória Discos e Edições, 1983.
Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Adaptação: Marlui Miranda. Letra: José Cândido. Idem.
317
professoras", que narra a admiração de um boêmio por uma professora e as contradições de
ambos os modos de vida, vejamos alguns trechos:
Eu a vejo todo dia
Quando o sol mal principia
A cidade a iluminar
Eu venho da boemia
E ela vem, quanta ironia!
Para a escola trabalhar.
Louco de amor em seu rastro
Vagalume atrás de um astro
Atrás dela eu tomo o trem
E no trem das professoras
Entre outras tão sedutoras
Eu não vejo mais ninguém
(...)360
* 1977. Duas mil pessoas sentiam a ameaça da retirada dos trens do ramal
Itaboraí-Niterói, depois de mais de 50 anos em tráfego. Antigo projeto prioritário, pois
transportava passageiros que trabalhavam nas indústrias de Niterói e do Rio de Janeiro,
perdia o seu caráter estratégico, sendo desativado e substituído pelas linhas de ônibus. A
promessa de um pré-metrô para a região data daquela época.361
* 1980. Última viagem do "trem mineiro", que fazia a linha Barão de MauáRecreio-MG, da Leopoldina:
há 106 anos chegava a Recreio, em Minas Gerais, o primeiro trem de passageiros
vindo do Rio. Era a antiga linha de Porto das Caixas a Manhuaçu. Desde 1909 as
composições da "The Leopoldina Railway Limited" saíam de Barão de Mauá. "Eram
trens Maria-fumaça, com 3 vagões de primeira classe, carros-dormitório, restaurante
com toalhas de linho e segunda classe. A procura era grande e havia quem viajasse
em pé", lembram os mais velhos, como Jair Ribeiro de Almeida, agente aposentado
da estação de Recreio. (...) Há menos de 10 anos os trens chegavam a Recreio com
600 passageiros. Nos últimos três meses de vida, o trem mineiro, reduzido a um
solitário e velho vagão na traseira de um cargueiro, só transportou 41 pessoas que
deixaram Barão de Mauá. Era a sentença de morte do velho trem. Sábado, ele
acabou, após percorrer 310 quilômetros em 16 horas e 12 minutos, arrastando-se a
uma média de 19 quilômetros por hora362.
360
Maria Lúcia Rangel. Fim de um transporte que deus samba. Jornal do Brasil, 27/02/75, 1o Caderno, p. 06. Arquivo O Globo.
Em Itaboraí, moradores temem o fim da ligação com Niterói. O Globo, 23/05/77, p. 12. Arquivo O Globo.
362
Fritz.Utzeri. A última viagem do "trem mineiro". Jornal do Brasil, 1o Caderno, 22/9/80, p. 06. Acervo pessoal: Benício Domingues.
361
318
* 1983. A diretoria da RFFSA decidia reduzir o fluxo de trens nas regiões
do Sertão Central e Pajeú, em Pernambuco. Desativou a linha diária Recife- Afogados da
Ingazeira via Salgueiro.363
***
Finalmente, não poderia deixar de mencionar o caso da Bahia Minas,
imortalizada por Milton Nascimento e Fernando Brant, em 1975, na música Ponta de
Areia: "Maria Fumaça não canta mais, para moças, flores, janelas e quintais...".
Refazendo o percurso da E. F. Bahia-Minas, ou Baiminas, como é conhecida na região,
dois pesquisadores, Monica Torres (Jornalista) e José Marcello Giffoni (Historiador),
inspirados pela música Ponta de Areia, realizaram o projeto Estrada de Ferro Bahia
Minas: Trilhos Arrancados, Memória Viva, reunindo documentos, fotografias e
depoimentos sobre a estrada que ligava o Vale do Jequitinhonha ao mar.364 Os
depoimentos são ilustrativos do processo de erradicação dos trilhos como um todo e das
dificuldades enfrentadas pela população. A supressão definitiva do tráfego dessa ferrovia
aconteceu de acordo com a Resolução134/66, processo do Conselho Ferroviário Nacional
no 106/66 e publicado no Diário Oficial em 09/08/66365. Segundo os autores, a história da
empresa começou em 1880, quando o engenheiro baiano Miguel de Teive Argolo comprou
uma propriedade de Antônio dos Coqueiros no distrito de Ponta de Areia, em Caravelas,
iniciando o projeto de construir uma estrada de ferro que ligasse as Províncias de Minas
Gerais e Bahia. A Estrada de Ferro Bahia-Minas era o único caminho que existia entre os
municípios de Araçuaí, no Nordeste de Minas, e Caravelas no extremo Sul da Bahia, e,
assim:
363
Rede Ferroviária desativa antigos ramais do sertão. Diário de Pernambuco, 15/02/83. Acervo pessoal: Benício Domingues.
Cf. Mônica Torres e José Marcello Gifoni. Estrada de Ferro Bahia Minas. Trilhos arrancados, memória viva. [online] Disponível na
Internet via WWW. URL: www.cedeplar.ufmg.br/~nlima/vida/apresenta. Abril de 2000.
365
Cf. MVOP/DNEF/CFN. Relatório CFN de 1966. P. 06. SEDOC/RFFSA
364
319
entre promessas, processos de estatização, privatização, falta de investimentos a
E.F.B.M. chegou em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, em 1942, para 25 anos
depois ser desativada e seus trilhos arrancados.
