Histeroscopia cirúrgica 49
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Histeroscopia cirúrgica 49
Alberto Fradique 1. INTRODUÇÃO A histeroscopia cirúrgica é o procedimento cirúrgico de menor morbilidade e mortalidade para o tratamento de patologia benigna intra-uterina. É, por isso, a técnica preferencial para o tratamento deste tipo de patologia. Na histeroscopia cirúrgica temos de distinguir dois grandes grupos: a histeroscopia cirúrgica em consultório, para os procedimentos mais simples, e a ressectoscopia para as situações mais complexas. Cada um destes grupos será abordado separadamente. cos (fórceps e tesouras). A electrocirurgia só foi introduzida em 1976 (Neuwirth, 1976) e a ressectoscopia moderna por A. DeCherney e M. Polan em 1983 (1.a ressecção de endométrio). A evolução dos histeroscópios4, com a diminuição do seu diâmetro (5,5 a 3,2 mm), com fluxo contínuo e canais de trabalho de 5 Fr e a introdução de geradores de energia bipolar com o uso de eléctrodos de 5 Fr (VersaPoint, 1996)2, são a base da histeroscopia moderna. 2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA 3. HISTEROSCOPIA CIRÚRGICA EM CONSULTÓRIO Apesar do interesse crescente pelas técnicas endoscópicas desde o início do século XX, a dificuldade de visualização da cavidade uterina, devida à sua forte musculatura e dificuldade de distensão, bem como ao fácil sangramento, levou a que só a partir de 1970 esta técnica fosse aceite como método de diagnóstico e tratamento da patologia uterina intracavitária. Para essa aceitação foi determinante a evolução das ópticas (Hopkins, 1953), a demonstração da segurança de meios de distensão, como o CO2 (Lindemann, 1972), dextran 30% (Levine e Neuwirth, 1972) e Hyskon (Edstrom, 1970). A introdução das câmaras de vídeo foi outro dos avanços que levou ao desenvolvimento desta técnica, facilitando a sua realização e ensino. As primeiras cirurgias histeroscópicas foram realizadas com instrumentos mecâni- A histeroscopia cirúrgica em consultório surgiu como um complemento da histeroscopia diagnóstica, numa tentativa de tratar pequenas patologias encontradas durante a sua realização. Inicialmente realizada exclusivamente com instrumentos mecânicos (pinças, pinças de biopsia e tesouras) era limitada pelo calibre excessivo dos histeroscópios utilizados e pela capacidade dos instrumentos mecânicos. A evolução técnica dos equipamentos permitiu uma redução significativa do diâmetro dos equipamentos utilizados e, consequentemente, uma utilização mais disseminada. Contudo, a grande expansão da histeroscopia em consultório só ocorreu com a aplicação da energia bipolar a este tipo de procedimentos2,6,32 – o primeiro equipamento especificamente desenhado com este objectivo foi comercializado com 511 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 49 Histeroscopia cirúrgica tensão e a lavagem da cavidade. Têm ainda de ter um canal de trabalho de pelo menos 5 Fr4. Existem também mini-ressectoscópios com baixos diâmetros (16 Fr), estando reportada a sua utilização em ambulatório10. 3.1. INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES 3.2.2. FONTE DE LUZ FRIA E RESPECTIVO CABO As principais indicações para o tratamento em consultório são: — Pólipos endometriais – únicos ou múltiplos, geralmente com dimensões inferiores a 3 cm. — Miomas submucosos – ressecção de pequenos miomas (< 2 cm) e preparação para ressectoscopia de miomas de maiores dimensões, em especial, os miomas tipo II. — Ressecção de sinequias uterinas. — Ressecção de septos uterinos. — Remoção de dispositivo intra-uterino (DIU) sem fios visíveis. — Remoção de restos ovulares persistentes. — Remoção de fragmentos ósseos. — Laqueação tubária. — Tratamento de patologia pré-maligna e maligna em situações seleccionadas. As contra-indicações são: — Doença maligna do colo uterino. — Doença inflamatória pélvica activa. — Gravidez. A pré-existência de patologia grave, em especial do foro cardiovascular, não sendo uma contra-indicação, aconselha uma avaliação cuidadosa. A presença dum pacemaker não é, por si só, contra-indicação para a realização do tratamento ou para o uso de energia bipolar na cavidade uterina. Sendo o útero um músculo e a cavidade uterina uma cavidade virtual, torna-se necessário distendê-la para uma correcta inspecção e para o eventual tratamento de patologia nela existente. Actualmente, para tratamento cirúrgico, o meio de distensão mais utilizado é o soro fisiológico (NaCl a 0,9%), que permite uma boa distensão, a lavagem da cavidade e o uso de energia bipolar2,4,27. Para distender o útero é necessário que o meio de distensão se encontre sob pressão. Em histeroscopia de consultório os sistemas de pressão mais utilizados são os sacos de pressão, que podem ser insuflados manualmente ou com uma bomba eléctrica que permite um controle preciso da pressão de distensão do útero. Equipamentos mais sofisticados podem também ser utilizados (veja-se Ressectoscopia – Equipamentos), contudo representam um custo acrescido sem claras vantagens neste tipo de procedimento. 