Contando a arte de Christina Oiticica

Transcripción

Contando a arte de Christina Oiticica
Copyright do texto © 2011 by Patrícia De Luna
Editor Responsável
Nelson de Aquino Azevedo
Coordenação Editorial
Jefferson Pereira Galdino
Diagramação
Guacira dos Santos Silva
Fotografias
Arquivo pessoal da artista
Revisão
Arte da Palavra
Sirlene Barbosa
Agradecimentos especiais a
Bia Duarte da B Licenças Poéticas
www.blicencaspoeticas.com.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
De Luna, Patrícia
Contando a arte de Christina Oiticica/Patrícia De Luna.
– São Paulo: Noovha América, 2011. – (Coleção contando
a arte)
ISBN 978-85-7673-252-5
1. Artistas plásticos – Brasil 2. Oiticica, Christina, 1951I. Título. II. Série.
11-05453
CDD-730.92981
Índices para catálogo sistemático:
1. Artistas plásticos brasileiros: Biografia e obra 730.92981
(De acordo com a Nova Ortografia da Língua Portuguesa)
1a edição
2011
Noovha América Editora Distribuidora de Livros Ltda.
Rua Lincoln Albuquerque, 319 – Perdizes
São Paulo/SP – CEP 05004-010
Telefax: (0xx11) 3675-5488
www.noovhaamerica.com.br
[email protected]
C ONTANDO
A
ARTE
DE
“Oh Maria, concebida
sem pecado,
rogai por nós que
recorremos a Vós”.
Estella, óleo sobre tela, 90 x 60 cm. Exposição Caminho de Santiago, 1995.
Christina é uma artista peregrina que caminha com devoção pela vida.
Sempre com motivação de desbravar mistérios, pisar novas estradas, fazer viagens conquistando fronteiras para além de seus limites, condensando tudo que vê e vive em sua arte, onde se fundem caminhos
materiais, emotivos e transcendentais escorrendo de suas mãos para a grande magia de criar.
Sua obra é o vestígio de suas pegadas, por tantos caminhos trilhados, com humildade e audácia. Seus
passos estão plantados em telas, instalações e esculturas revelando a fé de seguir os objetivos do coração.
Para aqueles que vão conhecer sua caminhada nessas páginas: boa jornada!
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CHRISTINA OITICICA
Nasce uma Estrela (infância)
Era uma vez...
Essa estória bem poderia começar assim, porque
Christina é uma dessas pessoas que vive tão extraordinariamente, que sua vida parece ser escrita na fronteira com o encantado e o maravilhoso dos contos
de fadas. Mas, essa é uma estória real.
Então vamos lá, começando a jornada pelo
dia 23 de novembro de 1951: era o início dos anos
1950 e a cena carioca era de tranquilidade, praias
limpas, pouca violência, a Bossa Nova nascendo
num Rio boêmio e poético. No bairro do Catete,
Paula Oiticica, grávida de nove meses, estava
tranquila em sua casa, quando sentiu um desconforto e resolveu chamar o médico apenas por precaução.
Chegando lá, o médico constatou, sobressaltado,
que já era tarde demais para irem ao hospital.
O bebê já estava nascendo para surpresa de sua mãe,
que não sentira dor alguma. Deitada em sua própria cama, ela deu à luz uma menina, Maria
Christina Bastos Oiticica, sua segunda filha com
Cristiano Oiticica. Como diria a própria Christina
anos depois: “Sinto que tenho vivido como nasci,
rápido e de forma abençoada”.
A vizinha, chamada às pressas, correu para socorrer e trouxe a tesoura que cortou o cordão umbilical. O primeiro olhar da recém-nascida para a futura
madrinha criou um laço que uniu as duas profundamente. Batizou-a, tornando-se uma presença amorosa
e marcante em sua vida. A madrinha morava na
Christina com 2 anos.
mesma vila e era bordadeira, fazia lindas toalhas de
linho, como na Ilha da Madeira, e todo o dinheiro
que ganhava era para comprar presentes para a menina, levá-la para viajar e fazer lanches na Confeitaria Colombo.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
A pintora já se mostrava criativa desde a mais tenra infância e adorava desenhar e colorir. Passava horas
com suas caixas de crayon, esboçando os primeiros contornos na mesa
da sala, sob os divertidos olhares da
mãe, que incentivava sua personalidade curiosa e levada.
Os pais colecionavam a revista Saturday Evening Post, e os desenhos da capa do Norman Rockweell
deliciavam sua imaginação de criança. Esses foram seus primeiros contatos com o trabalho de um artista
plástico.
Seu pai era um elegante professor de inglês e tradutor. Mesmo
quando usava bermudas desfiadas,
muito antes da época hippie, eram
calças estilosas que sua mãe cortava e ficavam sem bainha. Carinhoso, sempre voltava
do trabalho com um pacotinho de doce, biscoito ou
banana-passa, trazidos da Leiteria Mineira, no centro do Rio de Janeiro. Fazia todas as vontades da filha caçula.
A simpatia e a cordialidade de Christina vêm
de um berço de alegria, sua casa era uma festa. Vivia
cheia. Seus pais adoravam ajudar, seja quem quer que
fosse, e receber os amigos com boa música e mesa
farta. Se, de um lado, não havia um dia em que a
casa da vila não tivesse alguém para comer na grande
mesa cheia de quitutes, de outro, eram muitos os
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que vinham à porta pedir ajuda.
Essa casa rica em amor encheu a
vida da artista de personagens,
como a velha escrava, com mais de
cem anos, que vinha todos os dias à
porta para comer.
Os anos escolares foram
permeados por passagens em diversas escolas: Bennett, Atheneu, São
Luís e Franco Brasileiro. Só conseguia se interessar pelas aulas de religião e estudos da Bíblia. O
desinteresse por outras disciplinas a
levou a mudar de escola consecutivamente. O estudo convencional,
proposto pelas escolas tradicionais,
não conseguia prender o interesse
dessa mente criativa, até que deciChristina adolescente. diu parar de estudar e concluir o segundo grau fazendo o Artigo 99 – o
atual Supletivo –, alternativa para completar os antigos Ginasial e Colegial em menos de um ano.
Por volta dos 18 anos, prestou vestibular para
Desenho Industrial e entrou na primeira turma da
Escola Nacional de Belas Artes, que na época era no
lindo prédio do Museu Nacional de Belas Artes, ao
lado do Municipal, na Av. Rio Branco, onde funcionava a escola e o museu. Mais tarde retornou ao
Bennett para cursar Arquitetura.
Preocupada com o mercado de trabalho, valorizou outras cadeiras que não a pintura, apostava mais
no design e na decoração.No fim de 1979, já estava
CHRISTINA OITICICA
Um presente de Natal
Christina em Paraty, 1972.
trabalhando como estagiária em um escritório de Arquitetura. Trabalhou também como desenhista estagiária de um órgão público. A pintura se tornara um
hobby e Christina fazia quadros apenas com fins decorativos para casa de clientes. Mesmo assim, a
pintura nunca deixou de estar presente em sua vida.
Apesar de carregar o nome Oiticica, só começou a ouvir falar de Hélio Oiticica quando ingressou
na Escola Nacional de Belas Artes. Apesar de primo
de seu pai, não tiveram nenhum contato.
HÉLIO OITICICA
Revolucionário artista plástico, Hélio Oiticica foi um dos
inspiradores do Movimento Tropicalista e reconhecido internacionalmente. Hélio crious os famosos parangolés.
Christina e Paulo já haviam se conhecido,
pois a irmã de Paulo era casada com o tio (irmão da
mãe) de Christina. Tinham estado juntos em mais
de uma ocasião, mas por uma dessas brincadeiras
do destino, estavam comprometidos com outras
pessoas. Em 1977, os pais de Christina chegaram a
batizar a sobrinha mais nova da irmã de Paulo,
Sônia, enquanto Paulo e Cecília, sua esposa na época, batizavam a mais velha. Era um batizado duplo
na cidadezinha de Baependi, no sul de Minas. Porém, numa tarde de Natal, no ano de 1979, Paulo
Coelho apareceu na casa dos Oiticica para a ceia.
Os dois conversaram brevemente e Paulo não resistiu aos encantos da bonita morena. Pediu ao primo
Sergio Weguelin que decobrisse se ela tinha compromisso para a noite e a convidasse para o cinema.
Embora estivesse namorando, Christina foi pega de
surpresa e não soube responder negativamente. O
filme era “Aeroporto”, e o cinema, Condor. Quando
saíram do cinema se depararam com o cenário do
Largo do Machado da época: malabaristas, mágicos,
performers, cartomantes, engolidores de fogo, devotos de diversas religiões divulgando seus cultos, uma
pantomima de sons e cores.
Um índio sentado diante de um balaio, segurando uma imensa cobra que andava por seu corpo,
chamou atenção deles. Ambos se dirigiram ao índio e
agora o filme se passava do lado de fora, com nossos
personagens principais se aproximando, curiosos,
devido à cena do homem que estava enrolado numa
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Paulo Coelho e Christina Oiticica, em 1995.
enorme jiboia, a cobra capaz de quebrar todos os
ossos de um boi num singelo abraço. Paulo desafiou
Chris: “Se eu beijar a cobra, você me beija?” “Dar
um beijo nesse monstro. Você ficou maluco?”
Mas, acabou aceitando o desafio e ele se apressou em encarar o bicho de frente, apavorando até ao
índio. Sem pensar, com as duas mãos segurou a cobra sem piscar e beijou-lhe a fria boca reptiliana, ganhando a aposta. Imbuído da adrenalina da façanha,
deu meia-volta, agarrou Chris e deu-lhe um beijo
cinematográfico. Ali começava uma união que já dura
mais de 31 anos.
Chegando ao apartamento de Paulo, Christina
deu de cara com um livro sobre o drácula aberto na
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mesa, onde se costuma pôr a Bíblia. Apesar de ser
uma pessoa aberta, sua religiosidade e devoção a
Nossa Senhora são profundas. Aquele sinal a fez confirmar a imagem antiga que guardava dele, a de uma
pessoa muito diferente dela e excêntrico. No dia seguinte, parou no primeiro telefone e ligou para um
pastor que costumava orientá-la.
Apavorada, além de rezar pelo telefone, ainda passou numa igreja. Mas Paulo, apaixonado,
não desistiu fácil. Ligou para ela, tentando um
novo encontro. Decidida a dissuadi-lo da relação,
pensou em provocar desinteresse contando que
estaria na praça cantando com o coral do qual fazia parte e distribuindo panfletos da igreja. O efeito
foi contrário e ele ficou motivado. Marcou o encontro e os dois reataram. Explicou que seu interesse por vampirologia era um hobby, puramente
intelectual, e que tinha até feito um curso em Londres sobre o assunto.
Em algumas semanas, Christina já estava
convencida de que eram feitos um para o outro.
Largou o apartamento no Jardim Botânico e se
mudou para a casa de Paulo, no Flamengo. O sinal de sua mudança definitiva foi levar a prancheta com a qual ganhava a vida. Até que, no dia 22
de junho de 1980, os dois oficializaram a relação
com um almoço para os pais, parentes e poucos
amigos mais próximos.
Os primeiros dois anos transcorreram calmamente e Christina passou a se dedicar mais intensamente à pintura, estimulada pelo marido que por
sua vez buscava seu caminho como escritor.
CHRISTINA OITICICA
Dirigindo para o destino
No final de 1981, Christina fez uma sugestão ao marido que mudaria suas vidas; uma viagem sem destino e sem data para voltar. Ela estava
motivada a ajudá-lo a achar seu caminho como
escritor, e ele confiou na sua intuição. Os dois embarcaram para Madri, decididos a só voltar quando gastassem o último centavo do dinheiro que
levaram para a viagem.
