Vivendo o Choque da Realidade: a inserção do enfermeiro

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Vivendo o Choque da Realidade: a inserção do enfermeiro
Artigo de Pesquisa
Original Research
Artículo de Investigación
Valadares GV, Viana LO
VIVENDO O CHOQUE DA REALIDADE: A INSERÇÃO DO
ENFERMEIRO NA ESPECIALIDADE
LIVING THE REALITY SHOCK: THE INSERTION OF THE BEGINNING
NURSE IN HIS/HER SPECIALTY
VIVIENDO EL CHOQUE DE LA REALIDAD: LA INSERCIÓN DEL
ENFERMERO EN LA ESPECIALIDAD
Glaucia Valente ValadaresI
Ligia de Oliveira VianaII
RESUMO
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo compreender o significado da vivência do enfermeiro quando da sua
inserção no contexto de setores especializados. Como referencial teórico, optou-se pelo interacionismo simbólico. A
abordagem metodológica escolhida foi a pesquisa qualitativa, considerando os princípios da Teoria Fundamentada nos
Dados (TFD). O cenário do estudo foi um hospital universitário do Estado do Rio de Janeiro. Os participantes da pesquisa
foram 15 enfermeiros que atuam em especialidades. A coleta de dados ocorreu de novembro de 2004 a abril de 2006.
Foram utilizados como instrumentos: a observação participante assistemática e a entrevista semiestruturada em profundidade. As informações foram analisadas, considerando-se os procedimentos pertinentes à TFD: codificação aberta,
codificação axial e codificação seletiva. Entre outros aspectos, o estudo aponta que as pessoas recebem, processam e
apresentam as informações de acordo com seus estilos próprios de aprendizagem, seus símbolos e seus significados. A
concepção de enfermeiro ingressante na especialidade deverá contemplar as qualidades relativas a alguém que deseja e
quer, de fato, aprender.
Palavras-chave
Palavras-chave: Formação em enfermagem; educação em enfermagem; enfermagem; especialidade.
ABSTRACT
ABSTRACT: The present study aims at understanding the experience of the beginning nurse upon his/her insertion in
specialized sectors. Theoretical framework was anchored in symbolic interacionism. The methodological approach
elected was the qualitative research, considering the principles of Data-Based Theory (TFD). The scene of the study was
a University Hospital of the State of Rio de Janeiro, RJ, Brazil. Fifteen nurses acting in specialized areas took part in the
survey. Data was collected from November, 2004 to April, 2006. Tools used included non-systematic participant
observation and in-depth semi-structured interviews. Information was analyzed under the light of pertinent procedures of
TFD: open codification, axial codification, and selective codification. Amongst other findings, the study unveils that
people receive, process, and present information in accordance with their own learning styles, their symbols and meanings.
The conception of a beginning nurse getting into his/her specialty must contemplate the relative qualities of the one who
actually desires and endeavors to learn.
Keywords
Keywords: Formation in nursing; education in nursing; nursing; specialty.
RESUMEN
RESUMEN: El actual estudio tiene como objetivo entender el significado de la experiencia del enfermero cuando de su
inserción en el contexto de sectores especializados. Como referencial teórico, se optó por el interaccionismo simbólico.
El enfoque metodológico elegido fue la investigación cualitativa, en vista de los principios de la Teoría Fundada en los
Datos (TFD). El escenario del estudio fue un hospital universitario del Estado de Río de Janeiro-Brasil. Los participantes del
estudio fueron 15 enfermeros que trabajan en especialidades. La recogida de datos acaeció de noviembre de 2004 a abril
de 2006. Se utilizó como instrumentos: la observación participante asistemática y la entrevista semiestructurada en
profundidad. Las informaciones fueron analizadas, considerándose los procedimientos pertinentes a la TFD: codificación
abierta, codificación axial y codificación selectiva. Entre otros aspectos, el estudio señala que las personas reciben,
procesan y presentan las informaciones conforme sus estilos propios de aprender, sus símbolos y sus significados. El
concepto del enfermero que ingresa en la especialidad deberá contemplar las calidades relativas alguién que desea y
quiere, de hecho, aprender.
Palabras clave
clave: Formación en enfermería; educación en enfermería; enfermería; especialidad.
