aletria - Portal de Periódicos da Faculdade de Letras
Transcripción
aletria - Portal de Periódicos da Faculdade de Letras
A L E T R I A revista de estudos de literatura AA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor : Jaime Arturo Ramírez; Vice-Reitora: Sandra Regina Goulart Almeida FACULDADE DE LETRAS D iretora: Graciela Inés Ravetti de Gómez; V ice-D iretor: Rui Rothe-Neves Braga Bianchet CONSELHO EDITORIAL Ana Lúcia Almeida Gazzola, David William Forster, Eneida Maria de Souza, Francisco Topa, Jacyntho José Lins Brandão, Letícia Malard, Luciana Romeri, Luiz Fernando Valente, Marisa Lajolo, Rui Mourão e Silviano Santiago C O L E G I A D O DO PROGRAMA D E P Ó S -G R A D U A Ç Ã O E M E S T U D O S L I T E R Á R I O S Coordenadora: Myriam Correa de Araújo Ávila; Subcoordenadora: Elisa Maria Amorim Vieira; Docentes: Maria Cecília Bruzzi Boechat, Matheus Trevizam, Luiz Fernando Ferreira Sá, Lyslei de Souza Nascimento (titulares); Constância Lima Duarte, Teodoro Rennó Assunção e Marcel de Lima Santos (suplentes); Discentes: Flávia Almeida Vieira Resende, Wagner Fredmar Guimarães Júnior (titulares); Paulo Roberto Barreto Caetano e Alex Sander Luiz Campos(suplentes); Secretária: Letícia Magalhães Munaier Teixeira. EDITOR Sabrina Sedlmayer O RGANIZAÇÃO Marcos Antônio Alexandre Carlinda Fragale Pate Nunez Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet CAPA Foto da capa: A Pequenina América e Sua Avó $ifrada de Escrúpulos. Espetáculo do Mayombe Grupo de Teatro. Marina Viana, em foto divulgação de Tomás Arthuzzi, 2010. REVISÃO Beto Arreguy F ORMATAÇÃO Marco Antônio Durães e Alda Lopes P ROJETO G RÁFICO Paulo de Andrade e Sérgio Antônio Silva T IRAGEM 200 exemplares I MPRESSÃO Imprensa Universitária da UFMG ISSN: 1679-3749 A L E T R I A revista de estudos de literatura AA 24 n. 1 JAN./ABR. 2014 RECEPÇÃO CLÁSSICA NO TEATRO IBERO-AMERICANO © 2014, Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários (FALE/UFMG). Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias da Faculdade de Letras da UFMG ALETRIA: revista de estudos de literatura, v. 6, 1998/99 - Belo Horizonte: POSLIT, Faculdade de Letras da UFMG. il.; 28 cm. Histórico: Continuação de: Revista de Estudos da Literatura, v. 1-5, 19931997. Resumos em português e em inglês. Periodicidade quadrimestral. ISSN: 1679-3749 1. Literatura – História e crítica. 2. Literatura – Estudo e ensino. 3. Poesia brasileira – Séc. XX – História e crítica. 4. Teatro (Literatura) – História e crítica. 5. Cinema e literatura. 6. Cultura. 7. Alteridade. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. CDD: 809 POSLIT/FALE/UFMG Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha 31270-901 Belo Horizonte, MG – Brasil Tel.: (31) 3409-5112 Fax: (31) 3409-5490 www.letras.ufmg.br/poslit e-mail: [email protected] sumário APRESENTAÇÃO Marcos Antônio Alexandre Carlinda Fragale Pate Nunez Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet . . . . . . . . . . . . 7 DOSSIÊ EL TEATRO ESPAÑOL DE LAS ÚLTIMAS DÉCADAS Y EL MITO CLÁSICO THE SPANISH THEATER IN RECENT DECADES AND THE CLASSIC MYTH Carmen Gallardo . . . . . . . . . . . . . . . . . . DIÁLOGOS DE LAS MUERTAS : LOS BOSQUES DE NYX DE JAVIER TOMEO DIALOGUES OF THE DEAD : JAVIER TOMEO’ S LOS BOSQUES DE NYX Luis Unceta Gómez EL . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 . 27 MITO CLÁSICO A TRAVÉS DE LA OBRA TEATRAL DE LOURENZO CLASSIC MITH THROUGH LOURENZO ’ S THEATRICAL WORK Helena Maquieira Maria Eugenia Rodríguez Blanco ELECTRA GARRÍGÓ: ELECTRA EL ESTÉRIL GARRÍGÓ : THE BARREN Alina Gutiérrez Grova MEDEA M EDEA 41 RIDÍCULO ) DECORO DE LOS ATRIDAS (AND RIDICULOUS ) DIGNITY OF ATREUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 . 67 EN LAS ANTILLAS HISPÁNICAS IN HISPANIC ANTILLES Elina Miranda Cancela MITOS (Y . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CLÁSICOS EN EL TEATRO DEL CARIBE. PRESENTACIÓN Y RENOVACIÓN DE UN CORPUS CLASSIC MYTHS IN THE CARIBBEAN THEATER. PRESENTATION AND RENEWAL OF A CORPUS Gustavo Herrera Díaz PODRÍAS Y OUR . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 . 95 LLAMARTE ANTÍGONA : UN DRAMA MEXICANO CONTEMPORÁNEO NAME COULD BE ANTIGONE : A CONTEMPORARY MEXICAN DRAMA Helena González-Vaquerizo . . . . . . . . . . . . . . . NUESTRAS OURS Y “OTRAS”: “OTHER’S”: AND Lidia Gambon LA MUJERES TRÁGICAS EN EL TEATRO ARGENTINO ACTUAL TRAGIC WOMEN IN THE PRESENT ARGENTINE THEATER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109 POTENCIA DEL DESEO EN TRES RELECTURAS DE HEROÍNAS CLÁSICAS THE POWER OF THE DESIRE IN THREE REREADING OF CLASSIC HEROINES Sara Rojo . . . . . . . . . . ELEMENTOS PLAUTINE 123 PLAUTINOS EM O SANTO E A PORCA , DE ARIANO SUASSUNA ELEMENTS IN ARIANO SUASSUNA ’ S O SANTO E A PORCA Matheus Trevizam DEUSES: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 . 153 . 167 DA ORIGEM DO UNIVERSO À ORIGEM DO TEATRO: DO TEXTO DRAMÁTICO AO TEXTO ESPETACULAR GODS: FROM THE ORIGIN OF THE UNIVERSE TO THE ORIGIN OF THE THEATRE : FROM THE DRAMATIC TO THE SPECTACULAR TEXT Marcos Antônio Alexandre . . . . . . . . . . . . . . . VARIA A CICATRIZ DE HOMERO EM MILTON HATOUM HOMER’S SCAR ON MILTON HATOUM Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa SUBJETIVAÇÃO E OLHAR NA ESCRITA DE GEORGES PEREC E MANOEL DE BARROS SUBJECTIFICATION Rodrigo Ielpo . . . . . . . . . . . . . . AND LOOKING IN GEORGES PEREC AND MANOEL DE BARROS’S WRITINGS . 179 . 189 . 201 MÉSSEDER, JOÃO PEDRO. PEQUENO LIVRO DAS COISAS. ILUSTRAÇÕES DE RACHEL CAIANO . LISBOA: CAMINHO, 2012 João Manuel Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 GOTTSCHALL, JONATHAN. THE STORYTELLING ANIMAL: HOW STORIES MAKE US HUMAN. BOSTON, NEW YORK: HOUGHTON MIFFLIN HARCOURT, 2012, P. 248. Marcus Assis Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 MINÚSCULAS TINY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . REPÚBLICAS EM TERRA FRIA DE FERREIRA DE CASTRO REPUBLICS IN FERREIRA DE CASTRO ’ S TERRA FRIA Iza Gonçalves Quelhas PERCURSOS . . . . . . . . . . . . . . . . DE INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA: O LUGAR DA LITERATURA INFANTIL NOS ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA PATHWAYS OF LITERARY RESEARCH : THE PLACE OF CHILDREN ’S LITERATURE IN COMPARATIVE LITERATURE STUDIES Anselmo Peres Alôs . . . . . . . . . . . . . . . . . RESENHAS apresentação Este número da revista Aletria se propôs a acolher trabalhos voltados para a recepção da cultura clássica a partir de uma perspectiva histórica atual, focalizando temas míticos e estratégias literárias greco-latinas no teatro ibero-americano em espetáculos, textos dramatúrgicos e traduções. Neste sentido, os artigos aqui publicados possibilitam o acesso a diferentes olhares sobre os Estudos Clássicos, a saber, as relações de transmissão, interpretação, transposição, reescrita e adaptação cultural que, por sua vez, acarretam mudanças significativas e possibilitam comparações as mais diversificadas. Buscamos as maneiras e as razões pelas quais estes textos antigos continuam sendo revisitados, repensados e, portanto, relidos. Patrice Pavis, 1 um dos precursores dessa tendência crescente de escrutinar as múltiplas abordagens de reapropriação dos clássicos, reitera, já na década de noventa, que o movimento se tornou uma prática recorrente na contemporaneidade, e o debate em torno de como lê-los e adaptá-los ganhou voz ativa no campo dos estudos literários. Passados quase vinte anos, o que era simplesmente uma vaga tendência tornou-se passagem obrigatória das pesquisas com inúmeros jornais dedicados a este campo de pesquisa. E, de fato, os frutos são muitos. Essa retomada dos clássicos é o que nos permite observar com mais acuidade o nosso presente distinguindo nele a importância dos mitos e entendendo o porquê de os mesmos continuarem atuando, constrangendo e ressonando em nossa contemporaneidade. À moda de Janus, podemos, na fratura dessas leituras que aqui se oferecem, olhar o passado e ao mesmo tempo para o presente buscando ver, ainda que por fragmentos, as trilhas por onde passamos, aonde chegamos e, talvez, para onde podemos ir. Portanto, esta publicação da Aletria não se limita com o passado, mas avança por possibilidades e propostas de interpretações contemporâneas. Reunimos trabalhos voltados para a leitura das reverberações dos mitos grecolatinos e dividimos a revista em três partes. Entre as inúmeras possibilidades de trabalhar com os mitos, os três primeiros artigos que compõem esta primeira parte trazem como contexto o teatro espanhol e sua relação com os textos clássicos. Em “El teatro español de las últimas décadas y el mito clásico”, Carmen Gallardo se põe a analisar, por meio de dez obras teatrais estreadas na Espanha entre 1992 e 2007, o uso que os dramaturgos fizeram do mito 1 PAVIS, Patrice. O teatro no cruzamento de culturas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2008. 2014- jan. - abr. - n. 1 - v. 24 - A L E T R I A 7 clássico nesse país e quais as personagens escolhidas, a fim de traçar um panorama das preferências dos espanhóis, seja para destruir, seja para recuperar. Em “Diálogos de las muertas: Los bosques de nyx de Javier Tomeo”, Luis Unceta Gómez faz a leitura de algumas das peças de Los bosques de Nyx, do aragonês Javier Tomeo Estallo, mirando Luciano de Samósata. Em “El mito clásico a través de la obra teatral de Lourenzo”, Helena Maquieira e Maria Eugenia Rodríguez Blanco realizam a análise de Fedra e Últimas faíscas de setembro, obras teatrais do autor galego contemporâneo Manuel Lourenzo, que abordam, a partir de perspectiva distinta, as figuras míticas do feminino terrível materializado por Fedra e Medea. Na segunda parte, os trabalhos que se seguem tratam da releitura dos mitos gregos e têm como enunciação produções dramatúrgicas e espetaculares produzidas dentro do contexto das Américas. Alina Gutiérrez Grova nos apresenta “Electra Garrígó: el estéril (y ridículo) decoro de los atridas”, artigo em que discute a peça do cubano Virgilio Piñera. Elina Miranda Cancela traz a discussão de “Medea en las Antillas hispânicas” e reflete sobre as novas ressonâncias que a figura de Medeia ganhou no século XX, recuperando o debate no diz respeito à barbárie e às questões que se referem ao próprio e o “outro”. Gustavo Herrera Díaz, em “Mitos clásicos en el teatro del Caribe. Presentación y renovación de un corpus”, apresenta um panorama da presença dos mitos clássicos no teatro ibero-americano, enfocando as obras das Antilhas hispânicas, relacionando-as com as produzidas em outras regiões do Caribe. Helena GonzálesVaquerizo, com seu trabalho “Podrías llamarte Antígona, un drama mexicano contemporáneo”, analisa os elementos do teatro grego presentes na obra dramática Podrías llamarte Antígona, da autora mexicana Gabriela Ynclán. Lidia Gambon, em “Nuestras y “otras”: mujeres trágicas en el teatro argentino actual”, toma como ponto de reflexão as personagens Antígona, Electra e Medeia na dramaturgia argentina dos últimos sessenta anos, analisando as peças Medea de Moquehua (1992), de Luis M. Salvaneschi; La oscuridad de la razón (1993), de Ricardo Monti; e AntígonaS: linaje de hembras (2001), de Jorge Huertas. Sara Rojo, em “La potencia del deseo en tres relecturas de heroínas clásicas”, retoma três peças latino-americanas que foram baseadas nas tragédias clássicas de Fedra, Antígona e Medeia, respectivamente, La viuda de Apablaza, de 1928, no Chile, de Germán Luco Cruchaga; Antígona Vélez, de 1952, de Leopoldo Marechal, na Argentina; e Klássico (com k), de 2013, do Mayombe Grupo de Teatro, no Brasil, propondo uma análise das personagens femininas a partir da teoria de Rancière. Na terceira parte, os dois últimos trabalhos que têm como foco os clássicos dão destaque ao teatro brasileiro. Em “Elementos plautinos em O santo e a porca, de Ariano Suassuna”, Matheus Trevizam analisa o diálogo que Suassuna estabelece com a Aulularia, de Tito Mácio Plauto; e, por sua vez, Marcos Antônio Alexandre, com seu artigo “Deuses: da origem do universo à origem do teatro – do texto dramático ao texto espetacular”, discute sobre a importância da adaptação de textos clássicos para a contemporaneidade, tendo como objeto de leitura a peça Deuses: da origem do universo à origem do teatro, de Ederson Miranda. Este número da Aletria traz ainda na seção Varia quatro trabalhos. Em “A cicatriz de Homero em Milton Hatoum”, Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa propõe uma leitura do romance Dois irmãos, de Hatoum, estabelecendo uma comparação com uma cena de 8 A L E T R I A - v. 2 4 - n . 1 - jan. - abr. - 2014 reconhecimento na Odisseia, de Homero, analisando o estratagema proposto na revelação da cicatriz de Ulisses. Rodrigo Ielpo, em “Subjetivação e olhar na escrita de Georges Perec e Manoel de Barros”, discute a questão do deslocamento da memória como resgate do passado para o presente, tendo como análise comparativa os livros Penser/classer e Memórias inventadas. Em “Minúsculas repúblicas em Terra fria, de Ferreira de Castro”, Iza Gonçalves Quelhas, a partir da concepção de cronotopo de Mikhail Bakhtin, propõe uma reflexão sobre o romance do autor português. E Anselmo Peres Alôs, em “Percursos de investigação literária: o lugar da literatura infantil nos estudos de literatura comparada”, busca delinear e sistematizar os percursos teóricos de investigação, no campo dos estudos comparatistas, relativos às pesquisas que tomam a literatura infantil como objeto de análise. Por fim, este número da revista é encerrado com a resenha das obras Pequeno livro das coisas (2012), de João Pedro Mésseder; e The storytelling animal: how stories make us human, de Johathan Gottschall, trabalhos desenvolvidos, respectivamente, por João Manuel Ribeiro e Marcus Assis Lima. Os textos reunidos neste número demonstram a diversidade e a riqueza da produção acerca deste novo veio de pesquisa que contemplamos, a Recepção dos Clássicos e dos mitos que integram os estudos teatrais ibero-americanos e suas adaptações, releituras e ressignificações através dos séculos e em nossa contemporaneidade. São trabalhos relevantes e que permanecerão como fonte de pesquisa para se pensar o porquê de lermos os clássicos por meio de um viés comparatístico. Marcos Antônio Alexandre Carlinda Fragale Pate Nunez Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet 2014- jan. - abr. - n. 1 - v. 24 - A L E T R I A 9 D o s s i ê AA EL TEATRO ESPAÑOL DE LAS ÚLTIMAS DÉCADAS Y EL MITO CLÁSICO THE SPANISH THEATER IN RECENT DECADES AND THE CLASSIC MYTH Carmen Gallardo* Universidad Autónoma de Madrid RESUMEN El trabajo pretende analizar, a través de diez obras teatrales, estrenadas o publicadas en España entre 1992 y 2007, el uso que han hecho del mito clásico los dramaturgos y dramaturgas en estas últimas décadas en nuestro país, a fin de reflexionar sobre qué personajes o relatos míticos prefieren, con qué intención los utilizan o cómo los recodifican mediante la inversión, desestructuración, desmitificación o trivialización de las antiguas leyendas, héroes y heroínas. PALABRAS CLAVE Mitos, tragedia griega, Odisea, teatro español contemporáneo 1. I NTRODUCCIÓN Comienzan a ser significativos los estudios que recientemente se han realizado sobre la recreación de los mitos clásicos en el teatro español contemporáneo. Estudios de enorme interés a los que hay que remitir necesariamente, como los de Ragué Arias, Diana de Paco Serrano, o Christina Mougoyanni.1 Ellos me han guiado en este recorrido. Debería empezar diciendo que las formas narrativas de los mitos griegos han sido un recurso frecuentemente utilizado en el teatro español contemporáneo, o que la reescritura de los personajes y las leyendas de la mitología clásica ha sido recurrente en * [email protected] 1 RAGUÉ ARIAS, El teatro de fin de milenio en España: (de 1975 hasta hoy), Lo que fue Troya: los mitos griegos en el teatro español actual; DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX; MOUGOYANNI, El mito disidente. Ulises y Fedra en el teatro español contemporáneo (1939-1999). Este último contiene un excelente repertorio de obras teatrales españolas sobre mitología griega correspondientes a ese periodo, clasificadas por mitos. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 13 la historia del teatro de nuestro país, o que es indudable que los mitos del drama heleno constituyen una constante en las creaciones teatrales de los últimos años. Y así lo hago, porque es la realidad. El número de obras publicadas o representadas desde 1990 hasta hoy que se han servido de los relatos o de mitemas o de motivos mitológicos es notable. He aquí algunas de ellas. Sobre los Atridas: Electra Babel, de Lourdes Ortiz (1992); Los restos. Agamenón vuelve a casa, de Raúl Hernández García (1996); Electra, de Fermín Cabal (1997); Si un día me olvidaras, de Raúl Hernández García; La noche de Casandra, de José Monleón (et al.) (2001); Lucía, de Diana de Paco (2002); La Orestiada. Cenizas de Troya, de Diana de Paco (2006). Sobre la Odisea: Ulises/Penélope: Las voces de Penélope, de Itziar Pascual (1996); Carmen Penélope, de Fernando Macías (1997); Ulises, de Gustavo Montes (2005); Soy Ulises, estoy llegando, de Ainhoa Amestoy (2007). Sobre Edipo: Los Edipos o ese maldito hedor, de Luis Riaza Garnacho (1991); Edipo Café, de Luis Riaza Garnacho (1991); Edipo abandonado y otras farsas, de José Luis López Cid (1992); Las máscaras. Retrato del resurrecto rey Edipo, de Luis Riaza Garnacho (1997); Thebas Motel, de Luis M. González Cruz (1993). Sobre Fedra: Martillo, de Rodrigo García (1991); Lagartijas, gaviotas y mariposas, de Mª José Ragué Arias (1991); Los restos. Fedra, de Raúl Hernández García (1998). Sobre Medea: A solas con Marilyn, de Alfonso Zurro (1998); Medea, de Fermín Cabal (1999). Sobre otros: Hiel, de Yolanda Pallín (1992); Ismene, de Juan Torres Jiménez (1998). Sin aún abrir el telón, sin ni siquiera entrar en el texto, ya la mayor parte de los títulos nos dicen algo. Por ejemplo, que los autores más jóvenes han optado por los Atridas, por la pareja Ulises/ Penélope, por dos iconos de la tragedia: Fedra y Medea y por Edipo. Parecen decirnos también que no son meras adaptaciones, sino que, en general, anuncian un desplazamiento, una descontextualización, e, incluso, una transtextualización que, en palabras de Christina Mougoyanni, requiere la alteración intencionada de las secuencias míticas para producir una variación de significado en la obra.2 Por otra parte, el listado nos dice que los años noventa han sido prolíficos en estos dramas que reescriben los mitos. Ocuparse de todos los textos podría ser el trabajo de varios libros o varias tesis doctorales, pero unas pequeñas incursiones en algunos de ellos tal vez nos permitan si no extraer sólidas conclusiones, sí, al menos, hacer ciertas reflexiones sobre por qué y para qué aquellas figuras mitológicas reviven vigorosamente en el s. XX y, también, en el XXI. 2. L AS VOCES DE PENÉLOPE En 1996, Itziar Pascual publica Las voces de Penélope. 3 En una estructura fragmentada, en 20 escenas, tres mujeres, La Penélope homérica, La mujer que espera 2 3 14 MOUGOYANNI, o. c., p. 88. Se estrenó ese mismo año, como una performance, en el Círculo de Bellas Artes de Madrid. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 (el otro yo de la autora), La amiga de Penélope, y un telar con el que habla Penélope, que cobra vida como único personaje masculino, recrean el mito homérico centrándose en el mitema de la espera. Es la espera de la mujer abandonada por el hombre al que ama, su reacción ante la soledad y el proceso de transformación durante ese angustioso tiempo lo que une a estas tres mujeres. La Penélope mítica, esposa fiel que aguarda el regreso del héroe huye de la soledad dedicándose a su telar, mientras las otras dos, mujeres de hoy, viven la espera entre teléfonos que no suenan, días de euforia y compras, y días en los que hacen del alcohol y de las antiguas películas de Hollywood los amigos con los que mitigar su tristeza. Pero esa soledad y esa espera van actuando en las tres y generando en ellas un cambio sustancial. Casi sin percibirlo van distanciándose de sus parejas e iniciando un encuentro consigo mismas. Sus reflexiones acerca del sentido de la espera les revela que las ha hecho fuertes, más seguras de sí; les ha permitido conocerse y aceptar su propia identidad. 4 Descubren una fuerza interior que les lleva a darse cuenta de que pueden vivir sin ese hombre querido, de que no lo necesitan e, incluso, de que desean la independencia. El mito se desplaza para rastrear en la identidad femenina. No se trata ya del viaje de Ulises, ahora es Penélope la que realiza el viaje, un viaje interior, un camino recorrido hacia sí misma lleno de nostalgia, al final del cual, ella y las dos Penélopes contemporáneas se sienten libres de la angustia y de la resignación de esperar. Se ven dueñas de su vida. La historia de Penélope no es la que han contado. No esperaba a su amado Odiseo, “me esperé a mí misma. Esa es mi verdadera historia”. 5 3. P OLIFONÍA Como en Las voces de Penélope, en Polifonía, Diana de Paco también da la palabra a las mujeres. En este caso, son cuatro heroínas míticas las que hablan: Penélope, Medea, Fedra y Clitemnestra encerradas en un espacio oscuro y tenebroso, en una cárcel, que es, en realidad, la cárcel de la conciencia. La obra se compone de 15 escenas, en siete de las cuales conversan entre sí las cuatro y en las otras ocho, retrocediendo al pasado, hablan con los héroes de sus historias. Ellas están muertas y representan su papel tradicional: Medea, Clitemnestra y Fedra son transgresoras y asesinas y fueron castigadas por sus crímenes con una muerte violenta. Sólo Penélope vive. Las tres heroínas trágicas se niegan a enfrentarse a su pasado y aceptar su culpa. Penélope que se considera la única inocente, piensa que debe obligar a sus compañeras a que hagan memoria de su vida y afronten su realidad. Esta rememoración del pasado tiene lugar en los diálogos con Teseo, Jasón, Ulises, Agamenón, Hipólito y Orestes, que son objeto de una total desmitificación. Para Fedra Teseo es un asesino y un egoísta que la engaña; 6 Jasón es 4 PENÉLOPE: El tiempo me hizo menos dependiente (…) Sentí un cierto malestar al reencontrarlo. Me había hecho conmigo misma (…) La espera me hizo más fuerte, más segura y descreída. Y un día aprendí a esperar. A esperarme a mí misma. PASCUAL, Las voces de Penélope, p. 33 y 34. 5 Ibíd., p. 35. 6 FEDRA: “A tu padre no le importa. A él le da igual cuál es la mujer que calienta su cama, siempre que no le falte el roce de un cuerpo femenino entre sus sábanas”. DE PACO SERRANO, Polifonía, p. 50. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 15 ambicioso y soberbio e irrespetuoso con Medea, a la que desprecia por extranjera. 7 Agamenón es a los ojos de Clitemnestra un cruel político corrupto, capaz de asesinar a su propia hija por afán de poder y riquezas.8 Penélope afirma que Ulises es un mentiroso indigno de su amor y fidelidad.9 Todos salen malparados, mientras que cada una de las heroínas queda, en alguna medida, exculpada. A través de las conversaciones se opera el proceso de concienciación de las cuatro. Medea, Fedra y Clitemnestra, conducidas por Penélope, rompen “su pacto de silencio o de olvido y van recordando sus trágicas historias hasta asumirlas, superarlas y encontrar la paz interior”.10 Poco a poco van consiguiendo un yo propio y aprenden a quererse. A su vez, éstas logran que Penélope sufra un proceso similar y entonces se da cuenta de que ella tampoco ha hecho frente a su tragedia y que también es culpable. Percibe claramente que su tragedia es el fracaso de su amor y que su culpa es haber matado a Ulises porque, aunque él no está muerto, sí lo está para ella. Cuando el héroe regresa, no quiere reconocerlo, ya no le importa. Es demasiado tarde.11 Esta inversión de Penélope la convierte también en transgresora. Las cuatro heroínas se nos muestran como víctimas de una sociedad dominada por hombres y, a la par, como delincuentes. Hartas del sometimiento al que la sociedad las condena, se convierten en asesinas de sus agresores, y en ellas se escucha la situación de muchas mujeres de nuestros días. Late también en este drama, según los estudiosos han señalado, otro tema de absoluta actualidad: la marginación social y la xenofobia. Contra ello gritan Fedra y Medea, se rebelan y exigen un reconocimiento. Hay quien ha visto, además, en la necesidad de olvidar y no irrumpir en un pasado lleno de crímenes y de culpabilidad, en el pacto de silencio que quiebran estas mujeres, una similitud con la situación política de España en la transición y la puesta en cuestión hoy de esos pactos tan peligrosos que impiden recuperar la verdad trágica para reconciliarse con ella.12 7 JASÓN: “…Yo te saqué de entre los bárbaros, te enseñé, te eduqué, Aprendiste a vivir en la civilización, rodeada de la comodidad y el progreso que hasta entonces desconocías (…) eres una bestia feroz. ¡Vuelve a tu selva, Medea!”, ibíd. p. 85. 8 CLITEMNESTRA: “Tú y tus sucios negocios, se te fue de las manos y tuviste miedo de perder tus riquezas e incluso tu vida, pero entre todo eso, mi hija Ifigenia no tenía nada que ver (…) ¡Canalla! Te he perdonado tus infidelidades, tu desatención, he compartido tu propaganda corrupta, (…) Eres egoísta, hipócrita, y por encima de todo un salvaje asesino, el peor criminal”, ibíd. p. 63, 66 y 67. 9 PENÉLOPE: “Él me engañó, me dijo que iba a luchar, consiguió que le creyera, que aceptara sus mentiras y que asumiera paciente la espera que me estaba destinada”, ibíd. p. 55. 10 Son palabras de Wilfried Floeck en la introducción, ibíd. p. 17. 11 PENÉLOPE: “Tú no eres Ulises. Mi esposo era bueno, compasivo, sincero. Tú eres un tirano que conoce su larga ausencia y se ha querido aprovechar (…) se ha desvanecido la ilusión, el recuerdo e incluso el amor que por Ulises sentía entonces. Ulises ya no me importa, no quiero que vuelva”, ibíd. p. 95-96. 12 Wilfried Floeck, en la introducción, ibíd. p. 15 y 20. 16 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 4. L A O RESTIADA. C ENIZAS DE TROYA 13 En 2006 la misma autora, Diana de Paco, escribe La Orestiada. Cenizas de Troya.14 No es de extrañar su interés por los temas mitológicos ya que es profesora de literatura griega en la universidad de Murcia. En esta versión libre de la Orestiada, los personajes de la tragedia conservan sus nombres y su historia, pero esta puede situarse en pleno siglo XX. De hecho, en la puesta en escena de la obra en el teatro Romea de Murcia (2007), la actualización de la antigua tragedia se materializa en un Orestes, vestido de pantalón de cuero rojo ceñido y una camiseta negra sin mangas, que, emocionado, recita en tono solemne ante la tumba de su padre en Argos; en un Egisto con camisa naranja y tirantes blancos, un evidente guiño, sin duda, al vestuario de la mafia; o en un Agamenón muerto a tiros. El texto nace del diálogo entre la Orestiada de Esquilo, la Electra de Sófocles, las tragedias de Eurípides sobre los Atridas y el Agamenón o el Tieste de Séneca. “La historia es la destrucción de una familia sustentada en el crimen, y, por extensión, de una sociedad, de un país, de Europa, del mundo” –según señaló el director de esta puesta en escena–, “es la tragedia de un enfrentamiento familiar”, que le sirve a Diana de Paco para defender que nunca se responda “a la violencia con más violencia y que sea la Justicia en un estado democrático la que sustituya a la venganza”.15 5. E LECTRA, B ABEL La saga de los Atridas, indicaba al comienzo, parece ser fuente de inspiración en el teatro más reciente. Lourdes Ortiz, otra escritora que reincide en el mito como tema de sus obras, publicó en 1992 Electra Babel.16 Diana de Paco ha realizado un excelente estudio de esta pieza.17 La obra consta de un solo acto que se desarrolla en una playa. Una chica joven, Electra, se mueve entre la realidad, el subconsciente y sus recuerdos, mientras observa y conversa con distintos personajes. El juego entre el pasado legendario y el presente se articula a través del lenguaje –lírico para la evocación y coloquial para 13 Esta obra se encuentra inédita. La información que de ella tenemos procede de MARTINEZ, MARTÍNEZ, “Adaptación del mito de Orestes a la escena española contemporánea”, y de dosieres y reseñas colgadas en la pág. web del grupo murciano de teatro “Alquibla”. Disponible en: http://www.alquiblateatro.com/index.php?option com producciones. 14 Se estrenó en 2006 en el teatro Guerra de Lorca de Murcia, pero la presentación oficial tuvo lugar en el Festival de Teatro Clásico de Mérida, en agosto de 2007. La obra fue llevada después a distintos lugares, siempre a cargo del grupo teatral murciano “Alquibla”, bajo la dirección de Antonio Saura. 15 Así se expresaba el director, que contó para su versión con la estrecha colaboración de la propia autora. Las reflexiones de ambos han sido recogidas en “Notas para una puesta en escena. A caballo entre la tradición y la innovación” (Antonio Saura, diciembre de 2005) y “Sobre el proyecto” (Diana De Paco Serrano, junio de 2006), recogidas en MARTÍNEZ MARTÍNEZ, o. c., p. 49-52. 16 ADE. Revista de Teatro, n. 25, p. 35-47. 17 DE PACO SERRANO, “El significado del mito en Electra-Babel de Lourdes Ortiz”; La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 289-307. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 17 el hoy–, a través de la presencia individual o coral de los protagonistas18 y a través de un doble espacio, la arena, el espacio de la realidad, y el mar, de donde salen los personajes míticos, cada uno de los cuales “aísla un mitema de la historia de los Atridas”. 19 Apenas hay acción o argumento. Es teatro de la palabra. Interesa no lo que les sucede a unos y a otros, sino los diálogos en el que los interlocutores expresan sus ideas, el diferente modo de ver las cosas, sus deseos, sus angustias, sus temores. El título, “Electra-Babel”, advierte de lo que ocurre en esos diálogos, y es que cada personaje habla su propio idioma. Obsesionados con sus problemas, todos conversan sobre sus asuntos o sus preocupaciones, pero no llegan a comunicarse, como si hablaran lenguas distintas. Aquí, igual que sucede en otros dramas revisados, la chica de la playa experimenta un proceso de anagnórisis: su afán de recuperar recuerdos está encaminado a un conocimiento de ella misma. En ese viaje de introspección, el mito es de nuevo un recurso empleado para mostrar y reprobar el maltrato y el obligado sometimiento y sujeción al hombre, de lo cual se lamenta Clitemnestra, que envidia la actitud de Helena. 20 Las heroínas se convierten en prototipos de reivindicación de la libertad. La obra es un homenaje a la mujer, una enérgica defensa de ella. A Clitemnestra de alguna manera se la disculpa, mientras Agamenón es considerado como un auténtico perverso. La protagonista ve en los episodios míticos escenas de su vida. Tiene eso que se ha llamado “conciencia mítica”. Pretende identificarse e identificar su entorno con arquetipos míticos que conoce, y el resultado final es la frustración, pues el mito ya no es posible.21 Su insatisfacción, su incapacidad para formar parte del mundo que le toca vivir la conduce al interior del mar. No ha sido capaz de encontrarse. Su solución es la huida. Pero esa huida, aparentemente un suicidio, es más bien una entrada en el mito. Esta muchacha, que descubrimos que se llama Electra, parece tomar conciencia de que es calco de aquella y, por eso, se introduce en el mar, el espacio del que Lourdes Ortiz hace salir a los protagonistas de las antiguas leyendas, donde quizá encuentre refugio. El mar se confirma como símbolo del subconsciente, el único lugar en el que es posible que se sienta acogida. 6. LOS RESTOS… A GAMENÓN VUEL VE A CASA VUELVE Un proceso de anagnórisis similar plantea la Electra de Raúl Hernández, protagonista de Los restos… Agamenón vuelve a casa. La obra es un largo diálogo quebrado 18 Los que representan a individuos del siglo XX aparecen como “chicos” o “chicas”, sin nombre propio, personajes genéricos que funcionan como el antiguo coro. Las figuras míticas, sin embargo, o bien son llamadas en algún momento por su nombre, o reconocibles por ciertos rasgos y señas inconfundibles. Son “la muchacha/Electra”, “el niño/Orestes”, “el guerrero”, que, sin duda, remite a Agamenón, y “la mujer” y “el hombre” con características y escenas que evocan a Clitemnestra y Egisto. 19 DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 296, n. 475. 20 “Y Helena fue más lista, se largó con el primero que llegó, como yo misma debía haber hecho”, ORTIZ, Electra-Babel, p. 45. 21 DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 306. 18 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 por monólogos –como estásimos corales22– entre una muchacha y un vagabundo, en el que ambos reflexionan sobre sus vidas y confiesan sus sentimientos. Comienza con la llegada del viejo mendigo a una casa en busca de un tal Joaquín Sierra, donde encuentra a una joven con un vestido blanco, salpicado de sangre, que le responde que la persona por la que pregunta vivió allí, pero se marchó hace años y nadie ha vuelto a saber nada de él. Se entabla entre ellos una conversación, en la que, sobre todo a través de los monólogos que la interrumpen, el espectador va conociendo la trágica y triste historia de ambos. La joven cuenta que ha vivido encerrada en su casa, humillada y castrada por su madre, a la que odia porque no le ha permitido conservar ni un recuerdo de su padre, que le ha dicho que murió cuando era muy pequeña y del que ha borrado toda huella. La odia también porque ha abierto su casa a los hombres y se ha entregado a ellos con desvergüenza. No la considera su madre, sino una mujer culpable, que ha perdido su dignidad; la odia, además, porque le ha robado la juventud y la belleza, ha intentado hacer de ella su alterego, hasta el punto de convertirla en su rival. Todo ello la ha conducido a dar muerte a su madre y al hombre que ha ocupado el lugar de su padre, arrastrada por un deseo irrefrenable de venganza. El anciano recuerda que escapó de su hogar por una infidelidad no perdonada y que ha pasado 10 años vagando sin domicilio y sin nombre, viviendo como una rata en las alcantarillas, “entre restos”, alcoholizado. Decide volver a su casa para enfrentarse con una nueva tragedia, pero llega tarde. Pues en el encuentro, que tiene lugar en los últimos momentos de la obra, cuando el vagabundo y la muchacha se reconocen como padre e hija, él se da cuenta de que su hija acaba de matar a su madre y se manifiesta la certeza de un encuentro imposible. Ella le suplica que apoye y legitime su crimen y comiencen una vida juntos. Él, sin embargo, le recrimina su monstruosa acción, si bien reconoce parte de la culpa por haber huido. Tampoco aquí hay posibilidad de reconciliación. Resulta imposible alcanzar la identidad con el modelo mítico, como reconoce la muchacha: “Nunca me llegará mensajero avisándome que un mechón de pelo de mi hermano honra le sepultura de mi padre (…) Nunca vendrá él como enviado de los dioses, avisándome que el día de la venganza está próximo. Nunca empuñaré el cuchillo que limpie esta casa de las ofensas de mi madre”.23 Tal inversión del mito, en la que Electra asesina a Clitemnestra antes de que esta pueda matar físicamente a Agamenón, nos deja en la retina la diferencia entre el relato mítico y la situación de los hombres de hoy, envueltos en la desesperanza, cuyas acciones carecen de la satisfacción del deber y la justicia cumplidos. No hay acto heroico, sino crimen. No hay culpa heredada, sino error personal. No hay vencedores ni vencidos, sino víctimas. La Orestía en esta ocasión se reescribe para reflexionar sobre la imposibilidad de recuperar, rectificar o borrar el tiempo pasado, en ese “nostos frustrante”24 del antihéroe. Y se relee y reescribe 22 El autor mismo explica la doble función de los monólogos, que no solo “desarrollan aspectos de la psicología e historia íntima del personaje”, sino que “acercan el teatro al rito y, como tal, aproximan la situación de los protagonistas a sus correlatos míticos”. HERNÁNDEZ GARRIDO, “Los surcos de la lluvia. Algunas reflexiones sobre experiencias en la escritura teatral contemporánea”, p. 27. 23 HERNÁNDEZ GARRIDO, Los restos. Agamenón vuelve a casa, p. 23. Cito por el texto en red. 24 DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 335. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 19 desde Freud y el psicoanálisis para repensar sobre la madre castradora, sobre la obsesión de la hija por la figura del padre y el rechazo hacia la madre, sobre la rivalidad de ambas, sobre el desengaño y decepción de la mujer abandonada o sobre el abuso sexual a jóvenes por parte de padres o familiares. 7. L UCÍA Una vez más, Diana de Paco recrea la tragedia griega. Una nueva Electra de final trágico es esta Lucía, publicada en Murcia, en 2002. Lucía, encerrada en un psiquiátrico, anhela aclarar la muerte de su padre, Augusto, y la desaparición de su hermano, Carlos, y culpabiliza de esas desgracias a su madre, Cristina, y al amante de esta. Al final, el espectador descubre que ha sido la propia Lucía la que ha provocado el infarto de su padre, al hacerle ver el adulterio de Cristina. Cuando Lucía se da cuenta de la realidad, se suicida. Esta historia, que la protagonista confunde en su delirio con la los Atridas, en los que Lucía, Cristina, Augusto, Carlos y Eduardo van descubriéndose como Electra, Clitemnestra, Agamenón, Orestes y Egisto, cuestiona sobre todo la condición de víctima: “¿Cuándo querrás darte cuenta de que no existen víctimas. Ni él, ni yo, solo somos personas de carne y hueso que sufren y se defienden como pueden”. 25 Y, por tanto, que no hay que buscar culpables. Por eso, la mujer transgresora, víctima y delincuente a la par, es liberada de su culpa. Esta Electra reconstruida con una parte de Clitemnestra, pues es ella quien mata a Augusto, su padre, presenta igualmente una conciencia mítica. En la sombría y triste habitación del hospital psiquiátrico, donde se desarrolla casi toda la obra, Lucía tiene consigo un libro. Casi al final, nos confiesa que se trata de La Orestiada y que es ese libro el que le dio la clave de todo. Por él fue consciente de lo que iba a suceder, aunque no pudo evitarlo, pero sabe que, aunque su hermano haya muerto, volverá: “El volverá doctor, está escroto que volverá (…) Es posible que Carlos muera en prisión, pero entonces vendrá Orestes….Vendrá pronto y será como Carlos…Y yo como su hermana”. 26 El doctor la recrimina que quiera identificarse con la joven de esa historia, que desee que su hermano sea Orestes y su madre una abominable asesina. Ella, como la Electra de Lourdes Ortiz, ansía repetir el esquema mítico que el libro le proporciona, intenta identificarse e identificar a los demás con los arquetipos de la tragedia griega. Pero el reconocimiento de esa imposibilidad la lleva a su final. Se arroja por la ventana. 8. MEDEA Tras las Penélopes y las mujeres de los Atridas, llegan las Medeas, de las últimas Medeas que la escena española nos ha brindado ya hemos mencionado la que recrea Diana de Paco en Polifonía. Una Medea que se ampara en la compañía, el consuelo y la 25 26 20 DE PACO SERRANO, Lucía. La antesala, p. 56. Ibíd. p. 78-79. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 solidaridad de Clitemnestra, Fedra y Penélope, protagonistas, como ella, del quebrantamiento y el desacato, defensoras de la legitimidad de sus acciones y que intentan superar, como pueden, el sentimiento de culpa. Una Medea que siente que nadie la ha sabido comprender y, en medio de su insoportable dolor, repite una y otra vez que no ha matado a sus hijos por venganza, sino para liberarlos del sufrimiento que ella ha padecido, para salvarlos de la tiranía de Jasón. La intención de la autora es, como señalan los estudiosos, 27 recodificar ese antiprototipo femenino que tradicionalmente ha sido Medea para presentarla no como una parricida, sino como una figura reivindicadora de la injusta situación que la mujer soporta con respecto al hombre, que incita al espectador a ponerse de su lado ante el abuso y opresión que esta padece. En la reescritura de la heroína se produce un desplazamiento hacia la comprensión de las razones que la han llevado a cometer tan tremendo crimen. Pero, desde una perspectiva contemporánea, también Medea se erige como un elemento de reflexión sobre la necesidad de cuestionar la “rígida moral trágica que divide al mundo en culpables e inocentes”.28 La culpa y su expiación es un tema nuclear y recurrente en la dramaturgia de Diana de Paco. 9. A SOLAS CON MARIL YN 29 ARILYN Una Medea muy actual es la de Alfonso Zurro. A solas con Marilyn nos cuenta la historia de una cajera de supermercado a la que su marido ha dejado por otra mujer llamada Marilyn. Ese nombre evocador de uno de los grandes mitos del cine, preñado de erotismo y de deseo, no puede sino causar, además de dolor, vértigo en la abandonada. En medio de su insoportable desolación, la cajera, recibe la visita del abogado de su exmarido que le comunica la intención que este tiene de quitarle a su pequeño hijo, lo único que le queda. Ella, entonces, se rebela y decide ahogar al niño, apretándolo contra su pecho: “no Marilyn esto ya no es soportable nadie me lo va a arrebatar voy a detener la locura de ese hombre que por tu culpa quiere arrebatarme lo que más amo me arrastráis hacia el acto más inhumano que pueda llevar a cabo una mujer el más loco el más sanguinario el más infame el más salvaje no me dejáis otra escapatoria no tengo salida (…) yo que le di la vida sí voy a quitársela”. 30 La pieza, dividida en 33 fragmentos, es casi toda ella un monólogo escrito sin puntuación, que discurre a saltos. No hay ni la más ligera mención al mito clásico, pero en la obra se reconocen los mitemas de la antigua tragedia. Otra vez, la evocación de la Medea trágica, encarnada en una mujer corriente de nuestra sociedad, procura una mirada sobre la violencia en el hogar, sobre los problemas que brotan en un mundo en el que las mujeres luchan por la igualdad y la familia tradicional se desestructura, y los brutales sentimientos y emociones que ello puede suscitar: celos, odio, venganza. 27 Cf. la introducción de Floeck en DE PACO SERRANO, Polifonía, p. 13 y 20 y NIEVA DE PAZ, “Las transformaciones de un antiprototipo femenino: Medea en el teatro español contemporáneo”. 28 NIEVA DE PAZ, o, c. p. 38. 29 Editada en Galaor, Sevilla, en 1998, fue estrenada ese mismo año en Madrid, en la Sala Cuarta Pared. 30 PÉREZ JIMÉNEZ, Manuel, Antología del Teatro Español Actual, p. 83. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 21 10. U LISES Es evidente que en este periplo por el teatro más reciente, se percibe un exceso de mujeres, ya sean escritoras, ya protagonistas de las obras. Y no es casual. En primer lugar, porque, de algún modo, pone de manifiesto la normalización de la presencia de la mujer en todos los ámbitos del teatro y no sólo en la interpretación: cada vez son más las dramaturgas. En segundo lugar, porque las mujeres del mito resultan especialmente atractivas para denunciar o reivindicar cuestiones planteadas y discutidas vivamente en la sociedad del siglo XXI. Pero no faltan obras –el propio listado seleccionado nos lo dice– que focalizan su atención en el héroe: Edipo, Agamenón o Ulises. Por ejemplo, Thebas Motel, Los Edipos o ese maldito hedor, Ulises y Soy Ulises, estoy llegando. Me voy a referir a estas dos últimas, las más recientes y, por distintos motivos, singulares. Ulises es una brevísima pieza publicada en 2005 por Gustavo Montes, uno de los fundadores del Teatro Hurgente, que tiene como premisas la creación de obras intensas cuya duración no supere la media hora, basadas en noticias aparecidas en los medios de comunicación. Se inspiró para ella en una nota leída en el periódico El Mundo que daba cuenta de la desaparición de un músico cubano de 70 años, escapado de un hospital y perdido en Madrid.31 En este corto texto, que el autor nos propone hermanarlo con el relato homérico, ya que lo titula “Ulises”, que es también el nombre del protagonista, no hay viaje de aventuras. Sin embargo, se escucha una canción –“Te esperaré”– que nos sugiere la rescritura del mitema de la espera, pero visto desde el deseo del héroe. El viaje de este Ulises anciano y ciego es su debate entre volver a casa o al hospital o quedarse en un vertedero, donde encuentra una mendiga loca con la que se siente a gusto. Los impedimentos de su regreso no son las Circes o Calipsos, sino su confusión, la pérdida de memoria, el olvido del camino. Una frase que repite desde el comienzo: “Mi mujer está esperándome” se descubre como un impulso que le empuja a conseguir algo que desconoce, pero que ansía, ya que su mujer no puede esperarle, porque ha muerto y sus cenizas van con él en una urna. En medio de su desconcierto, toma la decisión de arrojar las cenizas al aire y despedirse de ella: con un “adiós Carmela”. La obra concluye con estas palabras entre la mendiga y el viejo: “Yo me llamo Ulises” dice él. Y ella contesta: “Bienvenido a casa Ulises. Te estaba esperando”. Por fin, el viejo músico ha encontrado su Ítaca: un hogar, una compañía. No es Penélope la que espera, sino Carmela, pues así bautiza el viejo a la mendiga con el nombre de su mujer muerta; “VIEJO: ¿Cuál es tu nombre? MUJER: No sé. ¿Cómo te gustaría llamarme? VIEJO: ¿Carmela? MUJER: ¿Sabes? Acabo de acordarme. Creo que me llamo Carmela”. 32 El mito se recrea poéticamente en un vertedero. En los nombres de ambos, Ulises y Carmela, se unen la leyenda y el hoy. El antiguo mito y un espacio simbólico, universal: el del deseo. 31 Sin embargo Gustavo Montes le confiesa a Mabel Brizuela: “Mi Ulises… también es en parte otro cubano, un anciano amigo mío… Con su última mujer –Carmela– … con la que no llegó a casarse oficialmente, vivió treinta apasionados y turbulentos años en Madrid, hasta que ella enfermó de cáncer y falleció. Hoy, Roberto Lázaro Ochoa –mi anciano amigo– apura la vida en su pequeña buhardilla, acompañado por un gato, un canario... y un tarro con las cenizas de su mujer, que tiene en lugar destacado del salón y al que en momentos de soledad y alcohol le habla”, Alfilo, n. 17. Disponible en: www.ffyh.unc.edu.ar/alfilo/anteriores/alfilo-17/investigacion.htm. 32 Tomado de BRIZUELA, Mabel, “De Penélope a Carmela: ostensión del personaje homérico en dos obras del teatro español actual”, p. 75. 22 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 11. S OY ULISES, ESTOY LLEGANDO Un contrapunto de este poético Ulises nos lo brinda Ainhoa Amestoy en Soy Ulises, estoy llegando, obra estrenada en 2007. Si bien, puede verse como una divertida comedia, sin más; es inevitable que un espectador, conocedor de la Odisea, no la reciba como una parodia burlesca. Entretejiendo el poema de Homero con las Heroidas de Ovidio o con la recreación de la Odisea en la cultura de masas a través del politono del móvil del protagonista que repite la melodía de “Penélope” de Serrat, construye con singular fidelidad a los textos clásicos un héroe trivializado. Un Ulises enamoradizo, frívolo, vanidoso y engreído, rodeado de mujeres con las que coquetea. Desde Atenea, con la que ha tenido alguna aventura amorosa hasta Circe, una señora de discoteca que hechiza con drogas de diseño a los hombres, o hasta una Calipso obsesiva enganchada al Lexatín o hasta una pija colegiala, Nausicaa. Este Ulises es un mentiroso enfermizo, miente insistentemente a todos sus amores que sometidas le reclaman: a Calipso, a Circe o a Nausicaa y, sobre todo a Penélope que, cansada de tanta excusa, le envía el siguiente e-mail: “No me contestes, mejor ven en persona”, como decía la Penélope de Ovidio.33 Todas representan diferentes tipos femeninos: la dominante, la depresiva, la mejor amiga. Todas lo juzgan. El enredo concluye con el vulgar héroe aferrado a su móvil en llamada en espera con todas ellas, a cada una de las cuales les dice: “ya estoy llegando”. Este Ulises postmoderno y desmitificado, que revive todos los episodios amorosos de la Odisea, subraya fundamentalmente un modo de comportamiento: la falta de compromiso. C ONCLUSIONES Basten estos testimonios para llegar a unas breves conclusiones: • La primera, ya la adelanté, es que los mitos preferidos por los más jóvenes escritores teatrales españoles son: la saga de los Atridas, el mito de Ulises, las historias de Medea y Fedra y la figura de Edipo. Ya no hay Antígonas en nuestro teatro. • Aunque también hay dramaturgos que han hecho lecturas feministas de los mitos, el auge actual del teatro escrito por mujeres ha motivado que una de las funciones fundamentales de estos dramas mitológicos sea la deconstrucción de los modelos patriarcales y la reconstrucción de nuevos modelos de identidad y conceptos de vida femeninos. Y, por ello, el protagonismo de ellas y su valoración positiva frente a la negativa de los héroes. • En esa línea, estas modernas y postmodernas obras se sirven de modelos míticos para denunciar los abusos y violencia familiares y la injusta situación que en especial las mujeres soportan. 33 Véase el comienzo de la carta de Penélope a Ulises, la primera de las Heroidas de Ovidio. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 23 • Asimismo denuncian la violencia de la sociedad, la xenofobia y la marginación, y las guerras que arrastran terribles consecuencias, no situadas en un país determinado, sino, como hijos de la globalización que los autores son, situadas en el mundo. • También se escucha la reivindicación de la justicia sobre la venganza y el problema de la culpa. En realidad, todos somos víctimas y culpables. • Excepto en Las voces de Penélope, en Soy Ulises estoy llegando y en Ulises, donde la ternura en esta última y el sarcasmo y el humor en las otras dos relajan al espectador, el resto se desarrollan en un espacio inquietante, tenebroso, entre la vida y la muerte: psiquiátrico (Lucía), cárcel (Polifonía), la casa del viejo y la muchacha (Agamenón vuelve a casa). • Con frecuencia los autores fusionan dos o más héroes, o heroínas en uno o una. Por ejemplo se puede encontrar una Electra-Orestes-Agamenón, o una Electra-Clitemnestra • Por último, la forma fragmentaria, el triunfo de la palabra, el carácter poético de los textos o la conciencia mítica de los personajes son señas de identidad de este teatro de fines del siglo XX y comienzos del XXI. AA A BSTRACT This paper analyzes, through ten theatre plays, released or published in Spain between 1992 and 2007, the use made of the classical myth play wrights in recent decades in our country, to think about what characters or mythical stories are preferred, for what purpose are used by play wrights, and how they deconstruct, demystify or trivialize the ancient legends, heroes and heroines. K EYWORDS Myths, Greek tragedy, Odyssey, contemporary Spanish theatre REFERENCIAS BRIGNONE, Germán. Las voces de Penélope (1997), de Itziar Pascual: la espera como perspectiva femenina del mito odiseico, Stichomithia, Valencia, n. 4, 2006. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/ars/autores/pascual/voces/mendoza.pdf>. Acceso: 24 enero 2014. BRIZUELA, Mabel. De Penélope a Carmela: ostensión del personaje homérico en dos obras del teatro español actual, Osvaldo Pellettieri, Ed., Huellas escénicas, Buenos Aires, Galerna, 2007, p. 71-76. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/ars/autores/pascual/voces/ penelope_carmela.pdf>. Acceso: 24 enero 2014. DE PACO SERRANO, Diana. El significado del mito en Electra-Babel de Lourdes Ortiz, F. Torres Monreal, coord. y ed. El teatro y lo sagrado. De M. de Ghelderode a F. Arrabal, Murcia, Servicio de Publicaciones de Murcia, 2001, p. 372-384. DE PACO SERRANO, Diana. La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, Murcia, Servicio de Publicaciones de la Universidad de Murcia, 2003. 24 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 DE PACO SERRANO, Diana. Mitos clásicos y teatro español contemporáneo. Identidad y distanciamiento, coord. Mª Francisca Vilches de Frutos. Mitos e identidades en el teatro español contemporáneo, Foro Hispánico. Revista Hispánica de Flandes y Holanda, AmsterdamNew York, n. 27, 2005, p. 53-63. DE PACO SERRANO, Diana. Los «restos» del mito. Monteagudo, Murcia, n. 5, 3ª época, 2000, p. 219-222. DE PACO SERRANO, Diana. Lucía. La antesala, Murcia, Editora Regional, 2002. DE PACO SERRANO, Diana. Polifonía, Introd. de Wilfried Floeck, Murcia, Servicio de Publicaciones de la Universidad de Murcia, 2009. FLOECK, Wilfried. Mito e identidad femenina. Los cambios de la imagen de Penélope en el teatro español del siglo XX, coord. Mª Francisca Vilches de Frutos, Mitos e identidades en el teatro español contemporáneo, Foro Hispánico. Revista Hispánica de Flandes y Holanda, Amsterdam-New York, n. 27, 2005, p. 23-29. HERNÁNDEZ GARRIDO, Raúl. Los restos. Agamenón vuelve a casa, Madrid, Sociedad General de Autores, 1999. Disponible en: <http://hernandezgarrido.com/.../ ESCLAVOS.3-LOS.RESTOS.AGAMENON>. Acceso: 24 enero 2014. HERNÁNDEZ GARRIDO, Raúl. Los surcos de la lluvia. Algunas reflexiones sobre experiencias en la escritura teatral contemporánea. Cuadernos de Dramaturgia Contemporánea, Alicante, n. 2, 1997, p. 17-30. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/ Ars/Autores/Hernandez/ensayoshdez/ensayo1.htm>. Acceso: 24 enero 2014. MAÑAS MARTÍNEZ, Mar. Penélope (y Ulises) en la dramaturgia femenina contemporánea, Amaltea. Revista de mitocrítica. Madrid, n. 0, 2008, p. 277-302. MARTINEZ MARTÍNEZ, José Manuel. Adaptación del mito de Orestes a la escena española contemporánea. (Trabajo de fin de máster. Tutores: Dr. Campos Daroca y Dra. Romero Mariscal, Máster Interuniversitario de Estudios Superiores de Filología y Tradición Clásicas), Universidad de Almería, septiembre, 2011. Disponible en: <http:// repositorio.ual.es/jspui/bitstream/10835/1092/1/TFM.pdf>. Acceso: 24 enero 2014. MOUGOYANNI HENNESSY, Christina. El mito disidente. Ulises y Fedra en el teatro español contemporáneo (1939-1999), Pontevedra, Mirabel. Biblioteca de Theatralia, 2006. NIEVA DE LA PAZ, Pilar. Las transformaciones de un antiprototipo femenino: Medea en el teatro español contemporáneo, coord. Mª Francisca Vilches de Frutos, Mitos e identidades en el teatro español contemporáneo, Foro Hispánico. Revista Hispánica de Flandes y Holanda, Amsterdam-New York, n. 27, 2005, p. 31-42. ORTIZ, Lourdes. Electra-Babel, ADE-Teatro (Revista Teatral de la Asociación de Directores de Escena de España), Madrid, n. 25, abril, 1992, p. 35-47. PASCUAL, Itziar. Las voces de Penélope. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/Ars/ Autores/Pascual/obras/text_castepenelope.pdf>. Acceso: 24 enero 2014. PÉREZ JIMÉNEZ, Manuel. Antología del Teatro Español Actual. (Perspectiva estéticoformal), Alcalá de Henares, Universidad de Alcalá de Henares, 2008. RAGUÉ ARIAS. El teatro de fin de milenio en España (de 1975 hasta hoy). Lo que fue Troya: los mitos griegos en el teatro español actual. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 25 RAGUÉ ARIAS. Los grandes mitos femeninos griegos: Clitemnestra, Medea, Fedra, Anales de la Literatura española Contemporánea (ALEC), Colorado (USA), vol. 34, n. 2, 2009, p. 173-190. ZURRO, Alfonso. A solas con Marilyn, Galaor, Sevilla, 1998. Recebido em 3 de fevereiro de 2014 Aprovado em 6 de maio de 2014 26 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 DIÁLOGOS DE LAS MUERTAS omeo* Los bosques de Nyx de Javier TTomeo* DIALOGUES OF THE DEAD: JAVIER TOMEO’S LOS BOSQUES DE NYX Luis Unceta Gómez** Universidad Autónoma de Madrid RESUMEN El objetivo del presente trabajo es el análisis de algunas de las claves interpretativas de Los bosques de Nyx, obra teatral del narrador aragonés Javier Tomeo Estallo, para lo que el planteamiento de la pieza se pone en relación con la fantasía bangsiana, subgénero de la ciencia ficción, y en última instancia con los Diálogos de los muertos de Luciano de Samosata. PALABRAS CLAVE Javier Tomeo, Los bosques de Nyx, Recepción clásica, Diálogos de los muertos, Fantasía bangsiana 1. EL AUTOR Javier Tomeo Estallo (Quicena, Huesca 1932-Barcelona 2013) fue autor de una nutrida obra narrativa, constituida fundamentalmente por novelas breves, cuentos y microrrelatos, entre los que destacan títulos como Ceguera azul (1969; publicado en 1986 como Preparativos de viaje), El castillo de la carta cifrada (1979), Amado monstruo (1985), Bestiario (1988), Historias mínimas (1988), La ciudad de las palomas (1989), Problemas oculares (1990), El mayordomo miope (1990), La agonía de Proserpina (1993), El crimen del cine Oriente (1995) o La mirada de la muñeca hinchable (2003), algunos de ellos con una importante repercusión internacional. Desde sus primeras publicaciones, resulta llamativa la presencia del elemento fantástico que interfiere en la cotidianeidad de sus personajes, así como cierta querencia * Este trabajo ha sido realizado en el marco del proyecto de investigación «Marginalia. En los márgenes de la tradición clásica» (FFI2011-27645), subvencionado por el MINECO. ** [email protected] 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 27 hacia el absurdo, que provoca lecturas incomprensibles de lo natural.1 Estos rasgos le granjearon frecuentes comparaciones con la obra de Franz Kafka, con las que el propio Tomeo estaba de acuerdo, 2 a las que añade una fuerza adicional a través del humor, que, en ocasiones, hace virar sus planteamientos hacia el surrealismo, algo por lo que suele ponérsele en relación con otro ilustre aragonés, Luis Buñuel. Y a pesar de ello, hay en sus obras una clara insistencia en la soledad del ser humano, en su aislamiento con respecto al mundo que lo rodea, así como cierta delectación en las taras de sus personajes, ya sean estas físicas o mentales. En lo que aquí nos interesa, y según se ha señalado ya,3 puede rastrearse en la producción tomeana un amplio conocimiento de la literatura antigua, que le permite algunas reelaboraciones insólitas del material mitológico. Además de la obra a la que dedicaremos el siguiente apartado, pueden mencionarse, por su intertextualidad con la literatura greco-latina, La máquina voladora (1996), en la que se acude al mito de Ícaro, La agonía de Proserpina 4 (1993), de explícito título, o Pecados griegos (2009), protagonizada por Fedra. 2. LOS BOSQUES DE NYX Los bosques de Nyx fue la única pieza que escribió Tomeo directamente para su representación, si bien su trayectoria literaria estuvo siempre muy ligada al teatro. Son constantes en sus obras ciertos rasgos marcadamente dramáticos –básica es la función vertebradora de los diálogos o los monólogos5– que las hacen muy aptas para su traslación a las tablas. En buena medida responsable de su éxito internacional, la adaptación de Amado monstruo a cargo de Jacques Nichet (con representaciones en Montpellier y París) inauguró una fructífera serie de trasposiciones para el teatro e incluso para la televisión6 que alcanzó a varias de sus creaciones. 1 Según señala AZÍN FANLO (Narrativa aragonesa actual. p. 62), quien ofrece un completo análisis de la narrativa de Tomeo (p. 56-82), «el mundo o universo de Tomeo (…) se debate siempre entre la constatable realidad de los hechos cotidianos –la ciudad, una conversación telefónica, un interrogatoriodiálogo, la exasperante burocracia, los mecanismos de la vida social…– y la irrealidad inicial de una situación típicamente absurda; una irrealidad que va adentrándose en el lector conforme avanza la lectura y tornándose realidad». Sobre la obra de Tomeo, muy provechosos son también los ensayos reunidos en ANDRÉS-SUÁREZ & CASAS. Javier Tomeo. 2 Cf. TOMEO. Mi relación con el teatro. p. 10, 14. 3 Véase al respecto MAIRE FIVAZ. Javier Tomeo y el mito literario antiguo, donde se analiza La agonía de Proserpina (p. 230-234) y La máquina voladora (p. 234-236). 4 Sobre esta obra, véase además MOLINARO. Writing masculinity double (esp. p. 142-143). 5 En TOMEO. Mi relación con el teatro. p. 20-24, el autor reflexiona sobre las cualidades teatrales de su narrativa. Su permanente cuestionamiento de los límites genéricos le llevó, por otro lado, a dotar de una forma teatral a algunos de sus microrrelatos, como los incluidos en Historias mínimas (1988); cf. § 4. 6 El hombre por dentro y otras catástrofes (1988), serie de cinco episodios dirigida por José Vilá-San Juan para la televisión catalana, está basado en algunos relatos breves del escritor. 28 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Escrita expresamente para inaugurar la XL Edición de Teatro Clásico de Mérida, 7 Los bosques de Nyx resulta igualmente singular en el conjunto de la producción de su autor por el hecho de ser una obra coral con un protagonismo estrictamente femenino, algo que contrasta con la preeminencia de personajes masculinos en la narrativa tomeana, donde las mujeres actúan como mero contrapunto, muchas veces implícito. Aquí, sin embargo, si exceptuamos al Mensajero que viene a perturbar el letargo de esta comunidad matriarcal, a romper el embrujo de los bosques de la tenebrosa noche, las únicas voces que oímos son las de las heroínas de la Antigüedad, en orden de aparición: Hécuba, Helena, Lisístrata, Casandra, Clitemnestra, Andrómaca, Penélope,8 Electra, Calónice, Lampito, Mirrina e Ifigenia. Quizá sea esa preponderancia femenina la que explique también que, frente al cariz desengañado y la amargura pesimista que destilan muchas de sus obras, se observe en esta pieza cierta confianza en la acción de las mujeres y un espacio para la esperanza.9 Pese al número de personajes, la acción es sencilla; así la presenta su autor en el texto «A modo de prólogo» que precede la obra: Un día penetra en el bosque el Mensajero. Procede de una nueva guerra y propone a las mujeres que regresen con él al mundo de los vivos. La misión de las doce heroínas no es fácil. Habrán de ser ellas quienes, alzándose sobre sus recuerdos y aureoladas por sus respectivas tristezas, se ofrezcan a los nuevos combatientes como símbolo del dolor que nunca se extingue. Habrán de ser ellas, en definitiva, quienes convenzan a los guerreros de hogaño para que abandonen las armas y regresen definitivamente a la paz (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 9-10). Esta situación da pie a que las grandes perdedoras de la guerra reflexionen sobre la esterilidad de los conflictos bélicos –«Sea cual fuere el bando en el que se luche, las guerras son un negocio de unos pocos», afirma Penélope (p. 31)– y ridiculicen, desde una mirada netamente femenina, el heroísmo de los varones –así, por ejemplo, dice 7 Estrenada el 1 de julio de 1994, Los bosques de Nyx tuvo como director de escena a Miguel Bosé y fue interpretada por conocidas actrices: María Fernanda d’Ocón, Ana Marzoa, Beatriz Carvajal, Marga González, Marisa Paredes, Mercedes Sampietro, Asunción Sánchez, Natalia Menéndez, Juana Cordero, Pilar Rebollar, Montse G. Romeu y María Adánez, además de Gabriel Moreno como el Mensajero. La representación fue grabada y emitida por TVE. 8 La gran presencia de Penélope en el teatro español contemporáneo (en obras como ¿Por qué corres, Ulises? de Antonio Gala, La tejedora de sueños de Buero Vallejo, Ulises no vuelve de Carmen Resino, Ulises o el retorno equivocado de Salvador Monzón o Penélope de Domingo Miras), motivada seguramente por la preeminencia del mito de su marido, ha dado lugar a una amplia bibliografía. Puede verse, entre otros, GARCÍA ROMERO. El mito de Ulises en el teatro español. p. 296-300; GONZÁLEZ DELGADO. Penélope en el teatro español contemporáneo (I) y (II). ID. Penélope/Helena en el teatro español de posguerra. FLOECK. Mito e identidad femenina. Sobre la figura de Casandra, cf. VILCHES DE FRUTOS. Identidad y mito en la escena española actual. Sobre Helena, véase UNCETA GÓMEZ. Una Helena postmoderna, y las referencias allí recogidas. 9 Algo de ello puede intuirse en las siguientes palabras de Tomeo – en la entrevista concedida a Ramón Alcín Fanlo, Rolde. Revista de Cultura Aragonesa, Zaragoza, v. 44-45, 1988. p. 9 (apud ALCÍN FANLO. Narrativa aragonesa actual. p. 67): «La mujer es para mí expresión terrestre de la inmortalidad. Como decía Lamartín, en el principio de todas las grandes cosas hay una mujer. Puede que, precisamente por admirarla y desearla tanto, sea demasiado exigente». 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 29 Andrómaca: «Tal vez piensan que no pueden ser héroes si no arrasan de vez en cuando la faz de la tierra» (p. 28)–, hazañas que resultan insignificantes en comparación con el dolor que sus actos provocan.10 El ejemplo de estas mujeres, su sufrimiento y su recuerdo del dolor –recuerdo al que, no obstante, se aferran con toda la fuerza de su conciencia–, es indispensable, según lo plantea el Mensajero que viene desde el presente del espectador a solicitar su ayuda, para que los hombres dejen de combatir: MENSAJERO: Así es, mujeres. Llegué hasta aquí en busca de vuestra ayuda. Os lo dije apenas llegué: solo vosotras, con el amargo recuerdo de las penas de antaño, podéis detener la nueva guerra que está matando todo lo que amamos. Conocía ya vuestros dolores, que sobreviven obstinados al paso de los siglos, pero ha llegado el momento de que os olvidéis de vosotras mismas y os preocupéis por la suerte de los que hoy mueren como en otros tiempos murieron aquellos a quienes más amabais (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 58). Pese a este espíritu, que recorre toda la obra, llama la atención la controversia permanente que mantienen los personajes, recriminándose sus respectivos comportamientos y enfatizando los conflictos que los enfrentaron en vida. Esto es algo especialmente notorio en la primera mitad, pero las acusaciones se salpican a lo largo de toda la obra: Hécuba responsabiliza a Helena de provocar la guerra de Troya; Casandra, hace lo propio con Hécuba, por no haber obedecido el sueño premonitorio que tuvo cuando nació Paris; Clitemnestra acusa a Casandra de falsa profetisa y de embustera; Penélope recrimina a Helena su temperamento infiel; Andrómaca duda de la castidad de Penélope 11 y esta a su vez reprocha a la primera haber dado hijos a 10 La obra se inscribe pues en la estela antimilitarista de numerosas adaptaciones de mitos clásicos en la escena teatral española contemporánea. Según señala FLOECK. Mito e identidad femenina. p. 55, «(…) la segunda mitad del pasado siglo no es precisamente una época de auge de los llamados valores masculinos. La identidad masculina se relaciona permanentemente con términos tales como agresividad, odio, venganza y atracción sexual; mientras que a la identidad femenina se le asocian por lo general otros, como pacifismo, mansedumbre, fidelidad y sentido familiar. Los dramas pueden leerse casi sin excepción como piezas antibélicas y contra la dictadura, si bien durante la posguerra las consecuencias de la guerra civil y la dictadura franquista determinan el marco político, mientras que en los años setenta y ochenta la añoranza hacia el logro de las libertades políticas y personales, y en los noventa la crítica del aumento de la violencia, tanto en el ámbito de la política internacional como en el de las relaciones interpersonales de carácter privado en el marco de las grandes ciudades modernas, conforman el contexto social». 11 «¿Es cierto que fuiste fiel a tu marido durante los veinte años que, por culpa de la guerra, estuvo fuera de casa? ¿No lo fuiste? ¿No? ¿Sí? ¿Te escandalizan mis palabras? Dime entonces: ¿Por qué se oyen voces que niegan tu fidelidad? ¿Por qué hay quienes te acusan de haberte acostado con todos tus ciento doce pretendientes, cada uno a su turno?» (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 36). Esta es, sin duda, una versión predilecta de la modernidad, rastreable en obras como Penélope (2012), poemario de Nuria Barrios, la novela de Margaret Atwood Penélope y las doce criadas (The Penelopiad, 2005), o la pieza Juicio a una zorra de Miguel del Arco (2013) (cf. UNCETA GÓMEZ. Una Helena postmoderna), por citar solo algunas. Frente a la indignación de Penélope ante estas acusaciones, Clitemnestra se nos muestra en Los bosques de Nyx como un personaje cínico y orgulloso de su infidelidad: «¡Tened cuidado, amigas! ¡No conviene exagerar cuando se habla de fidelidad! ¡Hacéis mal en darle tanta importancia! Puede que la fidelidad solo sea una curiosa forma de apatía. Yo desde luego, lo reconozco, no fui fiel a mi marido. Eso lo sabe todo el mundo. ¡Sí, sí! ¡Todo el mundo sabe que engañé a Agamenón! Después de matarle, mi amante y yo vivimos felices durante diez años, gozando tranquilamente del fruto de nuestro crimen. Así fue y así lo reconozco… Es preciso pues que lo sepáis, mujeres: matad a vuestra conciencia si queréis vivir tranquilas» (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 34). 30 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Neoptólemo, en referencia a Pérgamo, Píelo y Moloso; Electra llama a Clitemnestra «la más funesta de todas las madres», etc. De tal modo, la obra se estructura en torno a diálogos a dos bandas, que se van intercalando con intervenciones de un tercer personaje, por lo general para mediar en el conflicto, pero también para tomar partido por una de las partes. Esta función es asumida en varias ocasiones por Lisístrata, a quien acompañan sus tres compañeras de la comedia aristofánica homónima: Lampito, Mirrina y Calónice. Constituye esta una ingeniosa inversión del uso tradicional de los modelos clásicos, puesto que, por regla general, suelen mantenerse aislados –para conservar su pureza y su gravedad– los referentes trágicos de sus contrapartidas cómicas; pero, en la obra de Tomeo, la combinación de comedia y tragedia resulta una constante, por lo que no debe extrañar esta conjunción. En este sentido, interesa destacar las siguientes palabras de Clitemnestra: ¿Quién se acuerda, os lo vuelvo a repetir, de los hombres que alguna vez fueron vulgarmente felices? (Volviéndose hacia las amigas de Lisístrata.) ¿Quién se acuerda ahora de esas tres mujeres que, para sentirse en paz con todo el mundo, tuvieron suficiente con llevarse de vez en cuando un hombre a la cama? (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 48). En la representación teatral, esta combinación trágico-cómica, que ofrece un contrapunto y facilita ciertos alivios momentáneos, matizando el sufrimiento y relajando la tensión, está sostenida, como veremos inmediatamente, por cierta veta fantástica que recorre Los bosques de Nyx y define buena parte de la producción de Tomeo.12 Aun así, y pese al carácter polémico de los diálogos que hilvanan la obra, todas estas heroínas son capaces de conseguir un acuerdo unánime en algo: su total oposición a las guerras. El carácter de alegato antibelicista de la obra es patente desde el comienzo.13 En este sentido, no podemos obviar que, en el momento de su estreno, nos encontramos en plena guerra de Bosnia y entre abril y julio de ese año 1994 se había producido la matanza de la minoría tutsi por parte de la población hutu, en el conocido como genocidio de Ruanda (se calcula que los machetes acabaron con la vida de unas 800.000 personas y cerca de 500.000 mujeres fueron violadas), acontecimientos ambos que conmocionaron al mundo entero. Tomeo lo explicaba así a los medios: «La guerra es un absurdo, y aquí se trata de unir una voz más a los miles que han clamado contra el absurdo de la guerra; esta es una más que abomina de la guerra».14 De tal modo, estos personajes, definidos fundamentalmente por su condición de madres, esposas o hijas, son mujeres rotas, víctimas de unos conflictos que las trascienden 12 Véase al respecto CASAS. Monstruos alucinados y prodigios. Entre las muchas representaciones que ha tenido la obra a lo largo de estos años, cabe destacar la dirigida en Costa Rica por Luis Carlos Vasques, cuyo estreno en septiembre de 2009 fue precedido por un «Ritual de los cabellos», remedo del corte de pelo ritual en señal de luto que practicaron las mujeres griegas, que consistió en un acto en un parque durante el cual las actrices fueron rapadas. Los cabellos fueron donados a una empresa que fabrica pelucas para enfermos de cáncer. En internet pueden verse numerosas grabaciones de este acto. 14 En «Javier Tomeo aborda por primera vez el teatro con Los bosques de Nyx», El País 21 jun. 1994. (Disponible en: <http://elpais.com/diario/1994/06/21/cultura/772149605_850215.html>. Acceso: 20 feb. 2014.) 13 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 31 y que no entienden. Y en este dolor se convierten en arquetipo y epítome de las víctimas de las guerras de cualquier época. Todas a una, formando el coro que unifica sus voces y fortalece sus vínculos, expresan estas ideas en su imprecación al dios Marte,15 «dios de feroz mirada y andar precipitado», constituida por un rosario de preguntas retóricas: CORO: ¡Oh, Marte! ¿Por qué enciendes a los hombres con tantas guerras? ¿Por qué, dios cruel y sanguinario, te complacen tanto los cegadores reflejos de las espadas? ¿Por qué haces creer a los hombres que matándose los unos a los otros podrán conseguir gloria, fama y fortuna? ¿Te apiadarás alguna vez de nosotras, las mujeres? ¿Llegará el día en que tengas compasión de las madres que pierden a sus hijos, de las esposas que pierden a sus esposos y de las hijas que jamás vuelven a ver a sus padres y hermanos? ¿Crees acaso que los ideales que mueven a los hombres a empuñar sus espadas pueden servir de pretexto a tanta muerte y desolación? ¿No habrá acaso otros caminos menos dolorosos? ¿Te sirve tal vez de consuelo pensar que el objetivo de todas las guerras es la paz? (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 52). Los ideales que justifican estos enfrentamientos no son nunca excusa suficiente para tanta muerte y desolación. Como no podría ser de otra forma, Lisístrata propone como solución la abstinencia sexual: LISÍSTRATA: Más peligrosa es la caricia de una mujer que la espada de un hombre. (Bordeando la grosería.) Os lo diré de otro modo: nuestra principal fuerza, compañeras, reside en aquella parte de nuestro cuerpo que el pudor nos obliga a ocultar. No desconfiemos pues de nuestro sexo y escuchadme… MIRRINA: Sí, sepamos ya cuál es esa gran empresa que quieres proponernos. LISÍSTRATA: La cosa es muy simple: los maridos se van a la guerra y nosotras nos quedamos solas. Algunas veces ni siquiera tenemos un triste amante para remediarlo, pero ¿y si yo, mujeres, hubiera encontrado la solución para poner fin a todas las guerras? Respondedme ahora mismo: ¿querríais secundarme? (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 41-42). Por supuesto, sus compañeras Lampito, Calónice y Mirrina, quienes ahora le dan la réplica, responden entusiasmadas, pero en el momento en que se enteran de los detalles del plan, no se muestran tan interesadas en secundarla y prefieren que continúen las guerras; a ello Lisístrata, en aguda alusión metatextual, responde: “LISÍSTRATA: ¡Sexo disoluto! ¡Y luego nos quejamos de que se menosprecie y maltrate a las mujeres en todas las tragedias!” (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 43). A pesar del carácter subversivo inherente a esta promiscuidad en la reutilización de las fuentes, el conocimiento y apego a los textos clásicos de Tomeo es muy significativo. Ya en el prólogo de la obra se hace explícita la deuda con algunos modelos, pues se trata de una pieza «construida con personajes de Esquilo, Sófocles, Eurípides, Menandro y Homero» (p. 9), y esta deuda se evidencia en algunas citas textuales de las obras de estos autores. Presentaremos solo un par de ejemplos. La siguiente intervención del coro constituye un centón de versos de Los persas de Esquilo (126-ss.): 15 A pesar de la referencia exclusivamente griega de toda la obra, los personajes se refieren permanentemente a Ares bajo la advocación romana que se le asimila; más que de un error por desconocimiento, parece tratarse de un guiño al lema bajo el que se celebró la XL edición del festival de Mérida: «La herencia de Marte. La guerra y la mujer». 32 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 CORO: «Cual enjambre de abejas que sale del enmelado panal, así los de a pie y a caballo siguieron a su rey, y las madres y las esposas cuentan temblando los largos días de un tiempo que no termina jamás, y los lechos conyugales se empapan con las lágrimas que hace derramar el amor por los ausentes…» (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 40). Y del mismo modo, la queja de Clitemnestra «¡Ay, mísera de mí, que parí esta serpiente y la crié!» (p. 47-48, como la anterior, también entrecomillada en la obra) pertenece a Las coéforos, del mismo autor (v. 928). 16 3. L A FANT ASÍA BANGSIANA Y LOS DIÁL OGOS DE UL TRA TUMBA ANTASÍA DIÁLOGOS ULTRA TRATUMBA Como hemos adelantado, estas mujeres viven aisladas en un «espacio mágico –situado fuera del tiempo y del espacio–, un bosque petrificado que oculta las ruinas de un gran teatro» (p. 15). El bosque de la noche –las ruinas del teatro romano de Mérida en su primera representación– constituye además un trasunto de las propias mujeres, pues también ellas, como esos árboles muertos, quedaron «sin frutos y sin flores» (ibíd.). Precisamente en este aspecto radica buena parte de la originalidad del planteamiento de la obra: sus protagonistas están muertas –algo que permite anular las referencias espacio-temporales– y son plenamente conscientes de ello. Según lo expresa el Mensajero: vosotras, mujeres, pertenecéis a otro tiempo y a otro espacio. (…) Desde aquella vieja guerra que rompió vuestros amantes corazones ha pasado una eternidad. (…) si no os resignáis a que os arrastre definitivamente el silencioso río del olvido, seguidme, que yo os señalaré el camino (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 58-59). Este planteamiento justifica en última instancia la coincidencia de personajes arrancados «de sus respectivos contextos literarios», que puede resultar razonablemente natural (caso de las heroínas de la guerra de Troya), o decididamente equívoca (en la conjunción de Lisístrata y sus amigas con las primeras). En la misma línea, podemos mencionar obras posteriores, como Polifonía (2009) de Diana de Paco Serrano, en la que, salvo Penélope, también los personajes de Medea, Fedra y Clitemnestra nos hablan desde el Hades, recuperadas por la conciencia atormentada de la primera, que asume la forma de una cárcel;17 y desde el reino de la muerte nos habla también la Penélope de Margaret Atwood en Penélope y las doce criadas (The Penelopiad, 2005). 16 El procedimiento, por lo demás frecuente en el teatro contemporáneo de tema clásico (cf. UNCETA GÓMEZ. Una Helena postmoderna), es reconocido por el propio Tomeo, quien declara que el texto es un ochenta por ciento suyo (véase el artículo de El País, citado supra, n. 14). 17 Según explica Medea al final de la obra, «Este lugar es el refugio en el que Penélope nos encerró. Solo ella conservó la memoria una vez atravesadas las aguas del Leteo, porque solo ella se mantuvo con vida hasta ese momento. Penélope en sueños descendió a los infiernos buscando un consuelo, un medio para quitarse la vida y atravesó el río del olvido, pero su corazón aún palpitante evitó que el agua enfriara sus recuerdos y comenzó a vagar reconociendo los rasgos del resto de las almas, entre ellas la de Ulises. (…) Estaba atormentada y nos buscó. Nosotras, sin embargo, llegamos aquí con el espíritu seco, cuando perdimos la vida perdimos también la conciencia del pasado y nos encerramos bajo la tierra, luchando para que nos abandonase, definitivamente, hasta el último de nuestros recuerdos y sentir con ello que esta gruta fue nuestro origen y nuestro fin» (DE PACO SERRANO. Polifonía. p. 100-101). 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 33 Este motivo literario es conocido entre los aficionados a la ciencia ficción con el nombre de «fantasía bangsiana»,18 en honor del autor estadounidense John Kendrick Bangs (1862-1922), autor de A house-boat on the Styx (1895). La novela inaugura una serie protagonizada por las Sombras Asociadas –Associated Shades, colectivo integrado por Confucio, Sócrates, William Shakespeare, Napoleón Bonaparte, Samuel Johnson, James Boswell, Charles Darwin, George Washington y Walter Raleigh– y fue continuada por otras tres.19 Con ellas, Bangs revitalizó un procedimiento ficcional que permite hacer coincidir en un mismo espacio los espíritus de algunos muertos célebres, junto a personajes de ficción, y su estela fue seguida por otros autores del siglo xx como Kurt Vonnegut, conocido novelista de ciencia ficción, en God Bless You, Dr. Kevorian, o por Philip José Farmer en su serie Riverworld (Mundo del río), 20 aunque este último desde unos presupuestos ligeramente diferentes, pues contempla la intervención de seres alienígenas (los éticos) como responsables de la coincidencia en un mismo planeta de personajes de épocas diferentes, desde los remotos orígenes de la humanidad. Pero algo antes que Bangs, la publicación católica Fortnightly Review publicó una sátira ambientada en el Hades, en la que hacía dialogar a tres conocidos filólogos clásicos (Bentley, Porson y Madvig) con Eurípides y William Shakespeare. Con una vena intensamente cómica, los autores antiguos se quejan del tratamiento que dan a sus obras los críticos textuales. Así lo expresa Johan N. Madvig, recientemente fallecido en el momento de la publicación del texto: Hardly had I set foot in the Shades when I was fiercely assailed by Ovid… He wanted to have me consigned at once to the depths of Tartarus for having proposed to introduce into one of his poems patetur with the a short (TYRRELL. The old school of classics and the new. p. 43, apud BEARD. Ciceronian correspondences. p. 104). Aunque es posible buscar antecedentes remotos de este planteamiento en la nékyia de la Odisea o la katábasis de la Eneida, así como en el influjo de esta última en la Divina comedia de Dante, para cualquier lector instruido del Fortnightly Review resultaría evidente que la referencia directa no era otra que Luciano de Samosata, quien explotó el procedimiento con una muy moderna intención paródica. 