aletria - Portal de Periódicos da Faculdade de Letras

Transcripción

aletria - Portal de Periódicos da Faculdade de Letras
A
L E T R I
A
revista de estudos de literatura
AA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor : Jaime Arturo Ramírez; Vice-Reitora: Sandra Regina Goulart Almeida
FACULDADE DE LETRAS
D iretora: Graciela Inés Ravetti de Gómez; V ice-D iretor: Rui Rothe-Neves Braga
Bianchet
CONSELHO EDITORIAL
Ana Lúcia Almeida Gazzola, David William Forster, Eneida Maria de Souza, Francisco
Topa, Jacyntho José Lins Brandão, Letícia Malard, Luciana Romeri, Luiz Fernando Valente,
Marisa Lajolo, Rui Mourão e Silviano Santiago
C O L E G I A D O DO PROGRAMA D E P Ó S -G R A D U A Ç Ã O E M E S T U D O S L I T E R Á R I O S
Coordenadora: Myriam Correa de Araújo Ávila; Subcoordenadora: Elisa Maria Amorim Vieira;
Docentes: Maria Cecília Bruzzi Boechat, Matheus Trevizam, Luiz Fernando Ferreira Sá, Lyslei de
Souza Nascimento (titulares); Constância Lima Duarte, Teodoro Rennó Assunção e Marcel de Lima
Santos (suplentes); Discentes: Flávia Almeida Vieira Resende, Wagner Fredmar Guimarães Júnior
(titulares); Paulo Roberto Barreto Caetano e Alex Sander Luiz Campos(suplentes); Secretária: Letícia
Magalhães Munaier Teixeira.
EDITOR
Sabrina Sedlmayer
O RGANIZAÇÃO
Marcos Antônio Alexandre
Carlinda Fragale Pate Nunez
Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet
CAPA
Foto da capa: A Pequenina América e Sua Avó $ifrada de Escrúpulos. Espetáculo do
Mayombe Grupo de Teatro. Marina Viana, em foto divulgação de Tomás Arthuzzi, 2010.
REVISÃO
Beto Arreguy
F ORMATAÇÃO
Marco Antônio Durães e Alda Lopes
P ROJETO G RÁFICO
Paulo de Andrade e Sérgio Antônio Silva
T IRAGEM
200 exemplares
I MPRESSÃO
Imprensa Universitária da UFMG
ISSN: 1679-3749
A
L E T R I
A
revista de estudos de literatura
AA
24
n. 1
JAN./ABR. 2014
RECEPÇÃO CLÁSSICA NO TEATRO IBERO-AMERICANO
© 2014, Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários (FALE/UFMG).
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida,
sejam quais forem os meios empregados, sem permissão por escrito.
Os conceitos emitidos em artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Ficha catalográfica elaborada pelas Bibliotecárias da Faculdade de Letras da UFMG
ALETRIA: revista de estudos de literatura, v. 6, 1998/99 - Belo Horizonte:
POSLIT, Faculdade de Letras da UFMG.
il.; 28 cm.
Histórico: Continuação de: Revista de Estudos da Literatura, v. 1-5, 19931997.
Resumos em português e em inglês.
Periodicidade quadrimestral.
ISSN: 1679-3749
1. Literatura – História e crítica. 2. Literatura – Estudo e ensino. 3.
Poesia brasileira – Séc. XX – História e crítica. 4. Teatro (Literatura) –
História e crítica. 5. Cinema e literatura. 6. Cultura. 7. Alteridade. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras.
CDD: 809
POSLIT/FALE/UFMG
Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha
31270-901
Belo Horizonte, MG – Brasil
Tel.: (31) 3409-5112
Fax: (31) 3409-5490
www.letras.ufmg.br/poslit
e-mail: [email protected]
sumário
APRESENTAÇÃO
Marcos Antônio Alexandre
Carlinda Fragale Pate Nunez
Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet
. . . . . . . . . . . .
7
DOSSIÊ
EL
TEATRO ESPAÑOL DE LAS ÚLTIMAS DÉCADAS Y EL MITO CLÁSICO
THE
SPANISH THEATER IN RECENT DECADES AND THE CLASSIC MYTH
Carmen Gallardo
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
DIÁLOGOS
DE LAS MUERTAS : LOS BOSQUES DE NYX DE JAVIER TOMEO
DIALOGUES
OF THE DEAD : JAVIER TOMEO’ S LOS BOSQUES DE NYX
Luis Unceta Gómez
EL
. . . . . . . . . . . . . . . . .
.
13
.
27
MITO CLÁSICO A TRAVÉS DE LA OBRA TEATRAL DE LOURENZO
CLASSIC
MITH THROUGH LOURENZO ’ S THEATRICAL WORK
Helena Maquieira
Maria Eugenia Rodríguez Blanco
ELECTRA GARRÍGÓ:
ELECTRA
EL ESTÉRIL
GARRÍGÓ : THE BARREN
Alina Gutiérrez Grova
MEDEA
M EDEA
41
RIDÍCULO ) DECORO DE LOS ATRIDAS
(AND
RIDICULOUS ) DIGNITY OF ATREUS
. . . . . . . . . . . . . . . . .
.
55
.
67
EN LAS ANTILLAS HISPÁNICAS
IN HISPANIC ANTILLES
Elina Miranda Cancela
MITOS
(Y
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . .
CLÁSICOS EN EL TEATRO DEL
CARIBE.
PRESENTACIÓN Y RENOVACIÓN
DE UN CORPUS
CLASSIC
MYTHS IN THE CARIBBEAN THEATER. PRESENTATION AND RENEWAL OF A CORPUS
Gustavo Herrera Díaz
PODRÍAS
Y OUR
. . . . . . . . . . . . . . . . .
.
81
.
95
LLAMARTE ANTÍGONA : UN DRAMA MEXICANO CONTEMPORÁNEO
NAME COULD BE ANTIGONE : A CONTEMPORARY MEXICAN DRAMA
Helena González-Vaquerizo
. . . . . . . . . . . . . . .
NUESTRAS
OURS
Y
“OTRAS”:
“OTHER’S”:
AND
Lidia Gambon
LA
MUJERES TRÁGICAS EN EL TEATRO ARGENTINO ACTUAL
TRAGIC WOMEN IN THE PRESENT ARGENTINE THEATER
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
109
POTENCIA DEL DESEO EN TRES RELECTURAS DE HEROÍNAS CLÁSICAS
THE
POWER OF THE DESIRE IN THREE REREADING OF CLASSIC HEROINES
Sara Rojo
. . . . . . . . . .
ELEMENTOS
PLAUTINE
123
PLAUTINOS EM O SANTO E A PORCA , DE ARIANO SUASSUNA
ELEMENTS IN ARIANO SUASSUNA ’ S O SANTO E A PORCA
Matheus Trevizam
DEUSES:
. . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
.
135
.
153
.
167
DA ORIGEM DO UNIVERSO À ORIGEM DO TEATRO:
DO TEXTO DRAMÁTICO AO TEXTO ESPETACULAR
GODS:
FROM THE ORIGIN OF THE UNIVERSE TO THE ORIGIN OF THE THEATRE :
FROM THE DRAMATIC TO THE SPECTACULAR TEXT
Marcos Antônio Alexandre
. . . . . . . . . . . . . . .
VARIA
A
CICATRIZ DE HOMERO EM MILTON HATOUM
HOMER’S
SCAR ON MILTON HATOUM
Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa
SUBJETIVAÇÃO
E OLHAR NA ESCRITA DE GEORGES PEREC E MANOEL DE BARROS
SUBJECTIFICATION
Rodrigo Ielpo
. . . . . . . . . . . . . .
AND LOOKING IN GEORGES PEREC AND MANOEL DE BARROS’S WRITINGS
.
179
.
189
.
201
MÉSSEDER, JOÃO PEDRO. PEQUENO LIVRO DAS COISAS. ILUSTRAÇÕES DE
RACHEL CAIANO . LISBOA: CAMINHO, 2012
João Manuel Ribeiro
. . . . . . . . . . . . . . . . . .
221
GOTTSCHALL, JONATHAN. THE STORYTELLING ANIMAL: HOW STORIES MAKE US
HUMAN. BOSTON, NEW YORK: HOUGHTON MIFFLIN HARCOURT, 2012, P. 248.
Marcus Assis Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
227
MINÚSCULAS
TINY
. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
REPÚBLICAS EM TERRA FRIA DE FERREIRA DE CASTRO
REPUBLICS IN FERREIRA DE CASTRO ’ S TERRA FRIA
Iza Gonçalves Quelhas
PERCURSOS
. . . . . . . . . . . . . . . .
DE INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA: O LUGAR DA LITERATURA INFANTIL
NOS ESTUDOS DE LITERATURA COMPARADA
PATHWAYS
OF LITERARY RESEARCH : THE PLACE OF CHILDREN ’S LITERATURE IN
COMPARATIVE LITERATURE STUDIES
Anselmo Peres Alôs
. . . . . . . . . . . . . . . . .
RESENHAS
apresentação
Este número da revista Aletria se propôs a acolher trabalhos voltados
para a recepção da cultura clássica a partir de uma perspectiva histórica
atual, focalizando temas míticos e estratégias literárias greco-latinas no teatro
ibero-americano em espetáculos, textos dramatúrgicos e traduções. Neste
sentido, os artigos aqui publicados possibilitam o acesso a diferentes olhares
sobre os Estudos Clássicos, a saber, as relações de transmissão, interpretação,
transposição, reescrita e adaptação cultural que, por sua vez, acarretam
mudanças significativas e possibilitam comparações as mais diversificadas.
Buscamos as maneiras e as razões pelas quais estes textos antigos continuam
sendo revisitados, repensados e, portanto, relidos.
Patrice Pavis, 1 um dos precursores dessa tendência crescente de
escrutinar as múltiplas abordagens de reapropriação dos clássicos, reitera, já
na década de noventa, que o movimento se tornou uma prática recorrente
na contemporaneidade, e o debate em torno de como lê-los e adaptá-los
ganhou voz ativa no campo dos estudos literários. Passados quase vinte anos,
o que era simplesmente uma vaga tendência tornou-se passagem obrigatória
das pesquisas com inúmeros jornais dedicados a este campo de pesquisa. E,
de fato, os frutos são muitos. Essa retomada dos clássicos é o que nos permite
observar com mais acuidade o nosso presente distinguindo nele a importância
dos mitos e entendendo o porquê de os mesmos continuarem atuando,
constrangendo e ressonando em nossa contemporaneidade. À moda de Janus,
podemos, na fratura dessas leituras que aqui se oferecem, olhar o passado e
ao mesmo tempo para o presente buscando ver, ainda que por fragmentos, as
trilhas por onde passamos, aonde chegamos e, talvez, para onde podemos ir.
Portanto, esta publicação da Aletria não se limita com o passado, mas
avança por possibilidades e propostas de interpretações contemporâneas.
Reunimos trabalhos voltados para a leitura das reverberações dos mitos grecolatinos e dividimos a revista em três partes. Entre as inúmeras possibilidades
de trabalhar com os mitos, os três primeiros artigos que compõem esta primeira
parte trazem como contexto o teatro espanhol e sua relação com os textos
clássicos. Em “El teatro español de las últimas décadas y el mito clásico”,
Carmen Gallardo se põe a analisar, por meio de dez obras teatrais estreadas
na Espanha entre 1992 e 2007, o uso que os dramaturgos fizeram do mito
1 PAVIS, Patrice. O teatro no cruzamento de culturas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
2014-
jan. - abr. - n. 1 - v. 24 - A L E T R I A
7
clássico nesse país e quais as personagens escolhidas, a fim de traçar um panorama das
preferências dos espanhóis, seja para destruir, seja para recuperar. Em “Diálogos de las
muertas: Los bosques de nyx de Javier Tomeo”, Luis Unceta Gómez faz a leitura de algumas
das peças de Los bosques de Nyx, do aragonês Javier Tomeo Estallo, mirando Luciano de
Samósata. Em “El mito clásico a través de la obra teatral de Lourenzo”, Helena Maquieira
e Maria Eugenia Rodríguez Blanco realizam a análise de Fedra e Últimas faíscas de
setembro, obras teatrais do autor galego contemporâneo Manuel Lourenzo, que abordam,
a partir de perspectiva distinta, as figuras míticas do feminino terrível materializado por
Fedra e Medea.
Na segunda parte, os trabalhos que se seguem tratam da releitura dos mitos gregos
e têm como enunciação produções dramatúrgicas e espetaculares produzidas dentro do
contexto das Américas. Alina Gutiérrez Grova nos apresenta “Electra Garrígó: el estéril
(y ridículo) decoro de los atridas”, artigo em que discute a peça do cubano Virgilio
Piñera. Elina Miranda Cancela traz a discussão de “Medea en las Antillas hispânicas” e
reflete sobre as novas ressonâncias que a figura de Medeia ganhou no século XX,
recuperando o debate no diz respeito à barbárie e às questões que se referem ao próprio
e o “outro”. Gustavo Herrera Díaz, em “Mitos clásicos en el teatro del Caribe.
Presentación y renovación de un corpus”, apresenta um panorama da presença dos mitos
clássicos no teatro ibero-americano, enfocando as obras das Antilhas hispânicas,
relacionando-as com as produzidas em outras regiões do Caribe. Helena GonzálesVaquerizo, com seu trabalho “Podrías llamarte Antígona, un drama mexicano
contemporáneo”, analisa os elementos do teatro grego presentes na obra dramática Podrías
llamarte Antígona, da autora mexicana Gabriela Ynclán. Lidia Gambon, em “Nuestras y
“otras”: mujeres trágicas en el teatro argentino actual”, toma como ponto de reflexão as
personagens Antígona, Electra e Medeia na dramaturgia argentina dos últimos sessenta
anos, analisando as peças Medea de Moquehua (1992), de Luis M. Salvaneschi; La
oscuridad de la razón (1993), de Ricardo Monti; e AntígonaS: linaje de hembras (2001), de
Jorge Huertas. Sara Rojo, em “La potencia del deseo en tres relecturas de heroínas
clásicas”, retoma três peças latino-americanas que foram baseadas nas tragédias clássicas
de Fedra, Antígona e Medeia, respectivamente, La viuda de Apablaza, de 1928, no Chile,
de Germán Luco Cruchaga; Antígona Vélez, de 1952, de Leopoldo Marechal, na
Argentina; e Klássico (com k), de 2013, do Mayombe Grupo de Teatro, no Brasil, propondo
uma análise das personagens femininas a partir da teoria de Rancière.
Na terceira parte, os dois últimos trabalhos que têm como foco os clássicos dão
destaque ao teatro brasileiro. Em “Elementos plautinos em O santo e a porca, de Ariano
Suassuna”, Matheus Trevizam analisa o diálogo que Suassuna estabelece com a Aulularia,
de Tito Mácio Plauto; e, por sua vez, Marcos Antônio Alexandre, com seu artigo “Deuses:
da origem do universo à origem do teatro – do texto dramático ao texto espetacular”,
discute sobre a importância da adaptação de textos clássicos para a contemporaneidade,
tendo como objeto de leitura a peça Deuses: da origem do universo à origem do teatro, de
Ederson Miranda.
Este número da Aletria traz ainda na seção Varia quatro trabalhos. Em “A cicatriz
de Homero em Milton Hatoum”, Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa propõe uma leitura do
romance Dois irmãos, de Hatoum, estabelecendo uma comparação com uma cena de
8
A L E T R I A - v. 2 4 - n .
1
- jan. - abr. -
2014
reconhecimento na Odisseia, de Homero, analisando o estratagema proposto na revelação
da cicatriz de Ulisses. Rodrigo Ielpo, em “Subjetivação e olhar na escrita de Georges
Perec e Manoel de Barros”, discute a questão do deslocamento da memória como resgate
do passado para o presente, tendo como análise comparativa os livros Penser/classer e
Memórias inventadas. Em “Minúsculas repúblicas em Terra fria, de Ferreira de Castro”,
Iza Gonçalves Quelhas, a partir da concepção de cronotopo de Mikhail Bakhtin, propõe
uma reflexão sobre o romance do autor português. E Anselmo Peres Alôs, em “Percursos
de investigação literária: o lugar da literatura infantil nos estudos de literatura
comparada”, busca delinear e sistematizar os percursos teóricos de investigação, no campo
dos estudos comparatistas, relativos às pesquisas que tomam a literatura infantil como
objeto de análise.
Por fim, este número da revista é encerrado com a resenha das obras Pequeno livro
das coisas (2012), de João Pedro Mésseder; e The storytelling animal: how stories make us
human, de Johathan Gottschall, trabalhos desenvolvidos, respectivamente, por João
Manuel Ribeiro e Marcus Assis Lima.
Os textos reunidos neste número demonstram a diversidade e a riqueza da produção
acerca deste novo veio de pesquisa que contemplamos, a Recepção dos Clássicos e dos
mitos que integram os estudos teatrais ibero-americanos e suas adaptações, releituras e
ressignificações através dos séculos e em nossa contemporaneidade. São trabalhos
relevantes e que permanecerão como fonte de pesquisa para se pensar o porquê de
lermos os clássicos por meio de um viés comparatístico.
Marcos Antônio Alexandre
Carlinda Fragale Pate Nunez
Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet
2014-
jan. - abr. - n. 1 - v. 24 - A L E T R I A
9
D o s s i ê
AA
EL
TEATRO ESPAÑOL DE LAS ÚLTIMAS DÉCADAS
Y EL MITO CLÁSICO
THE
SPANISH THEATER IN RECENT DECADES AND THE CLASSIC MYTH
Carmen Gallardo*
Universidad Autónoma de Madrid
RESUMEN
El trabajo pretende analizar, a través de diez obras teatrales,
estrenadas o publicadas en España entre 1992 y 2007, el uso
que han hecho del mito clásico los dramaturgos y dramaturgas
en estas últimas décadas en nuestro país, a fin de reflexionar
sobre qué personajes o relatos míticos prefieren, con qué
intención los utilizan o cómo los recodifican mediante la
inversión, desestructuración, desmitificación o trivialización
de las antiguas leyendas, héroes y heroínas.
PALABRAS CLAVE
Mitos, tragedia griega, Odisea, teatro español
contemporáneo
1. I NTRODUCCIÓN
Comienzan a ser significativos los estudios que recientemente se han realizado
sobre la recreación de los mitos clásicos en el teatro español contemporáneo. Estudios
de enorme interés a los que hay que remitir necesariamente, como los de Ragué Arias,
Diana de Paco Serrano, o Christina Mougoyanni.1 Ellos me han guiado en este recorrido.
Debería empezar diciendo que las formas narrativas de los mitos griegos han sido
un recurso frecuentemente utilizado en el teatro español contemporáneo, o que la
reescritura de los personajes y las leyendas de la mitología clásica ha sido recurrente en
* [email protected]
1
RAGUÉ ARIAS, El teatro de fin de milenio en España: (de 1975 hasta hoy), Lo que fue Troya:
los mitos griegos en el teatro español actual; DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro
español del siglo XX; MOUGOYANNI, El mito disidente. Ulises y Fedra en el teatro español contemporáneo
(1939-1999). Este último contiene un excelente repertorio de obras teatrales españolas sobre mitología
griega correspondientes a ese periodo, clasificadas por mitos.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
13
la historia del teatro de nuestro país, o que es indudable que los mitos del drama heleno
constituyen una constante en las creaciones teatrales de los últimos años. Y así lo hago,
porque es la realidad. El número de obras publicadas o representadas desde 1990 hasta
hoy que se han servido de los relatos o de mitemas o de motivos mitológicos es notable.
He aquí algunas de ellas.
Sobre los Atridas: Electra Babel, de Lourdes Ortiz (1992); Los restos. Agamenón
vuelve a casa, de Raúl Hernández García (1996); Electra, de Fermín Cabal (1997); Si un
día me olvidaras, de Raúl Hernández García; La noche de Casandra, de José Monleón (et
al.) (2001); Lucía, de Diana de Paco (2002); La Orestiada. Cenizas de Troya, de Diana
de Paco (2006).
Sobre la Odisea: Ulises/Penélope: Las voces de Penélope, de Itziar Pascual (1996);
Carmen Penélope, de Fernando Macías (1997); Ulises, de Gustavo Montes (2005); Soy
Ulises, estoy llegando, de Ainhoa Amestoy (2007).
Sobre Edipo: Los Edipos o ese maldito hedor, de Luis Riaza Garnacho (1991); Edipo
Café, de Luis Riaza Garnacho (1991); Edipo abandonado y otras farsas, de José Luis
López Cid (1992); Las máscaras. Retrato del resurrecto rey Edipo, de Luis Riaza Garnacho
(1997); Thebas Motel, de Luis M. González Cruz (1993).
Sobre Fedra: Martillo, de Rodrigo García (1991); Lagartijas, gaviotas y mariposas,
de Mª José Ragué Arias (1991); Los restos. Fedra, de Raúl Hernández García (1998).
Sobre Medea: A solas con Marilyn, de Alfonso Zurro (1998); Medea, de Fermín
Cabal (1999).
Sobre otros: Hiel, de Yolanda Pallín (1992); Ismene, de Juan Torres Jiménez (1998).
Sin aún abrir el telón, sin ni siquiera entrar en el texto, ya la mayor parte de los
títulos nos dicen algo. Por ejemplo, que los autores más jóvenes han optado por los
Atridas, por la pareja Ulises/ Penélope, por dos iconos de la tragedia: Fedra y Medea y por
Edipo. Parecen decirnos también que no son meras adaptaciones, sino que, en general, anuncian
un desplazamiento, una descontextualización, e, incluso, una transtextualización que, en
palabras de Christina Mougoyanni, requiere la alteración intencionada de las secuencias
míticas para producir una variación de significado en la obra.2 Por otra parte, el listado nos
dice que los años noventa han sido prolíficos en estos dramas que reescriben los mitos.
Ocuparse de todos los textos podría ser el trabajo de varios libros o varias tesis
doctorales, pero unas pequeñas incursiones en algunos de ellos tal vez nos permitan si
no extraer sólidas conclusiones, sí, al menos, hacer ciertas reflexiones sobre por qué y
para qué aquellas figuras mitológicas reviven vigorosamente en el s. XX y, también, en
el XXI.
2. L AS
VOCES DE
PENÉLOPE
En 1996, Itziar Pascual publica Las voces de Penélope. 3 En una estructura
fragmentada, en 20 escenas, tres mujeres, La Penélope homérica, La mujer que espera
2
3
14
MOUGOYANNI, o. c., p. 88.
Se estrenó ese mismo año, como una performance, en el Círculo de Bellas Artes de Madrid.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
(el otro yo de la autora), La amiga de Penélope, y un telar con el que habla Penélope,
que cobra vida como único personaje masculino, recrean el mito homérico centrándose
en el mitema de la espera. Es la espera de la mujer abandonada por el hombre al que
ama, su reacción ante la soledad y el proceso de transformación durante ese angustioso
tiempo lo que une a estas tres mujeres. La Penélope mítica, esposa fiel que aguarda el
regreso del héroe huye de la soledad dedicándose a su telar, mientras las otras dos,
mujeres de hoy, viven la espera entre teléfonos que no suenan, días de euforia y compras,
y días en los que hacen del alcohol y de las antiguas películas de Hollywood los amigos
con los que mitigar su tristeza. Pero esa soledad y esa espera van actuando en las tres y
generando en ellas un cambio sustancial. Casi sin percibirlo van distanciándose de sus
parejas e iniciando un encuentro consigo mismas. Sus reflexiones acerca del sentido de
la espera les revela que las ha hecho fuertes, más seguras de sí; les ha permitido conocerse
y aceptar su propia identidad. 4 Descubren una fuerza interior que les lleva a darse
cuenta de que pueden vivir sin ese hombre querido, de que no lo necesitan e, incluso,
de que desean la independencia.
El mito se desplaza para rastrear en la identidad femenina. No se trata ya del
viaje de Ulises, ahora es Penélope la que realiza el viaje, un viaje interior, un camino
recorrido hacia sí misma lleno de nostalgia, al final del cual, ella y las dos Penélopes
contemporáneas se sienten libres de la angustia y de la resignación de esperar. Se ven
dueñas de su vida. La historia de Penélope no es la que han contado. No esperaba a su
amado Odiseo, “me esperé a mí misma. Esa es mi verdadera historia”. 5
3. P OLIFONÍA
Como en Las voces de Penélope, en Polifonía, Diana de Paco también da la palabra
a las mujeres. En este caso, son cuatro heroínas míticas las que hablan: Penélope, Medea,
Fedra y Clitemnestra encerradas en un espacio oscuro y tenebroso, en una cárcel, que
es, en realidad, la cárcel de la conciencia. La obra se compone de 15 escenas, en siete
de las cuales conversan entre sí las cuatro y en las otras ocho, retrocediendo al pasado,
hablan con los héroes de sus historias. Ellas están muertas y representan su papel
tradicional: Medea, Clitemnestra y Fedra son transgresoras y asesinas y fueron castigadas
por sus crímenes con una muerte violenta. Sólo Penélope vive. Las tres heroínas trágicas
se niegan a enfrentarse a su pasado y aceptar su culpa. Penélope que se considera la
única inocente, piensa que debe obligar a sus compañeras a que hagan memoria de su
vida y afronten su realidad. Esta rememoración del pasado tiene lugar en los diálogos
con Teseo, Jasón, Ulises, Agamenón, Hipólito y Orestes, que son objeto de una total
desmitificación. Para Fedra Teseo es un asesino y un egoísta que la engaña; 6 Jasón es
4
PENÉLOPE: El tiempo me hizo menos dependiente (…) Sentí un cierto malestar al reencontrarlo. Me
había hecho conmigo misma (…) La espera me hizo más fuerte, más segura y descreída. Y un día
aprendí a esperar. A esperarme a mí misma. PASCUAL, Las voces de Penélope, p. 33 y 34.
5
Ibíd., p. 35.
6
FEDRA: “A tu padre no le importa. A él le da igual cuál es la mujer que calienta su cama, siempre que
no le falte el roce de un cuerpo femenino entre sus sábanas”. DE PACO SERRANO, Polifonía, p. 50.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
15
ambicioso y soberbio e irrespetuoso con Medea, a la que desprecia por extranjera. 7
Agamenón es a los ojos de Clitemnestra un cruel político corrupto, capaz de asesinar a
su propia hija por afán de poder y riquezas.8 Penélope afirma que Ulises es un mentiroso
indigno de su amor y fidelidad.9 Todos salen malparados, mientras que cada una de las
heroínas queda, en alguna medida, exculpada.
A través de las conversaciones se opera el proceso de concienciación de las cuatro.
Medea, Fedra y Clitemnestra, conducidas por Penélope, rompen “su pacto de silencio o
de olvido y van recordando sus trágicas historias hasta asumirlas, superarlas y encontrar
la paz interior”.10 Poco a poco van consiguiendo un yo propio y aprenden a quererse. A
su vez, éstas logran que Penélope sufra un proceso similar y entonces se da cuenta de
que ella tampoco ha hecho frente a su tragedia y que también es culpable. Percibe
claramente que su tragedia es el fracaso de su amor y que su culpa es haber matado a
Ulises porque, aunque él no está muerto, sí lo está para ella. Cuando el héroe regresa,
no quiere reconocerlo, ya no le importa. Es demasiado tarde.11 Esta inversión de Penélope
la convierte también en transgresora. Las cuatro heroínas se nos muestran como víctimas
de una sociedad dominada por hombres y, a la par, como delincuentes. Hartas del
sometimiento al que la sociedad las condena, se convierten en asesinas de sus agresores,
y en ellas se escucha la situación de muchas mujeres de nuestros días.
Late también en este drama, según los estudiosos han señalado, otro tema de
absoluta actualidad: la marginación social y la xenofobia. Contra ello gritan Fedra y
Medea, se rebelan y exigen un reconocimiento. Hay quien ha visto, además, en la
necesidad de olvidar y no irrumpir en un pasado lleno de crímenes y de culpabilidad,
en el pacto de silencio que quiebran estas mujeres, una similitud con la situación política
de España en la transición y la puesta en cuestión hoy de esos pactos tan peligrosos que
impiden recuperar la verdad trágica para reconciliarse con ella.12
7
JASÓN: “…Yo te saqué de entre los bárbaros, te enseñé, te eduqué, Aprendiste a vivir en la civilización,
rodeada de la comodidad y el progreso que hasta entonces desconocías (…) eres una bestia feroz.
¡Vuelve a tu selva, Medea!”, ibíd. p. 85.
8
CLITEMNESTRA: “Tú y tus sucios negocios, se te fue de las manos y tuviste miedo de perder tus
riquezas e incluso tu vida, pero entre todo eso, mi hija Ifigenia no tenía nada que ver (…) ¡Canalla! Te
he perdonado tus infidelidades, tu desatención, he compartido tu propaganda corrupta, (…) Eres
egoísta, hipócrita, y por encima de todo un salvaje asesino, el peor criminal”, ibíd. p. 63, 66 y 67.
9
PENÉLOPE: “Él me engañó, me dijo que iba a luchar, consiguió que le creyera, que aceptara sus
mentiras y que asumiera paciente la espera que me estaba destinada”, ibíd. p. 55.
10
Son palabras de Wilfried Floeck en la introducción, ibíd. p. 17.
11
PENÉLOPE: “Tú no eres Ulises. Mi esposo era bueno, compasivo, sincero. Tú eres un tirano que
conoce su larga ausencia y se ha querido aprovechar (…) se ha desvanecido la ilusión, el recuerdo e
incluso el amor que por Ulises sentía entonces. Ulises ya no me importa, no quiero que vuelva”, ibíd.
p. 95-96.
12
Wilfried Floeck, en la introducción, ibíd. p. 15 y 20.
16
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
4. L A O RESTIADA. C ENIZAS
DE
TROYA 13
En 2006 la misma autora, Diana de Paco, escribe La Orestiada. Cenizas de Troya.14
No es de extrañar su interés por los temas mitológicos ya que es profesora de literatura
griega en la universidad de Murcia. En esta versión libre de la Orestiada, los personajes
de la tragedia conservan sus nombres y su historia, pero esta puede situarse en pleno
siglo XX. De hecho, en la puesta en escena de la obra en el teatro Romea de Murcia
(2007), la actualización de la antigua tragedia se materializa en un Orestes, vestido de
pantalón de cuero rojo ceñido y una camiseta negra sin mangas, que, emocionado,
recita en tono solemne ante la tumba de su padre en Argos; en un Egisto con camisa
naranja y tirantes blancos, un evidente guiño, sin duda, al vestuario de la mafia; o en
un Agamenón muerto a tiros.
El texto nace del diálogo entre la Orestiada de Esquilo, la Electra de Sófocles, las
tragedias de Eurípides sobre los Atridas y el Agamenón o el Tieste de Séneca. “La historia
es la destrucción de una familia sustentada en el crimen, y, por extensión, de una
sociedad, de un país, de Europa, del mundo” –según señaló el director de esta puesta
en escena–, “es la tragedia de un enfrentamiento familiar”, que le sirve a Diana de
Paco para defender que nunca se responda “a la violencia con más violencia y que sea
la Justicia en un estado democrático la que sustituya a la venganza”.15
5. E LECTRA, B ABEL
La saga de los Atridas, indicaba al comienzo, parece ser fuente de inspiración en
el teatro más reciente. Lourdes Ortiz, otra escritora que reincide en el mito como tema
de sus obras, publicó en 1992 Electra Babel.16 Diana de Paco ha realizado un excelente
estudio de esta pieza.17 La obra consta de un solo acto que se desarrolla en una playa.
Una chica joven, Electra, se mueve entre la realidad, el subconsciente y sus recuerdos,
mientras observa y conversa con distintos personajes. El juego entre el pasado legendario
y el presente se articula a través del lenguaje –lírico para la evocación y coloquial para
13
Esta obra se encuentra inédita. La información que de ella tenemos procede de MARTINEZ,
MARTÍNEZ, “Adaptación del mito de Orestes a la escena española contemporánea”, y de dosieres y
reseñas colgadas en la pág. web del grupo murciano de teatro “Alquibla”. Disponible en:
http://www.alquiblateatro.com/index.php?option com producciones.
14
Se estrenó en 2006 en el teatro Guerra de Lorca de Murcia, pero la presentación oficial tuvo lugar en
el Festival de Teatro Clásico de Mérida, en agosto de 2007. La obra fue llevada después a distintos
lugares, siempre a cargo del grupo teatral murciano “Alquibla”, bajo la dirección de Antonio Saura.
15
Así se expresaba el director, que contó para su versión con la estrecha colaboración de la propia autora.
Las reflexiones de ambos han sido recogidas en “Notas para una puesta en escena. A caballo entre la
tradición y la innovación” (Antonio Saura, diciembre de 2005) y “Sobre el proyecto” (Diana De Paco
Serrano, junio de 2006), recogidas en MARTÍNEZ MARTÍNEZ, o. c., p. 49-52.
16
ADE. Revista de Teatro, n. 25, p. 35-47.
17
DE PACO SERRANO, “El significado del mito en Electra-Babel de Lourdes Ortiz”; La tragedia de
Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 289-307.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
17
el hoy–, a través de la presencia individual o coral de los protagonistas18 y a través de
un doble espacio, la arena, el espacio de la realidad, y el mar, de donde salen los
personajes míticos, cada uno de los cuales “aísla un mitema de la historia de los
Atridas”. 19
Apenas hay acción o argumento. Es teatro de la palabra. Interesa no lo que les
sucede a unos y a otros, sino los diálogos en el que los interlocutores expresan sus ideas,
el diferente modo de ver las cosas, sus deseos, sus angustias, sus temores. El título,
“Electra-Babel”, advierte de lo que ocurre en esos diálogos, y es que cada personaje
habla su propio idioma. Obsesionados con sus problemas, todos conversan sobre sus
asuntos o sus preocupaciones, pero no llegan a comunicarse, como si hablaran lenguas
distintas. Aquí, igual que sucede en otros dramas revisados, la chica de la playa
experimenta un proceso de anagnórisis: su afán de recuperar recuerdos está encaminado
a un conocimiento de ella misma.
En ese viaje de introspección, el mito es de nuevo un recurso empleado para
mostrar y reprobar el maltrato y el obligado sometimiento y sujeción al hombre, de lo
cual se lamenta Clitemnestra, que envidia la actitud de Helena. 20 Las heroínas se
convierten en prototipos de reivindicación de la libertad. La obra es un homenaje a la
mujer, una enérgica defensa de ella. A Clitemnestra de alguna manera se la disculpa,
mientras Agamenón es considerado como un auténtico perverso.
La protagonista ve en los episodios míticos escenas de su vida. Tiene eso que se
ha llamado “conciencia mítica”. Pretende identificarse e identificar su entorno con
arquetipos míticos que conoce, y el resultado final es la frustración, pues el mito ya no
es posible.21 Su insatisfacción, su incapacidad para formar parte del mundo que le toca
vivir la conduce al interior del mar. No ha sido capaz de encontrarse. Su solución es la
huida. Pero esa huida, aparentemente un suicidio, es más bien una entrada en el mito.
Esta muchacha, que descubrimos que se llama Electra, parece tomar conciencia de que
es calco de aquella y, por eso, se introduce en el mar, el espacio del que Lourdes Ortiz
hace salir a los protagonistas de las antiguas leyendas, donde quizá encuentre refugio.
El mar se confirma como símbolo del subconsciente, el único lugar en el que es posible
que se sienta acogida.
6. LOS
RESTOS…
A GAMENÓN
VUEL
VE A CASA
VUELVE
Un proceso de anagnórisis similar plantea la Electra de Raúl Hernández,
protagonista de Los restos… Agamenón vuelve a casa. La obra es un largo diálogo quebrado
18
Los que representan a individuos del siglo XX aparecen como “chicos” o “chicas”, sin nombre propio,
personajes genéricos que funcionan como el antiguo coro. Las figuras míticas, sin embargo, o bien son
llamadas en algún momento por su nombre, o reconocibles por ciertos rasgos y señas inconfundibles. Son
“la muchacha/Electra”, “el niño/Orestes”, “el guerrero”, que, sin duda, remite a Agamenón, y “la
mujer” y “el hombre” con características y escenas que evocan a Clitemnestra y Egisto.
19
DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 296, n. 475.
20
“Y Helena fue más lista, se largó con el primero que llegó, como yo misma debía haber hecho”,
ORTIZ, Electra-Babel, p. 45.
21
DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 306.
18
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
por monólogos –como estásimos corales22– entre una muchacha y un vagabundo, en el
que ambos reflexionan sobre sus vidas y confiesan sus sentimientos. Comienza con la
llegada del viejo mendigo a una casa en busca de un tal Joaquín Sierra, donde encuentra
a una joven con un vestido blanco, salpicado de sangre, que le responde que la persona
por la que pregunta vivió allí, pero se marchó hace años y nadie ha vuelto a saber nada
de él. Se entabla entre ellos una conversación, en la que, sobre todo a través de los
monólogos que la interrumpen, el espectador va conociendo la trágica y triste historia
de ambos.
La joven cuenta que ha vivido encerrada en su casa, humillada y castrada por su
madre, a la que odia porque no le ha permitido conservar ni un recuerdo de su padre,
que le ha dicho que murió cuando era muy pequeña y del que ha borrado toda huella.
La odia también porque ha abierto su casa a los hombres y se ha entregado a ellos con
desvergüenza. No la considera su madre, sino una mujer culpable, que ha perdido su
dignidad; la odia, además, porque le ha robado la juventud y la belleza, ha intentado
hacer de ella su alterego, hasta el punto de convertirla en su rival. Todo ello la ha
conducido a dar muerte a su madre y al hombre que ha ocupado el lugar de su padre,
arrastrada por un deseo irrefrenable de venganza.
El anciano recuerda que escapó de su hogar por una infidelidad no perdonada y
que ha pasado 10 años vagando sin domicilio y sin nombre, viviendo como una rata en
las alcantarillas, “entre restos”, alcoholizado. Decide volver a su casa para enfrentarse
con una nueva tragedia, pero llega tarde. Pues en el encuentro, que tiene lugar en los
últimos momentos de la obra, cuando el vagabundo y la muchacha se reconocen como
padre e hija, él se da cuenta de que su hija acaba de matar a su madre y se manifiesta
la certeza de un encuentro imposible. Ella le suplica que apoye y legitime su crimen y
comiencen una vida juntos. Él, sin embargo, le recrimina su monstruosa acción, si bien
reconoce parte de la culpa por haber huido. Tampoco aquí hay posibilidad de
reconciliación. Resulta imposible alcanzar la identidad con el modelo mítico, como
reconoce la muchacha: “Nunca me llegará mensajero avisándome que un mechón de
pelo de mi hermano honra le sepultura de mi padre (…) Nunca vendrá él como enviado
de los dioses, avisándome que el día de la venganza está próximo. Nunca empuñaré el
cuchillo que limpie esta casa de las ofensas de mi madre”.23 Tal inversión del mito, en la
que Electra asesina a Clitemnestra antes de que esta pueda matar físicamente a
Agamenón, nos deja en la retina la diferencia entre el relato mítico y la situación de los
hombres de hoy, envueltos en la desesperanza, cuyas acciones carecen de la satisfacción
del deber y la justicia cumplidos. No hay acto heroico, sino crimen. No hay culpa
heredada, sino error personal. No hay vencedores ni vencidos, sino víctimas. La Orestía
en esta ocasión se reescribe para reflexionar sobre la imposibilidad de recuperar, rectificar
o borrar el tiempo pasado, en ese “nostos frustrante”24 del antihéroe. Y se relee y reescribe
22
El autor mismo explica la doble función de los monólogos, que no solo “desarrollan aspectos de la
psicología e historia íntima del personaje”, sino que “acercan el teatro al rito y, como tal, aproximan la
situación de los protagonistas a sus correlatos míticos”. HERNÁNDEZ GARRIDO, “Los surcos de la
lluvia. Algunas reflexiones sobre experiencias en la escritura teatral contemporánea”, p. 27.
23
HERNÁNDEZ GARRIDO, Los restos. Agamenón vuelve a casa, p. 23. Cito por el texto en red.
24
DE PACO SERRANO, La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX, p. 335.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
19
desde Freud y el psicoanálisis para repensar sobre la madre castradora, sobre la obsesión
de la hija por la figura del padre y el rechazo hacia la madre, sobre la rivalidad de
ambas, sobre el desengaño y decepción de la mujer abandonada o sobre el abuso sexual
a jóvenes por parte de padres o familiares.
7. L UCÍA
Una vez más, Diana de Paco recrea la tragedia griega. Una nueva Electra de final
trágico es esta Lucía, publicada en Murcia, en 2002. Lucía, encerrada en un psiquiátrico,
anhela aclarar la muerte de su padre, Augusto, y la desaparición de su hermano, Carlos,
y culpabiliza de esas desgracias a su madre, Cristina, y al amante de esta. Al final, el
espectador descubre que ha sido la propia Lucía la que ha provocado el infarto de su
padre, al hacerle ver el adulterio de Cristina. Cuando Lucía se da cuenta de la realidad,
se suicida. Esta historia, que la protagonista confunde en su delirio con la los Atridas,
en los que Lucía, Cristina, Augusto, Carlos y Eduardo van descubriéndose como Electra,
Clitemnestra, Agamenón, Orestes y Egisto, cuestiona sobre todo la condición de víctima:
“¿Cuándo querrás darte cuenta de que no existen víctimas. Ni él, ni yo, solo somos
personas de carne y hueso que sufren y se defienden como pueden”. 25 Y, por tanto, que
no hay que buscar culpables. Por eso, la mujer transgresora, víctima y delincuente a la
par, es liberada de su culpa. Esta Electra reconstruida con una parte de Clitemnestra,
pues es ella quien mata a Augusto, su padre, presenta igualmente una conciencia mítica.
En la sombría y triste habitación del hospital psiquiátrico, donde se desarrolla casi toda
la obra, Lucía tiene consigo un libro. Casi al final, nos confiesa que se trata de La
Orestiada y que es ese libro el que le dio la clave de todo. Por él fue consciente de lo
que iba a suceder, aunque no pudo evitarlo, pero sabe que, aunque su hermano haya
muerto, volverá: “El volverá doctor, está escroto que volverá (…) Es posible que Carlos
muera en prisión, pero entonces vendrá Orestes….Vendrá pronto y será como Carlos…Y
yo como su hermana”. 26 El doctor la recrimina que quiera identificarse con la joven de
esa historia, que desee que su hermano sea Orestes y su madre una abominable asesina.
Ella, como la Electra de Lourdes Ortiz, ansía repetir el esquema mítico que el libro le
proporciona, intenta identificarse e identificar a los demás con los arquetipos de la
tragedia griega. Pero el reconocimiento de esa imposibilidad la lleva a su final. Se
arroja por la ventana.
8. MEDEA
Tras las Penélopes y las mujeres de los Atridas, llegan las Medeas, de las últimas
Medeas que la escena española nos ha brindado ya hemos mencionado la que recrea
Diana de Paco en Polifonía. Una Medea que se ampara en la compañía, el consuelo y la
25
26
20
DE PACO SERRANO, Lucía. La antesala, p. 56.
Ibíd. p. 78-79.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
solidaridad de Clitemnestra, Fedra y Penélope, protagonistas, como ella, del
quebrantamiento y el desacato, defensoras de la legitimidad de sus acciones y que
intentan superar, como pueden, el sentimiento de culpa. Una Medea que siente que
nadie la ha sabido comprender y, en medio de su insoportable dolor, repite una y otra
vez que no ha matado a sus hijos por venganza, sino para liberarlos del sufrimiento que
ella ha padecido, para salvarlos de la tiranía de Jasón.
La intención de la autora es, como señalan los estudiosos, 27 recodificar ese
antiprototipo femenino que tradicionalmente ha sido Medea para presentarla no como
una parricida, sino como una figura reivindicadora de la injusta situación que la mujer
soporta con respecto al hombre, que incita al espectador a ponerse de su lado ante el
abuso y opresión que esta padece. En la reescritura de la heroína se produce un
desplazamiento hacia la comprensión de las razones que la han llevado a cometer tan
tremendo crimen. Pero, desde una perspectiva contemporánea, también Medea se erige
como un elemento de reflexión sobre la necesidad de cuestionar la “rígida moral trágica
que divide al mundo en culpables e inocentes”.28 La culpa y su expiación es un tema
nuclear y recurrente en la dramaturgia de Diana de Paco.
9. A
SOLAS CON
MARIL
YN 29
ARILYN
Una Medea muy actual es la de Alfonso Zurro. A solas con Marilyn nos cuenta la
historia de una cajera de supermercado a la que su marido ha dejado por otra mujer
llamada Marilyn. Ese nombre evocador de uno de los grandes mitos del cine, preñado
de erotismo y de deseo, no puede sino causar, además de dolor, vértigo en la abandonada.
En medio de su insoportable desolación, la cajera, recibe la visita del abogado de su
exmarido que le comunica la intención que este tiene de quitarle a su pequeño hijo, lo
único que le queda. Ella, entonces, se rebela y decide ahogar al niño, apretándolo
contra su pecho: “no Marilyn esto ya no es soportable nadie me lo va a arrebatar voy a
detener la locura de ese hombre que por tu culpa quiere arrebatarme lo que más amo
me arrastráis hacia el acto más inhumano que pueda llevar a cabo una mujer el más
loco el más sanguinario el más infame el más salvaje no me dejáis otra escapatoria no
tengo salida (…) yo que le di la vida sí voy a quitársela”. 30 La pieza, dividida en 33
fragmentos, es casi toda ella un monólogo escrito sin puntuación, que discurre a saltos.
No hay ni la más ligera mención al mito clásico, pero en la obra se reconocen los mitemas
de la antigua tragedia. Otra vez, la evocación de la Medea trágica, encarnada en una
mujer corriente de nuestra sociedad, procura una mirada sobre la violencia en el hogar,
sobre los problemas que brotan en un mundo en el que las mujeres luchan por la igualdad
y la familia tradicional se desestructura, y los brutales sentimientos y emociones que
ello puede suscitar: celos, odio, venganza.
27
Cf. la introducción de Floeck en DE PACO SERRANO, Polifonía, p. 13 y 20 y NIEVA DE PAZ, “Las
transformaciones de un antiprototipo femenino: Medea en el teatro español contemporáneo”.
28
NIEVA DE PAZ, o, c. p. 38.
29
Editada en Galaor, Sevilla, en 1998, fue estrenada ese mismo año en Madrid, en la Sala Cuarta Pared.
30
PÉREZ JIMÉNEZ, Manuel, Antología del Teatro Español Actual, p. 83.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
21
10. U LISES
Es evidente que en este periplo por el teatro más reciente, se percibe un exceso
de mujeres, ya sean escritoras, ya protagonistas de las obras. Y no es casual. En primer
lugar, porque, de algún modo, pone de manifiesto la normalización de la presencia de la
mujer en todos los ámbitos del teatro y no sólo en la interpretación: cada vez son más las
dramaturgas. En segundo lugar, porque las mujeres del mito resultan especialmente
atractivas para denunciar o reivindicar cuestiones planteadas y discutidas vivamente
en la sociedad del siglo XXI. Pero no faltan obras –el propio listado seleccionado nos lo
dice– que focalizan su atención en el héroe: Edipo, Agamenón o Ulises. Por ejemplo,
Thebas Motel, Los Edipos o ese maldito hedor, Ulises y Soy Ulises, estoy llegando. Me voy a
referir a estas dos últimas, las más recientes y, por distintos motivos, singulares.
Ulises es una brevísima pieza publicada en 2005 por Gustavo Montes, uno de los
fundadores del Teatro Hurgente, que tiene como premisas la creación de obras intensas
cuya duración no supere la media hora, basadas en noticias aparecidas en los medios de
comunicación. Se inspiró para ella en una nota leída en el periódico El Mundo que
daba cuenta de la desaparición de un músico cubano de 70 años, escapado de un hospital
y perdido en Madrid.31 En este corto texto, que el autor nos propone hermanarlo con el
relato homérico, ya que lo titula “Ulises”, que es también el nombre del protagonista,
no hay viaje de aventuras. Sin embargo, se escucha una canción –“Te esperaré”– que
nos sugiere la rescritura del mitema de la espera, pero visto desde el deseo del héroe. El
viaje de este Ulises anciano y ciego es su debate entre volver a casa o al hospital o
quedarse en un vertedero, donde encuentra una mendiga loca con la que se siente a
gusto. Los impedimentos de su regreso no son las Circes o Calipsos, sino su confusión, la
pérdida de memoria, el olvido del camino. Una frase que repite desde el comienzo: “Mi
mujer está esperándome” se descubre como un impulso que le empuja a conseguir algo
que desconoce, pero que ansía, ya que su mujer no puede esperarle, porque ha muerto
y sus cenizas van con él en una urna. En medio de su desconcierto, toma la decisión de
arrojar las cenizas al aire y despedirse de ella: con un “adiós Carmela”. La obra concluye
con estas palabras entre la mendiga y el viejo: “Yo me llamo Ulises” dice él. Y ella
contesta: “Bienvenido a casa Ulises. Te estaba esperando”. Por fin, el viejo músico ha
encontrado su Ítaca: un hogar, una compañía. No es Penélope la que espera, sino Carmela,
pues así bautiza el viejo a la mendiga con el nombre de su mujer muerta; “VIEJO: ¿Cuál
es tu nombre? MUJER: No sé. ¿Cómo te gustaría llamarme? VIEJO: ¿Carmela? MUJER:
¿Sabes? Acabo de acordarme. Creo que me llamo Carmela”. 32 El mito se recrea
poéticamente en un vertedero. En los nombres de ambos, Ulises y Carmela, se unen la
leyenda y el hoy. El antiguo mito y un espacio simbólico, universal: el del deseo.
31
Sin embargo Gustavo Montes le confiesa a Mabel Brizuela: “Mi Ulises… también es en parte otro
cubano, un anciano amigo mío… Con su última mujer –Carmela– … con la que no llegó a casarse
oficialmente, vivió treinta apasionados y turbulentos años en Madrid, hasta que ella enfermó de cáncer
y falleció. Hoy, Roberto Lázaro Ochoa –mi anciano amigo– apura la vida en su pequeña buhardilla,
acompañado por un gato, un canario... y un tarro con las cenizas de su mujer, que tiene en lugar
destacado del salón y al que en momentos de soledad y alcohol le habla”, Alfilo, n. 17. Disponible en:
www.ffyh.unc.edu.ar/alfilo/anteriores/alfilo-17/investigacion.htm.
32
Tomado de BRIZUELA, Mabel, “De Penélope a Carmela: ostensión del personaje homérico en dos
obras del teatro español actual”, p. 75.
22
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
11. S OY ULISES,
ESTOY LLEGANDO
Un contrapunto de este poético Ulises nos lo brinda Ainhoa Amestoy en Soy
Ulises, estoy llegando, obra estrenada en 2007. Si bien, puede verse como una divertida
comedia, sin más; es inevitable que un espectador, conocedor de la Odisea, no la reciba
como una parodia burlesca. Entretejiendo el poema de Homero con las Heroidas de
Ovidio o con la recreación de la Odisea en la cultura de masas a través del politono del
móvil del protagonista que repite la melodía de “Penélope” de Serrat, construye con
singular fidelidad a los textos clásicos un héroe trivializado. Un Ulises enamoradizo,
frívolo, vanidoso y engreído, rodeado de mujeres con las que coquetea. Desde Atenea,
con la que ha tenido alguna aventura amorosa hasta Circe, una señora de discoteca
que hechiza con drogas de diseño a los hombres, o hasta una Calipso obsesiva enganchada
al Lexatín o hasta una pija colegiala, Nausicaa. Este Ulises es un mentiroso enfermizo,
miente insistentemente a todos sus amores que sometidas le reclaman: a Calipso, a
Circe o a Nausicaa y, sobre todo a Penélope que, cansada de tanta excusa, le envía el
siguiente e-mail: “No me contestes, mejor ven en persona”, como decía la Penélope de
Ovidio.33 Todas representan diferentes tipos femeninos: la dominante, la depresiva, la
mejor amiga. Todas lo juzgan. El enredo concluye con el vulgar héroe aferrado a su
móvil en llamada en espera con todas ellas, a cada una de las cuales les dice: “ya estoy
llegando”. Este Ulises postmoderno y desmitificado, que revive todos los episodios
amorosos de la Odisea, subraya fundamentalmente un modo de comportamiento: la falta
de compromiso.
C ONCLUSIONES
Basten estos testimonios para llegar a unas breves conclusiones:
• La primera, ya la adelanté, es que los mitos preferidos por los más jóvenes escritores
teatrales españoles son: la saga de los Atridas, el mito de Ulises, las historias de Medea
y Fedra y la figura de Edipo. Ya no hay Antígonas en nuestro teatro.
• Aunque también hay dramaturgos que han hecho lecturas feministas de los mitos, el
auge actual del teatro escrito por mujeres ha motivado que una de las funciones
fundamentales de estos dramas mitológicos sea la deconstrucción de los modelos
patriarcales y la reconstrucción de nuevos modelos de identidad y conceptos de vida
femeninos. Y, por ello, el protagonismo de ellas y su valoración positiva frente a la
negativa de los héroes.
• En esa línea, estas modernas y postmodernas obras se sirven de modelos míticos para
denunciar los abusos y violencia familiares y la injusta situación que en especial las
mujeres soportan.
33
Véase el comienzo de la carta de Penélope a Ulises, la primera de las Heroidas de Ovidio.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
23
• Asimismo denuncian la violencia de la sociedad, la xenofobia y la marginación, y las
guerras que arrastran terribles consecuencias, no situadas en un país determinado, sino,
como hijos de la globalización que los autores son, situadas en el mundo.
• También se escucha la reivindicación de la justicia sobre la venganza y el problema
de la culpa. En realidad, todos somos víctimas y culpables.
• Excepto en Las voces de Penélope, en Soy Ulises estoy llegando y en Ulises, donde la
ternura en esta última y el sarcasmo y el humor en las otras dos relajan al espectador, el
resto se desarrollan en un espacio inquietante, tenebroso, entre la vida y la muerte:
psiquiátrico (Lucía), cárcel (Polifonía), la casa del viejo y la muchacha (Agamenón vuelve
a casa).
• Con frecuencia los autores fusionan dos o más héroes, o heroínas en uno o una. Por
ejemplo se puede encontrar una Electra-Orestes-Agamenón, o una Electra-Clitemnestra
• Por último, la forma fragmentaria, el triunfo de la palabra, el carácter poético de los
textos o la conciencia mítica de los personajes son señas de identidad de este teatro de
fines del siglo XX y comienzos del XXI.
AA
A BSTRACT
This paper analyzes, through ten theatre plays, released or
published in Spain between 1992 and 2007, the use made of
the classical myth play wrights in recent decades in our
country, to think about what characters or mythical stories
are preferred, for what purpose are used by play wrights, and
how they deconstruct, demystify or trivialize the ancient
legends, heroes and heroines.
K EYWORDS
Myths, Greek tragedy, Odyssey, contemporary Spanish theatre
REFERENCIAS
BRIGNONE, Germán. Las voces de Penélope (1997), de Itziar Pascual: la espera como
perspectiva femenina del mito odiseico, Stichomithia, Valencia, n. 4, 2006. Disponible en:
<http://parnaseo.uv.es/ars/autores/pascual/voces/mendoza.pdf>. Acceso: 24 enero 2014.
BRIZUELA, Mabel. De Penélope a Carmela: ostensión del personaje homérico en dos
obras del teatro español actual, Osvaldo Pellettieri, Ed., Huellas escénicas, Buenos Aires,
Galerna, 2007, p. 71-76. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/ars/autores/pascual/voces/
penelope_carmela.pdf>. Acceso: 24 enero 2014.
DE PACO SERRANO, Diana. El significado del mito en Electra-Babel de Lourdes Ortiz,
F. Torres Monreal, coord. y ed. El teatro y lo sagrado. De M. de Ghelderode a F. Arrabal,
Murcia, Servicio de Publicaciones de Murcia, 2001, p. 372-384.
DE PACO SERRANO, Diana. La tragedia de Agamenón en el teatro español del siglo XX,
Murcia, Servicio de Publicaciones de la Universidad de Murcia, 2003.
24
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
DE PACO SERRANO, Diana. Mitos clásicos y teatro español contemporáneo. Identidad
y distanciamiento, coord. Mª Francisca Vilches de Frutos. Mitos e identidades en el teatro
español contemporáneo, Foro Hispánico. Revista Hispánica de Flandes y Holanda, AmsterdamNew York, n. 27, 2005, p. 53-63.
DE PACO SERRANO, Diana. Los «restos» del mito. Monteagudo, Murcia, n. 5, 3ª época,
2000, p. 219-222.
DE PACO SERRANO, Diana. Lucía. La antesala, Murcia, Editora Regional, 2002.
DE PACO SERRANO, Diana. Polifonía, Introd. de Wilfried Floeck, Murcia, Servicio
de Publicaciones de la Universidad de Murcia, 2009.
FLOECK, Wilfried. Mito e identidad femenina. Los cambios de la imagen de Penélope
en el teatro español del siglo XX, coord. Mª Francisca Vilches de Frutos, Mitos e
identidades en el teatro español contemporáneo, Foro Hispánico. Revista Hispánica de Flandes
y Holanda, Amsterdam-New York, n. 27, 2005, p. 23-29.
HERNÁNDEZ GARRIDO, Raúl. Los restos. Agamenón vuelve a casa, Madrid, Sociedad
General de Autores, 1999. Disponible en: <http://hernandezgarrido.com/.../
ESCLAVOS.3-LOS.RESTOS.AGAMENON>. Acceso: 24 enero 2014.
HERNÁNDEZ GARRIDO, Raúl. Los surcos de la lluvia. Algunas reflexiones sobre
experiencias en la escritura teatral contemporánea. Cuadernos de Dramaturgia
Contemporánea, Alicante, n. 2, 1997, p. 17-30. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/
Ars/Autores/Hernandez/ensayoshdez/ensayo1.htm>. Acceso: 24 enero 2014.
MAÑAS MARTÍNEZ, Mar. Penélope (y Ulises) en la dramaturgia femenina
contemporánea, Amaltea. Revista de mitocrítica. Madrid, n. 0, 2008, p. 277-302.
MARTINEZ MARTÍNEZ, José Manuel. Adaptación del mito de Orestes a la escena española
contemporánea. (Trabajo de fin de máster. Tutores: Dr. Campos Daroca y Dra. Romero
Mariscal, Máster Interuniversitario de Estudios Superiores de Filología y Tradición
Clásicas), Universidad de Almería, septiembre, 2011. Disponible en: <http://
repositorio.ual.es/jspui/bitstream/10835/1092/1/TFM.pdf>. Acceso: 24 enero 2014.
MOUGOYANNI HENNESSY, Christina. El mito disidente. Ulises y Fedra en el teatro
español contemporáneo (1939-1999), Pontevedra, Mirabel. Biblioteca de Theatralia, 2006.
NIEVA DE LA PAZ, Pilar. Las transformaciones de un antiprototipo femenino: Medea
en el teatro español contemporáneo, coord. Mª Francisca Vilches de Frutos, Mitos e
identidades en el teatro español contemporáneo, Foro Hispánico. Revista Hispánica de Flandes
y Holanda, Amsterdam-New York, n. 27, 2005, p. 31-42.
ORTIZ, Lourdes. Electra-Babel, ADE-Teatro (Revista Teatral de la Asociación de
Directores de Escena de España), Madrid, n. 25, abril, 1992, p. 35-47.
PASCUAL, Itziar. Las voces de Penélope. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/Ars/
Autores/Pascual/obras/text_castepenelope.pdf>. Acceso: 24 enero 2014.
PÉREZ JIMÉNEZ, Manuel. Antología del Teatro Español Actual. (Perspectiva estéticoformal), Alcalá de Henares, Universidad de Alcalá de Henares, 2008.
RAGUÉ ARIAS. El teatro de fin de milenio en España (de 1975 hasta hoy). Lo que fue
Troya: los mitos griegos en el teatro español actual.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
25
RAGUÉ ARIAS. Los grandes mitos femeninos griegos: Clitemnestra, Medea, Fedra,
Anales de la Literatura española Contemporánea (ALEC), Colorado (USA), vol. 34, n. 2,
2009, p. 173-190.
ZURRO, Alfonso. A solas con Marilyn, Galaor, Sevilla, 1998.
Recebido em 3 de fevereiro de 2014
Aprovado em 6 de maio de 2014
26
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
DIÁLOGOS
DE LAS MUERTAS
omeo*
Los bosques de Nyx de Javier TTomeo*
DIALOGUES
OF THE DEAD: JAVIER TOMEO’S LOS BOSQUES DE NYX
Luis Unceta Gómez**
Universidad Autónoma de Madrid
RESUMEN
El objetivo del presente trabajo es el análisis de algunas de las
claves interpretativas de Los bosques de Nyx, obra teatral del
narrador aragonés Javier Tomeo Estallo, para lo que el
planteamiento de la pieza se pone en relación con la fantasía
bangsiana, subgénero de la ciencia ficción, y en última instancia
con los Diálogos de los muertos de Luciano de Samosata.
PALABRAS
CLAVE
Javier Tomeo, Los bosques de Nyx, Recepción clásica, Diálogos
de los muertos, Fantasía bangsiana
1. EL
AUTOR
Javier Tomeo Estallo (Quicena, Huesca 1932-Barcelona 2013) fue autor de una
nutrida obra narrativa, constituida fundamentalmente por novelas breves, cuentos y
microrrelatos, entre los que destacan títulos como Ceguera azul (1969; publicado en
1986 como Preparativos de viaje), El castillo de la carta cifrada (1979), Amado monstruo
(1985), Bestiario (1988), Historias mínimas (1988), La ciudad de las palomas (1989),
Problemas oculares (1990), El mayordomo miope (1990), La agonía de Proserpina (1993),
El crimen del cine Oriente (1995) o La mirada de la muñeca hinchable (2003), algunos de
ellos con una importante repercusión internacional.
Desde sus primeras publicaciones, resulta llamativa la presencia del elemento
fantástico que interfiere en la cotidianeidad de sus personajes, así como cierta querencia
* Este trabajo ha sido realizado en el marco del proyecto de investigación «Marginalia. En los márgenes
de la tradición clásica» (FFI2011-27645), subvencionado por el MINECO.
** [email protected]
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
27
hacia el absurdo, que provoca lecturas incomprensibles de lo natural.1 Estos rasgos le
granjearon frecuentes comparaciones con la obra de Franz Kafka, con las que el propio
Tomeo estaba de acuerdo, 2 a las que añade una fuerza adicional a través del humor,
que, en ocasiones, hace virar sus planteamientos hacia el surrealismo, algo por lo que
suele ponérsele en relación con otro ilustre aragonés, Luis Buñuel. Y a pesar de ello,
hay en sus obras una clara insistencia en la soledad del ser humano, en su aislamiento
con respecto al mundo que lo rodea, así como cierta delectación en las taras de sus
personajes, ya sean estas físicas o mentales.
En lo que aquí nos interesa, y según se ha señalado ya,3 puede rastrearse en la
producción tomeana un amplio conocimiento de la literatura antigua, que le permite
algunas reelaboraciones insólitas del material mitológico. Además de la obra a la que
dedicaremos el siguiente apartado, pueden mencionarse, por su intertextualidad con la
literatura greco-latina, La máquina voladora (1996), en la que se acude al mito de
Ícaro, La agonía de Proserpina 4 (1993), de explícito título, o Pecados griegos (2009),
protagonizada por Fedra.
2. LOS
BOSQUES DE
NYX
Los bosques de Nyx fue la única pieza que escribió Tomeo directamente para su
representación, si bien su trayectoria literaria estuvo siempre muy ligada al teatro. Son
constantes en sus obras ciertos rasgos marcadamente dramáticos –básica es la función
vertebradora de los diálogos o los monólogos5– que las hacen muy aptas para su traslación
a las tablas. En buena medida responsable de su éxito internacional, la adaptación de
Amado monstruo a cargo de Jacques Nichet (con representaciones en Montpellier y
París) inauguró una fructífera serie de trasposiciones para el teatro e incluso para la
televisión6 que alcanzó a varias de sus creaciones.
1
Según señala AZÍN FANLO (Narrativa aragonesa actual. p. 62), quien ofrece un completo análisis de
la narrativa de Tomeo (p. 56-82), «el mundo o universo de Tomeo (…) se debate siempre entre la
constatable realidad de los hechos cotidianos –la ciudad, una conversación telefónica, un interrogatoriodiálogo, la exasperante burocracia, los mecanismos de la vida social…– y la irrealidad inicial de una
situación típicamente absurda; una irrealidad que va adentrándose en el lector conforme avanza la
lectura y tornándose realidad». Sobre la obra de Tomeo, muy provechosos son también los ensayos
reunidos en ANDRÉS-SUÁREZ & CASAS. Javier Tomeo.
2
Cf. TOMEO. Mi relación con el teatro. p. 10, 14.
3
Véase al respecto MAIRE FIVAZ. Javier Tomeo y el mito literario antiguo, donde se analiza La agonía
de Proserpina (p. 230-234) y La máquina voladora (p. 234-236).
4
Sobre esta obra, véase además MOLINARO. Writing masculinity double (esp. p. 142-143).
5
En TOMEO. Mi relación con el teatro. p. 20-24, el autor reflexiona sobre las cualidades teatrales de su
narrativa. Su permanente cuestionamiento de los límites genéricos le llevó, por otro lado, a dotar de una
forma teatral a algunos de sus microrrelatos, como los incluidos en Historias mínimas (1988); cf. § 4.
6
El hombre por dentro y otras catástrofes (1988), serie de cinco episodios dirigida por José Vilá-San Juan
para la televisión catalana, está basado en algunos relatos breves del escritor.
28
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Escrita expresamente para inaugurar la XL Edición de Teatro Clásico de Mérida, 7
Los bosques de Nyx resulta igualmente singular en el conjunto de la producción de su
autor por el hecho de ser una obra coral con un protagonismo estrictamente femenino,
algo que contrasta con la preeminencia de personajes masculinos en la narrativa tomeana,
donde las mujeres actúan como mero contrapunto, muchas veces implícito. Aquí, sin
embargo, si exceptuamos al Mensajero que viene a perturbar el letargo de esta comunidad
matriarcal, a romper el embrujo de los bosques de la tenebrosa noche, las únicas voces
que oímos son las de las heroínas de la Antigüedad, en orden de aparición: Hécuba,
Helena, Lisístrata, Casandra, Clitemnestra, Andrómaca, Penélope,8 Electra, Calónice,
Lampito, Mirrina e Ifigenia. Quizá sea esa preponderancia femenina la que explique
también que, frente al cariz desengañado y la amargura pesimista que destilan muchas
de sus obras, se observe en esta pieza cierta confianza en la acción de las mujeres y un
espacio para la esperanza.9
Pese al número de personajes, la acción es sencilla; así la presenta su autor en el
texto «A modo de prólogo» que precede la obra:
Un día penetra en el bosque el Mensajero. Procede de una nueva guerra y propone a las
mujeres que regresen con él al mundo de los vivos. La misión de las doce heroínas no es
fácil. Habrán de ser ellas quienes, alzándose sobre sus recuerdos y aureoladas por sus
respectivas tristezas, se ofrezcan a los nuevos combatientes como símbolo del dolor que
nunca se extingue. Habrán de ser ellas, en definitiva, quienes convenzan a los guerreros
de hogaño para que abandonen las armas y regresen definitivamente a la paz (TOMEO.
Los bosques de Nyx. p. 9-10).
Esta situación da pie a que las grandes perdedoras de la guerra reflexionen sobre
la esterilidad de los conflictos bélicos –«Sea cual fuere el bando en el que se luche, las
guerras son un negocio de unos pocos», afirma Penélope (p. 31)– y ridiculicen, desde
una mirada netamente femenina, el heroísmo de los varones –así, por ejemplo, dice
7
Estrenada el 1 de julio de 1994, Los bosques de Nyx tuvo como director de escena a Miguel Bosé y fue
interpretada por conocidas actrices: María Fernanda d’Ocón, Ana Marzoa, Beatriz Carvajal, Marga
González, Marisa Paredes, Mercedes Sampietro, Asunción Sánchez, Natalia Menéndez, Juana Cordero,
Pilar Rebollar, Montse G. Romeu y María Adánez, además de Gabriel Moreno como el Mensajero. La
representación fue grabada y emitida por TVE.
8
La gran presencia de Penélope en el teatro español contemporáneo (en obras como ¿Por qué corres,
Ulises? de Antonio Gala, La tejedora de sueños de Buero Vallejo, Ulises no vuelve de Carmen Resino,
Ulises o el retorno equivocado de Salvador Monzón o Penélope de Domingo Miras), motivada seguramente
por la preeminencia del mito de su marido, ha dado lugar a una amplia bibliografía. Puede verse, entre
otros, GARCÍA ROMERO. El mito de Ulises en el teatro español. p. 296-300; GONZÁLEZ DELGADO.
Penélope en el teatro español contemporáneo (I) y (II). ID. Penélope/Helena en el teatro español de
posguerra. FLOECK. Mito e identidad femenina. Sobre la figura de Casandra, cf. VILCHES DE FRUTOS.
Identidad y mito en la escena española actual. Sobre Helena, véase UNCETA GÓMEZ. Una Helena
postmoderna, y las referencias allí recogidas.
9
Algo de ello puede intuirse en las siguientes palabras de Tomeo – en la entrevista concedida a Ramón
Alcín Fanlo, Rolde. Revista de Cultura Aragonesa, Zaragoza, v. 44-45, 1988. p. 9 (apud ALCÍN FANLO.
Narrativa aragonesa actual. p. 67): «La mujer es para mí expresión terrestre de la inmortalidad. Como
decía Lamartín, en el principio de todas las grandes cosas hay una mujer. Puede que, precisamente por
admirarla y desearla tanto, sea demasiado exigente».
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
29
Andrómaca: «Tal vez piensan que no pueden ser héroes si no arrasan de vez en cuando
la faz de la tierra» (p. 28)–, hazañas que resultan insignificantes en comparación con el
dolor que sus actos provocan.10 El ejemplo de estas mujeres, su sufrimiento y su recuerdo
del dolor –recuerdo al que, no obstante, se aferran con toda la fuerza de su conciencia–, es
indispensable, según lo plantea el Mensajero que viene desde el presente del espectador
a solicitar su ayuda, para que los hombres dejen de combatir:
MENSAJERO: Así es, mujeres. Llegué hasta aquí en busca de vuestra ayuda. Os lo dije
apenas llegué: solo vosotras, con el amargo recuerdo de las penas de antaño, podéis
detener la nueva guerra que está matando todo lo que amamos. Conocía ya vuestros
dolores, que sobreviven obstinados al paso de los siglos, pero ha llegado el momento de
que os olvidéis de vosotras mismas y os preocupéis por la suerte de los que hoy mueren
como en otros tiempos murieron aquellos a quienes más amabais (TOMEO. Los bosques de
Nyx. p. 58).
Pese a este espíritu, que recorre toda la obra, llama la atención la controversia
permanente que mantienen los personajes, recriminándose sus respectivos
comportamientos y enfatizando los conflictos que los enfrentaron en vida. Esto es algo
especialmente notorio en la primera mitad, pero las acusaciones se salpican a lo largo
de toda la obra: Hécuba responsabiliza a Helena de provocar la guerra de Troya;
Casandra, hace lo propio con Hécuba, por no haber obedecido el sueño premonitorio
que tuvo cuando nació Paris; Clitemnestra acusa a Casandra de falsa profetisa y de
embustera; Penélope recrimina a Helena su temperamento infiel; Andrómaca duda de
la castidad de Penélope 11 y esta a su vez reprocha a la primera haber dado hijos a
10
La obra se inscribe pues en la estela antimilitarista de numerosas adaptaciones de mitos clásicos en la
escena teatral española contemporánea. Según señala FLOECK. Mito e identidad femenina. p. 55,
«(…) la segunda mitad del pasado siglo no es precisamente una época de auge de los llamados valores
masculinos. La identidad masculina se relaciona permanentemente con términos tales como agresividad,
odio, venganza y atracción sexual; mientras que a la identidad femenina se le asocian por lo general otros,
como pacifismo, mansedumbre, fidelidad y sentido familiar. Los dramas pueden leerse casi sin excepción
como piezas antibélicas y contra la dictadura, si bien durante la posguerra las consecuencias de la guerra
civil y la dictadura franquista determinan el marco político, mientras que en los años setenta y ochenta la
añoranza hacia el logro de las libertades políticas y personales, y en los noventa la crítica del aumento de
la violencia, tanto en el ámbito de la política internacional como en el de las relaciones interpersonales de
carácter privado en el marco de las grandes ciudades modernas, conforman el contexto social».
11
«¿Es cierto que fuiste fiel a tu marido durante los veinte años que, por culpa de la guerra, estuvo fuera
de casa? ¿No lo fuiste? ¿No? ¿Sí? ¿Te escandalizan mis palabras? Dime entonces: ¿Por qué se oyen voces
que niegan tu fidelidad? ¿Por qué hay quienes te acusan de haberte acostado con todos tus ciento doce
pretendientes, cada uno a su turno?» (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 36). Esta es, sin duda, una
versión predilecta de la modernidad, rastreable en obras como Penélope (2012), poemario de Nuria
Barrios, la novela de Margaret Atwood Penélope y las doce criadas (The Penelopiad, 2005), o la pieza Juicio
a una zorra de Miguel del Arco (2013) (cf. UNCETA GÓMEZ. Una Helena postmoderna), por citar
solo algunas. Frente a la indignación de Penélope ante estas acusaciones, Clitemnestra se nos muestra
en Los bosques de Nyx como un personaje cínico y orgulloso de su infidelidad: «¡Tened cuidado, amigas!
¡No conviene exagerar cuando se habla de fidelidad! ¡Hacéis mal en darle tanta importancia! Puede
que la fidelidad solo sea una curiosa forma de apatía. Yo desde luego, lo reconozco, no fui fiel a mi
marido. Eso lo sabe todo el mundo. ¡Sí, sí! ¡Todo el mundo sabe que engañé a Agamenón! Después de
matarle, mi amante y yo vivimos felices durante diez años, gozando tranquilamente del fruto de nuestro
crimen. Así fue y así lo reconozco… Es preciso pues que lo sepáis, mujeres: matad a vuestra conciencia
si queréis vivir tranquilas» (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 34).
30
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Neoptólemo, en referencia a Pérgamo, Píelo y Moloso; Electra llama a Clitemnestra «la
más funesta de todas las madres», etc.
De tal modo, la obra se estructura en torno a diálogos a dos bandas, que se van
intercalando con intervenciones de un tercer personaje, por lo general para mediar en
el conflicto, pero también para tomar partido por una de las partes. Esta función es
asumida en varias ocasiones por Lisístrata, a quien acompañan sus tres compañeras de
la comedia aristofánica homónima: Lampito, Mirrina y Calónice. Constituye esta una
ingeniosa inversión del uso tradicional de los modelos clásicos, puesto que, por regla
general, suelen mantenerse aislados –para conservar su pureza y su gravedad– los referentes
trágicos de sus contrapartidas cómicas; pero, en la obra de Tomeo, la combinación de
comedia y tragedia resulta una constante, por lo que no debe extrañar esta conjunción.
En este sentido, interesa destacar las siguientes palabras de Clitemnestra:
¿Quién se acuerda, os lo vuelvo a repetir, de los hombres que alguna vez fueron vulgarmente
felices? (Volviéndose hacia las amigas de Lisístrata.) ¿Quién se acuerda ahora de esas tres
mujeres que, para sentirse en paz con todo el mundo, tuvieron suficiente con llevarse de
vez en cuando un hombre a la cama? (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 48).
En la representación teatral, esta combinación trágico-cómica, que ofrece un
contrapunto y facilita ciertos alivios momentáneos, matizando el sufrimiento y relajando
la tensión, está sostenida, como veremos inmediatamente, por cierta veta fantástica
que recorre Los bosques de Nyx y define buena parte de la producción de Tomeo.12
Aun así, y pese al carácter polémico de los diálogos que hilvanan la obra, todas
estas heroínas son capaces de conseguir un acuerdo unánime en algo: su total oposición
a las guerras. El carácter de alegato antibelicista de la obra es patente desde el
comienzo.13 En este sentido, no podemos obviar que, en el momento de su estreno, nos
encontramos en plena guerra de Bosnia y entre abril y julio de ese año 1994 se había
producido la matanza de la minoría tutsi por parte de la población hutu, en el conocido
como genocidio de Ruanda (se calcula que los machetes acabaron con la vida de unas
800.000 personas y cerca de 500.000 mujeres fueron violadas), acontecimientos ambos
que conmocionaron al mundo entero. Tomeo lo explicaba así a los medios: «La guerra
es un absurdo, y aquí se trata de unir una voz más a los miles que han clamado contra
el absurdo de la guerra; esta es una más que abomina de la guerra».14
De tal modo, estos personajes, definidos fundamentalmente por su condición de
madres, esposas o hijas, son mujeres rotas, víctimas de unos conflictos que las trascienden
12
Véase al respecto CASAS. Monstruos alucinados y prodigios.
Entre las muchas representaciones que ha tenido la obra a lo largo de estos años, cabe destacar la
dirigida en Costa Rica por Luis Carlos Vasques, cuyo estreno en septiembre de 2009 fue precedido por
un «Ritual de los cabellos», remedo del corte de pelo ritual en señal de luto que practicaron las mujeres
griegas, que consistió en un acto en un parque durante el cual las actrices fueron rapadas. Los cabellos
fueron donados a una empresa que fabrica pelucas para enfermos de cáncer. En internet pueden verse
numerosas grabaciones de este acto.
14
En «Javier Tomeo aborda por primera vez el teatro con Los bosques de Nyx», El País 21 jun. 1994.
(Disponible en: <http://elpais.com/diario/1994/06/21/cultura/772149605_850215.html>. Acceso: 20
feb. 2014.)
13
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
31
y que no entienden. Y en este dolor se convierten en arquetipo y epítome de las víctimas
de las guerras de cualquier época. Todas a una, formando el coro que unifica sus voces
y fortalece sus vínculos, expresan estas ideas en su imprecación al dios Marte,15 «dios de
feroz mirada y andar precipitado», constituida por un rosario de preguntas retóricas:
CORO: ¡Oh, Marte! ¿Por qué enciendes a los hombres con tantas guerras? ¿Por qué, dios
cruel y sanguinario, te complacen tanto los cegadores reflejos de las espadas? ¿Por qué
haces creer a los hombres que matándose los unos a los otros podrán conseguir gloria,
fama y fortuna? ¿Te apiadarás alguna vez de nosotras, las mujeres? ¿Llegará el día en que
tengas compasión de las madres que pierden a sus hijos, de las esposas que pierden a sus
esposos y de las hijas que jamás vuelven a ver a sus padres y hermanos? ¿Crees acaso que
los ideales que mueven a los hombres a empuñar sus espadas pueden servir de pretexto a
tanta muerte y desolación? ¿No habrá acaso otros caminos menos dolorosos? ¿Te sirve tal
vez de consuelo pensar que el objetivo de todas las guerras es la paz? (TOMEO. Los
bosques de Nyx. p. 52).
Los ideales que justifican estos enfrentamientos no son nunca excusa suficiente
para tanta muerte y desolación. Como no podría ser de otra forma, Lisístrata propone
como solución la abstinencia sexual:
LISÍSTRATA: Más peligrosa es la caricia de una mujer que la espada de un hombre.
(Bordeando la grosería.) Os lo diré de otro modo: nuestra principal fuerza, compañeras,
reside en aquella parte de nuestro cuerpo que el pudor nos obliga a ocultar. No
desconfiemos pues de nuestro sexo y escuchadme…
MIRRINA: Sí, sepamos ya cuál es esa gran empresa que quieres proponernos.
LISÍSTRATA: La cosa es muy simple: los maridos se van a la guerra y nosotras nos
quedamos solas. Algunas veces ni siquiera tenemos un triste amante para remediarlo,
pero ¿y si yo, mujeres, hubiera encontrado la solución para poner fin a todas las guerras?
Respondedme ahora mismo: ¿querríais secundarme? (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 41-42).
Por supuesto, sus compañeras Lampito, Calónice y Mirrina, quienes ahora le dan
la réplica, responden entusiasmadas, pero en el momento en que se enteran de los
detalles del plan, no se muestran tan interesadas en secundarla y prefieren que continúen
las guerras; a ello Lisístrata, en aguda alusión metatextual, responde: “LISÍSTRATA:
¡Sexo disoluto! ¡Y luego nos quejamos de que se menosprecie y maltrate a las mujeres
en todas las tragedias!” (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 43).
A pesar del carácter subversivo inherente a esta promiscuidad en la reutilización
de las fuentes, el conocimiento y apego a los textos clásicos de Tomeo es muy significativo.
Ya en el prólogo de la obra se hace explícita la deuda con algunos modelos, pues se trata
de una pieza «construida con personajes de Esquilo, Sófocles, Eurípides, Menandro y
Homero» (p. 9), y esta deuda se evidencia en algunas citas textuales de las obras de
estos autores. Presentaremos solo un par de ejemplos. La siguiente intervención del
coro constituye un centón de versos de Los persas de Esquilo (126-ss.):
15
A pesar de la referencia exclusivamente griega de toda la obra, los personajes se refieren
permanentemente a Ares bajo la advocación romana que se le asimila; más que de un error por
desconocimiento, parece tratarse de un guiño al lema bajo el que se celebró la XL edición del festival de
Mérida: «La herencia de Marte. La guerra y la mujer».
32
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
CORO: «Cual enjambre de abejas que sale del enmelado panal, así los de a pie y a caballo
siguieron a su rey, y las madres y las esposas cuentan temblando los largos días de un
tiempo que no termina jamás, y los lechos conyugales se empapan con las lágrimas que
hace derramar el amor por los ausentes…» (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 40).
Y del mismo modo, la queja de Clitemnestra «¡Ay, mísera de mí, que parí esta serpiente
y la crié!» (p. 47-48, como la anterior, también entrecomillada en la obra) pertenece a
Las coéforos, del mismo autor (v. 928). 16
3. L A
FANT
ASÍA BANGSIANA Y LOS DIÁL
OGOS DE UL
TRA
TUMBA
ANTASÍA
DIÁLOGOS
ULTRA
TRATUMBA
Como hemos adelantado, estas mujeres viven aisladas en un «espacio mágico
–situado fuera del tiempo y del espacio–, un bosque petrificado que oculta las ruinas de
un gran teatro» (p. 15). El bosque de la noche –las ruinas del teatro romano de Mérida
en su primera representación– constituye además un trasunto de las propias mujeres,
pues también ellas, como esos árboles muertos, quedaron «sin frutos y sin flores» (ibíd.).
Precisamente en este aspecto radica buena parte de la originalidad del planteamiento
de la obra: sus protagonistas están muertas –algo que permite anular las referencias
espacio-temporales– y son plenamente conscientes de ello. Según lo expresa el Mensajero:
vosotras, mujeres, pertenecéis a otro tiempo y a otro espacio. (…) Desde aquella vieja
guerra que rompió vuestros amantes corazones ha pasado una eternidad. (…) si no os
resignáis a que os arrastre definitivamente el silencioso río del olvido, seguidme, que yo os
señalaré el camino (TOMEO. Los bosques de Nyx. p. 58-59).
Este planteamiento justifica en última instancia la coincidencia de personajes
arrancados «de sus respectivos contextos literarios», que puede resultar razonablemente
natural (caso de las heroínas de la guerra de Troya), o decididamente equívoca (en la
conjunción de Lisístrata y sus amigas con las primeras). En la misma línea, podemos
mencionar obras posteriores, como Polifonía (2009) de Diana de Paco Serrano, en la
que, salvo Penélope, también los personajes de Medea, Fedra y Clitemnestra nos hablan
desde el Hades, recuperadas por la conciencia atormentada de la primera, que asume
la forma de una cárcel;17 y desde el reino de la muerte nos habla también la Penélope de
Margaret Atwood en Penélope y las doce criadas (The Penelopiad, 2005).