Em dezembro chegavam a Londres, sem nenhum planejamento de viagem e apenas uma regra:
nenhum dos dois deveria carregar mais de seis quilos
de bagagem. Foram para Praga e Viena enrolados
em cobertores para suportar o frio dentro de um
modesto modelo de carro antigo, o 2CV, que mal
aguentou os 1.500 quilômetros de Londres a Áustria. Decidiram seguir para Iugoslávia, onde passariam
três noites, tomando coragem de entrar no carro e
enfrentar a jornada gelada até a próxima parada.
Acabaram preferindo devolver o carro à locadora.
Agora, precisavam de um novo meio de locomoção
e descobriram na embaixada da Índia um bom negócio – um Mercedes-Benz azul-claro, com 9 anos
de uso. Devidamente equipado com um motor de
110 cavalos e um bom sistema de aquecimento, andavam em zigue-zague, até que o carro deu-lhes um
destino. Como o veículo era originário da antiga
República Federal Alemã (RFA – Alemanha Ocidental), precisariam registrar a mudança de dono
no serviço de trânsito de Bonn (capital da RFA), a
200 quilômetros de onde estavam.
Christina Oiticica, em 1985.
Ao chegarem a Munique, avistaram a placa que
mudaria suas vidas – Dachau Konzentrationslager
(campo de concentração nazista de Dachau). O lugar
era tão frio e sombrio quanto a temperatura com
muitos graus abaixo de zero. Misteriosamente, os dois
se encontravam ali sozinhos, cercados por muros e
guaritas, sem absolutamente ninguém. Não havia guardas nem visitantes...
C A M P O D E D AC H A U
Primeiro campo construído pelos nazistas e por onde
passaram 200 mil pessoas.
Foi o modelo para outros 56 campos espalhados pelo
nazismo em dez países da Europa. Funcionou de 1941 a
1945, quando seus portões foram abertos por tropas aliadas.
No dia da libertação havia ali 30.000 prisioneiros.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Assombrados pela recepção vazia, seguiram as
placas indicando o trajeto sugerido aos viajantes que
refazia a via crúcis dos presos do passado: sala de recepção. Seguiram, atravessando os corredores onde se
localizava a cela-forte com todos os artefatos remanescentes do terror do passado, como ganchos no teto
para prender os presos nas sessões de tortura; galpões,
nos quais amontoavam-se as pessoas em beliches. O
silêncio do lugar tomou a alma dos dois, que
retornaram tristes à área descoberta do campo. Ouviram os sinos de Dachau e o som cruzava o movimento do ar frio como uma história sendo contada – a
cada badalada, a batida dos muitos corações que estiveram lá ainda estava viva nos cartões grampeados nas
paredes e nos buquês de flores frescas, colocados
Christina, Paulo e o guia de turismo, nas ruas de Tanger em Marrocos, 1982.
Christina em Gibraltar, Espanha, 1982.
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constantemente no salão de visitas pelas famílias para
homenagear os mortos. Os sinos continuavam ecoando pelo campo como um chamado. Andavam na direção do badalar, que vinha de um dos três templos
religiosos no fim do campo: um católico, um protestante e um judeu. Lá, Paulo recebeu uma revelação –
por entre fachos de luz que cruzavam a paisagem
anteviu-se a imagem de um homem que anunciava
um encontro em dois meses.
O casal foi para a Holanda e numa tarde tomando um café no Hotel Brouwer, Paulo viu o homem da
aparição. O homem era o mestre de uma antiga tradição católica chamada R.A.M. (Regnus Agnus Mundi).
Ali começava uma jornada que um dia levaria ambos
ao Caminho de Santiago e às suas lendas pessoais.
CHRISTINA OITICICA
Uma guerreira
das letras
(ramo editorial)
Na volta para o Brasil e se
instalaram no andar térreo de seu
apartamento na Raimundo Correia. Christina estava decidida a
tocar um projeto idealizado antes mesmo de ir para a Europa –
a Editora Shogun. Ela sonhava
em editar os primeiros livros do
marido e a primeira providência
foi alugar um conjunto de salas
em Copacabana. Era uma pequena empresa tocada pela família.
Dr. Pedro, pai de Paulo, que
acabara de se aposentar, era o contador. Menos de três meses após ser
aberta, já editava seu primeiro título: Arquivos do inferno, uma coletânea de textos escritos por Paulo Coelho.
Entre os autores publicados, figuravam também Raul Seixas em As aventuras de Raul Seixas na
Terra de Thor, e a roqueira Neuzinha Brizola, filha
do então governador do Rio, Leonel Brizola. Porém,
o forte da editora eram as coletâneas de poesias.
Por meio do concurso “Raimundo Correia de
Poesia”, batizado segundo o nome da rua em que moravam, a editora possibilitou que cada autor concorresse com até três poemas, “autores, amadores ou
profissionais, publicados ou não,
sem qualquer limite de idade, desde que os poemas estivessem em
língua portuguesa”.
Rapidamente, as salas da editora estavam cheias de poesias, do
Norte a Sul do País, para serem avaliadas.
A divulgação era feita por
meio de pequenos anúncios em jornais ou panfletos, distribuídos em
portas de teatro e cinemas. Cada poeta selecionado recebia, além dos livros, um bilhete manuscrito de
Paulo e um diploma emitido pela
Shogun. A editora cresceu tanto que
chegaram a alugar o Circo Voador
(famosa casa de eventos da Lapa)
Christina em 1990. para uma noite de lançamento.
Além da função de editora,
Christina ainda organizava saraus
públicos e o Projeto Poesia na Prisão. Acompanhada
do poeta Mano Melo, promoveram um concurso de
poesia para presidiários.
Empreendedora, também mantinha, paralelamente à editora, um centro cultural e espaço esotérico
chamado Avatar, no qual oferecia diversos serviços,
palestras e cursos.
“ Quando tenho vontade de fazer algo,
vou realizando...”
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Um caminho para as artes
(década de 1980)
“ Me identifico muito com Salvador Dali,
não na técnica mas na busca!”
Assim sendo, os dois seguiram para Madri e
A década de 1980 foi permeada por muitos
movimentos culturais, políticos e de vanguarda, ce- foi Chrisitna quem escondeu a espada no local denas das quais Christina não ficou de fora. Ela deu terminado pelo mestre de Paulo, no Caminho de
voz ao protesto da Zona Sul, para não fecharem um Santiago. Quando Paulo chegou de sua jornada e
dos pulmões do Rio de Janeiro, o Parque Lage: lançou o Diário de um mago, realizando seu sonho
Posicionados numa tribuna improvisada, Christina, de tornar-se autor, Christina percebeu os efeitos daPaulo e amigos lançaram o Jornal Sociedade Alterna- quela peregrinação em suas vidas e decidiu que detiva. Enquanto um dos participantes lia o manifes- veria fazer o mesmo.
Havia um chiado em seu peito, um vazio, estato, ela cortava com uma tesoura as roupas do diletante
até a última peça, quando ele diria a frase: “O gran- va feliz, bem-sucedida, mas faltava-lhe algo. Alguns
de milagre não será mais andar sobre as águas, mas anos depois, partiu em busca de sua própria lenda
pessoal e embarcou para a Espanha, com a garra de
caminhar sobre a terra”.
As aventuras não terminavam por aí... Al- percorrer o caminho que marcaria sua vida e obra
guns meses depois, despontava uma nova virada: para sempre.
fora marcada para janeiro de 1986
a cerimônia na qual Paulo seria orC A M I N H O D E S A N T I AG O
denado mestre. Chris seguiu com o
Foi declarado Primeiro Itinerário
marido para o cume de uma das
Cultural Europeu (1987); e Patrimônio da
montanhas da Mantiqueira, divisa
Humanidade, na Espanha (1993). Tratase de um trajeto percorridos por peredo Rio e de Minas Gerais, próxima
grinos desde o século IX. O Caminho
ao Pico das Agulhas Negras. Uma
entrou para a história há doze séculos,
reviravolta no processo fez com que
quando foram encontrados os restos
a espada da iniciação fosse entregue
mortais do apóstolo São Tiago ou Santiapelo mestre a Chris e não a Paulo,
go, onde hoje é a cidade de Santiago de
pedindo que ela a escondesse num
Compostela. Esta rota vem sendo seguilugar por ele determinado, na
da por milhões de pessoas das mais variadas procedências. É possível chegar
Espanha, numa antiga rota mediea Santiago de Compostela vindo de PorPeregrino,
val, para que Paulo caminhasse em
óleo
sobre
tela,
100
x
90
cm,
1995.
tugal, Espanha, França, ou Inglaterra.
busca de sua espada.
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CHRISTINA OITICICA
Nasce a pintora
Tanto a vida pessoal quanto a obra de Christina
estão profundamente ligadas ao Caminho de Santiago que ela percorreu em 1990, saindo de Saint Jean
de Pied Port em busca de um grande encontro: o encontro consigo. Munida apenas de um walkman, uma
mochila e uns poucos dólares, para obrigar-se à rotina
de um peregrino comum, parou para jantar com um
amigo que a deixou na estação de trem. Acabou perdendo o walkman, mas, sempre ligada em ler os sinais
do mundo, em vez de se aborrecer, achou que aquilo
significava fazer uma viagem mais conectada com os
sons do Caminho e sem distração. Andou sozinha todo
o percurso, enfrentando os limites impostos pela caminhada. Até que, numa noite chuvosa, foi interrompida pela força dos ventos e pediu abrigo num mosteiro
dominicano. Apesar de escuro e sombrio, não havia
outra opção nos próximos quilômetros, por isso preferiu enfrentar a frieza da recepção e aceitou ser levada
para a ala mais sombria e distante do mosteiro, de
onde se ouviam os ecos dos passos no corredor. Abrigou-se num quarto tão sujo, que não pôde dormir
antes de limpá-lo todo. Deitou na dura cama e não se
deixou intimidar pelos estranhos barulhos que pareciam ressoar desde outros tempos daquelas murmurantes paredes. Destemida, tirou seu terço da mochila e
rezou conta após conta, até o primeiro raio de Sol,
quando ouviu uma voz que dizia: “Pega a mochila e
continua, vá embora daqui!”. Apesar de exausta, seguiu viagem até a próxima parada, onde foi interrompida por uma forte tendinite na perna. Perseverante,
Exposição Caminho de Santiago, em 1995.
ainda andou até a hospedagem mais próxima e repousou por uma semana, como diz a própria: “Cada
um faz seu caminho, ele nunca é igual para cada peregrino”. Curada da tendinite, seguiu a estrada, superando os desvios, a solidão, as intempéries, seus receios
e anseios, carregando consigo a lição do Caminho de
que o mais importante é caminhar. Chegou ao
Cebreiro, certa de que havia encontrado um tesouro
– sua verdade interior.
“Acredito muito em Deus, todo dia
converso com Ele”.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Tinha um anjo no meu
caminho, no meu caminho
tinha um anjo
Muito embora Christina estivesse fazendo uma
peregrinação com fins espirituais, seu lado prático
queria canalizar toda aquela experiência em algo concreto. Ela encontrou as respostas que buscava e assim que chegou de volta ao Brasil sua profunda
relação com o sagrado não só a ajudou a se dedicar
integralmente à pintura, mas virou tema da exposição de 1990, o Ano Santo em Compostela.
A artista largou o Centro Cultural e a Editora
Shogun e montou o “Caminho de Santiago de
Compostela”, retratando as catedrais a partir da impressão visual de sua peregrinação. Na Casa de
Espanha, os espectadores faziam uma viagem sensorial pelo Caminho Santo, em mapas pintados no
chão, incenso, música sacra e as catedrais. Toda a
ambientação fazia o visitante não só observar a temática dos quadros, mas também experimentar um
percorrer simbólico do Caminho.