18 El subgénero recibe también los nombres de posthumous fantasy o afterlife fantasy, aunque algunos autores lo diferencian. Véase al respecto CLUTE & GRANT. The Encyclopedia of fantasy (s.uu. «Bangs, John Kendrick» y «Posthumous fantasy»). 19 Se trata de Pursuit of the house-boat (1897), The enchanted type-writer (1899) y Mr. Munchausen: Being a true account of some of the recent adventures beyond the Styx of the late Hieronymus Carl Friedrich, sometime Baron Munchausen of Bodenwerder, as originally reported for the Sunday edition of the Gehenna Gazette by its special interviewer the late Mr. Ananias formerly of Jerusalem, and now first transcribed from the columns of that journal by J. K. Bangs (1901), claramente paródica. 20 La serie incluye los siguientes títulos: To your scattered bodies go (1971), The fabulous riverboat (1971), The dark design (1977), The magic labyrinth (1980) y Gods of Riverworld (1983). Aunque la excusa es también diferente en el caso de La intersección de Einstein (The Einstein intersection, 1967) de Samuel R. Delany –un grupo de extraterrestres toma la forma de algunos fallecidos famosos, que van desde Ringo Star a Jesucristo, pasando por Orfeo y Teseo–, su resultado es similar al del resto de obras mencionadas. 34 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 El protagonista de Historias verdaderas, protociencia ficción reconocida por los críticos del género,21 se interna en la Isla de los bienaventurados, donde tiene ocasión de conocer a los héroes de Troya, pero, con un armazón más teatral por su naturaleza dialógica, el motivo alcanza su máxima expresión en los Diálogos de los muertos,22 cuyo modelo, aunque no sea explícito, no puede descartarse apresuradamente para la obra de Tomeo. La combinación paródica de dioses, héroes y personajes históricos reales que presentan los Diálogos de los muertos, así como su cercanía con las otras tres colecciones de diálogos lucianescos, en especial los Diálogos de las cortesanas, podría explicar la insólita combinación de heroínas trágicas y cómicas en Los bosques de Nyx. Sea como fuere, el caso es que la mencionada obra de Luciano inaugura una fecunda tradición de conversaciones de ultratumba, cuyos participantes, por su condición de difuntos, se permiten realizar juicios de todo calado.23 Tras algunas obras en las que es posible reconocer la huella de Luciano, como el diálogo anónimo Timarión (siglo XII) o el diálogo satírico Viaje al Hades de Mazaris (1416), la aparición en Italia de los manuscritos de sus obras completas en 1420 facilitará imitaciones como el Defunctus, la más larga de las Intercoenales de Leon Battista Alberti, a pesar de la escasa consideración que dispensó la Iglesia, tanto católica como protestante, al samosatense durante ese periodo, que provocó su inclusión en la nómina de autores de libros prohibidos en 1549. En España puede señalarse el Diálogo de Mercurio y Carón (1528) de Alfonso de Valdés y De Europa dissidiis et bello Turcico, en la que se aprecia la huella intermedia de Erasmo, así como en los Sueños de Francisco de Quevedo (el Sueño de las calaveras y Las zahúrdas de Plutón). Posteriormente, la Ilustración francesa dará un impuso renovado al género, con las obras de Fontenelle (Dialogues des morts, 1683), Fénelon (de mismo título, 1700) y Voltaire (Conversations de Lucien, Érasme et Rabelais dans les Champs Elysées, 1765), en las que se satirizaba el Antiguo Régimen. En su estela, Wieland (Gespräche im Elysium, 1780) propaga el género en Alemania, donde llega a publicarse una revista con este tema, Gespräche im Reiche derer Todten (1718-1739), de David Faßmann. En Inglaterra Henry Fielding utilizará también escenas de los Diálogos de los muertos en sus dramas The Author’s Farce (1730) y Eurydice (1737). A pesar de resultar perjudicado en la controversia antisemítica de la Alemania de la última década del siglo XIX y desaparecer del mundo académico, Luciano siguió ejerciendo una profunda influencia literaria, que llega hasta la época contemporánea y puede rastrearse en obras como The New Lucian (1884) de Henry D. Traill, Christus und Antichristus in populären Dialogen nach Lucian (1862) de Friedrich Harrer24 o el relato «Captain Stormfield’s visit to heaven» 21 Cf. ROBERTS. The history of science-fiction. p. 25-29. Sobre esta obra y su posible estructura original, cf. GONZÀLEZ JULIÀ. Luciano ensaya la novela escénica. 23 La mayor parte de los datos que siguen proceden de BAUMBACH. Luciano. Relatos verídicos. p. 355359, y de la «Introducción» de ZARAGOZA BOTELLA a los Diálogos de Luciano. p. 17-26. 24 Alemania continuó aportando muchos ejemplos durante la centuria siguiente, entre los que pueden señalarse: Totengespräche (1906) de Fritz Maudthner, Erdachte Gespräche (1934) de Paul Ernst, Dichtergespräche im Elysium (1941) de Arno Schmidt, Ohne uns. Ein Totengespräch (1999) de HansMagnus Enzensberger, y Der Teufel lebt nicht mehr, mein Herr! Erdachte Monologe – imaginäre Gespräche (2001) de Walter Jens. 22 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 35 (1909) de Mark Twain, y encuentra su epígono en el subgénero de la fantasía bangsiana –que quizá fuera mejor denominar «fantasía lucianesca»–, comentado más arriba.25 Otras obras de ultratumba han presentado cuestiones filosóficas, políticas o teológicas en forma de conversación entre difuntos, como Huis clos (1944) de Jean-Paul Sartre, el texto «Diálogo de muertos» incluido en El hacedor (1960) de Jorge Luis Borges, en el que dialogan Juan Facundo Quiroga y Juan Manuel de Rosas, o la obra teatral Copenhaguen (1998) del británico Franz Hayn, que presenta el diálogo entre los físicos Niels Bohr y Werner Heisenberg, y la mujer del primero. Sin embargo, falta en ellos la dimensión humorística que es la que, en última instancia, permite el entronque con Luciano. En España, junto a Los bosques de Nyx, podemos mencionar también El corazón alberga muchas sombras (1995) de José María Gironella, que propone un coloquio en un cementerio gerundense entre figuras célebres (Caín, Gandhi, Mao, Marx, Juan XXIII, Papini… 26 ), y, más recientemente, Los inmortales (2012) del aragonés Manuel Vilas, quien, con ironía posmoderna, plantea también la inmortalidad póstuma de grandes personajes (Cervantes, Van Gogh o Dante, entre otros), si bien desde unos presupuestos muy diferentes y con unas convenciones ajenas a la fantasía y la ciencia ficción, pese a compartir algunas claves con ellas. 4. C ONCLUSIÓN Esta dilatada e intrincada tradición con vocación eminentemente satírica, fue cultivada por el propio Tomeo en sus Historias mínimas (1988), como podemos comprobar en el siguiente diálogo entre dos militares muertos: Campo de batalla y cinco mil combatientes muertos. Los primeros buitres planean ya en las alturas, pero todavía no se atreven a descender. En primer plano, dos guerreros cubierto de sangre. GUERRERO A: Oye. GUERRERO B: Qué. GUERRERO A: ¿Estás muerto? GUERRERO B: Sí. GUERRERO A: Por un momento, al verte sonreír, pensé que estabas vivo. GUERRERO B: Pues estoy muerto. GUERRERO A: Yo también estoy muerto. 25 Mariano Martín Rodríguez –a quien debo agradecer buena parte de las referencias que siguen– me propone en comunicación personal la denominación «género necrodialógico». La etiqueta puede seguir siendo válida incluso cuando una obra determinada no se presente en forma de diálogo, puesto que lo esencial es la confrontación de dos puntos de vista. Como vemos, Bangs no inventó el género, aunque tuvo el mérito de actualizarlo y revitalizarlo para un público concreto. 26 La influencia de Giovanni Papini y su póstumo Giudizio universale (1957), es explícita en esta obra, que convierte al autor italiano en uno de los personajes. La huella es igualmente perceptible en el relato «El último deseo» (1959) del mexicano Juan José Arreola, donde también aparece Papini. Por otra parte, las charlas de cementerio tienen antecedentes como «Bobok» (1873) de Fiodor Dostoievski o Un ollo de vidrio (1922) de Alfonso Rodríguez Castelao. 36 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 GUERRERO B: Entonces, ¿cómo pudiste verme sonreír, si estás muerto? GUERRERO A: ¿Y tú? ¿Cómo pudiste sonreír, si no estabas vivo? GUERRERO B: No sé. A lo mejor la muerte es solo una media sonrisa. GUERRERO A: (Dándose por satisfecho con esa respuesta.) Sí, a lo mejor. Silencio. En lontananza un anciano busca a su hijo entre los muertos, y a los que están caídos de bruces les gira amorosamente la cabeza (TOMEO. Historias mínimas. VIII).27 Y a ella cabe añadir también Los bosques de Nyx, donde la incorporación del elemento cómico resulta diáfana y declarada en el referente aristofánico. Arrancar de sus contextos originales a los personajes míticos de las obras clásicas y hacerles conscientes de un tiempo histórico diferente del suyo implica su conversión en muertos –vivientes–. Sin embargo, parece que la persistencia del referente clásico en esta y otras de las obras mencionadas (Polifonía, Penélope y las doce criadas), que interseca con otras reelaboraciones literarias de las obras antiguas ajenas a este recurso, domestica en buena medida el elemento sobrenatural del procedimiento, al tiempo que atenúa el carácter sombrío y lúgubre que asumen buena parte de los diálogos espectrales mencionados. Y ello muy probablemente se deba al hecho de que el carácter mítico que desarrollan las heroínas de la guerra de Troya las hace ajenas a los designios vitales de las personalidades históricas y las eleva al limbo de lo puramente simbólico. AA ABSTRACT The aim of this paper is to analyze some interpretative keys of Los Bosques de Nyx, a play by the Spanish novelist Javier Tomeo Estallo, linking the plot of this play to Bangsian Fantasy, a subgenre of science fiction, and ultimately to Lucian of Samosata’s Dialogues of the Dead. KEYWORDS Javier Tomeo, Los bosques de Nyx, Classical Reception, Dialogues of the Dead, Bangsian Fantasy REFERENCIAS ACÍN FANLO, R. Narrativa aragonesa actual. Una aproximación seguida de dos autores (José María Latorre y Javier Tomeo). Alazet: Revista de filología, Huesca, v. 3, 1991, p. 9-82. ANDRÉS-SUÁREZ, I. & CASAS, A. (Eds.). Javier Tomeo. Madrid: Arco Libros, 2010. BEARD, M. Ciceronian correspondences: making a book out of letters. In: WISEMAN, T. P. (Ed.). Classics in Progress. Essays in Ancient Greece and Rome. Oxford: OUP, 2002, p. 103-144. BAUMBACH, M. Luciano. Relatos verídicos. In: PASCUAL, P. H. & MORALES, M. S. (Eds.). La literatura griega y su tradición. Madrid: Akal, 2008. p. 339-359. 27 Véase además, en esa misma obra, la historia XXI, protagonizada por dos esqueletos. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 37 CASAS, A. Monstruos, alucinados y prodigios: la ambigüedad fantástica en la obra de Javier Tomeo. In: ANDRÉS-SUÁREZ, I. & RIVAS, A. (Eds.). Javier Tomeo. Madrid: Arco Libros, 2010. p. 45-58. CLUTE, J. & GRANT, J. Encyclopedia of fantasy. Disponible en: <http://www.sfencyclopedia.com/>. Acceso: 24 feb. 2014. FLOECK, W. Mito e identidad femenina. Los cambios de la imagen de Penélope en el teatro español del siglo XX. Foro Hispánico, Amsterdam, v. 27, 2005. p. 53-63. GARCÍA ROMERO, F. El mito de Ulises en el teatro español del siglo XX. CFC (EGI), Madrid, v. 9, 1999. p. 281-303. GONZÁLEZ DELGADO, R. Penélope en el teatro español contemporáneo ¿Casta, libertina o feminista? (I). La Ratonera. Revista asturiana de teatro, Gijón, v. 13, 2005. p. 99-105. Disponible en: <http://www.la-ratonera.net/numero13/n13_casta.html>. Acceso: 11 feb. 2014. GONZÁLEZ DELGADO, R. Penélope en el teatro español contemporáneo ¿Casta, libertina o feminista? (y II). La Ratonera. Revista asturiana de teatro, Gijón, v. 15, 2005. p. 106-113. Disponible en: <http://www.la-ratonera.net/numero15/n15_casta.html>. Acceso: 11 feb. 2014. GONZÁLEZ DELGADO, R. Penélope/Helena en el teatro español de posguerra. Stichomythia, Valencia, v. 4, 2006. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/Ars/ ESTICOMITIA/Numero4/Sticho4/ARTICULOS/Penelope.pdf>. Acceso 11 feb. 2014. GONZÀLEZ JULIÀ, Ll. Luciano ensaya la novela escénica: apariencia episódica y estructura unitaria de los Diálogos de los muertos. Emerita, Madrid, v. 79, n. 2, 2011. p. 357-379. Disponible en: <http://emerita.revistas.csic.es/index.php/emerita/article/ viewFile/987/1031>. Acceso: 13 feb. 2014, doi: 10.3989/emerita.2011.16.1005. LUCIANO DE SAMOSATA. Diálogos de los dioses. Diálogos de los muertos. Diálogos marinos. Diálogos de las cortesanas. Madrid: Alianza, 1987. Traducción, introducción y notas de J. Zaragoza Botella. MAIRE FIVAZ, V. Javier Tomeo y el mito literario antiguo: modalidades y enjeux de una reescritura. In: LOSADA GOYA, J. M. & GUIRAO OCHOA, M. (Eds.). Myth and Subversion in the Contemporary Novel. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2012. p. 225-238. MOLINARO, N. L. Writing masculinity double: Paranoia, parafiction and Javier Tomeo’s La agonía de Proserpina. Anales de la Literatura Española Contemporánea, Philadelphia, v. 24, n. 1-2, 1999. p. 135-148. DE PACO SERRANO, D. Polifonía. Murcia: Universidad de Murcia, 2009. ROBERTS, A. The History of Science Fiction. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2006. TOMEO ESTALLO, J. Mi relación con el teatro. In. MURO, M. A. (Ed.) Actas del congreso internacional sobre Literatura hispánica actual. Logroño: Gobierno de La Rioja, 1993. p. 9-26. TOMEO ESTALLO, J. Los bosques de Nyx. Zaragoza: Xordica 1995 (Sevilla: Signatura 2002). 38 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 TYRRELL, R. Y. The old school of classics and the new: A dialogue of the dead. Fortnightly Review, Londres, v. 49, n. 253, 1888. p. 42-59. UNCETA GÓMEZ, L. Una Helena post moderna: Juicio a una zorra de Miguel del Arco. Ágora. Estudos Clássicos em Debate, Averio. (e. p.). VILCHES DE FRUTOS, Mª F. Identidad y mito en la escena española actual: Casandra como paradigma. Foro Hispánico, Amsterdam, v. 27, 2005. p. 43-52. Recebido em 24 de fevereiro de 2014 Aprovado em 8 de abril de 2014 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 39 EL MITO CLÁSICO A TRAVÉS DE LA OBRA TEATRAL DE LOURENZO CLASSIC MITH THROUGH LOURENZO’S THEATRICAL WORK Helena Maquieira* Universidad Autónoma de Madrid Maria Eugenia Rodríguez Blanco** Universidad Autónoma de Madrid RESUMEN En el presente trabajo se aborda el análisis de dos obras teatrales del autor gallego contemporáneo Manuel Lourenzo, Fedra y Últimas faíscas de Setembro. Ambas tratan, desde una perspectiva distinta, las figuras míticas de Fedra y Medea. En el caso de Fedra, Lourenzo hace un tratamiento muy respetuoso del mito y de la obra de Séneca. En el de Medea, la actualización del mito que lleva a cabo el autor implica profundas transformaciones. PALABRAS CLAVE Lourenzo, teatro gallego, Fedra, Medea, actualización 1. INTRODUCCIÓN AL AUTOR Y SU OBRA1 Hablar de Manuel Lourenzo significa hablar del teatro gallego de los últimos 50 años. Su nombre, con el de Francisco Pillado, va indefectiblemente ligado al teatro galaico de la segunda mitad del siglo XX y comienzos del XXI. La figura de Lourenzo destaca como fundador de grupos teatrales, director de publicaciones relacionadas con el teatro, autor de estudios sobre dramaturgia gallega, traductor de obras clásicas o de autores modernos que recrean lo clásico, director de puestas en escena de dichas obras y, especialmente, como autor que ha revisitado con frecuencia el mito. Las obras presentadas en este trabajo ofrecen dos formas distintas de revisitar el mito por parte de Lourenzo: Fedra, muy respetuosa con el mito (aunque ofrece un nuevo equilibrio de elementos), y Últimas faíscas de Setembro, recreación del mito de Medea y Jasón. * [email protected] ** [email protected] 1 Este trabajo se enmarca en el Proyecto UAM-Santander sobre “Los mitos clásicos en el teatro iberoamericano contemporáneo” (2011-2012). 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 41 2. F EDRA , LIBRETO PARA ÓPERA 2.1. A CCIÓN , (1982) ACIO Y TIEMPO ESP ESPACIO El mito de Fedra e Hipólito ha interesado especialmente a Lourenzo, como demuestra el hecho de que le haya dedicado cuatro obras dramáticas.2 El libreto para ópera Fedra se publicó en 1982 y, como indica el propio Lourenzo (1982: 2), se basa en la tragedia de Séneca. En este trabajo, se tratará el libreto como una pequeña obra teatral porque la ópera no llegó a representarse.3 La Fedra de Lourenzo es un magnífico libreto de ópera estructurado en dos partes. Está escrito en verso, libre en general, aunque con rima en las intervenciones corales propiamente dichas. Contiene abundantes didascalias, que dan cuenta de la localización de los personajes, cambios de escenario, entradas y salidas de escena, oscuros, música, rasgos físicos o psíquicos de los protagonistas, gestos y acciones. La primera parte consta de tres escenas, definidas por las salidas de los personajes. En las primeras, Fedra airea su amor por el hijastro; Aia, la nodriza, intenta contenerla y disuadirla, pero finalmente se pliega a sus deseos y va al monte en busca de Ipólito para hablarle del amor de su madrastra. En la tercera, Fedra llega al monte y, adelantándose a los circunloquios de Aia, confiesa ella misma su amor al joven, quien huye tras herir en el forcejeo a Fedra. La espada ensangrentada dará pie al engaño de las mujeres ante Teséu. La segunda parte consta de dos escenas. En la primera, el coro acompaña la entrada de un desconcertado Teséu. Ante las evasivas de Aia, Fedra, irrumpiendo en escena, cuenta a su esposo la falsa violación. Este maldice al hijo, provocando el desbordamiento del mar. En la segunda escena, Fedra, rodeada por un coro acusador, contempla la lucha de Ipólito por contener a los caballos encabritados. Solo desea morir con su amado. Sin mensajero ni dioses que aclaren los hechos, Teséu recibe en un saco que le acerca el coro los restos de Ipólito, al tiempo que oye la confesión de su mujer. La amenaza de muerte, pero ella se adelanta suicidándose. Finalmente, el propio Teséu se da muerte ante la bendición del coro. La acción se sitúa en un espacio indefinido (fuera, dentro de la casa y en monte abierto), si bien la breve descripción del monte en boca del Coro hace pensar en un paisaje galaico, cerca del embravecido atlántico4 (1 y 2): (1) Siléncio de morte / garda a selva inteira, / cando Aia, furtiva, / sen medo da brétema, / colle pola encosta / que á montaña leva (p.6). (2) (Levanta-se unha moura treboada. O vento zoa, o mar encrespa-se, caen lóstregos e os tronos retumban no ar) (p. 13). 2 Romería ás covas do demo, estrenada en 1969 y publicada 1975, ha sido estudiada por Maquieira 2013. Ipólito se estrenó en 1973; no se trata, ni mucho menos, de una mera traducción del original griego, según comenta A. Pociña (2012: 410-12). A ellas se añade Despois do temporal, compuesta en 2007 y publicada en 2009 con Medea dos fuxidos e outras pezas; para más detalles sobre ella, véase A. Pociña (op. cit.: 416-17). 3 Según indica A. Pociña (2008:414), la obra está inconclusa porque, al no componerse la música ni montarse la ópera, el texto quedó sin la revisión y adaptaciones para su puesta en escena. 4 La localización galaica no es tan evidente como en Romería ás covas do demo, cuya acción se sitúa en Valadouro, cuna del propio Lourenzo. 42 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 No hay indicación temporal ni estacional, si bien la acción transcurre en un breve lapso de tiempo, desde la decisión de Aia de buscar a Ipólito hasta la muerte de este. El tiempo preciso para bajar del monte y enfrentarse con el recién llegado Teséu.5 2.2. E LEMENTOS PROPIOS DEL AUTOR En Romería as covas do demo era evidente el interés del autor por configurar un teatro nacional ante su atraso tras la guerra civil. 6 En Fedra también hay datos que apuntan a una galleguización del mito. Respecto a la localización espacial en un ambiente atlántico, acabamos de hablar. Respecto a las alusiones a otros elementos, baste la metáfora de Aia para indicar a Fedra que debe desterrar su amor por Ipólito (3): (A.) Esposa de Teséu, esa muiñeira non é para ti a bailares! (p. 4). Pero tal vez, lo esencial son las frecuentes referencias a la extranjería de la protagonista, que iremos viendo a lo largo del comentario. La extranjería condiciona al personaje de Fedra, que se encuentra sola, extraña, abandonada, Otra en un mundo que le es ajeno. No se puede dejar de poner en relación esta referencia con la emigración que en los años 80 del siglo pasado aún sufría el pueblo gallego. 3. E L SEGUIMIENTO DE LA OBRA DE S ÉNECA En el libreto, se produce una condensación de la obra de Séneca. De los 1280 versos de la tragedia senequiana pasamos a 487 (a veces muy breves, de una o dos palabras tan solo) en la obra de Lourenzo. 3.1. A CTOS I-II DE S ÉNECA . E SCENAS 1ª-2ª, PARTE I DE L OURENZO El acto I de la Fedra de Séneca consta de 359 versos. Comienza con una larga invocación de Hipólito. 7 La primera escena senequiana desarrolla una conversación entre Fedra y la nodriza (conocedora omnisciente de la situación), en la que Fedra expone su extranjería y el desamor por Teseo; el motivo de la ausencia del marido, que ha seguido a Piritoo hasta los infiernos; y los amores ilícitos de su madre y el malogrado de su hermana, que pesan sobre ella como un fatum.8 La nodriza la anima a abandonar sus pensamientos, distinguiendo entre el fatum de Pasífae y la amoralidad de Fedra; considera los argumentos del ama una burda justificación, y plantea que los amores raros solo anidan entre los poderosos (204-15). 5 En Romería, la localización temporal na noite do San Xoan, aportaba también el tinte gallego que el autor pretendía en la búsqueda de un teatro nacional. 6 En Romería, Lourenzo se hacía eco de tendencias vanguardistas, como la de presentar el mito como una farsa cómico-trágica y a los personajes como guiñoles que actúan en un retablo. Aparte de hacer galaicos el tiempo y el espacio, galleguizó el mito gracias a la introducción del personaje de Rañolas, absolutamente ajeno a él, y la inclusión de dichos y refranes del mundo gallego. 7 Se corresponde, con mayor extensión, con Eur. Hip., 73-87. 8 Sobre el papel del fatum en Séneca, véase C. Criado (2011:251-75). 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 43 La nodriza es consciente de que Teseo volverá y castigará la falta a su honor; además, tiene la convicción de que Hipólito nunca consentirá el adulterio. Como último argumento para disuadir al ama, acude al respeto a su propia vejez. Fedra propone el suicidio como única solución y vence así la resistencia de la nodriza, que la prefiere viva aunque deshonrada. Como final del acto I, el coro, desconocedor del mal de Fedra, irrumpe en escena con un canto a Amor, remedo del primer estásimo de Eurípides (525-64), sin llegar a su nivel de excelencia. En la primera escena del acto II de Séneca (360-406), la nodriza presenta el estado de Fedra: sin dormir ni comer, sin interés por su aspecto. Esta, en el interior, rechaza las vestiduras que las criadas le acercan y quiere vestirse de cazadora.9 El acto I y la primera escena del II de Séneca se reducen a las dos primeras escenas de la primera parte del libreto de Lourenzo, 406 versos pasan a 91 (más 41 de transición en boca del coro). En escena, se encuentran Fedra y un coro enterado del pesar de su reina. Fedra no dialoga con el coro, ambos actúan en paralelo, sin responderse, aunque oyéndose, pues sus intervenciones se encadenan de una manera muy bella. Hablan ambos de la falta de amor, de la ausencia de Teséu (4): Él voltará da guerra / e contará orgulloso as suas xeiras (p. 3), y de la extranjería de Fedra (5): (4) (F.) vella terra dos meus pais; (...) da sua boca, eternamente forasteira; (...) e chorarei / bágoas enxoitas cada día / desta miña emigración (...) Coro: como ela é forasteira para él (p. 3). Aia irrumpe en esta comunión sin diálogo entre Fedra y el Coro para imponer su veto, acudiendo a una formulación pareja a la de Séneca, con la que Lourenzo expresa su propia ideología socialista (6): (A.) Asi lle vai ao mundo. Hai que ser rico / para ousar o proibido e proibir o verdadeiro (p. 4). En la escena segunda, Aia y Fedra se retiran al interior de la casa, mientras el Coro, como eco, sigue insistiendo en el deseo de Fedra. En el interior, ambas continúan una conversación entrecortada, en la que Aia argumenta brevemente con la misoginia de Ipólito, mientras que Fedra solo destaca su parte positiva (no lo tendrá que compartir con otras). La transición es muy rápida, porque Aia se pliega sin resistencia a la petición de ayuda de Fedra; decide ir ella misma en busca de Ipólito en vez de que lo haga Fedra, que lo había propuesto con una expresión polisémica (7): (F.) Talvez o meu destino está no monte! (p. 5) En una transición de 41 versos, el Coro, a la vez que acompaña el avance y el propósito de Aia, entona su propio canto a Amor.10 Respecto al seguimiento que Lourenzo hace de Séneca, nuestra pregunta es triple: ¿qué elementos presenta Lourenzo?, ¿cuáles potencia?, ¿de cuáles prescinde? Como en el mito y en sendas tragedias de Eurípides y Séneca, Lourenzo ofrece como marco general el amor transgresor de las normas, la oposición convencional de la nodriza y la negativa de Fedra a contenerlo. El marco se completa con la aceptación de la situación por parte de la nodriza con tal de no perder a Fedra. 9 En clara referencia al gusto de Hipólito por el bosque y la caza, heredado de su madre la amazona. Recoge más el estásimo primero de Eurípides (525-64) que la párodo de Séneca (275-357). 10 44 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 De una forma más específica y buscada, Lourenzo potencia la eterna filomaquia de Teséu (4), en clara crítica a una guerra civil aún demasiado próxima, y la extranjería de Fedra (5), motivo esencial en el espíritu galaico, pueblo eternamente forastero. Además, utiliza la máxima sobre ricos y pobres del poeta latino con intención de verdadera crítica social (6). Con estos tres elementos, Lourenzo actualiza el mito. Despoja, sin embargo, su obra de toda referencia a la saga cretense y sus amores desdichados, así como a un fatum en el que no cree. 3.2. A CTO II DE S ÉNECA . E SCENA 3ª, PARTE I DE L OURENZO Las escenas segunda y tercera del acto II de Séneca se extienden desde 406 a 735. La primera, desarrollada entre la nodriza e Hipólito, constituye un verdadero agón, en el que la nodriza intenta convencer al joven de deponer su actitud vital y disfrutar de la juventud, en tanto que Hipólito defiende su forma de vida, basada en la libertad, el gusto por la naturaleza, el propósito de evitar las desgracias que otros han provocado y, sobre todo, su rechazo a las mujeres. En el comienzo de la tercera escena, entra Fedra en acción, decidida a confesar ella misma su amor al hijastro. Corrige a Hipólito (8) y comienza su confesión con el recuerdo de su amor hacia el Teseo joven, reflejado ahora en su hijo (9): (8) (F.) Arrogante es el nombre de madre y demasiado fuerte; a mis sentimientos les cuadra mejor un nombre más humilde, llámame hermana, Hipólito, o llámame sirvienta; sirvienta mejor. Estoy dispuesta a soportar todo tipo de esclavitud (609-12). (9) (F.) Estoy enamorada del rostro de Teseo, aquel de antes, el que tenía hace tiempo, de muchacho, cuando apuntando la barba le sombreaba las puras mejillas y conoció la casa sin salidas del monstruo de Cnossos y fue recogiendo el largo hilo a través del intrincado camino ¡Cómo resplandecía entonces! Prendían sus cabellos las cintas rituales y un rosado pudor teñía su tierno rostro; había músculos fuertes en sus tiernos brazos. Era el rostro de tu Febe o de mi Febo; mejor aún, el tuyo... (646-56). La reacción de Hipólito es inmediata. En su enfado, intenta incluso matar a Fedra. No lo hace, sino que sale huyendo. La nodriza, que ha contemplado la escena sin intervenir, trama entonces el plan salvador. El coro cierra el acto cantando a Hipólito y comentando el engaño que van a perpetrar las mujeres. En Lourenzo, todo el acto –salvo la escena primera– se reduce a la segunda escena de la primera parte. Se desarrolla en el monte, entre Ipólito y Aia (con retirada del Coro); posteriormente, entra Fedra. Los 431 del original se reducen a 181 versos cortos. Aia es directa en sus preguntas y el joven contundente en sus respuestas (10): “(10) (A.) Con quen dormes?...a quen amas?/(I.) Durmo coa noite, /deito-me co ar e amo o vento libre” (p. 6) Mientras que Aia desaprueba esa forma de vida, Ipólito la defiende, incidiendo solo en dos puntos de los presentados por Séneca: la libertad y el interés por evitar las grandes desgracias humanas (11): (11) (I.) Aqui non son escravo de ninguén, no temo nada. /..Son señor / e inocente baixo o céu aberto. (...) (I.) Entre os homes / e a terra houbo un pacto, e os homes traicionaron-no / Inventaron as armas, e o forte dominou / e suplantou o ferro as leis da natureza. / O irmán matou ao irmán, o fillo ao pai, / a muller ao marido e mesmo ao fillo que criara (p. 7). 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 45 Se produce la entrada de Fedra, con palabras muy similares a las del original latino (12): (F.) Madre? Chamas-me madre? Non irmá. / Cháma-me irmá. Ou escrava. Mellor escrava. Son a tua escrava (p. 8). En Lourenzo, es Ipólito quien augura la eterna vuelta del padre (13): (I.) Non temas, ha voltar. Él sempre volta./ E reinará como nos vellos dias (p. 8). Fedra, por su parte, confiesa su amor con añoranza, como en Séneca, del Teseo joven (14): (14) (F.) Amo, sí, / aquel rosto primeiro de rapaz / ainda sen barba, cando / levaba cintas nos cabelos e o pudor / acendía a su face. Cando era / coma ti, que el está todo en ti... Amo a Teséu en ti, / amo-te a ti, / e postro-me diante de ti, / meu novo rei que me cambiaste! (p. 9). Ante la reacción brusca de Ipólito, Fedra intenta morir a sus manos. En el forcejeo, Ipólito la hiere. El joven huye y Fedra intenta darse muerte, pero Aia retira la espada y urde el engaño. Se escucha a lo lejos el ruido de caballos que antecede la entrada de Teséu. Aia pregunta a Fedra. Esta se debate entre dudas que hacen de ella un personaje más similar a la Medea de Eurípides (1040-52) que a la Fedra de ambas obras clásicas (15): (F.) Cala. Non cales. Di certo. / Di verdade. Di mentira. / Non ouses. Ousa. Está perto?... Non! Sí! Vai logo! Non vaias! (p. 11). Como en el mito y en sendas obras clásicas, Lourenzo reproduce las fuertes convicciones de Hipólito, que le llevan a rechazar la propuesta. Como en Séneca, presenta a una Fedra que confiesa su amor al hijastro pasando por encima de Aia, y que desea morir tras el rechazo del joven. También en la obra del gallego ambas mujeres urden el engaño, si bien la Fedra de Lourenzo con muchas más dudas. Además, desde un punto de vista político, Lourenzo potencia la crítica a los males de la guerra (tan próxima en sus secuelas aún la española) (11), y la referencia a un padre dictador, que volverá eternamente (13). Con estos elementos, el autor actualiza el mito en recuerdo de la guerra civil y de la dictadura franquista. Desde un punto de vista psicológico, profundiza en el eterno deseo de las Fedras por recobrar la juventud en la frescura del eterno Hipólito, aceptando incluso una nueva servidumbre: Fedra abandona la servidumbre al tirano para caer sometida a la tiranía del sexo. De nuevo, Lourenzo silencia otras líneas del mito (Cnoso y el Minotauro). Tampoco le interesa especialmente la misoginia de Ipólito. 3.3. A CTO III DE S ÉNECA . E SCENA 1ª, PARTE II DE L OURENZO El III acto senequiano es muy breve (835-990). Tras preguntar por la causa de los gemidos que se oyen en el interior, Teseo entra en palacio y, ante el espectáculo que se le ofrece, intenta convencer a Fedra de soltar la espada. Fedra cuenta la falsa violación de Hipólito y muestra la espada acusadora. Teseo estalla en ira contra el hijo, lo condena in absentia a un exilio eterno y lanza las maldiciones que le concediera otrora su padre Neptuno. Concluye el acto el coro con un canto a la Naturaleza y a la Fortuna, y el anuncio de la entrada del mensajero. Los 155 versos de este acto, se reducen a 76 en la primera escena de la segunda parte del libreto. El coro acompaña la entrada de Teséu, desconcertado ante el triste recibimiento. Fedra entra en escena y, tras un parlamento incomprensible para Teséu, 46 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 lanza la falsa confesión, que provoca la maldición de Teséu. Este entra en casa, mientras Aia huye y el coro moralizador, rodeando a Fedra, exclama (16): (Coro) Escoita, Fedra, a ruda maldición, / e trema, que tamén é para ti (p. 13). 3.4. A CTOS IV Y V DE S ÉNECA . E SCENA 2ª, PARTE II DE L OURENZO En el acto IV de Séneca (991-1156), el mensajero relata, de forma profusa, la muerte de Hipólito y su despedazamiento. De nuevo, el coro cierra el acto con un canto a la Fortuna, que se ensaña con los que más tienen. Los gritos de Fedra en el interior de palacio, hacen presagiar al coro un terrible desenlace. En el V (1157-1280), Teseo y Fedra se enfrentan ante la mirada del Coro y los restos mortales de Hipólito. Espada en mano, Fedra se dirige a Hipólito deseando resucitarlo o morir con él (17): (F.) No fue lícito unir nuestras almas, pero sí que es lícito dejar unidos nuestros destinos (1183). Ante la palabra, la actitud y, finalmente, el suicidio de Fedra, Teseo desea su propia muerte, pero no la acomete. El Coro, silencioso hasta el momento, lo anima a cumplir con las honras fúnebres del hijo, lo que hace entre lágrimas, mientras maldice a Fedra. Ambos actos senequianos, 289 versos, se reducen a 89 en la segunda escena de la segunda parte en el libreto de Lourenzo. Frente a la clásica, la Fedra de Lourenzo permanece en escena deseando morir con el amado o aconsejándole en la distancia las últimas maniobras que lo puedan salvar, mientras el coro actúa como narrador-mensajero de la situación en vivo, reduciendo así la prolija información del mensajero de Séneca (991-1114) (18): (18) (Coro) Xa o tempo variou, xuntan-se as nubens / parindo unha rebelde treboada. / Xa o mar agancha bravo polas penas, / roncando, penetrando, desfacendo! / Non pode ter Ipólito da grea!...É tarde, as suas rendas xa cederon / e as ondas envolveron-no, e os cans /reparten os seus membros pola area... asi acabou Ipólito, o inculpado! (p. 13). Siguiendo los pasos de Séneca, la Fedra de Lourenzo lanza la maldición contra sí misma. En su delirio, se arroja sobre el saco que contiene los restos de Ipólito y se da muerte, deseando la unión definitiva con el amado con palabras similares a las de Séneca (19): (F.) Ipólito querido, non puidemos / xuntar os nosos corpos, mais os nosos / destinos pairan xuntos para sempre! Frente al clásico, el Teséu de Lourenzo se suicida, tras pedir fuerza a sus antepasados, con la sola plegaria del coro como eco (20): (Coro) Axudai-lle!... /Dai-lle forzas!... Axudai-lle!...Acollei-no / nos vosos eidos eternais, onde as verbas / non martirizan!... E dai-lle paz... E dai-lles paz! (p. 16). En común con las obras clásicas, Lourenzo ofrece la locura de Fedra y su suicidio, la ira de Teseo y su arrepentimiento por la muerte del hijo... Pero, sobre todo, potencia el sentimiento de Fedra. Fedra en Lourenzo no es madre, es solo mujer, y su sentimiento como mujer es superior al de madre o padre. También potencia, en boca de una Fedra que no admite ser juzgada por nadie desde la eternidad del mito, el desprecio por los que eternamente se oponen al amor que se sale de la norma (21): “(21) (F.) O seu alcume non é novo / para min. Veño escoitanto / esa tocata desde o berce. / Non te culpo, Teséu, das tuas verbas. / Entendo o teu furor, mais non admito / ser por ti inmolada” (p. 15). 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 47 4. I NTENCIÓN, MENSAJE Y ELEMENTOS PROPIOS DEL AUTOR No debemos tratar la recurrencia a lo clásico en Lourenzo sin tener en cuenta el resto de su obra y otras constantes de su teatro. El mismo autor (Rodríguez 2006: 197214) indica que su propósito al recurrir a lo clásico es doble: evitar la censura franquista en la etapa de la dictadura y acudir a los universales que proporciona el mito para lanzar mensajes igualmente universales. Los mensajes de Fedra son dos, uno político-social y otro filosófico-personal. Desde el punto de vista político-social, hay en el libreto un rechazo contra la guerra y la dictadura, y una loa de la libertad; también se reivindica la transgresión de las normas y se hace una cierta crítica de clases. Desde el punto de vista de lo personal, en el libreto se potencia a la Fedra-mujer frente a otras facetas del personaje (la condición de potencial madre solo se menciona cuando se acusa a Ipólito de violación); frente a otros posibles rasgos del personaje, Lourenzo actualiza solo el irrefrenable deseo de la mujer madura por resucitar la juventud perdida. 5. Ú LTIMAS FAÍSCAS DE 5.1. A CCIÓN , S ETEMBRO (1999) ACIO Y TIEMPO E S PPACIO La obra cuenta la llegada a Corinto de una turista llamada Medea que va a pasar unos días de descanso en el balneario de la ciudad. El mozo encargado de llevarle las maletas, de nombre Odiseas, será el que le descubra la historia de una Medea que vivió en los tiempos de los antepasados, introduciendo en la acción a la heroína del mito. El detective del balneario, Jasón, disfrazado de Jasón, va a su habitación para investigar el robo de unas tablillas muy antiguas, escritas en griego, que contenían la historia trágica de una tal Medea. Entre la turista y el detective, que está casado con Creúsa, la hija de Creonte, un armador director del balneario, surge una atracción irresistible que acarreará la desgracia. Creúsa muere al caer al vacío en unas antiguas ruinas, tal vez arrojada por Medea. Esta, embarazada de Jasón, se provoca un aborto, tras intentar, sin éxito, convencer a su amante para marcharse juntos en la nave Argos, pero Jasón prefiere quedarse en Corinto, convertido ahora en dueño del balneario. Mientras Medea marcha hacia el puerto dejando un reguero de sangre, él aguarda la llegada al hotel de una nueva turista que, casualmente también se llama Medea. Este es, en síntesis, el argumento de la obra, cuya acción se divide en dos actos. Los personajes que actúan son, nominalmente, cuatro: el mozo del hotel, llamado Odiseas, Medea, el Director del balneario, de nombre Creonte, y el detective Jasón, yerno del anterior. Y es precisamente en los personajes en donde radica la primera originalidad de Lourenzo, porque se produce el desdoblamiento de la pareja protagonista que actúa también en un doble espacio y en un doble o, incluso, triple tiempo. La Medea moderna, esa turista que llega para descansar en el balneario de Corinto se desdobla y se superpone a la Medea mítica que llega de la Cólquide a Corinto como esposa de Jasón. También este último se desdobla en el detective moderno que se disfraza del antiguo Jasón para entretenimiento del personal alojado en el hotel y que adquiere su personalidad mítica en la relación con Medea. 48 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Desdoblamiento de personajes pero también de tiempo y espacio. El pasado y el presente se superponen en un balneario moderno, en una ciudad del Mediterráneo, Corinto, que conserva las huellas visibles de su historia en las ruinas del antiguo palacio, en la réplica en madera de la nave Argos colocada en el vestíbulo del hotel, y en el contenido de unas tablillas escritas en griego que dan cuenta de los actos criminales de una Medea que hace mucho tiempo llegó a la ciudad con un tal Jasón. Este procedimiento, similar al del manuscrito reencontrado, tan socorrido en las novelas históricas para dotar de prestigio y verosimilitud a la narración y, a la vez, situar la acción en un pasado remoto, se reproduce aquí con el mismo fin. Por medio de las tablillas, el espectador asiste al conocimiento de la Medea mítica, ya que han sido escritas por ella misma a modo de diario, al tiempo que las ruinas remiten al pasado legendario. En suma, la doble dimensión del espacio y del tiempo, así como el desdoblamiento de los personajes, consigue situar una historia actual de amor y pasión en una dimensión pretérita totalmente distinta, la mítica y al revés; el tiempo del mito se actualiza en la acción presente. Este juego temporal y la actualización dramática se observa también en otros detalles como por ejemplo en el personaje de Creonte que, a diferencia del rey mítico de Corinto, el autor convierte en un armador acaudalado dueño del balneario. La obra termina, como ya dijimos, con la esperada llegada de otra turista de nombre Medea, con lo que el futuro aparece también como horizonte temporal y es previsible que con idéntica carga trágica. Asimismo, es importante señalar el periodo de tiempo en el que transcurre la acción de esta Medea moderna. El autor lo indica claramente en la presentación: todo sucede entre septiembre y diciembre; la decadencia del otoño da paso al invierno, estación en la que todo se agosta y muere; al igual que el ciclo de la vida, el amor entre Jasón y Medea comienza cuando ya casi declina la vida en paralelo a la naturaleza. Por último, un breve comentario sobre el escenario geográfico en el que se sitúa la acción. A diferencia de otras obras 11 en las que el paisaje y la localización son completamente galaicos, en esta, por el contrario, el balneario se sitúa en Corinto, en una ciudad mediterránea que puede ser de hoy y de ayer, sin ningún rasgo localista, como si con ello se quisiera subrayar la universalidad del tema representado. 5.2. COMP ARACIÓN OMPARACIÓN CON LA OBRA DE E URÍPIDES El autor clásico que sirve de modelo a la Medea de Lourenzo es Eurípides, como en tantas otras piezas del autor gallego, si bien presenta con aquél también bastantes diferencias, como es esperable en el planteamiento de una moderna Medea. Estas discrepancias se refieren, sobre todo, a la estructura de la obra más que a los protagonistas de la acción. A ello vamos a dedicar las siguientes líneas. 11 Cf. MAQUIEIRA, 2013. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 49 Ante todo, la obra clásica y la del gallego tienen una situación de partida y un desarrollo bien distintos, como ya señalamos al referir sus líneas argumentales. Como es bien sabido, en Eurípides la infidelidad es de Jasón hacia Medea, con la que está casado y tiene dos hijos; al romper los votos matrimoniales para casarse con Creúsa, la hija del rey de Corinto, y conseguir así estatus y un trono, es objeto de una venganza atroz por parte de Medea, que se siente abandonada y ultrajada después de haberle ayudado en su empresa imposible de conseguir el vellocino. La tragedia clásica es una obra, entre otras lecturas, de venganza. En Manuel Lourenzo, Medea y Jasón acaban de conocerse, y este le es infiel a Creúsa, con la que está casado y con la que no puede tener hijos. Jasón es así, en una primera aproximación, un simple adúltero. Diferencia de planteamiento que conlleva, por ejemplo, la ausencia de los agones clásicos entre los dos protagonistas. Sin embargo, existen en la obra del gallego semejanzas notables referidas a la caracterización de los personajes y sus motivaciones. Veamos algunas. En cuanto a Medea, en ambas obras se señala repetidamente la extranjería del personaje, pero su procedencia y origen son diferentes. La Medea mítica viene de lejos, de la Cólquide, país ajeno a la civilización griega, y es por tanto una bárbara sin civilizar. Ella misma resalta su extranjería cuando se dirige a las mujeres de Corinto en el famoso parlamento de Eurípides (22): (M.) yo, en cambio, abandonada, apátrida (260). Su condición de no civilizada se la recuerda cruelmente Jasón al recriminarle que no acceda de buen grado a su matrimonio con Creúsa; si ella le hizo algunos favores, fueron mayores los suyos al poder tener acceso a la civilización (533-35). La Medea moderna también viene de fuera y llega a un lugar nuevo, el balneario de Corinto; la extranjería la señala magistralmente el autor al convertirla en una turista, que no conoce ni la lengua ni las costumbres del país (no puede leer las tablillas, ni conoce las antiguas ruinas, ni las rutinas del hotel). Su barbarie se pone de manifiesto al final, cuando ella se va y aparece otra Medea que en palabras del mozo (22): (M.) Tentaremos que sexa unha muller civilizada (Acto II, p. 57). Como señalamos al principio de la exposición, al unir mito y actualidad desdoblando la figura de Medea, también la antigua aparece presentada por el mozo con los mismos rasgos de Eurípides (23): “(23) Houbera unha Medea en Corinto, no tempo dos devanceiros. Disque era unha estranxeira, unha muller perversa.” (Acto I, p. 19). Extranjería y barbarie van unidas en Eurípides y en Lourenzo. La identificación del Otro, del extranjero con la no civilización es una postura que, muchas veces por desconocimiento, ha sobrevivido hasta el día de hoy. Otro aspecto coincidente en los dos autores es la condición femenina; la mujer está sometida al varón, tal como nos dice la protagonista en la obra clásica en el conocido parlamento ante las mujeres de Corinto (231-33). En Últimas faíscas de setembro, el autor expresa parecida idea poniéndola en boca de la Medea antigua en el texto conservado en las tablillas. También aquí la propia Medea pone de relieve la sumisión de la hembra al varón (24): “(24) (M.) A multitude espera na ribeira a sumisión da femia ao amante célebre, a miña entrega como puta de Jasón.” (Acto I, p. 31) A pesar de estas similitudes, lo que llama más la atención es la coincidencia absoluta en los motivos de las tres Medeas que aparecen y que se superponen: la de Eurípides, la antigua de las tablillas del balneario, y la moderna turista que llega a él para pasar unos días de descanso. A las tres les mueve el amor hacia Jasón. 50 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Hay que señalar, sin embargo, un rasgo diferencial importante entre la heroína mítica y esta Medea moderna: mientras en Eurípides es presentada como sabia-maga, en Lourenzo pierde por completo este rasgo y es solo una mujer enamorada que provoca pasiones en todos los hombres que con ella se relacionan; su seña de identidad es ser mujer. En cuanto a Jasón, es al principio en la obra del gallego un hombre infeliz, apartado de su oficio de navegante, falto de amor y que no puede tener hijos con su mujer; Lourenzo lo ha convertido en un gigoló, que se entretiene con las turistas que pasan por el balneario. Solo en Medea va a encontrar la pasión que le falta. A primera vista, pues, poco que ver con Eurípides. Sin embargo, descubrimos algunas semejanzas importantes. El clásico y el moderno son la viva imagen del antihéroe. Nada que ver el personaje de Eurípides con el retratado por Píndaro o, incluso, por Apolonio de Rodas, autores en los que Jasón viene dibujado por ser un héroe arrojado y valiente que lleva a cabo las empresas más arriesgadas. En el trágico, en cambio, se produce un cambio sustantivo que mina decisivamente su heroicidad, al moverse, exclusivamente por interés: repudiando su matrimonio con Medea para casarse con la hija del rey, consigue poder y reino, que es lo único que le interesa. Con cinismo, intenta hacer creer a Medea que lo mueve la preocupación de que sus hijos puedan alcanzar cierta legitimidad dentro de la nueva familia de Corinto y no criarse como apátridas y descendientes de una extranjera; pronto descubrimos el desapego que siente hacia ellos y que sus motivos son exclusivamente egoístas. El poder y los intereses mueven a Jasón y no las nobles causas que expone. En la obra moderna son muy similares las motivaciones por las que actúa el detective Jasón, un hombre que se lanza a los brazos de Medea sin medir las consecuencias y sin sentir verdadero amor. Así se lo hace saber el mozo a la protagonista cuando ella aún tiene esperanzas de que Jasón siga con ella (25): (25) (M.) Abandone o país. Despídase do seu amante e colla o barco. El non a quere, o non lle tería feito o que lle fixo. Xasón é de Creúsa. Está amarrado a ela por impagos e hipotecas que o vencellan ao sogro para sempre. Iso vosté xa o sabía cando se namorou del. (Acto II, p. 44). También es patente lo que mueve a Jasón en el desenlace, cuando muertos ya Creúsa y su padre Creonte, se convierte él en el dueño absoluto del balneario. Al plantearle Medea que se marchen juntos con el hijo que lleva en su vientre, él rehúsa para no perder su estatus como propietario y director. Frente al deseo de Medea es la ambición de poder lo que condiciona sus actos. Es importante notar que, al superponer tiempos y espacios, Lourenzo juega con dos Jasones, el mítico, todavía heroico y de personalidad arrolladora y el nuevo, convertido en un detective que se disfraza de Jasón para representar el mito ante los turistas y que ha perdido ya toda su heroicidad. En las tabillas en las que se cuenta la historia antigua, aparece con nitidez la figura de un Jasón valiente y que sale a reconquistar un trono que le fue injustamente arrebatado (Acto I, p. 31). En el nuevo, realmente el dramaturgo gallego envilece un poco más la figura masculina de la obra que, si bien en Eurípides ya había perdido mucho de sus rasgos heroicos, no había traspasado por completo las fronteras que lo habían de convertir en un pelele, un gigoló en las páginas modernas. Otro personaje que recuerda la tragedia clásica es el mozo, Odiseas, que cumple la función de mensajero, también como portador de las malas noticias – la muerte de 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 51 Creúsa, pero que en ocasiones recuerda al coro clásico, sobre todo en las escenas de las tablillas. En un guiño claro hacia el trasfondo clásico, el nombre remite al espectador hacia el personaje homérico y, como él, acaba sucumbiendo al deseo, no de Circe pero sí de Medea. El rey de Corinto, Creonte, es transformado aquí, en esta nueva tragedia, en un armador, de apellido Angelopoulos, en una clara actualización del oficio e, incluso, del país de referencia, Grecia, en donde transcurre el antiguo mito pero también el nuevo. Siguiendo los pasos de Eurípides, Creonte también muere pero, curiosamente, el autor gallego no dice ni cuándo ni cómo, sino que sin solución de continuidad vemos a Jasón convertido en el dueño y nuevo director del Balneario porque su suegro ya no está. Por último, personaje mudo, como en Eurípides, pero con un peso mayor por cuanto es ella la esposa engañada, está Creúsa, de la cual sabemos algo –que imita a Medea en todo, por ejemplo– por el relato de los demás, ya que ella no sale a escena ni una sola vez. Su muerte se produce al caer en un pozo de las ruinas del antiguo palacio y desnucarse. El autor no explica claramente si fue un accidente, pero deja la puerta más que abierta para señalar a Medea como la culpable por haberla empujado. 6. I NTENCIÓN Y MENSAJE A diferencia de la otra pieza teatral de Lourenzo en la que acomete también una reescritura de Medea y su mito, Medea dos Fuxidos (1984), en la que las referencias políticas y la crítica social a la España del franquismo era el hilo conductor, en Últimas faíscas de Setembro, escrita y estrenada en 1999, no existe a nuestro entender, ningún planteamiento político. La obra aborda problemas personales y psicológicos que afectan al ser humano, en este caso, a las relaciones amorosas y pasionales; o, dicho de otra forma, el planteamiento de la pieza pone en juego el deseo (Medea) frente a la ambición de poder (Jasón). La otra idea que el autor resalta es que la Medea moderna no actúa por venganza. Mata supuestamente a Creúsa para eliminar a su rival, no para vengarse de Jasón; y, mientras en Eurípides lleva a cabo el más atroz de los crímenes matando a sus hijos para desposeer a Jasón incluso de eso, en esta otra obra, el aborto que se provoca viene inducido porque Jasón no quiere a ese hijo –él quería descendencia con Creúsa, no con ella– ni la quiere a ella. Es una pieza en la que está en juego el amor prohibido, la pasión enfermiza que conduce a la desgracia. La Medea de Lourenzo no es vengativa, sino solo una mujer enamorada. 7. C ONCLUSIONES Encontramos en Lourenzo dos planteamientos muy diferentes en las obras analizadas. 1. Por lo que hace a Fedra, el dramaturgo gallego es fiel al mito contado por Séneca, incluso con pasajes y palabras idénticas. No hay, pues, reescritura aunque sí una condensación total del texto senequiano para convertirlo en un libreto de ópera. Por el contrario, la Medea gallega supone una reescritura peculiar del mito. Aunque tiene como texto base la obra de Eurípides, el planteamiento y el desarrollo es 52 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 absolutamente personal de Lourenzo, que convierte a la bárbara Medea, asesina de sus hijos, en una mujer cuya pasión cambiará su vida y la de aquellos que la rodean. 2. En las obras más antiguas –Romería as Covas do demo, Fedra, Medea dos Fuxidos, todas ellas anteriores a 1990– hay un interés político-social; frente a él, en las más recientes se destaca los aspectos psicológicos de las mujeres, insertándolos en un marco más universal. A ello obedece la galleguización del espacio y del tiempo en el primer grupo de piezas, en las que los personajes actúan en un escenario geográfico galaico, mientras que en el segundo grupo el espacio es cualquier ciudad, cualquier paisaje, comunicando esa universalidad en la que los protagonistas del mito se mueven antes y ahora para plantear también temas universales. 3. Del mito el autor entresaca los aspectos que le interesa destacar y que constituyen universales de la conducta humana. Tanto en Fedra como en Medea potencia, en primer lugar, el papel de mujer antes que el de madre y, en segundo lugar, la extranjería, aunque abordada de manera distinta en una y otra obra. En su Fedra, con localización galaica como dijimos, el fenómeno se relaciona directamente con la emigración gallega, mientras que en su Medea la extranjería se plantea en un nivel más universal, aunque el rechazo al Otro, al diferente, vaya siempre emparejado al concepto de extranjero. 4. Se observa la presencia en ambas obras de la cuestión de género. En ambas, aparece el sometimiento de la mujer por el varón y el rechazo femenino a esta situación. También en esto, difieren en el planteamiento la Fedra y la Medea del gallego. Mientras que en el caso de la primera, la sumisión a Teséu puede tener una lectura político- social, en Medea (y en Fedra respecto a Ipólito) es un sometimiento exclusivamente personal, provocado por la pasión amorosa. 5. Obviando cuestiones de detalle, ambas piezas tratan las consecuencias de amores fuera de la norma, hasta tal punto que podríamos afirmar que el núcleo temático es la relación amorosa y no la venganza en Medea; en el caso de Fedra, se trata de la persecución de la pasión ligada a la juventud. No hay, en todo caso, demonización de estos amores por parte del autor. AA ABSTRACT The present work aims to analyze two theatre plays from contemporary Galician author Manuel Lourenzo, Fedra and Últimas faíscas de Setembro. Both of them are focused on the mythical figures of Phaedra and Medea, although from a different perspective. When dealing with Phaedra, Lourenzo makes a highly respectful reinterpretation of the myth and play of Seneca. In the case of Medea, the author updates the myth with thoroughgoing changes. KEYWORDS Lourenzo, Galician theater, Phaedra, Medea, Recycling Myth 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 53 REFERENCIAS CRIADO, C. Teologías y teodiceas épicas. Estacio y la perspectiva ovidiana. Emerita, Madrid, LXXIX, 2, 2011, p. 251-75. ESQUILO, SÓFOCLES, EURÍPIDES. Obras completas, Madrid, Cátedra, 2004. FERNÁNDEZ DELGADO, J. A. La tradición griega en el teatro gallego. EClás, Madrid, 109, 1996, p. 59-89. LOURENZO, M. Romería ás covas do demo. Santiago de Compostela, Pico Sacro, 1975. LOURENZO, M. Fedra, Cadernos da escola dramática galega n. 28, julio, 1982. LOURENZO, M. Últimas faíscas de setembro. A Coruña, Deputación Provincial, 2000. MACÍA, L. M. Fedra e Hipólito, E. Fernández de Mier y F. Piñero. Amores míticos, Madrid, Ediciones Clásicas, 1999, p. 261-80. MAQUIEIRA, H. Fedra e Hipólito en el teatro de Manuel Lourenzo, L. M. Pino y G. Santana. Homenaje a J. A. López Férez, Madrid, Ediciones Clásicas, 2013, p. 511-18. POCIÑA, A. y LÓPEZ, A. El tema de Fedra en el teatro gallego de Manuel Lourenzo, A. Pociña y A. López. Fedras de ayer y hoy: teatro, poesía, narrativa y cine ante un mito clásico, Granada, Universidad de Granada, 2008, 525-44. POCIÑA, A. Otras Medeas. Nuevas aportaciones al estudio literario de Medea, Granada, Universidad de Granada, 2007. POCIÑA, A. Una sorprendente pasión por el tema de Fedra e Hipólito: sus cuatro reescrituras por Manuel Lourenzo. De ayer a hoy: influencias clásicas en la literatura, Coimbra, Universidade de Coimbra, 407-18, en prensa. RAGUÉ, Mª J. Raíces e memoria do mito no teatro de Manuel Lourenzo, R. Pascual. Palabra e acción. A obra de Manuel Lourenzo no sistema teatral galego, Tris-Tram, Lugo, 2006, p. 93-103. RODRÍGUEZ, P. ‘Evocación e invocación’. Conversa con Manuel Lourenzo, R. Pascual. Palabra e acción. A obra de Manuel Lourenzo no sistema teatral galego, Tris-Tram, Lugo, 2006, p. 197-214. SÉNECA. Tragedias II, Madrid, Gredos, 2006. TATO FONTAÍÑA, L. No labirinto de Manuel Lourenzo, R. Pascual. Palabra e acción. A obra de Manuel Lourenzo no sistema teatral galego, Tris-Tram, Lugo, 2006, p. 17-26. VIEITES, M. F. Crónica do teatro galego 1992-2002. Vigo, Servicio de Publicacións da Universidade de Vigo, 2003. Recebido em 6 de fevereiro de 2014 Aprovado em 4 de maio de 2014 54 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ELECTRA GARRÍGÓ El estéril (y ridículo) decoro de los Atridas ELECTRA GARRÍGÓ: THE BARREN (AND RIDICULOUS) DIGNITY OF ATREUS Alina Gutiérrez Grova* Universidad de La Habana RESUMEN En Electra Garrigó (1941), drama de Virgilio Piñera, la “sistemática ruptura de la seriedad entre comillas” en que el artista resumió su poética teatral se construye mediante la incongruencia entre un contenido que ha perdido su calidad trágica y un lenguaje que continúa expresándose con la gravedad y la elevación propias del género. Con este procedimiento se logra una inversión del canon, orientada a impedir la síntesis que demanda la tragedia, que la recepción interpreta como grotesque. PALABRAS CLAVE Electra Garrigó, Virgilio Piñera, contenido, lenguaje, grotesque En “El país del arte”, ensayo publicado por la revista Orígenes en 1947,1 Virgilio Piñera proponía una asimilación creadora de la tradición artística: El arte se parece a las piedras preciosas. Creemos que tiene un valor en sí, que es moneda corriente y cheque al portador (…) y lo encerramos en una vitrina o en una caja fuerte. He ahí lo terrible, nuestro mortal error: hemos encerrado el arte dentro de nosotros mismos. Nadie lo considera por un instante como la piedra que en la selva pierde su condición de preciosa y se queda solamente en piedra; piedra que, no obstante, es preciso conservar como peso muerto, pero que podrá ser valiosa en cualquier momento, sin que sepamos cuándo ni dónde, sin que nos propongamos tal valor ni por él nos sacrifiquemos. Una piedra que, no tiranizándonos en nada, podremos hasta trocar por un puñado de arroz. Con esa convicción había escrito en 1941 Electra Garrigó, drama en tres actos que al estrenarse en 1948 fue objeto de injustificado escándalo, pues anunciaba honestamente en su mismo inicio que debía ser interpretado como una “guantanamera” cuya altura trágica era artificio retórico. A pesar de tantas advertencias, una crítica mal informada *[email protected] 1 En Piñera, V. Órbita de Virgilio Piñera, p. 200. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 55 e intransigente lo acogió con repugnancia, acuñando la frase, desdichada en más de un sentido, que inició la historia de su recepción.2 Pero el joven dramaturgo no había hecho más que usar una franquicia aprendida de la tradición teatral griega, en la que ni siquiera Eurípides, tan asendereado por Aristófanes a causa de sus transgresiones técnicas, temáticas y discursivas, había sido el primero ni el único trágico en reelaborar su material, cosa usual también en el drama satírico y frecuente en la comedia. El legado del teatro antiguo había quedado a disposición de la posteridad, que había intervenido en él muchas veces, y, en 1948, la pretensión de que Electra Garrigó tipificara el género puro, sostenida por una “cultura oficial” anclada en un clasicismo extemporáneo, validaba, por absurda y ridícula, la estética del dramaturgo, que había previsto esa reacción en la voz de unos de sus personajes: “Si alguna de las mujeres sabias te dijera que ella es fecunda autora de tragedias, no oses contradecirla; si un hombre te afirma que es consumado crítico, secúndalo en su mentira… (III: 26-27).3 Con el tiempo, una crítica responsable ha hecho justicia a esta pieza y a toda la dramaturgia de Piñera, observando que la fórmula de “sistemática ruptura de la seriedad entre comillas” en que el artista resumió su poética teatral4 no empaña la esencia trágica de sus conflictos, sino que la realza por los procedimientos que también él apuntó: el humor, el absurdo y lo grotesco. 5 En Electra Garrigó la “ruptura de la seriedad” se construye en tres etapas. En la primera, mediante una banalización 6 del plano del contenido, ahora convertido en relación de oscuros crímenes domésticos en ámbito vernáculo cubano, cuyos protagonistas se han transformado, de avristoi que eran, en “burgueses bien alimentados”. Al rebajarse tanto la dignidad de la fábula como la de los personajes, este plano –que integra las fases de inventio y dispositio–, pierde la cualidad de prev p on (aptum, decorum) que prescribe Aristóteles para el género. 7 Aquí comienza el debate sobre Electra Garrigó, cuya filiación genérica aún hay quien se empeña en discutir. 2 “Esto es un escupitajo al Olimpo”. Para un estudio de Electra Garrigó, véase “Clitemnestra prefiere la frutabomba”. En Miranda, Elina. Calzar el coturno americano. Mito, tragedia griega y teatro cubano, p. 53-68. 3 PIÑERA, V. “Electra Garrigó”. En Virgilio Piñera. Teatro completo, p. 1-38. Todas las citas de la obra se harán por esta edición, y consignarán el acto al que corresponden y la página en que aparecen. 4 PIÑERA, V. 1960. “Piñera teatral”. En Teatro completo, p. 23. 5 Cf. LEAL, R. “Piñera todo teatral”. En Piñera, V. Teatro completo, p. XIII. Elina Miranda (ob. cit.) llama la atención sobre la estirpe sofoclea de esa visión trágica y analiza la dramaturgia de Electra Garrigó. 6 Empleo el término porque al parecer era el preferido por el artista, que en carta a José Lezama Lima, fechada en Buenos Aires el 28 de agosto de 1946, escribió: “Yo continúo mi novela El Banalizador, de la que te mandaré un capítulo para Orígenes”. (Órbita de Virgilio Piñera, p. 266). La denominación fue al parecer provisional, porque en la bibliografía de Piñera no aparece tal título. 7 Aristóteles. El arte poética, III. 1, p. 39. Sobre la noción de decorum, tomada de Cicerón y Quintiliano, cf. LAUSBERG, H. Manual de retórica literaria, T II, p. 374-391. 56 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 En la segunda etapa se preserva el plano de la expresión8 –que corresponde a la fase de elocutio e incluye la de actio para la representación escénica– haciéndolo conservar la gravitas del lenguaje trágico, salvo raros momentos especialmente significativos. Fórmulas como la del Egisto “estrangulador de gallos” (III: 27), que lo agravia por referencia a los virtuosos “domadores de caballos” homéricos –Héctor, Néstor, Diomedes Tidida– y los “bovinos ojos” de Electra (III: 34), así como la frecuente reelaboración de citas, dan cuenta de esa intención: CLITEMNESTRA. Esa Electra nos dejará bien pronto; irá con su locura a los desolados promontorios de alguna olvidada costa, y allí se estrellará contra las rocas. (II: 23) ODISEO. Poseidón, que sacude la tierra, rompió mi nave llevándosela a un promontorio y estrellándola contra las rocas, en los confines de vuestra tierra; el viento que soplaba del ponto se la llevó y pude librarme, junto con estos, de una muerte terrible. (Odisea, IX: v. 283-286)9 El resultado es una flagrante incongruencia entre un contenido que ha perdido su idoneidad y la elocutio decorosa en que se sigue expresando. El procedimiento en Electra Garrigó consiste, pues, en una inversión del canon, orientada a impedir la síntesis entre res y verba que demanda el género. 10 Así el producto adquiere, por voluntad autoral, cualidades de parodia irreverente, y la recepción lo interpreta como grotesque. Pero contenido y expresión no son compartimientos estancos, y menos en la dramaturgia, que se completa solo cuando el texto se convierte en espectáculo con la participación de componentes propios del medio escénico que prestan servicio por igual a ambos planos. Las indicaciones didascálicas de Electra… sobre estos componentes no textuales se orientan también a la observación de la incongruencia. Por ejemplo, la calidad del vestuario –descrito en las didascalias– toma parte en la metateatralidad de la obra al incorporarse al habla de los personajes en parlamentos que lo distinguen o explican. Así Egisto, ataviado con el traje de inmaculada blancura del gusto de los “chulos cubanos”, no quiere perecer aplastado bajo el oscuro “material Electra”, porque, dice a Clitemnestra Pla: “Sabes que me encanta la ropa blanca” (III: 35), mientras el Pedagogo llama repetidamente la atención sobre sus atributos: “No soy augur, Clitemnestra Pla. (Mostrando la cola). Esta cola dice muy por lo claro que soy un centauro. Mi oficio es enseñar, no profetizar.” (III: 28). Cuando Clitemnestra complementa su ropaje de viuda, en el acto tercero, con un escandaloso hibisco, lo explica por su deseo de “Que este palacio se llene de felicidad, y de flores rojas, como esta que mi pecho exalta. (III: 27). El tratamiento del tópico del parenticidio ilustra acabadamente la incongruencia entre contenido y expresión. La muerte de Agamenón, amparada en la metáfora del 8 La segregación del fenómeno lingüístico en dos planos se debe a la glosemática, que reconoce al texto como unidad lingüística básica, en la que contenido y expresión son interdependientes. Pero esas distinciones no se emplean aquí en ese sentido, sino solo con un valor metodológico, y se asimilan a la perspectiva procesual de la retórica, más que a la perspectiva relacional de la lingüística estructural. Y aunque sean útiles para llegar al análisis de la elocutio, no olvidan que el texto en estudio es poético y espectacular, lo que significa que su dimensión verdadera es la pragmática. 9 HOMERO. Odisea, p. 171. 10 Cf. LAUSBERG, Heinrich. Ob. cit., T. I, p. 99 ss. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 57 gallo, que podría ser eufemística si el animal no se describiera “viejo, paticojo, encorvado, picado de viruelas, renegrido, ronco y maloliente” (II: 22), ocurre fuera de escena, como es normativo, en el acto segundo. Pero en el tercero, Orestes y el Pedagogo, que al parecer la presenciaron, comentan con abundancia, como obra consumada del arte, el infame procedimiento con que se llevó a cabo, indigno de la calidad de la víctima, pero beneficiado con una noble procedencia y decorado con ampulosos calificativos: ORESTES: Te confieso, Pedagogo, que me sentí fascinado cuando Egisto partió tan delicadamente el cuello del ave. PEDAGOGO: ¡Y qué decir del elegante movimiento del pañuelo sobre la cabeza del animal! (III: 25) En el episodio de la muerte de Clitemnestra, que ocurre inadecuadamente en escena, la situación trágica queda menguada por la trivialidad de la víctima, que prefiere tomar a broma las sibilinas palabras de su matador y ofrece el desusado espectáculo de comer ante el público: ORESTES: ¿Sabes que soy el encargado de hacerte partir? CLITEMNESTRA: ¿Tú? ORESTES: Sí, pero disponemos de bastante tiempo aún. CLITEMNESTRA(Horrorizada): ¿Tú, pero tú mismo? ORESTES: Sí, yo mismo. Comerás tu fruta favorita. (Señala la frutabomba). Confieso que en esto el Tribunal ha estado muy acertado, y partirás hacia lo desconocido. CLITEMNESTRA (Riendo): ¡Ah, gracias, hijo mío, gracias por alegrar a tu afligida madre con humoradas tan deliciosas! (III: 36) Mientras paladea la tajada de fruta, Clitemnestra la describe y evalúa con palabras sublimes que son equívocas, por la escatológica connotación de la comida y por su vulgar origen, al tiempo que dirige sus temores, equivocadamente, contra Electra, para caer muerta al cabo de manera impropia e indigna, por el vulgar veneno que su incontinencia le hizo ingerir: CLITEMNESTRA: (Coge la frutabomba y la observa). Es de pureza tan absoluta, que nada malo puede haber en su delicada pulpa. (Empieza a comerla). ¡Soberbia! (Llorosa). Estoy muy quejosa de Electra. (Pausa). Es de un sabor exquisito… Gracias, Orestes, por este obsequio supremo. (Pausa, llorosa). Electra, sabes, es la causa de todos los males de este hogar… (Ríe). ¿Y dices que pesa diez libras? (Pausa, de nuevo llorosa). Escucha, no te lo quería decir, pero me han amenazado de muerte. (Pausa). ¡Magnífica fruta, Orestes! (III: 36) Por contraste con las muchas transgresiones en el plano del contenido, se acumulan en estas escenas la formulación enigmática y sentenciosa, la relación irónica entre significado y sentido, la écfrasis casi bombástica, el paralelismo de los tópicos; rasgos de preferencia del lenguaje trágico que invitan al receptor a realizar por sí la tercera y última etapa de la “ruptura de la seriedad entre comillas” en una reflexión que advierta las segundas intenciones, la polisemia y la inconsistencia semánticas, la relación entre lo aparente y lo real, la imposible coherencia entre lo dicho y lo hecho. Esta última etapa, que escapa al control del autor, es de dimensión más amplia que la semántica, donde, por ejemplo, se revela la ironía trágica. Cuando el receptor alcanza, en dimensión pragmática, la lectura de la incompatibilidad entre contenido y expresión, puede 58 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 comprender que la síntesis en Electra Garrigó reside en el desatinado paralelismo entre fábula y lenguaje que convierte todo lo que se dice en su contrario, delatando la falsedad de las relaciones familiares y sociales. El lenguaje trágico no se ha preservado como concesión a la tradición del género, sino, muy por el contrario, para negar su eficacia en este nuevo contexto del mito. Así los procedimientos formularios de impecable factura resultan desmentidos, sea por la situación dramática, por el comportamiento del personaje al que se refieren, por la modificación del contexto o por la calidad semántica de sus términos. Es el caso de las deprecaciones que dirigen madre e hija al plano divino en sus monólogos: ELECTRA (Saliendo lentamente por las columnas…): ¿Dónde estáis, vosotros, los no-dioses? ¿Dónde estáis, repito, redondas negaciones de toda divinidad, de toda mitología, de toda reverencia muerta para siempre? Quiero ver, siquiera sea a uno de entre ustedes. Pido la aparición de un no-dios que caiga en medio de este páramo. (…) (II: 16) CLITEMNESTRA: ¡Aquí hace falta una limpieza de sangre! Es preciso que este gallo viejo muera hoy mismo (…) ¡Fuerzas, venid! Una pobre mujer pide solamente que aparten de sus hermosos ojos ese horror que es un gallo viejo. (Con voz atronadora). ¡El gallo joven, el gallo macho: que venga en socorro de una hermosa mujer! (II: 22) Igualmente, el del tópico de la areté heroica: AGAMENÓN: Sé que duermes con Clitemnestra, mi mujer, hija de Tíndaro y de Leda, esposa de Agamenón, madre de Electra y Orestes, de Ifigenia y Crisotemia. (…) AGAMENÓN: Eres de reducido humorismo, Clitemnestra Pla. ¿Es que nunca podrás contemplarme en el papel de Agamenón, rey de Micenas y Argos, de la familia de los Atridas, hermano de Menelao, sacrificador de Ifigenia, jefe de los aqueos?: (II: 19) También el del epíteto caracterizador: EGISTO: ¡Anda, ve, Agamenón de Cuba! (II: 19) CLITEMNESTRA: Tal cosa te iba a preguntar, caballeroso Egisto, fiel amigo de todos los maridos, leal compañero de todas las casadas: ¿sostenemos ilícitas relaciones? (II: 20) La subversión más completa del significado y la función del epíteto ocurre en los que Clitemnestra se autoendosa: “CLITEMNESTRA: Soy Clitemnestra Pla, la siempre casta.” (II: 19) El tópico onomástico es también productivo en Electra… Por una parte, va convirtiendo el nombre de la protagonista en símbolo del fluido oscuro que inficionará todo en el palacio, desde que se le revele en su monólogo del acto segundo hasta que lo comprendan todos y termine por acompañar, como cualidad esencial similar al epíteto, a todas las entidades y objetos del mundo representado: ELECTRA: ¡Oh, por fin sé que me llamo Electra! Soy la que conoce la cantidad exacta de los nombres. (II: 17) CLITEMNESTRA: Después que ella ha mirado cualquier objeto de este palacio, ya no puedo mirarlo. Lo que me mira es Electra; lo que miro es Electra; lo que se siente mirado por mí, se hace Electra. ¡Yo misma acabaré por volverme Electra! (III: 33) 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 59 ELECTRA: No os alegréis, inexistentes Erinnias, no sois vosotras ese rumor que yo solo percibo. El rumor Electra, el ruido Electra, el trueno Electra, el trueno Electra… (Sale por la puerta y la cierra pesadamente.) (III: 38) Por otra parte, la onomástica reposiciona socialmente a los nobles Atridas, con sonoros y burgueses patronímicos catalanes; y al ilustre Egisto, del linaje de Tiestes, 11 lo convierte en un advenedizo que suple su carencia de genealogía con el tratamiento honorable que le ha ganado su aproximación de alcoba a la familia. La nueva prosapia se reitera de manera formularia, tanto en el intercambio como en la referenciación, marcando distancias, recordando permanentemente a los antiguos héroes –y también al receptor– en quiénes se han convertido: AGAMENÓN: Quiero tu felicidad, Electra Garrigó. ELECTRA: No, Agamenón Garrigó. Quieres tu seguridad. (I: 6) ELECTRA (Dando la vuelta a Clitemnestra): No veo el pecado, Clitemnestra Pla. Te gusta Egisto Don, te acuestas con Egisto Don. Es muy sencillo. (II: 20) Así carnavalizados en su identidad, lo adecuado sería que los personajes hicieran su lenguaje más mediocre, según su nueva condición; pero la conciencia de su teatralidad no lo permite. Solo en el comportamiento verbal de Egisto, catapultado desde la marginalidad hasta los brazos de Clitemnestra, se hacen visibles los esfuerzos por alcanzar una adecuada calidad de lenguaje, traicionados en las ocasiones en que afloran en su discurso vocablos y frases populacheros: ELECTRA: Pero, Agamenón, ¿está borracho? EGISTO: Se ha tomado dos cajas de cerveza. Sabes que él es de generosa garganta. EGISTO: ¡Anda, ve, Agamenón de Cuba! ¡Anda: ve y échate otra caja de cerveza! (II: 18-19) Las construcciones tropológicas, celebradas por Aristóteles como muy convenientes a la elocución trágica, conforman un subsistema que toma parte en la estructuración dramática, desde la aparición del Pedagogo –que encarna el símil de Sófocles sobre el ayo de Orestes y la tradición pedagógica de su especie–12 hasta el mundo alternativo del gallinero.13 Sus referentes suelen ser animalísticos, y se asocian a los tópicos: PEDAGOGO: El mal no está en las langostas de paso. Y toda ciudad tiene siempre un monstruo perpetuo. (I: 5) PEDAGOGO: Esta noble ciudad tiene dos piojos enormes en su cabeza: el matriarcado de sus mujeres y el machismo de sus hombres. (III: 26) 11 Cf. Odisea, ed. cit. I: v. 25-31 (p. 4); IV: v. 492-538 (p. 77-78). Cf. MIRANDA, ob. cit: 60. 13 Cf. MIRANDA, ob. cit, sobre el sentido lúdico y ritual de la imagen de la familia como un corral de gallinas, que puede extenderse a otras imágenes animalísticas: las fieras que amenazan a Orestes, sean leones o mosquitos; el toro, que aporta a Agamenón tanto su fuerza como sus escatológicos cuernos; el caballo, símbolo de las ansias de liberación de Electra y Orestes. 12 60 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Metáforas, alegorías, parábolas e imágenes de toda clase se presentan en proceso, desplegando las fases de una composición en la que participan varias voces. Pero una vez completadas pueden ser devaluadas, o aun deconstruidas, si ponen en riesgo una postura dramática: CLITEMNESTRA (Saliendo de las columnas. Ensimismada): Ya es un gallo sagrado lo que encierra la cámara nupcial. Ya no es un innoble gallo viejo. La muerte lo ha ennoblecido. ELECTRA: ¡Ah, no, Clitemnestra, en modo alguno! ¡Es tan solo un gallo muerto, y hay que hacerlo desaparecer! CLITEMNESTRA: Entonces (…) ¿por qué no dispones exequias reales? ELECTRA. No quiero perder mi tiempo en vanos homenajes. Agamenón Garrigó está bien muerto, ¿no es así? Entonces, ¿por qué engañar a la ciudad con demostraciones hipócritas? (II: 23) También se introducen en el mundo otros tipos textuales en estilización paródica: la quaestio forense, la crónica roja, la exposición académica y la décima espinela: ORESTES: Electra no vendrá. El problema es este: Electra no vendrá. (Pausa). Pero analicemos: primero las partes. Electra no vendrá, yo no partiré, el Pretendiente ha muerto, Agamenón ha muerto, Clitemnestra teme morir. (Pausa). Ahora el todo (…) Es el todo lo que se me escapa… (III: 30) AGAMENÓN: (Haciendo la voz del primer mensajero). ¡Se ha recibido por radio la noticia del asesinato de la bella Electra Garrigó a manos del Pretendiente! (I: 13) EGISTO: (…) hace años, vientos adversos empujaron mis naves hacia Calcuta. Un mes me bastó para aprender a estrangular elegantemente con los diez dedos de la mano. PEDAGOGO: Así es: se procede según escala ascendente. Dos dedos para aves de corral, por ejemplo, gallos: cinco dedos para un conejo o un majá; finalmente, diez dedos para un ser humano. (III: 28) La calidad de la espinela se va empobreciendo progresivamente en las ocho intervenciones del coro, que reflexiona sobre el destino de la casa de Agamenón con la tonada y el estilo del popular programa radial La Guantanamera. La estrofa llegará a ser de once, ocho o hasta seis versos; el metro se resolverá con procedimientos como el del acento final y la sinéresis; la rima, con versos formularios 14 y facilismos léxicos. La consecuencia de estos aparentes esfuerzos en la versificación será el sacrificio de la sintaxis y la cursilería del significado: CORO: En la ciudad de La Habana, / la perla más refulgente / de Cuba patria fulgente / la desgracia se cebó / en Electra Garrigó / mujer hermosa y bravía / que en su casa día a día/ con un problema profundo / tan grande como este mundo / la suerte le deparó. (I: 3-4) Así maltratada, la espinela instala el ridículo en Electra… desde que se abre el telón, estableciendo un espacio crítico que transita desde el ámbito escénico hacia la sociedad a la que se destinó la obra, al poner en solfa a La Guantanamera que le sirve de 14 “Oye, Clitemnestra infiel”; II: 23; 24; “No preguntes, Clitemnestra”, III: 29 bis. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 61 marco justamente en momentos en que alcanzaba marcas de récord en la preferencia de sus radioyentes.15 La inadecuación de ese lenguaje de artificio a un mito que aparentemente ha perdido su trascendencia se complementa conuna reflexión metadiscursiva sistemática, que ocurre en todas las voces y se orienta, en una primera instancia, a la modelación de los caracteres y de las relaciones que establecen entre sí. El menoscabo del paterfamiliae se expresa en tímidas observaciones sobre la rebeldía verbal de su hija, que no se aventuran más allá de la reconvención: “Tú blasfemas, Electra Garrigó (Pausa). Está bien, pero me debes obediencia.” Mientras, al ethos tiránico de Clitemnestra Pla, que quiere ser inmortal (III: 29), corresponde una reflexión metadiscursiva intransigente y coercitiva que controla el discurso de los otros, vetándolo (“¡Calla, pájaro agorero, calla!”; I: 9) o negándole credibilidad: “CLITEMNESTRA: Todo el mundo me dice que partiré, y yo no he dispuesto tal viaje.” (III: 35) Paradójicamente, en la confianza que concede únicamente a las palabras de su hijo favorito, la voz de Clitemnestra va construyendo su ironía trágica: CLITEMNESTRA (Abrazando a Orestes): ¡Ah, hijo mío, Orestes, pasión de mi vida! Una madre atribulada te agradece tal declaración. (Pausa. A todos). ¿Lo habéis oído? Mi amado Orestes asegura que no moriré estrangulada. (III: 29) En una segunda instancia de mayor alcance, la reflexión sobre el discurso ajeno se orienta a denunciar su carácter de impostación estética: CLITEMNESTRA: Vamos… El Pretendiente es solo un recurso retórico de que te vales, Agamenón Garrigó. (I: 9) EGISTO: (Irónico). Parece que la cerveza le otorga el tono épico. (II: 19) Electra, ambivalente, desautoriza esa impostación en sus interlocutores: AGAMENÓN: ¿Y la familia? Si esta ciudad ha resistido durante milenios a los enemigos, ha sido a causa de la unión entre las familias: las familias formando una inmensa familia. ELECTRA: ¡Pura retórica! Además, llamas familia a tu propia persona multiplicada (…) (I: 6) Pero la reconoce y asume en su propio discurso desde que aparece en escena, en señal del inmovilismo de su ethos “apático”: ELECTRA: Ya dije que mi destino es quedarme aquí. Creo que no hay necesidad de la socorrida metáfora del capitán que se hunde con su barco… Y yo me hundiré con esta casa. Me quedo, y eso debe bastar. (II: 18) Además de contribuir a modelar los caracteres y a zarandear las máscaras, la reflexión metadiscursiva desborda el mundo representado en una última instancia, que revela que la impostación retórica es –más que vicio de familia o recurso del drama– impostura ética de alcance global, que regula las relaciones sociales como una 15 Según encuestas de opinión de los patrocinadores del programa radial. Cf González, Reynaldo. Llorar es un placer, p. 141-144. 