16
El procedimiento, por lo demás frecuente en el teatro contemporáneo de tema clásico (cf. UNCETA
GÓMEZ. Una Helena postmoderna), es reconocido por el propio Tomeo, quien declara que el texto es
un ochenta por ciento suyo (véase el artículo de El País, citado supra, n. 14).
17
Según explica Medea al final de la obra, «Este lugar es el refugio en el que Penélope nos encerró. Solo
ella conservó la memoria una vez atravesadas las aguas del Leteo, porque solo ella se mantuvo con vida
hasta ese momento. Penélope en sueños descendió a los infiernos buscando un consuelo, un medio para
quitarse la vida y atravesó el río del olvido, pero su corazón aún palpitante evitó que el agua enfriara sus
recuerdos y comenzó a vagar reconociendo los rasgos del resto de las almas, entre ellas la de Ulises. (…)
Estaba atormentada y nos buscó. Nosotras, sin embargo, llegamos aquí con el espíritu seco, cuando
perdimos la vida perdimos también la conciencia del pasado y nos encerramos bajo la tierra, luchando
para que nos abandonase, definitivamente, hasta el último de nuestros recuerdos y sentir con ello que
esta gruta fue nuestro origen y nuestro fin» (DE PACO SERRANO. Polifonía. p. 100-101).
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
33
Este motivo literario es conocido entre los aficionados a la ciencia ficción con el
nombre de «fantasía bangsiana»,18 en honor del autor estadounidense John Kendrick
Bangs (1862-1922), autor de A house-boat on the Styx (1895). La novela inaugura una
serie protagonizada por las Sombras Asociadas –Associated Shades, colectivo integrado
por Confucio, Sócrates, William Shakespeare, Napoleón Bonaparte, Samuel Johnson,
James Boswell, Charles Darwin, George Washington y Walter Raleigh– y fue continuada
por otras tres.19 Con ellas, Bangs revitalizó un procedimiento ficcional que permite hacer
coincidir en un mismo espacio los espíritus de algunos muertos célebres, junto a personajes
de ficción, y su estela fue seguida por otros autores del siglo xx como Kurt Vonnegut,
conocido novelista de ciencia ficción, en God Bless You, Dr. Kevorian, o por Philip José
Farmer en su serie Riverworld (Mundo del río), 20 aunque este último desde unos
presupuestos ligeramente diferentes, pues contempla la intervención de seres alienígenas
(los éticos) como responsables de la coincidencia en un mismo planeta de personajes de
épocas diferentes, desde los remotos orígenes de la humanidad.
Pero algo antes que Bangs, la publicación católica Fortnightly Review publicó una
sátira ambientada en el Hades, en la que hacía dialogar a tres conocidos filólogos clásicos
(Bentley, Porson y Madvig) con Eurípides y William Shakespeare. Con una vena
intensamente cómica, los autores antiguos se quejan del tratamiento que dan a sus
obras los críticos textuales. Así lo expresa Johan N. Madvig, recientemente fallecido en
el momento de la publicación del texto:
Hardly had I set foot in the Shades when I was fiercely assailed by Ovid… He wanted to
have me consigned at once to the depths of Tartarus for having proposed to introduce
into one of his poems patetur with the a short (TYRRELL. The old school of classics and
the new. p. 43, apud BEARD. Ciceronian correspondences. p. 104).
Aunque es posible buscar antecedentes remotos de este planteamiento en la nékyia
de la Odisea o la katábasis de la Eneida, así como en el influjo de esta última en la Divina
comedia de Dante, para cualquier lector instruido del Fortnightly Review resultaría
evidente que la referencia directa no era otra que Luciano de Samosata, quien explotó
el procedimiento con una muy moderna intención paródica.
18
El subgénero recibe también los nombres de posthumous fantasy o afterlife fantasy, aunque algunos
autores lo diferencian. Véase al respecto CLUTE & GRANT. The Encyclopedia of fantasy (s.uu. «Bangs,
John Kendrick» y «Posthumous fantasy»).
19
Se trata de Pursuit of the house-boat (1897), The enchanted type-writer (1899) y Mr. Munchausen: Being
a true account of some of the recent adventures beyond the Styx of the late Hieronymus Carl Friedrich,
sometime Baron Munchausen of Bodenwerder, as originally reported for the Sunday edition of the Gehenna
Gazette by its special interviewer the late Mr. Ananias formerly of Jerusalem, and now first transcribed from
the columns of that journal by J. K. Bangs (1901), claramente paródica.
20
La serie incluye los siguientes títulos: To your scattered bodies go (1971), The fabulous riverboat (1971),
The dark design (1977), The magic labyrinth (1980) y Gods of Riverworld (1983). Aunque la excusa es
también diferente en el caso de La intersección de Einstein (The Einstein intersection, 1967) de Samuel R.
Delany –un grupo de extraterrestres toma la forma de algunos fallecidos famosos, que van desde Ringo
Star a Jesucristo, pasando por Orfeo y Teseo–, su resultado es similar al del resto de obras mencionadas.
34
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
El protagonista de Historias verdaderas, protociencia ficción reconocida por los
críticos del género,21 se interna en la Isla de los bienaventurados, donde tiene ocasión
de conocer a los héroes de Troya, pero, con un armazón más teatral por su naturaleza
dialógica, el motivo alcanza su máxima expresión en los Diálogos de los muertos,22 cuyo
modelo, aunque no sea explícito, no puede descartarse apresuradamente para la obra
de Tomeo. La combinación paródica de dioses, héroes y personajes históricos reales que
presentan los Diálogos de los muertos, así como su cercanía con las otras tres colecciones
de diálogos lucianescos, en especial los Diálogos de las cortesanas, podría explicar la
insólita combinación de heroínas trágicas y cómicas en Los bosques de Nyx.
Sea como fuere, el caso es que la mencionada obra de Luciano inaugura una
fecunda tradición de conversaciones de ultratumba, cuyos participantes, por su condición
de difuntos, se permiten realizar juicios de todo calado.23 Tras algunas obras en las que
es posible reconocer la huella de Luciano, como el diálogo anónimo Timarión (siglo XII)
o el diálogo satírico Viaje al Hades de Mazaris (1416), la aparición en Italia de los
manuscritos de sus obras completas en 1420 facilitará imitaciones como el Defunctus, la
más larga de las Intercoenales de Leon Battista Alberti, a pesar de la escasa consideración
que dispensó la Iglesia, tanto católica como protestante, al samosatense durante ese
periodo, que provocó su inclusión en la nómina de autores de libros prohibidos en 1549.
En España puede señalarse el Diálogo de Mercurio y Carón (1528) de Alfonso de Valdés
y De Europa dissidiis et bello Turcico, en la que se aprecia la huella intermedia de Erasmo,
así como en los Sueños de Francisco de Quevedo (el Sueño de las calaveras y Las zahúrdas
de Plutón). Posteriormente, la Ilustración francesa dará un impuso renovado al género,
con las obras de Fontenelle (Dialogues des morts, 1683), Fénelon (de mismo título, 1700)
y Voltaire (Conversations de Lucien, Érasme et Rabelais dans les Champs Elysées, 1765), en
las que se satirizaba el Antiguo Régimen. En su estela, Wieland (Gespräche im Elysium,
1780) propaga el género en Alemania, donde llega a publicarse una revista con este
tema, Gespräche im Reiche derer Todten (1718-1739), de David Faßmann. En Inglaterra
Henry Fielding utilizará también escenas de los Diálogos de los muertos en sus dramas
The Author’s Farce (1730) y Eurydice (1737). A pesar de resultar perjudicado en la
controversia antisemítica de la Alemania de la última década del siglo XIX y desaparecer
del mundo académico, Luciano siguió ejerciendo una profunda influencia literaria,
que llega hasta la época contemporánea y puede rastrearse en obras como The New
Lucian (1884) de Henry D. Traill, Christus und Antichristus in populären Dialogen nach
Lucian (1862) de Friedrich Harrer24 o el relato «Captain Stormfield’s visit to heaven»
21
Cf. ROBERTS. The history of science-fiction. p. 25-29.
Sobre esta obra y su posible estructura original, cf. GONZÀLEZ JULIÀ. Luciano ensaya la novela
escénica.
23
La mayor parte de los datos que siguen proceden de BAUMBACH. Luciano. Relatos verídicos. p. 355359, y de la «Introducción» de ZARAGOZA BOTELLA a los Diálogos de Luciano. p. 17-26.
24
Alemania continuó aportando muchos ejemplos durante la centuria siguiente, entre los que pueden
señalarse: Totengespräche (1906) de Fritz Maudthner, Erdachte Gespräche (1934) de Paul Ernst,
Dichtergespräche im Elysium (1941) de Arno Schmidt, Ohne uns. Ein Totengespräch (1999) de HansMagnus Enzensberger, y Der Teufel lebt nicht mehr, mein Herr! Erdachte Monologe – imaginäre Gespräche
(2001) de Walter Jens.
22
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
35
(1909) de Mark Twain, y encuentra su epígono en el subgénero de la fantasía bangsiana
–que quizá fuera mejor denominar «fantasía lucianesca»–, comentado más arriba.25
Otras obras de ultratumba han presentado cuestiones filosóficas, políticas o
teológicas en forma de conversación entre difuntos, como Huis clos (1944) de Jean-Paul
Sartre, el texto «Diálogo de muertos» incluido en El hacedor (1960) de Jorge Luis Borges,
en el que dialogan Juan Facundo Quiroga y Juan Manuel de Rosas, o la obra teatral
Copenhaguen (1998) del británico Franz Hayn, que presenta el diálogo entre los físicos
Niels Bohr y Werner Heisenberg, y la mujer del primero. Sin embargo, falta en ellos la
dimensión humorística que es la que, en última instancia, permite el entronque con
Luciano. En España, junto a Los bosques de Nyx, podemos mencionar también El corazón
alberga muchas sombras (1995) de José María Gironella, que propone un coloquio en un
cementerio gerundense entre figuras célebres (Caín, Gandhi, Mao, Marx, Juan XXIII,
Papini… 26 ), y, más recientemente, Los inmortales (2012) del aragonés Manuel Vilas,
quien, con ironía posmoderna, plantea también la inmortalidad póstuma de grandes
personajes (Cervantes, Van Gogh o Dante, entre otros), si bien desde unos presupuestos
muy diferentes y con unas convenciones ajenas a la fantasía y la ciencia ficción, pese a
compartir algunas claves con ellas.
4. C ONCLUSIÓN
Esta dilatada e intrincada tradición con vocación eminentemente satírica, fue
cultivada por el propio Tomeo en sus Historias mínimas (1988), como podemos comprobar
en el siguiente diálogo entre dos militares muertos:
Campo de batalla y cinco mil combatientes muertos. Los primeros buitres planean ya en
las alturas, pero todavía no se atreven a descender. En primer plano, dos guerreros cubierto
de sangre.
GUERRERO A: Oye.
GUERRERO B: Qué.
GUERRERO A: ¿Estás muerto?
GUERRERO B: Sí.
GUERRERO A: Por un momento, al verte sonreír, pensé que estabas vivo.
GUERRERO B: Pues estoy muerto.
GUERRERO A: Yo también estoy muerto.
25
Mariano Martín Rodríguez –a quien debo agradecer buena parte de las referencias que siguen– me
propone en comunicación personal la denominación «género necrodialógico». La etiqueta puede seguir
siendo válida incluso cuando una obra determinada no se presente en forma de diálogo, puesto que lo
esencial es la confrontación de dos puntos de vista. Como vemos, Bangs no inventó el género, aunque
tuvo el mérito de actualizarlo y revitalizarlo para un público concreto.
26
La influencia de Giovanni Papini y su póstumo Giudizio universale (1957), es explícita en esta obra,
que convierte al autor italiano en uno de los personajes. La huella es igualmente perceptible en el relato
«El último deseo» (1959) del mexicano Juan José Arreola, donde también aparece Papini. Por otra parte,
las charlas de cementerio tienen antecedentes como «Bobok» (1873) de Fiodor Dostoievski o Un ollo de
vidrio (1922) de Alfonso Rodríguez Castelao.
36
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
GUERRERO B: Entonces, ¿cómo pudiste verme sonreír, si estás muerto?
GUERRERO A: ¿Y tú? ¿Cómo pudiste sonreír, si no estabas vivo?
GUERRERO B: No sé. A lo mejor la muerte es solo una media sonrisa.
GUERRERO A: (Dándose por satisfecho con esa respuesta.) Sí, a lo mejor.
Silencio. En lontananza un anciano busca a su hijo entre los muertos, y a los que están caídos
de bruces les gira amorosamente la cabeza (TOMEO. Historias mínimas. VIII).27
Y a ella cabe añadir también Los bosques de Nyx, donde la incorporación del
elemento cómico resulta diáfana y declarada en el referente aristofánico. Arrancar de
sus contextos originales a los personajes míticos de las obras clásicas y hacerles conscientes
de un tiempo histórico diferente del suyo implica su conversión en muertos –vivientes–.
Sin embargo, parece que la persistencia del referente clásico en esta y otras de las obras
mencionadas (Polifonía, Penélope y las doce criadas), que interseca con otras
reelaboraciones literarias de las obras antiguas ajenas a este recurso, domestica en buena
medida el elemento sobrenatural del procedimiento, al tiempo que atenúa el carácter
sombrío y lúgubre que asumen buena parte de los diálogos espectrales mencionados. Y
ello muy probablemente se deba al hecho de que el carácter mítico que desarrollan las
heroínas de la guerra de Troya las hace ajenas a los designios vitales de las personalidades
históricas y las eleva al limbo de lo puramente simbólico.
AA
ABSTRACT
The aim of this paper is to analyze some interpretative keys of
Los Bosques de Nyx, a play by the Spanish novelist Javier Tomeo
Estallo, linking the plot of this play to Bangsian Fantasy, a
subgenre of science fiction, and ultimately to Lucian of
Samosata’s Dialogues of the Dead.
KEYWORDS
Javier Tomeo, Los bosques de Nyx, Classical Reception,
Dialogues of the Dead, Bangsian Fantasy
REFERENCIAS
ACÍN FANLO, R. Narrativa aragonesa actual. Una aproximación seguida de dos autores
(José María Latorre y Javier Tomeo). Alazet: Revista de filología, Huesca, v. 3, 1991, p. 9-82.
ANDRÉS-SUÁREZ, I. & CASAS, A. (Eds.). Javier Tomeo. Madrid: Arco Libros, 2010.
BEARD, M. Ciceronian correspondences: making a book out of letters. In: WISEMAN,
T. P. (Ed.). Classics in Progress. Essays in Ancient Greece and Rome. Oxford: OUP, 2002,
p. 103-144.
BAUMBACH, M. Luciano. Relatos verídicos. In: PASCUAL, P. H. & MORALES, M. S.
(Eds.). La literatura griega y su tradición. Madrid: Akal, 2008. p. 339-359.
27
Véase además, en esa misma obra, la historia XXI, protagonizada por dos esqueletos.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
37
CASAS, A. Monstruos, alucinados y prodigios: la ambigüedad fantástica en la obra de
Javier Tomeo. In: ANDRÉS-SUÁREZ, I. & RIVAS, A. (Eds.). Javier Tomeo. Madrid:
Arco Libros, 2010. p. 45-58.
CLUTE, J. & GRANT, J. Encyclopedia of fantasy. Disponible en: <http://www.sfencyclopedia.com/>. Acceso: 24 feb. 2014.
FLOECK, W. Mito e identidad femenina. Los cambios de la imagen de Penélope en el
teatro español del siglo XX. Foro Hispánico, Amsterdam, v. 27, 2005. p. 53-63.
GARCÍA ROMERO, F. El mito de Ulises en el teatro español del siglo XX. CFC (EGI),
Madrid, v. 9, 1999. p. 281-303.
GONZÁLEZ DELGADO, R. Penélope en el teatro español contemporáneo ¿Casta,
libertina o feminista? (I). La Ratonera. Revista asturiana de teatro, Gijón, v. 13, 2005.
p. 99-105. Disponible en: <http://www.la-ratonera.net/numero13/n13_casta.html>.
Acceso: 11 feb. 2014.
GONZÁLEZ DELGADO, R. Penélope en el teatro español contemporáneo ¿Casta,
libertina o feminista? (y II). La Ratonera. Revista asturiana de teatro, Gijón, v. 15, 2005.
p. 106-113. Disponible en: <http://www.la-ratonera.net/numero15/n15_casta.html>.
Acceso: 11 feb. 2014.
GONZÁLEZ DELGADO, R. Penélope/Helena en el teatro español de posguerra.
Stichomythia, Valencia, v. 4, 2006. Disponible en: <http://parnaseo.uv.es/Ars/
ESTICOMITIA/Numero4/Sticho4/ARTICULOS/Penelope.pdf>. Acceso 11 feb. 2014.
GONZÀLEZ JULIÀ, Ll. Luciano ensaya la novela escénica: apariencia episódica y
estructura unitaria de los Diálogos de los muertos. Emerita, Madrid, v. 79, n. 2, 2011.
p. 357-379. Disponible en: <http://emerita.revistas.csic.es/index.php/emerita/article/
viewFile/987/1031>. Acceso: 13 feb. 2014, doi: 10.3989/emerita.2011.16.1005.
LUCIANO DE SAMOSATA. Diálogos de los dioses. Diálogos de los muertos. Diálogos
marinos. Diálogos de las cortesanas. Madrid: Alianza, 1987. Traducción, introducción y
notas de J. Zaragoza Botella.
MAIRE FIVAZ, V. Javier Tomeo y el mito literario antiguo: modalidades y enjeux de una
reescritura. In: LOSADA GOYA, J. M. & GUIRAO OCHOA, M. (Eds.). Myth and
Subversion in the Contemporary Novel. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars
Publishing, 2012. p. 225-238.
MOLINARO, N. L. Writing masculinity double: Paranoia, parafiction and Javier Tomeo’s
La agonía de Proserpina. Anales de la Literatura Española Contemporánea, Philadelphia,
v. 24, n. 1-2, 1999. p. 135-148.
DE PACO SERRANO, D. Polifonía. Murcia: Universidad de Murcia, 2009.
ROBERTS, A. The History of Science Fiction. Hampshire: Palgrave Macmillan, 2006.
TOMEO ESTALLO, J. Mi relación con el teatro. In. MURO, M. A. (Ed.) Actas del
congreso internacional sobre Literatura hispánica actual. Logroño: Gobierno de La Rioja,
1993. p. 9-26.
TOMEO ESTALLO, J. Los bosques de Nyx. Zaragoza: Xordica 1995 (Sevilla: Signatura
2002).
38
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
TYRRELL, R. Y. The old school of classics and the new: A dialogue of the dead.
Fortnightly Review, Londres, v. 49, n. 253, 1888. p. 42-59.
UNCETA GÓMEZ, L. Una Helena post moderna: Juicio a una zorra de Miguel del Arco.
Ágora. Estudos Clássicos em Debate, Averio. (e. p.).
VILCHES DE FRUTOS, Mª F. Identidad y mito en la escena española actual: Casandra
como paradigma. Foro Hispánico, Amsterdam, v. 27, 2005. p. 43-52.
Recebido em 24 de fevereiro de 2014
Aprovado em 8 de abril de 2014
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
39
EL MITO CLÁSICO A TRAVÉS DE LA
OBRA TEATRAL DE LOURENZO
CLASSIC
MITH THROUGH LOURENZO’S THEATRICAL WORK
Helena Maquieira*
Universidad Autónoma de Madrid
Maria Eugenia Rodríguez Blanco**
Universidad Autónoma de Madrid
RESUMEN
En el presente trabajo se aborda el análisis de dos obras teatrales
del autor gallego contemporáneo Manuel Lourenzo, Fedra y
Últimas faíscas de Setembro. Ambas tratan, desde una perspectiva
distinta, las figuras míticas de Fedra y Medea. En el caso de
Fedra, Lourenzo hace un tratamiento muy respetuoso del mito y
de la obra de Séneca. En el de Medea, la actualización del mito
que lleva a cabo el autor implica profundas transformaciones.
PALABRAS CLAVE
Lourenzo, teatro gallego, Fedra, Medea, actualización
1. INTRODUCCIÓN
AL AUTOR Y SU OBRA1
Hablar de Manuel Lourenzo significa hablar del teatro gallego de los últimos 50
años. Su nombre, con el de Francisco Pillado, va indefectiblemente ligado al teatro
galaico de la segunda mitad del siglo XX y comienzos del XXI.
La figura de Lourenzo destaca como fundador de grupos teatrales, director de
publicaciones relacionadas con el teatro, autor de estudios sobre dramaturgia gallega,
traductor de obras clásicas o de autores modernos que recrean lo clásico, director de
puestas en escena de dichas obras y, especialmente, como autor que ha revisitado con
frecuencia el mito. Las obras presentadas en este trabajo ofrecen dos formas distintas de
revisitar el mito por parte de Lourenzo: Fedra, muy respetuosa con el mito (aunque
ofrece un nuevo equilibrio de elementos), y Últimas faíscas de Setembro, recreación del
mito de Medea y Jasón.
* [email protected]
** [email protected]
1
Este trabajo se enmarca en el Proyecto UAM-Santander sobre “Los mitos clásicos en el teatro
iberoamericano contemporáneo” (2011-2012).
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
41
2. F EDRA ,
LIBRETO PARA ÓPERA
2.1. A CCIÓN ,
(1982)
ACIO Y TIEMPO
ESP
ESPACIO
El mito de Fedra e Hipólito ha interesado especialmente a Lourenzo, como
demuestra el hecho de que le haya dedicado cuatro obras dramáticas.2 El libreto para
ópera Fedra se publicó en 1982 y, como indica el propio Lourenzo (1982: 2), se basa en la
tragedia de Séneca. En este trabajo, se tratará el libreto como una pequeña obra teatral
porque la ópera no llegó a representarse.3
La Fedra de Lourenzo es un magnífico libreto de ópera estructurado en dos partes.
Está escrito en verso, libre en general, aunque con rima en las intervenciones corales
propiamente dichas. Contiene abundantes didascalias, que dan cuenta de la localización
de los personajes, cambios de escenario, entradas y salidas de escena, oscuros, música,
rasgos físicos o psíquicos de los protagonistas, gestos y acciones.
La primera parte consta de tres escenas, definidas por las salidas de los personajes.
En las primeras, Fedra airea su amor por el hijastro; Aia, la nodriza, intenta contenerla
y disuadirla, pero finalmente se pliega a sus deseos y va al monte en busca de Ipólito
para hablarle del amor de su madrastra. En la tercera, Fedra llega al monte y,
adelantándose a los circunloquios de Aia, confiesa ella misma su amor al joven, quien
huye tras herir en el forcejeo a Fedra. La espada ensangrentada dará pie al engaño de
las mujeres ante Teséu.
La segunda parte consta de dos escenas. En la primera, el coro acompaña la entrada
de un desconcertado Teséu. Ante las evasivas de Aia, Fedra, irrumpiendo en escena,
cuenta a su esposo la falsa violación. Este maldice al hijo, provocando el desbordamiento
del mar. En la segunda escena, Fedra, rodeada por un coro acusador, contempla la
lucha de Ipólito por contener a los caballos encabritados. Solo desea morir con su amado.
Sin mensajero ni dioses que aclaren los hechos, Teséu recibe en un saco que le acerca
el coro los restos de Ipólito, al tiempo que oye la confesión de su mujer. La amenaza de
muerte, pero ella se adelanta suicidándose. Finalmente, el propio Teséu se da muerte
ante la bendición del coro.
La acción se sitúa en un espacio indefinido (fuera, dentro de la casa y en monte
abierto), si bien la breve descripción del monte en boca del Coro hace pensar en un
paisaje galaico, cerca del embravecido atlántico4 (1 y 2):
(1) Siléncio de morte / garda a selva inteira, / cando Aia, furtiva, / sen medo da brétema, /
colle pola encosta / que á montaña leva (p.6).
(2) (Levanta-se unha moura treboada. O vento zoa, o mar encrespa-se, caen lóstregos e os
tronos retumban no ar) (p. 13).
2
Romería ás covas do demo, estrenada en 1969 y publicada 1975, ha sido estudiada por Maquieira 2013.
Ipólito se estrenó en 1973; no se trata, ni mucho menos, de una mera traducción del original griego,
según comenta A. Pociña (2012: 410-12). A ellas se añade Despois do temporal, compuesta en 2007 y
publicada en 2009 con Medea dos fuxidos e outras pezas; para más detalles sobre ella, véase A. Pociña
(op. cit.: 416-17).
3
Según indica A. Pociña (2008:414), la obra está inconclusa porque, al no componerse la música ni
montarse la ópera, el texto quedó sin la revisión y adaptaciones para su puesta en escena.
4
La localización galaica no es tan evidente como en Romería ás covas do demo, cuya acción se sitúa en
Valadouro, cuna del propio Lourenzo.
42
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
No hay indicación temporal ni estacional, si bien la acción transcurre en un breve
lapso de tiempo, desde la decisión de Aia de buscar a Ipólito hasta la muerte de este. El
tiempo preciso para bajar del monte y enfrentarse con el recién llegado Teséu.5
2.2. E LEMENTOS
PROPIOS DEL AUTOR
En Romería as covas do demo era evidente el interés del autor por configurar un
teatro nacional ante su atraso tras la guerra civil. 6 En Fedra también hay datos que
apuntan a una galleguización del mito. Respecto a la localización espacial en un ambiente
atlántico, acabamos de hablar. Respecto a las alusiones a otros elementos, baste la
metáfora de Aia para indicar a Fedra que debe desterrar su amor por Ipólito (3): (A.)
Esposa de Teséu, esa muiñeira non é para ti a bailares! (p. 4).
Pero tal vez, lo esencial son las frecuentes referencias a la extranjería de la
protagonista, que iremos viendo a lo largo del comentario. La extranjería condiciona al
personaje de Fedra, que se encuentra sola, extraña, abandonada, Otra en un mundo
que le es ajeno. No se puede dejar de poner en relación esta referencia con la emigración
que en los años 80 del siglo pasado aún sufría el pueblo gallego.
3. E L
SEGUIMIENTO DE LA OBRA DE
S ÉNECA
En el libreto, se produce una condensación de la obra de Séneca. De los 1280
versos de la tragedia senequiana pasamos a 487 (a veces muy breves, de una o dos
palabras tan solo) en la obra de Lourenzo.
3.1. A CTOS I-II
DE
S ÉNECA . E SCENAS 1ª-2ª,
PARTE
I
DE
L OURENZO
El acto I de la Fedra de Séneca consta de 359 versos. Comienza con una larga
invocación de Hipólito. 7 La primera escena senequiana desarrolla una conversación
entre Fedra y la nodriza (conocedora omnisciente de la situación), en la que Fedra
expone su extranjería y el desamor por Teseo; el motivo de la ausencia del marido, que
ha seguido a Piritoo hasta los infiernos; y los amores ilícitos de su madre y el malogrado
de su hermana, que pesan sobre ella como un fatum.8 La nodriza la anima a abandonar
sus pensamientos, distinguiendo entre el fatum de Pasífae y la amoralidad de Fedra;
considera los argumentos del ama una burda justificación, y plantea que los amores
raros solo anidan entre los poderosos (204-15).
5
En Romería, la localización temporal na noite do San Xoan, aportaba también el tinte gallego que el
autor pretendía en la búsqueda de un teatro nacional.
6
En Romería, Lourenzo se hacía eco de tendencias vanguardistas, como la de presentar el mito como
una farsa cómico-trágica y a los personajes como guiñoles que actúan en un retablo. Aparte de hacer
galaicos el tiempo y el espacio, galleguizó el mito gracias a la introducción del personaje de Rañolas,
absolutamente ajeno a él, y la inclusión de dichos y refranes del mundo gallego.
7
Se corresponde, con mayor extensión, con Eur. Hip., 73-87.
8
Sobre el papel del fatum en Séneca, véase C. Criado (2011:251-75).
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
43
La nodriza es consciente de que Teseo volverá y castigará la falta a su honor;
además, tiene la convicción de que Hipólito nunca consentirá el adulterio. Como último
argumento para disuadir al ama, acude al respeto a su propia vejez. Fedra propone el
suicidio como única solución y vence así la resistencia de la nodriza, que la prefiere
viva aunque deshonrada. Como final del acto I, el coro, desconocedor del mal de Fedra,
irrumpe en escena con un canto a Amor, remedo del primer estásimo de Eurípides
(525-64), sin llegar a su nivel de excelencia.
En la primera escena del acto II de Séneca (360-406), la nodriza presenta el
estado de Fedra: sin dormir ni comer, sin interés por su aspecto. Esta, en el interior,
rechaza las vestiduras que las criadas le acercan y quiere vestirse de cazadora.9
El acto I y la primera escena del II de Séneca se reducen a las dos primeras
escenas de la primera parte del libreto de Lourenzo, 406 versos pasan a 91 (más 41 de
transición en boca del coro). En escena, se encuentran Fedra y un coro enterado del
pesar de su reina. Fedra no dialoga con el coro, ambos actúan en paralelo, sin responderse,
aunque oyéndose, pues sus intervenciones se encadenan de una manera muy bella.
Hablan ambos de la falta de amor, de la ausencia de Teséu (4): Él voltará da guerra / e
contará orgulloso as suas xeiras (p. 3), y de la extranjería de Fedra (5):
(4) (F.) vella terra dos meus pais; (...) da sua boca, eternamente forasteira; (...) e chorarei /
bágoas enxoitas cada día / desta miña emigración (...) Coro: como ela é forasteira para él (p. 3).
Aia irrumpe en esta comunión sin diálogo entre Fedra y el Coro para imponer su
veto, acudiendo a una formulación pareja a la de Séneca, con la que Lourenzo expresa
su propia ideología socialista (6): (A.) Asi lle vai ao mundo. Hai que ser rico / para ousar
o proibido e proibir o verdadeiro (p. 4).
En la escena segunda, Aia y Fedra se retiran al interior de la casa, mientras el
Coro, como eco, sigue insistiendo en el deseo de Fedra. En el interior, ambas continúan
una conversación entrecortada, en la que Aia argumenta brevemente con la misoginia
de Ipólito, mientras que Fedra solo destaca su parte positiva (no lo tendrá que compartir
con otras). La transición es muy rápida, porque Aia se pliega sin resistencia a la petición
de ayuda de Fedra; decide ir ella misma en busca de Ipólito en vez de que lo haga
Fedra, que lo había propuesto con una expresión polisémica (7): (F.) Talvez o meu destino
está no monte! (p. 5)
En una transición de 41 versos, el Coro, a la vez que acompaña el avance y el
propósito de Aia, entona su propio canto a Amor.10
Respecto al seguimiento que Lourenzo hace de Séneca, nuestra pregunta es triple:
¿qué elementos presenta Lourenzo?, ¿cuáles potencia?, ¿de cuáles prescinde?
Como en el mito y en sendas tragedias de Eurípides y Séneca, Lourenzo ofrece
como marco general el amor transgresor de las normas, la oposición convencional de la
nodriza y la negativa de Fedra a contenerlo. El marco se completa con la aceptación de
la situación por parte de la nodriza con tal de no perder a Fedra.
9
En clara referencia al gusto de Hipólito por el bosque y la caza, heredado de su madre la amazona.
Recoge más el estásimo primero de Eurípides (525-64) que la párodo de Séneca (275-357).
10
44
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
De una forma más específica y buscada, Lourenzo potencia la eterna filomaquia
de Teséu (4), en clara crítica a una guerra civil aún demasiado próxima, y la extranjería
de Fedra (5), motivo esencial en el espíritu galaico, pueblo eternamente forastero.
Además, utiliza la máxima sobre ricos y pobres del poeta latino con intención de
verdadera crítica social (6). Con estos tres elementos, Lourenzo actualiza el mito.
Despoja, sin embargo, su obra de toda referencia a la saga cretense y sus amores
desdichados, así como a un fatum en el que no cree.
3.2. A CTO II
DE
S ÉNECA . E SCENA 3ª,
PARTE
I
DE
L OURENZO
Las escenas segunda y tercera del acto II de Séneca se extienden desde 406 a
735. La primera, desarrollada entre la nodriza e Hipólito, constituye un verdadero agón,
en el que la nodriza intenta convencer al joven de deponer su actitud vital y disfrutar
de la juventud, en tanto que Hipólito defiende su forma de vida, basada en la libertad,
el gusto por la naturaleza, el propósito de evitar las desgracias que otros han provocado
y, sobre todo, su rechazo a las mujeres.
En el comienzo de la tercera escena, entra Fedra en acción, decidida a confesar
ella misma su amor al hijastro. Corrige a Hipólito (8) y comienza su confesión con el
recuerdo de su amor hacia el Teseo joven, reflejado ahora en su hijo (9):
(8) (F.) Arrogante es el nombre de madre y demasiado fuerte; a mis sentimientos les cuadra
mejor un nombre más humilde, llámame hermana, Hipólito, o llámame sirvienta; sirvienta
mejor. Estoy dispuesta a soportar todo tipo de esclavitud (609-12).
(9) (F.) Estoy enamorada del rostro de Teseo, aquel de antes, el que tenía hace tiempo, de
muchacho, cuando apuntando la barba le sombreaba las puras mejillas y conoció la casa sin
salidas del monstruo de Cnossos y fue recogiendo el largo hilo a través del intrincado camino
¡Cómo resplandecía entonces! Prendían sus cabellos las cintas rituales y un rosado pudor teñía
su tierno rostro; había músculos fuertes en sus tiernos brazos. Era el rostro de tu Febe o de mi
Febo; mejor aún, el tuyo... (646-56).
La reacción de Hipólito es inmediata. En su enfado, intenta incluso matar a Fedra. No
lo hace, sino que sale huyendo. La nodriza, que ha contemplado la escena sin intervenir,
trama entonces el plan salvador. El coro cierra el acto cantando a Hipólito y comentando
el engaño que van a perpetrar las mujeres.
En Lourenzo, todo el acto –salvo la escena primera– se reduce a la segunda escena
de la primera parte. Se desarrolla en el monte, entre Ipólito y Aia (con retirada del Coro);
posteriormente, entra Fedra. Los 431 del original se reducen a 181 versos cortos. Aia es
directa en sus preguntas y el joven contundente en sus respuestas (10): “(10) (A.) Con
quen dormes?...a quen amas?/(I.) Durmo coa noite, /deito-me co ar e amo o vento libre” (p. 6)
Mientras que Aia desaprueba esa forma de vida, Ipólito la defiende, incidiendo
solo en dos puntos de los presentados por Séneca: la libertad y el interés por evitar las
grandes desgracias humanas (11):
(11) (I.) Aqui non son escravo de ninguén, no temo nada. /..Son señor / e inocente baixo o céu
aberto. (...) (I.) Entre os homes / e a terra houbo un pacto, e os homes traicionaron-no /
Inventaron as armas, e o forte dominou / e suplantou o ferro as leis da natureza. / O irmán
matou ao irmán, o fillo ao pai, / a muller ao marido e mesmo ao fillo que criara (p. 7).
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
45
Se produce la entrada de Fedra, con palabras muy similares a las del original
latino (12): (F.) Madre? Chamas-me madre? Non irmá. / Cháma-me irmá. Ou escrava.
Mellor escrava. Son a tua escrava (p. 8).
En Lourenzo, es Ipólito quien augura la eterna vuelta del padre (13): (I.) Non
temas, ha voltar. Él sempre volta./ E reinará como nos vellos dias (p. 8). Fedra, por su parte,
confiesa su amor con añoranza, como en Séneca, del Teseo joven (14):
(14) (F.) Amo, sí, / aquel rosto primeiro de rapaz / ainda sen barba, cando / levaba cintas nos
cabelos e o pudor / acendía a su face. Cando era / coma ti, que el está todo en ti... Amo a Teséu
en ti, / amo-te a ti, / e postro-me diante de ti, / meu novo rei que me cambiaste! (p. 9).
Ante la reacción brusca de Ipólito, Fedra intenta morir a sus manos. En el forcejeo,
Ipólito la hiere. El joven huye y Fedra intenta darse muerte, pero Aia retira la espada y
urde el engaño. Se escucha a lo lejos el ruido de caballos que antecede la entrada de
Teséu. Aia pregunta a Fedra. Esta se debate entre dudas que hacen de ella un personaje
más similar a la Medea de Eurípides (1040-52) que a la Fedra de ambas obras clásicas
(15): (F.) Cala. Non cales. Di certo. / Di verdade. Di mentira. / Non ouses. Ousa. Está
perto?... Non! Sí! Vai logo! Non vaias! (p. 11).
Como en el mito y en sendas obras clásicas, Lourenzo reproduce las fuertes
convicciones de Hipólito, que le llevan a rechazar la propuesta. Como en Séneca,
presenta a una Fedra que confiesa su amor al hijastro pasando por encima de Aia, y que
desea morir tras el rechazo del joven. También en la obra del gallego ambas mujeres
urden el engaño, si bien la Fedra de Lourenzo con muchas más dudas. Además, desde
un punto de vista político, Lourenzo potencia la crítica a los males de la guerra (tan
próxima en sus secuelas aún la española) (11), y la referencia a un padre dictador, que
volverá eternamente (13). Con estos elementos, el autor actualiza el mito en recuerdo
de la guerra civil y de la dictadura franquista. Desde un punto de vista psicológico,
profundiza en el eterno deseo de las Fedras por recobrar la juventud en la frescura del
eterno Hipólito, aceptando incluso una nueva servidumbre: Fedra abandona la
servidumbre al tirano para caer sometida a la tiranía del sexo.
De nuevo, Lourenzo silencia otras líneas del mito (Cnoso y el Minotauro). Tampoco
le interesa especialmente la misoginia de Ipólito.
3.3. A CTO III
DE
S ÉNECA . E SCENA 1ª,
PARTE
II
DE
L OURENZO
El III acto senequiano es muy breve (835-990). Tras preguntar por la causa de los
gemidos que se oyen en el interior, Teseo entra en palacio y, ante el espectáculo que se
le ofrece, intenta convencer a Fedra de soltar la espada. Fedra cuenta la falsa violación
de Hipólito y muestra la espada acusadora. Teseo estalla en ira contra el hijo, lo condena
in absentia a un exilio eterno y lanza las maldiciones que le concediera otrora su padre
Neptuno. Concluye el acto el coro con un canto a la Naturaleza y a la Fortuna, y el
anuncio de la entrada del mensajero.
Los 155 versos de este acto, se reducen a 76 en la primera escena de la segunda
parte del libreto. El coro acompaña la entrada de Teséu, desconcertado ante el triste
recibimiento. Fedra entra en escena y, tras un parlamento incomprensible para Teséu,
46
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
lanza la falsa confesión, que provoca la maldición de Teséu. Este entra en casa, mientras
Aia huye y el coro moralizador, rodeando a Fedra, exclama (16): (Coro) Escoita, Fedra,
a ruda maldición, / e trema, que tamén é para ti (p. 13).
3.4. A CTOS IV
Y
V
DE
S ÉNECA . E SCENA 2ª,
PARTE
II
DE
L OURENZO
En el acto IV de Séneca (991-1156), el mensajero relata, de forma profusa, la
muerte de Hipólito y su despedazamiento. De nuevo, el coro cierra el acto con un canto
a la Fortuna, que se ensaña con los que más tienen. Los gritos de Fedra en el interior de
palacio, hacen presagiar al coro un terrible desenlace.
En el V (1157-1280), Teseo y Fedra se enfrentan ante la mirada del Coro y los
restos mortales de Hipólito. Espada en mano, Fedra se dirige a Hipólito deseando
resucitarlo o morir con él (17): (F.) No fue lícito unir nuestras almas, pero sí que es lícito
dejar unidos nuestros destinos (1183). Ante la palabra, la actitud y, finalmente, el suicidio
de Fedra, Teseo desea su propia muerte, pero no la acomete. El Coro, silencioso hasta el
momento, lo anima a cumplir con las honras fúnebres del hijo, lo que hace entre lágrimas,
mientras maldice a Fedra.
Ambos actos senequianos, 289 versos, se reducen a 89 en la segunda escena de la
segunda parte en el libreto de Lourenzo. Frente a la clásica, la Fedra de Lourenzo permanece
en escena deseando morir con el amado o aconsejándole en la distancia las últimas maniobras
que lo puedan salvar, mientras el coro actúa como narrador-mensajero de la situación en
vivo, reduciendo así la prolija información del mensajero de Séneca (991-1114) (18):
(18) (Coro) Xa o tempo variou, xuntan-se as nubens / parindo unha rebelde treboada. / Xa o
mar agancha bravo polas penas, / roncando, penetrando, desfacendo! / Non pode ter Ipólito da
grea!...É tarde, as suas rendas xa cederon / e as ondas envolveron-no, e os cans /reparten os seus
membros pola area... asi acabou Ipólito, o inculpado! (p. 13).
Siguiendo los pasos de Séneca, la Fedra de Lourenzo lanza la maldición contra sí
misma. En su delirio, se arroja sobre el saco que contiene los restos de Ipólito y se da
muerte, deseando la unión definitiva con el amado con palabras similares a las de Séneca
(19): (F.) Ipólito querido, non puidemos / xuntar os nosos corpos, mais os nosos / destinos
pairan xuntos para sempre!
Frente al clásico, el Teséu de Lourenzo se suicida, tras pedir fuerza a sus
antepasados, con la sola plegaria del coro como eco (20): (Coro) Axudai-lle!... /Dai-lle
forzas!... Axudai-lle!...Acollei-no / nos vosos eidos eternais, onde as verbas / non martirizan!...
E dai-lle paz... E dai-lles paz! (p. 16).
En común con las obras clásicas, Lourenzo ofrece la locura de Fedra y su suicidio,
la ira de Teseo y su arrepentimiento por la muerte del hijo... Pero, sobre todo, potencia
el sentimiento de Fedra. Fedra en Lourenzo no es madre, es solo mujer, y su sentimiento
como mujer es superior al de madre o padre. También potencia, en boca de una Fedra
que no admite ser juzgada por nadie desde la eternidad del mito, el desprecio por los
que eternamente se oponen al amor que se sale de la norma (21): “(21) (F.) O seu
alcume non é novo / para min. Veño escoitanto / esa tocata desde o berce. / Non te culpo,
Teséu, das tuas verbas. / Entendo o teu furor, mais non admito / ser por ti inmolada” (p. 15).
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
47
4. I NTENCIÓN,
MENSAJE Y ELEMENTOS PROPIOS DEL AUTOR
No debemos tratar la recurrencia a lo clásico en Lourenzo sin tener en cuenta el
resto de su obra y otras constantes de su teatro. El mismo autor (Rodríguez 2006: 197214) indica que su propósito al recurrir a lo clásico es doble: evitar la censura franquista
en la etapa de la dictadura y acudir a los universales que proporciona el mito para
lanzar mensajes igualmente universales.
Los mensajes de Fedra son dos, uno político-social y otro filosófico-personal. Desde
el punto de vista político-social, hay en el libreto un rechazo contra la guerra y la
dictadura, y una loa de la libertad; también se reivindica la transgresión de las normas
y se hace una cierta crítica de clases. Desde el punto de vista de lo personal, en el
libreto se potencia a la Fedra-mujer frente a otras facetas del personaje (la condición
de potencial madre solo se menciona cuando se acusa a Ipólito de violación); frente a
otros posibles rasgos del personaje, Lourenzo actualiza solo el irrefrenable deseo de la
mujer madura por resucitar la juventud perdida.
5. Ú LTIMAS
FAÍSCAS DE
5.1. A CCIÓN ,
S ETEMBRO (1999)
ACIO Y TIEMPO
E S PPACIO
La obra cuenta la llegada a Corinto de una turista llamada Medea que va a pasar
unos días de descanso en el balneario de la ciudad. El mozo encargado de llevarle las
maletas, de nombre Odiseas, será el que le descubra la historia de una Medea que vivió
en los tiempos de los antepasados, introduciendo en la acción a la heroína del mito. El
detective del balneario, Jasón, disfrazado de Jasón, va a su habitación para investigar el
robo de unas tablillas muy antiguas, escritas en griego, que contenían la historia trágica
de una tal Medea. Entre la turista y el detective, que está casado con Creúsa, la hija de
Creonte, un armador director del balneario, surge una atracción irresistible que acarreará
la desgracia. Creúsa muere al caer al vacío en unas antiguas ruinas, tal vez arrojada por
Medea. Esta, embarazada de Jasón, se provoca un aborto, tras intentar, sin éxito,
convencer a su amante para marcharse juntos en la nave Argos, pero Jasón prefiere
quedarse en Corinto, convertido ahora en dueño del balneario. Mientras Medea marcha
hacia el puerto dejando un reguero de sangre, él aguarda la llegada al hotel de una
nueva turista que, casualmente también se llama Medea.
Este es, en síntesis, el argumento de la obra, cuya acción se divide en dos actos.
Los personajes que actúan son, nominalmente, cuatro: el mozo del hotel, llamado Odiseas,
Medea, el Director del balneario, de nombre Creonte, y el detective Jasón, yerno del
anterior. Y es precisamente en los personajes en donde radica la primera originalidad
de Lourenzo, porque se produce el desdoblamiento de la pareja protagonista que actúa
también en un doble espacio y en un doble o, incluso, triple tiempo. La Medea moderna,
esa turista que llega para descansar en el balneario de Corinto se desdobla y se superpone
a la Medea mítica que llega de la Cólquide a Corinto como esposa de Jasón. También
este último se desdobla en el detective moderno que se disfraza del antiguo Jasón para
entretenimiento del personal alojado en el hotel y que adquiere su personalidad mítica
en la relación con Medea.
48
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Desdoblamiento de personajes pero también de tiempo y espacio. El pasado y el
presente se superponen en un balneario moderno, en una ciudad del Mediterráneo,
Corinto, que conserva las huellas visibles de su historia en las ruinas del antiguo palacio,
en la réplica en madera de la nave Argos colocada en el vestíbulo del hotel, y en el
contenido de unas tablillas escritas en griego que dan cuenta de los actos criminales de
una Medea que hace mucho tiempo llegó a la ciudad con un tal Jasón.
Este procedimiento, similar al del manuscrito reencontrado, tan socorrido en las
novelas históricas para dotar de prestigio y verosimilitud a la narración y, a la vez, situar
la acción en un pasado remoto, se reproduce aquí con el mismo fin. Por medio de las
tablillas, el espectador asiste al conocimiento de la Medea mítica, ya que han sido
escritas por ella misma a modo de diario, al tiempo que las ruinas remiten al pasado
legendario.
En suma, la doble dimensión del espacio y del tiempo, así como el desdoblamiento
de los personajes, consigue situar una historia actual de amor y pasión en una dimensión
pretérita totalmente distinta, la mítica y al revés; el tiempo del mito se actualiza en la
acción presente.
Este juego temporal y la actualización dramática se observa también en otros
detalles como por ejemplo en el personaje de Creonte que, a diferencia del rey mítico
de Corinto, el autor convierte en un armador acaudalado dueño del balneario.
La obra termina, como ya dijimos, con la esperada llegada de otra turista de
nombre Medea, con lo que el futuro aparece también como horizonte temporal y es
previsible que con idéntica carga trágica.
Asimismo, es importante señalar el periodo de tiempo en el que transcurre la
acción de esta Medea moderna. El autor lo indica claramente en la presentación: todo
sucede entre septiembre y diciembre; la decadencia del otoño da paso al invierno,
estación en la que todo se agosta y muere; al igual que el ciclo de la vida, el amor entre
Jasón y Medea comienza cuando ya casi declina la vida en paralelo a la naturaleza.
Por último, un breve comentario sobre el escenario geográfico en el que se sitúa
la acción. A diferencia de otras obras 11 en las que el paisaje y la localización son
completamente galaicos, en esta, por el contrario, el balneario se sitúa en Corinto, en
una ciudad mediterránea que puede ser de hoy y de ayer, sin ningún rasgo localista,
como si con ello se quisiera subrayar la universalidad del tema representado.
5.2. COMP
ARACIÓN
OMPARACIÓN
CON LA OBRA DE
E URÍPIDES
El autor clásico que sirve de modelo a la Medea de Lourenzo es Eurípides, como
en tantas otras piezas del autor gallego, si bien presenta con aquél también bastantes
diferencias, como es esperable en el planteamiento de una moderna Medea. Estas
discrepancias se refieren, sobre todo, a la estructura de la obra más que a los protagonistas
de la acción. A ello vamos a dedicar las siguientes líneas.
11
Cf. MAQUIEIRA, 2013.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
49
Ante todo, la obra clásica y la del gallego tienen una situación de partida y un
desarrollo bien distintos, como ya señalamos al referir sus líneas argumentales.
Como es bien sabido, en Eurípides la infidelidad es de Jasón hacia Medea, con la
que está casado y tiene dos hijos; al romper los votos matrimoniales para casarse con
Creúsa, la hija del rey de Corinto, y conseguir así estatus y un trono, es objeto de una
venganza atroz por parte de Medea, que se siente abandonada y ultrajada después de
haberle ayudado en su empresa imposible de conseguir el vellocino. La tragedia clásica
es una obra, entre otras lecturas, de venganza.
En Manuel Lourenzo, Medea y Jasón acaban de conocerse, y este le es infiel a
Creúsa, con la que está casado y con la que no puede tener hijos. Jasón es así, en una
primera aproximación, un simple adúltero. Diferencia de planteamiento que conlleva,
por ejemplo, la ausencia de los agones clásicos entre los dos protagonistas.
Sin embargo, existen en la obra del gallego semejanzas notables referidas a la
caracterización de los personajes y sus motivaciones. Veamos algunas.
En cuanto a Medea, en ambas obras se señala repetidamente la extranjería del
personaje, pero su procedencia y origen son diferentes. La Medea mítica viene de lejos,
de la Cólquide, país ajeno a la civilización griega, y es por tanto una bárbara sin civilizar.
Ella misma resalta su extranjería cuando se dirige a las mujeres de Corinto en el famoso
parlamento de Eurípides (22): (M.) yo, en cambio, abandonada, apátrida (260). Su
condición de no civilizada se la recuerda cruelmente Jasón al recriminarle que no acceda
de buen grado a su matrimonio con Creúsa; si ella le hizo algunos favores, fueron mayores
los suyos al poder tener acceso a la civilización (533-35).
La Medea moderna también viene de fuera y llega a un lugar nuevo, el balneario
de Corinto; la extranjería la señala magistralmente el autor al convertirla en una turista,
que no conoce ni la lengua ni las costumbres del país (no puede leer las tablillas, ni
conoce las antiguas ruinas, ni las rutinas del hotel). Su barbarie se pone de manifiesto
al final, cuando ella se va y aparece otra Medea que en palabras del mozo (22):
(M.) Tentaremos que sexa unha muller civilizada (Acto II, p. 57).
Como señalamos al principio de la exposición, al unir mito y actualidad desdoblando
la figura de Medea, también la antigua aparece presentada por el mozo con los mismos
rasgos de Eurípides (23): “(23) Houbera unha Medea en Corinto, no tempo dos devanceiros.
Disque era unha estranxeira, unha muller perversa.” (Acto I, p. 19).
Extranjería y barbarie van unidas en Eurípides y en Lourenzo. La identificación
del Otro, del extranjero con la no civilización es una postura que, muchas veces por
desconocimiento, ha sobrevivido hasta el día de hoy.
Otro aspecto coincidente en los dos autores es la condición femenina; la mujer
está sometida al varón, tal como nos dice la protagonista en la obra clásica en el conocido
parlamento ante las mujeres de Corinto (231-33).
En Últimas faíscas de setembro, el autor expresa parecida idea poniéndola en boca de la
Medea antigua en el texto conservado en las tablillas. También aquí la propia Medea pone de
relieve la sumisión de la hembra al varón (24): “(24) (M.) A multitude espera na ribeira a
sumisión da femia ao amante célebre, a miña entrega como puta de Jasón.” (Acto I, p. 31)
A pesar de estas similitudes, lo que llama más la atención es la coincidencia
absoluta en los motivos de las tres Medeas que aparecen y que se superponen: la de
Eurípides, la antigua de las tablillas del balneario, y la moderna turista que llega a él
para pasar unos días de descanso. A las tres les mueve el amor hacia Jasón.
50
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Hay que señalar, sin embargo, un rasgo diferencial importante entre la heroína
mítica y esta Medea moderna: mientras en Eurípides es presentada como sabia-maga, en
Lourenzo pierde por completo este rasgo y es solo una mujer enamorada que provoca pasiones
en todos los hombres que con ella se relacionan; su seña de identidad es ser mujer.
En cuanto a Jasón, es al principio en la obra del gallego un hombre infeliz, apartado
de su oficio de navegante, falto de amor y que no puede tener hijos con su mujer;
Lourenzo lo ha convertido en un gigoló, que se entretiene con las turistas que pasan por
el balneario. Solo en Medea va a encontrar la pasión que le falta. A primera vista, pues,
poco que ver con Eurípides.
Sin embargo, descubrimos algunas semejanzas importantes. El clásico y el moderno
son la viva imagen del antihéroe. Nada que ver el personaje de Eurípides con el retratado
por Píndaro o, incluso, por Apolonio de Rodas, autores en los que Jasón viene dibujado
por ser un héroe arrojado y valiente que lleva a cabo las empresas más arriesgadas. En el
trágico, en cambio, se produce un cambio sustantivo que mina decisivamente su
heroicidad, al moverse, exclusivamente por interés: repudiando su matrimonio con Medea
para casarse con la hija del rey, consigue poder y reino, que es lo único que le interesa.
Con cinismo, intenta hacer creer a Medea que lo mueve la preocupación de que
sus hijos puedan alcanzar cierta legitimidad dentro de la nueva familia de Corinto y no
criarse como apátridas y descendientes de una extranjera; pronto descubrimos el
desapego que siente hacia ellos y que sus motivos son exclusivamente egoístas. El poder
y los intereses mueven a Jasón y no las nobles causas que expone.
En la obra moderna son muy similares las motivaciones por las que actúa el
detective Jasón, un hombre que se lanza a los brazos de Medea sin medir las consecuencias
y sin sentir verdadero amor. Así se lo hace saber el mozo a la protagonista cuando ella
aún tiene esperanzas de que Jasón siga con ella (25):
(25) (M.) Abandone o país. Despídase do seu amante e colla o barco. El non a quere, o non lle
tería feito o que lle fixo. Xasón é de Creúsa. Está amarrado a ela por impagos e hipotecas que
o vencellan ao sogro para sempre. Iso vosté xa o sabía cando se namorou del. (Acto II, p. 44).
También es patente lo que mueve a Jasón en el desenlace, cuando muertos ya
Creúsa y su padre Creonte, se convierte él en el dueño absoluto del balneario. Al
plantearle Medea que se marchen juntos con el hijo que lleva en su vientre, él rehúsa
para no perder su estatus como propietario y director. Frente al deseo de Medea es la
ambición de poder lo que condiciona sus actos.
Es importante notar que, al superponer tiempos y espacios, Lourenzo juega con
dos Jasones, el mítico, todavía heroico y de personalidad arrolladora y el nuevo,
convertido en un detective que se disfraza de Jasón para representar el mito ante los
turistas y que ha perdido ya toda su heroicidad. En las tabillas en las que se cuenta la
historia antigua, aparece con nitidez la figura de un Jasón valiente y que sale a
reconquistar un trono que le fue injustamente arrebatado (Acto I, p. 31).
En el nuevo, realmente el dramaturgo gallego envilece un poco más la figura
masculina de la obra que, si bien en Eurípides ya había perdido mucho de sus rasgos
heroicos, no había traspasado por completo las fronteras que lo habían de convertir en
un pelele, un gigoló en las páginas modernas.
Otro personaje que recuerda la tragedia clásica es el mozo, Odiseas, que cumple
la función de mensajero, también como portador de las malas noticias – la muerte de
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
51
Creúsa, pero que en ocasiones recuerda al coro clásico, sobre todo en las escenas de las
tablillas. En un guiño claro hacia el trasfondo clásico, el nombre remite al espectador
hacia el personaje homérico y, como él, acaba sucumbiendo al deseo, no de Circe pero
sí de Medea.
El rey de Corinto, Creonte, es transformado aquí, en esta nueva tragedia, en un
armador, de apellido Angelopoulos, en una clara actualización del oficio e, incluso, del
país de referencia, Grecia, en donde transcurre el antiguo mito pero también el nuevo.
Siguiendo los pasos de Eurípides, Creonte también muere pero, curiosamente, el autor
gallego no dice ni cuándo ni cómo, sino que sin solución de continuidad vemos a Jasón
convertido en el dueño y nuevo director del Balneario porque su suegro ya no está.
Por último, personaje mudo, como en Eurípides, pero con un peso mayor por cuanto
es ella la esposa engañada, está Creúsa, de la cual sabemos algo –que imita a Medea en
todo, por ejemplo– por el relato de los demás, ya que ella no sale a escena ni una sola
vez. Su muerte se produce al caer en un pozo de las ruinas del antiguo palacio y
desnucarse. El autor no explica claramente si fue un accidente, pero deja la puerta más
que abierta para señalar a Medea como la culpable por haberla empujado.
6. I NTENCIÓN
Y MENSAJE
A diferencia de la otra pieza teatral de Lourenzo en la que acomete también una
reescritura de Medea y su mito, Medea dos Fuxidos (1984), en la que las referencias
políticas y la crítica social a la España del franquismo era el hilo conductor, en Últimas
faíscas de Setembro, escrita y estrenada en 1999, no existe a nuestro entender, ningún
planteamiento político. La obra aborda problemas personales y psicológicos que afectan
al ser humano, en este caso, a las relaciones amorosas y pasionales; o, dicho de otra
forma, el planteamiento de la pieza pone en juego el deseo (Medea) frente a la ambición
de poder (Jasón).
La otra idea que el autor resalta es que la Medea moderna no actúa por venganza.
Mata supuestamente a Creúsa para eliminar a su rival, no para vengarse de Jasón; y,
mientras en Eurípides lleva a cabo el más atroz de los crímenes matando a sus hijos para
desposeer a Jasón incluso de eso, en esta otra obra, el aborto que se provoca viene
inducido porque Jasón no quiere a ese hijo –él quería descendencia con Creúsa, no con
ella– ni la quiere a ella. Es una pieza en la que está en juego el amor prohibido, la
pasión enfermiza que conduce a la desgracia. La Medea de Lourenzo no es vengativa,
sino solo una mujer enamorada.
7. C ONCLUSIONES
Encontramos en Lourenzo dos planteamientos muy diferentes en las obras analizadas.
1. Por lo que hace a Fedra, el dramaturgo gallego es fiel al mito contado por Séneca,
incluso con pasajes y palabras idénticas. No hay, pues, reescritura aunque sí una
condensación total del texto senequiano para convertirlo en un libreto de ópera. Por
el contrario, la Medea gallega supone una reescritura peculiar del mito. Aunque
tiene como texto base la obra de Eurípides, el planteamiento y el desarrollo es
52
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
absolutamente personal de Lourenzo, que convierte a la bárbara Medea, asesina de
sus hijos, en una mujer cuya pasión cambiará su vida y la de aquellos que la rodean.
2. En las obras más antiguas –Romería as Covas do demo, Fedra, Medea dos Fuxidos,
todas ellas anteriores a 1990– hay un interés político-social; frente a él, en las más
recientes se destaca los aspectos psicológicos de las mujeres, insertándolos en un
marco más universal. A ello obedece la galleguización del espacio y del tiempo en el
primer grupo de piezas, en las que los personajes actúan en un escenario geográfico
galaico, mientras que en el segundo grupo el espacio es cualquier ciudad, cualquier
paisaje, comunicando esa universalidad en la que los protagonistas del mito se mueven
antes y ahora para plantear también temas universales.
3. Del mito el autor entresaca los aspectos que le interesa destacar y que constituyen
universales de la conducta humana. Tanto en Fedra como en Medea potencia, en
primer lugar, el papel de mujer antes que el de madre y, en segundo lugar, la
extranjería, aunque abordada de manera distinta en una y otra obra. En su Fedra,
con localización galaica como dijimos, el fenómeno se relaciona directamente con la
emigración gallega, mientras que en su Medea la extranjería se plantea en un nivel
más universal, aunque el rechazo al Otro, al diferente, vaya siempre emparejado al
concepto de extranjero.
4. Se observa la presencia en ambas obras de la cuestión de género. En ambas, aparece
el sometimiento de la mujer por el varón y el rechazo femenino a esta situación.
También en esto, difieren en el planteamiento la Fedra y la Medea del gallego.
Mientras que en el caso de la primera, la sumisión a Teséu puede tener una lectura
político- social, en Medea (y en Fedra respecto a Ipólito) es un sometimiento
exclusivamente personal, provocado por la pasión amorosa.
5. Obviando cuestiones de detalle, ambas piezas tratan las consecuencias de amores
fuera de la norma, hasta tal punto que podríamos afirmar que el núcleo temático es
la relación amorosa y no la venganza en Medea; en el caso de Fedra, se trata de la
persecución de la pasión ligada a la juventud. No hay, en todo caso, demonización
de estos amores por parte del autor.
AA
ABSTRACT
The present work aims to analyze two theatre plays from
contemporary Galician author Manuel Lourenzo, Fedra and
Últimas faíscas de Setembro. Both of them are focused on the
mythical figures of Phaedra and Medea, although from a
different perspective. When dealing with Phaedra, Lourenzo
makes a highly respectful reinterpretation of the myth and
play of Seneca. In the case of Medea, the author updates the
myth with thoroughgoing changes.
KEYWORDS
Lourenzo, Galician theater, Phaedra, Medea, Recycling Myth
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
53
REFERENCIAS
CRIADO, C. Teologías y teodiceas épicas. Estacio y la perspectiva ovidiana. Emerita,
Madrid, LXXIX, 2, 2011, p. 251-75.
ESQUILO, SÓFOCLES, EURÍPIDES. Obras completas, Madrid, Cátedra, 2004.
FERNÁNDEZ DELGADO, J. A. La tradición griega en el teatro gallego. EClás, Madrid,
109, 1996, p. 59-89.
LOURENZO, M. Romería ás covas do demo. Santiago de Compostela, Pico Sacro, 1975.
LOURENZO, M. Fedra, Cadernos da escola dramática galega n. 28, julio, 1982.
LOURENZO, M. Últimas faíscas de setembro. A Coruña, Deputación Provincial, 2000.
MACÍA, L. M. Fedra e Hipólito, E. Fernández de Mier y F. Piñero. Amores míticos,
Madrid, Ediciones Clásicas, 1999, p. 261-80.
MAQUIEIRA, H. Fedra e Hipólito en el teatro de Manuel Lourenzo, L. M. Pino y G.
Santana. Homenaje a J. A. López Férez, Madrid, Ediciones Clásicas, 2013, p. 511-18.
POCIÑA, A. y LÓPEZ, A. El tema de Fedra en el teatro gallego de Manuel Lourenzo,
A. Pociña y A. López. Fedras de ayer y hoy: teatro, poesía, narrativa y cine ante un mito
clásico, Granada, Universidad de Granada, 2008, 525-44.
POCIÑA, A. Otras Medeas. Nuevas aportaciones al estudio literario de Medea,
Granada, Universidad de Granada, 2007.
POCIÑA, A. Una sorprendente pasión por el tema de Fedra e Hipólito: sus cuatro
reescrituras por Manuel Lourenzo. De ayer a hoy: influencias clásicas en la literatura,
Coimbra, Universidade de Coimbra, 407-18, en prensa.
RAGUÉ, Mª J. Raíces e memoria do mito no teatro de Manuel Lourenzo, R. Pascual. Palabra
e acción. A obra de Manuel Lourenzo no sistema teatral galego, Tris-Tram, Lugo, 2006, p. 93-103.
RODRÍGUEZ, P. ‘Evocación e invocación’. Conversa con Manuel Lourenzo, R. Pascual. Palabra
e acción. A obra de Manuel Lourenzo no sistema teatral galego, Tris-Tram, Lugo, 2006, p. 197-214.
SÉNECA. Tragedias II, Madrid, Gredos, 2006.
TATO FONTAÍÑA, L. No labirinto de Manuel Lourenzo, R. Pascual. Palabra e acción.
A obra de Manuel Lourenzo no sistema teatral galego, Tris-Tram, Lugo, 2006, p. 17-26.
VIEITES, M. F. Crónica do teatro galego 1992-2002. Vigo, Servicio de Publicacións da
Universidade de Vigo, 2003.
Recebido em 6 de fevereiro de 2014
Aprovado em 4 de maio de 2014
54
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ELECTRA GARRÍGÓ
El estéril (y ridículo) decoro de los Atridas
ELECTRA GARRÍGÓ: THE BARREN (AND RIDICULOUS) DIGNITY OF ATREUS
Alina Gutiérrez Grova*
Universidad de La Habana
RESUMEN
En Electra Garrigó (1941), drama de Virgilio Piñera, la
“sistemática ruptura de la seriedad entre comillas” en que el
artista resumió su poética teatral se construye mediante la
incongruencia entre un contenido que ha perdido su calidad
trágica y un lenguaje que continúa expresándose con la gravedad
y la elevación propias del género. Con este procedimiento se logra
una inversión del canon, orientada a impedir la síntesis que
demanda la tragedia, que la recepción interpreta como grotesque.
PALABRAS CLAVE
Electra Garrigó, Virgilio Piñera, contenido, lenguaje, grotesque
En “El país del arte”, ensayo publicado por la revista Orígenes en 1947,1 Virgilio
Piñera proponía una asimilación creadora de la tradición artística:
El arte se parece a las piedras preciosas. Creemos que tiene un valor en sí, que es moneda
corriente y cheque al portador (…) y lo encerramos en una vitrina o en una caja fuerte.
He ahí lo terrible, nuestro mortal error: hemos encerrado el arte dentro de nosotros
mismos. Nadie lo considera por un instante como la piedra que en la selva pierde su
condición de preciosa y se queda solamente en piedra; piedra que, no obstante, es preciso
conservar como peso muerto, pero que podrá ser valiosa en cualquier momento, sin que
sepamos cuándo ni dónde, sin que nos propongamos tal valor ni por él nos sacrifiquemos.
Una piedra que, no tiranizándonos en nada, podremos hasta trocar por un puñado de arroz.
Con esa convicción había escrito en 1941 Electra Garrigó, drama en tres actos que
al estrenarse en 1948 fue objeto de injustificado escándalo, pues anunciaba honestamente
en su mismo inicio que debía ser interpretado como una “guantanamera” cuya altura
trágica era artificio retórico. A pesar de tantas advertencias, una crítica mal informada
*[email protected]
1
En Piñera, V. Órbita de Virgilio Piñera, p. 200.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
55
e intransigente lo acogió con repugnancia, acuñando la frase, desdichada en más de un
sentido, que inició la historia de su recepción.2
Pero el joven dramaturgo no había hecho más que usar una franquicia aprendida
de la tradición teatral griega, en la que ni siquiera Eurípides, tan asendereado por
Aristófanes a causa de sus transgresiones técnicas, temáticas y discursivas, había sido
el primero ni el único trágico en reelaborar su material, cosa usual también en el drama
satírico y frecuente en la comedia. El legado del teatro antiguo había quedado a
disposición de la posteridad, que había intervenido en él muchas veces, y, en 1948, la
pretensión de que Electra Garrigó tipificara el género puro, sostenida por una “cultura
oficial” anclada en un clasicismo extemporáneo, validaba, por absurda y ridícula, la
estética del dramaturgo, que había previsto esa reacción en la voz de unos de sus
personajes: “Si alguna de las mujeres sabias te dijera que ella es fecunda autora de
tragedias, no oses contradecirla; si un hombre te afirma que es consumado crítico,
secúndalo en su mentira… (III: 26-27).3
Con el tiempo, una crítica responsable ha hecho justicia a esta pieza y a toda la
dramaturgia de Piñera, observando que la fórmula de “sistemática ruptura de la seriedad
entre comillas” en que el artista resumió su poética teatral4 no empaña la esencia trágica
de sus conflictos, sino que la realza por los procedimientos que también él apuntó: el
humor, el absurdo y lo grotesco. 5
En Electra Garrigó la “ruptura de la seriedad” se construye en tres etapas. En la
primera, mediante una banalización 6 del plano del contenido, ahora convertido en
relación de oscuros crímenes domésticos en ámbito vernáculo cubano, cuyos protagonistas
se han transformado, de avristoi que eran, en “burgueses bien alimentados”. Al rebajarse
tanto la dignidad de la fábula como la de los personajes, este plano –que integra las
fases de inventio y dispositio–, pierde la cualidad de prev p on (aptum, decorum) que
prescribe Aristóteles para el género. 7 Aquí comienza el debate sobre Electra Garrigó,
cuya filiación genérica aún hay quien se empeña en discutir.
2
“Esto es un escupitajo al Olimpo”. Para un estudio de Electra Garrigó, véase “Clitemnestra prefiere la
frutabomba”. En Miranda, Elina. Calzar el coturno americano. Mito, tragedia griega y teatro cubano, p. 53-68.
3
PIÑERA, V. “Electra Garrigó”. En Virgilio Piñera. Teatro completo, p. 1-38. Todas las citas de la obra se
harán por esta edición, y consignarán el acto al que corresponden y la página en que aparecen.
4
PIÑERA, V. 1960. “Piñera teatral”. En Teatro completo, p. 23.
5
Cf. LEAL, R. “Piñera todo teatral”. En Piñera, V. Teatro completo, p. XIII. Elina Miranda (ob. cit.)
llama la atención sobre la estirpe sofoclea de esa visión trágica y analiza la dramaturgia de Electra
Garrigó.
6
Empleo el término porque al parecer era el preferido por el artista, que en carta a José Lezama Lima,
fechada en Buenos Aires el 28 de agosto de 1946, escribió: “Yo continúo mi novela El Banalizador, de la
que te mandaré un capítulo para Orígenes”. (Órbita de Virgilio Piñera, p. 266). La denominación fue al
parecer provisional, porque en la bibliografía de Piñera no aparece tal título.
7
Aristóteles. El arte poética, III. 1, p. 39. Sobre la noción de decorum, tomada de Cicerón y Quintiliano,
cf. LAUSBERG, H. Manual de retórica literaria, T II, p. 374-391.
56
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
En la segunda etapa se preserva el plano de la expresión8 –que corresponde a la
fase de elocutio e incluye la de actio para la representación escénica– haciéndolo conservar
la gravitas del lenguaje trágico, salvo raros momentos especialmente significativos.
Fórmulas como la del Egisto “estrangulador de gallos” (III: 27), que lo agravia por
referencia a los virtuosos “domadores de caballos” homéricos –Héctor, Néstor, Diomedes
Tidida– y los “bovinos ojos” de Electra (III: 34), así como la frecuente reelaboración de
citas, dan cuenta de esa intención:
CLITEMNESTRA. Esa Electra nos dejará bien pronto; irá con su locura a los desolados
promontorios de alguna olvidada costa, y allí se estrellará contra las rocas. (II: 23)
ODISEO. Poseidón, que sacude la tierra, rompió mi nave llevándosela a un promontorio
y estrellándola contra las rocas, en los confines de vuestra tierra; el viento que soplaba del
ponto se la llevó y pude librarme, junto con estos, de una muerte terrible. (Odisea, IX: v.
283-286)9
El resultado es una flagrante incongruencia entre un contenido que ha perdido
su idoneidad y la elocutio decorosa en que se sigue expresando. El procedimiento en
Electra Garrigó consiste, pues, en una inversión del canon, orientada a impedir la síntesis
entre res y verba que demanda el género. 10 Así el producto adquiere, por voluntad
autoral, cualidades de parodia irreverente, y la recepción lo interpreta como grotesque.
Pero contenido y expresión no son compartimientos estancos, y menos en la dramaturgia,
que se completa solo cuando el texto se convierte en espectáculo con la participación
de componentes propios del medio escénico que prestan servicio por igual a ambos
planos. Las indicaciones didascálicas de Electra… sobre estos componentes no textuales
se orientan también a la observación de la incongruencia. Por ejemplo, la calidad del
vestuario –descrito en las didascalias– toma parte en la metateatralidad de la obra al
incorporarse al habla de los personajes en parlamentos que lo distinguen o explican. Así
Egisto, ataviado con el traje de inmaculada blancura del gusto de los “chulos cubanos”,
no quiere perecer aplastado bajo el oscuro “material Electra”, porque, dice a
Clitemnestra Pla: “Sabes que me encanta la ropa blanca” (III: 35), mientras el Pedagogo
llama repetidamente la atención sobre sus atributos: “No soy augur, Clitemnestra Pla.
(Mostrando la cola). Esta cola dice muy por lo claro que soy un centauro. Mi oficio es
enseñar, no profetizar.” (III: 28). Cuando Clitemnestra complementa su ropaje de viuda,
en el acto tercero, con un escandaloso hibisco, lo explica por su deseo de “Que este
palacio se llene de felicidad, y de flores rojas, como esta que mi pecho exalta. (III: 27).
El tratamiento del tópico del parenticidio ilustra acabadamente la incongruencia
entre contenido y expresión. La muerte de Agamenón, amparada en la metáfora del
8
La segregación del fenómeno lingüístico en dos planos se debe a la glosemática, que reconoce al texto
como unidad lingüística básica, en la que contenido y expresión son interdependientes. Pero esas
distinciones no se emplean aquí en ese sentido, sino solo con un valor metodológico, y se asimilan a la
perspectiva procesual de la retórica, más que a la perspectiva relacional de la lingüística estructural. Y
aunque sean útiles para llegar al análisis de la elocutio, no olvidan que el texto en estudio es poético y
espectacular, lo que significa que su dimensión verdadera es la pragmática.
9
HOMERO. Odisea, p. 171.
10
Cf. LAUSBERG, Heinrich. Ob. cit., T. I, p. 99 ss.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
57
gallo, que podría ser eufemística si el animal no se describiera “viejo, paticojo, encorvado,
picado de viruelas, renegrido, ronco y maloliente” (II: 22), ocurre fuera de escena,
como es normativo, en el acto segundo. Pero en el tercero, Orestes y el Pedagogo, que
al parecer la presenciaron, comentan con abundancia, como obra consumada del arte,
el infame procedimiento con que se llevó a cabo, indigno de la calidad de la víctima,
pero beneficiado con una noble procedencia y decorado con ampulosos calificativos:
ORESTES: Te confieso, Pedagogo, que me sentí fascinado cuando Egisto partió tan
delicadamente el cuello del ave.
PEDAGOGO: ¡Y qué decir del elegante movimiento del pañuelo sobre la cabeza del
animal! (III: 25)
En el episodio de la muerte de Clitemnestra, que ocurre inadecuadamente en
escena, la situación trágica queda menguada por la trivialidad de la víctima, que prefiere
tomar a broma las sibilinas palabras de su matador y ofrece el desusado espectáculo de
comer ante el público:
ORESTES: ¿Sabes que soy el encargado de hacerte partir?
CLITEMNESTRA: ¿Tú?
ORESTES: Sí, pero disponemos de bastante tiempo aún.
CLITEMNESTRA(Horrorizada): ¿Tú, pero tú mismo?
ORESTES: Sí, yo mismo. Comerás tu fruta favorita. (Señala la frutabomba). Confieso que
en esto el Tribunal ha estado muy acertado, y partirás hacia lo desconocido.
CLITEMNESTRA (Riendo): ¡Ah, gracias, hijo mío, gracias por alegrar a tu afligida madre
con humoradas tan deliciosas! (III: 36)
Mientras paladea la tajada de fruta, Clitemnestra la describe y evalúa con palabras
sublimes que son equívocas, por la escatológica connotación de la comida y por su
vulgar origen, al tiempo que dirige sus temores, equivocadamente, contra Electra, para
caer muerta al cabo de manera impropia e indigna, por el vulgar veneno que su
incontinencia le hizo ingerir:
CLITEMNESTRA: (Coge la frutabomba y la observa). Es de pureza tan absoluta, que
nada malo puede haber en su delicada pulpa. (Empieza a comerla). ¡Soberbia! (Llorosa).
Estoy muy quejosa de Electra. (Pausa). Es de un sabor exquisito… Gracias, Orestes, por este
obsequio supremo. (Pausa, llorosa). Electra, sabes, es la causa de todos los males de este
hogar… (Ríe). ¿Y dices que pesa diez libras? (Pausa, de nuevo llorosa). Escucha, no te lo quería
decir, pero me han amenazado de muerte. (Pausa). ¡Magnífica fruta, Orestes! (III: 36)
Por contraste con las muchas transgresiones en el plano del contenido, se acumulan
en estas escenas la formulación enigmática y sentenciosa, la relación irónica entre
significado y sentido, la écfrasis casi bombástica, el paralelismo de los tópicos; rasgos de
preferencia del lenguaje trágico que invitan al receptor a realizar por sí la tercera y
última etapa de la “ruptura de la seriedad entre comillas” en una reflexión que advierta
las segundas intenciones, la polisemia y la inconsistencia semánticas, la relación entre
lo aparente y lo real, la imposible coherencia entre lo dicho y lo hecho. Esta última
etapa, que escapa al control del autor, es de dimensión más amplia que la semántica,
donde, por ejemplo, se revela la ironía trágica. Cuando el receptor alcanza, en dimensión
pragmática, la lectura de la incompatibilidad entre contenido y expresión, puede
58
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
comprender que la síntesis en Electra Garrigó reside en el desatinado paralelismo entre
fábula y lenguaje que convierte todo lo que se dice en su contrario, delatando la falsedad
de las relaciones familiares y sociales. El lenguaje trágico no se ha preservado como
concesión a la tradición del género, sino, muy por el contrario, para negar su eficacia
en este nuevo contexto del mito.
Así los procedimientos formularios de impecable factura resultan desmentidos,
sea por la situación dramática, por el comportamiento del personaje al que se refieren,
por la modificación del contexto o por la calidad semántica de sus términos. Es el caso
de las deprecaciones que dirigen madre e hija al plano divino en sus monólogos:
ELECTRA (Saliendo lentamente por las columnas…): ¿Dónde estáis, vosotros, los no-dioses?
¿Dónde estáis, repito, redondas negaciones de toda divinidad, de toda mitología, de toda
reverencia muerta para siempre? Quiero ver, siquiera sea a uno de entre ustedes. Pido la
aparición de un no-dios que caiga en medio de este páramo. (…) (II: 16)
CLITEMNESTRA: ¡Aquí hace falta una limpieza de sangre! Es preciso que este gallo
viejo muera hoy mismo (…) ¡Fuerzas, venid! Una pobre mujer pide solamente que aparten
de sus hermosos ojos ese horror que es un gallo viejo. (Con voz atronadora). ¡El gallo joven,
el gallo macho: que venga en socorro de una hermosa mujer! (II: 22)
Igualmente, el del tópico de la areté heroica:
AGAMENÓN: Sé que duermes con Clitemnestra, mi mujer, hija de Tíndaro y de Leda,
esposa de Agamenón, madre de Electra y Orestes, de Ifigenia y Crisotemia.
(…)
AGAMENÓN: Eres de reducido humorismo, Clitemnestra Pla. ¿Es que nunca podrás
contemplarme en el papel de Agamenón, rey de Micenas y Argos, de la familia de los
Atridas, hermano de Menelao, sacrificador de Ifigenia, jefe de los aqueos?: (II: 19)
También el del epíteto caracterizador:
EGISTO: ¡Anda, ve, Agamenón de Cuba! (II: 19)
CLITEMNESTRA: Tal cosa te iba a preguntar, caballeroso Egisto, fiel amigo de todos los
maridos, leal compañero de todas las casadas: ¿sostenemos ilícitas relaciones? (II: 20)
La subversión más completa del significado y la función del epíteto ocurre en los
que Clitemnestra se autoendosa: “CLITEMNESTRA: Soy Clitemnestra Pla, la siempre
casta.” (II: 19)
El tópico onomástico es también productivo en Electra… Por una parte, va
convirtiendo el nombre de la protagonista en símbolo del fluido oscuro que inficionará
todo en el palacio, desde que se le revele en su monólogo del acto segundo hasta que lo
comprendan todos y termine por acompañar, como cualidad esencial similar al epíteto,
a todas las entidades y objetos del mundo representado:
ELECTRA: ¡Oh, por fin sé que me llamo Electra! Soy la que conoce la cantidad exacta
de los nombres. (II: 17)
CLITEMNESTRA: Después que ella ha mirado cualquier objeto de este palacio, ya no
puedo mirarlo. Lo que me mira es Electra; lo que miro es Electra; lo que se siente mirado
por mí, se hace Electra. ¡Yo misma acabaré por volverme Electra! (III: 33)
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
59
ELECTRA: No os alegréis, inexistentes Erinnias, no sois vosotras ese rumor que yo solo
percibo. El rumor Electra, el ruido Electra, el trueno Electra, el trueno Electra… (Sale por
la puerta y la cierra pesadamente.) (III: 38)
Por otra parte, la onomástica reposiciona socialmente a los nobles Atridas, con
sonoros y burgueses patronímicos catalanes; y al ilustre Egisto, del linaje de Tiestes, 11 lo
convierte en un advenedizo que suple su carencia de genealogía con el tratamiento
honorable que le ha ganado su aproximación de alcoba a la familia. La nueva prosapia
se reitera de manera formularia, tanto en el intercambio como en la referenciación,
marcando distancias, recordando permanentemente a los antiguos héroes –y también al
receptor– en quiénes se han convertido:
AGAMENÓN: Quiero tu felicidad, Electra Garrigó.
ELECTRA: No, Agamenón Garrigó. Quieres tu seguridad. (I: 6)
ELECTRA (Dando la vuelta a Clitemnestra): No veo el pecado, Clitemnestra Pla. Te
gusta Egisto Don, te acuestas con Egisto Don. Es muy sencillo. (II: 20)
Así carnavalizados en su identidad, lo adecuado sería que los personajes hicieran
su lenguaje más mediocre, según su nueva condición; pero la conciencia de su teatralidad
no lo permite. Solo en el comportamiento verbal de Egisto, catapultado desde la
marginalidad hasta los brazos de Clitemnestra, se hacen visibles los esfuerzos por alcanzar
una adecuada calidad de lenguaje, traicionados en las ocasiones en que afloran en su
discurso vocablos y frases populacheros:
ELECTRA: Pero, Agamenón, ¿está borracho?
EGISTO: Se ha tomado dos cajas de cerveza. Sabes que él es de generosa garganta.
EGISTO: ¡Anda, ve, Agamenón de Cuba! ¡Anda: ve y échate otra caja de cerveza! (II:
18-19)
Las construcciones tropológicas, celebradas por Aristóteles como muy convenientes
a la elocución trágica, conforman un subsistema que toma parte en la estructuración
dramática, desde la aparición del Pedagogo –que encarna el símil de Sófocles sobre el
ayo de Orestes y la tradición pedagógica de su especie–12 hasta el mundo alternativo
del gallinero.13 Sus referentes suelen ser animalísticos, y se asocian a los tópicos:
PEDAGOGO: El mal no está en las langostas de paso. Y toda ciudad tiene siempre un
monstruo perpetuo. (I: 5)
PEDAGOGO: Esta noble ciudad tiene dos piojos enormes en su cabeza: el matriarcado
de sus mujeres y el machismo de sus hombres. (III: 26)
11
Cf. Odisea, ed. cit. I: v. 25-31 (p. 4); IV: v. 492-538 (p. 77-78).
Cf. MIRANDA, ob. cit: 60.