Aos poucos começou a desenvolver sua linguagem: uma forma direta e simples de retratar o mundo
em que vive e a forma como o vê. Em suas palavras:
“Um quadro não é simplesmente uma figura, uma
cor ou uma forma, é um momento do artista, um
momento que ele viveu. É uma emoção mais do que
tudo, uma grande emoção”.
A partir dessa estréia, Christina não parou mais
de produzir e, em 1994, surge a exposição Anjos, no
14
O Anjo,
óleo sobre tela, 73 x 60 cm, 1994.
Centro Cultural da Light (RJ), com base em uma
das mais antigas formas e arquétipos de seu contato
com a divindade, os anjos.
Durante a exposição, uma performance com
bailarinas e crianças, vestidas de anjos, ao som da
Ave Maria da Rua, música de Paulo Coelho e Raul
Seixas, dava o tom de encantamento ao evento.
Sua obra, porém, distanciou-se da arte sacra e
reinventou esses seres de acordo com o desenho retido na imaginação popular, um movimento claro da
artista que busca proporcionar e revelar a conexão
entre o homem e o sagrado nas suas obras.
CHRISTINA OITICICA
Todas as mulheres de Christina
Podemos dizer que em 1996 o feminino vem
para ficar na obra de Christina. Na exposição Joana
d’Arc, também em 1996, realizada na Casa França-Brasil (RJ), mostrou o retrato da mulher guerreira,
enfatizando o que realmente existe por trás do aço e
da couraça – a essência feminina.
Seu olhar feminino e sensível revelou as mulheres em diversas culturas como guerreiras, mães,
santas. Trouxe uma leitura além do mundo moderno obcecado pelo corpo físico e revelou a dimensão
sagrada do feminino na mulher comum.
Mesmo explorando a figura mítica da heroína
francesa, recorreu às grandes mulheres de nosso tempo, como a madre Tereza de Calcutá, ou as anônimas e valentes guerreiras do cotidiano: a negra da
favela, a islâmica, a índia, a gueixa, entre outras, colocando em cada uma delas detalhes representativos
da santa francesa, como parte de uma armadura, uma
lança, uma espada, revelando a santa e a guerreira
que existem dentro de cada mulher.
JOANA D’ARC
É a santa padroeira da França e a heroína, que lutou
bravamente, na Guerra dos Cem Anos .Descendente de
camponeses, aprendeu apenas prendas domesticas.Atribuiu
suas atitudes e conhecimento a vozes santas de São Miguel,
Santa Catarina e Santa Margarida,as quais escutava.Foi
considerada mártir francesa, canonizada em 1920, quase
quinhetos anos após ter sido queimada viva como bruxa e
herege aos 19 anos de idade.
Gueixa, óleo sobre tela, 95 x 85 cm, 1996.
Exposição Joana D’Arc na Casa França-Brasil, RJ.
À mesma época, as pessoas continuavam encomendando anjos, mas chegou uma hora em que ela
não conseguia mais pintá-los. Ainda absorvida pelo
tema do feminino, começou a desenvolver diversos
desenhos a lápis, de figuras femininas, e decidiu trabalhar o nu. Convidou suas amigas para posarem e
serem pintadas. A própria Christina fez a produção
do trabalho, tirando fotos das amigas. Antes delas
chegarem, imaginava como cada uma podia ser caracterizada e as fotografava, sempre flagradas em
pequenos momentos do cotidiano, como a mão que
reza o terço, o pé da bailarina no momento de calçar
a sapatilha, um busto refletido no espelho, todas revelando pequenos gestos de sensualidade.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
“Uma hora precisa dar um basta, porque o
quadro para o pintor nunca acaba, estamos
sempre querendo modificar algo. Precisa colocar
um limite. Ou pode arruinar o quadro.
Chega um momento em que não se pode mais
mexer... um quadro nunca fica pronto, o quadro
que fica pronto está morto”.
Transparência, óleo sobre tela, 63,5 x 99 cm, 1997.
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Bailarina,
óleo sobre tela,
166 x 99 cm,
1997.
Trabalhou detalhes de corpos de mulheres de
12 a 90 anos. As pinturas surgiram dessas fotos, e a
tônica da exposição, que ocorreu em 1997 no Museu
Nacional de Belas Artes, era um olhar feminino sobre
o nu, a sensualidade liberta da vulgaridade, um resgate da feminilidade e da delicadeza do corpo feminino.
Nessa fase de seu trabalho, mergulhou fundo
no figurativo e partiu para o monocromático. Todas
as telas tinham tom cinza. A artista queria gerar no
espectador a vontade de completar as figuras e de
imprimir a cor que as imagens despertassem em suas
mentes, buscando provocar uma vivência sinestésica
a partir de cada pintura.
CHRISTINA OITICICA
Com anjos e
motos no deserto
Mais uma vez a parceria entre marido e mulher marcaria sua vida e obra.
Como diz a própria Christina: “A relação
do nosso casamento é muito rica, Paulo
usa a palavra para passar para as pessoas
sua vivência por meio do livro e eu pela
imagem. Mas, sem dúvida, ele interfere
no meu trabalho e eu no dele”.
Assim iriam revelar-se as vivências
do ano de 1998, quando os dois seguiriam juntos para o deserto.
Tudo corria bem na vida de ambos.
Paulo já havia lançado seu segundo livro,
enquanto Christina fazia sucesso com a exposição de quadros intitulada Tarô, representando os arcanos maiores do baralho. Os dois se
apoiavam mutuamente em suas carreiras e, se de um
lado dividiam a mesma assessoria de imprensa, de outro
panfletavam juntos a propaganda de Diário de um
mago, em filas de cinema, teatros, casas de espetáculo,
de mão em mão. Os dois encararam a construção de
suas carreiras artísticas como uma guerra que travariam juntos. Até na mala direta de propaganda para a
venda do livro O Alquimista, o comprador ganharia
uma carta do tarô pintada por Chris. Nada mais natural que ela o acompanhasse numa nova etapa de sua
vida, quando o mestre espiritual de Paulo, conhecido
nos livros como J. determinou que ele seguisse para
o Deserto do Mojave, no Sul da Califórnia.
Exposição Caminhos Percorridos na Galeria Debret, 2001.
O dizer do quadro é uma frase do alquimista:
“O meu coração tem medo de sofrer, disse o rapaz.
Diga ao seu coração que o medo de sofrer é pior do que o próprio sofrimento,
respondeu o alquimista.”
No dia 5 de setembro de 1988 embarcaram juntos nessa busca para passar 40 dias tentando falar com
seus anjos. As primeiras duas semanas o casal deveria
passar em silêncio absoluto, sem falar sequer uma
palavra, apenas realizando os exercícios espirituais
inacianos ou como explica o manual jesuíta: “É através da experiência que o mistério de Deus vai se revelando a cada pessoa, de forma singular e individual”.
“Vou pintando e as coisas
vão saindo... não sossego enquanto
não vejo as coisas prontas”.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
VALQUÍRIAS
O termo deriva do nórdico antigo valkyrja e significa “as
que escolhem os que vão morrer”. São espíritos femininos,
que segundo as descrições dos poetas, aparecem usando
armadura,lanças e montadas em cavalos. Elas são mensageiras levando as ordens de Odin durante as batalhas, dando vitória segundo a vontade dele, e, no fim, escolhem alguns
guerreiros mortos para viverem em Valhala(morada do deus
Odin),onde os escolhidos lutariam todos os dias e festejariam todas as noites. O famoso compositor Richard Wagner
escreveu uma conhecida ópera chamada “ As Valquírias”.
O Deserto se espalha por cinco Estados e tem
nomes estranhos como Floresta do Arco-Íris e Vale
da Morte. O livro As valkírias narra o encontro de
marido e mulher com um grupo de motoqueiras
de Harley Davison que atravessavam o deserto em
busca da espiritualidade. O livro fala também das
experiências de Christina no Mojave e como conseguiu comunicar-se com seu anjo.
No deserto, ela viveu diversas aventuras, até mesmo uma que quase a levou à morte. Caminhando nas
areias durante o dia, contrariando a orientação local de
cobrir todo o corpo com roupas para evitar a desidrataçao,
seguiram marido e mulher desafiando o Sol e o calor,
tiraram as roupas para aliviar e sem saber o que acontecia
deixaram o cansaço e a confusão mental tomarem seus
corpos e se sentaram esperando a morte, até que alguém
apareceu do nada e os salvou da desidratação.
A obra de Christina fica, de fato, impregnada das
experiências no deserto e sua fé num plano superior,
tecendo as possibilidades e os acasos da vida, fortalecida.
18
O feminino tomou conta
A artista, inquieta, transbordava toda a sua
criatividade e desfilava sua visão do feminino nas galerias do Rio, em dois endereços simultâneos. Eram três
projetos nos quais explorava o uso do computador e os
recursos da informática para ousar e inovar sobre o tema
do corpo feminino. Buscava a desconstrução formal da
imagem, feita manualmente com o lápis sobre o papel,
e transformada na tela do computador.
A exposição O Círculo e o Ponto, o Ponto e o
Círculo, em 1998, na Galeria do Portal, revelava em
51 obras a busca da artista pela beleza da divindade
feminina em suas múltiplas faces – sexualidade, fecundidade, maternidade. Peças bi e tridimensionais
feitas com pintura acrílica sobre tela, desenho, escultura, objetos, versando sobre um busto de mulher e
o seu colar de várias voltas, as formas circulares, o
ponto e seus desdobramentos.
Pérolas, óleo sobre tela, 90 x 100 cm, 1997.
CHRISTINA OITICICA
Marilyn, óleo sobre tela, 80 x 140 cm, 1997.
Ioga, óleo sobre tela, 120 x 100 cm, 1997.
“Nessa mudança de milênio
a energia feminina vai tomar conta.
E isso, porque foi criado o chip do computador:
O pensamento linear passou a ser circular”.
Já em outro endereço, no Centro Cultural
Cândido Mendes, foram apresentadas as 40 obras
da exposição O Fio das Contas. Os quadros dessa
mostra surgiram ao acaso, quando a artista ampliou
a imagem de um seio e, no emaranhado de rabiscos,
percebeu uma figura. Submeteu seus desenhos à
interferência do computador, para reinventar texturas, dissolver imagens, torcer e distorcer os seios e as
pérolas. A partir das imagens obtidas, desenvolveu o
trabalho nas telas, aplicando cera, betume, lacre e
carimbo, mostrando uma terceira forma nascida da
fusão entre o corpo feminino, o belo e o sagrado –
signos constantes no trabalho da artista.
Nascimento de Vênus, alumínio, 200 x 150 cm.
Exposição na Ilha de Caras, 2000.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
“A pérola fascina a mulher e os homens
se utilizam delas como armas de conquista”.
Astorga, técnica mista, 42 x 49 cm, 1993.
Exposição Caminho de Santiago, Casa de Espanha-RJ.
O Carregador de Pérolas,
tecido, 450 x 100 cm.
Centro Cultural Hélio Oiticica,
1999.
Estella, técnica mista, 42 x 49 cm, 1997.
Exposição Caminho de Santiago.
20
Na mesma época,
no Centro Cultural Hélio Oiticica, uma outra
proposta sobre o feminino, com a instalação
de O Carregador de Pérolas, montada como
um jardim japonês,
com enormes sacos de
filó bordados pendendo do teto, num formato de
grandes ventres prenhes de pérolas e areia, dentro
de um ambiente escuro, atravessado apenas por uma
luz verde. A obra trazia representados os principais
signos femininos – a vida, a fertilidade e o mar, que
“põe seus ovos na areia da praia” – reflete a artista
mais sensorial do que intelectual.
CHRISTINA OITICICA
Reconhecimento internacional
No decorrer de sua carreira, Christina tornou-se mestra na arte de fazer sentir o que se vê em suas
pinturas, construindo ambientes nos quais mergulhamos como que em viagens submarinas. A Casa do
Tempo não foge a essa regra. Ela nos leva pela mão em sua peregrinação, dessa vez ao útero, à casa primordial.