3.2. EQUIPAMENTO 3.2.4. CÂMARA DE VÍDEO E MONITOR 3.2.1. HISTEROSCÓPIOS Também estes equipamentos tiveram uma grande evolução. Embora uma câmara de vídeo de um chip seja habitualmente suficiente, as mais modernas câmaras de três chips permitem uma visualização mais nítida, sendo por isso recomendável a sua utilização. Os histeroscópios actuais vêem equipados com ópticas de baixo diâmetro. É fundamental uma cânula de fluxo contínuo para permitir a circulação permanente do meio de dis- 512 Semelhantes aos utilizados na histeroscopia diagnóstico, devendo a intensidade luminosa ser de, pelo menos, 250 W. 3.2.3. MEIOS DE DISTENSÃO E SISTEMA DE PRESSÃO (Fig. 1) Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 o nome de VersaPoint, permitindo um tratamento eficaz com eléctrodos de muito baixo diâmetro (5 Fr), tornando o seu uso possível com histeroscópios que, actualmente, podem ter um diâmetro inferior a 4 mm. Figura 2. Gerador VersaPoint. Figura 1. Bomba com sacos de pressão. 3.2.5. INSTRUMENTOS MECÂNICOS Pinças de preensão e tesouras com diâmetro compatível com o histeroscópio usado, geralmente de 5 Fr. Figura 3. Eléctrodos VersaPoint. 3.2.6. GERADOR BIPOLAR 3.3. ANESTESIA Um gerador bipolar é fundamental para a realização de histeroscopia cirúrgica em consultório2,4. A energia bipolar veio substituir os instrumentos mecânicos em grande parte dos procedimentos histeroscópicos em consultório. O primeiro equipamento comercializado e, também, o mais eficiente, foi o VersaPoint (Fig. 2). Duma forma geral, estes equipamentos são constituídos por um gerador e eléctrodos que podem ser usados através dum canal de 5 Fr. Quando activados estes eléctrodos destroem o tecido, vaporizando-o em pequenas partículas que são removidas pelo sistema de fluxo contínuo do histeroscópio. O sistema VersaPoint dispõe de três eléctrodos (Fig. 3): um, cuja ponta é mais longa e fina (Twizle), funciona como um bisturi, permitindo o corte dos tecidos; outro, com Os procedimentos efectuados em consultório são, por definição, procedimentos efectuados em doentes conscientes. A utilização ou não de anestesia local e paracervical é controversa. Devido às diferentes origens da enervação uterina a anestesia paracervical apenas permite anestesiar a zona do colo uterino, não sendo eficaz no que diz respeito ao corpo do útero5. Também, as patologias mais frequentemente tratadas (pólipos, miomas, septos e sinequias) não são enervadas, sendo por isso a sua excisão indolor. Estes factos levam a que, actualmente, a anestesia local e paracervical seja considerada desnecessária por grande parte dos especialistas nesta área24. Contudo, a nossa experiência pessoal mostra que, mesmo usando histeroscópios de baixo diâmetro, Histeroscopia cirúrgica 513 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 uma ponta mais larga e curta (Spring), tem um efeito fundamentalmente destrutivo (vaporização) e menor capacidade de corte; e o terceiro eléctrodo, destinado à coagulação, é raramente utilizado. A potência e a voltagem são reguladas automaticamente pelo gerador em função do eléctrodo usado. O seu ajustamento manual só é necessário em situações especiais. 3.4. PREPARAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Tratando-se dum procedimento realizado numa doente consciente é muito importante estabelecer uma relação de confiança médico-doente. A explicação cuidadosa do procedimento e a resposta clara às dúvidas é um aspecto fundamental no estabelecimento dessa relação. A doente deve ser informada que pode tomar as suas refeições normais, sendo o jejum desnecessário. A medicação pré-operatória recomendada é a seguinte: — Um comprimido de anti-inflamatório não esteróide 1 h antes do procedimento. — Quando existe uma estenose marcada do canal cervical (doentes sem partos por via vaginal, em especial quando na menopausa), é conveniente a administração duma prostaglandina para facilitar a introdução do histeroscópio (misoprostol, 1 comprimido intravaginal, fraccionado em 4 partes, 8-12 h antes do exame, ou oral, 2-4 h antes do exame). 514 — A antibioterapia profilática é habitualmente desnecessária, excepto quando indicada devido à existência doutras patologias (p. ex. profilaxia da endocardite bacteriana). 3.5. TÉCNICA A histeroscopia cirúrgica, em mulheres que menstruem, deve ser efectuada após a menstruação, altura em que o endométrio é menos espesso. Desta forma, é possível uma melhor visualização da cavidade uterina, menor sangramento, melhor caracterização das patologias existentes e mais fácil tratamento. 3.5.1. TÉCNICAS DE ENTRADA NA CAVIDADE UTERINA Técnica vaginoscópica Esta técnica, proposta por Bettocchi, permite uma entrada extremamente atraumática de histeroscópios de baixo diâmetro. Tem a vantagem de ser desnecessária a utilização de espéculo, valvas ou pinça de Pozzi, visto que o histeroscópio é introduzido na vagina, o orifício externo do cérvix é visualizado e o histeroscópio directamente introduzido neste, progredindo depois, sob visão directa até à cavidade uterina. Dada a necessidade de utilizar histeroscópios muito finos, torna-se necessário fraccionar as patologias a remover (pólipos, miomas...) em fragmentos muito pequenos. Também as reentradas múltiplas para retirar os fragmentos são mais demoradas. Por isso, esta técnica é especialmente adequada, para além da histeroscopia