13
Cf. MIRANDA, ob. cit, sobre el sentido lúdico y ritual de la imagen de la familia como un corral de
gallinas, que puede extenderse a otras imágenes animalísticas: las fieras que amenazan a Orestes, sean
leones o mosquitos; el toro, que aporta a Agamenón tanto su fuerza como sus escatológicos cuernos; el
caballo, símbolo de las ansias de liberación de Electra y Orestes.
12
60
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Metáforas, alegorías, parábolas e imágenes de toda clase se presentan en proceso,
desplegando las fases de una composición en la que participan varias voces. Pero una
vez completadas pueden ser devaluadas, o aun deconstruidas, si ponen en riesgo una
postura dramática:
CLITEMNESTRA (Saliendo de las columnas. Ensimismada): Ya es un gallo sagrado lo que
encierra la cámara nupcial. Ya no es un innoble gallo viejo. La muerte lo ha ennoblecido.
ELECTRA: ¡Ah, no, Clitemnestra, en modo alguno! ¡Es tan solo un gallo muerto, y hay
que hacerlo desaparecer!
CLITEMNESTRA: Entonces (…) ¿por qué no dispones exequias reales?
ELECTRA. No quiero perder mi tiempo en vanos homenajes. Agamenón Garrigó está
bien muerto, ¿no es así? Entonces, ¿por qué engañar a la ciudad con demostraciones
hipócritas? (II: 23)
También se introducen en el mundo otros tipos textuales en estilización paródica:
la quaestio forense, la crónica roja, la exposición académica y la décima espinela:
ORESTES: Electra no vendrá. El problema es este: Electra no vendrá. (Pausa). Pero
analicemos: primero las partes. Electra no vendrá, yo no partiré, el Pretendiente ha muerto,
Agamenón ha muerto, Clitemnestra teme morir. (Pausa). Ahora el todo (…) Es el todo lo
que se me escapa… (III: 30)
AGAMENÓN: (Haciendo la voz del primer mensajero). ¡Se ha recibido por radio la noticia
del asesinato de la bella Electra Garrigó a manos del Pretendiente! (I: 13)
EGISTO: (…) hace años, vientos adversos empujaron mis naves hacia Calcuta. Un mes
me bastó para aprender a estrangular elegantemente con los diez dedos de la mano.
PEDAGOGO: Así es: se procede según escala ascendente. Dos dedos para aves de corral,
por ejemplo, gallos: cinco dedos para un conejo o un majá; finalmente, diez dedos para
un ser humano. (III: 28)
La calidad de la espinela se va empobreciendo progresivamente en las ocho
intervenciones del coro, que reflexiona sobre el destino de la casa de Agamenón con la
tonada y el estilo del popular programa radial La Guantanamera. La estrofa llegará a ser
de once, ocho o hasta seis versos; el metro se resolverá con procedimientos como el del
acento final y la sinéresis; la rima, con versos formularios 14 y facilismos léxicos. La
consecuencia de estos aparentes esfuerzos en la versificación será el sacrificio de la
sintaxis y la cursilería del significado:
CORO: En la ciudad de La Habana, / la perla más refulgente / de Cuba patria fulgente
/ la desgracia se cebó / en Electra Garrigó / mujer hermosa y bravía / que en su casa día a
día/ con un problema profundo / tan grande como este mundo / la suerte le deparó. (I: 3-4)
Así maltratada, la espinela instala el ridículo en Electra… desde que se abre el
telón, estableciendo un espacio crítico que transita desde el ámbito escénico hacia la
sociedad a la que se destinó la obra, al poner en solfa a La Guantanamera que le sirve de
14
“Oye, Clitemnestra infiel”; II: 23; 24; “No preguntes, Clitemnestra”, III: 29 bis.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
61
marco justamente en momentos en que alcanzaba marcas de récord en la preferencia
de sus radioyentes.15
La inadecuación de ese lenguaje de artificio a un mito que aparentemente ha
perdido su trascendencia se complementa conuna reflexión metadiscursiva sistemática,
que ocurre en todas las voces y se orienta, en una primera instancia, a la modelación de
los caracteres y de las relaciones que establecen entre sí. El menoscabo del paterfamiliae
se expresa en tímidas observaciones sobre la rebeldía verbal de su hija, que no se
aventuran más allá de la reconvención: “Tú blasfemas, Electra Garrigó (Pausa). Está
bien, pero me debes obediencia.” Mientras, al ethos tiránico de Clitemnestra Pla, que
quiere ser inmortal (III: 29), corresponde una reflexión metadiscursiva intransigente y
coercitiva que controla el discurso de los otros, vetándolo (“¡Calla, pájaro agorero,
calla!”; I: 9) o negándole credibilidad: “CLITEMNESTRA: Todo el mundo me dice que
partiré, y yo no he dispuesto tal viaje.” (III: 35)
Paradójicamente, en la confianza que concede únicamente a las palabras de su
hijo favorito, la voz de Clitemnestra va construyendo su ironía trágica:
CLITEMNESTRA (Abrazando a Orestes): ¡Ah, hijo mío, Orestes, pasión de mi vida! Una
madre atribulada te agradece tal declaración. (Pausa. A todos). ¿Lo habéis oído? Mi
amado Orestes asegura que no moriré estrangulada. (III: 29)
En una segunda instancia de mayor alcance, la reflexión sobre el discurso ajeno
se orienta a denunciar su carácter de impostación estética:
CLITEMNESTRA: Vamos… El Pretendiente es solo un recurso retórico de que te vales,
Agamenón Garrigó. (I: 9)
EGISTO: (Irónico). Parece que la cerveza le otorga el tono épico. (II: 19)
Electra, ambivalente, desautoriza esa impostación en sus interlocutores:
AGAMENÓN: ¿Y la familia? Si esta ciudad ha resistido durante milenios a los enemigos,
ha sido a causa de la unión entre las familias: las familias formando una inmensa familia.
ELECTRA: ¡Pura retórica! Además, llamas familia a tu propia persona multiplicada (…)
(I: 6)
Pero la reconoce y asume en su propio discurso desde que aparece en escena, en
señal del inmovilismo de su ethos “apático”:
ELECTRA: Ya dije que mi destino es quedarme aquí. Creo que no hay necesidad de la
socorrida metáfora del capitán que se hunde con su barco… Y yo me hundiré con esta
casa. Me quedo, y eso debe bastar. (II: 18)
Además de contribuir a modelar los caracteres y a zarandear las máscaras, la
reflexión metadiscursiva desborda el mundo representado en una última instancia, que
revela que la impostación retórica es –más que vicio de familia o recurso del drama–
impostura ética de alcance global, que regula las relaciones sociales como una
15
Según encuestas de opinión de los patrocinadores del programa radial. Cf González, Reynaldo. Llorar
es un placer, p. 141-144.
62
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Guantanamera. Las voces capaces de comprender esa trascendencia son la de Orestes
–situada en la periferia del drama de su familia– y la del Pedagogo, que no participa en
él: “Divina Clitemnestra: yo, como siempre, me lavo las manos…” (III: 29). Todas las
observaciones del centauro, aunque se originen en la sofistería del discurso de puertas
adentro, desembocan en una generalización que su discípulo va aprendiendo con
provecho, como conviene a su ethos desprovisto de vocación trágica:
PEDAGOGO: No, no hay salida posible.
ORESTES: Queda el sofisma…
PEDAGOGO: Es cierto. En ciudad tan envanecida como ésta, de hazañas que nunca se
realizaron, de monumentos que jamás se erigieron, de virtudes que nadie practica, el
sofisma es el arma por excelencia. (…) Se trata, no lo olvides, de una ciudad en la que
todo el mundo quiere ser engañado. (III: 26-27)
Por el contrario, los esfuerzos que el maestro ha dedicado a la educación de Electra
han sido baldíos, dada la postura existencial que sus mismas enseñanzas promovieron
en esta discípula:
PEDAGOGO: ¿Declamas…?
ELECTRA (Sin moverse): Declamo.
PEDAGOGO: Sigues la tradición, y eso no me gusta. ¿No te he dicho que hay que hacer
la revolución? (Pausa). ¿Por qué no clamas?
ELECTRA: Ya clamaré. (I: 4-5)
El plano de la expresión en Electra Garrigó queda conformado, en resumen, por el
comportamiento verbal y la reflexión metadiscursiva de los personajes, con apoyo de la
técnica teatral y de buen número de indicaciones didascálicas sobre el modo en que se
verbalizan acciones y relaciones. Pero su bruñida construcción es invalidada
sistemáticamente, no porque quebrante las normas del lenguaje trágico, sino por la
calidad de la información que le aportan la fábula, la situación dramática y los caracteres,
sí disminuidos respecto a sus referencias. Esta inadecuación es el fundamento del “giro
cotidiano inesperado”16 que la crítica considera característico de toda la dramaturgia
de Virgilio Piñera, por el cual el diálogo se hace “en apariencia intrascendente”.17 En
Electra Garrigó, justamente por preservar el empaque de la elocución trágica, el giro
convierte en choteo lo que en sentido recto sería patético:18
ORESTES (Se abre la camisa): ¿Verdad que hace un calor sofocante?
CLITEMNESTRA: Sí, amado Orestes, hace, en efecto, un calor sofocante. ¿Te pido una
limonada?
ORESTES: No la deseo ahora mismo. (Pausa). Dime, en cambio: ¿no soportarías
verdaderamente mi ausencia?
16
Cf. MIRANDA, ob. cit: 60.
LEAL, R. Ob. cit: XVIII.
18
Son excepciones que sí afectan la norma de lenguaje solamente los “giros” en el habla de Egisto, por
las razones arriba apuntadas (ut supra, p. 10 ) y la jerigonza infantil con que Agamenón tienta al azar:
“!Tin marín de dos pingúé; cúcara mácara títere fue!” (I: 13).
17
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
63
CLITEMNESTRA: Moriría de pesar, amado Orestes. (Pausa). ¡Mira, a tal punto llega mi
exaltación, con tanta fuerza padezco, que busco desesperada por todos los cines de barrio
esas películas que cuentan la muerte de una madre por la partida de su hijo! (I: 10)
Para la preceptiva, “Cuando la conveniencia (aptum) entre res y verba (…) o
entre el género literario y los verba queda de tal manera desajustada que los verba les
vienen demasiado anchos a las res expresadas o al correspondiente género literario
(…)”19 el producto incurre en el vicio de frigidez. Que haya vuelto de cabeza los preceptos
obliga a estar de acuerdo con Piñera en que Electra Garrigó “no es aburrida”,20 entre
otras razones, por llamar la atención sobre esa frigidez en una modelación estilística ya
inoperante por la pérdida de sus presupuestos éticos; perfectamente estéril, pues solo
propicia la in-comunicación de unos anti-héroes que se amparan bajo la in-divinidad
en un ámbito desacralizado, a la vez trágico y cómico, ridículo para el observador que
tiene en mente su antigua prestancia. La irreverencia de Electra Garrigó se dirige contra
el inmovilismo y la complacencia de sus contemporáneos, pero nunca contra la tradición
que le dio sostén sin tiranizarla.
Mucho de la “estética de la negación” 21 que se inicia en esta obra está en su
condición de ejercicio de estilo, pero ejercicio de réplica que dota de nueva perspectiva
a una tradición discursiva de dos mil años de prestigio, a partir de la subversión de sus
propias normas. Ejercicio autodestructor, que demuestra el dominio del oficio de un
dramaturgo debutante que eligió con “terrible honestidad suicida”, al decir de María
Zambrano,22 un camino muy difícil para el arte: el de negar a su criatura, exponiéndola
al escarnio, para proponer una poética acordada a las necesidades éticas de su tiempo,
lo cual fue ni más ni menos que hacer, en la dramaturgia cubana, la revolución que el
Pedagogo promovía. Años después del escándalo de Electra…, el joven narrador de El
caso Baldomero advirtió el significado de esas elecciones autolesivas al decirse: “¿qué
mejor victoria que erigir la impostura en verdad revelada?”23
AA
ABSTRACT
In Electra Garrigó (1941), Virgilio Piñera’s dramatic play, the
“apparently systematic seriousness disruption”, in which the
writer summarized his theatrical ars poetica, is depicted through
the incongruence of a low-quality tragic plot and an everincreasing accented tragic language. With this device, an inverted
canon is achieved thus preventing the synthesis demanded by
the tragedy as genre, that the audience decodes as grotesque.
KEYWORDS
Electra Garrigó, Virgilio Piñera, content, language, grotesque
19
LAUSBERG, H. Ob. cit. II: 390.
En palabras de V. Piñera. Citado por MIRANDA, ob. cit: 56.
21
Una estética de “negar para afirmar”, según R. Leal. Ob. cit.: IX-X.
22
Cf. Idem: VIII.
23
PIÑERA, V. El caso Baldomero. Muecas para escribientes, 1965, p. 152.
20
64
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
REFERENCIAS
ARISTÓTELES. El arte poética. Madrid, Editorial Espasa Calpe S. A., 1970.
GONZÁLEZ, Reynaldo. Llorar es un placer. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 2002.
HOMERO. Odisea, traducción de Luis Segalá y Estalella. La Habana, Ed. Arte y
Literatura, 1975.
LAUSBERG, Heinrich. Manual de retórica literaria. Madrid, Ed. Gredos, 1966.
MIRANDA, Elina. Calzar el coturno americano. Mito, tragedia griega y teatro cubano. La
Habana, Ed. Alarcos, 2006.
PIÑERA, Virgilio. Teatro completo. La Habana, Ediciones R., 1960.
PIÑERA, Virgilio. El caso Baldomero. Muecas para escribientes. La Habana, Editorial
Letras Cubanas, 1987.
PIÑERA, Virgilio. Virgilio Piñera. Teatro completo; compilación, ordenamiento y prólogo
de Rine Leal. La Habana, Editorial Letras Cubanas, 2002.
PIÑERA, Virgilio. Órbita de Virgilio Piñera, selección y prólogo de David Leyva. La
Habana, Ediciones Unión, 2011.
Recebido em 24 de fevereiro de 2014
Aprovado em 8 de março de 2014
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
65
MEDEA EN LAS ANTILLAS HISPÁNICAS
MEDEA IN HISPANIC ANTILLES
Elina Miranda Cancela*
Universidad de La Habana
RESUMEN
La figura de Medea adquirió nuevas resonancias en el siglo XX
en relación con el descubrimiento del “otro”. Aunque en
tierras latinoamericanas se escriben algunas versiones desde
mediados de siglo, en las llamadas Antillas Mayores, aparece
por primera vez en la producción dramatúrgica, en Cuba en
1960, pero ya no como extranjera o trasladada geográficamente,
sino socialmente marginada, como mujer, mulata y pobre. A
partir de los sesenta Medea ha sido retomada en versiones
relativamente numerosas de distintos dramaturgos del ámbito
insular hispánico. Develar las especificidades que asume en
este contexto, así como los puntos de contacto y diferencia
que distinguen la apropiación del mito en las distintas
versiones, el diálogo y la transgresión, es nuestro propósito.
PALABRAS CLAVE
Medea, Antillas hispánicas, versiones, transgresión
A diferencia de Antígona, Medea, marcada por su abominable crimen y, sobre
todo, por las sombrías tintas con las cuales la perfilara Séneca –fuente fundamental en
su trasmisión a la modernidad–, no incentivó tantas versiones en la modernidad hasta
que, a partir de los años treinta del pasado siglo XX, pero sobre todo en su segunda
mitad, la ampliación de las fronteras geográficas y sociales, asociada con conquistas
científicas hasta entonces inimaginables y un gran auge tecnológico, sustentara la toma
de conciencia sobre la existencia del “otro”, no tomado en cuenta en épocas anteriores,
como ya se transparentaba en la tragedia de Eurípides, cuando Jasón argumenta que
Medea debería estarle agradecida puesto que le había dado un puesto en “su” mundo,
culto y civilizado,1 en oposición al que quedaba fuera de sus lindes.
*[email protected]
1
“Es innegable, no obstante, que, por mi salvación, has recibido más de lo que has entregado. Me
explicaré: en primer lugar, habitas tierra griega y no extranjera, y conoces la justicia y sabes utilizar las
leyes sin dar gusto a la fuerza. Todos los griegos saben que eres sabia y te has ganado buena fama; en
cambio, si vivieses en los confines de la tierra, no se hablaría de ti.” Trad. de Alberto Medina González
(EURÍPIDES. Tragedias, p. 92).
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
67
Mujer, extranjera y, para colmo, sabia –hechicera o bruja, según usualmente se
denominaba a aquellas con especiales conocimientos, sobre todo de las propiedades de
ciertas plantas- representa ya en el mito al otro, sometido y tenido por inferior dentro
de los cánones culturales vigentes en la sociedad griega, pero que, sin embargo– o
precisamente por ello- no dejaba de considerarse como un peligro latente.
Eurípides, al tomar la figura de la princesa de la Cólquida, para indagar sobre el
peso de las pasiones, contrapuestas a la razón, en la conducta humana; mas, sobre todo,
adónde podía llegar un ser acosado por las contradicciones existentes en su medio,
indudablemente jugaba conscientemente con la dualidad siempre presente en esta figura
mítica: diosa o humana, sabia o bruja, enamorada doncella o traidora asesina, poderosa
señora o humillada mujer, griega o bárbara.
Trasladada a Turquía o al África, situada en medio del conflicto entre irlandeses
e ingleses, convertida en metáfora de la tierra expoliada o medio para abogar contra la
represión sexual y aun para reclamar una transformación, un “desmedee” radical, 2 la
figura de la princesa de la Cólquida se proyecta en el teatro de las últimas décadas de
la pasada centuria de modo tal que no hubiera podido preverse en los años treinta
cuando Henri Lenormand y Maxwell Anderson deciden sacar a la heroína de su contexto
habitual y ubicarla en un reino de Indochina o en las islas del Mar de Célebes.3
Sin embargo, poco tenían en cuenta los investigadores a las Medeas
latinoamericanas, como, en general, al papel del mito clásico en este teatro, afectado
ya de por sí por su marginación en historias y textos críticos,4 aunque desde la década
de los cincuenta encontramos títulos como: La selva, de Juan Ríos (Perú, 1950); Malintzin
(Medea americana), de Jesús Sotelo Inclán (México, 1957); Além do Rio (Medea), de
Agostinho Olavo (Brasil, 1961), los cuales nos hablan del mito como referente del
encuentro, no siempre apacible, de etnias y culturas ocurrido en estas tierras, para
indagar en el “comprometimiento” como se propusiera Alejo Carpentier, ya a comienzos
de la segunda mitad del siglo, en su única pieza teatral, La aprendiz de bruja, 5 con
Malintzin –Malinche o Doña Marina– como protagonista.
Mas, es en la primera versión del mito estrenada en las Antillas hispánicas, en
Cuba, en 1960, Medea en elespejo de José Triana, en que esta cambia su condición de
extranjera por la de marginada socialmente. El mito se actualiza: la protagonista, María,
es una mulata, criada por una negra, vecina de un “solar” habanero, cuyo marido –
blanco, vividor, engreído y dispuesto a todo por ascender en la escala social– la abandona
2
Cf. Güngör Dilmen: Kurban (1967); Willy Kyrklund: Medea fran Mbongo (1967); Brendan Kennely:
Medea (1988); Heiner Müller: Medeamaterial (1982); Luis Riaza: Medea es un buen chico (1981); Denise
Stoklos: Des-Medéia (1995).
3
H. R. Lenormand: Asie (1931); Maxwell Anderson: The Wingless Victory (1936).
4
Sobre esta situación, Juan Villegas apuntaba en 1986: “El discurso teatral latinoamericano es un
discurso marginal desde la perspectiva de las historias del teatro de Occidente, marginalidad que se
refiere a la producción teatral de textos hispanoamericanos fuera del espacio hispanoamericano y a la
consideración del mismo por parte de los discursos hegemónicos” (VILLEGAS. La especificidad del
discurso crítico sobre el teatro hispanoamericano, Gestos, p. 64).
5
Cf. MIRANDA. Carpentier y “el coturno americano, Calzar el coturno americano, p. 133-148. Sobre el
“drama del comprometimiento” en relación con su obra teatral, CARPENTIER. Entrevistas, p. 133.
68
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
para casarse con la hija del dueño del “solar” o casa de vecindad; al tiempo que Triana
utiliza la sombra de la tragedia para adentrarse en la búsqueda de la verdadera identidad
de quienes estigmatizados por su raza, sexo o situación social, asumen patrones
consagrados, aunque estos supongan el falseamiento de sí mismos.
María, en un principio con aires de señora que contrastan con la humildad de su
entorno social, vive solo en función de su Julián, por el que está dispuesta a matar para
seguir sirviendo y contentándolo, sin atreverse a mirarse a sí misma en el espejo, a
enfrentarse a la identidad que subyace bajo la imagen construida. Cuando al fin lo hace
y advierte la anulación total a la que ella misma se ha confinado, al plegarse a todos los
estereotipos asentados, siente que, para acabar con esta imagen, tiene que matar a sus
hijos, constante recordatorio, aunque como personaje escindido termine enajenada al
proclamarse dios; ciertamente diosa de la venganza, como considera Schlesinger a la
Medea de Eurípides;6 pero, a diferencia del aserto del crítico alemán, no victoriosa.
Aunque sobre esta obra, al igual que sobre otras Medeas antillanas del siglo XX,7
he tratado en anteriores artículos, he estimado necesaria la inclusión resumida de tales
análisis a fin de fijar posibles variables. En esta pieza de Triana título, motivos, coro,
unidad de lugar y de tiempo, son aspectos en los que el autor se mantiene apegado a los
cánones, al igual que en la redimensión trágica del conflicto, cercana a Eurípides; al
tiempo que se busca la ruptura mediante el humor, o más bien el llamado “choteo”
criollo, con el que se ridiculiza actitudes asumidas, en la mezcla de diferentes variantes
de lenguaje y aun en la pretensión de crear una manera de decir, con la consiguiente
pérdida de fronteras genéricas.
Apela a recursos no estimados por los teóricos y críticos de la época, como la
“contaminación” del modelo mediante el uso de contextos populares propios de la cultura
cubana –la santería o la música, por ejemplo–, así como la presencia de tipos sociales
característicos; y también al empleo de acápites propios de la metateatralidad:8 la parodia
del tono grandilocuente o del modo de actuar trágico, las referencias a que lo sucedido
es una tragedia. Sin embargo, la relevancia fundamental radica en que, al buscar la
protagonista su auténtico ser, como mujer, mulata y pobre, al adquirir conciencia de su
“otredad”, se subvierten las expectativas de determinadas convenciones teatrales y el
mito recreado desde presupuestos diferentes, sirve para develar problemas y
contradicciones propias de un momento y un ámbito distinto. Se vale, por tanto, del
mito para poner sobre el tapete temas que, por aceptados, se soslayaban en la
cotidianidad, como el ocultamiento y sometimiento de su persona a que se veía
constreñida la mujer, más aun mestiza y pobre, por el peso de siglos de los patrones
sociales existentes.
6
Schlesinger ha calificado a Medea de “victoriosa diosa de la venganza”, en SEGAL (Ed.). Readings in
Greek Tragedy, p. 299.
7
Sobre la Medea de Triana y la de Reinaldo Montero, cf. los capítulos correspondientes en el libro
Calzar el coturno americano, 2006 y reeditado en 2007 como Premio de la Crítica. Sobre la de Pedro
Santaliz, cf. Medea: otredad y subversión en el teatro latinoamericano contemporáneo, en MARTINO,
Franco de y MORENILLA, Carmen (Eds.). El perfil des ombres, p. 317-33.
8
HORNBY en Drama, metadrama, and perception, p. 93-4, distingue como tales: las referencias literarias,
la técnica del rol dentro del rol, la auto-reflexividad del texto, a las que habría que agregar la
representación dentro de la representación.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
69
Un paso más en la indagación de ese otro mantenido al margen por la sociedad y
los valores entronizados, se advierte en la María Antonia, de Eugenio Hernández Espinosa,
escrita en 1964 y estrenada en el 67, en la que el autor se propuso, como alguna vez
expresara, plasmar una tragedia republicana.9 Como también hiciera Carlos Felipe en
su Réquiem por Yarini, no utiliza una pieza griega determinada como trasfondo, sino se
propone “mitologizar”, usar los cánones trágicos para proyectar una situación
contemporánea y redimensionar dentro del teatro estratos sociales y culturales
desdeñados y condenados muchas veces por quienes detentaban el poder; pero, los
cuales se erigen, a su vez, en una especie de cultura de resistencia.10
Aunque el juego entre rito y representación, la alternancia de cantos y de diálogos,
son recursos de la tragedia, no podemos olvidar que esa conjunción de mímesis, canto
y danza también caracteriza al wemilere, fiesta ritual yoruba,11 de manera que en ello el
autor conjuga ambas tradiciones. Sin embargo, el peso del quehacer trágico de los
antiguos griegos se advierte, especialmente, en el hecho de centrar la obra en la
transgresión de la protagonista a las normas que rigen el mundo marginal en que vive,
signado por la santería y su ética, en busca de su identidad como ser humano; de manera
que, como Edipo, cada paso para apartarse, la acerquen más a la catástrofe. A ello se
agregan otros aspectos señalados por la crítica que evocan tragedias específicas,12 en
particular los puntos de contacto entre los caracteres de María Antonia y Medea, en
cuanto no duda la protagonista, no solo en desafiar lo establecido, sino en no resistir la
burla y ser capaz de destruir lo que ama con tal de vengar la humillación y la injuria de
que es objeto.
Si bien en la década de los sesenta los autores antillanos se apropian de a las
antiguas tragedias como vehículo expresivo de sus propias circunstancias y en procura
de su validación y de un quehacer teatral con bases todavía precarias, Medea encuentra
repercusión, sobre todo, en la mayor de las tres islas, signada por el triunfo de la
Revolución que había subvertido los cánones y convenciones imperantes, con la
consiguiente reivindicación de la alteridad; puesto que la única otra versión que aparece
escrita, en este caso por un dominicano, la Medea de Franklyn Mieses Burgos de 1965,
ha de inscribirse más bien, según las noticias,13 en esfera de la relectura literaria que en
su reinterpretación sobre la base de preocupaciones sociales específicas.
9
Sobre ello se habla en distintos estudios compilados por MARTIATU en Wanilere Teatro.
Graziella Pogolotti en el Prólogo de Teatro y Revolución, p. 17, en referencia a la obra de Carlos Felipe,
en este sentido nos habla de “la imagen de una cultura hecha para la supervivencia”.
11
Wanilere o wemilere, fiesta de la santería de carácter público, incluye poesía, danza, canto, pantomima,
acrobacia, actuación, vestuario. “Teatro sagrado por su función religiosa de comunicación entre orichas
y hombres, teatro total”, la define MARTIATU, Wanilere teatro, p. 5.
12
Sobre ello se habla en distintos estudios compilados por Inés María Martiatu en Una pasión compartida:
María Antonia, 2004.
13
Sobre esta obra solo hemos tenido noticias a través de los fragmentos de la tesis doctoral de Doris Melo
Mendoza, Las reescrituras de las tragedias griegas en el teatro dominicano en el siglo XX, defendida en la
Universidad de Puerto Rico en 2011, y a la que solo hemos tenido acceso por internet (http://
udini.proquest.com/view/las-reescrituras-de-las-tragedias-pqid:2381110481/), publicada después con
el título Mito y tragedia en el teatro hispanoamericano y dominicano del siglo XX (Biblio Services,
Incorporated, 2012).
10
70
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
En la década de los setenta los autores antillanos toman otros derroteros, por
distintos avatares, y no es hasta los ochenta en que los integrantes del movimiento
teatral conocido como la Nueva Dramaturgia Puertorriqueña dejan sentir la incidencia
de Medea, entre otros mitos, en sus propias búsquedas; muchas veces como reacción,
ante un teatro consagrado, de quienes se afanan en abrir nuevas perspectivas.
En 1984 Pedro Santaliz, uno de los animadores de esta corriente en Puerto Rico y
quien con estilo propio creara en 1970– según su propia denominación –El nuevo teatro
pobre de América, retoma la tragedia de Eurípides en su búsqueda incesante de llevar
a su “tabladito ameno”, como lo calificara, 14 obras que se identifiquen con el sentir
popular. Medea no solo adquirirá un apellido, Camuñas, para singularizarse, sino que
recibirá apelativos de Medeíta o Medeota para fijar su identidad como vecina de la
parada 6 ½ de su San Juan natal. De conocedora de remedios ha devenido vendedora
de cosméticos y peluquera a domicilio, mientras que del carro alado del final de la
pieza euripidea, solo queda el gusto de esta Medea por conducir su Datsun por las
calles de la ciudad.
El título de la obra, El castillo interior de Medea Camuñas, alude a la protagonista
como sostén de una casa al borde de la quiebra y la delincuencia. Su marido, Jacho
Ruíz, gusta de leer la Biblia y anda envuelto en problemas con traficantes de drogas. Los
hijos tienen otro padre, pero Medea a menudo siente ganas de matarlos, por los dolores
de cabeza que le ocasionan. Sospecha que su marido quiere abandonarla con una
animadora de televisión de origen cubano y se pone de acuerdo con un amigo dominicano,
por si tiene que marcharse de la casa, de modo que todo el Caribe insular hispánico
queda representado. Jacho decide irse con la novia, mientras Medea con sus hijos queda
atrapada en medio de una refriega de narcotraficantes. El coro, por su parte, al igual
que en el prólogo o en las partes del narrador, subraya el carácter metateatral y anuncia
una continuación, como en las radio o tele novelas en tanto presenta a los actores para
el aplauso final.
Si bien Santaliz se vale de resortes como el prólogo, la posibilidad de que un actor
encarne varios personajes, el uso de un coro y asegura seguir pautas de “Don Eurípides”,
la metacrítica del género trágico se explicita en todo momento a partir de la invocación
a dioses inventados, la ruptura del tono trágico por carcajadas y sobreactuación indudable,
con interjecciones constantes, de manera que el monólogo de la Medea euripidea en el
inicio de la pieza como “recuerdo y homenaje”, 15 según acota el autor, subraya por
contraste la distancia entre los cánones teatrales consagrados y la necesidad de un
teatro que se haga eco del drama cotidiano por la subsistencia de los puertorriqueños
marginados.
A través de la trivialidad de la “tragedia” doméstica, la contaminación con el
melodrama y las radio o tele novelas, la teatralidad ostentosa, la parodia y la exageración
burlesca de elementos de la representación teatral, de la subversión de los cánones, no
solo pone en ridículo los valores imperantes sobre la familia y el orden social, sino que,
14
15
Cf. RAMOS-PEREA. Perspectiva de la nueva dramaturgia puertorriqueña, p. 16.
SANTALIZ. Teatro, p. 66.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
71
además de la sátira de las circunstancias en que se vive, no se busca ni un trasplante ni
una fusión, sino mantener la obra y el texto parodiado como dos entidades distintas –un
sabotaje textual-teatral como califica este tipo de procedimientos William García– 16 y
servirse de este recurso para consagrar un teatro transgresor que ponga en evidencia la
necesidad de llevar a escena entre formas “amenas” el sentir popular y la reflexión
sobre las condiciones imperantes en que la mujer, sostén de la familia, no puede impedir
su degradación y pérdida.
Un reto muy distinto es el que asume Reinaldo Montero al escribir su obra Medea
en 1996. El autor juega continuamente con el texto griego, no solo en cuanto a personajes,
motivos y estructura, sino hasta en los parlamentos. Casi línea a línea es posible reconocer
el texto de Eurípides bajo la lengua coloquial, de buen sabor cubano, que emplea; pero
frente a este apego al original discurre su voluntad de ofrecer su propia versión
contemporánea. Con sentido del humor, desacraliza el lenguaje, las mismas figuras míticas
y hasta la acción dramática, de modo que, como ha señalado Abelardo Estorino, se
aplica a la ingente tarea de “fundir lo coloquial con la literatura más culta”. 17
Montero, en la dedicatoria, se refiere a Eurípides como “tan próximo” y en verdad
esta cercanía se mantiene no solo en cuanto al texto mismo, sino también al modo de
asumir el quehacer dramático cada uno en su época, en la medida en que el ateniense
se propuso crear una tragedia más a tono con la cotidianidad para escándalo de sus
contemporáneos, como atestigua Aristófanes. Sin embargo, el paralelo subraya la ruptura,
puesto que esta Medea no es la asesina de sus hijos y más que una extranjera, resulta
una emigrada. De ahí la posibilidad de romper con la tradición literaria y continuar su
camino para perderse en el anonimato, aunque el Pedagogo, siempre precavido, a última
hora recoja el cuchillo y lo esconda en sus ropas.
Tanto Medea como Jasón están muy conscientes de ser objetos poéticos, mientras
que el pedagogo con pretensiones de filósofo, a manera de autor, deviene instigador y
promotor de las acciones de la protagonista para, en un final, emocionado por su
contribución “a la culminación de un mito en este mundo sin encanto”,18 ofrezca la
solución de la carroza alada que consagrará la tradición literaria.
Medea, émula de Ulises, opta por el destino de mujer, decidida a tomar en sus
manos su vida y la de los suyos, inmersa en una existencia cotidiana y anónima, al
tiempo que deja atrás la imagen mítica de diosa de la venganza. La tragedia ha devenido
comedia, precisamente por esta opción más que por el final feliz, el sentido del humor o
el uso de recursos cómicos. El mito se ha subvertido para dar paso a una mujer dueña de
sí, que de burlada deviene burladora, al tiempo que la obra pone énfasis en el emigrante
y las variantes con que se asume esta condición.
A diferencia de la nodriza, con añoranza perenne de su isla natal, el pedagogo
sueña en convertirse en filósofo en la ciudad por excelencia, Atenas; pero, a pesar de
16
Cf. GARCÍA. Sabotaje textual/teatral contra el modelo canónico: Antígona-humor de Franklin
Domínguez. Latin American Theatre Review, p. 15-29.
17
HERNÁNDEZ-LORENZO y VALIÑO. “Yo soy el Otro...y escribo teatro”. Una conversación con
Abelardo Estorino. La Gaceta de Cuba, p. 33.
18
MONTERO. Medea, p. 89.
72
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
los esfuerzos por olvidar sus orígenes, es él quien redimensiona la insularidad en cuanto
condición favorecedora de asimilación y cambio, factores que vertebran indudablemente
la obra y su propuesta temática. Medea y los suyos asumen la objetivación de la tradición,
los cánones genéricos y los subvierten; pero la reflexión buscada en los años 60 sobre los
problemas sociales en torno a la alteridad, es más bien un trasfondo de inquietudes
ante el interés suscitado por el juego literario entre realidad y fantasía, modelo y versión,
tradición y subversión.
Si bien en 1998 el Estudio Teatral de Santa Clara, dirigido por Joel Sáez, presenta
a Medea como personaje episódico de su pieza A la deriva, en la cual uno de los papeles
protagónicos, un actor, asume uno de sus monólogos como única posibilidad personal
para objetivar conflictos en su intento de inmersión en la vida que transcurre fuera del
teatro; es en los inicios de la actual centuria cuando la heroína euripidea torna a centrar
tres obras, debidas tanto al interés suscitado en un reconocido dramaturgo con larga y
exitosa trayectoria, Abelardo Estorino, como en dos jóvenes recién graduados del
Instituto Superior de Arte, Yerandy Fleites y Maikel Rodríguez, a raíz de un ejercicio
académico propuesto en las clases que ambos recibían.
La consciente expresión de la metateatralidad –tan presente en la obra de Montero
y que tiene su antecedente primero en la fundacional Electra Garrigó de Virgilio Piñera–
marca un buen número de las obras con referentes míticos escritas en el primer decenio
de la presente centuria para la escena cubana, tal como se aprecia particularmente en
estas tres piezas publicadas o estrenadas en este lapso.
La obra de Maikel Rodríguez, Medea reloaded, escrita en 2005, fue publicada por
la revista Tablas en 2007, año en que precisamente Un bello sino de Fleites obtuvo el
premio nacional de dramaturgia “José Jacinto Milanés”, con su consiguiente publicación;19
pero en ella encontramos a manera de paratexto una cita de palabras de la protagonista
de Medea sueña Corinto de Abelardo Estorino, puesta en escena a fines de 2008, 20
obviamente escrita antes. Por ello, es difícil establecer un estricto orden cronológico
entre ellas, pues se producen aproximadamente en los mismos años.
Por otra parte, aunque las versiones de Yerandy Fleites en torno a Antígona y a
Medea no ofrecen prácticamente diferencias en cuanto a su época de creación, sí se
advierten en el modo de apropiación del modelo trágico. En su versión de Antígona,21 no
obstante los cambios introducidos, mantiene cierto apego al modelo, al tiempo que, si
bien no precisa momento ni lugar, la contaminación ambiental y lingüística no solo
19
El texto con que contamos aparece publicado en 2010 por Ediciones Matanzas. No tenemos constancia
de una edición anterior, aunque por su condición de premiada es posible que esta última sea una
segunda edición.
20
En mi poder obra una copia digital enviada por el autor cuando la obra solo se llamaba Medea fechada
en julio de 2008. Las diferencias con el texto publicado (2012) son, en verdad, pocas.
21
Publicada en el mismo número de Tablas (2007) en que apareció la Medea reloaded, de Maikel
Rodríguez. Tanto Antígona, como Un bello sino y Jardín de Héroes, en torno a Electra (publicada en 2007
y representada por primera vez en 2009), conforman una especie de trilogía que se propuso escribir
Yerandy Fleites sobre heroínas trágicas, con el nexo de presentarlas extremadamente jóvenes, casi en los
inicios de la adolescencia. En su proyecto inicial también hay una Ifigenia triste que, al parecer, todavía
no ha terminado.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
73
procuran actualidad, sino también apelan a contextos culturales propios de la Isla.22 A
su vez Un bello sino, como implica el juego verbal del título, se centra irónicamente en
el “destino” de la joven Medea, aunque para ello se separa deliberadamente del modelo
euripideo, con grandes cambios en los parentescos, acciones, motivos y una marcada
incertidumbre sobre su ubicación tanto temporal como espacial. Sin embargo, introduce
un personaje, Quirón, que actúa a manera de prólogo y coro, al tomar de este la función
de separar las escenas de acción y, con sus cometarios, ofrecer al espectador una
perspectiva para enmarcar su comprensión, a manera evocadora de la tragedia ática.
Con una estructura circular, la obra comienza con una joven Medea dormida en
un banco de un parque pueblerino frente a la estación de trenes, mientras su nodriza,
Cólquida, recién llegada, conversa con su hermano, Creón, y termina con una escena
semejante. En el medio, Medea, muchacha rebelde y decidida, más preocupada de su
apariencia en un principio que de otra cosa, nos irá revelando sus anhelos de felicidad,
el despertar de su sexualidad y su necesidad de ser ella misma y no lo que otros
pretenden.
En cuanto a la libertad en el manejo del mito, no solo la nodriza y Creón son
hermanos, sino que este es padre de Jasón y Creusa, la cual ya murió, y ambos han
venido al entierro de Esón que falleció de viejo a causa del colesterol y también de sus
hijas, las cuales se han portado tan mal que ni siquiera aparecieron en el entierro. El
reino de Eetes ha devenido una finca; Frixo, el primo que enseñó a besar a Medea;
Apsirto, el hermano antojadizo, encerrado por Medea en una cueva para poder marcharse
y cuya suerte se desconoce a ciencia cierta, aunque pueda temerse lo peor. Se habla de
una foto en que aparecen Medea, Jasón y el vellocino, pero se cuenta el encuentro de
ambos, como amantes, cuando el joven visitó la finca. En fin, Medea ha venido al
entierro para verlo y por Creón nos enteraremos que está embarazada. Cuando aparece
Jasón, recuerdan sus amoríos junto al río y los temores suscitados, pero también
vislumbran un futuro inmediato y cotidiano de atención al bebé que esperan.
Como le confesará Jasón a Quirón, domesticarla, además de las ganancias
económicas, era su finalidad. A ello se reduce su concepto de heroicidad. Pero Medea,
mientras lo oía hablar ha sentido su ajenidad, su indefinición personal y su deseo de ser,
por lo que huye y provoca el aborto. Al final, Jasón que ha actuado entre bambalinas
todo el tiempo, solo aguarda el aplauso, para subrayar la metateatralidad, pero deja a
Medea seguir su curso. Esta vuelve al banco del parque, en que se queda dormida,
cuidada por la nodriza y Creón mientras esperan la llegada del tren que las devolverá a
la finca de Eetes.
El juego entre una supuesta realidad y los personajes míticos, advertido en
Montero, se amplía al enfocar a los personajes en un contexto muy diferente en que se
procura, por asociación, la sombra del hipotexto para dislocar y subvertir el mito al
tiempo que se borran fronteras entre modelo, tradición y nueva versión presentada
como realidad cotidiana, pero sin dejar de apelar al teatro dentro del teatro. Medea ya
22
Cf. de la autora “Dos Antígonas cubanas en el nuevo milenio” en LÓPEZ, POCIÑA & SILVA (eds.).
De ayer a hoy. Influencia clásica en la literatura, p. 313-318.
74
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
no es extranjera ni pobre, sino una chica que, como tantas otras adolescentes, se enfrenta
al descubrimiento de la sexualidad y la maternidad, sin consciencia aún de ella misma;
mientras Jasón es un manipulador que solo en sus montajes se sabe héroe.
Los personajes de la tragedia ática devienen simples mortales, cuyos problemas
adquieren una dimensión diferente a la luz de las sombras que el antiguo modelo proyecta
sobre ellos; mientras realidad y ficción se conjugan en la metateatralidad para hacer
reflexionar sobre problemas comunes de nuestro entorno, pero no por ello exentos de
polémicas y de posiciones extremas, como se puede constatar en las constantes referencias
a las disposiciones en torno al aborto en la prensa mundial y en los altos índices de
adolescentes que afrontan situaciones semejantes.
Si bien el protagonista de Montero se muestra conocedor de la tradición posterior
a que dio pie el personaje trágico y Yerandy Fleites usa libremente el mito con escasos
apoyos en el texto de Eurípides, la Medeareloaded de Maikel Rodríguez muestra, desde
su título, no solo su alejamiento del modelo griego, sino el interés en el hecho mismo de
ser objeto una y otra vez de disímiles versiones, tanto teatrales como cinematográficas,
a las que suma otros intertextos provenientes de series y películas contemporáneas. Así
el título parte del tercer filme de la saga de Matrix, puesto que según el autor el término
en inglés utilizado se correspondía con su propia idea de re-carga encerrado en las
múltiples versiones, pero sobre todo en su manera de aprehender no solo la figura de
Medea, sino también la de Jasón, al entender cómo en el mito una supone la otra. De
otros referentes el mismo autor nos advierte en la apostilla predecesora del texto: 23
Heiner Müller, Lars von Trier, Henry Miller, la serie de Viernes 13, entre otros, sin faltar
los nombre de Séneca y Eurípides, en ese orden y después del dramaturgo alemán, al
agradecer las versiones literarias.
La obra está compuesta por dos bloques yuxtapuestos; en el primero, el
protagonista, nombrado según una moda muy extendida –y de la cual ofrece testimonio
el propio nombre del autor: el uso de apelativo extranjero transcritos más o menos según
el modelo fónico, sin olvidar el uso de la “y”–,24 Yeisson y no Jasón, ya viejo, algo gago y
vendedor de caramelos, aparece en un programa de la televisión gracias a su gloria
pasada, pero sobre todo por el interés de la entrevistadora en despejar, con no poco
morbo, cómo murieron los hijos; mientras, en el segundo bloque, Medea, una cuarentona
de maquillaje exagerado, espera, en un compartimento, la puesta en marcha del tren
junto a un hombre con un ramo de flores para una amada en vana espera. El diálogo, o
más bien ocasional intercambio de frases propiciadas por la momentánea situación, es
el pretexto para que la mujer se permita alucinadas remembranzas. Nunca coinciden
Medea y Yeisson, salvo en las imágenes de sus recuerdos –en los cuales para Medea este
último vuelve a ser Jasón–, que condicionan el presente en tanto que sus actuales
estampas desdicen de ese pasado, evocado fragmentariamente y en versiones diversas.
La pieza se centra, por tanto, en la memoria o des-memoria, de quienes como los
protagonistas han devenido arquetipos, pero que, a pesar de sus sucesivas re-cargas, no
23
Agradecimientos seudointelectuales del director, Tablas, p. VII.
De tan poca frecuencia en nuestra lengua y tan prodigada por los padres cubanos en los nombres
inventados o tomados de las fuentes más variopintas.
24
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
75
solo han envejecido sino tornado ridículas sus vagas reminiscencias de lo que otrora
fueron; imagen a la que pretenden aferrarse en un presente que, como declara el autor,
prima un “comunicar incomunicando”.25
En contraste con el alejamiento del modelo ofrecido por el trágico ateniense que,
con diferencias, advertimos en los dos jóvenes dramaturgos, desde las primeras palabras
en boca de la protagonista de Medea sueña Corinto, de Abelardo Estorino: “Eurípides,
¿dónde te escondes viejo zorro?”,26 se hace evidente la confrontación de la supuesta realidad
del personaje con la tradición literaria y teatral, cuyo origen asienta en el trágico ático y
a quien por ello busca para su defensa, y, por ende, su cercanía con este hipotexto.
A lo largo del más de medio siglo que Estorino ha consagrado a la creación teatral,
esta confrontación de los personajes con su texto de base, ha sido uno de los motivos
reiterados de su quehacer,27 sin olvidar que ya en El tiempo de la plaga (escrita en 1968
pero solo publicada en 1997) por única vez emplea un hipotexto clásico definido, el
Edipo Rey de Sófocles. Además, como director teatral, en 1997 tuvo a su cargo la puesta
en escena de la Medea de Reinaldo Montero, por todo lo cual no es de extrañar que se
planteara este enfrentamiento de la princesa de la Cólquida, como ente ya
independiente, con los autores sustentadores de su pervivencia, al tiempo que su carácter
de extranjera, ya emigrante en la pieza de Montero, sirva para re-enfocar las relaciones
del centro con la periferia y sobre todo la atracción que ejerce el primero sobre los
habitantes de la segunda, tan presente, hasta en sus manifestaciones epidérmicas, que
muchas veces se obvia.
Medea sabe que a los del norte les fascina el oro bárbaro, se hacen melosos con
los niños bárbaros y pretenden educar con sus verdades eternas, como si todo no cambiara;
pero esto lo dice cuando pretende narrar su historia, la de ella y no la que le han
inventado, para demostrar su inocencia. Sin embargo, al narrar/representar los inicios
de su historia –con un Apolonio no citado por ella como hipotexto–, se muestra como
una joven totalmente ilusionada con la vida diferente que, según leía, llevaban en La
Grecia, con mayúscula: el centro del mundo reflejado por los folletos turísticos; en fin,
culturalmente ya colonizada. 28 Por ello cuando llegó la Argos, con sus pretendidos
25
Ernesto Fundora. “La memoria no es lo que sucede, sino lo que subsiste. Una conversación con Maikel
Rodríguez de la Cruz sobre la escritura de Medeareloaded”, Tablas, p. XVI.
26
Aunque esta obra aún no ha sido publicada, el autor, muy amablemente, me envió una copia digital
en una etapa en que todavía no se había estrenado y solo se llamaba Medea. Es este el texto de
referencia aquí citado.
27
Así, por ejemplo, en Los mangos de Caín (1965) las figuras bíblicas tienen que consultar el libro que
marca su existencia, en Parece blanca (1994) los personajes se enfrentan a su plasmación en la novela
Cecilia Valdés de Cirilo Villaverde; pero en Morir del cuento (1983), aunque los personajes no provienen
de ninguna obra literaria, se enfrentan a las distintas versiones de unos y otros sobre un mismo hecho en
busca de su verdad; búsqueda que de una manera u otra constituye un motivo reiterado en su creación
dramatúrgica.
28
“Quiero conocer esa ciudad ¡Este calor me tiene enferma! He leído cientos de folletos turísticos. Es
grande como Atenas, el clima templado la convierte en un paraíso bajo las estrellas y se vive con lujos,
como en todas las ciudades de la Grecia, y hay mercados y peluquerías, y… ¡de todo!” (ESTORINO,
Medea sueña Corinto, p. 853.
76
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
descubridores –Jasón, pero también Vasco de Gama, Colón, cualquier otro, representantes
todos del “primer mundo” de la época– va a su encuentro, dispuesta a todo, con tal de
irse a Corinto, la ciudad centro de la cultura, de la moda, de la civilización.
En su largo monólogo, Medea, en un primer momento procura la presencia de
Eurípides, Séneca, Corneille, Anouilh, Müller,29 sin faltar alusiones a versiones de autores
cubanos, para que la aconsejen en su gran decisión, ya no más el ser o no ser
shakesperiano, sino partir o no. Presente, pasado y futuro del personaje se entremezclan,
valiéndose de la atemporalidad permitida por el conocimiento del mito y la tradición,
al tiempo que la actriz incorpora otras voces cuando se necesita en un continuo juego
de espejos.
Una vez superado los leves reparos por los que pide consejo y embarca en la Argos,
nada ha de detenerla, aunque tenga que matar a Apsirto, hecho al que, una vez narrado,
le resta importancia. Ya en Corinto, la obra se aproxima al texto de Eurípides, con el
despego de Jasón, la entrevista con Creón y su petición de tiempo, el convencer a Jasón
para que sus hijos le lleven un regalo a Creusa, la muerte de esta, el fuego del palacio;
pero con la diferencia que sus hijos desobedecen sus ordenes y, embelesados por la
belleza de la princesa, la abrazan y mueren, sin que esto fuera parte de su plan.
Como los héroes sofocleos, solo obtiene lo contrario a su propósito, de modo que
queda confinada con Jasón al anonimato y la mediocridad de una vida cotidiana y
pedestre, cuyas expectativas no rebasen el que el marido encuentre buena pesca. La
cercanía al hipotexto sirve, por tanto, una vez más para, mediante su transgresión,
ponerlo en función de la propia actualidad y sus nuevos mitos.
Medea, en el constructo de su propia historia, no puede eludir la sombra de sus
hipotextos. La crueldad con que asesina a Apsirto, junto con la banalidad de sus razones,
sirven para no solo desdecirla, sino para mostrar que en este juego de supuesta realidad
/ficción, está latente otro plano, en tanto esta Medea sirve de máscara a quien está
dispuesto a todo por alcanzar vivir en el atrayente centro del poder, donde cree que
realizará todas sus ilusiones, para no solo perder lo que tenía, amén de sus ensoñaciones,
sino terminar en una existencia pobre y anodina. De ahí el diálogo de esta Medea con
la contemporaneidad.
Tenemos noticias de que la heroína trágica, en este último decenio, también ha
dado lugar a nuevas versiones entre dramaturgos de Puerto Rico. Así, la Medea de
Teresa Marichal, autora incluida dentro de los propiciadores de la llamada Nueva
Dramaturgia Puertorriqueño y que gusta de apelar al mito en muchas de sus obras;
Medea amurallada en el morro (2007) de Isabel Ramos; o El último rosario de Medea, de
José Manuel Torres Santiago, presentada en Nueva York en la temporada 2006-2007 del
Teatro Pregones. Pero, por el momento, no hemos tenido acceso a los textos, mientras
que del teatro dominicano, ni siquiera contamos con noticias al respecto, de manera
que, por el momento, no se posibilita reparar en singularidades o convergencias de las
obras cubanas con otras del área insular hispana, la más cercana al menos
29
Si bien este autor aparece mencionado en la primera versión de la obra, ya en la obra editada su
nombre no se encuentra. Optamos por mantenerlo, puesto que Estorino lo tuvo en miente.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
77
geográficamente. No obstante, sin desconocer que cualquier recopilación siempre queda
abierta, nos parece suficiente, a nuestros fines, la muestra presentada; aún más, si
tenemos en cuenta los obstáculos materiales y las limitaciones de distintos tipos siempre
pendientes sobre el desarrollo teatral y, en consecuencia, de una dramaturgia nacional
en las Antillas mayores.
Aunque las versiones antillanas puedan estar más o menos cercanas al modelo
euripideo, prima la libertad en el tratamiento del mito, su desacralización y apropiación
tanto por la fusión genérica como por la contaminación de disimiles repertorios culturales,
si bien su ubicación pueda ser concretamente La Habana o San Juan, o provenir la
protagonista de alguna isla no nombrada, o quedarse en una buena carga de ambigüedad
tanto en el espacio como en el tiempo. A diferencia de lo que sucede con Antígona, en
que su acción fundamental se mantiene como norma en sus versiones antillanas, Medea,
sobre todo a partir de los ochenta, erigida como una especie de icono de la alteridad, es
exonerada o al menos justificada, de una forma u otra, sobre todo en los últimos tiempos,
del vengativo asesinato de sus hijos, marca distintiva de su imagen a través del tiempo.
La tragedia de Eurípides, por tanto, hasta en aquellas obras más apegadas al modelo,
siempre se enfoca de modo transgresivo en función de que no solo de que cobre
actualidad, sino de que su resonancia procure la reflexión sobre problemas opacados en
la vida cotidiana.
Las obras de los años sesenta en Cuba y ochenta en Puerto Rico, buscaban en el
uso del mito un apoyo sustancial para develar la situación del marginado, del otro, en
términos de género, raza y estrato social en nuestro contexto específico; en un segundo
momento, desde fines de los noventa, la conciencia metateatral gana terreno y junto a
preocupaciones sustentadas en los procesos migratorios y la atracción centro-periferia,
aparecen nuevos problemas, como el “destino” de las adolescentes embarazadas
prematuramente o el peso de los arquetipos de otrora para sí y para los demás en tiempos
que las acciones por la que conquistaron la fama no son más que recuerdos fragmentados,
cambiantes, y los héroes cuestionados.
Se hace evidente, entonces, la “antropofagia” cultural, como la han nombrado
reputados teóricos brasileños. No se trata de mimetismos o evasión, como creían algunos
a mediados del siglo pasado, sino que los viejos mitos y los cánones trágicos, aun sometidos
a un diálogo transgresivo, mantienen viva no solo su capacidad evocadora sino su
posibilidad de hacer reflexionar sobre las inquietudes humanas en cualquier momento
y lugar, siempre con timbres propios, marcados por el hic et nunc de nuestras especificidades
e inquietudes.
AA
78
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ABSTRACT
Medea dramatic persona acquired new resonances in the 20th
century in relation to the discovery of the “other”. However
some versions have been written in Latin America since the
middle of the century, in the so-called Greater Antilles this
classical character appears in dramatic works for the first time
in Cuba by 1960, not as an alien in new lands but as a poor,
brown-skin and discriminated woman. Since then, Medea has
been revived in relatively countless versions by different
playwrights from the Hispanic Antilles. Therefore, the aim of
this paper is to find her new personality traits assumed in this
context as well as the similarities and differences in each of
these versions in interpreting the original myth, the dialogue
and the transgression.
KEYWORDS
Medea, Hispanic Antilles, versions, transgressions
REFERENCIAS
CARPENTIER, A. Entrevistas, La Habana, Letras Cubanas, 1985.
ESTORINO, A. Medea sueña Corinto. Teatro completo, La Habana, Ediciones Alarcos,
2012, p. 849-863.
EURÍPIDES. Tragedias, Introducción general de Carlos García Gual, Madrid, Editorial
Gredos, 2000.
FLEITES, Y. Un bello sino, Matanzas, Ediciones Matanzas, 2010.
FUNDORA, E. La memoria no es lo que sucede, sino lo que subsiste. Una conversación
con Maikel Rodríguez de la Cruz sobre la escritura de Medea reloaded, Tablas, La Habana,
n. 3-4, 2007, p. XVI-XVII.
GARCÍA, W. Sabotaje textual/teatral contra el modelo canónico: Antígona-humor de
Franklin Domínguez. Latin American Theatre Review, Kansas, fall, 1997, p. 15-29.
HERNÁNDEZ-LORENZO, M & VALIÑO, O. ‘“Yo soy el Otro...y escribo teatro”, Una
conversación con Abelardo Estorino’. La Gaceta de Cuba, La Habana, n. 6, 1997, p. 32-35.
HORNBY, R. Drama, metadrama, and perception, Lewisburg, Bucknell University Press;
London and Toronto, Associated University Presses, 1986.
LEAL, R. En primera persona, La Habana, Instituto del Libro, 1967.
LÓPEZ, A.; POCIÑA, A. & SILVA, M. de F. (Eds.), De ayer a hoy. Influencia clásica en
la literatura, Coimbra, E. Universidad de Coimbra, 2012.
MARTIATU, I. M. Wanilere teatro, La Habana, Ed. Letras Cubanas, 2005.
MARTIATU, I. M. Una pasión compartida: María Antonia, La Habana, Editorial Letras
Cubanas, 2004.
MARTINO, F. de & MORENILLA, C. (Eds.). El perfil des ombres, Bari, Levante Editore,
2002.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
79
MIRANDA, E. Calzar el coturno americano, La Habana, Ed. Alarcos y Letras Cubanas,
2006 y 2007.
MONTERO, R. Medea, La Habana, Ed. Unión, 1997.
POGOLOTTI, G. (Ed.). Teatro y revolución, La Habana, Letras Cubana, 1980.
RAMOS-PEREA, R. Perspectiva de la nueva dramaturgia puertorriqueña, San Juan, Ateneo
Puertorriqueño, 1989.
RODRÍGUEZ, M. Medea reloaded, Tablas, La Habana, n. 3-4, 2007, p. VII-XX.
SANTALIZ, P. El castillo interior de Medea Camuñas. Teatro, San Juan, Instituto de
Cultura Puertorriqueña, 1992, p. 65-106.
SEGAL, E. (Ed.). Readings in Greek Tragedy, Oxford, Oxford University Press, 1983.
TRIANA, J. Medea en el espejo, La noche de los asesinos, Palabras comunes, Madrid, Ed.
Verbum, 1991.
VILLEGAS, J. La especificidad del discurso crítico sobre el teatro hispanoamericano,
Gestos, Irvine, 1.2, 1986, p. 57-73.
Recebido em 13 de janeiro de 2014
Aprovado em 24 de fevereiro de 2014
80
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
MITOS CLÁSICOS EN EL TEATRO DEL CARIBE
Presentación y renovación de un corpus
CLASSIC MYTHS IN THE CARIBBEAN THEATER.
PRESENTATION AND RENEWAL OF A CORPUS
Gustavo Herrera Díaz*
Universidad de La Habana
RESUMEN
En la última década del siglo XX y a principios del siglo XXI,
con la realización de algunos congresos y estudios académicos,
se ha comenzado a valorar la presencia de los mitos clásicos en
el teatro iberoamericano. Ello ha posibilitado el rescate y
análisis de un creciente e importante corpus de obras que
continuamente se actualiza con nuevas puestas en escena y
enfoques. Una línea de investigación valiosa al respecto ha
sido la de intentar sistematizar, desde múltiples métodos y
teorías, todo el repertorio encontrado. Los estudios de Costa
Palamides y Elina Miranda, por mencionar algunos de los más
conocidos, son valiosos aportes a este propósito. En este marco
se inserta el presente trabajo que, partiendo de estudios
anteriores y del rastreo de nuevas producciones dramáticas,
aspira contribuir a la actualización y renovación del corpus
caribeño existente, así como revelar nuevas tendencias. Nos
enfocamos especialmente en las obras de las Antillas hispanas,
puestas en relación con las producidas en otras áreas del Caribe.
PALABRAS CLAVE
Mitos clásicos, teatro del Caribe, corpus
En las últimas décadas se han producido algunos estudios generales sobre la
pervivencia de los mitos clásicos en el teatro latinoamericano. Un texto iniciático al
respecto es “Mito Griego y teatro latinoamericano del siglo XX”, del venezolano Costa
Palamides, publicado en 1989, en la revista Primer Acto.1 Según Juan David González
Betancourt, en el listado que presenta Palamides se nota una variedad de temas y puntos
de vista, que podrían dar las bases para la construcción de una importante línea
*[email protected]
1
Palamides enumera alrededor de 27 creaciones, fechadas desde comienzo del siglo XX hasta la
década del ochenta y producidas a lo largo de todo el continente.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
81
investigativa y estética acerca de las reconfiguraciones de la tradición dramática griega
que se han gestado en Latinoamérica.2 Este trabajo, además de demostrar que los mitos
y cánones trágicos han sido uno de los asuntos más frecuentados por la dramaturgia
latinoamericana, ha de considerarse importante en la medida que constituyó una
contraparte de otras investigaciones afines de tradición clásica que excluían nuestras
producciones de sus resultados. Recuérdese el libro de George Steiner sobre las
Antígonas de 1984, o los ensayos sobre Medea en el mito, la literatura, la filosofía y el
arte, publicado por la Universidad de Princeton en 1997, por mencionar algunos de los
ejemplos más citados.3 No obstante esta tendencia (que por suerte ha ido quedando
atrás, gracias sobre todo a las indagaciones de nuestros propios académicos), hasta la
fecha se han producido diversos congresos e investigaciones sobre mito y teatro, que no
solo han profundizado en el estudio de las obras ya conocidas, sino que han incorporado
nuevas creaciones.4
Partiendo de tales estudios y de nuestras propias búsquedas comenzamos un rastreo
de aquellas obras escritas, desde la segunda mitad del siglo XX hasta la fecha, en el
área del Caribe insular y continental. Como resultado, si sumamos a las 23 Medeas y
Antígonas reunidas, aquellas obras que recrean otros mitos, verificadas en bibliografía,
asequibles en Internet, o estudiadas en investigaciones académicas como versiones
inéditas, podemos presentar un corpus caribeño de 61 textos. (Cf. Tabla 1)
2
Cf. Juan David González Betancourt. “Antígona y el teatro latinoamericano”, Calle 14, p. 76.
Cf. Elina Miranda Cancela. «Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico»,
p. 34-35.
4
Baste mencionar entre algunos de los resultados más recientes el libro de Rómulo Pianacci: Antígona,
una tragedia latinoamericana; el volumen editado por Juan Antonio López Férez: Mitos clásicos en la
literatura española e hispanoamericana del siglo XX, publicado en el año 2009, donde se incluye una
veintena de textos enfocados solo en el teatro; o el congreso internacional de Clastea sobre la pervivencia
de mitos clásicos en el teatro iberoamericano, celebrado en Mar del Plata en el año 2011. Han sido muy
útiles para el estudio del mito en las Antillas hispánicas los siguientes trabajos de la Dra. Elina Miranda:
«Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico», publicado en el año 2010,
que constituye el primer estudio general sobre el tema a nivel caribeño; o el libro Calzar el coturno
americano, que se centra en el mito y la tragedia griega dentro del teatro cubano, por no mencionar los
variados artículos suyos que han estudiado la presencia de Medea o Antígona en las Antillas.
3
82
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Tabla 1. Corpus de obras teatrales caribeñas de tema clásico.
Cuba
1. Piñera, Virgilio: Electra Garrigó, 1941.
2. Triana, José: Medea en el espejo, 1960.
3. Arrufat, Antón: Los siete contra Tebas, 1968.
4. Estorino, Abelardo: El tiempo de la plaga, 19691997.
5. Milián, José: El carnaval de Orfeo, 2005.
6. Sáez, Joel: Antígona, 1993.
7. Montero, Reinaldo: Medea, 1997.
8. Carrió, Raquel y Lauten, Flora: Bacantes, 2001.
9. Espinosa, Norge: Ícaros, 2003.
10. Fundora, Carlos: Edipo Gay, 2006.
11. Fleites Pérez, Yerandy: Antígona, 2007.
12. Fleites Pérez, Yerandy: Jardín de héroes, 2007.
13. Fleites Pérez, Yerandy: Un bello sino, 2007.
14. Montero, Reinaldo: Antígona. Tragedia hoy,
2007.
15. Rodríguez de la Cruz, Maikel: Medea reloaded,
2007.
16. Estorino, Abelardo: Medea sueña Corinto, 2008.
17. Sáez. Joel: Los Atridas, 2009.
18. Torriente, Alberto Pedro: Esperando a Odiseo,
2010.
19. Sáez, Joel: Casandra, 2010. Sáez, Joel: Los
Atridas, 2009.
20. Torriente, Alberto Pedro: Esperando a Odiseo,
2010.
21. Sáez, Joel, Casandra, 2010.
México
1. Usigli, Rodolfo: Jano es una muchacha, 1952.
2. Carballido, Emilio: Hipólito, 1957.
3. Carballido, Emilio: Medusa, 1958.
4. Salvador Novo: Yocasta o casi, 1961.
5. Sotelo, Inclán Jesús: Malintzin (Medea americana),
1957.
6. Carballido, Emilio: Teseo, 1962.
7. Fuentes Marel, José: La joven Antígona se va a la
guerra, 1968.
8. Arriola Haro, Ignacio Igor: Pandora y el ruiseñor.
9. Arriola Haro, Ignacio Igor: Electra.
10. Arriola Haro, Ignacio Igor: Medea.
11. Andrade Jardi, Ricardo: Los motivos de Antígona,
2000 (inédita).
12. Harmony, Olga: La ley de Creón, 2001.
13. Rascón Banda, Víctor Hugo: Máscara vs
Cabellera, 1985.
República Dominicana
1. Domínguez, Franklin: Antígona-Humor, 1961.
2. Veloz Maggiolo, Marcio: Creonte, 1963.
3. Incháustegui Cabral, Héctor: Prometeo, 1964.
4. Incháustegui Cabral, Héctor: Filoctetes, 1964.
5. Incháustegui Cabral, Héctor: Hipólito, 1964.
6. Mieses Burgos, Franklyn: Medea, 1965.
7. Domínguez, Franklin. Lisístrata odia la política,
1979-1981.
8. Acevedo, Carlos: Sísifo, 1981.
9. Cartagena Potalatín, Aida: Odio Total Euménides
10. García, Iván: Andrómaca
Puerto Rico
1. Sánchez, Luis Rafael: La pasión según Antígona
Pérez, 1968.
2. Marichal, Teresa: Casandra, 1981.
3. Marichal, Teresa: Penélope.
4. Marichal, Teresa: Medea.
5. Santaliz, Pedro: El castillo interior de Medea
Camuñas, 1984.
6. Ramos-Perea, Roberto: La mueca de Pandora,
1986.
7. Aravind Adyantaya: Prometeo encadenado, 2006.
8. José Manuel Torres Santiago: El último rosario de
Medea, 2006-2007.
Colombia
1. Romero Rey, Sandro: Fatum (Libreto, inédito),
1987.
2. Romero Rey, Sandro. Gineceo (Libreto, inédito),
1988.
3. Ariza, Patricia: Antígona, 2006.
4. Satizábal, Carlos Eduardo: Antígona y actriz
(inédita) 2008.
Venezuela
1. Rengifo, César: La fiesta de los moribundos, 1966.
2. Nuñez, José Gabriel: Antígona, 1978.
3. Carlos Omobono: Edipo Gay, 1999
Nicaragua
1. Steiner, Rolando: Antígona en el infierno, 1958.
2. Steiner, Rolando: La pasión de Helena, 1963.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
83
Por cantidad tenemos 19 obras cubanas, 13 mexicanas, 10 dominicanas, 8
puertorriqueñas, 4 colombianas, 3 venezolanas y 2 nicaragüenses. Acotamos no obstante
tener noticias de otras 13 producciones, entre puestas en escenas y fragmentos, que no
hemos podido consultar. 5 Todo hace un total, como propuesta tentativa, de 74 obras
teatrales, distribuidas en siete países. En el resto de la geografía caribeña no hemos
podido, al menos hasta ahora, localizar prácticamente ninguna obra teatral de tema
clásico. Este resultado, advertimos, es solo un esbozo de una búsqueda que está apenas
comenzando y que cuenta con la dificultad del acceso a los textos y a las diversas
representaciones, por la falta de medios para acceder a ellas, así como por su poca
difusión y circulación.
Con solo hacer una rápida lectura de este repertorio, podemos decir que uno de
sus rasgos fundamentales es el de la variedad de mitos y modalidades de apropiación, lo
cual hace un poco difícil establecer una sistematización que integre todas las obras
encontradas. A esa variedad se suman otras dificultades como las diferencias en el
tratamiento de un mismo tema, los grados de transformación que se hacen de los distintos
referentes, la adecuación o no que de los mitos realiza cada autor en relación al contexto
sociocultural donde escribe y a su poética propia, por mencionar algunas de las más
frecuentes. Todo ello hace que el análisis de este corpus sea sumamente complejo y
multifacético.
A pesar de esto, no han faltado estudios de los mitos en el Caribe que hayan
intentado ofrecer teorías, líneas generales de trabajo y métodos de análisis con el fin de
clarificar esta variedad. Una de las propuestas posibles a considerar para el examen
integrador de nuestro teatro serían las apoyadas en la nomenclatura intertextual y
paródica, que se concentrarían en las formas y los modos de relación entre las obras y
sus modelos. Recomendamos al respecto el texto ya citado de Miranda Cancela “Mitos
y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe Insular hispánico” donde, partiendo
de la clasificación dada por H. C. Rutledge en 1989, se proponen 10 posibles categorías
de relación no temáticas con el mito para el estudio de la escena caribeña. Igualmente
otra posibilidad de ordenamiento serían las distintas modalidades de usos o ethos que
Linda Hutcheon propone cuando explica su concepto de parodia, las cuales incluirían
por supuesto el común empleo peyorativo, negativo o mordaz, el neutro o lúdico, pero
también, el respetuoso o reverente. Por razones de tiempo y por no contar con toda la
información requerida para ello, hemos desestimado un análisis de las obras encontradas
a partir de las 10 categorías de relación con el mito propuestas por Miranda Cancela, o
de su respectivo ethos. Por tanto, nos enfocaremos solo esta vez, como presentación del
corpus reunido, en mostrar por un lado algunas agrupaciones temáticas, posibles de
5
Entre ellas están de Cuba: Ceremonial de guerra, 1972, de José Triana; Alceste de Gleyvis Coro; Retrato
de Ifigenia Triste, de Erandy Fleites; Fedra, de Agnieska Díaz; Deyanira de mi corazón, de Pepe Santos;
Medea, exilio del tiempo (monólogo del grupo El ciervo encantado) y Medea de barro, del Grupo de
Camagüey. De Venezuela podemos mencionar Hembras, mitos y café, de Jerico Montilla (2007) y Las
bodas de Miau (versión infantil del juicio de Paris), 2007. Entre las obras que incorporan el mito griego
de modo implícito están de Cuba Requiem por Yarini (1961), de Carlos Felipe; María Antonia, escrita en
1964 y estrenada en 1967, de Eugenio Hernández Espinosa; La aprendiz de bruja (publicada en 1983), de
Alejo Carpentier, y de Puerto Rico: Llanto de luna, de Roberto Ramos-Perea.
84
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
sistematizar y por otro en dar a conocer algunas obras, cuyas connotaciones semánticas
de apropiación mítica resultan en mi opinión diferentes a las variantes más canonizadas.
La tendencia que mejor uso ha hecho del criterio temático ha sido la búsqueda
recurrente de algunos mitos o personajes que se repiten, como ocurre con las Antígonas
y Medeas caribeñas. No sería desacertado entonces que una posible sistematización de
nuestro corpus caribeño partiese de esta tendencia de agrupación temática, en la que
podríamos colocar, de un lado, las obras que reescriben los mismos tipos de mitos y, de
otro, aquellas que aún son singulares. En este sentido además de las Medeas y Antígonas,
hemos podido localizar otras coincidencias, que aun cuando no sean tan abundantes
como las primeras, sí merecerían un estudio pormenorizado. De este modo podríamos
esbozar como primera propuesta tentativa de corpus un primer grupo con 9 tipos de
obras que abordan el mismo tipo de héroe o heroína si sumamos a las 7 colocadas en la
tabla 1 las de Medea y Antígona, tendríamos un total de 38 textos, a los que se les
opondrían aquellas producciones que eligen otros referentes míticos, casi una veintena.
(Cf. Tabla 2)
Tabla 2. Obras que tratan los mismos personajes (no incluimos las Medeas y las Antígonas).
Heroínas
Héroes
– 3 Electras: Electra Garrigo, de
Virgilio Piñera, Jardín de héroes
de Yerandy Fleites y Electra del
mexicano Ignacio Igor Arriola
– 2 Prometeos: Prometeo, la primera obra de la trilogía Miedo en un
puñado de polvo, del dominicano Héctor Icháustegui Cabral y Prometeo
encadenado, del puertorriqueño Aravind Adyantaya
– 2 Pandoras: Pandora y el ruiseñor,
Arriola Haro y La mueca de
Pandora, de Roberto Ramos
Perea
– 2 Hipólitos: el del mexicano Emilio Carballido y el de la tercera
tragedia de la trilogía mencionada de Incháustegui Cabral
– 2 Casandras: una del cubano
Joel Sánc hez y otra de la
puertorriqueña Teresa Marechal
– 2 Creontes (esta variante puede ser discutible, porque en estas obras
también tiene una gran importancia Antígona y el mismo fenómeno
inverso se produciría en las obras que aluden en su título a esta
heroína), Creonte, del dominicano Marcio Velos Maggiolo y la ley de
Creón de la mexicana Olga Harmony
– 3 Edipos: El tiempo de la plaga de Abelardo Estorino y dos Edipo gay,
uno del venezolano Carlos Omobono y otro del cubano Carlos
Fundora
Sin embargo en la tabla presentada nos hemos ceñido a un criterio muy estrecho,
que solo se apoya en las coincidencias de héroes o heroínas. Si nos planteásemos la
organización del corpus a partir de categorías temáticas más generales muchas de las
restantes obras perderían su singularidad, y quedaría realmente la condición de rareza
para muy pocos ejemplos. Una posible división estaría en separar las obras por ciclos
épicos. Así, por ejemplo, obras que se nos habían quedado sueltas como los Los siete
contra Tebas, del cubano Antón Arrufat, y Yocasta o casi (1961), del mexicano Salvador
Novo, podrían ahora considerarse como reescrituras del Ciclo Tebano junto con las
Antígonas, los Edipos y Creontes mencionados. Así mismo al Ciclo Troyano pertenecerían
textos sueltos como La pasión de Helena, del nicaragüense Rolando Steiner, el Filoctetes
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
85
de Incháustegui Cabral, y la Andrómaca, de Ivan García; o subtemas como los relativos
a Odiseo y Agamenón. Al primero sumariamos la Penélope, de la boricua Teresa Marechal;
Circe o el amor (1962), del dominicano Emilio Belaval, y Esperando a Odiseo, del cubano
Alberto Pedro. El Segundo subtema contendría, además de todas las Electras y Casandras
ya mencionadas, las puestas Odio Total Euménides, de Aida Cartagena Potalatín, y Los
Atridas, del cubano Joel Saez. El resto de los textos correspondería en su mayoría a
edades heroicas anteriores. Así tendríamos al ciclo de los Argonautas, integrado por
nuestras 10 Medeas y Carnaval de Orfeo, del cubano José Milián; los Mitos de Teseo y
Creta que incorporarían al Teseo, del mexicano Emilio Carballido, los dos Hipólitos ya
mencionados e Ícaros, de Norge Espinosa; y el ciclo prometeico con las Pandoras y los
Prometeos. Quedarían junto a dos obras basadas en Aristófanes: Lisístrata odia la política,
del dominicano Franklin Domínguez, y Gineceo, del colombiano Sandro Romero Rey,
una pequeña muestra, singular por su rareza, compuesta de los siguientes ejemplos:
Sísifo, del dominicano Carlos Acevedo, Medusa (1958), del mexicano Emilio Carballido,
y Jano es una muchacha, de Rodolfo Usigli. (Cf. Tabla 3)
Tabla 3. Organización temática más amplia del corpus.
Ciclo Troyano
La pasión de Helena del nicaragüense Rolando Steiner, Filoctetes de Incháustegui
Cabral y la Andrómaca de Ivan García. Subtema odiseico: Penélope de la boricua
Teresa Marechal; Circe o el amor (1962), del dominicano Emilio Belaval, y
Esperando a Odiseo del cubano Alberto Pedro; Subtema de la Casa de Atreo:
todas las Electras y Casandras ya mencionadas, Odio Total Euménides de Aida
Cartagena Potalatín y Los Atridas del cubano Joel Saez.
Ciclo tebano
Los siete contra Tebas, del cubano Antón Arrufat, Yocasta o casi (1961), del
mexicano Salvador Novo, los Edipos, Antígonas y Creontes mencionados.
Ciclo de los Argonautas
Las Medeas, Carnaval de Orfeo del cubano José Milián.
Mitos vinculados a
Teseo y Creta
Teseo del mexicano Emilio Carballido, los dos Hipólitos ya mencionados e
Ícaros de Norge Espinosa.
Mitos prometeicos
Las Pandoras y los Prometeos mencionados.
Casos singulares
Lisístrata odia la política, del dominicano Franklin Domínguez; Gineceo, del
colombiano Sandro Romero Rey; Sísifo, del dominicano Carlos Acevedo; Medusa
(1958), del mexicano Emilio Carballido y Jano es una muchacha, de Rodolfo
Usigli.
PROBLEMÁTICA
GA
Y, TECNOL
OGÍA Y SINCRETISMO.
GAY
TECNOLOGÍA
ALGUNAS
VARIANTES OTRAS A CONSIDERAR
Aparte de esbozar una distribución temática del corpus, como la anterior, considero
de suma importancia para un mejor conocimiento de este, que nos aproximemos
sucintamente a algunas de las principales problemáticas aludidas en nuestro teatro, y
ver en qué medida esta situación se ha ido enriqueciendo con nuevas connotaciones.
Una directriz esencial al respecto ha sido la de reconocer una adecuación paulatina
del mito a la realidad del continente, con una alta disposición al cuestionamiento político
y social de nuestras circunstancias históricas, muchas veces difíciles de ser apuntadas
de manera abierta. De ahí que si hacemos una revisión de la bibliografía crítica podemos
percibir que muchos artículos incorporan en sus análisis de las obras teatrales el
86
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
compromiso político y la problemática social como algunas de las variantes
diferenciadoras a tener en cuenta.6 Además de las connotaciones políticas y sociales en
el plano temático existen otras interpretaciones tanto generales como específicas. Por
ejemplo en los estudios de Medea se consideran cuestiones como la “alteridad” en sus
más diversas connotaciones, donde las problemáticas de género, identidad y de raza son
premisas esenciales. A la par, en los estudios de Antígona, al problema del tirano y la
dinámica de las relaciones de poder se incorporan también otros subtemas importantes
como el de los nexos familiares.
Ahora bien, aunque en el corpus caribeño hallamos muchos textos que, escritos
en el siglo XXI, dan continuidad a las temáticas del siglo XX, también hay otras
producciones que, sin dejar de apuntar las condiciones sociales o políticas de sus
respectivos contextos, comienzan a desviarse de esta intención, para reflejar otros
conflictos menos locales, como la problemática homosexual o las consecuencias de la
interacción con lo tecnológico. Además de estas tendencias hemos ubicado un tipo de
obra múltiple en la que se yuxtaponen distintos mitos, héroes o heroínas trágicas que
discurren sobre un determinado tópico, generalmente trascendente. 7 Por razones de
tiempo y por lo limitada que es aún nuestra información solo presentaremos algunas de
estas obras caribeñas que se apartan de la línea general. Referiremos sobre todo las
escritas en países del Caribe menos estudiados como Venezuela y Colombia, en correlación
con las creadas en las Antillas hispánicas.
Si hacemos un rastreo del mito de Edipo en el teatro del Caribe, veremos que a
excepción de la obra del cubano Abelardo Estorino, El tiempo de la plaga, este personaje
prácticamente no es abordado de modo directo por ningún dramaturgo, y cuando se le
alude es de forma secundaria a través de las correlaciones con otros caracteres como
Creonte y Antígona. Según el profesor Manuel Fernández Galiano existen cuatro
interpretaciones del personaje de Edipo en la literatura contemporánea: 1) la del hombre
adámico, forjador de sí mismo y de su hado; 2) la del hombre frente a la Esfinge de la
vida y la ciencia; 3) la del dictador cesarista y ofuscado por la convicción de su propia
inhabilidad; y 4) la del personaje freudiano. 8 Si bien la posibilidad del tirano es la
empleada por Estorino en su obra, en el año de 1999 se publica una nueva adaptación
6
Al mencionar el estudio de Palamides se consideraban tres etapas: una más reverencial, donde según
González Betancourt se impedía el sincretismo entre el mito y la situación latinoamericana; una que se
conformaba por piezas tipo manifiesto político o dramas históricos, y una tercera de corte más posmoderno.
También cuando Rómulo E. Pianacci concluye su estudio de las Antígonas americanas establece, en
medio de la variedad existente, con el elemento político y social como rasgo. (Cf. Rómulo E. Pianacci:
Antígona: una tragedia latinoamericana, p. 175-176) Hace poco tiempo tuvimos noticias de una tesis
doctoral presentada en la Universidad de Puerto Rico en el año 2011, titulada “Las reescrituras de las
tragedias griegas en el teatro dominicano del siglo XX”, donde se clasificaban la obras en dependencia
de su compromiso político”(Cf. Doris Melo Mendoza: “Las reescrituras de las tragedias griegas en el
teatro dominicano del siglo XX”, en http://udini.proquest.com/view/las-reescrituras-de-las-tragediaspqid:2381110481/, acceso: 25 nov. 2012).
7
La cual parece salirse de las 10 variantes mencionadas de relación con el mito propuestas por Elina
Miranda en su estudio del teatro del Caribe.
8
Fernández Galiano: “Edipo por tierras de España”, p. 150.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
87
de Edipo que se conecta con la variante del personaje freudiano, aunque lo hace de
manera totalmente inversa. Se trata de la obra Edipo Gay de Carlos Omobono.
La obra de Omobono se centra en la vida de un pareja de homosexuales, Edoardo
y Edipo, que deciden tener un hijo juntos, para lo cual contratan a una prostituta llamada
Helena, que deberá desaparecer una vez nacido el niño. Sin embargo, este plan no se
puede llevar a cabo pues Edipo, manipulado por su madre Elvira, a quien se somete
incondicionalmente, sacrificando incluso su felicidad, deja a Edoardo, se casa con Helena
y se marcha a Estados Unidos. Edoardo solo pone como condición quedarse con el niño.
Pasados muchos años, cuando Edipo arrepentido reaparece para recuperar tanto a su
hijo como a Edoardo, este le miente diciéndole que el niño murió y que el muchacho
con el que vive, de nombre Edy y homosexual también, es solo un buen amigo. Unos
días después Edipo comienza a sentir atracción por Edy, y creyendo tener una segunda
oportunidad para enderezar su vida, seduce al muchacho, su propio hijo, sin saberlo. La
obra se cierra con la entrada de Edoardo a escena; al descubrir lo que ocurre, la música
sube de volumen, hay sorpresa en Edy y una profunda amargura con inmenso dolor en
Edipo. Mientras, se abren las paredes del fondo y aparece la madre como una gran
esfinge hasta que se oscurece la escena.
En esta versión, a diferencia de Estorino, el mito de Edipo se despolitiza
notablemente y se restringe su conflicto a la problemática gay del contexto venezolano
de los ochenta.9 El protagonista, todo lo contrario del héroe sofocleo, es más bien un
anti-Edipo, incapaz, la mayor parte del argumento, de luchar contra su destino, que en
esta versión sería aceptar su condición de gay y ser feliz con ella. Solo al final el personaje
comienza a reaccionar y al hacerlo, ignorando lo que realmente ocurre, termina
acostándose con su propio hijo.