62 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Guantanamera. Las voces capaces de comprender esa trascendencia son la de Orestes –situada en la periferia del drama de su familia– y la del Pedagogo, que no participa en él: “Divina Clitemnestra: yo, como siempre, me lavo las manos…” (III: 29). Todas las observaciones del centauro, aunque se originen en la sofistería del discurso de puertas adentro, desembocan en una generalización que su discípulo va aprendiendo con provecho, como conviene a su ethos desprovisto de vocación trágica: PEDAGOGO: No, no hay salida posible. ORESTES: Queda el sofisma… PEDAGOGO: Es cierto. En ciudad tan envanecida como ésta, de hazañas que nunca se realizaron, de monumentos que jamás se erigieron, de virtudes que nadie practica, el sofisma es el arma por excelencia. (…) Se trata, no lo olvides, de una ciudad en la que todo el mundo quiere ser engañado. (III: 26-27) Por el contrario, los esfuerzos que el maestro ha dedicado a la educación de Electra han sido baldíos, dada la postura existencial que sus mismas enseñanzas promovieron en esta discípula: PEDAGOGO: ¿Declamas…? ELECTRA (Sin moverse): Declamo. PEDAGOGO: Sigues la tradición, y eso no me gusta. ¿No te he dicho que hay que hacer la revolución? (Pausa). ¿Por qué no clamas? ELECTRA: Ya clamaré. (I: 4-5) El plano de la expresión en Electra Garrigó queda conformado, en resumen, por el comportamiento verbal y la reflexión metadiscursiva de los personajes, con apoyo de la técnica teatral y de buen número de indicaciones didascálicas sobre el modo en que se verbalizan acciones y relaciones. Pero su bruñida construcción es invalidada sistemáticamente, no porque quebrante las normas del lenguaje trágico, sino por la calidad de la información que le aportan la fábula, la situación dramática y los caracteres, sí disminuidos respecto a sus referencias. Esta inadecuación es el fundamento del “giro cotidiano inesperado”16 que la crítica considera característico de toda la dramaturgia de Virgilio Piñera, por el cual el diálogo se hace “en apariencia intrascendente”.17 En Electra Garrigó, justamente por preservar el empaque de la elocución trágica, el giro convierte en choteo lo que en sentido recto sería patético:18 ORESTES (Se abre la camisa): ¿Verdad que hace un calor sofocante? CLITEMNESTRA: Sí, amado Orestes, hace, en efecto, un calor sofocante. ¿Te pido una limonada? ORESTES: No la deseo ahora mismo. (Pausa). Dime, en cambio: ¿no soportarías verdaderamente mi ausencia? 16 Cf. MIRANDA, ob. cit: 60. LEAL, R. Ob. cit: XVIII. 18 Son excepciones que sí afectan la norma de lenguaje solamente los “giros” en el habla de Egisto, por las razones arriba apuntadas (ut supra, p. 10 ) y la jerigonza infantil con que Agamenón tienta al azar: “!Tin marín de dos pingúé; cúcara mácara títere fue!” (I: 13). 17 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 63 CLITEMNESTRA: Moriría de pesar, amado Orestes. (Pausa). ¡Mira, a tal punto llega mi exaltación, con tanta fuerza padezco, que busco desesperada por todos los cines de barrio esas películas que cuentan la muerte de una madre por la partida de su hijo! (I: 10) Para la preceptiva, “Cuando la conveniencia (aptum) entre res y verba (…) o entre el género literario y los verba queda de tal manera desajustada que los verba les vienen demasiado anchos a las res expresadas o al correspondiente género literario (…)”19 el producto incurre en el vicio de frigidez. Que haya vuelto de cabeza los preceptos obliga a estar de acuerdo con Piñera en que Electra Garrigó “no es aburrida”,20 entre otras razones, por llamar la atención sobre esa frigidez en una modelación estilística ya inoperante por la pérdida de sus presupuestos éticos; perfectamente estéril, pues solo propicia la in-comunicación de unos anti-héroes que se amparan bajo la in-divinidad en un ámbito desacralizado, a la vez trágico y cómico, ridículo para el observador que tiene en mente su antigua prestancia. La irreverencia de Electra Garrigó se dirige contra el inmovilismo y la complacencia de sus contemporáneos, pero nunca contra la tradición que le dio sostén sin tiranizarla. Mucho de la “estética de la negación” 21 que se inicia en esta obra está en su condición de ejercicio de estilo, pero ejercicio de réplica que dota de nueva perspectiva a una tradición discursiva de dos mil años de prestigio, a partir de la subversión de sus propias normas. Ejercicio autodestructor, que demuestra el dominio del oficio de un dramaturgo debutante que eligió con “terrible honestidad suicida”, al decir de María Zambrano,22 un camino muy difícil para el arte: el de negar a su criatura, exponiéndola al escarnio, para proponer una poética acordada a las necesidades éticas de su tiempo, lo cual fue ni más ni menos que hacer, en la dramaturgia cubana, la revolución que el Pedagogo promovía. Años después del escándalo de Electra…, el joven narrador de El caso Baldomero advirtió el significado de esas elecciones autolesivas al decirse: “¿qué mejor victoria que erigir la impostura en verdad revelada?”23 AA ABSTRACT In Electra Garrigó (1941), Virgilio Piñera’s dramatic play, the “apparently systematic seriousness disruption”, in which the writer summarized his theatrical ars poetica, is depicted through the incongruence of a low-quality tragic plot and an everincreasing accented tragic language. With this device, an inverted canon is achieved thus preventing the synthesis demanded by the tragedy as genre, that the audience decodes as grotesque. KEYWORDS Electra Garrigó, Virgilio Piñera, content, language, grotesque 19 LAUSBERG, H. Ob. cit. II: 390. En palabras de V. Piñera. Citado por MIRANDA, ob. cit: 56. 21 Una estética de “negar para afirmar”, según R. Leal. Ob. cit.: IX-X. 22 Cf. Idem: VIII. 23 PIÑERA, V. El caso Baldomero. Muecas para escribientes, 1965, p. 152. 20 64 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 REFERENCIAS ARISTÓTELES. El arte poética. Madrid, Editorial Espasa Calpe S. A., 1970. GONZÁLEZ, Reynaldo. Llorar es un placer. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 2002. HOMERO. Odisea, traducción de Luis Segalá y Estalella. La Habana, Ed. Arte y Literatura, 1975. LAUSBERG, Heinrich. Manual de retórica literaria. Madrid, Ed. Gredos, 1966. MIRANDA, Elina. Calzar el coturno americano. Mito, tragedia griega y teatro cubano. La Habana, Ed. Alarcos, 2006. PIÑERA, Virgilio. Teatro completo. La Habana, Ediciones R., 1960. PIÑERA, Virgilio. El caso Baldomero. Muecas para escribientes. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 1987. PIÑERA, Virgilio. Virgilio Piñera. Teatro completo; compilación, ordenamiento y prólogo de Rine Leal. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 2002. PIÑERA, Virgilio. Órbita de Virgilio Piñera, selección y prólogo de David Leyva. La Habana, Ediciones Unión, 2011. Recebido em 24 de fevereiro de 2014 Aprovado em 8 de março de 2014 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 65 MEDEA EN LAS ANTILLAS HISPÁNICAS MEDEA IN HISPANIC ANTILLES Elina Miranda Cancela* Universidad de La Habana RESUMEN La figura de Medea adquirió nuevas resonancias en el siglo XX en relación con el descubrimiento del “otro”. Aunque en tierras latinoamericanas se escriben algunas versiones desde mediados de siglo, en las llamadas Antillas Mayores, aparece por primera vez en la producción dramatúrgica, en Cuba en 1960, pero ya no como extranjera o trasladada geográficamente, sino socialmente marginada, como mujer, mulata y pobre. A partir de los sesenta Medea ha sido retomada en versiones relativamente numerosas de distintos dramaturgos del ámbito insular hispánico. Develar las especificidades que asume en este contexto, así como los puntos de contacto y diferencia que distinguen la apropiación del mito en las distintas versiones, el diálogo y la transgresión, es nuestro propósito. PALABRAS CLAVE Medea, Antillas hispánicas, versiones, transgresión A diferencia de Antígona, Medea, marcada por su abominable crimen y, sobre todo, por las sombrías tintas con las cuales la perfilara Séneca –fuente fundamental en su trasmisión a la modernidad–, no incentivó tantas versiones en la modernidad hasta que, a partir de los años treinta del pasado siglo XX, pero sobre todo en su segunda mitad, la ampliación de las fronteras geográficas y sociales, asociada con conquistas científicas hasta entonces inimaginables y un gran auge tecnológico, sustentara la toma de conciencia sobre la existencia del “otro”, no tomado en cuenta en épocas anteriores, como ya se transparentaba en la tragedia de Eurípides, cuando Jasón argumenta que Medea debería estarle agradecida puesto que le había dado un puesto en “su” mundo, culto y civilizado,1 en oposición al que quedaba fuera de sus lindes. *[email protected] 1 “Es innegable, no obstante, que, por mi salvación, has recibido más de lo que has entregado. Me explicaré: en primer lugar, habitas tierra griega y no extranjera, y conoces la justicia y sabes utilizar las leyes sin dar gusto a la fuerza. Todos los griegos saben que eres sabia y te has ganado buena fama; en cambio, si vivieses en los confines de la tierra, no se hablaría de ti.” Trad. de Alberto Medina González (EURÍPIDES. Tragedias, p. 92). 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 67 Mujer, extranjera y, para colmo, sabia –hechicera o bruja, según usualmente se denominaba a aquellas con especiales conocimientos, sobre todo de las propiedades de ciertas plantas- representa ya en el mito al otro, sometido y tenido por inferior dentro de los cánones culturales vigentes en la sociedad griega, pero que, sin embargo– o precisamente por ello- no dejaba de considerarse como un peligro latente. Eurípides, al tomar la figura de la princesa de la Cólquida, para indagar sobre el peso de las pasiones, contrapuestas a la razón, en la conducta humana; mas, sobre todo, adónde podía llegar un ser acosado por las contradicciones existentes en su medio, indudablemente jugaba conscientemente con la dualidad siempre presente en esta figura mítica: diosa o humana, sabia o bruja, enamorada doncella o traidora asesina, poderosa señora o humillada mujer, griega o bárbara. Trasladada a Turquía o al África, situada en medio del conflicto entre irlandeses e ingleses, convertida en metáfora de la tierra expoliada o medio para abogar contra la represión sexual y aun para reclamar una transformación, un “desmedee” radical, 2 la figura de la princesa de la Cólquida se proyecta en el teatro de las últimas décadas de la pasada centuria de modo tal que no hubiera podido preverse en los años treinta cuando Henri Lenormand y Maxwell Anderson deciden sacar a la heroína de su contexto habitual y ubicarla en un reino de Indochina o en las islas del Mar de Célebes.3 Sin embargo, poco tenían en cuenta los investigadores a las Medeas latinoamericanas, como, en general, al papel del mito clásico en este teatro, afectado ya de por sí por su marginación en historias y textos críticos,4 aunque desde la década de los cincuenta encontramos títulos como: La selva, de Juan Ríos (Perú, 1950); Malintzin (Medea americana), de Jesús Sotelo Inclán (México, 1957); Além do Rio (Medea), de Agostinho Olavo (Brasil, 1961), los cuales nos hablan del mito como referente del encuentro, no siempre apacible, de etnias y culturas ocurrido en estas tierras, para indagar en el “comprometimiento” como se propusiera Alejo Carpentier, ya a comienzos de la segunda mitad del siglo, en su única pieza teatral, La aprendiz de bruja, 5 con Malintzin –Malinche o Doña Marina– como protagonista. Mas, es en la primera versión del mito estrenada en las Antillas hispánicas, en Cuba, en 1960, Medea en elespejo de José Triana, en que esta cambia su condición de extranjera por la de marginada socialmente. El mito se actualiza: la protagonista, María, es una mulata, criada por una negra, vecina de un “solar” habanero, cuyo marido – blanco, vividor, engreído y dispuesto a todo por ascender en la escala social– la abandona 2 Cf. Güngör Dilmen: Kurban (1967); Willy Kyrklund: Medea fran Mbongo (1967); Brendan Kennely: Medea (1988); Heiner Müller: Medeamaterial (1982); Luis Riaza: Medea es un buen chico (1981); Denise Stoklos: Des-Medéia (1995). 3 H. R. Lenormand: Asie (1931); Maxwell Anderson: The Wingless Victory (1936). 4 Sobre esta situación, Juan Villegas apuntaba en 1986: “El discurso teatral latinoamericano es un discurso marginal desde la perspectiva de las historias del teatro de Occidente, marginalidad que se refiere a la producción teatral de textos hispanoamericanos fuera del espacio hispanoamericano y a la consideración del mismo por parte de los discursos hegemónicos” (VILLEGAS. La especificidad del discurso crítico sobre el teatro hispanoamericano, Gestos, p. 64). 5 Cf. MIRANDA. Carpentier y “el coturno americano, Calzar el coturno americano, p. 133-148. Sobre el “drama del comprometimiento” en relación con su obra teatral, CARPENTIER. Entrevistas, p. 133. 68 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 para casarse con la hija del dueño del “solar” o casa de vecindad; al tiempo que Triana utiliza la sombra de la tragedia para adentrarse en la búsqueda de la verdadera identidad de quienes estigmatizados por su raza, sexo o situación social, asumen patrones consagrados, aunque estos supongan el falseamiento de sí mismos. María, en un principio con aires de señora que contrastan con la humildad de su entorno social, vive solo en función de su Julián, por el que está dispuesta a matar para seguir sirviendo y contentándolo, sin atreverse a mirarse a sí misma en el espejo, a enfrentarse a la identidad que subyace bajo la imagen construida. Cuando al fin lo hace y advierte la anulación total a la que ella misma se ha confinado, al plegarse a todos los estereotipos asentados, siente que, para acabar con esta imagen, tiene que matar a sus hijos, constante recordatorio, aunque como personaje escindido termine enajenada al proclamarse dios; ciertamente diosa de la venganza, como considera Schlesinger a la Medea de Eurípides;6 pero, a diferencia del aserto del crítico alemán, no victoriosa. Aunque sobre esta obra, al igual que sobre otras Medeas antillanas del siglo XX,7 he tratado en anteriores artículos, he estimado necesaria la inclusión resumida de tales análisis a fin de fijar posibles variables. En esta pieza de Triana título, motivos, coro, unidad de lugar y de tiempo, son aspectos en los que el autor se mantiene apegado a los cánones, al igual que en la redimensión trágica del conflicto, cercana a Eurípides; al tiempo que se busca la ruptura mediante el humor, o más bien el llamado “choteo” criollo, con el que se ridiculiza actitudes asumidas, en la mezcla de diferentes variantes de lenguaje y aun en la pretensión de crear una manera de decir, con la consiguiente pérdida de fronteras genéricas. Apela a recursos no estimados por los teóricos y críticos de la época, como la “contaminación” del modelo mediante el uso de contextos populares propios de la cultura cubana –la santería o la música, por ejemplo–, así como la presencia de tipos sociales característicos; y también al empleo de acápites propios de la metateatralidad:8 la parodia del tono grandilocuente o del modo de actuar trágico, las referencias a que lo sucedido es una tragedia. Sin embargo, la relevancia fundamental radica en que, al buscar la protagonista su auténtico ser, como mujer, mulata y pobre, al adquirir conciencia de su “otredad”, se subvierten las expectativas de determinadas convenciones teatrales y el mito recreado desde presupuestos diferentes, sirve para develar problemas y contradicciones propias de un momento y un ámbito distinto. Se vale, por tanto, del mito para poner sobre el tapete temas que, por aceptados, se soslayaban en la cotidianidad, como el ocultamiento y sometimiento de su persona a que se veía constreñida la mujer, más aun mestiza y pobre, por el peso de siglos de los patrones sociales existentes. 6 Schlesinger ha calificado a Medea de “victoriosa diosa de la venganza”, en SEGAL (Ed.). Readings in Greek Tragedy, p. 299. 7 Sobre la Medea de Triana y la de Reinaldo Montero, cf. los capítulos correspondientes en el libro Calzar el coturno americano, 2006 y reeditado en 2007 como Premio de la Crítica. Sobre la de Pedro Santaliz, cf. Medea: otredad y subversión en el teatro latinoamericano contemporáneo, en MARTINO, Franco de y MORENILLA, Carmen (Eds.). El perfil des ombres, p. 317-33. 8 HORNBY en Drama, metadrama, and perception, p. 93-4, distingue como tales: las referencias literarias, la técnica del rol dentro del rol, la auto-reflexividad del texto, a las que habría que agregar la representación dentro de la representación. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 69 Un paso más en la indagación de ese otro mantenido al margen por la sociedad y los valores entronizados, se advierte en la María Antonia, de Eugenio Hernández Espinosa, escrita en 1964 y estrenada en el 67, en la que el autor se propuso, como alguna vez expresara, plasmar una tragedia republicana.9 Como también hiciera Carlos Felipe en su Réquiem por Yarini, no utiliza una pieza griega determinada como trasfondo, sino se propone “mitologizar”, usar los cánones trágicos para proyectar una situación contemporánea y redimensionar dentro del teatro estratos sociales y culturales desdeñados y condenados muchas veces por quienes detentaban el poder; pero, los cuales se erigen, a su vez, en una especie de cultura de resistencia.10 Aunque el juego entre rito y representación, la alternancia de cantos y de diálogos, son recursos de la tragedia, no podemos olvidar que esa conjunción de mímesis, canto y danza también caracteriza al wemilere, fiesta ritual yoruba,11 de manera que en ello el autor conjuga ambas tradiciones. Sin embargo, el peso del quehacer trágico de los antiguos griegos se advierte, especialmente, en el hecho de centrar la obra en la transgresión de la protagonista a las normas que rigen el mundo marginal en que vive, signado por la santería y su ética, en busca de su identidad como ser humano; de manera que, como Edipo, cada paso para apartarse, la acerquen más a la catástrofe. A ello se agregan otros aspectos señalados por la crítica que evocan tragedias específicas,12 en particular los puntos de contacto entre los caracteres de María Antonia y Medea, en cuanto no duda la protagonista, no solo en desafiar lo establecido, sino en no resistir la burla y ser capaz de destruir lo que ama con tal de vengar la humillación y la injuria de que es objeto. Si bien en la década de los sesenta los autores antillanos se apropian de a las antiguas tragedias como vehículo expresivo de sus propias circunstancias y en procura de su validación y de un quehacer teatral con bases todavía precarias, Medea encuentra repercusión, sobre todo, en la mayor de las tres islas, signada por el triunfo de la Revolución que había subvertido los cánones y convenciones imperantes, con la consiguiente reivindicación de la alteridad; puesto que la única otra versión que aparece escrita, en este caso por un dominicano, la Medea de Franklyn Mieses Burgos de 1965, ha de inscribirse más bien, según las noticias,13 en esfera de la relectura literaria que en su reinterpretación sobre la base de preocupaciones sociales específicas. 9 Sobre ello se habla en distintos estudios compilados por MARTIATU en Wanilere Teatro. Graziella Pogolotti en el Prólogo de Teatro y Revolución, p. 17, en referencia a la obra de Carlos Felipe, en este sentido nos habla de “la imagen de una cultura hecha para la supervivencia”. 11 Wanilere o wemilere, fiesta de la santería de carácter público, incluye poesía, danza, canto, pantomima, acrobacia, actuación, vestuario. “Teatro sagrado por su función religiosa de comunicación entre orichas y hombres, teatro total”, la define MARTIATU, Wanilere teatro, p. 5. 12 Sobre ello se habla en distintos estudios compilados por Inés María Martiatu en Una pasión compartida: María Antonia, 2004. 13 Sobre esta obra solo hemos tenido noticias a través de los fragmentos de la tesis doctoral de Doris Melo Mendoza, Las reescrituras de las tragedias griegas en el teatro dominicano en el siglo XX, defendida en la Universidad de Puerto Rico en 2011, y a la que solo hemos tenido acceso por internet (http:// udini.proquest.com/view/las-reescrituras-de-las-tragedias-pqid:2381110481/), publicada después con el título Mito y tragedia en el teatro hispanoamericano y dominicano del siglo XX (Biblio Services, Incorporated, 2012). 10 70 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 En la década de los setenta los autores antillanos toman otros derroteros, por distintos avatares, y no es hasta los ochenta en que los integrantes del movimiento teatral conocido como la Nueva Dramaturgia Puertorriqueña dejan sentir la incidencia de Medea, entre otros mitos, en sus propias búsquedas; muchas veces como reacción, ante un teatro consagrado, de quienes se afanan en abrir nuevas perspectivas. En 1984 Pedro Santaliz, uno de los animadores de esta corriente en Puerto Rico y quien con estilo propio creara en 1970– según su propia denominación –El nuevo teatro pobre de América, retoma la tragedia de Eurípides en su búsqueda incesante de llevar a su “tabladito ameno”, como lo calificara, 14 obras que se identifiquen con el sentir popular. Medea no solo adquirirá un apellido, Camuñas, para singularizarse, sino que recibirá apelativos de Medeíta o Medeota para fijar su identidad como vecina de la parada 6 ½ de su San Juan natal. De conocedora de remedios ha devenido vendedora de cosméticos y peluquera a domicilio, mientras que del carro alado del final de la pieza euripidea, solo queda el gusto de esta Medea por conducir su Datsun por las calles de la ciudad. El título de la obra, El castillo interior de Medea Camuñas, alude a la protagonista como sostén de una casa al borde de la quiebra y la delincuencia. Su marido, Jacho Ruíz, gusta de leer la Biblia y anda envuelto en problemas con traficantes de drogas. Los hijos tienen otro padre, pero Medea a menudo siente ganas de matarlos, por los dolores de cabeza que le ocasionan. Sospecha que su marido quiere abandonarla con una animadora de televisión de origen cubano y se pone de acuerdo con un amigo dominicano, por si tiene que marcharse de la casa, de modo que todo el Caribe insular hispánico queda representado. Jacho decide irse con la novia, mientras Medea con sus hijos queda atrapada en medio de una refriega de narcotraficantes. El coro, por su parte, al igual que en el prólogo o en las partes del narrador, subraya el carácter metateatral y anuncia una continuación, como en las radio o tele novelas en tanto presenta a los actores para el aplauso final. Si bien Santaliz se vale de resortes como el prólogo, la posibilidad de que un actor encarne varios personajes, el uso de un coro y asegura seguir pautas de “Don Eurípides”, la metacrítica del género trágico se explicita en todo momento a partir de la invocación a dioses inventados, la ruptura del tono trágico por carcajadas y sobreactuación indudable, con interjecciones constantes, de manera que el monólogo de la Medea euripidea en el inicio de la pieza como “recuerdo y homenaje”, 15 según acota el autor, subraya por contraste la distancia entre los cánones teatrales consagrados y la necesidad de un teatro que se haga eco del drama cotidiano por la subsistencia de los puertorriqueños marginados. A través de la trivialidad de la “tragedia” doméstica, la contaminación con el melodrama y las radio o tele novelas, la teatralidad ostentosa, la parodia y la exageración burlesca de elementos de la representación teatral, de la subversión de los cánones, no solo pone en ridículo los valores imperantes sobre la familia y el orden social, sino que, 14 15 Cf. RAMOS-PEREA. Perspectiva de la nueva dramaturgia puertorriqueña, p. 16. SANTALIZ. Teatro, p. 66. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 71 además de la sátira de las circunstancias en que se vive, no se busca ni un trasplante ni una fusión, sino mantener la obra y el texto parodiado como dos entidades distintas –un sabotaje textual-teatral como califica este tipo de procedimientos William García– 16 y servirse de este recurso para consagrar un teatro transgresor que ponga en evidencia la necesidad de llevar a escena entre formas “amenas” el sentir popular y la reflexión sobre las condiciones imperantes en que la mujer, sostén de la familia, no puede impedir su degradación y pérdida. Un reto muy distinto es el que asume Reinaldo Montero al escribir su obra Medea en 1996. El autor juega continuamente con el texto griego, no solo en cuanto a personajes, motivos y estructura, sino hasta en los parlamentos. Casi línea a línea es posible reconocer el texto de Eurípides bajo la lengua coloquial, de buen sabor cubano, que emplea; pero frente a este apego al original discurre su voluntad de ofrecer su propia versión contemporánea. Con sentido del humor, desacraliza el lenguaje, las mismas figuras míticas y hasta la acción dramática, de modo que, como ha señalado Abelardo Estorino, se aplica a la ingente tarea de “fundir lo coloquial con la literatura más culta”. 17 Montero, en la dedicatoria, se refiere a Eurípides como “tan próximo” y en verdad esta cercanía se mantiene no solo en cuanto al texto mismo, sino también al modo de asumir el quehacer dramático cada uno en su época, en la medida en que el ateniense se propuso crear una tragedia más a tono con la cotidianidad para escándalo de sus contemporáneos, como atestigua Aristófanes. Sin embargo, el paralelo subraya la ruptura, puesto que esta Medea no es la asesina de sus hijos y más que una extranjera, resulta una emigrada. De ahí la posibilidad de romper con la tradición literaria y continuar su camino para perderse en el anonimato, aunque el Pedagogo, siempre precavido, a última hora recoja el cuchillo y lo esconda en sus ropas. Tanto Medea como Jasón están muy conscientes de ser objetos poéticos, mientras que el pedagogo con pretensiones de filósofo, a manera de autor, deviene instigador y promotor de las acciones de la protagonista para, en un final, emocionado por su contribución “a la culminación de un mito en este mundo sin encanto”,18 ofrezca la solución de la carroza alada que consagrará la tradición literaria. Medea, émula de Ulises, opta por el destino de mujer, decidida a tomar en sus manos su vida y la de los suyos, inmersa en una existencia cotidiana y anónima, al tiempo que deja atrás la imagen mítica de diosa de la venganza. La tragedia ha devenido comedia, precisamente por esta opción más que por el final feliz, el sentido del humor o el uso de recursos cómicos. El mito se ha subvertido para dar paso a una mujer dueña de sí, que de burlada deviene burladora, al tiempo que la obra pone énfasis en el emigrante y las variantes con que se asume esta condición. A diferencia de la nodriza, con añoranza perenne de su isla natal, el pedagogo sueña en convertirse en filósofo en la ciudad por excelencia, Atenas; pero, a pesar de 16 Cf. GARCÍA. Sabotaje textual/teatral contra el modelo canónico: Antígona-humor de Franklin Domínguez. Latin American Theatre Review, p. 15-29. 17 HERNÁNDEZ-LORENZO y VALIÑO. “Yo soy el Otro...y escribo teatro”. Una conversación con Abelardo Estorino. La Gaceta de Cuba, p. 33. 18 MONTERO. Medea, p. 89. 72 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 los esfuerzos por olvidar sus orígenes, es él quien redimensiona la insularidad en cuanto condición favorecedora de asimilación y cambio, factores que vertebran indudablemente la obra y su propuesta temática. Medea y los suyos asumen la objetivación de la tradición, los cánones genéricos y los subvierten; pero la reflexión buscada en los años 60 sobre los problemas sociales en torno a la alteridad, es más bien un trasfondo de inquietudes ante el interés suscitado por el juego literario entre realidad y fantasía, modelo y versión, tradición y subversión. Si bien en 1998 el Estudio Teatral de Santa Clara, dirigido por Joel Sáez, presenta a Medea como personaje episódico de su pieza A la deriva, en la cual uno de los papeles protagónicos, un actor, asume uno de sus monólogos como única posibilidad personal para objetivar conflictos en su intento de inmersión en la vida que transcurre fuera del teatro; es en los inicios de la actual centuria cuando la heroína euripidea torna a centrar tres obras, debidas tanto al interés suscitado en un reconocido dramaturgo con larga y exitosa trayectoria, Abelardo Estorino, como en dos jóvenes recién graduados del Instituto Superior de Arte, Yerandy Fleites y Maikel Rodríguez, a raíz de un ejercicio académico propuesto en las clases que ambos recibían. La consciente expresión de la metateatralidad –tan presente en la obra de Montero y que tiene su antecedente primero en la fundacional Electra Garrigó de Virgilio Piñera– marca un buen número de las obras con referentes míticos escritas en el primer decenio de la presente centuria para la escena cubana, tal como se aprecia particularmente en estas tres piezas publicadas o estrenadas en este lapso. La obra de Maikel Rodríguez, Medea reloaded, escrita en 2005, fue publicada por la revista Tablas en 2007, año en que precisamente Un bello sino de Fleites obtuvo el premio nacional de dramaturgia “José Jacinto Milanés”, con su consiguiente publicación;19 pero en ella encontramos a manera de paratexto una cita de palabras de la protagonista de Medea sueña Corinto de Abelardo Estorino, puesta en escena a fines de 2008, 20 obviamente escrita antes. Por ello, es difícil establecer un estricto orden cronológico entre ellas, pues se producen aproximadamente en los mismos años. Por otra parte, aunque las versiones de Yerandy Fleites en torno a Antígona y a Medea no ofrecen prácticamente diferencias en cuanto a su época de creación, sí se advierten en el modo de apropiación del modelo trágico. En su versión de Antígona,21 no obstante los cambios introducidos, mantiene cierto apego al modelo, al tiempo que, si bien no precisa momento ni lugar, la contaminación ambiental y lingüística no solo 19 El texto con que contamos aparece publicado en 2010 por Ediciones Matanzas. No tenemos constancia de una edición anterior, aunque por su condición de premiada es posible que esta última sea una segunda edición. 20 En mi poder obra una copia digital enviada por el autor cuando la obra solo se llamaba Medea fechada en julio de 2008. Las diferencias con el texto publicado (2012) son, en verdad, pocas. 21 Publicada en el mismo número de Tablas (2007) en que apareció la Medea reloaded, de Maikel Rodríguez. Tanto Antígona, como Un bello sino y Jardín de Héroes, en torno a Electra (publicada en 2007 y representada por primera vez en 2009), conforman una especie de trilogía que se propuso escribir Yerandy Fleites sobre heroínas trágicas, con el nexo de presentarlas extremadamente jóvenes, casi en los inicios de la adolescencia. En su proyecto inicial también hay una Ifigenia triste que, al parecer, todavía no ha terminado. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 73 procuran actualidad, sino también apelan a contextos culturales propios de la Isla.22 A su vez Un bello sino, como implica el juego verbal del título, se centra irónicamente en el “destino” de la joven Medea, aunque para ello se separa deliberadamente del modelo euripideo, con grandes cambios en los parentescos, acciones, motivos y una marcada incertidumbre sobre su ubicación tanto temporal como espacial. Sin embargo, introduce un personaje, Quirón, que actúa a manera de prólogo y coro, al tomar de este la función de separar las escenas de acción y, con sus cometarios, ofrecer al espectador una perspectiva para enmarcar su comprensión, a manera evocadora de la tragedia ática. Con una estructura circular, la obra comienza con una joven Medea dormida en un banco de un parque pueblerino frente a la estación de trenes, mientras su nodriza, Cólquida, recién llegada, conversa con su hermano, Creón, y termina con una escena semejante. En el medio, Medea, muchacha rebelde y decidida, más preocupada de su apariencia en un principio que de otra cosa, nos irá revelando sus anhelos de felicidad, el despertar de su sexualidad y su necesidad de ser ella misma y no lo que otros pretenden. En cuanto a la libertad en el manejo del mito, no solo la nodriza y Creón son hermanos, sino que este es padre de Jasón y Creusa, la cual ya murió, y ambos han venido al entierro de Esón que falleció de viejo a causa del colesterol y también de sus hijas, las cuales se han portado tan mal que ni siquiera aparecieron en el entierro. El reino de Eetes ha devenido una finca; Frixo, el primo que enseñó a besar a Medea; Apsirto, el hermano antojadizo, encerrado por Medea en una cueva para poder marcharse y cuya suerte se desconoce a ciencia cierta, aunque pueda temerse lo peor. Se habla de una foto en que aparecen Medea, Jasón y el vellocino, pero se cuenta el encuentro de ambos, como amantes, cuando el joven visitó la finca. En fin, Medea ha venido al entierro para verlo y por Creón nos enteraremos que está embarazada. Cuando aparece Jasón, recuerdan sus amoríos junto al río y los temores suscitados, pero también vislumbran un futuro inmediato y cotidiano de atención al bebé que esperan. Como le confesará Jasón a Quirón, domesticarla, además de las ganancias económicas, era su finalidad. A ello se reduce su concepto de heroicidad. Pero Medea, mientras lo oía hablar ha sentido su ajenidad, su indefinición personal y su deseo de ser, por lo que huye y provoca el aborto. Al final, Jasón que ha actuado entre bambalinas todo el tiempo, solo aguarda el aplauso, para subrayar la metateatralidad, pero deja a Medea seguir su curso. Esta vuelve al banco del parque, en que se queda dormida, cuidada por la nodriza y Creón mientras esperan la llegada del tren que las devolverá a la finca de Eetes. El juego entre una supuesta realidad y los personajes míticos, advertido en Montero, se amplía al enfocar a los personajes en un contexto muy diferente en que se procura, por asociación, la sombra del hipotexto para dislocar y subvertir el mito al tiempo que se borran fronteras entre modelo, tradición y nueva versión presentada como realidad cotidiana, pero sin dejar de apelar al teatro dentro del teatro. Medea ya 22 Cf. de la autora “Dos Antígonas cubanas en el nuevo milenio” en LÓPEZ, POCIÑA & SILVA (eds.). De ayer a hoy. Influencia clásica en la literatura, p. 313-318. 74 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 no es extranjera ni pobre, sino una chica que, como tantas otras adolescentes, se enfrenta al descubrimiento de la sexualidad y la maternidad, sin consciencia aún de ella misma; mientras Jasón es un manipulador que solo en sus montajes se sabe héroe. Los personajes de la tragedia ática devienen simples mortales, cuyos problemas adquieren una dimensión diferente a la luz de las sombras que el antiguo modelo proyecta sobre ellos; mientras realidad y ficción se conjugan en la metateatralidad para hacer reflexionar sobre problemas comunes de nuestro entorno, pero no por ello exentos de polémicas y de posiciones extremas, como se puede constatar en las constantes referencias a las disposiciones en torno al aborto en la prensa mundial y en los altos índices de adolescentes que afrontan situaciones semejantes. Si bien el protagonista de Montero se muestra conocedor de la tradición posterior a que dio pie el personaje trágico y Yerandy Fleites usa libremente el mito con escasos apoyos en el texto de Eurípides, la Medeareloaded de Maikel Rodríguez muestra, desde su título, no solo su alejamiento del modelo griego, sino el interés en el hecho mismo de ser objeto una y otra vez de disímiles versiones, tanto teatrales como cinematográficas, a las que suma otros intertextos provenientes de series y películas contemporáneas. Así el título parte del tercer filme de la saga de Matrix, puesto que según el autor el término en inglés utilizado se correspondía con su propia idea de re-carga encerrado en las múltiples versiones, pero sobre todo en su manera de aprehender no solo la figura de Medea, sino también la de Jasón, al entender cómo en el mito una supone la otra. De otros referentes el mismo autor nos advierte en la apostilla predecesora del texto: 23 Heiner Müller, Lars von Trier, Henry Miller, la serie de Viernes 13, entre otros, sin faltar los nombre de Séneca y Eurípides, en ese orden y después del dramaturgo alemán, al agradecer las versiones literarias. La obra está compuesta por dos bloques yuxtapuestos; en el primero, el protagonista, nombrado según una moda muy extendida –y de la cual ofrece testimonio el propio nombre del autor: el uso de apelativo extranjero transcritos más o menos según el modelo fónico, sin olvidar el uso de la “y”–,24 Yeisson y no Jasón, ya viejo, algo gago y vendedor de caramelos, aparece en un programa de la televisión gracias a su gloria pasada, pero sobre todo por el interés de la entrevistadora en despejar, con no poco morbo, cómo murieron los hijos; mientras, en el segundo bloque, Medea, una cuarentona de maquillaje exagerado, espera, en un compartimento, la puesta en marcha del tren junto a un hombre con un ramo de flores para una amada en vana espera. El diálogo, o más bien ocasional intercambio de frases propiciadas por la momentánea situación, es el pretexto para que la mujer se permita alucinadas remembranzas. Nunca coinciden Medea y Yeisson, salvo en las imágenes de sus recuerdos –en los cuales para Medea este último vuelve a ser Jasón–, que condicionan el presente en tanto que sus actuales estampas desdicen de ese pasado, evocado fragmentariamente y en versiones diversas. La pieza se centra, por tanto, en la memoria o des-memoria, de quienes como los protagonistas han devenido arquetipos, pero que, a pesar de sus sucesivas re-cargas, no 23 Agradecimientos seudointelectuales del director, Tablas, p. VII. De tan poca frecuencia en nuestra lengua y tan prodigada por los padres cubanos en los nombres inventados o tomados de las fuentes más variopintas. 24 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 75 solo han envejecido sino tornado ridículas sus vagas reminiscencias de lo que otrora fueron; imagen a la que pretenden aferrarse en un presente que, como declara el autor, prima un “comunicar incomunicando”.25 En contraste con el alejamiento del modelo ofrecido por el trágico ateniense que, con diferencias, advertimos en los dos jóvenes dramaturgos, desde las primeras palabras en boca de la protagonista de Medea sueña Corinto, de Abelardo Estorino: “Eurípides, ¿dónde te escondes viejo zorro?”,26 se hace evidente la confrontación de la supuesta realidad del personaje con la tradición literaria y teatral, cuyo origen asienta en el trágico ático y a quien por ello busca para su defensa, y, por ende, su cercanía con este hipotexto. A lo largo del más de medio siglo que Estorino ha consagrado a la creación teatral, esta confrontación de los personajes con su texto de base, ha sido uno de los motivos reiterados de su quehacer,27 sin olvidar que ya en El tiempo de la plaga (escrita en 1968 pero solo publicada en 1997) por única vez emplea un hipotexto clásico definido, el Edipo Rey de Sófocles. Además, como director teatral, en 1997 tuvo a su cargo la puesta en escena de la Medea de Reinaldo Montero, por todo lo cual no es de extrañar que se planteara este enfrentamiento de la princesa de la Cólquida, como ente ya independiente, con los autores sustentadores de su pervivencia, al tiempo que su carácter de extranjera, ya emigrante en la pieza de Montero, sirva para re-enfocar las relaciones del centro con la periferia y sobre todo la atracción que ejerce el primero sobre los habitantes de la segunda, tan presente, hasta en sus manifestaciones epidérmicas, que muchas veces se obvia. Medea sabe que a los del norte les fascina el oro bárbaro, se hacen melosos con los niños bárbaros y pretenden educar con sus verdades eternas, como si todo no cambiara; pero esto lo dice cuando pretende narrar su historia, la de ella y no la que le han inventado, para demostrar su inocencia. Sin embargo, al narrar/representar los inicios de su historia –con un Apolonio no citado por ella como hipotexto–, se muestra como una joven totalmente ilusionada con la vida diferente que, según leía, llevaban en La Grecia, con mayúscula: el centro del mundo reflejado por los folletos turísticos; en fin, culturalmente ya colonizada. 28 Por ello cuando llegó la Argos, con sus pretendidos 25 Ernesto Fundora. “La memoria no es lo que sucede, sino lo que subsiste. Una conversación con Maikel Rodríguez de la Cruz sobre la escritura de Medeareloaded”, Tablas, p. XVI. 26 Aunque esta obra aún no ha sido publicada, el autor, muy amablemente, me envió una copia digital en una etapa en que todavía no se había estrenado y solo se llamaba Medea. Es este el texto de referencia aquí citado. 27 Así, por ejemplo, en Los mangos de Caín (1965) las figuras bíblicas tienen que consultar el libro que marca su existencia, en Parece blanca (1994) los personajes se enfrentan a su plasmación en la novela Cecilia Valdés de Cirilo Villaverde; pero en Morir del cuento (1983), aunque los personajes no provienen de ninguna obra literaria, se enfrentan a las distintas versiones de unos y otros sobre un mismo hecho en busca de su verdad; búsqueda que de una manera u otra constituye un motivo reiterado en su creación dramatúrgica. 28 “Quiero conocer esa ciudad ¡Este calor me tiene enferma! He leído cientos de folletos turísticos. Es grande como Atenas, el clima templado la convierte en un paraíso bajo las estrellas y se vive con lujos, como en todas las ciudades de la Grecia, y hay mercados y peluquerías, y… ¡de todo!” (ESTORINO, Medea sueña Corinto, p. 853. 76 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 descubridores –Jasón, pero también Vasco de Gama, Colón, cualquier otro, representantes todos del “primer mundo” de la época– va a su encuentro, dispuesta a todo, con tal de irse a Corinto, la ciudad centro de la cultura, de la moda, de la civilización. En su largo monólogo, Medea, en un primer momento procura la presencia de Eurípides, Séneca, Corneille, Anouilh, Müller,29 sin faltar alusiones a versiones de autores cubanos, para que la aconsejen en su gran decisión, ya no más el ser o no ser shakesperiano, sino partir o no. Presente, pasado y futuro del personaje se entremezclan, valiéndose de la atemporalidad permitida por el conocimiento del mito y la tradición, al tiempo que la actriz incorpora otras voces cuando se necesita en un continuo juego de espejos. Una vez superado los leves reparos por los que pide consejo y embarca en la Argos, nada ha de detenerla, aunque tenga que matar a Apsirto, hecho al que, una vez narrado, le resta importancia. Ya en Corinto, la obra se aproxima al texto de Eurípides, con el despego de Jasón, la entrevista con Creón y su petición de tiempo, el convencer a Jasón para que sus hijos le lleven un regalo a Creusa, la muerte de esta, el fuego del palacio; pero con la diferencia que sus hijos desobedecen sus ordenes y, embelesados por la belleza de la princesa, la abrazan y mueren, sin que esto fuera parte de su plan. Como los héroes sofocleos, solo obtiene lo contrario a su propósito, de modo que queda confinada con Jasón al anonimato y la mediocridad de una vida cotidiana y pedestre, cuyas expectativas no rebasen el que el marido encuentre buena pesca. La cercanía al hipotexto sirve, por tanto, una vez más para, mediante su transgresión, ponerlo en función de la propia actualidad y sus nuevos mitos. Medea, en el constructo de su propia historia, no puede eludir la sombra de sus hipotextos. La crueldad con que asesina a Apsirto, junto con la banalidad de sus razones, sirven para no solo desdecirla, sino para mostrar que en este juego de supuesta realidad /ficción, está latente otro plano, en tanto esta Medea sirve de máscara a quien está dispuesto a todo por alcanzar vivir en el atrayente centro del poder, donde cree que realizará todas sus ilusiones, para no solo perder lo que tenía, amén de sus ensoñaciones, sino terminar en una existencia pobre y anodina. De ahí el diálogo de esta Medea con la contemporaneidad. Tenemos noticias de que la heroína trágica, en este último decenio, también ha dado lugar a nuevas versiones entre dramaturgos de Puerto Rico. Así, la Medea de Teresa Marichal, autora incluida dentro de los propiciadores de la llamada Nueva Dramaturgia Puertorriqueño y que gusta de apelar al mito en muchas de sus obras; Medea amurallada en el morro (2007) de Isabel Ramos; o El último rosario de Medea, de José Manuel Torres Santiago, presentada en Nueva York en la temporada 2006-2007 del Teatro Pregones. Pero, por el momento, no hemos tenido acceso a los textos, mientras que del teatro dominicano, ni siquiera contamos con noticias al respecto, de manera que, por el momento, no se posibilita reparar en singularidades o convergencias de las obras cubanas con otras del área insular hispana, la más cercana al menos 29 Si bien este autor aparece mencionado en la primera versión de la obra, ya en la obra editada su nombre no se encuentra. Optamos por mantenerlo, puesto que Estorino lo tuvo en miente. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 77 geográficamente. No obstante, sin desconocer que cualquier recopilación siempre queda abierta, nos parece suficiente, a nuestros fines, la muestra presentada; aún más, si tenemos en cuenta los obstáculos materiales y las limitaciones de distintos tipos siempre pendientes sobre el desarrollo teatral y, en consecuencia, de una dramaturgia nacional en las Antillas mayores. Aunque las versiones antillanas puedan estar más o menos cercanas al modelo euripideo, prima la libertad en el tratamiento del mito, su desacralización y apropiación tanto por la fusión genérica como por la contaminación de disimiles repertorios culturales, si bien su ubicación pueda ser concretamente La Habana o San Juan, o provenir la protagonista de alguna isla no nombrada, o quedarse en una buena carga de ambigüedad tanto en el espacio como en el tiempo. A diferencia de lo que sucede con Antígona, en que su acción fundamental se mantiene como norma en sus versiones antillanas, Medea, sobre todo a partir de los ochenta, erigida como una especie de icono de la alteridad, es exonerada o al menos justificada, de una forma u otra, sobre todo en los últimos tiempos, del vengativo asesinato de sus hijos, marca distintiva de su imagen a través del tiempo. La tragedia de Eurípides, por tanto, hasta en aquellas obras más apegadas al modelo, siempre se enfoca de modo transgresivo en función de que no solo de que cobre actualidad, sino de que su resonancia procure la reflexión sobre problemas opacados en la vida cotidiana. Las obras de los años sesenta en Cuba y ochenta en Puerto Rico, buscaban en el uso del mito un apoyo sustancial para develar la situación del marginado, del otro, en términos de género, raza y estrato social en nuestro contexto específico; en un segundo momento, desde fines de los noventa, la conciencia metateatral gana terreno y junto a preocupaciones sustentadas en los procesos migratorios y la atracción centro-periferia, aparecen nuevos problemas, como el “destino” de las adolescentes embarazadas prematuramente o el peso de los arquetipos de otrora para sí y para los demás en tiempos que las acciones por la que conquistaron la fama no son más que recuerdos fragmentados, cambiantes, y los héroes cuestionados. Se hace evidente, entonces, la “antropofagia” cultural, como la han nombrado reputados teóricos brasileños. No se trata de mimetismos o evasión, como creían algunos a mediados del siglo pasado, sino que los viejos mitos y los cánones trágicos, aun sometidos a un diálogo transgresivo, mantienen viva no solo su capacidad evocadora sino su posibilidad de hacer reflexionar sobre las inquietudes humanas en cualquier momento y lugar, siempre con timbres propios, marcados por el hic et nunc de nuestras especificidades e inquietudes. AA 78 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ABSTRACT Medea dramatic persona acquired new resonances in the 20th century in relation to the discovery of the “other”. However some versions have been written in Latin America since the middle of the century, in the so-called Greater Antilles this classical character appears in dramatic works for the first time in Cuba by 1960, not as an alien in new lands but as a poor, brown-skin and discriminated woman. Since then, Medea has been revived in relatively countless versions by different playwrights from the Hispanic Antilles. Therefore, the aim of this paper is to find her new personality traits assumed in this context as well as the similarities and differences in each of these versions in interpreting the original myth, the dialogue and the transgression. KEYWORDS Medea, Hispanic Antilles, versions, transgressions REFERENCIAS CARPENTIER, A. Entrevistas, La Habana, Letras Cubanas, 1985. ESTORINO, A. Medea sueña Corinto. Teatro completo, La Habana, Ediciones Alarcos, 2012, p. 849-863. EURÍPIDES. Tragedias, Introducción general de Carlos García Gual, Madrid, Editorial Gredos, 2000. FLEITES, Y. Un bello sino, Matanzas, Ediciones Matanzas, 2010. FUNDORA, E. La memoria no es lo que sucede, sino lo que subsiste. Una conversación con Maikel Rodríguez de la Cruz sobre la escritura de Medea reloaded, Tablas, La Habana, n. 3-4, 2007, p. XVI-XVII. GARCÍA, W. Sabotaje textual/teatral contra el modelo canónico: Antígona-humor de Franklin Domínguez. Latin American Theatre Review, Kansas, fall, 1997, p. 15-29. HERNÁNDEZ-LORENZO, M & VALIÑO, O. ‘“Yo soy el Otro...y escribo teatro”, Una conversación con Abelardo Estorino’. La Gaceta de Cuba, La Habana, n. 6, 1997, p. 32-35. HORNBY, R. Drama, metadrama, and perception, Lewisburg, Bucknell University Press; London and Toronto, Associated University Presses, 1986. LEAL, R. En primera persona, La Habana, Instituto del Libro, 1967. LÓPEZ, A.; POCIÑA, A. & SILVA, M. de F. (Eds.), De ayer a hoy. Influencia clásica en la literatura, Coimbra, E. Universidad de Coimbra, 2012. MARTIATU, I. M. Wanilere teatro, La Habana, Ed. Letras Cubanas, 2005. MARTIATU, I. M. Una pasión compartida: María Antonia, La Habana, Editorial Letras Cubanas, 2004. MARTINO, F. de & MORENILLA, C. (Eds.). El perfil des ombres, Bari, Levante Editore, 2002. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 79 MIRANDA, E. Calzar el coturno americano, La Habana, Ed. Alarcos y Letras Cubanas, 2006 y 2007. MONTERO, R. Medea, La Habana, Ed. Unión, 1997. POGOLOTTI, G. (Ed.). Teatro y revolución, La Habana, Letras Cubana, 1980. RAMOS-PEREA, R. Perspectiva de la nueva dramaturgia puertorriqueña, San Juan, Ateneo Puertorriqueño, 1989. RODRÍGUEZ, M. Medea reloaded, Tablas, La Habana, n. 3-4, 2007, p. VII-XX. SANTALIZ, P. El castillo interior de Medea Camuñas. Teatro, San Juan, Instituto de Cultura Puertorriqueña, 1992, p. 65-106. SEGAL, E. (Ed.). Readings in Greek Tragedy, Oxford, Oxford University Press, 1983. TRIANA, J. Medea en el espejo, La noche de los asesinos, Palabras comunes, Madrid, Ed. Verbum, 1991. VILLEGAS, J. La especificidad del discurso crítico sobre el teatro hispanoamericano, Gestos, Irvine, 1.2, 1986, p. 57-73. Recebido em 13 de janeiro de 2014 Aprovado em 24 de fevereiro de 2014 80 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 MITOS CLÁSICOS EN EL TEATRO DEL CARIBE Presentación y renovación de un corpus CLASSIC MYTHS IN THE CARIBBEAN THEATER. PRESENTATION AND RENEWAL OF A CORPUS Gustavo Herrera Díaz* Universidad de La Habana RESUMEN En la última década del siglo XX y a principios del siglo XXI, con la realización de algunos congresos y estudios académicos, se ha comenzado a valorar la presencia de los mitos clásicos en el teatro iberoamericano. Ello ha posibilitado el rescate y análisis de un creciente e importante corpus de obras que continuamente se actualiza con nuevas puestas en escena y enfoques. Una línea de investigación valiosa al respecto ha sido la de intentar sistematizar, desde múltiples métodos y teorías, todo el repertorio encontrado. Los estudios de Costa Palamides y Elina Miranda, por mencionar algunos de los más conocidos, son valiosos aportes a este propósito. En este marco se inserta el presente trabajo que, partiendo de estudios anteriores y del rastreo de nuevas producciones dramáticas, aspira contribuir a la actualización y renovación del corpus caribeño existente, así como revelar nuevas tendencias. Nos enfocamos especialmente en las obras de las Antillas hispanas, puestas en relación con las producidas en otras áreas del Caribe. PALABRAS CLAVE Mitos clásicos, teatro del Caribe, corpus En las últimas décadas se han producido algunos estudios generales sobre la pervivencia de los mitos clásicos en el teatro latinoamericano. Un texto iniciático al respecto es “Mito Griego y teatro latinoamericano del siglo XX”, del venezolano Costa Palamides, publicado en 1989, en la revista Primer Acto.1 Según Juan David González Betancourt, en el listado que presenta Palamides se nota una variedad de temas y puntos de vista, que podrían dar las bases para la construcción de una importante línea *[email protected] 1 Palamides enumera alrededor de 27 creaciones, fechadas desde comienzo del siglo XX hasta la década del ochenta y producidas a lo largo de todo el continente. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 81 investigativa y estética acerca de las reconfiguraciones de la tradición dramática griega que se han gestado en Latinoamérica.2 Este trabajo, además de demostrar que los mitos y cánones trágicos han sido uno de los asuntos más frecuentados por la dramaturgia latinoamericana, ha de considerarse importante en la medida que constituyó una contraparte de otras investigaciones afines de tradición clásica que excluían nuestras producciones de sus resultados. Recuérdese el libro de George Steiner sobre las Antígonas de 1984, o los ensayos sobre Medea en el mito, la literatura, la filosofía y el arte, publicado por la Universidad de Princeton en 1997, por mencionar algunos de los ejemplos más citados.3 No obstante esta tendencia (que por suerte ha ido quedando atrás, gracias sobre todo a las indagaciones de nuestros propios académicos), hasta la fecha se han producido diversos congresos e investigaciones sobre mito y teatro, que no solo han profundizado en el estudio de las obras ya conocidas, sino que han incorporado nuevas creaciones.4 Partiendo de tales estudios y de nuestras propias búsquedas comenzamos un rastreo de aquellas obras escritas, desde la segunda mitad del siglo XX hasta la fecha, en el área del Caribe insular y continental. Como resultado, si sumamos a las 23 Medeas y Antígonas reunidas, aquellas obras que recrean otros mitos, verificadas en bibliografía, asequibles en Internet, o estudiadas en investigaciones académicas como versiones inéditas, podemos presentar un corpus caribeño de 61 textos. (Cf. Tabla 1) 2 Cf. Juan David González Betancourt. “Antígona y el teatro latinoamericano”, Calle 14, p. 76. Cf. Elina Miranda Cancela. «Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico», p. 34-35. 4 Baste mencionar entre algunos de los resultados más recientes el libro de Rómulo Pianacci: Antígona, una tragedia latinoamericana; el volumen editado por Juan Antonio López Férez: Mitos clásicos en la literatura española e hispanoamericana del siglo XX, publicado en el año 2009, donde se incluye una veintena de textos enfocados solo en el teatro; o el congreso internacional de Clastea sobre la pervivencia de mitos clásicos en el teatro iberoamericano, celebrado en Mar del Plata en el año 2011. Han sido muy útiles para el estudio del mito en las Antillas hispánicas los siguientes trabajos de la Dra. Elina Miranda: «Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico», publicado en el año 2010, que constituye el primer estudio general sobre el tema a nivel caribeño; o el libro Calzar el coturno americano, que se centra en el mito y la tragedia griega dentro del teatro cubano, por no mencionar los variados artículos suyos que han estudiado la presencia de Medea o Antígona en las Antillas. 3 82 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Tabla 1. Corpus de obras teatrales caribeñas de tema clásico. Cuba 1. Piñera, Virgilio: Electra Garrigó, 1941. 2. Triana, José: Medea en el espejo, 1960. 3. Arrufat, Antón: Los siete contra Tebas, 1968. 4. Estorino, Abelardo: El tiempo de la plaga, 19691997. 5. Milián, José: El carnaval de Orfeo, 2005. 6. Sáez, Joel: Antígona, 1993. 7. Montero, Reinaldo: Medea, 1997. 8. Carrió, Raquel y Lauten, Flora: Bacantes, 2001. 9. Espinosa, Norge: Ícaros, 2003. 10. Fundora, Carlos: Edipo Gay, 2006. 11. Fleites Pérez, Yerandy: Antígona, 2007. 12. Fleites Pérez, Yerandy: Jardín de héroes, 2007. 13. Fleites Pérez, Yerandy: Un bello sino, 2007. 14. Montero, Reinaldo: Antígona. Tragedia hoy, 2007. 15. Rodríguez de la Cruz, Maikel: Medea reloaded, 2007. 16. Estorino, Abelardo: Medea sueña Corinto, 2008. 17. Sáez. Joel: Los Atridas, 2009. 18. Torriente, Alberto Pedro: Esperando a Odiseo, 2010. 19. Sáez, Joel: Casandra, 2010. Sáez, Joel: Los Atridas, 2009. 20. Torriente, Alberto Pedro: Esperando a Odiseo, 2010. 21. Sáez, Joel, Casandra, 2010. México 1. Usigli, Rodolfo: Jano es una muchacha, 1952. 2. Carballido, Emilio: Hipólito, 1957. 3. Carballido, Emilio: Medusa, 1958. 4. Salvador Novo: Yocasta o casi, 1961. 5. Sotelo, Inclán Jesús: Malintzin (Medea americana), 1957. 6. Carballido, Emilio: Teseo, 1962. 7. Fuentes Marel, José: La joven Antígona se va a la guerra, 1968. 8. Arriola Haro, Ignacio Igor: Pandora y el ruiseñor. 9. Arriola Haro, Ignacio Igor: Electra. 10. Arriola Haro, Ignacio Igor: Medea. 11. Andrade Jardi, Ricardo: Los motivos de Antígona, 2000 (inédita). 12. Harmony, Olga: La ley de Creón, 2001. 13. Rascón Banda, Víctor Hugo: Máscara vs Cabellera, 1985. República Dominicana 1. Domínguez, Franklin: Antígona-Humor, 1961. 2. Veloz Maggiolo, Marcio: Creonte, 1963. 3. Incháustegui Cabral, Héctor: Prometeo, 1964. 4. Incháustegui Cabral, Héctor: Filoctetes, 1964. 5. Incháustegui Cabral, Héctor: Hipólito, 1964. 6. Mieses Burgos, Franklyn: Medea, 1965. 7. Domínguez, Franklin. Lisístrata odia la política, 1979-1981. 8. Acevedo, Carlos: Sísifo, 1981. 9. Cartagena Potalatín, Aida: Odio Total Euménides 10. García, Iván: Andrómaca Puerto Rico 1. Sánchez, Luis Rafael: La pasión según Antígona Pérez, 1968. 2. Marichal, Teresa: Casandra, 1981. 3. Marichal, Teresa: Penélope. 4. Marichal, Teresa: Medea. 5. Santaliz, Pedro: El castillo interior de Medea Camuñas, 1984. 6. Ramos-Perea, Roberto: La mueca de Pandora, 1986. 7. Aravind Adyantaya: Prometeo encadenado, 2006. 8. José Manuel Torres Santiago: El último rosario de Medea, 2006-2007. Colombia 1. Romero Rey, Sandro: Fatum (Libreto, inédito), 1987. 2. Romero Rey, Sandro. Gineceo (Libreto, inédito), 1988. 3. Ariza, Patricia: Antígona, 2006. 4. Satizábal, Carlos Eduardo: Antígona y actriz (inédita) 2008. Venezuela 1. Rengifo, César: La fiesta de los moribundos, 1966. 2. Nuñez, José Gabriel: Antígona, 1978. 3. Carlos Omobono: Edipo Gay, 1999 Nicaragua 1. Steiner, Rolando: Antígona en el infierno, 1958. 2. Steiner, Rolando: La pasión de Helena, 1963. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 83 Por cantidad tenemos 19 obras cubanas, 13 mexicanas, 10 dominicanas, 8 puertorriqueñas, 4 colombianas, 3 venezolanas y 2 nicaragüenses. Acotamos no obstante tener noticias de otras 13 producciones, entre puestas en escenas y fragmentos, que no hemos podido consultar. 5 Todo hace un total, como propuesta tentativa, de 74 obras teatrales, distribuidas en siete países. En el resto de la geografía caribeña no hemos podido, al menos hasta ahora, localizar prácticamente ninguna obra teatral de tema clásico. Este resultado, advertimos, es solo un esbozo de una búsqueda que está apenas comenzando y que cuenta con la dificultad del acceso a los textos y a las diversas representaciones, por la falta de medios para acceder a ellas, así como por su poca difusión y circulación. Con solo hacer una rápida lectura de este repertorio, podemos decir que uno de sus rasgos fundamentales es el de la variedad de mitos y modalidades de apropiación, lo cual hace un poco difícil establecer una sistematización que integre todas las obras encontradas. A esa variedad se suman otras dificultades como las diferencias en el tratamiento de un mismo tema, los grados de transformación que se hacen de los distintos referentes, la adecuación o no que de los mitos realiza cada autor en relación al contexto sociocultural donde escribe y a su poética propia, por mencionar algunas de las más frecuentes. Todo ello hace que el análisis de este corpus sea sumamente complejo y multifacético. A pesar de esto, no han faltado estudios de los mitos en el Caribe que hayan intentado ofrecer teorías, líneas generales de trabajo y métodos de análisis con el fin de clarificar esta variedad. Una de las propuestas posibles a considerar para el examen integrador de nuestro teatro serían las apoyadas en la nomenclatura intertextual y paródica, que se concentrarían en las formas y los modos de relación entre las obras y sus modelos. Recomendamos al respecto el texto ya citado de Miranda Cancela “Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico” donde, partiendo de la clasificación dada por H. C. Rutledge en 1989, se proponen 10 posibles categorías de relación no temáticas con el mito para el estudio de la escena caribeña. Igualmente otra posibilidad de ordenamiento serían las distintas modalidades de usos o ethos que Linda Hutcheon propone cuando explica su concepto de parodia, las cuales incluirían por supuesto el común empleo peyorativo, negativo o mordaz, el neutro o lúdico, pero también, el respetuoso o reverente. Por razones de tiempo y por no contar con toda la información requerida para ello, hemos desestimado un análisis de las obras encontradas a partir de las 10 categorías de relación con el mito propuestas por Miranda Cancela, o de su respectivo ethos. Por tanto, nos enfocaremos solo esta vez, como presentación del corpus reunido, en mostrar por un lado algunas agrupaciones temáticas, posibles de 5 Entre ellas están de Cuba: Ceremonial de guerra, 1972, de José Triana; Alceste de Gleyvis Coro; Retrato de Ifigenia Triste, de Erandy Fleites; Fedra, de Agnieska Díaz; Deyanira de mi corazón, de Pepe Santos; Medea, exilio del tiempo (monólogo del grupo El ciervo encantado) y Medea de barro, del Grupo de Camagüey. De Venezuela podemos mencionar Hembras, mitos y café, de Jerico Montilla (2007) y Las bodas de Miau (versión infantil del juicio de Paris), 2007. Entre las obras que incorporan el mito griego de modo implícito están de Cuba Requiem por Yarini (1961), de Carlos Felipe; María Antonia, escrita en 1964 y estrenada en 1967, de Eugenio Hernández Espinosa; La aprendiz de bruja (publicada en 1983), de Alejo Carpentier, y de Puerto Rico: Llanto de luna, de Roberto Ramos-Perea. 84 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 sistematizar y por otro en dar a conocer algunas obras, cuyas connotaciones semánticas de apropiación mítica resultan en mi opinión diferentes a las variantes más canonizadas. La tendencia que mejor uso ha hecho del criterio temático ha sido la búsqueda recurrente de algunos mitos o personajes que se repiten, como ocurre con las Antígonas y Medeas caribeñas. No sería desacertado entonces que una posible sistematización de nuestro corpus caribeño partiese de esta tendencia de agrupación temática, en la que podríamos colocar, de un lado, las obras que reescriben los mismos tipos de mitos y, de otro, aquellas que aún son singulares. En este sentido además de las Medeas y Antígonas, hemos podido localizar otras coincidencias, que aun cuando no sean tan abundantes como las primeras, sí merecerían un estudio pormenorizado. De este modo podríamos esbozar como primera propuesta tentativa de corpus un primer grupo con 9 tipos de obras que abordan el mismo tipo de héroe o heroína si sumamos a las 7 colocadas en la tabla 1 las de Medea y Antígona, tendríamos un total de 38 textos, a los que se les opondrían aquellas producciones que eligen otros referentes míticos, casi una veintena. (Cf. Tabla 2) Tabla 2. Obras que tratan los mismos personajes (no incluimos las Medeas y las Antígonas). Heroínas Héroes – 3 Electras: Electra Garrigo, de Virgilio Piñera, Jardín de héroes de Yerandy Fleites y Electra del mexicano Ignacio Igor Arriola – 2 Prometeos: Prometeo, la primera obra de la trilogía Miedo en un puñado de polvo, del dominicano Héctor Icháustegui Cabral y Prometeo encadenado, del puertorriqueño Aravind Adyantaya – 2 Pandoras: Pandora y el ruiseñor, Arriola Haro y La mueca de Pandora, de Roberto Ramos Perea – 2 Hipólitos: el del mexicano Emilio Carballido y el de la tercera tragedia de la trilogía mencionada de Incháustegui Cabral – 2 Casandras: una del cubano Joel Sánc hez y otra de la puertorriqueña Teresa Marechal – 2 Creontes (esta variante puede ser discutible, porque en estas obras también tiene una gran importancia Antígona y el mismo fenómeno inverso se produciría en las obras que aluden en su título a esta heroína), Creonte, del dominicano Marcio Velos Maggiolo y la ley de Creón de la mexicana Olga Harmony – 3 Edipos: El tiempo de la plaga de Abelardo Estorino y dos Edipo gay, uno del venezolano Carlos Omobono y otro del cubano Carlos Fundora Sin embargo en la tabla presentada nos hemos ceñido a un criterio muy estrecho, que solo se apoya en las coincidencias de héroes o heroínas. Si nos planteásemos la organización del corpus a partir de categorías temáticas más generales muchas de las restantes obras perderían su singularidad, y quedaría realmente la condición de rareza para muy pocos ejemplos. Una posible división estaría en separar las obras por ciclos épicos. Así, por ejemplo, obras que se nos habían quedado sueltas como los Los siete contra Tebas, del cubano Antón Arrufat, y Yocasta o casi (1961), del mexicano Salvador Novo, podrían ahora considerarse como reescrituras del Ciclo Tebano junto con las Antígonas, los Edipos y Creontes mencionados. Así mismo al Ciclo Troyano pertenecerían textos sueltos como La pasión de Helena, del nicaragüense Rolando Steiner, el Filoctetes 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 85 de Incháustegui Cabral, y la Andrómaca, de Ivan García; o subtemas como los relativos a Odiseo y Agamenón. Al primero sumariamos la Penélope, de la boricua Teresa Marechal; Circe o el amor (1962), del dominicano Emilio Belaval, y Esperando a Odiseo, del cubano Alberto Pedro. El Segundo subtema contendría, además de todas las Electras y Casandras ya mencionadas, las puestas Odio Total Euménides, de Aida Cartagena Potalatín, y Los Atridas, del cubano Joel Saez. El resto de los textos correspondería en su mayoría a edades heroicas anteriores. Así tendríamos al ciclo de los Argonautas, integrado por nuestras 10 Medeas y Carnaval de Orfeo, del cubano José Milián; los Mitos de Teseo y Creta que incorporarían al Teseo, del mexicano Emilio Carballido, los dos Hipólitos ya mencionados e Ícaros, de Norge Espinosa; y el ciclo prometeico con las Pandoras y los Prometeos. Quedarían junto a dos obras basadas en Aristófanes: Lisístrata odia la política, del dominicano Franklin Domínguez, y Gineceo, del colombiano Sandro Romero Rey, una pequeña muestra, singular por su rareza, compuesta de los siguientes ejemplos: Sísifo, del dominicano Carlos Acevedo, Medusa (1958), del mexicano Emilio Carballido, y Jano es una muchacha, de Rodolfo Usigli. (Cf. Tabla 3) Tabla 3. Organización temática más amplia del corpus. Ciclo Troyano La pasión de Helena del nicaragüense Rolando Steiner, Filoctetes de Incháustegui Cabral y la Andrómaca de Ivan García. Subtema odiseico: Penélope de la boricua Teresa Marechal; Circe o el amor (1962), del dominicano Emilio Belaval, y Esperando a Odiseo del cubano Alberto Pedro; Subtema de la Casa de Atreo: todas las Electras y Casandras ya mencionadas, Odio Total Euménides de Aida Cartagena Potalatín y Los Atridas del cubano Joel Saez. Ciclo tebano Los siete contra Tebas, del cubano Antón Arrufat, Yocasta o casi (1961), del mexicano Salvador Novo, los Edipos, Antígonas y Creontes mencionados. Ciclo de los Argonautas Las Medeas, Carnaval de Orfeo del cubano José Milián. Mitos vinculados a Teseo y Creta Teseo del mexicano Emilio Carballido, los dos Hipólitos ya mencionados e Ícaros de Norge Espinosa. Mitos prometeicos Las Pandoras y los Prometeos mencionados. Casos singulares Lisístrata odia la política, del dominicano Franklin Domínguez; Gineceo, del colombiano Sandro Romero Rey; Sísifo, del dominicano Carlos Acevedo; Medusa (1958), del mexicano Emilio Carballido y Jano es una muchacha, de Rodolfo Usigli. PROBLEMÁTICA GA Y, TECNOL OGÍA Y SINCRETISMO. GAY TECNOLOGÍA ALGUNAS VARIANTES OTRAS A CONSIDERAR Aparte de esbozar una distribución temática del corpus, como la anterior, considero de suma importancia para un mejor conocimiento de este, que nos aproximemos sucintamente a algunas de las principales problemáticas aludidas en nuestro teatro, y ver en qué medida esta situación se ha ido enriqueciendo con nuevas connotaciones. Una directriz esencial al respecto ha sido la de reconocer una adecuación paulatina del mito a la realidad del continente, con una alta disposición al cuestionamiento político y social de nuestras circunstancias históricas, muchas veces difíciles de ser apuntadas de manera abierta. De ahí que si hacemos una revisión de la bibliografía crítica podemos percibir que muchos artículos incorporan en sus análisis de las obras teatrales el 86 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 compromiso político y la problemática social como algunas de las variantes diferenciadoras a tener en cuenta.6 Además de las connotaciones políticas y sociales en el plano temático existen otras interpretaciones tanto generales como específicas. Por ejemplo en los estudios de Medea se consideran cuestiones como la “alteridad” en sus más diversas connotaciones, donde las problemáticas de género, identidad y de raza son premisas esenciales. A la par, en los estudios de Antígona, al problema del tirano y la dinámica de las relaciones de poder se incorporan también otros subtemas importantes como el de los nexos familiares. Ahora bien, aunque en el corpus caribeño hallamos muchos textos que, escritos en el siglo XXI, dan continuidad a las temáticas del siglo XX, también hay otras producciones que, sin dejar de apuntar las condiciones sociales o políticas de sus respectivos contextos, comienzan a desviarse de esta intención, para reflejar otros conflictos menos locales, como la problemática homosexual o las consecuencias de la interacción con lo tecnológico. Además de estas tendencias hemos ubicado un tipo de obra múltiple en la que se yuxtaponen distintos mitos, héroes o heroínas trágicas que discurren sobre un determinado tópico, generalmente trascendente. 7 Por razones de tiempo y por lo limitada que es aún nuestra información solo presentaremos algunas de estas obras caribeñas que se apartan de la línea general. Referiremos sobre todo las escritas en países del Caribe menos estudiados como Venezuela y Colombia, en correlación con las creadas en las Antillas hispánicas. Si hacemos un rastreo del mito de Edipo en el teatro del Caribe, veremos que a excepción de la obra del cubano Abelardo Estorino, El tiempo de la plaga, este personaje prácticamente no es abordado de modo directo por ningún dramaturgo, y cuando se le alude es de forma secundaria a través de las correlaciones con otros caracteres como Creonte y Antígona. Según el profesor Manuel Fernández Galiano existen cuatro interpretaciones del personaje de Edipo en la literatura contemporánea: 1) la del hombre adámico, forjador de sí mismo y de su hado; 2) la del hombre frente a la Esfinge de la vida y la ciencia; 3) la del dictador cesarista y ofuscado por la convicción de su propia inhabilidad; y 4) la del personaje freudiano. 8 Si bien la posibilidad del tirano es la empleada por Estorino en su obra, en el año de 1999 se publica una nueva adaptación 6 Al mencionar el estudio de Palamides se consideraban tres etapas: una más reverencial, donde según González Betancourt se impedía el sincretismo entre el mito y la situación latinoamericana; una que se conformaba por piezas tipo manifiesto político o dramas históricos, y una tercera de corte más posmoderno. También cuando Rómulo E. Pianacci concluye su estudio de las Antígonas americanas establece, en medio de la variedad existente, con el elemento político y social como rasgo. (Cf. Rómulo E. Pianacci: Antígona: una tragedia latinoamericana, p. 175-176) Hace poco tiempo tuvimos noticias de una tesis doctoral presentada en la Universidad de Puerto Rico en el año 2011, titulada “Las reescrituras de las tragedias griegas en el teatro dominicano del siglo XX”, donde se clasificaban la obras en dependencia de su compromiso político”(Cf. Doris Melo Mendoza: “Las reescrituras de las tragedias griegas en el teatro dominicano del siglo XX”, en http://udini.proquest.com/view/las-reescrituras-de-las-tragediaspqid:2381110481/, acceso: 25 nov. 2012). 7 La cual parece salirse de las 10 variantes mencionadas de relación con el mito propuestas por Elina Miranda en su estudio del teatro del Caribe. 8 Fernández Galiano: “Edipo por tierras de España”, p. 150. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 87 de Edipo que se conecta con la variante del personaje freudiano, aunque lo hace de manera totalmente inversa. Se trata de la obra Edipo Gay de Carlos Omobono. La obra de Omobono se centra en la vida de un pareja de homosexuales, Edoardo y Edipo, que deciden tener un hijo juntos, para lo cual contratan a una prostituta llamada Helena, que deberá desaparecer una vez nacido el niño. Sin embargo, este plan no se puede llevar a cabo pues Edipo, manipulado por su madre Elvira, a quien se somete incondicionalmente, sacrificando incluso su felicidad, deja a Edoardo, se casa con Helena y se marcha a Estados Unidos. Edoardo solo pone como condición quedarse con el niño. Pasados muchos años, cuando Edipo arrepentido reaparece para recuperar tanto a su hijo como a Edoardo, este le miente diciéndole que el niño murió y que el muchacho con el que vive, de nombre Edy y homosexual también, es solo un buen amigo. Unos días después Edipo comienza a sentir atracción por Edy, y creyendo tener una segunda oportunidad para enderezar su vida, seduce al muchacho, su propio hijo, sin saberlo. La obra se cierra con la entrada de Edoardo a escena; al descubrir lo que ocurre, la música sube de volumen, hay sorpresa en Edy y una profunda amargura con inmenso dolor en Edipo. Mientras, se abren las paredes del fondo y aparece la madre como una gran esfinge hasta que se oscurece la escena. En esta versión, a diferencia de Estorino, el mito de Edipo se despolitiza notablemente y se restringe su conflicto a la problemática gay del contexto venezolano de los ochenta.9 El protagonista, todo lo contrario del héroe sofocleo, es más bien un anti-Edipo, incapaz, la mayor parte del argumento, de luchar contra su destino, que en esta versión sería aceptar su condición de gay y ser feliz con ella. Solo al final el personaje comienza a reaccionar y al hacerlo, ignorando lo que realmente ocurre, termina acostándose con su propio hijo. Además del uso paratextual del título y de los comentarios directos que hace el personaje del Edipo Rey de Sófocles, son muy interesantes las reescrituras de determinados motivos del modelo. Para ello Omobono aprovecha al personaje de Edoardo que junto con Elvira, alter ego de la Yocasta sofoclea, parece sintetizar varios de los agentes del mito griego. Desde el inicio se asemeja mucho a Tiresias, en cuanto al conocimiento de la “verdad”, que en esta obra sería el saber vivir plenamente con su condición de homosexual. Ya en la segunda parte, parece convertirse Edoardo en el paralelo del orden divino sofocleo, al decirle a Edipo que es demasiado tarde para que este intente cambiar su destino. Edipo solo le pide que no preconice, que él no es un oráculo, aunque acepta su condición y se reconoce como un prisionero del destino, incapaz de cambiarlo por más que lo intente. Cuando le dice a Edoardo que su decisión de abandonarlo en el pasado fue un error sincero, este le responde: “Los seres humanos, y no intento catequizar con lo que voy a decirte, tenemos tres modos distintos de ser. Como creemos ser, como nos ven nuestros semejantes y en definitiva como en realidad somos...”.10 De este modo el famoso acertijo de la Esfinge sobre el hombre, es llevado al complejo problema de la 9 Aunque el referente social está presente, no es el centro de atención de esta obra, donde el mito es empleado para recrear un conflicto individual que podría producirse no solo en Latinoamérica sino en otros espacios. 10 Carlos Omobono: “Edipo gay”, p. 123. 88 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 identidad y sus distintas facetas. La desdicha de este Edipo venezolano se manifiesta al decidir erróneamente en el pasado darle prioridad al “ser para los demás”, colectividad encarnada en los prejuicios de su madre. Esta propuesta de reescritura edípica resulta insólita en el contexto del teatro del Caribe y en el contexto del teatro venezolano de tema clásico nos parece doblemente novedosa, pues el resto de las obras colombianas de las que tenemos noticias se inclinan al uso político y social del mito. Estas son La fiesta de los moribundos, de César Rengifo, de 1966, y Antígona, de José Gabriel Nuñez, de 1978. En el año 2006 Ediciones Alarcos publicó una colección de tres obras paródicas titulada Comedias sin lente, del escritor cubano Carlos Fundora. Y precisamente la tercera de estas obras se tituló coincidentemente Edipo Gay, con lo cual no solo encontramos que la línea iniciada por Omobono de asumir la variante freudiana del mito edípico tenía continuidad, sino que se asumía también la misma clase de inversión del motivo de amor materno por el amor paterno. Nos parece, no obstante la coincidencia del nombre, que Fundora no conoció la obra de Omobono, pues al inicio de la comedia le agradece a un amigo, William Calero, la sugerencia del título. Además en esta obra el tratamiento es puramente burlesco, y la intencionalidad fundamental, más allá de la problemática gay es hacer reír al espectador. La obra se divide en dos partes, una primera muy breve en la cual Edipo va a consultar al oráculo y que termina en un intento de suicidio histérico del personaje para evitar su destino; y una segunda en la cual este es invitado a un programa de televisión dirigido por la Esfinge. Edipo tras declarar que al llegar a Tebas se enamoró de una muchacha misteriosa, conoce a sus suegros, que invitados por la Esfinge, resultan ser Yocasta y Layo. Ambos lógicamente se oponen a esta unión. Después de muchos enredos e interrupciones, Yocasta, presionada por la audiencia de este tipo de programas, confiesa que, para evitar la unión, enviaron a la hermana de Edipo a un convento, y que ella misma la sustituyó con maquillaje. Luego, cuando Edipo histérico por la desgracia saca un cuchillo para matar a sus padres, Yocasta desfalleciente le dice que no mate al inocente de Layo, quien se castró cuando supo de la profecía y que su verdadero padre era el personaje que hacía de Coro. Justo antes de morir, le dice que el oráculo también se equivocó con ella, quien no tuvo el valor de acostarse con su propio hijo y tuvo que buscarse un reemplazo. Cuando Edipo desesperado indaga con quien se acostaba entonces, Layo, mudo hasta ahora, le responde muy afeminado: “¡Por supuesto Edipo! Esa Afrodita sensual que te enloquecía en la cama, esa hembra fogosa, esa… ¡Ay, Edipo! ¡Mírame! ¿No me reconoces? ¡Era yo cariño! ¡Era yo!”.11 Esta puesta en escena, a diferencia del Edipo Gay, de Omobono, se cierra de modo carnavalesco con el personaje de Freud saliendo frustrado de la audiencia del programa, y con Edipo abrazando a su padre mientras interpreta un tema musical sobre su destino gay. Fundora de este modo ha reconstruido una versión del mito totalmente posmoderna, cargada de humor negro, música de cabaret, situaciones de enredo, y sobre todo de los códigos de la televisión comercial. Aunque hay alusiones al contexto cubano, como el 11 Carlos Fundora: “Edipo gay”, p. 100. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 89 precio alto de la carne para poder hacer el sacrificio al oráculo o el problema de la emigración de los artistas a la capital del país, el propósito de la obra es producir la risa y para ello la trasformación del mito se reduce al mero efecto burlesco, con una caricaturización de sus elementos trágicos. Un rasgo a tener en cuenta es que la parodización se apoya muchas veces en la relación del héroe con la tecnología. En la primera escena el contacto con el oráculo se da a través de una conexión vía módem que no parece recibir respuesta desde el otro lado y cuando lo hace es con una llamada cruzada. La propia reducción de este conflicto familiar a un show televisivo no solo la podemos considerar a los efectos de buscar la comicidad, sino también como una crítica a las tendencias vulgarizadoras y frívolas de este tipo de programas de entretenimiento. Otra obra que también incorpora desde un enfoque distinto esta interacción del sujeto moderno con la tecnología y sus efectos es Prometeo encadenado, de Aravind Adyantaya, quien ofrece una singular versión virtual-textual del texto de Esquilo. El actor se halla solo en el tablado, de perfil al espectador, frente a una laptop, cuya pantalla es reproducida a una escala mayor en el fondo de la escena. A medida que presenta y comenta críticamente la obra de Prometeo, el actor simultáneamente escribe otras palabras e ideas, que se irán intercalando continuamente con la versión antigua, en una especie de discurso fragmentado, donde se mezclan elementos del mito original con otros aspectos de la realidad puertorriqueña. Se trata pues de reescribir un mito antiguo de forma directa e inmediata ante el espectador, mediante el uso de la virtualidad. Como bien sostiene su director y autor, se pretende explorar un teatro de la reescritura, “una modalidad de poética teatral en la que el acto de escribir mediado por tecnología se escenifica en vivo”.12 Se presenta así a un titán caribeño que “no está atado a la piedra, sino a las trampas de la tecnología y de la palabra, a los fantasmas de su contexto, a las tensiones español-inglés, progreso-subdesarrollo, premodernidadpostmodernidad. Y también a los iconos del teatro clásico, a sus mitos y a sus héroes, atados a la vez a sus culpas trágicas”.13 Finalmente me gustaría referir una tercera línea de tratamiento del mito que he encontrado inicialmente en dos obras inéditas del teatro colombiano Fatum y Gineceo, escritas por Sandro Romero Rey, en los años de 1987 y 1988 respectivamente. He de advertir que la búsqueda de mitos clásicos en el teatro colombiano contemporáneo no ha arrojado hasta ahora muchos resultados. Sabemos sobre todo de adaptaciones esporádicas de obras clásicas: Heidi y Rolf Abderhalden, fundadores de Mapa Teatro, en Bogotá, tradujeron y estrenaron en diciembre de 1991 la Medea Material, de Heiner Müller, y en 1994 realizaron el montaje de Orestea ex machina, puesta inspirada en la trilogía La Orestiada, de Esquilo; El grupo de teatro Matacandelas representó hace unos años en Cuba una adaptación de la Medea de Séneca. Además de estas noticias localizamos muy pocas reelaboraciones de mitos clásicos en el teatro colombiano, solo dos realmente, insertadas por lo demás en la variante frecuente de denuncia política y social: una Antígona, de Patricia Ariza, representada por el grupo de teatro La Candelaria 12 “La letra del Escriba”, disponible en: <http://www.cubaliteraria.cu/revista/laletradelescriba/n51/ articulo-1.2.html>, acceso: 23 nov. 2012. 13 Ídem. 90 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 en Santa Fe de Bogotá entre el 3 y el 10 de noviembre de 2006 y Antígona y actriz, de Carlos Eduardo Satizábal (inédita) de 2008, según Rómulo Pianacci. En medio de estas dos tendencias del teatro colombiano: la adaptación de obras extranjeras y las reescrituras de Antígonas, se escriben Fatum y Gineceo con un marcado carácter experimental, pues en lugar de tomarse un mito específico o una tragedia, se hace una especie de apropiación compuesta, sincrética, donde se concentran distintos mitos, héroes o heroínas trágicas que reflexionan sobre un determinado tópico, generalmente trascendente y apolítico. En Fatum según palabras de Romero Rey, “A partir de exploraciones en torno a distintos textos de Esquilo, Sófocles y Eurípides, construimos un texto en el que tres figuras inertes, en un espacio negro, con una tela roja y tres báculos, regresaban de la muerte… ‘recordando’ los distintos fragmentos, como si fuesen los habitantes de un lugar sin tiempo, en el que debían persistir en la memoria perdida”. 14 Estos tres actores interpretan alternativamente diversas figuras míticas como Dionisos, Tiresias, Jasón o Prometeo que reflexionan sobre la condición de la mortalidad. Algo parecido hace un año después con el montaje de Gineceo, donde refunde tres comedias de Aristófanes: Lisístrata, las Tesmoforias y La asamblea de mujeres. La cantidad de actores que participó en esta puesta, un total de nueve, llego a interpretar según palabras del propio Romero una veintena de personajes. Esta propensión de reunir distintos elementos del mito, la historia y la literatura griega se reitera en otros países del área del Caribe. Durante el año 2007 fue presentada por el Grupo Teartes en el Teatro Luis Peraza de Venezuela la obra Hembras, mitos y café, de la directora Jericó Montilla, donde el procedimiento se repite: son reunidas en escena la mayoría de las heroínas griegas – Ariadna, Electra, Hécuba, Antígona, Helena, Yocasta, Medea, Fedra y Clitemnestra, que, convertidas en prostitutas, bailan, cantan, monologan y se apoyan mutuamente en su destino trágico, signados por amores no correspondidos o erróneos. A MODO DE CONCLUSIÓN Para terminar, podemos esbozar algunas conclusiones preliminares sobre el corpus encontrado y los modos de organizarlo y estudiarlo. Por un lado el rastreo de las 61 obras localizadas ha demostrado la variedad y significación que ha tenido el empleo del mito en el teatro caribeño. Por otro, la dimensión de este corpus, las diferencias espaciotemporales de las obras, los modos de tratamiento mítico, las intenciones autorales, el poco acceso y difusión de las piezas, entre otros aspectos, han limitado las investigaciones sistémicas por parte de la comunidad académica latinoamericana, que suele acercarse a la tradición clásica en el teatro mediante el análisis de piezas particulares o grupos de estas conectadas por un mismo contenido mítico, como el vinculado a Antígona o a Medea, por mencionar las líneas de mayores resultados. No obstante, hemos podido apreciar que, aunque limitada, ha existido una tradición crítica que ha esbozado posibles modos de acercamiento y sistematización de las obras caribeñas que reescriben los mitos 14 Sandro Romero Rey: “Dramaturgia en la academia”, p. 107. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 91 clásicos. Estudios pioneros como el de Costa Palamides, continuados por académicos como Piannacci o Elina Miranda, entre otros, son testimonios de esta importante línea de investigación. En este sentido hemos descubierto dos criterios fundamentales para la clasificación. Uno apoyado en la nomenclatura intertextual y paródica que se enfoca en las formas y los modos de relación entre las obras y sus modelos. Recordemos cómo Miranda Cancela propone en este sentido una revisión de teóricos como H. C. Rutledge o Linda Hutcheon, donde se reformulan criterios como reconstrucción, recreación, versión, así como tipos de tratamiento paródico (negativo, neutro, reverente y mixto) a fin poder establecer una mayor flexibilidad e inclusión de las obras latinoamericanas. Y el otro, que se sostiene en criterios de coincidencia temática, donde se emprende la búsqueda de algunos mitos o personajes recurrentes. Así tenemos los estudios de las Medeas y Antígonas latinoamericanas. Las dos últimas tablas propuestas al inicio del trabajo corresponden a intentos de agrupación temáticas cada vez más inclusivos, que culminan con la propuesta de distribución por ciclos míticos, con la interesante singularidad de unas pocas piezas que, por su contenido, se apartan de la generalidad. Asimismo, considerando que la mayoría de estos estudios establece como elemento diferenciador de nuestro teatro, con relación al europeo, una adecuación paulatina del mito a la realidad del continente y sus circunstancias históricas, donde la variante más importante de reecritura es el compromiso político y la problemática social (clasificación de Palamides, conclusión de Pianacci, tesis de Doris Melo), hemos pretendido demostrar cómo sobre todo en el siglo XXI han emergido otras formas de apropiación del mito clásico en función de problemáticas más universales, como la transexualidad o el tema de la tecnología y la ataduras virtuales. A estas se podrían sumar otras más, también sui generis, que por razones de tiempo no hemos podido analizar.15 Se puede afirmar en este sentido que, si bien las connotaciones de carácter político o social han caracterizado la generalidad de nuestras reescrituras míticas, sobre todo las producidas en el siglo pasado, estas no se ajustan como criterios diferenciadores a las nuevas variantes mencionadas, que requieren otras perspectivas de interpretación. Más que pretender fijar una clasificación del corpus reunido, he intentado, con el análisis de estas obras, la mayoría de las cuales se han escrito en el siglo XXI, aludir a nuevas alternativas de apropiación mítica, que complementen las ya canonizadas y abran el camino a futuras sistematizaciones. AA 15 Piénsese en la problemática adolescente y del aborto en la Medea del cubano Yerandy Fleites; o en la importancia que adquiere la cotidianidad, la desmemoria y el cine en la Medeareloaded del también cubano Maikel Rodríguez. 92 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ABSTRACT Last decade of 20th century and the beginning of 21th, due to some congresses and academic researches, it has started to value the presence of Classic myths in Latin American theater. This has made possible the rescue and analysis of an important and growing corpus of works that continuously updates with new productions and approaches. A valuable research’s subject in this regard has been to systematize all founded repertoire from multiple methods and theories. Some of the most wellknown studies –such as Costa Palamides’ and Elina Miranda’s– are valuable contributions to this intention. The present research, which is inserted in this framework, aspires to update and renovate current Caribbean corpus, as well as to reveal new tendencies, by considering previous studies and tracking new dramatic productions. It’s specially focused on works of the Hispanic Antilles, in relation with the productions of other Caribbean areas. KEYWORDS Classic myths, Caribbean theater, corpus REFERENCIAS FERNÁNDEZ GALIANO, Manuel: Edipo por tierras de España. GENTILI, B. & FUNDORA, Carlos: Edipo Gay. Comedias sin lente, La Habana, Ediciones Alarcos, 2006, p. 75-101. GONZÁLEZ BETANCOURT, Juan David. Antígona y el teatro latinoamericano, Calle 14, Colombia, vol. 4, n. 4, enero-junio de 2010, p. 72-85. HUTCHEON, Linda. Ironía, sátira, parodia. De la ironía a lo grotesco, México, Universidad Autónoma Metropolitana, 1992, p. 173-193. LÓPEZ FÉREZ, Juan Antonio: Mitos clásicos en la literatura española e hispanoamericana del siglo XX, Madrid, Ediciones Clásicas, 2009, 2 vols. MENDOZA, Doris Melo. Las reescrituras de las tragedias griegas en el teatro dominicano del siglo XX. Disponible en: <http://udini.proquest.com/view/las-reescrituras-de-lastragedias-pqid:2381110481/>. Acceso: 25 nov. 2012. MIRANDA CANCELA, Elina. Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico. En: BOCCHETI, Carla (Ed.): La influencia clásica en América Latina, Universidad Nacional de Colombia, 2010, p. 29-41. MIRANDA CANCELA, Elina. Calzar el coturno americano, La Habana, Ediciones Alarcos, 2006. OMOBONO, Carlos. Edipo gay, Alcaldía de Caracas, Fondo editorial Fundarte, 1999. PALAMIDES, Costa. Mito griego y teatro latinoamericano del siglo XX. Primer Acto. Cuadernos de investigación teatral, Madrid, n. 299, 1989. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 93 PIANACCI, Rómulo E. Antígona: una tragedia latinoamericana, California, Ediciones de Gestos, 2008. PRETAGOSTINI, R. (Eds.): Edipo. Il teatro greco e la cultura europea, Roma, Collezione dell’Ateneo, 1986, p. 135-160. REY, Sandro Romero. “Dramaturgia en la academia”. Calle 14: Revista de Investigación en el Campo del Arte, Colombia, vol. 1, nº. 1, 2007, p. 102-111. STEINER, George: Antigones, New York, Oxford University Press, 1986. Recebido em 30 de janeiro de 2014 Aprovado em 4 de abril de 2014 94 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 PODRÍAS LLAMARTE ANTÍGONA Un drama mexicano contemporáneo* YOUR NAME COULD BE ANTIGONE: A CONTEMPORARY MEXICAN DRAMA Helena González-Vaquerizo** Universidad Autónoma de Madrid RESUMEN Este trabajo analiza los elementos del teatro griego en la estructura, personajes, temas y motivos de Podrías llamarte Antígona, escrita por Gabriela Ynclán en 2009. El drama es un ejemplo del teatro comprometido americano y retoma las claves de los mitos de Antígona y Edipo en la tradición occidental. La autora hace una lectura política y feminista de las obras sofocleas, pero sobre todo una humanista. De hecho, la pieza fue concebida como denuncia ante las autoridades por su actuación en la tragedia de la mina de carbón de Pasta de Conchos (Coahuila, México) en febrero de 2006. Una explosión de gas causó la muerte de 65 trabajadores que resultaron enterrados en vida y cuyo rescate nunca se llevó a cabo. Este artículo describe además la génesis de la obra gracias al trabajo de la ONG Cereal y su recepción por parte de las familias de los fallecidos. PALABRAS CLAVE Tradición clásica, teatro latinoamericano, Sófocles, Antígona, Edipo Rey, Gabriela Ynclán, Pasta de Conchos 1. I NTRODUCCIÓN “Societies with no hope for change feel no need for theatre”.1 Se ha dicho que las sociedades sin esperanza de cambio no tienen necesidad del teatro. En este sentido el teatro en la América de hoy es urgente; no es una rescritura * Este trabajo forma parte del proyecto de investigación FFI2011-27645 financiado por el MINECO. ** [email protected] 1 CARLSON. Theories of theater, p. 433. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 95 más o menos original de los dramas clásicos, no plantea una subversión estética del mito, ni la idealización romántica de sus figuras, al menos no mayoritariamente. De lo que tratan los mitos griegos en el teatro americano, y muy especialmente el de Antígona, es de la injusticia y de la necesidad de denunciar los abusos de poder. Esta es una de tantas lecturas de Antígona, tantas que no voy a entretenerme en ellas. George Steiner dedicó un penetrante estudio a la travesía de este mito por la historia de Occidente. Pero Steiner no menciona ni una sola Antígona americana. Las suyas son, sobre todo, heroínas europeas cuyos fascinantes dilemas expuestos por pensadores de la talla de Hegel, Kierkegaard o Reinhardt llegan, no obstante, a América. Ha habido algunas versiones especialmente influyentes, como la de Jean Anouilh (1944) o la de Bertold Brecht (1947), adaptación de la traducción sofoclea de Hölderlin brillantemente analizada por José S. Lasso de la Vega.2 Solo en España y solo entre 1935 y 1998 hay al menos 17 obras que tienen el discurso de la paz de Antígona como protagonista. 3 Y es que los momentos de esplendor de la tragedia suelen coincidir con fases de gran iniciativa y energía política.4 No es extraño que en los siglos XX y XXI las Antígonas de Latinoamérica reivindiquen la lucha por una sociedad más justa, ni que lo hagan desde esa perspectiva de género que ha acompañado siempre, en mayor o menor medida, a la heroína: “es en el contexto americano donde Antígona adquiere su gran protagonismo. Exponente de las mujeres del continente, nos recuerda la función efectiva y simbólica, fundamental y emblemática de las mujeres en el entramado social y político de la cultura. Son ellas las que abandonan el interior de las casas para denunciar los excesos del tirano, son ellas las que invocan el derecho de los muertos a recibir sepultura, son ellas las que se arriesgan, en contra de la ley y en nombre de esa ‘noción’ tan indefinible y abstracta como imposible de circunscribir que es la Justicia”.5 Son muchas las obras que equiparan la situación de peste tebana a la violencia institucionalizada de los regímenes dictatoriales latinoamericanos, obras en las que los desaparecidos de la dictadura argentina o más recientemente los secuestrados por las Farc en Colombia son reivindicados por sus madres y hermanas.6 En esta ocasión me detengo en un drama acaecido en México en una mina de carbón,7 escrito como consuelo para las mujeres, madres y hermanas de los fallecidos, pero también como denuncia para que los abusos del poder salgan a la luz. 2 LASSO DE LA VEGA. De Sófocles a Brecht, p. 311-379. PIANACCI. Rito, mito y tragedia. El camino hacia la Antígona americana, p. 85-86. 4 BERGUA CAVERO. Sófocles, Tragedias. Áyax, Antígona, Edipo Rey, Electra, Edipo en Colono, p. VIIIXXVII. 5 PIANACCI. Rito, mito y tragedia. El camino hacia la Antígona americana, p. 91. 6 En las notas del trabajo haré referencia concreta a algunas de las muchas Antígonas americanas del siglo XX que han sido estudiadas por BAÑULS OLLER y CRESPO ALCALÁ, Antígona(s): mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes, p. 421-515. 7 Cabe recordar el semejante escenario de la brasileña Pedreira das almas (Cantera de almas [1958]) de Jorge Andrade. 3 96 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 2. ORIGEN DE LA OBRA 19 de febrero de 2006. En la mina de carbón de Pasta de Conchos en Coahuila una explosión deja atrapados a 65 trabajadores. Durante días se discute sobre la profundidad a la que se encuentran o las posibilidades de que los conductos de ventilación estén funcionando. Pero finalmente las autoridades niegan a las familias la posibilidad del rescate. Es tan peligroso intentarlo, dadas las altas concentraciones de gas metano en el interior, que no importa si están muertos o si han sido enterrados en vida. Tampoco importa que en esas mismas condiciones fueran a trabajar para la empresa Grupo México. Esta, según varios periodistas, incluso se vio beneficiada por la explosión al cambiarse la ley de explotación del metano. Una semana después del accidente la Cámara de Diputados guardaba un minuto de silencio. Desde entonces la mina está cerrada y solo se han recuperado dos cuerpos. Tres años más tarde, y esto ya es la ficción dramática, una mujer alza su voz y reivindica justicia, dignidad y sepultura para el cuerpo de su hermano. Se llama Analía, pero podría llamarse Antígona. En su determinación rescata el cuerpo del hermano y, por ello, se enfrenta a los poderosos. Aunque resulta encarcelada y muerta, la victoria moral es suya. Al Tirano lo acosan sus propios fantasmas –la codicia, las imágenes de Analía y los mineros muertos, la muerte de su ahijado político– y la voz de una chamana de varios rostros que, como Tiresias en Edipo Rey, abre los ojos del poderoso a los crímenes que ha cometido. Gabriela Ynclán (México, DF, 1948), dramaturga de casta que cuenta con diferentes obras políticas en su producción,8 llevó a los escenarios mexicanos en 2009 9 una obra que denuncia la pérdida del respeto por la vida humana de los últimos gobiernos del país, al tiempo que reivindica el papel de las mujeres en la defensa de la justicia social y la ética más básica. La obra de Gabriela Ynclán se incluye en esa tendencia del teatro americano de los años 60 en adelante donde las figuras mitológicas protagonistas “viven y reprochan, directa e indirectamente, su situación como individuos en estas sociedades”. 10 No es casualidad que la Premio Nacional de Dramaturgia 11 vuelva su 8 Como No más que salgamos sobre los movimientos estudiantiles del 68. En cuanto a la vinculación de Sófocles con la política, es conocido que tuvo un papel importante en la vida política de Atenas, desempeñando diferentes cargos, si bien es posible que simplemente cumpliera con sus obligaciones civiles, como defiende Jorgue Bergua Cavero en su introducción a Sófocles. A veces sus tragedias se han interpretado a la luz de las anécdotas políticas del momento. Pero en sus personajes se deja ver el sentido de la política en su más amplia acepción y la preocupación por la sociedad. “No existe ciudad que sea de un solo hombre” le dice Hemón a Creonte (S. Ant. 737). 9 Podrías llamarte Antígona fue estrenada el 23 de agosto de 2009 en el Foro Cultural Coyoacanense Hugo Argüelles gracias a la colaboración de Tepalcate producciones y del instituto INMUJERES del D. F. bajo la dirección de Silvia Macip, mexicana afincada en Valencia. El manuscrito permanece inédito y fue cedido por su autora para la realización de este trabajo. Puede, no obstante, descargarse previa creación de una cuenta en http://espanol.dramaturgiamexicana.com/index.php/component/ obras?tip=obrad&id=428. 10 MORENO. La recontextualización de Antígona en el teatro argentino y brasileño a partir de 1968, p. 115. 11 Sociedad General de Escritores de México. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 97 mirada a dos de los más poderosos dramas del teatro griego, la Antígona de Sófocles y su Edipo Rey. Plagada de referencias clásicas, pero también de la tradición mexicana, Podrías llamarte Antígona es una bellísima recreación del drama clásico, investida además de la fuerza del teatro americano contemporáneo, que representa la cruda realidad de un tiempo y de una época. En el año 2009, transcurridos ya tres desde la tragedia, acompañaban a las mujeres la pastoral laboral y la ONG Cereal (Centro de Reflexión y Acción Laboral). En palabras de uno de sus miembros e impulsor del proyecto: Todo empezó porque el movimiento de las familias en Pasta de Conchos veía que el tiempo pasaba y las autoridades no resolvían nada, había desaliento y no encontrábamos modos de poder ayudarles a expresar el dolor y la frustración tan grande que sentían. Mucha gente de fuera (periodistas, políticos, etc.), que al principio les habían mostrado apoyo, ahora los tomaban por necios, diciendo cosas como que si ya no les habían hecho caso en tanto tiempo, que ya se conformaran o que cambiaran el discurso a otra petición. Eso les hacía sentirse muy solas (eran sobre todo madres y hermanas). Las cosas las iban desanimando, pero algunas de ellas, Conchis por ejemplo, hermana de un minero enterrado, decía que ella no lo podía dejar ahí, que cómo lo iba a hacer, si su hermano le pedía que no se fuera y ella tenía un deber con él. De ahí empezó todo. Antígona no fue lo primero que apareció. Otras personas del grupo decían que tenían necesidad de reírse de quienes les cerraban las puertas. Lo primero que se le propuso, entonces, a la dramaturga Gaby Ynclán, fue que escribiera una pastorela para ellos. Era una obra cómica, típica del tiempo de Navidad, en donde los diablos intentan paralizar la esperanza del mundo, evitando el nacimiento de Jesús. Todo salió muy bien y conseguimos un proyecto para llevarla a diferentes colonias, representándola en las plazas públicas. Alentados por eso fue que pensamos en Antígona. Alguna vez, en medio de aquellos días de noviembre u octubre del año anterior a la obra, yo me había sentado en uno de los plantones (cuando nos quedábamos a acampar fuera de la empresa, en uno de los barrios más elegantes de la Ciudad de México), a hablar con Conchis, Elvira, doña Trini. Me contaban cómo se sentían y el deber que sentían de no abandonar a sus hermanos, maridos, hijos. Yo empecé a contarles la historia de Antígona. Se sintieron identificadas. Luego, traje la obra de Sófocles y les leí algunas partes. Les llamó mucho la atención eso de tener un deber que no estaba escrito en las leyes de los hombres. Especialmente eso, porque era lo que sentían. Las leyes de los hombres no les daban respuesta ni justicia, pero era eso lo que les pedían sus muertos. Esas eran las voces más antiguas y en ellas se oía la voz de Dios. De ahí partió todo. Yo en ese momento me llevé la idea de que ahí sería el lugar donde podría resonar, otra vez, la voz de Antígona. Después de la ‘endiablada’ El Diablo de la Mina, le conté a Gaby la experiencia y le propuse hacer una versión de Antígona. Ella se puso a escribirla. La tenía hecha en dos semanas. Me la dio a revisar. Estaba muy bien. No todo era idéntico, por lo que la había llamado Podrías llamarte Antígona, pero se respetaba lo que ellas habían visto de la ley antigua enfrentada a las leyes de los hombres”.12 3. ESTRUCTURA, PERSONAJES , TEMAS Y MOTIVOS No todo es idéntico y, sin embargo, en algunos aspectos Podrías llamarte Antígona no difiere mucho en su estructura de un drama clásico. Entre otras razones, porque 12 98 Palabras de Pedro Linares Reyes (ONG Cereal-Pastoral) en comunicación personal. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 cumple con la unidad de tiempo y lugar aristotélica, y porque la muerte no se muestra en escena. También en la sucesión de episodios según un plan climático y en el ritmo vertiginoso de acontecimientos recuerda mucho a los dramas de Sófocles que le sirven de hipotexto. La obra consta de 8 escenas, se abre y se cierra con las intervenciones del coro. Los episodios sofocleos (4 o 5 por lo general), que suelen ser biscénicos y antitéticos y alcanzar el clímax en el tercero,13 encuentran su correlato en las 8 escenas de esta obra, siendo la cuarta aquella en que todo se precipita. Su lenguaje es natural, pero digno. No recargado de epítetos, aunque elevado, sobre todo en las partes corales, más poéticas. Bajo una aparente sencillez típicamente sofoclea, los dobles sentidos también aquí están presentes. No hay diálogo triangular, como en Sófocles, sino agones de dos personajes, como en Esquilo, e intervenciones del coro. El escenario se estructura en dos niveles, arriba la oficina del Tirano, abajo la galería donde están encerrados los mineros.14 En definitiva, el reino de los vivos y el de los muertos, entre los cuales va a moverse la joven Antígona. A NALÍA – A NTÍGONA Ella no pertenece ni a uno ni a otro, sino que transita entre ambos (S. Ant. 850 y ss.). Sabe que no será la primera mortal en descender a los infiernos y con cautela se dirige a los mineros muertos. Estos la acogen con afecto. Un minero viejo le da las instrucciones para reconocer a su hermano a través de la sangre y para el regreso; como Eurídice solo debe caminar hacia la luz. A Antígona la definen, desde su debut en escena, al final de Los siete contra Tebas de Esquilo (A. Th. 1026 y ss.), un gesto –el de enterrar al hermano– y unos pocos rasgos de carácter. Todos se cumplen en Analía.16 En palabras del coro y de su hermana ella no suplica, sino que reclama, tiene firme corazón y cabeza de loca, es joven, es fuerte, valiente y firme, podría llamarse Antígona... Y en las suyas propias la mueve el sentimiento del deber para con su hermano Ernesto. Además, junto a la Antígona piadosa, está también la contestataria, quien con meridiana claridad entiende que “El poder es poder, es ejercer la fuerza, imponer la mentira”, sustantivos que en su boca parecen cobrar la entidad de divinidades arcaicas: kratos, bias, pseuma. Acusa al Tirano de complicidad con la empresa minera, de consentir con su codicia y sus crímenes. Y es que el Tirano sabe, aunque al principio no quiera reconocerlo. Por eso, cuando se siente amenazado por ella, la manda encarcelar. Si Creonte ordenaba 15 13 LASSO DE LA VEGA. En: Sófocles. Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes, Edipo en Colono, p. 36-37. 14 También en una de las más recordadas versiones americanas del mito, La pasión según Antígona Vélez (1968) de Luis Rafael Sánchez, la escena se divide entre el palacio, arriba, y el sótano, abajo. 15 Las citas de autores antiguos siguen el sistema del Diccionario Griego-Español del CSIC. Cf. http:// dge.cchs.csic.es/lst/lst4.htm. 16 El nombre es hebreo. Se crea en fecha desconocida a partir de Hannah y Lea. Hannah es “la llena de gracia” pues Dios le concedió el tener un hijo, Samuel “al que Dios ha oído”. Lea es “la fatigada” pues enamorada de su esposo Jacob no era correspondida en la misma medida. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 99 ocultar viva a Antígona en “una pétrea caverna” (Ant. 775) –qué es la mina, por cierto, sino eso–,17 al Tirano de esta obra se le reprochará su acción en los siguientes términos: “A una celda sin sol la consignaste. ¿Te das cuenta de qué hiciste?”. Pero Analía no siente miedo ni arrepentimiento. Analía tenía que sacar de las entrañas de la tierra el cuerpo de su hermano para poder enterrarlo. Al hacerlo, no solo cumplía con su deber moral, sino que además ponía en entredicho las versiones oficiales que consideraban imposible el rescate de los cuerpos. Su gesto era una amenaza a los poderosos porque los cadáveres podrían determinar, entre otras cosas, si fueron muertos en la explosión, cuáles fueron las causas de esta, o si fueron enterrados en vida.18 En la obra el amado de la joven está ausente. Hemón ha sido sustituido como hijo del tirano por su secretario y Antonio, que es como se llama la pareja de Analía, nada tiene que ver con ellos. El coro y Jimena (Ismene) lo recuerdan en varias ocasiones. Analía renuncia con él al amor y a sus sencillos sueños de mujer: “Dile que lo amo, que hubiera querido una vida con él, trabajar juntos, tener hijos, construir una casa” (cf. coro sobre Eros Ant. 782 y ss.). Este es su último mensaje, pues como Antígona “no está hecha para compartir el odio, sino el amor” (Ant. 524). JIMENA – ISMENE Ismene se transforma en Jimena por simple aproximación fonética y esa es casi la única transformación del personaje. Jimena alegará que también añora al hermano, pero no encontrará fuerzas para bajar “a ese infierno” ni ganancia en intentarlo. En su condición de mujer débil ni se enfrenta a su hermana, ni la apoya. Jimena no es una heroína, pues para ser un héroe hay que tener un destino, como lo tienen Antígona o Edipo. Cuando después del entierro de Ernesto las hermanas se despidan, Analía le recordará que ella debe buscar un destino propio que no es el suyo, como Antígona a Ismene: “desde hoy tú tienes una vida y yo tal vez una muerte” (Ant. 83) “Tú has elegido vivir y yo morir” (Ant. 555). Cuando prenden a Analía, Jimena suplica que la lleven con ella, con quien debió estar siempre. Se arrepiente, como Ismene, que quiso presentarse como cómplice de su hermana cuando ya era demasiado tarde (536 y ss.). T IRANO – C REONTE – E DIPO Cuando la entrevistaba para realizar este trabajo Gabriela Ynclán me dijo: “Un tirano lo es acá y en Grecia”. Así pues, fue sencillo trasladar el personaje de Creonte al contexto mexicano como un simple “tirano”. El anonimato nos dice eso, que un tirano 17 Son muchas las alusiones a la luz del sol, como en la tragedia de Sófocles, a la ceguera y visión. Una de las más llamativas es la de la leyenda mexicana sobre los distintos soles que el señor del mundo toma para cada día de acuerdo a las necesidades de los hombres. 18 El motivo ya estaba en la nicaragüense Antígona en el infierno. Drama en un acto (1958) de Rolando Steiner. Allí la heroína se empeña en desenterrar el cuerpo de su hermano pues sabe que ha sido torturado y que así podrá denunciar los actos de Creonte. 100 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 lo es en todas partes, pero también esconde la identidad del personaje real aludido (el entonces presidente de México, Felipe Calderón Hinojosa, 19 al que, no obstante, señalaba por su parecido físico el actor que lo interpretaba). Por otra parte, el nombre del personaje alude al héroe trágico, Edipo Rey, en griego, Oedipus Tyrannos.20 Así el Tirano tiene al menos tres referentes: Creonte, Calderón y Edipo. La mitad del drama es suyo, como sucede en la Antígona de Sófocles. Además, cabe recordar que “desde la Antigüedad son insistentes los paralelos entre Creonte y Edipo”.21 Su primera intervención es un discurso ante los medios de comunicación interrumpido por las voces de los mineros muertos, que él achaca a su propio miedo. Es el discurso de un tirano, plagado de referencias a la nave del Estado y al buen gobernante, cercano al que Creonte hace ante el coro en la obra de Sófocles (Ant. 162 y ss.). Entre promesas y mentiras en lo que atañe al accidente en la mina se intercalan las voces de los muertos interpelándole “¿Estás más ciego que los ciegos? ¿Más sordo que los sordos?”. Pero él asegura que no permitirá que las familias bajen a la mina, llegando en la perversión de los significados a calificar tal acto de crimen. La estructura de investigación policíaca de Edipo Rey se repite en esta obra y el mismo personaje que promueve la investigación (en este caso sobre el acto de Analía) resulta ser culpable de auténticos crímenes. Mientras que Edipo presionaba a Tiresias para saber la verdad, aquí el Tirano no quiere desvelar las mentiras, pretende ignorarlas, y será una mujer de aspecto cambiante, una chamana quien lo induzca a hacerlo. “¡Por todas partes se siembra la injusticia! ¡Tus hombres, tus protegidos, tus amigos y socios roban, violan, matan! ¿Qué estás haciendo tú? ¡Has desatado la violencia! (…) Y sin embargo, la soberbia –hybris– no te deja mirar, recomponer las cosas”. (…) “No se puede hacer daño y pensar que por lo menos otra justicia; una que esté fuera del universo de los hombres, no te alcanzará”. No está Hemón para pedirle que rectifique (cf. Ant. 751), solo la chamana, ya que el hijo de Creonte se ha convertido en el ahijado político del Tirano, unido a él por vínculos “más fuertes que los de la sangre”. S ECRETARIO – H EMÓN – Í CARO Uno de los aspectos más originales de esta obra es la introducción del personaje del Secretario de Gobernación, a la sazón Juan Camilo Mouriño. Mouriño era el brazo derecho del presidente Calderón y un joven y brillante político. Su fulgurante carrera terminó de golpe el 4 de noviembre de 2008 cuando el avión en el que viajaba se precipitó sobre la Ciudad de México. El accidente provocó la muerte de todos los 19 Presidente de México entre 2006 y 2012 con el Partido Acción Nacional. Calderón fue democráticamente elegido y no es mi opinión personal la identificación con el personaje del Tirano, sino ficción poética de la pieza teatral. Tampoco las referencias a otros personajes reales, instituciones o empresas mencionadas en este artículo implican juicio de valor alguno por mi parte. 20 Vínculos con Edipo Rey se encuentran en otra obra reciente mexicana, El rey Creón, los límites del cambio (2004) de Alejandro Carrillo, donde se destacan los conflictos creados por aquellos gobernadores que no escuchan a sus pueblos. 21 STEINER. Antígonas. La travesía de un mito universal por la historia de Occidente, p. 211. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 101 pasajeros, además de 40 heridos y enormes destrozos en la céntrica Avenida Reforma. En las mentes de los mexicanos las imágenes del avión en llamas en pleno centro de la capital quedaron profundamente grabadas. La muerte de Mouriño en lo que tal vez fuera un atentado significaba que tampoco los poderosos estaban a salvo de la violencia. No es extraño que la obra de Gabriela Ynclán haga guiños al periodismo mexicano y que incluso transforme en ficción algunas noticias, pues lo que hoy causa un terror y piedad semejantes a los del drama clásico es la cruda realidad.22 En la cuarta escena el Secretario conversa con el Tirano sobre sus planes de futuro, sus empresas más o menos legales (las acusaciones de corrupción a la persona de Mouriño eran frecuentes) y su prometedora carrera. Los dobles sentidos llenan estos pasajes en los que Gabriela Ynclán puede hacer uso de la tan sofoclea ironía trágica: “Tiempos felices nos esperan” le dice el Tirano al Secretario, cuando el público sabe que Mouriño está a punto de precipitarse desde las alturas y morir, como un Ícaro. De hecho, hablan del “vértigo de poseer” lo que tanto desean. El propio Secretario confiesa sentir una cierta inquietud y un miedo irracional. Su muerte servirá de detonante para que, invadido por los mismos miedos, el Tirano abra los ojos a sus culpas y responsabilidades. El Secretario también cumple la función de un mensajero cuando anuncia al Tirano que una joven ha rescatado el cuerpo de su hermano y lo está enterrando en contra de sus órdenes. La noticia es tan inverosímil que el Tirano manda investigar “¿Quién es esa mujer? ¿Quién la ayudó?”. La mayor preocupación de ambos es que la noticia no trascienda a los medios y que, si a pesar de sus influencias sobre estos lo hiciera, que con el dinero de la empresa minera, que apoyó su candidatura, se acallen las voces.23 M UJER – E SFINGE – T IRESIAS DE VARIOS ROSTROS Una mujer de varios rostros, una chamana, 24 se presenta ante el Tirano como aquella que hace años le augurara el poder en esa tierra. Como la Esfinge en el Edipo Rey de Pasolini (1967) la chamana cambia de aspecto a lo largo de la obra. Viene para traerle noticias del futuro, dice, y una advertencia: “Quien el poder detenta y no sabe cómo ha de comportarse ante él, puede perder a un pueblo y llevarlo a la ruina”. Él reacciona airado ante la mujer, como Creonte ante Tiresias (Ant. 989 y ss.) y son sus palabras, como las de Tiresias a Edipo, las que finalmente lo llevan a destapar la verdad. Quizá no esté de más recordar que el adivino de Tebas también mudó su aspecto y fue una mujer en algún momento. 22 Incluso hay en Latinoamérica una técnica del Teatro del Oprimido que es la del teatro periodístico, donde se hacen lecturas dramáticas de noticas periodísticas (cf. BOAL. Técnicas latinoamericanas de teatro popular. Una revolución copernicana al revés). 23 También La pasión según Antígona Vélez (1968) de Luis Rafael Sánchez, habla entre otras cosas de la manipulación de la información por parte de los periodistas favorables al tirano. 24 Recuerda a las tres brujas de la argentina Antígona Vélez (1951) de Leopoldo Marechal, que anticipan los acontecimientos con funestos presagios, y que son, a su vez, de inspiración shakesperiana. 102 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 El personaje de la chamana, cuyas técnicas de adivinación son el paliacate y el maíz, es un magnífico ejemplo de adaptación de varias figuras míticas (la Esfinge, Tiresias, incluso la profetisa Casandra) a la tradición americana. C ORO D E MINEROS La manera de dar voz a los mineros muertos era transformarlos en coro. Además el lenguaje poético de los coros trágicos resultaba adecuado para unos muertos que, entre líneas, evocan los de Juan Rulfo en Pedro Páramo. Este coro era imprescindible, porque representa al colectivo: actúa como personaje dramático, también como portador del pensamiento de la autora y como espectador ideal, a veces. Su aspecto es fantasmagórico, con la ropa desgarrada y quemada, como espectro de las profundidades. Al igual que en Sófocles, los coros separan casi todos los episodios de la obra (conjunto de dos escenas, pues vimos que aquí hay 8). Probablemente detrás de esto no hay tanto una imitación consciente como un conocimiento profundamente asimilado de la tragedia griega. El prólogo de los mineros es un preludio de la tragedia (“La luz y el sol relucen afuera, y nosotros aquí”) y su última intervención es una contundente condena a la hybris: “Quién te dijo tirano que tú no eras mortal? ¿Quién te dijo tirano que actuaras como un Dios? El cielo no era tuyo, no eres la ley, ni el tiempo”. MENSAJERO El imprescindible mensajero interviene en la última escena como portador de la funesta noticia de la muerte del Secretario “por el aire y por el fuego”, presagios de los cuales había tenido el Tirano en sueños. “Quiero volver atrás. Nunca debí condenar a esa joven, ni soñar las desgracias, ¡Quiero volver atrás! ¡Dioses, por qué me castigan así?” dirá. El mensajero regresa para anunciar otra muerte, la de Analía que, como la de Antígona, el Tirano no había ordenado directamente. “El corazón es flor” le explica la chamana “cuando este ha ido tras de otros, ese pequeño y rojo niño deja de caminar”. Para entonces el Tirano ya se viene abajo, implora por su alma enferma de poder, sangre y avaricia. El coro entre imágenes apocalípticas anuncia que “La tierra está girando en sentido inverso”. Si la tierra gira en sentido inverso es que el orden cósmico se ha alterado. Esto ocurre en Tebas al comienzo del Edipo Rey y también aquí: “Todos los días”, dice el coro, “cientos de pájaros mueren decapitados” (…) “Monstruos del desierto siembran el terror y la muerte entre las mujeres”. La chamana, por su parte, evoca las palabras de Tiresias “el hedor impuro por los altares de la ciudad” (Ant. 1083) cuando dice: “Pasada la media noche flotan despojos por el viento, un olor putrefacto cubrirá la ciudad”. La peste descrita en esos versos ocurre cuando se anulan los principios sociales, cuando los poderosos ejercen mal su poder. Y a menudo es en ellos mismos en quienes ha de limpiarse la mancha (el miasma), pues el rey es el pharmakós en quien se expía una culpa heredada, sea la de los labdácidas, sea la de una clase política corrupta. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 103 “Durante muchos años pensé que la violencia política en Colombia traía la misma metafísica que una peste” afirmaba en una entrevista Gabriel García Márquez.25 Pero la tragedia para el Tirano es el descubrimiento de su responsabilidad, un conocimiento que adquiere mediante el dolor: “El dolor es la condición, y no hay otra, para que el héroe doliente cobre conciencia de su ser verdadero”.26 Un motivo recordado por el coro de mineros: “que el dolor se transforme y abra tu corazón, tu cerebro, tu vida a nuevas enseñanzas”. El dolor podría haber dado cierta grandeza al Tirano, pero hasta el final este se aferra a su mando. Los mineros suben hasta él una cuerda de vida roja. Una cuerda de escalada, medida básica de seguridad en una mina que, en el caso de Pasta de Conchos, no existía. “La mujer lo va amarrando hasta que lo ahorca” señala la última acotación. “Los culpables serán castigados”, había dicho, como Edipo, el Tirano. RECEPCIÓN Antígona es una mujer sencilla que “sabe y está segura de pocas cosas: que hay unos dioses arriba y otros de abajo, que aquende están los vivos y allende los muertos y que a los difuntos, que son del reino de los dioses de abajo, menester es enterrarlos”.27 Este mensaje sencillo, pero profundamente arraigado en el sentimiento humano, llegó sin obstáculo a las mujeres de los mineros. Esta obra la vieron las mujeres de los mineros en una primera función cuando todavía no estaba totalmente montada. Más bien fue una lectura dramatizada. Fue una experiencia muy dura, lloraron mucho. No se les hizo nada extraño. Muchas de ellas tenían referencia de Antígona por Pedro,28 que parece les leía la obra de Sófocles. Después la obra se fue por diferentes delegaciones del Distrito Federal, colonias muy populares. Las funciones eran para que se armara un debate con las mujeres y así se dio. En general los debates se volvían muy políticos sobre la participación de las mujeres y la actitud del gobierno. La gente identificaba muy bien al tirano como el presidente y no obstante desconocían la situación de Pasta de Conchos el objetivo se cumplía porque era ese, que el hecho se conociera.29 25 Su novela La hojarasca (1955) va encabezada por una cita de la Antígona de Sófocles y la situación de miasma es frecuente en su obra. Cf. GARCÍA MÁRQUEZ. Tras las claves de Melquíades, p. 305. 26 LASSO DE LA VEGA. Sófocles, Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes, Edipo en Colono, p. 48. 27 LASSO DE LA VEGA. Sófocles, Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes, Edipo en Colono, p. 81. 28 Cf. nota 8. 29 Gabriela Ynclán en comunicación personal. 104 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 4. C ONCLUSIONES Gabriela Ynclán utiliza el mito de la Antígona como referencia para una lectura política, como casi siempre ocurre en América, y feminista, 30 pero también habla de mujeres que simplemente no pueden dejar a sus muertos tan desvalidos,31 es decir, de la Antígona humanista. Ella “encarna la ley del corazón y de la esfera privada en contra de la fría y racional de los hombres y de la ciudad, de los varones y del colectivo”.32 En la obra se reflejan las constantes de conflicto en el ser humano que Steiner 33 identificara a partir de Antígona: hombres y mujeres, individuo y Estado, vivos y muertos, ley humana y ley divina. Jacques Derrida dijo que “La ley humana es la ley del varón. La ley divina es la ley de la mujer”34 y, como hemos visto, este fue el mensaje que más hondo caló en las mujeres de los fallecidos. Si este es el nexo más fuerte con la Antígona de Sófocles, el principal con Edipo Rey consiste en que Podrías llamarte Antígona también es un drama de revelación “de progreso inexorable, por exigencia de verdad, hacia el descubrimiento de lo que se encubre bajo lo que parece”. 35 Porque la verdad es purificación, expulsión del mal contaminante, catarsis; sacar a la luz los crímenes, que se conozca lo acontecido en Pasta de Conchos, y ese era el objetivo. En la gestación de la obra destaca el papel de la iglesia de base en la lucha por la justicia social y los desfavorecidos 36 y, sobre todo, la tremenda realidad que se hace arte, la urgente necesidad de cambio que pone en escena el teatro. Las obras americanas suponen una lección y un desafío a sus gentes, muy concretamente sus mujeres (“Si una enviada he sido, lo soy de todas las mujeres que mueren a manos mercenarias” dirá la 30 Muchas autoras latinoamericanas han dedicado un lugar en su obra a Antígona. Así el poemario Aposentos (1985) de Yolanda Blanco habla del significado de Antígona para el feminismo y Fábulas de la Garza desangrada (1982) de Rosario Ferré reformula los mitos femeninos. La mexicana Olga Harmony dedica La Ley de Creón (1984) a la situación social de las mujeres en el país y la Antígona Furiosa (1986) de Griselda Gambaro resume la reivindicación de las Madres de la Plaza de Mayo como Antígonas que luchan por enterrar a sus desaparecidos. Asimismo, el programa de la adaptación de Antígona que hizo en Perú José Watanabe en el año 2000 decía ser: “un homenaje a aquellas mujeres que han sufrido en carne propia la violencia de la guerra interna que azotó al Perú en los años recientes” (BAÑULS OLLER y CRESPO ALCALÁ. Antígona(s): mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes, p. 493). También las argentinas AntígonaS. Linaje de hembras (2002) de Jorge Huertas, Antígona… con amor (2003) de Hebe Campanella, Antígona ¡No! (2003) de Yamila Grandi, abogan por la recuperación de la memoria histórica y por el papel de las mujeres. Finalmente Antígona: las voces que incendian el desierto (2004) de la mexicana Perla de la Rosa denuncia el silencio de las autoridades ante los feminicidios de Ciudad de Juárez. 31 Como la Antígona peruana de Sarina Helfgott (1968). 32 FERRY. La sabiduría de los mitos, p. 258. 33 STEINER. Antígonas. La travesía de un mito universal por la historia de Occidente, p. 275 y ss. 34 DERRIDA. Glas, p. 171. 35 LASSO DE LA VEGA. Sófocles, Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes, Edipo en Colono, p. 83. 36 Motivo presente en otra versión americana del mito: Golpes a mi puerta (1988) del argentino Juan Carlos Gené. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 105 chamana), para que asuman un papel en la sociedad. Una de esas mujeres a quienes se negó el duelo, la esposa de uno de los mineros, lo resumía con estas palabras que cierran la obra: “Hay que salvar a los vivos para rescatar a los muertos”. AA ABSTRACT This paper deals with the Greek Theater elements within the structure, characters, themes and motives of Gabriela Ynclan’s Your name could be Antigone (2009). The drama is an example of American Compromise Theater picking up the keys of Antigone and Oedipus myths in the Occidental tradition. The author proposes a political as well as feminist reading of Sophoclean plays, but mainly a humanist one. In fact, the piece was conceived in order to condemn the authorities for their dealing in the tragedy of the carbon mine at Pasta de Conchos (Coahuila, Mexico) in February 2006. A gas explosion caused the death of 65 workers who were buried alive and whose recue was never attempted. This paper also describes the genesis of the play by means of the work by NGO Cereal and its reception among the relatives of the workers. KEYWORDS Classical Tradition, Latin-American Theater, Sophocles, Antigone, Oedipus Rex, Gabriela Ynclán, Pasta de Conchos REFERENCIAS BAÑULS OLLER, José Vicente & CRESPO ALCALÁ, Patricia. Antígona(s): mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes. Bari: Levante Editori, 2008. BERGUA CAVERO, José. Introducción. En: SÓFOCLES. Tragedias. Áyax, Antígona, Edipo Rey, Electra, Edipo en Colono. Madrid: Biblioteca Básica Gredos, 2000. BOAL, Augusto. Técnicas latinoamericanas de teatro popular. Una revolución copernicana al revés. Buenos Aires: Corregidor Saici, 1975. BOAL, Augusto. Teatro del oprimido. Teoría y práctica. Barcelona: Alba, 2009. BUTLER, Judith. El grito de Antígona. Trad. Rosa Valls. Barcelona: El Roure, 2001. CARLSON, Marvin. Theories of the theater. Ithaca: Cornell University Press, 1984. DERRIDA, Jacques. Glas. Paris: Galilée, 1974. ESQUILO. Tragedias. Los persas, Los siete contra Tebas, Agamenón, Las Coéforas, Las Euménides, Prometeo encadenado. Trad. Bernardo Perea Morales. Madrid: Biblioteca Básica Gredos, 2000. FERRY, Luc. La sabiduría de los mitos. Trad. Irene Cifuentes. Madrid: Taurus, 2009. GARCÍA MÁRQUEZ, Eligio. Tras las claves de Melquíades. Barcelona: Mondadori, 2003. 106 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 GONZÁLEZ BETANCUR, Juan David. Antígona y el teatro latinoamericano. Calle 14, Bogotá, n. 4 (4), 2010, p. 73-85. HEGEL, Georg Wilhem Friedrich. Estética. Trad. Alfredo Llanos. Buenos Aires: Siglo Veinte, 1983-1985. LASSO DE LA VEGA, José Sánchez. De Sófocles a Brecht. Barcelona: Planeta, 1971. MARECHAL, Leopoldo. Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 1997. MORENO, Iani del Rosario. La recontextualización de Antígona en el teatro argentino y brasileño a partir de 1968. Latin American Theatre Review, Kansas, n. 30 (2), 1997, p. 115-129. Disponible en: <https://journals.ku.edu/index.php/latr/article/view/1162>. Acceso: 20 feb. 2014. PALAMIDES, Costa. Mito griego y teatro latinoamericano del siglo XX. Primer Acto. Cuadernos de Investigación Teatral, Madrid, n. 229, 1989 p. 56-59. Disponible en: <http:/ /revistas.udistrital.edu.co/ojs/index.php/c14/article/view/1229/1645>. Acceso: 20 feb. 2014. PATRICK, Bert Edward. Classical Mythology in Twentieth Century Mexican Theatre. Diss. University of Missouri: s. n, 1972. PIANACCI, Rómulo. Rito, mito y tragedia. El camino hacia la Antígona americana. Conjunto, La Habana, n. 137, 2005 p. 83-91. Disponible en: <http://www.casa.cult.cu/ publicaciones/revistaconjunto/137/revistaconjunto137.php?pagina=conjunto>. Acceso: 20 feb. 2014. REINHARDT, Karl. Sófocles. Trad. Marta Fernández Villanueva. Madrid: Gredos, 2010. SÁNCHEZ, Luis Rafael. La pasión según Antígona Pérez. Río Piedras (Puerto Rico): Cultural, 1992. SÓFOCLES. Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes, Edipo en Colono. Trad. Asela Alamillo. Introducción y notas José Sánchez Lasso de la Vega. Madrid: Gredos, 1994. STEINER, George. Antígonas. La travesía de un mito universal por la historia de Occidente. Trad. Alberto Luis Bixio. Barcelona: Gedisa, 2004. YNCLÁN, Gabriela. Podrías llamarte Antígona. Manuscrito inédito, 2009. Disponible en: <http://espanol.dramaturgiamexicana.com/index.php/component/obras?tip= obrad&id=428>. Acceso: 20 feb. 2014. Recebido em 18 de dezembro de 2013 Aprovado em 16 de janeiro de 2014 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v . 24 - ALETRIA 107 NUESTRAS Y “OTRAS” Mujeres trágicas en el teatro argentino actual OURS AND “OTHER’S”: TRAGIC WOMEN IN THE PRESENT ARGENTINE THEATER Lidia Gambon* Universidad Nacional del Sur RESUMEN Teniendo en cuenta el protagonismo inusitado de las mujeres y su otredad en la tragedia griega antigua, consideraremos en nuestro trabajo la trayectoria de tres emblemáticos personajes míticos (Antígona, Electra, Medea) en la dramaturgia argentina de los últimos sesenta años, deteniéndonos especialmente en la construcción social del género en tres piezas recientes: Medea de Moquehua (1992) de Luis M. Salvaneschi, La oscuridad de la razón (1993) de Ricardo Monti, y AntígonaS: linaje de hembras (2001) de Jorge Huertas. Mediante este relevamiento y análisis procuramos ahondar en el sentido del protagonismo femenino en el teatro argentino contemporáneo, considerando el marco de la compleja dinámica de recepción de los clásicos. La particular vigencia de Antígona, Electra y Medea en la dramaturgia nacional del período considerado está en directa relación con el nuevo universo diegético de los personajes, y como permiten concluir las obras analizadas, remite a singulares momentos de inflexión política en que se pone de relieve la construcción social del género. PALABRAS CLAVE Tragedia griega, teatro argentino contemporáneo, mujeres míticas I. T RADICIÓN/ RECEPCIÓN DEL MUNDO CLÁSICO : 1 EL TEATRO ARGENTINO ACTUAL Y SU CONTRIBUCIÓN AL TEMA DEL ‘ OTRO’ En el apartado dedicado al tratamiento de la tradición y recepción clásica de su Handbook for Classical Research, David M. Schaps comenzaba su reflexión sobre el *[email protected] 1 Aunque, los términos ‘tradición’ y ‘recepción’ suelen usarse indistintamente para referir a la tradición clásica, la crítica anglosajona ha enfatizado modernamente su preferencia por el segundo, impulsada por nuevos paradigmas teóricos que rechazan la concepción de la antigüedad como mero legado e insisten en la capacidad de la cultura receptora de recrear lo que recibe. Ello confiere al mismo acto interpretativo un dinamismo que buscamos realzar en nuestro trabajo toda vez que deliberadamente usemos el segundo de los términos. Para una historia crítica del concepto de tradición clásica, GARCÍA JURADO. La metamorfosis de la tradición clásica, ayer y hoy, p. 1-30. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 109 florecimiento que ha experimentado este campo disciplinar y el lugar innegable que ha ido ganando en los estudios críticos de las últimas décadas (nos referimos al lugar entre los estudios críticos del mundo grecolatino antiguo) insistiendo en la valoración ambigua que a su juicio este fenómeno supone.2 Pero cuando pensamos en la tradición clásica en el contexto del teatro latinoamericano, el análisis parece guiarnos hacia conclusiones distintas. Dos hechos ya señalados en relación a este tema merecen recordarse: por un lado, la certeza de que la pervivencia de los mitos griegos en la literatura occidental alcanza a la literatura hispanoamericana desde sus orígenes mismos; por otro, el notorio protagonismo ganado por algunas figuras míticas femeninas en la dramaturgia contemporánea de varios países de Latinoamérica.3 No hay dudas de que el carácter dinámico y la naturaleza versátil del objeto de recepción –aspectos puestos de relieve por este campo de la teoría– guían la interpretación de estos hechos y permiten, a su vez, explicarlos. Pero en el caso del segundo, que es el que trataremos aquí, no puede obviarse la necesidad de diferenciar, en el estudio del drama, la performance reception (si se nos disculpa el uso de la expresión inglesa), de la simple recepción, centrada sobre todo en el lector, sea que la primera se piense en términos positivos o negativos.4 Esta distinción se vuelve relevante para un teatro que, como tendremos oportunidad de comprobar, ha experimentado con frecuencia, por vicisitudes propias, el divorcio entre una y otra forma.5 Pese al creciente auge de la reflexión teórica (y a lo que consideremos que ello pudiera implicar), conviene tener presente asimismo que en el caso de Latinoamérica el estudio de la tradición clásica parece no poder sustraerse ni a las limitaciones que impone un objeto de investigación con aristas complejas ni tampoco a los condicionamientos de las perspectivas hegemónicas.6 Lo cierto es que todo ello acaba 2 “The appearance of a cultural phenomenon as a subject for university study is not necessarily a good sign. Sometimes it is a sign that the phenomenon itself has become so alien that people who in a different time or place would have absorbed it from their parents, their environment or their school teachers must be taught it in a classroom” (SCHAPS. Handbook for Classical Research, p. 359). 3 Así, en la literatura argentina, Antígona inspira ya la novela del mismo nombre de Roberto J. Payró (1885), pero es sobre todo a partir de la segunda mitad del s. XX que cobra remarcada presencia como personaje dramático. Cf. XXX. Huellas clásicas en el teatro argentino: AntígonaS, linaje de hembras de Jorge Huertas, p. 139-161. 4 I.e. En términos de por qué una obra fue o no representada u olvidada en un período, y, en consecuencia, en términos del protagonismo o la ausencia de determinados personajes míticos en la literatura dramática. Para la distinción entre ‘Classical Reception’ y ‘Performance Reception’, cf. HALL. Towards a Theory of Performance Reception, p. 10-28. 5 Por otra parte, esta distinción parece tanto más necesaria para abordar el análisis del teatro contemporáneo (en especial, el teatro posterior a los años noventa), en el que se ha ido imponiendo la estética de las creaciones colectivas, que problematizan la escritura y la lectura del hecho teatral, y con ello también la dinámica misma de la recepción. 6 Incluso reflexiones críticas que reconocen el problema de esta perspectiva parecen no poder escapar a ella, toda vez que refieren a un fenómeno de recepción indiferenciado para toda América Latina: “German and Anglo-American perspectives have tended to predominate at the expense of other European and non-European perspectives. Here, too, a correction is needed (…). What about reception of the Classics in Israel, or in South Africa, Latin and South America, or India?” (El destacado nos pertenece). PORTER. Reception Studies: Future Prospects, p. 476. 110 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 conduciendo a resultados singulares: la dificultad de acceder a los textos o a las representaciones dramáticas de mito clásico, por la escasa difusión que algunas obras alcanzan, y la ausencia de una tradición crítica sobre ellas –lo que nos lleva a hablar de la precariedad de los repertorios (tanto bibliográficos como de las fuentes)– no se muestran en consonancia con las creaciones y adaptaciones escénicas del último medio siglo. 7 Nos referiremos aquí específicamente al teatro argentino, cuya recepción de lo clásico no responde –en oposición al juicio de D. Schaps– a un mundo sentido o percibido como ajeno. Dicho en palabras del crítico teatral Osvaldo Pellettieri, se trata de un teatro cuyos textos (y personajes), en su relación con la textualidad grecolatina, concretan “metáforas inquietantes de nuestra realidad”.8 Un rápido recorrido por el último medio siglo de la producción dramatúrgica nacional permite hablar de la pervivencia notoria y al mismo tiempo poco conocida de algunas heroínas trágicas cuya Nachleben se concentra en torno a dos o quizás tres períodos importantes: la década de los sesenta, la de los ochenta, y la primera década del siglo XXI, este último teatro signado, a su vez, por innovaciones formales y nuevos marcos conceptuales que hacen que la presencia de lo femenino invada todos los ámbitos implicados en la creación y producción dramática. Puede decirse, así, que la atracción que ellas han provocado se proyecta en un continuum de mitos reutilizados constantemente por un teatro que, aun asumiendo en vertientes posmodernas la complejidad de la escritura escénica, no siempre supo dirimir la tensión interna entre una dramaturgia literaria y la dramaturgia como espectáculo, tal como ponen de manifiesto las obras editadas nunca estrenadas o las obras estrenadas que permanecen inéditas. Los ejemplos que exponemos aquí también nos hablan de esta particularidad de nuestra dramaturgia. Pero el fenómeno sobre el que queremos llamar la atención –la marcada presencia de la mujer en nuestra escena como parte de la apropiación de los textos clásicos en la dramaturgia del último medio siglo– remite a aspectos esenciales del género que nos es preciso recordar aquí. Anclada en el mito –que le proporcionaba la historia–, la tragedia antigua dio vida a los conflictos más diversos, que adquirieron en ella (y por ella) un carácter político. Exponiendo dramáticamente las formas de esos conflictos, no solo sacaba a luz su complejidad; también los ponía en evidencia como una construcción discursiva. Nos referimos en este caso a la construcción social de lo femenino, a la caracterización y la inclusión de la mujer en el universo trágico de los “otros”, sobre los que, como función complementaria descansaba la comprensión de la propia identidad del hombre de la pólis para el orden cultural griego. Como han defendido las más modernas interpretaciones críticas, la tragedia invitaba a reflexionar sobre el propio orden social, dando vida en su creación simbólica 7 Se han señalado entre las causas de la escasa trascendencia de la producción dramática latinoamericana de tema mítico, la marginalidad del género dramático con relación a otros géneros, y, más aún, la marginalidad del discurso teatral latinoamericano en el teatro de Occidente. Cf. BRAVO DE LAGUNA ROMERO. La pervivencia de las heroínas griegas en el teatro argentino contemporáneo: una revisión del mito de Electra, p. 201-202. También: MIRANDA CANCELA. Medea: otredad y subversión en el teatro latinoamericano contemporáneo, p. 317-321. 8 PELLETIERI. De Esquilo a Gambaro. Teatro, mito y cultura griegos y teatro argentino, p. 10. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 111 a esa alteridad. Siendo una reflexión sobre el “Otro”, a la par que un género “unddeniably androcentric”,9 la tragedia dio sobre todo cuerpo y voz a lo “Otro” femenino, y creó con ello personajes de una compleja profundidad y de un vasto legado interpretativo y mimético. Tal es el caso de Antígona, Medea, Electra, figuras si no únicas, de una incidencia comparativamente mayor en el teatro nacional de las últimas décadas. Su proyección pone de relieve de qué modo nuestra dramaturgia ha hallado y halla en estos caracteres trágicos las formas de un lenguaje, “a language by which contemporary women could explore their environment and reconcile themselves to their condition”.10 Si el nuevo escenario reafirma igualmente una tradición ideológica que convalida la posición marginal de la mujer, esta situación, sin embargo, fue modificándose, en especial en las últimas tres décadas. Las transformaciones operadas en el contexto mundial y el protagonismo –sobre todo el protagonismo colectivo– desplegado por las mujeres latinoamericanas a partir de los años 80, como respuesta a la represión política, la crisis económica, o la defensa de derechos humanos fundamentales, vinieron a cambiar el rol que la sociedad y una cultura patriarcal tradicionalmente le asignaron al género femenino. Ello explica, sin duda, que el teatro del período señalado tuviera una contribución interesante que hacer al discurso sobre su construcción social. Basándonos en los datos de recopilaciones previas, que hemos actualizado aquí, comenzaremos por repasar, a modo de catálogo, los resultados del relevamiento de la presencia de estas figuras en nuestro teatro nacional en el período 1950-2012. 11 Referiremos, luego, a aspectos de la resemantización de la alteridad en algunas de las obras que hemos seleccionado a título ilustrativo: AntígonaS, linaje de hembras (2001) de Jorge Huertas, Medea de Moquehua (1992) de Luis M. Salvaneschi y La oscuridad de la razón (1993) de Ricardo Monti. II. REP ASANDO EPASANDO LA HISTORIA DE NUESTRAS “OTRAS”: DE A NTÍGONAS, E LECTRAS Y MEDEAS El mito de Antígona ha ocupado un lugar preferencial en la crítica de la recepción, la que no ha dejado de señalar su relevancia en el teatro latinoamericano de posguerra.12 Entre las Antígonas argentinas se mencionan: Antígona Vélez (1952) de Leopoldo 9 FOLEY. Female acts in Greek tragedy, p. 12. BLANSHARD. Gender and sexuality, p. 332. 11 Para el catálogo nos hemos basado en los aportes de varias otras investigaciones previas, recogidas en parte en un trabajo anterior, GAMBON. Acerca de los imaginarios trágicos de alteridad y su pervivencia en el teatro argentino actual: Antígona(s) y Medea(s), p. 218-221, y las fuentes que allí se mencionan. Sobre Electra, BRAVO DE LAGUNA ROMERO. La pervivencia de las heroínas griegas en el teatro argentino contemporáneo: una revisión del mito de Electra, p. 201-218; MODERN. Electra: entre Atenas y la Atenas del Plata, p. 113-28. 12 Así lo ilustran los relevamientos realizados por distintos autores de Argentina y España entre 2008 y 2011. Merecen mencionarse: PIANACCI. Antígona: una tragedia latinoamericana. BAÑULS OLLER; CRESPO ALCALÁ. Antígona(s) mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes. LÓPEZ; POCIÑA. La eterna pervivencia de Antígona. Para el teatro argentino en particular: ZAYAS DE LIMA. Mitos griegos en el discurso teatral argentino. 10 112 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Marechal; El límite (1958) de Alberto de Zabalía; La cabeza en la jaula (1987 13 ) de David Cureses; Antígona furiosa (1986) de Griselda Gambaro; Golpes a mi puerta (198814 ) de Juan Carlos Gené; AntígonaS, linaje de hembras (2001) de Jorge Huertas; Antígona la necia (2001) de Valeria Folini; Antígona … con amor (2003) de Hebe Campanella; Antígona, ¡No! (2003) de Yamila Grandi (inédita). Por otra parte, un dato incontrastable de la vigencia de este personaje mítico han sido las numerosas versiones y adaptaciones del texto de Sófocles –y de otras Antígonas latinoamericanas– que continúan poblando la cartelera de los principales teatros.15 En cuanto al mito de Electra, su recepción no solo plantea la complejidad de la única heroína llevada a escena por los tres grandes trágicos atenienses de la que nos han llegado los dramas completos, sino la complejidad de ser quizás el personaje femenino que menor atención ha recibido en la reflexión crítica. Carecemos de un estudio sistemático de su presencia en el teatro latinoamericano, aunque hay estudios parciales aislados sobre algunas de las obras del período acotado, y sobre su presencia en el teatro argentino.16 Entre estas Electras nacionales deben citarse: Una cruz para Electra (1957) de David Cureses (inédita); El reñidero (1962) de Sergio de Cecco;17 Electra (1964) de Julio Imbert; La oscuridad de la razón (1993) de Ricardo Monti; La declaración de Electra (1994) de Javier Roberto González (inédita); Electra Shock (2005) de José María Muscari; Ropa Sucia. Versión libre de Electra (2011) de Silvia de Alejandro (inédita). A su vez, sobre Medea y su presencia en el teatro latinoamericano, aunque el campo de análisis resulta menos incierto que el que plantea la figura de Electra, tampoco contamos con un estudio sistemático. Pueden mencionarse, no obstante, aquellos que recogen, aunque solo de modo parcial, su presencia en distintos países de nuestro continente.18 Sin duda, y a pesar de la deuda pendiente que representan, exceden en cantidad y en exhaustividad a los estudios sobre Electra. El artículo de Perla Zayas de Lima, en que se referencian un número importante de versiones nacionales, pone al descubierto que muchas de ellas son obras prácticamente desconocidas de teatristas locales, que permanecen inéditas o han alcanzado una escasa difusión.19 Mencionamos: La Frontera (1964 20 ) de David Cureses, Medea (1967) de Héctor Schujman; La Navarro 13 Estrenada en 1963, pero editada más de veinte años después. Estrenada en Caracas (Venezuela) en 1984. 15 Solo en el teatro porteño para el período 2010-2011, además de Antígona de José Watanabe, Antígona Vélez de Leopoldo Marechal, Antígona Furiosa de Griselda Gambaro y Antígona la necia de Valeria Folini, se llevaron a escena casi una decena de versiones diferentes de la tragedia de Sófocles, en tanto apenas alcanzaron la mitad las de Medea y de Electra. 16 Ver los trabajos citados en nota 11. 17 Se trata de una de las pocas piezas perdurables de nuestra escena, que no solo ha sido representada reiteradamente y llevada al cine, sino de la que se han escrito incluso nuevas versiones. 18 Así los trabajos de Elina Miranda Cancela, Luisa Capuzano y Perla Zayas de Lima, referenciados en: GAMBON, Lidia. Acerca de los imaginarios trágicos de alteridad y su pervivencia en el teatro argentino actual: Antígona(s) y Medea(s), p. 218-221. Medea de Olimar de Mariana Percovich (Uruguay, 2009) engrosa el catálogo de piezas latinoamericanas que allí se citan. 19 ZAYAS DE LIMA. Mitos griegos en el discurso teatral argentino. Telondefondo, Buenos Aires, n. 11, 2010. 20 La obra, estrenada en 1960, fue editada recién en el año 1964. 14 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 113 (1980) de Alberto Drago; Ignea Medeas (1985) de Juan Jerónimo Brignone, bajo el pseudónimo de Iánnis Zómbolas; Medea, paisaje de hembras (1987), creación colectiva de Máximo Salas, Laura Beltramo y Silvina Ferández Farell (inédita); Despojos para Medea (1992) de José Luis Valenzuela; Medea de Moquehua 21 (1992) de Luis M. Salvaneschi; La Hechicera (1997) de José Luis Alves; Medea del Paraná (2004) de Suellen Worstell de Dornbrooks (inédita); Medea Fragmentada (2006) de Clodet y María Barjacoba (inédita). Este catálogo de la producción dramática argentina nos pone frente a las incongruencias y las particularidades a priori señaladas: un teatro en que la recepción del texto y su representación se hallan divorciados, que circula en ediciones sin registro de que fueran estrenadas o de puestas en escena cuyos textos resultan difícilmente accesibles. Pero también nos pone frente al contundente testimonio del protagonismo de las mencionadas heroínas míticas en el teatro nacional.22 II.1. D E A NTÍGONA ( S ): A NTÍGONA S, LINAJE DE HEMBRAS D E J ORGE H UERTAS (2001) La Antígona moderna donde quizás más abiertamente se insiste en el conflicto de género es AntígonaS, linaje de hembras, del dramaturgo Jorge Huertas, obra de la que afortunadamente es posible contar con un texto editado de fácil acceso, prácticamente contemporáneo a su propia representación.23 Se trata de una pieza que destaca por su brevedad y por el sincretismo de sus componentes dramáticos, articulados en torno a las escenas sustanciales de la tragedia de Sófocles, con la que mantiene una clara relación intertextual. Con un lenguaje por momentos marcadamente irreverente, por momentos de honda poesía, hilando discursos fragmentados y provenientes de los ámbitos más diversos (literatura, música, publicidad), Huertas recuenta allí en diecinueve fragmentos escénicos la misma historia de la hija de Edipo. Pero esta historia, que es la de su enfrentamiento con el poder, representado en el rey Creonte, es profundamente resignificada a partir de su ubicación cronotópica en la Buenos Aires de comienzos del siglo XXI (con entrecruzadas referencias al pasado y al futuro) y a partir de la incorporación de personajes idiosincrásicos, ligados a la identidad porteña, como el Río (que es el Río de La Plata), el Bandoneón (instrumento tanguero), un nuevo Tiresias (el fantasma del escritor J. L. Borges) y la Embalsamada Peregrina (alusión a la primera dama, Eva Perón). Las limitaciones y objetivos de este trabajo nos llevan a realizar aquí tan solo algunas breves observaciones, vinculadas a la centralidad de las relaciones de poder y el conflicto de género en la obra de Huertas. Estas relaciones enfrentan a hombres y 21 Citada indistintamente como Medea de Moquegua o Medea de Moquehua, en referencia al pequeño poblado de Moquehuá (en la provincia de Buenos Aires), de donde proviene la protagonista. 22 Atendiendo a las diferentes heroínas míticas, nuestra exposición no seguirá aquí el ordenamiento cronológico de las obras. 23 La obra, estrenada en Argentina en 2002, fue publicada por la editorial Biblos el mismo año. Para un análisis completo, cf. GAMBON, Lidia. Huellas clásicas en el teatro argentino: AntígonaS, linaje de hembras de Jorge Huertas, p. 139-161. 114 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 mujeres, “machos y hembras”, en un nuevo escenario que, como la antigua Tebas, es una patria que se ha ido desangrando por la muerte de tantos “hermanos”. Antígona regresa multiplicada en sus congéneres en la Antígona de Huertas, llamándose a marcar el potencial movilizador y transformador de su género, puesto de manifiesto en distintos momentos de la historia sociopolítica argentina del último medio siglo y, en particular, en su respuesta a la represión de la última dictadura militar (1976-1983). El uso del plural en el título de la pieza, junto a la mezcla de admiración e insulto que encierra la expresión “linaje de hembras”, constituye uno de los recursos a través del que Huertas pone el acento desde un comienzo en el conflicto genérico que plantea el propio mito. Otro es la incorporación de nuevos personajes femeninos, como la Embalsamada Peregrina, dispuesta a denunciar “la crueldad de nuestros machos” que las hace “Siempre ofrendas para el falo patrio / que pide mujeres para el sacrificio” (p. 58). El más significativo, quizás, es el modo en que el dramaturgo resuelve un personaje capital de la tragedia antigua, el coro, otorgándole una función central en la pieza. Se trata (a diferencia de la tragedia de Sófocles) de un coro de mujeres, un “coro de hembras”. Coro de voces unívocamente femeninas. Sabedor de los mandatos de su género (ser “la reina de la sopa tibia y las ventanas cerradas”, p. 29), este coro no ignora que “la ciudad no soporta mujeres. / Prefiere muñequitas de torta / adornos, damas” (p. 63), y se muestra provocador por momentos, vacilante en otros, pero dispuesto a alzar colectivamente su voz interrogante frente a la violencia y las consecuencias del abuso del poder masculino que arrastra solo nuevas catástrofes. Autoconscientes del estereotipo genérico de novias, esposas y madres abnegadas y sumisas, las mujeres de AntígonaS, linaje de hembras exponen su rebeldía. Su lucha no se plantea en la pieza desde la soledad de la protagonista: es la lucha de la/s Antígona/ s-hembras enfrentadas al poder del “macho” – Creonte; es la lucha de la(s) Antígona(s) en una sociedad de hombres que las asimila recurrentemente a lo marginal: CORO: Nosotras Antígonas / Las novias de la mugre / del hedor madres. / Las manchadas, las sucias, / las bárbaras. / Yo sé cómo se llama mi herida: / Hembras / Yeguas / Brujas / Locas / Putas. / Siempre Antígonas. / Las de fatales y porteños padres / hermanas de hermanos / que se vacían de sangre (p. 62). Fatalmente condenadas una y otra vez por las vicisitudes de guerras fratricidas, ellas, sus víctimas, se llaman a hacer oír su grito ante el presente escenario apocalíptico de una Patria que “está muriendo”. Instalan, así, su protagonismo a lo largo de la pieza (y con especial énfasis al final), desde la preocupación por el futuro destino del país, llamando y llamándose a reaccionar activamente frente a ello: CORIFEO: A tantos y tantas / De este devastado hogar / A todos invocamos. /Nosotras, novias de la mugre, / Nosotras del hedor madres. / Las manchadas, las sucias / Las bárbaras (…) Hablá, gritá, bandoneón, rompé el silencio / ¿No ves que la Patria está muriendo? ¿Qué será de la reina del Plata? / ¿Qué será de mi tierra querida? (p. 72) 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 115 II.2. L A “ OTRA ” E LECTRA : L A OSCURIDAD DE LA RAZÓN DE R ICARDO M ONTI (1993) La presencia y relevancia de la voz colectiva de un coro que acompaña el protagonismo femenino caracteriza asimismo a una de las versiones más recientes del mito de Electra, La oscuridad de la razón, del dramaturgo Ricardo Monti. Como en la versión precedente de Antígona, el esquema del mito se mantiene también aquí en lo sustancial: Mariano (Orestes) regresa de Francia a la nueva Micenas donde lo aguarda su hermana Alma (Electra) para que haga justicia por el crimen de su madre (María-Clitemnestra) y su tío (Dalmacio-Egisto), asesinos del Padre-Agamenón.24 La pieza consta de un prólogo y tres actos, los que transcurren en espacios diferentes, todos ellos emblemáticos y aunados por el predominio de un ambiente general de destrucción que es evocado de continuo en las acotaciones escénicas.25 Pero a diferencia de las otras obras a las que referimos, esta Electra no guarda fidelidad al nombre de su referente trágico, ni tampoco es una mujer porteña del s. XX. Su historia se sitúa “hacia 1830 en el corazón de Sudamérica” (p. 116), conflictivo momento clave del proceso independentista de España, en que priman las luchas intestinas y regresan a su tierra algunos de los intelectuales exiliados en Europa.26 El nombre de esta Electra (Alma), como el de otros protagonistas de la pieza (Mariano, María), y determinados personajes (Mujer) se vinculan abiertamente a un universo cristiano que se conjuga con el mundo clásico en una trama cargada de ostensivos simbolismos. 27 Aunque se inspiran en la trilogía esquílea, algunos caracteres resultan elididos (Pílades, la Nodriza, Apolo) a favor de la presencia de otros, ya individuales (la Mujer) ya colectivos (el coro de las Lacrimosas,28 el coro de Galerudos, el Coro de la Mujer, la Partida29 ). Estos últimos están distribuidos simétricamente en grupos masculinos y femeninos, lo que contribuye a acentuar el antagonismo genérico que encarnan los nuevos Atridas. 24 Aunque alterada sustancialmente (el Orestes de Monti no es un matricida y la relación con su hermana es ostensivamente incestuosa), la trama es reconocible, sin embargo, en mitemas esenciales como el asesinato del padre. 25 Los escenarios son: un edificio en construcción, que representa la remozada casa de Mariano (Acto I); la habitación de Mariano y la de María y Dalmacio (Acto II); el presbiterio de una iglesia (Acto III). 26 El anacronismo ha sido señalado como un rasgo de la dramaturgia de Monti del período al que corresponde la obra. Cf. PELLETIERI. “El teatro de Ricardo Monti (1989-1994): La resistencia a la modernidad marginal”, p. 12. La datación es significativa: se trata de la fecha en que Esteban Echeverría regresa de Francia e introduce en el Río de La Plata el romanticismo. Aunque no hay una identificación explícita entre Echeverría y Mariano/Orestes, el agón entre el joven y Dalmacio (Acto I) deriva en una disputa filosófico-literaria en que la confrontación estética se asimila al motivo del parricidio. 27 “Monti refuncionaliza y fusiona dos géneros que pertenecen a la traditio occidental: la tragedia griega y el misterio medieval”. BRAVO DE LAGUNA ROMERO. La pervivencia de las heroínas griegas en el teatro argentino contemporáneo: una revisión del mito de Electra, p. 208. 28 Sobre la refuncionalización del coro en el teatro de Monti, y, asimismo, en su reescritura escénica. LÓPEZ. La Orestiada, de Esquilo refuncionalizada en La oscuridad de la razón de Ricardo Monti, p. 111-113. 29 Se trata de una partida de degolladores de apariencia espectral que se asimilan a las Erinias, presentándose con Alma y entablando en el acto final un agón con la joven Mujer del Prólogo que viene a rescatar a Mariano tras el crimen. Encarnan una de las facciones políticas del histórico enfrentamiento entre unitarios y federales. 116 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 El escenario temporo-espacial de la obra se construye sobre la idea de una patria desolada. Este espacio desarticulado, en constante proceso de construcción-destrucción, está dominado por la presencia de lo femenino, nodal en una pieza en que los hombres (Mariano, Dalmacio, la sombra del Padre) quedan reducidos a un plano fundamentalmente discursivo o formal.30 Así, no es Mariano sino Alma el motor ideológico en Monti, y su virilidad amazónica remite a un juego de continuos contrastes con su hermano, en los que se potencializa su otredad. Mariano, por su parte, muestra desde el comienzo una extranjeridad propia. Lejos de determinar el rumbo de la acción, es un ser casi infantil, inmovilizado por la duda, y compelido a actuar su venganza solo por el impulso de Alma, su “hermana-madre-mujer”. Es Alma quien representa “la oscuridad de la razón”, esas fuerzas irracionales con las que se debate el nuevo Orestes, un nativo “extranjerizado”, un foráneo en su tierra, un ser negado a lo femenino (condición que estereotípicamente parece reunir en sí).31 El atuendo y lenguaje francés del personaje exteriorizan los rasgos de esta extranjeridad que Alma se llama a volver a sus orígenes ya desde el reencuentro fraterno del primer acto.32 En el contraste y oxímoron entre luz y sombra, razón y oscuridad, se sustenta toda la trama de la obra, como anticipa el título. Allí las figuras femeninas (la de Alma y la de María, pero sobre todo la primera) aparecen en primer plano, y toda la acción se hace girar sobre el triángulo que componen la madre, la hija y la Mujer, asistidas por las Lacrimosas y el Coro de la Mujer. El primero de estos coros (que actúa como comentador) se llama a recordar desde un comienzo los mandatos del género, que Alma siente la necesidad de desafiar: LACRIMOSAS: Entonces callemos y que hablen las piedras. / Es mejor para mujeres, el silencio. / O hablar de nada. La mujer debe escuchar hacia adentro, el murmullo de su cuerpo, / Su lento madurar de fruta hasta el tiempo propicio en que opulenta brinda su semilla / Y cae a tierra –la Madre Tierra–, en sagrada disolución. / Dejemos el mundo a los varones. Nosotros lo sostenemos. ALMA (pensativa): ¿Cómo madres que vigilan el juego de sus niños? LACRIMOSAS: Sí ALMA: ¿Y los miran retozar, melancólicas, sonrientes? LACRIMOSAS: Sí ALMA: ¿Aunque sea un duro juego, y hasta un juego mental, / Como la guerra? LACRIMOSAS: Sí, estás comprendiendo. ALMA: ¡Cómo quisiera que así hubiera sido! / Seríamos iguales, compañeras. Pero aquí hubo otro juego, / Y no fue a la luz del día. Fue un juego secreto, obsceno, de gritos apagados, / Amordazados por la noche, un juego criminal. (Breve pausa) El padre debe ser vengado. (p. 141-2) 30 Liliana López señala que, pese a la vinculación con la tragedia de Esquilo, el Mariano/Orestes de Monti es un “Sujeto desempeñado”; son las mujeres y su protagonismo las que ganan centralidad en la obra. LÓPEZ. Poéticas refuncionalizadas. Mito e historia en La oscuridad de la razón (1993) de R. Monti, p. 103. 