diagnóstica, no tratamento de septos, sinequias e pequenos pólipos, bem como para a realização de procedimentos de esterilização. Técnica clássica Consiste na visualização directa do cérvix usando espéculo ou valvas de Kritler, aplicação duma pinça de Pozzi no lábio Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 as doentes parecem tolerar melhor o tratamento quando é utilizada uma anestesia local, em especial nos procedimentos mais complexos (miomas, pólipos > 1 cm). A utilização de anestesia paracervical tem ainda a vantagem de permitir a introdução indolor, através do canal cervical, de histeroscópios com maior diâmetro77 (5,5 mm), o que facilita a remoção das patologias excisadas. Quando a opção for utilizar anestesia paracervical, usa-se habitualmente lidocaína a 2%, sem adrenalina. A aspiração antes de injectar o anestésico é fundamental para evitar a injecção directa num vaso sanguíneo. A sedação da doente é também usada em centros com equipamento e condições para a sua realização, embora seja desnecessária na grande maioria dos casos, quando o procedimento é realizado por um cirurgião bem treinado. Dificuldades na entrada — Estenose do orifício externo e canal cervical: ocorre frequentemente em mulheres pós-menopáusicas, nulíparas e/ou sem partos por via vaginal. Cirurgias anteriores do cérvix são também factor predisponente. Geralmente é possível ultrapassar estas situações utilizando uma ou mais das seguintes técnicas: v Uso de histeroscópios de baixo diâmetro. v Dilatação química do canal com prostaglandinas (misoprostol, 100 mg, 1 comprimido fraccionado em 4 partes, intravaginal, algumas horas antes). v Dilatação do orifício externo e dos primeiros 5 mm do canal cervical com vela de Heggar do diâmetro do histeroscópio a utilizar, de forma a permitir a introdução da ponta do histeroscópio no canal cervical e a sua posterior progressão sob visão directa. — Sinequias que provocam a oclusão do canal cervical: situação menos frequente que a anterior e com os mesmos factores predisponentes. Frequentemente, com uma pinça de 5 Fr, é possível ultrapassar a sinequia. A mesma pinça pode depois ser usada como histerómetro para garantir que não houve perfuração. Histeroscopia cirúrgica 3.5.2. TÉCNICA CIRÚRGICA – NORMAS GERAIS — Utilizar a pressão de distensão mínima para permitir uma visualização correcta – iniciar com 50 mmHg e aumentar progressivamente, se necessário. — Visualizar adequadamente toda a extensão a cortar/vaporizar. — Quando se utiliza energia bipolar, evitar tocar com os eléctrodos activados no miométrio. — Quando necessário fraccionar a patologia existente para que esta possa ser retirada através do canal cervical. Esse fraccionamento deve iniciar-se pela parte mais distante do ponto de inserção no útero. 3.6. EXÉRESE DE PÓLIPOS ENDOMETRIAIS (FIGS. 4-13) Os pólipos endometriais são a patologia endocavitária uterina mais frequente16,50. Com origem no endométrio são, na sua grande maioria, benignos. Contudo, a literatura internacional mostra que em 1-4% existem atipias no seu interior34,47,64. A imagem histeroscópica não permite, em muitos destes casos, excluir a existência de uma situação maligna ou pré-maligna. O exame ecográfico com Doppler também não permite excluir a existência de atipias71. Sendo, actualmente, a morbilidade da sua remoção muito baixa, considera-se adequada a remoção de todos os pólipos64,48. Nos pólipos pequenos a exérese com meios mecânicos (tesoura) é possível13. Em alternativa, pode também utilizar-se um laço (laço de Duckbill)22, efectuando-se o corte pela base de inserção do pólipo. Contudo, a remoção mecânica é frequentemente incompleta e, por isso, as recidivas são frequentes. A utilização de energia bipolar para a remoção dos pólipos permite não só o tratamento de pólipos de maiores dimensões, mas também a sua remoção completa, evitando as recidivas. 515 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 anterior do cérvix, introdução do histeroscópio no orifício externo do colo uterino e sua progressão até à cavidade uterina, sob visão directa. É evidentemente uma técnica mais traumática que a anterior, tendo como vantagens permitir uma mais rápida reentrada quando se retiram múltiplos fragmentos; poder ser associada a anestesia paracervical; possibilitar a utilização de histeroscópios de maior diâmetro (5,5 mm) e, consequentemente, retirar fragmentos maiores, diminuindo, assim, o tempo operatório. São estas vantagens que tornam esta técnica preferencial para os procedimentos mais complexos (miomas, pólipos > 1 cm ou múltiplos). Figura 6. Corte da 2.a porção. Figura 4. Observa-se um pólipo maior fúndico e vários sésseis. Linhas pretas indicam o corte em 3 porções. Figura 5. Corte com VersaPoint da 1.a porção, usando o eléctrodo Twizle. 516 Figura 7. Pólipo restante com inserção no fundo. 1: linha de corte do pedículo; 2: fraccionamento para caber no endocolo. Figura 8. Pedículo parcialmente cortado. Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Alguns aspectos são importantes na exérese de pólipos com energia bipolar: — No caso de pólipos múltiplos começarse pelos que estão mais acessíveis. — Quando a dimensão dos pólipos o exigir, fraccioná-los em pedaços que caibam no canal cervical, começando pela zona mais distante do seu ponto de inserção e aproximando-se progressivamente deste. — Vaporizar a zona de inserção até ao músculo, para evitar as recidivas. Figura 12. Linhas de corte dos restantes pólipos sésseis. Figura 10. Corte da restante base e libertação do pólipo. Figura 13. Imagem final. Tratamento completo. 3.7. TRATAMENTO DE MIOMAS SUBMUCOSOS (FIGS. 14-20) Figura 11. Base de inserção, vendo-se o miométrio. Histeroscopia cirúrgica Os miomas submucosos são frequentemente causa de menorragias, anemia e infertilidade, necessitando de ser removidos. Apenas os mais pequenos, com dimensões inferiores a 20 mm, podem habitualmente ser removidos em consultório2. Os outros, quando o componente intramural é significativo (miomas tipo II), podem apenas ser «preparados» para remoção por ressectoscopia no bloco operatório1. Quando se procede à exérese de miomas em consultório é frequente a necessidade de 517 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Figura 9. Fraccionamento pela linha 2. Figura 15. A 1.a porção é fraccionada em três partes, antes de totalmente separada, para caber com canal cervical. Figura 16. Os três fragmentos já cortados, vão ser separados do restante mioma e removidos. Figura 14. Mioma submucoso tipo I, com inserção posterior. A linha indica o 1.o corte, oposto à base de inserção do mioma. No caso dos miomas com componente intramural importante e dimensões que não permitam o seu tratamento em consultório, pode-se fazer um tratamento com o objectivo de diminuir o componente intramural, de forma a poder-se fazer a remoção completa por ressectoscopia num único procedimento. 518 Figura 17. O restante mioma é fraccionado e os fragmentos removidos. Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 mais de um procedimento, frequentemente dois com 30 dias de intervalo. Na exérese de miomas os seguintes aspectos são importantes: — Iniciar a exérese na zona mais distante da base de inserção do mioma. — Cortar pequenos fragmentos que caibam facilmente no canal cervical. — Após remover grande parte do componente submucoso do mioma, tentar libertar a sua base de inserção para permitir exteriorizar o componente intramural do mioma e facilitar o seu corte em pequenos fragmentos. — O eléctrodo pode ser dobrado contra o mioma de forma a permitir um melhor ângulo de corte. — Nos miomas fúndicos é frequentemente necessário vaporizar o componente intramural por não haver acesso para o eléctrodo de corte. Figura 18. O corte atinge a base de inserção do mioma e o miométrio é visível. Figura 21. Final do 1.o procedimento, após remoção da parte submucosa do mioma. Figura 19. Imagem da parede uterina após a remoção completa do mioma. Figura 22. Mesma doente, 30 dias depois. A parte intramural do mioma exteriorizou-se. 3.8. TRATAMENTO DE SEPTOS UTERINOS (FIGS. 23-25) Figura 20. Imagem final da cavidade uterina após ressecção do mioma. Histeroscopia cirúrgica O tratamento de septos uterinos em consultório é fácil, podendo ser utilizada a técnica 519 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Esta preparação pode ser efectuada de duas formas: — Remoção da porção submucosa do mioma (Figs. 21 e 22). — Libertação da cápsula do mioma: esta técnica, descrita com o nome de OPPIUM por Bettocchi1, consiste em libertar o mioma da sua base de inserção no miométrio, estimulando assim a sua exteriorização para a cavidade uterina. Figura 24. Durante o corte com VersaPoint. Figura 25. No final, após corte do septo, observando-se vaso sangrando. 3.9. TRATAMENTO DE SINEQUIAS UTERINAS (FIGS. 26-28) Figura 23. Septo, atingindo o istmo. 520 As sinequias uterinas, dependendo do seu grau, podem ser de tratamento simples ou complexo60. Só os casos simples, em que os pontos de referência são claros, devem ser tratados em consultório. Os outros, devido ao risco de ruptura uterina, necessitam de tratamento histeroscópico e laparoscópico combinado, não devendo por isso ser tratados em consultório. A lise da sinequia pode ser efectuada com tesoura ou com energia bipolar, usando um eléctrodo de corte. Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 vaginoscópica de entrada na cavidade uterina, visto que não há quaisquer produtos a remover. Mesmo os pequenos septos, com 13-15 mm, podem interferir com o curso normal da gravidez e aumentar a incidência de partos pré-termo66. É fundamental o diagnóstico diferencial com outras anomalias uterinas, nomeadamente útero bicórneo, para evitar o risco de ruptura uterina. Este diagnóstico pode ser feito por ecografia41. Os septos são estruturas avasculares, fibrosas e não enervadas, características que permitem distingui-los do miométrio20. O seu corte pode ser efectuado mecanicamente com tesoura ou com energia bipolar, podendo o seu tratamento em consultório ser efectuado de forma segura e eficaz20,28,30,35,36. No tratamento os seguintes aspectos são importantes: — Diagnóstico seguro de septo uterino. — Boa visualização de ambas as cavidades. — Diminuir a pressão para permitir o sangramento se e quando se ultrapassar o septo, que é avascular, e tiver sido atingido o miométrio. — Ter em atenção que um pequeno