Además del uso paratextual del título y de los comentarios directos que hace el
personaje del Edipo Rey de Sófocles, son muy interesantes las reescrituras de determinados
motivos del modelo. Para ello Omobono aprovecha al personaje de Edoardo que junto
con Elvira, alter ego de la Yocasta sofoclea, parece sintetizar varios de los agentes del
mito griego. Desde el inicio se asemeja mucho a Tiresias, en cuanto al conocimiento de
la “verdad”, que en esta obra sería el saber vivir plenamente con su condición de
homosexual. Ya en la segunda parte, parece convertirse Edoardo en el paralelo del
orden divino sofocleo, al decirle a Edipo que es demasiado tarde para que este intente
cambiar su destino. Edipo solo le pide que no preconice, que él no es un oráculo, aunque
acepta su condición y se reconoce como un prisionero del destino, incapaz de cambiarlo
por más que lo intente. Cuando le dice a Edoardo que su decisión de abandonarlo en el
pasado fue un error sincero, este le responde: “Los seres humanos, y no intento catequizar
con lo que voy a decirte, tenemos tres modos distintos de ser. Como creemos ser, como
nos ven nuestros semejantes y en definitiva como en realidad somos...”.10 De este modo
el famoso acertijo de la Esfinge sobre el hombre, es llevado al complejo problema de la
9
Aunque el referente social está presente, no es el centro de atención de esta obra, donde el mito es
empleado para recrear un conflicto individual que podría producirse no solo en Latinoamérica sino en
otros espacios.
10
Carlos Omobono: “Edipo gay”, p. 123.
88
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
identidad y sus distintas facetas. La desdicha de este Edipo venezolano se manifiesta al
decidir erróneamente en el pasado darle prioridad al “ser para los demás”, colectividad
encarnada en los prejuicios de su madre.
Esta propuesta de reescritura edípica resulta insólita en el contexto del teatro del
Caribe y en el contexto del teatro venezolano de tema clásico nos parece doblemente
novedosa, pues el resto de las obras colombianas de las que tenemos noticias se inclinan
al uso político y social del mito. Estas son La fiesta de los moribundos, de César Rengifo,
de 1966, y Antígona, de José Gabriel Nuñez, de 1978.
En el año 2006 Ediciones Alarcos publicó una colección de tres obras paródicas
titulada Comedias sin lente, del escritor cubano Carlos Fundora. Y precisamente la tercera
de estas obras se tituló coincidentemente Edipo Gay, con lo cual no solo encontramos
que la línea iniciada por Omobono de asumir la variante freudiana del mito edípico
tenía continuidad, sino que se asumía también la misma clase de inversión del motivo
de amor materno por el amor paterno. Nos parece, no obstante la coincidencia del
nombre, que Fundora no conoció la obra de Omobono, pues al inicio de la comedia le
agradece a un amigo, William Calero, la sugerencia del título. Además en esta obra el
tratamiento es puramente burlesco, y la intencionalidad fundamental, más allá de la
problemática gay es hacer reír al espectador.
La obra se divide en dos partes, una primera muy breve en la cual Edipo va a
consultar al oráculo y que termina en un intento de suicidio histérico del personaje
para evitar su destino; y una segunda en la cual este es invitado a un programa de
televisión dirigido por la Esfinge. Edipo tras declarar que al llegar a Tebas se enamoró
de una muchacha misteriosa, conoce a sus suegros, que invitados por la Esfinge, resultan
ser Yocasta y Layo. Ambos lógicamente se oponen a esta unión. Después de muchos
enredos e interrupciones, Yocasta, presionada por la audiencia de este tipo de programas,
confiesa que, para evitar la unión, enviaron a la hermana de Edipo a un convento, y
que ella misma la sustituyó con maquillaje. Luego, cuando Edipo histérico por la desgracia
saca un cuchillo para matar a sus padres, Yocasta desfalleciente le dice que no mate al
inocente de Layo, quien se castró cuando supo de la profecía y que su verdadero padre
era el personaje que hacía de Coro. Justo antes de morir, le dice que el oráculo también
se equivocó con ella, quien no tuvo el valor de acostarse con su propio hijo y tuvo que
buscarse un reemplazo. Cuando Edipo desesperado indaga con quien se acostaba
entonces, Layo, mudo hasta ahora, le responde muy afeminado: “¡Por supuesto Edipo!
Esa Afrodita sensual que te enloquecía en la cama, esa hembra fogosa, esa… ¡Ay, Edipo!
¡Mírame! ¿No me reconoces? ¡Era yo cariño! ¡Era yo!”.11
Esta puesta en escena, a diferencia del Edipo Gay, de Omobono, se cierra de modo
carnavalesco con el personaje de Freud saliendo frustrado de la audiencia del programa,
y con Edipo abrazando a su padre mientras interpreta un tema musical sobre su destino
gay. Fundora de este modo ha reconstruido una versión del mito totalmente posmoderna,
cargada de humor negro, música de cabaret, situaciones de enredo, y sobre todo de los
códigos de la televisión comercial. Aunque hay alusiones al contexto cubano, como el
11
Carlos Fundora: “Edipo gay”, p. 100.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
89
precio alto de la carne para poder hacer el sacrificio al oráculo o el problema de la
emigración de los artistas a la capital del país, el propósito de la obra es producir la risa
y para ello la trasformación del mito se reduce al mero efecto burlesco, con una
caricaturización de sus elementos trágicos. Un rasgo a tener en cuenta es que la
parodización se apoya muchas veces en la relación del héroe con la tecnología. En la
primera escena el contacto con el oráculo se da a través de una conexión vía módem
que no parece recibir respuesta desde el otro lado y cuando lo hace es con una llamada
cruzada. La propia reducción de este conflicto familiar a un show televisivo no solo la
podemos considerar a los efectos de buscar la comicidad, sino también como una crítica
a las tendencias vulgarizadoras y frívolas de este tipo de programas de entretenimiento.
Otra obra que también incorpora desde un enfoque distinto esta interacción del
sujeto moderno con la tecnología y sus efectos es Prometeo encadenado, de Aravind
Adyantaya, quien ofrece una singular versión virtual-textual del texto de Esquilo. El
actor se halla solo en el tablado, de perfil al espectador, frente a una laptop, cuya
pantalla es reproducida a una escala mayor en el fondo de la escena. A medida que
presenta y comenta críticamente la obra de Prometeo, el actor simultáneamente escribe
otras palabras e ideas, que se irán intercalando continuamente con la versión antigua,
en una especie de discurso fragmentado, donde se mezclan elementos del mito original
con otros aspectos de la realidad puertorriqueña. Se trata pues de reescribir un mito
antiguo de forma directa e inmediata ante el espectador, mediante el uso de la
virtualidad. Como bien sostiene su director y autor, se pretende explorar un teatro de la
reescritura, “una modalidad de poética teatral en la que el acto de escribir mediado
por tecnología se escenifica en vivo”.12 Se presenta así a un titán caribeño que “no está
atado a la piedra, sino a las trampas de la tecnología y de la palabra, a los fantasmas de
su contexto, a las tensiones español-inglés, progreso-subdesarrollo, premodernidadpostmodernidad. Y también a los iconos del teatro clásico, a sus mitos y a sus héroes,
atados a la vez a sus culpas trágicas”.13
Finalmente me gustaría referir una tercera línea de tratamiento del mito que he
encontrado inicialmente en dos obras inéditas del teatro colombiano Fatum y Gineceo,
escritas por Sandro Romero Rey, en los años de 1987 y 1988 respectivamente. He de
advertir que la búsqueda de mitos clásicos en el teatro colombiano contemporáneo no
ha arrojado hasta ahora muchos resultados. Sabemos sobre todo de adaptaciones
esporádicas de obras clásicas: Heidi y Rolf Abderhalden, fundadores de Mapa Teatro,
en Bogotá, tradujeron y estrenaron en diciembre de 1991 la Medea Material, de Heiner
Müller, y en 1994 realizaron el montaje de Orestea ex machina, puesta inspirada en la
trilogía La Orestiada, de Esquilo; El grupo de teatro Matacandelas representó hace unos
años en Cuba una adaptación de la Medea de Séneca. Además de estas noticias
localizamos muy pocas reelaboraciones de mitos clásicos en el teatro colombiano, solo
dos realmente, insertadas por lo demás en la variante frecuente de denuncia política y
social: una Antígona, de Patricia Ariza, representada por el grupo de teatro La Candelaria
12
“La letra del Escriba”, disponible en: <http://www.cubaliteraria.cu/revista/laletradelescriba/n51/
articulo-1.2.html>, acceso: 23 nov. 2012.
13
Ídem.
90
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
en Santa Fe de Bogotá entre el 3 y el 10 de noviembre de 2006 y Antígona y actriz, de
Carlos Eduardo Satizábal (inédita) de 2008, según Rómulo Pianacci.
En medio de estas dos tendencias del teatro colombiano: la adaptación de obras
extranjeras y las reescrituras de Antígonas, se escriben Fatum y Gineceo con un marcado
carácter experimental, pues en lugar de tomarse un mito específico o una tragedia, se
hace una especie de apropiación compuesta, sincrética, donde se concentran distintos
mitos, héroes o heroínas trágicas que reflexionan sobre un determinado tópico,
generalmente trascendente y apolítico. En Fatum según palabras de Romero Rey, “A
partir de exploraciones en torno a distintos textos de Esquilo, Sófocles y Eurípides,
construimos un texto en el que tres figuras inertes, en un espacio negro, con una tela
roja y tres báculos, regresaban de la muerte… ‘recordando’ los distintos fragmentos,
como si fuesen los habitantes de un lugar sin tiempo, en el que debían persistir en la
memoria perdida”. 14 Estos tres actores interpretan alternativamente diversas figuras
míticas como Dionisos, Tiresias, Jasón o Prometeo que reflexionan sobre la condición
de la mortalidad. Algo parecido hace un año después con el montaje de Gineceo, donde
refunde tres comedias de Aristófanes: Lisístrata, las Tesmoforias y La asamblea de mujeres.
La cantidad de actores que participó en esta puesta, un total de nueve, llego a interpretar
según palabras del propio Romero una veintena de personajes. Esta propensión de reunir
distintos elementos del mito, la historia y la literatura griega se reitera en otros países
del área del Caribe. Durante el año 2007 fue presentada por el Grupo Teartes en el
Teatro Luis Peraza de Venezuela la obra Hembras, mitos y café, de la directora Jericó
Montilla, donde el procedimiento se repite: son reunidas en escena la mayoría de las
heroínas griegas – Ariadna, Electra, Hécuba, Antígona, Helena, Yocasta, Medea, Fedra
y Clitemnestra, que, convertidas en prostitutas, bailan, cantan, monologan y se apoyan
mutuamente en su destino trágico, signados por amores no correspondidos o erróneos.
A
MODO DE CONCLUSIÓN
Para terminar, podemos esbozar algunas conclusiones preliminares sobre el corpus
encontrado y los modos de organizarlo y estudiarlo. Por un lado el rastreo de las 61 obras
localizadas ha demostrado la variedad y significación que ha tenido el empleo del mito
en el teatro caribeño. Por otro, la dimensión de este corpus, las diferencias espaciotemporales de las obras, los modos de tratamiento mítico, las intenciones autorales, el
poco acceso y difusión de las piezas, entre otros aspectos, han limitado las investigaciones
sistémicas por parte de la comunidad académica latinoamericana, que suele acercarse
a la tradición clásica en el teatro mediante el análisis de piezas particulares o grupos de
estas conectadas por un mismo contenido mítico, como el vinculado a Antígona o a
Medea, por mencionar las líneas de mayores resultados. No obstante, hemos podido
apreciar que, aunque limitada, ha existido una tradición crítica que ha esbozado posibles
modos de acercamiento y sistematización de las obras caribeñas que reescriben los mitos
14
Sandro Romero Rey: “Dramaturgia en la academia”, p. 107.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
91
clásicos. Estudios pioneros como el de Costa Palamides, continuados por académicos
como Piannacci o Elina Miranda, entre otros, son testimonios de esta importante línea
de investigación.
En este sentido hemos descubierto dos criterios fundamentales para la
clasificación. Uno apoyado en la nomenclatura intertextual y paródica que se enfoca
en las formas y los modos de relación entre las obras y sus modelos. Recordemos cómo
Miranda Cancela propone en este sentido una revisión de teóricos como H. C. Rutledge
o Linda Hutcheon, donde se reformulan criterios como reconstrucción, recreación,
versión, así como tipos de tratamiento paródico (negativo, neutro, reverente y mixto) a
fin poder establecer una mayor flexibilidad e inclusión de las obras latinoamericanas. Y
el otro, que se sostiene en criterios de coincidencia temática, donde se emprende la
búsqueda de algunos mitos o personajes recurrentes. Así tenemos los estudios de las
Medeas y Antígonas latinoamericanas. Las dos últimas tablas propuestas al inicio del
trabajo corresponden a intentos de agrupación temáticas cada vez más inclusivos, que
culminan con la propuesta de distribución por ciclos míticos, con la interesante
singularidad de unas pocas piezas que, por su contenido, se apartan de la generalidad.
Asimismo, considerando que la mayoría de estos estudios establece como elemento
diferenciador de nuestro teatro, con relación al europeo, una adecuación paulatina del
mito a la realidad del continente y sus circunstancias históricas, donde la variante más
importante de reecritura es el compromiso político y la problemática social (clasificación
de Palamides, conclusión de Pianacci, tesis de Doris Melo), hemos pretendido demostrar
cómo sobre todo en el siglo XXI han emergido otras formas de apropiación del mito
clásico en función de problemáticas más universales, como la transexualidad o el tema
de la tecnología y la ataduras virtuales. A estas se podrían sumar otras más, también sui
generis, que por razones de tiempo no hemos podido analizar.15 Se puede afirmar en este
sentido que, si bien las connotaciones de carácter político o social han caracterizado la
generalidad de nuestras reescrituras míticas, sobre todo las producidas en el siglo pasado,
estas no se ajustan como criterios diferenciadores a las nuevas variantes mencionadas,
que requieren otras perspectivas de interpretación. Más que pretender fijar una
clasificación del corpus reunido, he intentado, con el análisis de estas obras, la mayoría
de las cuales se han escrito en el siglo XXI, aludir a nuevas alternativas de apropiación
mítica, que complementen las ya canonizadas y abran el camino a futuras
sistematizaciones.
AA
15
Piénsese en la problemática adolescente y del aborto en la Medea del cubano Yerandy Fleites; o en la
importancia que adquiere la cotidianidad, la desmemoria y el cine en la Medeareloaded del también
cubano Maikel Rodríguez.
92
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ABSTRACT
Last decade of 20th century and the beginning of 21th, due to
some congresses and academic researches, it has started to
value the presence of Classic myths in Latin American theater.
This has made possible the rescue and analysis of an important
and growing corpus of works that continuously updates with
new productions and approaches. A valuable research’s subject
in this regard has been to systematize all founded repertoire
from multiple methods and theories. Some of the most wellknown studies –such as Costa Palamides’ and Elina Miranda’s–
are valuable contributions to this intention. The present
research, which is inserted in this framework, aspires to update
and renovate current Caribbean corpus, as well as to reveal
new tendencies, by considering previous studies and tracking
new dramatic productions. It’s specially focused on works of
the Hispanic Antilles, in relation with the productions of
other Caribbean areas.
KEYWORDS
Classic myths, Caribbean theater, corpus
REFERENCIAS
FERNÁNDEZ GALIANO, Manuel: Edipo por tierras de España. GENTILI, B. &
FUNDORA, Carlos: Edipo Gay. Comedias sin lente, La Habana, Ediciones Alarcos, 2006,
p. 75-101.
GONZÁLEZ BETANCOURT, Juan David. Antígona y el teatro latinoamericano, Calle 14,
Colombia, vol. 4, n. 4, enero-junio de 2010, p. 72-85.
HUTCHEON, Linda. Ironía, sátira, parodia. De la ironía a lo grotesco, México,
Universidad Autónoma Metropolitana, 1992, p. 173-193.
LÓPEZ FÉREZ, Juan Antonio: Mitos clásicos en la literatura española e hispanoamericana
del siglo XX, Madrid, Ediciones Clásicas, 2009, 2 vols.
MENDOZA, Doris Melo. Las reescrituras de las tragedias griegas en el teatro dominicano
del siglo XX. Disponible en: <http://udini.proquest.com/view/las-reescrituras-de-lastragedias-pqid:2381110481/>. Acceso: 25 nov. 2012.
MIRANDA CANCELA, Elina. Mitos y cánones trágicos en el teatro actual del Caribe
Insular hispánico. En: BOCCHETI, Carla (Ed.): La influencia clásica en América Latina,
Universidad Nacional de Colombia, 2010, p. 29-41.
MIRANDA CANCELA, Elina. Calzar el coturno americano, La Habana, Ediciones
Alarcos, 2006.
OMOBONO, Carlos. Edipo gay, Alcaldía de Caracas, Fondo editorial Fundarte, 1999.
PALAMIDES, Costa. Mito griego y teatro latinoamericano del siglo XX. Primer Acto.
Cuadernos de investigación teatral, Madrid, n. 299, 1989.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
93
PIANACCI, Rómulo E. Antígona: una tragedia latinoamericana, California, Ediciones de
Gestos, 2008.
PRETAGOSTINI, R. (Eds.): Edipo. Il teatro greco e la cultura europea, Roma, Collezione
dell’Ateneo, 1986, p. 135-160.
REY, Sandro Romero. “Dramaturgia en la academia”. Calle 14: Revista de Investigación
en el Campo del Arte, Colombia, vol. 1, nº. 1, 2007, p. 102-111.
STEINER, George: Antigones, New York, Oxford University Press, 1986.
Recebido em 30 de janeiro de 2014
Aprovado em 4 de abril de 2014
94
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
PODRÍAS
LLAMARTE ANTÍGONA
Un drama mexicano contemporáneo*
YOUR
NAME COULD BE ANTIGONE:
A CONTEMPORARY MEXICAN DRAMA
Helena González-Vaquerizo**
Universidad Autónoma de Madrid
RESUMEN
Este trabajo analiza los elementos del teatro griego en la
estructura, personajes, temas y motivos de Podrías llamarte
Antígona, escrita por Gabriela Ynclán en 2009. El drama es un
ejemplo del teatro comprometido americano y retoma las claves
de los mitos de Antígona y Edipo en la tradición occidental.
La autora hace una lectura política y feminista de las obras
sofocleas, pero sobre todo una humanista. De hecho, la pieza
fue concebida como denuncia ante las autoridades por su
actuación en la tragedia de la mina de carbón de Pasta de
Conchos (Coahuila, México) en febrero de 2006. Una
explosión de gas causó la muerte de 65 trabajadores que
resultaron enterrados en vida y cuyo rescate nunca se llevó a
cabo. Este artículo describe además la génesis de la obra gracias
al trabajo de la ONG Cereal y su recepción por parte de las
familias de los fallecidos.
PALABRAS
CLAVE
Tradición clásica, teatro latinoamericano, Sófocles,
Antígona, Edipo Rey, Gabriela Ynclán, Pasta de Conchos
1. I NTRODUCCIÓN
“Societies with no hope for change feel no need for theatre”.1
Se ha dicho que las sociedades sin esperanza de cambio no tienen necesidad del
teatro. En este sentido el teatro en la América de hoy es urgente; no es una rescritura
* Este trabajo forma parte del proyecto de investigación FFI2011-27645 financiado por el MINECO.
** [email protected]
1
CARLSON. Theories of theater, p. 433.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
95
más o menos original de los dramas clásicos, no plantea una subversión estética del
mito, ni la idealización romántica de sus figuras, al menos no mayoritariamente. De lo
que tratan los mitos griegos en el teatro americano, y muy especialmente el de Antígona,
es de la injusticia y de la necesidad de denunciar los abusos de poder.
Esta es una de tantas lecturas de Antígona, tantas que no voy a entretenerme en
ellas. George Steiner dedicó un penetrante estudio a la travesía de este mito por la
historia de Occidente. Pero Steiner no menciona ni una sola Antígona americana. Las
suyas son, sobre todo, heroínas europeas cuyos fascinantes dilemas expuestos por
pensadores de la talla de Hegel, Kierkegaard o Reinhardt llegan, no obstante, a América.
Ha habido algunas versiones especialmente influyentes, como la de Jean Anouilh (1944)
o la de Bertold Brecht (1947), adaptación de la traducción sofoclea de Hölderlin
brillantemente analizada por José S. Lasso de la Vega.2 Solo en España y solo entre 1935
y 1998 hay al menos 17 obras que tienen el discurso de la paz de Antígona como
protagonista. 3
Y es que los momentos de esplendor de la tragedia suelen coincidir con fases de
gran iniciativa y energía política.4 No es extraño que en los siglos XX y XXI las Antígonas
de Latinoamérica reivindiquen la lucha por una sociedad más justa, ni que lo hagan
desde esa perspectiva de género que ha acompañado siempre, en mayor o menor medida,
a la heroína:
“es en el contexto americano donde Antígona adquiere su gran protagonismo. Exponente
de las mujeres del continente, nos recuerda la función efectiva y simbólica, fundamental
y emblemática de las mujeres en el entramado social y político de la cultura. Son ellas las
que abandonan el interior de las casas para denunciar los excesos del tirano, son ellas las
que invocan el derecho de los muertos a recibir sepultura, son ellas las que se arriesgan,
en contra de la ley y en nombre de esa ‘noción’ tan indefinible y abstracta como imposible
de circunscribir que es la Justicia”.5
Son muchas las obras que equiparan la situación de peste tebana a la violencia
institucionalizada de los regímenes dictatoriales latinoamericanos, obras en las que los
desaparecidos de la dictadura argentina o más recientemente los secuestrados por las
Farc en Colombia son reivindicados por sus madres y hermanas.6 En esta ocasión me
detengo en un drama acaecido en México en una mina de carbón,7 escrito como consuelo
para las mujeres, madres y hermanas de los fallecidos, pero también como denuncia
para que los abusos del poder salgan a la luz.
2
LASSO DE LA VEGA. De Sófocles a Brecht, p. 311-379.
PIANACCI. Rito, mito y tragedia. El camino hacia la Antígona americana, p. 85-86.
4
BERGUA CAVERO. Sófocles, Tragedias. Áyax, Antígona, Edipo Rey, Electra, Edipo en Colono, p. VIIIXXVII.
5
PIANACCI. Rito, mito y tragedia. El camino hacia la Antígona americana, p. 91.
6
En las notas del trabajo haré referencia concreta a algunas de las muchas Antígonas americanas del
siglo XX que han sido estudiadas por BAÑULS OLLER y CRESPO ALCALÁ, Antígona(s): mito y
personaje. Un recorrido desde los orígenes, p. 421-515.
7
Cabe recordar el semejante escenario de la brasileña Pedreira das almas (Cantera de almas [1958]) de
Jorge Andrade.
3
96
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
2. ORIGEN
DE LA OBRA
19 de febrero de 2006. En la mina de carbón de Pasta de Conchos en Coahuila
una explosión deja atrapados a 65 trabajadores. Durante días se discute sobre la
profundidad a la que se encuentran o las posibilidades de que los conductos de
ventilación estén funcionando. Pero finalmente las autoridades niegan a las familias la
posibilidad del rescate. Es tan peligroso intentarlo, dadas las altas concentraciones de
gas metano en el interior, que no importa si están muertos o si han sido enterrados en
vida. Tampoco importa que en esas mismas condiciones fueran a trabajar para la empresa
Grupo México. Esta, según varios periodistas, incluso se vio beneficiada por la explosión
al cambiarse la ley de explotación del metano. Una semana después del accidente la
Cámara de Diputados guardaba un minuto de silencio. Desde entonces la mina está
cerrada y solo se han recuperado dos cuerpos.
Tres años más tarde, y esto ya es la ficción dramática, una mujer alza su voz y
reivindica justicia, dignidad y sepultura para el cuerpo de su hermano. Se llama Analía,
pero podría llamarse Antígona. En su determinación rescata el cuerpo del hermano y,
por ello, se enfrenta a los poderosos. Aunque resulta encarcelada y muerta, la victoria
moral es suya. Al Tirano lo acosan sus propios fantasmas –la codicia, las imágenes de
Analía y los mineros muertos, la muerte de su ahijado político– y la voz de una chamana
de varios rostros que, como Tiresias en Edipo Rey, abre los ojos del poderoso a los crímenes
que ha cometido.
Gabriela Ynclán (México, DF, 1948), dramaturga de casta que cuenta con
diferentes obras políticas en su producción,8 llevó a los escenarios mexicanos en 2009 9
una obra que denuncia la pérdida del respeto por la vida humana de los últimos gobiernos
del país, al tiempo que reivindica el papel de las mujeres en la defensa de la justicia
social y la ética más básica. La obra de Gabriela Ynclán se incluye en esa tendencia del
teatro americano de los años 60 en adelante donde las figuras mitológicas protagonistas
“viven y reprochan, directa e indirectamente, su situación como individuos en estas
sociedades”. 10 No es casualidad que la Premio Nacional de Dramaturgia 11 vuelva su
8
Como No más que salgamos sobre los movimientos estudiantiles del 68. En cuanto a la vinculación de
Sófocles con la política, es conocido que tuvo un papel importante en la vida política de Atenas,
desempeñando diferentes cargos, si bien es posible que simplemente cumpliera con sus obligaciones
civiles, como defiende Jorgue Bergua Cavero en su introducción a Sófocles. A veces sus tragedias se
han interpretado a la luz de las anécdotas políticas del momento. Pero en sus personajes se deja ver el
sentido de la política en su más amplia acepción y la preocupación por la sociedad. “No existe ciudad
que sea de un solo hombre” le dice Hemón a Creonte (S. Ant. 737).
9
Podrías llamarte Antígona fue estrenada el 23 de agosto de 2009 en el Foro Cultural Coyoacanense
Hugo Argüelles gracias a la colaboración de Tepalcate producciones y del instituto INMUJERES del D.
F. bajo la dirección de Silvia Macip, mexicana afincada en Valencia. El manuscrito permanece inédito
y fue cedido por su autora para la realización de este trabajo. Puede, no obstante, descargarse previa
creación de una cuenta en http://espanol.dramaturgiamexicana.com/index.php/component/
obras?tip=obrad&id=428.
10
MORENO. La recontextualización de Antígona en el teatro argentino y brasileño a partir de 1968, p. 115.
11
Sociedad General de Escritores de México.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
97
mirada a dos de los más poderosos dramas del teatro griego, la Antígona de Sófocles y su
Edipo Rey. Plagada de referencias clásicas, pero también de la tradición mexicana, Podrías
llamarte Antígona es una bellísima recreación del drama clásico, investida además de la
fuerza del teatro americano contemporáneo, que representa la cruda realidad de un
tiempo y de una época.
En el año 2009, transcurridos ya tres desde la tragedia, acompañaban a las mujeres
la pastoral laboral y la ONG Cereal (Centro de Reflexión y Acción Laboral). En palabras
de uno de sus miembros e impulsor del proyecto:
Todo empezó porque el movimiento de las familias en Pasta de Conchos veía que el
tiempo pasaba y las autoridades no resolvían nada, había desaliento y no encontrábamos
modos de poder ayudarles a expresar el dolor y la frustración tan grande que sentían.
Mucha gente de fuera (periodistas, políticos, etc.), que al principio les habían mostrado
apoyo, ahora los tomaban por necios, diciendo cosas como que si ya no les habían hecho
caso en tanto tiempo, que ya se conformaran o que cambiaran el discurso a otra petición.
Eso les hacía sentirse muy solas (eran sobre todo madres y hermanas). Las cosas las iban
desanimando, pero algunas de ellas, Conchis por ejemplo, hermana de un minero enterrado,
decía que ella no lo podía dejar ahí, que cómo lo iba a hacer, si su hermano le pedía que
no se fuera y ella tenía un deber con él. De ahí empezó todo.
Antígona no fue lo primero que apareció. Otras personas del grupo decían que tenían
necesidad de reírse de quienes les cerraban las puertas. Lo primero que se le propuso,
entonces, a la dramaturga Gaby Ynclán, fue que escribiera una pastorela para ellos. Era
una obra cómica, típica del tiempo de Navidad, en donde los diablos intentan paralizar la
esperanza del mundo, evitando el nacimiento de Jesús. Todo salió muy bien y conseguimos
un proyecto para llevarla a diferentes colonias, representándola en las plazas públicas.
Alentados por eso fue que pensamos en Antígona. Alguna vez, en medio de aquellos días
de noviembre u octubre del año anterior a la obra, yo me había sentado en uno de los
plantones (cuando nos quedábamos a acampar fuera de la empresa, en uno de los barrios
más elegantes de la Ciudad de México), a hablar con Conchis, Elvira, doña Trini. Me
contaban cómo se sentían y el deber que sentían de no abandonar a sus hermanos,
maridos, hijos. Yo empecé a contarles la historia de Antígona. Se sintieron identificadas.
Luego, traje la obra de Sófocles y les leí algunas partes. Les llamó mucho la atención eso
de tener un deber que no estaba escrito en las leyes de los hombres. Especialmente eso,
porque era lo que sentían. Las leyes de los hombres no les daban respuesta ni justicia, pero
era eso lo que les pedían sus muertos. Esas eran las voces más antiguas y en ellas se oía la
voz de Dios. De ahí partió todo. Yo en ese momento me llevé la idea de que ahí sería el
lugar donde podría resonar, otra vez, la voz de Antígona.
Después de la ‘endiablada’ El Diablo de la Mina, le conté a Gaby la experiencia y le
propuse hacer una versión de Antígona. Ella se puso a escribirla. La tenía hecha en dos
semanas. Me la dio a revisar. Estaba muy bien. No todo era idéntico, por lo que la había
llamado Podrías llamarte Antígona, pero se respetaba lo que ellas habían visto de la ley
antigua enfrentada a las leyes de los hombres”.12
3. ESTRUCTURA,
PERSONAJES , TEMAS Y MOTIVOS
No todo es idéntico y, sin embargo, en algunos aspectos Podrías llamarte Antígona
no difiere mucho en su estructura de un drama clásico. Entre otras razones, porque
12
98
Palabras de Pedro Linares Reyes (ONG Cereal-Pastoral) en comunicación personal.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
cumple con la unidad de tiempo y lugar aristotélica, y porque la muerte no se muestra
en escena. También en la sucesión de episodios según un plan climático y en el ritmo
vertiginoso de acontecimientos recuerda mucho a los dramas de Sófocles que le sirven
de hipotexto. La obra consta de 8 escenas, se abre y se cierra con las intervenciones del
coro. Los episodios sofocleos (4 o 5 por lo general), que suelen ser biscénicos y antitéticos
y alcanzar el clímax en el tercero,13 encuentran su correlato en las 8 escenas de esta
obra, siendo la cuarta aquella en que todo se precipita.
Su lenguaje es natural, pero digno. No recargado de epítetos, aunque elevado,
sobre todo en las partes corales, más poéticas. Bajo una aparente sencillez típicamente
sofoclea, los dobles sentidos también aquí están presentes. No hay diálogo triangular, como
en Sófocles, sino agones de dos personajes, como en Esquilo, e intervenciones del coro.
El escenario se estructura en dos niveles, arriba la oficina del Tirano, abajo la
galería donde están encerrados los mineros.14 En definitiva, el reino de los vivos y el de
los muertos, entre los cuales va a moverse la joven Antígona.
A NALÍA – A NTÍGONA
Ella no pertenece ni a uno ni a otro, sino que transita entre ambos (S. Ant. 850
y ss.). Sabe que no será la primera mortal en descender a los infiernos y con cautela se
dirige a los mineros muertos. Estos la acogen con afecto. Un minero viejo le da las
instrucciones para reconocer a su hermano a través de la sangre y para el regreso; como
Eurídice solo debe caminar hacia la luz.
A Antígona la definen, desde su debut en escena, al final de Los siete contra Tebas
de Esquilo (A. Th. 1026 y ss.), un gesto –el de enterrar al hermano– y unos pocos rasgos
de carácter. Todos se cumplen en Analía.16 En palabras del coro y de su hermana ella no
suplica, sino que reclama, tiene firme corazón y cabeza de loca, es joven, es fuerte,
valiente y firme, podría llamarse Antígona... Y en las suyas propias la mueve el sentimiento
del deber para con su hermano Ernesto. Además, junto a la Antígona piadosa, está
también la contestataria, quien con meridiana claridad entiende que “El poder es poder,
es ejercer la fuerza, imponer la mentira”, sustantivos que en su boca parecen cobrar la
entidad de divinidades arcaicas: kratos, bias, pseuma.
Acusa al Tirano de complicidad con la empresa minera, de consentir con su codicia
y sus crímenes. Y es que el Tirano sabe, aunque al principio no quiera reconocerlo. Por
eso, cuando se siente amenazado por ella, la manda encarcelar. Si Creonte ordenaba
15
13
LASSO DE LA VEGA. En: Sófocles. Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra,
Filoctetes, Edipo en Colono, p. 36-37.
14
También en una de las más recordadas versiones americanas del mito, La pasión según Antígona Vélez
(1968) de Luis Rafael Sánchez, la escena se divide entre el palacio, arriba, y el sótano, abajo.
15
Las citas de autores antiguos siguen el sistema del Diccionario Griego-Español del CSIC. Cf. http://
dge.cchs.csic.es/lst/lst4.htm.
16
El nombre es hebreo. Se crea en fecha desconocida a partir de Hannah y Lea. Hannah es “la llena de
gracia” pues Dios le concedió el tener un hijo, Samuel “al que Dios ha oído”. Lea es “la fatigada” pues
enamorada de su esposo Jacob no era correspondida en la misma medida.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
99
ocultar viva a Antígona en “una pétrea caverna” (Ant. 775) –qué es la mina, por cierto,
sino eso–,17 al Tirano de esta obra se le reprochará su acción en los siguientes términos:
“A una celda sin sol la consignaste. ¿Te das cuenta de qué hiciste?”.
Pero Analía no siente miedo ni arrepentimiento. Analía tenía que sacar de las
entrañas de la tierra el cuerpo de su hermano para poder enterrarlo. Al hacerlo, no solo
cumplía con su deber moral, sino que además ponía en entredicho las versiones oficiales
que consideraban imposible el rescate de los cuerpos. Su gesto era una amenaza a los
poderosos porque los cadáveres podrían determinar, entre otras cosas, si fueron muertos
en la explosión, cuáles fueron las causas de esta, o si fueron enterrados en vida.18
En la obra el amado de la joven está ausente. Hemón ha sido sustituido como hijo
del tirano por su secretario y Antonio, que es como se llama la pareja de Analía, nada
tiene que ver con ellos. El coro y Jimena (Ismene) lo recuerdan en varias ocasiones.
Analía renuncia con él al amor y a sus sencillos sueños de mujer: “Dile que lo amo, que
hubiera querido una vida con él, trabajar juntos, tener hijos, construir una casa” (cf.
coro sobre Eros Ant. 782 y ss.). Este es su último mensaje, pues como Antígona “no está
hecha para compartir el odio, sino el amor” (Ant. 524).
JIMENA – ISMENE
Ismene se transforma en Jimena por simple aproximación fonética y esa es casi la
única transformación del personaje. Jimena alegará que también añora al hermano,
pero no encontrará fuerzas para bajar “a ese infierno” ni ganancia en intentarlo. En su
condición de mujer débil ni se enfrenta a su hermana, ni la apoya. Jimena no es una
heroína, pues para ser un héroe hay que tener un destino, como lo tienen Antígona o
Edipo. Cuando después del entierro de Ernesto las hermanas se despidan, Analía le
recordará que ella debe buscar un destino propio que no es el suyo, como Antígona a
Ismene: “desde hoy tú tienes una vida y yo tal vez una muerte” (Ant. 83) “Tú has
elegido vivir y yo morir” (Ant. 555). Cuando prenden a Analía, Jimena suplica que la
lleven con ella, con quien debió estar siempre. Se arrepiente, como Ismene, que quiso
presentarse como cómplice de su hermana cuando ya era demasiado tarde (536 y ss.).
T IRANO – C REONTE – E DIPO
Cuando la entrevistaba para realizar este trabajo Gabriela Ynclán me dijo: “Un
tirano lo es acá y en Grecia”. Así pues, fue sencillo trasladar el personaje de Creonte al
contexto mexicano como un simple “tirano”. El anonimato nos dice eso, que un tirano
17
Son muchas las alusiones a la luz del sol, como en la tragedia de Sófocles, a la ceguera y visión. Una
de las más llamativas es la de la leyenda mexicana sobre los distintos soles que el señor del mundo toma
para cada día de acuerdo a las necesidades de los hombres.
18
El motivo ya estaba en la nicaragüense Antígona en el infierno. Drama en un acto (1958) de Rolando
Steiner. Allí la heroína se empeña en desenterrar el cuerpo de su hermano pues sabe que ha sido
torturado y que así podrá denunciar los actos de Creonte.
100
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
lo es en todas partes, pero también esconde la identidad del personaje real aludido (el
entonces presidente de México, Felipe Calderón Hinojosa, 19 al que, no obstante, señalaba
por su parecido físico el actor que lo interpretaba). Por otra parte, el nombre del personaje
alude al héroe trágico, Edipo Rey, en griego, Oedipus Tyrannos.20 Así el Tirano tiene al
menos tres referentes: Creonte, Calderón y Edipo. La mitad del drama es suyo, como
sucede en la Antígona de Sófocles. Además, cabe recordar que “desde la Antigüedad
son insistentes los paralelos entre Creonte y Edipo”.21
Su primera intervención es un discurso ante los medios de comunicación
interrumpido por las voces de los mineros muertos, que él achaca a su propio miedo. Es
el discurso de un tirano, plagado de referencias a la nave del Estado y al buen gobernante,
cercano al que Creonte hace ante el coro en la obra de Sófocles (Ant. 162 y ss.). Entre
promesas y mentiras en lo que atañe al accidente en la mina se intercalan las voces de
los muertos interpelándole “¿Estás más ciego que los ciegos? ¿Más sordo que los sordos?”.
Pero él asegura que no permitirá que las familias bajen a la mina, llegando en la
perversión de los significados a calificar tal acto de crimen.
La estructura de investigación policíaca de Edipo Rey se repite en esta obra y el
mismo personaje que promueve la investigación (en este caso sobre el acto de Analía)
resulta ser culpable de auténticos crímenes. Mientras que Edipo presionaba a Tiresias
para saber la verdad, aquí el Tirano no quiere desvelar las mentiras, pretende ignorarlas,
y será una mujer de aspecto cambiante, una chamana quien lo induzca a hacerlo. “¡Por
todas partes se siembra la injusticia! ¡Tus hombres, tus protegidos, tus amigos y socios
roban, violan, matan! ¿Qué estás haciendo tú? ¡Has desatado la violencia! (…) Y sin
embargo, la soberbia –hybris– no te deja mirar, recomponer las cosas”. (…) “No se puede
hacer daño y pensar que por lo menos otra justicia; una que esté fuera del universo de
los hombres, no te alcanzará”. No está Hemón para pedirle que rectifique (cf. Ant.
751), solo la chamana, ya que el hijo de Creonte se ha convertido en el ahijado político
del Tirano, unido a él por vínculos “más fuertes que los de la sangre”.
S ECRETARIO – H EMÓN – Í CARO
Uno de los aspectos más originales de esta obra es la introducción del personaje
del Secretario de Gobernación, a la sazón Juan Camilo Mouriño. Mouriño era el brazo
derecho del presidente Calderón y un joven y brillante político. Su fulgurante carrera
terminó de golpe el 4 de noviembre de 2008 cuando el avión en el que viajaba se
precipitó sobre la Ciudad de México. El accidente provocó la muerte de todos los
19
Presidente de México entre 2006 y 2012 con el Partido Acción Nacional. Calderón fue
democráticamente elegido y no es mi opinión personal la identificación con el personaje del Tirano,
sino ficción poética de la pieza teatral. Tampoco las referencias a otros personajes reales, instituciones o
empresas mencionadas en este artículo implican juicio de valor alguno por mi parte.
20
Vínculos con Edipo Rey se encuentran en otra obra reciente mexicana, El rey Creón, los límites del
cambio (2004) de Alejandro Carrillo, donde se destacan los conflictos creados por aquellos gobernadores
que no escuchan a sus pueblos.
21
STEINER. Antígonas. La travesía de un mito universal por la historia de Occidente, p. 211.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
101
pasajeros, además de 40 heridos y enormes destrozos en la céntrica Avenida Reforma.
En las mentes de los mexicanos las imágenes del avión en llamas en pleno centro de la
capital quedaron profundamente grabadas. La muerte de Mouriño en lo que tal vez
fuera un atentado significaba que tampoco los poderosos estaban a salvo de la violencia.
No es extraño que la obra de Gabriela Ynclán haga guiños al periodismo mexicano y
que incluso transforme en ficción algunas noticias, pues lo que hoy causa un terror y
piedad semejantes a los del drama clásico es la cruda realidad.22
En la cuarta escena el Secretario conversa con el Tirano sobre sus planes de
futuro, sus empresas más o menos legales (las acusaciones de corrupción a la persona de
Mouriño eran frecuentes) y su prometedora carrera. Los dobles sentidos llenan estos
pasajes en los que Gabriela Ynclán puede hacer uso de la tan sofoclea ironía trágica:
“Tiempos felices nos esperan” le dice el Tirano al Secretario, cuando el público sabe
que Mouriño está a punto de precipitarse desde las alturas y morir, como un Ícaro. De
hecho, hablan del “vértigo de poseer” lo que tanto desean. El propio Secretario confiesa
sentir una cierta inquietud y un miedo irracional. Su muerte servirá de detonante para
que, invadido por los mismos miedos, el Tirano abra los ojos a sus culpas y
responsabilidades.
El Secretario también cumple la función de un mensajero cuando anuncia al
Tirano que una joven ha rescatado el cuerpo de su hermano y lo está enterrando en
contra de sus órdenes. La noticia es tan inverosímil que el Tirano manda investigar
“¿Quién es esa mujer? ¿Quién la ayudó?”. La mayor preocupación de ambos es que la
noticia no trascienda a los medios y que, si a pesar de sus influencias sobre estos lo
hiciera, que con el dinero de la empresa minera, que apoyó su candidatura, se acallen
las voces.23
M UJER
– E SFINGE – T IRESIAS
DE VARIOS ROSTROS
Una mujer de varios rostros, una chamana, 24 se presenta ante el Tirano como
aquella que hace años le augurara el poder en esa tierra. Como la Esfinge en el Edipo
Rey de Pasolini (1967) la chamana cambia de aspecto a lo largo de la obra. Viene para
traerle noticias del futuro, dice, y una advertencia: “Quien el poder detenta y no sabe
cómo ha de comportarse ante él, puede perder a un pueblo y llevarlo a la ruina”. Él
reacciona airado ante la mujer, como Creonte ante Tiresias (Ant. 989 y ss.) y son sus
palabras, como las de Tiresias a Edipo, las que finalmente lo llevan a destapar la verdad.
Quizá no esté de más recordar que el adivino de Tebas también mudó su aspecto y fue
una mujer en algún momento.
22
Incluso hay en Latinoamérica una técnica del Teatro del Oprimido que es la del teatro periodístico,
donde se hacen lecturas dramáticas de noticas periodísticas (cf. BOAL. Técnicas latinoamericanas de
teatro popular. Una revolución copernicana al revés).
23
También La pasión según Antígona Vélez (1968) de Luis Rafael Sánchez, habla entre otras cosas de la
manipulación de la información por parte de los periodistas favorables al tirano.
24
Recuerda a las tres brujas de la argentina Antígona Vélez (1951) de Leopoldo Marechal, que anticipan
los acontecimientos con funestos presagios, y que son, a su vez, de inspiración shakesperiana.
102
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
El personaje de la chamana, cuyas técnicas de adivinación son el paliacate y el
maíz, es un magnífico ejemplo de adaptación de varias figuras míticas (la Esfinge, Tiresias,
incluso la profetisa Casandra) a la tradición americana.
C ORO
D E MINEROS
La manera de dar voz a los mineros muertos era transformarlos en coro. Además el
lenguaje poético de los coros trágicos resultaba adecuado para unos muertos que, entre
líneas, evocan los de Juan Rulfo en Pedro Páramo. Este coro era imprescindible, porque
representa al colectivo: actúa como personaje dramático, también como portador del
pensamiento de la autora y como espectador ideal, a veces. Su aspecto es fantasmagórico,
con la ropa desgarrada y quemada, como espectro de las profundidades.
Al igual que en Sófocles, los coros separan casi todos los episodios de la obra
(conjunto de dos escenas, pues vimos que aquí hay 8). Probablemente detrás de esto no
hay tanto una imitación consciente como un conocimiento profundamente asimilado
de la tragedia griega. El prólogo de los mineros es un preludio de la tragedia (“La luz y
el sol relucen afuera, y nosotros aquí”) y su última intervención es una contundente
condena a la hybris: “Quién te dijo tirano que tú no eras mortal? ¿Quién te dijo tirano
que actuaras como un Dios? El cielo no era tuyo, no eres la ley, ni el tiempo”.
MENSAJERO
El imprescindible mensajero interviene en la última escena como portador de la
funesta noticia de la muerte del Secretario “por el aire y por el fuego”, presagios de los
cuales había tenido el Tirano en sueños. “Quiero volver atrás. Nunca debí condenar a
esa joven, ni soñar las desgracias, ¡Quiero volver atrás! ¡Dioses, por qué me castigan
así?” dirá.
El mensajero regresa para anunciar otra muerte, la de Analía que, como la de
Antígona, el Tirano no había ordenado directamente. “El corazón es flor” le explica la
chamana “cuando este ha ido tras de otros, ese pequeño y rojo niño deja de caminar”.
Para entonces el Tirano ya se viene abajo, implora por su alma enferma de poder, sangre
y avaricia. El coro entre imágenes apocalípticas anuncia que “La tierra está girando en
sentido inverso”.
Si la tierra gira en sentido inverso es que el orden cósmico se ha alterado. Esto
ocurre en Tebas al comienzo del Edipo Rey y también aquí: “Todos los días”, dice el
coro, “cientos de pájaros mueren decapitados” (…) “Monstruos del desierto siembran
el terror y la muerte entre las mujeres”. La chamana, por su parte, evoca las palabras de
Tiresias “el hedor impuro por los altares de la ciudad” (Ant. 1083) cuando dice: “Pasada
la media noche flotan despojos por el viento, un olor putrefacto cubrirá la ciudad”.
La peste descrita en esos versos ocurre cuando se anulan los principios sociales,
cuando los poderosos ejercen mal su poder. Y a menudo es en ellos mismos en quienes
ha de limpiarse la mancha (el miasma), pues el rey es el pharmakós en quien se expía
una culpa heredada, sea la de los labdácidas, sea la de una clase política corrupta.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
103
“Durante muchos años pensé que la violencia política en Colombia traía la misma
metafísica que una peste” afirmaba en una entrevista Gabriel García Márquez.25
Pero la tragedia para el Tirano es el descubrimiento de su responsabilidad, un
conocimiento que adquiere mediante el dolor: “El dolor es la condición, y no hay otra,
para que el héroe doliente cobre conciencia de su ser verdadero”.26 Un motivo recordado
por el coro de mineros: “que el dolor se transforme y abra tu corazón, tu cerebro, tu vida
a nuevas enseñanzas”. El dolor podría haber dado cierta grandeza al Tirano, pero hasta
el final este se aferra a su mando. Los mineros suben hasta él una cuerda de vida roja.
Una cuerda de escalada, medida básica de seguridad en una mina que, en el caso de
Pasta de Conchos, no existía. “La mujer lo va amarrando hasta que lo ahorca” señala la
última acotación. “Los culpables serán castigados”, había dicho, como Edipo, el Tirano.
RECEPCIÓN
Antígona es una mujer sencilla que “sabe y está segura de pocas cosas: que hay
unos dioses arriba y otros de abajo, que aquende están los vivos y allende los muertos y
que a los difuntos, que son del reino de los dioses de abajo, menester es enterrarlos”.27
Este mensaje sencillo, pero profundamente arraigado en el sentimiento humano, llegó
sin obstáculo a las mujeres de los mineros.
Esta obra la vieron las mujeres de los mineros en una primera función cuando todavía no
estaba totalmente montada. Más bien fue una lectura dramatizada. Fue una experiencia
muy dura, lloraron mucho. No se les hizo nada extraño. Muchas de ellas tenían referencia
de Antígona por Pedro,28 que parece les leía la obra de Sófocles. Después la obra se fue por
diferentes delegaciones del Distrito Federal, colonias muy populares. Las funciones eran
para que se armara un debate con las mujeres y así se dio. En general los debates se
volvían muy políticos sobre la participación de las mujeres y la actitud del gobierno. La
gente identificaba muy bien al tirano como el presidente y no obstante desconocían la
situación de Pasta de Conchos el objetivo se cumplía porque era ese, que el hecho se
conociera.29
25
Su novela La hojarasca (1955) va encabezada por una cita de la Antígona de Sófocles y la situación de
miasma es frecuente en su obra. Cf. GARCÍA MÁRQUEZ. Tras las claves de Melquíades, p. 305.
26
LASSO DE LA VEGA. Sófocles, Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes,
Edipo en Colono, p. 48.
27
LASSO DE LA VEGA. Sófocles, Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes,
Edipo en Colono, p. 81.
28
Cf. nota 8.
29
Gabriela Ynclán en comunicación personal.
104
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
4. C ONCLUSIONES
Gabriela Ynclán utiliza el mito de la Antígona como referencia para una lectura
política, como casi siempre ocurre en América, y feminista, 30 pero también habla de
mujeres que simplemente no pueden dejar a sus muertos tan desvalidos,31 es decir, de la
Antígona humanista. Ella “encarna la ley del corazón y de la esfera privada en contra
de la fría y racional de los hombres y de la ciudad, de los varones y del colectivo”.32
En la obra se reflejan las constantes de conflicto en el ser humano que Steiner 33
identificara a partir de Antígona: hombres y mujeres, individuo y Estado, vivos y muertos,
ley humana y ley divina. Jacques Derrida dijo que “La ley humana es la ley del varón.
La ley divina es la ley de la mujer”34 y, como hemos visto, este fue el mensaje que más
hondo caló en las mujeres de los fallecidos.
Si este es el nexo más fuerte con la Antígona de Sófocles, el principal con Edipo
Rey consiste en que Podrías llamarte Antígona también es un drama de revelación “de
progreso inexorable, por exigencia de verdad, hacia el descubrimiento de lo que se
encubre bajo lo que parece”. 35 Porque la verdad es purificación, expulsión del mal
contaminante, catarsis; sacar a la luz los crímenes, que se conozca lo acontecido en
Pasta de Conchos, y ese era el objetivo.
En la gestación de la obra destaca el papel de la iglesia de base en la lucha por la
justicia social y los desfavorecidos 36 y, sobre todo, la tremenda realidad que se hace
arte, la urgente necesidad de cambio que pone en escena el teatro. Las obras americanas
suponen una lección y un desafío a sus gentes, muy concretamente sus mujeres (“Si una
enviada he sido, lo soy de todas las mujeres que mueren a manos mercenarias” dirá la
30
Muchas autoras latinoamericanas han dedicado un lugar en su obra a Antígona. Así el poemario
Aposentos (1985) de Yolanda Blanco habla del significado de Antígona para el feminismo y Fábulas de
la Garza desangrada (1982) de Rosario Ferré reformula los mitos femeninos. La mexicana Olga Harmony
dedica La Ley de Creón (1984) a la situación social de las mujeres en el país y la Antígona Furiosa (1986)
de Griselda Gambaro resume la reivindicación de las Madres de la Plaza de Mayo como Antígonas que
luchan por enterrar a sus desaparecidos. Asimismo, el programa de la adaptación de Antígona que hizo
en Perú José Watanabe en el año 2000 decía ser: “un homenaje a aquellas mujeres que han sufrido en
carne propia la violencia de la guerra interna que azotó al Perú en los años recientes” (BAÑULS
OLLER y CRESPO ALCALÁ. Antígona(s): mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes, p. 493).
También las argentinas AntígonaS. Linaje de hembras (2002) de Jorge Huertas, Antígona… con amor
(2003) de Hebe Campanella, Antígona ¡No! (2003) de Yamila Grandi, abogan por la recuperación de la
memoria histórica y por el papel de las mujeres. Finalmente Antígona: las voces que incendian el desierto
(2004) de la mexicana Perla de la Rosa denuncia el silencio de las autoridades ante los feminicidios de
Ciudad de Juárez.
31
Como la Antígona peruana de Sarina Helfgott (1968).
32
FERRY. La sabiduría de los mitos, p. 258.
33
STEINER. Antígonas. La travesía de un mito universal por la historia de Occidente, p. 275 y ss.
34
DERRIDA. Glas, p. 171.
35
LASSO DE LA VEGA. Sófocles, Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes,
Edipo en Colono, p. 83.
36
Motivo presente en otra versión americana del mito: Golpes a mi puerta (1988) del argentino Juan
Carlos Gené.
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
105
chamana), para que asuman un papel en la sociedad. Una de esas mujeres a quienes se
negó el duelo, la esposa de uno de los mineros, lo resumía con estas palabras que cierran
la obra:
“Hay que salvar a los vivos para rescatar a los muertos”.
AA
ABSTRACT
This paper deals with the Greek Theater elements within the
structure, characters, themes and motives of Gabriela Ynclan’s
Your name could be Antigone (2009). The drama is an example of
American Compromise Theater picking up the keys of
Antigone and Oedipus myths in the Occidental tradition. The
author proposes a political as well as feminist reading of
Sophoclean plays, but mainly a humanist one. In fact, the piece
was conceived in order to condemn the authorities for their
dealing in the tragedy of the carbon mine at Pasta de Conchos
(Coahuila, Mexico) in February 2006. A gas explosion caused
the death of 65 workers who were buried alive and whose recue
was never attempted. This paper also describes the genesis of
the play by means of the work by NGO Cereal and its reception
among the relatives of the workers.
KEYWORDS
Classical Tradition, Latin-American Theater, Sophocles,
Antigone, Oedipus Rex, Gabriela Ynclán, Pasta de Conchos
REFERENCIAS
BAÑULS OLLER, José Vicente & CRESPO ALCALÁ, Patricia. Antígona(s): mito y
personaje. Un recorrido desde los orígenes. Bari: Levante Editori, 2008.
BERGUA CAVERO, José. Introducción. En: SÓFOCLES. Tragedias. Áyax, Antígona,
Edipo Rey, Electra, Edipo en Colono. Madrid: Biblioteca Básica Gredos, 2000.
BOAL, Augusto. Técnicas latinoamericanas de teatro popular. Una revolución copernicana
al revés. Buenos Aires: Corregidor Saici, 1975.
BOAL, Augusto. Teatro del oprimido. Teoría y práctica. Barcelona: Alba, 2009.
BUTLER, Judith. El grito de Antígona. Trad. Rosa Valls. Barcelona: El Roure, 2001.
CARLSON, Marvin. Theories of the theater. Ithaca: Cornell University Press, 1984.
DERRIDA, Jacques. Glas. Paris: Galilée, 1974.
ESQUILO. Tragedias. Los persas, Los siete contra Tebas, Agamenón, Las Coéforas, Las
Euménides, Prometeo encadenado. Trad. Bernardo Perea Morales. Madrid: Biblioteca
Básica Gredos, 2000.
FERRY, Luc. La sabiduría de los mitos. Trad. Irene Cifuentes. Madrid: Taurus, 2009.
GARCÍA MÁRQUEZ, Eligio. Tras las claves de Melquíades. Barcelona: Mondadori, 2003.
106
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
GONZÁLEZ BETANCUR, Juan David. Antígona y el teatro latinoamericano. Calle 14,
Bogotá, n. 4 (4), 2010, p. 73-85.
HEGEL, Georg Wilhem Friedrich. Estética. Trad. Alfredo Llanos. Buenos Aires: Siglo
Veinte, 1983-1985.
LASSO DE LA VEGA, José Sánchez. De Sófocles a Brecht. Barcelona: Planeta, 1971.
MARECHAL, Leopoldo. Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 1997.
MORENO, Iani del Rosario. La recontextualización de Antígona en el teatro argentino
y brasileño a partir de 1968. Latin American Theatre Review, Kansas, n. 30 (2), 1997,
p. 115-129. Disponible en: <https://journals.ku.edu/index.php/latr/article/view/1162>.
Acceso: 20 feb. 2014.
PALAMIDES, Costa. Mito griego y teatro latinoamericano del siglo XX. Primer Acto.
Cuadernos de Investigación Teatral, Madrid, n. 229, 1989 p. 56-59. Disponible en: <http:/
/revistas.udistrital.edu.co/ojs/index.php/c14/article/view/1229/1645>. Acceso: 20 feb. 2014.
PATRICK, Bert Edward. Classical Mythology in Twentieth Century Mexican Theatre. Diss.
University of Missouri: s. n, 1972.
PIANACCI, Rómulo. Rito, mito y tragedia. El camino hacia la Antígona americana.
Conjunto, La Habana, n. 137, 2005 p. 83-91. Disponible en: <http://www.casa.cult.cu/
publicaciones/revistaconjunto/137/revistaconjunto137.php?pagina=conjunto>. Acceso:
20 feb. 2014.
REINHARDT, Karl. Sófocles. Trad. Marta Fernández Villanueva. Madrid: Gredos, 2010.
SÁNCHEZ, Luis Rafael. La pasión según Antígona Pérez. Río Piedras (Puerto Rico):
Cultural, 1992.
SÓFOCLES. Tragedias. Áyax, Las Traquinias, Antígona, Edipo Rey, Electra, Filoctetes, Edipo
en Colono. Trad. Asela Alamillo. Introducción y notas José Sánchez Lasso de la Vega.
Madrid: Gredos, 1994.
STEINER, George. Antígonas. La travesía de un mito universal por la historia de Occidente.
Trad. Alberto Luis Bixio. Barcelona: Gedisa, 2004.
YNCLÁN, Gabriela. Podrías llamarte Antígona. Manuscrito inédito, 2009. Disponible
en: <http://espanol.dramaturgiamexicana.com/index.php/component/obras?tip=
obrad&id=428>. Acceso: 20 feb. 2014.
Recebido em 18 de dezembro de 2013
Aprovado em 16 de janeiro de 2014
2014
- jan. - abr. - n . 1 - v .
24
- ALETRIA
107
NUESTRAS Y “OTRAS”
Mujeres trágicas en el teatro argentino actual
OURS AND “OTHER’S”:
TRAGIC WOMEN IN THE PRESENT ARGENTINE THEATER
Lidia Gambon*
Universidad Nacional del Sur
RESUMEN
Teniendo en cuenta el protagonismo inusitado de las mujeres
y su otredad en la tragedia griega antigua, consideraremos en
nuestro trabajo la trayectoria de tres emblemáticos personajes
míticos (Antígona, Electra, Medea) en la dramaturgia
argentina de los últimos sesenta años, deteniéndonos
especialmente en la construcción social del género en tres
piezas recientes: Medea de Moquehua (1992) de Luis M.
Salvaneschi, La oscuridad de la razón (1993) de Ricardo Monti,
y AntígonaS: linaje de hembras (2001) de Jorge Huertas.
Mediante este relevamiento y análisis procuramos ahondar en
el sentido del protagonismo femenino en el teatro argentino
contemporáneo, considerando el marco de la compleja
dinámica de recepción de los clásicos. La particular vigencia
de Antígona, Electra y Medea en la dramaturgia nacional del
período considerado está en directa relación con el nuevo universo
diegético de los personajes, y como permiten concluir las obras
analizadas, remite a singulares momentos de inflexión política
en que se pone de relieve la construcción social del género.
PALABRAS CLAVE
Tragedia griega, teatro argentino contemporáneo,
mujeres míticas
I. T RADICIÓN/ RECEPCIÓN
DEL MUNDO CLÁSICO : 1 EL TEATRO ARGENTINO ACTUAL Y SU
CONTRIBUCIÓN AL TEMA DEL
‘ OTRO’
En el apartado dedicado al tratamiento de la tradición y recepción clásica de su
Handbook for Classical Research, David M. Schaps comenzaba su reflexión sobre el
*[email protected]
1
Aunque, los términos ‘tradición’ y ‘recepción’ suelen usarse indistintamente para referir a la tradición
clásica, la crítica anglosajona ha enfatizado modernamente su preferencia por el segundo, impulsada
por nuevos paradigmas teóricos que rechazan la concepción de la antigüedad como mero legado e
insisten en la capacidad de la cultura receptora de recrear lo que recibe. Ello confiere al mismo acto
interpretativo un dinamismo que buscamos realzar en nuestro trabajo toda vez que deliberadamente
usemos el segundo de los términos. Para una historia crítica del concepto de tradición clásica, GARCÍA
JURADO. La metamorfosis de la tradición clásica, ayer y hoy, p. 1-30.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
109
florecimiento que ha experimentado este campo disciplinar y el lugar innegable que ha
ido ganando en los estudios críticos de las últimas décadas (nos referimos al lugar entre
los estudios críticos del mundo grecolatino antiguo) insistiendo en la valoración ambigua
que a su juicio este fenómeno supone.2 Pero cuando pensamos en la tradición clásica en el
contexto del teatro latinoamericano, el análisis parece guiarnos hacia conclusiones distintas.
Dos hechos ya señalados en relación a este tema merecen recordarse: por un
lado, la certeza de que la pervivencia de los mitos griegos en la literatura occidental
alcanza a la literatura hispanoamericana desde sus orígenes mismos; por otro, el notorio
protagonismo ganado por algunas figuras míticas femeninas en la dramaturgia
contemporánea de varios países de Latinoamérica.3
No hay dudas de que el carácter dinámico y la naturaleza versátil del objeto de
recepción –aspectos puestos de relieve por este campo de la teoría– guían la
interpretación de estos hechos y permiten, a su vez, explicarlos. Pero en el caso del
segundo, que es el que trataremos aquí, no puede obviarse la necesidad de diferenciar,
en el estudio del drama, la performance reception (si se nos disculpa el uso de la expresión
inglesa), de la simple recepción, centrada sobre todo en el lector, sea que la primera se
piense en términos positivos o negativos.4 Esta distinción se vuelve relevante para un
teatro que, como tendremos oportunidad de comprobar, ha experimentado con frecuencia,
por vicisitudes propias, el divorcio entre una y otra forma.5
Pese al creciente auge de la reflexión teórica (y a lo que consideremos que ello
pudiera implicar), conviene tener presente asimismo que en el caso de Latinoamérica
el estudio de la tradición clásica parece no poder sustraerse ni a las limitaciones que
impone un objeto de investigación con aristas complejas ni tampoco a los
condicionamientos de las perspectivas hegemónicas.6 Lo cierto es que todo ello acaba
2
“The appearance of a cultural phenomenon as a subject for university study is not necessarily a good
sign. Sometimes it is a sign that the phenomenon itself has become so alien that people who in a
different time or place would have absorbed it from their parents, their environment or their school
teachers must be taught it in a classroom” (SCHAPS. Handbook for Classical Research, p. 359).
3
Así, en la literatura argentina, Antígona inspira ya la novela del mismo nombre de Roberto J. Payró
(1885), pero es sobre todo a partir de la segunda mitad del s. XX que cobra remarcada presencia como
personaje dramático. Cf. XXX. Huellas clásicas en el teatro argentino: AntígonaS, linaje de hembras de
Jorge Huertas, p. 139-161.
4
I.e. En términos de por qué una obra fue o no representada u olvidada en un período, y, en consecuencia,
en términos del protagonismo o la ausencia de determinados personajes míticos en la literatura dramática.
Para la distinción entre ‘Classical Reception’ y ‘Performance Reception’, cf. HALL. Towards a Theory
of Performance Reception, p. 10-28.
5
Por otra parte, esta distinción parece tanto más necesaria para abordar el análisis del teatro
contemporáneo (en especial, el teatro posterior a los años noventa), en el que se ha ido imponiendo la
estética de las creaciones colectivas, que problematizan la escritura y la lectura del hecho teatral, y con
ello también la dinámica misma de la recepción.
6
Incluso reflexiones críticas que reconocen el problema de esta perspectiva parecen no poder escapar a
ella, toda vez que refieren a un fenómeno de recepción indiferenciado para toda América Latina:
“German and Anglo-American perspectives have tended to predominate at the expense of other European
and non-European perspectives. Here, too, a correction is needed (…). What about reception of the
Classics in Israel, or in South Africa, Latin and South America, or India?” (El destacado nos pertenece).
PORTER. Reception Studies: Future Prospects, p. 476.
110
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
conduciendo a resultados singulares: la dificultad de acceder a los textos o a las
representaciones dramáticas de mito clásico, por la escasa difusión que algunas obras
alcanzan, y la ausencia de una tradición crítica sobre ellas –lo que nos lleva a hablar de
la precariedad de los repertorios (tanto bibliográficos como de las fuentes)– no se
muestran en consonancia con las creaciones y adaptaciones escénicas del último medio
siglo. 7 Nos referiremos aquí específicamente al teatro argentino, cuya recepción de lo
clásico no responde –en oposición al juicio de D. Schaps– a un mundo sentido o percibido
como ajeno. Dicho en palabras del crítico teatral Osvaldo Pellettieri, se trata de un
teatro cuyos textos (y personajes), en su relación con la textualidad grecolatina,
concretan “metáforas inquietantes de nuestra realidad”.8
Un rápido recorrido por el último medio siglo de la producción dramatúrgica
nacional permite hablar de la pervivencia notoria y al mismo tiempo poco conocida de
algunas heroínas trágicas cuya Nachleben se concentra en torno a dos o quizás tres
períodos importantes: la década de los sesenta, la de los ochenta, y la primera década
del siglo XXI, este último teatro signado, a su vez, por innovaciones formales y nuevos
marcos conceptuales que hacen que la presencia de lo femenino invada todos los ámbitos
implicados en la creación y producción dramática. Puede decirse, así, que la atracción
que ellas han provocado se proyecta en un continuum de mitos reutilizados constantemente
por un teatro que, aun asumiendo en vertientes posmodernas la complejidad de la
escritura escénica, no siempre supo dirimir la tensión interna entre una dramaturgia
literaria y la dramaturgia como espectáculo, tal como ponen de manifiesto las obras
editadas nunca estrenadas o las obras estrenadas que permanecen inéditas. Los ejemplos
que exponemos aquí también nos hablan de esta particularidad de nuestra dramaturgia.
Pero el fenómeno sobre el que queremos llamar la atención –la marcada presencia
de la mujer en nuestra escena como parte de la apropiación de los textos clásicos en la
dramaturgia del último medio siglo– remite a aspectos esenciales del género que nos es
preciso recordar aquí.
Anclada en el mito –que le proporcionaba la historia–, la tragedia antigua dio
vida a los conflictos más diversos, que adquirieron en ella (y por ella) un carácter
político. Exponiendo dramáticamente las formas de esos conflictos, no solo sacaba a luz
su complejidad; también los ponía en evidencia como una construcción discursiva. Nos
referimos en este caso a la construcción social de lo femenino, a la caracterización y la
inclusión de la mujer en el universo trágico de los “otros”, sobre los que, como función
complementaria descansaba la comprensión de la propia identidad del hombre de la
pólis para el orden cultural griego.
Como han defendido las más modernas interpretaciones críticas, la tragedia
invitaba a reflexionar sobre el propio orden social, dando vida en su creación simbólica
7
Se han señalado entre las causas de la escasa trascendencia de la producción dramática latinoamericana
de tema mítico, la marginalidad del género dramático con relación a otros géneros, y, más aún, la
marginalidad del discurso teatral latinoamericano en el teatro de Occidente. Cf. BRAVO DE LAGUNA
ROMERO. La pervivencia de las heroínas griegas en el teatro argentino contemporáneo: una revisión
del mito de Electra, p. 201-202. También: MIRANDA CANCELA. Medea: otredad y subversión en el
teatro latinoamericano contemporáneo, p. 317-321.
8
PELLETIERI. De Esquilo a Gambaro. Teatro, mito y cultura griegos y teatro argentino, p. 10.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
111
a esa alteridad. Siendo una reflexión sobre el “Otro”, a la par que un género “unddeniably
androcentric”,9 la tragedia dio sobre todo cuerpo y voz a lo “Otro” femenino, y creó con
ello personajes de una compleja profundidad y de un vasto legado interpretativo y
mimético. Tal es el caso de Antígona, Medea, Electra, figuras si no únicas, de una
incidencia comparativamente mayor en el teatro nacional de las últimas décadas. Su
proyección pone de relieve de qué modo nuestra dramaturgia ha hallado y halla en
estos caracteres trágicos las formas de un lenguaje, “a language by which contemporary
women could explore their environment and reconcile themselves to their condition”.10
Si el nuevo escenario reafirma igualmente una tradición ideológica que convalida
la posición marginal de la mujer, esta situación, sin embargo, fue modificándose, en
especial en las últimas tres décadas. Las transformaciones operadas en el contexto
mundial y el protagonismo –sobre todo el protagonismo colectivo– desplegado por las
mujeres latinoamericanas a partir de los años 80, como respuesta a la represión política,
la crisis económica, o la defensa de derechos humanos fundamentales, vinieron a cambiar
el rol que la sociedad y una cultura patriarcal tradicionalmente le asignaron al género
femenino. Ello explica, sin duda, que el teatro del período señalado tuviera una
contribución interesante que hacer al discurso sobre su construcción social.
Basándonos en los datos de recopilaciones previas, que hemos actualizado aquí,
comenzaremos por repasar, a modo de catálogo, los resultados del relevamiento de la
presencia de estas figuras en nuestro teatro nacional en el período 1950-2012. 11
Referiremos, luego, a aspectos de la resemantización de la alteridad en algunas de las
obras que hemos seleccionado a título ilustrativo: AntígonaS, linaje de hembras (2001)
de Jorge Huertas, Medea de Moquehua (1992) de Luis M. Salvaneschi y La oscuridad de
la razón (1993) de Ricardo Monti.
II. REP
ASANDO
EPASANDO
LA HISTORIA DE NUESTRAS
“OTRAS”: DE A NTÍGONAS, E LECTRAS
Y
MEDEAS
El mito de Antígona ha ocupado un lugar preferencial en la crítica de la recepción,
la que no ha dejado de señalar su relevancia en el teatro latinoamericano de posguerra.12
Entre las Antígonas argentinas se mencionan: Antígona Vélez (1952) de Leopoldo
9
FOLEY. Female acts in Greek tragedy, p. 12.
BLANSHARD. Gender and sexuality, p. 332.
11
Para el catálogo nos hemos basado en los aportes de varias otras investigaciones previas, recogidas en
parte en un trabajo anterior, GAMBON. Acerca de los imaginarios trágicos de alteridad y su pervivencia en
el teatro argentino actual: Antígona(s) y Medea(s), p. 218-221, y las fuentes que allí se mencionan. Sobre
Electra, BRAVO DE LAGUNA ROMERO. La pervivencia de las heroínas griegas en el teatro argentino
contemporáneo: una revisión del mito de Electra, p. 201-218; MODERN. Electra: entre Atenas y la
Atenas del Plata, p. 113-28.
12
Así lo ilustran los relevamientos realizados por distintos autores de Argentina y España entre 2008 y
2011. Merecen mencionarse: PIANACCI. Antígona: una tragedia latinoamericana. BAÑULS OLLER;
CRESPO ALCALÁ. Antígona(s) mito y personaje. Un recorrido desde los orígenes. LÓPEZ; POCIÑA. La
eterna pervivencia de Antígona. Para el teatro argentino en particular: ZAYAS DE LIMA. Mitos griegos en
el discurso teatral argentino.
10
112
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Marechal; El límite (1958) de Alberto de Zabalía; La cabeza en la jaula (1987 13 ) de
David Cureses; Antígona furiosa (1986) de Griselda Gambaro; Golpes a mi puerta (198814 )
de Juan Carlos Gené; AntígonaS, linaje de hembras (2001) de Jorge Huertas; Antígona la
necia (2001) de Valeria Folini; Antígona … con amor (2003) de Hebe Campanella;
Antígona, ¡No! (2003) de Yamila Grandi (inédita). Por otra parte, un dato incontrastable
de la vigencia de este personaje mítico han sido las numerosas versiones y adaptaciones
del texto de Sófocles –y de otras Antígonas latinoamericanas– que continúan poblando
la cartelera de los principales teatros.15
En cuanto al mito de Electra, su recepción no solo plantea la complejidad de la
única heroína llevada a escena por los tres grandes trágicos atenienses de la que nos
han llegado los dramas completos, sino la complejidad de ser quizás el personaje femenino
que menor atención ha recibido en la reflexión crítica. Carecemos de un estudio
sistemático de su presencia en el teatro latinoamericano, aunque hay estudios parciales
aislados sobre algunas de las obras del período acotado, y sobre su presencia en el teatro
argentino.16 Entre estas Electras nacionales deben citarse: Una cruz para Electra (1957)
de David Cureses (inédita); El reñidero (1962) de Sergio de Cecco;17 Electra (1964) de
Julio Imbert; La oscuridad de la razón (1993) de Ricardo Monti; La declaración de Electra
(1994) de Javier Roberto González (inédita); Electra Shock (2005) de José María Muscari;
Ropa Sucia. Versión libre de Electra (2011) de Silvia de Alejandro (inédita).
A su vez, sobre Medea y su presencia en el teatro latinoamericano, aunque el
campo de análisis resulta menos incierto que el que plantea la figura de Electra, tampoco
contamos con un estudio sistemático. Pueden mencionarse, no obstante, aquellos que
recogen, aunque solo de modo parcial, su presencia en distintos países de nuestro
continente.18 Sin duda, y a pesar de la deuda pendiente que representan, exceden en
cantidad y en exhaustividad a los estudios sobre Electra. El artículo de Perla Zayas de
Lima, en que se referencian un número importante de versiones nacionales, pone al
descubierto que muchas de ellas son obras prácticamente desconocidas de teatristas
locales, que permanecen inéditas o han alcanzado una escasa difusión.19 Mencionamos:
La Frontera (1964 20 ) de David Cureses, Medea (1967) de Héctor Schujman; La Navarro
13
Estrenada en 1963, pero editada más de veinte años después.
Estrenada en Caracas (Venezuela) en 1984.
15
Solo en el teatro porteño para el período 2010-2011, además de Antígona de José Watanabe, Antígona
Vélez de Leopoldo Marechal, Antígona Furiosa de Griselda Gambaro y Antígona la necia de Valeria
Folini, se llevaron a escena casi una decena de versiones diferentes de la tragedia de Sófocles, en tanto
apenas alcanzaron la mitad las de Medea y de Electra.
16
Ver los trabajos citados en nota 11.
17
Se trata de una de las pocas piezas perdurables de nuestra escena, que no solo ha sido representada
reiteradamente y llevada al cine, sino de la que se han escrito incluso nuevas versiones.
18
Así los trabajos de Elina Miranda Cancela, Luisa Capuzano y Perla Zayas de Lima, referenciados en:
GAMBON, Lidia. Acerca de los imaginarios trágicos de alteridad y su pervivencia en el teatro argentino
actual: Antígona(s) y Medea(s), p. 218-221. Medea de Olimar de Mariana Percovich (Uruguay, 2009)
engrosa el catálogo de piezas latinoamericanas que allí se citan.
19
ZAYAS DE LIMA. Mitos griegos en el discurso teatral argentino. Telondefondo, Buenos Aires, n. 11, 2010.
20
La obra, estrenada en 1960, fue editada recién en el año 1964.
14
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
113
(1980) de Alberto Drago; Ignea Medeas (1985) de Juan Jerónimo Brignone, bajo el
pseudónimo de Iánnis Zómbolas; Medea, paisaje de hembras (1987), creación colectiva
de Máximo Salas, Laura Beltramo y Silvina Ferández Farell (inédita); Despojos para
Medea (1992) de José Luis Valenzuela; Medea de Moquehua 21 (1992) de Luis M.
Salvaneschi; La Hechicera (1997) de José Luis Alves; Medea del Paraná (2004) de Suellen
Worstell de Dornbrooks (inédita); Medea Fragmentada (2006) de Clodet y María Barjacoba
(inédita).
Este catálogo de la producción dramática argentina nos pone frente a las
incongruencias y las particularidades a priori señaladas: un teatro en que la recepción
del texto y su representación se hallan divorciados, que circula en ediciones sin registro
de que fueran estrenadas o de puestas en escena cuyos textos resultan difícilmente
accesibles. Pero también nos pone frente al contundente testimonio del protagonismo
de las mencionadas heroínas míticas en el teatro nacional.22
II.1. D E A NTÍGONA ( S ): A NTÍGONA S,
LINAJE DE HEMBRAS D E
J ORGE H UERTAS (2001)
La Antígona moderna donde quizás más abiertamente se insiste en el conflicto de
género es AntígonaS, linaje de hembras, del dramaturgo Jorge Huertas, obra de la que
afortunadamente es posible contar con un texto editado de fácil acceso, prácticamente
contemporáneo a su propia representación.23 Se trata de una pieza que destaca por su
brevedad y por el sincretismo de sus componentes dramáticos, articulados en torno a las
escenas sustanciales de la tragedia de Sófocles, con la que mantiene una clara relación
intertextual. Con un lenguaje por momentos marcadamente irreverente, por momentos
de honda poesía, hilando discursos fragmentados y provenientes de los ámbitos más
diversos (literatura, música, publicidad), Huertas recuenta allí en diecinueve fragmentos
escénicos la misma historia de la hija de Edipo. Pero esta historia, que es la de su
enfrentamiento con el poder, representado en el rey Creonte, es profundamente
resignificada a partir de su ubicación cronotópica en la Buenos Aires de comienzos del
siglo XXI (con entrecruzadas referencias al pasado y al futuro) y a partir de la
incorporación de personajes idiosincrásicos, ligados a la identidad porteña, como el Río
(que es el Río de La Plata), el Bandoneón (instrumento tanguero), un nuevo Tiresias
(el fantasma del escritor J. L. Borges) y la Embalsamada Peregrina (alusión a la primera
dama, Eva Perón).
Las limitaciones y objetivos de este trabajo nos llevan a realizar aquí tan solo
algunas breves observaciones, vinculadas a la centralidad de las relaciones de poder y
el conflicto de género en la obra de Huertas. Estas relaciones enfrentan a hombres y
21
Citada indistintamente como Medea de Moquegua o Medea de Moquehua, en referencia al pequeño
poblado de Moquehuá (en la provincia de Buenos Aires), de donde proviene la protagonista.
22
Atendiendo a las diferentes heroínas míticas, nuestra exposición no seguirá aquí el ordenamiento
cronológico de las obras.
23
La obra, estrenada en Argentina en 2002, fue publicada por la editorial Biblos el mismo año. Para un
análisis completo, cf. GAMBON, Lidia. Huellas clásicas en el teatro argentino: AntígonaS, linaje de hembras
de Jorge Huertas, p. 139-161.
114
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
mujeres, “machos y hembras”, en un nuevo escenario que, como la antigua Tebas, es
una patria que se ha ido desangrando por la muerte de tantos “hermanos”. Antígona
regresa multiplicada en sus congéneres en la Antígona de Huertas, llamándose a marcar
el potencial movilizador y transformador de su género, puesto de manifiesto en distintos
momentos de la historia sociopolítica argentina del último medio siglo y, en particular,
en su respuesta a la represión de la última dictadura militar (1976-1983).
El uso del plural en el título de la pieza, junto a la mezcla de admiración e insulto
que encierra la expresión “linaje de hembras”, constituye uno de los recursos a través
del que Huertas pone el acento desde un comienzo en el conflicto genérico que plantea
el propio mito. Otro es la incorporación de nuevos personajes femeninos, como la
Embalsamada Peregrina, dispuesta a denunciar “la crueldad de nuestros machos” que las
hace “Siempre ofrendas para el falo patrio / que pide mujeres para el sacrificio” (p. 58). El
más significativo, quizás, es el modo en que el dramaturgo resuelve un personaje capital
de la tragedia antigua, el coro, otorgándole una función central en la pieza.
Se trata (a diferencia de la tragedia de Sófocles) de un coro de mujeres, un “coro
de hembras”. Coro de voces unívocamente femeninas. Sabedor de los mandatos de su
género (ser “la reina de la sopa tibia y las ventanas cerradas”, p. 29), este coro no ignora que
“la ciudad no soporta mujeres. / Prefiere muñequitas de torta / adornos, damas” (p. 63), y se
muestra provocador por momentos, vacilante en otros, pero dispuesto a alzar
colectivamente su voz interrogante frente a la violencia y las consecuencias del abuso
del poder masculino que arrastra solo nuevas catástrofes.
Autoconscientes del estereotipo genérico de novias, esposas y madres abnegadas
y sumisas, las mujeres de AntígonaS, linaje de hembras exponen su rebeldía. Su lucha no
se plantea en la pieza desde la soledad de la protagonista: es la lucha de la/s Antígona/
s-hembras enfrentadas al poder del “macho” – Creonte; es la lucha de la(s) Antígona(s)
en una sociedad de hombres que las asimila recurrentemente a lo marginal:
CORO: Nosotras Antígonas / Las novias de la mugre / del hedor madres. / Las manchadas,
las sucias, / las bárbaras. / Yo sé cómo se llama mi herida: / Hembras / Yeguas / Brujas /
Locas / Putas. / Siempre Antígonas. / Las de fatales y porteños padres / hermanas de
hermanos / que se vacían de sangre (p. 62).
Fatalmente condenadas una y otra vez por las vicisitudes de guerras fratricidas,
ellas, sus víctimas, se llaman a hacer oír su grito ante el presente escenario apocalíptico
de una Patria que “está muriendo”. Instalan, así, su protagonismo a lo largo de la pieza
(y con especial énfasis al final), desde la preocupación por el futuro destino del país,
llamando y llamándose a reaccionar activamente frente a ello:
CORIFEO: A tantos y tantas / De este devastado hogar / A todos invocamos. /Nosotras,
novias de la mugre, / Nosotras del hedor madres. / Las manchadas, las sucias / Las bárbaras
(…) Hablá, gritá, bandoneón, rompé el silencio / ¿No ves que la Patria está muriendo?
¿Qué será de la reina del Plata? / ¿Qué será de mi tierra querida? (p. 72)
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
115
II.2. L A “ OTRA ” E LECTRA : L A
OSCURIDAD DE LA RAZÓN DE
R ICARDO M ONTI (1993)
La presencia y relevancia de la voz colectiva de un coro que acompaña el
protagonismo femenino caracteriza asimismo a una de las versiones más recientes del
mito de Electra, La oscuridad de la razón, del dramaturgo Ricardo Monti.
Como en la versión precedente de Antígona, el esquema del mito se mantiene
también aquí en lo sustancial: Mariano (Orestes) regresa de Francia a la nueva Micenas
donde lo aguarda su hermana Alma (Electra) para que haga justicia por el crimen de su
madre (María-Clitemnestra) y su tío (Dalmacio-Egisto), asesinos del Padre-Agamenón.24
La pieza consta de un prólogo y tres actos, los que transcurren en espacios diferentes,
todos ellos emblemáticos y aunados por el predominio de un ambiente general de
destrucción que es evocado de continuo en las acotaciones escénicas.25
Pero a diferencia de las otras obras a las que referimos, esta Electra no guarda
fidelidad al nombre de su referente trágico, ni tampoco es una mujer porteña del s. XX.
Su historia se sitúa “hacia 1830 en el corazón de Sudamérica” (p. 116), conflictivo
momento clave del proceso independentista de España, en que priman las luchas
intestinas y regresan a su tierra algunos de los intelectuales exiliados en Europa.26 El
nombre de esta Electra (Alma), como el de otros protagonistas de la pieza (Mariano,
María), y determinados personajes (Mujer) se vinculan abiertamente a un universo
cristiano que se conjuga con el mundo clásico en una trama cargada de ostensivos
simbolismos. 27 Aunque se inspiran en la trilogía esquílea, algunos caracteres resultan
elididos (Pílades, la Nodriza, Apolo) a favor de la presencia de otros, ya individuales
(la Mujer) ya colectivos (el coro de las Lacrimosas,28 el coro de Galerudos, el Coro de la
Mujer, la Partida29 ). Estos últimos están distribuidos simétricamente en grupos masculinos
y femeninos, lo que contribuye a acentuar el antagonismo genérico que encarnan los
nuevos Atridas.