Para a população, "foi um absurdo!", como sintetiza Manoel Bernardino,
telegrafista aposentado, quando o assunto é a extinção da E.F.B.M. Para os autores:
um fim repleto de versões conhecidas de longa data que coincidem e se contradizem
ao mesmo tempo: como a de que o Governo militar achava que a estrada de ferro
estava infestada de comunistas; ou a de que a estrada não conseguiu concorrer com
as estradas de rodagem, como as BR 101 e 116, no escoamento de madeira de lei;
outra diz que as rodovias vieram depois do fim do trem; de que a estrada foi
sucateada, suas atividades reduzidas pouco a pouco e funcionários transferidos,
sendo considerada um ramal deficitário (um ramal de 578 km?!). A corrupção, o
cabide de emprego e o superfaturamento fazem-se presentes nos argumentos para o
fim da Baiminas. Além do mais, tornou-se um ‘paquiderme lento e atrasado’, que
deveria ser exterminado para dar espaço a uma das grandes salvações da pátria dos
anos 50 de JK ao milagre econômico dos militares: asfalto e automóveis.366
Não há uma análise simplificada para a desativação das ferrovias no Brasil,
todos os fatores apontados acima devem ser considerados no conjunto. Durante o Regime
Militar foi desfechado o golpe final, mas, bem antes, a opção única pelas rodovias já vinha
sendo articulada. E, para finalizar, ainda no rastro da Baiminas e da rica cultura do Vale do
Jequitinhonha:
Bahia nova
Onde você for, me leva
Pras estradas novas da linha de ferro
O meu sofrer é aonde eu vou morar
Na beira do rio
Nas ondas do mar.367
366
367
Cf. Mônica Torres e José Marcello Gifoni, op. cit.
Música de Domínio Público, informante: Mãe Augusta - São Julião/Carlos Chagas/MG). Apud: Idem.
CONCLUSÃO
Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo, vai pela serra
Vai pela terra,
Vai pelo mar
(Heitor Villa Lobos/Ferreira Gullar. O trenzinho do Caipira)
Num tenso debate realizado em 1977, e só publicado recentemente, Darcy
Ribeiro, Glauber Rocha, Ferreira Gullar e Mário Pedrosa – recém-chegados do exílio discutiam a situação do país e seus [des]caminhos futuros. Darcy afirmava:
todos nós aprendemos, durante anos, que era uma coisa horrível ser uma república
de bananas. [...] Mas é melhor ser república de automóveis? Talvez seja melhor ser
república de bananas. Porque república de bananas exportando bananas produz
dólares, e república de automóveis não produz dólar. A situação que se está criando
no Brasil é de que nós confirmamos um destino histórico infausto, infeliz. Fomos
fundados como um empreendimento que não existia pro seu povo. [...] Esse país
nunca existiu para o seu povo. O povo nunca produziu o que ele come. Acho que
continua sendo assim.368
De fato, o Brasil nunca existiu para o seu povo. Em períodos de
prosperidade econômica, via “milagre” ou “plano real”, através da coerção e/ou consenso
justificaram-se políticas que, na maioria das vezes, asseguravam o lucro do grande capital.
As conquistas sociais foram sempre obtidas com muita luta.
368
Elizabeth Carvalho. O encontro. Jornal do Brasil, Caderno B, 23/02/97, p. 04.
321
O fantástico crescimento econômico dos últimos anos, até a década de 80369,
não caminhou pari passu com a qualidade de vida da população. Ao contrário, houve um
violento processo de pauperização de vastas parcelas das classes trabalhadoras Segundo
Kowarick (1993) até a década de 30, as empresas resolviam o problema da moradia do
operariado construindo vilas operárias geralmente em torno das fábricas. Para os
trabalhadores, o fornecimento da moradia diminuía suas despesas mas, ao mesmo tempo,
justificava o rebaixamento salarial. Depois, com a intensificação da industrialização, a
migração e o aumento da pressão sobre a oferta de habitações populares, juntamente com a
valorização dos terrenos fabris e residenciais, houve a expulsão desse contingente para
cada vez mais longe, nas periferias dos grandes centros. As empresas transferiram os
gastos com moradia e transporte para os próprios trabalhadores e os relacionados aos
serviços de infra-estrutura urbana, quando existentes, para o Estado. Proliferam-se as
“cidades-dormitório, verdadeiros acampamentos desprovidos de infra-estrutura” (Idem:
38). As dificuldades com o transporte, os engarrafamentos, o tempo cada vez maior gasto
nos deslocamentos, o cotidiano dos pingentes e a superlotação nas composições
ferroviárias, transformaram o dia-a-dia num exercício de sobre-vida.