resíduo de septo e um ligeiro arqueamento do útero, inferior a 1 cm, não interfere com a normal evolução duma futura gravidez. Existe ainda pouca experiência no tratamento histeroscópico deste tipo de situações. Contudo, o tratamento tem apresentado resultados de elevada eficácia na resolução de situações em que o tratamento convencional não foi eficaz. Quando se trata de pequenos restos ovulares persistentes, frequentemente após curetagem, a sua remoção sob visão directa em consultório está indicada9. Figura 26. Sinequia com pontos de referência claros. Figura 27. Corte das sinequias. Figura 29. Restos ovulares residuais pós-curetagem. Figura 28. Cavidade uterina ampla após corte das sinequias. Figura 30. Após o tratamento com VersaPoint. Histeroscopia cirúrgica 521 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 3.10. TRATAMENTO DE RESTOS OVULARES (FIGS. 29-31) O tratamento é geralmente difícil, quer por estes tecidos serem muito friáveis e facilmente dificultarem a visibilidade, quer porque frequentemente são muito vascularizados, o que também dificulta a visibilidade, imprescindível ao seu tratamento. Nos casos em que as dimensões dos produtos retidos são superiores a 15 mm, a sua remoção por ressectoscopia é preferível. 3.12. TRATAMENTO DE SITUAÇÕES PRÉ-MALIGNAS E MALIGNAS Alguma experiência tem sido acumulada no tratamento de patologias atípicas por histeroscopia, em casos em que se pretende preservar a fertilidade e em casos com grande risco cirúrgico para uma cirurgia mais agressiva (veja-se Ressectoscopia – Tratamento de situações pré-malignas e malignas). 3.11. ESTERILIZAÇÃO HISTEROSCÓPICA DEFINITIVA 3.13. PÓS-OPERATÓRIO Existem actualmente dois métodos histeroscópicos para esterilização definitiva – Essure (Conceptus, Inc, Mountain View, CA) e Adiana (Hologic, Inc, Bedford, MA)75. Um método mais antigo, designado Ovabloc, encontrase actualmente em desuso, devido à sua maior frequência de falha. Ambas as técnicas provocam fibrose da porção intersticial da trompa, que ocorre num período de 3 meses. É necessária a utilização doutro método contraceptivo durante este período. A mais usada, e aquela em relação ao qual existe maior experiência, é o Essure. Esta técnica consiste na aplicação em cada trompa dum dispositivo que estimula uma reacção A recuperação é habitualmente imediata, sendo a única queixa frequente a persistência duma dor, semelhante à dismenorreia, que se resolve prontamente com a administração dum analgésico (nimesulida, 100 mg, 1 comprimido). Esta dor, uma vez tratada não é recorrente. Nalguns casos esporádicos as doentes necessitam repousar durante alguns minutos. A doente deve ser informada que uma pequena perda de sangue pode ocorrer nos dias seguintes aos do procedimento. Em alguns casos, este perda pode prolongar-se por 3 semanas ou até à menstruação seguinte. Não são de esperar quaisquer outros sintomas e a doente deve ser instruída para con- 522 Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Figura 31. Visão geral, após tratamento de restos ovulares. inflamatória dos tecidos, seguida de fibrose e oclusão total das trompas de Falópio. A aplicação dos dispositivos é efectuada através do canal de 5 Fr do histeroscópio. Sendo um procedimento muito simples e rápido (15 min), requer treino adequado do cirurgião em histeroscopia cirúrgica, quer pela precisão necessária, quer pelo elevado custo dos dispositivos. A recuperação da doente é imediata e a morbilidade mínima76. O controlo pós-operatório pode ser efectuado por ecografia, realizada após 3 meses. Nos casos em que a aplicação foi difícil, é recomendada a realização de histerossalpingografia. Não são conhecidos casos de gravidez com dispositivos correctamente aplicados e controlados. 3.14. COMPLICAÇÕES As complicações da histeroscopia cirúrgica em consultório são raras e de muito baixa morbilidade. O desencadeamento de sintomas de síndrome vagal no decorrer do tratamento é a complicação mais frequente, que requer especial atenção e a paragem imediata do procedimento. Analisaremos seguidamente as várias complicações possíveis e o seu tratamento: quentemente, muito importante usar uma pressão baixa (iniciar com 50 mmHg) e ter o treino necessário para efectuar o tratamento de forma tão rápida quanto possível. Apesar de todos os cuidados nem sempre é possível evitar o aparecimento de sintomas iniciais de síndrome vagal. Quando estes sintomas ocorrem deve-se parar imediatamente o procedimento. Desta forma o doente recupera em poucos minutos, tornando-se desnecessário qualquer outro tratamento. No caso de perda de consciência, as medidas de suporte de vida apropriadas devem ser adoptadas, tendo especial atenção evitar-se a obstrução das vias aéreas superiores. 