INTRODUÇÃO
Trata-se este estudo de um recorte da tese de
doutorado intitulada A formação profissional e o
enfrentamento do conhecimento novo: a experiência do
enfermeiro em setores especializados. Entende-se por
iniciante, ou ainda, novato, como sendo qualquer
enfermeiro que entra em um campo de atuação, no
qual não tem experiência prévia. Essa assertiva foi
baseada nas idéias relacionadas aos estágios por que
I
Professora Doutora em Enfermagem pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Rio de
Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected].
II
Professora Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Professora Titular do Departamento de Metodologia e Gerência em Enfermagem e do Curso
de Mestrado e Doutorado da EEAN/UFRJ. Membro do NUPESENF. Rio de Janeiro, Brasil.
Recebido em: 22.01.2008 - Aprovado em: 25.06.2008
Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):81-5.
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O enfermeiro iniciante na especialidade
passam os enfermeiros para adquirirem habilidades,
sendo eles: iniciante ou novato, iniciante ou novato
avançado, competente, proficiente e especialista1.
Os estudantes não são os únicos iniciantes, já
que o enfermeiro que vivencia um campo de atuação,
no qual não tem experiência prévia com a clientela,
sem o domínio das ferramentas necessárias para o cuidado, pode ser apontado, também, como um iniciante,
mesmo que tenha experiência em outra área.
Corroborando o exposto, tem-se que, mesmo o
enfermeiro considerado especialista quando passa a
desenvolver atividade em uma dada área diferente da
sua especialidade, pode se tornar um iniciante ou novato. Portanto, este modelo de aquisição de habilidades considera a situação do profissional, em lugar de
uma característica ou modelo de talento2.
Desse modo, o objetivo deste estudo foi compreender o significado da vivência do enfermeiro iniciante
quando da sua inserção no contexto de setores
especializados.
É preciso pontuar que são muitas as inovações resultantes da microeletrônica envolvendo a automação
e a robótica, uma verdadeira revolução microeletrônica,
intensificando as possibilidades de racionalização do
processo produtivo. Criam-se novas especializações e
alteram-se as condições no que tange a articulação com
as forças produtivas3.
Atualmente, é exigido do trabalhador um amplo
conhecimento teórico e prático, com aprofundamento
específico no que tange a uma dada área de atuação e
ao processo de trabalho, sem a perda da totalidade4.
REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
A perspectiva teórica adotada foi o interacionismo
simbólico. A escolha dessa abordagem se deu devido
à busca pelo entendimento do significado do fenômeno,
a partir da compreensão do aspecto intersubjetivo da
experiência dos enfermeiros iniciantes, inseridos em
um diferente mundo social.
Cabe destacar que o interacionismo simbólico
teve uma profunda influência na sociologia de Chicago e George Mead é considerado seu inspirador, apesar da expressão só ter sido usada pela primeira vez em
1937, por Herbert Blumer5.
Tem como premissas básicas: o ser humano age
com relação às coisas a partir do sentido que essas
mesmas coisas têm para ele; o significado de cada coisa é derivado ou surge da interação social que alguém
estabelece com os seus companheiros; esses significados são manipulados e modificados tendo em vista um
processo interpretativo usado pela pessoa ao tratar das
coisas com que ela se depara6.
No que tange à escolha metodológica, optou-se
pela Grounded Theory, em português, traduzida como
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Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)7. É uma
metodologia qualitativa de pesquisa que utiliza um
método sistemático, com a finalidade de desenvolver
modelos teóricos, com base nos dados investigados,
para elucidar um determinado fenômeno presente na
realidade. Foi desenvolvida por dois sociólogos: Barney
G. Glaser e Anselm L. Strauss8.
Os dados da pesquisa foram coletados nas Unidades de Internação de um Hospital Universitário no
Rio de Janeiro, em setores considerados como
especializados, no período de novembro de 2004 até
abril de 2006. Assim, o primeiro grupo amostral foi
composto por 12 enfermeiros considerados iniciantes
ou novatos nos setores especializados que receberam
os pseudônimos relacionados à natureza: Mar, Céu,
Vento, Montanha, Folha, Sol, Raio, Tempestade, Nuvem, Trovão, Arco-íris e Flor.