Para criar essa atmosfera, faz uma minuciosa montagem de pequenas peças – pérolas, conchas marinhas,
crucifixos, areia, veladura, círculos, portais – que, no seu conjunto, exploram diversos elementos iconográficos.
O público passava pelo interior de uma instalação estreita chamada Chuva Negra e dá início à viagem, que,
segundo a artista, é o caminho do nascimento.
A Casa do Tempo, técnica mista, 100 x 150 cm. Exposição Nascimento de Vênus realizado em fevereiro de 2001.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Inspirada no quadro Nascita di Venere (Nascimento de Vênus), do pintor italiano Sandro Botticelli (14451510), que representa o nascimento da mulher (Vênus)
de dentro da concha. Ela buscou usar todos os
significantes que essa imagem evoca: o berço das pérolas; o útero do qual sai Vênus – a concha; o feminino,
como símbolo da maternidade e do amor voluptuoso.
Exposição A Casa do Tempo, outubro de 2000.
Detalhe da Exposição Nascimento de Vênus, em 2001.
BOTICELLI
Célebre pintor Renascentista Italiano, do final do século XIV. Ficou famoso por seus retratos e foi patrocinado pela
família Médici, que dominava Florença na época. Foi convidado a pintar Capela Sistina, no Vaticano. Uma de suas
obras mais conhecidas, até os dias de hoje, é “O Nascimento de Vênus”, onde observamos Afrodite saindo de uma concha. Um resgate da mitologia grega.
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Como dizia Picasso: “Uma obra de arte deve
levar um homem a reagir, sentir sua força, começar a
criar também, mesmo que só na imaginação. Ele tem
de ser agarrado pelo pescoço e sacudido; é preciso
torná-lo consciente do mundo em que vive e, para
isso, primeiro ele precisa ser arrancado deste mundo”.
Nesse aspecto, foi exímia sua exposição com 13
obras, três portais, dois objetos (canaletas com pérolas), em suas duas instalações. A exposição estreou em
Paris, a convite do Centro Cultural Brésil France de la
Chapelle de l’Humanité, depois veio para o Brasil,
onde esteve no Museu Histórico Nacional.
A essa altura, a artista já tinha caído no gosto
da imprensa, que alardeava seu sucesso nos principais jornais e revistas.
CHRISTINA OITICICA
Recolhendo os
caminhos percorridos
A partir desse começo, o mercado internacional abre suas portas e a próxima parada seria Berlim
e Bélgica com a exposição Percorridos e Recolhidos
(Parcours Récoletes). O desafio: contar através de
imagens os caminhos que ela havia percorrido. Inspirada em cartões de viagem, cartões-postais, cartões
de crédito, de telefone, de embarque, tarjetas telefônicas, chaves de quartos de hotel pelo mundo afora,
cartões de visita, cartões de embarque... enfim, impressões e recordações dos lugares por onde passou.
Um garimpo de suas vivências que seu olhar carioca,
sensual e tropical levaria às telas uma explosão de
bocas carnudas, flores loucas, corações, cores fortes
em tons de vermelho e ritmos quentes; comunicando vozes, emoções divididas, saudades amenizadas e
um carnaval de imagens sagradas e profanas.
As obras – tanto as em óleo sobre tela como as
com técnicas mistas em almofadas e objetos – têm
títulos que ressaltam essa mélange de emoções e culturas: “Chuvas de rosas”, “coração de cor”, “boca de
jaspe com cordão cromado e pérolas”...
Boca 200, técnica mista, 90 x 120 cm.
Museu Nacional de Belas Artes-RJ, 2001.
Coração de Maria,
técnica mista,
70 x 70 cm.
Exposição Caminhos
Recolhidos.
Museu Nacional de
Belas Artes-RJ,
2001.
Coração de flores, técnica mista, 90 x 120 cm, 2001.
Galeria Debret, Paris.
23
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Boca, técnica mista, 90 x 120 cm.
Exposição Caminhos Recolhidos.
Museu Nacional de Belas Artes-RJ, 2001.
Algumas telas traziam textos de Paulo Coelho
em várias línguas; do chinês ao persa, do espanhol
ao português. Mais uma vez, marido e mulher tornavam-se parceiros na arte. Ela propõe uma nova
maneira de mostrar o sacro na arte, marca registrada
da artista.Nas suas cores evocativas da paixão, da sensualidade e do amor se misturam a temas religiosos.
Como no quadro Chuva de Rosas, que nos remete à
chuva que caiu sobre o convento quando Santa
Terezinha do Menino Jesus faleceu.
“Christina não mostra somente uma tela” –
explica seu marido escritor, “ela mostra um pedaço
de cada uma de nossas vidas, utilizando suas cores e
sua alma. Ela exprime com suas cores o encantamento
engendrado em cada um de nós pelo gosto da vida”.
Exposição Parcours Récoletes, novembro de 2001.
24
CHRISTINA OITICICA
Desafios
Os Quatro tempos. Trabalho feito com o elemento fogo para o
Festival de Arte Contemporânea Linf ’action no sul da França.
A reflexão que a obra de Christina nos propõe,
quando se comunica diretamente com o público por
meio de signos e símbolos conhecidos, é a de um
movimento que recusa a separação arte/vida. Seus
quadros criam possibilidades óticas e dão ao espectador ativo um estímulo para fazer uma peregrinação
sensitiva e espiritual pelas diferentes camadas do universo da artista, seja nas galerias ou nas performances
de que participa.
Em 2010, em St. Moritz.
25
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Christina deixa a água do mar interferir em Sète,
no popular Festival de Arte Contemporânea Linf ’action.
“Hoje em dia, sou uma artista inquieta.
Trabalho com todos os materiais e linguagens. O
que me dá mais prazer é trabalhar com o novo.”
Em St. Moritz, 2010.
Performances de Christina pela Europa.
26
A expressão máxima da arte contemporânea é a
de carregar sua arte dentro de si, é a possibilidade de
integrar-se e entregar-se. Assistir a Christina em
performances pela Europa é constatar esse efeito, seja
em Sète, no popular Festival de Arte Contemporânea
Linf’action, em que a artista trabalhou numa praia,
deixando a água do mar e o fogo de velas se misturarem ao seu trabalho; ou em St. Moritz, em 2010, quando enterrou uma série de telas, diante do público e de
outros artistas, no alto de uma montanha.
CHRISTINA OITICICA
Boca, técnica mista sobre tela, 30 x 30 cm, 2004.
A obra faz parte da Coleção Amazônia.
Um dos manequins apresentados na Galerie Lafayette, em Paris.
O amor pelo trabalho tem tornado sua arte
contagiante e inovadora e o reconhecimento trouxe
a possibilidade de expor em diversos museus e galerias da Europa. Tais como, o famoso Museu do
Louvre; a mostra em homenagem à América Latina,
na Galerie Lafayette, em Paris, na qual recebia manequins para transformar em obra de arte; também
na Suécia, onde a coleção “Amazônia” foi mostrada
em conjunto, no centenário Hotel Diplomat, em
Estocolmo, com o apoio da Casa Brasil e do Jornal
do Brasil. O hotel, localizado numa das mais valorizadas ruas da Escandinávia, a Strandvägän, é conhecido por ter recebido grandes personalidades da
cultura, como o bailarino Rudolf Nureyev e o papa
da pop art, Andy Warhol.
27
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Coelho, especialmente para este livro, ganharam
ilustrações de Christina (40 pranchas feitas artesanalmente em serigrafia, com seleção de cores manual pelo processo de cromolitografia), em uma tiragem
comercial de pouquíssimos exemplares, o qual Paulo Coelho numerou e assinou cada volume. O lançamento e a exposição foram realizados no Rio de
Janeiro e em São Paulo, na Loja Louis Vuitton, que
desenvolveu e criou na França uma pasta de couro
natural para guardar as pranchas.
Chistina e Guilherme na Lithos.
A ilustradora
O primeiro livro ilustrado por Christina foi
com o marido, para a Shogun, em uma história de
amor, O que é o amor, de 1975. A parceria se repetiu
em 2001, no primeiro livro infantil de Paulo Coelho, Histórias para pais, filhos e netos, que traz 40 ilustrações feitas com técnica mista em aquarela,
nanquim e colagem, editado pela Editora Globo.
No ano de 2005, ilustrou o livro Caminhos
revividos, uma obra de arte para colecionadores, no
qual 40 fac-símiles de textos manuscritos por Paulo
28
Lançamento do livro Caminhos revividos.
CHRISTINA OITICICA
Uma das páginas do livro infantil A nuvem e a duna, criado e ilustrado por Christina Oiticica.
O livro foi inspirado em um conto tradicional espanhol adaptado por Paulo Coelho.
O lançamento em 2010 foi realizado pela Editora Noovha América.
Christina ilustrou o livro Léo no mundo do espelho, da autora Patrícia
Carneiro De Luna, lançado pela Editora Réptil, em 2007.
Christina fez ainda ilustrações para a Revista
Ventura, a capa do livro Decor, a edição francesa
do Diário de um mago (Le Pèlerin de Compostelle),
sem falar que os anjos da artista ganharam as páginas da agenda anual de Paulo Coelho para a
Editora Tilibra e ilustraram o livro Os anjos estão de volta.
A sensibilidade e a beleza de seus traços ganharam asas e voou sozinha pela literatura, e a
autora ilustrou mais dois livros – Léo no mundo
do espelho e A nuvem e a duna.
Nos últimos anos, dois livros foram editados sobre seu trabalho: As quatro estações e Caminho peregrino.
29
C ONTANDO
A
ARTE
DE
O admirável mundo novo
da arte ambiental
Em 2001, Christina mudou-se para um hotel
de duas estrelas, em Tarbes, França, o Henry IV, onde
começou a passar cinco meses do ano. Seria impossível trabalhar no quarto, pois o espaço que dividia
com o marido não lhe permitia instalar cavalete,
telas, pincéis... Tendo de inaugurar uma exposição
em Paris, em curto espaço de tempo, decidiu ir
ao campo trabalhar.
Produtos
Há algum tempo, seu trabalho já saiu das paredes de exposições e galerias e invadiu lojas e vitrines.
A grife Folic, usou algumas imagens de Christina para
compor a vitrine e estampar camisetas.
Uma série de produtos, como caixas, portacopos, jogos americanos, foi desenvolvida e distribuída em diversas lojas e papelarias, transformando
em símbolos conhecidos as imagens marcantes de
sua obra, como as bocas e os corações.
A artista também fez algumas joias de suas esculturas que viraram pingentes de colares.
Christina mostrou seu talento como designer
ao desenvolver o já conhecido símbolo do guerreiro
da luz, marca registrada da página de Paulo Coelho,
símbolo que caiu no gosto popular e se espalhou pela
Internet, bem como em joias e tatuagens de fãs.
30
A Rosa, acrílica sobre tela, 83 x 76 cm, 2002.
CHRISTINA OITICICA
reza. Dessa forma, ela resgata um processo ancestral
– o de interagir com a natureza e perceber sua ação,
sua força, seu movimento.
A cada tela revela de forma concreta que não
somos parte da natureza, mas, como dizia o alquimista Paracelso, somos a natureza. A arte refaz um
elo perdido – criando uma linguagem por meio das
telas, pelas quais a natureza se comunica.
La Roche-sur-Foron, 2010.
Na primeira tentativa, caiu-lhe uma folha sobre a tela, borrando a pintura, no começo ficou incomodada, mas observando o efeito da folha na tela
foi da irritação à inovação e percebeu que a natureza
era perfeita para complementar seu trabalho.