24
Aunque alterada sustancialmente (el Orestes de Monti no es un matricida y la relación con su
hermana es ostensivamente incestuosa), la trama es reconocible, sin embargo, en mitemas esenciales
como el asesinato del padre.
25
Los escenarios son: un edificio en construcción, que representa la remozada casa de Mariano (Acto I);
la habitación de Mariano y la de María y Dalmacio (Acto II); el presbiterio de una iglesia (Acto III).
26
El anacronismo ha sido señalado como un rasgo de la dramaturgia de Monti del período al que
corresponde la obra. Cf. PELLETIERI. “El teatro de Ricardo Monti (1989-1994): La resistencia a la
modernidad marginal”, p. 12. La datación es significativa: se trata de la fecha en que Esteban Echeverría
regresa de Francia e introduce en el Río de La Plata el romanticismo. Aunque no hay una identificación
explícita entre Echeverría y Mariano/Orestes, el agón entre el joven y Dalmacio (Acto I) deriva en una
disputa filosófico-literaria en que la confrontación estética se asimila al motivo del parricidio.
27
“Monti refuncionaliza y fusiona dos géneros que pertenecen a la traditio occidental: la tragedia
griega y el misterio medieval”. BRAVO DE LAGUNA ROMERO. La pervivencia de las heroínas griegas
en el teatro argentino contemporáneo: una revisión del mito de Electra, p. 208.
28
Sobre la refuncionalización del coro en el teatro de Monti, y, asimismo, en su reescritura escénica. LÓPEZ.
La Orestiada, de Esquilo refuncionalizada en La oscuridad de la razón de Ricardo Monti, p. 111-113.
29
Se trata de una partida de degolladores de apariencia espectral que se asimilan a las Erinias,
presentándose con Alma y entablando en el acto final un agón con la joven Mujer del Prólogo que
viene a rescatar a Mariano tras el crimen. Encarnan una de las facciones políticas del histórico
enfrentamiento entre unitarios y federales.
116
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
El escenario temporo-espacial de la obra se construye sobre la idea de una patria
desolada. Este espacio desarticulado, en constante proceso de construcción-destrucción,
está dominado por la presencia de lo femenino, nodal en una pieza en que los hombres
(Mariano, Dalmacio, la sombra del Padre) quedan reducidos a un plano fundamentalmente
discursivo o formal.30 Así, no es Mariano sino Alma el motor ideológico en Monti, y su
virilidad amazónica remite a un juego de continuos contrastes con su hermano, en los
que se potencializa su otredad. Mariano, por su parte, muestra desde el comienzo una
extranjeridad propia. Lejos de determinar el rumbo de la acción, es un ser casi infantil,
inmovilizado por la duda, y compelido a actuar su venganza solo por el impulso de
Alma, su “hermana-madre-mujer”. Es Alma quien representa “la oscuridad de la razón”,
esas fuerzas irracionales con las que se debate el nuevo Orestes, un nativo
“extranjerizado”, un foráneo en su tierra, un ser negado a lo femenino (condición que
estereotípicamente parece reunir en sí).31 El atuendo y lenguaje francés del personaje
exteriorizan los rasgos de esta extranjeridad que Alma se llama a volver a sus orígenes
ya desde el reencuentro fraterno del primer acto.32
En el contraste y oxímoron entre luz y sombra, razón y oscuridad, se sustenta toda
la trama de la obra, como anticipa el título. Allí las figuras femeninas (la de Alma y la
de María, pero sobre todo la primera) aparecen en primer plano, y toda la acción se
hace girar sobre el triángulo que componen la madre, la hija y la Mujer, asistidas por las
Lacrimosas y el Coro de la Mujer. El primero de estos coros (que actúa como comentador)
se llama a recordar desde un comienzo los mandatos del género, que Alma siente la
necesidad de desafiar:
LACRIMOSAS: Entonces callemos y que hablen las piedras. / Es mejor para mujeres, el
silencio. / O hablar de nada. La mujer debe escuchar hacia adentro, el murmullo de su
cuerpo, / Su lento madurar de fruta hasta el tiempo propicio en que opulenta brinda su
semilla / Y cae a tierra –la Madre Tierra–, en sagrada disolución. / Dejemos el mundo a
los varones. Nosotros lo sostenemos.
ALMA (pensativa): ¿Cómo madres que vigilan el juego de sus niños?
LACRIMOSAS: Sí
ALMA: ¿Y los miran retozar, melancólicas, sonrientes?
LACRIMOSAS: Sí
ALMA: ¿Aunque sea un duro juego, y hasta un juego mental, / Como la guerra?
LACRIMOSAS: Sí, estás comprendiendo.
ALMA: ¡Cómo quisiera que así hubiera sido! / Seríamos iguales, compañeras. Pero aquí
hubo otro juego, / Y no fue a la luz del día. Fue un juego secreto, obsceno, de gritos
apagados, / Amordazados por la noche, un juego criminal. (Breve pausa)
El padre debe ser vengado. (p. 141-2)
30
Liliana López señala que, pese a la vinculación con la tragedia de Esquilo, el Mariano/Orestes de
Monti es un “Sujeto desempeñado”; son las mujeres y su protagonismo las que ganan centralidad en la
obra. LÓPEZ. Poéticas refuncionalizadas. Mito e historia en La oscuridad de la razón (1993) de R. Monti,
p. 103.
31
“María: (A Mariano) ¡Huías de mí, / admirabas a tu padre! ¡Bien te llamas / Mariano! / María … no,
/ negado a la mujer, / negado a la madre” (p. 217).
32
El contraste genérico que desnuda la otredad de los protagonistas se plantea ya desde el primer acto
de la pieza, en las armas que esgrimen los hermanos en la escena de anagnórisis: una infantil espada de
latón (Mariano) frente a un viril cuchillo de carnicero con el que Alma hiere a su hermano.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
117
Por su parte, María, la Clitemnestra porteña, encarna el otro rostro femenino, el
otro rostro de lo “Otro”: el de la sensualidad. Ella es la “yegua alzada”, una mujer que
“ama la carne” (p. 155). Adornada con los atributos de la desfachatez, la alevosía y la
ambición, se convierte en la contracara de su hija.
La oscuridad de la razón está toda ella atravesada por el significado del parricidio
y la centralidad de los roles femeninos que se juegan en él; la temporalidad (o
atemporalidad) de este crimen y la contextualización anacrónica de la acción vengadora
en la obra habilitan a interpretarla en clave simbólica, leyendo el mito de la familia
Atrida a la luz de los procesos sociopolíticos de la historia argentina, viendo en él la
expresión de la lucha y la búsqueda de un origen y una identidad, de la que es parte
constitutiva y constructiva de lo femenino.
II.3. L A
OTREDAD DE LA
M EDEA
DE
S AL
V ANESCHI : M EDEA
ALV
DE
M OQUEHUA (1992)
Medea de Moquehua del dramaturgo Luis María Salvaneschi 33 resulta una obra
apenas conocida, nacida en un momento singular de la historia del país que, podemos
presumir, condicionó la fortuna del texto tanto como el universo de su protagonista.
La Buenos Aires de los 90 es la Corinto de esta nueva Medea, un espacio sujeto a
los vaivenes de una política económica liberal que no podía sino crear condiciones de
forzado exilio y marginalidad. Allí Medea encontraba un entorno acorde con su
condición trágica. 34
La pieza mantiene desde el comienzo una relación marcada con su hipotexto. Ello
se pone de relieve en la fidelidad al orden de secuencias de la tragedia euripidea, así
como en la centralidad del enfrentamiento entre Medea y Jasón, que –al igual que en
Eurípides– marca un importante punto de inflexión, pues cierra el primero de los dos
actos en que se estructura la obra.
En relación con los personajes, sin embargo, solo la pareja de protagonistas –
Medea y Jasón– conservan sus nombres. Creonte es apenas “el dueño del hotel”, un
albergue de baja categoría, un “conventillo” (p. 39), que ha logrado mantener con la
colaboración de Jasón, cuyos servicios paga con el matrimonio de su hija. Dos viejos (un
jubilado que oficia de sereno y una vieja sirvienta de campo que acompaña a su señora
en su exilio) asumen el rol de los esclavos del drama antiguo.
Como en las versiones precedentes, la voz del coro contribuye a la construcción
de lo femenino. Se trata aquí de un coro mixto de murgueros, que interesa naturalmente
menos por su condición genérica que por su carácter social carnavalesco y popular, su
voz colectiva como expresión de lo marginal.35 Su alegría burlona y desfachatada contrasta
33
La pieza que es objeto de nuestro análisis fue editada –aunque no estrenada– en el año 1992, en una
edición por cierto limitada, que dificulta notoriamente el acceso al texto.
34
Osvaldo Pellettieri ha destacado la función hegemónica de lo mercantil en el imaginario social
argentino, hecho reflejado en el teatro de la última década del s. XX, que refleja el impacto de la
política económica del menemismo, con la desintegración de la sociedad argentina, la proletarización
de la clase media y la lumpenización del proletariado. PELLETIERI. Teatro argentino del 2000, p. 16-17.
35
Coro de voces mixtas identificadas: el señor y la señora del bombo, el director de la murga, un travesti,
la reina de la murga y el Tony.
118
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
con el sufrimiento de Medea y desnuda el individualismo de los nuevos tiempos en que
“cada cual atiende su juego” (p. 16). Las víctimas primeras y últimas de ello son las
mujeres:
MURG/2: Hoy sufre ella …
MURG/5: Mañana cualquiera de nosotras …(p. 17: destacado nuestro)
Y es que el espacio citadino que determina la otredad de esta Medea está
dominado por el poder del dinero que todo lo corrompe, que ha transformado la huida
en éxodo forzado y el exilio en desalojo. Moquehuá, el ignoto pueblo de provincia del
que proviene, es ahora una Cólquide lejana, llamada a evocar las consecuencias de las
políticas de privatizaciones seguidas en el país en la última década del s. XX. Medea
habita las “paredes de cartón, vergüenza y suspiros” de una ciudad “donde nada es
privado” (p. 11), donde las mujeres, como esposas y madres, resultan objetos reemplazables
según la conveniencia. Ella desprecia ese mundo mercantilista, dominado únicamente
por el valor de la seducción del dinero:
MEDEA : Siempre he estado en desacuerdo con la mayoría. Son injustos. Tienen “ese”
poder de seducción. Y vos sabés usar muy bien tu lengua. Sí, con melosas palabras. Una
lección más, en esta sociedad organizada … Que la comodidad nunca me quiebre el
corazón … (Risa). Seguridad. Comodidad. ¿Qué es? ¿Dormir en sábanas bordadas? ¿Usar
ropa de categoría que me imponen? ¿Mesa de blanco mantel y cubiertos de plata? ¿Educar
a los hijos en colegios privados? No sé bien qué es eso. Si es bienestar o sólo una nueva
forma de esclavitud. Tampoco comprendo eso, de tener una mujer en la cama, acariciar
su cuerpo, morder sus senos, sin deseo, hacerle el amor por conveniencia. (p. 30)
La otredad de esta Medea es, así, como en Eurípides, hiperbólica; nace de lo
femenino en el cruce con una “triple marginación, la que sufre un pueblo de provincia
respecto de la capital, la de las clases bajas respecto de las pudientes, y la dependencia
de un país periférico en su relación con una cultura central”.36
Al reflexionar sobre la recepción del mundo clásico en el teatro argentino actual,
la certeza de un fenómeno que, aunque muy poco estudiado, dista de resultar ajeno
anula la posibilidad de una valoración ambigua sobre él. Las tres piezas analizadas han
servido para ejemplificar el modo en que el teatro argentino contemporáneo del último
cuarto de siglo ha hallado en las figuras míticas escogidas emblemáticas formas de
repensar la construcción social del género desde su especificidad cultural.
Hermanas-novias, hermanas-mujeres, mujeres-madres, las Antígonas, Electras y
Medeas argentinas responden a un teatro que no cesa de buscar su modo de apropiación
del mundo clásico, hablan de la persistencia con la que dramaturgos y directores, desde
distintas estéticas, resemantizan los mitos. En su cronotopía, ellas, las “otras”, conjugan
la tradición mítica, de la que son herederas, con las preocupaciones políticas de su
nuevo entorno, situándose en un escenario americano, y en momentos emblemáticos de
nuestra historia: la Argentina que asoma al romanticismo y las nuevas ideas de libertad
36
ZAYAS DE LIMA. Mitos griegos en el discurso teatral argentino, p. 16.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
119
y patria, la de la postdictadura militar de los setenta, la de la crisis económica de la
última década del siglo pasado y comienzos del nuevo siglo, por mencionar solo los
momentos a los que hemos referido aquí. La particular vigencia de Antígona, Electra y
Medea se muestra de este modo en relación con el nuevo universo diegético de esos
personajes y responde a circunstancias clave de inflexión política que posibilitan
‘performatizar’ la construcción de lo femenino.
Por su parte, el catálogo relevado es el reflejo de una historia contínuamente
revisitada, que exige (y exigirá) a quienes se embarquen en él permanentes reescrituras,
y que poco permite concluir sobre las preferencias de nuestra dramaturgia por alguna
de las figuras trágicas estudiadas, más allá de demostrar la vigencia sostenida de todas
ellas. Esto nos lleva a volver aquí a un punto apenas esbozado en el comienzo, si no para
dar respuesta, al menos para insistir en la importancia de no eludir el problema. El
fenómeno de la recepción del mundo clásico en hispanoamérica está atravesado por las
limitaciones que impone el propio objeto, no menos que por las perspectivas hegemónicas
que han contribuido a su marginalidad. Como el mitológico Proteo, el tema no se deja
asir fácilmente. Será necesario insistir: el modo en que el referente clásico continúa
aportando su carga simbólica para cada país sigue siendo una deuda pendiente en el
campo de los estudios de recepción en Latinoamérica, tanto más en relación al teatro.
La complejidad del objeto no debe, sin embargo, desalentar la búsqueda de respuestas
a preguntas que de modo tan propio nos conciernen.
AA
ABSTRACT
Taking into account the unusual prominence of women and
their otherness in ancient Greek tragedy, the aim of this paper
is to consider the presence of three emblematic mythological
characters (Antigone, Electra and Medea) in Argentinian
dramaturgy of the last sixty years, with special focus on the
construction of gender provided by some of the most recent
plays: Medea de Moquehua (1992) by Luis M. Salvaneschi, La
oscuridad de la razón (1993) by Ricardo Monti, and AntígonaS:
linaje de hembras (2001) by Jorge Huertas.
The survey of contemporary drama and the analysis of the
mentioned plays seek to deepen the sense of the female role in
the Argentinian theatre, considering the complex dynamics
of classical reception. The topicality of characters like
Antigone, Electra and Medea is in direct relationship with
their new diegetic universe in drama and, as it allows to
conclude the analyzed plays, refers to singular political
moments that emphasize the social construction of gender.
KEYWORDS
Greek tragedy, Argentinian contemporary theatre,
mythological women
120
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
REFERENCIAS
ARLT, Mirta. Ricardo Monti: hacia un teatro epifánico. En: PELLETIERI, Osvaldo (Ed.).
Teatro argentino del 2000, Cuadernos del Getea. Buenos Aires: Galerna, 2002, p. 47-53.
BAÑULS OLLER, José Vicente; CRESPO ALCALÁ, Patricia. Antígona, la génesis de
un mito. En: BAÑULS OLLER, José Vicente; DE MARTINO, Francesco; MORENILLA
TALENS, Carmen (Eds.). El teatro clásico en el marco de la cultura griega y su pervivencia
en la cultura occidental. El teatro greco-latino y su recepción en la tradición occidental. Bari:
Levante Editori, 2002, p. 15-58.
BAÑULS OLLER, José Vicente; CRESPO ALCALÁ, Patricia. Antígona(s) mito y
personaje. Un recorrido desde los orígenes. Bari: Levante Editori, 2008.
BLANSHARD, Alastair J. L. Gender and sexuality. En: KALLENDORF, Craig W. (Ed.).
A Companion to the Classical Tradition. Singapore: Blackwell Publishing, 2007, p. 328-341.
BRAVO DE LAGUNA ROMERO, Francisco J. La pervivencia de las heroínas griegas
en el teatro argentino contemporáneo: una revisión del mito de Electra. Myrtia, Murcia,
v. 14, 1999, p. 201-218.
BRAVO DE LAGUNA ROMERO, Francisco J. De la Cólquide a la Pampa: una Medea
en La frontera de David Cureses. Arrabal, Lleida, n. 7-8, 2010, p. 131-8.
BUDELMANN, Félix; HAUBOLD, Johannes. Reception and tradition. En:
HARDWICK, Lorna; STRAY, Christopher (Eds.). A companion to classical receptions.
London: Blackwell Publishing, 2008, p. 13-25.
CARTLEDGE, Paul A. The Greeks. A Portrait of Self and Others. Oxford: Oxford University
Press, 1993.
FOLEY, Helen. Female acts in Greek tragedy. Princeton: Princeton University Press, 2001.
FOLEY, Helen. Envisioning the tragic chorus on the modern stage. En: KRAUS, Chris;
GOLDHILL, Simon; FOLEY, Helen; ELSNER, Jas (Eds.). Visualizing the tragic. Drama, myth
and ritual in Greek art and literature. Oxford: Oxford University Press, 2007, p. 353-378.
GAMBON, Lidia. Huellas clásicas en el teatro argentino: AntígonaS, linaje de hembras
de Jorge Huertas. En: MAQUIEIRA, Helena; FERNÁNDEZ, Claudia (Eds.). Tradición
y traducción clásicas en América Latina. La Plata: Universidad Nacional de La Plata,
2012, p. 139-161.
GAMBON, Lidia. Acerca de los imaginarios trágicos de alteridad y su pervivencia en
el teatro argentino actual: Antígona(s) y Medea(s). En: LÓPEZ, Aurora; POCIÑA,
Andrés; SILVA, María de Fátima (Coords.). De ayer a hoy: Influencias clásicas en la
literatura. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de
Coimbra, 2012, p. 217-226.
GARCÍA JURADO, Francisco. La metamorfosis de la tradición clásica, ayer y hoy.
Curso de filología clásica, marzo de 2013, Universidad de Zaragoza. (inédito). Disponible
en: <http://eprints.ucm.es/20155/>. Acceso 20 enero 2014.
HALL, Edith. Towards a theory of performance reception. En: HALL, Edith; HARROP,
S. (Eds.). Theorising performance. Greek drama, cultural history and critical practice. London:
Duckworth, 2010, p. 10-28.
HUERTAS, Jorge. AntígonaS: linaje de hembras. Buenos Aires: Biblos, 2002.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
121
LÓPEZ, Aurora; POCIÑA, Andrés (Eds.). En recuerdo de Beatriz Rabasa. Comedias,
tragedias y leyendas grecorromanas en el teatro del s. XX. Granada: Editorial de la
Universidad de Granada, 2009.
LÓPEZ, Aurora; POCIÑA, Andrés. La eterna pervivencia de Antígona. Florentia
iliberritana, Granada, n. 21.2, 2010, p. 345-370.
LÓPEZ, Liliana B. Poéticas refuncionalizadas. Mito e história em La oscuridad de la
razón (1993) de R. Monti. En: PELLETIERI, Osvaldo (Ed.). El teatro y los días. Buenos
Aires: Galerna, 1995. p. 101-109.
LÓPEZ, Liliana B. La orestiada, de Esquilo refuncionalizada en La oscuridad de la razón
de Ricardo Monti. En: PELLETTIERI, Osvaldo (Ed.). De Esquilo a Gambaro, Cuadernos
del Getea 7. Buenos Aires: Galerna, 1997, p. 109-115.
MARTINDALE, Charles. Reception. En: KALLENDORF, Craig W. (Ed.). A companion
to the classical tradition. Singapore: Blackwell Publishing, 2007, p. 297-312.
MIRANDA CANCELA, Elina. Medea: otredad y subversión en el teatro latinoamericano
contemporáneo. En: MORENILLA TALENS, Carmen; DE MARTINO, Francisco (Eds.).
El perfil de les ombres: el teatre clàssic al marc de la cultura grega i la seua pervivencia dins la
cultura occidental. Bari: Levante Editori, 2002, p. 317-321.
MODERN, Rodolfo. Electra: entre Atenas y la Atenas del Plata. Boletín de la Academia
Argentina de Letras, Ciudad de Buenos Aires, t. 67, n. 263-4, enero-junio 2002, p. 113-128.
MONTI, Ricardo. Teatro I: una pasión sudamericana. Asunción. La oscuridad de la razón.
Prólogo de Osvaldo Pelletieri, 2ª ed. Buenos Aires: Corregidor, 2005.
PELLETTIERI, Osvaldo (Ed.). De Esquilo a Gambaro. Teatro, mito y cultura griegos y
teatro argentino, Cuadernos del GETEA 7. Buenos Aires: Galerna, 1997.
PELLETIERI, Osvaldo (Ed.). Teatro argentino del 2000. Buenos Aires: Galerna, 2000.
PELLETIERI, Osvaldo. “El teatro de Ricardo Monti (1989-1994): La resistencia a la
modernidad marginal”. MONTI, Ricardo; 2005, p. 9-52.
PIANACCI, Rómulo E. Antígona: una tragedia latinoamericana. Irvine, CA: Gestos, 2008.
PORTER, James I. Reception studies: future prospects. En: HARDWICK, Lorna; STRAY,
Christopher (Eds.). A companion to classical receptions. London: Blackwell Publishing,
2008, p. 469-81.
SALVANESCHI, Luis María. Medea de Moquehua. Buenos Aires: Ediciones Botella al
Mar, 1992.
SCHAPS, David M. Handbook for classical research. London & New York: Routledge, 2011.
VERNANT, Jean-Pierre; VIDAL-NAQUET, Pierre. Mito y tragedia en la Grecia antigua
I. Madrid: Taurus, 1972.
ZAYAS DE LIMA, Perla. Mitos griegos en el discurso teatral argentino. Telondefondo,
Buenos Aires, n. 11, 2010. Disponible en: <http//:www.telondefondo.org>. Acceso: 25
feb. 2014.
Recebido em 5 de feveiro de 2014
Aprovado em 4 de maio de 2014
122
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
LA POTENCIA DEL DESEO EN TRES RELECTURAS
DE HEROÍNAS CLÁSICAS
THE POWER OF THE DESIRE IN THREE REREADING OF CLASSIC HEROINES
Sara Rojo*
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMEN
A partir de la teoría de Rancière sobre el “reparto de lo sensible”
(2009), en este ensayo se establece una relación entre deseo y
muerte en tres piezas latinoamericanas basadas en tragedias
clásicas. En orden de estrenos son las siguientes obras: La viuda
de Apablaza, de 1928, en Chile (Fedra), de Germán Luco
Cruchaga; Antígona Vélez, de 1952, de Leopoldo Marechal, en
Argentina (Antígona) y Klássico (com k), de 2013, de Mayombe
Grupo de Teatro, en Brasil (Medea). Según Rancière, “lo que
llamamos imagen es un elemento dentro de un dispositivo que
crea cierto sentido de realidad, cierto sentido común.”. (El
espectador emancipado, p.104) Las tres heroínas presentan
caracteres configurados por la tensión subversiva entre deseo
y muerte. Sólo que sus imágenes adquieren particularidades,
sentidos de realidad específicos de acuerdo a cada uno de los
“dispositivos” en los cuales se encuentran. Pretende- se
discutir el tema de la muerte femenina como restitución del
orden perdido, que está presente en las tragedias de Sófocles y
Eurípides, en las actualizaciones estudiadas.
PALABRAS CLAVE
Fedra, Antígona, Medea, reparto de lo sensible, deseo, muerte
Hablar del deseo en las heroínas griegas y en sus relecturas no es novedad, pero
la problemática en sí está lejos de haberse agotado y tiene múltiples puertas de entrada.
De las cuales he escogido una, la reflexión sobre cómo el deseo y la muerte están tanto
en las heroínas del mundo griego como en sus reescrituras unidos a la muerte de forma
transgresora. Las fuerzas Eros y Tánatos (y a veces de las hermanas Keres) en el mundo
femenino presentan una interdependencia y una conflictividad que necesita ser más
estudiada. Por ello, me propongo en este trabajo analizar tres piezas representativas del
teatro latinoamericano en las cuales se da visibilidad, de forma particular, a esta
problemática. Rancière me sirve de soporte teórico, pues el “reparto de lo sensible”
supone algo en común para un grupo o un colectivo:
*[email protected]
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
123
Llamo reparto de lo sensible a ese sistema de evidencias sensibles que al mismo tiempo
hace visible la existencia de un común y los recortes que allí definen los lugares y las
partes respectivas. Un reparto de lo sensible fina entonces, al mismo tiempo, un común
repartido e partes exclusivas.1
El punto en común es la elección de una imagen de la mitología (las heroínas
griegas) como forma de aproximación al imaginario social femenino que se establece en
la interrelación entre deseo y muerte. Por otro lado el reparto, según la cita anterior,
fija también las partes exclusivas, en este caso esas particularidades son las que traen el
tiempo, el espacio de cada pieza y que permiten entender la singularidad de cada una
de esas obras.
A partir de ese enfoque, analizaré las piezas y la relación que establecen con las
subjetividades en juego en cada contexto. En Medea, por ejemplo, el deseo la lleva a
matar y en algunas versiones inclusive al suicidio como en la obra brasileña Gota de
agua, de Chico Buarque y Paulo Pontes. ¿Hasta qué punto eso no es un “común” en el
reparto de lo sensible que estructura a las mujeres en términos políticos?
La muerte final en la tragedia griega es lo que permite la restauración del orden
anterior a lo que provocó el desenlace aciago, sólo que en estas heroínas no les llega
apenas como un castigo externo. Lo que sucede es que en el “reparto de lo sensible”
comunitario se exige a estas heroínas ciertas conductas femeninas y cuando las
trasgredieron se auto-castigaron inclusive antes del juicio público, pues la exigencia
estaba internalizada en ellas. Antígona, después de rebelarse contra el orden del Estado
por querer enterrar con honras fúnebres a su hermano que traicionó la ciudad de Tebas,
camina altiva hacia la tumba que la sepultará viva y declara que desea unirse a los
suyos; Fedra, desde el comienzo de la obra, expresa que el amor que siente sólo lo
puede purificar el suicidio, que se concretizará al fin de la pieza, y Medea, después de
ser traicionada, mata conscientemente a sus hijos y en algunas versiones se suicida (no
sin dolor) viendo en esa acción la única salida posible. Este deseo interno de muerte o
de matar se une, así, de forma indisoluble al deseo del cuerpo del otro.
Hay muchas obras latinoamericanas que rescatan uno de estos personajes míticos,
aunque, en algunos casos, con otros canales de alternancia. He elegido, para este ensayo
tres piezas (una para cada mito). Éstas son, por orden de estreno: La viuda de Apablaza,
de Germán Luco Cruchaga, (1928, chilena); Antígona Vélez, de Leopoldo Marechal,(1951,
argentina) y Klássico (com k), de Mayombe Grupo de Teatro, (2013, brasileña). Esta
elección me permite abarcar y reflexionar sobre la misma problemática desde tres
heroínas, tres períodos diferentes de la historia latinoamericana y tres países distintos.
Por lo tanto, dentro de dispositivos particulares.
FEDRA
La actualización de esta heroína, que realiza el dramaturgo chileno Germán
Luco Cruchaga (1894-1936), la analizaré por medio de su re-escritura en la obra, La
1
124
RANCIÈRE. El reparto de lo sensible, p. 9.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
viuda de Apablaza (1928). Esta obra fue seleccionada para componer el primer volumen
de la antología de teatro chileno hecha con recursos del Gobierno de ese país a propósito
del bicentenario, 2 pues la crítica la considera un canon del teatro chileno, tanto el
texto3 como el montaje realizado en 1956 por La Universidad de Chile y dirigido por
Pedro de la Barra.
Germán Luco Cruchaga, Armando Mook (1894-1942) y Antonio Acevedo
Hernández (1896-1962) forman el núcleo fundador de la dramaturgia del siglo XX en
Chile. Los tres, en líneas diferentes, conforman las bases del teatro chileno. Como si
hubiesen hecho un acuerdo previo, cada uno de ellos abordó un sector diferente de la
sociedad chilena: Moock, la clase media, Acevedo Hernández, los sectores populares y
Luco Cruchaga, el campo.
Este foco temático regional, que escogió el autor que me convoca, dificulta leer
de inmediato la vinculación de La viuda de Apablaza con el clásico griego, es fácil
conformarse con el análisis de las costumbres campesinas del sur de Chile, el lenguaje
regional, la moral imperante a inicios de siglo y las formas patronales que asume el
trabajo agrícola en ese período. Sólo que parte de la crítica chilena llegó más a fondo y
vio las vinculaciones del texto con Hipólito, de Eurípides, (432 AC) e, inclusive, con
Fedra de Jean Racine.
En La Viuda de Apablaza hay una sólida recreación de la tragedia de Hipólito, de Eurípides,
autor que Luco Cruchaga conocía bien, al parecer sorprendentemente bien, como lo planteó
Grínor Rojo, antes que nadie.4 En la obra griega, la diosa Venus, despreciada por Hipólito,
trama su ruina inspirando en Fedra, madrastra de Hipólito, un violento amor por él.5
En este caso, mi lectura intentará a partir de esa vinculación ya demostrada,
abordar la relación indisoluble que se establece entre el personaje de Fedra, el deseo y
la muerte en la obra clásica y en La viuda de Apablaza. Según mi interpretación, esto
se relaciona con las configuraciones de la experiencia (en este caso del ser mujer) que
inducen a formas de actuación que terminan creando un “común” que contiene la
muerte como constructora de subjetividad. Este tema me parece que debe ser analizado
en términos políticos, pues significa que en el reparto de lo sensible, la parte que les
toca a las mujeres lleva adscrita la muerte en distintas sociedades.
Fedra, en la versión de Eurípides, desde el inicio de la tragedia dice que desea
morir y que merece la muerte por amar a su hijastro Hipólito, sólo recobra una mínima
esperanza de vida cuando cree que su marido está muerto y le declara su amor a Hipólito
que la rechaza. La viuda al comienzo del texto no sabe lo que siente, aunque sus
2
HURTADO, María de la Luz y BARRÍA, Mauricio (Orgs.). Antología: un siglo de dramaturgia chilena
I. Santiago: Comisión del Bicentenario, 2010, 532 p.
3
Su primer montaje fue por la Compañía de Evaristo Lillo.
4
Grínor Rojo señala: “Que Germán Luco Cruchaga conocía Eurípides que además de estar testimoniado
por la obra misma, se ha comprobado también por la existencia en su biblioteca personal de un volumen
de las obras completas del clásico griego”. Los orígenes del teatro hispanoamericano contemporáneo, p. 165.
5
PIÑA. Historia del teatro en Chile 1890-1940, p. 361.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
125
empleados lo intuyen: “REMIGIO: No puue6 vivir sin Ñico...”7 Ella actúa como madre
preocupada, sólo que ese afecto se revela como deseo erótico ante la eminencia del
peligro de perderlo con la llegada de su sobrina de la ciudad (como en la versión de
Racine que la protagonista teme perder a Hipólito en los brazos de Aricia) y decide
jugarse el todo por el todo. Por eso, la viuda le ofrece al Ñico: tierras, mando, dinero y
su propio cuerpo: “LA VIUDA: Pero aquí se hace mi voluntá… Por algo t´hey criado y
soy mío. ¡Desde hoy en adelante, vós reemplazái al finao…! Tuyas son las tierras, la
plata y la viúa”.8
Sólo que al igual que Fedra de Racine, después de declararle su amor a Hipólito
e incluso ofrecerle su poder (las tierras/el reino), está en sus manos y se siente aniquilada.
Más aún, en el caso de la viuda en que la oferta se concretizó con un matrimonio de
conveniencia. Su orgullo ha sido resquebrajado: LA VIUDA: “¿Onde está mi goluntá
de fierro?”9 La viuda en el parlamento anterior ya se declara muerta, siente que debe
pagar la pasión que la debilitó. En el reparto político y social de lo que puede o no
puede una mujer, no le está permitido amar fuera de la convención establecida para su
género. Este sentimiento está internalizado y es él el que la derrota antes que las
circunstancias lo hagan.
La muerte posterior de la viuda, como en la tragedia, restituye el orden perdido,
incluso el “desliz” que tuvo el padre del Ñico con otra mujer y que lo dejó en la condición
de “guacho”, pues él será el dueño de las tierras. La restitución es semejante a la que
recibe Aricia en la Fedra, de Racine, cuando Teseo le comunica que ahora ella, destituida
de sus poderes por el propio Teseo, será su hija. Es interesante observar, en esta obra,
como el sentimiento de admiración que tenía Ñico por la viuda se confunde o se mezcla
con la calma que le traerá su muerte: “ÑICO: (abrazando a Florita). A nadien la quería
como a ella; pero vos, m’hijita linda, erai mi debiliá… ¡Éjame llorar por la viúa, que
si’ha esgraciao pa’dejarme gozar solo, antes e morirse e la pena de vernos! ¡Éjame llorar
por la viúa!”.10
Nico llora la muerte de la viuda, pero percibe que la misma le permitirá ser feliz
sin culpa, el orden ha sido restituido. De este modo, queda claro el uso que he hecho
de la tesis de Rancière para analizar el juego de poderes presente en las piezas.
Específicamente, cuando este teórico afirma la existencia de un “sistema de formas a
priori que determinan o que se da a sentir.11 En términos políticos, el suicidio de la
6
Puede. El texto es citado de acuerdo con el original que utiliza las variantes zonales campesinas del
lenguaje oral para mantener la identidad lingüística regional.
7
LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de
dramaturgia chilena I, p. 198. Uso de variante regional.
8
LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de
dramaturgia chilena I, p. 215. Uso de variante regional.
9
LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de
dramaturgia chilena I, p. 219. Uso de variante regional.
10
LUCO CRUCHAGA En HURTADO y BARRÍA. La viuda de Apablaza. Antología: un siglo de
dramaturgia chilena I, p. 225. Uso de variante regional.
11
RANCIÈRE. El reparto de lo sensible. Estética y política, p. 10.
126
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
viuda restituye el orden social requerido para construir una familia dentro de lo que la
comunidad acepta como “normal”, por lo tanto, al igual que el suicidio de Fedra en
Hipólito, de Eurípides, sirve a la mantención del status social previamente existente.
ANTÍGONA
El texto dramático Antígona Vélez (1951), de autoría del escritor católico y
peronista argentino Leopoldo Marechal (1900-1970),12 tuvo diversas representaciones y
en distintos géneros. Lo que confirma su éxito a lo largo de la historia del teatro de ese
país. Desde su primera temporada, la obra estuvo marcada por este suceso. 13 Otras
representaciones relevantes fueron la de 1962 en París, dirigida por Juan Oscar Ponferrada,
y la ópera homónima, de Juan Carlos Zorzi, estrenada en 1991 en Teatro Colón.14 El mito
clásico es recreado en la Pampa argentina en el período de enfrentamiento entre blancos e
indígenas en el siglo XIX por el dominio de esas tierras, enfrentamiento que culminó, después
de lo que se llamó la “campaña del desierto”, con el exterminio de gran parte de la población
indígena dueña de ese territorio y con el sometimiento de otra.15
Según Mirta Arlt:
Marechal trasunta en Antígona Vélez la gravitación del campo intelectual de su tiempo
histórico y el sentido de un nacionalismo criollista que caracterizó a algunos de los hombres
de la generación martinfierrista,16 la cual incluyó a intelectuales como Borges, Oliverio
Girondo, Francisco Luis Bernárdez y al propio Marechal.17
12
“Su visible vinculación política con el nacionalismo católico, hace que en 1943, Gustavo Martínez
Suviría, entonces Ministro de Educación, le ofrezca la presidencia del Consejo General de Educación y
Dirección General de escuelas de la Provincia de Santa Fe, Cargo que Marechal acepta y conserva casi
un año, a continuación pasa a ser director general de Cultura de la Nación, en 1946 se convierte en
Director de enseñanza superior y artística. En 1948 viaja nuevamente a Europa, siendo esta vez huésped
oficial de los gobiernos españoles e italianos. Estas actividades en organismos oficiales se significan una
ruptura con sus antiguos camaradas. Desde 1955, al producirse la caída de Perón, Marechal pasa una
etapa de olvido y soledad”. Cf.: www.ladobled.com.ar/biografias/marechal.pdf.
13
En 1951, José María Fernández Usain le solicita al autor Antígona Vélez para estrenarla en el Teatro
Cervantes, pero “El único original mecanografiado desaparece, pero Eva Perón, enterada de lo ocurrido,
le pide telefónicamente a Marechal que haga el esfuerzo de recomponer la obra (…) Marechal cumple
con el requerimiento y la obra se estrena el 25 de mayo”. MONGES. Prólogo de Antígona Vélez, p. 8.
14
Datos entregados por Hebe Monges en el prólogo de la obra analizada.
15
“El informe final que el general Roca ofreció al Congreso sobre esa campaña dice que “14.172 indios
fueron reducidos, muertos o prisioneros (algunos historiadores elevan esa cifra a 35.000). Seiscientos
indígenas fueron enviados a la zafra en Tucumán. Los prisioneros de guerra fueron incorporados
(forzosamente) al Ejército y la Marina para cumplir un servicio de seis años, mientras que las mujeres y
los niños se distribuyeron entre familias que las solicitaban (para servicios domésticos o adopción forzada)
a través de la Sociedad de Beneficencia.” Cf. http://elblogdelabibliotecaria.blogspot.com.br/2009/04/
historia-argentina-la-conquista-del.html.
16
“El martinfierrismo era todavía un elemento residualmente activo pero no arcaico en el campo
literario de los años treinta y cuarenta” (MARTÍNEZ PÉRSICO, Marisa. Cf. https://www.academia.edu/
3157864/Leopoldo_Marechal_entre_la_cuerda_poetica_y_la_cuerda_humoristica.
17
ARLT. El mito griego: permanencia y relatividad en Antígona Vélez, de Marechal, p. 50.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
127
Esto significa que, en la obra, la muerte de Antígona sirve a un propósito de Estado,
que está más allá de los intereses de los protagonistas, como en la tragedia clásica.
Según Doncel, en esta misma línea, señala que “la pampa, el desierto y la llanura – se
convierte en el verdadero hado que pesa sobre los personajes”.18 La pampa “pesa” porque
allí impera la violencia como única ley.
La construcción de la nación requiere una fórmula cultural homogeneizadora en
la cual no cabe el enfrentamiento a la ley representada por Galván (Creonte) y así lo
entiende la propia protagonista. Por lo tanto, aunque estamos frente a una obra que,
aparentemente, por su ubicación contextual se alejaría del espacio recreado en la pieza
de Sófocles, no es así, pues al igual que en el campo chileno, quien manda es quien
establece un tipo de poder autoritario en el local en el que suceden los hechos. Esa
situación es la que permite la recreación espacial del mito.
Antígona Vélez, con relación al personaje clásico y a la muerte, tiene un aspecto
constante y una variante. Por un lado, la acepta como la protagonista de Sófocles, pero
por otro se distancia de la postura de la heroína de la tragedia clásica cuando justifica
a su verdugo, al que la ha condenado a galopar hacia el territorio indígena donde caerá
bajo las lanzas, asumiendo, de ese modo, la razón de Estado (la importancia de la nación
argentina por sobre sus deseos afectivos-familiares) como ética y justa:
El hombre que ahora me condena es duro porque tiene razón. Él quiere ganar este
desierto para las novilladas gordas y los trigos maduros; para que el hombre y la mujer, un
día, puedan aquí dormir sus noches enteras; para que los niños jueguen sin sobresalto en
la llanura. ¡Y eso es cubrir de flores el desierto!19
La muerte no es una opción deseada, como en la tragedia de Sófocles, para unirse
a los suyos, sino una consecuencia inevitable de la violencia que se vive en La Pampa.
Violencia anunciada desde el comienzo de la obra por un coro de hombres y mujeres del
pueblo y otro de brujas. Este último, lo leo como un homenaje a Shakespeare.20
Según la protagonista, su decisión de oponerse a los designios de Galván,
enterrando a su hermano y luego de aceptando la muerte, hubiese sido celebrada por su
padre que murió luchando contra los indígenas, si ella no la hubiese debilitado por la
pasión terrena, que la llevó incluso a cuestionarse la decisión tomada. La reflexión es
que el “trabajar” la muerte se realizó sin pensar en el otro (Lisandro-Hemón):
ANTÍGONA: (…) Si yo hubiese muerto anoche, mi padre hubiera salido a recibirme,
allá en el bajo: él y sus veinte sables rotos. ¡Ahora no saldrá! (…)
MUJER 1 (al coro de mujeres): ¡No entendemos lo que dice!
ANTÍGONA: Porque Antígona Vélez fue madre antes que novia. Facundo Galván y yo
hemos trabajado con la muerte, sin pensar en el Otro, que también debió ser escuchado.21
18
Cf. http://ponce.inter.edu/html/Inter_Ethica/pdf/de_sofocles_a_Luis_Rafael_Sanchez_y_
otras_Antmgonas.pdf.
19
MARECHAL. Antígona Vélez, p. 50.
20
Las brujas tienen una importancia indiscutible en la obra de este escritor, por ejemplo, en Macbeth son
quienes inician la pieza.
21
MARECHAL. Antígona Vélez, p. 52-53.
128
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Antígona Vélez se contradice, se cuestiona el no haber contemplado en su decisión al
que está vivo, pero tiene vergüenza de no ser recibida con los sables por quien ya se fue
de este mundo. En la dicotomía, vence la muerte y así se lo comunica a Lisandro: “Y
Antígona debe morir”.22 Después sólo sabremos de su deceso, como en las tragedias, por
la voz de los otros. La diferencia aquí está en que Lisandro no se suicida frente al
cuerpo de Antígona, sino que decide morir con ella: Las mujeres exclaman “¡Dos parejeros
frente al sol! ¡Y la muerte delante!”.23 Ellas mismas son las que informan que brillan las
lanzas indígenas que anuncian el fin de la pareja.24
Al contrario del personaje de la obra clásica, el Creonte de esta obra no siente
culpable de no haber pensado en el otro al “trabajar la muerte”, él cree que hizo lo que
debía y, retóricamente, transforma la muerte de los jóvenes en un acto heroico. La
justifica, así como se han justificado tantas otras producidas por las guerras que se han
librado en “Nuestra América”:25
HOMBRE 1 (a Don Facundo): Señor estos dos novios que ahora duermen aquí no le
darán nietos.
DON FACUNDO: ¡Me los darán!
HOMBRE 1: ¿Cuáles?
DON FACUNDO: Todos los hombres y mujeres que, algún día, cosecharán en esta
pampa el fruto de tanta sangre.26
La tesis sustentada es que la muerte épica es la semilla que exige la patria para la
felicidad de las futuras generaciones. Ese es el “común” postulado por el nacionalismo
argentino y dentro del cual se inscribe la pieza analizada.
MEDEA
Medea es un personaje extremamente complejo. Seductora, extranjera y maga es
capaz de cualquier cosa en función de la pasión. Desde el fratricidio que le permitirá
quedarse con quien ama hasta el asesinato de sus propios hijos cuando es traicionada.27
Agreguémosle a eso lo que expone Tereza Virgínia Barbosa, específicamente, con relación
al lenguaje de las tragedias:
22
MARECHAL. Antígona Vélez, p. 57.
MARECHAL. Antígona Vélez, p. 58.
24
Es interesante connotar que en esta parte el coro es sólo de mujeres.
25
Expresión utilizada por José Martí en Nuestra América. Me parece oportuno, a propósito de la ideología
de Antígona Vélez, recordar un fragmento de este texto: “¿En qué patria puede tener un hombre más
orgullo que en nuestras repúblicas dolorosas de América, levantadas entre las masas mudas de indios, al
ruido de pelea del libro con el cirial, sobre los brazos sangrientos de un centenar de apóstoles?” Cf. http:/
/www.ciudadseva.com/textos/otros/nuestra_america.htm.
26
MARECHAL. Antígona Vélez, p. 63.
27
El mito de los argonautas tiene un origen muy remoto, probablemente asociado a las expediciones
griegas en el mar Negro, durante el período micénico. Pero si tomamos como base las referencias
reminiscentes, somos llevados a creer que el asesinato de los hijos por Medea es fruto de la creación de
Eurípides. VIEIRA, T. Nota preliminar In Eurípides. Medea, p. 9-10.
23
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
129
Aristóteles (Retórica 1410b), en una obra dedicada a la elocuencia, dice que este modo
de hablar por medio de metáforas es, para todos, natural y agradable, pues está al servicio
de, antes que nada, de enseñar de manera visual, rápida y eficaz y, aún más, sin obviedad,
guardando la sensación de distanciamiento.28
En nuestra sociedad el lenguaje metafórico, de ese período, es de difícil acceso para la
mayoría de las personas. En esas condiciones, y sin pensar en el peso que tiene para un
actor representar un clásico, asumir este personaje y llevarlo a la escena no es una
tarea fácil y diversas alternativas han sido puestas en los palcos de la historia del teatro
para realizarla. 29
En este caso, me avocaré al análisis de la actualización hecha en el 2013 por
Mayombe Grupo de Teatro. Este trabajo se constituye como un clásico de fútbol en un
estadio-arena-show donde cuatro personajes (Antígona, Fausto, Medea y Ulises),
articulados y provocados por un mediador, se enfrentan a sus trayectorias y a las de
quienes los llevan a escena (los actores). De esta forma, la obra se configura como teatro
performance tanto por la dinámica de construcción espectacular (juego entre representación
de los personajes y presentación de los actores) como por el rescate del pasado (mitológico
de los personajes representados y vivencial-afectivo de los propios actores).
Marina Viana construye su Medea en la parodia (no necesariamente cómica) de
las representaciones hechas por otras actrices en diferentes períodos históricos (Bibi
Ferreira, Maria Callas, etc.) a lo largo de la historia del cine y del teatro. Parte desde la
problemática de la heroína griega para llegar al cuestionamiento de la actriz frente al
peso del personaje y de lo que él hace con la vida de sus hijos y, en algunos casos, con
la suya. Medea mata, la actriz no. Así lo explicita:
Entonces, yo mato. En algunos casos, yo puedo morir también. En otros puedo huir con el
carro del sol. Pero yo mato.
Yo que no mato nada. Yo no mato nada carajo. Voy a cargar de todo vida afuera,
marcas de amor, de luto, de espolón. Eurípides no conoce mi lado occidental, ni como es
rico mi dios ex machina.30
La acción dramática constructora de la tragedia clásica y del personaje es el asesinato.
En la pieza del Mayombe Grupo de Teatro el personaje la desvela para luego resistirla y,
28
“Aristóteles (Retórica 1410b), em uma obra dedicada à eloquência, que este modo de falar por meio
de metáforas é, para todos, natural e agradável, pois tem a serventia de, antes de qualquer outra coisa,
ensinar de maneira visual, rápida e eficaz e, ainda mais, sem obviedade, guardando a sensação de
estranhamento.” BARBOSA. Prefacio de la Medeia, de Eurípides, p. 36.
29
Trasladada a Turquía o al África, situada en medio del conflicto entre irlandeses e ingleses, convertida
en metáfora de la tierra expoliada o medio para abogar contra la represión sexual, la figura de Medea se
proyecta en el teatro de las últimas décadas de modo tal que no hubiera podido preverse en los años
treinta, cuando Lenormand y Maxwell Anderson deciden sacar a la heroína de su contexto habitual y
ubicarla en Asia y en los mares del Sur. CANCELA. Medea y la voz del otro en el teatro latinoamericano
contemporáneo. Cf. 148.202.18.157/sitios/publicacionesite/pperiod/laventan/.../69-90.pdfý.
30
“Daí eu mato. Em alguns casos, eu posso morrer também. Em outros posso fugir com o carro do sol. Mas
eu mato.
Eu que não mato nada. Eu não mato porra nenhuma. Vou carregar tudo vida fora, marcas de amor, de
luto, de espora. Eurípides não conhece meu lado ocidental, nem como é gostoso meu deus ex machina.”
VIANA, Marina. Medea. Klássico (com k), s/p.
130
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
con ello, al destino que le fuera trazado; sólo que para hacerlo mata la propia
representación de Medea y se asume totalmente como actriz en la escena final.
Toda esta situación dramática está permeada por un tipo de humor irónico y por
la construcción escénica metateatral. Esa opción estética crea una zona de
indeterminación, propia del teatro “micropoético”,31 plagada de tensiones no resueltas
entre lo que se representa y quien lo hace. Esta posición de enunciación busca generar
un tipo de espectador que incluso se cuestione su propio lugar, su propia historia: “Todo
espectador es de por sí actor de su historia, todo actor, todo hombre de acción, espectador
de la misma historia”.32
Esta dinámica nos lleva al conflicto de matar por pasión presente en la tragedia
de Eurípides y a la reflexión metateatral con relación a la representación de Medea en
Klássico (com K): ¿puede un actor-actriz representar lo que no está dentro del universo
de los posibles que lo conforman como sujeto? ¿Puede representar un asesinato sin haber
asesinado a nadie? La historia del teatro parece decir que sí, la performance lo niega.
Klássico (com K) lo coloca en escena de forma tensional generando un clímax dramático
entre la pasión y muerte que significa construir un personaje y despojarse del del mismo
al interior de un solo espectáculo. De hecho, el personaje de Medea en esta pieza está
construido a partir del deseo de representarlo de la actriz y el borde es la muerte,
metafórica, de no conseguirlo. La expresión gestual en la fotografía de la página siguiente
aclara esta imagen.
La tragedia nació del culto a Dionisio, el teatro recrea el culto y la fiesta con
múltiples estéticas. Una de ellas, con fuerte presencia en la escena contemporánea, es
la actualización de los mitos. Algunas veces más cerca de la tragedia, otras más lejos;
pero casi siempre retomándolos para discutir problemáticas existenciales y sociales
presentes en las obras clásicas y que continúan con un peso innegable en el presente.
En las tres piezas que analicé esto último es lo que sucede, por ello pude discutir
la relación entre deseo y muerte en las tres protagonistas a la vez que analizaba el lugar
de enunciación desde el cual se trazaba la confrontación con las estructuras de poder
existentes. De esta forma, en La viuda de Apablaza la muerte de la protagonista restituye
el orden preexistente al conflicto; en Antígona Vélez la muerte de los jóvenes es
trasformada en un acto heroico de construcción nacional y en Klássico (con K) se utiliza
para cuestionar la propia representación.
El tema de la muerte femenina como restitución del orden perdido está presente
en las tragedias de Sófocles y Eurípides y en las dos primeras actualizaciones estudiadas,
me parece que ello ocurre porque en el reparto de lo sensible a las mujeres les tocó (y a
veces aún les toca) el papel de ser castigadas si desean más allá del límite permitido
dentro de la configuración simbólica conservadora, pre existente en sus sociedades, y
es ello lo que les acarrea la muerte. En la última pieza, la actriz se niega a recorrer ese
31
“La micropoética es la poética de un ente poético particular, de un ‘individuo’ (Strawson, 1989)
poético. Suelen ser espacios de heterogeneidad, tensión debate, cruce, hibridez de diferentes materiales
y procedimientos, espacios de diferencia y variación, ya que en lo micro no suele reivindicarse la
homogeneidad ni la ortodoxia”. DUBATTI. Cartografía teatral. Introducción al teatro comparado, p. 80.
32
RANCIÈRE. El espectador emancipado, p. 23.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
131
132
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
camino, pero su deseo de asumir la fuerza del personaje es tan intenso que una de las
dos debe morir. Elige el personaje.
Por lo tanto, no se trata, en estas piezas latinoamericanas, de una pulsión de
muerte ajena a los contextos que la crean, más bien se trata de desear intensamente la
vida, el sentido que le han dado a la misma y, es ello, lo que las hace superar la
materialidad del cuerpo. De este modo, Antígona Vélez acepta su muerte en pos de la
“patria”, La viuda de Apablaza se suicida restituyendo el orden familiar perdido y MedeaMarina después de llegar al clímax de la representación, la destruye argumentando
que el personaje es capaz de matar, pero su propio cuerpo es incapaz de hacerlo.
AA
ABSTRACT
From Rancière’s theory on the distribution of the sensible (2009),
is established in this essay a relationship between desire and death
in three Latin American plays based on classic tragedy. In order
of premieres, they are: La viuda de Apablaza, 1928, in Chile
(Phaedra), by Germán Luco Cruchaga, Antigona Vélez, 1952, by
Leopoldo Marechal, in Argentina (Antigone) and Klássico (com
k), 2013, by Mayombe Grupo de Teatro, in Brazil (Medea).
According to Rancière, “what we call image is an element within
a device that creates a sense of reality, some common sense” (El
espectador emancipado, p. 104). The three heroines present
characters configured by the subversive tension between desire
and death. Their images acquire peculiarities, specific ways of
reality according to each of the “devices” in which they find
themselves. It is intended to discuss the issue of women´s death
as restitution of the lost order, which is present in the tragedies
of Sophocles and Euripides, in the studied updates.
KEYWORDS
Phaedra, Antigone, Medea, distribution of the sensible,
desire, death
REFERENCIAS
ARLT, Mirta. El mito griego: permanencia y relatividad en Antígona Vélez de Marechal.
En: PELLETTIERI, Osvaldo. (Ed.). De Esquilo a Gambaro. Teatro, mito y culturas griegos
y teatro argentino. Buenos Aires: Ed. Galerna, 1997, 127p.
BARBOSA, Tereza Virgínia. Prefácio. En: EURÍPIDES. Medeia. São Paulo: Ateliê
editorial, 2013, p.13-39.
BRANDÃO, Junito de Souza. Teatro grego. Tragédia e comédia. Petrópolis: Vozes, 2009, 120 p.
LUCO CRUCHAGA, Germán. La viuda de Apablaza. En: HURTADO, M.; M. BARRÍA
(Orgs.). Antología: un siglo de dramaturgia chilena V. I. Santiago. Bicentenario, 2010, 225 p.
DONCEL, María Margarita. De Sófocles a Luis Rafael Sánchez y otras Antígonas: un canto
a la libertad. Disponible en: <http://ponce.inter.edu/html/Inter_Ethica/pdf/
de_sofocles_a_Luis_Rafael_Sanchez_y_otras_Antmgonas.pdf>. Acceso: 11 enero 2014.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
133
DUBATTI, Jorge. Cartografía teatral. Introducción al teatro comparado. Buenos Aires:
Atuel, 2008, 217p.
EURÍPIDES, Medeia. Dir. e coord. Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa; trad. Trupersa. São
Paulo: Ateliê editorial, 2013, 198 p.
EURÍPIDES. Hipólito. En: EURÍPIDES. Alceste, Electra, Hipólito. Trad. Pietro Nassetti.
São Paulo: Marin Claret, 2004, 180 p.
GONZALEZ BETANCOUR, Juan David. Antígona y el teatro latinoamericano.Disponible
en: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=279021528007>. Acceso: 11 enero 2014.
HISTORIA ARGENTINA. La conquista del desierto. Disponible en: <http://
elblogdelabibliotecaria.blogspot.com.br/2009/04/historia-argentina-la-conquistadel.html>. Acceso: 14 abril 2014.
LADOBLED.COM.AR. Biografía de Lepoldo Marechal. Disponible en: <www.ladobled.com.ar/
biografias/marechal.pdfý>. Acceso: 12 abril 2014.
MARECHAL, Leopoldo. Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 2012, p. 13-63.
MARTÍ, José. Nuestra América. Disponible en: <http://www.ciudadseva.com/textos/
otros/nuestra_america.htm>. Acceso: 16 enero 2014.
MAYOMBE GRUPO DE TEATRO. Klássico (com K). Belo Horizonte: Esquyna Espaço
Coletivo Teatral, 2013.
MARTÍNEZ PÉRSICO, Marisa. Disponible en: <https://www.academia.edu/3157864/
Leopoldo_Marechal_entre_la_cuerda_poetica_y_la_cuerda_humoristica>. Acceso: 12
abril 2014.
MIRANDA CANCELA, Eline. Medea y la voz del otro en el teatro latinoamericano
contemporáneo. Disponible en: <148.202.18.157/sitios/publicacionesite/pperiod/laventan/
.../69-90.pdf>.ý Acceso 11 enero 2014.
MONGES, Hebe. Prólogo de Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 2012. p. 7-12.
MONGES, Hebe. Póslogo de Antígona Vélez. Buenos Aires: Colihue, 2012, p. 65-80.
PIÑA, Juan Andrés. Historia del teatro en Chile 1890-1940. Santiago: Ril Editores, 2009, 413 p.
PRADENAS, Luis. Teatro en Chile. Huellas y trayectorias XVI-XX. Santiago: Ediciones
LOM, 2006, 519 p.
RACINE, Jean. Fedra. Trad. Millôr Fernades. Porto Alegre: Pocket, 2002, 108 p.
RANCIÈRE, Jacques. El reparto de lo sensible. Estética y política. Santiago: Lom Ediciones,
2009, 62 p.
RANCIÈRE, Jacques. El espectador emancipado. Trad. Ariel digon. Pontevedra: Ellago
ediciones, 2010, 134 p.
ROJO, Grínor. Los orígenes del teatro hispanoamericano contemporáneo. Valparaíso:
Ediciones universitarias de Valparaíso, 1972, 227 p.
VIEIRA, Trajano. Nota preliminar. En: EURÍPIDES. Medeia. Edición bilingue. Trad.
Trajano Vieira. São Paulo: Editora 34, 191p.
Recebido em 19 de janeiro de 2014
Aprovado em 28 de abril de 2014
134
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ELEMENTOS
PLAUTINOS EM O SANTO E A PORCA,
DE ARIANO SUASSUNA*
PLAUTINE
ELEMENTS IN ARIANO SUASSUNA’S O SANTO E A PORCA
Matheus Trevizam**
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
De acordo com indicações oferecidas pelo próprio Ariano
Suassuna, sua peça O santo e a porca dialoga decididamente
com a Aulularia de Tito Mácio Plauto. Neste processo, a
caracterização típica de algumas personagens permanece, com
muito da trama e o emprego de nomes pessoais expressivos.
Neste artigo, será nossa tarefa procurar por pontos de
coincidência entre os dois produtos teatrais aludidos, sobretudo
em relação à personagem do avarento e a elementos
selecionados da trama.
PALAVRAS-CHAVE
Aulularia, O santo e a porca, comédia, adaptação, personagem
C ONTEXTUALIZAÇÃO
DO TEMA
A associação entre a produção dramática de Ariano Suassuna (1927-...),
“encarnada” em peças como O santo e a porca, O casamento suspeitoso, o Auto da
compadecida e a Farsa da boa preguiça, e matrizes ditas de “cultura erudita”, não é
nenhuma novidade. Vários estudiosos, assim, têm insistido no fato de que o dramaturgo
paraibano fundiu em suas peças traços da cultura popular nordestina a outros cuja
procedência nos remete à grande literatura europeia de variados períodos históricos
(Antiguidade, Idade Média, sobretudo na vertente sacra ou profana dos autos e farsas,
Barroco, Classicismo francês do século XVII...), operando, como observa o próprio
Suassuna, com objetivos renovadores de nossas letras e de inscrição de elementos
regionais também no círculo “universalista” das formas literárias ocidentalmente
consagradas: “O movimento armorial pretende realizar uma arte brasileira erudita a
partir das raízes populares da nossa cultura”. 1 (1976, p. 49)
* Meus especiais agradecimentos às profªs. drª. Rosario López Gregoris (Universidad Autónoma de
Madrid – Madrid, Espanha) e drª. Isabella Tardin Cardoso (IEL-Unicamp – Campinas/SP – Brasil),
pelas cuidadas sugestões e esclarecimentos em aspectos vinculados à sua área de especialidade, a
comédia latina antiga.
** [email protected]
1
Apud VASSALLO. O sertão medieval, p. 26.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
135
Ora, semelhante maneira de proceder na construção de peças como as acima
citadas não deve ser compreendida como se de algo gratuito se tratasse. Referimo-nos,
aqui, à inscrição do teatro de Suassuna no plano mais vasto de toda uma “arte armorial”,
segundo os dizeres dos próprios envolvidos no movimento de cultura em questão. Como
nos explica Idelette Fonseca dos Santos, as raízes deste movimento, que teve no próprio
Suassuna seu mais importante expoente e condutor,2 podem ser situadas nas décadas
anteriores à evidente declaração, por esse artista e dramaturgo, de haver algo
minimamente estruturado nesse sentido, o que apenas ocorreu em 1970, quando ele
explicitou ao público, no programa de um concerto musical oferecido na igreja de São
Pedro dos Clérigos, no Recife, a existência do “armorialismo”.
O movimento armorial, então, cujas práticas mais ou menos intercoordenadas por
variados artistas precederam qualquer manifesto teórico, caracteriza-se por certa
circunscrição no espaço e no tempo: todos aqueles nele implicados são nascidos no
Nordeste brasileiro, sobretudo em Pernambuco e nos estados vizinhos da Paraíba e de
Alagoas. Tais agentes de cultura, ainda, em geral oriundos do ambiente agrário nordestino,
dali conservaram, apesar de cedo “transplantados” para a vida urbana do Recife,
metrópole daquela região, “uma nostalgia muito forte”,3 a qual se desdobra em constantes
evocações artísticas do universo sertanejo. Por outro lado, temporalmente, se é associável
ao próprio teatro de Suassuna, que se estende ao menos em um arco cronológico
compreendido pela década de 40 do século XX até suas principais peças, já nos anos 50
e 60 do mesmo século, o marco fundador do armorialismo na cultura brasileira, os anos
70 significaram a abertura de um novo e derradeiro4 “período” no movimento. Ele se
chamou “fase romançal” e foi afim não só à diversificação prática das atividades armoriais
sob a égide política do dramaturgo, então secretário de Educação e Cultura do município
do Recife (1975), mas ainda à cunhagem desse novo e misterioso nome, cujas origens
mantêm elos inclusive com a ideia do “romanceiro”, aquele rico conjunto de narrativas
populares brasileiras orais e escritas, cuja estrutura, “herdada da Europa, adaptou-se
tão perfeitamente aos temas e às vozes nordestinas”.5
Quanto ao nome “armorial”, em si evoca elementos de nobreza, por corresponder
a estrita definição do termo, em português, ao conjunto dos brasões atinentes a um
dado povo ou a uma dada região, 6 em evidente conexão com o período histórico da
2
Não nos devemos esquecer, porém, de nomes como os do artista plástico Gilvan Samico e de Marcus
Accioly, também inscritos com outros na “armorialidade” (cf. SANTOS. Em demanda da poética popular,
p. 24).
3
Cf. SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 24.
4
SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 32: “Se os movimentos têm data e hora para nascer, seus
óbitos raramente são registrados em cartório. Podemos, no entanto, arriscar a data de 1981 como a do fim
do movimento, quando Suassuna, numa carta aberta publicada no DP, declara abandonar a literatura,
deixar de publicar, de dar entrevistas, em suma, retira-se do palco cultural para realizar um balanço
pessoal. Não virou eremita, continuou sendo professor, mas manteve, por quase dez anos, um silêncio
‘ensurdecedor’”.
5
SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 31.
6
HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, p. 184.
136
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Idade Média, tantas vezes incorporado à dramaturgia e à arte de Suassuna. Além disso,
bem documentou Idelette Fonseca dos Santos, trata-se de um termo sonoramente atrativo
e de possíveis remissões ao aspecto plástico da heráldica, com seus esmaltes coloridos,
animais fabulosos, “sóis, luas e estrelas”, 7 como se, em um grande projeto artístico
destinado a realizar- se em mais de uma vertente, o rico universo dos brasões
correspondesse a um signo da multifacetada beleza das obras armoriais, fossem elas
dramas, xilogravuras e pinturas, esculturas, cerâmicas ou músicas...
O esboço dessas explicações e a identificação dos principais traços do armorialismo
com os de uma poética pautada pela maciça incorporação de elementos populares
nordestinos – sobretudo aqueles oriundos da literatura de cordel, a qual Lígia Vassallo
considera corresponder à matéria-prima mesma dos escritores armoriais8 – a estruturas
de matriz diferenciada, como as formas expressivas da Idade Média, da Antiguidade ou
de outros tempos, favorecem propor a ideia de todos os produtos culturais oriundos
desse movimento sob a marca de uma mestiçagem inerente ao próprio povo brasileiro.
Além disso, para a efetiva concretização da passagem do popular ao erudito, as formas
consagradas de matriz culta amiúde se revestem, no contexto armorial, do papel de
“pontes” interculturais, com caráter eminentemente recriador. 9
ELEMENTOS
DE
PLAUTO – AULULARIA –
EM
O
SANTO E A PORCA
(1957),
DE
ARIANO SUASSUNA
As relações de proximidade entre esta peça moderna de Ariano Suassuna e o
legado do comediógrafo romano Tito Mácio Plauto (aproximadamente 230-180 a.C.)
evidenciam-se já no subtítulo de O santo e a porca, no qual lemos, na edição José
Olympio de 2008, “Imitação nordestina de Plauto”. Ora, o antigo conceito retórico da
imitatio, que Suassuna retoma, afina-se justamente com a busca da transposição de
modelos de um para outro âmbito criativo, como se deu em Roma, por exemplo, no
poema 51 do neotérico Gaio Valério Catulo quanto a um célebre texto sáfico. 10 Tal
transposição, de modo algum meramente servil, pressupunha, todavia, a busca de
acuradas semelhanças com o modelo seguido: “Imitatio est, qua impellimur cum diligenti
ratione ut aliquorum similes in dicendo ualeamus esse.” 11
7
SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 25.
VASSALLO. O sertão medieval, p. 26.
9
SANTOS. Em demanda da poética popular, p. 36.
10
OLIVA NETO. Introdução, p. 38-39: “Designar a persona da mulher amada pelo termo Lésbia pode
reproduzir a prosódia do nome Clódia, mas antes evoca o nome e a poesia de Safo de Lesbos, pois num
tipo de verso por ela criado, o verso sáfico, Catulo compõe dois poemas só, porém fundamentais: num,
em que praticamente traduz o texto grego, poema 51, revela os sintomas físicos que manifesta ao ver
Lésbia. O outro, poema 11, é um recado de despedida, ou seja, estas composições são respectivamente
início e fim da ficção afetiva, marcados com aludir a essa poetisa de versos que são a própria perfeição
em poesia amorosa. Em Catulo, tudo é antes intertexto, criado rigorosamente nos modos alexandrinos já
discutidos, que um apaixonado relato em verso daquilo que viveu”.
11
CÍCERO. Rhet. ad Her. I, 3: “A imitação é aquilo por que somos levados, com escrupuloso método, a
lograrmos a semelhança com outros quando nos pronunciamos”.
8
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
137
No nível da construção da trama de uma e outra obra aqui sob foco analítico,
observamos, então, que se mantêm importantes estruturas na passagem do contexto
antigo e romano para o moderno e brasileiro, ou nordestino, como prefere Suassuna com
maior precisão. Assim, para retomarmos as velhas categorias filológicas da comédia de
“intriga” e de “caracteres”, observa-se com Aída Costa que a Aulularia plautina se
configura complexamente com características entrelaçadas dessas duas vertentes,12 pois,
por um lado, nela encontramos a dupla intriga da resolução do destino de Fedra e da
aula auri plena, a panelinha cheia de ouro de Euclião, e, por outro, a ênfase
ridicularizadora na personagem desse avarento caricatural.
Apenas a título de recapitulação dos principais constituintes do enredo plautino
nesta peça, lembramos que a história se inicia com a violação de Fedra, uma adolescente
filha de família modesta, por Licônides, um jovem vizinho rico, durante as festas da
deusa Ceres, quando ele se embriagara de vinho e não pudera conter-se. Dessa violência
advém a gravidez da moça, que já divisamos, no início da peça, em estágio avançado,
embora ela a escondesse por receio do pai, o avarento Euclião, com a ajuda de sua
confidente, a velha escrava doméstica chamada Estáfila.
Por benéfica intervenção do deus Lar, protetor da casa e da família de Euclião,
Eunômia, mãe de Licônides e irmã do abastado solteirão de nome Megadoro, tem a
ideia de propor ao último que se case, chegando a sugerir-lhe uma mulher rica e madura,
de imenso dote. Megadoro, porém, receoso da tirania das esposas ricas sobre seus maridos,
acede apenas em casar-se com uma moça modesta como Fedra, cuja mão pede e logo
obtém de Euclião. Importa dizer que, com semelhante instigação a que Megadoro
intentasse o casamento com a filha de Euclião, já pronta a dar à luz um filho de Licônides,
o Lar familiar buscara não a desonra pública da moça, decorrente de um escândalo
diante de seu equivocado pretendente, mas, antes, o retorno da vida aos eixos normais.
Após as cenas de preparo do casamento, em que o velho Euclião se desespera
comicamente com a presença de cozinheiros mandados à sua casa por Megadoro, a fim
de prepararem a ceia – ato III da peça, como constante das edições modernas –,13 tem
lugar um evento de grande importância para o enredo da trama plautina. Referimo-nos
ao fato de que Estróbilo, dedicado escravo do jovem e impetuoso Licônides, o qual se
pusera a caminho da casa de Euclião a mando do amo para descobrir o que se passava
quanto ao casamento de Megadoro com Fedra, vem então a surpreender o velho avarento
no ato de esconder sua preciosa panelinha no templo da deusa Fides, a Boa-fé dos romanos.
Convém momentaneamente esclarecer, em retomada das palavras do próprio deus
Lar no Prólogo da peça, que o velho Euclião recebera o objeto precioso como espécie de
12
COSTA. Introdução, p. 27.
DUPONT. Le théâtre latin, p. 115: “As comédias romanas não eram entrecortadas em atos e cenas;
este corte é uma adição discutível dos editores modernos. Mas, na ausência dos coros – a Néa apresentava
coros, que eram simples entremeios musicais e que os romanos não conservaram –, coloca-se hoje a
questão de saber como se estruturava uma comédia romana” (“Les comédies romaines n’étaient pas
découpées en actes et en scènes; ce découpage est une addition discutable des éditeurs modernes.
Mais, en l’absence de choeurs – la Néa possédait des choeurs, qui étaient de simples intermèdes musicaux
et que les Romains ne conservèrent pas –, la question se pose aujourd’hui de savoir comment se structurait
une comédie romaine.”).
13
138
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
herança de família, pois seu avô já dele dispusera, sem, por avareza, jamais revelar ao
filho, o pai de Euclião, a posse de semelhante bem. Dessa maneira, o pai de Euclião
levou vida de pobreza e sacrifícios, mas ele próprio, por condescendência do Lar para
com Fedra, que muito o honrava com oferendas de flores e incenso no altar doméstico,
veio a descobrir o tesouro num momento de angústia para a moça, pois, como sabemos,
ela fora violentada, estava grávida e desejaria casar-se com seu agressor para a correção
do dano sofrido. Contudo, tal reparação, pelos parâmetros da sociedade romana antiga,
seria mais difícil para uma moça sem nenhuma reserva familiar de dote, justificandose, assim, o circunstancial auxílio indireto do deus à sua pia servidora...
Ora, sempre em desespero pela eterna paranoia de ser roubado, Euclião
surpreendido espanca e destrata Estróbilo, que então decide vingar-se com o roubo do
tesouro do velho. Assim, quando o desconfiado Euclião carrega para fora do templo de
Fides a panelinha, suspeitoso de que Estróbilo o vira procurar ali um refúgio para o ouro,
este o segue furtivamente e vê, oculto em cima de uma árvore, o novo esconderijo a isso
destinado pelo velho no bosque de Silvano, com, enfim, o consequente roubo da panela
pelo escravo.
Derradeiramente, embora a peça nos tenha chegado mutilada, o ato V apresenta
um diálogo entre Estróbilo e Licônides, no qual o escravo confessa ao dono o roubo da
panelinha e é “convidado” por ele à devolução do objeto ao verdadeiro proprietário.
Pouco antes, porém, ainda no ato IV e diante da iminência do enlace da moça a quem
amava com o tio, Licônides confessara à mãe o seu erro e obtivera dela a promessa de
dissuadir, por um justo motivo, Megadoro da ideia de casar-se ele mesmo com Fedra;
assim, o jovem fora desculpar-se com Euclião, que, em princípio, obsessivo pela posse de
seus bens materiais, crera a culpa de Licônides apenas vinculada ao roubo da panela...
Se a reconstrução hipotética de Codrus Vrceus14 não recobre infalivelmente todas
as possibilidades conclusivas da peça plautina original, ao menos, por seu argumento e
pelos esquemas compositivos da “Comédia Nova” grega, que o autor romano antigo
retoma, parece bastante plausível aguardar para o fim da Aulularia a boa resolução dos
conflitos, ou seja, o casamento de Fedra com seu malfeitor e a devolução compensatória
da panelinha roubada a Euclião:
A história é, o mais das vezes, aquela dos amores de um jovem por uma moça, contrariados
pelos velhos. A moça é uma cortesã, propriedade de um proxeneta, e o pai do jovem lhe
recusa a soma necessária à compra. Ou se trata de uma moça livre, frequentemente
violada numa noite de embriaguez pelo jovem, ou até entrevista de soslaio em uma das
raras cerimônias públicas durante as quais as jovens gregas podiam aparecer sem ofensas
ao pudor. A moça espera um bebê. Ela não tem dote. De todo modo, o pai opõe-se ao
14
Cf. nota 48 de COSTA à sua tradução da Aulularia, p. 125: “Codrus Vrceus, sábio do século XV,
reconstituiu o fim do 5º Ato, baseado em elementos fornecidos pelo Prólogo, pelo Argumento e por
alguns versos citados por um gramático”.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
139
casamento porque tem outros objetivos para seu filho. Mas tudo acabará bem, a cortesã
será comprada ou a moça desposada.15
Ora, a peça moderna brasileira “herda” de Plauto importantes elementos
estruturadores que remontam, na verdade, aos modelos gregos do dramaturgo romano.16
Referimo-nos à dupla estruturação em torno da figura de um avarento – neste caso,
Euricão Árabe17 – e da resolução de conflitos instaurados no início da trama. Esses, no
novo contexto, são basicamente o casamento impedido entre Margarida, a jovem filha
de Euricão, e Dodó, o filho de um fazendeiro de posses razoáveis, de nome Eudoro; além
disso, há o polo temático do destino da porca de Euricão, espécie de “cofre” secreto
onde ele guardara, por anos a fio e com ciosa cautela, todas as economias resultantes de
uma vida de privações para si e para os seus. Cremos de utilidade, em seguida, expor em
breves linhas elementos do enredo de O santo e a porca, para o comentário comparativo
desse aspecto da peça moderna com seu correlato antigo.
Em indeterminada situação geográfica do Nordeste brasileiro, porém em ambiente
urbano, um velho avarento de nome Euricão Árabe mora com a filha, Margarida, a
esperta criada Caroba, a irmã solteira, Benona, e um empregado de armazém, Dodó
Boca-da-Noite (na verdade, o filho disfarçado do fazendeiro Eudoro). Também
frequentam a casa o próprio Eudoro, em dada circunstância do desejo de pedir a mão
de Margarida, e Pinhão, seu criado e auxiliar de Dodó no engano a seu pai; Pinhão era,
ainda, noivo de Caroba, e pretendiam casar-se. Quanto, propriamente, às intenções de
Eudoro para com Margarida, nasceram, informa-nos a peça de Suassuna, depois de uma
visita da moça à sua fazenda. Contudo, tratar-se-ia essa de uma união “equivocada”
pelos parâmetros teatrais de matriz plautina, pois, na verdade, Margarida amava Dodó,
era por ele amada, e o jovem viera disfarçado para junto dela, como grotesco empregado
de armazém (corcunda, de barbicha, retorcido...), por não desejar estudar no Recife,
apenas “criar gado” e unir-se à moça de seus sonhos.
A chegada de Eudoro à casa de Euricão, assim, representa uma oportunidade
para que a esperta Caroba, com uma série de intrincados ardis, consiga desfazer as
situações indesejadas e encaminhar o casamento desse homem com Benona, de quem
15
DUPONT. Le théâtre latin, p. 107: “L’histoire est le plus souvent celle des amours d’un jeune homme
avec une jeune fille contrariées par les vieillards. Soit la jeune fille est une courtisane, propriété d’un
proxénète, et le père du jeune homme lui refuse les sommes nécessaires à son achat. Soit il s’agit d’une
jeune fille libre, souvent violée un soir d’ivresse par le jeune homme, ou bien entrevue furtivement dans
une des rares cérémonies publiques durant lesquelles les jeunes filles grecques pouvaient paraître sans
offenser la pudeur. La jeune fille attend un enfant. Elle est sans dot. De toute façon, le père s’oppose au
mariage parce qu’il a d’autres vues pour son fils. Mais tout finira bien, la courtisane sera achetée ou la
jeune fille épousée”.
16
GRIMAL. O teatro antigo, p. 97: “Estas comédias estão manifestamente muito próximas uma da outra
pela intriga; são todas imitações de modelos gregos, pertencendo à comédia nova. Refletem, portanto,
os costumes e as preocupações da sociedade grega de finais do século III ou II a.C”.
17
SUASSUNA. Nota do autor, p. 24: “Para indicar isso, aproveitei, entre outras coisas, a circunstância
de ser Euricão Engole-Cobra um estrangeiro, um ‘árabe’, como se diz, no Sertão, dos sírios, árabes e
turcos enraizados, e insinuei, através disso, nossa própria condição de desterrados: ‘Não temos, aqui,
cidade permanente’ (Hebreus 13, 14)”.
140
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
fora noivo no passado, de Margarida com Dodó, enfim com a anuência dos pais de
ambos, e o seu com Pinhão, para o que ainda necessitariam conseguir algum remédio
para a própria pobreza... Segundo observações de Lígia Vassallo, a “complicação”, em
Suassuna, do esquema plautino básico dos dois pretendentes a uma só moça – vindo a
direcionar-se a obra do dramaturgo paraibano para nada menos que três casamentos! –
resulta da incorporação adicional de elementos da peça O avarento, de Molière, em
que havia mais uniões matrimoniais do que em Plauto.18
O modo engendrado por Caroba e pelo noivo para obter o dinheiro indispensável
ao início de sua nova vida foi solicitarem a Eurico o vale de vinte contos que Eudoro lhe
dera no início da peça, quando a empregada aconselhou essa artimanha ao patrão
supostamente para livrá-lo do prévio pedido de empréstimo do fazendeiro, mas, na
verdade, sempre desejando obter algo para si:
Euricão: Ai, é mesmo! E se ele não emprestar, Caroba?
Caroba: Ah, ele empresta! Vou dar um jeito nisso. O senhor me dá uma comissão?
Euricão: Se você arranjar os vinte contos? Dou.
Caroba: Quanto?
Euricão: Eu lhe dou metade daquele jerimum que o cego me deu ontem.19
Ocorre, com efeito, que Pinhão descobrira o esconderijo secreto da porca de
Euricão por uma fala indiscreta deste, quando, com medo de ser roubado em casa,
decidiu-se por ocultar o “cofre” no cemitério, por detrás do túmulo da esposa. Ora, ao
final de O santo e a porca, Pinhão exige como condição para devolver o precioso objeto
de Eurico justamente o vale monetário citado, de modo, assim, que a comissão antes
renegada a Caroba acaba por ser concedida ao casal pelo velho. Também é interessante
notar, no tocante aos princípios da ética cristã que parecem reger em superfície a
tradicional sociedade nordestina,20 que Pinhão reconhece saber que está em erro pelo
furto, mas não pode deixar de dizer criticamente a Euricão – e a Eudoro – nunca também
ter sido correta sua conduta para com os empregados, a quem sempre se negara tudo,
até o justo salário:
Pinhão: Um momento, me solte! Vá pra lá! Eu confesso que furtei essa porca, mas o
senhor não ganha nada mandando me entregar à polícia. Eu morro e não digo onde ela
está! Todo mundo fala em furto, em roubo, e só se lembra da porca! Está bem, eu furtei a
porca! Sou católico, li o catecismo e sei que isso não se faz! Mas onde está o salário de
todos estes anos em que trabalhamos, eu, meu pai, meu avô, todos na terra de sua família,
Seu Eudoro? Não resta nada! Onde está o salário de Caroba durante o tempo em que ela
trabalhou aqui, Seu Euricão? Seu Euricão Engole-Cobra?21
18
VASSALLO. O sertão medieval, p. 98.
SUASSUNA. O santo e a porca, p. 52.
20
VASSALLO. O sertão medieval, p. 58.
21
SUASSUNA. O santo e a porca, p. 147-148. Evidentemente se patenteia, nesta significativa fala de
Pinhão, o aspecto contundente da crítica social na obra de Ariano Suassuna, pois as condições de vida
da massa da população na zona rural típica do Nordeste brasileiro – o Sertão – de imediato nos remetem
à ideia da precariedade, pelo próprio fenômeno cíclico da seca que tem, há séculos, afetado aquelas
paragens. Além disso, a estrutura social em que se insere o campesinato nordestino, tradicionalmente
19
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
141
Desse modo, assim como na peça plautina, deve-se à esperteza dos subalternos o
fato de furtarem um objeto de valor – seja ele uma panelinha cheia de ouro ou uma
porca feia e velha, mas cheia de dinheiro – aos estreitos limites da sovinice alheia,
pondo-o em circulação social com vistas ao bem-estar de mais pessoas. Como outros
elementos plautinos na peça, não se pode deixar de citar, em sumário ensaio de síntese,
a própria existência de uma porca (contraponto da aula antiga, já o vimos) que
continuamente muda de lugar como resultado da paranoia do avarento,22 a proteção da
divindade ao objeto, ou às pessoas envolvidas em seu entorno, as confusões cômicas
desencadeadas pela eterna fixidez do pensamento do sovina no bem material, alguma
tentativa de conferir expressividade e reminiscências a nomes próprios que não são, é
claro, os mesmos nomes gregos da Aulularia...
Assim, enquanto o Lar familiar guardara a aula auri plena de Euclião por gerações,
para enfim fazê-la descobrir pelo velho na hora de maior necessidade para Fedra,
observamos, Santo Antônio, ente espiritual dos mais caros à devoção popular nordestina,
tem postos sob sua égide os cuidados de Euricão, seu devoto, e da porca de madeira. É
curioso notar que a “proteção” do santo, tido como poderoso casamenteiro na crença
popular, não evita a inutilidade do gesto de economia do devoto, pois, vem-se a descobrir
ao final da peça de Suassuna, as notas que a porca continha, depois de tanto tempo ali
guardadas, perderam o valor.23 Interpretamos esse desfecho como sinal do equívoco que
fora toda a vida de Euricão, fechado, em direta oposição ao caráter associativo de Santo
Antônio, em estéril isolamento e incapacidade de doar(-se).
Quanto às confusões desencadeadas pela paranoia dos avarentos em relação ao
medo do roubo de seus bens materiais, tanto em Plauto quanto em Suassuna se destacam
rendosas cenas de quiproquós, como aquela, analisada por Célia Berrettini, do pedido
de desculpas a Euclião ou a Euricão por alguém que lhes fizera mal.24 Esse alguém, na
peça romana, era Licônides, estuprador da filha do avarento, enquanto, na brasileira, é
Dodó, que se vira forçado pelas circunstâncias a trancar-se no mesmo quarto que
Margarida durante a complexa cena das entrevistas noturnas, as quais Caroba agenciara.