O transporte de massa, que “deveria servir ao deslocamento da população
operária, devido à alquimia especulativa do setor imobiliário-construtor e à
“neutralidade” tecnicista do planejamento público, converte-se em instrumento dos
interesses dos estratos privilegiados”. (Idem: 40-41) E:
369
A partir dos anos 80, as fragilidades do modelo de crescimento econômico vêm à tona, agravadas pelo contexto internacional de
preponderância do modelo neoliberal: “a industrialização perde fôlego, a crise agrária transfere para as cidades mais gente do que a
economomia urbana pode absorver, o financiamento externo se interrompe, o país é conduzido à esdrúxula situação de exportador de
capitais e o principal agente interno condutor do crescimento – o Estado – se torna deficitário.” (Benjamin et allii., 1998:27-28)
322
a periferia como fórmula de reproduzir nas cidades a força de trabalho é
conseqüência direta do tipo de desenvolvimento econômico que se processou na
sociedade brasileira das últimas décadas. Possibilitou, de um lado, altas taxas de
exploração do trabalho e, de outro, forjou formas espoliativas que se dão ao nível da
própria condição urbana de existência a que foi submetida a classe trabalhadora
(Idem: 43-44)
Essa “espoliação urbana”, como o coloca Kowarick, vem sendo agravada
com o aumento do contingente da classe trabalhadora, a desarticulação sindical e um
sistema econômico organizado de forma cada vez mais excludente.
No interior, a inexistente reforma agrária também levou ao crescimento da
desigualdade. A ênfase aos produtos de exportação, trouxe um desestímulo generalizado à
produção para o mercado interno, geralmente realizada em pequenas propriedades. Dessa
forma, o sistema de transportes implantado foi coerente com esse desequilíbrio
generalizado. As regiões consideradas “sem expressão econômica” e, portanto, sem direito
a um sistema de transporte eficiente e barato, são aquelas relegadas à fronteira do sistema
implantado. Como dizia Monteiro Lobato, são “cidades mortas”, não pela sua natureza ou
pela sua capacidade de produção, mas por não responderem aos objetivos do modelo
implantado. A concentração do sistema de transporte no modal rodoviário encareceu os
fretes, obstaculizando o desenvolvimento da pequena produção. Para além da sua definição
no sentido estrito, de “meio ou serviço pelo qual se deslocam pessoas e mercadorias”
(Sandroni, 1994:355), o transporte é um indutor de distribuição de renda370, uma atividademeio, desde que equitativamente planejado.
Além disso, de modo geral, a corrida à industrialização desde a década de
1950 não significou o livre passe do Brasil e demais países periféricos à arena do chamado
Primeiro Mundo, ao contrário, segundo Giovanni Arrighi:
370
Esse conceito de “indutor do desenvolvimento” é explicitado por Fernando Macdowel da Costa, engenheiro, ocupante de diversos
cargos públicos, dentre eles o de diretor do Metropolitano do Rio de Janeiro. Entrevista de Fernando Macdowel da Costa, realizada na
323
a industrialização da semiperiferia e da periferia foi, em última análise, um canal,
não de subversão, mas de reprodução da hierarquia da economia mundial. Essa
descoberta ilustra o processo, enfatizado em nossa conceituação anterior, pelo qual a
tentativa generalizada, por parte dos atores econômicos e políticos, de capturar o
que, em qualquer momento dado, são atividades do núcleo orgânico, estimulando a
competição que transforma essas atividades em atividades periféricas. Na década de
40, as atividades industriais (ou, pelo menos, muitas delas) eram de fato atividades
de núcleo orgânico. Na década de 50, atraídos pelos “prêmios espetaculares”
jogados para essas atividades, os atores políticos e econômicos da periferia e
semiperiferia se atiraram à “industrialização”. No início, colheram alguns benefícios
e com isso induziram os outros a fazer o mesmo. Nas décadas de 60 e 70, no
entanto, as atividades industriais se tornaram cada vez mais superlotadas de modo
que não apenas os prêmios espetaculares desapareceram, mas até mesmo os
benefícios menores colhidos pelos primeiros atrasados se transformaram
progressivamente, nas perdas generalizadas da década de 80.371
Esse processo, também denominado por Arrighi de “ilusão do
desenvolvimento”, provocou a agudização da desigualdade social. Se, enquanto totalidade,
os países semiperiféricos372 não alcançaram os patamares do núcleo orgânico, os padrões
de riqueza da alta burguesia local assemelham-se aos do núcleo orgânico. Para Arrighi:
confrontados com esse tipo de extrema desigualdade na distribuição de riqueza
pessoal, os regimes autoritários da semiperifeira sul-européia e latino-americana,
geralmente desempenharam uma de duas funções. Ou eles protegeram a acumulação
e o gozo da riqueza oligárquica pelas classes alta e média das exigências e lutas das
massas excluídas e exploradas, ou eles regularam a transferência de riqueza
oligárquica de uma fração para outra das classes alta e média [...] (Idem: 234)
Os projetos de “desenvolvimento” e de “modernização” colocados em
prática pelos governos brasileiros inserem-se, portanto, na perspectiva da reprodução da
hierarquia mundial. Essa política foi incrivelmente aperfeiçoada durante os governos
militares que, sob o signo da Segurança Nacional e do anticomunismo, asseguraram os
lucros do grande capital e forjaram políticas que garantiram à maioria da população
COPPE/UFRJ e produzida pelo NUCA-IE, Núcleo de Computação e Audiovisual do instituto de Economia da UFRJ. Transporte
Rodoviário. Fita 01. Série: Infra-estrutura física para o desenvolvimento.