A experiência foi tão satisfatória que não parou mais e passou a deixar seu trabalho nos leitos
dos rios, nos campos, nas florestas, nas árvores, sob
pedras, nas diferentes estações. Como disse a própria artista, citando Ortega e Garcez: “Eu sou eu e a
minha circunstância”. Vivendo na Europa, fazem
parte de suas circunstâncias quatro estações bem definidas. Notou que essas mudanças afetavam suas
emoções. E a arte, para Christina, é emoção. Nesse
momento ela ganhou mais um colaborador – as
mudanças das estações.
Para a artista, esse trabalho é uma desconstrução, um movimento inverso ao da humanidade
que sai da caverna ou do campo e na busca por sustento e desenvolvimento, perde contato com a natu-
“Nós humanos lidamos com o espaço.
Podemos nos locomover, somos livres no espaço.
O vegetal lida com o tempo, ele tem uma existência muito maior. Ele é livre no tempo. É capaz
de parar a germinação da semente, como numa
gravidez interrompida, para germinar num
momento propício”.
Rosa Azul. O quadro ficou quatro meses dentro de um rio em frente a uma
fonte, La Bénite Fontaine. A 1,5 quilômetro da La Roche-sur-Foron,
localizado nos Alpes Franceses na região do Haute-Savoire, 2010.
31
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Galeria de águas pluviais da Casa França-Brasil, Rio de Janeiro, 2004.
Ao desenvolver sua técnica, Christina percebeu uma comunicação, na qual a tela era a linguagem. Por exemplo, enterrava um quadro em um rio
seco e meses depois assistia ao rio voltar a correr.
Muitos foram os fenômenos em seu trajeto; um
dia, saindo da Floresta de Azereix, avistou um tanque de guerra e descobriu que o local é uma Zona
Militar. Ela e Paulo costumavam praticar arco e flecha ali, porque as grandes árvores do lugar os protegiam do Sol e da chuva. Escolheram este lugar para
enterrar um quadro muito delicado que representa a
medalha milagrosa com rosas. Quando voltou para
desenterrá-lo, ele não estava mais lá. Em vez dele,
haviam muitas pétalas de rosa e um desenho.
Ela testa a comunicação com a natureza e com
tudo que cerca o seu ambiente, seja o elemento humano ou natural, a cada plantar e desenterrar, sempre buscando captar o elemento físico tanto quanto o
energético, a marca viva da natureza em movimento.
32
Acima de tudo, esse é um momento de maturidade da artista. Quando todos os elementos de sua
obra confluem para brotar das telas: o feminino em
seus símbolos de nutrição, vida, fecundidade, maternidade; a peregrinação que leva a artista a viajar e a
escolher diferentes locais para enterrar sua obra; a espiritualidade, pois ela tem na sua relação com o sagrado
um fio condutor do seu trabalho; sua devoção a Nossa Senhora, também personificada na terra, a força
em essência da Grande Mãe, da Imaculada Conceição, energia criadora da vida, que na concepção da
artista germina o quadro em seu útero – o fundo da
terra – como semente, que, ao fim de um tempo dará
frutos, sempre cumprindo o período da gestação.
Ao buscar por locais para as suas obras, busca
sinais, que os olhos precisam descobrir para achar o
caminho, tenta decifrar cores e códigos em cada lugar que escolhe para deixar um quadro. Assim, os
locais não são aleatórios; ao contrário, passam a ser
um elemento de sua busca pessoal e, sem pretender
explicá-los, desenvolve um trabalho que mostra os
mundos paralelos dos homens.
Assim se iniciava um novo ciclo do trabalho da
artista, que seguiu enterrando quadros a cada estação
e os desenterrando sempre com uma surpresa. Com a
ação da impressão invisível da natureza ela criou uma
arte original e literalmente inimitável, porque, em cada
caso, o movimento das águas, a ação dos ventos, as
marcas das pedras, o magnetismo da Lua, a força
telúrica, a vitalidade do Sol, o silêncio causado pelo
impacto da luz e das sombras – matéria-prima da vida,
interagem de forma única sobre as telas.
CHRISTINA OITICICA
Christina na Amazônia, 2004.
A arte desentranhada
Para entender essa artista, é preciso compreender o sentido da palavra inquieta. Inquietude é tipo
bicho-carpinteiro que não deixa a gente se acostumar, ou como explica melhor Marina Colassanti:
“(...) A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar
feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para
poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta
de tanto acostumar, se perde de si mesma.(...)”.
Christina é o oposto disso, ela quer correr o
mundo, correr perigo, experimentar o novo, por isso
não podia parar sua experiência só nos Pirineus.
Queria mais, queria encontrar a magia da floresta
concentrada e não era só a parte estética dela que a
interessava, mas a parte invisível que para ela é a ação
da Grande Mãe. Ficava claro que sua próxima parada deveria ser a grandiosa Floresta Amazônica. A
emoção da artista ao adentrar a floresta pode ser observada nesse depoimento: “Estou aqui na margem do Rio Negro. Hoje é dia 10 de abril de 2004.
O que eu senti quando entrei na Amazônia, na floresta, é que a floresta é impenetrável. Ela é muito
concentrada, tanto visualmente como auditivamente, está viva. Muito viva. Você tem que realmente ter
uma permissão, não só física, como uma foice na
mão ou uma faca que vai cortando”.
Seu primeiro contato foi em Bethânia, um local onde a floresta não é muito densa. Ela levou para
lá o calor de bocas vermelhas pintadas e as enterrou
cobertas de folhas para observar sua ação nas telas.
Um ano depois voltou aflita, para desenterrar as
obras, pois havia tido um sonho premonitório no
qual as estátuas que pairam sobre cercadinhos e pilares, em Bethânia, estavam decapitadas.
As índias Katukinas, fazendo interferência nos quadros.
Amazônia, 2004.
33
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Na Amazônia, cidade Bethânia totalmente alagada, em 2005.
Portal de Gaia. Quadro colocado em uma árvore.
34
Chegou à cidade com a água pelos joelhos e seu sonho se comprovara. Uma chuva
intensa havia inundado o local e agora as estátuas observavam plácidas as águas tomarem o
povoado cerca adentro. Christina teve a ajuda
de alguns guias que, cuidadosos, separaram
raízes e barro das telas. Sua aventura continuou
descendo o Rio Japiim num barco a motor.
Ela se torna parte da floresta, como um pássaro que procura um local para pousar, e observa uma árvore cheia de galhos que desciam
como braços até o rio, enlaçando-se e formando protuberâncias, nas quais havia ninhos que
lembravam seios. Esse seria o local ideal para
posar o quadro O Nascimento de Vênus.
Achar os quadros era uma tarefa difícil e
a cada desenterrar ouvia-se a comemoração
com palmas e congratulações. A pintora vai
interpretando os sinais do ambiente, ao, encontrar só a moldura de um dos quadros, entende que a floresta queria ficar com a obra e
assim vai estabelecendo uma conversa com os
rios e matas.
A equipe seguiu pelo Rio Moa e adentrou
o território dos Katukina. Lá, assistiram ao pajé
fazer curas, participaram dos ritos da tribo e a
pintora convidou as índias, que se dedicam à
arte tribal, a pintarem sobre suas telas. Os símbolos indígenas são geométricos, semelhantes
às pinturas que fazem em seus corpos com
urucum e têm diversos significados relativos à
vida da selva. O resultado nas telas foi inovador.
CHRISTINA OITICICA
Arte desenterrada –
Parindo quadros
Ao desenvolver a técnica de pintar com a natureza, Christina teve que lidar, também, com o desenterrar dos quadros e criar uma forma de tratar as
obras. Após muitas obras desenterradas, percebeu que
a natureza, como o próprio ser humano, age de forma diferente em cada lugar. Mas uma característica
é comum em todos os lugares em que já trabalhou: a
natureza sempre deixa sua impressão digital na obra.
Às vezes, as raízes adentram a tela como veias e fazem um lindo percurso, uma espécie de costura. A
textura é sempre diferente e varia conforme o tipo
de solo e umidade. Às vezes, a tela desaparece ou se
desintegra. Os animais também participam, pequenos bichinhos se grudam em alguns lugares.
Na Amazônia, onde ficaram enterrados por um
ano, os trabalhos vieram impregnados de elementos,
como raízes, bichos que comeram as telas e ainda a
coloração que mudou totalmente. Em compensação,
quando deixou os trabalhos no alto de uma montanha, como em St. Moritz, na Suíça, os quadros quase não tiveram interferência, as cores foram
totalmente preservadas, apesar do Sol, da chuva e da
neve que o solo recebeu durante um ano. Isso se explica pelo ar rarefeito e a pouca vegetação do local.
Enquanto que no Caminho de Santiago, a diferença
foi grande de uma região para outra.
No ato de desenterrar, Christina iguala-se a uma
parteira que tira do ventre algo novo e precisa limpar
Quadro Girassol desenterrado no Japão em 2009.
o rebento com delicadeza. Deixa as telas suspensas
no ambiente natural sem que ela própria tenha que
remover os vestígios, mantendo no quadro a reação
que a terra causou. Depois usa o verniz para impermeabilizá-los e conservá-los.
Encontrar as pinturas também se revelou uma
aventura em que a memória e os sentidos funcionavam melhor do que o GPS.
35
C ONTANDO
A
ARTE
DE
As Quatro Estações,
acrílica sobre tela,
180 x 10 cm,
2004.
Durante uma de suas incursões para pintar numa
floresta dos Pirineus, resolveu marcar uma árvore com
um spray que tinha no carro, mas, oito meses depois,
a marca havia desaparecido e a árvore também parecia
não estar mais lá... Ela olhava a paisagem, cavava aqui
e ali e nada, até que num passe de mágica, encontrou
a árvore totalmente transformada, muito diferente das
fotos que havia tirado para lembrar do lugar. Durante
esse primeiro trabalho com a natureza, a preocupação
era enorme, porque alguns trabalhos se perdiam e
outros ela não conseguia restaurar. Felizmente, as perdas se mostraram poucas.
Porém, nem sempre foi fácil. Logo que começou esse trabalho, perdeu muitas noites de sono sem
saber se conseguiria recuperar os quadros para fazer
uma exposição, mas, ao desenvolver essa técnica,
aprendeu também a lidar com o tempo e a manejar
incertezas. Foi um aprendizado de paciência, esperar
o tempo de deixar a natureza interferir e aguardar os
36
resultados. Afinal, a natureza mostra que “há tempo
de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e
tempo de colher a planta. Tempo de matar e tempo
de sarar; tempo de destruir e tempo de construir.
Tempo de chorar e tempo de rir (...)”.
A cada desenterrar, um momento de comunhão
com a terra e num processo ritualístico. Desenterra
seus quadros buscando esvaziar a mente, concentrase e entrega-se ao processo como num êxtase mágico: quando nos desligamos dos nossos desejos e de
nossas expectativas imediatas, conectamos com o
mais profundo em nós, penetramos no universo dos
sonhos. Um espaço mágico no qual não existem impossibilidades. Lá, a artista se desprende de tudo, se
comunica com seu anjo da guarda e planta, depois
desenterra um pouco de si a cada quadro.
Boca, técnica mista sobre tela, 30 x 30 cm, 2003.
CHRISTINA OITICICA
Ao passarem pela cidade de Carcassonne, no
trajeto de Tarbes a Barcelona, pensavam juntos em
qual seria o lugar ideal para deixar seu trabalho.
“Mais ao Sul, já antevíamos, a distância, a grande cadeia de rochas dos Pirineus. A luz do dia parecia embaçar os contornos das maiores pedras e, num
piscar de olhos, me transportei para um estranho
caminho escondido no outro lado da fronteira. A
brisa quente levou-me de volta à estrada empoeirada
que os peregrinos tomam para seguir até Santiago de
Compostela. Uma luz me iluminou e eu não poderia deixar de pensar em como aquilo era óbvio!