Posteriormente, começou a ser mais consistente
a idéia de entrevistar outros enfermeiros que não estivessem, a rigor, passando pela experiência de iniciantes
ou novatos, embora em algum momento na profissão
de enfermagem tivessem vivenciado tal situação, justificando a idéia do segundo grupo amostral, representado nesta fase por três entrevistados: Terra, Fogo
e Lua.
No que se refere à coleta em si, optou-se pela
observação participante assistemática e pela entrevista semiestruturada, buscando profundidade.
Foram observados os princípios éticos na pesquisa, inclusive com obtenção da assinatura dos sujeitos
no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de
acordo com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras
de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos9.
Os dados obtidos foram analisados com base na
literatura especializada1-21.
É importante refletir, à luz dos achados investigativos, que desenhos de pesquisa qualitativa estão
pautados no paradigma compreendido como naturalista. Ao contrário do pós-positivismo, a filosofia
naturalística sublinha que a realidade é subjetiva, ao
invés de objetiva, isto porque não existe uma única
realidade, mas múltiplas realidades e o conhecimento
adquirido somente é relevante dentro de um determinado contexto17-19.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O fenômeno vivendo o choque da realidade: a inserção do enfermeiro na especialidade pode tomar a sua
configuração e começar a ser compreendido, a partir
da experiência do enfermeiro no enfrentamento do
novo, considerando o aprofundamento relacionado às
categorias que o compõem: descobrindo a especialidade: o contato inicial e relacionando o enfrentamento do
novo com o acolhimento.
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1a categoria
A categoria, descobrindo a especialidade: o contato
inicial se expressa a partir da associação das subcategorias
- aproximando-se do trabalho na especialidade, percebendo sentimentos e vivendo um momento de conflito.
Em aproximando-se do trabalho na especialidade, o
enfermeiro vive o encontro com o novo, podendo ter
diferentes reações. Destaque-se o fato de que os dois
lados não são conhecidos, sendo o enfermeiro um estranho para o novo, bem como o novo um estranho para o
enfermeiro.
Então, o enfrentamento do novo, é um enfrentamento
pessoal frente a uma situação, em que todo dia você tem o
trabalho de pensar, com você mesmo, se vale à pena [...].
(Tempestade)
O iniciante não tem noção do que se passa dentro de uma
determinada especialidade. (Fogo)
Muitos são os pensamentos do enfermeiro que faz
um resgate de sua vida, de fato, percebendo sentimentos,
que se misturam e se confundem, podendo sair da mais
absoluta felicidade até a obstinada negação. A negação constitui uma situação importante, podendo interferir tanto a ponto de o enfermeiro não desejar nenhum
tipo de aprendizado, sendo um processo de atordoamento, entorpecimento e descrença, no qual não se quer
participar de nenhuma realidade inovadora.
A minha vontade era apenas saber o básico, para não fazer
errado. Eu acho que eu mesmo me limitei. Eu não consegui
me projetar. Eu pensava, quero o básico. Agora, para trabalhar o dia a dia eu tinha que aprender o básico. (Céu)
Eu pegava os livros e acontecia o que acontecia na faculdade. Você começa a dormir, você começa a estudar e dá
sono, dá vontade de ir ao banheiro, dá vontade de beber
água, tudo para despistar a sua atenção. Porque realmente você não quer aquilo [...]. (Flor)
A experiência do enfermeiro revela que a expressiva mudança exige uma grande capacidade de adaptação física, mental e social. A grande exigência imposta
implica um estado de conflito, ansiedade, angústia e
desestabilização emocional. O estresse surge como uma
consequência direta dos persistentes esforços adaptativos
da pessoa à sua situação existencial, que tem seu momento de impacto, vivendo um momento de conflito.
Valadares GV, Viana LO
No interacionismo simbólico, os símbolos
significantes são produtos da forma como as pessoas
reagem aos símbolos, em termos de significados que
elas levam como preditores do seu próprio comportamento e o comportamento de outros. Nesse sentido, o papel dos símbolos significantes é ajudar a organizar o comportamento e permitir que atos se completem no curso da interação, num contexto social
específico10:38.
2a categoria
Pensando sob a perspectiva da fase de choque,
com ênfase na questão emocional, o enfermeiro desperta para o fato de como foi recebido na unidade,
relacionando o enfrentamento do novo com o acolhimento, sendo essa categoria bem representada a partir das
subcategorias: sendo o acolhimento favorável; sendo bem
recebido; passando por capacitação específica; encorajando-se; sendo o acolhimento desfavorável e ficando
desmotivado para o enfrentamento da realidade.