Nos dois casos, a posterioridade das cenas de quiproquó à desesperada descoberta, por
favorecedora de sua total dependência e submissão aos poderosos donos de terras, contribui para agravar
um quadro já debilitante da dignidade humana (cf., para testemunho ainda válido, CUNHA. Os
Sertões, p. 126: “O mesmo não acontece ao Norte. Ao contrário do estancieiro, o fazendeiro dos sertões
vive no litoral, longe dos dilatados domínios que nunca viu, às vezes. Herdaram velho vício histórico.
Como os opulentos sesmeiros da colônia, usufruem, parasitariamente, as rendas das suas terras, sem
divisas fixas. Os vaqueiros são-lhes servos submissos. Graças a um contrato pelo qual percebem certa
percentagem dos produtos, ali ficam, anônimos – nascendo, vivendo e morrendo na mesma quadra de
terra – perdidos nos arrastadores e mocambos; e cuidando, a vida inteira, fielmente, dos rebanhos que
lhes não pertencem”.).
22
Cf. passagem da porca da sala para o socavão da escada e, daí, para o socavão do túmulo da esposa de
Euricão; no contexto plautino, a aula auri plena passa da casa do avarento/ lararium para o templo de
Fides e para o bosque de Silvano.
23
SUASSUNA. O santo e a porca, p. 151: “Eudoro: Esse dinheiro está todo recolhido, Eurico! Tudo o
que você tem aí não vale nem um tostão! Euricão: Nossa Senhora, Santo Antônio! Você jura pelos ossos
de sua mãe como é verdade?”
24
BERRETTINI. De Plauto a Suassuna: o quiproquó, p. 61-65.
142
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
um e outro avarento, do roubo da aula ou da porca, bem como os termos vagos empregados
pelos culpados ou vítimas na hora da confissão sempre produzem efeitos de riso sobre o
público, sabedor da cegueira de Euclião (v. 730 et seq.) ou de Euricão:
LY. Fateor peccauisse et me culpam commeritum scio;
id adeo te oratum aduenio ut animo aequo ignoscas mihi.
740 EV. Cur id ausu’s facere, ut id quod non tuom esset
[tangeres?
LY. Quid uis fieri? Factum est illud: fieri infectum non
[potest.
Deos credo uoluisse; nam ni uellent, non fieret, scio.
EV. At ego deos credo uoluisse ut apud me te in neruo
[enicem.
LY. Ne istuc dixis.
EV. Quid tibi ergo meam me inuito tactiost?25
DODÓ: Agi mal, confesso, minha falta é grave mas vim exatamente pedir que me perdoe.
EURICÃO: Como é que você teve coragem de tocar naquilo que não lhe pertencia?
DODÓ: Espere aí! Apesar das circunstâncias serem um tanto esquisitas, o que aconteceu
foi coisa sem importância! O que eu toquei nela foi muito pouco!
EURICÃO: O que, canalha? Tanto assim que se você tocasse em meu tesouro, seria um
crime inominável! Com que direito você foi tocar naquilo que era meu?26
Nos excertos acima, de início chamamos a atenção para a proximidade das falas
de Licônides/ Dodó, como se nota pelo emprego, tanto no original latino quanto na
versão da peça moderna em português, de expressões verbais imbuídas dos significados
da falha moral (peccauisse – “que errei”/ “agi mal”) e da confissão (fateor – “confesso”/
“confesso”). Na sequência imediata do diálogo, as perguntas de Euclião/ Euricão a
Licônides/ Dodó deixam entrever a continuidade da operação imitativa do dramaturgo
antigo pelo moderno, pois, basicamente, o questionamento se iguala nas duas situações:
até o verbo “tocar” – tangere –, não adotado na tradução de Aída Costa que abaixo
citamos, mas decerto presente em Plauto, ressurge na versão modernizada de Ariano
Suassuna com o mesmo importante sentido nos contextos de ambas as peças, vale dizer,
o de uma infração por “furto”, na medida que, de qualquer modo, sempre está em jogo
alguma apropriação indevida do alheio pelas mãos de outro não autorizado. Também ao
final das duas passagens citadas observamos, em que pesem as diferenças do entremeio,
notórias semelhanças entre Plauto e Ariano Suassuna, com o ressurgimento do idêntico
verbo “tocar”, em latim e em português, e o reforço da ideia da posse (propriamente, de
bens materiais) pelos dois avarentos representados (meam – “minha”/ “meu”).
25
PLAUTO. Aulularia, p. 322 (na tradução citada de Aída Costa. PLAUTO. Aululária, p. 117-118:
“LICÔNIDES: Confesso que errei; eu sei que sou culpado. Por isso, eu vim pedir-lhe perdão, que
queiras conceder-me o teu perdão. EUCLIÃO: Como ousaste fazer isto, apoderar-te do que não é teu?
LICÔNIDES: Que queres que eu faça? O que está feito está feito. Impossível voltar atrás. Foi a vontade
dos deuses, eu acho; se eles não o quisessem eu sei que isso não teria acontecido. EUCLIÃO: Mas os
deuses quiseram também, creio, que eu te enforque em minha casa. LICÔNIDES: Não digas isso.
EUCLIÃO: Por que, sem minha ordem, tocaste nela, que é minha?”).
26
SUASSUNA. O santo e a porca, p. 137.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
143
Assim, a exiguidade dos trechos transcritos não nos impede de constatar a inegável
presença da herança plautina em O santo e a porca mesmo no aspecto miúdo da citação
textual, pois nos parece absurdo crer, diante da equivocada ideia de meras alusões
imprecisas do dramaturgo nordestino ao romano, que aspectos pontuais tão coincidentes
quanto os que acabamos de mencionar correspondam apenas a frutos do acaso. Por
outro lado, como dissemos, o teor bastante vago dos termos empregados em uma e outra
situação dramática para fazer referência, sobretudo, aos objetos de furto (id quod non
tuom esset – “do que não é teu”/ “naquilo que não lhe pertencia”) sempre desperta o riso
ao desnudar, diante do público, o caráter mesquinho do(s) avarento(s), que nada mais
sabe ver e valorizar além de seus bens monetários, mesmo quando lhe falam de coisas
completamente diferentes e, julgamos, muito mais sérias. Tem-se, então, como que um
castigo da má conduta moral pelo viés depurador do ridículo, de que, para maior
desagravo dos assistentes, a “vítima” não se apercebe...
Quanto à participação da onomástica humana na comicidade das peças de Plauto
e Suassuna, várias tentativas de interpretação, ou estabelecimento de nexos, já foram
feitas pelos críticos. Importa, no tocante ao mesmo aspecto, lembrar que esse recurso
não fora uma “invenção” de Plauto ou dos demais comediógrafos romanos, mas, antes,
originou-se na dramaturgia grega, com vários exemplos passíveis de comentário desde a
produção aristofânica. Em amostra da variabilidade expressiva que se pôde derivar dos
nomes próprios na comédia, um estudo especificamente destinado ao aclaramento do
assunto em Aristófanes, de autoria de Nikoletta Kanavou, tentou, inclusive, estabelecer
tipologias de uso dos speaking names nesse representante da chamada “Comédia Velha”
ateniense. Ela diferencia, assim, no âmbito da onomástica humana, aqueles nomes de
etimologia “encoberta”, ou seja, ambíguos em suas possíveis ligações com mais de um
étimo possível; nomes que se vinculam a dados de natureza sexual, étnica, familiar ou
social, contribuindo, então, para inserir seus portadores em algum dos “nichos”
classificatórios de seres humanos encontráveis nas diversas comunidades; nomes apenas
vagamente sugestivos de significados – por exemplo, devido a alguma sonoridade
expressiva –, mas jamais de todo identificáveis nesse quesito; nomes cuja significação
ocorre, de fato, por terem sido utilizados por alguma personagem verídica externa à
obra literária, e cujo efeito se deve justamente às suas associações com traços de caráter
do ser evocado...27
No contexto da literatura romana, ainda, a nomeação “falante” extrapola os estritos
limites da comédia, pois em seu De re rustica, a título de exemplificação, o “agrônomo”
e erudito Varrão de Reate disseminou-lhe o emprego ao longo dos diálogos agrários das
personagens envolvidas,28 as quais também se chamam Appius (a partir de apis, “abelha”
em latim), Merula (“melro”, no mesmo idioma), Vaccius (a partir de uacca, “vaca”),
Fundanius (a partir de fundus, propriedade rural), em um entorno compositivo bastante
27
KANAVOU. Aristophanes’ comedy of names, p. 3-4.
TREVIZAM. Du comique ou de la dramaticité aux dialogues champêtres de Varron et de Cicéron?,
p. 99.
28
144
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
risonho, apesar da tecnicidade dos conteúdos, e em que não faltam até chacotas contra
pessoas por conta dos nomes que apresentam.29
Na Aulularia plautina e em O santo e a porca, por sua vez, o esquema abaixo, em
que apenas incluímos os nomes das principais personagens, pode auxiliar-nos a
compreender essa face cômica das duas peças:
Aulularia
O santo e a porca
Euclio (“Euclião”)
Euricão
Staphyla (“Estáfila”)
Caroba
Strobilus (“Estróbilo”)
Pinhão
Phaedra (“Fedra”)
Margarida
Lyconides (“Licônides”)
Dodó
Eunomia (“Eunômia”)
Benona
Megadorus (“Megadoro”)
Eudoro
Ora, o nome Euclio, empregado na peça romana de Plauto, mas de origem grega,
remete-nos à significação irônica de “O de boa fama”, em desacordo com o caráter do
velho avarento na peça plautina;30 seu correlato em Ariano Suassuna, na verdade o
aumentativo de algo de todo incorporado à onomástica humana em língua portuguesa,
é um nome de origens germânicas (gótico – “Aiwareiks”), vinculando-se, ironicamente,
à ideia de alguém “muito reto”, “rico em legalidade”. 31 Deve-se notar, apesar das
significativas diferenças etimológicas, étnicas e semânticas da opção de um e outro
autor, que “Euricão” reproduz aproximadamente as sonoridades do nome empregado
por Plauto, sobretudo quando este é traduzido para nosso idioma (Euclião – Euricão).
Staphyla, do grego, nomeia em Plauto a criada da casa do avarento, que se encarrega
com esperteza, como sói acontecer nas tramas da Néa greco-latina, do auxílio à jovem
29
TREVIZAM. Du comique ou de la dramaticité aux dialogues champêtres de Varron et de Cicéron?,
p. 100: “Em uma parte ilustrativa do terceiro livro, quando muitos interlocutores cujos nomes têm
relação com o universo da ornitologia – Cornelius Merula, Fircellius Pauo, Minucius Pica e Petronius
Passer – já se encontram reunidos para discutir os assuntos da uillatica pastio ao lado de Ápio Cláudio,
Áxio faz esta pergunta algo engraçada: ‘Queres acolher-nos em teu viveiro, onde te assentas em meio
aos pássaros?’ (VARRÃO, 1997: 4 [«Dans une partie illustrative du troisième livre, quand beaucoup
d’interlocuteurs dont les noms ont des rapports avec l’univers de l’ornithologie – Cornelius Merula,
Fircellius Pauo, Minucius Pica et Petronius Passer – se trouvent déjà réunis pour discuter des sujets de la
uillatica pastio aux côtés d’Appius Claudius, Axius lui pose cette question assez drôle: ‘Veux-tu nous
accueillir dans ta volière, ou tu es assis au milieu des oiseaux?’ (VARRON, 1997: 4)»]”.
30
COSTA. Introdução, p. 30: “Comecemos pela personagem central, Euclio, cujo nome é uma formação
grega, eû-kléos, ‘boa-fama’, epíteto de intenção evidentemente irônica (ibidem, em nota na mesma
página: ‘Ou talvez: eû-kleío, o que esconde’)”.
31
Cf. MACHADO, José Pedro. Dicionário onomástico-etimológico da língua portuguesa. Lisboa: Editorial
Confluência, s.d., p. 605.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
145
ama, Fedra, bem o vimos; também acrescentamos, sobre este mesmo nome, que na origem
designava a “uva” no idioma helênico, em provável e divertida alusão ao gosto da mulher
pelo vinho. Sua correlata na peça de Suassuna, “Caroba”, apresenta função obviamente
semelhante na trama moderna, dando-se, por outro lado, que esse nome designe uma
planta – como Staphyla! –, na verdade uma grande árvore do gênero Jacaranda, da
família das bignoniáceas.32 Contudo, apesar da coincidência botânica entre “Estáfila” e
“Caroba”, não nos parecem derivar-se sentidos de ridicularização do nome da última.
O “Estróbilo” plautino e o “Pinhão” de Ariano Suassuna remetem-nos, de algum
modo, à ideia de um objeto que gira, dá muitas voltas, ou seja, um “peão” em português;33
nessa abertura de significação possível, vemos uma alusão à habilidade das duas
personagens para “virar-se” e sair-se bem das situações pouco propícias em que se encontram
(escravidão, no contexto romano, ou posição subalterna/ pobreza no brasileiro), por exemplo
através do roubo astuto da aula auri plena ou da porca de Euricão. Ao papel da moça filha
de boa família nos dois comediógrafos, por sua vez, couberam nomes, é provável, alusivos
à beleza da filha de Euclião e de Euricão: Phaedra, incorporado à língua latina, vinculase, nas origens gregas, à mesma raiz de pháos, “luz” naquele idioma, apresentando, então,
o sentido de “A luminosa”;34 quanto a “Margarida”, do latim margarita (“pérola”), designa
em língua portuguesa uma flor singela (Bellis perennis – da família das compostas),35 mas
delicadamente formada inclusive por pétalas brancas em torno de um miolo dourado.
Coube ao “malfeitor” da peça de Plauto, como explica Aída Costa, uma
denominação bastante alusiva a seu caráter de predador sexual: na verdade, Lyconides
compõe-se de lýcon eidos, “que se parece com lobo”. Seu “correlato” em O santo e a
porca é Dodó (Boca da Noite), cujo “nome”, porém, é um apelido do nome que porta
em comum com seu pai, o rico fazendeiro Eudoro; em si, no entanto, apesar das sugestões
de riqueza do nome em forma “integral” de ambos, não leva a sentidos peculiares em
nosso idioma. Na mesma família do moço da peça romana, há “Eunômia”, 36 sua mãe,
mulher de meia-idade dotada da característica do bom senso e ponderação, pois inclusive
aconselha ao irmão, Megadoro, casar-se, como “convém” a um homem “de juízo” que
“deve”, um dia, constituir família a partir de certa idade.37 Não há a mãe de Dodó na
peça de Ariano, mas sim Benona, irmã de Eurico e tia de Margarida; ela corresponde a
uma senhora solteira – ex-noiva do fazendeiro Eudoro –, cujo papel na casa dos parentes
32
HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 408.
BAILLY. Dictionnaire grec-français, p. 1801: «Stróbilos, ou: I. ce qui tourne ou tournoie, particul.:
1 toupie, Plat. Rsp. 436d ; Plut. Lys. 12».
34
Cf. Dicionário etimológico da mitologia grega (Università degli Studi di Trieste): “O nome deriva do
adjetivo phaidrós, ‘brilhante, resplandecente’, logo ‘esplendoroso, alegre’; significa, portanto, ‘a
resplandecente, a alegre’” (tradução de A. Orlando Dourado-Lopes). Cf. <http://demgol.units.it/
lemma.do?id=498>. Acesso: 21 fev. 2014.
35
HOUAISS. Dicionário Houaiss da língua portuguesa, p. 1.245.
36
BRANDÃO. Mitologia grega, vol. I, p. 205: “Uma das mais célebres dessas uniões é a de Zeus (o poder,
a autoridade) e Têmis (a justiça, a ordem eterna), que deu nascimento a Eunômia (a disciplina), Irene
(a paz) e Dique (a justiça)”.
37
PLAUTO. Aulularia, p. 268: “ME. Quid est id, soror? EVN. Quod tibi sempiternum salutare sit: liberis
procreandis (ita di faxint) uolo te uxorem domum ducere (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO.
Aululária, p. 82: ‘MEGADORO: Vejamos de que se trata. EUNÔMIA: De garantir por todo o sempre,
com os filhos que tiveres, a tua felicidade’.)”.
33
146
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
onde mora vem, de algum modo, suprir a falta da mãe de Margarida, que um dia se fora
dali, em circunstâncias não reveladas. Vagas reminiscências de tratar-se de uma pessoa
“de bem” à parte (cf., talvez, Bem + ona), a maior expressividade da palavra parece-nos
constituir-se no cotejo com o nome grego Eunomia (de eû, “bem”, “justamente”, e nómos,
“costume”, “opinião”, “lei”), cujos sons evoca (Eunomia, Benona), devendo-se notar,
nesse sentido, além das sílabas tônicas destacadas em itálico, a sucessão de outra nasal
nas seguintes e a provável correspondência semântica entre os elementos grego (eu-) e
português [bem- (n)] do início. As últimas personagens das duas peças comparadas de
que nos ocupamos correspondem a “Megadoro”/ Eudoro: ora, Megadorus, em Plauto,
provém das raízes gregas méga e dôron (“grande” e “presente”, “dom”),38 pois, na verdade,
trata-se de um rico partido, ou seja, um homem solteiro, embora de alguma idade, que
dispõe de razoável patrimônio, o qual receia, assim, gastar casando-se com uma mulher
de dote avantajado, que viesse a “comandá-lo” por seu poder econômico. A mesma raiz
grega dóron se encontra no nome em português “Eudoro”, porém desta vez precedida, na
composição, pelo mesmo prefixo “eu-” que comentamos a propósito do nome de “Eunômia”...
Como derradeiro aspecto a acrescentar a tal ponto compositivo das peças de Suassuna
e Plauto, fazemos notar que não se trataria de comicidades despertadas de imediato para
o público ingênuo: no caso do dramaturgo romano, os nomes correspondem a “importações”
do grego, o que pressuporia, como bem notou Cardoso ao pronunciar-se sobre a peça
Estico, contato razoavelmente profundo com o idioma helênico pelos ouvintes latinos aptos
a decodificar os efeitos de ridicularização almejados.39 Algo semelhante se dá em Suassuna,
pois, além do fato do emprego, por vezes, de nomes de etimologias em línguas estrangeiras
de difícil acesso às “massas” (grego antigo, gótico...), parecem fundamentais as chances
de aproximá-lo com os correlatos plautinos para que possam resultar em efeitos semânticos
distintos dos do mero “batismo” das personagens... Assim, o autor latino e o paraibano
aproximam-se na face de seu trabalho artístico que corresponde a mesclar a elementos de
cunho popular outros oriundos do âmbito da cultura erudita, muitas vezes acessível, em
sua plenitude, apenas aos mais bem preparados em sua formação letrada.
A figura de Euricão, por fim, aparece algo transformada em relação à de seu
modelo plautino na medida que dele se distancia em importantes aspectos. Assim, ele
não herda familiarmente sua preciosa porca, sucessora da aula antiga,40 mas a arranja
38
COSTA. Introdução, p. 49: “Megadorus, do grego ‘méga dôron’ (‘magnum donum’), nome que não
se incorporou ao onomástico romano, pelo que se saiba. A palavra, evidente criação plautina, significa
‘generoso’, ao pé da letra ‘grande dom’, e traz a evidente intenção de definir o caráter da personagem.
É realmente Megadoro um homem rico que recusa casamento com mulher ‘dotada’, preferindo, a esta,
uma jovem pobre”.
39
CARDOSO. Introdução, p. 36: “Contudo, a própria existência de exemplos mais evidentes, como os
mencionados, faz supor que, à época de Estico, o público de Plauto já estaria habituado com esse recurso
que joga com a significação dos nomes próprios das personagens e sua caracterização na peça. Dessa
forma, parece plausível afirmar que esse jogo de palavras, sobretudo quando enunciado por uma
personagem habilidosa em logos ridículos, faria de fato sentido, ainda que apenas para os espectadores
mais atentos ou mais afiados com o grego”.
40
SUASSUNA. O santo e a porca, p. 150: “EUDORO: Eurico, você guardou esse dinheiro muito tempo,
não foi? EURICÃO: Guardei, toda a minha vida! Quase toda a minha vida! Desde que minha mulher
me deixou! Agora, posso falar nisso, pois tudo perdeu a importância diante da porca”.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
147
para si depois da misteriosa partida da mulher, como espécie de móvel existencial
substitutivo. Também consideramos que a avareza de Euclião, a qual se prolonga por
quase toda a extensão da Aulularia, disso excluídos o acréscimo de Codrus Vrceus41 e
alguns fragmentos adicionais das edições da peça,42 apresentava características de um
padecimento, talvez, agravado pela posse de um bem tão precioso, a própria aula auri
plena, mas não desprovido de certos traços congênitos, como dá a entender a fala do Lar
familiaris no Prólogo da comédia:
Sed mihi auuos huius obsecrans concredidit
auri thensaurum clam omnis: in medio foco
defodit, uenerans me ut id seruarem sibi.
Is quoniam moritur (ita auido ingenio fuit),
numquam indicare id filio uoluit suo,
inopemque optauit potius eum relinquere,
quam eum thensaurum commonstraret filio;
agri reliquit ei non magnum modum,
quo cum labore magno et misere uiueret.
Vbi is obit mortem qui mihi id aurum credidit,
coepi obseruare, ecqui maiorem filius
mihi honorem haberet quam eius habuisset pater.
Atque ille uero minus minusque impendio
curare minusque me impertire honoribus.
Item a me contra factum est, nam item obit diem.
Is ex se hunc reliquit qui hic nunc habitat filium
pariter moratum ut pater auosque huius fuit.43
Tal conformação dos hábitos morais do protagonista da peça plautina, então, parece
apontar para relativa “estabilidade” de seu caráter, enquanto o mesmo, acreditamos,
não se dá similarmente no caso do Euricão da obra de Ariano Suassuna. Esse último,
como dissemos, sobretudo começou a guardar dinheiro compulsivamente e a temer em
todo tempo, em espécie de manifestação de atitudes paranoicas, depois de deixado pela
41
PLAUTO. Aululária, p. 129: “EUCLIÃO: A quem devo apresentar os meus agradecimentos? Aos
deuses, que não abandonam os homens bons? Às pessoas amigas e corretas? Ou a uns e a outros ao
mesmo tempo? A todos, e, primeiro, a ti, Licônides, origem e autor de tanto bem, eu te ofereço esta
panela de ouro; aceita-a de coração aberto; eu quero que seja tua, assim como a minha filha. Declaroo na presença de Megadoro e de sua virtuosa irmã Eunômia” (a edição, com texto latino de Ettore
Paratore, de que nos servimos, não traz o suplemento referente a este acréscimo).
42
PLAUTO. Aulularia, p. 334: “Frag. I. pro illis corcotis, strophiis, sumptu uxorio/ frag. IV. <EV> Nec
noctu nec diu quietus umquam eram: nunc dormiam (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO.
Aululária, p. 124: ‘I. Para pagar as fitas de açafrão, as faixas, enfim para essas despesas femininas./ IV. E
nem de noite nem de dia tinha sossego; agora vou dormir’.)”.
43
PLAUTO. Aulularia, p. 256-258 (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO. Aululária, p. 75:
“Acontece que o avô deste me confiou às escondidas de toda gente um tesouro: enterrou-o no meio da
casa, suplicando que lho guardasse. Quando estava para morrer, tal era a sua avareza, não quis, de modo
algum, revelar o segredo ao filho e preferiu deixá-lo sem recursos a dizer onde estava o tesouro. Deixoulhe apenas um pequeno lote de terra, com o qual, com muita labuta e miseravelmente, pudesse viver.
Morto o que me havia confiado o ouro, pus-me a observar se, porventura, o filho tinha por mim mais um
pouco de consideração. Ora, realmente, este cada vez se preocupava menos comigo e cada vez menos
me prestava as honras devidas. Dei-lhe a paga que merecia: morreu pobre como viveu. Deixa um filho,
o que mora atualmente nesta casa, com as mesmas características morais que o pai e o avô”.).
148
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
esposa, a mãe de Margarida, de modo incompatível com a mesma conformação congênita
e, talvez, um pouco menos episódica da avareza de Euclião: as queixas do Lar familiaris
no sentido dos poucos cuidados que a personagem do senex lhe votava como seus
ancestrais, inclusive, parecem implicar os receios desse último de gastar seus bens até
na “fase” anterior à descoberta do ouro. Ainda, em contraste com o vício associável aos
integrantes masculinos de várias gerações de sua família, Fedra, a moça violentada, a
cada dia não se furtava de dar, ou oferecer por devoção, itens sacrificiais ao próprio Lar
(vinho, incenso, coroas de flores...), em que pesem os gastos disso decorrentes.
Em Suassuna, decerto um artista de vinculações cristãs,44 por outro lado, o fim
dramático de Euricão, que não só se descobre portador de um objeto sem valia alguma
– a porca cheia de notas já tiradas de circulação –, a cuja guarda dedicara tanto tempo
e energias, mas ainda vem a tornar-se a única personagem da peça que acaba enfaticamente
só, diante de tantos casamentos e formações associativas de pares românticos, parece
revestir-se de significações atinentes a uma lição de vida dada, de forma evocativa dos
poderes divinos, ao avarento. Tudo se passa como se a “vida” em sua plenitude, ou outra
força superior que se lhe pudesse assimilar, segundo as crenças do autor, tivesse desejado
corrigir um homem posto em via “errada” por um modo bastante duro, o da decepção de
expectativas por longo tempo alentadas, mas enfim infrutíferas, pois, parece sinalizar
Suassuna, a segurança e felicidade humana não deveriam ser depositadas sobre a posse
de bens materiais, sobretudo quando sua acumulação implica sofrimentos e expropriações
do devido aos outros. Essa peculiar conformação dada pelo dramaturgo paraibano para
o desfecho da história acaba por desembocar, na última fala da peça, em um Euricão ao
menos um pouco transformado, na medida que se torna capaz de questionar-se sobre o
significado das duras vicissitudes que teve de enfrentar. 45 Nesse sentido, associável a
uma maior complexidade e a uma não tão risível história de vida, Euricão Árabe destoa
do caráter típico de seu modelo romano.46
44
SUASSUNA. Nota do autor, p. 25: “Isto quanto à porca. Ela apresenta a vida como um impasse, cuja
única saída é Deus. ‘Se Deus não existe, tudo é permitido’, dizia Ivan Karamázov, isto é, o mundo moral
ficaria inteiramente destituído de sentido. E claro que não sou nenhum Dostoievski nem estou, nem de
longe, comparando as duas obras, mas sim comentando uma semelhança de situações; pois o que
Euricão descobre, de repente, esmagado, é que, se Deus não existe, tudo é absurdo. E, com esta
descoberta, volta-se novamente para a única saída existente em seu impasse, a humilde crença de sua
mocidade, o caminho santo, Deus, que ele seguiria num primeiro impulso, mas do qual fora desviado
aos poucos, inteiramente, pela idolatria do dinheiro, da segurança, do poder, do mundo”./ Cf. ainda
MELO. Notícia biobibliográfica, p. 14: “Gostaria [Ariano Suassuna] de crer em Deus como as crianças
creem, mas crê com angústia, fervor e perguntas. (...) Seu caráter é ouro de lei, e embora o negue,
esforça-se para amar os inimigos, como manda o Evangelho. Pode, pessoalmente, atacar um amigo, mas
defende-o de público até com armas na mão. A arte e a religião são por ele encaradas de maneira
fundamental (DECA, revista do Departamento de Extensão Cultural e Artística da Secretaria de
Educação e Cultura de Pernambuco, Recife, ano V, n. 6, 1963, p. 7)”.
45
SUASSUNA. O santo e a porca, p. 153: “EURICÃO: Bem, e agora começa a pergunta. Que sentido
tem toda essa conjuração que se abate sobre nós? Será que tudo isso tem sentido? Será que tudo tem
sentido? Que quer dizer isso, Santo Antônio? Será que só você tem a resposta? Que diabo quer dizer
tudo isso, Santo Antônio?”
46
DUPONT; LETESSIER. Le théâtre romain, p. 106-107: “Hoje, um ator a quem um diretor ou um realizador
confia uma personagem faz um grande número de perguntas sobre a história, sobre a própria personagem
(quem é ela, o que faz, onde está...), sobre sua forma de se movimentar, de falar, de vestir-se... Um ator
romano a quem se confiava uma personagem nada tinha de saber a não ser de que papel se tratava para
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
149
Ainda, propor lições “morais” tão contundentes para o público das peças parece
não ter correspondido ao objetivo central da comédia plautina,47 a qual por vezes se
definiu, apesar da exposição dos vícios à ridicularização pública, como um espetáculo
“lúdico”,48 e cujas personagens em geral tinham destinos não tão infelizes mesmo após
condutas consideradas, socialmente, bastante ruins (vejam-se os exemplos reiteráveis
do seruus callidus – “escravo esperto” –, como o Estróbilo da Aulularia, e do próprio
Licônides dessa peça, enfim capaz de assumir e reparar o seu erro).49
Os exemplos apresentados, esperamos, possibilitam em alguma medida apreciar a
extensão da incorporação de Plauto por Ariano Suassuna na produção moderna
considerada. Então, de modo em nada servil, o dramaturgo brasileiro obteve ricos efeitos
de diálogo com o predecessor antigo, simultaneamente tomado para modelo da trama e
construção cômica das personagens e transformado, quando isso lhe serviu a adaptar-se
ao novo contexto (moderno, cristão e nordestino) em pauta e às suas visões de mundo.
No aspecto da incorporação e mescla de elementos eruditos oriundos da cultura clássica
conhecer seus trajes, seu gestual e seu lugar na história. Entendemos melhor por que motivo essas coisas se
parecem todas. É porque cada papel tem uma função particular no que constitui o esquema representacional
da comédia. É porque estamos em um teatro onde são os papéis que determinam a história e não o inverso”
(“Aujourd’hui, un acteur à qui un metteur en scène ou un réalisateur confie un personnage, pose un grand
nombre de questions, sur l’histoire, sur le personnage lui-même [qui il est, ce qu’il fait, où il est...], sur sa façon
de bouger, de parler, de s’habiller... Un acteur romain à qui on confiait un personnage, n’avait qu’à savoir de
quel rôle il s’agissait pour connaître son costume, sa gestuelle et sa place dans l’histoire. Nous comprenons
mieux pourquoi celles-ci se ressemblent toutes. Parce que chaque rôle a une fonction particulière dans ce
qui constitue le schéma actantiel de la comédie. Parce que nous sommes dans un théâtre où ce sont les rôles
qui déterminent l’histoire et non l’inverse”.).
47
GAILLARD; MARTIN. Les genres littéraires à Rome, p. 268.
48
POCIÑA. Épica y teatro, p. 35-36: “Se se tivesse de definir de alguma maneira qual foi o ponto de vista que
centrou o interesse de Plauto, bastaria talvez dizer que se tratou de fazer rir a múltipla e diversificada
população romana de seu tempo, que se apinhava nos recintos em que se representavam suas comédias. Para
consegui-lo, Plauto punha em jogo os mais variados recursos cômicos de natureza popular, jogando o mais
possível com o movimento cênico (comédia motoria), a ruptura frequente da ilusão cênica, todo tipo de
equívocos, as alusões à vida romana, a ridicularização de provincianos e camponeses, o chiste, a grosseria, a
obscenidade. Tudo isso temperando essas comédias não transcendentes do ponto de vista do argumento, mas
expressas com uma incrível riqueza linguística e em um preciosismo métrico que fizeram as obras de Plauto
comédias populares em seu momento e, posteriormente, peças-chave da literatura dramática universal” (“Si
hubiera que definir de alguna manera cuál fue el punto de mira que centró el interés de Plauto, bastaría tal
vez decir que trató de hacer reir a la múltiple y variopinta población romana de su tiempo, que se apiñaba en
los recintos en que se representaban sus comedias. Para lograrlo, ponía Plauto en juego los más variados
recursos cómicos de naturaleza popular, jugando con el máximo movimiento escénico posible [comedia
motoria], la ruptura frecuente de la ilusión escénica, todo tipo de equívocos, las alusiones a la vida romana,
la burla de provincianos y campesinos, el chiste, la grosería, la obscenidad. Todo ello adobando esas comedias
intrascendentes desde el punto de vista argumental, pero expresadas con una increíble riqueza lingüística y
un preciosismo métrico que hicieron de las obras de Plauto comedias populares en su momento, y posteriormente
piezas claves de la literatura dramática universal”.).
49
PLAUTO. Aulularia, p. 328: “Qui homo culpam admisit in se, nullust tam parui preti,/ quom pudeat, quin
purget sese. Nunc te obtestor, Euclio,/ ut si quid ego erga te imprudens peccaui aut gnatam tuam/ ut mi
ignoscas eamque uxorem mihi des, ut leges iubent./ Ego me iniuriam fecisse filiae fateor tuae,/ Cereris uigiliis,
per uinum atque impulsu adulescentiae” – v. 790-795 (na tradução citada de Aída Costa, em PLAUTO.
Aululária, p. 121: “Não há homem, por menos que valha, que confesse sua culpa, que tenha vergonha
do que fez, que não queira desculpar-se. Eu te peço, Euclião, se, sem o saber, eu te ofendi, à tua filha,
perdoa-me. Dá-me Fédria em casamento como mandam as leis. Confesso que violentei tua filha na
noite das festas de Ceres. Foi o impulso da juventude”.).
150
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
romana a tantos pontos da “ambientação” nordestina e moderna, finalmente, Suassuna
procedeu como se estivesse dando uma “lição de poética” ao público de seu teatro, ao
menos àquele menos ingênuo. Referimo-nos, com isso, ao fato de haver, em O santo e a
porca, a todo momento a ultrapassagem das barreiras entre “erudito” e “popular” (seriam
tais domínios, a rigor, tão estanques quanto muitas vezes acreditamos?), algo, por sinal,
já verificável em relação à própria produção plautina, culta e erudita para nós modernos,
hoje incapazes de acessá-la em suas fontes originais a não ser munidos de longo e
específico preparo, mas decerto dotada de apelos populares, para deleite do público de
rua que a consumiu por diversão em Roma antiga.50
AA
ABSTRACT
In accordance with indications offered by Ariano Suassuna
himself, his play O santo e a porca (1957) dialogues decisively
with Titus Maccius Plautus’s Aulularia. In this process, the
typical characterization of some personages remains, with
much of the plot and the use of expressive personal names. In
this article, it will be our task to search for points of
coincidence between both theatrical products alluded, mostly
in relation to the character of the miser and to selected
elements of the plot.
KEYWORDS
Aulularia, O santo e a porca, comedy, adaptation, personage
REFERÊNCIAS
BAILLY, Anatole. Dictionnaire grec-français. Paris: Hachette, 2000.
BERRETTINI, Célia. De Plauto a Suassuna: o quiproquó. In: BERRETTINI, Célia (Org.).
O teatro ontem e hoje. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 61-65.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega: vol. I. Petrópolis: Vozes, 1986.
CARDOSO, Isabella Tardin. Introdução. In: PLAUTO. Estico. Trad., introdução e notas
de Isabella Tardin Cardoso. Campinas: Unicamp. 2006, p. 23-83.
CICÉRON. Rhétorique à Hérennius. Texte revu et traduit par Henri Bornecque. Paris:
Garnier Frères, s.d.
COSTA, Aída. Introdução. In: PLAUTO. Aulularia. Trad., introdução e notas da profa.
Aída Costa. São Paulo: Difel, 1967, p. 7-71.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Rio de Janeiro/ São Paulo: Record, 2000.
Dicionário etimológico da mitologia grega (Università degli Studi di Trieste). Disponível em:
<http://demgol.units.it/lemma.do?id=498>. Acesso: 21 fev. 2014.
DINIZ, Telma Franco. Tradução, adaptação, apropriação: recriações de uma mesma
matriz. In: SOUZA e SILVA, Maria de Fátima; BARBOSA, Tereza Virgínia Ribeiro.
Tradução & recriação. Belo Horizonte/ Coimbra: Faculdade de Letras da UFMG/
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2010, p. 117-127.
50
Cf. nota 48.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
151
DUPONT, Florence. Le théâtre latin. Paris: Armand Colin, 1999.
DUPONT, Florence; LETESSIER, Pierre. Le théâtre romain. Paris: Armand Colin, 2011.
GAILLARD, Jacques; MARTIN, René. Les genres littéraires à Rome. Paris: Nathan/ Scodel, 1990.
GRIMAL, Pierre. O teatro antigo. Trad. António M. Gomes da Silva. Lisboa: Edições 70, 2002.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
KANAVOU, Nikoletta. Aristophanes’ comedy of names: a study of speaking names in
Aristophanes. Berlin/ New York: Walter de Gruyter, 2011.
MACHADO, José Pedro. Dicionário onomástico-etimológico da língua portuguesa. Lisboa:
Editorial Confluência, s.d.
MELO, José Laurênio de. Notícia biobibliográfica. In: SUASSUNA, Ariano. O santo e a
porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
MOLIÈRE. O avarento. Trad. António Feliciano de Castilho. Rio de Janeiro: W. M.
Jackson, 1950.
OLIVA NETO, J. A. Introdução. In: CATULO. O livro de Catulo. Trad., introdução e
notas de João A. O. Neto. São Paulo: Edusp, 1996, p. 15-63.
PERNOT, Laurent. La rhétorique dans l’Antiquité. Paris: Livre de Poche, 2000.
PLAUTO. Aulularia: a comédia da panelinha. Trad., introdução e notas da profa. Aída
Costa. São Paulo: Difel, 1967.
PLAUTO. Aulularia. In: PLAUTO. Le commedie. A cura di Ettore Paratore. Roma:
Tascabili Newton, 2004, p. 249-335.
POCIÑA, Andrés. Épica y teatro. In: CODOÑER, Carmen. (Org.). Historia de la literatura
romana. Madrid: Cátedra, 2007, p. 13-70.
SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna
e o movimento armorial. Campinas: Unicamp, 1999.
SUASSUNA, Ariano. Le mouvement armorial. In. Cause commune: les imaginaires.
1. Paris: UGE, 1976, p. 47-78.
SUASSUNA, Ariano. Nota do autor. In: SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2008, p. 7-14.
SUASSUNA, Ariano. O santo e a porca. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
TREVIZAM, Matheus. Du comique ou de la dramaticité aux dialogues champêtres de
Varron et de Cicéron? Mosaïque, Lille, n. 9, p. 93-107, juillet 2013.
VASSALLO, Lígia. O sertão medieval: origens europeias do teatro de Ariano Suassuna. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1993.
Recebido em 24 de fevereiro de 2014
Aprovado em 22 de abril de 2014
152
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
DEUSES:
DA ORIGEM DO UNIVERSO À ORIGEM DO TEATRO
Do texto dramático ao texto espetacular
GODS: FROM THE ORIGIN OF THE UNIVERSE TO THE ORIGIN OF THE THEATRE
FROM THE DRAMATIC TO THE SPECTACULAR TEXT
Marcos Antônio Alexandre*
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
Este trabalho propõe uma discussão sobre a importância da
adaptação de textos clássicos para a contemporaneidade,
visando a sua articulação com os novos contextos de
enunciação para os quais são ressignificados. Para concretizar
esse objetivo, é trazida para análise a peça Deuses: da origem do
universo à origem do teatro, de Éderson Miranda, buscando-se
uma reflexão sobre as particularidades do texto dramático e de
sua encenação.
PALAVRAS-CHAVE
Deuses, Éderson Miranda, textos clássicos, texto dramático,
texto espetacular
Vivemos sobre vestígios. Funcionamos basicamente com
vestígios. Uma coisa maravilhosa da arte do ator, da arte
do executante do instrumento, da arte do cantor é que
com vestígios ele constrói, reconstrói obras-primas. E o
público adora isso, ele recebe a bênção de ouvir frases, ou
versos ou notas musicais das grandes figuras de nossa
história artística.
Iván Izquierdo
Releituras, adaptações e recontextualizações de textos clássicos têm sido realizadas
através dos séculos. Foi assim com a Antígona (442 a.C.), de Sófocles, relida, entre
outros autores, por Jean Anouilh (1910-1987), e sua Antígona (França, 1942); Bertolt
Brecht (1898-1956) e sua Antígona de Sófocles (Alemanha, 1948); Griselda Gambaro (1928)
e sua Antígona furiosa (Argentina, 1986); e José Watanabe (1946-2007) com sua Antígona
(Peru, 1999); ou com a Medeia (431 a.C.), de Eurípides, e, a título de exemplo, Gota
d’água, a releitura realizada por Chico Buarque de Hollanda e Paulo Ponte, em 1975.
*[email protected]
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
153
Neste sentido, retomar o clássico implica colocá-lo em diálogo com um novo
contexto de enunciação que traz consigo novas marcas ideológicas, políticas e sociais.
Para ratificar esta assertiva, recorro brevemente à Antígona de Sófocles, reescrita por
Brecht. Se em Sófocles o que está em jogo é o confronto entre a lei do Estado,
personificada por meio da personagem Creonte, e a lei Divina – representada por
Antígona, que enfrenta o édito de seu tio tirano para dar um sepultamento digno ao
irmão, Polinices, permitindo, assim, que sua alma fizesse a transição adequada “ao mundo
dos mortos” –, em Brecht, esse conflito não deixa de estar presente, mas, em contrapartida,
o que mais chama a minha atenção é a forma que o dramaturgo/diretor/encenador
escolhe para fazer com que o texto sofocliano ressoe e seja reverberado em seu tempo.
O novo contexto é Berlim, abril de 1945. Alvorada,1 como aparece na descrição do
“Prelúdio” da peça. O autor ainda acrescenta: “Duas irmãs saem do refúgio antiaéreo e voltam
para casa”.2 O fato histórico alude à batalha de Berlim, que foi a última ocorrida no panorama
do conflito europeu durante a Segunda Guerra Mundial e que foi resultado de uma ofensiva
soviética contra as forças alemãs no início de 1945. A batalha durou de abril de 1945 até o
início de maio. Hitler comete suicídio em um dos últimos dias da batalha; poucos dias depois,
Berlim se entregava e a Alemanha se rendia seis dias depois do fim da batalha.
Brecht, ao colocar no “Prelúdio” de sua Antígona duas irmãs que, ao voltarem
para a casa, encontram-na aberta e remexida, reflete os porquês da guerra. Elas –
nomeadas de “A Primeira” e “A Segunda” – se dão conta de que o irmão tinha retornado
da guerra, sentem-se felizes, abraçam-se, mas logo aparece o medo. Em outro momento, elas
escutam um chamado renitente que vem de fora, mas uma não permite que a outra abra a
porta, temendo sofrer algum tipo de retaliação. Elas percebem que alguém está sendo
torturado na frente da porta da casa: “Estão torturando gente de novo. / Irmã, não é melhor
a gente ir ver? / Fique aqui dentro; quem quer ver é visto”.3 Logo, as irmãs compreendem
que o grito antes escutado era do irmão que havia desertado e clamava por ajuda:
Entra um soldado da SS.
Soldado da SS
Ele lá fora e vocês aqui?
Apanhei-o saindo da porta de vocês
Conhecem aquele traidor do povo.
A Primeira
Caro senhor, não pode nos incriminar
Porque não conhecemos aquele homem.
Soldado da SS
Então o que ela pretende com essa faca?
A Primeira
Aí olhei para a minha irmã.
Deveria ela em busca da própria morte
Ir lá fora e libertar o meu irmão?
Talvez ainda não estivesse morto.4
1
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 197.
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 197.
3
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 200.
4
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201.
2
154
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Observa-se nesta cena uma clara referência às personagens Antígona e Ismene:
uma (A Segunda) assume característica mais “forte”, “rebelde”: “Me deixe, eu já não
fui / Quando eles o penduraram”.5; enquanto a outra (A Primeira) é “fraca”, “omissa”:
“Irmã, deixe a faca onde está / Você não vai conseguir devolvê-lo à vida / Se nos virem
junto dele / Farão conosco o que fizeram com ele”.6 Brecht, ao não nomear as irmãs, lhes
imprime uma função de macrossigno, estratégia dramatúrgica que nos permite sugerir
que elas remetem à Antígona – A Segunda –, e à Ismene – A Primeira. No entanto, o
ato de não nomear também pode assumir a conotação de várias outras mulheres e homens
(irmãs, mães, familiares) que perderam entes queridos na guerra e que não tiveram
como enterrá-los. Aí está o caráter atemporal do texto clássico, aspecto que permite a
sua releitura para novos contextos de enunciação.
Outra característica que chama a atenção na Antígona de Sófocles de Brecht é o
fato de o autor escrever um novo “Prólogo” para a apresentação da peça que fora
realizada em Greiz, em 1951. O novo texto é apresentado como substituição do “Prelúdio”
e inova dramaturgicamente:
Sobem ao palco os atores que representam Antígona, Creonte e o vidente Tirésias. Colocado
entre os outros dois, o que representa Tirésias se dirige aos espectadores.
Amigos, inabitual
Pode lhes parecer a elevada linguagem
Do poema de mil anos
Que aqui ensaiamos. Desconhecido
Lhes é o assunto do poema, que era
Intimamente familiar aos antigos ouvintes.
Permitam-nos pois apresentá-lo a vocês. Esta é Antígona,
Princesa da estirpe de Édipo. Este aqui
É Creonte, tirano da cidade de Tebas, seu tio. Eu sou
Tirésias, o vidente.
Aquele ali
Trava uma guerra de pilhagem contra a longínqua Argos. Esta
Enfrenta o desumano, e ele a aniquila.
Mas a sua guerra, agora tornada desumana,
Escapa ao seu controle. A justiça inexorável
Ignorando o sacrifício do próprio povo subjugado
Acabou com ela. Pedimos a vocês
Procurarem em suas mentes ações semelhantes
Do passado recente, ou então a falta
De ações semelhantes. E agora
Vocês verão como nós e os outros atores
Na peça pisamos, um após o outro,
Na pequena arena do jogo, onde outrora
Sob as caveiras dos animais dos bárbaros cultos de sacrifício
Nos primórdios tempos a humanidade
Fazia a sua grande aparição.7
5
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201.
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201.
7
BRECHT. A Antígona de Sófocles, p. 201 (grifos meus).
6
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
155
É interessante observar o cuidado que o dramaturgo tem ao reapresentar a sua
obra. Talvez seja o seu olhar de encenador que o faz reescrever o início da peça para
contextualizá-la à nova enunciação. Naquele momento, em 1951, a Alemanha vivia o
contexto do pós-guerra, com novos questionamentos de ordem socioeconômica e política.
Com o final da Segunda Guerra Mundial, o país foi dividido em setores, que foram
ocupados pelas potências vencedoras. O leste do país ficou sob a administração soviética
e a parte ocidental foi dividida entre Estados Unidos, França e Reino Unido. Sem dúvida,
diante deste novo panorama sociopolítico, justifica-se a necessidade de “atualizar” os
conflitos, adaptando-os às ações dramáticas da peça, possibilitando, desta forma, não
só reatualizar o enredo da peça, mas “abrir os olhos” dos leitores/espectadores, que
teriam contato com novos ideologemas8 e marcas semânticas da trajetória trágica das
personagens que estão sendo reapresentadas.
Como pesquisador e leitor crítico da arte teatral, defendo a ideia da necessidade
constante de adaptar o texto teatral para a sua nova enunciação. Não vejo sentido em
montar o “clássico pelo clássico”. Julgo extremamente válidas as adaptações ou releituras
das obras teatrais para o público, e este é o grande mérito da obra de Brecht. Sua
Antígona não deixa de dialogar com o texto de Sófocles, mas é ressignificada “em termos
históricos, políticos, ideológicos” e “dentro do conjunto de uma cultura e de um translado
cultural”, como sugere Pavis.9 Entrar em contato com o texto brechtiano nos possibilita
fazer uma análise do contexto cultural, 10 o que, a meu ver, se torna fundamental na
análise dos textos dramáticos, visando a sua realização espetacular. Para ratificar meu
argumento, tomo as palavras de Patrice Pavis, que, precisamente, explicita:
As encenações de um mesmo texto dramático, particularmente as realizadas em momentos
históricos diferentes, não dão a ler o mesmo texto. É verdade que a letra do texto é a
mesma, porém o seu espírito varia consideravelmente. Compreende-se o texto apenas
como resultado de um processo de leitura que chamaremos (...) de sua concretização.11
É esta concretização a que se refere Pavis que, em minha perspectiva crítica, faz
com que os clássicos sejam retomados e colocados em diálogo com novos contextos
sócio-históricos, como busquei demonstrar a partir da breve análise da retomada do
texto sofocliano por Brecht.
8
Aqui entendido, a partir de Patrice Pavis, como signos que expressam a ideologia.
PAVIS. El teatro y su recepción – semiología, cruce de culturas y postmodernismo.
10
Aqui empregado a partir dos dizeres de Marco De Marinis. Comprender el teatro – lineamientos de una
nueva teatrología, p. 24: “O contexto cultural (ou geral) é constituído pela cultura sincrônica ao fato
teatral que se estuda, e, com uma precisão maior, representa o conjunto dos ‘textos’ culturais, teatrais,
extrateatrais, estéticos e outros, que podem se relacionar com o texto espetacular de referência, ou com
um de seus componentes: outros textos espetaculares, textos mímicos, coreográficos, cenográficos,
dramatúrgicos etc., de um lado; textos literários retóricos, filosóficos, urbanísticos, arquitetônicos etc.,
de outro” (no original, em espanhol, tradução minha.)
11
PAVIS. O teatro no cruzamento de culturas, p. 25 (grifos meus).
9
156
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Inúmeras outras releituras poderiam ser trazidas para esta discussão em relação à
ressignificação de textos clássicos. 12 Não obstante, a partir das premissas aqui
apresentadas, com base nas perspectivas analíticas propostas por De Marinis e Pavis, ou
seja, reforçando a ideia da necessidade da concretização do texto teatral nos seus novos
contextos de enunciação, é que trago para discussão a peça Deuses: da origem do universo
à origem do teatro. Trata-se de um trabalho prático resultado da pesquisa de Trabalho
de Conclusão de Curso de Éderson Miranda, intitulada ‘Deuses’ – recursos narrativos na
encenação teatral: um olhar panorâmico, defendida em 2009, sob a orientação do prof.
Antonio Barreto Hildebrando,13 do curso de Teatro da Escola de Belas Artes da UFMG.
Foto do arquivo pessoal, cedida pelo ator
12
Nesta mesma linha de concepção e criação espetacular, posso citar o espetáculo Klássico (com K),
estreado em 2012, do Mayombe Grupo de Teatro – coletivo do qual faço parte como membro-fundador
e que já realizou outras incursões pelos mitos e pelas personagens clássicas com em O julgamento de Don
Juan (2005) e Nossosnuestrosmitos – Primeiro Estudo (2002) e Nossosnuestrosmitos – Segundo Estudo
(2003). Em Klássico (com K), o grupo realiza um trabalho em que são apresentadas as trajetórias cênicas
das personagens clássicas Antígona (Sófocles, 442 a.C), Fausto (Goethe, 1775), Medeia (Eurípides, 444
a.C) e Ulisses (Homero, aproximadamente séc. VIII a.C), em diálogo com as subjetividades e identidades
dos atores. Em cena, em um espaço nomeado pelo grupo como arena-show, os atores são submetidos a
um jogo – uma proposta performática –, a partir do qual se busca uma volta aos textos clássicos, visando
transitar por questões contemporâneas, políticas, estéticas e filosóficas.
13
Hildebrando é dramaturgo e diretor de teatro. Entre suas montagens dirigidas, no âmbito acadêmico,
merecem destaque, entre outras, A mais-valia vai acabar, seu Edgar (2001); Ascensão e queda da cidade
de Mahagonny (2003); Roda viva (2004); Vermelho, o último recital (2004); A cozinha (2004), em parceria
com Luiz Otávio Gonçalves, Arnaldo Alvarenga e Ernani Maletta; Cabaret vagabundo (2005), criação
coletiva; O lustre: um prólogo e nove variações (2005); O elogio da loucura (2006), trabalho realizado a
partir de fragmentos do texto homônimo de Erasmo de Rotterdan, inspiração para a criação e apresentação
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
157
O espetáculo estreou para o grande público de Belo Horizonte em março de 2010
e, com ele, Éderson Miranda foi premiado como Ator Revelação Teatro Adulto 2011 no
8º Prêmio Usiminas/Sinparc de Artes Cênicas de Minas Gerais e indicado como Melhor
Dramaturgo (Texto Inédito) no Prêmio Sesc/Sated 2011.
Em termos de encenação espetacular, o próprio ator/autor salienta que seu trabalho
tem como fonte de pesquisa o teatro essencial de Denise Stoklos, fato que pode ser
comprovado em cena, onde o espectador se depara com uma interpretação notável –
séria e ao mesmo tempo bem-humorada – de um ator que reúne atributos múltiplos.
Tudo em cena é muito simples, desde o vestuário, o figurino, até o projeto de luz. Essas
linguagens espetaculares são trazidas para a cena, mas o que se busca destacar são as
ações físicas do ator, que, como um narrador-performático, vai guiando a plateia, enredandoa em sua trama inusitada, a partir da qual retrata a origem do universo e os avanços
tecnológicos conquistados pelo homo sapiens. Enquanto narra, o ator se converte num crítico
sagaz e mordaz. Segundo a crítica especializada publicada no jornal Estado de Minas,
A intenção é contar, de maneira épica, o surgimento do universo em suas mais diversas
implicações. A peça fala do homem, dos deuses, das civilizações antigas e de seus reflexos
atuais. Dioniso, o deus do teatro, é o único personagem. Ele narra passagens da história da
humanidade a partir de seu ponto de vista. Deus criou o homem e a Terra? O universo
surgiu do big bang? Será que o homem de hoje é realmente mais evoluído do que o
homem de milênios atrás? Em que aspecto regredimos? No que evoluímos? Deus existe?
Em caso afirmativo, ele está do lado de quem? A resposta está no palco.14
Tendo como mote “a origem do universo”, os questionamentos são trabalhados na
montagem, que é dividia em blocos temáticos. O texto dramático/espetacular criado
concomitante de 15 micropeças; O Guesa errante ou de como o Historisches und Ethnologisches Museum
Von Kubenkrid e o G.R.E.S. Acadêmicos do Mákeneyá se uniram para apresentar a errância do Guesa tão
fidedigna quanto possível à versão fac-similar da obra do Sr. Sousândrade, que teve o texto de Sousândrade
como base; Por quem choram as samambaias? (2009), em princípio vinculado a um TCC de graduação;
Diário de um pássaro (2010), dramaturgia do espetáculo, que também foi, inicialmente, vinculado a um
TCC de graduação; A viagem de Thespis: história(s) do teatro(s) em cena(s) (2011), coordenação de
dramaturgia e direção do espetáculo. Este trabalho está centrado na história de Thespis, o primeiro ator,
e é concebido a partir de vários mitos clássicos, onde o espectador tem contato com a história do teatro
através dos tempos – desde os textos clássicos até a nossa contemporaneidade. Paralelamente, fora do
âmbito acadêmico, Hildebrando tem construído uma carreira de êxito como diretor e dramaturgo no
cenário artístico mineiro, dirigindo e participando da produção de vários espetáculos, grande parte
dessas montagens foi indicada e/ou recebeu importantes prêmios. A título de exemplo, destaco, entre
outros trabalhos: Samambaia: um melodrama cômico e sem lei (2001); Esta noite Mãe Coragem (2006),
dramaturgia da peça, produção da ZAP-18, com direção de Cida Falabella; O lustre (2008); espetáculo
que continua em circulação até o presente momento, em 2014; 1961-2010 (2009), dramaturgia do espetáculo
produzido pela ZAP-18 com direção de Cida Falabella e também em circulação em 2014; Quem pergunta
quer resposta (2010), dramaturgia e direção do espetáculo infantil, concebido originariamente para rua e
produzido pelo Grupo Oriundo de Teatro; 180 dias de inverno (2010), dramaturgia do espetáculo, baseado
no conto Minha fantasma, de Nuno Ramos, encenado pela Afeta Cia. de Teatro. Em março de 2012, o
diretor/dramaturgo estreou uma nova versão de Cabaré vagabundo.
14
Cf. http://www.divirta-se.uai.com.br/html/sessao_11/2010/03/26/ficha_teatro/id_sessao=11&id_
noticia=22244/ficha_teatro.shtml.
158
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
prima pelo trabalho intertextual proposto pelo ator/criador/performer15 Éderson Miranda
mescla os seus textos autorais com outros discursos resgatados da história universal, do
livro do Antigo Testamento e dos livros de física e química. Isso permite que o leitor/
espectador identifique as vozes múltiplas que são trazidas pela cena, e o mais interessante
diz respeito à forma como os textos são interpretados, pois o ator lhes atribui um tom de
ironia, que produz uma forte identificação com o público, gerando momentos
descontraídos de humor. Tudo isso corrobora o argumento de que o espetáculo é centrado
no trabalho de ator e isso pode ser reforçado pela escolha do Éderson, que se inspira em
artistas como Denise Stoklos, Matteo Belli e Charles Chaplin.
O que há em comum entre esses artistas é sua ligação com o público/espectador.
Todos, cada um à sua maneira, entregam para o espectador uma mirada crítica e bemhumorada da vida, que nos faz repensar o momento de suas enunciações. Chaplin dispensa
maiores apresentações: ator, diretor, produtor, humorista, escritor, empresário, dançarino,
roteirista e músico, um dos mais famosos da era do cinema mundo, notável pelo uso da
mímica e da “comédia pastelão”. Matteo Belli é graduado em Letras Modernas pela
Universidade de Bologna, dedica-se aos estudos clássicos e musicais e, desde 1989,
trabalha no teatro como mímico e ator, realizando projetos como diretor, autor e ator,
confrontando textos clássicos com autores contemporâneos. Denise Stoklos iniciou sua
carreira em 1968. Depois de trabalhar no Rio de Janeiro e São Paulo, vai para Londres,
onde se especializou em Mímica16 e, posteriormente, desenvolveu seu estilo próprio de
trabalho como performer solo.
Sem dúvida, Stoklos e o seu “teatro essencial” são a grande fonte de inspiração
no processo de concepção do espetáculo Deuses: da origem do universo à origem do teatro.
Segundo a própria artista,
No teatro essencial o ator é seu produtor, então escolhe para si o texto ou se não há texto,
a movimentação, ou a adaptação do texto, ou a combinação de tudo debaixo de uma
ideia ampla, coerente consigo e compacta, a dramaturgia. O que o ator de teatro pretende
é expressar algo que lhe toca pessoal e coletivamente. Sua intenção começa desde o
momento que percebe-se capaz de “re-apresentar” uma cena recortada do “real”, algo
que lhe “atravessou” a emoção e que o ator sinta que pode apresentar como algo lúdico,
algo de jogo, pois estará apresentando a partir de um “palco” e assim, por lúdico, conseguir
a permissão implícita do público para entrar em sua emoção também. Nesta passagem, da
“permissão por ser lúdico”: “ah, é apenas teatro”, pensa o público e só assim lhe abre as
comportas do humor, da reflexão, da memória, da ideologia, acontecendo então o que
chamamos de teatro essencial. Essencial porque trata só de acontecimentos que pertencem à
15
Acreditamos que a simples nomeação como “ator” não dê conta do trabalho realizado por Ederson
Miranda. Por isso, a denominação “ator/criador/performer”, que, segundo a minha perspectiva, amplia
o seu campo de atuação, visto que o artista, em cena, muitas vezes demonstra que o limiar entre o ator
e o performer é muito tênue, assumindo características do ator-performático, pois, como bem sinaliza
Ileana Diéguez Caballero (Teatralidades, performances e política, p. 27): “O que no teatro tem-se
denominado ‘texto performático’ implica uma escritura gestual, uma prática corporal”.
16
Uma das formas de comunicação humana, conhecida como a arte de exprimir os pensamentos e/ou
os sentimentos por meio de gestos. Muito estudada e desenvolvida dentro das artes cênicas, relacionada
com o estudo da ação física do homem em seu meio. A mímica enquanto expressão artística é apresentada
de distintas maneiras e estilos, sendo mais conhecida a “pantomima”, na qual os artistas usam cara
branca e se inspiram na figura do Pierrot.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
159
natureza humana, não de comportamentos ocasionais, e essencial porque usará apenas
recursos que são básicos, de uso possível a qualquer um, que vem das expressões de corpo
e das expressões do mental e das expressões do emocional. A particularização se dá na
plateia: cada um vai “ler” o que se passa no palco de acordo com sua capacidade e com seu
interesse, outra vez: mental, emocional, cultural e existencial. Porque o ator escolheu o que
lhe toca profundamente, a ponto de dispor-se a levar à cena da melhor forma, sabemos
que a escolha significará um empreendimento do ator sem fim, literalmente, cada novo
ensaio, cada nova apresentação é um estudo a mais para atingir uma performance de
caráter de um diamante, isto é, com repercussão em cada aresta, com emanação de brilho
em cada planície, e o ritmo entre uso da planície e da aresta do tal diamante será uma das
constituições da performance (nada de fora).17
A peça de Éderson Moreira, seguindo os pressupostos de Stoklos, cumpre com o
papel de dialogar com o contexto de enunciação do artista – Belo Horizonte nos anos
de 2009-2010 –, revelando as particularidades desse momento, mas, ao mesmo tempo,
transformando e criticando o seu tempo com uma linguagem simples, com certa dose de
ironia e de bom humor. O jogo com a plateia torna-se um elemento que merece destaque
na montagem. O humor é trabalhado não apenas como mais uma linguagem cênica,
mas como um recurso performático que possibilita que o ator/criador/performer faça de
seu público cúmplice de sua atuação. Assim, utilizando-se de um acurado trabalho de
mímica corporal, o ator vai conduzindo o espectador, fazendo com que ele seja receptivo
ao seu discurso, convidando-o a interagir o tempo todo com as cenas:
E havendo Deus formado da terra todo o animal do campo, e todas as aves dos céus, os
trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a
alma vivente, isso foi o seu nome. (Adão apontando para espectadores específicos na plateia.)
“hum... hum... cachorro, gato, rato, pato, marreco, camelo, canguru, girafa, elefante,
jacaré de papo amarelo, mico-leão-dourado, lobo, lobo guará, coiote, hiena, rinoceronte,
hipopótamo, Uuuuh, difícil, difícil esse, hum, você... ornitorrinco. Cavalo, égua, boi,
vaca, touro, áries, gêmeos, não, não Adão. Ornitorrinco! Gostei desse nome. Cavalo,
égua, boi, vaca, tigre, leão, onça pintada, pantera, urso, urso polar, ema, avestruz, pavão,
Uuuuh... inominável, inominável, não posso nomear tamanha coisa inefável: bode”. E
Adão pôs os nomes em todos os animais do campo, em todas às aves dos céus, e em todos
os répteis da terra; mas para o homem não se achava ajudadora idônea. Então, Deus fez
cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e Deus tomou uma de suas costelas, e
cerrou carne em seu lugar. E da costela que o senhor Deus tomou de Adão, formou a
mulher. Uhuuuh. E a levou a Adão. E Adão disse: “esta é agora osso dos meus ossos, e carne
da minha carne; esta será chamada varoa, pois do varão foi tomada”. (Dirigindo-se para o
público.) Então, você colega, você amigo que costuma chamar a sua mulher, a sua namorada,
de o meu benzinho, o minha queridinha, o minha florzinha, o meu amor, o mô vem cá. Está
completamente equivocado, pois você deveria chamá-la: vem cá minha varoa.18
As perguntas existenciais incorporadas ao texto podem ser lidas como inerentes a
todos os tempos. A busca das origens conduz inevitavelmente ao Gênesis da literatura
hebraica e de um deus que fala por múltiplos códigos e não somente pela linguagem do
sagrado. Assim, no mito da criação, inserem-se pensamentos e frases contemporâneos
que dão frescor e ligeireza ao texto antigo.
17
18
160
Cf. http://denisestoklos.uol.com.br/reflexoes/manifestos.htm (grifos meus).
MOREIRA. Deuses da origem do universo à origem do teatro, p. 9-10.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Contrapõe-se à história bíblica a explicação científica de um big-bang, que, por
sua vez, é estruturada como narrativa mítica e acaba por se fazer crítica a todos os
relatos “elucidativos” das origens: ciência e mitologia se equiparam? Ou tudo teria
surgido da palavra? Perguntas que abrem reflexões para a história do homem, da cultura
e do teatro.
Continuando a nossa história. Pausa. Será que os homens de hoje são realmente mais
evoluídos que os de milênios atrás? (Dirigindo-se para o público e em tom irônico.) “Será?”
(Retornando) Quem nunca passou as férias sentado aos pés da acrópole admirando aquela
vista deslumbrante e deixando o vento balançar os cabelos não conhece o prazer real
vida. Enfim, chegamos à Grécia Antiga, o berço da civilização ocidental. O ápice do
espetáculo. A Grécia! (...)
Os gregos aprimoraram a antiga arte da escultura, mas com seu espírito vivo inventaram
novas artes: a poesia lírica, a história, e acima de tudo: o Drama. Esquilo, Sofócles,
Euripédes e Aristofánes, mais conhecidos como Ésquilo, Sófocles, Eurípides e Aristófanes,
transformaram as antigas procissões religiosas em homenagem ao deus Dioniso, em peças
dramáticas divididas em partes e declamadas por personagens diferentes. A Grécia é o
berço de uma forma de arte dramática cujos valores estéticos e criativos não perderam
nada da sua eficácia depois de um período de 2.500 anos. (...)
A Grécia é o berço de uma forma de arte dramática cujos valores estéticos e criativos não
perderam nada da sua eficácia depois de um período de 2.500 anos. Suas origens
encontram-se nas ações recíprocas de dar e receber que, em todos os tempos e lugares,
unem os homens aos deuses e os deuses aos homens: elas estão nos rituais de sacrifício,
dança e culto em homenagem a Dioniso, o deus do vinho, da vegetação e do crescimento,
da procriação e da vida exuberante. Seu séquito é composto por Sileno, sátiros e bacantes.
Os festivais rurais da prensagem do vinho e as festas das flores de Atenas eram em sua
homenagem. As orgias desenfreadas dos vinheteiros áticos honravam-no, assim como as
vozes alternadas dos ditirambos e das canções báquicas atenienses. Nas procissões festivas
em homenagem ao deus Dioniso na Grécia Antiga havia representações com máscaras,
em que seus seguidores fantasiados dançavam e cantavam. O desenvolvimento desse
ritual dionisíaco resultou na criação da Tragédia e da Comédia, e ele se tornou o deus do
teatro. Dioniso. Dioniso. Dioniso. Dioniso, é a encarnação da embriaguez e do
arrebatamento, é o espírito selvagem do contraste, a contradição extásica da bemaventurança e do horror. Ele é a fonte da sensualidade e da crueldade, da vida procriadora
e da destruição letal. Eis Dioniso o Deus do teatro!19
Ao evocar Dioniso, o grande deus do teatro para a cena, o ator/performer não só
alude à sua história, remetendo-nos aos cultos ao deus por meio das dionisíacas, mas
lhe rende uma homenagem no ápice da encenação. Desta forma, o texto dramático de
Éderson Miranda cumpre com o seu objetivo em sua forma espetacular: recupera-se a
“história da humanidade” a partir da história do teatro, trazendo para o palco – reitero,
de forma lúdica, cômica e, às vezes, irônica – a sua versão da história, dos grandes fatos
históricos, descobertas e avanços científicos, propondo uma mirada crítica sobre aspectos
que dizem respeito às nossas sociedades contemporâneas. Em suma, o que se vê, como em
outros textos contemporâneos ditos “pós-modernos”, “performativos” e ou “pós-dramáticos”,20
é uma desconstrução das verdades absolutas, fazendo com que o leitor/espectador reflita
sobre cada tema que é retratado na sua dramaturgia e no texto espetacular.
19
20
MOREIRA. Deuses da origem do universo à origem do teatro, p. 37-42.
Não é meu objetivo, neste trabalho, entrar nas conceituações relacionadas a esses termos.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
161
À guisa de conclusão, ainda que provisória, pois acredito que a temática aqui
discutida não se esgota e ultrapassa as linhas deste texto, retomo os argumentos de
Miguel Rubio Zapata, que, ao discorrer sobre o teatro e a sua importância dentro do
contexto das Américas, assevera:
La América Latina y el Caribe no es una sola, es indígena, es africana, es europea y es
contemporánea, abierta a todas las prácticas escénicas del siglo XXI. Nuestro teatro
recorre el espíritu de los tres continentes y se alimenta culturalmente de esas tres raíces,
y con ellas dialoga en igualdad con los teatros de todo el mundo.21
As palavras de Miguel Rubio22 corroboram a minha visão crítica em relação à força
e à importância que as distintas formas de produções teatrais, produzidas nos diversos
contextos de enunciação latino-americanos, exercem em nossa contemporaneidade e, no
caso específico mineiro aqui retomado, a dramaturgia e o texto espetacular de Éderson
Miranda. Assim, o artista, sem dúvida, logra executar a concretização dos mitos para o
seu tempo, fazendo dialogar o passado com o presente.
Afinal, como sugere Pavis, “É indispensável, portanto, especificar em qual contexto
e com que objetivo se analisam e julgam as produções cênicas interculturais.”23
AA
ABSTRACT
This essay discusses the importance of contemporary
adaptations of classic texts, which aim at positioning them in
the new contexts of enunciation in which they are resignified.
In order to achieve this goal, we analyze the play God: from the
origin of the universe to the origin of the theatre, by Éderson
Miranda, focusing on the particularities of dramatic texts and
their representation.
KEYWORDS
Classic texts, dramatic texts, Éderson Miranda, gods,
spectacular texts
21
RUBIO ZAPATA. Raíces y semillas. Maestros y caminos del teatro en América Latina, p. 19. “A América
Latina e o Caribe não é uma somente, é indígena, é africana, é europeia e é contemporânea, aberta a
todas as práticas cênicas do século XXI. Nosso teatro recorre o espírito dos três continentes e se alimenta
culturalmente dessas três raízes, e com elas dialoga em igualdade com os teatros de todo o mundo”
(original em espanhol, tradução minha).21
22
Diretor do grupo peruano Yuyachani – fundado em 1971, um dos coletivos teatrais mais importantes
das Américas –, responsável pela concepção e montagem de Antígona, texto de José Watanabe,
representado por Tereza Rali, atriz do grupo, uma releitura do mito grego, baseada nos conflitos políticos
peruanos que desvelam uma sociedade civil acossada pela violência e o estado de terror.
23
PAVIS. O Teatro no cruzamento de culturas, p. IX.
162
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
REFERÊNCIAS
BRECHT, Bertolt. A Antígona de Sófocles. Teatro completo. Trad. Angelika E. Köhnke
e Christine Roehrig. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993, v. 10, p. 191-251.
CABALLERO, Ileana Diéguez. Teatralidades, performance e política. Trad. Luis Alberto
Alonso e Angela Reis. Uberlândia: Edufu, 2011.
DE MARINIS, Marco. Comprender el teatro – lineamientos de una nueva teatrología. Buenos
Aires: Editorial Calerna, 1997.
ESTADO DE MINAS. Espetáculo Deuses fala sobre a origem do universo. Divirta-se –
Seção Teatro, 26 mar. 2010. Disponível em: <http://www.divirta-se.uai.com.br/html/
sessao_11/2010/03/26/ficha_teatro/id_sessao=11&id_noticia=22244/ficha_
teatro.shtml>. Acesso: 1º dez. 2012.
IZQUIERDO, Iván. Conferência de Abertura. In: ISAACSSON, Marta (Coord.);
MASSA, Clóvis Dias, SPRITZER, Mirna, SILVA, Suzane Weber da. Tempos de memória:
vestígios, ressonâncias e mutações. Porto Alegre: Abrace – Associação Brasileira de
Pesquisa e Pós-Graduação em Artes: AGE, 2013, p. 17-31.
MIRANDA, Éderson. Deuses da origem do universo à origem do teatro. Belo Horizonte:
Edições Viva Voz, 2012.
PAVIS, Patrice. El teatro y su recepción – semiología, cruce de culturas y postmodernismo.
Selección y traducción: Desiderio Navarro. La Habana: Uneac, Casa de las Américas,
Embajada de Francia en Cuba, 1994.
PAVIS, Patrice. O teatro no cruzamento de culturas. Trad. Nanci Fernandes. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
STOKLOS, Denise. Site oficial: <http://denisestoklos.uol.com.br/>. Acesso: 1º dez. 2012.
ZAPATA, Miguel Rubio. Raíces y semillas. Maestros y caminos del teatro en América Latina.
Lima: Grupo Cultural Yuyachkani, 2011.
Recebido em 30 de janeiro de 2014
Aprovado em 22 de abril de 2014
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
163
V a r i a
AA
A
CICATRIZ DE HOMERO EM MILTON HATOUM
HOMER’S
SCAR ON MILTON HATOUM
Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa*
Universidade Federal de Minas Gerais
La cicatrice, Victor Hugo
Une croûte assez laide est sur la cicatrice.
Jeanne l’arrache, et saigne, et c’est là son caprice;
Elle arrive, montrant son doigt presque en lambeau.
– J’ai, me dit-elle, ôté la peau de mon bobo. –
Je la gronde, elle pleure, et, la voyant en larmes,
Je deviens plat. – Faisons la paix, je rends les armes,
Jeanne, à condition que tu me souriras. –
Alors la douce enfant s’est jetée en mes bras,
Et m’a dit, de son air indulgent et suprême:
– Je ne me ferai plus de mal, puisque je t’aime, –
Et nous voilà contents, en ce tendre abandon,
Elle de ma clémence et moi de son pardon.
RESUMO
Este ensaio caminha na direção de observar que a literatura do
escritor amazonense Milton Hatoum, especificamente o
romance Dois irmãos, que ganhou o Prêmio Jabuti do ano de
2000, se utiliza de um estratagema muito semelhante àquele
inaugurado pela famosa cena da cicatriz de Ulisses do poema
épico Odisseia, de Homero.
PALAVRAS-CHAVE
Homero, recepção clássica, Milton Hatoum
Quando Homero insere o episódio de uma antiga cicatriz em um dos momentos
mais dramáticos do relato de retorno do protagonista da Odisseia, o aedo grego acaba
também por criar uma marca indelével na literatura dos tempos ulteriores: a descrição
detalhada da origem de um estigma em um personagem no momento de sua chegada à
casa.1 O recurso, que se liga diretamente ao desvelamento de um evento ocorrido em
um passado remoto, provoca um acolhimento natural em razão da intimidade que se
cria de imediato com aquele que entra em cena tal qual um estranho no ninho.
A importância desse estratagema literário, no contexto de Dois irmãos, de Milton
Hatoum, é notável, pois o trecho funciona, logo no início do romance, como um
* [email protected]
1
RUSSO; FERNANDEZ-GALIANO; HEUBECK. A commentary on Homer’s Odyssey, p. 95, cf. notas
explicativas aos versos 392 e 393.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
167
phármakon oferecido ao leitor, é como uma pequena dose de horror e piedade que cria
uma espécie mínima de kátharsis. Mediante esse retrospecto, compartilhamos do trauma
de Yaqub, compactuamos com sua dor e tememos a intempestividade de Omar.2 Dessa
forma, em que pese a morbidez de retomar dores passadas, que permaneçam as cicatrizes;
quando não fosse por sua função estritamente literária, de um ponto de vista humano
elas nos fazem íntimos de nossos heróis, nos consolam e fortalecem pela beleza do seu
sofrimento, elas nos alegram pela superação da dor e nos previnem quanto à capacidade
agressiva do outro.
Este ensaio caminha na direção de observar que a literatura do mencionado escritor
amazonense, especificamente o romance Dois irmãos, que venceu a edição de 2000 do
Prêmio Jabuti, se utiliza de um estratagema muito semelhante àquele inaugurado pela
cena do poema homérico ao qual aludimos no início.
Rigorosamente falando, é da perspectiva dos antigos que escolhemos contemplar
a obra de Hatoum, que se volta para um dos temas mais fecundos da literatura universal.
Mas tratar da literatura brasileira é tarefa que exige zelo especial. No que diz respeito
à recepção clássica (e com base em uma observação pessoal), poder-se-ia dizer que
prevalece no país mais o gosto e a prática particulares pelos segredos da construção
literária propriamente dita do que pelos temas e assuntos do passado greco-latino. Deste
modo, se salta aos olhos, tão logo se leia o título do livro de Hatoum, a retomada do
tema do duplo, da história bíblica dos irmãos Esaú e Jacó e do romance homônimo de
Machado de Assis, internamente, nos veios da história reside a forte e segura presença
da literatura grega, pelo menos em um3 ponto específico (e talvez se possa até associálo a um dos pilares do romance). Ponto base, pedra de quina. Por ora, nossa leitura se
limita à presença dessa pedra de sustentação lateral bem invulgar, a cicatriz. Devemos
contudo indicar que se repete o mecanismo utilizado por Hatoum em Relato para um
certo oriente:
As referências literárias de Relato de um certo oriente respondem a uma lógica bem
diferente. Elas são discretas, alusivas, como a catléia de Proust, a terceira margem de
Guimarães Rosa ou o papagaio de Flaubert; elas não serão identificadas senão pelos
iniciados.4
Duas obras e dois procedimentos recorrentes parecem indicar um mesmo propósito:
não ser óbvio. Anuentes à hipótese citada de Michel Riaudel para Relato de um certo
oriente, também nessa cena para a qual postulamos a revisitação do poema de homérico,
Hatoum é discreto quanto a suas referências literárias e se serve da literatura grega de
forma delicada e sutil, como de resto se dá, quase sempre, entre os autores brasileiros.5
2
Remetemos o leitor para os principais páthoi que formam a catarse aristotélica: compaixão e horror. Cf.
Poética, 1449b25.
3
Outros existem, sem dúvida, mas neste artigo limitar-nos-emos apenas a um.
4
RIAUDEL. Quando a ficção se recorda, p. 260.
5
Embora consoantes com Michel Riaudel, não estamos afirmando que este é o único procedimento
praticado entre autores brasileiros; evidentemente muitos há que são mais explícitos e que recuperam os
temas clássicos de forma mais ostensiva como, por exemplo, o já citado Machado de Assis. Não podemos
negar, no entanto, a sutileza de Manuel Bandeira, Lima Barreto e Ariano Suassuna, este último,
particularmente, em A pedra do Reino.
168
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Para Dois irmãos a estratégia de Relato de um certo oriente apontada por Riaudel é ainda
mais instigante.
Hatoum dedica quatro páginas de seu romance exclusivamente à cicatriz de Yaqub;
Homero devota à marca de Odisseus cinquenta e quatro versos dos seiscentos e quatro
do canto dezenove da Odisseia, ambas as passagens de certa extensão para seus contextos.
Mas, por favor, não esperem os leitores coincidências triviais e repetições formais por
demais evidentes. Isto não sói acontecer na Terra de Santa Cruz com regularidade.
Brasílicos que somos, não somos óbvios, guardamos segredos nada sobejos. As
coincidências se dão de forma sofisticada e cifrada, revelando a observação do fazer
como, e, como já afirmamos, segundo Riaudel,6 são perceptíveis mormente para os sujos
de cultura clássica.
Vamos, a princípio, observar os dois autores a partir da ideia de um duplo ou de
dobrados heróis. Não nos cabe aqui discutir o duplo em Hatoum, tema já bastante
estudado.7 Vejamos a proposta somente para Homero, e exclusivamente para a cena em
questão. Na escritura homérica, a ideia do duplo é diluída nesse episódio. Na verdade,
se tomamos Odisseus como o homem de muitos disfarces, o poluvvtropo", duplo para ele
seria muito pouco. Todavia, no trecho da cicatriz e da lavagem dos pes, ele apenas se
duplica. Na passagem, o filho de Laerte se faz de andarilho mendicante, pois é preciso
ocultar-se. Sua vida corre perigo em sua própria casa, ocupada pelos mais de cem
pretendentes de Penélope, todos jovens e fortes príncipes guerreiros. Mas, diante de
sua velha ama, ainda que não tenha sido reconhecido por sua própria mulher, diante de
Euricleia, repetimos, o vagabundo que chega evoca imediatamente a imagem do rei
perdido em alto-mar. Assim diz a criada ao suposto esmoler, duplo de Odisseus (XIX,
v. 378-381):
ajll j a[ge nu~n xunivei e!po", o@tti ken ei!pw:
polloiV dhV xeivnoi talapeivrioi ejnqavd * i@konto,
ajll j ou! pwv tinav fhmi e*oikovta w|de ijdevsqai
Vá lá! Mas faz conta do que te conto: sim, muitos
desvalidos de fora chegaram aqui, mas digo mesmo,
nunca jamais uma parecença assim foi vista, pois
w&" suv devma" fwnhvn te povda" t * O
* dush~i> e!oika". tu te pareces de corpo, voz e pés com Odisseus.8
Suspeita desde o princípio, a identidade do andarilho é posta em xeque-mate e,
por isso, propomos que se pense o duplo tanto na figura dos dois irmãos gêmeos Yaqub e
Omar, quanto no episódio mencionado da Odisseia com Odisseus mendigo. Em razão
disso, afirmamos que, se a cicatriz é instrumento para o reconhecimento do rei de Ítaca,
a cicatriz de Yaqub é, no romance, o traço que mais o distingue de Omar.
Do cabelo cacheado de Yaqub despontava uma pequena mecha cinzenta, marca de
nascença, mas o que realmente os distinguia era a cicatriz pálida em meia-lua na face
esquerda de Yaqub.9
6
RIAUDEL, Michel. Quando a ficção se recorda, p. 251-261.
BIRMAN. Irmãos inimigos: duplos em Machado e Hatoum, 2008; SOUZA. Ambivalências do sujeito,
2012; BRIDI; VASCONCELOS. O professor e seu duplo, 2011 etc.
8
As traduções do grego são de nossa autoria.
9
HATOUM. Dois irmãos, p. 20.
7
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
169
O primeiro ensaio de que temos conhecimento sobre o tema em Homero foi
produzido por Erich Auerbach em 1946. Tornou-se obra de referência, foi reeditado
várias vezes e está traduzido para o português. Trata-se do conhecidíssimo Mimesis: a
representação da realidade na literatura ocidental e do capítulo que integra a obra intitulado
“A cicatriz de Ulisses”, em que o filólogo alemão compara a passagem do canto 19,
vv. 392-446, com o episódio bíblico do sacrifício de Isaac.
Auerbach realça aspectos que até então não haviam atraído muita atenção
acadêmica e os insere na reflexão ainda incipiente sobre o processo de homogeneização
da cultura ocidental depois da Segunda Guerra Mundial (o que, de certa forma, abrirá
caminho para outros pensadores com a análise crítica da indústria cultural). Todavia a
nossa menção ao estudo se deve a uma constatação indicada por João Cezar de Castro
Rocha em comentário ao título traduzido da obra referida:10
(...) a tradução proposta envolve um erro grave de interpretação. Em inglês, eles
escreveram: “Philology and Weltliterature”. Isto é, o genitivo em alemão se transformou
em mera conjunção aditiva em inglês. Tudo se perde nessa escolha precipitada, pois,
agora, “Filologia e Weltliteratur” compartilham o mesmo eixo temporal, são expressões
contemporâneas. Contudo, a argúcia do título de Auerbach se oculta no emprego do
genitivo: “Filologia da Weltliteratur”.
O exercício filológico supõe que o objeto estudado pertence ao passado da cultura; daí a
necessidade do trabalho hermenêutico para sua apreensão. No título do ensaio, Auerbach
cifrou sua interpretação do tempo que lhe coube viver.
Assim pensando, isto é, admitindo que o exercício filológico e hermenêutico no
texto de Hatoum pode nos levar ao passado de nossa cultura (e pode acrescentar ao
estudo de Homero reflexões curiosas) e que o estudo do passado da cultura brasileira
pode até mesmo chegar ao da cultura grega; assim pensando, intentamos fazer com que
a observação da Odisseia em paralelo com a de Dois irmãos seja um meio legítimo de
compreender a literatura universal. Para nós, associar Homero e Milton Hatoum é
exercício de brasilidade e de crítica literária, portanto retornemos à cicatrização da
nossa operação.