Christina, numa outra peregrinação até Santiago, mas
agora com suas telas – contou ele” (Paulo Coelho).
Puente La Reina, em novembro de 2007.
Revisitando o Caminho –
A rota do grande encontro
Durante o período de dois anos, de maio 2007
a maio 2009, Christina Oiticica expôs telas compostas, em parceria com a natureza, na Galeria do Relais
& Châteaux El Peregrino, em Puente la Reina, etapa
do Caminho de Santiago. Mas tudo começara no
verão de 2006, enquanto viajava de carro com seu
marido, de volta para sua casa nos Pirineus, um
velho moinho que haviam reformado e onde já
moravam desde 2005.
Exposição Santiago, maio de 2009.
37
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Fotos do local chamado “mão que toca o céu”.
Christina também foi transportada em sua
memória para o Caminho que havia mudado sua
vida em 1990, quando decidira finalmente iniciar-se
como pintora. Era um caminho sagrado para ambos
e, mais uma vez, Christina aceitava seu chamado,
como quem segue uma estrela guia. Assim, em setembro de 2006 voltava ao Caminho, 16 anos após a
primeira peregrinação, levando suas telas à sua fonte
de nascimento, esperando apreender nelas a energia
das pedras pisadas por séculos, marcadas pela fé de
peregrinos desconhecidos e ilustres como São Francisco, os reis da Espanha e até mesmo El Cid.
A artista usou diferentes materiais, como carimbos feitos do solo ou do miolo de girassóis, as conchas
(símbolo de Santiago), o relevo das pedras,a intervenção dos quatro elementos e pigmentos naturais. Também esperava captar um elemento invisível – as histórias
e as vivências dos peregrinos, suas ilusões, seus sonhos e suas esperanças de 500 anos de peregrinação.
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Sendo assim, em setembro de 2006 chegou a
Saint Jean de Pied Port, levando na mochila a mesma substância que carregara em sua primeira peregrinação – seu sonho, sua lenda pessoal. Para ajudar
nessa tarefa, contava com os amigos Acácio e Orietta,
hospitaleiros do caminho. Não apenas porque precisava de ajuda para enterrar os quadros, mas porque
suas histórias e o conhecimento do caminho poderiam ajudar no processo artístico. Também Paula, sua
sobrinha, se uniu ao grupo nessa nova jornada.
Uma vez compostas, as telas foram “plantadas”
na terra para serem recuperadas meses depois. A escolha dos locais e das telas não foi aleatória: selecionou algumas pinturas feitas com as índias na
Amazônia, porque assim levaria um pouco do Brasil
para Santiago; levou corações e bocas pintados para
a exposição Caminhos Recolhidos, porque eles já haviam beijado outros continentes e agora beijariam
o solo no local chamado “mão que toca o céu”, o alto
de uma sinuosa montanha. Lá chegando, encontrou
um sinal – uma Nossa Senhora com Jesus no colo. A
Virgem que para Christina era um sinal de que a
energia criadora estava ali sempre a lhe guiar.
L E N D A P E S S OA L
Conceito elaborado pelo autor Paulo Coelho e muito
usado por Christina no direcionamento de suas escolhas”. A
lenda pessoal é aquilo que você sempre desejou fazer (...)
porque existe uma grande verdade neste planeta: seja você
quem for, quando quer com vontade alguma coisa, é porque
este desejo nasceu na alma do Universo.
É sua missão na Terra.
Paulo Coelho
CHRISTINA OITICICA
Devoção
A devoção de Christina vem desde a infância
quando pedia constantemente à babá que a levasse à
missa. Uma afinidade inata com a religiosidade que
ela mantém até hoje. Na obra de Christina é comum
ver as exposições caírem em dias de santos e as referências religiosas são diversas. Não por acaso, a exposição Os Portais aconteceu no Ano Santo – quando o
dia de São Tiago (25 de julho) caía em um domingo.
As orações escritas em suas telas também são
uma constante, como a aliança celta (um símbolo de duas mãos segurando um coração
que, quando colocada na posição correta significa que se é casado)
pintada sobre a oração irlandesa da Legião de Maria.
Chuva de Rosas, óleo sobre tela, 90 x 120 cm.
Quadro em homenagem à Santa Teresinha.
Galeria Debret, Paris, 2001.
Em todos os livros de Christina há a frase: “Oh
Maria, concebida sem pecado, rogai por nos que recorremos a Vós”. A artista carrega no pescoço imagens de todos os locais de peregrinação, as igrejas e
sítios de aparição de Nossa Senhora que já visitou.
Trata-se, por assim dizer, de uma devoção pessoal
inseparável de sua forma de vivenciar a arte.
Suas experimentações artísticas são guiadas pela
fé de que a terra é a Grande Mãe, Nossa Senhora Imaculada Conceição, que a ilumina na criação.
As manifestações religiosas e os fenômenos
místicos em torno de Maria são constantes. Nos mais
diferentes locais do planeta há aparições, mensagens
e manifestações.
Christina ao lado da Virgem dos Pirineus, em 2007.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Desde os primórdios, há registros artísticos das
aparições de divindades femininas.
Ao longo de sua carreira, Christina vem trabalhando com os diversos arquétipos do feminino, em
seu aspecto religioso e profano. A sensitividade de
sua devoção pessoal se expressa de forma poética em
sua obra, que fecunda o ventre sagrado da Terra com
Diário de Christina Oiticica sobre o trabalho As Quatro Estações.
suas telas, frutos de sua alma, e espera que elas recebam as bênçãos dos céus.
Tamanho fervor tem sua devoção que todo o
trabalho da artista plástica é dedicado a Notre Dame
de Pietá, da cidade de Barbazan-Debat. A santa,
considerada milagrosa nos Pirineus, foi encontrada
dentro da terra por um agricultor.
ANO SANTO
Comunhão, técnica mista sobre tela, 119 x 83 cm, 2003.
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Na época medieval a Igreja concedia indulgências, isto
é perdão dos pecados, em algumas situações. Recebiam o
perdão, por exemplo, os fiéis que peregrinavam a um santuário (a pé ou a cavalo) para cultuar as relíquias de um santo.
O papa Calixto II concedeu à Catedral de Santiago o
privilégio do Jubileu Pleníssimo ou Ano Jubilar, mais conhecido como Ano Santo. Isto significa que o peregrino que caminhar a Santiago durante um ano decretado como Ano
Santo terá seus pecados perdoados. Até os dias de hoje há
esta prática na cidade.
CHRISTINA OITICICA
Paulo Coelho em La Roche-sur-Foron, nos Alpes Franceses, em 2010.
Casamento
Para entender a importância do casamento na
vida e na obra de Christina, é importante revisitar
todos os caminhos a que foi sendo levada por estar
casada e como esses caminhos influenciaram suas
obras: Santiago, a mudança para Europa, as diversas
viagens acompanhando o autor. Mas, mais do que
isso, esse amor é um amor de alma, um encontro
desses que se explicam nas Escrituras, em que um
vive pelo outro e os dois se somam a cada dia em
tudo o que fazem, ou, como diz a poeta Adélia Prado, trata-se de um amor feinho:
“Amor feinho é bom porque não fica velho.
Cuida do essencial; o que brilha nos olhos é o que é:
eu sou homem, você é mulher. Amor feinho não
tem ilusão, o que ele tem é esperança.”
Adélia Prado
Nesses anos juntos, Paulo influenciou não só
na obra da esposa, mais muitos de seus escritos estão
nas suas telas e as ilustrações dela em alguns de seus
livros. Como podemos constatar na carta que o autor
postou em 2010, em seu blog, sobre a esposa, contando sobre sua mudança para a Europa e também
declarando seu amor.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Contos e lendas do Caminho
Sua arte é uma contação de história com tinta
e tela. Cada encontro no Caminho, cada história faz
parte do processo, assim como os locais escolhidos.
Diz uma lenda que no Alto do Perdão o demônio
tentava os peregrinos oferecendo água para que parassem de andar e desistissem de sua fé. Ali, ela plantou quadros d’água, inspirados numa série que ficara
Desenterrando quadros em Puente La Reina, Espanha, em maio de 2008.
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na Gave de Pau, um rio sagrado que passa em frente
a Lourdes (lugar de aparição de Nossa Senhora, na
França). Depositou-os onde corre a água da fonte.
Assim que acabou de plantá-los, nuvens pesadas desabaram dos céus, trovões e relâmpagos invadiram a
paisagem e, como num ritual, os elementos interagiram causando uma transformação.
Em outro momento foi a Foncebadón, em um
lindo restaurante medieval. Henrique, o proprietário, contou que as pessoas passavam por lá dizendo
que ele estava realizando a profecia do Paulo Coelho. Confuso, comprou o Diário de um mago e descobriu que o escritor havia previsto que aquele local
destruído seria um dia reerguido e o povoado em
ruínas ressurgiria das cinzas. Sua arte de encontros
que tece imagens com a vida tinha encontrado mais
um lugar significativo do caminho para uma cerimônia com as telas.
Porém, ainda faltava um elemento para enterrar o quadro – Tomás, o peixeiro. Há anos ele recebera uma ordem de viver o Caminho. Naquela época
do ano, a neve chegara até ao alto de sua porta e ele
recebeu os peregrinos com café quente e histórias.
Conversando com ele, Christina decidiu colocar o quadro em frente à cruz de ferro, local onde
todo peregrino deve deixar uma pedra.
Era chegada a hora de enterrar os quatro quadros que pintara. Com galhos,Tomás fez um grande
coração na terra, no lugar onde seriam enterrados.
Ele veio preparado para um ritual templário e com
sua espada conduziu essa etapa do processo invocando
os arcanjos.
CHRISTINA OITICICA
Como todo agricultor, Christina sabe que pode
perder uma safra, convive com as intempéries da
natureza e das pegadas deixadas pelo convívio humano, por isso entende quando perde quadros para
a terra, a neve, a água e até o furto.
Muitos são os personagens de sua jornada pelo
Caminho. Um dos mais inusitados é o alquimista, que
mora onde dizem haver visitas de discos voadores. Ele
tritura pedras de todas as partes do mundo. Reza a
lenda local que foram os alienígenas que lhe ensinaram sua técnica. As cores eram lindas e Christina ganhou algumas para usar nos quadros. Chegando a
noite, no hotel, não conseguia dormir apesar do cansaço. Olhou o relógio e viu que eram cinco da manhã,
teve a impressão intuitiva de que não tinha autorização de usar as pedras e as devolveu para a terra.
Em sua arte contadora, segue a peregrina, porque sua obra é sobre tudo o que lhe acontece; um
partilhar de sua visão do Caminho, sua história sobre tantas histórias, e a forma como a reconta em
Cruz de ferro ritual templário, julho de 2007.
Pedras do Alquimista.
telas. Não é à toa que o local escolhido para a exposição foi Puente la Reina, a região onde todos os caminhos para Santiago se encontram.
Aquele era o momento em que todas as histórias da sua vida se encontravam e ela estava pronta
para mostrar aos peregrinos um outro caminho, marcado por seus passos e suas memórias. Uma história
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Christina pintando a tela Eunate na Espanha,
em fevereiro de 2007.
interessante ilustra isso: Em sua ida para a Igreja
Templária de Eunate ela vê uma mulher que dança
como os dervixes, com uma das mãos apontadas para
cima e a outra para baixo na direção da terra, representando a aliança entre o céu e a terra, o masculino e
o feminino. Ao perceber essa associação, sente que o
local a autorizou a pintar. Pega uma grande tela, tira a
medida do portal norte e começa a pintar. Nesse momento à porta de entrada da Capela aparece a mulher
que dançava e pergunta o que ela está fazendo.
Christina responde: “Trabalhando com a energia da
grande mãe, da natureza”.