O enfermeiro, mediante a situação de enfrentamento do conhecimento novo, valoriza como se dá o
ambiente da sua inserção no setor especializado e associa isso à própria possibilidade de adaptação. Portanto, sendo o acolhimento favorável demonstra a influência do contexto para o entendimento do fenômeno,
considerando a preocupação do profissional com um
local de trabalho que permita o seu crescimento.
Percebi logo que a coisa era confusa. Não sei se foi o jeito
como fui recebida [...] Ou se realmente tinha relação com
minha total indisposição de ficar ali. (Montanha)
Sobre isso cabe ressaltar que:
No processo interpretativo da interação social, primeiramente há um momento em que a pessoa
interage consigo mesma, indicando para si as coisas
significativas. No processo formativo, a pessoa seleciona, suspende, reagrupa e transforma esses significados utilizados como guias de ação, à luz da situação
que está colocada11:30.
A decodificação da situação de inserção no contexto especializado está relacionada à visão de mundo
do enfermeiro iniciante, passando, também, pelas suas
características pessoais que, ainda sim, podem fazer grande diferença na compreensão da realidade vivenciada.
O enfermeiro sendo bem recebido no setor especializado pode ser positivamente sensibilizado. Nesse
caso, o sucesso do acolhimento está associado à
empatia, significando menos quantidade ou qualidade de informação e mais harmonia interativa. A
empatia, como uma ferramenta de quilate, apoia o
iniciante no enfrentamento do desafio. Dessa maneira, tê-la ou não vai fazer, para todo o processo, muita
diferença.
Entretanto, e não obstante, o enfermeiro vai encorajando-se, bem como ganhando forças para continuar tentando manter-se na especialidade. Desse jeito, com maior ímpeto para decidir sobre si mesmo, tem
coragem para dizer sim e até para dizer não. Cabe a
reflexão que o acolhimento satisfatório funciona como
uma ferramenta de apoio ao enfrentamento da nova
realidade. Ousaria, corroborando o exposto, em chamálo de acolhimento empático.
Recebido em: 22.01.2008 - Aprovado em: 25.06.2008
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[...] ser ou não o melhor. É preciso ir devagar nesse novo.
(Terra)
No início foi muito complicado. Ficava confusa aqui. Não
sabia o que realmente queria da minha vida. Sabia que
aprender coisas novas era bom, mas não tinha certeza de
nada. Uma hora queria ficar, na outra queria sumir [...].
(Trovão)
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O enfermeiro iniciante na especialidade
São observações favoráveis, com relação ao acolhimento do enfermeiro na especialidade: a escuta ampliada às suas dúvidas e inquietações pessoais; a preocupação com as suas necessidades a partir da situação
circunstancial; o encaminhamento de seus problemas
quer sejam eles objetivos ou subjetivos; e a preocupação com a capacitação profissional. Esta última representada na subcategoria, passando por capacitação específica, em função da busca pela qualificação e apreensão do conhecimento específico, entre outros aspectos.
Antagonicamente ao apresentado, quando o contexto demonstra ser pouco ou nada acolhedor, por conseguinte, sendo o acolhimento desfavorável, de fato, com
relações complicadas, desrespeitosas e não profissionais, o afastamento do enfermeiro também é bastante
favorecido.
A desorganização do setor especializado aparece
como um fator que pode não contribuir no processo de
adaptação do enfermeiro, o que desestimula a participação, ficando desmotivado para o enfrentamento da realidade. Desse modo, muito mais por suas conseqüências, a falta de motivação, de entusiasmo e de estímulos são fortes inimigos do conhecimento novo.
Um acolhimento respeitoso e flexível às diferenças, preocupado com o estabelecimento de uma relação empática, que seja compatível com as necessidades do enfermeiro iniciante, com base no planejamento prévio que reúna esforços de toda coletividade,
expresso por atitudes dos já envolvidos na especialidade, pode funcionar como estímulo motivacional para
o efetivo agir do enfermeiro diante da nova realidade.
É preciso pensar que:
O ser humano é complexo e sua existência é de não
acomodação, isto é, embora um dia pareça ser igual
ao outro, estamos sempre em movimento, e nosso
corpo e mente em constante mudança. [...] A enfermeira precisa desenvolver a inteligência para lidar
com situações complexas e imprevisíveis12:13.