371
Giovanni Arrighi. A estratificação da economia periférica. Considerações sobre a zona semiperiférica, p. 137-206. (In: Arrighi, 1998:
186) [grifos DAP]
372
Arrighi denomina de semiperiféricos os países localizados na posição intermediária na estrutura núcleo orgânico-periferia, referindose a uma posição diante da divisão mundial do trabalho. Usualmente qualificados como “industrializados” ou “semi-industrializados”,
esses países, dentre os quais o autor inclui o Brasil, ocupam uma posição intermediária numa rede de trocas desigual: “eles colhem
apenas benefícios marginais quando estabelecem relações de troca com os Estados do núcleo orgânico, mas colhem a maioria dos
benefícios quando estabelecem relações de troca com os Estados periféricos.” (1998: 208)
324
brasileira status de periferia. Sob esse ponto de vista é que foi desenvolvido este trabalho,
procurando inserir a política de transportes num contexto ampliado.
Analisando o Estado enquanto uma relação constante de forças, procurou-se
identificar os principais interesses envolvidos na condução da política que desativou as
ferrovias e fez das rodovias o modal privilegiado de transportes. Nesse jogo, houve reações
contrárias por parte da população, dos sindicatos e outras entidades, mas esparsas e
localizadas. Não houve um projeto contra-hegemônico capaz de redirecionar essa política.
Ao contrário, a arquitetura da produção do consenso fortaleceu-se, divulgando esses
interesses particularizados como interesses gerais através dos diferentes “aparelhos”:
jornais, revistas, escolas e associações diversas. Tudo isso reforçado pela estrutura
coercitiva fortalecida durante os governos militares, silenciando as oposições internas,
desarticulando os sindicatos e fazendo emergir as lideranças “pelegas”.
As desativações de ferrovias, de forma geral, basearam-se no argumento da
antieconomicidade das linhas e das regiões por elas servidas. Através da análise dos
agentes e agências envolvidos na política de transportes no geral e no Programa de
“Erradicação” de Ferrovias, tentou-se desvendar a trama do senso comum aplicada ao
modal ferroviário. A Estrada de Ferro Leopoldina, construída para o transporte do café,
transformou-se num gigante de 3 mil quilômetros de linhas e de muitos problemas,
também comuns a muitas outras empresas ferroviárias: traçados no sentido radial, não
formando uma eficiente malha; deficiências técnicas e administrativas; maquinário
obsoleto; oficinas com fraca capacidade de reposição do material rodante, etc. No entanto,
esses problemas não eram intrínsecos às empresas, tampouco à Leopoldina. Procurei
demonstrar que, na mudança do padrão agro-exportador para o da industrialização
massiva, a escolha realizada para os transportes eliminou as ferrovias e privilegiou as
rodovias como artérias principais do escoamento da produção.
325
Assim, é um falso problema apontar a administração pública como
responsável pelo caos ferroviário, como muitas vezes apontado pela literatura
especializada, conforme analisa Martins (1990). Vimos, no caso da Leopoldina que,
quando foi encampada pelo governo federal, em 1949, ela não passava de um “amontoado
de ferro-velho”, administrada por uma companhia inglesa desde 1897, portanto, durante 52
anos sob a tão famosa “eficiência” britânica. Enquanto o empreendimento ferroviário
representou bons negócios, mormente através da famosa garantia de juros de 7% sobre o
investimento, elas permaneceram em mãos particulares - nacionais ou estrangeiras. No
momento em que a modernização urgia (de traçados e de equipamentos), principalmente
após a II Guerra Mundial, os interesses privados forçaram polpudas negociações para a
encampação dessas empresas.
A Rede Ferroviária Federal, criada em 1957, nascia, assim, sob o signo do
déficit, com imensos prejuízos a gerir, das diversas empresas incorporadas.
Instrumentalizados por consultores estrangeiros – em particular contando com os estudos
da Comissão Mista Brasil – Estados Unidos (1952) como seu carro-chefe – programou-se a
erradicação de ramais supostamente antieconômicos, como saída para a crise ferroviária.
Programava-se extinguir aqueles ramais com exploração deficitária e/ou que servissem a
regiões “sem expressão econômica”. Vimos que os critérios para tal política eram
duvidosos e questionáveis: as estatísticas eram deficientes e a avaliação da potencialidade
das regiões era parcial e imediatista. As diversas comissões de desativação eram formadas
por tecnocratas, sendo os sindicatos e setores da população, no geral, desconsiderados .
Paralelamente, crescia o movimento rodoviarista, capitaneado pelo setor
privado. Desde o início do século, as rodovias cresciam às margens da ferrovia, servindolhe de ameaça e não de complementação. O transporte de cargas, através dos caminhões,
passou a ser a única alternativa, pois as ferrovias em violento processo de asfixia, não
326
respondiam mais às necessidades de rapidez e segurança. Para o trabalhador Ferroviário a
manutenção dos equipamentos era um ato heróico no dia-a-dia, cuja marca passou a ser a
da improvisação. Como afirma Waldemar Pires Ferreira, a falta de investimentos foi
sucateando a ferrovia brasileira:
a ferrovia foi se modernizando no mundo. As ferrovias em todos os países do mundo
continuaram a ver investimentos maciços em ferrovia, a tecnologia, ela vai
evoluindo. As nossas ferrovias elas têm uma característica ainda da época do
Império, né? Do crescimento iniciando ali, na época do Império, e aonde você tinha
aquela mão-de-obra, barata, aonde você fazia a ferrovia... é... por caminhos
tortuosos, até porque a tecnologia não estava tão avançada, você não tinha os
maquinários que tem hoje. Então, você tinha ferrovias com rampas muito elevadas,
raios de curva muito pequenos, e que para fazer trens longos, você não pode fazer.