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Seu diálogo com a Capela deixa marcas, faz impressões das pedras do chão como se fossem carimbos,
passa pelos portais das quatro direções, trabalhando
com os materiais que encontra: o forte vento do portal sul, as linhas verticais que descobriu no solo, pequenas pedras,a terra do local. Por fim, deixou o
trabalho lá por uma noite para que pegasse a energia
do local. Ao terminar, entrou na Igreja, onde as pessoas
rezavam a missa no Dia da Luz que Veio ao Mundo.
Christina também trabalha com a ausência, ou
como diria o escritor francês, André Gide: “A arte é
uma colaboração entre Deus e o artista, e quanto
menor a intervenção do artista melhor”.
Experimentar a menor intervenção é o que faz
no claustro emblemático da Faculdade de Geografia
e História, quando decide enterrar uma placa de cobre em branco para que as formas do passado penetrem no suporte, imaginando quantas histórias
haviam passado por lá. Escolhe o cobre, pois há séculos os alquimistas o usaram como símbolo feminino que representa o Planeta Vênus, a deusa grega
Afrodite e o gênero feminino.
Ao chegar a Santiago, sua peregrinação estava
completa. Mas, ainda estava inquieta, intuía que o processo não tinha terminado. Ocorreu-lhe, então, que ainda faltava um importante local – Villafranca del Bierzo,
onde fica a Igreja de Santiago. Christina contou com a
ajuda de mais um personagem do Caminho, Jato. Além
de ser um hospedeiro, ele é conhecido por curar as pessoas pela imposição de suas mãos. Chegaram ao local
escolhido no fim da tarde e Jato começou a escolher
onde iriam enterrar a tela com uma varinha mágica.
CHRISTINA OITICICA
Coração Cebreiro, técnica mista, 108 x 144 cm, 2007.
Caminhava lentamente, esperando que ela se movesse
para cima, indicando o melhor local. Fez isso andando
em várias direções, até que achou. Separou a terra das
pedras até a terra mais fina e, no veio de água que vinha
do altar da Igreja de Santiago, colocaram um coração
de rosas vermelhas com pigmento dourado.
O trabalho de Christina prescinde de dogmas,
explicações, regras... Ela busca se relacionar e se comunicar com o poder que a natureza e o inexplicável
exercem sobre nós, silenciosamente, por meio da
pintura e se conectando à fonte – a sabedoria ancestral acumulada pela longevidade das pedras, dos
rios e das árvores, das pessoas. Esse é um pensamento comum em várias culturas. Os índios na
Amazônia e os caboclos afirmam que a floresta é
uma universidade porque são capazes de aprender
muito com seu convívio. A arte de Christina não é
apenas um novo método de pintar, mas uma
vivência, uma proposta de aprendizado, uma linguagem. Durante muito tempo e ainda hoje em
muitos lugares, como no interior do Brasil, as tradições orais (poetas populares, cavalo-marinho, autos e folguedos populares do Nordeste brasileiro,
bumba-meu-boi e outros) foram passadas de pai
para filho como forma de ensinar o que se aprende
com a natureza e com o outro. Esse tipo de saber
foi sendo desvalorizado à medida que o conhecimento foi se sistematizando na academia e outras
formas de aprendizado se desenvolveram. Deixando para trás uma riquíssima forma de aprender e
transmitir saber.
Girassol de Boku,
técnica mista sobre tela, 100 x 120 cm, 2009.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Na terra do Sol Nascente
O local escolhido dessa vez eram as mágicas montanhas do Caminho de Kumano, no Japão. Um cenário composto por formações rochosas e impregnado por
uma atmosfera mística. A flora, bastante diversificada,
incluindo castanheiros, carvalhos, pinheiros e faias japonesas, era perfeita para Christina. Dois rios caudalosos carregam séculos de lendas dos peregrinos, ao longo
de templos, pontos históricos, cachoeiras e termas, até
desembocarem no mar de Kumano Nada, de onde se
avista uma praia de areia branca, ilhas e penhascos rochosos. Os morros têm nomes que remetem à natureza, entre eles Hinodegatake (o Morro do Sol Nascente),
ou o Monte Yoshino, ao norte, famoso por seus senbonzakura (mil pés de cerejeira), tidos como sagrados e,
hoje, patrimônio da humanidade.
Christina em Kumano, 2009.
Kumano em 2009.
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Após enterrar mais de cem quadros nos 800
quilômetros do Caminho de Santiago, o convite veio
do próprio Departamento de Turismo de Santiago de
Compostela, na Espanha, e da Prefeitura de Tanabe,
no Japão, para que fizesse o mesmo no Caminho
Sagrado de Kumano, onde por séculos os monges
enterraram seus sutras.
CHRISTINA OITICICA
Usou o mesmo método de sempre para escolher os locais: seguir a intuição e se deixar levar pelas
pessoas e histórias do caminho. Mas, segundo a artista, essa viagem foi tão intensa que voltou do Japão
em estado de graça, trazendo lembranças que nunca
mais esquecerá, como os ryokan, os banhos de águas
quentes vindas de vulcões, a Cachoeira Nachi, com
um arco-íris no final dela e muitas outras...
Enterrando em Kumano, fevereiro de 2009.
Christina levou oito telas prontas, inspiradas nos
desenhos ancestrais do pintor Ito Jakuchù, e trabalhou com pigmentos naturais e vegetais dos locais onde
iria enterrar os quadros, acrescentando ideogramas que
foi aprendendo no decorrer da viagem. A homenagem
a um pintor do século XVIII deve-se à identificação
que sentiu com ele numa exposição em Paris, quando
percebeu que ele não pintava apenas a natureza, mas a
ação do tempo.
Hiro (um dos templos mais famosos) próximo a Cachoeira de Nachi,
com 133 metros de altura.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Contos e lendas de Kumano
Lá estava Christina em plena cidade de Hogu
vendo os homens beberem saquê e descerem uma inclinada montanha com tochas de fogo, onde estavam
escritos os nomes das famílias e profissão. Um ritual
de passagem em que o homem demonstra a sua coragem. Os bastões chocavam-se com tanta intensidade
que muitos se machucavam, mas eram recebidos como
heróis... Inebriada, assistiu ao efeito do fogo e das roupas brancas dançando montanha abaixo, ao som dos
bastões que se batem produzindo um som belíssimo.
Caminha na estrada até chegar a um templo xintoísta,
no qual não existem imagens no altar. Mas, nesse templo existia uma janela da qual se via uma cachoeira
gigantesca e sagrada descendo a colina. O monge a
presenteou com um espelho, disse-lhe que todas as
Cidade de Hongu, em 2009.
48
Christina em Boku.
vezes que se olhasse estaria vendo o seu coração. Para
ela, isso tinha um significado especial, porque acredita que esse é o caminho que se deve seguir. Diz-se que
o coração é onde estão juntos o corpo, a alma e a mente,
e aquele símbolo representava, a partir daquele momento, a visão desse local – sem saber, ele falava da
sua busca, ser uma com seu coração.
Cansada, parou para comer num restaurante
orgânico, em Boku, onde havia uma horta feita por
duas moças lavradoras e escolheu o local exato onde
seriam plantados os rabanetes para transmitir a energia do seu trabalho na comida que iria nutrir muitas
pessoas. Lá ela plantou um quadro de girassol, outro
com hortênsias, e trabalhou mais dois com pigmentos e com a vegetação local.
CHRISTINA OITICICA
Num pequeno templo budista, ficou fascinada com a imagem de um homem e um bebê engatinhando. Entrou nesse templo seguindo a imagem
e viu que havia vários brinquedos, balas e doces para
os espíritos das crianças. Do nada, apareceu um
monge muito velhinho que tentou comunicar-se com
presentes. Deu-lhe primeiro um envelope, depois
uma caixa e sorriu. Quando abriu, era um desenho
do ano da vaca, e um pacotinho de bala feita de açúcar mascavo que é dada às crianças.
No caminho também assistiu a praticantes de
shugendo, uma tradição de mais de mil anos que não
está registrada em livros, mas está aberta para quem
quiser praticar os ritos, métodos e técnicas que eles
consideram segredos mágicos e sagrados da Montanha Yamamushi (a Montanha do Guerreiro). Entre
os exercícios estão balançar-se em precipícios, passar
horas embaixo da água gelada até que ela limpe o corpo e a alma, caminhar sobre brasas, encostar a cabeça
numa árvore até que a dor anestesie o corpo etc. Para
os praticantes dessa arte, que poderia ser traduzida
como o conhecimento obtido no caminho (S• Dô)
de poderes divinos (–š Gen) com práticas disciplinares rígidas (îO Shu), essa seria uma forma de se tornar
um com o Universo e a natureza que, por fim, também é o que Christina procura com sua arte.
Kumano é uma espécie de península, cheia de
colinas, florestas, vales, rios, desfiladeiros que seguem
até o litoral, cercado por montes cobertos ora pela
neve, ora por florestas primitivas, muitas vezes envolvidas por uma misteriosa neblina. Há também
vales profundos, dos quais brotam termas e até uma
floresta de musgos. Diz a lenda que parte do Caminho foi desbravada há mais de mil anos por um feiticeiro chamado Em-no-Ozunu. Hoje, situado ao
sul da península de Kii, entre as províncias de
Wakayama, Mie e Nara, o Caminho é considerado
uma terra sagrada e um local onde várias religiões
convivem pacificamente, principalmente o xintoísmo
e o budismo.
Miharashidai, em novembro de 2009.
49
C ONTANDO
A
ARTE
DE
Carta aberta à rosa dourada
Estávamos no verão de 2002, eu já era um escritor
conhecido, tinha dinheiro, julgava que meus valores básicos
não haviam mudado, mas como ter absoluta certeza? Testando. Alugamos um pequeno quarto em um hotel de duas
estrelas na França, onde começamos a passar cinco meses
por ano. O armário não podia crescer, de modo que limitamos nossas roupas. Percorríamos as florestas, jantávamos fora,
ficávamos horas conversando, íamos ao cinema todos os dias.
A simplicidade nos confirmou que as coisas mais sofisticadas do mundo são justamente aquelas que estão ao alcance
de todos. Para meu trabalho, tudo de que eu precisava era
um computador portátil. Acontece que minha mulher é…
pintora. E pintores precisam de gigantescos ateliês para produzir e guardar seus trabalhos. Não queria de maneira nenhuma que sacrificasse sua vocação por mim, de modo que
me propus a alugar um local. Entretanto, olhando em volta,
vendo as montanhas, os vales, os rios, os lagos, as florestas,
ela pensou: por que não trabalho aqui? E por que não permito que a natureza trabalhe comigo?
Daí nasceu a ideia de “armazenar” as telas ao ar livre.
Eu levava o laptop e ficava escrevendo. Ela se ajoelhava na
grama e pintava. Um ano depois, quando retiramos as primeiras telas, o resultado era original e magnífico.
Vivemos naquele pequeno hotel dois anos inesquecíveis. Ela continuou a enterrar suas telas, já não mais por necessidade, e sim por ter descoberto uma nova técnica. Amazônia,
Mumbai, Caminho de Santiago, Lubijana, Miami. Hoje
está longe, mas amanhã, ou na semana que vem, estará
perto de novo. Dormindo ao meu lado. Contente, porque
seu trabalho começa a ser reconhecido no mundo inteiro.
50
CHRISTINA OITICICA
Christina na Montanha Yamabushi, em 2009.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
Eunate, técnica mista sobre tela, 140 x 540 cm, 2007.
Portal de volta para o futuro
A artista já expôs em mais de 60 galerias de 12
países – colaborou para o nascimento de uma nova
escola de pintura, em parceria com a natureza. Tornou-se uma das precursoras da land art no mundo,
já tem convites para continuar esse trabalho na
Eslovênia e na China e pretende cumprir o propósito de espalhar quadros pelo mundo. Vem inovando
em projetos como a exposição virtual Sinais em que
fotografava as marcas deixadas por lenhadores na floresta e intervinha com suas pinturas por meio de
computação gráfica. Contudo, não pretende parar
por aí e promete permanecer na crista das inovações
para o novo milênio.