Sobre o Conhecimento
Nessa perspectiva de discussão, também é essencial aprofundar as reflexões sobre o próprio conhecimento, considerando a associação entre o enfrentamento
do novo e o conhecimento. Assim, conhecer constitui
apreender espiritualmente um objeto.
Essa apreensão não é um ato simples, mas consiste
numa multiplicidade de atos. O sujeito só é sujeito para
um objeto e o objeto para um sujeito. Ambos só são o
que são para o outro. Mas essa correlação não é reversível. Ser sujeito é algo completamente distinto de ser
objeto. A função do sujeito consiste em apreender o
objeto, a do objeto em ser apreendido pelo sujeito13.
Também, cabe a ênfase ao entendimento de
aprender como uma totalidade, envolvendo o corpo e
a mente, canalizando as emoções e os sentimentos vividos a partir do enfrentamento do novo em prol do
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processo de aprendizagem. Desse modo, o conhecimento precisa ser compreendido a partir de uma perspectiva de integralidade e dinamicidade14.
Para que o conhecimento gere competências, é
necessário que os saberes possam ser mobilizados através de seus esquemas de ações, decorrentes de esquemas de percepções, desenvolvidos na prática. A partir
desse movimento, a teoria é modificada pela prática,
enquanto que a prática é revista pela teoria. Nenhuma prática esgota a teoria, assim como nenhuma teoria consegue dar conta de todas as práticas15.
Portanto, cabe enfatizar que o trabalho em saúde
demanda, indubitavelmente, uma equipe de trabalhadores com formações e graus de qualificações/
capacitações diversificadas. Nesse sentido, como não
poderia ser diferente, o trabalho em conjunto, resultado da união de todos os participantes, só terá sucesso
mediante o êxito e o bom desempenho individual16,20,21.
CONCLUSÃO
O fenômeno vivendo o choque da realidade: a inserção
do enfermeiro na especialidade representa a condição causal do evento que leva ao enfrentamento do conhecimento novo, tendo como ponto de partida a situação
de caos e de conflito interior em que o enfermeiro vive
a mudança, a inquietação, a incerteza e o medo.
O choque tem relação com a inevitável vivência
da mudança. Uma excursão rumo ao desconhecido em
que os acontecimentos futuros são dotados de
imprevisibilidade, provocando muitas inquietações.
Trata-se de um momento marcado pela dúvida quanto à possibilidade de uma adaptação e uma inserção
simbolicamente e socialmente satisfatória.
Tem-se uma espécie de embate, já que à primeira vista as novas e específicas exigências não são coincidentes com as experiências anteriores, que lhe garantem uma bagagem, tanto em termos de conhecimento teórico quanto considerando o conhecimento
prático. Logo, o novo é percebido como um desafio.
Essa fase requer do enfermeiro maturidade para uma
busca na compreensão dos seus próprios sentimentos,
angústias e dúvidas que emergem quando da aproximação com a especialidade.
Tudo passa a ser vivido de uma maneira intensa e
singular, com extremos de sentimentos e valores, atitudes e comportamentos, pensamentos e práticas que podem variar desde os mais felizes e tranqüilizadores até
àqueles marcados pela raiva e a revolta. De tal modo, a
eclosão de variados sentimentos pode ser compreendida, já que o enfrentamento do novo irremediavelmente
produz angústia de não saber, ansiedade, desamparo e
desassossego. Isso porque simbolicamente há todo um
tecido social, onde a cada agente corresponde um lugar e a cada lugar, um agente.
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É importante atentar que as pessoas recebem,
processam e apresentam as informações de maneiras
diferentes, de acordo com seus estilos próprios de
aprendizagem, seus símbolos e seus significados. A
concepção de enfermeiro aprendiz deverá contemplar
as qualidades relativas a alguém que deseja e quer, de
fato, aprender.
Assim, o enfermeiro é a pessoa essencial para todo
esse processo, já que o seu enfrentamento fará total
diferença para a apreensão dos conhecimentos novos.
De fato, na inserção do enfermeiro iniciante em setor
especializado, é preciso respeitar as suas individualidade, singularidade e complexidade.
Valadares GV, Viana LO
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REFERÊNCIAS
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