O refinamento da construção de Hatoum vai mais longe do que a simples
recuperação de um duplo e a observação de uma cicatriz. Yaqub também é, como
Odisseus, um forasteiro desajustado, racional ao extremo naquele momento de seu
retorno à casa:
As características de sujeito forasteiro, desconfortável no ambiente manauara, são somadas
ao perfil do indivíduo racional ao extremo, com todos os defeitos que esta descrição
implica (cálculo, frieza, ambição desmedida, crueldade), seja quando avaliada com base
nos valores da família ou quando criticada pela própria razão crítica. Nesse contexto, o
narrador nos insinua que a vingança de Yaqub – que levará à prisão de Omar e à venda
da casa familiar – foi planejada muitos anos antes de sua concretização. “Ele se sofisticava,
preparando-se para dar o bote: minhoca que se quer serpente, algo assim” (HATOUM,
2000, p. 61), escreve Nael ao comentar a correspondência de Yaqub. As feições de
10
ROCHA. Mimesis: Erich Auerbach em exílio (2), cf. http://rascunho.gazetadopovo.com.br/mimesiserich-auerbach-em-exilio-2/.
170
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
personagem estrangeiro não colocam, porém, Yaqub em polo oposto à nação brasileira.
Pelo contrário. O forasteiro aqui veste a máscara da identidade nacional.11
Destes mascarados forasteiros, as afamadas cicatrizes reveladas surgem nas duas
obras como uma digressão, um dispositivo de retardamento da ação. Em Milton Hatoum,
porém, a digressão vem pelo avesso de Homero: enquanto na Odisseia ela ocorre quando
caminhamos para o fim do périplo do herói, no romance do escritor brasileiro ela surge
logo no início do drama feroz entre os Dois irmãos e chega para justificar o acirramento
do ódio entre esses amazonenses. Em um ponto se igualam, porém: é o momento da
volta à casa de ambos: Odisseus de suas andanças depois de vinte anos da guerra de
Troia e Yaqub depois de um período de cinco anos no Líbano. O estratagema homérico
(e de igual forma o do escritor manauara) provoca emoções misturadas no leitor – a
frustração no retardamento do desenlace da trama e excitação na descoberta de um
fato passado traumatizante – e, como dispositivo narrativo, delineia, de forma cuidadosa,
todas as circunstâncias do sentimento que movimenta o romance, bem como o final da
epopeia, a retomada da casa dos descendentes de Sísifo.
No épico grego, o trecho que nos interessa faz parte, como sustentamos, de uma
longa digressão, se constrói através do uso da analepse ou, se quiserem, do flashback,12
provocado em uma mulher, Euricleia, e cumpre, além de outras, a função de informar
um episódio mais antigo até que a cicatriz, a saber, a atribuição do nome do herói
Odisseus por seu avô Autólico.
Em se tratando de evocação remota, em Dois irmãos a recordação do passado
ocorre pela memória de Domingas, a cunhatã que criou Yaqub. Duas amas. Dois
protagonistas de regresso em foco. Duas cenas para descrever a origem de um ódio
familiar: o ódio de Yaqub e Omar e a origem do odioso nome de Odisseus. O ponto
merece um comentário.
O nome de Odiseus é dado à criança ainda pequena pelo avô materno que tem
por nome Autólico, ou seja, etimologicamente falando, “o próprio lobo”, homem odiado
(oj d ussav m eno") e odioso entre os gregos, um ladrão de gado, trapaceiro e devoto de
Hermes. Autólico, ao conferir para o neto um nome associado à sua condição entre os
seus pares, transmite para a criança uma herança e, assim, o muito ardiloso Odisseus se
torna um protótipo de esperteza perigosa.13 A história da origem de seu nome, no momento
exato da matança dos pretendentes de Penélope, passa a ser uma história de ódio, tal
qual a que se desenvolve em Dois irmãos.14 Mas a camuflagem e requinte de Hatoum
11
BIRMAN. Irmãos inimigos: duplos em Machado e Hatoum, p. 9.
RUSSO; FERNANDEZ-GALIANO; HEUBECK. A commentary on Homer’s Odyssey, p. 95.
13
RUSSO; FERNANDEZ-GALIANO; HEUBECK. A commentary on Homer’s Odyssey, p. 96, nota ao verso 394.
Na nota ao verso 407, p. 97, temos o seguinte comentário: Since Autolycus in his career as trickster has dealt harshly
with many men and women, the child, as Autolycus’ heir, will be ‘Odysseus’, ‘the man who deals out harsh treatment’. The
suffix -en" points to such an active sense.
14
PERADOTTO. Man in the middle voice, p. 120-142. Milton Hatoum, neste sentido comentado por Peradotto,
vem comprovar para os estudiosos do helenismo e da literatura brasileira o quanto a retomada deste tipo de
estratégia é so inimical to late classical and modern (but not “post-modern”) habits of reading. De fato, é possível ver na
literatura contemporânea brasileira um insistente, mas muito velado, retorno à literatura antiga. Peradotto, embora
aplauda o insight de Auerbach, desenvolve uma crítica pertinente ao estudioso da qual inserimos um pequeno
trecho: Without impugning Auerbach’s essential insight, we may nonetheless insist that he overstates the case. The poet
does not, in fact, treat with extensive foregrounding every-thing that falls within the purview of his story. Like every
storyteller, he selects, and only a critical perspective tied to an epistemology of naive realism would fail to see this, p. 121.
12
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
171
nos levam a buscar fontes outras para entender acerca de nomes e ódios. Bridi e
Vasconcelos apontam para um caminho:
Há um particular que se reveste de grande significação como índice da posição ocupada
pelo narrador no romance. Seu nome é o mesmo do pai de seu avô Halim, pai dos gêmeos
e uma das fontes da grande narrativa familiar que, aos poucos, vai tecendo para si e para
o leitor. A tradição árabe, nem sempre cumprida à risca, sobretudo entre imigrantes, mas
de conhecimento geral dos que partilham aquela cultura, estabelece que o primogênito
(do sexo masculino) receba o nome do pai do pai, quase sempre seguido do nome do
próprio pai.15
Entre gregos, árabes e brasileiros, não vamos disputar tradições; registramos tão
somente que, tal como a epígrafe anunciada do romance, estamos diante de uma saga
em que os ancestrais interferem de uma forma ou de outra. Ódio e memória recuperados
à moda homérica, isso é o que temos em Dois irmãos.
O relato do rapsodo grego se volta para uma cena que se passa à meia-luz, no
palácio de Ítaca, no lado escuro da lareira: Odisseus está sentado, deixa-se lavar na
penumbra e, do apagado da memória de Euricleia, salta à luz a cena do fero javali
causador do trauma passado. Instaura-se o reconhecimento de sua cicatriz pela ama.
Dentro da memória, no clímax da agressão relembrada do animal que causara a ferida,
visualizamos, também em lugar pouco iluminado (Od. XIX, 439-443), o cume do monte
Parnaso coberto de bosques:
e[nqa d * a[r * e*n lovcmh/ pukinh/~ katevkeito mevga" su~":
thVn meVn a[r * ou!t a*nevmwn diavei mevno" u*groVn a*env twn,
ou!te min H
* evlio" faevqwn a*kti~sin e!ballen,
ou!te o!mbro" peravaske diamperev": w}" a!ra puvknhV
Ali mesmo, em cerrada moita, se escondia um mega javali
e nem mesmo a força úmida dos ventos inquietos passava
por ela, nem o Sol brilhante jogava seus raios nela e
nem a chuva despencava direto de tão cerrada que era
h|en, a*taVr fuvllwn e*nevhn cuvsi" h!liqa pollhv.
e tinha, à beça, lá dentro, um montão enorme de folhas.
Igualmente escura é a cena que desenha Hatoum: em uma tarde nublada de sábado,16
no porão da casa dos Reinoso, quando o tempo fechou com nuvens baixas e pesadas (embora
a sala estivesse iluminada), carregadas e acendendo boas trovoadas, terá lugar o ataque
de Omar. Caçada por caçada, javali na Grécia, Lívia em Manaus; javali nos bosques
escuros do Parnaso, Lívia no porão dos Reinoso. Do escuro para a luz, do esquecimento
para a rememoração. Narrativa de um evento passado que foi relembrado e forma literária
que acende uma imagem para o leitor (que passa a conhecer o passado da personagem)
coincidem. Para que alcancemos a compreensão da história de Odisseus e de Yaqub, o
texto nos permite vê-los como se estivessem num divã literário a relatar suas memórias.
E para que isso aconteça, nos termos de Auerbach para Homero, observa-se que tudo
(...) é relatado com exatidão e com vagar. (...) Há, também, espaço e tempo abundantes
para a descrição bem ordenada, uniformemente iluminada, dos utensílios, das manipulações
e dos gestos, mostrando as articulações sintáticas; mesmo no dramático instante o
15
16
172
BRIDI; VASCONCELOS. O professor e seu duplo, p. 56.
HATOUM. Dois irmãos, p. 20.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
reconhecimento não se deixa de comunicar com o leitor... (...) Claramente circunscritos,
brilhante e uniformemente iluminados, homens e coisas estão estáticos ou em movimento,
dentro de um espaço perceptível; com não menor clareza, expressos sem reservas, bem
ordenados até nos momentos de emoção aparecem sentimentos e ideias.17
Vejamos se se confirma o que o filólogo afirmou para Homero em Milton Hatoum.
Para o escritor brasileiro a história está inserida na narrativa de Nael que reproduz a
fala de Domingas, ama substituta de Zana, a mãe dos dois gêmeos. Com Domingas a
figura de Euricleia é recuperada tanto nos seus atributos de agregada quanto naqueles
de ama. Como a velha grega, as refeições da família e o brilho da casa dependiam de
Domingas. E a história também depende dela, Domingas,18 e de Euricleia naquele momento
do poema grego. Citamos as primeiras linhas do trecho de Hatoum:
Era uma tarde nublada de sábado, logo depois do Carnaval. As crianças da rua se alinhavam
para passar a tarde na casa dos Reinoso, onde se aguardava a chegada de um cinematógrafo
ambulante. No último sábado de cada mês, Estelita avisava as mães da vizinhança que
haveria uma sessão de cinema em sua casa. Era um acontecimento e tanto. As crianças
almoçavam cedo, vestiam a melhor roupa, se perfumavam e saíam de casa sonhando com
as imagens que viriam na parede branca do porão de Estelita.
Yaqub e o Caçula usavam um fato de linho e uma gravatinha-borboleta; saíam iguais,
com o mesmo penteado e o mesmo aroma de essências do Pará borrifado na roupa.
Domingas, de braços dados com os dois irmãos, também se arrumava para acompanhar os
gêmeos. O Caçula se desgarrava, corria, era o primeiro a beijar o rosto de Estelita e
entregar-lhe um buquê de flores.
Dentro dos parâmetros da literatura, tal como em Homero, realmente tudo é
narrado com exatidão e vagar. Mantém-se a definição precisa de tempo e espaço em uma
descrição bem ordenada e uniformemente iluminada. Estaremos no último sábado de fevereiro
(o mês dois), no porão de parede branca da casa de Dona Estelita aguardando o
cinematógrafo ambulante. Homens e coisas participantes, estáticos ou em movimento,
dentro de um espaço perceptível, são brilhante e uniformemente iluminados: já as crianças
vestiam a melhor roupa, se perfumavam; Yaqub e o Caçula usavam um fato de linho e uma
gravatinha-borboleta; saíam iguais, com o mesmo penteado e o mesmo aroma de essências do
Pará borrifado na roupa etc. O processo é bem acabado até o fim, e mesmo nos momentos
mais intensos de emoção, quando se esperava que o texto registrasse mais ação, aparecem
sentimentos e ideias em descrição primorosa, tal como no antigo aedo:
A magia no porão escuro demorou uns vinte minutos. Uma pane no gerador apagou as
imagens, alguém abriu uma janela e a plateia viu os lábios de Lívia grudados no rosto de
Yaqub. Depois, o barulho de cadeiras atiradas no chão e o estouro de uma garrafa
estilhaçada, e a estocada certeira, rápida e furiosa do Caçula. O silêncio durou uns
segundos. E então o grito de pânico de Lívia ao olhar o rosto rasgado de Yakub. Os
Reinoso desceram ao porão, a voz de Abelardo abafou o alvoroço. O Caçula, apoiado na
parede branca, ofegava, o caco de vidro escuro na mão direita, o olhar aceso no rosto
ensanguentado do irmão.
Estelita subiu com o ferido e chamou um dos curumins: corre até a casa de Zana, chama
a Domingas, mas não fala nada sobre isso.
17
18
AUERBACH. Mimesis, p. 2.
HATOUM. Dois irmãos, p. 20.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
173
A cicatriz já começava a crescer no corpo de Yaqub. A cicatriz, a dor e algum sentimento
que ele não revelava e talvez desconhecesse. Não tornariam a falar um com o outro.19
Ao fim da analepse, saberemos (aliás, somos quase cúmplices disto) a razão do
ódio entre os dois irmãos. Mas se as semelhanças com Homero até agora se prenderam
à estratégia narrativa – isto é, se inserem em uma longa digressão produzida com o
recurso da analepse; ocorrem no momento de chegada do protagonista à casa depois de
prolongada ausência; relatam o evento passado descrito em detalhes, que mistura passado
e presente e busca um ambiente de penumbra; apresentam a origem de um sentimento
negativo anterior ao momento da história; recorrem à participação de criadas as quais
são peça-chave no desfecho da cena – se as semelhanças até agora se prenderam à
estratégia narrativa, é tempo já de observarmos o assunto que as constrói.
Em Homero, Odisseus será acolhido no ritual de costume, o banho do hóspede.
Durante o procedimento a ama reconhece-o através da cicatriz que abre a janela da
memória e revela as marcas do passado, quando o jovem Odisseus, no seio familiar,
durante uma caçada com seus tios maternos e com o avô, no monte Parnaso, foi ferido
gravemente. A mesma frase que acabamos de lhes oferecer poderia, com poucas
mudanças, ser reescrita para Yaqub, que será acolhido no ritual de costume quando
volta à casa, durante o qual a ama recorda-se da cicatriz que abre a janela da memória
e revela as marcas do passado de menino no seio da vizinhança, durante a caçada
velada por uma fêmea cobiçada por ambos, Yaqub e Omar. Pensar em termos de caçada
nos dá uma nova base para análise das cenas comparativamente. O poema épico grego
vê a caçada como um ritual de passagem. Muitos heróis da mitologia teriam passado por
provas assim: o próprio Odisseus, Hércules, Hipólito, Órion, Meleagro etc. Alguns,
como é o caso do rei de Ítaca, foram bem-sucedidos, outros mal. Insucesso típico é a
história de Meleagro, estudada com cuidado por Nancy Felson Rubin e William Merritt
Sale. Os detalhes não nos interessam neste momento, o que nos chama a atenção é que
“(...) we come to see that Meleager, in contrast with Odysseus, is tragic because in his
maturation test he confuses the semantic domains of hunting and sexuality”.20
No entanto, o que não discutem os autores acima citados é que, observando a
magia do poema homérico, a inserção do episódio da caça do javali na iminência de um
combate no domínio sexual, a disputa por Penélope e consequentemente pela própria
casa, acresce o perigo que correrá o herói nos cantos que se seguem do poema. A inversão
de Hatoum será tão brilhante quanto; uma afirmativa, talvez, que nos leva a pensar
que, nos domínios sexuais, o campo semântico é mesmo contíguo ao da caça. Odisseus
e Yaqub serão, cada qual à sua maneira, bem-sucedidos.
A história inicia com uma caçada: Yaqub e Omar caçam Lívia; Omar caça também
Yaqub. A trama prossegue e, ao fim do romance, Omar é literalmente caçado.
Naquela tarde de abril já chuviscava quando Rânia o avistou na praça das Acácias. Ficou
paralisada. Estava magro, meio amarelão, barba de uma semana, o cabelo crespo com jeito
de juba. Os braços cheios de arranhões, a testa avolumada por calombos. Os olhos fundos
19
20
174
HATOUM. Dois irmãos, p. 22.
RUBIN; SALE. Meleager and Odysseus, p. 138.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
e acesos davam a impressão de um ser à deriva, mesmo sem ter perdido totalmente a
vontade ou a força de recuperar a coisa perdida. Rânia não teve tempo de se aproximar
dele. Ouviu estampidos, viu pessoas correrem, largando guarda-chuvas que quicavam
nos caminhos da praça. Eram três policiais, e logo cinco, muitos. Uma caçada. Viu o
Caçula agachado, atrás do tronco do mulateiro. Os policiais farejavam ali de arma em
punho. Os tiros cessaram. Queriam matá-lo ou só lhe dar um susto? Agora ventava com
rajadas de chuva...21
Escondido tal qual o javali de Homero, escondido também tal qual o marinheiro
à deriva disfarçado de mendigo que volta para recuperar a perda de anos atrás, a perda
da namorada conquistada pelo irmão (talvez sua pequena Ítaca), eis aí Omar. Poderíamos
começar aqui um novo artigo, relembrar o javali acuado em frente do menino Odisseus,
mas já basta. Terminemos por onde Hatoum começou.
O romance se abre, no frontispício, com um trecho do poema “Liquidação”, de
Carlos Drummond de Andrade. 22 A epígrafe introduz a leitura dentro da ótica da
narrativa da derrocada de uma família, a de Halim (nos moldes gregos, da casa de
Halim, porque falar de família para um grego antigo é falar do dovmo"). A escolha do
poema nos é oportuna. Por ele casam-se os vinte anos de errância de Odisseus, de sua
ânsia por retornar à pequena ilha de Ítaca e reassumir o comando da casa, com os vinte
contos de valor da casa. A liquidação da casa do mineiro, segundo Maria Zilda Ferreira
Cury, “avulta também em importância na ficção do escritor amazonense, mesclando-se
à figura materna (...) evidencia-se a relação tensa entre o eu lírico e sua casa, metáfora
da opressão do passado, do inconsciente.”23
A liquidação da casa recorda ainda o retorno incansável do sofrido Odisseus,
com todas as suas lembranças, pesadelos, pecados e cicatrizes.
A obviedade do motivo Esaú e Jacó presente na retomada dos gêmeos bíblicos
acaba por esbarrar em outra casa. Yaqub-Jacó associa-se a Omar (um anagrama de
Roma que nos leva a Romulo e Remo, os filhos da loba, o que seria tema para mais um
ensaio), uma personagem diluída de Homero que em turco se escreve Ömer. Todas as
grandes casas literárias se ajuntam ou, em termos técnicos, todos os sistemas literários24
se intercambiam e recriam dinamicamente o literário por ele mesmo.
21
HATOUM. Dois irmãos, p. 93.
In: Boitempo. José Olympio, 1968: “A casa foi vendida com todas as lembranças/ todos os móveis
todos os pesadelos/ todos os pecados cometidos ou em via de cometer/ a casa foi vendida com seu bater
de portas/ com seu vento encanado sua vista do mundo/ seus imponderáveis/ por vinte, vinte contos”.
23
CURY. Fronteiras da memória na ficção de Milton Hatoum, p. 15.
24
Evidentemente aqui somos devedores da teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar (1979) da
forma como foi publicada no volume de Poetics today com o tema Literatura, interpretação e comunicação.
Em Polisistemas de cultura, 2011, p. 8, Even-Zohar afirma: “La idea de que los fenómenos semióticos, es
decir, los modelos de comunicación humana regidos por signos (tales como la cultura, el lenguaje, la
literatura, la sociedad), pueden entenderse y estudiarse de modo más adecuado si se los considera como
sistemas más que como conglomerados de elementos dispares, se ha convertido en una de las ideas
directrices de nuestro tiempo en la mayor parte de las ciencias humanas. Así, la recolección positivista
de datos, tomados de buena fe desde un fundamento empirista y analizados sobre la base de su sustancia
material, ha sido sustituida por una aproximación funcional basada en el análisis de relaciones.”
22
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
175
Deste modo, das casas, depois de passadas, também as dores nos dão prazer 25 e,
assim, a cicatriz de Milton Hatoum reluz em frente de Homero e Homero acende porque
Hatoum nos ensinou a lê-lo de forma tropical e mais brasileira.
AA
ABSTRACT
We will observe one passage of the novel Dois irmãos, de Milton
Hatoum, searching for literary memories in Homer’s poem
Odyssey. We will focus on the famous scene of the footbath in
the middle of book 19 of the epopee and contrast it with the
tragic scene from Hatoum’s novel in which Omar attacks his
brother Yaqub and makes in him a scar.
KEYWORDS
Homer, classical reception, Milton Hatoum
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Poética. Trad. Ana Maria Valente. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2007.
BIRMAN, Daniela. Canibalismo literário: exotismo e orientalismo sob a ótica de Milton
Hatoum. Alea. Rio de Janeiro, vol. 19, n. 2, 2008, p. 243-255.
BIRMAN, Daniela. Irmãos inimigos: duplos em Machado e Hatoum. I Seminário Machado
de Assis, 2008, Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.filologia.org.br/
machado_de_assis/Irm%C3%A3os%20inimigos-%20duplos%20em%20Machado%20e
%20Hatoum.pdf. Acesso: 28 fev. 2014.
BIZONI, Alessandra Moura. A cicatriz do Tatarana: o sagrado feminino em Grande sertão:
veredas. Dissertação de mestrado, orientadora Carlinda Fragale Pate Nuñez. Rio de
Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2013.
BRIDI, Marlise Vaz; VASCONCELOS, Maria Lúcia Marcondes Carvalho. O professor
e seu duplo: uma leitura de Dois irmãos de Milton Hatoum. Todas as Letras R, v. 13, n. 2,
2011, p. 55-61.
BURDEN, Ernest. Dicionário ilustrado de arquitetura. Trad. Alexandre Ferreira da Silva
Salvaterra. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006.
CURY, Maria Zilda Ferreira. Fonteiras da memória na ficção de Milton Hatoum. Letras
(Santa Maria), Santa Maria, v. 26, 2003, p. 11-19.
CRISTO, Maria da Luz Pinheiro de. Relatos de uma cicatriz: a construção dos narradores
dos romances Relato de um certo Oriente e Dois irmãos. Tese, orientador Philippe Leon
Marie Ghislain Willemart. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, 2005.
HOMERO. Odisseia XV, 339-400: metaV gavr te kaiV a!lgesi tevrpetai a*nhvr, o!" ti" dhV mavla
pollaV pavqh/ kaiV povll * e*palhqh/~.
25
176
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
EVEN-ZOHAR, Itamar. Polysystem theory. Poetics today, vol. 1, n. 1/2, Special Issue:
Literature, Interpretation, Communication. 1979, p. 287-310.
EVEN-ZOHAR, Itamar. Polisistemas de cultura. Tel Aviv: Universidad de Tel Aviv,
Laboratório de Investigación de la Cultura, 2007-2011.
HEUBECK, Alfred; HOEKSTRA, Arie. A commentary on Homer’s Odyssey. Oxford:
Clarendon Press, 1990.
HOMER. Odissey. W. B. Stanford (Ed. e comm.). London: St. Martin Press, 1987.
IEGELSKI, Francine. Tempo e memória, literatura e história. Alguns apontamentos sobre
Lavoura arcaica, de Raduan Nassar, e Relato de um certo Oriente, de Milton Hatoum.
Dissertação de mestrado, orientador Mamede Jarouche. São Paulo: Universidade de
São Paulo, 2006.
ROCHA, João Cezar de Castro. Mimesis: Erich Auerbach em exílio (2). Rascunho gazeta
do povo. Disponível em: http://rascunho.gazetadopovo.com.br/mimesis-erich-auerbachem-exilio-2/. Acesso: 28 fev. 2014.
PERADOTTO, John. Man in the middle voice: name and narration in Odyssey. Princeton,
New Jersey: Princeton University Press, 1990.
SOUZA, Mariana Jantsch. Ambivalências do sujeito: figurações do duplo em Dois irmãos,
de Milton Hatoum. V Colóquio Internacional Sul de Literatura Comparada: Fazeres
Indisciplinados. Porto Alegre, 2012, p. 1-10. Disponível em: <http://wwlivros.com.br/
Vcoloquio/artigos/MarianaJantschdeSouza.pdf>. Acesso: 28 fev. 2014.
RIAUDEL, Michel. Quando a ficção se recorda, quando o sentido passa a resistir. Trad.
Milton Ohata. Novos Estudos Cebrap n. 84, jul. 2009, p. 251-261. Disponível em: <http:/
/novosestudos.uol.com.br/v1/Pages/view/sobre-a-revista>. Acesso: 28 fev. 2014.
RUBIN, Nancy Felson; SALE, William Merritt. Meleager and Odysseus: a structural
and cultural study of the Greek hunting-maturation myth. Arethusa, vol. 16, Baltimore,
1983, p. 137-171.
RUSSO, Joseph; FERNANDEZ-GALIANO, Manuel; HEUBECK Alfred. A commentary
on Homer’s Odyssey, vol. III. Oxford: Clarendon Press, 1992.
Recebido em 14 de fevereiro de 2014
Aprovado em 10 de abril de 2014
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
177
SUBJETIVAÇÃO E OLHAR NA ESCRITA DE
GEORGES PEREC E MANOEL DE BARROS
SUBJECTIFICATION
AND LOOKING IN GEORGES PEREC AND
MANOEL DE BARROS’S WRITINGS
Rodrigo Ielpo*
Unicamp / Fapesp
Meu Deus, meu Deus! Como tudo é esquisito hoje! E
ontem tudo era exatamente como de costume. Será
que fui eu que mudei à noite? Deixe-me pensar: eu
era a mesma quando me levantei hoje de manhã?
Estou quase achando que posso me lembrar de me
sentir um pouco diferente. Mas se eu não sou a mesma,
a próxima pergunta é: “Quem é que eu sou?”. Ah,
essa é a grande charada!1
RESUMO
No livro Penser/classer, Georges Perec nos fala de um olhar
oblíquo, olhar que encontramos também no livro Memórias
inventadas, de Manoel de Barros. Na poética desses autores,
essa “obliquidade” do olhar aponta para um processo de
subjetivação que coloca em questão a anterioridade do sujeito
face à sua escritura. O objetivo deste artigo é, a partir desse
processo, estudar o deslocamento da memória como resgate do
passado para o presente de sua própria inscrição.
PALAVRAS-CHAVE
Georges Perec, Manoel de Barros, subjetivação
Em Memórias inventadas, ao falar sobre uma namorada que teve em sua juventude,
Manoel de Barros diz que ela “via errado”. Segundo o poeta, ao olhar o mundo dessa
maneira “ela despraticava as normas”, o que era ligado ao “seu ver oblíquo”.2 É esse
mesmo olhar que o escritor francês Georges Perec menciona durante uma entrevista,
aludindo a um “jeito de olhar as coisas um pouco de viés, de maneira oblíqua”, fazendo
com “que o olho não olhe o centro, mas ao lado: para ver o mundo aparecer de forma um
tanto desviada.”3 e 4 Essa “maneira oblíqua” indica um trabalho do próprio corpo, implicado
* [email protected]
1
CARROLL. Alice no País das Maravilhas, p. 26.
2
BARROS. Memórias inventadas, p. 121.
3
PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 328.
4
Todos os textos que se encontram em francês na bibliografia foram traduzidos por mim.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
179
diretamente na construção de uma relação com o mundo. Ao abordar essa questão no
livro Penser/classer, Perec discorre sobre a questão do corpo na leitura. No artigo “Ler:
esboço sociopsicológico”, o escritor analisa o que seria esse lado “corporal” da leitura:
Uma certa arte da leitura – e não somente a leitura de um texto, mas o que chamamos de
leitura de um quadro, ou a leitura de uma cidade – poderia consistir em ler de lado, em
dirigir ao texto um olhar oblíquo (mas aqui não se trata mais da leitura em seu nível
psicológico: como poderíamos ensinar aos músculos a “ler de outra maneira”?)5
“Ler de outra maneira”: trata-se de um movimento do olhar conduzido pela ação
muscular que influenciaria nossa percepção do mundo, permitindo ao leitor apreender
as imagens de forma diferente, possibilitando que cada novo “ângulo” revele uma outra
“face” daquilo que é observado. Pode-se dizer que essa estratégia não privilegia a forma
acabada de um objeto, concebendo-o antes como a soma de fragmentos na qual a
totalidade atingida jamais cessa de se diferenciar de si mesma. Na escritura de Barros e
Perec, é esse olhar que permite tirar as coisas de sua ordem usual, visando à “destruição
das convenções da representação e da transformação da representação em outra coisa”, 6
a que alude Perec ao falar do trabalho do fotógrafo Cuchi White. Na base dessa operação,
encontra-se o fato de que o mundo, ao invés de passivo diante daquele que o observa,
passa então a nos encarar.
Esse jogo de olhares aparece, aliás, muito bem descrito na continuação da passagem
em que Barros fala de sua namorada: “[f]alou por acréscimo que ela não contemplava
as paisagens. Que eram as paisagens que a contemplavam”.7 Podemos pensar aqui no
que afirma o filósofo e historiador da arte Georges Didi-Huberman em relação às imagens.
Em seu livro O que vemos, o que nos olha, ele diz que as “coisas visuais não aparecem senão
como paradoxos em ato nos quais as coordenadas espaciais se rompem, abrem-se para nós
e acabam por se abrir em nós, por nos abrir, incorporando-nos”.8 Apoiados nessa reflexão,
podemos acompanhar mais de perto a “escritura visual” desses dois escritores, pensando
melhor a relação que ambos estabelecem com as “coisas” do mundo exterior.
Numa afirmação retirada de outra entrevista, Perec nos diz que “as coisas nos
descrevem. Podemos descrever os seres através dos objetos, através do meio que os
cerca e da maneira pela qual eles se deslocam nesse meio”.9 Chegando mesmo a rejeitar
qualquer valor às descrições ditas psicológicas, Perec explica que, para ele, para falar
do homem seria mais eficaz recorrermos à descrição da materialidade daquilo que nos
rodeia, estratégia que parece operar em grande parte de sua poética. Não por acaso,
dando ensejo ao lado autobiográfico, presente de forma declarada em sua obra, o autor
revela no prefácio do livro Penser/classer: “já há alguns anos que intenciono escrever
uma história de alguns objetos que estão sobre minha mesa de trabalho”.10 Transformar
5
PEREC. Penser/classer, p. 113.
PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 338.
7
BARROS. Memórias Inventadas, p. 121.
8
DIDI-HUBERMAN. O que vemos, o que nos olha, p. 194.
9
PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 203.
10
PEREC. Penser/classer, p. 22.
6
180
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
os objetos do seu cotidiano nessa escritura-imagem seria uma maneira de falar de si
próprio, assumindo uma forma de contaminação entre mundo e sujeito intermediada
pela escritura. Essa operação pode ser mais bem compreendida, se pensarmos nesta
passagem em que o escritor francês cita o poeta Henri Michaux:11 “ ‘[e]screvo para me
percorrer’, e faço desse percurso alguma coisa que se confunde com minha vida”. 12
Em um livro como A vida modo de usar, obra de ficção na qual o autor inscreve a
materialidade do cotidiano o mais banal, a figuração daquilo que nos é dado a ver
jamais remete a um puro “em si” da coisa, provocando um choque com a reflexão de
Émile Benveniste, segundo a qual
a ‘3a pessoa’ é a forma do paradigma verbal (ou pronominal) que não remete a uma pessoa
já que ela se refere a um objeto colocado fora da alocução. No entanto, ela não pode
existir e se caracterizar senão pela oposição à pessoa do Eu do locutor que, ao enunciá-la,
a situa como “não pessoa”.13
No caso da escritura perecquiana, assim como na de Barros, o jogo entre olhante
e olhado desconstrói a oposição referida acima, pois, como dito há pouco, é a partir da
“contaminação” entre esses dois termos – 1a e 3a pessoas – que o sujeito pode inscrever-se
no texto, o Eu dando-se a ver na forma de um jogo por via dessa obliquidade do olhar.
É esse mesmo raciocínio que podemos observar na última página das Memórias de
Barros: “[e]u tenho que essa visão oblíqua vem de eu ter sido criança em algum lugar
perdido onde havia transfusão da natureza e comunhão com ela”.14 No caso de Perec,
pode-se notar a quebra dessa oposição no próprio jogo com o uso dos pronomes pessoais,
já que o autor chega a escrever um pequeno texto autobiográfico através da vacilação
entre a primeira e a terceira pessoa. Em “Lugares de uma fuga”, ele narra o dia em que
decide não ir à escola para vender sua coleção de selos no mercado situado nos jardins
dos Champs Elysées. Ao longo da narrativa, o leitor é apresentado ao que seria um
momento da história pessoal do próprio narrador através da figura de um “ele”. Todavia,
ao final da leitura, deparamo-nos com esta passagem, em que a vacilação indicada
irrompe: “[q]uando, vinte anos mais tarde, ele tentou se lembrar (quando, vinte anos
mais tarde, eu tentei me lembrar), 15 tudo foi em princípio opaco e indeciso”.16 Por fim,
essa opacidade das lembranças parece sumir quando finalmente “os detalhes retornam
um a um (...).” (idem, ibidem) Entretanto, no momento de expô-los, o que lemos é a
seguinte lista, apresentada na forma de um poema:
a bola de gude, o banco, o pãozinho;
o passeio, o bosque, as pedras;
o carrossel, as marionetes;
11
Perec cita um fragmento retirado do livro Face aux verrous, de 1954.
PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 305.
13
BENVENISTE. Problemas de linguística geral I, p. 292.
14
BARROS. Memórias Inventadas, p. 187.
15
O grifo é nosso.
16
PEREC. Je suis né, p. 30.
12
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
181
o portão;
(...)17
Trata-se da banalidade que o cerca e que vem “esclarecer” essa “opacidade” da
memória. São as coisas nomeadas e inventariadas pela escritura que parecem permitir
ao sujeito captar-se como exterioridade em meio a pedras e bolas de gude, podendo,
assim, inscrever-se como matéria narrada. Em meio a essa dupla exterioridade – os
objetos enquanto referências exteriores e sua apresentação via escritura –, essa
identidade parece não poder surgir senão como hesitação, o que o texto torna a
dramatizar na seguinte passagem:
E ele permaneceu tremendo, um longo momento,
diante da página branca
(e eu permaneci tremendo, um longo momento,
diante da página branca).18
Esse paralelismo entre dois pronomes aponta para o deslocamento do sujeito em
relação a si, sujeito que, para nomear-se, necessita lançar-se no fora. Na verdade, tratase de um processo de subjetivação que problematiza a noção de presença na medida em
que ela só pode ser efetuada por via de uma exterioridade, a saber, a escritura. Michel
Collot, ao falar sobre a obra de Francis Ponge, nos oferece uma chave para desenvolvermos
essa questão: “[a] viagem na espessura das coisas não é uma excursão pitoresca em um
mundo exótico, mas uma exploração de si”.19 Apesar das diferenças entre os trabalhos
de Ponge com os de Perec e Barros, em ambos o processo de nomeação da banalidade
cotidiana pode ser pensado no âmbito dessa “exploração de si”.
No caso de Barros, esse processo parece radicalizar-se na esteira da comunhão
que já havíamos indicado, e que reaparece no seguinte fragmento: “[e]u tinha mais
comunhão com as coisas do que comparação”. 20 Essa frase dialoga diretamente com
outra passagem, retirada do capítulo intitulado “Tempo”:
Eu não amava que botassem data na minha existência. A gente usava mais era encher o
tempo. Nossa data maior era o quando (...). Assim, por exemplo: tem hora que eu sou
quando uma árvore e podia apreciar melhor os passarinhos. Ou: tem hora que eu sou
quando uma pedra. E sendo uma pedra, eu posso conviver com lagartos e musgos.21
Nessa operação que coloca a comparação do como em segundo plano, o sujeito
não para de modificar-se pela contaminação do outro, em um processo que Maurice
Blanchot indica sob o nome de “intrusão”: “[o] ‘ele’ narrativo, esteja ele ausente ou
presente, afirme-se ou esconda-se, altere ou não as convenções da escritura, (...) marca
assim a intrusão do outro – entendido como neutro – em sua estratégia irredutível, em
17
PEREC. Je suis né, p. 31.
PEREC. Je suis né, p. 31.
19
COLLOT. Francis Ponge: entre les mots et les choses, p. 192.
20
BARROS. Memórias inventadas, p. 187.
21
BARROS. Memórias inventadas, p. 133.
18
182
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
sua perversidade retorcida. O outro fala”.22 O que se vê é um Eu sob a forma de um
encontro entre o sujeito e o mundo que o cerca, hipótese corroborada por esses versos,
retirados do Livro das ignorãças: “[q]uando o rio está começando um peixe, / Ele me
coisa / Ele me rã / Ele me árvore”.23 O uso pouco usual do pronome reflexivo marca bem
essa dimensão de um devir constante daquele que “inscreve”, apontando o movimento
desse sujeito que só pode existir nessa junção com o mundo que o rodeia, nessa
composição mútua a que dá forma a escritura e que o permite dizer: “[a]li me anonimei
de árvore”.24
Dessa forma, tanto em Perec quanto em Barros, essa passagem do Je (Eu) ao Jeu
(jogo) – para usar um recurso que a língua francesa possibilita – só pode realizar-se de
fato por meio da escritura, colocando uma vez mais a noção de presença em questão.
Como nos diz Agamben em seu artigo “O autor como gesto”: “[u]ma subjetividade
produz-se onde o ser vivo, ao encontrar a linguagem e pondo-se nela em jogo sem
reservas, exibe em um gesto a própria irredutibilidade a ela”.25
Aproximando-nos, então, cada vez mais do que seria uma economia do traço,
pode-se dizer, como o fazem Siscar e Santos em reflexão sobre Derrida, que “o texto de
um autor, se não deve ser desgarrado daquilo que ele viveu, do vivido, esse vivido não
pode jamais ser visto a partir de um sentido de presença originária, como se fosse possível
recuperá-la e sistematizá-la em uma relação vida-obra”.26 É por esse viés que devemos
analisar uma das estrofes do poema “Alfabeto para Stämpfli”, na qual Perec encena as
relações entre narrativa e traçamento:
Pois a narrativa apagada deixou aqui seu traço: esse
mapa talhado, o céu calmo, a escama, a carapaça,
o ato tátil: o espaço, despedaçado e precário, meiodestruído, meio perspectivo, cortado, esquartejado, entregue
à sorte.
É isso o clarão, a ressaca, o pacto implícito
em face desses espectros secretos? O papel liso
reclama esses afastamentos eficazes, elipses, eclipses,
escalas, essa presteza,
esse material ao mesmo tempo expandido e comprimido,
esse furo estrito.27
A “narrativa apagada” – o vivido – inscreve “seu traço” na folha, nesse jogo
contínuo do alfabeto através de “elipses, eclipses e escalas” que funda “esse material ao
mesmo tempo expandido e comprimido” que é a escritura. O traço, marca daquilo que
não existe, pois manifestação de um desaparecimento, parece remeter à materialidade
22
BLANCHOT. L’entretien infini, p. 564.
BARROS. Poesia completa, p. 315.
24
BARROS. Poesia completa, p. 323.
25
AGAMBEN. O autor como gesto. Profanações, p. 63.
26
SISCAR & SANTOS. A circunavigação autobiográfica. Literatura e representações do eu: impressões
autobiográficas, p. 96.
27
PEREC. Beaux présents, belles absents, p. 80.
23
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
183
do escrito que “o papel liso reclama”, aproximando-nos do seguinte comentário feito
pelo filósofo Walter Benjamin: “[a]quilo que sabemos que, em breve, já não teremos
diante de nós torna-se imagem”. 28
Se, como nos diz o narrador de W ou a memória de infância, “as lembranças são
pedaços de vida arrancados ao vazio (...)”, 29 elas não podem encontrar plena
materialização senão na escrita. Sendo assim, a própria memória acaba por deslocar-se
de um passado para sempre fixado para o interior do próprio traço, pois se para Perec as
coisas só existem depois de memorizadas, como ele nos explica, memorizado “quer dizer
não na minha memória, mas no interior de um traço”.30 Aquilo que é memorizado passa,
então, a modificar a própria percepção do passado, pois, sob a forma do traço, o que é,
digamos, conservado, não pode mais existir fora da dinâmica à qual o submete o jogo da
escritura. Não estamos distantes do que diz Derrida ao sustentar que o traço não
remete “menos ao que chamamos futuro que àquilo a que chamamos passado, e
constituindo o que chamamos de presente através da própria relação com aquilo que ele
não é (...)”.31 Esse “traço” coloca em questão a memória como acesso a uma anterioridade
plenamente definida, na qual o Eu se reconheceria plenamente. Ou seja, o traço surge ao
mesmo tempo como marca do passado e abertura para o devir, operando sobre uma
temporalização complexa em que o próprio passado nunca cessa de ser reatualizado.
Retornando a Barros, ainda que a figura do desaparecimento não pareça ocupar
lugar de destaque em suas memórias, percebemos um mesmo deslocamento das
lembranças como originadas em um tempo passado para o presente de sua inscrição,
abrindo-as assim tanto como referência ao que foi quanto ao que virá a ser, esfumaçando
as hierarquias usuais entre escritor e escritura. No capítulo “Fontes”, ao falar dos
“personagens que me ajudaram a criar essas memórias”,32 o poeta afirma que, além dos
passarinhos e dos andarilhos, “outro parceiro de sempre foi a criança que me escreve”.33
Problematizando a lógica autobiográfica, a criança que o narrador foi não opera a partir
de um passado concluído, aguardando que o adulto que escreve a resgate. Porém,
acompanhando o desenvolvimento dessa questão, notaremos que o movimento aludido
não remete tão pouco ao jogo de força de um inconsciente estruturado pelos recalques
infantis, atualizando-se, na vida adulta, por meio da escritura do poeta. Isso pode ser
percebido pelo capítulo seguinte. Neste, o narrador começa afirmando: “[i]nventei um
garoto levado da breca para me ser”,34 para logo depois finalizar com a passagem abaixo:
Porém o menino levado da breca ao fim me falou
Que ele não fora inventado por esse cara poeta
Porque fui eu que inventei ele.35
28
BENJAMIN. Obras escolhidas I: magia e técnica; arte e política, p. 85.
PEREC. W ou le souvenir d’enfance, p. 98.
30
PEREC. Entretiens et conférences, v. 2, p. 236-237.
31
DERRIDA. Marges de la philosophie, p. 13.
32
BARROS. Memórias inventadas, p. 147.
33
BARROS. Memórias inventadas, p. 147.
34
BARROS. Memórias inventadas, p. 151.
35
BARROS. Memórias inventadas, p. 151.
29
184
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
O último verso, deslizando a voz do poeta para o interior da do próprio menino,
entrelaçando-as numa indefinição entre Eu e Ele, cria um efeito de indecidibilidade
que não nos permite saber quem inventou e quem foi inventado, nada restando para
além desse emaranhado-escritura, remetendo-nos, então, a esta outra passagem: “[e]u
lisonjeio as palavras. E elas até me inventam”.36 Através dessa operação, Barros inviabiliza
um pensamento fundado na oposição presença/ausência, aproximando-se assim da
dinâmica do traço tal qual definido por Derrida: “o traço não sendo uma presença, mas
o simulacro de uma presença que se desloca, se movimenta, se adia, não tem propriamente
lugar, o apagamento fazendo parte de sua estrutura”.37 Essa é a economia que permite a
ambos os escritores recolocarem os signos em jogo, “desregulando” a fixidez das
identidades que, submetidas à escritura, não cessam de diferir, apontando para o que
Barros classifica em seu livro como o “dom de ser poesia” que têm aqueles que ganham
o “desnome”.38 O desnome não é a ausência do nome, mas seu perpétuo redefinir, sua
abertura para todos os nomes em um [des]fazer contínuo da fixidez do nome próprio.
Na escritura de Perec, esse aspecto faz com que a ausência cesse de remeter
exclusivamente a uma origem perdida, possibilitando ao narrador de W ou a memória de
infância escrever um romance autobiográfico no qual uma das primeiras afirmações é:
“[n]ão tenho lembranças de infância”. 39 A solução está em deixar-se abrir pelo devir
como a própria condição do traço, melhor dizendo, das imagens-traço [in]formadas
pela escritura por meio desse processo de nomeação oriundo do olhar oblíquo. Segundo
o próprio escritor, “[n]ossa relação com o mundo exterior consiste – como por uma
criança – em aprender o nome de tal coisa. Na verdade, essa acumulação das palavras
não é tanto para tentar ver o fim, mas para ver a partir de quando pode nascer a vertigem
nessa atividade”.40 A “vertigem” é o que garante a efetividade desse processo de um
sujeito que nomeia o mundo como possibilidade de nomear-se a si próprio nessa
transmutação “de ser poesia”. Como podemos ler no capítulo “Aula” das Memórias de
Barros, a pedagogia consiste nisto: “[d]esfazer o normal há de ser uma norma” 41 para
que se possa restabelecer o jogo de significações nesse mecanismo através do qual o
sujeito não cessa de se reinventar.
Na obra desses escritores, a “obliquidade” do olhar aparece como parte integrante
do processo de nomeação da exterioridade circundante, apontando para essa
contaminação entre homens e coisas que se revela sob a forma de uma imagem-escritura.
Esta surge assim como uma espécie de encontro a partir do qual o sujeito escreve seu
texto ao mesmo tempo em que é “inscrito” por ele, sem que se possa decidir o ponto de
origem ou de chegada desse processo. Nessa operação de subjetivação, as identidades
estão em constante movimento, permitindo-nos um diálogo com Stuart Hall. Para o
36
BARROS. Memórias inventadas, p. 155.
DERRIDA. Marges de la philosophie, p. 25.
38
BARROS. Memórias inventadas, p. 35.
39
PEREC. W ou le souvenir d’enfance, p. 18.
40
PEREC. Entretiens et conférences, v.2, p. 78.
41
BARROS. Memórias inventadas, p. 113.
37
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
185
crítico, trata-se de uma dinâmica típica da contemporaneidade, em que, “apesar de
seus melhores esforços, o/a falante individual não pode, nunca, fixar o significado de
uma forma final, incluindo o significado de sua identidade”.42
Em “Les gnocchis de l’automne ou réponse à quelques questions me concernant”, Perec
faz a si próprio essa pergunta: “[c]omo fazer, uma vez mais, para escapar a esse jogo de
espelhos no interior dos quais um ‘autorretrato’ seria apenas o reflexo de uma consciência
bastante podada, de um saber bem educado, de uma escritura dócil?” 43 Seu
questionamento permite uma abordagem positiva do comentário de Hall, pois a tentativa
de resposta dada por Perec em alguns de seus textos constitui uma literatura em que
todo autorretrato é fruto desse olhar oblíquo em que o sujeito não cessa de diferir,
jamais deixando-se apreender em uma imagem final. Paradigmática desse processo é a
tela pintada pelo personagem Valène, descrita pelo narrador de A vida modo de usar:
Estaria de pé, ao lado de seu quadro quase terminado, e estaria no ato de pintar a si
mesmo, esboçando com a ponta do pincel a silhueta minúscula de um pintor (...) no ato
de pintar a figurinha íntima de um pintor, no ato de pintar, ainda uma vez, uma dessas
imagens em abismo que gostaria de continuar até o infinito (...).44
E na continuação dessa passagem, logo após sermos direcionados para “a figurinha
íntima do pintor”, somos expostos de maneira abrupta a uma explosão de objetos do seu
cotidiano na forma de uma lista infindável, compondo assim esse autorretrato em que a
imagem do sujeito não cessa de errar na forma de uma mise en abyme radical no meio
das coisas. Mas para ambos os autores essa impossibilidade de uma forma última parece
ser antes uma qualidade – derivada do “olhar oblíquo” –, pois, como Barros afirma em
um poema intitulado “Autorretrato falado”, “[m]e procurei a vida inteira e não me
achei – pelo / que fui salvo”.45 A escritura passa a ser esse dispositivo que garante uma
espécie de errância através da qual o escritor se inscreve como devir.
Segundo Agamben, o sujeito é “o que resulta da relação e, por assim dizer, do
corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos”.46 Considerando a linguagem como
sendo talvez o mais antigo desses dispositivos, suas reflexões nos ajudam a pensar a
poética de Barros e Perec como um processo constante de experimentação em que a
identidade só pode ser constituída na medida em que aponte para sua possibilidade de
dissolução, remodelando-se no jogo com a literatura.
AA
42
HALL. A identidade cultural na pós-modernidade, p. 41.
PEREC. Je suis né, p. 69.
44
PEREC. A vida modo de usar, p. 278.
45
BARROS. Poesia completa, p. 324.
46
AGAMBEN. O que é um dispositivo?. O que é o contemporâneo? e outros ensaios, p. 41.
43
186
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ABSTRACT
In the book Penser/classer Georges Perec talks about an oblique
look that we also find in Memórias inventadas, by Manoel de
Barros. This way of looking at something describes a process
of subjectivation that puts into question the anteriority of
the subject in relation to his own writing. This work intends
to analyse this displacement in the poetics of these authors.
KEYWORDS
George Perec, Manoel de Barros, subjectivation
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. Profanações. Trad. Selvino José Assmann.
São Paulo: Boitempo, 2007, p. 55-63.
AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo?. O que é o contemporâneo? e outros ensaios.
Trad. Vinícius Nicastro Honesko. Santa Catarina: Argos, 2009, p. 25-51.
BARROS, Manoel de. Memórias inventadas. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010.
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo. Leya, 2010.
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I: magia e técnica; arte e política. Trad. Sergio
Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1996.
Paulo
BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. Trad. Maria da Glória
Novak e Maria Luiza Neri. Campinas: Pontes, 4. ed., 1995.
BLANCHOT, Maurice. L’entretien infini. Paris: Gallimard, 1969.
CARROL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Trad. Rosaura Eichenberg. Porto Alegre:
L&PM, 2009.
COLLOT, Michel. Francis Ponge: entre les mots et les choses. Champ Vallon, 1991.
DERRIDA, Jacques. Grammatologia. Paris: Galilée, 1998.
DERRIDA, Jacques. Marges de la philosophie. Paris: Les Éditions de Minuit, 1972.
DERRIDA, Jacques. Posições. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
DERRIDA, Jacques. L’écriture et la différence. Paris: Éditions du Seuil, 1967.
DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
PEREC, Georges. W ou le souvenir d’enfance. Paris: Danoël, 1975.
PEREC, Georges. A vida modo de usar. Trad. Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
PEREC, Georges. Entretiens et conférences I et II. Paris: Joseph K., 2003.
PEREC, Georges. Penser/classer. Paris: Hachette, 2003.
PEREC, Georges. Je suis né. Paris: Seuil, coll. Librairie du XX e siècle, 1990.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
187
PEREC, Georges. Beaux présents, belles absents. Paris: Seuil, 1994.
PEREC, Georges. Aproximações do quê? Alea: estudos neolatinos. Trad. Rodrigo Silva
Ielpo. Rio de Janeiro: 7 Letras, v. 12, n. 1, 2010, p. 177-180.
SISCAR, M. A.; SANTOS, M. C. M. A circunavigação autobiográfica. In: NIGRO, C.;
AMORIM, O.; BUSATO, S. (Orgs.). Literatura e representações do eu: impressões
autobiográficas. São Paulo: Editora Unesp, 2010, p. 89-103.
Recebido em 8 de fevereiro de 2014
Aprovado em 11 de fevereiro de 2014
188
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
MINÚSCULAS
REPÚBLICAS EM TERRA FRIA
DE FERREIRA DE CASTRO
TINY
REPUBLICS IN FERREIRA DE CASTRO ’S TERRA FRIA
Iza Gonçalves Quelhas*
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Este artigo propõe uma leitura do romance Terra fria (1934), de
Ferreira de Castro, autor de nacionalidade portuguesa, a partir
da concepção de cronotopo de Mikhail Bakhtin, com relevo
para os múltiplos significados do signo fronteira que incorpora
ao romance valores éticos e estéticos.
PALAVRAS-CHAVE
Terra fria, Ferreira de Castro, cronotopo, Mikhail Bakhtin
A civilização ia longe, parece ter sido criada
apenas para uma minoria, enquanto a miséria
fustiga... (palavras de Ferreira de Castro, em
Pórtico, Terra fria)
Este trabalho propõe analisar o cronotopo da crise ou da mudança, em sua
configuração romanesca, o que aciona o cronotopo de fronteira, tanto nas relações
interpessoais, quanto nas relações espaciais. Não se propõe aqui a noção de fronteira
como lugar de fluidez e de trânsito somente, o que sustenta os estudos teóricos pósmodernos, por exemplo. Neste artigo, fronteira enfatiza uma concepção de sujeito em
sua íntima relação com o espaço e o tempo indissociáveis; portanto, trata-se de um
sujeito da percepção e da compreensão ao considerar o outro como constitutivo de sua
própria identidade e de seu corpo.
Ferreira de Castro (1898-1974) é um autor pouco lembrado, mas significativo para
a compreensão das relações literárias entre Portugal e Brasil. O seu talento e a sua
atenção à situação social aproximam-no dos escritores da geração de trinta, no Brasil,
mas sua literatura de brilho próprio clama por um reconhecimento mais expressivo e
uma leitura mais atenta que dissemine outras leituras. Castro iniciou sua produção
literária em terras brasileiras, o que já seria uma singularidade nas relações literárias
* [email protected]
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
189
entre esses países. Seus textos traduzem uma lúcida e vibrante atualidade, linguagem,
temas e assuntos – a condição humana e os movimentos migratórios – que se tornaram
recorrentes até hoje, nas primeiras décadas do século XXI. Aos doze anos de idade,
Ferreira de Castro viaja para o Brasil, com escassa escolaridade e muita necessidade de
sobreviver, aprendizado que iniciara desde a morte do pai, em Portugal, quando contava
apenas oito anos.
No Brasil, viveu e trabalhou em seringais na região amazônica, ainda muito jovem.
Gradualmente, iniciou seu compromisso com a escrita, publicando artigos em jornais e
revistas que apontam interesses variados e evidenciam seu posicionamento político a
respeito de literatura e de política, assim como o que afetava tanto Portugal quanto o
Brasil, principalmente em sua dimensão social, nas primeiras décadas do século XX.
Retornou a Portugal, em 1919, passou a viver com escassos recursos materiais, sem
abandonar a literatura. Em 1928, publicou Emigrantes; em 1930, A selva, dois romances
que unem talvez por suas inter-relações a vida e a potência da criação. Ferreira de
Castro sofreu as limitações materiais e políticas no contexto político da escrita literária,
problematizando o vínculo com um Realismo que não era mais o dezenovista na literatura
do século XX. No entanto, a sua literatura, quando em contato com o leitor, exerce um
fascínio multifacetado, tantas são as qualidades com as quais nos deparamos: uma
linguagem límpida e trabalhada, sem afetações, eleições temáticas contemporâneas,
personagens que aproximam criaturas de papel a seres de carne e osso, tal a rede de
identificações que se estabelece. O tratamento dado à paisagem, exaustivamente descrita
em seus romances, pode revelar uma atenção privilegiada às questões que ligam a ética
ao uso da terra, tentando revelar outros aspectos da palavra ecologia que, nos dias
atuais, é usada em variados contextos.
No romance Terra fria, publicado pela primeira vez em 1934, Ferreira de Castro
aprofunda a compreensão da condição humana, elege um espaço rural, quase remoto,
elabora um retrato realista das condições de vida e da própria existência “mirrada” de
homens e mulheres que habitam a região montanhosa de Padornelos, em recônditas terras.
Na década de trinta, no século XX, em termos de relevância histórica, Portugal
viveu um período de isolamento progressivo não apenas em relação aos demais países
europeus, mas em relação a suas províncias e regiões. Esse período fez convergir o legado
trágico da Primeira Guerra Mundial e os prenúncios da Segunda Guerra, num ambiente
social definido pelo empobrecimento de populações inteiras cada vez mais transformadas
em reféns no contexto mundial, como ocorreu em 1929, com a crise desencadeada pela
quebra da bolsa de valores de Nova York, nos EUA, aprofundando diferenças sociais em
países e continentes.
Ferreira de Castro atuou entre os opositores ao regime salazarista; sua obra literária
confere atenção especial aos personagens que vivem em situação de pobreza extrema,
sujeitos anônimos e sobreviventes em lugares distantes, alheios e esquecidos do resto
do mundo, desconhecedores de qualquer forma de justiça, a não ser a exercida pela
autoridade policialesca local. Em suas palavras, no Pórtico,1 o autor afirma desconhecer
1
190
CASTRO. Terra fria [s/p.].
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
“quando nasceu no meu espírito este amor pelos povos minúsculos, pelas repúblicas em
miniatura, por todos os que vivem isolados no planeta”. Ao referir-se ao “planeta”, mobiliza
um senso cósmico e de valores não contidos numa determinada nacionalidade ou por
ela monopolizados. Ferreira de Castro destaca uma implicação mútua do humano e da
literatura com as coisas do mundo, com a natureza e com o uso dos recursos naturais,
com as transformações decorrentes do uso do solo, do aumento da ambição desmedida.
Não há reducionismo da paisagem humana, social e física na sua literatura, muito menos
ocorre um processo mimético espelhar; o autor, em longos trechos narrativos e descritivos,
faz com que os desdobramentos ocorram como transformações incessantes, sendo a
mudança parte do presente que esta a se mover.
O romancista comenta:
Nos pequenos povos, nas minúsculas repúblicas, nas regiões onde existem ainda princípios
feudalistas ou aonde não chegou ainda, totalmente, o poder da civilização, o fenômeno
apresenta, em certos sectores, características mui diferentes da psicologia dos insulares,
qualquer que seja a sua nacionalidade ou latitude. (...) Nem eu sei quando nasceu no
meu espírito este amor pelos povos minúsculos, pelas repúblicas em miniatura, por todos os
que vivem isolados no planeta. (...) Às vezes, ao observar essa demorada metamorfose,
parece-nos surpreender nela algo da personalidade remota de todos nós, como se
antiquíssima reminiscência faiscasse, de súbito, em sombrio recanto do nosso espírito. Dirse-á que encontramos, nesses homens, farrapos da nossa vida de outrora, farrapos que
foram abandonados ao longo da intérmina jornada, de geração para geração, de século
para século, porque todos nós, um dia, teríamos sido assim. E surge, então, como que um
sentimento de pretérita fraternidade, que se projeta no presente, abrindo-se em
compreensão e amor.2
Se as palavras escritas no Pórtico assinalam um projeto e um fazer literário
comprometido com as relações sociais e a condição humana, o romance reúne elementos
figurativos que remetem à representação de uma paisagem física, região montanhosa, e
uma paisagem humana, a de homens e mulheres que vivem isolados numa pequena
aldeia. Em termos composicionais, no romance Terra fria, tem-se uma instância narrativa
em terceira pessoa, heterodiegética, marcada pela afinidade com a consciência do
personagem protagonista, Leonardo. A trajetória dessa personagem coloca em primeiro
plano as relações com outras personagens, apesar da representação do grupo de moradores
na aldeia ser marcada pelo isolamento mútuo, pelo silêncio imposto pelas condições
sociais e pela falta de expectativas. Dessa forma, os encontros e a fronteira, assim como
o cronotopos da mudança e da crise exercem uma função orientadora do percurso desta
leitura, isto é, uma direção bakhtiniana.
Para Mikhail Bakhtin, “tudo, neste universo, é espaço-temporal, tudo é cronotopo
autêntico”.3 Acrescenta Bakhtin, espaço e tempo são indissociáveis. Em termos de oposição
entre o local e o cosmopolita, considera-se, na perspectiva bakhtiniana, que o local
(...) deixou de ser uma parte da natureza abstrata, uma parte de um mundo indeterminado,
descontínuo e arredondado apenas simbolicamente, e porque o acontecimento deixou
2
3
CASTRO [s/p., grifos nossos].
BAKHTIN, p. 263.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
191
de ser o fragmento de um tempo indeterminado, reversível e completo apenas
simbolicamente. O local tornou-se parte irremovível (geográfica e historicamente
determinada) do mundo, de um mundo concreto, real, visível, e parte da história humana;
o acontecimento tornou-se um componente essencial e irremovível do tempo dessa história
determinada do homem, que se realiza neste mundo, e somente neste mundo humano,
geograficamente determinado. (...)4
Bakhtin, em seu livro Estética da criação verbal, numa determinada parte, concentrase na obra de Goethe, mas sua teorização alcança outros autores e obras, em momentos
literários distintos. O termo cronotopo, conhecido pelos estudiosos da obra e da teoria
do romance proposta pelo filósofo, foi adaptado da teoria da relatividade de Einstein,
designando a relação de interdependência entre as categorias de tempo e espaço no
texto romanesco. O cronotopo “possibilita a leitura do tempo no próprio discurso”, sendo,
no romance, o “centro organizador dos principais acontecimentos temáticos e o princípio
determinante do gênero”.5 Ao ler a obra Terra fria, pode-se observar o quanto são significativas
imagens ou figurações em torno da fronteira, o que, por sua vez, abala a ideia de qualquer
unicidade nacional,6 ao evidenciar a relevância do romance para a atualidade e questionar
os limites do local e do global, do regional e do nacional, entre outros.
No romance Terra fria, a ética e a estética atuam como “forças reais” que movem
ações, gestos e escolhas, ao inserir tais forças na existência cotidiana. Em termos de
realização estética, ao considerarmos o romance como narrativa e o texto como discurso
literário, privilegia-se a inseparabilidade entre a vida do autor e sua atividade de escrita.
Como diz Maingueneau: “O contexto não é colocado no exterior da obra, numa série de
camadas sucessivas; o texto é na verdade a própria gestão de seu contexto”. Não separem
a “vida do autor do estatuto do escritor, que não pensem a subjetividade criadora
independentemente de sua atividade de escrita”. 7
No texto romanesco, a descrição ocupa um lugar destacado, como ocorre desde o
início com a apresentação de Leonardo, carregado de peles de animais, em íntimo estado
de revolta com a exploração do contrabando na região.
Sobre a montada, subindo, devagar, a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações.
Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas
fiscais lhes exigiam, quer andando na calada da noite, a fazer contrabando de peles. (...)
Vestiam os seus trinta e quatros anos feitos e vividos sempre ali, entre a agressividade dos
elementos, um casado e colete velhos, enodoados, e camisa sem gravata. O rosto mostrava
faces crestadas, lábios grossos, e os olhos pestanudos quase se ocultavam sob o boné de
pala, que descia até meia-testa. Nos ombros, luzia manta cromática, das que se fabricavam
em Barroso, e de um lado e outro do bucéfalo dançavam, ao sabor da marcha, as peles
compradas nesse dia. Tinham as extremidades endurecidas e do centro, ainda viscoso,
exalavam cheiro nauseante.8
4
BAKHTIN, p. 271.
MACHADO,“A teoria do romance: a análise estético-cultural de M. Bakhtin”, p. 309-310.
6
BARBERENA. “Os estudos literários e os trânsitos pós-coloniais: algumas considerações sobre nação,
periferia, fronteira, hibridismo”, p. 28.
7
MAINGUENEAU. Discurso literário, p. 45.
8
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 21-22.
5
192
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
É na direção do pensar, como fluxo dos sentimentos que orientam o personagem,
que as páginas iniciais do romance se abrem aos leitores. Temos um protagonista subjugado
por condições de vida adversas e pela falta de oportunidades, que se torna um personagem
referência, uma síntese do homem empobrecido e subjugado, ainda com desejo de lutar
e vencer.
Habitante da aldeia, Leonardo diferencia-se em relação a Santiago, outro
personagem importante para a narrativa, chamado “americano” pelo povo local. Santiago
é o único que se destaca pela fortuna que trouxe de terras distantes, o que o posiciona
de modo diferenciado como um emigrante bem-sucedido, invejado por todos ao redor.
Os personagens ocupam posições antagônicas no enredo, no entanto, ambos assumemse como seres da estrada, nesta leitura realizada a partir do cronotopo de M. Bakhtin.
No romance, Leonardo acredita que poderá enriquecer pelo contrabando de peles.
Casado com Ermelinda, o protagonista negligencia a atenção afetiva, direcionando suas
ações para conseguir melhores condições de vida. Torna-se, gradualmente, vítima da
própria ambição, o que o levará, ao final da narrativa, a repetir a sua própria história ao
pretender recomeçar a busca pela fortuna, como se perseguisse uma miragem na estrada.
Ermelinda, enquanto trabalha como empregada na casa de Santiago, encanta-se pelo
patrão visto como um “americano”, dele engravida e, ao sentir que será trocada por
outra mulher, mais jovem, transtornada pelo ciúme e pela revolta, assassina Santiago.
Para Leonardo, Ermelinda alega que cometeu o crime para não sucumbir ao assédio
de Santiago. Essa falsa justificativa alimenta, em Leonardo, o gesto de assumir a culpa
pelo assassinato, pois Ermelinda precisava cuidar do filho, Gervasinho, ainda pequeno
e dependente.
O desfecho da história de Ermelinda e Leonardo e de Ermelinda e Santiago parece
conter-se nos elementos que sustentam as imagens espaciais; enquanto a animalização
os iguala – lobos ou outros bichos, num eco do Naturalismo dezenovista. Em termos
descritivos, destaca-se o trecho:
Padornelos estava perto, mas mal se divisava. Os seus casebres de pedra, escurecida pelo
tempo, e cobertos de colmo, dir-se-ia fruírem poder mimético, confundindo-se, apagandose na encosta pardacenta. Se não fosse a moradia do ‘americano’, erguida, com sua
fachada branca e telhado vermelho, um pouco arriba do aglomerado lugarenho, a quem
viesse de longe tudo pareceria terra, não habitada por homens, mas por lobos ou outros
bichos que gostassem de abruptas solidões.9
O cronotopo da casa é superado pela uma moradia de lobos, o que contribui para
a compreensão do personagem Leonardo que aparece, logo no início da narrativa, com
as peles de animais que exalam cheiro nauseante, numa prolepse da morte. Além da
descrição da aldeia e de seus habitantes, o narrador privilegia a passagem do tempo,
das estações. Num trecho seguinte, o espaço da aldeia é descrito no inverno, unindo
espaço e tempo:
Padornelos, de sorte igual a de outras aldeolas barrosas, parecia, no inverno, uma grande
pocilga. Tudo se apresentava negrusco, sujo, enlameado. Nem telha a sorrir, nem pincelada
9
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 23.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
193
de cal, nem planta ou janela florida. Terra para raiz só mais abaixo, nas margens do rio.
Ali, os casinhotos, sem quintal, plantavam-se uns junto dos outros, esburacados, velhos de
séculos, só conhecendo renovação na palha que os cobria. Eram formados por lascas de
xisto e de granito, escurecidas pelos anos e arrancadas, outrora, à montanha. Por vezes,
via-se que o construtor remoto, não querendo ir mais além no seu esforço, aproveitara
corte natural no fraguedo, encostara-lhe três paredes e, assim, abrigados pela rocha fria,
ressumando umidade, abrira o ciclo familiar.10
A reiterada presença da lama, fora e dentro das casas, é uma imagem forte que
funciona como um temerário suporte sobre o qual vivem os habitantes da aldeia. A casa
onde vivem Leonardo e Ermelinda não destoa do restante solo enlameado, descrita pela
“parede negra, de pedra solta”, que “subia do charco, negro também, até o primeiro
andar”. A luz interior é obscura, tem-se mais uma vez a marca do Naturalismo, na
passagem que descreve “uma vaca sobre palha apodrecida e de ácidas emanações”.11
Leonardo sobe cinco “lajes” que “serviam de degraus para o pardieiro em que ele vivia”;
o ambiente onde vive é “pouco mais iluminado do que a cortelha que lhe ficava por
baixo”. Com duas pequenas janelas, nas quatro paredes cobertas de fuligem no tempo,
o narrador registra: “Também ali, como nas outras casas, os olhos não tinham muito que
ver”. 12 Num lugar tão frio e inóspito, o fogo ocupa um lugar central – “só a lareira
possuía vida; o resto dir-se-ia morto”.13
No ambiente lúgubre, apenas um lugar para dormir e cozinhar, Ermelinda prepara
o alimento. O seu rosto é descrito pela primeira vez na narrativa, aparece, como prenúncio
do que irá acontecer mais adiante, iluminado pelo fogo: “Ermelinda, que, de gadanho
em punho, ia tirando da panela, levemente, a espuma mais negra, voltou-se, surpreendida
para ele. O fogo enrubescia-lhe o rosto ovalado e branco, de beleza campestre,
descuidada, e touca de espessos cabelos negros, que tesoura não se usava ainda ali em
cabeça de mulher”.14
O cronotopo da casa ocupa lugar privilegiado no romance, funcionando como um
elo metonímico – a casa, a aldeia, a região, o país –, marcado pela relação contígua
entre o personagem e o espaço, entre o humano e suas ações, as condições hostis da
região e a falta de projetos individual, social e político. Padornelos é assim apresentado
como uma “grande pocilga”, lugar úmido, com solo de lama que invade as casas.
Ao final do romance, a aldeia de origem é contrastada com o lugar onde passara
a viver Leonardo, após separar-se de Ermelinda, descobertas as mentiras e traições.
Transcorrido algum tempo, casou com Rosália, filha do homem que o abrigara na Galiza,
“dentro de Portugal”, o que chama a nossa atenção pela dimensão contestatória do
espaço considerado dentro e fora. Na Galiza, lugar de refúgio, Leonardo encontrou, no
cronotopo de outra casa, certa alegria, mas o lugar é remoto e ignorado, tanto quanto
10
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 25.
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 28.
12
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 29.
13
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 29.
14
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 30.
11
194
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Padornelos: “Ali na terra ignorada do mundo, na terra sem história, que principiava na
Galiza e vinha terminar, alheia a fronteiras e a idiomas, dentro de Portugal”.15
Deixou para trás inclusive o suposto filho, a quem dizia amar tanto, Gervasinho,
que não voltou a ser mencionado no romance, como se ocultado também da história
que dele não se quer ocupar.
O dr. Moreira deixou prolongar o silêncio que se fizera. Olhou para um e outro: ela, a
chorar, baixinho; ele, de olhos postos sobre a secretária, carrancudo.
– Olha lá! Mas tu gostavas muito do pequeno. A tua mulher disse-me que até vieste da
Espanha, uma noite só para o ver...
– É que eu não sabia...
Embezerrado no amor-próprio, ficou-se.
– O quê?
O administrador teve de insistir:
– Que é que não sabias?
Respondeu como se arrancasse uma víscera.
– Eu pensava que ele era meu...
– E depois?
– Depois... não era.16
A descoberta da não paternidade biológica é decisiva para que Leonardo retome
a experiência da viagem, os cronotopos de estrada e da ampliação de fronteiras. O tempo
imprime dimensão histórica e Leonardo precisa partir. O movimento de ir e vir marca a
distância vivenciada pelo protagonista, que, ao assumir a culpa pelo assassinato de
Santiago, foge e transita da aldeia (Padornelos) para a região da Galiza, pois não abria
mão de visitar a mulher e o filho, quando ainda julgava que era seu.
Para a leitura do romance é importante mencionar o estudo de M. Bakhtin, no
qual se destacam alguns cronotopos de importância significativa para o desdobramento
do enredo. No caso de Terra fria, pode-se afirmar que o cronotopo da estrada, que
marca a trajetória de Leonardo e outras personagens, é revigorado a cada desdobramento
do enredo; é decisiva para o romance a configuração do cronotopo do encontro, como
acontece no episódio em que Leonardo sabe da traição da mulher ao encontrar um
parente: “– E você não fala, mulher? Tia Domingas murmurejou: – Toda a gente pensa
que tu sabes... Mas, então, tu não sabias?! – Eu?!”.17 A conversa é marcada por silêncio
e também por importantes revelações: enfim Leonardo descobre o que acontecera, o
que o enfurece a ponto de retornar a Padornelos e não a fugir da aldeia, como seria o
previsível para quem assumiu a autoria de um crime que não cometeu, tornando-se um
foragido. O encontro acionou o movimento da história, fez com que a personagem saísse
do cronotopo do limiar para assumir o tempo e espaço da estrada.
Em vários momentos da narrativa, o estar na estrada possibilita o encontro, e, a
cada encontro, o destino de Leonardo assume uma perspectiva definitiva, sem que possa
voltar atrás e refazer o caminho. A potência do encontro, portanto, predomina sobre o
15
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 299.
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 284.
17
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 249.
16
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
195
cronotopo da estrada; a força da revelação a partir do outro, que o constitui, dá
relevância à intersubjetividade.
É nesse sentido que o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, de sua
visão e de sua memória; memória que o junta e o unifica e que é a única capaz de lhe
proporcionar um acabamento externo. Nossa individualidade não teria existência se o
outro não a criasse. A memória estética é produtiva: ela gera o homem exterior pela
primeira vez num novo plano da existência.18
As palavras de Bakhtin indicam a força constituinte das relações interpessoais.
No capítulo “O autor e o herói”, conceitua a percepção das “fronteiras exteriores que
configuram o homem”, registra a “relação com o homem exterior e com o mundo exterior
que engloba e circunscreve o homem no mundo”.19 Cada homem situar-se-ia na fronteira
do horizonte de sua própria visão e “o mundo visível estende-se a minha frente”. 20
Mesmo que olhe ao redor, em todas as direções, o sujeito não vê a si mesmo nesse
espaço, vê o outro. Bakhtin dedica-se a esmiuçar o “traçado das fronteiras do corpo”,21
destaca a diferença entre aquele que é o sujeito da percepção, cuja “vivência engloba
qualquer fronteira”, pois não basta circunscrever a si mesmo e o outro.
O outro aparece “intimamente ligado ao mundo”, o eu-sujeito é “ligado a minha
atividade interna, minha subjetividade, que se opõe ao mundo exterior”; só ao outro eu
“posso abraçar, beijar e só dele posso captar amorosamente todas as fronteiras: o finito
frágil do outro, seu acabamento, sua existência – aqui-e-agora são internamente
perceptíveis para mim e parecem assumir a forma do meu abraço (...)”.22
Leonardo e Santiago, personagens que se tornam antagônicos na trama romanesca,
ambos os personagens considerados pelo valor de sua relação com o fora, com o exterior
que os constitui. Leonardo em sua conflituosa relação com o espaço que fornece o
sustento (os animais dos quais retira a pele); Santiago, em sua relação com o exterior,
outro país, que o faz transitar entre mundos distintos e distantes, daí o apelido que o
define como aquele que conheceu o “fora”, o exterior: “o americano”. O apelido define
também um campo de “periferia” no espaço aparentemente homogêneo da aldeia. Ferreira
de Castro mostra-se atento aos fluxos migratórios, mostrando o quanto o homogêneo, o
“nacional”, por exemplo, é atravessado por identidades e alteridades: a estrada, no caso
o mundo, é movimento, onde e quando acontecem demoradas metamorfoses.
Santiago prosperou em terras alheias, não é um desenraizado; pelo contrário, por
sua fortuna acumulada consegue voltar ao lugar onde nasceu e nele construir uma casa
melhor do que a daqueles que ficaram. A valorização de quem ultrapassa as fronteiras
é notória, no entanto, Santiago sucumbe por considerar-se imune aos desejos e ódios do
outro, que ele sabe manipular e manter à distância.
18
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55.
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55.
20
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 56.
21
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 59.
22
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 60.
19
196
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Santiago tem sua vida definida ao encontrar-se com Ermelinda, de quem se torna
amante, ciente de que é casada com Leonardo; sente-se enganosamente inalcançável
por ter vivido, um dia, fora do local onde nascera ignorando o convívio socialmente
pactuado. A experiência da migração arrancou-o também dos valores culturais e éticos
do lugar que passou a habitar como quem veio de muito longe e permanece inacessível,
o que é desmentido pelo trágico assassinato. Santiago desconhece o adultério porque se
julga longe da aldeia, como se vivesse a salvo numa região fronteiriça que, para ele,
significa isentá-lo dos códigos e regras locais.
Leonardo é marcado pelo movimento de aproximação ou distanciamento em relação
ao outro, podendo inclusive ser indiferente em relação ao destino de Ermelinda, assim
como se torna indiferente ao destino daquele que considerou por muito tempo um filho.
Santiago, por sua vez, ignora os processos identitários do outro, o que faz em
variadas gradações, pois se sente em situação superior, imune a qualquer ação restritiva ou
punitiva. Por ter ultrapassado as fronteiras, Santiago considera-se acima das leis que regem
os territórios sociais, formados por pactos e acordos morais, o que é um engano mortal.
Nas últimas páginas do romance, temos o personagem, Leonardo, que ressurge
quase feliz, ultrapassado, pelo menos em parte, seu trágico passado. No entanto, um
encontro irá acionar a força do cronotopo da estrada pelo sentimento de ambição,
trazendo dinâmica ao tempo e ao espaço que desconhecem estabilidades. Trata-se da
visita de Artur Lopes, um amigo de tempos pretéritos, que o localizou na Galiza. O
amigo traz novamente a chama da ambição e o contagia. A proposta de viajar em busca
de um tesouro, em terras distantes, é aceita por Leonardo na última fala do romance, o
discurso direto na narrativa:
Na tarde morna, declinando-se entre as bravias montanhas, ali, na terra ignorada do
Mundo, na terra sem história, que principiava na Galiza e vinha terminar, alheia a fronteiras
e a idiomas, dentro de Portugal, a vida do povo obscuro rinha as mesmas expressões
fundamentais, o mesmo instinto de perpetuidade, a mesma ânsia de alegria e o mesmo
céu comum a toda a espécie, como se os lugarejos que os lobos, de noite, espreitavam, se
encontrassem situados no centro do planeta.
Leonardo subiu, de novo para a sala e foi debruçar-se na Janela, ao lado de Arthur Lopes.
– Estive a pensar no tesoiro e, assim como assim, sempre me arrisco. Vamos a ver o que aquilo
dá. Mas não digas nada a ninguém. Por enquanto, até cá a minha patroa escusa de saber..”23
O sentimento de finitude interior do protagonista o torna vulnerável ao encontro
que promove a inquietude, no caso, a ambição. O lugar, o cronotopo da casa que se
revela incapaz de contê-lo, torna-se precário; o personagem busca saídas secretas, onde
possa sentir-se livre para cair de novo no abismo. O desfecho do romance é marcado
pela circularidade, acionando uma releitura do determinismo naturalista do século XIX,
não apenas na frequente comparação entre homens e animais.
A noção de cronotopo, tal como a constrói M. Bakhtin, encaminha-se para o
mundo da ética, neste romance, sem que a ética seja considerada um elemento exterior
à configuração romanesca. Se a estrada ou os caminhos da vida trilhados por Leonardo
23
CASTRO. Terra fria, 1953, p. 299.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
197
não serviram para ensinar algo, é porque há nele uma recusa à função pedagógica da
memória, da história individual e coletiva, recusa em aprender com lembranças e
memórias que, um dia, foram difíceis experiências. O protagonista é movido pelo desejo
de ascender socialmente, é um personagem que se desloca facilmente do cronotopo da
soleira, o cronotopo da crise e da mudança de vida, o que amplia o significado da
narrativa. Leonardo não valoriza a dúvida, é um ser de certezas e de circularidades,
como se internalizasse um destino cego, movido pela necessidade, o que o aproxima do
lobo, um animal conhecido por suas qualidades como caçador, mencionado
reiteradamente no romance. Se o princípio condutor do cronotopo é o tempo indissociável
do espaço, o personagem quer deslocar-se espacialmente como uma raiz sem história.
Nenhum lugar parece contê-lo, não há espaço para esse personagem que é desejo
e necessidade de deslocamento e mudança. Se o cronotopos da soleira tem algo a ensinar
é exatamente o valor do tempo, quando se é convocado a escolher, trata-se do valor da
reflexão, importante no processo cognitivo. Não se aprende se não há dúvidas, e o
cronotopo do limiar representa esse instante sem duração, esse lugar invisível que nos
constitui, a cada encontro, a cada escolha.
Corpo e fronteira, nesse romance, são indissociáveis. O protagonista exerce e
experimenta, com intensidade, a força da revelação a partir do encontro com o outro,
promovendo protagonismos no processo de intersubjetividade. É nesse sentido que o
homem tem uma necessidade estética e ética absoluta do outro, de sua visão e de sua
memória comuns; memória que pode agregar e proporcionar um acabamento externo ao
que se volta continuamente para fora. Nossa individualidade não teria existência sem o
outro. A memória estética é produtiva: ela gera o homem exterior pela primeira vez
num novo plano da existência.24
Bakhtin indica a força constituinte das relações interpessoais e, no capítulo “O
autor e o herói”, conceitua a percepção das “fronteiras exteriores que configuram o
homem”, pois registra a “relação com o homem exterior e com o mundo exterior que
engloba e circunscreve o homem no mundo”.25 Cada homem situar-se-ia na fronteira do
horizonte de sua própria visão e “o mundo visível” que se estende à frente. Mesmo que
olhe ao redor, em todas as direções, o sujeito não vê a si mesmo, para tal precisará de
espelhos, mas vê sempre o outro.
O romance Terra fria atualiza questões decisivas para a contemporaneidade, ao
assinalar as relações estreitas entre as fronteiras e o devir para os estudos literários e
culturais. O romance é um marco da difícil relação da arte com o momento de sua
publicação, em Portugal, quando o país exercia seu poder colonialista nos territórios
tidos como “colônias portuguesas”, e, ao mesmo tempo, cerceava a liberdade dos cidadãos
portugueses dentro do país. Padornelos é uma aldeia que pode ser qualquer lugar onde
prevaleçam a injustiça e a desesperança. Nas palavras de Sílvio Renato Jorge: “(...) o
modo de estar na fronteira, para Portugal, não se caracteriza por conceber um vazio
para além do espaço nacional, mas, sim, por conceber este vazio do lado de dentro da
24
25
198
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55.
BAKHTIN. Estética da criação verbal, 1997, p. 55.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
nação”.26 O cronotopo da estrada no romance aponta metaforicamente este “vazio do
lado de dentro da nação”, vazio que continua a nos assombrar.
O romance aproxima-se do modo composicional e da temática do romance dos
anos 1930, no Brasil, sendo, tal como ocorre com os romances brasileiros, difícil reduzilo a um romance regionalista. Há um modo de tratar o particular, o local, dando-lhe
uma feição e cor perceptíveis, identificáveis com certa temporalidade, região ou lugar,
ampliando-se questões vividas pelas personagens, o que torna o espaço um vazio que
transtorna, sem propiciar pertencimentos. Trata-se de um romance vital para a
compreensão de significados e das potencialidades relacionais entre o espaço, o tempo
e o humano. A fronteira, por esse viés, é lugar que se nutre, simbolicamente, das
demoradas metamorfoses.
AA
ABSTRACT
This article proposes a reading of the novel Terra fria (1934),
by Ferreira de Castro, author of Portuguese nationality, from
the design of chronotope of Mikhail Bakhtin, with emphasis
on the multiple meanings of the sign at the border that
incorporates novel ethical and aesthetic values.
KEYWORDS
Terra fria, Ferreira de Castro, chronotope, Mikhail Bakhtin
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira.
São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BARBERENA, Ricardo. Os estudos literários e os trânsitos pós-coloniais: algumas
considerações sobre nação, periferia, fronteira, hibridismo. Disponível em: <http://
www.pucrs.br/edipucrs/online/IXsemanadeletras/conf/Texto_Ricardo_Barberena.pdf>.
Acesso: 30 de jun. 2012.
CASTRO, Ferreira de. Terra fria – romance. Lisboa: Editora Guimarães & C.a., 1953.