As características das nossas ferrovias, também tinha essa questão. Até porque a
topografia, principalmente da Região Sudeste, é também uma topografia difícil. E
era onde você tinha o centro industrial e econômico do país. E você também para
fazer trens longos, você tinha que fazer ferrovias mais modernas também, com
traçados melhores, essa questão toda. E por uma questão de política de governo, que
eu relatei anteriormente, em vez de se melhorar esses traçados das ferrovias, de
forma a você tornar o trem mais competitivo, mais atraente, o governo optou em
investir maciçamente no transporte rodoviário. E à medida que o trem ia ficando
tecnicamente mais obsoleto, competindo com a rodovia, o governo ia optando pela
suspensão de ramais. Que, a meu ver, foi uma política que não foi correta, porque
deu margem a uma exploração voltada mais para o rodoviarismo e menos pra
ferrovia. Se você olhar a matriz de transporte no mundo, você vai ver que a ferrovia
aqui no Brasil é insignificante, em relação a outros países. Você pega um país como
a Rússia, quase que todo o transporte é feito por ferrovia. Na Europa, em todos os
países, Japão... né? E aí, eu volto a falar para você, por que eles não analisam a
questão do custo financeiro da ferrovia, eles vêm a coisa como uma questão
estratégica do país. Infelizmente, no Brasil, se começou a analisar a ferrovia,
meramente pelo custo financeiro. E aí, quando você compara só pelo custo
financeiro, começou a você ter, comparativamente com a rodovia e foram se
eliminando, suspendendo ramais. Alguns desses ramais, acredito eu, embora eu não
tenha a comprovação disso, mas eu acredito que alguns ramais tenham sido
suprimidos inclusive pela pressão dos transportadores rodoviários, né? Que tinham
interesse em, no momento em que a ferrovia corria paralela à rodovia, que a ferrovia
fechasse, o transportador rodoviário podia aumentar o seu frete, que foi o que
acabou acontecendo, aumentar o seu frete de uma forma absurda. Isso aconteceu aí ,
na maioria dos trechos onde a ferrovia foi erradicada.373
Não podemos falar, portanto, da extinção desse ou daquele ramal. De forma
geral, o transporte ferroviário foi ceifado em todas as regiões, sob formas diferentes. No
interior, arrancando-se as suas linhas e nas cidades, através de um violento processo de
sucateamento. Por isso, a contrapartida urbana da extinção dos trens do interior era tão ou
327
mais dramática. Se no interior, a ausência de opções de transportes dificultava a circulação,
nas áreas metropolitanas, a situação era ainda pior, agravada no pós-60. A ênfase ao
transporte rodoviário tinha nas cidades o seu símbolo máximo: incentivo aos transportes
individuais, expansão das frotas de ônibus (os serviços de bondes foram encerrados em
1964), ampliação da rede viária, construção de túneis e viadutos. O crescente sucateamento
do material ferroviário, a falta crônica de investimentos no setor, combinado com o
aumento da população e o baixo preço das "tarifas sociais" (em comparação à dos ônibus)
fazia dos trens a opção possível, necessária, mais barata, mas também das mais cruéis em
termos de funcionalidade. As avarias e os acidentes eram fatos corriqueiros, somados à
superlotação e aos acidentes provocados por usuários:
a década de 70 é também a fase dos "pingentes" – passageiros que andavam
dependurados às janelas e portas dos trens – como os anos 80 seriam marcados pelos
"surfistas ferroviários" (que andam sobre os vagões abaixando-se para não serem
derrubados ou eletrocutados pela fiação). Somente entre janeiro de 1973 e junho de
1974, macabras estatísticas davam conta de 71 pingentes mortos e 98 feridos
(Mattos, 1998: 101)
Segundo dados da Revista Ferroviária, citados por Mattos, em meados da
década de 60 havia uma média de 480 mil passageiros/dia, número este elevado para 600
mil/dia no início dos anos 70. Após uma estabilização no final da década, com 550 mil
passageiros/dia, voltou a crescer espantosamente em 1981, com 700 mil/dia. (Mattos,
1998:100-101).
A articulação do setor privado rodoviário-automobilístico rendeu ao país a
formação de poderosos lobbies, articulando indústria automobilística, distribuidoras,
empresas rodoviárias, empreiteiras e poder público (nos diversos níveis). Conforme a
Folha de São Paulo: “a indústria automobilística ajuda os candidatos de sua preferência,
nas eleições, mantendo uma estratégia engenhosa que preserva o setor do desgaste a que
373
Entrevista de Waldemar Pires Ribeiro.
328
são submetidos os tradicionais contribuintes de campanha, como as empreiteiras e os
bancos”.374 E, ainda: “os deputados e senadores são sempre úteis para ler discursos e
apresentar projetos preparados pelo lobby da indústria, abrir portas e facilitar audiências
com autoridades do Executivo”.375 Ressalta que vários congressistas são também
distribuidores de veículos.