É muito interessante observar como a sua relação com o Caminho de Santiago e a sua vida na Europa abriu as portas de um mundo de possibilidades
para a artista que, em 2010, estreou a exposição Os
Portais, ao lado de Romero Brito e Paulo Coelho.
Nessa exposição, suas pinturas são permeadas por
textos de Paulo e intervenções de Romero Brito, representando os diversos portais do Caminho de Santiago – o da Glória, quando chegamos a Santiago; a
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Porta Santa (que só é aberta no Ano Santo), na qual
você fica livre de todos os seus pecados; o Portal do
Perdão, em Villafranca del Bierzo; os cem portais de
Eunate... São muitos e todos têm um significado.
Os peregrinos acreditam também haver os portais que não vemos. Aliás, sua obra vai tratar também dos diversos portais da vida da artista, levando
sempre um pouquinho de um lugar para outro; da
Amazônia para Estocolomo; da França para a
Espanha; das Índias para os europeus; do Brasil para
o mundo; dos escritores para os pintores; dos peregrinos para as telas.
Sua arte é feita de encontros com a natureza,
com as pessoas e suas histórias. Por isso, na obra de
Christina, a palavra “portal” não nos remete apenas
ao significado da palavra – porta principal ou conjunto de portas; vai além e nos remete à ideia de atravessar um lugar antigo para um novo; travessia entre o
que vemos e o que acreditamos; entre o antes e o depois. Assistir a Christina pintando é compreender isso:
Nas areias da praia, com sua tela de dois metros,
ela se prepara para começar sua performance. Quando
pinta, deixa para trás os compromissos e as preocupações, larga tudo o que é estático e viaja... Avista um
CHRISTINA OITICICA
portal e atravessa para dentro, deixa as histórias do
tempo se unirem às suas histórias e a envolverem como
pele, vestindo sua alma. Quando ela pinta, abre o interior e as cores desabrocham como pétalas. Vem a
água do mar, cobre a tela de conchas, Christina se
transporta. As ondas a carregam, através do tempo, e
ela avista marinheiros que temem encontrar sereias no
escuro da noite. Então, olha o horizonte perdido e,
com precaução, acende velas por eles. Deixa as
salamandras, os seres míticos feitos de fogo, dançarem
desenhando com cera na tela e se transporta aos palácios de outros tempos e quase pode escutar o chiado
das saias que se arrastam nos bailes. Quando ela pinta,
embarca na luz da cera até o Egito ou a Babilônia,
continua e chega a um círculo de pedras druidas e
encontra mulheres que dançam de mãos dadas e lhe
entregam uma folha. Nesse momento, cai a chuva que
traz do ar as folhas. Ela volta para a praia, com a tela
coberta de estranhas folhagens, mistura-as com a tinta e, enquanto pinta, o braço da terra a abraça carinhosamente. De dentro de seu ventre, a pintura
simplesmente vem e a leva de volta para casa, onde as
areias da praia se transformam nas areias do tempo,
que contam histórias perdidas, guardadas por séculos
no sopro do vento, nas tumbas de faraós, nas pedras,...
revelando os segredos de rainhas, a sabedoria de sacerdotisas, o canto de feiticeiras, a sensualidade das ciganas, a inocência dos índios... Mas ela não sabe de nada
disso. Isso simplesmente acontece, e ela só sabe que
quando pinta une as vozes do tempo e tudo o que
importa é o agora. Cada quadro se torna uma rede
que a prende até a última gota cair sobre a tela, e de-
Viloria 1,
técnica mista sobre tela,
40 x 50 cm, 2006.
Viloria 2,
técnica mista sobre tela,
40 x 50 cm, 2006.
Viloria 3,
técnica mista sobre tela,
40 x 50 cm, 2006.
pois a solta para que outros possam se prender ali por
alguns instantes. Quando pinta, ela mostra cada parte
de sua história. Outras vezes, sua história desaparece,
e ela é qualquer pessoa, é parte do vento, da água, da
terra. Quando pinta, ela não tem idade, é a euforia de
menina sem preocupações, é a donzela em sua sensualidade voluptuosa, é a anciã em sua sabedoria infinita.
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
CURRICULO DA ARTISTA
2011
2008
Caminhos do Sol Nascente e Poente – Fliporto – Olinda – Brasil
XVI CIAB (Exposição Coletiva) – Museu Inmá de Paula – Belo
Horizonte – Brasil
XVI CIAB (Exposição Coletiva) – Casa do Brasil – Madrid – Espanha
Caminhos do Sol Nascente e Poente – ONU – Nova Iorque – USA
XVI CIAB (Exposição Coletiva) – Museu Montemor-o-Novo – Portugal
Palavra e Imagem (Exposição Coletiva) – Centro Cultural dos
Correios – Rio de Janeiro – Brasil
XVI CIAB (Exposição Coletiva) – Lateinamérika Institut – Viena –
Áustria
Carnaval é Arte (Exposição Coletiva) – Salvador – Brasil
Amazonia Exhibit – Britto Central Gallery – Miami – USA
Salon de la Société Nationale des Beaux-Arts (Exposição Coletiva) – Carrousel du Louvre – Paris – França
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Château El Peregrino –
Puente la Reina – Espanha
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Centro Cultural Caja España
– Ponferrada – Espanha
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Centro Cultural Caja España
– León – Espanha
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Centro Cultural Caja España
– Astorga – Espanha
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Bembibre – Espanha
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Hospital de Órbigo –
Espanha
St. Moritz Art Maters Festival – St. Moritz – Suíça
2010
Ritmos e Cores do Brasil (Exposição Coletiva) – Casa do Brasil –
Madrid – Espanha
Os Portais – Parador dos Reis Católicos – Santiago de Compostela
– Espanha
A Nuvem e a Duna – Lançamento do livro infantil – São Paulo e
Rio de Janeiro – Brasil
Amazônia – Hotel Diplomat – Estocolmo – Suécia
Kumano Kodo – Hongu Center – Tanabe – Japão
2009
Art en Capital (Exposição Coletiva) – Grand Palais – Paris – França
Momento Brasil (Exposição Coletiva) – Momento Art Gallery –
Washington – USA
St. Moritz Art Maters Festival – St. Moritz – Suíça
Camino Peregrino – Santiago’s Path – BiondettalGallery – Madrid
– Espanha
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Igreja da Universidade –
Santiago de Compostela – Espanha
Terres Indigènes (Exposição Coletiva) – Centre Culturel Joël le
Theule – Sablé-sur-Sarthe – França
Cores Tropicais (Exposição coletiva) – AVA Galleria – Helsinki –
Finlândia
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2007
Camino Peregrino – Santiago’s Path – Château El Peregrino –
Puente la Reina – Espanha
Infr’action/Performance’s Festival – Sète – França (Curador: Jonas
Stampe)
Decentrismo – Kalicz – Polônia
2006
Infr’action/Performance Festival – Sète – França (Curador: Jonas
Stampe)
Exhibit 4B – As Neves – Espanha (Curadora: Risoleta Cordola)
BACI Gallery – Washington – USA
Temporary Art Centre – Eindhoven – Holanda (Curadores: Alex
Valle & Penha Rosa)
2005
Louis Vuitton – São Paulo – Brasil
Louis Vuitton – Rio de Janeiro – Brasil
CROUS Gallery – Paris – França (Curadora: Hélène Villefort)
Maison des Écritures – Lyon – França
CHRISTINA
CHRISTINAOO
ITICICA
ITICA
2004
1999
Centro Cultural França-Brasil – Rio de Janeiro – Brasil (Curadoras:
Fátima Alegria, Lucrécia Vinhaes)
Candido Portinari Gallery – Rome – Itália (Curadoras: Fátima Alegria, Lucrécia Vinhaes e Risoleta Cordola)
4th Exhibition of Photography – Liège Biennale – Bélgica
Centro Cultural Cândido Mendes – Rio de Janeiro – Brasil
(Curadora: Lucia Py)
Centro de Arte Hélio Oiticica Art Centre – Rio de Janeiro – Brasil
(Curadora: Lucia Py)
2003
Artexpo – Jacob Javits Convention Center – New York – USA
(Curadores: Cilene Cooke e Sheila Ataide)
Portal Gallery – São Paulo – Brasil (Curadora: Lucia Py)
Mestnua Gallery – Ljubljana – Eslovênia (Curador: Aleksander
Bassin)
UNESCO Palace – International Art Exhibition – Beirut – Líbano
(Curadora: Lena Kelekian)
Centro Cultural França-Brasil/Exposição Virtual – Rio de Janeiro
Brasil (Curadores: André Couto e Flávia Castro)
Montrouge’s 48th Salon of Contemporary Art – Montrouge – França
(Curadora: Nicole Ginoux)
Época Gallery – Goiânia – Brasil (Curador: Júlio José Fratus)
1998
1997
Citibank – Rio de Janeiro – Brasil
Museu de Belas Artes – Rio de Janeiro – Brasil
1996
Centro Cultural França-Brasil – Rio de Janeiro – Brasil
2002
1995
Lafayette Galleries – Paris – France (Curador: Jean Luc-Choplin)
De Melkeerij – Beisem – Bélgica (Curador: Veerle Declereq)
Museu de Belas Artes – Rio de Janeiro – Brasil (Curadora: Risoleta
Cordola)
Oscar Wilde’s House – Dublin – Irelanda (Curadora: Risoleta
Cordola)
Museu Histórico Nacional – Rio de Janeiro – Brasil
1994
Light Centro Cultural – Rio de Janeiro – Brasil
1993
Casa d’España – Rio de Janeiro – Brasil
2001
Debret Gallery – Paris – França (Curadora: Nina Chaves)
La Petite Galerie – Brussels – Bélgica (Curadora: Liliane Laroche)
Artexpo – Jacob Javits Convention Centre – New York – USA
(Curadora: Lucia Py)
Aeroporto de Guarulhos – São Paulo – Brasil (Curadora: Lucia Py)
2000
La Maison Du Temps – Paris – França (Curadora: Risoleta Cordola)
Poste Gallery – Niterói, Rio de Janeiro – Brasil (Curador: Rafael
Pimenta)
Museu Histórico Nacional – Rio de Janeiro – Brasil (Curadora:
Nomanda de Freitas)
1991
Centro Cultural Avatar – Rio de Janeiro – Brasil
Caixa Econômica Federal – Olinda – Brasil
Jymmy Bastian Pinto – Rio de Janeiro – Brasil
1985
Performance no Metrô – Rio de Janeiro – Brasil
1984
Parque Lage – Rio de Janeiro – Brasil
Museu de Arte Moderna – Rio de Janeiro – Brasil
Bazar Brasil – Rio de Janeiro – Brasil
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C ONTANDO
A
ARTE
DE
A autora: Patrícia De Luna
Formada em Psicologia pela PUC – Pontifícia Universidade Católica, fez
cursos na Dean And Edward Foundation em creative writting e Pós-Graduação
em Literatura Infantojuvenil, com ênfase nas raízes medievais dos contos de
fada, na UFRJ.
É professora da Facha – Faculdades Integradas Hélio Alonso, onde ministra o curso Laboratório do Autor.
Teve suas peças A Lenda De Apoena e As Fadas De Oscar Wilde encenadas
entre Rio de Janeiro e São Paulo.
Publicou o infantil Leo No Mundo do Espelho pela Réptil Editora.
Atua ainda como roteirista para a Documenta Filmes.
Contatos: [email protected]
Http://patriciacarneirodeluna.blogspott.com
http://patricia2005.multiply.com
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