3.14.1. SÍNDROME VAGAL 3.14.2. PERFURAÇÃO UTERINA Os sintomas iniciais de síndrome vagal são a complicação mais frequente da histeroscopia em consultório. Estes sintomas (náuseas e/ou vómitos, pele fria e suada, bradicardia e alterações da consciência) ocorrem, na nossa estatística, em 0,05% dos procedimentos. Geralmente a situação só ocorre em procedimentos longos e complicados, e encontra-se habitualmente associado a dor mais intensa23. Para minorar a incidência desta situação devemos evitar provocar dor ou incómodo excessivo durante o procedimento. Para tal, é necessário minorar as causas da dor neste tipo de procedimento. Verificamos que as doentes se queixam de dois tipos de dor: uma aguda e outra do tipo moinha. A dor aguda é causada pelo contacto do eléctrodo activado com o miométrio. Esta dor ocorre geralmente no final dos procedimentos quando tratamos a base de inserção dos pólipos e dos miomas. O uso de pequenos pulsos de energia e a regulação manual da potência e voltagem (VCR) de trabalho permitem minorar esta dor. A dor do tipo moinha, que as doentes descrevem como semelhante à dismenorreia, geralmente agrava-se progressivamente ao longo do procedimento. Esta dor está dependente da duração do procedimento e da pressão de distensão utilizada. É, conseHisteroscopia cirúrgica Historicamente, a perfuração era a complicação mais frequente, ocorrendo em mais de 50% dos casos na entrada na cavidade uterina. Com a adopção de técnicas de entrada sob visão directa, a perfuração na introdução do histeroscópio tornou-se virtualmente impossível, excepto por má técnica ou nos casos, pouco frequentes, em que o canal se encontra totalmente obstruído. Durante o procedimento a perfuração uterina é também muito rara, sendo o procedimento de maior risco a lise de sinequias44. Na nossa estatística pessoal (> 3.000 casos) apenas ocorreu uma vez, no tratamento duma síndrome de Asherman. No caso de perfuração a atitude habitual é de vigilância, uma vez que o risco de hemorragia é mínimo. Se a perfuração ocorrer durante o uso dum eléctrodo bipolar activado existe o risco de lesão duma ansa intestinal. 3.14.3. EMBOLIA GASOSA Foram reportados, há vários anos, alguns casos em doentes tratados com sedação/anestesia geral, com o uso de eléctrodos VersaPoint2. Estes casos ocorreram em situação de utilização incorrecta do eléctrodo de vaporização, que foi usado de forma a perfurar profundamente o miométrio, com libertação das bolhas de gás 523 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 tactar o cirurgião caso tenha qualquer dúvida ou sintoma inesperado. 4. RESSECTOSCOPIA Os ressectoscópios podem ser mono ou bipolares conforme o tipo de energia usado. Em histeroscopia usam-se habitualmente ressectoscópios passivos (a ansa fica recolhida na posição de repouso). Vários elementos de corte podem ser adaptados: ansas, facas e bola ou cilindro para coagulação/vaporização dos tecidos. Estes elementos podem ser reutilizáveis ou de uso único, dependendo do modelo e marca do ressectoscópio. 4.1. INDICAÇÕES E CONTRA-INDICAÇÕES 4.2.2. GERADORES DE ENERGIA São indicação para a ressectoscopia: — Pólipos e miomas submucosos não tratáveis em consultório. — Meno e metrorragias resistentes à terapêutica de causas endometriais benignas. — Sinequias densas. — Septos uterinos. — Restos ovulares e placentares. — Tratamento conservador de situações malignas e pré-malignas uterinas. As contra-indicações são as mesmas da histeroscopia em consultório. O gerador a utilizar depende do tipo de energia com que se trabalha. A energia monopolar foi a energia usada desde os primórdios da ressectoscopia. Recentemente, tem vindo a ser substituída progressivamente pela energia bipolar, pela maior segurança que esta proporciona. Os modernos geradores bipolares, para além da vantagem de permitirem o uso de meios de distensão mais fisiológicos, apresentam ainda a vantagem de auto-regularem a potência de corte e coagulação em função da impedância dos tecidos a tratar. 4.2. EQUIPAMENTO 4.2.3. RESTANTE EQUIPAMENTO 4.2.1. RESSECTOSCÓPIOS Os ressectoscópios são compostos por uma óptica, um elemento de trabalho e duas cânulas sobrepostas, uma interior e outra exterior, de forma a permitir o fluxo contínuo do meio de distensão (Fig. 32). Semelhante ao usado para a realização de histeroscopia de consultório, sendo preferível usar para a distensão do útero uma das bombas de pressão comercializadas, que permitem um melhor controlo do débito e pressão do meio de distensão utilizado (Fig. 33). Figura 32. Ressectoscópio. Figura 33. Bomba de pressão. 524 Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 directamente em vasos sanguíneos. Esta utilização incorrecta é virtualmente impossível de ocorrer em doente consciente, visto que a vaporização do miométrio é muito dolorosa. Outras complicações serão tratadas em conjunto com as complicações da ressectoscopia, dada a sua raridade. O procedimento pode ser efectuado com anestesia locorregional ou geral. 4.4. MEIOS DE DISTENSÃO UTERINA O meio de distensão depende do tipo de energia utilizado. Quando se utiliza energia monopolar, o meio de distensão não pode conter electrólitos. Por isso, são habitualmente usadas soluções de sorbitol a 3% de manitol ou de glicina a 1,5%. Quando se utiliza energia bipolar o meio de distensão a utilizar é soro fisiológico (NaCl a 0,9%). tação é efectuada com velas de Heggar, devendo começar-se por uma vela de Heggar de diâmetro suficientemente baixo para a sua entrada se fazer sem resistência. Isto permite-nos avaliar a direcção do canal cervical, evitando assim falsos trajectos e perfurações. As velas seguintes devem ser introduzidas em sequência até se atingir o diâmetro do ressectoscópio. Nos casos em que se verifique dificuldade na introdução duma vela de Heggar fina, podese usar um histeroscópio diagnóstico para, sob visão directa, determinar o trajecto do canal cervical. 