31 “María: (A Mariano) ¡Huías de mí, / admirabas a tu padre! ¡Bien te llamas / Mariano! / María … no, / negado a la mujer, / negado a la madre” (p. 217). 32 El contraste genérico que desnuda la otredad de los protagonistas se plantea ya desde el primer acto de la pieza, en las armas que esgrimen los hermanos en la escena de anagnórisis: una infantil espada de latón (Mariano) frente a un viril cuchillo de carnicero con el que Alma hiere a su hermano. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 117 Por su parte, María, la Clitemnestra porteña, encarna el otro rostro femenino, el otro rostro de lo “Otro”: el de la sensualidad. Ella es la “yegua alzada”, una mujer que “ama la carne” (p. 155). Adornada con los atributos de la desfachatez, la alevosía y la ambición, se convierte en la contracara de su hija. La oscuridad de la razón está toda ella atravesada por el significado del parricidio y la centralidad de los roles femeninos que se juegan en él; la temporalidad (o atemporalidad) de este crimen y la contextualización anacrónica de la acción vengadora en la obra habilitan a interpretarla en clave simbólica, leyendo el mito de la familia Atrida a la luz de los procesos sociopolíticos de la historia argentina, viendo en él la expresión de la lucha y la búsqueda de un origen y una identidad, de la que es parte constitutiva y constructiva de lo femenino. II.3. L A OTREDAD DE LA M EDEA DE S AL V ANESCHI : M EDEA ALV DE M OQUEHUA (1992) Medea de Moquehua del dramaturgo Luis María Salvaneschi 33 resulta una obra apenas conocida, nacida en un momento singular de la historia del país que, podemos presumir, condicionó la fortuna del texto tanto como el universo de su protagonista. La Buenos Aires de los 90 es la Corinto de esta nueva Medea, un espacio sujeto a los vaivenes de una política económica liberal que no podía sino crear condiciones de forzado exilio y marginalidad. Allí Medea encontraba un entorno acorde con su condición trágica. 34 La pieza mantiene desde el comienzo una relación marcada con su hipotexto. Ello se pone de relieve en la fidelidad al orden de secuencias de la tragedia euripidea, así como en la centralidad del enfrentamiento entre Medea y Jasón, que –al igual que en Eurípides– marca un importante punto de inflexión, pues cierra el primero de los dos actos en que se estructura la obra. En relación con los personajes, sin embargo, solo la pareja de protagonistas – Medea y Jasón– conservan sus nombres. Creonte es apenas “el dueño del hotel”, un albergue de baja categoría, un “conventillo” (p. 39), que ha logrado mantener con la colaboración de Jasón, cuyos servicios paga con el matrimonio de su hija. Dos viejos (un jubilado que oficia de sereno y una vieja sirvienta de campo que acompaña a su señora en su exilio) asumen el rol de los esclavos del drama antiguo. Como en las versiones precedentes, la voz del coro contribuye a la construcción de lo femenino. Se trata aquí de un coro mixto de murgueros, que interesa naturalmente menos por su condición genérica que por su carácter social carnavalesco y popular, su voz colectiva como expresión de lo marginal.35 Su alegría burlona y desfachatada contrasta 33 La pieza que es objeto de nuestro análisis fue editada –aunque no estrenada– en el año 1992, en una edición por cierto limitada, que dificulta notoriamente el acceso al texto. 34 Osvaldo Pellettieri ha destacado la función hegemónica de lo mercantil en el imaginario social argentino, hecho reflejado en el teatro de la última década del s. XX, que refleja el impacto de la política económica del menemismo, con la desintegración de la sociedad argentina, la proletarización de la clase media y la lumpenización del proletariado. PELLETIERI. Teatro argentino del 2000, p. 16-17. 35 Coro de voces mixtas identificadas: el señor y la señora del bombo, el director de la murga, un travesti, la reina de la murga y el Tony. 118 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 con el sufrimiento de Medea y desnuda el individualismo de los nuevos tiempos en que “cada cual atiende su juego” (p. 16). Las víctimas primeras y últimas de ello son las mujeres: MURG/2: Hoy sufre ella … MURG/5: Mañana cualquiera de nosotras …(p. 17: destacado nuestro) Y es que el espacio citadino que determina la otredad de esta Medea está dominado por el poder del dinero que todo lo corrompe, que ha transformado la huida en éxodo forzado y el exilio en desalojo. Moquehuá, el ignoto pueblo de provincia del que proviene, es ahora una Cólquide lejana, llamada a evocar las consecuencias de las políticas de privatizaciones seguidas en el país en la última década del s. XX. Medea habita las “paredes de cartón, vergüenza y suspiros” de una ciudad “donde nada es privado” (p. 11), donde las mujeres, como esposas y madres, resultan objetos reemplazables según la conveniencia. Ella desprecia ese mundo mercantilista, dominado únicamente por el valor de la seducción del dinero: MEDEA : Siempre he estado en desacuerdo con la mayoría. Son injustos. Tienen “ese” poder de seducción. Y vos sabés usar muy bien tu lengua. Sí, con melosas palabras. Una lección más, en esta sociedad organizada … Que la comodidad nunca me quiebre el corazón … (Risa). Seguridad. Comodidad. ¿Qué es? ¿Dormir en sábanas bordadas? ¿Usar ropa de categoría que me imponen? ¿Mesa de blanco mantel y cubiertos de plata? ¿Educar a los hijos en colegios privados? No sé bien qué es eso. Si es bienestar o sólo una nueva forma de esclavitud. Tampoco comprendo eso, de tener una mujer en la cama, acariciar su cuerpo, morder sus senos, sin deseo, hacerle el amor por conveniencia. (p. 30) La otredad de esta Medea es, así, como en Eurípides, hiperbólica; nace de lo femenino en el cruce con una “triple marginación, la que sufre un pueblo de provincia respecto de la capital, la de las clases bajas respecto de las pudientes, y la dependencia de un país periférico en su relación con una cultura central”.36 Al reflexionar sobre la recepción del mundo clásico en el teatro argentino actual, la certeza de un fenómeno que, aunque muy poco estudiado, dista de resultar ajeno anula la posibilidad de una valoración ambigua sobre él. Las tres piezas analizadas han servido para ejemplificar el modo en que el teatro argentino contemporáneo del último cuarto de siglo ha hallado en las figuras míticas escogidas emblemáticas formas de repensar la construcción social del género desde su especificidad cultural. Hermanas-novias, hermanas-mujeres, mujeres-madres, las Antígonas, Electras y Medeas argentinas responden a un teatro que no cesa de buscar su modo de apropiación del mundo clásico, hablan de la persistencia con la que dramaturgos y directores, desde distintas estéticas, resemantizan los mitos. En su cronotopía, ellas, las “otras”, conjugan la tradición mítica, de la que son herederas, con las preocupaciones políticas de su nuevo entorno, situándose en un escenario americano, y en momentos emblemáticos de nuestra historia: la Argentina que asoma al romanticismo y las nuevas ideas de libertad 36 ZAYAS DE LIMA. Mitos griegos en el discurso teatral argentino, p. 16. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 119 y patria, la de la postdictadura militar de los setenta, la de la crisis económica de la última década del siglo pasado y comienzos del nuevo siglo, por mencionar solo los momentos a los que hemos referido aquí. La particular vigencia de Antígona, Electra y Medea se muestra de este modo en relación con el nuevo universo diegético de esos personajes y responde a circunstancias clave de inflexión política que posibilitan ‘performatizar’ la construcción de lo femenino. Por su parte, el catálogo relevado es el reflejo de una historia contínuamente revisitada, que exige (y exigirá) a quienes se embarquen en él permanentes reescrituras, y que poco permite concluir sobre las preferencias de nuestra dramaturgia por alguna de las figuras trágicas estudiadas, más allá de demostrar la vigencia sostenida de todas ellas. Esto nos lleva a volver aquí a un punto apenas esbozado en el comienzo, si no para dar respuesta, al menos para insistir en la importancia de no eludir el problema. El fenómeno de la recepción del mundo clásico en hispanoamérica está atravesado por las limitaciones que impone el propio objeto, no menos que por las perspectivas hegemónicas que han contribuido a su marginalidad. Como el mitológico Proteo, el tema no se deja asir fácilmente. Será necesario insistir: el modo en que el referente clásico continúa aportando su carga simbólica para cada país sigue siendo una deuda pendiente en el campo de los estudios de recepción en Latinoamérica, tanto más en relación al teatro. La complejidad del objeto no debe, sin embargo, desalentar la búsqueda de respuestas a preguntas que de modo tan propio nos conciernen. AA ABSTRACT Taking into account the unusual prominence of women and their otherness in ancient Greek tragedy, the aim of this paper is to consider the presence of three emblematic mythological characters (Antigone, Electra and Medea) in Argentinian dramaturgy of the last sixty years, with special focus on the construction of gender provided by some of the most recent plays: Medea de Moquehua (1992) by Luis M. Salvaneschi, La oscuridad de la razón (1993) by Ricardo Monti, and AntígonaS: linaje de hembras (2001) by Jorge Huertas. The survey of contemporary drama and the analysis of the mentioned plays seek to deepen the sense of the female role in the Argentinian theatre, considering the complex dynamics of classical reception. The topicality of characters like Antigone, Electra and Medea is in direct relationship with their new diegetic universe in drama and, as it allows to conclude the analyzed plays, refers to singular political moments that emphasize the social construction of gender. KEYWORDS Greek tragedy, Argentinian contemporary theatre, mythological women 120 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 REFERENCIAS ARLT, Mirta. Ricardo Monti: hacia un teatro epifánico. En: PELLETIERI, Osvaldo (Ed.). Teatro argentino del 2000, Cuadernos del Getea. Buenos Aires: Galerna, 2002, p. 47-53. BAÑULS OLLER, José Vicente; CRESPO ALCALÁ, Patricia. Antígona, la génesis de un mito. En: BAÑULS OLLER, José Vicente; DE MARTINO, Francesco; MORENILLA TALENS, Carmen (Eds.). El teatro clásico en el marco de la cultura griega y su pervivencia en la cultura occidental. El teatro greco-latino y su recepción en la tradición occidental. Bari: Levante Editori, 2002, p. 15-58. BAÑULS OLLER, José Vicente; CRESPO ALCALÁ, Patricia. Antígona(s) mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes. Bari: Levante Editori, 2008. BLANSHARD, Alastair J. L. Gender and sexuality. En: KALLENDORF, Craig W. (Ed.). A Companion to the Classical Tradition. Singapore: Blackwell Publishing, 2007, p. 328-341. BRAVO DE LAGUNA ROMERO, Francisco J. La pervivencia de las heroínas griegas en el teatro argentino contemporáneo: una revisión del mito de Electra. Myrtia, Murcia, v. 14, 1999, p. 201-218. BRAVO DE LAGUNA ROMERO, Francisco J. De la Cólquide a la Pampa: una Medea en La frontera de David Cureses. Arrabal, Lleida, n. 7-8, 2010, p. 131-8. BUDELMANN, Félix; HAUBOLD, Johannes. Reception and tradition. En: HARDWICK, Lorna; STRAY, Christopher (Eds.). A companion to classical receptions. London: Blackwell Publishing, 2008, p. 13-25. CARTLEDGE, Paul A. The Greeks. A Portrait of Self and Others. Oxford: Oxford University Press, 1993. FOLEY, Helen. Female acts in Greek tragedy. Princeton: Princeton University Press, 2001. FOLEY, Helen. Envisioning the tragic chorus on the modern stage. En: KRAUS, Chris; GOLDHILL, Simon; FOLEY, Helen; ELSNER, Jas (Eds.). Visualizing the tragic. Drama, myth and ritual in Greek art and literature. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 353-378. GAMBON, Lidia. Huellas clásicas en el teatro argentino: AntígonaS, linaje de hembras de Jorge Huertas. En: MAQUIEIRA, Helena; FERNÁNDEZ, Claudia (Eds.). Tradición y traducción clásicas en América Latina. La Plata: Universidad Nacional de La Plata, 2012, p. 139-161. GAMBON, Lidia. Acerca de los imaginarios trágicos de alteridad y su pervivencia en el teatro argentino actual: Antígona(s) y Medea(s). En: LÓPEZ, Aurora; POCIÑA, Andrés; SILVA, María de Fátima (Coords.). De ayer a hoy: Influencias clásicas en la literatura. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, 2012, p. 217-226. GARCÍA JURADO, Francisco. La metamorfosis de la tradición clásica, ayer y hoy. Curso de filología clásica, marzo de 2013, Universidad de Zaragoza. (inédito). Disponible en: <http://eprints.ucm.es/20155/>. Acceso 20 enero 2014. HALL, Edith. Towards a theory of performance reception. En: HALL, Edith; HARROP, S. (Eds.). Theorising performance. Greek drama, cultural history and critical practice. London: Duckworth, 2010, p. 10-28. HUERTAS, Jorge. AntígonaS: linaje de hembras. Buenos Aires: Biblos, 2002. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 121 LÓPEZ, Aurora; POCIÑA, Andrés (Eds.). En recuerdo de Beatriz Rabasa. Comedias, tragedias y leyendas grecorromanas en el teatro del s. XX. Granada: Editorial de la Universidad de Granada, 2009. LÓPEZ, Aurora; POCIÑA, Andrés. La eterna pervivencia de Antígona. Florentia iliberritana, Granada, n. 21.2, 2010, p. 345-370. LÓPEZ, Liliana B. Poéticas refuncionalizadas. Mito e história em La oscuridad de la razón (1993) de R. Monti. En: PELLETIERI, Osvaldo (Ed.). El teatro y los días. Buenos Aires: Galerna, 1995. p. 101-109. LÓPEZ, Liliana B. La orestiada, de Esquilo refuncionalizada en La oscuridad de la razón de Ricardo Monti. En: PELLETTIERI, Osvaldo (Ed.). De Esquilo a Gambaro, Cuadernos del Getea 7. Buenos Aires: Galerna, 1997, p. 109-115. MARTINDALE, Charles. Reception. En: KALLENDORF, Craig W. (Ed.). A companion to the classical tradition. Singapore: Blackwell Publishing, 2007, p. 297-312. MIRANDA CANCELA, Elina. Medea: otredad y subversión en el teatro latinoamericano contemporáneo. En: MORENILLA TALENS, Carmen; DE MARTINO, Francisco (Eds.). El perfil de les ombres: el teatre clàssic al marc de la cultura grega i la seua pervivencia dins la cultura occidental. Bari: Levante Editori, 2002, p. 317-321. MODERN, Rodolfo. Electra: entre Atenas y la Atenas del Plata. Boletín de la Academia Argentina de Letras, Ciudad de Buenos Aires, t. 67, n. 263-4, enero-junio 2002, p. 113-128. MONTI, Ricardo. Teatro I: una pasión sudamericana. Asunción. La oscuridad de la razón. Prólogo de Osvaldo Pelletieri, 2ª ed. Buenos Aires: Corregidor, 2005. PELLETTIERI, Osvaldo (Ed.). De Esquilo a Gambaro. Teatro, mito y cultura griegos y teatro argentino, Cuadernos del GETEA 7. Buenos Aires: Galerna, 1997. PELLETIERI, Osvaldo (Ed.). Teatro argentino del 2000. Buenos Aires: Galerna, 2000. PELLETIERI, Osvaldo. “El teatro de Ricardo Monti (1989-1994): La resistencia a la modernidad marginal”. MONTI, Ricardo; 2005, p. 9-52. PIANACCI, Rómulo E. Antígona: una tragedia latinoamericana. Irvine, CA: Gestos, 2008. PORTER, James I. Reception studies: future prospects. En: HARDWICK, Lorna; STRAY, Christopher (Eds.). A companion to classical receptions. London: Blackwell Publishing, 2008, p. 469-81. SALVANESCHI, Luis María. Medea de Moquehua. Buenos Aires: Ediciones Botella al Mar, 1992. SCHAPS, David M. Handbook for classical research. London & New York: Routledge, 2011. VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito y tragedia en la Grecia antigua I. Madrid: Taurus, 1972. ZAYAS DE LIMA, Perla. Mitos griegos en el discurso teatral argentino. Telondefondo, Buenos Aires, n. 11, 2010. Disponible en: <http//:www.telondefondo.org>. Acceso: 25 feb. 2014. Recebido em 5 de feveiro de 2014 Aprovado em 4 de maio de 2014 122 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 LA POTENCIA DEL DESEO EN TRES RELECTURAS DE HEROÍNAS CLÁSICAS THE POWER OF THE DESIRE IN THREE REREADING OF CLASSIC HEROINES Sara Rojo* Universidade Federal de Minas Gerais RESUMEN A partir de la teoría de Rancière sobre el “reparto de lo sensible” (2009), en este ensayo se establece una relación entre deseo y muerte en tres piezas latinoamericanas basadas en tragedias clásicas. En orden de estrenos son las siguientes obras: La viuda de Apablaza, de 1928, en Chile (Fedra), de Germán Luco Cruchaga; Antígona Vélez, de 1952, de Leopoldo Marechal, en Argentina (Antígona) y Klássico (com k), de 2013, de Mayombe Grupo de Teatro, en Brasil (Medea). Según Rancière, “lo que llamamos imagen es un elemento dentro de un dispositivo que crea cierto sentido de realidad, cierto sentido común.”. (El espectador emancipado, p.104) Las tres heroínas presentan caracteres configurados por la tensión subversiva entre deseo y muerte. Sólo que sus imágenes adquieren particularidades, sentidos de realidad específicos de acuerdo a cada uno de los “dispositivos” en los cuales se encuentran. Pretende- se discutir el tema de la muerte femenina como restitución del orden perdido, que está presente en las tragedias de Sófocles y Eurípides, en las actualizaciones estudiadas. PALABRAS CLAVE Fedra, Antígona, Medea, reparto de lo sensible, deseo, muerte Hablar del deseo en las heroínas griegas y en sus relecturas no es novedad, pero la problemática en sí está lejos de haberse agotado y tiene múltiples puertas de entrada. De las cuales he escogido una, la reflexión sobre cómo el deseo y la muerte están tanto en las heroínas del mundo griego como en sus reescrituras unidos a la muerte de forma transgresora. Las fuerzas Eros y Tánatos (y a veces de las hermanas Keres) en el mundo femenino presentan una interdependencia y una conflictividad que necesita ser más estudiada. Por ello, me propongo en este trabajo analizar tres piezas representativas del teatro latinoamericano en las cuales se da visibilidad, de forma particular, a esta problemática. Rancière me sirve de soporte teórico, pues el “reparto de lo sensible” supone algo en común para un grupo o un colectivo: *[email protected] 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 123 Llamo reparto de lo sensible a ese sistema de evidencias sensibles que al mismo tiempo hace visible la existencia de un común y los recortes que allí definen los lugares y las partes respectivas. Un reparto de lo sensible fina entonces, al mismo tiempo, un común repartido e partes exclusivas.1 El punto en común es la elección de una imagen de la mitología (las heroínas griegas) como forma de aproximación al imaginario social femenino que se establece en la interrelación entre deseo y muerte. Por otro lado el reparto, según la cita anterior, fija también las partes exclusivas, en este caso esas particularidades son las que traen el tiempo, el espacio de cada pieza y que permiten entender la singularidad de cada una de esas obras. A partir de ese enfoque, analizaré las piezas y la relación que establecen con las subjetividades en juego en cada contexto. En Medea, por ejemplo, el deseo la lleva a matar y en algunas versiones inclusive al suicidio como en la obra brasileña Gota de agua, de Chico Buarque y Paulo Pontes. ¿Hasta qué punto eso no es un “común” en el reparto de lo sensible que estructura a las mujeres en términos políticos? La muerte final en la tragedia griega es lo que permite la restauración del orden anterior a lo que provocó el desenlace aciago, sólo que en estas heroínas no les llega apenas como un castigo externo. Lo que sucede es que en el “reparto de lo sensible” comunitario se exige a estas heroínas ciertas conductas femeninas y cuando las trasgredieron se auto-castigaron inclusive antes del juicio público, pues la exigencia estaba internalizada en ellas. Antígona, después de rebelarse contra el orden del Estado por querer enterrar con honras fúnebres a su hermano que traicionó la ciudad de Tebas, camina altiva hacia la tumba que la sepultará viva y declara que desea unirse a los suyos; Fedra, desde el comienzo de la obra, expresa que el amor que siente sólo lo puede purificar el suicidio, que se concretizará al fin de la pieza, y Medea, después de ser traicionada, mata conscientemente a sus hijos y en algunas versiones se suicida (no sin dolor) viendo en esa acción la única salida posible. Este deseo interno de muerte o de matar se une, así, de forma indisoluble al deseo del cuerpo del otro. Hay muchas obras latinoamericanas que rescatan uno de estos personajes míticos, aunque, en algunos casos, con otros canales de alternancia. He elegido, para este ensayo tres piezas (una para cada mito). Éstas son, por orden de estreno: La viuda de Apablaza, de Germán Luco Cruchaga, (1928, chilena); Antígona Vélez, de Leopoldo Marechal,(1951, argentina) y Klássico (com k), de Mayombe Grupo de Teatro, (2013, brasileña). Esta elección me permite abarcar y reflexionar sobre la misma problemática desde tres heroínas, tres períodos diferentes de la historia latinoamericana y tres países distintos. Por lo tanto, dentro de dispositivos particulares. FEDRA La actualización de esta heroína, que realiza el dramaturgo chileno Germán Luco Cruchaga (1894-1936), la analizaré por medio de su re-escritura en la obra, La 1 124 RANCIÈRE. El reparto de lo sensible, p. 9. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 viuda de Apablaza (1928). Esta obra fue seleccionada para componer el primer volumen de la antología de teatro chileno hecha con recursos del Gobierno de ese país a propósito del bicentenario, 2 pues la crítica la considera un canon del teatro chileno, tanto el texto3 como el montaje realizado en 1956 por La Universidad de Chile y dirigido por Pedro de la Barra. Germán Luco Cruchaga, Armando Mook (1894-1942) y Antonio Acevedo Hernández (1896-1962) forman el núcleo fundador de la dramaturgia del siglo XX en Chile. Los tres, en líneas diferentes, conforman las bases del teatro chileno. Como si hubiesen hecho un acuerdo previo, cada uno de ellos abordó un sector diferente de la sociedad chilena: Moock, la clase media, Acevedo Hernández, los sectores populares y Luco Cruchaga, el campo. Este foco temático regional, que escogió el autor que me convoca, dificulta leer de inmediato la vinculación de La viuda de Apablaza con el clásico griego, es fácil conformarse con el análisis de las costumbres campesinas del sur de Chile, el lenguaje regional, la moral imperante a inicios de siglo y las formas patronales que asume el trabajo agrícola en ese período. Sólo que parte de la crítica chilena llegó más a fondo y vio las vinculaciones del texto con Hipólito, de Eurípides, (432 AC) e, inclusive, con Fedra de Jean Racine. En La Viuda de Apablaza hay una sólida recreación de la tragedia de Hipólito, de Eurípides, autor que Luco Cruchaga conocía bien, al parecer sorprendentemente bien, como lo planteó Grínor Rojo, antes que nadie.4 En la obra griega, la diosa Venus, despreciada por Hipólito, trama su ruina inspirando en Fedra, madrastra de Hipólito, un violento amor por él.5 En este caso, mi lectura intentará a partir de esa vinculación ya demostrada, abordar la relación indisoluble que se establece entre el personaje de Fedra, el deseo y la muerte en la obra clásica y en La viuda de Apablaza. Según mi interpretación, esto se relaciona con las configuraciones de la experiencia (en este caso del ser mujer) que inducen a formas de actuación que terminan creando un “común” que contiene la muerte como constructora de subjetividad. Este tema me parece que debe ser analizado en términos políticos, pues significa que en el reparto de lo sensible, la parte que les toca a las mujeres lleva adscrita la muerte en distintas sociedades. Fedra, en la versión de Eurípides, desde el inicio de la tragedia dice que desea morir y que merece la muerte por amar a su hijastro Hipólito, sólo recobra una mínima esperanza de vida cuando cree que su marido está muerto y le declara su amor a Hipólito que la rechaza. La viuda al comienzo del texto no sabe lo que siente, aunque sus 2 HURTADO, María de la Luz y BARRÍA, Mauricio (Orgs.). Antología: un siglo de dramaturgia chilena I. Santiago: Comisión del Bicentenario, 2010, 532 p. 3 Su primer montaje fue por la Compañía de Evaristo Lillo. 4 Grínor Rojo señala: “Que Germán Luco Cruchaga conocía Eurípides que además de estar testimoniado por la obra misma, se ha comprobado también por la existencia en su biblioteca personal de un volumen de las obras completas del clásico griego”. Los orígenes del teatro hispanoamericano contemporáneo, p. 165. 5 PIÑA. Historia del teatro en Chile 1890-1940, p. 361. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 125 empleados lo intuyen: “REMIGIO: No puue6 vivir sin Ñico...”7 Ella actúa como madre preocupada, sólo que ese afecto se revela como deseo erótico ante la eminencia del peligro de perderlo con la llegada de su sobrina de la ciudad (como en la versión de Racine que la protagonista teme perder a Hipólito en los brazos de Aricia) y decide jugarse el todo por el todo. Por eso, la viuda le ofrece al Ñico: tierras, mando, dinero y su propio cuerpo: “LA VIUDA: Pero aquí se hace mi voluntá… Por algo t´hey criado y soy mío. ¡Desde hoy en adelante, vós reemplazái al finao…! Tuyas son las tierras, la plata y la viúa”.8 Sólo que al igual que Fedra de Racine, después de declararle su amor a Hipólito e incluso ofrecerle su poder (las tierras/el reino), está en sus manos y se siente aniquilada. Más aún, en el caso de la viuda en que la oferta se concretizó con un matrimonio de conveniencia. Su orgullo ha sido resquebrajado: LA VIUDA: “¿Onde está mi goluntá de fierro?”9 La viuda en el parlamento anterior ya se declara muerta, siente que debe pagar la pasión que la debilitó. En el reparto político y social de lo que puede o no puede una mujer, no le está permitido amar fuera de la convención establecida para su género. Este sentimiento está internalizado y es él el que la derrota antes que las circunstancias lo hagan. La muerte posterior de la viuda, como en la tragedia, restituye el orden perdido, incluso el “desliz” que tuvo el padre del Ñico con otra mujer y que lo dejó en la condición de “guacho”, pues él será el dueño de las tierras. La restitución es semejante a la que recibe Aricia en la Fedra, de Racine, cuando Teseo le comunica que ahora ella, destituida de sus poderes por el propio Teseo, será su hija. Es interesante observar, en esta obra, como el sentimiento de admiración que tenía Ñico por la viuda se confunde o se mezcla con la calma que le traerá su muerte: “ÑICO: (abrazando a Florita). A nadien la quería como a ella; pero vos, m’hijita linda, erai mi debiliá… ¡Éjame llorar por la viúa, que si’ha esgraciao pa’dejarme gozar solo, antes e morirse e la pena de vernos! ¡Éjame llorar por la viúa!”.10 Nico llora la muerte de la viuda, pero percibe que la misma le permitirá ser feliz sin culpa, el orden ha sido restituido. De este modo, queda claro el uso que he hecho de la tesis de Rancière para analizar el juego de poderes presente en las piezas. Específicamente, cuando este teórico afirma la existencia de un “sistema de formas a priori que determinan o que se da a sentir.11 En términos políticos, el suicidio de la 6 Puede. El texto es citado de acuerdo con el original que utiliza las variantes zonales campesinas del lenguaje oral para mantener la identidad lingüística regional. 7 LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de dramaturgia chilena I, p. 198. Uso de variante regional. 8 LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de dramaturgia chilena I, p. 215. Uso de variante regional. 9 LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de dramaturgia chilena I, p. 219. Uso de variante regional. 10 LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de dramaturgia chilena I, p. 225. Uso de variante regional. 11 RANCIÈRE. El reparto de lo sensible. Estética y política, p. 10. 126 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 viuda restituye el orden social requerido para construir una familia dentro de lo que la comunidad acepta como “normal”, por lo tanto, al igual que el suicidio de Fedra en Hipólito, de Eurípides, sirve a la mantención del status social previamente existente. ANTÍGONA El texto dramático Antígona Vélez (1951), de autoría del escritor católico y peronista argentino Leopoldo Marechal (1900-1970),12 tuvo diversas representaciones y en distintos géneros. Lo que confirma su éxito a lo largo de la historia del teatro de ese país. Desde su primera temporada, la obra estuvo marcada por este suceso. 13 Otras representaciones relevantes fueron la de 1962 en París, dirigida por Juan Oscar Ponferrada, y la ópera homónima, de Juan Carlos Zorzi, estrenada en 1991 en Teatro Colón.14 El mito clásico es recreado en la Pampa argentina en el período de enfrentamiento entre blancos e indígenas en el siglo XIX por el dominio de esas tierras, enfrentamiento que culminó, después de lo que se llamó la “campaña del desierto”, con el exterminio de gran parte de la población indígena dueña de ese territorio y con el sometimiento de otra.15 Según Mirta Arlt: Marechal trasunta en Antígona Vélez la gravitación del campo intelectual de su tiempo histórico y el sentido de un nacionalismo criollista que caracterizó a algunos de los hombres de la generación martinfierrista,16 la cual incluyó a intelectuales como Borges, Oliverio Girondo, Francisco Luis Bernárdez y al propio Marechal.17 12 “Su visible vinculación política con el nacionalismo católico, hace que en 1943, Gustavo Martínez Suviría, entonces Ministro de Educación, le ofrezca la presidencia del Consejo General de Educación y Dirección General de escuelas de la Provincia de Santa Fe, Cargo que Marechal acepta y conserva casi un año, a continuación pasa a ser director general de Cultura de la Nación, en 1946 se convierte en Director de enseñanza superior y artística. En 1948 viaja nuevamente a Europa, siendo esta vez huésped oficial de los gobiernos españoles e italianos. Estas actividades en organismos oficiales se significan una ruptura con sus antiguos camaradas. Desde 1955, al producirse la caída de Perón, Marechal pasa una etapa de olvido y soledad”. Cf.: www.ladobled.com.ar/biografias/marechal.pdf. 13 En 1951, José María Fernández Usain le solicita al autor Antígona Vélez para estrenarla en el Teatro Cervantes, pero “El único original mecanografiado desaparece, pero Eva Perón, enterada de lo ocurrido, le pide telefónicamente a Marechal que haga el esfuerzo de recomponer la obra (…) Marechal cumple con el requerimiento y la obra se estrena el 25 de mayo”. MONGES. Prólogo de Antígona Vélez, p. 8. 14 Datos entregados por Hebe Monges en el prólogo de la obra analizada. 15 “El informe final que el general Roca ofreció al Congreso sobre esa campaña dice que “14.172 indios fueron reducidos, muertos o prisioneros (algunos historiadores elevan esa cifra a 35.000). Seiscientos indígenas fueron enviados a la zafra en Tucumán. Los prisioneros de guerra fueron incorporados (forzosamente) al Ejército y la Marina para cumplir un servicio de seis años, mientras que las mujeres y los niños se distribuyeron entre familias que las solicitaban (para servicios domésticos o adopción forzada) a través de la Sociedad de Beneficencia.” Cf. http://elblogdelabibliotecaria.blogspot.com.br/2009/04/ historia-argentina-la-conquista-del.html. 16 “El martinfierrismo era todavía un elemento residualmente activo pero no arcaico en el campo literario de los años treinta y cuarenta” (MARTÍNEZ PÉRSICO, Marisa. Cf. https://www.academia.edu/ 3157864/Leopoldo_Marechal_entre_la_cuerda_poetica_y_la_cuerda_humoristica. 17 ARLT. El mito griego: permanencia y relatividad en Antígona Vélez, de Marechal, p. 50. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 127 Esto significa que, en la obra, la muerte de Antígona sirve a un propósito de Estado, que está más allá de los intereses de los protagonistas, como en la tragedia clásica. Según Doncel, en esta misma línea, señala que “la pampa, el desierto y la llanura – se convierte en el verdadero hado que pesa sobre los personajes”.18 La pampa “pesa” porque allí impera la violencia como única ley. La construcción de la nación requiere una fórmula cultural homogeneizadora en la cual no cabe el enfrentamiento a la ley representada por Galván (Creonte) y así lo entiende la propia protagonista. Por lo tanto, aunque estamos frente a una obra que, aparentemente, por su ubicación contextual se alejaría del espacio recreado en la pieza de Sófocles, no es así, pues al igual que en el campo chileno, quien manda es quien establece un tipo de poder autoritario en el local en el que suceden los hechos. Esa situación es la que permite la recreación espacial del mito. Antígona Vélez, con relación al personaje clásico y a la muerte, tiene un aspecto constante y una variante. Por un lado, la acepta como la protagonista de Sófocles, pero por otro se distancia de la postura de la heroína de la tragedia clásica cuando justifica a su verdugo, al que la ha condenado a galopar hacia el territorio indígena donde caerá bajo las lanzas, asumiendo, de ese modo, la razón de Estado (la importancia de la nación argentina por sobre sus deseos afectivos-familiares) como ética y justa: El hombre que ahora me condena es duro porque tiene razón. Él quiere ganar este desierto para las novilladas gordas y los trigos maduros; para que el hombre y la mujer, un día, puedan aquí dormir sus noches enteras; para que los niños jueguen sin sobresalto en la llanura. ¡Y eso es cubrir de flores el desierto!19 La muerte no es una opción deseada, como en la tragedia de Sófocles, para unirse a los suyos, sino una consecuencia inevitable de la violencia que se vive en La Pampa. Violencia anunciada desde el comienzo de la obra por un coro de hombres y mujeres del pueblo y otro de brujas. Este último, lo leo como un homenaje a Shakespeare.20 Según la protagonista, su decisión de oponerse a los designios de Galván, enterrando a su hermano y luego de aceptando la muerte, hubiese sido celebrada por su padre que murió luchando contra los indígenas, si ella no la hubiese debilitado por la pasión terrena, que la llevó incluso a cuestionarse la decisión tomada. La reflexión es que el “trabajar” la muerte se realizó sin pensar en el otro (Lisandro-Hemón): ANTÍGONA: (…) Si yo hubiese muerto anoche, mi padre hubiera salido a recibirme, allá en el bajo: él y sus veinte sables rotos. ¡Ahora no saldrá! (…) MUJER 1 (al coro de mujeres): ¡No entendemos lo que dice! ANTÍGONA: Porque Antígona Vélez fue madre antes que novia. Facundo Galván y yo hemos trabajado con la muerte, sin pensar en el Otro, que también debió ser escuchado.21 18 Cf. http://ponce.inter.edu/html/Inter_Ethica/pdf/de_sofocles_a_Luis_Rafael_Sanchez_y_ otras_Antmgonas.pdf. 19 MARECHAL. Antígona Vélez, p. 50. 20 Las brujas tienen una importancia indiscutible en la obra de este escritor, por ejemplo, en Macbeth son quienes inician la pieza. 21 MARECHAL. Antígona Vélez, p. 52-53. 128 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Antígona Vélez se contradice, se cuestiona el no haber contemplado en su decisión al que está vivo, pero tiene vergüenza de no ser recibida con los sables por quien ya se fue de este mundo. En la dicotomía, vence la muerte y así se lo comunica a Lisandro: “Y Antígona debe morir”.22 Después sólo sabremos de su deceso, como en las tragedias, por la voz de los otros. La diferencia aquí está en que Lisandro no se suicida frente al cuerpo de Antígona, sino que decide morir con ella: Las mujeres exclaman “¡Dos parejeros frente al sol! ¡Y la muerte delante!”.23 Ellas mismas son las que informan que brillan las lanzas indígenas que anuncian el fin de la pareja.24 Al contrario del personaje de la obra clásica, el Creonte de esta obra no siente culpable de no haber pensado en el otro al “trabajar la muerte”, él cree que hizo lo que debía y, retóricamente, transforma la muerte de los jóvenes en un acto heroico. La justifica, así como se han justificado tantas otras producidas por las guerras que se han librado en “Nuestra América”:25 HOMBRE 1 (a Don Facundo): Señor estos dos novios que ahora duermen aquí no le darán nietos. DON FACUNDO: ¡Me los darán! HOMBRE 1: ¿Cuáles? DON FACUNDO: Todos los hombres y mujeres que, algún día, cosecharán en esta pampa el fruto de tanta sangre.26 La tesis sustentada es que la muerte épica es la semilla que exige la patria para la felicidad de las futuras generaciones. Ese es el “común” postulado por el nacionalismo argentino y dentro del cual se inscribe la pieza analizada. MEDEA Medea es un personaje extremamente complejo. Seductora, extranjera y maga es capaz de cualquier cosa en función de la pasión. Desde el fratricidio que le permitirá quedarse con quien ama hasta el asesinato de sus propios hijos cuando es traicionada.27 Agreguémosle a eso lo que expone Tereza Virgínia Barbosa, específicamente, con relación al lenguaje de las tragedias: 22 MARECHAL. Antígona Vélez, p. 57. MARECHAL. Antígona Vélez, p. 58. 24 Es interesante connotar que en esta parte el coro es sólo de mujeres. 25 Expresión utilizada por José Martí en Nuestra América. Me parece oportuno, a propósito de la ideología de Antígona Vélez, recordar un fragmento de este texto: “¿En qué patria puede tener un hombre más orgullo que en nuestras repúblicas dolorosas de América, levantadas entre las masas mudas de indios, al ruido de pelea del libro con el cirial, sobre los brazos sangrientos de un centenar de apóstoles?” Cf. http:/ /www.ciudadseva.com/textos/otros/nuestra_america.htm. 26 MARECHAL. Antígona Vélez, p. 63. 27 El mito de los argonautas tiene un origen muy remoto, probablemente asociado a las expediciones griegas en el mar Negro, durante el período micénico. Pero si tomamos como base las referencias reminiscentes, somos llevados a creer que el asesinato de los hijos por Medea es fruto de la creación de Eurípides. VIEIRA, T. Nota preliminar In Eurípides. Medea, p. 9-10. 23 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 129 Aristóteles (Retórica 1410b), en una obra dedicada a la elocuencia, dice que este modo de hablar por medio de metáforas es, para todos, natural y agradable, pues está al servicio de, antes que nada, de enseñar de manera visual, rápida y eficaz y, aún más, sin obviedad, guardando la sensación de distanciamiento.28 En nuestra sociedad el lenguaje metafórico, de ese período, es de difícil acceso para la mayoría de las personas. En esas condiciones, y sin pensar en el peso que tiene para un actor representar un clásico, asumir este personaje y llevarlo a la escena no es una tarea fácil y diversas alternativas han sido puestas en los palcos de la historia del teatro para realizarla. 29 En este caso, me avocaré al análisis de la actualización hecha en el 2013 por Mayombe Grupo de Teatro. Este trabajo se constituye como un clásico de fútbol en un estadio-arena-show donde cuatro personajes (Antígona, Fausto, Medea y Ulises), articulados y provocados por un mediador, se enfrentan a sus trayectorias y a las de quienes los llevan a escena (los actores). De esta forma, la obra se configura como teatro performance tanto por la dinámica de construcción espectacular (juego entre representación de los personajes y presentación de los actores) como por el rescate del pasado (mitológico de los personajes representados y vivencial-afectivo de los propios actores). Marina Viana construye su Medea en la parodia (no necesariamente cómica) de las representaciones hechas por otras actrices en diferentes períodos históricos (Bibi Ferreira, Maria Callas, etc.) a lo largo de la historia del cine y del teatro. Parte desde la problemática de la heroína griega para llegar al cuestionamiento de la actriz frente al peso del personaje y de lo que él hace con la vida de sus hijos y, en algunos casos, con la suya. Medea mata, la actriz no. Así lo explicita: Entonces, yo mato. En algunos casos, yo puedo morir también. En otros puedo huir con el carro del sol. Pero yo mato. Yo que no mato nada. Yo no mato nada carajo. Voy a cargar de todo vida afuera, marcas de amor, de luto, de espolón. Eurípides no conoce mi lado occidental, ni como es rico mi dios ex machina.30 La acción dramática constructora de la tragedia clásica y del personaje es el asesinato. En la pieza del Mayombe Grupo de Teatro el personaje la desvela para luego resistirla y, 28 “Aristóteles (Retórica 1410b), em uma obra dedicada à eloquência, que este modo de falar por meio de metáforas é, para todos, natural e agradável, pois tem a serventia de, antes de qualquer outra coisa, ensinar de maneira visual, rápida e eficaz e, ainda mais, sem obviedade, guardando a sensação de estranhamento.” BARBOSA. Prefacio de la Medeia, de Eurípides, p. 36. 29 Trasladada a Turquía o al África, situada en medio del conflicto entre irlandeses e ingleses, convertida en metáfora de la tierra expoliada o medio para abogar contra la represión sexual, la figura de Medea se proyecta en el teatro de las últimas décadas de modo tal que no hubiera podido preverse en los años treinta, cuando Lenormand y Maxwell Anderson deciden sacar a la heroína de su contexto habitual y ubicarla en Asia y en los mares del Sur. CANCELA. Medea y la voz del otro en el teatro latinoamericano contemporáneo. Cf. 148.202.18.157/sitios/publicacionesite/pperiod/laventan/.../69-90.pdfý. 30 “Daí eu mato. Em alguns casos, eu posso morrer também. Em outros posso fugir com o carro do sol. Mas eu mato. Eu que não mato nada. Eu não mato porra nenhuma. Vou carregar tudo vida fora, marcas de amor, de luto, de espora. Eurípides não conhece meu lado ocidental, nem como é gostoso meu deus ex machina.” VIANA, Marina. Medea. Klássico (com k), s/p. 130 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 con ello, al destino que le fuera trazado; sólo que para hacerlo mata la propia representación de Medea y se asume totalmente como actriz en la escena final. Toda esta situación dramática está permeada por un tipo de humor irónico y por la construcción escénica metateatral. Esa opción estética crea una zona de indeterminación, propia del teatro “micropoético”,31 plagada de tensiones no resueltas entre lo que se representa y quien lo hace. Esta posición de enunciación busca generar un tipo de espectador que incluso se cuestione su propio lugar, su propia historia: “Todo espectador es de por sí actor de su historia, todo actor, todo hombre de acción, espectador de la misma historia”.32 Esta dinámica nos lleva al conflicto de matar por pasión presente en la tragedia de Eurípides y a la reflexión metateatral con relación a la representación de Medea en Klássico (com K): ¿puede un actor-actriz representar lo que no está dentro del universo de los posibles que lo conforman como sujeto? ¿Puede representar un asesinato sin haber asesinado a nadie? La historia del teatro parece decir que sí, la performance lo niega. Klássico (com K) lo coloca en escena de forma tensional generando un clímax dramático entre la pasión y muerte que significa construir un personaje y despojarse del del mismo al interior de un solo espectáculo. De hecho, el personaje de Medea en esta pieza está construido a partir del deseo de representarlo de la actriz y el borde es la muerte, metafórica, de no conseguirlo. La expresión gestual en la fotografía de la página siguiente aclara esta imagen. La tragedia nació del culto a Dionisio, el teatro recrea el culto y la fiesta con múltiples estéticas. Una de ellas, con fuerte presencia en la escena contemporánea, es la actualización de los mitos. Algunas veces más cerca de la tragedia, otras más lejos; pero casi siempre retomándolos para discutir problemáticas existenciales y sociales presentes en las obras clásicas y que continúan con un peso innegable en el presente. En las tres piezas que analicé esto último es lo que sucede, por ello pude discutir la relación entre deseo y muerte en las tres protagonistas a la vez que analizaba el lugar de enunciación desde el cual se trazaba la confrontación con las estructuras de poder existentes. De esta forma, en La viuda de Apablaza la muerte de la protagonista restituye el orden preexistente al conflicto; en Antígona Vélez la muerte de los jóvenes es trasformada en un acto heroico de construcción nacional y en Klássico (con K) se utiliza para cuestionar la propia representación. El tema de la muerte femenina como restitución del orden perdido está presente en las tragedias de Sófocles y Eurípides y en las dos primeras actualizaciones estudiadas, me parece que ello ocurre porque en el reparto de lo sensible a las mujeres les tocó (y a veces aún les toca) el papel de ser castigadas si desean más allá del límite permitido dentro de la configuración simbólica conservadora, pre existente en sus sociedades, y es ello lo que les acarrea la muerte. En la última pieza, la actriz se niega a recorrer ese 31 “La micropoética es la poética de un ente poético particular, de un ‘individuo’ (Strawson, 1989) poético. Suelen ser espacios de heterogeneidad, tensión debate, cruce, hibridez de diferentes materiales y procedimientos, espacios de diferencia y variación, ya que en lo micro no suele reivindicarse la homogeneidad ni la ortodoxia”. DUBATTI. Cartografía teatral. Introducción al teatro comparado, p. 80. 32 RANCIÈRE. El espectador emancipado, p. 23. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 131 132 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 camino, pero su deseo de asumir la fuerza del personaje es tan intenso que una de las dos debe morir. Elige el personaje. Por lo tanto, no se trata, en estas piezas latinoamericanas, de una pulsión de muerte ajena a los contextos que la crean, más bien se trata de desear intensamente la vida, el sentido que le han dado a la misma y, es ello, lo que las hace superar la materialidad del cuerpo. De este modo, Antígona Vélez acepta su muerte en pos de la “patria”, La viuda de Apablaza se suicida restituyendo el orden familiar perdido y MedeaMarina después de llegar al clímax de la representación, la destruye argumentando que el personaje es capaz de matar, pero su propio cuerpo es incapaz de hacerlo. AA ABSTRACT From Rancière’s theory on the distribution of the sensible (2009), is established in this essay a relationship between desire and death in three Latin American plays based on classic tragedy. In order of premieres, they are: La viuda de Apablaza, 1928, in Chile (Phaedra), by Germán Luco Cruchaga, Antigona Vélez, 1952, by Leopoldo Marechal, in Argentina (Antigone) and Klássico (com k), 2013, by Mayombe Grupo de Teatro, in Brazil (Medea). According to Rancière, “what we call image is an element within a device that creates a sense of reality, some common sense” (El espectador emancipado, p. 104). The three heroines present characters configured by the subversive tension between desire and death. Their images acquire peculiarities, specific ways of reality according to each of the “devices” in which they find themselves. It is intended to discuss the issue of women´s death as restitution of the lost order, which is present in the tragedies of Sophocles and Euripides, in the studied updates. KEYWORDS Phaedra, Antigone, Medea, distribution of the sensible, desire, death REFERENCIAS ARLT, Mirta. El mito griego: permanencia y relatividad en Antígona Vélez de Marechal. En: PELLETTIERI, Osvaldo. (Ed.). De Esquilo a Gambaro. Teatro, mito y culturas griegos y teatro argentino. Buenos Aires: Ed. Galerna, 1997, 127p. BARBOSA, Tereza Virgínia. Prefácio. En: EURÍPIDES. Medeia. São Paulo: Ateliê editorial, 2013, p.13-39. BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego. Tragédia e comédia. Petrópolis: Vozes, 2009, 120 p. LUCO CRUCHAGA, Germán. La viuda de Apablaza. En: HURTADO, M.; M. BARRÍA (Orgs.). Antología: un siglo de dramaturgia chilena V. I. Santiago. Bicentenario, 2010, 225 p. DONCEL, María Margarita. De Sófocles a Luis Rafael Sánchez y otras Antígonas: un canto a la libertad. Disponible en: <http://ponce.inter.edu/html/Inter_Ethica/pdf/ de_sofocles_a_Luis_Rafael_Sanchez_y_otras_Antmgonas.pdf>. Acceso: 11 enero 2014. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 133 DUBATTI, Jorge. Cartografía teatral. Introducción al teatro comparado. Buenos Aires: Atuel, 2008, 217p. EURÍPIDES, Medeia. Dir. e coord. Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa; trad. Trupersa. São Paulo: Ateliê editorial, 2013, 198 p. EURÍPIDES. Hipólito. En: EURÍPIDES. Alceste, Electra, Hipólito. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Marin Claret, 2004, 180 p. GONZALEZ BETANCOUR, Juan David. Antígona y el teatro latinoamericano.Disponible en: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=279021528007>. Acceso: 11 enero 2014. HISTORIA ARGENTINA. La conquista del desierto. Disponible en: <http:// elblogdelabibliotecaria.blogspot.com.br/2009/04/historia-argentina-la-conquistadel.html>. Acceso: 14 abril 2014. LADOBLED.COM.AR. Biografía de Lepoldo Marechal. Disponible en: <www.ladobled.com.ar/ biografias/marechal.pdfý>. Acceso: 12 abril 2014. MARECHAL, Leopoldo. Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 2012, p. 13-63. MARTÍ, José. Nuestra América. Disponible en: <http://www.ciudadseva.com/textos/ otros/nuestra_america.htm>. Acceso: 16 enero 2014. MAYOMBE GRUPO DE TEATRO. Klássico (com K). Belo Horizonte: Esquyna Espaço Coletivo Teatral, 2013. MARTÍNEZ PÉRSICO, Marisa. Disponible en: <https://www.academia.edu/3157864/ Leopoldo_Marechal_entre_la_cuerda_poetica_y_la_cuerda_humoristica>. Acceso: 12 abril 2014. MIRANDA CANCELA, Eline. Medea y la voz del otro en el teatro latinoamericano contemporáneo. Disponible en: <148.202.18.157/sitios/publicacionesite/pperiod/laventan/ .../69-90.pdf>.ý Acceso 11 enero 2014. MONGES, Hebe. Prólogo de Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 2012. p. 7-12. MONGES, Hebe. Póslogo de Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 2012, p. 65-80. PIÑA, Juan Andrés. Historia del teatro en Chile 1890-1940. Santiago: Ril Editores, 2009, 413 p. PRADENAS, Luis. Teatro en Chile. Huellas y trayectorias XVI-XX. Santiago: Ediciones LOM, 2006, 519 p. RACINE, Jean. Fedra. Trad. Millôr Fernades. Porto Alegre: Pocket, 2002, 108 p. RANCIÈRE, Jacques. El reparto de lo sensible. Estética y política. Santiago: Lom Ediciones, 2009, 62 p. RANCIÈRE, Jacques. El espectador emancipado. Trad. Ariel digon. Pontevedra: Ellago ediciones, 2010, 134 p. ROJO, Grínor. Los orígenes del teatro hispanoamericano contemporáneo. Valparaíso: Ediciones universitarias de Valparaíso, 1972, 227 p. VIEIRA, Trajano. Nota preliminar. En: EURÍPIDES. Medeia. Edición bilingue. Trad. Trajano Vieira. São Paulo: Editora 34, 191p. Recebido em 19 de janeiro de 2014 Aprovado em 28 de abril de 2014 134 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ELEMENTOS PLAUTINOS EM O SANTO E A PORCA, DE ARIANO SUASSUNA* PLAUTINE ELEMENTS IN ARIANO SUASSUNA’S O SANTO E A PORCA Matheus Trevizam** Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO De acordo com indicações oferecidas pelo próprio Ariano Suassuna, sua peça O santo e a porca dialoga decididamente com a Aulularia de Tito Mácio Plauto. Neste processo, a caracterização típica de algumas personagens permanece, com muito da trama e o emprego de nomes pessoais expressivos. Neste artigo, será nossa tarefa procurar por pontos de coincidência entre os dois produtos teatrais aludidos, sobretudo em relação à personagem do avarento e a elementos selecionados da trama. PALAVRAS-CHAVE Aulularia, O santo e a porca, comédia, adaptação, personagem C ONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA A associação entre a produção dramática de Ariano Suassuna (1927-...), “encarnada” em peças como O santo e a porca, O casamento suspeitoso, o Auto da compadecida e a Farsa da boa preguiça, e matrizes ditas de “cultura erudita”, não é nenhuma novidade. Vários estudiosos, assim, têm insistido no fato de que o dramaturgo paraibano fundiu em suas peças traços da cultura popular nordestina a outros cuja procedência nos remete à grande literatura europeia de variados períodos históricos (Antiguidade, Idade Média, sobretudo na vertente sacra ou profana dos autos e farsas, Barroco, Classicismo francês do século XVII...), operando, como observa o próprio Suassuna, com objetivos renovadores de nossas letras e de inscrição de elementos regionais também no círculo “universalista” das formas literárias ocidentalmente consagradas: “O movimento armorial pretende realizar uma arte brasileira erudita a partir das raízes populares da nossa cultura”. 1 (1976, p. 49) * Meus especiais agradecimentos às profªs. drª. Rosario López Gregoris (Universidad Autónoma de Madrid – Madrid, Espanha) e drª. Isabella Tardin Cardoso (IEL-Unicamp – Campinas/SP – Brasil), pelas cuidadas sugestões e esclarecimentos em aspectos vinculados à sua área de especialidade, a comédia latina antiga. ** [email protected] 1 Apud VASSALLO. O sertão medieval, p. 26. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 135 Ora, semelhante maneira de proceder na construção de peças como as acima citadas não deve ser compreendida como se de algo gratuito se tratasse. Referimo-nos, aqui, à inscrição do teatro de Suassuna no plano mais vasto de toda uma “arte armorial”, segundo os dizeres dos próprios envolvidos no movimento de cultura em questão. Como nos explica Idelette Fonseca dos Santos, as raízes deste movimento, que teve no próprio Suassuna seu mais importante expoente e condutor,2 podem ser situadas nas décadas anteriores à evidente declaração, por esse artista e dramaturgo, de haver algo minimamente estruturado nesse sentido, o que apenas ocorreu em 1970, quando ele explicitou ao público, no programa de um concerto musical oferecido na igreja de São Pedro dos Clérigos, no Recife, a existência do “armorialismo”. O movimento armorial, então, cujas práticas mais ou menos intercoordenadas por variados artistas precederam qualquer manifesto teórico, caracteriza-se por certa circunscrição no espaço e no tempo: todos aqueles nele implicados são nascidos no Nordeste brasileiro, sobretudo em Pernambuco e nos estados vizinhos da Paraíba e de Alagoas. Tais agentes de cultura, ainda, em geral oriundos do ambiente agrário nordestino, dali conservaram, apesar de cedo “transplantados” para a vida urbana do Recife, metrópole daquela região, “uma nostalgia muito forte”,3 a qual se desdobra em constantes evocações artísticas do universo sertanejo. Por outro lado, temporalmente, se é associável ao próprio teatro de Suassuna, que se estende ao menos em um arco cronológico compreendido pela década de 40 do século XX até suas principais peças, já nos anos 50 e 60 do mesmo século, o marco fundador do armorialismo na cultura brasileira, os anos 70 significaram a abertura de um novo e derradeiro4 “período” no movimento. Ele se chamou “fase romançal” e foi afim não só à diversificação prática das atividades armoriais sob a égide política do dramaturgo, então secretário de Educação e Cultura do município do Recife (1975), mas ainda à cunhagem desse novo e misterioso nome, cujas origens mantêm elos inclusive com a ideia do “romanceiro”, aquele rico conjunto de narrativas populares brasileiras orais e escritas, cuja estrutura, “herdada da Europa, adaptou-se tão perfeitamente aos temas e às vozes nordestinas”.5 Quanto ao nome “armorial”, em si evoca elementos de nobreza, por corresponder a estrita definição do termo, em português, ao conjunto dos brasões atinentes a um dado povo ou a uma dada região, 6 em evidente conexão com o período histórico da 2 Não nos devemos esquecer, porém, de nomes como os do artista plástico Gilvan Samico e de Marcus Accioly, também inscritos com outros na “armorialidade” (cf. SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 24). 3 Cf. SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 24. 4 SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 32: “Se os movimentos têm data e hora para nascer, seus óbitos raramente são registrados em cartório. Podemos, no entanto, arriscar a data de 1981 como a do fim do movimento, quando Suassuna, numa carta aberta publicada no DP, declara abandonar a literatura, deixar de publicar, de dar entrevistas, em suma, retira-se do palco cultural para realizar um balanço pessoal. Não virou eremita, continuou sendo professor, mas manteve, por quase dez anos, um silêncio ‘ensurdecedor’”. 5 SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 31. 6 HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 184. 136 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Idade Média, tantas vezes incorporado à dramaturgia e à arte de Suassuna. Além disso, bem documentou Idelette Fonseca dos Santos, trata-se de um termo sonoramente atrativo e de possíveis remissões ao aspecto plástico da heráldica, com seus esmaltes coloridos, animais fabulosos, “sóis, luas e estrelas”, 7 como se, em um grande projeto artístico destinado a realizar- se em mais de uma vertente, o rico universo dos brasões correspondesse a um signo da multifacetada beleza das obras armoriais, fossem elas dramas, xilogravuras e pinturas, esculturas, cerâmicas ou músicas... O esboço dessas explicações e a identificação dos principais traços do armorialismo com os de uma poética pautada pela maciça incorporação de elementos populares nordestinos – sobretudo aqueles oriundos da literatura de cordel, a qual Lígia Vassallo considera corresponder à matéria-prima mesma dos escritores armoriais8 – a estruturas de matriz diferenciada, como as formas expressivas da Idade Média, da Antiguidade ou de outros tempos, favorecem propor a ideia de todos os produtos culturais oriundos desse movimento sob a marca de uma mestiçagem inerente ao próprio povo brasileiro. Além disso, para a efetiva concretização da passagem do popular ao erudito, as formas consagradas de matriz culta amiúde se revestem, no contexto armorial, do papel de “pontes” interculturais, com caráter eminentemente recriador. 9 ELEMENTOS DE PLAUTO – AULULARIA – EM O SANTO E A PORCA (1957), DE ARIANO SUASSUNA As relações de proximidade entre esta peça moderna de Ariano Suassuna e o legado do comediógrafo romano Tito Mácio Plauto (aproximadamente 230-180 a.C.) evidenciam-se já no subtítulo de O santo e a porca, no qual lemos, na edição José Olympio de 2008, “Imitação nordestina de Plauto”. Ora, o antigo conceito retórico da imitatio, que Suassuna retoma, afina-se justamente com a busca da transposição de modelos de um para outro âmbito criativo, como se deu em Roma, por exemplo, no poema 51 do neotérico Gaio Valério Catulo quanto a um célebre texto sáfico. 10 Tal transposição, de modo algum meramente servil, pressupunha, todavia, a busca de acuradas semelhanças com o modelo seguido: “Imitatio est, qua impellimur cum diligenti ratione ut aliquorum similes in dicendo ualeamus esse.” 11 7 SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 25. VASSALLO. O sertão medieval, p. 26. 9 SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 36. 10 OLIVA NETO. Introdução, p. 38-39: “Designar a persona da mulher amada pelo termo Lésbia pode reproduzir a prosódia do nome Clódia, mas antes evoca o nome e a poesia de Safo de Lesbos, pois num tipo de verso por ela criado, o verso sáfico, Catulo compõe dois poemas só, porém fundamentais: num, em que praticamente traduz o texto grego, poema 51, revela os sintomas físicos que manifesta ao ver Lésbia. O outro, poema 11, é um recado de despedida, ou seja, estas composições são respectivamente início e fim da ficção afetiva, marcados com aludir a essa poetisa de versos que são a própria perfeição em poesia amorosa. Em Catulo, tudo é antes intertexto, criado rigorosamente nos modos alexandrinos já discutidos, que um apaixonado relato em verso daquilo que viveu”. 11 CÍCERO. Rhet. ad Her. I, 3: “A imitação é aquilo por que somos levados, com escrupuloso método, a lograrmos a semelhança com outros quando nos pronunciamos”. 8 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 137 No nível da construção da trama de uma e outra obra aqui sob foco analítico, observamos, então, que se mantêm importantes estruturas na passagem do contexto antigo e romano para o moderno e brasileiro, ou nordestino, como prefere Suassuna com maior precisão. Assim, para retomarmos as velhas categorias filológicas da comédia de “intriga” e de “caracteres”, observa-se com Aída Costa que a Aulularia plautina se configura complexamente com características entrelaçadas dessas duas vertentes,12 pois, por um lado, nela encontramos a dupla intriga da resolução do destino de Fedra e da aula auri plena, a panelinha cheia de ouro de Euclião, e, por outro, a ênfase ridicularizadora na personagem desse avarento caricatural. Apenas a título de recapitulação dos principais constituintes do enredo plautino nesta peça, lembramos que a história se inicia com a violação de Fedra, uma adolescente filha de família modesta, por Licônides, um jovem vizinho rico, durante as festas da deusa Ceres, quando ele se embriagara de vinho e não pudera conter-se. Dessa violência advém a gravidez da moça, que já divisamos, no início da peça, em estágio avançado, embora ela a escondesse por receio do pai, o avarento Euclião, com a ajuda de sua confidente, a velha escrava doméstica chamada Estáfila. Por benéfica intervenção do deus Lar, protetor da casa e da família de Euclião, Eunômia, mãe de Licônides e irmã do abastado solteirão de nome Megadoro, tem a ideia de propor ao último que se case, chegando a sugerir-lhe uma mulher rica e madura, de imenso dote. Megadoro, porém, receoso da tirania das esposas ricas sobre seus maridos, acede apenas em casar-se com uma moça modesta como Fedra, cuja mão pede e logo obtém de Euclião. Importa dizer que, com semelhante instigação a que Megadoro intentasse o casamento com a filha de Euclião, já pronta a dar à luz um filho de Licônides, o Lar familiar buscara não a desonra pública da moça, decorrente de um escândalo diante de seu equivocado pretendente, mas, antes, o retorno da vida aos eixos normais. Após as cenas de preparo do casamento, em que o velho Euclião se desespera comicamente com a presença de cozinheiros mandados à sua casa por Megadoro, a fim de prepararem a ceia – ato III da peça, como constante das edições modernas –,13 tem lugar um evento de grande importância para o enredo da trama plautina. Referimo-nos ao fato de que Estróbilo, dedicado escravo do jovem e impetuoso Licônides, o qual se pusera a caminho da casa de Euclião a mando do amo para descobrir o que se passava quanto ao casamento de Megadoro com Fedra, vem então a surpreender o velho avarento no ato de esconder sua preciosa panelinha no templo da deusa Fides, a Boa-fé dos romanos. Convém momentaneamente esclarecer, em retomada das palavras do próprio deus Lar no Prólogo da peça, que o velho Euclião recebera o objeto precioso como espécie de 12 COSTA. Introdução, p. 27. DUPONT. Le théâtre latin, p. 115: “As comédias romanas não eram entrecortadas em atos e cenas; este corte é uma adição discutível dos editores modernos. Mas, na ausência dos coros – a Néa apresentava coros, que eram simples entremeios musicais e que os romanos não conservaram –, coloca-se hoje a questão de saber como se estruturava uma comédia romana” (“Les comédies romaines n’étaient pas découpées en actes et en scènes; ce découpage est une addition discutable des éditeurs modernes. Mais, en l’absence de choeurs – la Néa possédait des choeurs, qui étaient de simples intermèdes musicaux et que les Romains ne conservèrent pas –, la question se pose aujourd’hui de savoir comment se structurait une comédie romaine.”). 13 138 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 herança de família, pois seu avô já dele dispusera, sem, por avareza, jamais revelar ao filho, o pai de Euclião, a posse de semelhante bem. Dessa maneira, o pai de Euclião levou vida de pobreza e sacrifícios, mas ele próprio, por condescendência do Lar para com Fedra, que muito o honrava com oferendas de flores e incenso no altar doméstico, veio a descobrir o tesouro num momento de angústia para a moça, pois, como sabemos, ela fora violentada, estava grávida e desejaria casar-se com seu agressor para a correção do dano sofrido. Contudo, tal reparação, pelos parâmetros da sociedade romana antiga, seria mais difícil para uma moça sem nenhuma reserva familiar de dote, justificandose, assim, o circunstancial auxílio indireto do deus à sua pia servidora... Ora, sempre em desespero pela eterna paranoia de ser roubado, Euclião surpreendido espanca e destrata Estróbilo, que então decide vingar-se com o roubo do tesouro do velho. Assim, quando o desconfiado Euclião carrega para fora do templo de Fides a panelinha, suspeitoso de que Estróbilo o vira procurar ali um refúgio para o ouro, este o segue furtivamente e vê, oculto em cima de uma árvore, o novo esconderijo a isso destinado pelo velho no bosque de Silvano, com, enfim, o consequente roubo da panela pelo escravo. Derradeiramente, embora a peça nos tenha chegado mutilada, o ato V apresenta um diálogo entre Estróbilo e Licônides, no qual o escravo confessa ao dono o roubo da panelinha e é “convidado” por ele à devolução do objeto ao verdadeiro proprietário. Pouco antes, porém, ainda no ato IV e diante da iminência do enlace da moça a quem amava com o tio, Licônides confessara à mãe o seu erro e obtivera dela a promessa de dissuadir, por um justo motivo, Megadoro da ideia de casar-se ele mesmo com Fedra; assim, o jovem fora desculpar-se com Euclião, que, em princípio, obsessivo pela posse de seus bens materiais, crera a culpa de Licônides apenas vinculada ao roubo da panela... Se a reconstrução hipotética de Codrus Vrceus14 não recobre infalivelmente todas as possibilidades conclusivas da peça plautina original, ao menos, por seu argumento e pelos esquemas compositivos da “Comédia Nova” grega, que o autor romano antigo retoma, parece bastante plausível aguardar para o fim da Aulularia a boa resolução dos conflitos, ou seja, o casamento de Fedra com seu malfeitor e a devolução compensatória da panelinha roubada a Euclião: A história é, o mais das vezes, aquela dos amores de um jovem por uma moça, contrariados pelos velhos. A moça é uma cortesã, propriedade de um proxeneta, e o pai do jovem lhe recusa a soma necessária à compra. Ou se trata de uma moça livre, frequentemente violada numa noite de embriaguez pelo jovem, ou até entrevista de soslaio em uma das raras cerimônias públicas durante as quais as jovens gregas podiam aparecer sem ofensas ao pudor. A moça espera um bebê. Ela não tem dote. De todo modo, o pai opõe-se ao 14 Cf. nota 48 de COSTA à sua tradução da Aulularia, p. 125: “Codrus Vrceus, sábio do século XV, reconstituiu o fim do 5º Ato, baseado em elementos fornecidos pelo Prólogo, pelo Argumento e por alguns versos citados por um gramático”. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 139 casamento porque tem outros objetivos para seu filho. Mas tudo acabará bem, a cortesã será comprada ou a moça desposada.15 Ora, a peça moderna brasileira “herda” de Plauto importantes elementos estruturadores que remontam, na verdade, aos modelos gregos do dramaturgo romano.16 Referimo-nos à dupla estruturação em torno da figura de um avarento – neste caso, Euricão Árabe17 – e da resolução de conflitos instaurados no início da trama. Esses, no novo contexto, são basicamente o casamento impedido entre Margarida, a jovem filha de Euricão, e Dodó, o filho de um fazendeiro de posses razoáveis, de nome Eudoro; além disso, há o polo temático do destino da porca de Euricão, espécie de “cofre” secreto onde ele guardara, por anos a fio e com ciosa cautela, todas as economias resultantes de uma vida de privações para si e para os seus. Cremos de utilidade, em seguida, expor em breves linhas elementos do enredo de O santo e a porca, para o comentário comparativo desse aspecto da peça moderna com seu correlato antigo. Em indeterminada situação geográfica do Nordeste brasileiro, porém em ambiente urbano, um velho avarento de nome Euricão Árabe mora com a filha, Margarida, a esperta criada Caroba, a irmã solteira, Benona, e um empregado de armazém, Dodó Boca-da-Noite (na verdade, o filho disfarçado do fazendeiro Eudoro). Também frequentam a casa o próprio Eudoro, em dada circunstância do desejo de pedir a mão de Margarida, e Pinhão, seu criado e auxiliar de Dodó no engano a seu pai; Pinhão era, ainda, noivo de Caroba, e pretendiam casar-se. Quanto, propriamente, às intenções de Eudoro para com Margarida, nasceram, informa-nos a peça de Suassuna, depois de uma visita da moça à sua fazenda. Contudo, tratar-se-ia essa de uma união “equivocada” pelos parâmetros teatrais de matriz plautina, pois, na verdade, Margarida amava Dodó, era por ele amada, e o jovem viera disfarçado para junto dela, como grotesco empregado de armazém (corcunda, de barbicha, retorcido...), por não desejar estudar no Recife, apenas “criar gado” e unir-se à moça de seus sonhos. A chegada de Eudoro à casa de Euricão, assim, representa uma oportunidade para que a esperta Caroba, com uma série de intrincados ardis, consiga desfazer as situações indesejadas e encaminhar o casamento desse homem com Benona, de quem 15 DUPONT. Le théâtre latin, p. 107: “L’histoire est le plus souvent celle des amours d’un jeune homme avec une jeune fille contrariées par les vieillards. Soit la jeune fille est une courtisane, propriété d’un proxénète, et le père du jeune homme lui refuse les sommes nécessaires à son achat. Soit il s’agit d’une jeune fille libre, souvent violée un soir d’ivresse par le jeune homme, ou bien entrevue furtivement dans une des rares cérémonies publiques durant lesquelles les jeunes filles grecques pouvaient paraître sans offenser la pudeur. La jeune fille attend un enfant. Elle est sans dot. De toute façon, le père s’oppose au mariage parce qu’il a d’autres vues pour son fils. Mais tout finira bien, la courtisane sera achetée ou la jeune fille épousée”. 16 GRIMAL. O teatro antigo, p. 97: “Estas comédias estão manifestamente muito próximas uma da outra pela intriga; são todas imitações de modelos gregos, pertencendo à comédia nova. Refletem, portanto, os costumes e as preocupações da sociedade grega de finais do século III ou II a.C”. 17 SUASSUNA. Nota do autor, p. 24: “Para indicar isso, aproveitei, entre outras coisas, a circunstância de ser Euricão Engole-Cobra um estrangeiro, um ‘árabe’, como se diz, no Sertão, dos sírios, árabes e turcos enraizados, e insinuei, através disso, nossa própria condição de desterrados: ‘Não temos, aqui, cidade permanente’ (Hebreus 13, 14)”. 140 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 fora noivo no passado, de Margarida com Dodó, enfim com a anuência dos pais de ambos, e o seu com Pinhão, para o que ainda necessitariam conseguir algum remédio para a própria pobreza... Segundo observações de Lígia Vassallo, a “complicação”, em Suassuna, do esquema plautino básico dos dois pretendentes a uma só moça – vindo a direcionar-se a obra do dramaturgo paraibano para nada menos que três casamentos! – resulta da incorporação adicional de elementos da peça O avarento, de Molière, em que havia mais uniões matrimoniais do que em Plauto.18 O modo engendrado por Caroba e pelo noivo para obter o dinheiro indispensável ao início de sua nova vida foi solicitarem a Eurico o vale de vinte contos que Eudoro lhe dera no início da peça, quando a empregada aconselhou essa artimanha ao patrão supostamente para livrá-lo do prévio pedido de empréstimo do fazendeiro, mas, na verdade, sempre desejando obter algo para si: Euricão: Ai, é mesmo! E se ele não emprestar, Caroba? Caroba: Ah, ele empresta! Vou dar um jeito nisso. O senhor me dá uma comissão? Euricão: Se você arranjar os vinte contos? Dou. Caroba: Quanto? Euricão: Eu lhe dou metade daquele jerimum que o cego me deu ontem.19 Ocorre, com efeito, que Pinhão descobrira o esconderijo secreto da porca de Euricão por uma fala indiscreta deste, quando, com medo de ser roubado em casa, decidiu-se por ocultar o “cofre” no cemitério, por detrás do túmulo da esposa. Ora, ao final de O santo e a porca, Pinhão exige como condição para devolver o precioso objeto de Eurico justamente o vale monetário citado, de modo, assim, que a comissão antes renegada a Caroba acaba por ser concedida ao casal pelo velho. Também é interessante notar, no tocante aos princípios da ética cristã que parecem reger em superfície a tradicional sociedade nordestina,20 que Pinhão reconhece saber que está em erro pelo furto, mas não pode deixar de dizer criticamente a Euricão – e a Eudoro – nunca também ter sido correta sua conduta para com os empregados, a quem sempre se negara tudo, até o justo salário: Pinhão: Um momento, me solte! Vá pra lá! Eu confesso que furtei essa porca, mas o senhor não ganha nada mandando me entregar à polícia. Eu morro e não digo onde ela está! Todo mundo fala em furto, em roubo, e só se lembra da porca! Está bem, eu furtei a porca! Sou católico, li o catecismo e sei que isso não se faz! Mas onde está o salário de todos estes anos em que trabalhamos, eu, meu pai, meu avô, todos na terra de sua família, Seu Eudoro? Não resta nada! Onde está o salário de Caroba durante o tempo em que ela trabalhou aqui, Seu Euricão? Seu Euricão Engole-Cobra?21 18 VASSALLO. O sertão medieval, p. 98. SUASSUNA. O santo e a porca, p. 52. 20 VASSALLO. O sertão medieval, p. 58. 21 SUASSUNA. O santo e a porca, p. 147-148. Evidentemente se patenteia, nesta significativa fala de Pinhão, o aspecto contundente da crítica social na obra de Ariano Suassuna, pois as condições de vida da massa da população na zona rural típica do Nordeste brasileiro – o Sertão – de imediato nos remetem à ideia da precariedade, pelo próprio fenômeno cíclico da seca que tem, há séculos, afetado aquelas paragens. Além disso, a estrutura social em que se insere o campesinato nordestino, tradicionalmente 19 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 141 Desse modo, assim como na peça plautina, deve-se à esperteza dos subalternos o fato de furtarem um objeto de valor – seja ele uma panelinha cheia de ouro ou uma porca feia e velha, mas cheia de dinheiro – aos estreitos limites da sovinice alheia, pondo-o em circulação social com vistas ao bem-estar de mais pessoas. Como outros elementos plautinos na peça, não se pode deixar de citar, em sumário ensaio de síntese, a própria existência de uma porca (contraponto da aula antiga, já o vimos) que continuamente muda de lugar como resultado da paranoia do avarento,22 a proteção da divindade ao objeto, ou às pessoas envolvidas em seu entorno, as confusões cômicas desencadeadas pela eterna fixidez do pensamento do sovina no bem material, alguma tentativa de conferir expressividade e reminiscências a nomes próprios que não são, é claro, os mesmos nomes gregos da Aulularia... Assim, enquanto o Lar familiar guardara a aula auri plena de Euclião por gerações, para enfim fazê-la descobrir pelo velho na hora de maior necessidade para Fedra, observamos, Santo Antônio, ente espiritual dos mais caros à devoção popular nordestina, tem postos sob sua égide os cuidados de Euricão, seu devoto, e da porca de madeira. É curioso notar que a “proteção” do santo, tido como poderoso casamenteiro na crença popular, não evita a inutilidade do gesto de economia do devoto, pois, vem-se a descobrir ao final da peça de Suassuna, as notas que a porca continha, depois de tanto tempo ali guardadas, perderam o valor.23 Interpretamos esse desfecho como sinal do equívoco que fora toda a vida de Euricão, fechado, em direta oposição ao caráter associativo de Santo Antônio, em estéril isolamento e incapacidade de doar(-se). Quanto às confusões desencadeadas pela paranoia dos avarentos em relação ao medo do roubo de seus bens materiais, tanto em Plauto quanto em Suassuna se destacam rendosas cenas de quiproquós, como aquela, analisada por Célia Berrettini, do pedido de desculpas a Euclião ou a Euricão por alguém que lhes fizera mal.24 Esse alguém, na peça romana, era Licônides, estuprador da filha do avarento, enquanto, na brasileira, é Dodó, que se vira forçado pelas circunstâncias a trancar-se no mesmo quarto que Margarida durante a complexa cena das entrevistas noturnas, as quais Caroba agenciara. Nos dois casos, a posterioridade das cenas de quiproquó à desesperada descoberta, por favorecedora de sua total dependência e submissão aos poderosos donos de terras, contribui para agravar um quadro já debilitante da dignidade humana (cf., para testemunho ainda válido, CUNHA. Os Sertões, p. 126: “O mesmo não acontece ao Norte. Ao contrário do estancieiro, o fazendeiro dos sertões vive no litoral, longe dos dilatados domínios que nunca viu, às vezes. Herdaram velho vício histórico. Como os opulentos sesmeiros da colônia, usufruem, parasitariamente, as rendas das suas terras, sem divisas fixas. Os vaqueiros são-lhes servos submissos. Graças a um contrato pelo qual percebem certa percentagem dos produtos, ali ficam, anônimos – nascendo, vivendo e morrendo na mesma quadra de terra – perdidos nos arrastadores e mocambos; e cuidando, a vida inteira, fielmente, dos rebanhos que lhes não pertencem”.). 22 Cf. passagem da porca da sala para o socavão da escada e, daí, para o socavão do túmulo da esposa de Euricão; no contexto plautino, a aula auri plena passa da casa do avarento/ lararium para o templo de Fides e para o bosque de Silvano. 23 SUASSUNA. O santo e a porca, p. 151: “Eudoro: Esse dinheiro está todo recolhido, Eurico! Tudo o que você tem aí não vale nem um tostão! Euricão: Nossa Senhora, Santo Antônio! Você jura pelos ossos de sua mãe como é verdade?” 24 BERRETTINI. De Plauto a Suassuna: o quiproquó, p. 61-65. 142 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 um e outro avarento, do roubo da aula ou da porca, bem como os termos vagos empregados pelos culpados ou vítimas na hora da confissão sempre produzem efeitos de riso sobre o público, sabedor da cegueira de Euclião (v. 730 et seq.) ou de Euricão: LY. Fateor peccauisse et me culpam commeritum scio; id adeo te oratum aduenio ut animo aequo ignoscas mihi. 740 EV. Cur id ausu’s facere, ut id quod non tuom esset [tangeres? LY. Quid uis fieri? Factum est illud: fieri infectum non [potest. Deos credo uoluisse; nam ni uellent, non fieret, scio. EV. At ego deos credo uoluisse ut apud me te in neruo [enicem. LY. Ne istuc dixis. EV. Quid tibi ergo meam me inuito tactiost?25 DODÓ: Agi mal, confesso, minha falta é grave mas vim exatamente pedir que me perdoe. EURICÃO: Como é que você teve coragem de tocar naquilo que não lhe pertencia? DODÓ: Espere aí! Apesar das circunstâncias serem um tanto esquisitas, o que aconteceu foi coisa sem importância! O que eu toquei nela foi muito pouco! EURICÃO: O que, canalha? Tanto assim que se você tocasse em meu tesouro, seria um crime inominável! Com que direito você foi tocar naquilo que era meu?26 Nos excertos acima, de início chamamos a atenção para a proximidade das falas de Licônides/ Dodó, como se nota pelo emprego, tanto no original latino quanto na versão da peça moderna em português, de expressões verbais imbuídas dos significados da falha moral (peccauisse – “que errei”/ “agi mal”) e da confissão (fateor – “confesso”/ “confesso”). Na sequência imediata do diálogo, as perguntas de Euclião/ Euricão a Licônides/ Dodó deixam entrever a continuidade da operação imitativa do dramaturgo antigo pelo moderno, pois, basicamente, o questionamento se iguala nas duas situações: até o verbo “tocar” – tangere –, não adotado na tradução de Aída Costa que abaixo citamos, mas decerto presente em Plauto, ressurge na versão modernizada de Ariano Suassuna com o mesmo importante sentido nos contextos de ambas as peças, vale dizer, o de uma infração por “furto”, na medida que, de qualquer modo, sempre está em jogo alguma apropriação indevida do alheio pelas mãos de outro não autorizado. Também ao final das duas passagens citadas observamos, em que pesem as diferenças do entremeio, notórias semelhanças entre Plauto e Ariano Suassuna, com o ressurgimento do idêntico verbo “tocar”, em latim e em português, e o reforço da ideia da posse (propriamente, de bens materiais) pelos dois avarentos representados (meam – “minha”/ “meu”). 25 PLAUTO. Aulularia, p. 322 (na tradução citada de Aída Costa. PLAUTO. Aululária, p. 117-118: “LICÔNIDES: Confesso que errei; eu sei que sou culpado. Por isso, eu vim pedir-lhe perdão, que queiras conceder-me o teu perdão. EUCLIÃO: Como ousaste fazer isto, apoderar-te do que não é teu? LICÔNIDES: Que queres que eu faça? O que está feito está feito. Impossível voltar atrás. Foi a vontade dos deuses, eu acho; se eles não o quisessem eu sei que isso não teria acontecido. EUCLIÃO: Mas os deuses quiseram também, creio, que eu te enforque em minha casa. LICÔNIDES: Não digas isso. EUCLIÃO: Por que, sem minha ordem, tocaste nela, que é minha?”). 26 SUASSUNA. O santo e a porca, p. 137. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 143 Assim, a exiguidade dos trechos transcritos não nos impede de constatar a inegável presença da herança plautina em O santo e a porca mesmo no aspecto miúdo da citação textual, pois nos parece absurdo crer, diante da equivocada ideia de meras alusões imprecisas do dramaturgo nordestino ao romano, que aspectos pontuais tão coincidentes quanto os que acabamos de mencionar correspondam apenas a frutos do acaso. Por outro lado, como dissemos, o teor bastante vago dos termos empregados em uma e outra situação dramática para fazer referência, sobretudo, aos objetos de furto (id quod non tuom esset – “do que não é teu”/ “naquilo que não lhe pertencia”) sempre desperta o riso ao desnudar, diante do público, o caráter mesquinho do(s) avarento(s), que nada mais sabe ver e valorizar além de seus bens monetários, mesmo quando lhe falam de coisas completamente diferentes e, julgamos, muito mais sérias. Tem-se, então, como que um castigo da má conduta moral pelo viés depurador do ridículo, de que, para maior desagravo dos assistentes, a “vítima” não se apercebe... Quanto à participação da onomástica humana na comicidade das peças de Plauto e Suassuna, várias tentativas de interpretação, ou estabelecimento de nexos, já foram feitas pelos críticos. Importa, no tocante ao mesmo aspecto, lembrar que esse recurso não fora uma “invenção” de Plauto ou dos demais comediógrafos romanos, mas, antes, originou-se na dramaturgia grega, com vários exemplos passíveis de comentário desde a produção aristofânica. Em amostra da variabilidade expressiva que se pôde derivar dos nomes próprios na comédia, um estudo especificamente destinado ao aclaramento do assunto em Aristófanes, de autoria de Nikoletta Kanavou, tentou, inclusive, estabelecer tipologias de uso dos speaking names nesse representante da chamada “Comédia Velha” ateniense. Ela diferencia, assim, no âmbito da onomástica humana, aqueles nomes de etimologia “encoberta”, ou seja, ambíguos em suas possíveis ligações com mais de um étimo possível; nomes que se vinculam a dados de natureza sexual, étnica, familiar ou social, contribuindo, então, para inserir seus portadores em algum dos “nichos” classificatórios de seres humanos encontráveis nas diversas comunidades; nomes apenas vagamente sugestivos de significados – por exemplo, devido a alguma sonoridade expressiva –, mas jamais de todo identificáveis nesse quesito; nomes cuja significação ocorre, de fato, por terem sido utilizados por alguma personagem verídica externa à obra literária, e cujo efeito se deve justamente às suas associações com traços de caráter do ser evocado...27 No contexto da literatura romana, ainda, a nomeação “falante” extrapola os estritos limites da comédia, pois em seu De re rustica, a título de exemplificação, o “agrônomo” e erudito Varrão de Reate disseminou-lhe o emprego ao longo dos diálogos agrários das personagens envolvidas,28 as quais também se chamam Appius (a partir de apis, “abelha” em latim), Merula (“melro”, no mesmo idioma), Vaccius (a partir de uacca, “vaca”), Fundanius (a partir de fundus, propriedade rural), em um entorno compositivo bastante 27 KANAVOU. Aristophanes’ comedy of names, p. 3-4. TREVIZAM. Du comique ou de la dramaticité aux dialogues champêtres de Varron et de Cicéron?, p. 99. 28 144 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 risonho, apesar da tecnicidade dos conteúdos, e em que não faltam até chacotas contra pessoas por conta dos nomes que apresentam.29 Na Aulularia plautina e em O santo e a porca, por sua vez, o esquema abaixo, em que apenas incluímos os nomes das principais personagens, pode auxiliar-nos a compreender essa face cômica das duas peças: Aulularia O santo e a porca Euclio (“Euclião”) Euricão Staphyla (“Estáfila”) Caroba Strobilus (“Estróbilo”) Pinhão Phaedra (“Fedra”) Margarida Lyconides (“Licônides”) Dodó Eunomia (“Eunômia”) Benona Megadorus (“Megadoro”) Eudoro Ora, o nome Euclio, empregado na peça romana de Plauto, mas de origem grega, remete-nos à significação irônica de “O de boa fama”, em desacordo com o caráter do velho avarento na peça plautina;30 seu correlato em Ariano Suassuna, na verdade o aumentativo de algo de todo incorporado à onomástica humana em língua portuguesa, é um nome de origens germânicas (gótico – “Aiwareiks”), vinculando-se, ironicamente, à ideia de alguém “muito reto”, “rico em legalidade”. 31 Deve-se notar, apesar das significativas diferenças etimológicas, étnicas e semânticas da opção de um e outro autor, que “Euricão” reproduz aproximadamente as sonoridades do nome empregado por Plauto, sobretudo quando este é traduzido para nosso idioma (Euclião – Euricão). Staphyla, do grego, nomeia em Plauto a criada da casa do avarento, que se encarrega com esperteza, como sói acontecer nas tramas da Néa greco-latina, do auxílio à jovem 29 TREVIZAM. Du comique ou de la dramaticité aux dialogues champêtres de Varron et de Cicéron?, p. 100: “Em uma parte ilustrativa do terceiro livro, quando muitos interlocutores cujos nomes têm relação com o universo da ornitologia – Cornelius Merula, Fircellius Pauo, Minucius Pica e Petronius Passer – já se encontram reunidos para discutir os assuntos da uillatica pastio ao lado de Ápio Cláudio, Áxio faz esta pergunta algo engraçada: ‘Queres acolher-nos em teu viveiro, onde te assentas em meio aos pássaros?’ (VARRÃO, 1997: 4 [«Dans une partie illustrative du troisième livre, quand beaucoup d’interlocuteurs dont les noms ont des rapports avec l’univers de l’ornithologie – Cornelius Merula, Fircellius Pauo, Minucius Pica et Petronius Passer – se trouvent déjà réunis pour discuter des sujets de la uillatica pastio aux côtés d’Appius Claudius, Axius lui pose cette question assez drôle: ‘Veux-tu nous accueillir dans ta volière, ou tu es assis au milieu des oiseaux?’ (VARRON, 1997: 4)»]”. 30 COSTA. Introdução, p. 30: “Comecemos pela personagem central, Euclio, cujo nome é uma formação grega, eû-kléos, ‘boa-fama’, epíteto de intenção evidentemente irônica (ibidem, em nota na mesma página: ‘Ou talvez: eû-kleío, o que esconde’)”. 31 Cf. MACHADO, José Pedro. Dicionário onomástico-etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Confluência, s.d., p. 605. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 145 ama, Fedra, bem o vimos; também acrescentamos, sobre este mesmo nome, que na origem designava a “uva” no idioma helênico, em provável e divertida alusão ao gosto da mulher pelo vinho. Sua correlata na peça de Suassuna, “Caroba”, apresenta função obviamente semelhante na trama moderna, dando-se, por outro lado, que esse nome designe uma planta – como Staphyla! –, na verdade uma grande árvore do gênero Jacaranda, da família das bignoniáceas.32 Contudo, apesar da coincidência botânica entre “Estáfila” e “Caroba”, não nos parecem derivar-se sentidos de ridicularização do nome da última. O “Estróbilo” plautino e o “Pinhão” de Ariano Suassuna remetem-nos, de algum modo, à ideia de um objeto que gira, dá muitas voltas, ou seja, um “peão” em português;33 nessa abertura de significação possível, vemos uma alusão à habilidade das duas personagens para “virar-se” e sair-se bem das situações pouco propícias em que se encontram (escravidão, no contexto romano, ou posição subalterna/ pobreza no brasileiro), por exemplo através do roubo astuto da aula auri plena ou da porca de Euricão. Ao papel da moça filha de boa família nos dois comediógrafos, por sua vez, couberam nomes, é provável, alusivos à beleza da filha de Euclião e de Euricão: Phaedra, incorporado à língua latina, vinculase, nas origens gregas, à mesma raiz de pháos, “luz” naquele idioma, apresentando, então, o sentido de “A luminosa”;34 quanto a “Margarida”, do latim margarita (“pérola”), designa em língua portuguesa uma flor singela (Bellis perennis – da família das compostas),35 mas delicadamente formada inclusive por pétalas brancas em torno de um miolo dourado. Coube ao “malfeitor” da peça de Plauto, como explica Aída Costa, uma denominação bastante alusiva a seu caráter de predador sexual: na verdade, Lyconides compõe-se de lýcon eidos, “que se parece com lobo”. Seu “correlato” em O santo e a porca é Dodó (Boca da Noite), cujo “nome”, porém, é um apelido do nome que porta em comum com seu pai, o rico fazendeiro Eudoro; em si, no entanto, apesar das sugestões de riqueza do nome em forma “integral” de ambos, não leva a sentidos peculiares em nosso idioma. Na mesma família do moço da peça romana, há “Eunômia”, 36 sua mãe, mulher de meia-idade dotada da característica do bom senso e ponderação, pois inclusive aconselha ao irmão, Megadoro, casar-se, como “convém” a um homem “de juízo” que “deve”, um dia, constituir família a partir de certa idade.37 Não há a mãe de Dodó na peça de Ariano, mas sim Benona, irmã de Eurico e tia de Margarida; ela corresponde a uma senhora solteira – ex-noiva do fazendeiro Eudoro –, cujo papel na casa dos parentes 32 HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 408. BAILLY. Dictionnaire grec-français, p. 1801: «Stróbilos, ou: I. ce qui tourne ou tournoie, particul.: 1 toupie, Plat. Rsp. 436d ; Plut. Lys. 12». 34 Cf. Dicionário etimológico da mitologia grega (Università degli Studi di Trieste): “O nome deriva do adjetivo phaidrós, ‘brilhante, resplandecente’, logo ‘esplendoroso, alegre’; significa, portanto, ‘a resplandecente, a alegre’” (tradução de A. Orlando Dourado-Lopes). Cf. <http://demgol.units.it/ lemma.do?id=498>. Acesso: 21 fev. 2014. 35 HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1.245. 36 BRANDÃO. Mitologia grega, vol. I, p. 205: “Uma das mais célebres dessas uniões é a de Zeus (o poder, a autoridade) e Têmis (a justiça, a ordem eterna), que deu nascimento a Eunômia (a disciplina), Irene (a paz) e Dique (a justiça)”. 37 PLAUTO. Aulularia, p. 268: “ME. Quid est id, soror? EVN. Quod tibi sempiternum salutare sit: liberis procreandis (ita di faxint) uolo te uxorem domum ducere (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO. Aululária, p. 82: ‘MEGADORO: Vejamos de que se trata. EUNÔMIA: De garantir por todo o sempre, com os filhos que tiveres, a tua felicidade’.)”. 33 146 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 onde mora vem, de algum modo, suprir a falta da mãe de Margarida, que um dia se fora dali, em circunstâncias não reveladas. Vagas reminiscências de tratar-se de uma pessoa “de bem” à parte (cf., talvez, Bem + ona), a maior expressividade da palavra parece-nos constituir-se no cotejo com o nome grego Eunomia (de eû, “bem”, “justamente”, e nómos, “costume”, “opinião”, “lei”), cujos sons evoca (Eunomia, Benona), devendo-se notar, nesse sentido, além das sílabas tônicas destacadas em itálico, a sucessão de outra nasal nas seguintes e a provável correspondência semântica entre os elementos grego (eu-) e português [bem- (n)] do início. As últimas personagens das duas peças comparadas de que nos ocupamos correspondem a “Megadoro”/ Eudoro: ora, Megadorus, em Plauto, provém das raízes gregas méga e dôron (“grande” e “presente”, “dom”),38 pois, na verdade, trata-se de um rico partido, ou seja, um homem solteiro, embora de alguma idade, que dispõe de razoável patrimônio, o qual receia, assim, gastar casando-se com uma mulher de dote avantajado, que viesse a “comandá-lo” por seu poder econômico. A mesma raiz grega dóron se encontra no nome em português “Eudoro”, porém desta vez precedida, na composição, pelo mesmo prefixo “eu-” que comentamos a propósito do nome de “Eunômia”... Como derradeiro aspecto a acrescentar a tal ponto compositivo das peças de Suassuna e Plauto, fazemos notar que não se trataria de comicidades despertadas de imediato para o público ingênuo: no caso do dramaturgo romano, os nomes correspondem a “importações” do grego, o que pressuporia, como bem notou Cardoso ao pronunciar-se sobre a peça Estico, contato razoavelmente profundo com o idioma helênico pelos ouvintes latinos aptos a decodificar os efeitos de ridicularização almejados.39 Algo semelhante se dá em Suassuna, pois, além do fato do emprego, por vezes, de nomes de etimologias em línguas estrangeiras de difícil acesso às “massas” (grego antigo, gótico...), parecem fundamentais as chances de aproximá-lo com os correlatos plautinos para que possam resultar em efeitos semânticos distintos dos do mero “batismo” das personagens... Assim, o autor latino e o paraibano aproximam-se na face de seu trabalho artístico que corresponde a mesclar a elementos de cunho popular outros oriundos do âmbito da cultura erudita, muitas vezes acessível, em sua plenitude, apenas aos mais bem preparados em sua formação letrada. A figura de Euricão, por fim, aparece algo transformada em relação à de seu modelo plautino na medida que dele se distancia em importantes aspectos. Assim, ele não herda familiarmente sua preciosa porca, sucessora da aula antiga,40 mas a arranja 38 COSTA. Introdução, p. 49: “Megadorus, do grego ‘méga dôron’ (‘magnum donum’), nome que não se incorporou ao onomástico romano, pelo que se saiba. A palavra, evidente criação plautina, significa ‘generoso’, ao pé da letra ‘grande dom’, e traz a evidente intenção de definir o caráter da personagem. É realmente Megadoro um homem rico que recusa casamento com mulher ‘dotada’, preferindo, a esta, uma jovem pobre”. 39 CARDOSO. Introdução, p. 36: “Contudo, a própria existência de exemplos mais evidentes, como os mencionados, faz supor que, à época de Estico, o público de Plauto já estaria habituado com esse recurso que joga com a significação dos nomes próprios das personagens e sua caracterização na peça. Dessa forma, parece plausível afirmar que esse jogo de palavras, sobretudo quando enunciado por uma personagem habilidosa em logos ridículos, faria de fato sentido, ainda que apenas para os espectadores mais atentos ou mais afiados com o grego”. 40 SUASSUNA. O santo e a porca, p. 150: “EUDORO: Eurico, você guardou esse dinheiro muito tempo, não foi? EURICÃO: Guardei, toda a minha vida! Quase toda a minha vida! Desde que minha mulher me deixou! Agora, posso falar nisso, pois tudo perdeu a importância diante da porca”. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 147 para si depois da misteriosa partida da mulher, como espécie de móvel existencial substitutivo. Também consideramos que a avareza de Euclião, a qual se prolonga por quase toda a extensão da Aulularia, disso excluídos o acréscimo de Codrus Vrceus41 e alguns fragmentos adicionais das edições da peça,42 apresentava características de um padecimento, talvez, agravado pela posse de um bem tão precioso, a própria aula auri plena, mas não desprovido de certos traços congênitos, como dá a entender a fala do Lar familiaris no Prólogo da comédia: Sed mihi auuos huius obsecrans concredidit auri thensaurum clam omnis: in medio foco defodit, uenerans me ut id seruarem sibi. Is quoniam moritur (ita auido ingenio fuit), numquam indicare id filio uoluit suo, inopemque optauit potius eum relinquere, quam eum thensaurum commonstraret filio; agri reliquit ei non magnum modum, quo cum labore magno et misere uiueret. Vbi is obit mortem qui mihi id aurum credidit, coepi obseruare, ecqui maiorem filius mihi honorem haberet quam eius habuisset pater. Atque ille uero minus minusque impendio curare minusque me impertire honoribus. Item a me contra factum est, nam item obit diem. Is ex se hunc reliquit qui hic nunc habitat filium pariter moratum ut pater auosque huius fuit.43 Tal conformação dos hábitos morais do protagonista da peça plautina, então, parece apontar para relativa “estabilidade” de seu caráter, enquanto o mesmo, acreditamos, não se dá similarmente no caso do Euricão da obra de Ariano Suassuna. Esse último, como dissemos, sobretudo começou a guardar dinheiro compulsivamente e a temer em todo tempo, em espécie de manifestação de atitudes paranoicas, depois de deixado pela 41 PLAUTO. Aululária, p. 129: “EUCLIÃO: A quem devo apresentar os meus agradecimentos? Aos deuses, que não abandonam os homens bons? Às pessoas amigas e corretas? Ou a uns e a outros ao mesmo tempo? A todos, e, primeiro, a ti, Licônides, origem e autor de tanto bem, eu te ofereço esta panela de ouro; aceita-a de coração aberto; eu quero que seja tua, assim como a minha filha. Declaroo na presença de Megadoro e de sua virtuosa irmã Eunômia” (a edição, com texto latino de Ettore Paratore, de que nos servimos, não traz o suplemento referente a este acréscimo). 42 PLAUTO. Aulularia, p. 334: “Frag. I. pro illis corcotis, strophiis, sumptu uxorio/ frag. IV. <EV> Nec noctu nec diu quietus umquam eram: nunc dormiam (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO. Aululária, p. 124: ‘I. Para pagar as fitas de açafrão, as faixas, enfim para essas despesas femininas./ IV. E nem de noite nem de dia tinha sossego; agora vou dormir’.)”. 43 PLAUTO. Aulularia, p. 256-258 (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO. Aululária, p. 75: “Acontece que o avô deste me confiou às escondidas de toda gente um tesouro: enterrou-o no meio da casa, suplicando que lho guardasse. Quando estava para morrer, tal era a sua avareza, não quis, de modo algum, revelar o segredo ao filho e preferiu deixá-lo sem recursos a dizer onde estava o tesouro. Deixoulhe apenas um pequeno lote de terra, com o qual, com muita labuta e miseravelmente, pudesse viver. Morto o que me havia confiado o ouro, pus-me a observar se, porventura, o filho tinha por mim mais um pouco de consideração. Ora, realmente, este cada vez se preocupava menos comigo e cada vez menos me prestava as honras devidas. Dei-lhe a paga que merecia: morreu pobre como viveu. Deixa um filho, o que mora atualmente nesta casa, com as mesmas características morais que o pai e o avô”.). 148 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 esposa, a mãe de Margarida, de modo incompatível com a mesma conformação congênita e, talvez, um pouco menos episódica da avareza de Euclião: as queixas do Lar familiaris no sentido dos poucos cuidados que a personagem do senex lhe votava como seus ancestrais, inclusive, parecem implicar os receios desse último de gastar seus bens até na “fase” anterior à descoberta do ouro. Ainda, em contraste com o vício associável aos integrantes masculinos de várias gerações de sua família, Fedra, a moça violentada, a cada dia não se furtava de dar, ou oferecer por devoção, itens sacrificiais ao próprio Lar (vinho, incenso, coroas de flores...), em que pesem os gastos disso decorrentes. Em Suassuna, decerto um artista de vinculações cristãs,44 por outro lado, o fim dramático de Euricão, que não só se descobre portador de um objeto sem valia alguma – a porca cheia de notas já tiradas de circulação –, a cuja guarda dedicara tanto tempo e energias, mas ainda vem a tornar-se a única personagem da peça que acaba enfaticamente só, diante de tantos casamentos e formações associativas de pares românticos, parece revestir-se de significações atinentes a uma lição de vida dada, de forma evocativa dos poderes divinos, ao avarento. Tudo se passa como se a “vida” em sua plenitude, ou outra força superior que se lhe pudesse assimilar, segundo as crenças do autor, tivesse desejado corrigir um homem posto em via “errada” por um modo bastante duro, o da decepção de expectativas por longo tempo alentadas, mas enfim infrutíferas, pois, parece sinalizar Suassuna, a segurança e felicidade humana não deveriam ser depositadas sobre a posse de bens materiais, sobretudo quando sua acumulação implica sofrimentos e expropriações do devido aos outros. Essa peculiar conformação dada pelo dramaturgo paraibano para o desfecho da história acaba por desembocar, na última fala da peça, em um Euricão ao menos um pouco transformado, na medida que se torna capaz de questionar-se sobre o significado das duras vicissitudes que teve de enfrentar. 45 Nesse sentido, associável a uma maior complexidade e a uma não tão risível história de vida, Euricão Árabe destoa do caráter típico de seu modelo romano.46 44 SUASSUNA. Nota do autor, p. 25: “Isto quanto à porca. Ela apresenta a vida como um impasse, cuja única saída é Deus. ‘Se Deus não existe, tudo é permitido’, dizia Ivan Karamázov, isto é, o mundo moral ficaria inteiramente destituído de sentido. E claro que não sou nenhum Dostoievski nem estou, nem de longe, comparando as duas obras, mas sim comentando uma semelhança de situações; pois o que Euricão descobre, de repente, esmagado, é que, se Deus não existe, tudo é absurdo. E, com esta descoberta, volta-se novamente para a única saída existente em seu impasse, a humilde crença de sua mocidade, o caminho santo, Deus, que ele seguiria num primeiro impulso, mas do qual fora desviado aos poucos, inteiramente, pela idolatria do dinheiro, da segurança, do poder, do mundo”./ Cf. ainda MELO. Notícia biobibliográfica, p. 14: “Gostaria [Ariano Suassuna] de crer em Deus como as crianças creem, mas crê com angústia, fervor e perguntas. (...) Seu caráter é ouro de lei, e embora o negue, esforça-se para amar os inimigos, como manda o Evangelho. Pode, pessoalmente, atacar um amigo, mas defende-o de público até com armas na mão. A arte e a religião são por ele encaradas de maneira fundamental (DECA, revista do Departamento de Extensão Cultural e Artística da Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, Recife, ano V, n. 6, 1963, p. 7)”. 45 SUASSUNA. O santo e a porca, p. 153: “EURICÃO: Bem, e agora começa a pergunta. Que sentido tem toda essa conjuração que se abate sobre nós? Será que tudo isso tem sentido? Será que tudo tem sentido? Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta? Que diabo quer dizer tudo isso, Santo Antônio?” 46 DUPONT; LETESSIER. Le théâtre romain, p. 106-107: “Hoje, um ator a quem um diretor ou um realizador confia uma personagem faz um grande número de perguntas sobre a história, sobre a própria personagem (quem é ela, o que faz, onde está...), sobre sua forma de se movimentar, de falar, de vestir-se... Um ator romano a quem se confiava uma personagem nada tinha de saber a não ser de que papel se tratava para 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 149 Ainda, propor lições “morais” tão contundentes para o público das peças parece não ter correspondido ao objetivo central da comédia plautina,47 a qual por vezes se definiu, apesar da exposição dos vícios à ridicularização pública, como um espetáculo “lúdico”,48 e cujas personagens em geral tinham destinos não tão infelizes mesmo após condutas consideradas, socialmente, bastante ruins (vejam-se os exemplos reiteráveis do seruus callidus – “escravo esperto” –, como o Estróbilo da Aulularia, e do próprio Licônides dessa peça, enfim capaz de assumir e reparar o seu erro).49 Os exemplos apresentados, esperamos, possibilitam em alguma medida apreciar a extensão da incorporação de Plauto por Ariano Suassuna na produção moderna considerada. Então, de modo em nada servil, o dramaturgo brasileiro obteve ricos efeitos de diálogo com o predecessor antigo, simultaneamente tomado para modelo da trama e construção cômica das personagens e transformado, quando isso lhe serviu a adaptar-se ao novo contexto (moderno, cristão e nordestino) em pauta e às suas visões de mundo. No aspecto da incorporação e mescla de elementos eruditos oriundos da cultura clássica conhecer seus trajes, seu gestual e seu lugar na história. Entendemos melhor por que motivo essas coisas se parecem todas. É porque cada papel tem uma função particular no que constitui o esquema representacional da comédia. É porque estamos em um teatro onde são os papéis que determinam a história e não o inverso” (“Aujourd’hui, un acteur à qui un metteur en scène ou un réalisateur confie un personnage, pose un grand nombre de questions, sur l’histoire, sur le personnage lui-même [qui il est, ce qu’il fait, où il est...], sur sa façon de bouger, de parler, de s’habiller... Un acteur romain à qui on confiait un personnage, n’avait qu’à savoir de quel rôle il s’agissait pour connaître son costume, sa gestuelle et sa place dans l’histoire. Nous comprenons mieux pourquoi celles-ci se ressemblent toutes. Parce que chaque rôle a une fonction particulière dans ce qui constitue le schéma actantiel de la comédie. Parce que nous sommes dans un théâtre où ce sont les rôles qui déterminent l’histoire et non l’inverse”.). 47 GAILLARD; MARTIN. Les genres littéraires à Rome, p. 268. 48 POCIÑA. Épica y teatro, p. 35-36: “Se se tivesse de definir de alguma maneira qual foi o ponto de vista que centrou o interesse de Plauto, bastaria talvez dizer que se tratou de fazer rir a múltipla e diversificada população romana de seu tempo, que se apinhava nos recintos em que se representavam suas comédias. Para consegui-lo, Plauto punha em jogo os mais variados recursos cômicos de natureza popular, jogando o mais possível com o movimento cênico (comédia motoria), a ruptura frequente da ilusão cênica, todo tipo de equívocos, as alusões à vida romana, a ridicularização de provincianos e camponeses, o chiste, a grosseria, a obscenidade. Tudo isso temperando essas comédias não transcendentes do ponto de vista do argumento, mas expressas com uma incrível riqueza linguística e em um preciosismo métrico que fizeram as obras de Plauto comédias populares em seu momento e, posteriormente, peças-chave da literatura dramática universal” (“Si hubiera que definir de alguna manera cuál fue el punto de mira que centró el interés de Plauto, bastaría tal vez decir que trató de hacer reir a la múltiple y variopinta población romana de su tiempo, que se apiñaba en los recintos en que se representaban sus comedias. Para lograrlo, ponía Plauto en juego los más variados recursos cómicos de naturaleza popular, jugando con el máximo movimiento escénico posible [comedia motoria], la ruptura frecuente de la ilusión escénica, todo tipo de equívocos, las alusiones a la vida romana, la burla de provincianos y campesinos, el chiste, la grosería, la obscenidad. Todo ello adobando esas comedias intrascendentes desde el punto de vista argumental, pero expresadas con una increíble riqueza lingüística y un preciosismo métrico que hicieron de las obras de Plauto comedias populares en su momento, y posteriormente piezas claves de la literatura dramática universal”.). 49 PLAUTO. Aulularia, p. 328: “Qui homo culpam admisit in se, nullust tam parui preti,/ quom pudeat, quin purget sese. Nunc te obtestor, Euclio,/ ut si quid ego erga te imprudens peccaui aut gnatam tuam/ ut mi ignoscas eamque uxorem mihi des, ut leges iubent./ Ego me iniuriam fecisse filiae fateor tuae,/ Cereris uigiliis, per uinum atque impulsu adulescentiae” – v. 790-795 (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO. Aululária, p. 121: “Não há homem, por menos que valha, que confesse sua culpa, que tenha vergonha do que fez, que não queira desculpar-se. Eu te peço, Euclião, se, sem o saber, eu te ofendi, à tua filha, perdoa-me. Dá-me Fédria em casamento como mandam as leis. Confesso que violentei tua filha na noite das festas de Ceres. Foi o impulso da juventude”.). 150 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 romana a tantos pontos da “ambientação” nordestina e moderna, finalmente, Suassuna procedeu como se estivesse dando uma “lição de poética” ao público de seu teatro, ao menos àquele menos ingênuo. Referimo-nos, com isso, ao fato de haver, em O santo e a porca, a todo momento a ultrapassagem das barreiras entre “erudito” e “popular” (seriam tais domínios, a rigor, tão estanques quanto muitas vezes acreditamos?), algo, por sinal, já verificável em relação à própria produção plautina, culta e erudita para nós modernos, hoje incapazes de acessá-la em suas fontes originais a não ser munidos de longo e específico preparo, mas decerto dotada de apelos populares, para deleite do público de rua que a consumiu por diversão em Roma antiga.50 AA ABSTRACT In accordance with indications offered by Ariano Suassuna himself, his play O santo e a porca (1957) dialogues decisively with Titus Maccius Plautus’s Aulularia. In this process, the typical characterization of some personages remains, with much of the plot and the use of expressive personal names. In this article, it will be our task to search for points of coincidence between both theatrical products alluded, mostly in relation to the character of the miser and to selected elements of the plot. KEYWORDS Aulularia, O santo e a porca, comedy, adaptation, personage REFERÊNCIAS BAILLY, Anatole. Dictionnaire grec-français. Paris: Hachette, 2000. BERRETTINI, Célia. De Plauto a Suassuna: o quiproquó. In: BERRETTINI, Célia (Org.). O teatro ontem e hoje. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 61-65. BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega: vol. I. Petrópolis: Vozes, 1986. CARDOSO, Isabella Tardin. Introdução. In: PLAUTO. Estico. Trad., introdução e notas de Isabella Tardin Cardoso. Campinas: Unicamp. 2006, p. 23-83. CICÉRON. Rhétorique à Hérennius. Texte revu et traduit par Henri Bornecque. Paris: Garnier Frères, s.d. COSTA, Aída. Introdução. In: PLAUTO. Aulularia. Trad., introdução e notas da profa. Aída Costa. São Paulo: Difel, 1967, p. 7-71. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro/ São Paulo: Record, 2000. Dicionário etimológico da mitologia grega (Università degli Studi di Trieste). Disponível em: <http://demgol.units.it/lemma.do?id=498>. Acesso: 21 fev. 2014. DINIZ, Telma Franco. Tradução, adaptação, apropriação: recriações de uma mesma matriz. In: SOUZA e SILVA, Maria de Fátima; BARBOSA, Tereza Virgínia Ribeiro. Tradução & recriação. Belo Horizonte/ Coimbra: Faculdade de Letras da UFMG/ Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2010, p. 117-127. 50 Cf. nota 48. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 151 DUPONT, Florence. Le théâtre latin. Paris: Armand Colin, 1999. DUPONT, Florence; LETESSIER, Pierre. Le théâtre romain. Paris: Armand Colin, 2011. GAILLARD, Jacques; MARTIN, René. Les genres littéraires à Rome. Paris: Nathan/ Scodel, 1990. GRIMAL, Pierre. O teatro antigo. Trad. António M. Gomes da Silva. Lisboa: Edições 70, 2002. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. KANAVOU, Nikoletta. Aristophanes’ comedy of names: a study of speaking names in Aristophanes. Berlin/ New York: Walter de Gruyter, 2011. MACHADO, José Pedro. Dicionário onomástico-etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Editorial Confluência, s.d. MELO, José Laurênio de. Notícia biobibliográfica. In: SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. MOLIÈRE. O avarento. Trad. António Feliciano de Castilho. Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1950. OLIVA NETO, J. A. Introdução. In: CATULO. O livro de Catulo. Trad., introdução e notas de João A. O. Neto. São Paulo: Edusp, 1996, p. 15-63. PERNOT, Laurent. La rhétorique dans l’Antiquité. Paris: Livre de Poche, 2000. PLAUTO. Aulularia: a comédia da panelinha. Trad., introdução e notas da profa. Aída Costa. São Paulo: Difel, 1967. PLAUTO. Aulularia. In: PLAUTO. Le commedie. A cura di Ettore Paratore. Roma: Tascabili Newton, 2004, p. 249-335. POCIÑA, Andrés. Épica y teatro. In: CODOÑER, Carmen. (Org.). Historia de la literatura romana. Madrid: Cátedra, 2007, p. 13-70. SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o movimento armorial. Campinas: Unicamp, 1999. SUASSUNA, Ariano. Le mouvement armorial. In. Cause commune: les imaginaires. 1. Paris: UGE, 1976, p. 47-78. SUASSUNA, Ariano. Nota do autor. In: SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008, p. 7-14. SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008. TREVIZAM, Matheus. Du comique ou de la dramaticité aux dialogues champêtres de Varron et de Cicéron? Mosaïque, Lille, n. 9, p. 93-107, juillet 2013. VASSALLO, Lígia. O sertão medieval: origens europeias do teatro de Ariano Suassuna. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1993. Recebido em 24 de fevereiro de 2014 Aprovado em 22 de abril de 2014 152 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 DEUSES: DA ORIGEM DO UNIVERSO À ORIGEM DO TEATRO Do texto dramático ao texto espetacular GODS: FROM THE ORIGIN OF THE UNIVERSE TO THE ORIGIN OF THE THEATRE FROM THE DRAMATIC TO THE SPECTACULAR TEXT Marcos Antônio Alexandre* Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO Este trabalho propõe uma discussão sobre a importância da adaptação de textos clássicos para a contemporaneidade, visando a sua articulação com os novos contextos de enunciação para os quais são ressignificados. Para concretizar esse objetivo, é trazida para análise a peça Deuses: da origem do universo à origem do teatro, de Éderson Miranda, buscando-se uma reflexão sobre as particularidades do texto dramático e de sua encenação. PALAVRAS-CHAVE Deuses, Éderson Miranda, textos clássicos, texto dramático, texto espetacular Vivemos sobre vestígios. Funcionamos basicamente com vestígios. Uma coisa maravilhosa da arte do ator, da arte do executante do instrumento, da arte do cantor é que com vestígios ele constrói, reconstrói obras-primas. E o público adora isso, ele recebe a bênção de ouvir frases, ou versos ou notas musicais das grandes figuras de nossa história artística. Iván Izquierdo Releituras, adaptações e recontextualizações de textos clássicos têm sido realizadas através dos séculos. Foi assim com a Antígona (442 a.C.), de Sófocles, relida, entre outros autores, por Jean Anouilh (1910-1987), e sua Antígona (França, 1942); Bertolt Brecht (1898-1956) e sua Antígona de Sófocles (Alemanha, 1948); Griselda Gambaro (1928) e sua Antígona furiosa (Argentina, 1986); e José Watanabe (1946-2007) com sua Antígona (Peru, 1999); ou com a Medeia (431 a.C.), de Eurípides, e, a título de exemplo, Gota d’água, a releitura realizada por Chico Buarque de Hollanda e Paulo Ponte, em 1975. *[email protected] 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 153 Neste sentido, retomar o clássico implica colocá-lo em diálogo com um novo contexto de enunciação que traz consigo novas marcas ideológicas, políticas e sociais. Para ratificar esta assertiva, recorro brevemente à Antígona de Sófocles, reescrita por Brecht. Se em Sófocles o que está em jogo é o confronto entre a lei do Estado, personificada por meio da personagem Creonte, e a lei Divina – representada por Antígona, que enfrenta o édito de seu tio tirano para dar um sepultamento digno ao irmão, Polinices, permitindo, assim, que sua alma fizesse a transição adequada “ao mundo dos mortos” –, em Brecht, esse conflito não deixa de estar presente, mas, em contrapartida, o que mais chama a minha atenção é a forma que o dramaturgo/diretor/encenador escolhe para fazer com que o texto sofocliano ressoe e seja reverberado em seu tempo. O novo contexto é Berlim, abril de 1945. Alvorada,1 como aparece na descrição do “Prelúdio” da peça. O autor ainda acrescenta: “Duas irmãs saem do refúgio antiaéreo e voltam para casa”.2 O fato histórico alude à batalha de Berlim, que foi a última ocorrida no panorama do conflito europeu durante a Segunda Guerra Mundial e que foi resultado de uma ofensiva soviética contra as forças alemãs no início de 1945. A batalha durou de abril de 1945 até o início de maio. Hitler comete suicídio em um dos últimos dias da batalha; poucos dias depois, Berlim se entregava e a Alemanha se rendia seis dias depois do fim da batalha. Brecht, ao colocar no “Prelúdio” de sua Antígona duas irmãs que, ao voltarem para a casa, encontram-na aberta e remexida, reflete os porquês da guerra. Elas – nomeadas de “A Primeira” e “A Segunda” – se dão conta de que o irmão tinha retornado da guerra, sentem-se felizes, abraçam-se, mas logo aparece o medo. Em outro momento, elas escutam um chamado renitente que vem de fora, mas uma não permite que a outra abra a porta, temendo sofrer algum tipo de retaliação. Elas percebem que alguém está sendo torturado na frente da porta da casa: “Estão torturando gente de novo. / Irmã, não é melhor a gente ir ver? / Fique aqui dentro; quem quer ver é visto”.3 Logo, as irmãs compreendem que o grito antes escutado era do irmão que havia desertado e clamava por ajuda: Entra um soldado da SS. Soldado da SS Ele lá fora e vocês aqui? Apanhei-o saindo da porta de vocês Conhecem aquele traidor do povo. A Primeira Caro senhor, não pode nos incriminar Porque não conhecemos aquele homem. Soldado da SS Então o que ela pretende com essa faca? A Primeira Aí olhei para a minha irmã. Deveria ela em busca da própria morte Ir lá fora e libertar o meu irmão? Talvez ainda não estivesse morto.4 1 BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 197. BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 197. 3 BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 200. 4 BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201. 2 154 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Observa-se nesta cena uma clara referência às personagens Antígona e Ismene: uma (A Segunda) assume característica mais “forte”, “rebelde”: “Me deixe, eu já não fui / Quando eles o penduraram”.5; enquanto a outra (A Primeira) é “fraca”, “omissa”: “Irmã, deixe a faca onde está / Você não vai conseguir devolvê-lo à vida / Se nos virem junto dele / Farão conosco o que fizeram com ele”.6 Brecht, ao não nomear as irmãs, lhes imprime uma função de macrossigno, estratégia dramatúrgica que nos permite sugerir que elas remetem à Antígona – A Segunda –, e à Ismene – A Primeira. No entanto, o ato de não nomear também pode assumir a conotação de várias outras mulheres e homens (irmãs, mães, familiares) que perderam entes queridos na guerra e que não tiveram como enterrá-los. Aí está o caráter atemporal do texto clássico, aspecto que permite a sua releitura para novos contextos de enunciação. Outra característica que chama a atenção na Antígona de Sófocles de Brecht é o fato de o autor escrever um novo “Prólogo” para a apresentação da peça que fora realizada em Greiz, em 1951. O novo texto é apresentado como substituição do “Prelúdio” e inova dramaturgicamente: Sobem ao palco os atores que representam Antígona, Creonte e o vidente Tirésias. Colocado entre os outros dois, o que representa Tirésias se dirige aos espectadores. Amigos, inabitual Pode lhes parecer a elevada linguagem Do poema de mil anos Que aqui ensaiamos. Desconhecido Lhes é o assunto do poema, que era Intimamente familiar aos antigos ouvintes. Permitam-nos pois apresentá-lo a vocês. Esta é Antígona, Princesa da estirpe de Édipo. Este aqui É Creonte, tirano da cidade de Tebas, seu tio. Eu sou Tirésias, o vidente. Aquele ali Trava uma guerra de pilhagem contra a longínqua Argos. Esta Enfrenta o desumano, e ele a aniquila. Mas a sua guerra, agora tornada desumana, Escapa ao seu controle. A justiça inexorável Ignorando o sacrifício do próprio povo subjugado Acabou com ela. Pedimos a vocês Procurarem em suas mentes ações semelhantes Do passado recente, ou então a falta De ações semelhantes. E agora Vocês verão como nós e os outros atores Na peça pisamos, um após o outro, Na pequena arena do jogo, onde outrora Sob as caveiras dos animais dos bárbaros cultos de sacrifício Nos primórdios tempos a humanidade Fazia a sua grande aparição.7 5 BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201. BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201. 7 BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201 (grifos meus). 6 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 155 É interessante observar o cuidado que o dramaturgo tem ao reapresentar a sua obra. Talvez seja o seu olhar de encenador que o faz reescrever o início da peça para contextualizá-la à nova enunciação. Naquele momento, em 1951, a Alemanha vivia o contexto do pós-guerra, com novos questionamentos de ordem socioeconômica e política. Com o final da Segunda Guerra Mundial, o país foi dividido em setores, que foram ocupados pelas potências vencedoras. O leste do país ficou sob a administração soviética e a parte ocidental foi dividida entre Estados Unidos, França e Reino Unido. Sem dúvida, diante deste novo panorama sociopolítico, justifica-se a necessidade de “atualizar” os conflitos, adaptando-os às ações dramáticas da peça, possibilitando, desta forma, não só reatualizar o enredo da peça, mas “abrir os olhos” dos leitores/espectadores, que teriam contato com novos ideologemas8 e marcas semânticas da trajetória trágica das personagens que estão sendo reapresentadas. Como pesquisador e leitor crítico da arte teatral, defendo a ideia da necessidade constante de adaptar o texto teatral para a sua nova enunciação. Não vejo sentido em montar o “clássico pelo clássico”. Julgo extremamente válidas as adaptações ou releituras das obras teatrais para o público, e este é o grande mérito da obra de Brecht. Sua Antígona não deixa de dialogar com o texto de Sófocles, mas é ressignificada “em termos históricos, políticos, ideológicos” e “dentro do conjunto de uma cultura e de um translado cultural”, como sugere Pavis.9 Entrar em contato com o texto brechtiano nos possibilita fazer uma análise do contexto cultural, 10 o que, a meu ver, se torna fundamental na análise dos textos dramáticos, visando a sua realização espetacular. Para ratificar meu argumento, tomo as palavras de Patrice Pavis, que, precisamente, explicita: As encenações de um mesmo texto dramático, particularmente as realizadas em momentos históricos diferentes, não dão a ler o mesmo texto. É verdade que a letra do texto é a mesma, porém o seu espírito varia consideravelmente. Compreende-se o texto apenas como resultado de um processo de leitura que chamaremos (...) de sua concretização.11 É esta concretização a que se refere Pavis que, em minha perspectiva crítica, faz com que os clássicos sejam retomados e colocados em diálogo com novos contextos sócio-históricos, como busquei demonstrar a partir da breve análise da retomada do texto sofocliano por Brecht. 8 Aqui entendido, a partir de Patrice Pavis, como signos que expressam a ideologia. PAVIS. El teatro y su recepción – semiología, cruce de culturas y postmodernismo. 10 Aqui empregado a partir dos dizeres de Marco De Marinis. Comprender el teatro – lineamientos de una nueva teatrología, p. 24: “O contexto cultural (ou geral) é constituído pela cultura sincrônica ao fato teatral que se estuda, e, com uma precisão maior, representa o conjunto dos ‘textos’ culturais, teatrais, extrateatrais, estéticos e outros, que podem se relacionar com o texto espetacular de referência, ou com um de seus componentes: outros textos espetaculares, textos mímicos, coreográficos, cenográficos, dramatúrgicos etc., de um lado; textos literários retóricos, filosóficos, urbanísticos, arquitetônicos etc., de outro” (no original, em espanhol, tradução minha.) 11 PAVIS. O teatro no cruzamento de culturas, p. 25 (grifos meus). 9 156 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Inúmeras outras releituras poderiam ser trazidas para esta discussão em relação à ressignificação de textos clássicos. 12 Não obstante, a partir das premissas aqui apresentadas, com base nas perspectivas analíticas propostas por De Marinis e Pavis, ou seja, reforçando a ideia da necessidade da concretização do texto teatral nos seus novos contextos de enunciação, é que trago para discussão a peça Deuses: da origem do universo à origem do teatro. Trata-se de um trabalho prático resultado da pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso de Éderson Miranda, intitulada ‘Deuses’ – recursos narrativos na encenação teatral: um olhar panorâmico, defendida em 2009, sob a orientação do prof. Antonio Barreto Hildebrando,13 do curso de Teatro da Escola de Belas Artes da UFMG. Foto do arquivo pessoal, cedida pelo ator 12 Nesta mesma linha de concepção e criação espetacular, posso citar o espetáculo Klássico (com K), estreado em 2012, do Mayombe Grupo de Teatro – coletivo do qual faço parte como membro-fundador e que já realizou outras incursões pelos mitos e pelas personagens clássicas com em O julgamento de Don Juan (2005) e Nossosnuestrosmitos – Primeiro Estudo (2002) e Nossosnuestrosmitos – Segundo Estudo (2003). Em Klássico (com K), o grupo realiza um trabalho em que são apresentadas as trajetórias cênicas das personagens clássicas Antígona (Sófocles, 442 a.C), Fausto (Goethe, 1775), Medeia (Eurípides, 444 a.C) e Ulisses (Homero, aproximadamente séc. VIII a.C), em diálogo com as subjetividades e identidades dos atores. Em cena, em um espaço nomeado pelo grupo como arena-show, os atores são submetidos a um jogo – uma proposta performática –, a partir do qual se busca uma volta aos textos clássicos, visando transitar por questões contemporâneas, políticas, estéticas e filosóficas. 13 Hildebrando é dramaturgo e diretor de teatro. Entre suas montagens dirigidas, no âmbito acadêmico, merecem destaque, entre outras, A mais-valia vai acabar, seu Edgar (2001); Ascensão e queda da cidade de Mahagonny (2003); Roda viva (2004); Vermelho, o último recital (2004); A cozinha (2004), em parceria com Luiz Otávio Gonçalves, Arnaldo Alvarenga e Ernani Maletta; Cabaret vagabundo (2005), criação coletiva; O lustre: um prólogo e nove variações (2005); O elogio da loucura (2006), trabalho realizado a partir de fragmentos do texto homônimo de Erasmo de Rotterdan, inspiração para a criação e apresentação 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 157 O espetáculo estreou para o grande público de Belo Horizonte em março de 2010 e, com ele, Éderson Miranda foi premiado como Ator Revelação Teatro Adulto 2011 no 8º Prêmio Usiminas/Sinparc de Artes Cênicas de Minas Gerais e indicado como Melhor Dramaturgo (Texto Inédito) no Prêmio Sesc/Sated 2011. Em termos de encenação espetacular, o próprio ator/autor salienta que seu trabalho tem como fonte de pesquisa o teatro essencial de Denise Stoklos, fato que pode ser comprovado em cena, onde o espectador se depara com uma interpretação notável – séria e ao mesmo tempo bem-humorada – de um ator que reúne atributos múltiplos. Tudo em cena é muito simples, desde o vestuário, o figurino, até o projeto de luz. Essas linguagens espetaculares são trazidas para a cena, mas o que se busca destacar são as ações físicas do ator, que, como um narrador-performático, vai guiando a plateia, enredandoa em sua trama inusitada, a partir da qual retrata a origem do universo e os avanços tecnológicos conquistados pelo homo sapiens. Enquanto narra, o ator se converte num crítico sagaz e mordaz. Segundo a crítica especializada publicada no jornal Estado de Minas, A intenção é contar, de maneira épica, o surgimento do universo em suas mais diversas implicações. A peça fala do homem, dos deuses, das civilizações antigas e de seus reflexos atuais. Dioniso, o deus do teatro, é o único personagem. Ele narra passagens da história da humanidade a partir de seu ponto de vista. Deus criou o homem e a Terra? O universo surgiu do big bang? Será que o homem de hoje é realmente mais evoluído do que o homem de milênios atrás? Em que aspecto regredimos? No que evoluímos? Deus existe? Em caso afirmativo, ele está do lado de quem? A resposta está no palco.14 Tendo como mote “a origem do universo”, os questionamentos são trabalhados na montagem, que é dividia em blocos temáticos. O texto dramático/espetacular criado concomitante de 15 micropeças; O Guesa errante ou de como o Historisches und Ethnologisches Museum Von Kubenkrid e o G.R.E.S. Acadêmicos do Mákeneyá se uniram para apresentar a errância do Guesa tão fidedigna quanto possível à versão fac-similar da obra do Sr. Sousândrade, que teve o texto de Sousândrade como base; Por quem choram as samambaias? (2009), em princípio vinculado a um TCC de graduação; Diário de um pássaro (2010), dramaturgia do espetáculo, que também foi, inicialmente, vinculado a um TCC de graduação; A viagem de Thespis: história(s) do teatro(s) em cena(s) (2011), coordenação de dramaturgia e direção do espetáculo. Este trabalho está centrado na história de Thespis, o primeiro ator, e é concebido a partir de vários mitos clássicos, onde o espectador tem contato com a história do teatro através dos tempos – desde os textos clássicos até a nossa contemporaneidade. Paralelamente, fora do âmbito acadêmico, Hildebrando tem construído uma carreira de êxito como diretor e dramaturgo no cenário artístico mineiro, dirigindo e participando da produção de vários espetáculos, grande parte dessas montagens foi indicada e/ou recebeu importantes prêmios. A título de exemplo, destaco, entre outros trabalhos: Samambaia: um melodrama cômico e sem lei (2001); Esta noite Mãe Coragem (2006), dramaturgia da peça, produção da ZAP-18, com direção de Cida Falabella; O lustre (2008); espetáculo que continua em circulação até o presente momento, em 2014; 1961-2010 (2009), dramaturgia do espetáculo produzido pela ZAP-18 com direção de Cida Falabella e também em circulação em 2014; Quem pergunta quer resposta (2010), dramaturgia e direção do espetáculo infantil, concebido originariamente para rua e produzido pelo Grupo Oriundo de Teatro; 180 dias de inverno (2010), dramaturgia do espetáculo, baseado no conto Minha fantasma, de Nuno Ramos, encenado pela Afeta Cia. de Teatro. Em março de 2012, o diretor/dramaturgo estreou uma nova versão de Cabaré vagabundo. 14 Cf. http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_11/2010/03/26/ficha_teatro/id_sessao=11&id_ noticia=22244/ficha_teatro.shtml. 158 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 prima pelo trabalho intertextual proposto pelo ator/criador/performer15 Éderson Miranda mescla os seus textos autorais com outros discursos resgatados da história universal, do livro do Antigo Testamento e dos livros de física e química. Isso permite que o leitor/ espectador identifique as vozes múltiplas que são trazidas pela cena, e o mais interessante diz respeito à forma como os textos são interpretados, pois o ator lhes atribui um tom de ironia, que produz uma forte identificação com o público, gerando momentos descontraídos de humor. Tudo isso corrobora o argumento de que o espetáculo é centrado no trabalho de ator e isso pode ser reforçado pela escolha do Éderson, que se inspira em artistas como Denise Stoklos, Matteo Belli e Charles Chaplin. O que há em comum entre esses artistas é sua ligação com o público/espectador. Todos, cada um à sua maneira, entregam para o espectador uma mirada crítica e bemhumorada da vida, que nos faz repensar o momento de suas enunciações. Chaplin dispensa maiores apresentações: ator, diretor, produtor, humorista, escritor, empresário, dançarino, roteirista e músico, um dos mais famosos da era do cinema mundo, notável pelo uso da mímica e da “comédia pastelão”. Matteo Belli é graduado em Letras Modernas pela Universidade de Bologna, dedica-se aos estudos clássicos e musicais e, desde 1989, trabalha no teatro como mímico e ator, realizando projetos como diretor, autor e ator, confrontando textos clássicos com autores contemporâneos. Denise Stoklos iniciou sua carreira em 1968. Depois de trabalhar no Rio de Janeiro e São Paulo, vai para Londres, onde se especializou em Mímica16 e, posteriormente, desenvolveu seu estilo próprio de trabalho como performer solo. Sem dúvida, Stoklos e o seu “teatro essencial” são a grande fonte de inspiração no processo de concepção do espetáculo Deuses: da origem do universo à origem do teatro. Segundo a própria artista, No teatro essencial o ator é seu produtor, então escolhe para si o texto ou se não há texto, a movimentação, ou a adaptação do texto, ou a combinação de tudo debaixo de uma ideia ampla, coerente consigo e compacta, a dramaturgia. O que o ator de teatro pretende é expressar algo que lhe toca pessoal e coletivamente. Sua intenção começa desde o momento que percebe-se capaz de “re-apresentar” uma cena recortada do “real”, algo que lhe “atravessou” a emoção e que o ator sinta que pode apresentar como algo lúdico, algo de jogo, pois estará apresentando a partir de um “palco” e assim, por lúdico, conseguir a permissão implícita do público para entrar em sua emoção também. Nesta passagem, da “permissão por ser lúdico”: “ah, é apenas teatro”, pensa o público e só assim lhe abre as comportas do humor, da reflexão, da memória, da ideologia, acontecendo então o que chamamos de teatro essencial. Essencial porque trata só de acontecimentos que pertencem à 15 Acreditamos que a simples nomeação como “ator” não dê conta do trabalho realizado por Ederson Miranda. Por isso, a denominação “ator/criador/performer”, que, segundo a minha perspectiva, amplia o seu campo de atuação, visto que o artista, em cena, muitas vezes demonstra que o limiar entre o ator e o performer é muito tênue, assumindo características do ator-performático, pois, como bem sinaliza Ileana Diéguez Caballero (Teatralidades, performances e política, p. 27): “O que no teatro tem-se denominado ‘texto performático’ implica uma escritura gestual, uma prática corporal”. 16 Uma das formas de comunicação humana, conhecida como a arte de exprimir os pensamentos e/ou os sentimentos por meio de gestos. Muito estudada e desenvolvida dentro das artes cênicas, relacionada com o estudo da ação física do homem em seu meio. A mímica enquanto expressão artística é apresentada de distintas maneiras e estilos, sendo mais conhecida a “pantomima”, na qual os artistas usam cara branca e se inspiram na figura do Pierrot. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 159 natureza humana, não de comportamentos ocasionais, e essencial porque usará apenas recursos que são básicos, de uso possível a qualquer um, que vem das expressões de corpo e das expressões do mental e das expressões do emocional. A particularização se dá na plateia: cada um vai “ler” o que se passa no palco de acordo com sua capacidade e com seu interesse, outra vez: mental, emocional, cultural e existencial. Porque o ator escolheu o que lhe toca profundamente, a ponto de dispor-se a levar à cena da melhor forma, sabemos que a escolha significará um empreendimento do ator sem fim, literalmente, cada novo ensaio, cada nova apresentação é um estudo a mais para atingir uma performance de caráter de um diamante, isto é, com repercussão em cada aresta, com emanação de brilho em cada planície, e o ritmo entre uso da planície e da aresta do tal diamante será uma das constituições da performance (nada de fora).17 A peça de Éderson Moreira, seguindo os pressupostos de Stoklos, cumpre com o papel de dialogar com o contexto de enunciação do artista – Belo Horizonte nos anos de 2009-2010 –, revelando as particularidades desse momento, mas, ao mesmo tempo, transformando e criticando o seu tempo com uma linguagem simples, com certa dose de ironia e de bom humor. O jogo com a plateia torna-se um elemento que merece destaque na montagem. O humor é trabalhado não apenas como mais uma linguagem cênica, mas como um recurso performático que possibilita que o ator/criador/performer faça de seu público cúmplice de sua atuação. Assim, utilizando-se de um acurado trabalho de mímica corporal, o ator vai conduzindo o espectador, fazendo com que ele seja receptivo ao seu discurso, convidando-o a interagir o tempo todo com as cenas: E havendo Deus formado da terra todo o animal do campo, e todas as aves dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome. (Adão apontando para espectadores específicos na plateia.) “hum... hum... cachorro, gato, rato, pato, marreco, camelo, canguru, girafa, elefante, jacaré de papo amarelo, mico-leão-dourado, lobo, lobo guará, coiote, hiena, rinoceronte, hipopótamo, Uuuuh, difícil, difícil esse, hum, você... ornitorrinco. Cavalo, égua, boi, vaca, touro, áries, gêmeos, não, não Adão. Ornitorrinco! Gostei desse nome. Cavalo, égua, boi, vaca, tigre, leão, onça pintada, pantera, urso, urso polar, ema, avestruz, pavão, Uuuuh... inominável, inominável, não posso nomear tamanha coisa inefável: bode”. E Adão pôs os nomes em todos os animais do campo, em todas às aves dos céus, e em todos os répteis da terra; mas para o homem não se achava ajudadora idônea. Então, Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e Deus tomou uma de suas costelas, e cerrou carne em seu lugar. E da costela que o senhor Deus tomou de Adão, formou a mulher. Uhuuuh. E a levou a Adão. E Adão disse: “esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada varoa, pois do varão foi tomada”. (Dirigindo-se para o público.) Então, você colega, você amigo que costuma chamar a sua mulher, a sua namorada, de o meu benzinho, o minha queridinha, o minha florzinha, o meu amor, o mô vem cá. Está completamente equivocado, pois você deveria chamá-la: vem cá minha varoa.18 As perguntas existenciais incorporadas ao texto podem ser lidas como inerentes a todos os tempos. A busca das origens conduz inevitavelmente ao Gênesis da literatura hebraica e de um deus que fala por múltiplos códigos e não somente pela linguagem do sagrado. Assim, no mito da criação, inserem-se pensamentos e frases contemporâneos que dão frescor e ligeireza ao texto antigo. 17 18 160 Cf. http://denisestoklos.uol.com.br/reflexoes/manifestos.htm (grifos meus). MOREIRA. Deuses da origem do universo à origem do teatro, p. 9-10. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Contrapõe-se à história bíblica a explicação científica de um big-bang, que, por sua vez, é estruturada como narrativa mítica e acaba por se fazer crítica a todos os relatos “elucidativos” das origens: ciência e mitologia se equiparam? Ou tudo teria surgido da palavra? Perguntas que abrem reflexões para a história do homem, da cultura e do teatro. Continuando a nossa história. Pausa. Será que os homens de hoje são realmente mais evoluídos que os de milênios atrás? (Dirigindo-se para o público e em tom irônico.) “Será?” (Retornando) Quem nunca passou as férias sentado aos pés da acrópole admirando aquela vista deslumbrante e deixando o vento balançar os cabelos não conhece o prazer real vida. Enfim, chegamos à Grécia Antiga, o berço da civilização ocidental. O ápice do espetáculo. A Grécia! (...) Os gregos aprimoraram a antiga arte da escultura, mas com seu espírito vivo inventaram novas artes: a poesia lírica, a história, e acima de tudo: o Drama. Esquilo, Sofócles, Euripédes e Aristofánes, mais conhecidos como Ésquilo, Sófocles, Eurípides e Aristófanes, transformaram as antigas procissões religiosas em homenagem ao deus Dioniso, em peças dramáticas divididas em partes e declamadas por personagens diferentes. A Grécia é o berço de uma forma de arte dramática cujos valores estéticos e criativos não perderam nada da sua eficácia depois de um período de 2.500 anos. (...) A Grécia é o berço de uma forma de arte dramática cujos valores estéticos e criativos não perderam nada da sua eficácia depois de um período de 2.500 anos. Suas origens encontram-se nas ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares, unem os homens aos deuses e os deuses aos homens: elas estão nos rituais de sacrifício, dança e culto em homenagem a Dioniso, o deus do vinho, da vegetação e do crescimento, da procriação e da vida exuberante. Seu séquito é composto por Sileno, sátiros e bacantes. Os festivais rurais da prensagem do vinho e as festas das flores de Atenas eram em sua homenagem. As orgias desenfreadas dos vinheteiros áticos honravam-no, assim como as vozes alternadas dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. Nas procissões festivas em homenagem ao deus Dioniso na Grécia Antiga havia representações com máscaras, em que seus seguidores fantasiados dançavam e cantavam. O desenvolvimento desse ritual dionisíaco resultou na criação da Tragédia e da Comédia, e ele se tornou o deus do teatro. Dioniso. Dioniso. Dioniso. Dioniso, é a encarnação da embriaguez e do arrebatamento, é o espírito selvagem do contraste, a contradição extásica da bemaventurança e do horror. Ele é a fonte da sensualidade e da crueldade, da vida procriadora e da destruição letal. Eis Dioniso o Deus do teatro!19 Ao evocar Dioniso, o grande deus do teatro para a cena, o ator/performer não só alude à sua história, remetendo-nos aos cultos ao deus por meio das dionisíacas, mas lhe rende uma homenagem no ápice da encenação. Desta forma, o texto dramático de Éderson Miranda cumpre com o seu objetivo em sua forma espetacular: recupera-se a “história da humanidade” a partir da história do teatro, trazendo para o palco – reitero, de forma lúdica, cômica e, às vezes, irônica – a sua versão da história, dos grandes fatos históricos, descobertas e avanços científicos, propondo uma mirada crítica sobre aspectos que dizem respeito às nossas sociedades contemporâneas. Em suma, o que se vê, como em outros textos contemporâneos ditos “pós-modernos”, “performativos” e ou “pós-dramáticos”,20 é uma desconstrução das verdades absolutas, fazendo com que o leitor/espectador reflita sobre cada tema que é retratado na sua dramaturgia e no texto espetacular. 19 20 MOREIRA. Deuses da origem do universo à origem do teatro, p. 37-42. Não é meu objetivo, neste trabalho, entrar nas conceituações relacionadas a esses termos. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 161 À guisa de conclusão, ainda que provisória, pois acredito que a temática aqui discutida não se esgota e ultrapassa as linhas deste texto, retomo os argumentos de Miguel Rubio Zapata, que, ao discorrer sobre o teatro e a sua importância dentro do contexto das Américas, assevera: La América Latina y el Caribe no es una sola, es indígena, es africana, es europea y es contemporánea, abierta a todas las prácticas escénicas del siglo XXI. Nuestro teatro recorre el espíritu de los tres continentes y se alimenta culturalmente de esas tres raíces, y con ellas dialoga en igualdad con los teatros de todo el mundo.21 As palavras de Miguel Rubio22 corroboram a minha visão crítica em relação à força e à importância que as distintas formas de produções teatrais, produzidas nos diversos contextos de enunciação latino-americanos, exercem em nossa contemporaneidade e, no caso específico mineiro aqui retomado, a dramaturgia e o texto espetacular de Éderson Miranda. Assim, o artista, sem dúvida, logra executar a concretização dos mitos para o seu tempo, fazendo dialogar o passado com o presente. Afinal, como sugere Pavis, “É indispensável, portanto, especificar em qual contexto e com que objetivo se analisam e julgam as produções cênicas interculturais.”23 AA ABSTRACT This essay discusses the importance of contemporary adaptations of classic texts, which aim at positioning them in the new contexts of enunciation in which they are resignified. In order to achieve this goal, we analyze the play God: from the origin of the universe to the origin of the theatre, by Éderson Miranda, focusing on the particularities of dramatic texts and their representation. KEYWORDS Classic texts, dramatic texts, Éderson Miranda, gods, spectacular texts 21 RUBIO ZAPATA. Raíces y semillas. Maestros y caminos del teatro en América Latina, p. 19. “A América Latina e o Caribe não é uma somente, é indígena, é africana, é europeia e é contemporânea, aberta a todas as práticas cênicas do século XXI. Nosso teatro recorre o espírito dos três continentes e se alimenta culturalmente dessas três raízes, e com elas dialoga em igualdade com os teatros de todo o mundo” (original em espanhol, tradução minha).21 22 Diretor do grupo peruano Yuyachani – fundado em 1971, um dos coletivos teatrais mais importantes das Américas –, responsável pela concepção e montagem de Antígona, texto de José Watanabe, representado por Tereza Rali, atriz do grupo, uma releitura do mito grego, baseada nos conflitos políticos peruanos que desvelam uma sociedade civil acossada pela violência e o estado de terror. 23 PAVIS. O Teatro no cruzamento de culturas, p. IX. 162 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 REFERÊNCIAS BRECHT, Bertolt. A Antígona de Sófocles. Teatro completo. Trad. Angelika E. Köhnke e Christine Roehrig. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, v. 10, p. 191-251. CABALLERO, Ileana Diéguez. Teatralidades, performance e política. Trad. Luis Alberto Alonso e Angela Reis. Uberlândia: Edufu, 2011. DE MARINIS, Marco. Comprender el teatro – lineamientos de una nueva teatrología. Buenos Aires: Editorial Calerna, 1997. ESTADO DE MINAS. Espetáculo Deuses fala sobre a origem do universo. Divirta-se – Seção Teatro, 26 mar. 2010. Disponível em: <http://www.divirta-se.uai.com.br/html/ sessao_11/2010/03/26/ficha_teatro/id_sessao=11&id_noticia=22244/ficha_ teatro.shtml>. Acesso: 1º dez. 2012. IZQUIERDO, Iván. Conferência de Abertura. In: ISAACSSON, Marta (Coord.); MASSA, Clóvis Dias, SPRITZER, Mirna, SILVA, Suzane Weber da. Tempos de memória: vestígios, ressonâncias e mutações. Porto Alegre: Abrace – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes: AGE, 2013, p. 17-31. MIRANDA, Éderson. Deuses da origem do universo à origem do teatro. Belo Horizonte: Edições Viva Voz, 2012. PAVIS, Patrice. El teatro y su recepción – semiología, cruce de culturas y postmodernismo. Selección y traducción: Desiderio Navarro. La Habana: Uneac, Casa de las Américas, Embajada de Francia en Cuba, 1994. PAVIS, Patrice. O teatro no cruzamento de culturas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2008. STOKLOS, Denise. Site oficial: <http://denisestoklos.uol.com.br/>. Acesso: 1º dez. 2012. ZAPATA, Miguel Rubio. Raíces y semillas. Maestros y caminos del teatro en América Latina. Lima: Grupo Cultural Yuyachkani, 2011. Recebido em 30 de janeiro de 2014 Aprovado em 22 de abril de 2014 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 163 V a r i a AA A CICATRIZ DE HOMERO EM MILTON HATOUM HOMER’S SCAR ON MILTON HATOUM Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa* Universidade Federal de Minas Gerais La cicatrice, Victor Hugo Une croûte assez laide est sur la cicatrice. Jeanne l’arrache, et saigne, et c’est là son caprice; Elle arrive, montrant son doigt presque en lambeau. – J’ai, me dit-elle, ôté la peau de mon bobo. – Je la gronde, elle pleure, et, la voyant en larmes, Je deviens plat. – Faisons la paix, je rends les armes, Jeanne, à condition que tu me souriras. – Alors la douce enfant s’est jetée en mes bras, Et m’a dit, de son air indulgent et suprême: – Je ne me ferai plus de mal, puisque je t’aime, – Et nous voilà contents, en ce tendre abandon, Elle de ma clémence et moi de son pardon. RESUMO Este ensaio caminha na direção de observar que a literatura do escritor amazonense Milton Hatoum, especificamente o romance Dois irmãos, que ganhou o Prêmio Jabuti do ano de 2000, se utiliza de um estratagema muito semelhante àquele inaugurado pela famosa cena da cicatriz de Ulisses do poema épico Odisseia, de Homero. PALAVRAS-CHAVE Homero, recepção clássica, Milton Hatoum Quando Homero insere o episódio de uma antiga cicatriz em um dos momentos mais dramáticos do relato de retorno do protagonista da Odisseia, o aedo grego acaba também por criar uma marca indelével na literatura dos tempos ulteriores: a descrição detalhada da origem de um estigma em um personagem no momento de sua chegada à casa.1 O recurso, que se liga diretamente ao desvelamento de um evento ocorrido em um passado remoto, provoca um acolhimento natural em razão da intimidade que se cria de imediato com aquele que entra em cena tal qual um estranho no ninho. A importância desse estratagema literário, no contexto de Dois irmãos, de Milton Hatoum, é notável, pois o trecho funciona, logo no início do romance, como um * [email protected] 1 RUSSO; FERNANDEZ-GALIANO; HEUBECK. A commentary on Homer’s Odyssey, p. 95, cf. notas explicativas aos versos 392 e 393. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 167 phármakon oferecido ao leitor, é como uma pequena dose de horror e piedade que cria uma espécie mínima de kátharsis. Mediante esse retrospecto, compartilhamos do trauma de Yaqub, compactuamos com sua dor e tememos a intempestividade de Omar.2 Dessa forma, em que pese a morbidez de retomar dores passadas, que permaneçam as cicatrizes; quando não fosse por sua função estritamente literária, de um ponto de vista humano elas nos fazem íntimos de nossos heróis, nos consolam e fortalecem pela beleza do seu sofrimento, elas nos alegram pela superação da dor e nos previnem quanto à capacidade agressiva do outro. Este ensaio caminha na direção de observar que a literatura do mencionado escritor amazonense, especificamente o romance Dois irmãos, que venceu a edição de 2000 do Prêmio Jabuti, se utiliza de um estratagema muito semelhante àquele inaugurado pela cena do poema homérico ao qual aludimos no início. Rigorosamente falando, é da perspectiva dos antigos que escolhemos contemplar a obra de Hatoum, que se volta para um dos temas mais fecundos da literatura universal. Mas tratar da literatura brasileira é tarefa que exige zelo especial. No que diz respeito à recepção clássica (e com base em uma observação pessoal), poder-se-ia dizer que prevalece no país mais o gosto e a prática particulares pelos segredos da construção literária propriamente dita do que pelos temas e assuntos do passado greco-latino. Deste modo, se salta aos olhos, tão logo se leia o título do livro de Hatoum, a retomada do tema do duplo, da história bíblica dos irmãos Esaú e Jacó e do romance homônimo de Machado de Assis, internamente, nos veios da história reside a forte e segura presença da literatura grega, pelo menos em um3 ponto específico (e talvez se possa até associálo a um dos pilares do romance). Ponto base, pedra de quina. Por ora, nossa leitura se limita à presença dessa pedra de sustentação lateral bem invulgar, a cicatriz. Devemos contudo indicar que se repete o mecanismo utilizado por Hatoum em Relato para um certo oriente: As referências literárias de Relato de um certo oriente respondem a uma lógica bem diferente. Elas são discretas, alusivas, como a catléia de Proust, a terceira margem de Guimarães Rosa ou o papagaio de Flaubert; elas não serão identificadas senão pelos iniciados.4 Duas obras e dois procedimentos recorrentes parecem indicar um mesmo propósito: não ser óbvio. Anuentes à hipótese citada de Michel Riaudel para Relato de um certo oriente, também nessa cena para a qual postulamos a revisitação do poema de homérico, Hatoum é discreto quanto a suas referências literárias e se serve da literatura grega de forma delicada e sutil, como de resto se dá, quase sempre, entre os autores brasileiros.5 2 Remetemos o leitor para os principais páthoi que formam a catarse aristotélica: compaixão e horror. Cf. Poética, 1449b25. 3 Outros existem, sem dúvida, mas neste artigo limitar-nos-emos apenas a um. 4 RIAUDEL. Quando a ficção se recorda, p. 260. 5 Embora consoantes com Michel Riaudel, não estamos afirmando que este é o único procedimento praticado entre autores brasileiros; evidentemente muitos há que são mais explícitos e que recuperam os temas clássicos de forma mais ostensiva como, por exemplo, o já citado Machado de Assis. Não podemos negar, no entanto, a sutileza de Manuel Bandeira, Lima Barreto e Ariano Suassuna, este último, particularmente, em A pedra do Reino. 168 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Para Dois irmãos a estratégia de Relato de um certo oriente apontada por Riaudel é ainda mais instigante. Hatoum dedica quatro páginas de seu romance exclusivamente à cicatriz de Yaqub; Homero devota à marca de Odisseus cinquenta e quatro versos dos seiscentos e quatro do canto dezenove da Odisseia, ambas as passagens de certa extensão para seus contextos. Mas, por favor, não esperem os leitores coincidências triviais e repetições formais por demais evidentes. Isto não sói acontecer na Terra de Santa Cruz com regularidade. Brasílicos que somos, não somos óbvios, guardamos segredos nada sobejos. As coincidências se dão de forma sofisticada e cifrada, revelando a observação do fazer como, e, como já afirmamos, segundo Riaudel,6 são perceptíveis mormente para os sujos de cultura clássica. Vamos, a princípio, observar os dois autores a partir da ideia de um duplo ou de dobrados heróis. Não nos cabe aqui discutir o duplo em Hatoum, tema já bastante estudado.7 Vejamos a proposta somente para Homero, e exclusivamente para a cena em questão. Na escritura homérica, a ideia do duplo é diluída nesse episódio. Na verdade, se tomamos Odisseus como o homem de muitos disfarces, o poluvvtropo", duplo para ele seria muito pouco. Todavia, no trecho da cicatriz e da lavagem dos pes, ele apenas se duplica. Na passagem, o filho de Laerte se faz de andarilho mendicante, pois é preciso ocultar-se. Sua vida corre perigo em sua própria casa, ocupada pelos mais de cem pretendentes de Penélope, todos jovens e fortes príncipes guerreiros. Mas, diante de sua velha ama, ainda que não tenha sido reconhecido por sua própria mulher, diante de Euricleia, repetimos, o vagabundo que chega evoca imediatamente a imagem do rei perdido em alto-mar. Assim diz a criada ao suposto esmoler, duplo de Odisseus (XIX, v. 378-381): ajll j a[ge nu~n xunivei e!po", o@tti ken ei!pw: polloiV dhV xeivnoi talapeivrioi ejnqavd * i@konto, ajll j ou! pwv tinav fhmi e*oikovta w|de ijdevsqai Vá lá! Mas faz conta do que te conto: sim, muitos desvalidos de fora chegaram aqui, mas digo mesmo, nunca jamais uma parecença assim foi vista, pois w&" suv devma" fwnhvn te povda" t * O * dush~i> e!oika". tu te pareces de corpo, voz e pés com Odisseus.8 Suspeita desde o princípio, a identidade do andarilho é posta em xeque-mate e, por isso, propomos que se pense o duplo tanto na figura dos dois irmãos gêmeos Yaqub e Omar, quanto no episódio mencionado da Odisseia com Odisseus mendigo. Em razão disso, afirmamos que, se a cicatriz é instrumento para o reconhecimento do rei de Ítaca, a cicatriz de Yaqub é, no romance, o traço que mais o distingue de Omar. Do cabelo cacheado de Yaqub despontava uma pequena mecha cinzenta, marca de nascença, mas o que realmente os distinguia era a cicatriz pálida em meia-lua na face esquerda de Yaqub.9 6 RIAUDEL, Michel. Quando a ficção se recorda, p. 251-261. BIRMAN. Irmãos inimigos: duplos em Machado e Hatoum, 2008; SOUZA. Ambivalências do sujeito, 2012; BRIDI; VASCONCELOS. O professor e seu duplo, 2011 etc. 8 As traduções do grego são de nossa autoria. 9 HATOUM. Dois irmãos, p. 20. 7 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 169 O primeiro ensaio de que temos conhecimento sobre o tema em Homero foi produzido por Erich Auerbach em 1946. Tornou-se obra de referência, foi reeditado várias vezes e está traduzido para o português. Trata-se do conhecidíssimo Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental e do capítulo que integra a obra intitulado “A cicatriz de Ulisses”, em que o filólogo alemão compara a passagem do canto 19, vv. 392-446, com o episódio bíblico do sacrifício de Isaac. Auerbach realça aspectos que até então não haviam atraído muita atenção acadêmica e os insere na reflexão ainda incipiente sobre o processo de homogeneização da cultura ocidental depois da Segunda Guerra Mundial (o que, de certa forma, abrirá caminho para outros pensadores com a análise crítica da indústria cultural). Todavia a nossa menção ao estudo se deve a uma constatação indicada por João Cezar de Castro Rocha em comentário ao título traduzido da obra referida:10 (...) a tradução proposta envolve um erro grave de interpretação. Em inglês, eles escreveram: “Philology and Weltliterature”. Isto é, o genitivo em alemão se transformou em mera conjunção aditiva em inglês. Tudo se perde nessa escolha precipitada, pois, agora, “Filologia e Weltliteratur” compartilham o mesmo eixo temporal, são expressões contemporâneas. Contudo, a argúcia do título de Auerbach se oculta no emprego do genitivo: “Filologia da Weltliteratur”. O exercício filológico supõe que o objeto estudado pertence ao passado da cultura; daí a necessidade do trabalho hermenêutico para sua apreensão. No título do ensaio, Auerbach cifrou sua interpretação do tempo que lhe coube viver. Assim pensando, isto é, admitindo que o exercício filológico e hermenêutico no texto de Hatoum pode nos levar ao passado de nossa cultura (e pode acrescentar ao estudo de Homero reflexões curiosas) e que o estudo do passado da cultura brasileira pode até mesmo chegar ao da cultura grega; assim pensando, intentamos fazer com que a observação da Odisseia em paralelo com a de Dois irmãos seja um meio legítimo de compreender a literatura universal. Para nós, associar Homero e Milton Hatoum é exercício de brasilidade e de crítica literária, portanto retornemos à cicatrização da nossa operação. O refinamento da construção de Hatoum vai mais longe do que a simples recuperação de um duplo e a observação de uma cicatriz. Yaqub também é, como Odisseus, um forasteiro desajustado, racional ao extremo naquele momento de seu retorno à casa: As características de sujeito forasteiro, desconfortável no ambiente manauara, são somadas ao perfil do indivíduo racional ao extremo, com todos os defeitos que esta descrição implica (cálculo, frieza, ambição desmedida, crueldade), seja quando avaliada com base nos valores da família ou quando criticada pela própria razão crítica. Nesse contexto, o narrador nos insinua que a vingança de Yaqub – que levará à prisão de Omar e à venda da casa familiar – foi planejada muitos anos antes de sua concretização. “Ele se sofisticava, preparando-se para dar o bote: minhoca que se quer serpente, algo assim” (HATOUM, 2000, p. 61), escreve Nael ao comentar a correspondência de Yaqub. As feições de 10 ROCHA. Mimesis: Erich Auerbach em exílio (2), cf. http://rascunho.gazetadopovo.com.br/mimesiserich-auerbach-em-exilio-2/. 170 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 personagem estrangeiro não colocam, porém, Yaqub em polo oposto à nação brasileira. Pelo contrário. O forasteiro aqui veste a máscara da identidade nacional.11 Destes mascarados forasteiros, as afamadas cicatrizes reveladas surgem nas duas obras como uma digressão, um dispositivo de retardamento da ação. Em Milton Hatoum, porém, a digressão vem pelo avesso de Homero: enquanto na Odisseia ela ocorre quando caminhamos para o fim do périplo do herói, no romance do escritor brasileiro ela surge logo no início do drama feroz entre os Dois irmãos e chega para justificar o acirramento do ódio entre esses amazonenses. Em um ponto se igualam, porém: é o momento da volta à casa de ambos: Odisseus de suas andanças depois de vinte anos da guerra de Troia e Yaqub depois de um período de cinco anos no Líbano. O estratagema homérico (e de igual forma o do escritor manauara) provoca emoções misturadas no leitor – a frustração no retardamento do desenlace da trama e excitação na descoberta de um fato passado traumatizante – e, como dispositivo narrativo, delineia, de forma cuidadosa, todas as circunstâncias do sentimento que movimenta o romance, bem como o final da epopeia, a retomada da casa dos descendentes de Sísifo. No épico grego, o trecho que nos interessa faz parte, como sustentamos, de uma longa digressão, se constrói através do uso da analepse ou, se quiserem, do flashback,12 provocado em uma mulher, Euricleia, e cumpre, além de outras, a função de informar um episódio mais antigo até que a cicatriz, a saber, a atribuição do nome do herói Odisseus por seu avô Autólico. Em se tratando de evocação remota, em Dois irmãos a recordação do passado ocorre pela memória de Domingas, a cunhatã que criou Yaqub. Duas amas. Dois protagonistas de regresso em foco. Duas cenas para descrever a origem de um ódio familiar: o ódio de Yaqub e Omar e a origem do odioso nome de Odisseus. O ponto merece um comentário. O nome de Odiseus é dado à criança ainda pequena pelo avô materno que tem por nome Autólico, ou seja, etimologicamente falando, “o próprio lobo”, homem odiado (oj d ussav m eno") e odioso entre os gregos, um ladrão de gado, trapaceiro e devoto de Hermes. Autólico, ao conferir para o neto um nome associado à sua condição entre os seus pares, transmite para a criança uma herança e, assim, o muito ardiloso Odisseus se torna um protótipo de esperteza perigosa.13 A história da origem de seu nome, no momento exato da matança dos pretendentes de Penélope, passa a ser uma história de ódio, tal qual a que se desenvolve em Dois irmãos.14 Mas a camuflagem e requinte de Hatoum 11 BIRMAN. Irmãos inimigos: duplos em Machado e Hatoum, p. 9. RUSSO; FERNANDEZ-GALIANO; HEUBECK. A commentary on Homer’s Odyssey, p. 95. 13 RUSSO; FERNANDEZ-GALIANO; HEUBECK. A commentary on Homer’s Odyssey, p. 96, nota ao verso 394. Na nota ao verso 407, p. 97, temos o seguinte comentário: Since Autolycus in his career as trickster has dealt harshly with many men and women, the child, as Autolycus’ heir, will be ‘Odysseus’, ‘the man who deals out harsh treatment’. The suffix -en" points to such an active sense. 14 PERADOTTO. Man in the middle voice, p. 120-142. Milton Hatoum, neste sentido comentado por Peradotto, vem comprovar para os estudiosos do helenismo e da literatura brasileira o quanto a retomada deste tipo de estratégia é so inimical to late classical and modern (but not “post-modern”) habits of reading. De fato, é possível ver na literatura contemporânea brasileira um insistente, mas muito velado, retorno à literatura antiga. Peradotto, embora aplauda o insight de Auerbach, desenvolve uma crítica pertinente ao estudioso da qual inserimos um pequeno trecho: Without impugning Auerbach’s essential insight, we may nonetheless insist that he overstates the case. The poet does not, in fact, treat with extensive foregrounding every-thing that falls within the purview of his story. Like every storyteller, he selects, and only a critical perspective tied to an epistemology of naive realism would fail to see this, p. 121. 