JORGE, Sílvio Renato. A possibilidade de nomear um outro Portgual. Sobre mulheres e
estrangeiros. Alguns romances de Olga Gonçalves. Rio de Janeiro, Niterói: EdUFF, 2009,
p. 32-39.
LUKÁCS, Georg. Estética. La peculiaridad de lo estético. Questiones liminares de lo estético,
v. 4. Trad. Manuel Sacristán. Spain, Barcelona, Grijalbo, 1965.
MACHADO, Irene A. A teoria do romance a análise estético-cultural de M. Bakhtin.
Revista USP, março-abril e maio 1990, p. 135-142.
26
JORGE. Sobre mulheres e estrangeiros, 2009, p. 38.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
199
MACHADO, Irene A. O romance e a voz: a prosaica dialógica de M. Bakhtin. Rio de
Janeiro: Imago Ed.; São Paulo: Fapesp, 1995.
MAINGUENEAU, Dominique. Discurso literário. Trad. Adail Sobral. São Paulo: Contexto,
2006.
Recebido em 30 de maio de 2013
Aprovado em 28 de janeiro de 2014
200
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
PERCURSOS
DE INVESTIGAÇÃO LITERÁRIA
O lugar da literatura infantil nos
estudos de literatura comparada
PATHWAYS
OF LITERARY RESEARCH:
THE PLACE OF CHILDREN’S LITERATURE
IN COMPARATIVE LITERATURE STUDIES
Anselmo Peres Alôs*
Universidade Federal de Santa Maria
RESUMO
O objetivo deste trabalho é delinear e sistematizar os percursos
teóricos de investigação, no campo dos estudos comparatistas,
relativos às pesquisas que tomam a literatura infantil como
objeto de análise. Simultaneamente, busca-se evidenciar a
redefinição da própria noção de literatura infantil, bem como
seu caráter de constructo teórico, a partir das novas reflexões
tecidas no campo da literatura e da cultura nas últimas décadas
do século XX e das primeiras décadas do século XXI.
PALAVRAS-CHAVE
Literatura infantil, literatura comparada, limiares disciplinares
O destino da investigação (no campo da literatura
infanto-juvenil) está, naturalmente, ligado ao ensino:
quando a importância da literatura infantil for
oficialmente reconhecida e inscrita no programa de
formação dos docentes (...), então a criação de lugares
indispensáveis fará surgir claramente a necessidade
de uma formação teórico-crítica.1
Um livro infantil continua sendo “literatura infantil” quando lido por um adulto?
E o livro adulto, quando lido por uma criança, passa a ser “literatura infantil”? Vista
como um subsistema literário dentro de um conjunto maior que poderia ser chamado de
“literatura geral”, ou ainda, “literatura lato sensu”, a literatura infantil carrega uma
especificidade peculiar: “os textos para crianças parecem oferecer a expressão mais forte
de uma palavra viva, que é a única capaz de salvar as sensibilidades ganhas pela abstração
e o espírito do sistema”. 2 Diferentemente das literaturas nacionais, que são definidas
* [email protected]
1
PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 343.
2
PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 326.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
201
pela nacionalidade de origem de seus autores e pela materialidade do código linguístico
do qual se utilizam, a literatura infantil define-se não no nível da textualidade, mas em
função dos atores sociais envolvidos na sua produção e recepção, assim como por seu
leitor implícito: um livro infantil é escrito por adultos e destinado a crianças.3 E, tal como
salienta Jean Perrot, “as relações crianças-adultos regem-se por mitos que têm uma
verdadeira função de regulação crítica”. 4
Uma das principais características da literatura infantil é sua assimetria no que
diz respeito ao fluxo produtor-receptor. Jean Perrot (2004) afirma que, justamente por
esta instabilidade da identidade de seu leitor (ao fim e ao cabo, toda criança deixará
de ser criança e se tornará um adulto), a literatura infantil despertou muito pouca
atenção por parte da crítica e da teoria literária até o início do século XX. Lida e
consumida por crianças, a literatura infantil é, no entanto, escrita por adultos. Esses
adultos, ao escreverem, presumem um determinado tipo de leitor infantil:
Instead, the main characteristics distinguishing children’s literature from general literature
– in particular the fact that it is written or adapted specifically for children by adults, and
the asymmetry of communication between the parties involved which arises from this
assignment of texts by adults to children – call for a comparative approach specific to
children’s literature which differs in certain areas from mainstream comparative literature.5
Uma das premissas elementares no campo dos estudos sobre a literatura infantil é
a existência de um corpus de “clássicos”, isto é, um cânone infantil reiteradamente
tomado pela crítica como “universal”. Subjacente a essa premissa, e em nome da
“universalidade” desse cânone, apaga-se o fato de que os autores de literatura infantil
são oriundos de distintos espaços geográficos e de diferentes temporalidades históricas.
Apaga-se também o fato de que, muitas vezes, os textos tomados como “clássicos” e
“universais”, justamente por terem sido produzidos em diferentes contextos e em
diferentes línguas, são extensivamente traduzidos e adaptados, fazendo com que, muitas
vezes, um mesmo livro, ao circular por diferentes espaços geográficos, seja radicalmente
diferente de si mesmo, em função das modificações e adaptações feitas sobre a
materialidade do texto, por diferentes tradutores, nos processos de transferência de
uma língua/cultura para outra.
Charles Bernheimer, um dos comparatistas de destaque no cenário internacional
e grande entusiasta – na década de 90 do século XX – dos influxos provenientes dos
estudos culturais, defende que o campo epistemológico da literatura comparada deve estar
atento não apenas ao estudo das grandes obras literárias e dos cânones literários nacionais,
mas deve funcionar como um espaço privilegiado para reinserir a reflexão sobre o texto
literário no campo mais amplo da vida cultural das diferentes comunidades humanas:
3
Importantes discussões sobre a definição da literatura infantil como objeto de investigação científica
são realizadas em ARIÈS. História social da criança e da família (1981); BENJAMIN. Visão do livro
infantil (2002) e BETTEHEIM. A psicanálise dos contos de fadas (2000).
4
PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 341.
5
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 1.
202
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
The space of comparison today involves comparisons between artistic productions usually
studied by different disciplines; between various cultural constructions of those disciplines;
between Western cultural traditions, both high and popular, and those of non-Western
cultures; between the pre and post-contact cultural productions of colonized peoples;
between gender constructions defined as feminine and those defined as masculine, or
between sexual orientations defined as straight and those defined as gay; between racial
and ethnic modes of signifying; between hermeneutic articulations of meaning and
materialist analysis of its modes of production and circulation; and much more.6
Emer O’Sullivan, em Comparative children’s literature (2005), faz uma consistente
sistematização do campo dos estudos literários que se ocupa da literatura infantil, de
maneira a evidenciar a importância desta como objeto de investigação para os estudos
de literatura comparada. Além disso, ao circunscrever nove possibilidades teóricometodológicas de investigação para a literatura infantil, O’Sullivan consegue solidificar,
através dos procedimentos analíticos da literatura comparada, a teorização em torno
deste fenômeno literário, enumerando nove possibilidades de abordagem de maneira
sistemática: 1) teoria geral da literatura infantil; 2) estudos de contato e transferência
(herdeiros da antiga metodologia comparatista de estudo de fontes e influências);
3) poética comparada aplicada à literatura infantil (herdeira da tematologia); 4) estudos
de intertextualidade; 5) estudos de intermidialidade (que se preocupa como o modo
através do qual os livros infantis migram para outros suportes, como os quadrinhos, a
animação e o cinema); 6) imagologia; 7) estudos comparativos de gêneros literários
(derivados da tematologia); 8) historiografia da literatura infantil; e, finalmente,
9) historiografia comparada dos estudos de literatura infantil. O’Sullivan admite que
essa é uma delimitação inédita e provisória, uma espécie de primeira sistematização
sujeita a discussões posteriores. Ele também destaca o fato de que muitas questões
relativas à literatura infantil ultrapassam os nove campos por ele propostos, mas que,
mesmo assim, essa delimitação metodológica auxilia a mapear as possibilidades de
investigação.
O primeiro campo delineado por O’Sullivan ocupa-se de teorizações e especulações
mais amplas, tentando definir, por exemplo, o que é e o que caracteriza a literatura
infantil, tentando delimitar categorias de análise e formalizações teóricas mais amplas
que possam dar conta dos fenômenos que o campo tenta investigar. A assimetria que
rege o processo de semiose literária (adultos como produtores, crianças como receptores)
é um dos elementos fundamentais na constituição e na caracterização da literatura
infantil. Grande parte das diferenças fundamentais entre a literatura infantil e infantojuvenil e a literatura para adultos deriva desta assimetria fundacional que atravessa
todos os níveis da literatura infantil pensada como sistema:
The asymmetry that characterizes children’s literature not only has a bearing on the
discussion of its status within the literary polysystem, it also affects all aspects of the
transfer of children’s literature across linguistic borders, as the discussions and examples
in the following chapters will show.7
6
7
BERNHEIMER. The Bernheimer report, 1993: comparative literature at the turn of the century, p. 41-42.
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 13.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
203
Este esquema de referências, que lança mão do recurso ao autor implícito e ao
leitor implícito, é de extrema importância para compreender a literatura infantil.
Algumas teorias da leitura não falam de leitor implícito, mas de leitor virtual; neste caso,
o leitor virtual é uma projeção – consciente ou não – do tipo de leitor ao qual o autor
empírico e o autor implícito (ou implicado) dirigem suas palavras. Para a presente
discussão, esta diferenciação entre leitor virtual e leitor implícito não se faz de maior
pertinência.8 Os adultos, vistos pelo autor como “intermediários” entre o texto literário
e o público infantil, motivam a constante presença de paratextos9 na literatura infantil
dos séculos XVIII e XIX. A partir do final do século XIX, estes paratextos começam
gradualmente a desaparecer, e seu conteúdo passa a figurar implicitamente no próprio
texto literário. Outro traço distintivo importante para a compreensão da literatura infantil
é o fato de que ela está assentada sobre duas lógicas distintas: a do sistema literário e a do
sistema educacional.10 A questão educacional e pedagógica está intimamente ligada ao que
se entende por função social da literatura infantil, ao mesmo tempo em que auxilia na
compreensão da concepção de infância de uma dada cultura ou de um dado momento histórico:
A feature distinguishing children’s literature from adult literature is that its origins are to
be found both in the literary and the educational systems. This dual reference, with
simultaneous poetic and pedagogic criteria, has far-reaching consequences for the status
of children’s literature, of which comparative children’s literature must be critically aware.
Comparative study of children’s literature must look at its specific conditions and
developments in various cultures, and at its respective status in the literary system of
different linguistic and cultural communities. That is to say, it must look on the one hand
at the cultural status of children’s literature, which may be partly determined by the
proportion of texts with double address and by the degree of literary development it has
undergone, and on the other hand at the educational status, which is related to the
pedagogic value and functions of children’s books in the broadest sense. The general
status of children’s literature also depends on the relationship between the cultural and
educational systems, which can vary greatly within a culture from epoch to epoch.11
Paul Hazard, com seu livro Les livres, les enfants et les hommes (1932), é considerado
um dos fundadores dos estudos comparados de literatura infantil. Uma das passagens
mais citadas de Hazard é justamente aquela na qual o autor tenta definir a especificidade
da demanda das crianças por histórias infantis:
Give us books”, say the children; “give us wings. You who are powerful and strong, help us
to escape into the faraway. Build us azure palaces in the midst of enchanted gardens.
8
A formulação da ideia de leitor implícito (implied reader) é feita pela primeira vez por Seymour
Chatmann, em oposição à de autor implícito (implied author). CHATMAN. Story and discourse: narrative
structure in fiction and film, p. 147-150.
9
Gérard Genette define como paratextos aqueles fragmentos textuais paralelos ao texto literário: “titre,
sous-titre, intertitres; préfaces, postfaces, avertissements, avant-propos etc.; notes marginales, infrapages,
terminales; épigraphes; illustrations (...) qui procurent au texte un entourage (variable) et parfois un
commentaire, officiel ou officieux, dont le lecteur le plus puriste et le moins porté à l’érudition externe
ne peut pas toujours disposer aussi facilement”. GENETTE. Palimpsestes, p. 10.
10
ZILBERMAN. A literatura infantil na escola.
11
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 17.
204
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
Show us fairies strolling about in the moonlight. We are willing to learn everything that
we are taught at school, but, please, let us keep our dreams.12
Se é verdade que os textos literários escritos para adultos são frequentemente
lidos pelas crianças e incorporados a seus repertórios de leitura, o movimento contrário
– obras literárias concebidas originalmente para crianças, e que passam a figurar nos
repertórios dos adultos e da literatura mainstream – também ocorre. Pode-se mencionar
como exemplos O Hobbit, de J. R. R. Tolkien, Manu, a menina que sabia ouvir, de Michael
Ende, O mundo de Sofia, de Jostein Gaardner, e a saga de Harry Potter, de J. K. Rowling.
Entre as obras escritas para adultos que foram eleitas pelas crianças, destaca-se Robinson
Crusoé, de Daniel Defoe, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift. A concepção de
Hazard faz-se ainda hoje pertinente, e será defendida por muitos pesquisadores brasileiros
que se detêm sobre a questão. A defesa da literatura infantil como um espaço de
emancipação da imaginação do jovem leitor é também a que aparece no trabalho de
Regina Zilberman em A literatura infantil na escola, que ataca reiteradamente o caráter
pedagógico-utilitarista da literatura infantil como um dos fatores que a empobrecem,
limitando o papel da plurissignificação (traço distintivo do texto literário frente a outros
textos) e promulgando uma infância disciplinada. O uso doutrinário da literatura infantil
pela escola e pelas instituições confessionais empobrece a experiência de leitura ao
cercear os embates entre a criança e o mundo dos adultos:
(...) é a linguagem narrativa que acaba por organizar a percepção infantil do mundo, às
vezes negado à criança pela escola ou pela família. Por isso, o texto precisa ser coerente e
verossímil, sem o que não coincidirá com as expectativas do leitor. Cabe-lhe, pois, ser
literatura, e não mais pedagogia. Nessa medida, pode-se dizer que o sucesso do livro
dependerá de sua orientação para o recebedor, desde que em termos literários e artísticos,
jamais educativos, comprovando a correspondência simétrica nos dois movimentos que
conduzem à justificativa da existência do livro para a infância: da produção para a
recepção, da pedagogia para a literatura.13
A ideia de uma infância atemporal e universal é uma construção romântica. Émile,
de J. J. Rousseau, é uma das obras fundamentais na construção do mito da universalidade
da infância moderna como uma condição de inocência natural, inocência essa que
somente se torna passível de maldade e de corrupção a partir do mergulho da criança
nas más influências da cultura. Esta é a mesma concepção de infância sobre a qual
Hazard fundamentará sua defesa com relação a um corpus internacional de literatura
infantil que estrutura uma espécie de identidade monolítica, uma “república mundial
da infância” des-historicizada e atemporal.
Children’s books keep alive a sense of nationality; but they also keep alive a sense of
humanity. They describe their native land lovingly, but they also describe faraway lands
where unknown brothers live. They understand the essential quality of their own race;
but each of them is a messenger that goes beyond mountains and rivers, beyond the seas,
to the very ends of the world in search of new friendships. Every country gives and every
12
13
HAZARD. Books, children and men, p. 4.
ZILBERMAN. A literatura infantil na escola, p. 57.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
205
country receives – innumerable are the exchanges – and so it comes about that in our
first impressionable years the universal republic of childhood is born.14
A base que sustenta a “república mundial da infância” da Paul Hazard, que
extrapola os limites nacionais, as diferentes temporalidades históricas e os diferentes
espaços nacionais e geográficos é o ideal romântico de infância, a mesma infância
tematizada por J. J. Rousseau. A perda que se gera com tal concepção de um cânone
universal é o apagamento e o silenciamento das diferenças culturais, conditio sine qua
non para a emersão de um cânone universal de clássicos infantis. As contingências da
infância, tais como as de classe, raça, gênero, localização geopolítica e momento histórico
terminam por ser deixadas de lado. Da mesma maneira, perde-se de vista que a categoria
infância não tem uma única gênese, uma vez que diferentes espaços geográficos e em
diferentes momentos históricos lidam de maneiras radicalmente diferentes com o constructo
infância. Em suma, é impossível pensar em uma infância universal e atemporal. Ser criança
na favela carioca não é o mesmo que ser criança em Beverly Hills ou em Tóquio, da
mesma maneira que a definição de criança na Baixa Idade Média é radicalmente diferente
daquela com a qual se opera no mundo ocidental no final do século XX.
A virada cultural no âmbito dos estudos de literatura comparada também refletiu
sobre os estudos sobre a literatura infantil. Ainda que não estritamente comparatistas,
novas abordagens passam a articular a investigação sobre a literatura infantil a partir
de miradas históricas, sociológicas e ideológicas. Passam a ser articulados nesses estudos
esquemas teóricos, formulações e preocupações advindas de outros campos, tais como a
psicologia (tentando entender a formação e a evolução psíquica dos jovens leitores), os
estudos de gênero (avaliando como as diferenças entre o masculino e o feminino são
articuladas nos níveis da representação e da autoria) e a crítica pós-estruturalista (que vai
problematizar a autonomia do texto literário e suas trocas semióticas com outras linguagens
– tais como o cinema, o desenho de animação e a indústria cultural voltada ao público
infantil – e outros campos disciplinares – tais como a pedagogia e a história da leitura).
Os estudos de contato e transferência, herdeiros revitalizados das pesquisas de
“fontes e influências” dos primórdios da literatura comparada, dedicam- se às
investigações dos diferentes pontos de contato entre literaturas nacionais distintas,
seja através da leitura, assimilação e disseminação de um autor em outro contexto
linguístico que não o de sua origem, bem como aos estudos com relação à recepção de
obras literárias estrangeiras em contextos que não aqueles nos quais foram produzidas.
Outra possibilidade instigante para investigação no campo da literatura infantil é o das
influências e efeitos que uma determinada obra traduzida produz no trabalho de escritores
individuais: “sob o efeito de múltiplas coedições e traduções tornadas obrigatórias, quer
por uma concorrência comercial feroz, quer por uma curiosidade cada vez mais exigente,
os intercâmbios multiplicaram-se”,15 abrindo espaço para fluxos literários de proporções
14
15
206
HAZARD. Books, children and men, p. 146.
PERROT. A literatura infantil e juvenil, p. 326.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
planetárias. Zohar Shavit,16 a partir da teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar,17
trata a literatura infantil como um subsistema dentro do sistema literário, sofrendo
influxos simultâneos dos princípios estéticos que regem os sistemas literários e das
avaliações pragmáticas feitas pelo campo da pedagogia sobre a literatura infantil. Um
dos maiores problemas no campo dos estudos e teorizações acerca da literatura infantil
está no fato de que as pesquisas desenvolvidas em torno dela são, via de regra,
circunscritas a uma determinada nação e a uma determinada língua nacional. Mesmo
os estudos que tentam dar conta dos “clássicos” e do “cânone” da literatura infantil
costumam apreender esses “clássicos” a partir das traduções que circulam no país de
origem (ou na língua de origem) do pesquisador.
Emer O’Sullivan18 cita como caso exemplar de sua crítica ao monolinguismo como
imperativo restritivo nos estudos de literatura infantil no cenário internacional a
International companion encyclopedia of children’s literature, 19 uma importante coletânea
que vem sendo tomada como obra de referência nos estudos sobre a literatura infantil
para além dos limites geográficos de uma única nação. Organizada por Peter Hunts,
todos os artigos sobre teoria, crítica, gêneros e contexto histórico da literatura infantil
presentes em International companion encyclopedia of children’s literature são de autoria de
pesquisadores britânicos, americanos, australianos e canadenses. Os poucos
pesquisadores que não são dessas nacionalidades também escrevem em inglês. Assim, o
suposto caráter “internacional” da enciclopédia termina limitado por uma perspectiva
anglófona, e as fontes citadas para leituras aprofundadas muito raramente indicam
pesquisas oriundas de outras áreas linguísticas.20 Este é um dos pontos fundamentais de
diferenciação entre a escola filológica e a literatura comparada: enquanto a filologia
concentra-se em estudar os domínios estritos de uma única cultura nacional, enfatizando
o monolinguismo e a identidade, a literatura comparada privilegia o espaço de trocas,
relações e interações entre duas ou mais tradições literárias nacionais, o que leva a
reflexão sobre o fenômeno literário, antes restrita pela filologia ao campo monolíngue, a
uma abordagem plurilíngue.
16
SHAVIT. Poetics of children’s literature.
EVEN-ZOHAR. Factores y dependencias en la cultura: una revisión de la teoría de los polisistemas,
p. 23-52.
18
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature.
19
HUNTS. International companion encyclopedia of children’s literature.
20
Esta crítica, pertinente ao volume organizado por Peter Hunts e publicado em 1996, deixa de ter
relevância quando vislumbramos a segunda edição de sua monumental antologia de estudos teóricocríticos, bastante expandida e publicada em 2004. Nessa reedição, em especial em sua segunda parte,
na qual pesquisadores de diferentes espaços geográficos são convidados a escrever sobre o fenômeno da
literatura infantil em seus respectivos países, embora mantenha o monolinguismo de um estudo erudito
e antológico publicado por uma grande editora como a Routledge, abarca pesquisas de espaços linguísticoculturais que extrapolam significativamente o eixo eurocêntrico das publicações em língua inglesa,
francesa e alemã, abrindo espaço para a reflexão sobre a literatura infantil no mundo árabe (ALQUDSIGHABRA. Arabic children’s literature), nos países bálticos (URBA. The Baltic Countries), no Brasil
(SANDRONI. Brazil) e na China (HO. China), apenas para elencar alguns dos espaços linguísticos e
culturais que foram negligenciados na primeira edição.
17
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
207
Os estudos de contatos e transferências são particularmente férteis no campo da
literatura infantil, principalmente pela forte tradição de tradução de obras nesse campo.
Apenas para ilustrar, cabe mencionar o papel de Monteiro Lobato como tradutor de
inúmeras obras da literatura infantil para o sistema literário brasileiro. Ou, de maneira
inversamente proporcional, as inúmeras traduções, para as mais diversas línguas, dos
contos dos Irmãos Grimm e das fábulas de Charles Perrault: “the notion that children’s
literature is indivisible and international is in part sustained by the fact that in the
translation process works are commonly adapted with the aim of avoiding intrusively
‘foreign’ element”. 21 De acordo com Paul Hazard, “you will not find a single country
that does not admire, even sometimes more than its own best books, books that come
from the four quarters of the globe (…) the pleasant books of childhood cross all
frontiers”.22 Uma das razões que leva um determinado livro infantil a não ser traduzido
em um dado espaço nacional é a dificuldade de “traduzir” referências culturais muito
específicas da cultura de origem do livro a um novo contexto linguístico. Pode-se ilustrar
com o exemplo das raríssimas traduções de contos infantis chineses para o português. A
poética comparada é herdeira das aproximações formais e estruturalistas do fenômeno
literário, e revela-se particularmente produtiva para a compreensão das dificuldades
para se transpor elementos culturais tais como jogos de palavras e hábitos sociais típicos
de uma dada comunidade linguístico-cultural através da tradução. Se a literatura
infantil diferencia-se de outras modalidades de realização do fenômeno literário, é de
se supor que o uso dos elementos formais na literatura infantil também seja distinto daqueles
utilizados em outras modalidades literárias. O uso do humor, da intertextualidade e da
metaficcionalidade, apenas para ilustrar alguns desses elementos, dá-se de maneira a
buscar uma adequação ao público ao qual se dirige a literatura infantil.
Alguns dos textos que fazem parte do repertório comum dos jovens leitores das
mais variadas culturas e línguas nasceram a partir de adaptações de romances
originalmente escritos para adultos. Este fato justifica a enorme popularidade entre as
crianças de todo o mundo – mas particularmente do mundo ocidental – das narrativas
contando as histórias de heróis como Gulliver, Robinson Crusoé ou Dom Quixote. Muitos
foram os escritores que recontaram, adaptaram ou “traduziram” – e invoca-se aqui a
noção de tradução como transcriação, tal como trabalhada por Haroldo de Campos 23 –
obras escritas para adultos e que passaram a integrar as bibliotecas infantis e infantojuvenis. A atividade de recontar, nesses termos, remete à questão da produtividade do
texto, e às teorizações de Julia Kristeva em torno da questão da intertextualidade, a
partir da leitura realizada pela semioticista búlgara dos trabalhos acerca da natureza da
linguagem, da literatura e da cultura nos escritos de Mikhail Bakhtin. O principal
elemento diferenciador do funcionamento da intertextualidade na literatura escrita
para adultos e na literatura infantil reside no tipo de retomada realizada pelo intertexto
e no grau de evidência desse tipo de alusão textual. Uma vez que a criança não dispõe
21
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 21.
HAZARD. Books, children and men, p. 147.
23
CAMPOS. Metalinguagem & outras metas.
22
208
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
do mesmo manancial de referências literárias advindas de leituras prévias que o leitor
adulto, a profundidade e o refinamento nas alusões a obras literárias anteriores não é
tão presente quanto as referências mais superficiais e menos eruditas.
Um dos contextos mais frequentes para o aparecimento de relações intertextuais,
na literatura infantil, é o humor e a comédia, aliados ao elemento da surpresa e do
inesperado. Algo familiar ao universo do leitor implícito emerge na superfície textual
em um contexto não familiar, provocando o efeito de inadequação, de incongruência e
de surpresa. Isso pode ser visto, por exemplo, nas inúmeras releituras da história de
Chapeuzinho Vermelho ao longo dos séculos. Os contos de fada, originários de uma
tradição oral ancestral europeia, têm atraído a atenção de muitos escritores que se
dedicaram a escrever para crianças e jovens leitores. A cada novo registro, a cada nova
reescrita, alguns dos sentidos das versões anteriores são esvaziados, enquanto novas
significações vão acumulando-se uma sobre a outra, por vezes silenciando completamente
aqueles sentidos originais articulados pelos contadores de histórias do passado.
Conto originário da tradição europeia, Chapeuzinho Vermelho foi transcrita em
letra impressa pela primeira vez por Charles Perrault, em 1697. Nesta versão, o aspecto
cruel e terrível que caracterizava os contos folclóricos da tradição oral é mantido, e
tanto Chapeuzinho quanto sua avó são devoradas ao final da história. Wilhelm e Jacob
Grimm, por sua vez, ao retomarem esses (e outros) contos folclóricos, apagaram os aspectos
cruéis e imorais, com a finalidade de destiná-los a um público especificamente infantil.
Nesta versão, a avó e Chapeuzinho são salvas por caçadores que vagavam na floresta e,
depois de ouvirem os gritos das duas e se depararem com o Lobo, rasgam a barriga da
fera, retirando as duas, vivas, de lá de dentro. Já na recente versão do brasileiro Rubem
Alves, 24 a ação do conto é trazida para o mundo contemporâneo. O autor procurou
reconstruir a trama de uma maneira lúdica, captando as estruturas fundamentais do
conto em suas origens na tradição folclórica, transfigurando as personagens de maneira
estilizada, readequando-as às vicissitudes da sociedade moderna.
Dado que o interesse nas trocas, nas transferências e nas (inter)relações entre
diferentes sistemas literários e culturais está na gênese do campo epistemológico da
literatura comparada, não é de causar espécie que as investigações comparatistas em
torno da literatura infantil não se preocupam apenas com as relações entre diferentes
literaturas nacionais, mas também nos diálogos possíveis entre a literatura infantil stricto
sensu e outras manifestações estéticas e culturais. As investigações em torno dos contos
de fadas e das tradições orais que possuem vínculos estreitos com o desenvolvimento da
literatura para crianças e jovens ultrapassam os limites disciplinares da literatura,
colocando em confronto as tradições orais (objeto de interesse da antropologia e do
folclore) e o livro escrito. Pode-se pensar aqui no trabalho dos irmãos Jacob e Wilhelm
Grimm ao coletar e perpetuar em letra impressa os contos populares europeus. Da mesma
maneira, não se pode perder de vista que, a partir do século XX, as releituras do cinema,
dos desenhos animados e das histórias em quadrinhos redimensionaram a circulação, a
recepção e a revitalização dos temas e motivos anteriormente perpetuados apenas através
da oralidade e da palavra impressa:
24
ALVES. Caindo na real.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
209
Subjects to be addressed by intermediality studies are the dynamic relations between
children’s literature and the various media, including the adaptation processes: how
have texts of children’s literature been performed in various media? How are they reworked
and transposed across media boundaries? How do the different social contexts and
audiences come into play? How are these texts, media and commodities marketed? How
do commercial as well as technological changes affect the ways in which children engage
with fictions? What is the role of the marketplace in framing children’s developing
understanding of narrative?25
A transposição de obras literárias infantis para o cinema não apenas é objeto de
relevo para a literatura comparada, na medida em que o processo de tradução semiótica
de uma mídia para outra – neste caso, da palavra impressa para a imagem em movimento
– coloca importantes questões teóricas, mas também reposiciona os problemas de recepção
por parte dos leitores. Apesar da popularidade da trilogia O senhor dos anéis, de J. J. R.
Tolkien, ou da série de aventuras de Harry Potter, de J. K. Howling, mesmo antes de sua
transposição para o cinema, não se pode fazer vista grossa ao fato de que o sucesso das
versões cinematográficas para essas histórias contribuiu para a popularização e o aumento
de vendas dos livros de Tolkien e Howling. Tal fato fica ainda mais evidente quando se
pensa em outra série de livros infantis como Crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis.
Inicialmente publicadas no Brasil pela Editora ABU (ligada à Aliança Bíblica
Universitária do Brasil) entre 1983 e 1987, a série de aventuras de fantasia de C. S.
Lewis era praticamente desconhecida até o anúncio da versão cinematográfica de O
leão, a feiticeira e o guarda-roupa, primeiro livro da série (publicado originalmente em
1950). Logo após o anúncio de lançamento do filme, a editora Martins Fontes anuncia
o lançamento de uma nova edição, em volume único, dos sete volumes de Lewis, agora
transformados em meteórico sucesso de vendas, em função da popularização das Crônicas
de Nárnia pelo cinema.
Os estudos de imagologia, com sua forte tradição no contexto do comparatismo
francês, também se revelam uma abordagem com alta voltagem crítica para a aproximação
da literatura infantil, uma vez que as representações da paisagem cultural na literatura
infantil podem funcionar como metonímia (quando não como catacrese) de significações
e de heranças culturais legadas de geração a geração através do texto literário. A
imagologia descreve uma área de pesquisa da literatura comparada cujo objeto de estudo
precípuo é composto pelas imagens de países criadas e veiculadas pela literatura de
uma determinada nação. 26 A imagem, noção central nesta seara de investigação, é
entendida como uma tomada de consciência do eu em contraposição ao outro, ou ainda,
como a expressão, literária ou não, de um distanciamento significativo entre duas ordens
de realidades culturais, ou, ainda, é a representação de uma realidade cultural por
meio da qual aqueles que a elaboraram revelam e traduzem seu próprio espaço cultural
e ideológico.
Criticada durante algum tempo como uma espécie de prolongamento dos interesses
das relações internacionais ao campo dos estudos literários, a imagologia, entretanto,
25
26
210
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 52.
SOUSA. Do cá e do lá: introdução à imagologia.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
teve um papel fundamental para a aproximação e o confronto das diferentes literaturas
nacionais, bem como para a desmistificação da noção de identidade nacional coletiva,
durante muito tempo demasiadamente essencializada.27 Dada a presença da literatura
infantil em contextos escolares e ao seu papel na formação e constituição dos valores
incutidos nos jovens leitores, as investigações imagológicas têm demonstrado que a
literatura infantil é um forte repositório de imagens acerca do Outro:
The aim of image studies is to make examination of the literary image of another country,
culture or ethnic group a legitimate field of study in literary criticism by proposing
theoretical ideas on cultural and literary factors and their reciprocal relationships; it also
investigates the role of images in the field of international literary relations and the
conclusions they allow us to draw about those who produce them. Recent works on
orientalism, postcolonialism, the study of alterity and the history of mentalities have
moved literary representation of what is ‘foreign’ and ‘Other’ to the centre of cultural
studies.28
A realização de uma historiografia da literatura infantil em perspectiva comparada
tem importância fundamental para a compreensão das diferenças e dos pontos comuns
nas condições históricas, sociais e econômicas dos diferentes contextos nacionais nos
quais a literatura infantil se desenvolveu. Ainda não foi realizada uma investigação
ampla que consiga dar conta dessas questões em sentido amplo, embora alguns trabalhos
relacionando diferentes tradições nacionais já tenham sido desenvolvidos, tais como
Historia de la literatura infantil universal29 (1971), Children and childhood in Western society
since 150030 (1995) e La littérature d’enfance et de jeunesse en Europe31 (1981), e essas obras
sempre terminam por recair em uma olhar eurocêntrico que ignora as tradições literárias
infantis da América Latina, da África ou dos países asiáticos. Emer O’Sullivan, por sua
vez, ao se preocupar com os estudos de historiografia da literatura infantil, destaca o
fato de que tais projetos, mesmo que limitados aos países europeus, não conseguem
levar a cabo a proposta ampla em função das limitações do trabalho individual de seus
autores: “even a comparative history confined to European children’s literature, let
alone one of all the children’s literatures in the world, could not be realized by a single
writer”.32 Pode-se observar, subjacente a esse comentário, a sugestão da necessidade de
trabalhos coletivos e colaborativos para dar conta da historiografia da literatura infantil
em contextos que ultrapassem as fronteiras nacionais.
Uma vez que os estudos historiográficos sobre a literatura infantil aparecem não
raro subordinados às histórias literárias nacionais, o pesquisador interessado em um
estudo historiográfico para além das fronteiras nacionais de uma dada tradição literária
acaba enfrentando um problema metodológico relativo à documentação, uma vez que
27
MACHADO e PAGEAUX. Da literatura comparada à teoria da literatura.
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 33.
29
BRAVO-VILLASANTE. Historia de la literatura infantil universal.
30
CUNNINGHAM. Children and childhood in Western society since 1500.
31
ESCARPIT. La littérature d’enfance et de jeunesse en Europe.
32
O’SULLIVAN. Comparative children’s literature, p. 38.
28
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
211
cada tradição literária lida com a sua produção literária infantil apenas em sua própria
língua de expressão literária, e o estado da arte da investigação historiográfica varia
muito de uma literatura nacional para outra. Enquanto a tradição crítica em língua
alemã, inglesa e francesa encontra-se em um estágio avançado de teorização e
problematização metodológica da historiografia da literatura infantil, bem como da
história do livro e da leitura em sentido amplo, em outros países tais reflexões encontramse em estado incipiente e, muitas vezes, não conseguem ultrapassar o estágio de meras
listas dos livros infantis mais vendidos ou dos autores de maior sucesso.33 As investigações
de cunho historiográfico enfrentam uma série de questões ainda em aberto no que diz
respeito ao seu dispositivo teórico e analítico de trabalho. Deveriam elas estar organizadas
por gêneros, por períodos, por estilos de época, por nacionalidades ou por regiões
linguísticas? A periodização da literatura infantil deveria obedecer aos mesmos critérios
da literatura escrita para adultos, apesar das especificidades que a caracterizam como
um subsistema literário? Que impactos a teoria pós-colonial34 e a teoria queer35 teriam
sobre a pesquisa historiográfica em torno da literatura infantil?
O último dos campos de investigação elencado por O’Sullivan tem como traço
distintivo uma dimensão metacrítica. O pesquisador que se interessa pela historiografia
comparada dos estudos e teorizações sobre a literatura infantil deve estar atento,
simultaneamente, para as especificidades culturais e para a vocação internacionalista
das teorizações produzidas em diferentes partes do mundo, mesmo quando essas
teorizações tentam dar conta de um universo de obras literárias restritas a uma única
comunidade nacional ou linguística. As questões que giram em torno do desenvolvimento
e da evolução da literatura para adolescentes e jovens adultos (expressa, muitas vezes,
na expressão literatura juvenil) só podem ser razoavelmente compreendidas e abordadas
no escopo das reflexões da história literária. Se é verdade que há uma tradição literária
de séculos no que diz respeito à representação da juventude e da adolescência em
textos literários, também o é o fato de que a literatura escrita para adolescentes é um
fenômeno relativamente recente, datado da segunda metade do século XX, uma vez que
é neste período que a adolescência, entendida como categoria analítica para o
desenvolvimento e a maturação da personalidade humana, emerge historicamente com
toda a sua força, adquirindo um status simultaneamente legal e social:
(...) o conceito de adolescência como período evolutivo só começa a se organizar entre as
duas grandes guerras, sendo que a sua delimitação enquanto fase do desenvolvimento
somente foi possível após a Segunda Guerra Mundial, o que estimulou, a partir dos anos
1950, um caloroso debate sobre o termo, seus conteúdos e suas implicações. A adolescência,
então, passa a ter um status legal e social diferenciado, sendo necessário criar para ela
disciplina, regulamentação e proteção, uma vez que os adolescentes desse período
formavam um grupo muito diversificado, marcado por gostos e valores contraditórios,
bem como por intensos conflitos internos.36
33
NIKOLAJEVA. Aspects and issues in the history of children’s literature.
BRADFORD. Unsettling narratives: postcolonial readings of children’s literature.
35
DAY. Lesbian and gay voices: an annotated bibliography and guide to literature for children and young adults.
36
SANTOS e PRATTA. Adolescência e uso de drogas à luz da psicanálise: sofrimento e êxtase na
passagem, p. 169-170.
34
212
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
É no entremeio entre a literatura infantil e a literatura para adolescentes que
emerge uma das polêmicas mais frutíferas relativas à literatura para adolescentes e à
formação de leitores: o lugar que vem sendo ocupado, no repertório dos jovens leitores,
por séries de grande sucesso comercial, reiteradamente taxadas de “cultura de massa”
destituída de valor literário. Esta crítica, voltada em um primeiro momento para as
séries Harry Potter, Crônicas de Nárnia e O senhor dos anéis, vem sendo reiteradamente
reproduzida nos julgamentos de recentes séries de grande sucesso junto aos leitores
adolescentes, tais como Crepúsculo, de Stephany Meyer, Percy Jackson, de Rick Riordan
ou Jogos vorazes, de Suzanne Collins. Entre as acusações mais recentes feitas a esse tipo
de produção literária, reiteradamente são citados o emprego de linguagem facilitada, a
superficialidade na construção dos enredos, a repetição de fórmulas narrativas esgotadas
ao longo de cada novo título de uma série e o compromisso com uma política editorial
que se pode chamar, na falta de melhor expressão, de “venda casada” realizada pelo
mercado editorial em função das adaptações para o cinema, uma vez que o sucesso das
versões para o cinema e a televisão realimentaria o interesse pelos livros, pautando a
produção cultural em uma lógica mercadológica e não artística.
Causa espanto, entretanto, que muitos dos críticos a essa massificação da literatura
infantil e juvenil teorizam sobre o fenômeno sem sequer citar as referências bibliográficas
das obras que estão sendo criticadas e balizam suas conclusões. Veja-se, por exemplo, o
estudo “Entre bruxos e vampiros: ideologia e alienação no mercado editorial de literatura
infantil”,37 o que abre espaço para uma pertinente questão: estes críticos realmente
sabem do que estão falando? Como podem eles julgar a recente produção editorial para
crianças e adolescentes como de pouca monta se nem ao menos mencionam as referências
bibliográficas dos volumes que estão julgando desqualificados? 38 Quando esse tipo de
julgamento de valor que sequer se dá ao trabalho de mencionar as referências
bibliográficas da obra literária que está sendo desqualificada emerge no cenário
acadêmico, é difícil não se deixar abalar por uma sensação de retrocesso aos tempos em
que a literatura infantil, em sentido amplo, era considerada um gênero menor e uma
preocupação exclusiva dos bibliotecários, não sendo considerada objeto de estudo digno
37
SANT’ANNA. Entre bruxos e vampiros: ideologia e alienação no mercado editorial de literatura infantil.
Uma considerável bibliografia em língua portuguesa encontra-se em circulação e serve de base para
aprofundar esta discussão que tenta equacionar, por um lado, literatura infantil com “grande literatura”,
excluindo desse campo tudo o que possa ser entendido como cultura de massa, e por outro, uma posição
menos radical, em compasso com as discussões que problematizam a formação dos cânones literários.
Veja-se, por exemplo: CARVALHO. A literatura infantil (1984); COELHO. Panorama histórico da literatura
infantil e juvenil (1991), Dicionário crítico da literatura infantil brasileira (1995) e A literatura infantil
(2002); GÓES. A aventura da literatura para crianças (1991) e Olhar de descoberta (2004); HELD. O
imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica (1980); KHÉDE. Literatura infanto-juvenil: um
gênero polêmico (1983); OLIVEIRA e PALO. Literatura infantil: voz de criança (1986); PERES. O infantil
na literatura: uma questão de estilo (1999); ROSEMBERG. Literatura infantil e ideologia (1984); PONDÉ e
YUNES. Leitura e leituras da literatura infantil (1988); ZILBERMAN. A produção cultural para crianças (1982)
e ZILBERMAN e LAJOLO. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil brasileira (1993).
38
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
213
de teorizadores, historiadores e críticos da literatura.39 Neste contexto de discussão
acadêmica, a posição mais acertada parece ainda ser a de Cecília Meireles, ao afirmar
que a literatura infantil não é aquela escrita para as crianças, mas sim aquela que as
crianças gostam de ler.40
AA
ABSTRACT
This paper aims at delineating and systematizing the research’s
theoretical pathways, in the field of comparative literature
studies, when it comes to investigations that take children’s
literature as its object of analysis. Simultaneously, we seek to
show the redefinition of the very notion of children’s literature
as well as its theoretical construct feature from new
considerations made in the field of literary and cultural studies
in the last two decades of the twentieth century and in the
first decades of the twentieth-first century.
KEYWORDS
Children’s literature, comparative literature, disciplinary
boundaries
REFERÊNCIAS
ALQUDSI-GHABRA, Taghreed. Arabic children’s literature. In: HUNTS, Peter.
International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004,
p. 954-959.
ALVES, Rubem. Caindo na real: Cinderela e Chapeuzinho Vermelho para o tempo atual.
Campinas: Papirus, 2004.
ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981.
BENJAMIN, Walter. Visão do livro infantil. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a
educação. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2002, p. 69-80.
BERNHEIMER, Charles. The Bernheimer report, 1993: comparative literature at the
turn of the century. Comparative literature in the age of multiculturalism. Baltimore: The
John Hopkins University Press, 1995, p. 39-50.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
BRADFORD, Clare. Unsettling narratives: postcolonial readings of children’s literature.
Waterloo: Wilfrid Laurier University Press, 2007.
BRAVO-VILLASANTE, C. Historia de la literatura infantil universal. Madrid: Ministerio
de Cultura, 1971.
39
40
214
CALDIN. O bibliotecário, a criança e a literatura infantil: algumas ponderações, p. 111-128.
MEIRELES. Problemas da literatura infantil, p. 19.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
CALDIN, Clarice Fortkamp. O bibliotecário, a criança e a literatura infantil: algumas
ponderações. Revista ACB. Florianópolis, Associação Catarinense de Biblioteconomia,
v. 6, n. 1, 2001, p. 111-128.
CARVALHO, Bárbara Vasconcelos de. A literatura infantil. São Paulo: Global, 1984.
CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem & outras metas. São Paulo: Perspectiva, 1992.
CHATMAN, Seymour. Story and discourse: narrative structure in fiction and film. Ithaca:
Cornell University Press, 1978.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil. São Paulo:
Ática, 1991.
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil brasileira. São Paulo: Edusp,
1995.
COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil. 7. ed. São Paulo: Moderna, 2002.
COLLINS, Suzanne. Jogos vorazes. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
COLLINS, Suzanne. Em chamas. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
COLLINS, Suzanne. A esperança. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.
CUNNINGHAM, H. Children and childhood in Western society since 1500. London and
New York: Longman, 1995.
DAY, Frances Ann. Lesbian and gay voices: an annotated bibliography and guide to literature
for children and young adults. Westport: Greenwood Press, 2000.
DEFOE, Daniel. Robinson Crusoe. São Paulo: Penguin Companhia, 2012.
ENDE, Michael. Manu, a menina que sabia ouvir. São Paulo: Círculo do Livro, 1973.
ESCARPIT, D. La littérature d’enfance et de jeunesse en Europe. Paris: Presses
Universitaires, 1981.
EVEN-ZOHAR, Itamar. Factores y dependencias en la cultura: una revisión de la teoría
de los polisistemas. Trad. de Montserrat Iglesias Santos. In: IGLESIAS, Montserrat.
Teoría de los polisistemas. Estudio introductorio, compilación de textos y bibliografía por
Montserrat Iglesias Santos. Madrid: Arco, 1999, p. 23-52.
GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia: romance da história da filosofia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006.
GENETTE. Gérard. Palimpsestes. Paris: Seuil, 1982.
GÓES, Lúcia Pimentel. A aventura da literatura para crianças. São Paulo: Melhoramentos,
1991.
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de descoberta. São Paulo: Paulinas, 2004.
GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. Contos de Grimm. 32. ed. Belo Horizonte: Itatiaia,
2008.
HAZARD, Paul. Les livres, les enfants et les hommes. Paris: Flammarion, 1932.
HAZARD, Paul. Books, children and men. Trans. M. Mitchell. Boston: The Horn Book,
1944.
HELD, Jacqueline. O imaginário no poder: as crianças e a literatura fantástica. São Paulo:
Summus, 1980.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
215
HO, Laina. China. In: HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s
literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 1029-1038.
HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of children’s literature, v. II. London:
Routledge, 2004.
HÜRLIMANN, Bettina. Europäische Kinderbüchen aus drei Jahrhunderten. Zurich: Atlantis,
1959.
KHÉDE, Sônia S. (Org.). Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. Petrópolis: Vozes,
1983.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: o leão, a feiticeira e o guarda-roupa. São Paulo: Editora
ABU, 1982.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: os anéis mágicos. São Paulo: ABU, 1983.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: o cavalo e o menino. São Paulo: ABU, 1984a.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: o príncipe e a ilha mágica. São Paulo: ABU, 1984b.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia:o navio da alvorada. São Paulo: ABU, 1985.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: a cadeira de prata. São Paulo: ABU, 1986.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia: a última batalha. São Paulo: ABU, 1987.
LEWIS, C. S. Crônicas de Nárnia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
MACHADO, Álvaro Manuel; PAGEAUX, Daniel-Henri. Da literatura comparada à teoria
da literatura. Lisboa: Edições 70, 1988.
MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. São Paulo: Summus, 1979.
MEYER, Sthephanie. Crepúsculo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2008.
NIKOLAJEVA, Maria (Ed.). Aspects and issues in the history of children’s literature.
Westport: Greenwood Press, 1995.
O’SULLIVAN, Emer. Comparative children’s literature. London: Routledge, 2005.
PALO, Maria José; OLIVEIRA, M. Rosa. Literatura infantil. São Paulo: Ática, 1986.
PELLOWSKI, Anne. The world of children’s literature. New York and London: Bowker, 1968.
PERES, A. M. C. O infantil na literatura: uma questão de estilo. Belo Horizonte: Miguilim, 1999.
PERRAULT, Charles. Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Perrault. Trad. Olívia
Krahenbuhl. São Paulo: Círculo do Livro, 1994.
PERROT, Jean. A literatura infantil e juvenil. In: BRUNEL, Pierre; CHEVREL, Yves.
Compêndio de literatura comparada. Trad. Maria do Rosário Monteiro. Lisboa: Fundação
Calouste-Gulbenkian, 2004, p. 325-348.
PONDÉ, M. da Glória; YUNES, Eliana. Leitura e leituras da literatura infantil. São Paulo:
FTD, 1988.
RIORDAN, Rick. O ladrão de raios. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009.
RIORDAN, Rick. O mar de monstros. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009.
RIORDAN, Rick. A maldição do titã.Rio de Janeiro: Intrínseca, 2009.
ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1984.
ROUSSEAU, J. J. Émile ou de l’éducation. Le Haye: Néaulme, 1762.
216
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ROWLING, J. K. Harry Potter e a pedra filosofal. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
ROWLING, J. K. Harry Potter e a câmara secreta. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
ROWLING, J. K. Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
ROWLING, J. K. Harry Potter e o cálice de fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
ROWLING, J. K. Harry Potter e a Ordem da Fênix. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
ROWLING, J. K. Harry Potter e o enigma do príncipe. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.
ROWLING, J. K. Harry Potter e as relíquias da morte. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
SANDRONI, Laura. Brazil. In: HUNTS, Peter. International companion encyclopedia of
children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 1004-1010.
SANT’ANNA, Jaime dos Reis. Entre bruxos e vampiros: ideologia e alienação no mercado
editorial de literatura infantil. Anais do III congresso de leitura e literatura infantil e juvenil
(2012). Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IIICILLIJ/Index.html>.
Acesso: 11 fev. 2013.
SANTOS, Manoel Antônio dos; PRATTA, Elisângela Maria Machado. Adolescência e
uso de drogas à luz da psicanálise: sofrimento e êxtase na passagem. Tempo psicanalítico.
Rio de Janeiro, v. 44, n. I, 2012, p. 167-182.
SANTUCCI, Luiggi. Letteratura infantile. Milan: Fratelli Fabbri, 1958.
SHAVIT, Zohar. Poetics of children’s literature. London: University of Georgia Press, 1986.
SOUSA, Celeste H. M. R. d e . Do cá e do lá: introdução à imagologia. São Paulo:
Humanitas, 2004.
SWIFT, Jonathan. As viagens de Gulliver. São Paulo: Penguin Companhia, 2010.
THWAITE, Mary. From primer to pleasure in reading. London: Library Association, 1963.
TOLKIEN, J. R. R. O hobbit. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
TOLKIEN, J. R. R. O senhor dos anéis: edição completa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
URBA, Kestutis. The Baltic Coutries. In: HUNTS, Peter. International companion
encyclopedia of children’s literature, v. II. London: Routledge, 2004, p. 990-997.
ZILBERMAN, Regina (Org.). A produção cultural para crianças. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1982.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2005.
ZILBERMAN, Regina; LAJOLO, Marisa. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura
infantil brasileira. São Paulo: Global, 1993.
Recebido em 19 de fevereiro de 2013
Aprovado em 6 de dezembro de 2013
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
217
Resenhas
AA
MÉSSEDER, JOÃO PEDRO. PEQUENO LIVRO DAS
COISAS. ILUSTRAÇÕES DE RACHEL CAIANO. LISBOA:
CAMINHO, 2012
João Manuel Ribeiro*
Universidade de Coimbra
Com este Pequeno Livro das Coisas (2012),1 João Pedro Mésseder (JPM) retoma a
poética2 que lhe é distintiva e que se distancia lucidamente dos jogos poéticos de matriz
tradicional (e oral) e confronta a criança/leitor com a dessacralização da linguagem, a
superação do imaginário estereotipado e a experiência das representações insólitas e
paradoxais do mundo, a metáfora e outros recursos estilísticos fortes, e sem medo de
que a intensidade, a densidade e a opacidade próprias do texto poético sejam alheias e
estranhas ao destinatário. Nesse livro, talvez mais do que em todos os anteriores, a
poética não é, nem pretende ser, uma lição a aprender, uma beleza a admirar ou um
sistema de explicação do mundo, mas antes uma iniciação “à lucidez, ao espanto,
libertando o seu olhar e levando-a a reconhecer-se tributária de um destino comum”. 3
Transparece, como observa Ana Margarida Ramos, 4 uma “paixão pela linguagem em
todas as suas dimensões, não só com ressonâncias simbolistas, mas também experimentais,
assumindo uma vertente de exercício”, e “conduz à criação de um dicionário
pessoalíssimo, alternativo”, como se pode verificar em textos como, por exemplo, entre
outros, Pente:
Apesar
do seu ar
de centopeia,
o pente
não morde,
só penteia.
* [email protected]
1
Livro finalista do Prémio da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) 2013, modalidade de Literatura
Infantil e Juvenil.
2
Iniciada em Versos com reversos (1999) e continuada em De que cor é o desejo? (2000), À noite as estrelas
descem do céu (2002) e Breviário do sol (2002, em coautoria com Francisco Duarte Mangas), Breviário da
água (2004, coautoria com Francisco Duarte Mangas), Palavra que voa (2005), Trocar as voltas ao tempo
(2008), Guardador de árvores (2009) e aqui sublimada.
3
SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p.9 : “Confronter un enfant à la poésie, ce n’est pas lui
donner une leçon à apprendre, lui offrir du beau à admirer, lui livrer un système d’explication du monde, c’est
l’exercer à la lucidité, à l’étonnement, libérer son regard et l’amener à se reconnaître tributaire d’un destin
commun. C’est l’aider à croitre dans son humanité”.
4
RAMOS. A ilusão do fragmento como construção poética: aproximações à poesia de João Pedro Mésseder, p. 196.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
221
Embora menos do que em outros livros do poeta, também aqui o fragmento se
consubstancia como forma peculiar de captar e registar o “olhar primeiro, virginal, puro
e incorrupto, sobre a palavra” 5 e as múltiplas epifanias da realidade, num exercício de
“questionamento da língua, do sentido das palavras da sua leitura literal” 6 e na
articulação, sempre excessivamente obsessiva, entre emoção, pensamento e palavra.
Tal movimento, em nada aleatório, configura uma poética que se define e constitui
ainda, por um lado, como um gesto ético que manifesta e traduz uma maneira de ser e
estar no mundo e que, necessariamente, convoca o leitor a um investimento intelectual,
emotivo, afetivo e físico, e, por outro, como um gesto estético que, pela linguagem e
pela dinâmica da forma (em oposição à imobilidade formal 7 ), revela a polissemia das
coisas. A indissolubilidade entre os gestos ético e estético, mais do que manifestar a
relação entre conteúdo e forma, é uma proposta de “compreensão da realidade na sua
maior complexidade” e “revela-nos uma parte do mistério que habita dentro de nós,
que nos rodeia”.8 Assim, a poesia de JPM não pode conceber-se como um “suplemento
de alma”, uma evasão ou fuga à realidade, mas antes, de certa forma, como violência
para a consciência, forçando-a à lucidez e despertando no leitor as questões novas e/ou
adormecidas.
Em Pequeno livro das coisas (2012), a poesia é ação que possibilita ver “mais”
realidade, porque inclui e conjuga um conjunto de capacidades e de sentidos numa
“espécie de cognitio sensitiva” ou “poder sensível (não intelectual, não conceptual) de
revelação ontológica ou, se se preferir, cosmológica”, 9 como, por exemplo, no poema
Lápis, onde o objeto enunciado tem “voz de dentro” e “olhos de dentro”, “a que combina
palavras” e formas “atrás de um sentido”, lamentando-se que “o ar e o tempo os apaguem:
/ palavras, formas, sentidos…”. Trata-se de uma forma distinta de aceder e possibilitar
conhecimento, ou, de ver ‘através’ da realidade, em distanciar-se do senso comum do
real por fidelidade à própria realidade, como, por exemplo, em Velho banco de jardim, em
que a repetição do verso “se visto de lado”, sugere um outro, vário e alternativo modo
de ver. Mais do que um acesso ao sentido, estamos em presença de um acesso de
sentido,10 que faz da poesia utensílio11 e ação.12 Neste contexto, é legítimo afirmar que
a poesia de JPM, por um lado, “nasce da realidade e da experiência” (…) e que “o
poeta nunca deixa de tratar, direta ou indiretamente, das questões universais”13 (gesto
5
RAMOS. Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infância e a juventude, p. 201.
RAMOS. Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a infância e a juventude, p. 201.
7
Veja-se a este título a irregularidade da estrutura formal dos poemas, não sendo apropriado falar em
quadras, quintilhas ou qualquer outra estrutura formal. O verso, como as estrofes, apresenta-se livre.
8
SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p. 43.
9
DIAS. O que é a poesia?, p. 8.
10
NANCY. Resistência da poesia, p. 16.
11
MOUNIN. Poésie et société, p. 19.
12
JEAN. Na escola da poesia, p. 68.
13
SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p. 34. Para este pedagogo francês as questões
fundamentais a que a poesia responde são: “Quem sou eu? O que é o mundo em mim, fora de mim?
Quem é o outro? Quem sou eu por relação ao outro? Eis as questões fundamentais, universais à poesia”.
6
222
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
ético); e, por outro, que a poesia de JPM “serve para nos questionar, questionar o mundo
e os seus mistérios” (…), através da “reivindicação da liberdade da língua (…) e da
sua transgressão consciente que a transporta a um lugar inesperado, insólito”.14
Na obra em apreço, respeitando-se a especificidade do destinatário preferencial
(mas não exclusivo), efetiva-se a interrogação ético-estética inerente à poesia. Tal é
verificável na interrogação crítica do (e)feito humano sobre a matéria e a sua influência
na existência humana, como no poema Cómodas: aqui, à construção de uma cômoda
para acondicionar o vestuário por um certo homem seguiu-se a construção, por outros
homens, de outras cômodas maiores e mais práticas, sendo que, finalmente
Outros afadigaram-se, mais tarde,
a construir cómodas de vários andares
com muitas e muitas gavetas de tijolo,
cada vez mais altas,
para mais pessoas – e mais cómodas,
com menos espaço
para acomodar as pessoas.
Também a atenção ao quase nada do real ou à realidade ilimitada do real imediato
é enfatizada, de forma breve e linguisticamente não familiar, no jogo semântico entre
preguiçosos, presente no poema Espreguiçadeira:
Que ninguém ouse dizer-me
que tenho ar
de cadeira preguiçosa,
a mim, cujo destino
é suportar o peso e a moleza
de tanto preguiçoso.15
A não redução da realidade ao superficial, ao aparentemente evidente,
personificada e metaforicamente criticada, está presente em Sinal de proibido. O
desconcerto da realidade metaforizada é tal que o sujeito poético se interroga sobre o
conteúdo formal mais adequado para o caracterizar (“– como direi? –”) num jogo entre
conteúdo e forma, denunciador da tensão dialógica (mais do que dialética) entre ética
e estética:
Com um branco sorriso nos lábios
o sinal de sentido proibido
proíbe.
Mas não é um verdadeiro sorriso:
é sim – como direi? –
um esgar,
um esgar de dentes à mostra.
14
15
SIMEÓN. La poésie, pourquoi, pour qui, comment?, p. 47.
O sublinhado é nosso.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
223
Reveladores da maneira de ser e estar poeticamente no mundo são os poemas do
(que ousamos designar de) “Ciclo da Guerra”, constituído por três poemas que descrevem
armas, de uma forma que, a nosso ver, desencadeia no leitor a provocadora e estranha
impressão da monotonia da novidade e a fadiga da maravilha e do excesso de sentido.
O poema Espingarda, assente numa antítese inicial entre o primeiro e os quatro
versos seguintes, termina com o paradoxo do eufemismo, num claro apelo à lucidez:
Bela, esguia, elegante
– e tão sequiosa
de sangue
e de morte,
a espingarda.
O lugar desta elegância
é o mais fundo buraco
que alguém consiga escavar.
Em Míssil é o disfemismo que se impõe e desafia à profundidade e ao inesperado,
a desvendar o desconhecido das coisas:
Dentro de minutos,
com estrondo,
vai cair.
Quantos meninos
neste instante
ainda estão a rir?
Em Capacete é a sequência de registos imagéticos do que deve ser o casco do
soldado que surpreende e lhe confere um simbolismo antitético:
Capacete de soldado
só é bom quando servir
de vaso de flor,
malga de sopa
ou regador.
A poética de JPM questiona, suscita crise(s), invade de intensidade, densidade e
opacidade o leitor, num inevitável compromisso com o trabalho de complexificação da
consciência. O lugar das coisas, no livro, além de não ser pequeno e não se fixar apenas
nos objetos, estende-se ao nome de cada um e à sua utilidade,16 sendo possível detectarse uma certa transcendência das coisas – uma transcendência na imanência, na linha
de Ernest Bloch –, na medida em que a poética das coisas, não deixando a esfera do
real, remete para uma instância semântica fora de si. Como se cada coisa fosse símbolo,
religação a um outro sentido, outro olhar, outra realidade que a metáfora transfigura
desmedidamente.
As coisas desse livro “são coisas e alguma coisa mais” (texto da contracapa). O
cenário dessa “alguma coisa mais” é a sombra, coisa-desígnio em que a realidade se
16
224
DUARTE. Pequeno livro das coisas.
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
inscreve, num percurso que vai desde “a sombra quieta” “que não parava de estar quieta”
do poema inaugural até a sombra que “gosta muito de brincar / ao faz-de-conta” do
poema conclusivo. Como se cada objeto (s)ombreasse consigo mesmo, num jogo dialético
que simultaneamente mostra e esconde ou ilumina e ensombra e, por conseguinte,
deslumbra e assombra. O carácter personificado desta entidade – (em) A sombra quieta
– autonomiza-se do corpo, sendo considerado ainda como uma “marioneta” (no poema
conclusivo: Sombra). A separação espacial entre a sombra e o corpo (“[…] /Tomado
pelo medo, / o corpo acabou por fugir /daquele sinistro lugar. / Nunca mais ninguém o
viu. / E a sombra? / Ainda lá está. / Ali, naquele lugar.”) dissolve-se na voz “estranha e
teatral / que a sombra faz” (Sombra) e que, consubstanciada na palavra, é a coisa-maior,
maior que o corpo, maior que os objetos, maior que a(s) coisa(s):
(…)
que só há
porque existe a palavra
que a nomeia
e porque é preciso dar nome
a um medo,
entre tantos. (Fantasma)
A voz-palavra não é apenas nome, apesar da ressonância bíblica entre criar e
nomear, mas também “um caminho (que) se fez / por dentro da mente do Homem”
(Entre o fogo e a lâmpada); um olhar/sonho para o “homem hirsuto” (Primeiro barco); o
“suspiro magoado” do “tempo que sabe esperar” (Relógio de sala); uma chama que se
extingue sempre, “mas o seu mistério nunca” (Chama); o relógio “que persegue o tempo”
que “sabe esperar” (Relógio de sala).
A voz (d)enuncia a natureza ora sombria, ora incômoda (como em Cómodas), ora
humorística (em Exaustor e Varinha mágica [de cozinha]), ora crítica ou mordaz (como,
por exemplo, em Seixo ou Pérola) das coisas, registadas nesse grande “pequeno livro”,
como inventário vivo e/ou manifesto contra o esquecimento de que a vida se tece,
numa poética lúcida e peculiar, caracterizada pela transfiguração imagética e pelo
obstinado rigor da linguagem.
AA
REFERÊNCIAS
DIAS, Saúl. O que é a poesia? Coimbra: Pé de Página Editores, 2008.
DUARTE, Rita Taborda. O pequeno livro das coisas. Disponível em: <http://www.leitura.
gulbenkian.pt/index.php?area=rol&task=view&id=31090>. Acesso: 24 Abr. 2013.
JEAN, Georges. Na escola da poesia. Lisboa: Instituto Piaget, 1995.
MÉSSEDER, João Pedro. Pequeno livro das coisas. Ilustrações de Rachel Caiano. Lisboa:
Caminho, 2012.
MOUNIN, Georges. Poésie et société. Paris: PUF, 1962.
NANCY, Jean-Luc. Resistência da poesia. Viseu: Edições Vendaval, 2005.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
225
RAMOS, Ana Margarida. A ilusão do fragmento como construção poética: aproximações
à poesia de João Pedro Mésseder. Forma breve, Aveiro, 4, 2006, p. 191-216.
RAMOS, Ana Margarida. Tendências contemporâneas da literatura portuguesa para a
infância e a juventude. Porto: Tropelias & Companhia, 2012.
SIMEÓN, Jean-Pierre, La vitamine P – la poésie, pourquoi, pour qui, comment? Paris: Rue
du Monde, 2012.
Recebido em 30 de junho de 2013
Aprovado em 4 de abril de 2014
226
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
GOTTSCHALL, JONATHAN. THE STORYTELLING
ANIMAL: HOW STORIES MAKE US HUMAN. BOSTON,
NEW YORK: HOUGHTON MIFFLIN HARCOURT,
2012, P. 248.
Marcus Assis Lima*
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
O autor é professor de Literatura Americana na Washington & Jefferson College,
na Pensilvânia. Esse seu mais recente trabalho procura responder uma pergunta básica:
contar uma estória é apenas uma diversão e um passatempo ou tem alguma função
biológica e, portanto, alguma função para espécie humana? Para tanto, o autor busca
em diferentes cantos da história, da psicologia social, da neurociência e da biologia
evolucionista fundamentos científicos para celebrar o fato de que temos o impulso de
narrativizar tudo que ocorre a nossa volta. Você sabia que, quanto mais estamos absorvidos
em uma narrativa, mais ela modifica nossos comportamentos? Que todas as crianças,
tenham nascido na favela ou em berço de ouro, contam o mesmo tipo de estórias? Que
“diferenças nas habilidades sociais são mais bem explicadas levando-se em conta o tipo
de leitura que as pessoas fazem”? (p.66). Como ele salienta, estamos atolados nas
narrativas. Mas por quê?
Ele parte do princípio de que “somos, como espécie, viciados em narrativas. Mesmo
quando o corpo vai dormir, a mente continua alerta durante todo o sono, contando
estórias a ela mesma” (p. xiv). Com interessantes e surpreendentes argumentos sobre a
atividade narrativa, na qual, segundo ele, passamos mais tempo imersos em mundos
ficcionais que no mundo real, seja nos sonhos, nos romances, nos filmes, nos videogames
ou quando criamos narrativas de vida, Gottschall desenvolve seus argumentos a fim de
demonstrar “como as estórias saturam as nossas vidas, como a ficção sutilmente modela
nossas crenças, comportamentos, éticas – como ela, de maneira poderosa, modifica a
cultura e a história” (p. vxii). Nessa trilha, ele procura mostrar como o “Homo fictius”
se tornou um animal narrador e como essa atividade, que tem um alto custo em termos
de energia e tempo, é uma adaptação evolucionária crucial.
Gottschall afirma que a mente humana não apenas foi “moldada para a ficção,
mas que ela foi moldada pela ficção” (p. 56). Afinado com outros teóricos literários
evolucionistas, procura demonstrar que as narrativas são o local para onde as pessoas
vão para praticarem habilidades-chave para a vida humana social: “A experiência vicária
de baixo custo, especialmente a experiência emocional, é a principal beneficiária da
ficção” (p. 57), ou seja, “a ficção é uma realidade virtual ancestral que se especializou
* [email protected]
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
227
na simulação dos problemas humanos” (p. 58), corroborando a metáfora da psicóloga
Keith Oatley, para quem as narrativas são “simuladores de voo” da vida social humana.
Ele advoga que a imaginação é uma ferramenta maravilhosa, pois, enquanto os
corpos estão bloqueados no “aqui e agora”, ou seja, “em qualquer momento que a mente
não esteja ocupada em alguma tarefa que a demande, ela estará descansando e irá
escapar para a ‘Terra do Nunca’” (p. 11). As memórias que usamos para formar nossas
narrativas de vida são marcadamente ficcionalizadas e muitos psicólogos sociais mostraram
que, quando encontramos algum amigo, nossas conversas consistem, principalmente,
de narrativas imaginárias: “Quando perguntamos a um amigo ‘O que há de novo?’,
iniciamos um agenciamento de narrativas que vão e vêm durante xícaras de café ou
garrafas de cerveja, inconscientemente moldando e acrescentando detalhes de modo a
fazer nossa narrativa vívida” (p. 18).
Segundo Gottschall, “o escritor deita palavras, mas elas são inertes. Elas
necessitam de um catalizador para ganharem vida. O catalisador é nossa imaginação”
(p. 6). A imaginação/ficção, então, seria uma poderosa e antiga ferramenta de realidade
virtual que estimula os grandes dilemas da existência humana, de modo que a ficção
permitiria ao nosso cérebro treinar reações aos tipos de desafios que são, e sempre serão,
cruciais para o nosso sucesso como espécie animal. Por isso, quando dormimos, vagueamos
por uma dimensão alternativa da realidade. Se o romancista John Gardner compara as
narrativas ficcionais a “vívido e contínuo sonho”, Gottschall defende que seria mais
acurado dizermos que “os sonhos são uma vívida e contínua narrativa” (p. 69). De fato,
os sonhos são narrativas noturnas: eles focam em protagonistas – geralmente o sonhador
– em uma luta para lograr algum êxito. Não deixa de ser interessante perceber, por
exemplo, que pesquisadores dos sonhos costumam fazer uso dos mesmos termos caros
aos estudos das narrativas, como plot, tema, personagem, cena, ponto de vista,
perspectiva. Mas, mesmo quando acordados, nossas mentes estão sempre contando
estórias e, por isso, o autor defende que narrar é uma adaptação evolucionária crucial,
pois ela permite que experimentemos nossas vidas como coerentes, ordenadas e cheias
de significado: “É ela que faz com que a vida não seja uma enorme confusão” (p. 102).
A “mente narrativa” é viciada em significados. Se ela não consegue encontrar um padrão
de significados no mundo, ela irá tentar impor um padrão, ela é como uma fábrica que
descarta muitas narrativas verdadeiras quando pode, mas que “também pode fabricar
mentiras quando não encontra verdades” (p. 103): “Não nos sentimos preparados quando
não temos uma narrativa (para contar) e, por outro lado, trabalhamos intensamente
para impor uma estrutura narrativa a uma experiência sem sentido” (p. 108). Por isso,
“se você quiser dominar a mente de alguém, tente contar-lhe uma estória” (p. 118). O
autor defende que “as narrativas continuam a manter sua antiga função de apostar na
sociedade por meio do reforço de um conjunto de valores comuns e por alargar os laços
de uma cultura geral” (p. 137), de modo que “as narrativas são o cimento social da
sociedade”, e, sejam sagradas ou profanas, “são a principal força coercitiva na vida
humana” (p. 138).
Gottschall nos lembra que muitos críticos argumentam que os livros de memórias
são fraudulentos, ou seja, os memorialistas não estariam contando estórias verdadeiras,
mas estórias verossímeis, de modo que todas as biografias deveriam vir com um alerta
228
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
dizendo “Este livro é baseado em fatos reais”. Uma estória de vida não é um relato
objetivo, sendo ela estruturada como uma narrativa “repleta de esquecimentos
estratégicos e significados habilmente narrados” (p. 161). Ele defende que uma estória
de vida seria uma “mitologia pessoal” sobre quem somos – de onde viemos, como chegamos
aonde chegamos; são quem somos e formam nossa identidade. “Essa estória que estou
contando de mim é vagamente baseada em fatos reais. Sou em parte apenas uma ilusão de
minha própria imaginação” (p. 162). Baseado em experiências realizadas pelos psicólogos
Roger Brown e James Kulik, que cunharam a expressão “memórias-relâmpago” (flashbulbmemories), o autor mostra que a memória não é uma ficção; ela é apenas uma
ficcionalização” (p. 169). Para ele, uma mente saudável conta a ela mesma mentiras
superficiais, e se ela “não mente sobre si mesma, não é uma mente saudável” (p. 174).
Segundo o autor, talvez estejamos lendo menos que no passado, mas isso não quer
dizer que estamos a esquecer a ficção (isso, por exemplo, se pensarmos na profusão de
programas televisivos e redes sociais virtuais, que procuram ‘mostrar a vida acontecendo’
– os ‘reality shows’ ou ‘reality TV’), mas que, apenas, “as páginas foram simplesmente
suplantas pela tela” (p. 8). Assim, ele mostra que a ficção pode servir para um monte de
coisas: a) alguns pensadores, incluindo o próprio Darwin, argumentaram que a fonte
evolucionária das narrativas tem um componente de seleção sexual, não de seleção
natural. Em outras palavras, talvez as narrativas (e outras formas de arte) não sejam
apenas uma obsessão por sexo; talvez elas sejam maneiras de “obter sexo ao ornamentarmos
certas habilidades que possuímos, como a inteligência e a criatividade – as qualidades
de nossa mente” (p. 27); b) as narrativas podem ser uma forma de “brincadeira cognitiva”
(p. 27).; c) as narrativas sejam um recurso informativo ou uma experiência vicária de
baixos custos (p. 152); d) as narrativas sejam uma forma de cimento social que une as
pessoas em torno de valores comuns (p. 67). Entretanto, ele mesmo alerta, “as narrativas
podem não valer nada, pelo menos em termos biológicos” (p. 28), mas, mesmo assim, ele
acredita que elas são como “uma droga que tomamos para escapar da mesmice e da
brutalidade da vida cotidiana real” (p. 29).
Em sua linha evolucionista de argumentos, Gottschall acredita que as narrativas,
como os organismos biológicos, também evoluem, adaptando-se de acordo com demandas
do ambiente. Ele usa alguns exemplos, como o da poesia, que, para ele, ao contrário do
que muitos críticos defendem como a “morte da poesia” nos últimos cinquenta anos, ela
estaria evoluindo na forma de canções (musicais): “Do mesmo modo que há um temor
na morte das coisas, há um temor no surgimento de outras” (p. 182). Outro exemplo
vem dos videogames: “eles representam um movimento à parte das narrativas ou eles
são apenas um estágio na evolução dessas narrativas?” (p. 182). Segundo ele, estudiosos
das narrativas dos videogames mostram que eles “estão organizados em uma estrutura
gramatical familiar”, qual seja, “a estrutura na busca pela solução de problemas e na
justiça poética” (p. 182). Ou seja, estamos vivendo uma nova maneira de narrar, em
que as convenções estão ainda sendo descobertas e refinadas.
Nessa lógica, ele discute, ainda, o modo como assistimos à televisão e como essa
maneira vem sendo modificada, embora a televisão continue sendo, como ele afirma,
uma “tecnologia de oferta de narrativas” (p. 183). Ele argumenta que, embora muitos
críticos vejam o surgimento dos “reality shows” como um sinal do fim da ficção, quiçá
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
229
mesmo da civilização como a conhecemos, esses programas são, nada mais, “um novo
modo de ficção, onde as mentiras e distorções acontecem principalmente no momento
da edição, não no momento de sua redação” (p. 183). Para ele, o modelo tradicional de
ficção não está com os dias contados e uma gramática narrativa universal não mudará,
embora acredite que “contar uma estória irá dirigir-se para uma nova direção nas próximas
décadas” (p. 190). Em relação a essa “gramática universal”, Gottschall busca argumentos
no linguista Noan Chomsky, que mostrou que toda linguagem humana partilha
similitudes estruturais básicas – uma gramática universal. Fazendo paralelo com isso,
Gottschall argumenta que “há uma gramática universal no mundo ficcional, um padrão
profundo de heróis confrontando problemas e deparando com batalhas por vir. (...) As
narrativas, de modo universal, focam nos grandes embaraçamentos da condição humana.
Narrativas são sobre sexo e amor. Elas são sobre o medo da morte e as mudanças da vida. E
elas são sobre poder: o desejo de adquirir influência e de escapar da subjugação” (p. 55).
De modo que os seres humanos teriam evoluído para desejarem fortemente as
narrativas e esse desejo tem sido um enorme benefício para todos nós: “As narrativas
nos dão prazer e instruções. Elas simulam mundos de modo que possamos viver melhor
no mundo real. Elas nos ajudam a criar laços comunais e a definir nossa cultura. As
narrativas foram uma dádiva para nossa espécie” (p. 197). Para ele, do mesmo modo que
as tecnologias evoluem, nossas narrativas – ubíquas, imersivas e interativas – podem se
tornar perigosamente atrativas. Assim, a grande ameaça não seria a possibilidade das
narrativas sumirem da vida humana, “a grande ameaça é a possibilidade das narrativas
tomarem conta de nossa vida completamente” (p. 198).
Finalizando, para além da profundidade, originalidade e acuidade com que o
autor defende e discorre sobre as possibilidades evolucionárias da ficção, seu livro é de
tremenda leveza literária, sendo livro de não ficção profundo e ao mesmo tempo utilizando
uma narrativa refrescante, instigante e completamente apaixonante.
AA
Recebido em 2 de maio de 2013
Aprovado em 10 de dezembro de 2013
230
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014
A
L E T R I
A
revista de estudos de literatura
v. 23, n. 3 - Intermidialidade (set.-dez. 2013)
v. 23, n. 2 - Memórias de Guerra (maio-ago. 2013)
v. 23, n. 1 - Crimes, Delitos e Transgressões (jan-abr. 2013)
v. 22, n. 3 - Migrações Literárias (set-dez. 2012)
v. 22, n. 2 - Esporte, Literatura e Cultura (maio-ago. 2012)
v. 22, n. 1 - O Cânone da Literatura Traduzida no Brasil (jan-abr. 2012)
v. 21, n. 3 - Zoopoéticas contemporâneas (set-dez. 2011)
v. 21, n. 2 - Literatura e Cultura Indianas:
a Herança de Tagore e a Contemporaneidade (maio-ago. 2011)
v. 21, n. 1 - Performance (jan-abr. 2011)
v. 20, n. 3 - Crimes Literários (set-dez. 2010)
v. 20, n. 2 - Imagens do Escritor (maio-ago. 2010)
v. 20, n. 1 - A Literatura Comparada (jan-abr. 2010)
v. 19, número especial - Herança Clássica (jul-dez. 2009)
v. 19, n. 3 - Os Clássicos (jul-dez. 2009)
v. 19, n. 2 - Memórias da Guerra Civil Espanhola na Literatura e no Cinema (jan-jun. 2009)
v. 19, n. 1 - Revisões/Releituras nas Literaturas de Língua Inglesa (jan-jun. 2009)
v. 18 - Rememorações/Comemorações (jul-dez. 2008)
v. 17 - Estudos Comparados em Literatura, Artes e
Culturas de Expressão Hispânica (jan./jun. 2008)
v. 16 - Alteridades Hoje (jul./dez. 2007)
v. 15 - Poéticas do Espaço (jan./jun. 2007)
v. 14 - Intermidialidade (jul./dez. 2006)
v. 13 - Literatura, História e Memória Cultural (jan./jun. 2006)
v. 12 - Literatura e Psicanálise (2005)
v. 10/11 - Olhar Cabisbaixo: Trajetos da Visão no Século XX (2003/2004)
v. 9 - Alteridades em Questão (2002)
v. 8 - Literatura e Cinema (2001)
v. 7 - Teatro e Crítica Teatral (2000)
v. 6 - Poesia Brasileira Contemporânea (1998-1999)
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
231
NORMAS PARA EDITORAÇÃO DA REVISTA ALETRIA
1.
A revista Aletria aceita artigos inéditos em sua especialidade: ensaios sobre estudos
literários e culturais; resenhas e recensões críticas de obras literárias e científicas na
área de literatura e teoria literária publicadas no ano corrente ou anterior.
Obs.: não serão aceitos capítulos de dissertações ou teses em que essa condição possa
ser constatada no texto.
2.
Só será aceito para publicação, de cada autor ou conjunto de autores, um artigo por ano.
3.
O(s) autor(es) deve(m) ter título de doutor, preferencialmente.
4.
Serão aceitos trabalhos em português, espanhol, inglês ou francês. Os textos, de 8 a 10
páginas em espaço simples, devem ser no formato .docx, .doc, ou .rtf. As resenhas devem
vir nos mesmos formatos e ter de 2 a 3 páginas em espaço simples.
5.
O original deve conter título, resumo e palavras-chave no idioma do texto do artigo e
em inglês, quando este não é o idioma do texto, e referências bibliográficas. Se houver
agradecimento ou dedicatória, acrescentá-los antes do resumo no idioma do texto.
6.
As informações sobre a afiliação dos autores, incluindo instituição de origem, cidade e
país, devem ser enviadas como documento suplementar, e não no corpo do texto (ver
item 11 abaixo).
7.
As ilustrações, gráficos e tabelas (indicar a fonte quando não forem originais do trabalho)
com as respectivas legendas e numerações, deverão vir em folhas separadas, indicandose, no texto, o lugar onde devem ser inseridas. Serão aceitas, no máximo, uma imagem
por página. As imagens deverão ter autorização de uso.
8.
As notas de rodapé devem figurar ao pé da página em que seu número aparece. As notas
de indicação bibliográfica devem ser apresentadas observando-se a seguinte norma:
sobrenome do autor em maiúsculas, título do livro ou texto consultado e número da
página (se for o caso): CALVINO. Seis propostas para o próximo milênio, p. 12.
9.
As referências deverão aparecer completas, ao final do artigo, em ordem alfabética de
sobrenome de autor, atendendo-se às regras para indicação bibliográfica, conforme a
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), cujos elementos básicos
especificamos a seguir:
· Citação de artigo de revista deverá conter: autor(es) do artigo, título do artigo, título
da revista em itálico, local da publicação, número do volume, número do fascículo,
páginas inicial e final do artigo citado, mês e ano da publicação;
· Citação de capítulo de livro deverá conter: autor(es), título do capítulo,
organizador(es) da coletânea, título do livro em itálico, número da edição (a partir
da segunda), local de publicação, editora, data, página inicial e final do capítulo.
· Citação de livro deverá conter: autor(es), título em itálico, número da edição (a
partir da segunda), local de publicação, editora, data.
10. O material deverá vir devidamente revisado pelo autor. A Comissão Editorial reserva-se
o direito de fazer nova revisão e de fazer as necessárias alterações.
11. O trabalho deve ser enviado anonimamente – sem quaisquer referências que possam
identificar o(s) autor(es). As referências completas devem ser enviadas em documento
suplementar.
2014
- jan. - abr. - n .
1
- v.
24
- ALETRIA
233
12. Em casos onde o(s) autor(es) cita(m) trabalhos próprios, as identificações deverão ser
substituídas por XXX nas referências e no corpo do texto.
13. Os textos submetidos devem vir acompanhados por um documento suplementar contendo:
- Nome(s) do(s) autor(es);
- Instituição à qual pertence(m);
- Titulação do(s) autor(es);
- Endereço para correspondência;
- E-mail;
- Referências completas de trabalhos próprios que foram citados no corpo do texto.
Condições para submissão
Como parte do processo de submissão, os autores são obrigados a verificar a conformidade da
submissão em relação a todos os itens listados a seguir. As submissões que não estiverem de
acordo com as normas serão devolvidas aos autores.
1. A contribuição é original e inédita, e não está sendo avaliada para publicação por
outra revista; caso contrário, deve-se justificar em “Comentários ao editor”.
2. O arquivo da submissão está em formato Microsoft Word, OpenOffice ou RTF.
3. URLs para as referências foram informadas quando possível.
4. O texto está em espaço simples; usa uma fonte de 12 pontos; emprega itálico em vez
de sublinhado (exceto em endereços URL); as figuras e tabelas estão inseridas no
texto, não no final do documento na forma de anexos.
5. O texto segue os padrões de estilo e requisitos bibliográficos descritos em Diretrizes
para Autores, na página Sobre a Revista.
6. Em caso de submissão a uma seção com avaliação pelos pares (ex.: artigos), as
instruções disponíveis em Assegurando a avaliação pelos pares cega foram seguidas.
Declaração de Direito Autoral
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:Autores mantém os
direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho
simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o
compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta
revista.Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para
distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em
repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação
inicial nesta revista.Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho
online (ex.: em repositórios institucionais ou na sua página pessoal) a qualquer ponto antes ou
durante o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar
o impacto e a citação do trabalho publicado (Veja O Efeito do Acesso Livre).
Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços
prestados por esta publicação, não sendo divulgados para outras finalidades ou para terceiros.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM E STUDOS LITERÁRIOS
Av. Antônio Carlos, 6627 – Pampulha
31270-901
Belo Horizonte, MG – Brasil
http://www.periódicos.letras.ufmg.br/index.php.aletria
e-mail: [email protected]
234
A L E T R I A - v.
24
- n.
1
- jan. - abr. -
2014

Documentos relacionados