4.6.2. TÉCNICA DE RESSECTOSCOPIA 4.5. PREPARAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Para além das rotinas pré-operatórias habituais em qualquer cirurgia, é recomendável a aplicação de prostaglandinas intravaginais, algumas horas antes do procedimento (misoprostol, 1 comprimido fraccionado em 4 partes), para facilitar a dilatação cervical. 4.6. TÉCNICA 4.6.1. DILATAÇÃO CERVICAL Após esvaziamento vesical é, habitualmente, necessário dilatar o canal cervical para permitir a introdução do ressectoscópio. A dila- A técnica de ressectoscopia é igual, quer se usem ressectoscópio mono ou bipolares. Duma forma geral, a ansa é exteriorizada e colocada imediatamente atrás de patologia a ressecar. Só então é activada e recolhida de novo para o interior da cânula do ressectoscópio, cortando no seu trajecto uma fatia do tecido a ressecar (Fig. 34). Em simultâneo, em úteros grandes, a cânula do histeroscópio pode também ser retirada até ao orifício interno do canal cervical. Este procedimento é repetido até todo o tecido patológico ter sido ressecado. Os fragmentos são retirados com o ressectoscópio e enviados para exame anatomopatológico. move ment of the resec tosco pe 1 2 Fixed loop retrac tion o f loop into 3 tubing to cut chip Figura 34. Movimento do ressectoscópio (2) e da ansa (3) (de Modern Operative Hysteroscopy, Farrugia, M). Histeroscopia cirúrgica 525 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 4.3. ANESTESIA 4.7. RESSECÇÃO DE PÓLIPOS ENDOMETRIAIS A grande maioria dos pólipos pode ser tratada em consultório. Contudo, alguns, pelas suas dimensões ou por serem múltiplos, requerem o tratamento no bloco operatório com anestesia. A técnica usada é a descrita acima. 4.8. RESSECÇÃO DE MIOMAS SUBMUCOSOS (FIG. 35-37) Os miomas submucosos são frequentemente muito difíceis de tratar por histeroscopia em consultório, sendo necessário o seu tratamento por ressectoscopia. A dificuldade de tratamento depende do tamanho do mioma, da sua componente intramural e da sua localização. Geralmente inicia-se o tratamento pela remoção do componente submucoso do mioma, que habitualmente é acompanhada pela exteriorização para a cavidade uterina de parte do seu componente intramural, facilitando assim a sua remoção. Simultaneamente, a redução da componente intramural do mioma produz um espessamento do miométrio nessa zona, permitindo uma ressecção mais segura74. Em caso de necessidade a exteriorização da parte intramural do mioma para o interior da cavidade pode ser estimulada por massagem uterina68 ou pelo uso de prostaglandina59. Em alternativa, no tratamento dos miomas com componente intramural importante, pode utilizar-se a técnica da ansa fria (cold loop)14. Trata-se duma ansa sem energia, 526 que, por tracção sobre a parte intramural do mioma, promove a sua separação do miométrio. Esta técnica tem a vantagem de não lesar o tecido uterino saudável. Em miomas de grandes dimensões e com componente intramural importante (tipo II), é frequente a necessidade de efectuar o procedimento em dois tempos40, quer pelo risco de intravasão significativa, que limita o tempo de trabalho do cirurgião, quer por razões de segurança, uma vez que sabemos que, uma vez retirado o componente submucoso do mioma, o seu componente intramural tende a exteriorizar-se para a cavidade, tornando a sua ressecção mais fácil e diminuindo o risco de perfuração. O uso de ressectoscópios bipolares reduz a necessidade de cirurgia em dois tempos33, uma vez que o meio de distensão (soro fisiológico) é melhor tolerado pelo organismo, diminuindo os riscos da intravasão e permitindo ao cirurgião mais tempo de trabalho. No caso de miomas únicos, o risco de formação de sinequias após a sua ressecção é mínimo (1,5%)62. Contudo, a ressecção no mesmo tempo cirúrgico de múltiplos miomas, em especial quando «opostos» um ao outro, aumenta o risco de formação de sinequias11,37,62. A realização duma histeroscopia em consultório e a lise destas sinequias, 2 semanas após o procedimento, evita a sua consolidação e reformação62. Figura 35. Mioma tipo I com 7 cm de maior diâmetro. Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 Normalmente a ansa não deve ser activada quando está a ser exteriorizada da cânula do ressectoscópio, devido ao risco de perfuração. Quando se usa a bola ou o cilindro o movimento é semelhante, contudo, como o tecido é todo destruído, não há possibilidade de controlo histológico posterior. A faca, usada para o corte de septos e sinequias, é o único instrumento habitualmente activado no movimento de afastamento do ressectoscópio. Figura 36. Ressecção dum fragmento. A seta indica o sentido de movimento da ansa. Figura 37. Após a ressecção a base do mioma é visível. A preparação prévia por histeroscopia em consultório (OPPIUM)1 é outra técnica para reduzir a necessidade de dois procedimentos no bloco operatório. 