Em 1999, no Rio de Janeiro, iniciou-se uma investigação sobre a ligação
entre empresas rodoviárias e parlamentares da Assembléia Legislativa do Estado. As
denúncias que a originaram envolviam a Viação 1001, que detém o monopólio de muitas
linhas rodoviárias no Estado do Rio de Janeiro, percorrendo, inclusive, regiões
anteriormente servidas pela Leopoldina.376
Os problemas envolvendo a privatização do setor de transportes ocorrida
nos últimos 50 anos fazem parte de uma lista infindável, chegando no processo mais atual
de concessão de linhas ferroviárias à iniciativa privada e à liquidação da Rede Ferroviária
Federal S.A.
Na Europa, ainda que o transporte ferroviário mantenha-se forte, há
freqüentes
problemas
envolvendo
excesso
de
automóveis
nas
ruas,
gerando
engarrafamentos e o aumento da emissão de gás carbônico.377 Outro problema é que após
os anos 80, na esteira da formação do Mercado Europeu, houve a privatização de empresas
ferroviárias e o crescimento do transporte rodoviário de mercadorias. Na Inglaterra, a
British Rail foi privatizada em 1994, sendo que a empresa Railtrack comprou as estradas
de ferro e também o sistema de sinalização. Em outubro de 1999 houve um violento
acidente ferroviário, matando 40 pessoas num subúrbio de Londres. As investigações
374
Frederico Vasconcelos. Montadoras disfarçam ajuda para os candidatos. Folha de São Paulo, Eleições – Especial, p. 06, 11/10/1998.
Lobby das concessionárias privilegia 182 parlamentares. Folha de São Paulo, São Paulo, Eleições – Especial, p. 07, 11/10/1998.
Cf. reportagem de O Globo: “o deputado Paulo Melo, líder do PSDB na Assembléia, disse ontem à tarde que o diretor-presidente da
Viação 1001, Amaury de Andrade, é sócio do subchefe da Casa Civil do Governo, Augusto José Ariston [...] . Deputado: assessor do
governo é sócio de dono de ônibus. Globo on, 23/04//99. www.oglobo.com.br/2turno/arquivo/rio
375
376
329
apontavam para falhas no sistema de sinalização, tendo como pano de fundo o conflito
“entre o desejo de lucro das empresas e as necessidades de segurança”.378 Na França,
houve greves de camioneiros em 1999, evidenciando a desregulamentação do setor, a
concorrência selvagem entre as empresas e a imensa sede de lucros imediatos. Entre 1985
e 1995, o volume de mercadorias transportadas por rodovias aumentou em 40%, ao passo
que, pela via ferroviária diminuiu em 4%. Com isso, começava-se a rever estratégias para
os transportes, considerando as externalidades negativas apontadas pelo transporte
rodoviário, além da superexploração dos camioneiros que trabalham, em média, 54,6 horas
semanais.379
No Brasil, houve continuidade na política da destruição da malha
ferroviária, mais sistematicamente a partir dos anos 60. No entanto, a recente liquidação da
Rede Ferroviária representa um outro tipo de inflexão nessa política. Criada para unificar
as ferrovias, a RFFSA chegou no ranking das maiores empresas do país, junto com as
empresas privadas do setor automobilístico e de construções rodoviárias: Ford, Dersa,
Firestone, Caterpillar, Viação Cometa, etc., de acordo com a pesquisa da revista Visão.380
A RFFSA padronizou o material rodante, as normas e procedimentos técnicos,
incrementando o processo de integração e tráfego mútuo. Propiciou a efetivação dos
corredores de exportação de produtos agrícolas (como o Tronco Sul) e de minérios,
participou na expansão dos transportes de produtos derivados do petróleo e de insumos da
indústria siderúrgica, etc.381 Primeiro, houve a concessão das linhas à iniciativa privada.
377
Esse é o caso da França, onde houve a decisão de limitar a circulação de automóveis nas ruas de Paris. Cf. Isabelle Bourboulon. Des
villes asphyxiées par l’automobile. Le Monde Diplomatique, décembre 1997, p. 18. www.monde-diplomatique.fr
378
Nelson Franco Jobim. Londres intervém em ferrovia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, Caderno Internacional, 11/10/99.
www.jb.com.br/internac.
379
Cf. informações de Laurent Carroue. La ruineuse maladie du ‘tout routier’. Le Monde Diplomatique, Décembre 1997, p. 18 e 19.
www.lemonde-diplomatique.fr/md/1997/12/carroue
380
Quem é quem na economia brasileira. Visão, v. 37, n. 34, ago. 1970, p. 308.
381
Cf. documento elaborado pelas principais associações ferroviárias, apresentando proposta para garantir a inserção da RFFSA na
Agência Nacional de Transportes. Federação Nacional das Associações dos ferroviários aposentados e pensionistas. Federação das
Associações de Engenheiros Ferroviários. Federação nacional Independente dos Trabalhadores sobre Trilhos. Carta do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, Julho de 1999, p. 04.
330
Agora, com a liquidação da RFFSA, elimina-se o canal direto de regulamentação dos
serviços, transferido, nebulosamente, para instâncias da Agência Nacional de Transportes.