12 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 171 nos levam a buscar fontes outras para entender acerca de nomes e ódios. Bridi e Vasconcelos apontam para um caminho: Há um particular que se reveste de grande significação como índice da posição ocupada pelo narrador no romance. Seu nome é o mesmo do pai de seu avô Halim, pai dos gêmeos e uma das fontes da grande narrativa familiar que, aos poucos, vai tecendo para si e para o leitor. A tradição árabe, nem sempre cumprida à risca, sobretudo entre imigrantes, mas de conhecimento geral dos que partilham aquela cultura, estabelece que o primogênito (do sexo masculino) receba o nome do pai do pai, quase sempre seguido do nome do próprio pai.15 Entre gregos, árabes e brasileiros, não vamos disputar tradições; registramos tão somente que, tal como a epígrafe anunciada do romance, estamos diante de uma saga em que os ancestrais interferem de uma forma ou de outra. Ódio e memória recuperados à moda homérica, isso é o que temos em Dois irmãos. O relato do rapsodo grego se volta para uma cena que se passa à meia-luz, no palácio de Ítaca, no lado escuro da lareira: Odisseus está sentado, deixa-se lavar na penumbra e, do apagado da memória de Euricleia, salta à luz a cena do fero javali causador do trauma passado. Instaura-se o reconhecimento de sua cicatriz pela ama. Dentro da memória, no clímax da agressão relembrada do animal que causara a ferida, visualizamos, também em lugar pouco iluminado (Od. XIX, 439-443), o cume do monte Parnaso coberto de bosques: e[nqa d * a[r * e*n lovcmh/ pukinh/~ katevkeito mevga" su~": thVn meVn a[r * ou!t a*nevmwn diavei mevno" u*groVn a*env twn, ou!te min H * evlio" faevqwn a*kti~sin e!ballen, ou!te o!mbro" peravaske diamperev": w}" a!ra puvknhV Ali mesmo, em cerrada moita, se escondia um mega javali e nem mesmo a força úmida dos ventos inquietos passava por ela, nem o Sol brilhante jogava seus raios nela e nem a chuva despencava direto de tão cerrada que era h|en, a*taVr fuvllwn e*nevhn cuvsi" h!liqa pollhv. e tinha, à beça, lá dentro, um montão enorme de folhas. Igualmente escura é a cena que desenha Hatoum: em uma tarde nublada de sábado,16 no porão da casa dos Reinoso, quando o tempo fechou com nuvens baixas e pesadas (embora a sala estivesse iluminada), carregadas e acendendo boas trovoadas, terá lugar o ataque de Omar. Caçada por caçada, javali na Grécia, Lívia em Manaus; javali nos bosques escuros do Parnaso, Lívia no porão dos Reinoso. Do escuro para a luz, do esquecimento para a rememoração. Narrativa de um evento passado que foi relembrado e forma literária que acende uma imagem para o leitor (que passa a conhecer o passado da personagem) coincidem. Para que alcancemos a compreensão da história de Odisseus e de Yaqub, o texto nos permite vê-los como se estivessem num divã literário a relatar suas memórias. E para que isso aconteça, nos termos de Auerbach para Homero, observa-se que tudo (...) é relatado com exatidão e com vagar. (...) Há, também, espaço e tempo abundantes para a descrição bem ordenada, uniformemente iluminada, dos utensílios, das manipulações e dos gestos, mostrando as articulações sintáticas; mesmo no dramático instante o 15 16 172 BRIDI; VASCONCELOS. O professor e seu duplo, p. 56. HATOUM. Dois irmãos, p. 20. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 reconhecimento não se deixa de comunicar com o leitor... (...) Claramente circunscritos, brilhante e uniformemente iluminados, homens e coisas estão estáticos ou em movimento, dentro de um espaço perceptível; com não menor clareza, expressos sem reservas, bem ordenados até nos momentos de emoção aparecem sentimentos e ideias.17 Vejamos se se confirma o que o filólogo afirmou para Homero em Milton Hatoum. Para o escritor brasileiro a história está inserida na narrativa de Nael que reproduz a fala de Domingas, ama substituta de Zana, a mãe dos dois gêmeos. Com Domingas a figura de Euricleia é recuperada tanto nos seus atributos de agregada quanto naqueles de ama. Como a velha grega, as refeições da família e o brilho da casa dependiam de Domingas. E a história também depende dela, Domingas,18 e de Euricleia naquele momento do poema grego. Citamos as primeiras linhas do trecho de Hatoum: Era uma tarde nublada de sábado, logo depois do Carnaval. As crianças da rua se alinhavam para passar a tarde na casa dos Reinoso, onde se aguardava a chegada de um cinematógrafo ambulante. No último sábado de cada mês, Estelita avisava as mães da vizinhança que haveria uma sessão de cinema em sua casa. Era um acontecimento e tanto. As crianças almoçavam cedo, vestiam a melhor roupa, se perfumavam e saíam de casa sonhando com as imagens que viriam na parede branca do porão de Estelita. Yaqub e o Caçula usavam um fato de linho e uma gravatinha-borboleta; saíam iguais, com o mesmo penteado e o mesmo aroma de essências do Pará borrifado na roupa. Domingas, de braços dados com os dois irmãos, também se arrumava para acompanhar os gêmeos. O Caçula se desgarrava, corria, era o primeiro a beijar o rosto de Estelita e entregar-lhe um buquê de flores. Dentro dos parâmetros da literatura, tal como em Homero, realmente tudo é narrado com exatidão e vagar. Mantém-se a definição precisa de tempo e espaço em uma descrição bem ordenada e uniformemente iluminada. Estaremos no último sábado de fevereiro (o mês dois), no porão de parede branca da casa de Dona Estelita aguardando o cinematógrafo ambulante. Homens e coisas participantes, estáticos ou em movimento, dentro de um espaço perceptível, são brilhante e uniformemente iluminados: já as crianças vestiam a melhor roupa, se perfumavam; Yaqub e o Caçula usavam um fato de linho e uma gravatinha-borboleta; saíam iguais, com o mesmo penteado e o mesmo aroma de essências do Pará borrifado na roupa etc. O processo é bem acabado até o fim, e mesmo nos momentos mais intensos de emoção, quando se esperava que o texto registrasse mais ação, aparecem sentimentos e ideias em descrição primorosa, tal como no antigo aedo: A magia no porão escuro demorou uns vinte minutos. Uma pane no gerador apagou as imagens, alguém abriu uma janela e a plateia viu os lábios de Lívia grudados no rosto de Yaqub. Depois, o barulho de cadeiras atiradas no chão e o estouro de uma garrafa estilhaçada, e a estocada certeira, rápida e furiosa do Caçula. O silêncio durou uns segundos. E então o grito de pânico de Lívia ao olhar o rosto rasgado de Yakub. Os Reinoso desceram ao porão, a voz de Abelardo abafou o alvoroço. O Caçula, apoiado na parede branca, ofegava, o caco de vidro escuro na mão direita, o olhar aceso no rosto ensanguentado do irmão. Estelita subiu com o ferido e chamou um dos curumins: corre até a casa de Zana, chama a Domingas, mas não fala nada sobre isso. 17 18 AUERBACH. Mimesis, p. 2. HATOUM. Dois irmãos, p. 20. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 173 A cicatriz já começava a crescer no corpo de Yaqub. A cicatriz, a dor e algum sentimento que ele não revelava e talvez desconhecesse. Não tornariam a falar um com o outro.19 Ao fim da analepse, saberemos (aliás, somos quase cúmplices disto) a razão do ódio entre os dois irmãos. Mas se as semelhanças com Homero até agora se prenderam à estratégia narrativa – isto é, se inserem em uma longa digressão produzida com o recurso da analepse; ocorrem no momento de chegada do protagonista à casa depois de prolongada ausência; relatam o evento passado descrito em detalhes, que mistura passado e presente e busca um ambiente de penumbra; apresentam a origem de um sentimento negativo anterior ao momento da história; recorrem à participação de criadas as quais são peça-chave no desfecho da cena – se as semelhanças até agora se prenderam à estratégia narrativa, é tempo já de observarmos o assunto que as constrói. Em Homero, Odisseus será acolhido no ritual de costume, o banho do hóspede. Durante o procedimento a ama reconhece-o através da cicatriz que abre a janela da memória e revela as marcas do passado, quando o jovem Odisseus, no seio familiar, durante uma caçada com seus tios maternos e com o avô, no monte Parnaso, foi ferido gravemente. A mesma frase que acabamos de lhes oferecer poderia, com poucas mudanças, ser reescrita para Yaqub, que será acolhido no ritual de costume quando volta à casa, durante o qual a ama recorda-se da cicatriz que abre a janela da memória e revela as marcas do passado de menino no seio da vizinhança, durante a caçada velada por uma fêmea cobiçada por ambos, Yaqub e Omar. Pensar em termos de caçada nos dá uma nova base para análise das cenas comparativamente. O poema épico grego vê a caçada como um ritual de passagem. Muitos heróis da mitologia teriam passado por provas assim: o próprio Odisseus, Hércules, Hipólito, Órion, Meleagro etc. Alguns, como é o caso do rei de Ítaca, foram bem-sucedidos, outros mal. Insucesso típico é a história de Meleagro, estudada com cuidado por Nancy Felson Rubin e William Merritt Sale. Os detalhes não nos interessam neste momento, o que nos chama a atenção é que “(...) we come to see that Meleager, in contrast with Odysseus, is tragic because in his maturation test he confuses the semantic domains of hunting and sexuality”.20 No entanto, o que não discutem os autores acima citados é que, observando a magia do poema homérico, a inserção do episódio da caça do javali na iminência de um combate no domínio sexual, a disputa por Penélope e consequentemente pela própria casa, acresce o perigo que correrá o herói nos cantos que se seguem do poema. A inversão de Hatoum será tão brilhante quanto; uma afirmativa, talvez, que nos leva a pensar que, nos domínios sexuais, o campo semântico é mesmo contíguo ao da caça. Odisseus e Yaqub serão, cada qual à sua maneira, bem-sucedidos. A história inicia com uma caçada: Yaqub e Omar caçam Lívia; Omar caça também Yaqub. A trama prossegue e, ao fim do romance, Omar é literalmente caçado. Naquela tarde de abril já chuviscava quando Rânia o avistou na praça das Acácias. Ficou paralisada. Estava magro, meio amarelão, barba de uma semana, o cabelo crespo com jeito de juba. Os braços cheios de arranhões, a testa avolumada por calombos. Os olhos fundos 19 20 174 HATOUM. Dois irmãos, p. 22. RUBIN; SALE. Meleager and Odysseus, p. 138. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 e acesos davam a impressão de um ser à deriva, mesmo sem ter perdido totalmente a vontade ou a força de recuperar a coisa perdida. Rânia não teve tempo de se aproximar dele. Ouviu estampidos, viu pessoas correrem, largando guarda-chuvas que quicavam nos caminhos da praça. Eram três policiais, e logo cinco, muitos. Uma caçada. Viu o Caçula agachado, atrás do tronco do mulateiro. Os policiais farejavam ali de arma em punho. Os tiros cessaram. Queriam matá-lo ou só lhe dar um susto? Agora ventava com rajadas de chuva...21 Escondido tal qual o javali de Homero, escondido também tal qual o marinheiro à deriva disfarçado de mendigo que volta para recuperar a perda de anos atrás, a perda da namorada conquistada pelo irmão (talvez sua pequena Ítaca), eis aí Omar. Poderíamos começar aqui um novo artigo, relembrar o javali acuado em frente do menino Odisseus, mas já basta. Terminemos por onde Hatoum começou. O romance se abre, no frontispício, com um trecho do poema “Liquidação”, de Carlos Drummond de Andrade. 22 A epígrafe introduz a leitura dentro da ótica da narrativa da derrocada de uma família, a de Halim (nos moldes gregos, da casa de Halim, porque falar de família para um grego antigo é falar do dovmo"). A escolha do poema nos é oportuna. Por ele casam-se os vinte anos de errância de Odisseus, de sua ânsia por retornar à pequena ilha de Ítaca e reassumir o comando da casa, com os vinte contos de valor da casa. A liquidação da casa do mineiro, segundo Maria Zilda Ferreira Cury, “avulta também em importância na ficção do escritor amazonense, mesclando-se à figura materna (...) evidencia-se a relação tensa entre o eu lírico e sua casa, metáfora da opressão do passado, do inconsciente.”23 A liquidação da casa recorda ainda o retorno incansável do sofrido Odisseus, com todas as suas lembranças, pesadelos, pecados e cicatrizes. A obviedade do motivo Esaú e Jacó presente na retomada dos gêmeos bíblicos acaba por esbarrar em outra casa. Yaqub-Jacó associa-se a Omar (um anagrama de Roma que nos leva a Romulo e Remo, os filhos da loba, o que seria tema para mais um ensaio), uma personagem diluída de Homero que em turco se escreve Ömer. Todas as grandes casas literárias se ajuntam ou, em termos técnicos, todos os sistemas literários24 se intercambiam e recriam dinamicamente o literário por ele mesmo. 21 HATOUM. Dois irmãos, p. 93. In: Boitempo. José Olympio, 1968: “A casa foi vendida com todas as lembranças/ todos os móveis todos os pesadelos/ todos os pecados cometidos ou em via de cometer/ a casa foi vendida com seu bater de portas/ com seu vento encanado sua vista do mundo/ seus imponderáveis/ por vinte, vinte contos”. 23 CURY. Fronteiras da memória na ficção de Milton Hatoum, p. 15. 24 Evidentemente aqui somos devedores da teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar (1979) da forma como foi publicada no volume de Poetics today com o tema Literatura, interpretação e comunicação. Em Polisistemas de cultura, 2011, p. 8, Even-Zohar afirma: “La idea de que los fenómenos semióticos, es decir, los modelos de comunicación humana regidos por signos (tales como la cultura, el lenguaje, la literatura, la sociedad), pueden entenderse y estudiarse de modo más adecuado si se los considera como sistemas más que como conglomerados de elementos dispares, se ha convertido en una de las ideas directrices de nuestro tiempo en la mayor parte de las ciencias humanas. Así, la recolección positivista de datos, tomados de buena fe desde un fundamento empirista y analizados sobre la base de su sustancia material, ha sido sustituida por una aproximación funcional basada en el análisis de relaciones.” 22 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 175 Deste modo, das casas, depois de passadas, também as dores nos dão prazer 25 e, assim, a cicatriz de Milton Hatoum reluz em frente de Homero e Homero acende porque Hatoum nos ensinou a lê-lo de forma tropical e mais brasileira. AA ABSTRACT We will observe one passage of the novel Dois irmãos, de Milton Hatoum, searching for literary memories in Homer’s poem Odyssey. We will focus on the famous scene of the footbath in the middle of book 19 of the epopee and contrast it with the tragic scene from Hatoum’s novel in which Omar attacks his brother Yaqub and makes in him a scar. KEYWORDS Homer, classical reception, Milton Hatoum REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Poética. Trad. Ana Maria Valente. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. BIRMAN, Daniela. Canibalismo literário: exotismo e orientalismo sob a ótica de Milton Hatoum. Alea. Rio de Janeiro, vol. 19, n. 2, 2008, p. 243-255. BIRMAN, Daniela. Irmãos inimigos: duplos em Machado e Hatoum. I Seminário Machado de Assis, 2008, Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.filologia.org.br/ machado_de_assis/Irm%C3%A3os%20inimigos-%20duplos%20em%20Machado%20e %20Hatoum.pdf. Acesso: 28 fev. 2014. BIZONI, Alessandra Moura. A cicatriz do Tatarana: o sagrado feminino em Grande sertão: veredas. Dissertação de mestrado, orientadora Carlinda Fragale Pate Nuñez. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2013. BRIDI, Marlise Vaz; VASCONCELOS, Maria Lúcia Marcondes Carvalho. O professor e seu duplo: uma leitura de Dois irmãos de Milton Hatoum. Todas as Letras R, v. 13, n. 2, 2011, p. 55-61. BURDEN, Ernest. Dicionário ilustrado de arquitetura. Trad. Alexandre Ferreira da Silva Salvaterra. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. CURY, Maria Zilda Ferreira. Fonteiras da memória na ficção de Milton Hatoum. Letras (Santa Maria), Santa Maria, v. 26, 2003, p. 11-19. CRISTO, Maria da Luz Pinheiro de. Relatos de uma cicatriz: a construção dos narradores dos romances Relato de um certo Oriente e Dois irmãos. Tese, orientador Philippe Leon Marie Ghislain Willemart. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2005. HOMERO. Odisseia XV, 339-400: metaV gavr te kaiV a!lgesi tevrpetai a*nhvr, o!" ti" dhV mavla pollaV pavqh/ kaiV povll * e*palhqh/~. 25 176 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 EVEN-ZOHAR, Itamar. Polysystem theory. Poetics today, vol. 1, n. 1/2, Special Issue: Literature, Interpretation, Communication. 1979, p. 287-310. EVEN-ZOHAR, Itamar. Polisistemas de cultura. Tel Aviv: Universidad de Tel Aviv, Laboratório de Investigación de la Cultura, 2007-2011. HEUBECK, Alfred; HOEKSTRA, Arie. A commentary on Homer’s Odyssey. Oxford: Clarendon Press, 1990. HOMER. Odissey. W. B. Stanford (Ed. e comm.). London: St. Martin Press, 1987. IEGELSKI, Francine. Tempo e memória, literatura e história. Alguns apontamentos sobre Lavoura arcaica, de Raduan Nassar, e Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum. Dissertação de mestrado, orientador Mamede Jarouche. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006. ROCHA, João Cezar de Castro. Mimesis: Erich Auerbach em exílio (2). Rascunho gazeta do povo. Disponível em: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/mimesis-erich-auerbachem-exilio-2/. Acesso: 28 fev. 2014. PERADOTTO, John. Man in the middle voice: name and narration in Odyssey. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1990. SOUZA, Mariana Jantsch. Ambivalências do sujeito: figurações do duplo em Dois irmãos, de Milton Hatoum. V Colóquio Internacional Sul de Literatura Comparada: Fazeres Indisciplinados. Porto Alegre, 2012, p. 1-10. Disponível em: <http://wwlivros.com.br/ Vcoloquio/artigos/MarianaJantschdeSouza.pdf>. Acesso: 28 fev. 2014. RIAUDEL, Michel. Quando a ficção se recorda, quando o sentido passa a resistir. Trad. Milton Ohata. Novos Estudos Cebrap n. 84, jul. 2009, p. 251-261. Disponível em: <http:/ /novosestudos.uol.com.br/v1/Pages/view/sobre-a-revista>. Acesso: 28 fev. 2014. RUBIN, Nancy Felson; SALE, William Merritt. Meleager and Odysseus: a structural and cultural study of the Greek hunting-maturation myth. Arethusa, vol. 16, Baltimore, 1983, p. 137-171. RUSSO, Joseph; FERNANDEZ-GALIANO, Manuel; HEUBECK Alfred. A commentary on Homer’s Odyssey, vol. III. Oxford: Clarendon Press, 1992. Recebido em 14 de fevereiro de 2014 Aprovado em 10 de abril de 2014 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 177 SUBJETIVAÇÃO E OLHAR NA ESCRITA DE GEORGES PEREC E MANOEL DE BARROS SUBJECTIFICATION AND LOOKING IN GEORGES PEREC AND MANOEL DE BARROS’S WRITINGS Rodrigo Ielpo* Unicamp / Fapesp Meu Deus, meu Deus! Como tudo é esquisito hoje! E ontem tudo era exatamente como de costume. Será que fui eu que mudei à noite? Deixe-me pensar: eu era a mesma quando me levantei hoje de manhã? Estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco diferente. Mas se eu não sou a mesma, a próxima pergunta é: “Quem é que eu sou?”. Ah, essa é a grande charada!1 RESUMO No livro Penser/classer, Georges Perec nos fala de um olhar oblíquo, olhar que encontramos também no livro Memórias inventadas, de Manoel de Barros. Na poética desses autores, essa “obliquidade” do olhar aponta para um processo de subjetivação que coloca em questão a anterioridade do sujeito face à sua escritura. O objetivo deste artigo é, a partir desse processo, estudar o deslocamento da memória como resgate do passado para o presente de sua própria inscrição. PALAVRAS-CHAVE Georges Perec, Manoel de Barros, subjetivação Em Memórias inventadas, ao falar sobre uma namorada que teve em sua juventude, Manoel de Barros diz que ela “via errado”. Segundo o poeta, ao olhar o mundo dessa maneira “ela despraticava as normas”, o que era ligado ao “seu ver oblíquo”.2 É esse mesmo olhar que o escritor francês Georges Perec menciona durante uma entrevista, aludindo a um “jeito de olhar as coisas um pouco de viés, de maneira oblíqua”, fazendo com “que o olho não olhe o centro, mas ao lado: para ver o mundo aparecer de forma um tanto desviada.”3 e 4 Essa “maneira oblíqua” indica um trabalho do próprio corpo, implicado * [email protected] 1 CARROLL. Alice no País das Maravilhas, p. 26. 2 BARROS. Memórias inventadas, p. 121. 3 PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 328. 4 Todos os textos que se encontram em francês na bibliografia foram traduzidos por mim. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 179 diretamente na construção de uma relação com o mundo. Ao abordar essa questão no livro Penser/classer, Perec discorre sobre a questão do corpo na leitura. No artigo “Ler: esboço sociopsicológico”, o escritor analisa o que seria esse lado “corporal” da leitura: Uma certa arte da leitura – e não somente a leitura de um texto, mas o que chamamos de leitura de um quadro, ou a leitura de uma cidade – poderia consistir em ler de lado, em dirigir ao texto um olhar oblíquo (mas aqui não se trata mais da leitura em seu nível psicológico: como poderíamos ensinar aos músculos a “ler de outra maneira”?)5 “Ler de outra maneira”: trata-se de um movimento do olhar conduzido pela ação muscular que influenciaria nossa percepção do mundo, permitindo ao leitor apreender as imagens de forma diferente, possibilitando que cada novo “ângulo” revele uma outra “face” daquilo que é observado. Pode-se dizer que essa estratégia não privilegia a forma acabada de um objeto, concebendo-o antes como a soma de fragmentos na qual a totalidade atingida jamais cessa de se diferenciar de si mesma. Na escritura de Barros e Perec, é esse olhar que permite tirar as coisas de sua ordem usual, visando à “destruição das convenções da representação e da transformação da representação em outra coisa”, 6 a que alude Perec ao falar do trabalho do fotógrafo Cuchi White. Na base dessa operação, encontra-se o fato de que o mundo, ao invés de passivo diante daquele que o observa, passa então a nos encarar. Esse jogo de olhares aparece, aliás, muito bem descrito na continuação da passagem em que Barros fala de sua namorada: “[f]alou por acréscimo que ela não contemplava as paisagens. Que eram as paisagens que a contemplavam”.7 Podemos pensar aqui no que afirma o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman em relação às imagens. Em seu livro O que vemos, o que nos olha, ele diz que as “coisas visuais não aparecem senão como paradoxos em ato nos quais as coordenadas espaciais se rompem, abrem-se para nós e acabam por se abrir em nós, por nos abrir, incorporando-nos”.8 Apoiados nessa reflexão, podemos acompanhar mais de perto a “escritura visual” desses dois escritores, pensando melhor a relação que ambos estabelecem com as “coisas” do mundo exterior. Numa afirmação retirada de outra entrevista, Perec nos diz que “as coisas nos descrevem. Podemos descrever os seres através dos objetos, através do meio que os cerca e da maneira pela qual eles se deslocam nesse meio”.9 Chegando mesmo a rejeitar qualquer valor às descrições ditas psicológicas, Perec explica que, para ele, para falar do homem seria mais eficaz recorrermos à descrição da materialidade daquilo que nos rodeia, estratégia que parece operar em grande parte de sua poética. Não por acaso, dando ensejo ao lado autobiográfico, presente de forma declarada em sua obra, o autor revela no prefácio do livro Penser/classer: “já há alguns anos que intenciono escrever uma história de alguns objetos que estão sobre minha mesa de trabalho”.10 Transformar 5 PEREC. Penser/classer, p. 113. PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 338. 7 BARROS. Memórias Inventadas, p. 121. 8 DIDI-HUBERMAN. O que vemos, o que nos olha, p. 194. 9 PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 203. 10 PEREC. Penser/classer, p. 22. 6 180 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 os objetos do seu cotidiano nessa escritura-imagem seria uma maneira de falar de si próprio, assumindo uma forma de contaminação entre mundo e sujeito intermediada pela escritura. Essa operação pode ser mais bem compreendida, se pensarmos nesta passagem em que o escritor francês cita o poeta Henri Michaux:11 “ ‘[e]screvo para me percorrer’, e faço desse percurso alguma coisa que se confunde com minha vida”. 12 Em um livro como A vida modo de usar, obra de ficção na qual o autor inscreve a materialidade do cotidiano o mais banal, a figuração daquilo que nos é dado a ver jamais remete a um puro “em si” da coisa, provocando um choque com a reflexão de Émile Benveniste, segundo a qual a ‘3a pessoa’ é a forma do paradigma verbal (ou pronominal) que não remete a uma pessoa já que ela se refere a um objeto colocado fora da alocução. No entanto, ela não pode existir e se caracterizar senão pela oposição à pessoa do Eu do locutor que, ao enunciá-la, a situa como “não pessoa”.13 No caso da escritura perecquiana, assim como na de Barros, o jogo entre olhante e olhado desconstrói a oposição referida acima, pois, como dito há pouco, é a partir da “contaminação” entre esses dois termos – 1a e 3a pessoas – que o sujeito pode inscrever-se no texto, o Eu dando-se a ver na forma de um jogo por via dessa obliquidade do olhar. É esse mesmo raciocínio que podemos observar na última página das Memórias de Barros: “[e]u tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela”.14 No caso de Perec, pode-se notar a quebra dessa oposição no próprio jogo com o uso dos pronomes pessoais, já que o autor chega a escrever um pequeno texto autobiográfico através da vacilação entre a primeira e a terceira pessoa. Em “Lugares de uma fuga”, ele narra o dia em que decide não ir à escola para vender sua coleção de selos no mercado situado nos jardins dos Champs Elysées. Ao longo da narrativa, o leitor é apresentado ao que seria um momento da história pessoal do próprio narrador através da figura de um “ele”. Todavia, ao final da leitura, deparamo-nos com esta passagem, em que a vacilação indicada irrompe: “[q]uando, vinte anos mais tarde, ele tentou se lembrar (quando, vinte anos mais tarde, eu tentei me lembrar), 15 tudo foi em princípio opaco e indeciso”.16 Por fim, essa opacidade das lembranças parece sumir quando finalmente “os detalhes retornam um a um (...).” (idem, ibidem) Entretanto, no momento de expô-los, o que lemos é a seguinte lista, apresentada na forma de um poema: a bola de gude, o banco, o pãozinho; o passeio, o bosque, as pedras; o carrossel, as marionetes; 11 Perec cita um fragmento retirado do livro Face aux verrous, de 1954. PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 305. 13 BENVENISTE. Problemas de linguística geral I, p. 292. 14 BARROS. Memórias Inventadas, p. 187. 15 O grifo é nosso. 16 PEREC. Je suis né, p. 30. 12 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 181 o portão; (...)17 Trata-se da banalidade que o cerca e que vem “esclarecer” essa “opacidade” da memória. São as coisas nomeadas e inventariadas pela escritura que parecem permitir ao sujeito captar-se como exterioridade em meio a pedras e bolas de gude, podendo, assim, inscrever-se como matéria narrada. Em meio a essa dupla exterioridade – os objetos enquanto referências exteriores e sua apresentação via escritura –, essa identidade parece não poder surgir senão como hesitação, o que o texto torna a dramatizar na seguinte passagem: E ele permaneceu tremendo, um longo momento, diante da página branca (e eu permaneci tremendo, um longo momento, diante da página branca).18 Esse paralelismo entre dois pronomes aponta para o deslocamento do sujeito em relação a si, sujeito que, para nomear-se, necessita lançar-se no fora. Na verdade, tratase de um processo de subjetivação que problematiza a noção de presença na medida em que ela só pode ser efetuada por via de uma exterioridade, a saber, a escritura. Michel Collot, ao falar sobre a obra de Francis Ponge, nos oferece uma chave para desenvolvermos essa questão: “[a] viagem na espessura das coisas não é uma excursão pitoresca em um mundo exótico, mas uma exploração de si”.19 Apesar das diferenças entre os trabalhos de Ponge com os de Perec e Barros, em ambos o processo de nomeação da banalidade cotidiana pode ser pensado no âmbito dessa “exploração de si”. No caso de Barros, esse processo parece radicalizar-se na esteira da comunhão que já havíamos indicado, e que reaparece no seguinte fragmento: “[e]u tinha mais comunhão com as coisas do que comparação”. 20 Essa frase dialoga diretamente com outra passagem, retirada do capítulo intitulado “Tempo”: Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o tempo. Nossa data maior era o quando (...). Assim, por exemplo: tem hora que eu sou quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que eu sou quando uma pedra. E sendo uma pedra, eu posso conviver com lagartos e musgos.21 Nessa operação que coloca a comparação do como em segundo plano, o sujeito não para de modificar-se pela contaminação do outro, em um processo que Maurice Blanchot indica sob o nome de “intrusão”: “[o] ‘ele’ narrativo, esteja ele ausente ou presente, afirme-se ou esconda-se, altere ou não as convenções da escritura, (...) marca assim a intrusão do outro – entendido como neutro – em sua estratégia irredutível, em 17 PEREC. Je suis né, p. 31. PEREC. Je suis né, p. 31. 19 COLLOT. Francis Ponge: entre les mots et les choses, p. 192. 20 BARROS. Memórias inventadas, p. 187. 21 BARROS. Memórias inventadas, p. 133. 18 182 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 sua perversidade retorcida. O outro fala”.22 O que se vê é um Eu sob a forma de um encontro entre o sujeito e o mundo que o cerca, hipótese corroborada por esses versos, retirados do Livro das ignorãças: “[q]uando o rio está começando um peixe, / Ele me coisa / Ele me rã / Ele me árvore”.23 O uso pouco usual do pronome reflexivo marca bem essa dimensão de um devir constante daquele que “inscreve”, apontando o movimento desse sujeito que só pode existir nessa junção com o mundo que o rodeia, nessa composição mútua a que dá forma a escritura e que o permite dizer: “[a]li me anonimei de árvore”.24 Dessa forma, tanto em Perec quanto em Barros, essa passagem do Je (Eu) ao Jeu (jogo) – para usar um recurso que a língua francesa possibilita – só pode realizar-se de fato por meio da escritura, colocando uma vez mais a noção de presença em questão. Como nos diz Agamben em seu artigo “O autor como gesto”: “[u]ma subjetividade produz-se onde o ser vivo, ao encontrar a linguagem e pondo-se nela em jogo sem reservas, exibe em um gesto a própria irredutibilidade a ela”.25 Aproximando-nos, então, cada vez mais do que seria uma economia do traço, pode-se dizer, como o fazem Siscar e Santos em reflexão sobre Derrida, que “o texto de um autor, se não deve ser desgarrado daquilo que ele viveu, do vivido, esse vivido não pode jamais ser visto a partir de um sentido de presença originária, como se fosse possível recuperá-la e sistematizá-la em uma relação vida-obra”.26 É por esse viés que devemos analisar uma das estrofes do poema “Alfabeto para Stämpfli”, na qual Perec encena as relações entre narrativa e traçamento: Pois a narrativa apagada deixou aqui seu traço: esse mapa talhado, o céu calmo, a escama, a carapaça, o ato tátil: o espaço, despedaçado e precário, meiodestruído, meio perspectivo, cortado, esquartejado, entregue à sorte. É isso o clarão, a ressaca, o pacto implícito em face desses espectros secretos? O papel liso reclama esses afastamentos eficazes, elipses, eclipses, escalas, essa presteza, esse material ao mesmo tempo expandido e comprimido, esse furo estrito.27 A “narrativa apagada” – o vivido – inscreve “seu traço” na folha, nesse jogo contínuo do alfabeto através de “elipses, eclipses e escalas” que funda “esse material ao mesmo tempo expandido e comprimido” que é a escritura. O traço, marca daquilo que não existe, pois manifestação de um desaparecimento, parece remeter à materialidade 22 BLANCHOT. L’entretien infini, p. 564. BARROS. Poesia completa, p. 315. 24 BARROS. Poesia completa, p. 323. 25 AGAMBEN. O autor como gesto. Profanações, p. 63. 26 SISCAR & SANTOS. A circunavigação autobiográfica. Literatura e representações do eu: impressões autobiográficas, p. 96. 27 PEREC. Beaux présents, belles absents, p. 80. 23 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 183 do escrito que “o papel liso reclama”, aproximando-nos do seguinte comentário feito pelo filósofo Walter Benjamin: “[a]quilo que sabemos que, em breve, já não teremos diante de nós torna-se imagem”. 28 Se, como nos diz o narrador de W ou a memória de infância, “as lembranças são pedaços de vida arrancados ao vazio (...)”, 29 elas não podem encontrar plena materialização senão na escrita. Sendo assim, a própria memória acaba por deslocar-se de um passado para sempre fixado para o interior do próprio traço, pois se para Perec as coisas só existem depois de memorizadas, como ele nos explica, memorizado “quer dizer não na minha memória, mas no interior de um traço”.30 Aquilo que é memorizado passa, então, a modificar a própria percepção do passado, pois, sob a forma do traço, o que é, digamos, conservado, não pode mais existir fora da dinâmica à qual o submete o jogo da escritura. Não estamos distantes do que diz Derrida ao sustentar que o traço não remete “menos ao que chamamos futuro que àquilo a que chamamos passado, e constituindo o que chamamos de presente através da própria relação com aquilo que ele não é (...)”.31 Esse “traço” coloca em questão a memória como acesso a uma anterioridade plenamente definida, na qual o Eu se reconheceria plenamente. Ou seja, o traço surge ao mesmo tempo como marca do passado e abertura para o devir, operando sobre uma temporalização complexa em que o próprio passado nunca cessa de ser reatualizado. Retornando a Barros, ainda que a figura do desaparecimento não pareça ocupar lugar de destaque em suas memórias, percebemos um mesmo deslocamento das lembranças como originadas em um tempo passado para o presente de sua inscrição, abrindo-as assim tanto como referência ao que foi quanto ao que virá a ser, esfumaçando as hierarquias usuais entre escritor e escritura. No capítulo “Fontes”, ao falar dos “personagens que me ajudaram a criar essas memórias”,32 o poeta afirma que, além dos passarinhos e dos andarilhos, “outro parceiro de sempre foi a criança que me escreve”.33 Problematizando a lógica autobiográfica, a criança que o narrador foi não opera a partir de um passado concluído, aguardando que o adulto que escreve a resgate. Porém, acompanhando o desenvolvimento dessa questão, notaremos que o movimento aludido não remete tão pouco ao jogo de força de um inconsciente estruturado pelos recalques infantis, atualizando-se, na vida adulta, por meio da escritura do poeta. Isso pode ser percebido pelo capítulo seguinte. Neste, o narrador começa afirmando: “[i]nventei um garoto levado da breca para me ser”,34 para logo depois finalizar com a passagem abaixo: Porém o menino levado da breca ao fim me falou Que ele não fora inventado por esse cara poeta Porque fui eu que inventei ele.35 28 BENJAMIN. Obras escolhidas I: magia e técnica; arte e política, p. 85. PEREC. W ou le souvenir d’enfance, p. 98. 30 PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 236-237. 31 DERRIDA. Marges de la philosophie, p. 13. 32 BARROS. Memórias inventadas, p. 147. 33 BARROS. Memórias inventadas, p. 147. 34 BARROS. Memórias inventadas, p. 151. 35 BARROS. Memórias inventadas, p. 151. 29 184 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 O último verso, deslizando a voz do poeta para o interior da do próprio menino, entrelaçando-as numa indefinição entre Eu e Ele, cria um efeito de indecidibilidade que não nos permite saber quem inventou e quem foi inventado, nada restando para além desse emaranhado-escritura, remetendo-nos, então, a esta outra passagem: “[e]u lisonjeio as palavras. E elas até me inventam”.36 Através dessa operação, Barros inviabiliza um pensamento fundado na oposição presença/ausência, aproximando-se assim da dinâmica do traço tal qual definido por Derrida: “o traço não sendo uma presença, mas o simulacro de uma presença que se desloca, se movimenta, se adia, não tem propriamente lugar, o apagamento fazendo parte de sua estrutura”.37 Essa é a economia que permite a ambos os escritores recolocarem os signos em jogo, “desregulando” a fixidez das identidades que, submetidas à escritura, não cessam de diferir, apontando para o que Barros classifica em seu livro como o “dom de ser poesia” que têm aqueles que ganham o “desnome”.38 O desnome não é a ausência do nome, mas seu perpétuo redefinir, sua abertura para todos os nomes em um [des]fazer contínuo da fixidez do nome próprio. Na escritura de Perec, esse aspecto faz com que a ausência cesse de remeter exclusivamente a uma origem perdida, possibilitando ao narrador de W ou a memória de infância escrever um romance autobiográfico no qual uma das primeiras afirmações é: “[n]ão tenho lembranças de infância”. 39 A solução está em deixar-se abrir pelo devir como a própria condição do traço, melhor dizendo, das imagens-traço [in]formadas pela escritura por meio desse processo de nomeação oriundo do olhar oblíquo. Segundo o próprio escritor, “[n]ossa relação com o mundo exterior consiste – como por uma criança – em aprender o nome de tal coisa. Na verdade, essa acumulação das palavras não é tanto para tentar ver o fim, mas para ver a partir de quando pode nascer a vertigem nessa atividade”.40 A “vertigem” é o que garante a efetividade desse processo de um sujeito que nomeia o mundo como possibilidade de nomear-se a si próprio nessa transmutação “de ser poesia”. Como podemos ler no capítulo “Aula” das Memórias de Barros, a pedagogia consiste nisto: “[d]esfazer o normal há de ser uma norma” 41 para que se possa restabelecer o jogo de significações nesse mecanismo através do qual o sujeito não cessa de se reinventar. Na obra desses escritores, a “obliquidade” do olhar aparece como parte integrante do processo de nomeação da exterioridade circundante, apontando para essa contaminação entre homens e coisas que se revela sob a forma de uma imagem-escritura. Esta surge assim como uma espécie de encontro a partir do qual o sujeito escreve seu texto ao mesmo tempo em que é “inscrito” por ele, sem que se possa decidir o ponto de origem ou de chegada desse processo. Nessa operação de subjetivação, as identidades estão em constante movimento, permitindo-nos um diálogo com Stuart Hall. Para o 36 BARROS. Memórias inventadas, p. 155. DERRIDA. Marges de la philosophie, p. 25. 38 BARROS. Memórias inventadas, p. 35. 39 PEREC. W ou le souvenir d’enfance, p. 18. 40 PEREC. Entretiens et conférences, v.2, p. 78. 41 BARROS. Memórias inventadas, p. 113. 37 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 185 crítico, trata-se de uma dinâmica típica da contemporaneidade, em que, “apesar de seus melhores esforços, o/a falante individual não pode, nunca, fixar o significado de uma forma final, incluindo o significado de sua identidade”.42 Em “Les gnocchis de l’automne ou réponse à quelques questions me concernant”, Perec faz a si próprio essa pergunta: “[c]omo fazer, uma vez mais, para escapar a esse jogo de espelhos no interior dos quais um ‘autorretrato’ seria apenas o reflexo de uma consciência bastante podada, de um saber bem educado, de uma escritura dócil?” 43 Seu questionamento permite uma abordagem positiva do comentário de Hall, pois a tentativa de resposta dada por Perec em alguns de seus textos constitui uma literatura em que todo autorretrato é fruto desse olhar oblíquo em que o sujeito não cessa de diferir, jamais deixando-se apreender em uma imagem final. Paradigmática desse processo é a tela pintada pelo personagem Valène, descrita pelo narrador de A vida modo de usar: Estaria de pé, ao lado de seu quadro quase terminado, e estaria no ato de pintar a si mesmo, esboçando com a ponta do pincel a silhueta minúscula de um pintor (...) no ato de pintar a figurinha íntima de um pintor, no ato de pintar, ainda uma vez, uma dessas imagens em abismo que gostaria de continuar até o infinito (...).44 E na continuação dessa passagem, logo após sermos direcionados para “a figurinha íntima do pintor”, somos expostos de maneira abrupta a uma explosão de objetos do seu cotidiano na forma de uma lista infindável, compondo assim esse autorretrato em que a imagem do sujeito não cessa de errar na forma de uma mise en abyme radical no meio das coisas. Mas para ambos os autores essa impossibilidade de uma forma última parece ser antes uma qualidade – derivada do “olhar oblíquo” –, pois, como Barros afirma em um poema intitulado “Autorretrato falado”, “[m]e procurei a vida inteira e não me achei – pelo / que fui salvo”.45 A escritura passa a ser esse dispositivo que garante uma espécie de errância através da qual o escritor se inscreve como devir. Segundo Agamben, o sujeito é “o que resulta da relação e, por assim dizer, do corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos”.46 Considerando a linguagem como sendo talvez o mais antigo desses dispositivos, suas reflexões nos ajudam a pensar a poética de Barros e Perec como um processo constante de experimentação em que a identidade só pode ser constituída na medida em que aponte para sua possibilidade de dissolução, remodelando-se no jogo com a literatura. AA 42 HALL. A identidade cultural na pós-modernidade, p. 41. PEREC. Je suis né, p. 69. 44 PEREC. A vida modo de usar, p. 278. 45 BARROS. Poesia completa, p. 324. 46 AGAMBEN. O que é um dispositivo?. O que é o contemporâneo? e outros ensaios, p. 41. 43 186 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ABSTRACT In the book Penser/classer Georges Perec talks about an oblique look that we also find in Memórias inventadas, by Manoel de Barros. This way of looking at something describes a process of subjectivation that puts into question the anteriority of the subject in relation to his own writing. This work intends to analyse this displacement in the poetics of these authors. KEYWORDS George Perec, Manoel de Barros, subjectivation REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. Profanações. Trad. Selvino José Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 55-63. AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo?. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko. Santa Catarina: Argos, 2009, p. 25-51. BARROS, Manoel de. Memórias inventadas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo. Leya, 2010. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica; arte e política. Trad. Sergio Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1996. Paulo BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. Trad. Maria da Glória Novak e Maria Luiza Neri. Campinas: Pontes, 4. ed., 1995. BLANCHOT, Maurice. L’entretien infini. Paris: Gallimard, 1969. CARROL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Rosaura Eichenberg. Porto Alegre: L&PM, 2009. COLLOT, Michel. Francis Ponge: entre les mots et les choses. Champ Vallon, 1991. DERRIDA, Jacques. Grammatologia. Paris: Galilée, 1998. DERRIDA, Jacques. Marges de la philosophie. Paris: Les Éditions de Minuit, 1972. DERRIDA, Jacques. Posições. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. DERRIDA, Jacques. L’écriture et la différence. Paris: Éditions du Seuil, 1967. DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. PEREC, Georges. W ou le souvenir d’enfance. Paris: Danoël, 1975. PEREC, Georges. A vida modo de usar. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. PEREC, Georges. Entretiens et conférences I et II. Paris: Joseph K., 2003. PEREC, Georges. Penser/classer. Paris: Hachette, 2003. PEREC, Georges. Je suis né. Paris: Seuil, coll. Librairie du XX e siècle, 1990. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 187 PEREC, Georges. Beaux présents, belles absents. Paris: Seuil, 1994. PEREC, Georges. Aproximações do quê? Alea: estudos neolatinos. Trad. Rodrigo Silva Ielpo. Rio de Janeiro: 7 Letras, v. 12, n. 1, 2010, p. 177-180. SISCAR, M. A.; SANTOS, M. C. M. A circunavigação autobiográfica. In: NIGRO, C.; AMORIM, O.; BUSATO, S. (Orgs.). Literatura e representações do eu: impressões autobiográficas. São Paulo: Editora Unesp, 2010, p. 89-103. Recebido em 8 de fevereiro de 2014 Aprovado em 11 de fevereiro de 2014 188 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 MINÚSCULAS REPÚBLICAS EM TERRA FRIA DE FERREIRA DE CASTRO TINY REPUBLICS IN FERREIRA DE CASTRO ’S TERRA FRIA Iza Gonçalves Quelhas* Universidade do Estado do Rio de Janeiro RESUMO Este artigo propõe uma leitura do romance Terra fria (1934), de Ferreira de Castro, autor de nacionalidade portuguesa, a partir da concepção de cronotopo de Mikhail Bakhtin, com relevo para os múltiplos significados do signo fronteira que incorpora ao romance valores éticos e estéticos. PALAVRAS-CHAVE Terra fria, Ferreira de Castro, cronotopo, Mikhail Bakhtin A civilização ia longe, parece ter sido criada apenas para uma minoria, enquanto a miséria fustiga... (palavras de Ferreira de Castro, em Pórtico, Terra fria) Este trabalho propõe analisar o cronotopo da crise ou da mudança, em sua configuração romanesca, o que aciona o cronotopo de fronteira, tanto nas relações interpessoais, quanto nas relações espaciais. Não se propõe aqui a noção de fronteira como lugar de fluidez e de trânsito somente, o que sustenta os estudos teóricos pósmodernos, por exemplo. Neste artigo, fronteira enfatiza uma concepção de sujeito em sua íntima relação com o espaço e o tempo indissociáveis; portanto, trata-se de um sujeito da percepção e da compreensão ao considerar o outro como constitutivo de sua própria identidade e de seu corpo. Ferreira de Castro (1898-1974) é um autor pouco lembrado, mas significativo para a compreensão das relações literárias entre Portugal e Brasil. O seu talento e a sua atenção à situação social aproximam-no dos escritores da geração de trinta, no Brasil, mas sua literatura de brilho próprio clama por um reconhecimento mais expressivo e uma leitura mais atenta que dissemine outras leituras. Castro iniciou sua produção literária em terras brasileiras, o que já seria uma singularidade nas relações literárias * [email protected] 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 189 entre esses países. Seus textos traduzem uma lúcida e vibrante atualidade, linguagem, temas e assuntos – a condição humana e os movimentos migratórios – que se tornaram recorrentes até hoje, nas primeiras décadas do século XXI. Aos doze anos de idade, Ferreira de Castro viaja para o Brasil, com escassa escolaridade e muita necessidade de sobreviver, aprendizado que iniciara desde a morte do pai, em Portugal, quando contava apenas oito anos. No Brasil, viveu e trabalhou em seringais na região amazônica, ainda muito jovem. Gradualmente, iniciou seu compromisso com a escrita, publicando artigos em jornais e revistas que apontam interesses variados e evidenciam seu posicionamento político a respeito de literatura e de política, assim como o que afetava tanto Portugal quanto o Brasil, principalmente em sua dimensão social, nas primeiras décadas do século XX. Retornou a Portugal, em 1919, passou a viver com escassos recursos materiais, sem abandonar a literatura. Em 1928, publicou Emigrantes; em 1930, A selva, dois romances que unem talvez por suas inter-relações a vida e a potência da criação. Ferreira de Castro sofreu as limitações materiais e políticas no contexto político da escrita literária, problematizando o vínculo com um Realismo que não era mais o dezenovista na literatura do século XX. No entanto, a sua literatura, quando em contato com o leitor, exerce um fascínio multifacetado, tantas são as qualidades com as quais nos deparamos: uma linguagem límpida e trabalhada, sem afetações, eleições temáticas contemporâneas, personagens que aproximam criaturas de papel a seres de carne e osso, tal a rede de identificações que se estabelece. O tratamento dado à paisagem, exaustivamente descrita em seus romances, pode revelar uma atenção privilegiada às questões que ligam a ética ao uso da terra, tentando revelar outros aspectos da palavra ecologia que, nos dias atuais, é usada em variados contextos. No romance Terra fria, publicado pela primeira vez em 1934, Ferreira de Castro aprofunda a compreensão da condição humana, elege um espaço rural, quase remoto, elabora um retrato realista das condições de vida e da própria existência “mirrada” de homens e mulheres que habitam a região montanhosa de Padornelos, em recônditas terras. Na década de trinta, no século XX, em termos de relevância histórica, Portugal viveu um período de isolamento progressivo não apenas em relação aos demais países europeus, mas em relação a suas províncias e regiões. Esse período fez convergir o legado trágico da Primeira Guerra Mundial e os prenúncios da Segunda Guerra, num ambiente social definido pelo empobrecimento de populações inteiras cada vez mais transformadas em reféns no contexto mundial, como ocorreu em 1929, com a crise desencadeada pela quebra da bolsa de valores de Nova York, nos EUA, aprofundando diferenças sociais em países e continentes. Ferreira de Castro atuou entre os opositores ao regime salazarista; sua obra literária confere atenção especial aos personagens que vivem em situação de pobreza extrema, sujeitos anônimos e sobreviventes em lugares distantes, alheios e esquecidos do resto do mundo, desconhecedores de qualquer forma de justiça, a não ser a exercida pela autoridade policialesca local. Em suas palavras, no Pórtico,1 o autor afirma desconhecer 1 190 CASTRO. Terra fria [s/p.]. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 “quando nasceu no meu espírito este amor pelos povos minúsculos, pelas repúblicas em miniatura, por todos os que vivem isolados no planeta”. Ao referir-se ao “planeta”, mobiliza um senso cósmico e de valores não contidos numa determinada nacionalidade ou por ela monopolizados. Ferreira de Castro destaca uma implicação mútua do humano e da literatura com as coisas do mundo, com a natureza e com o uso dos recursos naturais, com as transformações decorrentes do uso do solo, do aumento da ambição desmedida. Não há reducionismo da paisagem humana, social e física na sua literatura, muito menos ocorre um processo mimético espelhar; o autor, em longos trechos narrativos e descritivos, faz com que os desdobramentos ocorram como transformações incessantes, sendo a mudança parte do presente que esta a se mover. O romancista comenta: Nos pequenos povos, nas minúsculas repúblicas, nas regiões onde existem ainda princípios feudalistas ou aonde não chegou ainda, totalmente, o poder da civilização, o fenômeno apresenta, em certos sectores, características mui diferentes da psicologia dos insulares, qualquer que seja a sua nacionalidade ou latitude. (...) Nem eu sei quando nasceu no meu espírito este amor pelos povos minúsculos, pelas repúblicas em miniatura, por todos os que vivem isolados no planeta. (...) Às vezes, ao observar essa demorada metamorfose, parece-nos surpreender nela algo da personalidade remota de todos nós, como se antiquíssima reminiscência faiscasse, de súbito, em sombrio recanto do nosso espírito. Dirse-á que encontramos, nesses homens, farrapos da nossa vida de outrora, farrapos que foram abandonados ao longo da intérmina jornada, de geração para geração, de século para século, porque todos nós, um dia, teríamos sido assim. E surge, então, como que um sentimento de pretérita fraternidade, que se projeta no presente, abrindo-se em compreensão e amor.2 Se as palavras escritas no Pórtico assinalam um projeto e um fazer literário comprometido com as relações sociais e a condição humana, o romance reúne elementos figurativos que remetem à representação de uma paisagem física, região montanhosa, e uma paisagem humana, a de homens e mulheres que vivem isolados numa pequena aldeia. Em termos composicionais, no romance Terra fria, tem-se uma instância narrativa em terceira pessoa, heterodiegética, marcada pela afinidade com a consciência do personagem protagonista, Leonardo. A trajetória dessa personagem coloca em primeiro plano as relações com outras personagens, apesar da representação do grupo de moradores na aldeia ser marcada pelo isolamento mútuo, pelo silêncio imposto pelas condições sociais e pela falta de expectativas. Dessa forma, os encontros e a fronteira, assim como o cronotopos da mudança e da crise exercem uma função orientadora do percurso desta leitura, isto é, uma direção bakhtiniana. Para Mikhail Bakhtin, “tudo, neste universo, é espaço-temporal, tudo é cronotopo autêntico”.3 Acrescenta Bakhtin, espaço e tempo são indissociáveis. Em termos de oposição entre o local e o cosmopolita, considera-se, na perspectiva bakhtiniana, que o local (...) deixou de ser uma parte da natureza abstrata, uma parte de um mundo indeterminado, descontínuo e arredondado apenas simbolicamente, e porque o acontecimento deixou 2 3 CASTRO [s/p., grifos nossos]. BAKHTIN, p. 263. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 191 de ser o fragmento de um tempo indeterminado, reversível e completo apenas simbolicamente. O local tornou-se parte irremovível (geográfica e historicamente determinada) do mundo, de um mundo concreto, real, visível, e parte da história humana; o acontecimento tornou-se um componente essencial e irremovível do tempo dessa história determinada do homem, que se realiza neste mundo, e somente neste mundo humano, geograficamente determinado. (...)4 Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal, numa determinada parte, concentrase na obra de Goethe, mas sua teorização alcança outros autores e obras, em momentos literários distintos. O termo cronotopo, conhecido pelos estudiosos da obra e da teoria do romance proposta pelo filósofo, foi adaptado da teoria da relatividade de Einstein, designando a relação de interdependência entre as categorias de tempo e espaço no texto romanesco. O cronotopo “possibilita a leitura do tempo no próprio discurso”, sendo, no romance, o “centro organizador dos principais acontecimentos temáticos e o princípio determinante do gênero”.5 Ao ler a obra Terra fria, pode-se observar o quanto são significativas imagens ou figurações em torno da fronteira, o que, por sua vez, abala a ideia de qualquer unicidade nacional,6 ao evidenciar a relevância do romance para a atualidade e questionar os limites do local e do global, do regional e do nacional, entre outros. No romance Terra fria, a ética e a estética atuam como “forças reais” que movem ações, gestos e escolhas, ao inserir tais forças na existência cotidiana. Em termos de realização estética, ao considerarmos o romance como narrativa e o texto como discurso literário, privilegia-se a inseparabilidade entre a vida do autor e sua atividade de escrita. Como diz Maingueneau: “O contexto não é colocado no exterior da obra, numa série de camadas sucessivas; o texto é na verdade a própria gestão de seu contexto”. Não separem a “vida do autor do estatuto do escritor, que não pensem a subjetividade criadora independentemente de sua atividade de escrita”. 7 No texto romanesco, a descrição ocupa um lugar destacado, como ocorre desde o início com a apresentação de Leonardo, carregado de peles de animais, em íntimo estado de revolta com a exploração do contrabando na região. Sobre a montada, subindo, devagar, a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas fiscais lhes exigiam, quer andando na calada da noite, a fazer contrabando de peles. (...) Vestiam os seus trinta e quatros anos feitos e vividos sempre ali, entre a agressividade dos elementos, um casado e colete velhos, enodoados, e camisa sem gravata. O rosto mostrava faces crestadas, lábios grossos, e os olhos pestanudos quase se ocultavam sob o boné de pala, que descia até meia-testa. Nos ombros, luzia manta cromática, das que se fabricavam em Barroso, e de um lado e outro do bucéfalo dançavam, ao sabor da marcha, as peles compradas nesse dia. Tinham as extremidades endurecidas e do centro, ainda viscoso, exalavam cheiro nauseante.8 4 BAKHTIN, p. 271. MACHADO,“A teoria do romance: a análise estético-cultural de M. Bakhtin”, p. 309-310. 6 BARBERENA. “Os estudos literários e os trânsitos pós-coloniais: algumas considerações sobre nação, periferia, fronteira, hibridismo”, p. 28. 7 MAINGUENEAU. Discurso literário, p. 45. 8 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 21-22. 5 192 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 É na direção do pensar, como fluxo dos sentimentos que orientam o personagem, que as páginas iniciais do romance se abrem aos leitores. Temos um protagonista subjugado por condições de vida adversas e pela falta de oportunidades, que se torna um personagem referência, uma síntese do homem empobrecido e subjugado, ainda com desejo de lutar e vencer. Habitante da aldeia, Leonardo diferencia-se em relação a Santiago, outro personagem importante para a narrativa, chamado “americano” pelo povo local. Santiago é o único que se destaca pela fortuna que trouxe de terras distantes, o que o posiciona de modo diferenciado como um emigrante bem-sucedido, invejado por todos ao redor. Os personagens ocupam posições antagônicas no enredo, no entanto, ambos assumemse como seres da estrada, nesta leitura realizada a partir do cronotopo de M. Bakhtin. No romance, Leonardo acredita que poderá enriquecer pelo contrabando de peles. Casado com Ermelinda, o protagonista negligencia a atenção afetiva, direcionando suas ações para conseguir melhores condições de vida. Torna-se, gradualmente, vítima da própria ambição, o que o levará, ao final da narrativa, a repetir a sua própria história ao pretender recomeçar a busca pela fortuna, como se perseguisse uma miragem na estrada. Ermelinda, enquanto trabalha como empregada na casa de Santiago, encanta-se pelo patrão visto como um “americano”, dele engravida e, ao sentir que será trocada por outra mulher, mais jovem, transtornada pelo ciúme e pela revolta, assassina Santiago. Para Leonardo, Ermelinda alega que cometeu o crime para não sucumbir ao assédio de Santiago. Essa falsa justificativa alimenta, em Leonardo, o gesto de assumir a culpa pelo assassinato, pois Ermelinda precisava cuidar do filho, Gervasinho, ainda pequeno e dependente. O desfecho da história de Ermelinda e Leonardo e de Ermelinda e Santiago parece conter-se nos elementos que sustentam as imagens espaciais; enquanto a animalização os iguala – lobos ou outros bichos, num eco do Naturalismo dezenovista. Em termos descritivos, destaca-se o trecho: Padornelos estava perto, mas mal se divisava. Os seus casebres de pedra, escurecida pelo tempo, e cobertos de colmo, dir-se-ia fruírem poder mimético, confundindo-se, apagandose na encosta pardacenta. Se não fosse a moradia do ‘americano’, erguida, com sua fachada branca e telhado vermelho, um pouco arriba do aglomerado lugarenho, a quem viesse de longe tudo pareceria terra, não habitada por homens, mas por lobos ou outros bichos que gostassem de abruptas solidões.9 O cronotopo da casa é superado pela uma moradia de lobos, o que contribui para a compreensão do personagem Leonardo que aparece, logo no início da narrativa, com as peles de animais que exalam cheiro nauseante, numa prolepse da morte. Além da descrição da aldeia e de seus habitantes, o narrador privilegia a passagem do tempo, das estações. Num trecho seguinte, o espaço da aldeia é descrito no inverno, unindo espaço e tempo: Padornelos, de sorte igual a de outras aldeolas barrosas, parecia, no inverno, uma grande pocilga. Tudo se apresentava negrusco, sujo, enlameado. Nem telha a sorrir, nem pincelada 9 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 23. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 193 de cal, nem planta ou janela florida. Terra para raiz só mais abaixo, nas margens do rio. Ali, os casinhotos, sem quintal, plantavam-se uns junto dos outros, esburacados, velhos de séculos, só conhecendo renovação na palha que os cobria. Eram formados por lascas de xisto e de granito, escurecidas pelos anos e arrancadas, outrora, à montanha. Por vezes, via-se que o construtor remoto, não querendo ir mais além no seu esforço, aproveitara corte natural no fraguedo, encostara-lhe três paredes e, assim, abrigados pela rocha fria, ressumando umidade, abrira o ciclo familiar.10 A reiterada presença da lama, fora e dentro das casas, é uma imagem forte que funciona como um temerário suporte sobre o qual vivem os habitantes da aldeia. A casa onde vivem Leonardo e Ermelinda não destoa do restante solo enlameado, descrita pela “parede negra, de pedra solta”, que “subia do charco, negro também, até o primeiro andar”. A luz interior é obscura, tem-se mais uma vez a marca do Naturalismo, na passagem que descreve “uma vaca sobre palha apodrecida e de ácidas emanações”.11 Leonardo sobe cinco “lajes” que “serviam de degraus para o pardieiro em que ele vivia”; o ambiente onde vive é “pouco mais iluminado do que a cortelha que lhe ficava por baixo”. Com duas pequenas janelas, nas quatro paredes cobertas de fuligem no tempo, o narrador registra: “Também ali, como nas outras casas, os olhos não tinham muito que ver”. 12 Num lugar tão frio e inóspito, o fogo ocupa um lugar central – “só a lareira possuía vida; o resto dir-se-ia morto”.13 No ambiente lúgubre, apenas um lugar para dormir e cozinhar, Ermelinda prepara o alimento. O seu rosto é descrito pela primeira vez na narrativa, aparece, como prenúncio do que irá acontecer mais adiante, iluminado pelo fogo: “Ermelinda, que, de gadanho em punho, ia tirando da panela, levemente, a espuma mais negra, voltou-se, surpreendida para ele. O fogo enrubescia-lhe o rosto ovalado e branco, de beleza campestre, descuidada, e touca de espessos cabelos negros, que tesoura não se usava ainda ali em cabeça de mulher”.14 O cronotopo da casa ocupa lugar privilegiado no romance, funcionando como um elo metonímico – a casa, a aldeia, a região, o país –, marcado pela relação contígua entre o personagem e o espaço, entre o humano e suas ações, as condições hostis da região e a falta de projetos individual, social e político. Padornelos é assim apresentado como uma “grande pocilga”, lugar úmido, com solo de lama que invade as casas. Ao final do romance, a aldeia de origem é contrastada com o lugar onde passara a viver Leonardo, após separar-se de Ermelinda, descobertas as mentiras e traições. Transcorrido algum tempo, casou com Rosália, filha do homem que o abrigara na Galiza, “dentro de Portugal”, o que chama a nossa atenção pela dimensão contestatória do espaço considerado dentro e fora. Na Galiza, lugar de refúgio, Leonardo encontrou, no cronotopo de outra casa, certa alegria, mas o lugar é remoto e ignorado, tanto quanto 10 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 25. CASTRO. Terra fria, 1953, p. 28. 12 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 29. 13 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 29. 14 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 30. 11 194 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Padornelos: “Ali na terra ignorada do mundo, na terra sem história, que principiava na Galiza e vinha terminar, alheia a fronteiras e a idiomas, dentro de Portugal”.15 Deixou para trás inclusive o suposto filho, a quem dizia amar tanto, Gervasinho, que não voltou a ser mencionado no romance, como se ocultado também da história que dele não se quer ocupar. O dr. Moreira deixou prolongar o silêncio que se fizera. Olhou para um e outro: ela, a chorar, baixinho; ele, de olhos postos sobre a secretária, carrancudo. – Olha lá! Mas tu gostavas muito do pequeno. A tua mulher disse-me que até vieste da Espanha, uma noite só para o ver... – É que eu não sabia... Embezerrado no amor-próprio, ficou-se. – O quê? O administrador teve de insistir: – Que é que não sabias? Respondeu como se arrancasse uma víscera. – Eu pensava que ele era meu... – E depois? – Depois... não era.16 A descoberta da não paternidade biológica é decisiva para que Leonardo retome a experiência da viagem, os cronotopos de estrada e da ampliação de fronteiras. O tempo imprime dimensão histórica e Leonardo precisa partir. O movimento de ir e vir marca a distância vivenciada pelo protagonista, que, ao assumir a culpa pelo assassinato de Santiago, foge e transita da aldeia (Padornelos) para a região da Galiza, pois não abria mão de visitar a mulher e o filho, quando ainda julgava que era seu. Para a leitura do romance é importante mencionar o estudo de M. Bakhtin, no qual se destacam alguns cronotopos de importância significativa para o desdobramento do enredo. No caso de Terra fria, pode-se afirmar que o cronotopo da estrada, que marca a trajetória de Leonardo e outras personagens, é revigorado a cada desdobramento do enredo; é decisiva para o romance a configuração do cronotopo do encontro, como acontece no episódio em que Leonardo sabe da traição da mulher ao encontrar um parente: “– E você não fala, mulher? Tia Domingas murmurejou: – Toda a gente pensa que tu sabes... Mas, então, tu não sabias?! – Eu?!”.17 A conversa é marcada por silêncio e também por importantes revelações: enfim Leonardo descobre o que acontecera, o que o enfurece a ponto de retornar a Padornelos e não a fugir da aldeia, como seria o previsível para quem assumiu a autoria de um crime que não cometeu, tornando-se um foragido. O encontro acionou o movimento da história, fez com que a personagem saísse do cronotopo do limiar para assumir o tempo e espaço da estrada. Em vários momentos da narrativa, o estar na estrada possibilita o encontro, e, a cada encontro, o destino de Leonardo assume uma perspectiva definitiva, sem que possa voltar atrás e refazer o caminho. A potência do encontro, portanto, predomina sobre o 15 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 299. CASTRO. Terra fria, 1953, p. 284. 17 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 249. 16 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 195 cronotopo da estrada; a força da revelação a partir do outro, que o constitui, dá relevância à intersubjetividade. É nesse sentido que o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, de sua visão e de sua memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência se o outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem exterior pela primeira vez num novo plano da existência.18 As palavras de Bakhtin indicam a força constituinte das relações interpessoais. No capítulo “O autor e o herói”, conceitua a percepção das “fronteiras exteriores que configuram o homem”, registra a “relação com o homem exterior e com o mundo exterior que engloba e circunscreve o homem no mundo”.19 Cada homem situar-se-ia na fronteira do horizonte de sua própria visão e “o mundo visível estende-se a minha frente”. 20 Mesmo que olhe ao redor, em todas as direções, o sujeito não vê a si mesmo nesse espaço, vê o outro. Bakhtin dedica-se a esmiuçar o “traçado das fronteiras do corpo”,21 destaca a diferença entre aquele que é o sujeito da percepção, cuja “vivência engloba qualquer fronteira”, pois não basta circunscrever a si mesmo e o outro. O outro aparece “intimamente ligado ao mundo”, o eu-sujeito é “ligado a minha atividade interna, minha subjetividade, que se opõe ao mundo exterior”; só ao outro eu “posso abraçar, beijar e só dele posso captar amorosamente todas as fronteiras: o finito frágil do outro, seu acabamento, sua existência – aqui-e-agora são internamente perceptíveis para mim e parecem assumir a forma do meu abraço (...)”.22 Leonardo e Santiago, personagens que se tornam antagônicos na trama romanesca, ambos os personagens considerados pelo valor de sua relação com o fora, com o exterior que os constitui. Leonardo em sua conflituosa relação com o espaço que fornece o sustento (os animais dos quais retira a pele); Santiago, em sua relação com o exterior, outro país, que o faz transitar entre mundos distintos e distantes, daí o apelido que o define como aquele que conheceu o “fora”, o exterior: “o americano”. O apelido define também um campo de “periferia” no espaço aparentemente homogêneo da aldeia. Ferreira de Castro mostra-se atento aos fluxos migratórios, mostrando o quanto o homogêneo, o “nacional”, por exemplo, é atravessado por identidades e alteridades: a estrada, no caso o mundo, é movimento, onde e quando acontecem demoradas metamorfoses. Santiago prosperou em terras alheias, não é um desenraizado; pelo contrário, por sua fortuna acumulada consegue voltar ao lugar onde nasceu e nele construir uma casa melhor do que a daqueles que ficaram. A valorização de quem ultrapassa as fronteiras é notória, no entanto, Santiago sucumbe por considerar-se imune aos desejos e ódios do outro, que ele sabe manipular e manter à distância. 18 BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55. BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55. 20 BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 56. 21 BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 59. 22 BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 60. 19 196 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Santiago tem sua vida definida ao encontrar-se com Ermelinda, de quem se torna amante, ciente de que é casada com Leonardo; sente-se enganosamente inalcançável por ter vivido, um dia, fora do local onde nascera ignorando o convívio socialmente pactuado. A experiência da migração arrancou-o também dos valores culturais e éticos do lugar que passou a habitar como quem veio de muito longe e permanece inacessível, o que é desmentido pelo trágico assassinato. Santiago desconhece o adultério porque se julga longe da aldeia, como se vivesse a salvo numa região fronteiriça que, para ele, significa isentá-lo dos códigos e regras locais. Leonardo é marcado pelo movimento de aproximação ou distanciamento em relação ao outro, podendo inclusive ser indiferente em relação ao destino de Ermelinda, assim como se torna indiferente ao destino daquele que considerou por muito tempo um filho. Santiago, por sua vez, ignora os processos identitários do outro, o que faz em variadas gradações, pois se sente em situação superior, imune a qualquer ação restritiva ou punitiva. Por ter ultrapassado as fronteiras, Santiago considera-se acima das leis que regem os territórios sociais, formados por pactos e acordos morais, o que é um engano mortal. Nas últimas páginas do romance, temos o personagem, Leonardo, que ressurge quase feliz, ultrapassado, pelo menos em parte, seu trágico passado. No entanto, um encontro irá acionar a força do cronotopo da estrada pelo sentimento de ambição, trazendo dinâmica ao tempo e ao espaço que desconhecem estabilidades. Trata-se da visita de Artur Lopes, um amigo de tempos pretéritos, que o localizou na Galiza. O amigo traz novamente a chama da ambição e o contagia. A proposta de viajar em busca de um tesouro, em terras distantes, é aceita por Leonardo na última fala do romance, o discurso direto na narrativa: Na tarde morna, declinando-se entre as bravias montanhas, ali, na terra ignorada do Mundo, na terra sem história, que principiava na Galiza e vinha terminar, alheia a fronteiras e a idiomas, dentro de Portugal, a vida do povo obscuro rinha as mesmas expressões fundamentais, o mesmo instinto de perpetuidade, a mesma ânsia de alegria e o mesmo céu comum a toda a espécie, como se os lugarejos que os lobos, de noite, espreitavam, se encontrassem situados no centro do planeta. Leonardo subiu, de novo para a sala e foi debruçar-se na Janela, ao lado de Arthur Lopes. – Estive a pensar no tesoiro e, assim como assim, sempre me arrisco. Vamos a ver o que aquilo dá. Mas não digas nada a ninguém. Por enquanto, até cá a minha patroa escusa de saber..”23 O sentimento de finitude interior do protagonista o torna vulnerável ao encontro que promove a inquietude, no caso, a ambição. O lugar, o cronotopo da casa que se revela incapaz de contê-lo, torna-se precário; o personagem busca saídas secretas, onde possa sentir-se livre para cair de novo no abismo. O desfecho do romance é marcado pela circularidade, acionando uma releitura do determinismo naturalista do século XIX, não apenas na frequente comparação entre homens e animais. A noção de cronotopo, tal como a constrói M. Bakhtin, encaminha-se para o mundo da ética, neste romance, sem que a ética seja considerada um elemento exterior à configuração romanesca. Se a estrada ou os caminhos da vida trilhados por Leonardo 23 CASTRO. Terra fria, 1953, p. 299. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 197 não serviram para ensinar algo, é porque há nele uma recusa à função pedagógica da memória, da história individual e coletiva, recusa em aprender com lembranças e memórias que, um dia, foram difíceis experiências. O protagonista é movido pelo desejo de ascender socialmente, é um personagem que se desloca facilmente do cronotopo da soleira, o cronotopo da crise e da mudança de vida, o que amplia o significado da narrativa. Leonardo não valoriza a dúvida, é um ser de certezas e de circularidades, como se internalizasse um destino cego, movido pela necessidade, o que o aproxima do lobo, um animal conhecido por suas qualidades como caçador, mencionado reiteradamente no romance. Se o princípio condutor do cronotopo é o tempo indissociável do espaço, o personagem quer deslocar-se espacialmente como uma raiz sem história. Nenhum lugar parece contê-lo, não há espaço para esse personagem que é desejo e necessidade de deslocamento e mudança. Se o cronotopos da soleira tem algo a ensinar é exatamente o valor do tempo, quando se é convocado a escolher, trata-se do valor da reflexão, importante no processo cognitivo. Não se aprende se não há dúvidas, e o cronotopo do limiar representa esse instante sem duração, esse lugar invisível que nos constitui, a cada encontro, a cada escolha. Corpo e fronteira, nesse romance, são indissociáveis. O protagonista exerce e experimenta, com intensidade, a força da revelação a partir do encontro com o outro, promovendo protagonismos no processo de intersubjetividade. É nesse sentido que o homem tem uma necessidade estética e ética absoluta do outro, de sua visão e de sua memória comuns; memória que pode agregar e proporcionar um acabamento externo ao que se volta continuamente para fora. Nossa individualidade não teria existência sem o outro. A memória estética é produtiva: ela gera o homem exterior pela primeira vez num novo plano da existência.24 Bakhtin indica a força constituinte das relações interpessoais e, no capítulo “O autor e o herói”, conceitua a percepção das “fronteiras exteriores que configuram o homem”, pois registra a “relação com o homem exterior e com o mundo exterior que engloba e circunscreve o homem no mundo”.25 Cada homem situar-se-ia na fronteira do horizonte de sua própria visão e “o mundo visível” que se estende à frente. Mesmo que olhe ao redor, em todas as direções, o sujeito não vê a si mesmo, para tal precisará de espelhos, mas vê sempre o outro. O romance Terra fria atualiza questões decisivas para a contemporaneidade, ao assinalar as relações estreitas entre as fronteiras e o devir para os estudos literários e culturais. O romance é um marco da difícil relação da arte com o momento de sua publicação, em Portugal, quando o país exercia seu poder colonialista nos territórios tidos como “colônias portuguesas”, e, ao mesmo tempo, cerceava a liberdade dos cidadãos portugueses dentro do país. Padornelos é uma aldeia que pode ser qualquer lugar onde prevaleçam a injustiça e a desesperança. Nas palavras de Sílvio Renato Jorge: “(...) o modo de estar na fronteira, para Portugal, não se caracteriza por conceber um vazio para além do espaço nacional, mas, sim, por conceber este vazio do lado de dentro da 24 25 198 BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55. BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 nação”.26 O cronotopo da estrada no romance aponta metaforicamente este “vazio do lado de dentro da nação”, vazio que continua a nos assombrar. O romance aproxima-se do modo composicional e da temática do romance dos anos 1930, no Brasil, sendo, tal como ocorre com os romances brasileiros, difícil reduzilo a um romance regionalista. Há um modo de tratar o particular, o local, dando-lhe uma feição e cor perceptíveis, identificáveis com certa temporalidade, região ou lugar, ampliando-se questões vividas pelas personagens, o que torna o espaço um vazio que transtorna, sem propiciar pertencimentos. Trata-se de um romance vital para a compreensão de significados e das potencialidades relacionais entre o espaço, o tempo e o humano. A fronteira, por esse viés, é lugar que se nutre, simbolicamente, das demoradas metamorfoses. AA ABSTRACT This article proposes a reading of the novel Terra fria (1934), by Ferreira de Castro, author of Portuguese nationality, from the design of chronotope of Mikhail Bakhtin, with emphasis on the multiple meanings of the sign at the border that incorporates novel ethical and aesthetic values. KEYWORDS Terra fria, Ferreira de Castro, chronotope, Mikhail Bakhtin REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997. BARBERENA, Ricardo. Os estudos literários e os trânsitos pós-coloniais: algumas considerações sobre nação, periferia, fronteira, hibridismo. Disponível em: <http:// www.pucrs.br/edipucrs/online/IXsemanadeletras/conf/Texto_Ricardo_Barberena.pdf>. Acesso: 30 de jun. 2012. CASTRO, Ferreira de. Terra fria – romance. Lisboa: Editora Guimarães & C.a., 1953. JORGE, Sílvio Renato. A possibilidade de nomear um outro Portgual. Sobre mulheres e estrangeiros. Alguns romances de Olga Gonçalves. Rio de Janeiro, Niterói: EdUFF, 2009, p. 32-39. LUKÁCS, Georg. Estética. La peculiaridad de lo estético. Questiones liminares de lo estético, v. 4. Trad. Manuel Sacristán. Spain, Barcelona, Grijalbo, 1965. MACHADO, Irene A. A teoria do romance a análise estético-cultural de M. Bakhtin. Revista USP, março-abril e maio 1990, p. 135-142. 26 JORGE. Sobre mulheres e estrangeiros, 2009, p. 38. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 199 MACHADO, Irene A. O romance e a voz: a prosaica dialógica de M. Bakhtin. Rio de Janeiro: Imago Ed.; São Paulo: Fapesp, 1995. MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006. Recebido em 30 de maio de 2013 Aprovado em 28 de janeiro de 2014 200 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 PERCURSOS DE INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA O lugar da literatura infantil nos estudos de literatura comparada PATHWAYS OF LITERARY RESEARCH: THE PLACE OF CHILDREN’S LITERATURE IN COMPARATIVE LITERATURE STUDIES Anselmo Peres Alôs* Universidade Federal de Santa Maria RESUMO O objetivo deste trabalho é delinear e sistematizar os percursos teóricos de investigação, no campo dos estudos comparatistas, relativos às pesquisas que tomam a literatura infantil como objeto de análise. Simultaneamente, busca-se evidenciar a redefinição da própria noção de literatura infantil, bem como seu caráter de constructo teórico, a partir das novas reflexões tecidas no campo da literatura e da cultura nas últimas décadas do século XX e das primeiras décadas do século XXI. PALAVRAS-CHAVE Literatura infantil, literatura comparada, limiares disciplinares O destino da investigação (no campo da literatura infanto-juvenil) está, naturalmente, ligado ao ensino: quando a importância da literatura infantil for oficialmente reconhecida e inscrita no programa de formação dos docentes (...), então a criação de lugares indispensáveis fará surgir claramente a necessidade de uma formação teórico-crítica.1 Um livro infantil continua sendo “literatura infantil” quando lido por um adulto? E o livro adulto, quando lido por uma criança, passa a ser “literatura infantil”? Vista como um subsistema literário dentro de um conjunto maior que poderia ser chamado de “literatura geral”, ou ainda, “literatura lato sensu”, a literatura infantil carrega uma especificidade peculiar: “os textos para crianças parecem oferecer a expressão mais forte de uma palavra viva, que é a única capaz de salvar as sensibilidades ganhas pela abstração e o espírito do sistema”. 2 Diferentemente das literaturas nacionais, que são definidas * [email protected] 1 PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 343. 2 PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 326. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 201 pela nacionalidade de origem de seus autores e pela materialidade do código linguístico do qual se utilizam, a literatura infantil define-se não no nível da textualidade, mas em função dos atores sociais envolvidos na sua produção e recepção, assim como por seu leitor implícito: um livro infantil é escrito por adultos e destinado a crianças.3 E, tal como salienta Jean Perrot, “as relações crianças-adultos regem-se por mitos que têm uma verdadeira função de regulação crítica”. 4 Uma das principais características da literatura infantil é sua assimetria no que diz respeito ao fluxo produtor-receptor. Jean Perrot (2004) afirma que, justamente por esta instabilidade da identidade de seu leitor (ao fim e ao cabo, toda criança deixará de ser criança e se tornará um adulto), a literatura infantil despertou muito pouca atenção por parte da crítica e da teoria literária até o início do século XX. Lida e consumida por crianças, a literatura infantil é, no entanto, escrita por adultos. Esses adultos, ao escreverem, presumem um determinado tipo de leitor infantil: Instead, the main characteristics distinguishing children’s literature from general literature – in particular the fact that it is written or adapted specifically for children by adults, and the asymmetry of communication between the parties involved which arises from this assignment of texts by adults to children – call for a comparative approach specific to children’s literature which differs in certain areas from mainstream comparative literature.5 Uma das premissas elementares no campo dos estudos sobre a literatura infantil é a existência de um corpus de “clássicos”, isto é, um cânone infantil reiteradamente tomado pela crítica como “universal”. Subjacente a essa premissa, e em nome da “universalidade” desse cânone, apaga-se o fato de que os autores de literatura infantil são oriundos de distintos espaços geográficos e de diferentes temporalidades históricas. Apaga-se também o fato de que, muitas vezes, os textos tomados como “clássicos” e “universais”, justamente por terem sido produzidos em diferentes contextos e em diferentes línguas, são extensivamente traduzidos e adaptados, fazendo com que, muitas vezes, um mesmo livro, ao circular por diferentes espaços geográficos, seja radicalmente diferente de si mesmo, em função das modificações e adaptações feitas sobre a materialidade do texto, por diferentes tradutores, nos processos de transferência de uma língua/cultura para outra. Charles Bernheimer, um dos comparatistas de destaque no cenário internacional e grande entusiasta – na década de 90 do século XX – dos influxos provenientes dos estudos culturais, defende que o campo epistemológico da literatura comparada deve estar atento não apenas ao estudo das grandes obras literárias e dos cânones literários nacionais, mas deve funcionar como um espaço privilegiado para reinserir a reflexão sobre o texto literário no campo mais amplo da vida cultural das diferentes comunidades humanas: 3 Importantes discussões sobre a definição da literatura infantil como objeto de investigação científica são realizadas em ARIÈS. História social da criança e da família (1981); BENJAMIN. Visão do livro infantil (2002) e BETTEHEIM. A psicanálise dos contos de fadas (2000). 