Conforme o engenheiro e consultor ferroviário Napoleão José Vieira, com as concessões:
“o transporte ferroviário foi concentrado nas mercadorias e usuários de interesse das
concessionárias desaparecendo os caracteres de serviço público e de regulador de
mercado de transporte, antes desfrutados pela ferrovia.”382 Portanto, a preocupação com
um projeto de industrialização articulado pelo Estado, vigente na década de 50 (do qual a
criação da RFFSA foi um produto) desaparece com o novo modelo de alinhamento ao
mercado internacional, apostando no livre mercado como “regulador natural”. Vimos,
anteriormente, quais são as forças que regem essa aparente liberdade de mercado.
A recente greve dos camioneiros desencadeou uma série de reportagens nos
jornais, desmascarando-se a política de transportes. Aponta-se o investimento no transporte
multimodal como saída para o trânsito de cargas, concentrado em 58% nas rodovias.
Devido ao excesso de uso e de peso, 24% dos 53 mil quilômetros de rodovias estão em
mau estado de conservação, segundo o DNER. Outra trágica conseqüência é o altíssimo
custo operacional, chamado de “Custo Brasil”. Exemplificando: enquanto a tonelada de
carga movimentada no porto de Santos custa cerca de U$ 250, no porto de Roterdã não
passa de U$ 80, segundo assessor da NTC – Associação Nacional de Transporte de
Cargas.383
No 1o Encontro Nacional Ferroviário, realizado em 1991, diagnosticava-se a
ausência de uma política nacional de transportes: “a ênfase a cada modal vem sendo dada
em função de jogo de pressões de grupos econômicos, fato que possibilitou uma certa
irracionalidade na nossa matriz de transporte”. (ENFER, 1991: 25) As decisões são
382
Napoleão José Vieira. Um governo fora dos trilhos. Rio de Janeiro, p. 01, 1999 [mimeo].
331
tomadas, sempre, em função de interesses imediatos. Um dos principais efeitos foi a
distorção na própria ferrovia brasileira, que nada transporta para o mercado interno,
servindo majoritariamente aos corredores de exportação (Ferrovia do Aço, Vitória-Minas,
Carajás, Amapá, etc.), atendendo ao modelo exportador predominantemente de interesse
dos países do núcleo central.
Segundo Célio Debes, sobre a viabilidade da integração intermodal:
o que eu entendo é que deve haver uma política de transporte e não uma política do
transporte. Todas as modalidades devem ser consideradas não apenas sob o ponto de
vista de seu desenvolvimento, mas também sob o aspecto de sua conjugação. Não é
possível que ao lado do rio Tietê, que é uma via fluvial aproveitável, exista uma
estrada de rodagem e uma estrada de ferro, uma faz concorrência desnecessária à
outra. Em lugar de se abrir uma estrada de ferro ao lado de uma via fluvial, o melhor
seria conjugá-las num só sistema, de modo que uma fosse complemento da outra. É
evidente que se deve levar em conta o problema do baldeio que encarece o custo do
transporte, porém, isso pode ser solucionado com a unificação das bitolas
ferroviárias, com a construção de terminais e com a utilização de "containers" ou
outros modernos meios de transporte de cargas. (In: Ferrari, 1981:208)
A Conclusão deste trabalho, portanto, aponta para uma situação inconclusa,
a anti-política ferroviária ainda se desenrola, numa outra fase, mas coerente com o
processo anterior do desmonte. A distorção na matriz dos transportes agudizou a já
acelerada pauperização de grande parte da população brasileira. A história das ferrovias
brasileiras nada mais é do que a trajetória exemplar de uma anti-política pública, decidida,
no enfrentamento político, por poucos. Voltando à frase de Darcy Ribeiro: “esse país
nunca existiu para o seu povo...”
383
Cf. a) Fabiano Lana. Excesso de peso degrada rodovias. b) Telmo Wambier. Brasil é refém dos camioneiros. Jornal do Brasil,
Economia, 01/08/1999. www.jb.com.br
332
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Associação Fluminense de Preservação Ferroviária
Associação Mútua Auxiliadora dos Empregados da E. F. Leopoldina
Biblioteca a Associação Brasileira de Imprensa
Biblioteca da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
Biblioteca da COPPE – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas
Biblioteca do Clube de Engenharia
Biblioteca do Instituto de Pesquisas Rodoviárias do Departamento Nacional de Estradas de
Rodagem
Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Biblioteca do Ministério da Fazenda
Biblioteca do Setor Geral de Documentação da Rede Ferroviária Federal S.A.
Biblioteca Nacional
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro
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Sindicato dos Trabalhadores da E. F. Leopoldina
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Biblioteca do Escritório Regional da SR-3
São João D’El-Rey, MG:
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SIQUEIRA, Edmundo. Resumo Histórico de The Leopoldina Railway Company, Limited.
Rio de Janeiro: Gráfica Editora Carioca, 1938.
TÁVORA, Juarez. Uma vida e muitas lutas. Memórias. Rio de Janeiro: Bibliex, 1977.
VASCONCELOS, Maximiliano de. Vias Brasileiras de Comunicação. Rio de Janeiro:
Conselho Nacional de Geografia, 1947.
VIEIRA, Napoleão José. Um governo fora dos trilhos. Rio de Janeiro, 1999 [mimeo].
ZANY, J. Ramal férreo Lima Duarte-Bom Jardim. Importância político-militar e
econômica, necessidade de sua urgente construção. Juiz de Fora, MG: Gráfica Dias
Cardoso, 1934.
2. Periódicos especializados
ANUÁRIO DAS ESTRADAS DE FERRO DO BRASIL. Rio de Janeiro, 1966-75.
BOLETIM AFPF - Associação Fluminense de Preservação Ferroviária. Rio de Janeiro,
1999-2000. Mensal.
BOLETIM DO INSTITUTO FERROVIÁRIO DE PESQUISAS TÉCNICOECONÔMICAS. Rio de Janeiro, 1954-1957. Bimestral.
344
BR - Órgão da NTC - Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Carga. Rio de
Janeiro, 1968-1974. Bimestral.
EMPREITEIRO (O). São Paulo: Grupo Editor Técnico, 1968-1974. Mensal.
ESTRADAS DE FERRO DO BRASIL (Suplemento da Revista Ferroviária), Rio de
Janeiro, 1954-65. Mensal.
FERROVIA. Órgão oficioso da E. F. Santos a Jundiaí. São Paulo, 1956-1971. Bimestral.
JORNAL AENFER. Rio de Janeiro, 1998-2000. Mensal.
RAE – Revista da Associação dos Engenheiros da E.F.C.B. Rio de Janeiro, 1958-75.
Mensal.
REFESA. Departamento de Relações Públicas da RFFSA. Rio de Janeiro: RFFSA, 19601975. Bimestral.
REVISTA BRASILEIRA DOS TRANSPORTES. Rio de Janeiro, 1966. Bimestral.
REVISTA DNEF. Rio de Janeiro, 1966-75. Trimestral.
REVISTA DO CLUBE DE ENGENHARIA. Rio de Janeiro: Clube de Engenharia.
Set.1934; maio 1957; 1952-53; 1955-56; 1958-60. Mensal.
REVISTA DOS TRANSPORTES. Rio de Janeiro, 1963-1971. Mensal.
REVISTA FERROVIÁRIA. Rio de Janeiro. 1961-1974, 1994-99. Mensal.
3. Periódicos da grande imprensa e outros
CIÊNCIA E CULTURA. Rio de Janeiro, 1984.
CONJUNTURA ECONÔMICA. Rio de Janeiro, 1972-1975.
CORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, 1949-1950.
ENGENHARIA, MINERAÇÃO E METALURGIA. Rio de Janeiro, 1952
FLUMINENSE (O). Niterói, RJ: 1970-1990.
FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 1995-1999.
GLOBO (O). Rio de Janeiro, 1975-1999.
INVERTA. Rio de Janeiro, 1995.
JORNAL (O). Rio de Janeiro, 1920.
JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 1964-1999.
PROBLEMAS BRASILEIROS. São Paulo, jan./fev. 1999.
REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Rio de Janeiro, 1973-1976.
VEJA. Rio de Janeiro,1997.
VISÃO. Rio de Janeiro, 1970-1974.
4. Iconografia
Foto “o trem da legalidade”. Correio da Manhã/Acervo do Arquivo Nacional/Reprodução
Carlos Carvalho. Memória Ferroviária.
MALTA, Augusto. Foto 47F 149. “Estação Barão de Mauá”, s.d. Preserve/RFFSA.
Mapa das desativações da Estrada de Ferro Leopoldina, 1992.
Mapas da Rede da Estrada de Ferro Leopoldina, 1926,1954, 1995.
5. Entrevistas
Realizadas por outros pesquisadores
345
BAPTISTA, Demisthóclides. Demisthóclides Baptista (depoimento, 1986). A Marcos Chor
Mio e Nara Brito. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/COC. Programa de História oral, 1991,
123 p., dat.
BAPTISTA, Demisthóclides. In: FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves (org.). Batistinha. O
combatente dos trilhos. Rio de Janeiro: Centro de Memória Ferroviária/Amorj, 1994.
COSTA, Fernando Macdowel da. Entrevista realizada na COPPE/UFRJ e produzida pelo
NUCA-IE, Núcleo de Computação e Audiovisual do instituto de Economia da UFRJ.
Transporte Rodoviário. Fita 01. Série: Infra-estrutura física para o desenvolvimento.
DEBES, Célio. Entrevista realizada por Mivaldo Messias Ferrari, em 08 de outubro de
1981, na cidade de São Paulo. Trechos citados em anexo, In: Mivaldo Messias
FERRARI. A expansão do sistema rodoviário e o declínio das ferrovias no Estado de
São Paulo. Tese de Doutoramento. São Paulo: FFLCH/USP, 1981.
Realizadas pela autora
Depoimentos orais:
ARUEIRA, Herval. Rio de Janeiro: 09/11/1999.
RIBEIRO, Waldemar Pires. Rio de Janeiro: 15/03/2000
Depoimentos escritos:
BOKELMANN, Ricardo Francisco. Rio de Janeiro:27/01/2000
ESTEVES, Luis Carlos. São Gonçalo, RJ: 28/02/2000
RESENDE, Pedro Paulo. Belo Horizonte, MG: 04/02/2000
VASCONCELOS, José Alves de. Rio de Janeiro:13/02/2000
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ANEXOS

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