4 PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 341. 5 O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 1. 202 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 The space of comparison today involves comparisons between artistic productions usually studied by different disciplines; between various cultural constructions of those disciplines; between Western cultural traditions, both high and popular, and those of non-Western cultures; between the pre and post-contact cultural productions of colonized peoples; between gender constructions defined as feminine and those defined as masculine, or between sexual orientations defined as straight and those defined as gay; between racial and ethnic modes of signifying; between hermeneutic articulations of meaning and materialist analysis of its modes of production and circulation; and much more.6 Emer O’Sullivan, em Comparative children’s literature (2005), faz uma consistente sistematização do campo dos estudos literários que se ocupa da literatura infantil, de maneira a evidenciar a importância desta como objeto de investigação para os estudos de literatura comparada. Além disso, ao circunscrever nove possibilidades teóricometodológicas de investigação para a literatura infantil, O’Sullivan consegue solidificar, através dos procedimentos analíticos da literatura comparada, a teorização em torno deste fenômeno literário, enumerando nove possibilidades de abordagem de maneira sistemática: 1) teoria geral da literatura infantil; 2) estudos de contato e transferência (herdeiros da antiga metodologia comparatista de estudo de fontes e influências); 3) poética comparada aplicada à literatura infantil (herdeira da tematologia); 4) estudos de intertextualidade; 5) estudos de intermidialidade (que se preocupa como o modo através do qual os livros infantis migram para outros suportes, como os quadrinhos, a animação e o cinema); 6) imagologia; 7) estudos comparativos de gêneros literários (derivados da tematologia); 8) historiografia da literatura infantil; e, finalmente, 9) historiografia comparada dos estudos de literatura infantil. O’Sullivan admite que essa é uma delimitação inédita e provisória, uma espécie de primeira sistematização sujeita a discussões posteriores. Ele também destaca o fato de que muitas questões relativas à literatura infantil ultrapassam os nove campos por ele propostos, mas que, mesmo assim, essa delimitação metodológica auxilia a mapear as possibilidades de investigação. O primeiro campo delineado por O’Sullivan ocupa-se de teorizações e especulações mais amplas, tentando definir, por exemplo, o que é e o que caracteriza a literatura infantil, tentando delimitar categorias de análise e formalizações teóricas mais amplas que possam dar conta dos fenômenos que o campo tenta investigar. A assimetria que rege o processo de semiose literária (adultos como produtores, crianças como receptores) é um dos elementos fundamentais na constituição e na caracterização da literatura infantil. Grande parte das diferenças fundamentais entre a literatura infantil e infantojuvenil e a literatura para adultos deriva desta assimetria fundacional que atravessa todos os níveis da literatura infantil pensada como sistema: The asymmetry that characterizes children’s literature not only has a bearing on the discussion of its status within the literary polysystem, it also affects all aspects of the transfer of children’s literature across linguistic borders, as the discussions and examples in the following chapters will show.7 6 7 BERNHEIMER. The Bernheimer report, 1993: comparative literature at the turn of the century, p. 41-42. O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 13. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 203 Este esquema de referências, que lança mão do recurso ao autor implícito e ao leitor implícito, é de extrema importância para compreender a literatura infantil. Algumas teorias da leitura não falam de leitor implícito, mas de leitor virtual; neste caso, o leitor virtual é uma projeção – consciente ou não – do tipo de leitor ao qual o autor empírico e o autor implícito (ou implicado) dirigem suas palavras. Para a presente discussão, esta diferenciação entre leitor virtual e leitor implícito não se faz de maior pertinência.8 Os adultos, vistos pelo autor como “intermediários” entre o texto literário e o público infantil, motivam a constante presença de paratextos9 na literatura infantil dos séculos XVIII e XIX. A partir do final do século XIX, estes paratextos começam gradualmente a desaparecer, e seu conteúdo passa a figurar implicitamente no próprio texto literário. Outro traço distintivo importante para a compreensão da literatura infantil é o fato de que ela está assentada sobre duas lógicas distintas: a do sistema literário e a do sistema educacional.10 A questão educacional e pedagógica está intimamente ligada ao que se entende por função social da literatura infantil, ao mesmo tempo em que auxilia na compreensão da concepção de infância de uma dada cultura ou de um dado momento histórico: A feature distinguishing children’s literature from adult literature is that its origins are to be found both in the literary and the educational systems. This dual reference, with simultaneous poetic and pedagogic criteria, has far-reaching consequences for the status of children’s literature, of which comparative children’s literature must be critically aware. Comparative study of children’s literature must look at its specific conditions and developments in various cultures, and at its respective status in the literary system of different linguistic and cultural communities. That is to say, it must look on the one hand at the cultural status of children’s literature, which may be partly determined by the proportion of texts with double address and by the degree of literary development it has undergone, and on the other hand at the educational status, which is related to the pedagogic value and functions of children’s books in the broadest sense. The general status of children’s literature also depends on the relationship between the cultural and educational systems, which can vary greatly within a culture from epoch to epoch.11 Paul Hazard, com seu livro Les livres, les enfants et les hommes (1932), é considerado um dos fundadores dos estudos comparados de literatura infantil. Uma das passagens mais citadas de Hazard é justamente aquela na qual o autor tenta definir a especificidade da demanda das crianças por histórias infantis: Give us books”, say the children; “give us wings. You who are powerful and strong, help us to escape into the faraway. Build us azure palaces in the midst of enchanted gardens. 8 A formulação da ideia de leitor implícito (implied reader) é feita pela primeira vez por Seymour Chatmann, em oposição à de autor implícito (implied author). CHATMAN. Story and discourse: narrative structure in fiction and film, p. 147-150. 9 Gérard Genette define como paratextos aqueles fragmentos textuais paralelos ao texto literário: “titre, sous-titre, intertitres; préfaces, postfaces, avertissements, avant-propos etc.; notes marginales, infrapages, terminales; épigraphes; illustrations (...) qui procurent au texte un entourage (variable) et parfois un commentaire, officiel ou officieux, dont le lecteur le plus puriste et le moins porté à l’érudition externe ne peut pas toujours disposer aussi facilement”. GENETTE. Palimpsestes, p. 10. 10 ZILBERMAN. A literatura infantil na escola. 11 O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 17. 204 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 Show us fairies strolling about in the moonlight. We are willing to learn everything that we are taught at school, but, please, let us keep our dreams.12 Se é verdade que os textos literários escritos para adultos são frequentemente lidos pelas crianças e incorporados a seus repertórios de leitura, o movimento contrário – obras literárias concebidas originalmente para crianças, e que passam a figurar nos repertórios dos adultos e da literatura mainstream – também ocorre. Pode-se mencionar como exemplos O Hobbit, de J. R. R. Tolkien, Manu, a menina que sabia ouvir, de Michael Ende, O mundo de Sofia, de Jostein Gaardner, e a saga de Harry Potter, de J. K. Rowling. Entre as obras escritas para adultos que foram eleitas pelas crianças, destaca-se Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. A concepção de Hazard faz-se ainda hoje pertinente, e será defendida por muitos pesquisadores brasileiros que se detêm sobre a questão. A defesa da literatura infantil como um espaço de emancipação da imaginação do jovem leitor é também a que aparece no trabalho de Regina Zilberman em A literatura infantil na escola, que ataca reiteradamente o caráter pedagógico-utilitarista da literatura infantil como um dos fatores que a empobrecem, limitando o papel da plurissignificação (traço distintivo do texto literário frente a outros textos) e promulgando uma infância disciplinada. O uso doutrinário da literatura infantil pela escola e pelas instituições confessionais empobrece a experiência de leitura ao cercear os embates entre a criança e o mundo dos adultos: (...) é a linguagem narrativa que acaba por organizar a percepção infantil do mundo, às vezes negado à criança pela escola ou pela família. Por isso, o texto precisa ser coerente e verossímil, sem o que não coincidirá com as expectativas do leitor. Cabe-lhe, pois, ser literatura, e não mais pedagogia. Nessa medida, pode-se dizer que o sucesso do livro dependerá de sua orientação para o recebedor, desde que em termos literários e artísticos, jamais educativos, comprovando a correspondência simétrica nos dois movimentos que conduzem à justificativa da existência do livro para a infância: da produção para a recepção, da pedagogia para a literatura.13 A ideia de uma infância atemporal e universal é uma construção romântica. Émile, de J. J. Rousseau, é uma das obras fundamentais na construção do mito da universalidade da infância moderna como uma condição de inocência natural, inocência essa que somente se torna passível de maldade e de corrupção a partir do mergulho da criança nas más influências da cultura. Esta é a mesma concepção de infância sobre a qual Hazard fundamentará sua defesa com relação a um corpus internacional de literatura infantil que estrutura uma espécie de identidade monolítica, uma “república mundial da infância” des-historicizada e atemporal. Children’s books keep alive a sense of nationality; but they also keep alive a sense of humanity. They describe their native land lovingly, but they also describe faraway lands where unknown brothers live. They understand the essential quality of their own race; but each of them is a messenger that goes beyond mountains and rivers, beyond the seas, to the very ends of the world in search of new friendships. Every country gives and every 12 13 HAZARD. Books, children and men, p. 4. ZILBERMAN. A literatura infantil na escola, p. 57. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 205 country receives – innumerable are the exchanges – and so it comes about that in our first impressionable years the universal republic of childhood is born.14 A base que sustenta a “república mundial da infância” da Paul Hazard, que extrapola os limites nacionais, as diferentes temporalidades históricas e os diferentes espaços nacionais e geográficos é o ideal romântico de infância, a mesma infância tematizada por J. J. Rousseau. A perda que se gera com tal concepção de um cânone universal é o apagamento e o silenciamento das diferenças culturais, conditio sine qua non para a emersão de um cânone universal de clássicos infantis. As contingências da infância, tais como as de classe, raça, gênero, localização geopolítica e momento histórico terminam por ser deixadas de lado. Da mesma maneira, perde-se de vista que a categoria infância não tem uma única gênese, uma vez que diferentes espaços geográficos e em diferentes momentos históricos lidam de maneiras radicalmente diferentes com o constructo infância. Em suma, é impossível pensar em uma infância universal e atemporal. Ser criança na favela carioca não é o mesmo que ser criança em Beverly Hills ou em Tóquio, da mesma maneira que a definição de criança na Baixa Idade Média é radicalmente diferente daquela com a qual se opera no mundo ocidental no final do século XX. A virada cultural no âmbito dos estudos de literatura comparada também refletiu sobre os estudos sobre a literatura infantil. Ainda que não estritamente comparatistas, novas abordagens passam a articular a investigação sobre a literatura infantil a partir de miradas históricas, sociológicas e ideológicas. Passam a ser articulados nesses estudos esquemas teóricos, formulações e preocupações advindas de outros campos, tais como a psicologia (tentando entender a formação e a evolução psíquica dos jovens leitores), os estudos de gênero (avaliando como as diferenças entre o masculino e o feminino são articuladas nos níveis da representação e da autoria) e a crítica pós-estruturalista (que vai problematizar a autonomia do texto literário e suas trocas semióticas com outras linguagens – tais como o cinema, o desenho de animação e a indústria cultural voltada ao público infantil – e outros campos disciplinares – tais como a pedagogia e a história da leitura). Os estudos de contato e transferência, herdeiros revitalizados das pesquisas de “fontes e influências” dos primórdios da literatura comparada, dedicam- se às investigações dos diferentes pontos de contato entre literaturas nacionais distintas, seja através da leitura, assimilação e disseminação de um autor em outro contexto linguístico que não o de sua origem, bem como aos estudos com relação à recepção de obras literárias estrangeiras em contextos que não aqueles nos quais foram produzidas. Outra possibilidade instigante para investigação no campo da literatura infantil é o das influências e efeitos que uma determinada obra traduzida produz no trabalho de escritores individuais: “sob o efeito de múltiplas coedições e traduções tornadas obrigatórias, quer por uma concorrência comercial feroz, quer por uma curiosidade cada vez mais exigente, os intercâmbios multiplicaram-se”,15 abrindo espaço para fluxos literários de proporções 14 15 206 HAZARD. Books, children and men, p. 146. PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 326. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 planetárias. Zohar Shavit,16 a partir da teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar,17 trata a literatura infantil como um subsistema dentro do sistema literário, sofrendo influxos simultâneos dos princípios estéticos que regem os sistemas literários e das avaliações pragmáticas feitas pelo campo da pedagogia sobre a literatura infantil. Um dos maiores problemas no campo dos estudos e teorizações acerca da literatura infantil está no fato de que as pesquisas desenvolvidas em torno dela são, via de regra, circunscritas a uma determinada nação e a uma determinada língua nacional. Mesmo os estudos que tentam dar conta dos “clássicos” e do “cânone” da literatura infantil costumam apreender esses “clássicos” a partir das traduções que circulam no país de origem (ou na língua de origem) do pesquisador. Emer O’Sullivan18 cita como caso exemplar de sua crítica ao monolinguismo como imperativo restritivo nos estudos de literatura infantil no cenário internacional a International companion encyclopedia of children’s literature, 19 uma importante coletânea que vem sendo tomada como obra de referência nos estudos sobre a literatura infantil para além dos limites geográficos de uma única nação. Organizada por Peter Hunts, todos os artigos sobre teoria, crítica, gêneros e contexto histórico da literatura infantil presentes em International companion encyclopedia of children’s literature são de autoria de pesquisadores britânicos, americanos, australianos e canadenses. Os poucos pesquisadores que não são dessas nacionalidades também escrevem em inglês. Assim, o suposto caráter “internacional” da enciclopédia termina limitado por uma perspectiva anglófona, e as fontes citadas para leituras aprofundadas muito raramente indicam pesquisas oriundas de outras áreas linguísticas.20 Este é um dos pontos fundamentais de diferenciação entre a escola filológica e a literatura comparada: enquanto a filologia concentra-se em estudar os domínios estritos de uma única cultura nacional, enfatizando o monolinguismo e a identidade, a literatura comparada privilegia o espaço de trocas, relações e interações entre duas ou mais tradições literárias nacionais, o que leva a reflexão sobre o fenômeno literário, antes restrita pela filologia ao campo monolíngue, a uma abordagem plurilíngue. 16 SHAVIT. Poetics of children’s literature. EVEN-ZOHAR. Factores y dependencias en la cultura: una revisión de la teoría de los polisistemas, p. 23-52. 18 O’SULLIVAN. Comparative children’s literature. 19 HUNTS. International companion encyclopedia of children’s literature. 20 Esta crítica, pertinente ao volume organizado por Peter Hunts e publicado em 1996, deixa de ter relevância quando vislumbramos a segunda edição de sua monumental antologia de estudos teóricocríticos, bastante expandida e publicada em 2004. Nessa reedição, em especial em sua segunda parte, na qual pesquisadores de diferentes espaços geográficos são convidados a escrever sobre o fenômeno da literatura infantil em seus respectivos países, embora mantenha o monolinguismo de um estudo erudito e antológico publicado por uma grande editora como a Routledge, abarca pesquisas de espaços linguísticoculturais que extrapolam significativamente o eixo eurocêntrico das publicações em língua inglesa, francesa e alemã, abrindo espaço para a reflexão sobre a literatura infantil no mundo árabe (ALQUDSIGHABRA. Arabic children’s literature), nos países bálticos (URBA. The Baltic Countries), no Brasil (SANDRONI. Brazil) e na China (HO. China), apenas para elencar alguns dos espaços linguísticos e culturais que foram negligenciados na primeira edição. 17 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 207 Os estudos de contatos e transferências são particularmente férteis no campo da literatura infantil, principalmente pela forte tradição de tradução de obras nesse campo. Apenas para ilustrar, cabe mencionar o papel de Monteiro Lobato como tradutor de inúmeras obras da literatura infantil para o sistema literário brasileiro. Ou, de maneira inversamente proporcional, as inúmeras traduções, para as mais diversas línguas, dos contos dos Irmãos Grimm e das fábulas de Charles Perrault: “the notion that children’s literature is indivisible and international is in part sustained by the fact that in the translation process works are commonly adapted with the aim of avoiding intrusively ‘foreign’ element”. 21 De acordo com Paul Hazard, “you will not find a single country that does not admire, even sometimes more than its own best books, books that come from the four quarters of the globe (…) the pleasant books of childhood cross all frontiers”.22 Uma das razões que leva um determinado livro infantil a não ser traduzido em um dado espaço nacional é a dificuldade de “traduzir” referências culturais muito específicas da cultura de origem do livro a um novo contexto linguístico. Pode-se ilustrar com o exemplo das raríssimas traduções de contos infantis chineses para o português. A poética comparada é herdeira das aproximações formais e estruturalistas do fenômeno literário, e revela-se particularmente produtiva para a compreensão das dificuldades para se transpor elementos culturais tais como jogos de palavras e hábitos sociais típicos de uma dada comunidade linguístico-cultural através da tradução. Se a literatura infantil diferencia-se de outras modalidades de realização do fenômeno literário, é de se supor que o uso dos elementos formais na literatura infantil também seja distinto daqueles utilizados em outras modalidades literárias. O uso do humor, da intertextualidade e da metaficcionalidade, apenas para ilustrar alguns desses elementos, dá-se de maneira a buscar uma adequação ao público ao qual se dirige a literatura infantil. Alguns dos textos que fazem parte do repertório comum dos jovens leitores das mais variadas culturas e línguas nasceram a partir de adaptações de romances originalmente escritos para adultos. Este fato justifica a enorme popularidade entre as crianças de todo o mundo – mas particularmente do mundo ocidental – das narrativas contando as histórias de heróis como Gulliver, Robinson Crusoé ou Dom Quixote. Muitos foram os escritores que recontaram, adaptaram ou “traduziram” – e invoca-se aqui a noção de tradução como transcriação, tal como trabalhada por Haroldo de Campos 23 – obras escritas para adultos e que passaram a integrar as bibliotecas infantis e infantojuvenis. A atividade de recontar, nesses termos, remete à questão da produtividade do texto, e às teorizações de Julia Kristeva em torno da questão da intertextualidade, a partir da leitura realizada pela semioticista búlgara dos trabalhos acerca da natureza da linguagem, da literatura e da cultura nos escritos de Mikhail Bakhtin. O principal elemento diferenciador do funcionamento da intertextualidade na literatura escrita para adultos e na literatura infantil reside no tipo de retomada realizada pelo intertexto e no grau de evidência desse tipo de alusão textual. Uma vez que a criança não dispõe 21 O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 21. HAZARD. Books, children and men, p. 147. 23 CAMPOS. Metalinguagem & outras metas. 22 208 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 do mesmo manancial de referências literárias advindas de leituras prévias que o leitor adulto, a profundidade e o refinamento nas alusões a obras literárias anteriores não é tão presente quanto as referências mais superficiais e menos eruditas. Um dos contextos mais frequentes para o aparecimento de relações intertextuais, na literatura infantil, é o humor e a comédia, aliados ao elemento da surpresa e do inesperado. Algo familiar ao universo do leitor implícito emerge na superfície textual em um contexto não familiar, provocando o efeito de inadequação, de incongruência e de surpresa. Isso pode ser visto, por exemplo, nas inúmeras releituras da história de Chapeuzinho Vermelho ao longo dos séculos. Os contos de fada, originários de uma tradição oral ancestral europeia, têm atraído a atenção de muitos escritores que se dedicaram a escrever para crianças e jovens leitores. A cada novo registro, a cada nova reescrita, alguns dos sentidos das versões anteriores são esvaziados, enquanto novas significações vão acumulando-se uma sobre a outra, por vezes silenciando completamente aqueles sentidos originais articulados pelos contadores de histórias do passado. Conto originário da tradição europeia, Chapeuzinho Vermelho foi transcrita em letra impressa pela primeira vez por Charles Perrault, em 1697. Nesta versão, o aspecto cruel e terrível que caracterizava os contos folclóricos da tradição oral é mantido, e tanto Chapeuzinho quanto sua avó são devoradas ao final da história. Wilhelm e Jacob Grimm, por sua vez, ao retomarem esses (e outros) contos folclóricos, apagaram os aspectos cruéis e imorais, com a finalidade de destiná-los a um público especificamente infantil. Nesta versão, a avó e Chapeuzinho são salvas por caçadores que vagavam na floresta e, depois de ouvirem os gritos das duas e se depararem com o Lobo, rasgam a barriga da fera, retirando as duas, vivas, de lá de dentro. Já na recente versão do brasileiro Rubem Alves, 24 a ação do conto é trazida para o mundo contemporâneo. O autor procurou reconstruir a trama de uma maneira lúdica, captando as estruturas fundamentais do conto em suas origens na tradição folclórica, transfigurando as personagens de maneira estilizada, readequando-as às vicissitudes da sociedade moderna. Dado que o interesse nas trocas, nas transferências e nas (inter)relações entre diferentes sistemas literários e culturais está na gênese do campo epistemológico da literatura comparada, não é de causar espécie que as investigações comparatistas em torno da literatura infantil não se preocupam apenas com as relações entre diferentes literaturas nacionais, mas também nos diálogos possíveis entre a literatura infantil stricto sensu e outras manifestações estéticas e culturais. As investigações em torno dos contos de fadas e das tradições orais que possuem vínculos estreitos com o desenvolvimento da literatura para crianças e jovens ultrapassam os limites disciplinares da literatura, colocando em confronto as tradições orais (objeto de interesse da antropologia e do folclore) e o livro escrito. Pode-se pensar aqui no trabalho dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm ao coletar e perpetuar em letra impressa os contos populares europeus. Da mesma maneira, não se pode perder de vista que, a partir do século XX, as releituras do cinema, dos desenhos animados e das histórias em quadrinhos redimensionaram a circulação, a recepção e a revitalização dos temas e motivos anteriormente perpetuados apenas através da oralidade e da palavra impressa: 24 ALVES. Caindo na real. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 209 Subjects to be addressed by intermediality studies are the dynamic relations between children’s literature and the various media, including the adaptation processes: how have texts of children’s literature been performed in various media? How are they reworked and transposed across media boundaries? How do the different social contexts and audiences come into play? How are these texts, media and commodities marketed? How do commercial as well as technological changes affect the ways in which children engage with fictions? What is the role of the marketplace in framing children’s developing understanding of narrative?25 A transposição de obras literárias infantis para o cinema não apenas é objeto de relevo para a literatura comparada, na medida em que o processo de tradução semiótica de uma mídia para outra – neste caso, da palavra impressa para a imagem em movimento – coloca importantes questões teóricas, mas também reposiciona os problemas de recepção por parte dos leitores. Apesar da popularidade da trilogia O senhor dos anéis, de J. J. R. Tolkien, ou da série de aventuras de Harry Potter, de J. K. Howling, mesmo antes de sua transposição para o cinema, não se pode fazer vista grossa ao fato de que o sucesso das versões cinematográficas para essas histórias contribuiu para a popularização e o aumento de vendas dos livros de Tolkien e Howling. Tal fato fica ainda mais evidente quando se pensa em outra série de livros infantis como Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis. Inicialmente publicadas no Brasil pela Editora ABU (ligada à Aliança Bíblica Universitária do Brasil) entre 1983 e 1987, a série de aventuras de fantasia de C. S. Lewis era praticamente desconhecida até o anúncio da versão cinematográfica de O leão, a feiticeira e o guarda-roupa, primeiro livro da série (publicado originalmente em 1950). Logo após o anúncio de lançamento do filme, a editora Martins Fontes anuncia o lançamento de uma nova edição, em volume único, dos sete volumes de Lewis, agora transformados em meteórico sucesso de vendas, em função da popularização das Crônicas de Nárnia pelo cinema. Os estudos de imagologia, com sua forte tradição no contexto do comparatismo francês, também se revelam uma abordagem com alta voltagem crítica para a aproximação da literatura infantil, uma vez que as representações da paisagem cultural na literatura infantil podem funcionar como metonímia (quando não como catacrese) de significações e de heranças culturais legadas de geração a geração através do texto literário. A imagologia descreve uma área de pesquisa da literatura comparada cujo objeto de estudo precípuo é composto pelas imagens de países criadas e veiculadas pela literatura de uma determinada nação. 26 A imagem, noção central nesta seara de investigação, é entendida como uma tomada de consciência do eu em contraposição ao outro, ou ainda, como a expressão, literária ou não, de um distanciamento significativo entre duas ordens de realidades culturais, ou, ainda, é a representação de uma realidade cultural por meio da qual aqueles que a elaboraram revelam e traduzem seu próprio espaço cultural e ideológico. Criticada durante algum tempo como uma espécie de prolongamento dos interesses das relações internacionais ao campo dos estudos literários, a imagologia, entretanto, 25 26 210 O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 52. SOUSA. Do cá e do lá: introdução à imagologia. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 teve um papel fundamental para a aproximação e o confronto das diferentes literaturas nacionais, bem como para a desmistificação da noção de identidade nacional coletiva, durante muito tempo demasiadamente essencializada.27 Dada a presença da literatura infantil em contextos escolares e ao seu papel na formação e constituição dos valores incutidos nos jovens leitores, as investigações imagológicas têm demonstrado que a literatura infantil é um forte repositório de imagens acerca do Outro: The aim of image studies is to make examination of the literary image of another country, culture or ethnic group a legitimate field of study in literary criticism by proposing theoretical ideas on cultural and literary factors and their reciprocal relationships; it also investigates the role of images in the field of international literary relations and the conclusions they allow us to draw about those who produce them. Recent works on orientalism, postcolonialism, the study of alterity and the history of mentalities have moved literary representation of what is ‘foreign’ and ‘Other’ to the centre of cultural studies.28 A realização de uma historiografia da literatura infantil em perspectiva comparada tem importância fundamental para a compreensão das diferenças e dos pontos comuns nas condições históricas, sociais e econômicas dos diferentes contextos nacionais nos quais a literatura infantil se desenvolveu. Ainda não foi realizada uma investigação ampla que consiga dar conta dessas questões em sentido amplo, embora alguns trabalhos relacionando diferentes tradições nacionais já tenham sido desenvolvidos, tais como Historia de la literatura infantil universal29 (1971), Children and childhood in Western society since 150030 (1995) e La littérature d’enfance et de jeunesse en Europe31 (1981), e essas obras sempre terminam por recair em uma olhar eurocêntrico que ignora as tradições literárias infantis da América Latina, da África ou dos países asiáticos. Emer O’Sullivan, por sua vez, ao se preocupar com os estudos de historiografia da literatura infantil, destaca o fato de que tais projetos, mesmo que limitados aos países europeus, não conseguem levar a cabo a proposta ampla em função das limitações do trabalho individual de seus autores: “even a comparative history confined to European children’s literature, let alone one of all the children’s literatures in the world, could not be realized by a single writer”.32 Pode-se observar, subjacente a esse comentário, a sugestão da necessidade de trabalhos coletivos e colaborativos para dar conta da historiografia da literatura infantil em contextos que ultrapassem as fronteiras nacionais. Uma vez que os estudos historiográficos sobre a literatura infantil aparecem não raro subordinados às histórias literárias nacionais, o pesquisador interessado em um estudo historiográfico para além das fronteiras nacionais de uma dada tradição literária acaba enfrentando um problema metodológico relativo à documentação, uma vez que 27 MACHADO e PAGEAUX. Da literatura comparada à teoria da literatura. O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 33. 29 BRAVO-VILLASANTE. Historia de la literatura infantil universal. 30 CUNNINGHAM. Children and childhood in Western society since 1500. 31 ESCARPIT. La littérature d’enfance et de jeunesse en Europe. 32 O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 38. 28 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 211 cada tradição literária lida com a sua produção literária infantil apenas em sua própria língua de expressão literária, e o estado da arte da investigação historiográfica varia muito de uma literatura nacional para outra. Enquanto a tradição crítica em língua alemã, inglesa e francesa encontra-se em um estágio avançado de teorização e problematização metodológica da historiografia da literatura infantil, bem como da história do livro e da leitura em sentido amplo, em outros países tais reflexões encontramse em estado incipiente e, muitas vezes, não conseguem ultrapassar o estágio de meras listas dos livros infantis mais vendidos ou dos autores de maior sucesso.33 As investigações de cunho historiográfico enfrentam uma série de questões ainda em aberto no que diz respeito ao seu dispositivo teórico e analítico de trabalho. Deveriam elas estar organizadas por gêneros, por períodos, por estilos de época, por nacionalidades ou por regiões linguísticas? A periodização da literatura infantil deveria obedecer aos mesmos critérios da literatura escrita para adultos, apesar das especificidades que a caracterizam como um subsistema literário? Que impactos a teoria pós-colonial34 e a teoria queer35 teriam sobre a pesquisa historiográfica em torno da literatura infantil? O último dos campos de investigação elencado por O’Sullivan tem como traço distintivo uma dimensão metacrítica. O pesquisador que se interessa pela historiografia comparada dos estudos e teorizações sobre a literatura infantil deve estar atento, simultaneamente, para as especificidades culturais e para a vocação internacionalista das teorizações produzidas em diferentes partes do mundo, mesmo quando essas teorizações tentam dar conta de um universo de obras literárias restritas a uma única comunidade nacional ou linguística. As questões que giram em torno do desenvolvimento e da evolução da literatura para adolescentes e jovens adultos (expressa, muitas vezes, na expressão literatura juvenil) só podem ser razoavelmente compreendidas e abordadas no escopo das reflexões da história literária. Se é verdade que há uma tradição literária de séculos no que diz respeito à representação da juventude e da adolescência em textos literários, também o é o fato de que a literatura escrita para adolescentes é um fenômeno relativamente recente, datado da segunda metade do século XX, uma vez que é neste período que a adolescência, entendida como categoria analítica para o desenvolvimento e a maturação da personalidade humana, emerge historicamente com toda a sua força, adquirindo um status simultaneamente legal e social: (...) o conceito de adolescência como período evolutivo só começa a se organizar entre as duas grandes guerras, sendo que a sua delimitação enquanto fase do desenvolvimento somente foi possível após a Segunda Guerra Mundial, o que estimulou, a partir dos anos 1950, um caloroso debate sobre o termo, seus conteúdos e suas implicações. A adolescência, então, passa a ter um status legal e social diferenciado, sendo necessário criar para ela disciplina, regulamentação e proteção, uma vez que os adolescentes desse período formavam um grupo muito diversificado, marcado por gostos e valores contraditórios, bem como por intensos conflitos internos.36 33 NIKOLAJEVA. Aspects and issues in the history of children’s literature. BRADFORD. Unsettling narratives: postcolonial readings of children’s literature. 35 DAY. Lesbian and gay voices: an annotated bibliography and guide to literature for children and young adults. 36 SANTOS e PRATTA. Adolescência e uso de drogas à luz da psicanálise: sofrimento e êxtase na passagem, p. 169-170. 34 212 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 É no entremeio entre a literatura infantil e a literatura para adolescentes que emerge uma das polêmicas mais frutíferas relativas à literatura para adolescentes e à formação de leitores: o lugar que vem sendo ocupado, no repertório dos jovens leitores, por séries de grande sucesso comercial, reiteradamente taxadas de “cultura de massa” destituída de valor literário. Esta crítica, voltada em um primeiro momento para as séries Harry Potter, Crônicas de Nárnia e O senhor dos anéis, vem sendo reiteradamente reproduzida nos julgamentos de recentes séries de grande sucesso junto aos leitores adolescentes, tais como Crepúsculo, de Stephany Meyer, Percy Jackson, de Rick Riordan ou Jogos vorazes, de Suzanne Collins. Entre as acusações mais recentes feitas a esse tipo de produção literária, reiteradamente são citados o emprego de linguagem facilitada, a superficialidade na construção dos enredos, a repetição de fórmulas narrativas esgotadas ao longo de cada novo título de uma série e o compromisso com uma política editorial que se pode chamar, na falta de melhor expressão, de “venda casada” realizada pelo mercado editorial em função das adaptações para o cinema, uma vez que o sucesso das versões para o cinema e a televisão realimentaria o interesse pelos livros, pautando a produção cultural em uma lógica mercadológica e não artística. Causa espanto, entretanto, que muitos dos críticos a essa massificação da literatura infantil e juvenil teorizam sobre o fenômeno sem sequer citar as referências bibliográficas das obras que estão sendo criticadas e balizam suas conclusões. Veja-se, por exemplo, o estudo “Entre bruxos e vampiros: ideologia e alienação no mercado editorial de literatura infantil”,37 o que abre espaço para uma pertinente questão: estes críticos realmente sabem do que estão falando? Como podem eles julgar a recente produção editorial para crianças e adolescentes como de pouca monta se nem ao menos mencionam as referências bibliográficas dos volumes que estão julgando desqualificados? 38 Quando esse tipo de julgamento de valor que sequer se dá ao trabalho de mencionar as referências bibliográficas da obra literária que está sendo desqualificada emerge no cenário acadêmico, é difícil não se deixar abalar por uma sensação de retrocesso aos tempos em que a literatura infantil, em sentido amplo, era considerada um gênero menor e uma preocupação exclusiva dos bibliotecários, não sendo considerada objeto de estudo digno 37 SANT’ANNA. Entre bruxos e vampiros: ideologia e alienação no mercado editorial de literatura infantil. Uma considerável bibliografia em língua portuguesa encontra-se em circulação e serve de base para aprofundar esta discussão que tenta equacionar, por um lado, literatura infantil com “grande literatura”, excluindo desse campo tudo o que possa ser entendido como cultura de massa, e por outro, uma posição menos radical, em compasso com as discussões que problematizam a formação dos cânones literários. Veja-se, por exemplo: CARVALHO. A literatura infantil (1984); COELHO. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil (1991), Dicionário crítico da literatura infantil brasileira (1995) e A literatura infantil (2002); GÓES. A aventura da literatura para crianças (1991) e Olhar de descoberta (2004); HELD. O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica (1980); KHÉDE. Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico (1983); OLIVEIRA e PALO. Literatura infantil: voz de criança (1986); PERES. O infantil na literatura: uma questão de estilo (1999); ROSEMBERG. Literatura infantil e ideologia (1984); PONDÉ e YUNES. Leitura e leituras da literatura infantil (1988); ZILBERMAN. A produção cultural para crianças (1982) e ZILBERMAN e LAJOLO. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira (1993). 38 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 213 de teorizadores, historiadores e críticos da literatura.39 Neste contexto de discussão acadêmica, a posição mais acertada parece ainda ser a de Cecília Meireles, ao afirmar que a literatura infantil não é aquela escrita para as crianças, mas sim aquela que as crianças gostam de ler.40 AA ABSTRACT This paper aims at delineating and systematizing the research’s theoretical pathways, in the field of comparative literature studies, when it comes to investigations that take children’s literature as its object of analysis. Simultaneously, we seek to show the redefinition of the very notion of children’s literature as well as its theoretical construct feature from new considerations made in the field of literary and cultural studies in the last two decades of the twentieth century and in the first decades of the twentieth-first century. KEYWORDS Children’s literature, comparative literature, disciplinary boundaries REFERÊNCIAS ALQUDSI-GHABRA, Taghreed. Arabic children’s literature. In: HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 954-959. ALVES, Rubem. Caindo na real: Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o tempo atual. Campinas: Papirus, 2004. ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BENJAMIN, Walter. Visão do livro infantil. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2002, p. 69-80. BERNHEIMER, Charles. The Bernheimer report, 1993: comparative literature at the turn of the century. Comparative literature in the age of multiculturalism. Baltimore: The John Hopkins University Press, 1995, p. 39-50. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. BRADFORD, Clare. Unsettling narratives: postcolonial readings of children’s literature. Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 2007. BRAVO-VILLASANTE, C. Historia de la literatura infantil universal. Madrid: Ministerio de Cultura, 1971. 39 40 214 CALDIN. O bibliotecário, a criança e a literatura infantil: algumas ponderações, p. 111-128. MEIRELES. Problemas da literatura infantil, p. 19. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 CALDIN, Clarice Fortkamp. O bibliotecário, a criança e a literatura infantil: algumas ponderações. Revista ACB. Florianópolis, Associação Catarinense de Biblioteconomia, v. 6, n. 1, 2001, p. 111-128. CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil. São Paulo: Global, 1984. CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem & outras metas. São Paulo: Perspectiva, 1992. CHATMAN, Seymour. Story and discourse: narrative structure in fiction and film. Ithaca: Cornell University Press, 1978. COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil. São Paulo: Ática, 1991. COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil brasileira. São Paulo: Edusp, 1995. COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil. 7. ed. São Paulo: Moderna, 2002. COLLINS, Suzanne. Jogos vorazes. Rio de Janeiro: Rocco, 2010. COLLINS, Suzanne. Em chamas. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. COLLINS, Suzanne. A esperança. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. CUNNINGHAM, H. Children and childhood in Western society since 1500. London and New York: Longman, 1995. DAY, Frances Ann. Lesbian and gay voices: an annotated bibliography and guide to literature for children and young adults. Westport: Greenwood Press, 2000. DEFOE, Daniel. Robinson Crusoe. São Paulo: Penguin Companhia, 2012. ENDE, Michael. Manu, a menina que sabia ouvir. São Paulo: Círculo do Livro, 1973. ESCARPIT, D. La littérature d’enfance et de jeunesse en Europe. Paris: Presses Universitaires, 1981. EVEN-ZOHAR, Itamar. Factores y dependencias en la cultura: una revisión de la teoría de los polisistemas. Trad. de Montserrat Iglesias Santos. In: IGLESIAS, Montserrat. Teoría de los polisistemas. Estudio introductorio, compilación de textos y bibliografía por Montserrat Iglesias Santos. Madrid: Arco, 1999, p. 23-52. GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. GENETTE. Gérard. Palimpsestes. Paris: Seuil, 1982. GÓES, Lúcia Pimentel. A aventura da literatura para crianças. São Paulo: Melhoramentos, 1991. GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de descoberta. São Paulo: Paulinas, 2004. GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Contos de Grimm. 32. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2008. HAZARD, Paul. Les livres, les enfants et les hommes. Paris: Flammarion, 1932. HAZARD, Paul. Books, children and men. Trans. M. Mitchell. Boston: The Horn Book, 1944. HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica. São Paulo: Summus, 1980. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 215 HO, Laina. China. In: HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 1029-1038. HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004. HÜRLIMANN, Bettina. Europäische Kinderbüchen aus drei Jahrhunderten. Zurich: Atlantis, 1959. KHÉDE, Sônia S. (Org.). Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. Petrópolis: Vozes, 1983. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa. São Paulo: Editora ABU, 1982. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: os anéis mágicos. São Paulo: ABU, 1983. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: o cavalo e o menino. São Paulo: ABU, 1984a. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: o príncipe e a ilha mágica. São Paulo: ABU, 1984b. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia:o navio da alvorada. São Paulo: ABU, 1985. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: a cadeira de prata. São Paulo: ABU, 1986. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: a última batalha. São Paulo: ABU, 1987. LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009. MACHADO, Álvaro Manuel; PAGEAUX, Daniel-Henri. Da literatura comparada à teoria da literatura. Lisboa: Edições 70, 1988. MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. São Paulo: Summus, 1979. MEYER, Sthephanie. Crepúsculo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2008. NIKOLAJEVA, Maria (Ed.). Aspects and issues in the history of children’s literature. Westport: Greenwood Press, 1995. O’SULLIVAN, Emer. Comparative children’s literature. London: Routledge, 2005. PALO, Maria José; OLIVEIRA, M. Rosa. Literatura infantil. São Paulo: Ática, 1986. PELLOWSKI, Anne. The world of children’s literature. New York and London: Bowker, 1968. PERES, A. M. C. O infantil na literatura: uma questão de estilo. Belo Horizonte: Miguilim, 1999. PERRAULT, Charles. Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Perrault. Trad. Olívia Krahenbuhl. São Paulo: Círculo do Livro, 1994. PERROT, Jean. A literatura infantil e juvenil. In: BRUNEL, Pierre; CHEVREL, Yves. Compêndio de literatura comparada. Trad. Maria do Rosário Monteiro. Lisboa: Fundação Calouste-Gulbenkian, 2004, p. 325-348. PONDÉ, M. da Glória; YUNES, Eliana. Leitura e leituras da literatura infantil. São Paulo: FTD, 1988. RIORDAN, Rick. O ladrão de raios. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. RIORDAN, Rick. O mar de monstros. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. RIORDAN, Rick. A maldição do titã.Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009. ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1984. ROUSSEAU, J. J. Émile ou de l’éducation. Le Haye: Néaulme, 1762. 216 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. ROWLING, J. K. Harry Potter e a câmara secreta. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. ROWLING, J. K. Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. ROWLING, J. K. Harry Potter e o cálice de fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. ROWLING, J. K. Harry Potter e a Ordem da Fênix. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. ROWLING, J. K. Harry Potter e o enigma do príncipe. Rio de Janeiro: Rocco, 2005. ROWLING, J. K. Harry Potter e as relíquias da morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2007. SANDRONI, Laura. Brazil. In: HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 1004-1010. SANT’ANNA, Jaime dos Reis. Entre bruxos e vampiros: ideologia e alienação no mercado editorial de literatura infantil. Anais do III congresso de leitura e literatura infantil e juvenil (2012). Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IIICILLIJ/Index.html>. Acesso: 11 fev. 2013. SANTOS, Manoel Antônio dos; PRATTA, Elisângela Maria Machado. Adolescência e uso de drogas à luz da psicanálise: sofrimento e êxtase na passagem. Tempo psicanalítico. Rio de Janeiro, v. 44, n. I, 2012, p. 167-182. SANTUCCI, Luiggi. Letteratura infantile. Milan: Fratelli Fabbri, 1958. SHAVIT, Zohar. Poetics of children’s literature. London: University of Georgia Press, 1986. SOUSA, Celeste H. M. R. d e . Do cá e do lá: introdução à imagologia. São Paulo: Humanitas, 2004. SWIFT, Jonathan. As viagens de Gulliver. São Paulo: Penguin Companhia, 2010. THWAITE, Mary. From primer to pleasure in reading. London: Library Association, 1963. TOLKIEN, J. R. R. O hobbit. São Paulo: Martins Fontes, 1998. TOLKIEN, J. R. R. O senhor dos anéis: edição completa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. URBA, Kestutis. The Baltic Coutries. In: HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 990-997. ZILBERMAN, Regina (Org.). A produção cultural para crianças. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2005. ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira. São Paulo: Global, 1993. Recebido em 19 de fevereiro de 2013 Aprovado em 6 de dezembro de 2013 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 217 Resenhas AA MÉSSEDER, JOÃO PEDRO. PEQUENO LIVRO DAS COISAS. ILUSTRAÇÕES DE RACHEL CAIANO. LISBOA: CAMINHO, 2012 João Manuel Ribeiro* Universidade de Coimbra Com este Pequeno Livro das Coisas (2012),1 João Pedro Mésseder (JPM) retoma a poética2 que lhe é distintiva e que se distancia lucidamente dos jogos poéticos de matriz tradicional (e oral) e confronta a criança/leitor com a dessacralização da linguagem, a superação do imaginário estereotipado e a experiência das representações insólitas e paradoxais do mundo, a metáfora e outros recursos estilísticos fortes, e sem medo de que a intensidade, a densidade e a opacidade próprias do texto poético sejam alheias e estranhas ao destinatário. Nesse livro, talvez mais do que em todos os anteriores, a poética não é, nem pretende ser, uma lição a aprender, uma beleza a admirar ou um sistema de explicação do mundo, mas antes uma iniciação “à lucidez, ao espanto, libertando o seu olhar e levando-a a reconhecer-se tributária de um destino comum”. 3 Transparece, como observa Ana Margarida Ramos, 4 uma “paixão pela linguagem em todas as suas dimensões, não só com ressonâncias simbolistas, mas também experimentais, assumindo uma vertente de exercício”, e “conduz à criação de um dicionário pessoalíssimo, alternativo”, como se pode verificar em textos como, por exemplo, entre outros, Pente: Apesar do seu ar de centopeia, o pente não morde, só penteia. * [email protected] 1 Livro finalista do Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) 2013, modalidade de Literatura Infantil e Juvenil. 2 Iniciada em Versos com reversos (1999) e continuada em De que cor é o desejo? (2000), À noite as estrelas descem do céu (2002) e Breviário do sol (2002, em coautoria com Francisco Duarte Mangas), Breviário da água (2004, coautoria com Francisco Duarte Mangas), Palavra que voa (2005), Trocar as voltas ao tempo (2008), Guardador de árvores (2009) e aqui sublimada. 3 SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p.9 : “Confronter un enfant à la poésie, ce n’est pas lui donner une leçon à apprendre, lui offrir du beau à admirer, lui livrer un système d’explication du monde, c’est l’exercer à la lucidité, à l’étonnement, libérer son regard et l’amener à se reconnaître tributaire d’un destin commun. C’est l’aider à croitre dans son humanité”. 4 RAMOS. A ilusão do fragmento como construção poética: aproximações à poesia de João Pedro Mésseder, p. 196. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 221 Embora menos do que em outros livros do poeta, também aqui o fragmento se consubstancia como forma peculiar de captar e registar o “olhar primeiro, virginal, puro e incorrupto, sobre a palavra” 5 e as múltiplas epifanias da realidade, num exercício de “questionamento da língua, do sentido das palavras da sua leitura literal” 6 e na articulação, sempre excessivamente obsessiva, entre emoção, pensamento e palavra. Tal movimento, em nada aleatório, configura uma poética que se define e constitui ainda, por um lado, como um gesto ético que manifesta e traduz uma maneira de ser e estar no mundo e que, necessariamente, convoca o leitor a um investimento intelectual, emotivo, afetivo e físico, e, por outro, como um gesto estético que, pela linguagem e pela dinâmica da forma (em oposição à imobilidade formal 7 ), revela a polissemia das coisas. A indissolubilidade entre os gestos ético e estético, mais do que manifestar a relação entre conteúdo e forma, é uma proposta de “compreensão da realidade na sua maior complexidade” e “revela-nos uma parte do mistério que habita dentro de nós, que nos rodeia”.8 Assim, a poesia de JPM não pode conceber-se como um “suplemento de alma”, uma evasão ou fuga à realidade, mas antes, de certa forma, como violência para a consciência, forçando-a à lucidez e despertando no leitor as questões novas e/ou adormecidas. Em Pequeno livro das coisas (2012), a poesia é ação que possibilita ver “mais” realidade, porque inclui e conjuga um conjunto de capacidades e de sentidos numa “espécie de cognitio sensitiva” ou “poder sensível (não intelectual, não conceptual) de revelação ontológica ou, se se preferir, cosmológica”, 9 como, por exemplo, no poema Lápis, onde o objeto enunciado tem “voz de dentro” e “olhos de dentro”, “a que combina palavras” e formas “atrás de um sentido”, lamentando-se que “o ar e o tempo os apaguem: / palavras, formas, sentidos…”. Trata-se de uma forma distinta de aceder e possibilitar conhecimento, ou, de ver ‘através’ da realidade, em distanciar-se do senso comum do real por fidelidade à própria realidade, como, por exemplo, em Velho banco de jardim, em que a repetição do verso “se visto de lado”, sugere um outro, vário e alternativo modo de ver. Mais do que um acesso ao sentido, estamos em presença de um acesso de sentido,10 que faz da poesia utensílio11 e ação.12 Neste contexto, é legítimo afirmar que a poesia de JPM, por um lado, “nasce da realidade e da experiência” (…) e que “o poeta nunca deixa de tratar, direta ou indiretamente, das questões universais”13 (gesto 5 RAMOS. Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infância e a juventude, p. 201. RAMOS. Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infância e a juventude, p. 201. 7 Veja-se a este título a irregularidade da estrutura formal dos poemas, não sendo apropriado falar em quadras, quintilhas ou qualquer outra estrutura formal. O verso, como as estrofes, apresenta-se livre. 8 SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p. 43. 9 DIAS. O que é a poesia?, p. 8. 10 NANCY. Resistência da poesia, p. 16. 11 MOUNIN. Poésie et société, p. 19. 12 JEAN. Na escola da poesia, p. 68. 13 SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p. 34. Para este pedagogo francês as questões fundamentais a que a poesia responde são: “Quem sou eu? O que é o mundo em mim, fora de mim? Quem é o outro? Quem sou eu por relação ao outro? Eis as questões fundamentais, universais à poesia”. 6 222 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 ético); e, por outro, que a poesia de JPM “serve para nos questionar, questionar o mundo e os seus mistérios” (…), através da “reivindicação da liberdade da língua (…) e da sua transgressão consciente que a transporta a um lugar inesperado, insólito”.14 Na obra em apreço, respeitando-se a especificidade do destinatário preferencial (mas não exclusivo), efetiva-se a interrogação ético-estética inerente à poesia. Tal é verificável na interrogação crítica do (e)feito humano sobre a matéria e a sua influência na existência humana, como no poema Cómodas: aqui, à construção de uma cômoda para acondicionar o vestuário por um certo homem seguiu-se a construção, por outros homens, de outras cômodas maiores e mais práticas, sendo que, finalmente Outros afadigaram-se, mais tarde, a construir cómodas de vários andares com muitas e muitas gavetas de tijolo, cada vez mais altas, para mais pessoas – e mais cómodas, com menos espaço para acomodar as pessoas. Também a atenção ao quase nada do real ou à realidade ilimitada do real imediato é enfatizada, de forma breve e linguisticamente não familiar, no jogo semântico entre preguiçosos, presente no poema Espreguiçadeira: Que ninguém ouse dizer-me que tenho ar de cadeira preguiçosa, a mim, cujo destino é suportar o peso e a moleza de tanto preguiçoso.15 A não redução da realidade ao superficial, ao aparentemente evidente, personificada e metaforicamente criticada, está presente em Sinal de proibido. O desconcerto da realidade metaforizada é tal que o sujeito poético se interroga sobre o conteúdo formal mais adequado para o caracterizar (“– como direi? –”) num jogo entre conteúdo e forma, denunciador da tensão dialógica (mais do que dialética) entre ética e estética: Com um branco sorriso nos lábios o sinal de sentido proibido proíbe. Mas não é um verdadeiro sorriso: é sim – como direi? – um esgar, um esgar de dentes à mostra. 14 15 SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p. 47. O sublinhado é nosso. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 223 Reveladores da maneira de ser e estar poeticamente no mundo são os poemas do (que ousamos designar de) “Ciclo da Guerra”, constituído por três poemas que descrevem armas, de uma forma que, a nosso ver, desencadeia no leitor a provocadora e estranha impressão da monotonia da novidade e a fadiga da maravilha e do excesso de sentido. O poema Espingarda, assente numa antítese inicial entre o primeiro e os quatro versos seguintes, termina com o paradoxo do eufemismo, num claro apelo à lucidez: Bela, esguia, elegante – e tão sequiosa de sangue e de morte, a espingarda. O lugar desta elegância é o mais fundo buraco que alguém consiga escavar. Em Míssil é o disfemismo que se impõe e desafia à profundidade e ao inesperado, a desvendar o desconhecido das coisas: Dentro de minutos, com estrondo, vai cair. Quantos meninos neste instante ainda estão a rir? Em Capacete é a sequência de registos imagéticos do que deve ser o casco do soldado que surpreende e lhe confere um simbolismo antitético: Capacete de soldado só é bom quando servir de vaso de flor, malga de sopa ou regador. A poética de JPM questiona, suscita crise(s), invade de intensidade, densidade e opacidade o leitor, num inevitável compromisso com o trabalho de complexificação da consciência. O lugar das coisas, no livro, além de não ser pequeno e não se fixar apenas nos objetos, estende-se ao nome de cada um e à sua utilidade,16 sendo possível detectarse uma certa transcendência das coisas – uma transcendência na imanência, na linha de Ernest Bloch –, na medida em que a poética das coisas, não deixando a esfera do real, remete para uma instância semântica fora de si. Como se cada coisa fosse símbolo, religação a um outro sentido, outro olhar, outra realidade que a metáfora transfigura desmedidamente. As coisas desse livro “são coisas e alguma coisa mais” (texto da contracapa). O cenário dessa “alguma coisa mais” é a sombra, coisa-desígnio em que a realidade se 16 224 DUARTE. Pequeno livro das coisas. A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 inscreve, num percurso que vai desde “a sombra quieta” “que não parava de estar quieta” do poema inaugural até a sombra que “gosta muito de brincar / ao faz-de-conta” do poema conclusivo. Como se cada objeto (s)ombreasse consigo mesmo, num jogo dialético que simultaneamente mostra e esconde ou ilumina e ensombra e, por conseguinte, deslumbra e assombra. O carácter personificado desta entidade – (em) A sombra quieta – autonomiza-se do corpo, sendo considerado ainda como uma “marioneta” (no poema conclusivo: Sombra). A separação espacial entre a sombra e o corpo (“[…] /Tomado pelo medo, / o corpo acabou por fugir /daquele sinistro lugar. / Nunca mais ninguém o viu. / E a sombra? / Ainda lá está. / Ali, naquele lugar.”) dissolve-se na voz “estranha e teatral / que a sombra faz” (Sombra) e que, consubstanciada na palavra, é a coisa-maior, maior que o corpo, maior que os objetos, maior que a(s) coisa(s): (…) que só há porque existe a palavra que a nomeia e porque é preciso dar nome a um medo, entre tantos. (Fantasma) A voz-palavra não é apenas nome, apesar da ressonância bíblica entre criar e nomear, mas também “um caminho (que) se fez / por dentro da mente do Homem” (Entre o fogo e a lâmpada); um olhar/sonho para o “homem hirsuto” (Primeiro barco); o “suspiro magoado” do “tempo que sabe esperar” (Relógio de sala); uma chama que se extingue sempre, “mas o seu mistério nunca” (Chama); o relógio “que persegue o tempo” que “sabe esperar” (Relógio de sala). A voz (d)enuncia a natureza ora sombria, ora incômoda (como em Cómodas), ora humorística (em Exaustor e Varinha mágica [de cozinha]), ora crítica ou mordaz (como, por exemplo, em Seixo ou Pérola) das coisas, registadas nesse grande “pequeno livro”, como inventário vivo e/ou manifesto contra o esquecimento de que a vida se tece, numa poética lúcida e peculiar, caracterizada pela transfiguração imagética e pelo obstinado rigor da linguagem. AA REFERÊNCIAS DIAS, Saúl. O que é a poesia? Coimbra: Pé de Página Editores, 2008. DUARTE, Rita Taborda. O pequeno livro das coisas. Disponível em: <http://www.leitura. gulbenkian.pt/index.php?area=rol&task=view&id=31090>. Acesso: 24 Abr. 2013. JEAN, Georges. Na escola da poesia. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. MÉSSEDER, João Pedro. Pequeno livro das coisas. Ilustrações de Rachel Caiano. Lisboa: Caminho, 2012. MOUNIN, Georges. Poésie et société. Paris: PUF, 1962. NANCY, Jean-Luc. Resistência da poesia. Viseu: Edições Vendaval, 2005. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 225 RAMOS, Ana Margarida. A ilusão do fragmento como construção poética: aproximações à poesia de João Pedro Mésseder. Forma breve, Aveiro, 4, 2006, p. 191-216. RAMOS, Ana Margarida. Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infância e a juventude. Porto: Tropelias & Companhia, 2012. SIMEÓN, Jean-Pierre, La vitamine P – la poésie, pourquoi, pour qui, comment? Paris: Rue du Monde, 2012. Recebido em 30 de junho de 2013 Aprovado em 4 de abril de 2014 226 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 GOTTSCHALL, JONATHAN. THE STORYTELLING ANIMAL: HOW STORIES MAKE US HUMAN. BOSTON, NEW YORK: HOUGHTON MIFFLIN HARCOURT, 2012, P. 248. Marcus Assis Lima* Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia O autor é professor de Literatura Americana na Washington & Jefferson College, na Pensilvânia. Esse seu mais recente trabalho procura responder uma pergunta básica: contar uma estória é apenas uma diversão e um passatempo ou tem alguma função biológica e, portanto, alguma função para espécie humana? Para tanto, o autor busca em diferentes cantos da história, da psicologia social, da neurociência e da biologia evolucionista fundamentos científicos para celebrar o fato de que temos o impulso de narrativizar tudo que ocorre a nossa volta. Você sabia que, quanto mais estamos absorvidos em uma narrativa, mais ela modifica nossos comportamentos? Que todas as crianças, tenham nascido na favela ou em berço de ouro, contam o mesmo tipo de estórias? Que “diferenças nas habilidades sociais são mais bem explicadas levando-se em conta o tipo de leitura que as pessoas fazem”? (p.66). Como ele salienta, estamos atolados nas narrativas. Mas por quê? Ele parte do princípio de que “somos, como espécie, viciados em narrativas. Mesmo quando o corpo vai dormir, a mente continua alerta durante todo o sono, contando estórias a ela mesma” (p. xiv). Com interessantes e surpreendentes argumentos sobre a atividade narrativa, na qual, segundo ele, passamos mais tempo imersos em mundos ficcionais que no mundo real, seja nos sonhos, nos romances, nos filmes, nos videogames ou quando criamos narrativas de vida, Gottschall desenvolve seus argumentos a fim de demonstrar “como as estórias saturam as nossas vidas, como a ficção sutilmente modela nossas crenças, comportamentos, éticas – como ela, de maneira poderosa, modifica a cultura e a história” (p. vxii). Nessa trilha, ele procura mostrar como o “Homo fictius” se tornou um animal narrador e como essa atividade, que tem um alto custo em termos de energia e tempo, é uma adaptação evolucionária crucial. Gottschall afirma que a mente humana não apenas foi “moldada para a ficção, mas que ela foi moldada pela ficção” (p. 56). Afinado com outros teóricos literários evolucionistas, procura demonstrar que as narrativas são o local para onde as pessoas vão para praticarem habilidades-chave para a vida humana social: “A experiência vicária de baixo custo, especialmente a experiência emocional, é a principal beneficiária da ficção” (p. 57), ou seja, “a ficção é uma realidade virtual ancestral que se especializou * [email protected] 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 227 na simulação dos problemas humanos” (p. 58), corroborando a metáfora da psicóloga Keith Oatley, para quem as narrativas são “simuladores de voo” da vida social humana. Ele advoga que a imaginação é uma ferramenta maravilhosa, pois, enquanto os corpos estão bloqueados no “aqui e agora”, ou seja, “em qualquer momento que a mente não esteja ocupada em alguma tarefa que a demande, ela estará descansando e irá escapar para a ‘Terra do Nunca’” (p. 11). As memórias que usamos para formar nossas narrativas de vida são marcadamente ficcionalizadas e muitos psicólogos sociais mostraram que, quando encontramos algum amigo, nossas conversas consistem, principalmente, de narrativas imaginárias: “Quando perguntamos a um amigo ‘O que há de novo?’, iniciamos um agenciamento de narrativas que vão e vêm durante xícaras de café ou garrafas de cerveja, inconscientemente moldando e acrescentando detalhes de modo a fazer nossa narrativa vívida” (p. 18). Segundo Gottschall, “o escritor deita palavras, mas elas são inertes. Elas necessitam de um catalizador para ganharem vida. O catalisador é nossa imaginação” (p. 6). A imaginação/ficção, então, seria uma poderosa e antiga ferramenta de realidade virtual que estimula os grandes dilemas da existência humana, de modo que a ficção permitiria ao nosso cérebro treinar reações aos tipos de desafios que são, e sempre serão, cruciais para o nosso sucesso como espécie animal. Por isso, quando dormimos, vagueamos por uma dimensão alternativa da realidade. Se o romancista John Gardner compara as narrativas ficcionais a “vívido e contínuo sonho”, Gottschall defende que seria mais acurado dizermos que “os sonhos são uma vívida e contínua narrativa” (p. 69). De fato, os sonhos são narrativas noturnas: eles focam em protagonistas – geralmente o sonhador – em uma luta para lograr algum êxito. Não deixa de ser interessante perceber, por exemplo, que pesquisadores dos sonhos costumam fazer uso dos mesmos termos caros aos estudos das narrativas, como plot, tema, personagem, cena, ponto de vista, perspectiva. Mas, mesmo quando acordados, nossas mentes estão sempre contando estórias e, por isso, o autor defende que narrar é uma adaptação evolucionária crucial, pois ela permite que experimentemos nossas vidas como coerentes, ordenadas e cheias de significado: “É ela que faz com que a vida não seja uma enorme confusão” (p. 102). A “mente narrativa” é viciada em significados. Se ela não consegue encontrar um padrão de significados no mundo, ela irá tentar impor um padrão, ela é como uma fábrica que descarta muitas narrativas verdadeiras quando pode, mas que “também pode fabricar mentiras quando não encontra verdades” (p. 103): “Não nos sentimos preparados quando não temos uma narrativa (para contar) e, por outro lado, trabalhamos intensamente para impor uma estrutura narrativa a uma experiência sem sentido” (p. 108). Por isso, “se você quiser dominar a mente de alguém, tente contar-lhe uma estória” (p. 118). O autor defende que “as narrativas continuam a manter sua antiga função de apostar na sociedade por meio do reforço de um conjunto de valores comuns e por alargar os laços de uma cultura geral” (p. 137), de modo que “as narrativas são o cimento social da sociedade”, e, sejam sagradas ou profanas, “são a principal força coercitiva na vida humana” (p. 138). Gottschall nos lembra que muitos críticos argumentam que os livros de memórias são fraudulentos, ou seja, os memorialistas não estariam contando estórias verdadeiras, mas estórias verossímeis, de modo que todas as biografias deveriam vir com um alerta 228 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 dizendo “Este livro é baseado em fatos reais”. Uma estória de vida não é um relato objetivo, sendo ela estruturada como uma narrativa “repleta de esquecimentos estratégicos e significados habilmente narrados” (p. 161). Ele defende que uma estória de vida seria uma “mitologia pessoal” sobre quem somos – de onde viemos, como chegamos aonde chegamos; são quem somos e formam nossa identidade. “Essa estória que estou contando de mim é vagamente baseada em fatos reais. Sou em parte apenas uma ilusão de minha própria imaginação” (p. 162). Baseado em experiências realizadas pelos psicólogos Roger Brown e James Kulik, que cunharam a expressão “memórias-relâmpago” (flashbulbmemories), o autor mostra que a memória não é uma ficção; ela é apenas uma ficcionalização” (p. 169). Para ele, uma mente saudável conta a ela mesma mentiras superficiais, e se ela “não mente sobre si mesma, não é uma mente saudável” (p. 174). Segundo o autor, talvez estejamos lendo menos que no passado, mas isso não quer dizer que estamos a esquecer a ficção (isso, por exemplo, se pensarmos na profusão de programas televisivos e redes sociais virtuais, que procuram ‘mostrar a vida acontecendo’ – os ‘reality shows’ ou ‘reality TV’), mas que, apenas, “as páginas foram simplesmente suplantas pela tela” (p. 8). Assim, ele mostra que a ficção pode servir para um monte de coisas: a) alguns pensadores, incluindo o próprio Darwin, argumentaram que a fonte evolucionária das narrativas tem um componente de seleção sexual, não de seleção natural. Em outras palavras, talvez as narrativas (e outras formas de arte) não sejam apenas uma obsessão por sexo; talvez elas sejam maneiras de “obter sexo ao ornamentarmos certas habilidades que possuímos, como a inteligência e a criatividade – as qualidades de nossa mente” (p. 27); b) as narrativas podem ser uma forma de “brincadeira cognitiva” (p. 27).; c) as narrativas sejam um recurso informativo ou uma experiência vicária de baixos custos (p. 152); d) as narrativas sejam uma forma de cimento social que une as pessoas em torno de valores comuns (p. 67). Entretanto, ele mesmo alerta, “as narrativas podem não valer nada, pelo menos em termos biológicos” (p. 28), mas, mesmo assim, ele acredita que elas são como “uma droga que tomamos para escapar da mesmice e da brutalidade da vida cotidiana real” (p. 29). Em sua linha evolucionista de argumentos, Gottschall acredita que as narrativas, como os organismos biológicos, também evoluem, adaptando-se de acordo com demandas do ambiente. Ele usa alguns exemplos, como o da poesia, que, para ele, ao contrário do que muitos críticos defendem como a “morte da poesia” nos últimos cinquenta anos, ela estaria evoluindo na forma de canções (musicais): “Do mesmo modo que há um temor na morte das coisas, há um temor no surgimento de outras” (p. 182). Outro exemplo vem dos videogames: “eles representam um movimento à parte das narrativas ou eles são apenas um estágio na evolução dessas narrativas?” (p. 182). Segundo ele, estudiosos das narrativas dos videogames mostram que eles “estão organizados em uma estrutura gramatical familiar”, qual seja, “a estrutura na busca pela solução de problemas e na justiça poética” (p. 182). Ou seja, estamos vivendo uma nova maneira de narrar, em que as convenções estão ainda sendo descobertas e refinadas. Nessa lógica, ele discute, ainda, o modo como assistimos à televisão e como essa maneira vem sendo modificada, embora a televisão continue sendo, como ele afirma, uma “tecnologia de oferta de narrativas” (p. 183). Ele argumenta que, embora muitos críticos vejam o surgimento dos “reality shows” como um sinal do fim da ficção, quiçá 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 229 mesmo da civilização como a conhecemos, esses programas são, nada mais, “um novo modo de ficção, onde as mentiras e distorções acontecem principalmente no momento da edição, não no momento de sua redação” (p. 183). Para ele, o modelo tradicional de ficção não está com os dias contados e uma gramática narrativa universal não mudará, embora acredite que “contar uma estória irá dirigir-se para uma nova direção nas próximas décadas” (p. 190). Em relação a essa “gramática universal”, Gottschall busca argumentos no linguista Noan Chomsky, que mostrou que toda linguagem humana partilha similitudes estruturais básicas – uma gramática universal. Fazendo paralelo com isso, Gottschall argumenta que “há uma gramática universal no mundo ficcional, um padrão profundo de heróis confrontando problemas e deparando com batalhas por vir. (...) As narrativas, de modo universal, focam nos grandes embaraçamentos da condição humana. Narrativas são sobre sexo e amor. Elas são sobre o medo da morte e as mudanças da vida. E elas são sobre poder: o desejo de adquirir influência e de escapar da subjugação” (p. 55). De modo que os seres humanos teriam evoluído para desejarem fortemente as narrativas e esse desejo tem sido um enorme benefício para todos nós: “As narrativas nos dão prazer e instruções. Elas simulam mundos de modo que possamos viver melhor no mundo real. Elas nos ajudam a criar laços comunais e a definir nossa cultura. As narrativas foram uma dádiva para nossa espécie” (p. 197). Para ele, do mesmo modo que as tecnologias evoluem, nossas narrativas – ubíquas, imersivas e interativas – podem se tornar perigosamente atrativas. Assim, a grande ameaça não seria a possibilidade das narrativas sumirem da vida humana, “a grande ameaça é a possibilidade das narrativas tomarem conta de nossa vida completamente” (p. 198). Finalizando, para além da profundidade, originalidade e acuidade com que o autor defende e discorre sobre as possibilidades evolucionárias da ficção, seu livro é de tremenda leveza literária, sendo livro de não ficção profundo e ao mesmo tempo utilizando uma narrativa refrescante, instigante e completamente apaixonante. AA Recebido em 2 de maio de 2013 Aprovado em 10 de dezembro de 2013 230 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014 A L E T R I A revista de estudos de literatura v. 23, n. 3 - Intermidialidade (set.-dez. 2013) v. 23, n. 2 - Memórias de Guerra (maio-ago. 2013) v. 23, n. 1 - Crimes, Delitos e Transgressões (jan-abr. 2013) v. 22, n. 3 - Migrações Literárias (set-dez. 2012) v. 22, n. 2 - Esporte, Literatura e Cultura (maio-ago. 2012) v. 22, n. 1 - O Cânone da Literatura Traduzida no Brasil (jan-abr. 2012) v. 21, n. 3 - Zoopoéticas contemporâneas (set-dez. 2011) v. 21, n. 2 - Literatura e Cultura Indianas: a Herança de Tagore e a Contemporaneidade (maio-ago. 2011) v. 21, n. 1 - Performance (jan-abr. 2011) v. 20, n. 3 - Crimes Literários (set-dez. 2010) v. 20, n. 2 - Imagens do Escritor (maio-ago. 2010) v. 20, n. 1 - A Literatura Comparada (jan-abr. 2010) v. 19, número especial - Herança Clássica (jul-dez. 2009) v. 19, n. 3 - Os Clássicos (jul-dez. 2009) v. 19, n. 2 - Memórias da Guerra Civil Espanhola na Literatura e no Cinema (jan-jun. 2009) v. 19, n. 1 - Revisões/Releituras nas Literaturas de Língua Inglesa (jan-jun. 2009) v. 18 - Rememorações/Comemorações (jul-dez. 2008) v. 17 - Estudos Comparados em Literatura, Artes e Culturas de Expressão Hispânica (jan./jun. 2008) v. 16 - Alteridades Hoje (jul./dez. 2007) v. 15 - Poéticas do Espaço (jan./jun. 2007) v. 14 - Intermidialidade (jul./dez. 2006) v. 13 - Literatura, História e Memória Cultural (jan./jun. 2006) v. 12 - Literatura e Psicanálise (2005) v. 10/11 - Olhar Cabisbaixo: Trajetos da Visão no Século XX (2003/2004) v. 9 - Alteridades em Questão (2002) v. 8 - Literatura e Cinema (2001) v. 7 - Teatro e Crítica Teatral (2000) v. 6 - Poesia Brasileira Contemporânea (1998-1999) 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 231 NORMAS PARA EDITORAÇÃO DA REVISTA ALETRIA 1. A revista Aletria aceita artigos inéditos em sua especialidade: ensaios sobre estudos literários e culturais; resenhas e recensões críticas de obras literárias e científicas na área de literatura e teoria literária publicadas no ano corrente ou anterior. Obs.: não serão aceitos capítulos de dissertações ou teses em que essa condição possa ser constatada no texto. 2. Só será aceito para publicação, de cada autor ou conjunto de autores, um artigo por ano. 3. O(s) autor(es) deve(m) ter título de doutor, preferencialmente. 4. Serão aceitos trabalhos em português, espanhol, inglês ou francês. Os textos, de 8 a 10 páginas em espaço simples, devem ser no formato .docx, .doc, ou .rtf. As resenhas devem vir nos mesmos formatos e ter de 2 a 3 páginas em espaço simples. 5. O original deve conter título, resumo e palavras-chave no idioma do texto do artigo e em inglês, quando este não é o idioma do texto, e referências bibliográficas. Se houver agradecimento ou dedicatória, acrescentá-los antes do resumo no idioma do texto. 6. As informações sobre a afiliação dos autores, incluindo instituição de origem, cidade e país, devem ser enviadas como documento suplementar, e não no corpo do texto (ver item 11 abaixo). 7. As ilustrações, gráficos e tabelas (indicar a fonte quando não forem originais do trabalho) com as respectivas legendas e numerações, deverão vir em folhas separadas, indicandose, no texto, o lugar onde devem ser inseridas. Serão aceitas, no máximo, uma imagem por página. As imagens deverão ter autorização de uso. 8. As notas de rodapé devem figurar ao pé da página em que seu número aparece. As notas de indicação bibliográfica devem ser apresentadas observando-se a seguinte norma: sobrenome do autor em maiúsculas, título do livro ou texto consultado e número da página (se for o caso): CALVINO. Seis propostas para o próximo milênio, p. 12. 9. As referências deverão aparecer completas, ao final do artigo, em ordem alfabética de sobrenome de autor, atendendo-se às regras para indicação bibliográfica, conforme a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), cujos elementos básicos especificamos a seguir: · Citação de artigo de revista deverá conter: autor(es) do artigo, título do artigo, título da revista em itálico, local da publicação, número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final do artigo citado, mês e ano da publicação; · Citação de capítulo de livro deverá conter: autor(es), título do capítulo, organizador(es) da coletânea, título do livro em itálico, número da edição (a partir da segunda), local de publicação, editora, data, página inicial e final do capítulo. · Citação de livro deverá conter: autor(es), título em itálico, número da edição (a partir da segunda), local de publicação, editora, data. 10. O material deverá vir devidamente revisado pelo autor. A Comissão Editorial reserva-se o direito de fazer nova revisão e de fazer as necessárias alterações. 11. O trabalho deve ser enviado anonimamente – sem quaisquer referências que possam identificar o(s) autor(es). As referências completas devem ser enviadas em documento suplementar. 2014 - jan. - abr. - n . 1 - v. 24 - ALETRIA 233 12. Em casos onde o(s) autor(es) cita(m) trabalhos próprios, as identificações deverão ser substituídas por XXX nas referências e no corpo do texto. 13. Os textos submetidos devem vir acompanhados por um documento suplementar contendo: - Nome(s) do(s) autor(es); - Instituição à qual pertence(m); - Titulação do(s) autor(es); - Endereço para correspondência; - E-mail; - Referências completas de trabalhos próprios que foram citados no corpo do texto. Condições para submissão Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a conformidade da submissão em relação a todos os itens listados a seguir. As submissões que não estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores. 1. A contribuição é original e inédita, e não está sendo avaliada para publicação por outra revista; caso contrário, deve-se justificar em “Comentários ao editor”. 2. O arquivo da submissão está em formato Microsoft Word, OpenOffice ou RTF. 3. URLs para as referências foram informadas quando possível. 4. O texto está em espaço simples; usa uma fonte de 12 pontos; emprega itálico em vez de sublinhado (exceto em endereços URL); as figuras e tabelas estão inseridas no texto, não no final do documento na forma de anexos. 5. O texto segue os padrões de estilo e requisitos bibliográficos descritos em Diretrizes para Autores, na página Sobre a Revista. 6. Em caso de submissão a uma seção com avaliação pelos pares (ex.: artigos), as instruções disponíveis em Assegurando a avaliação pelos pares cega foram seguidas. Declaração de Direito Autoral Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:Autores mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre). Política de Privacidade Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo divulgados para outras finalidades ou para terceiros. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM E STUDOS LITERÁRIOS Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha 31270-901 Belo Horizonte, MG – Brasil http://www.periódicos.letras.ufmg.br/index.php.aletria e-mail: [email protected] 234 A L E T R I A - v. 24 - n. 1 - jan. - abr. - 2014