4.9. RESSECÇÃO DE ENDOMÉTRIO A ressecção de endométrio consiste na remoção de toda a camada endometrial que reveste a cavidade uterina. Está indicada no tratamento de meno e metrorragias, nas situações de polipose endometrial em mulheres que terminaram a sua vida reprodutiva e nas situações de hiperplasia endometrial sem atipias. Em alternativa à ressecção endometrial pode ser efectuada uma ablação endomeHisteroscopia cirúrgica 4.10. SINEQUIAS UTERINAS Embora as situações de sinequias menos graves possam ser tratadas por via histeroscópica em consultório, nos casos de sinequias muito densas, em que não se observam quaisquer pontos de orientação, torna-se necessário o tratamento combinado histeroscópico e laparoscópico. Este último permite, por translucidez, avaliar a posição do histeroscópio e evitar perfurações. No tratamento pode usar-se o equipamento da histeroscopia de consultório (descrito anteriormente) ou o ressectoscópio. Neste caso usa-se a faca para corte das sinequias. Alguns ressectoscópios estão equipados com um elemento de trabalho que permite a utilização de instrumentos mecânicos, podendo, nesse caso, usar-se a tesoura para seccionar as sinequias. 4.11. SEPTOS UTERINOS Embora estas situações possam ser tratadas com facilidade e segurança por histeroscopia em consultório30, é também possível efectuar o seu tratamento por ressectoscopia, de maneira semelhante à usada para o tratamento de sinequias. 4.12. RESTOS OVULARES E PLACENTARES Por vezes ocorre a persistência de restos ovulares e placentares, mesmo após curetagem 527 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 trial. Esta técnica, de muito mais fácil execução cirúrgica, tem a desvantagem de não permitir o exame histológico do endométrio, sendo por isso necessária a certeza prévia da benignidade das alterações endometriais. A preparação prévia do endométrio com análogos de hormona libertadora das gonadotrofinas (GnRH)38,39 e com danazol39 facilitam a cirurgia e diminuem o tempo operatório, podendo por isso ser usada nos casos mais complexos. 4.13. TRATAMENTO DE SITUAÇÕES MALIGNAS E PRÉ-MALIGNAS A histeroscopia tem sido utilizada como tratamento de situações pré-malignas (hiperplasia complexa com atipias57,58,65, pólipos com atipias18,55) e carcinoma endometrial estádio 1A45,46,58, em mulheres que pretendem conservar a fertilidade. Nestes casos tem sido seguido um protocolo cirúrgico específico, com ressecção da lesão, ressecção do miométrio na zona de implantação da lesão e múltiplas biopsias. Em muitos casos o tratamento tem sido complementado com terapêutica médica. Um protocolo de seguimento, com vigilância e biopsias endometriais trimestrais, tem sido adoptado. Embora os resultados pareçam promissores, a adopção desta terapêutica necessita de mais estudos, para melhor avaliação dos seus riscos e segurança. 4.14. PÓS-OPERATÓRIO O pós-operatório é habitualmente simples, requerendo apenas vigilância das perdas hemáticas vaginais nas primeiras horas. A doente pode ter alta logo que recupere da anestesia e retomar a sua vida normal. É habitual uma pequena perda de sangue, que pode durar alguns dias ou até à menstruação seguinte. 528 4.15. COMPLICAÇÕES As complicações da ressectoscopia são pouco frequentes e de baixa morbilidade e mortalidade. Contudo, o incremento da histeroscopia de consultório para o tratamento das patologias intra-uterinas mais simples veio deixar para o tratamento ressectoscópico os casos mais complexos. Consequentemente, o treino adequado do cirurgião é fundamental, uma vez que, sendo os casos mais complexos, o risco de complicações aumenta43. As duas complicações mais frequentes são a intravasão excessiva e a perfuração uterina. 4.15.1. INTRAVASÃO EXCESSIVA Chama-se intravasão à entrada de líquido usado para distensão do útero na circulação sanguínea. A intravasão ocorre virtualmente em todos os procedimentos histeroscópicos, uma vez que a pressão de distensão usada no procedimento é sempre superior à pressão diastólica. A intravasão só é importante quando, por exceder os limites fisiologicamente tolerados pelo doente, provoca alterações que, se não diagnosticadas atempadamente, podem levar à morte. Estima-se em 0,2-0,4% a incidência desta complicação44, sendo mais frequente no tratamento de miomas submucosos tipo II e restos placentares e ovulares muito vascularizados. Nas ressecções endometriais a incidência desta complicação é menos frequente, sendo rara na ressecção de pólipos endometriais, septos e sinequias. A tolerância à intravasão e as suas consequências variam em função do meio de distensão utilizado. Nos procedimentos realizados com energia monopolar é necessário utilizar fluidos de distensão sem electrólitos para evitar a dispersão da corrente e permitir que esta actue sobre os tecidos. Por isso, são usados habitualmente os solutos com sorbitol 3%, que pode ser combinado com manitol para aumentar a diurese, ou glicina 1,5%. Os limites Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 da cavidade uterina. É frequente estes restos serem expulsos na menstruação seguinte, contudo, por vezes tal não ocorre. Nestes casos, a sua remoção por ressectoscopia parece a técnica mais eficaz49,67. Nestas situações existe, em muitos casos, uma vascularização exuberante do miométrio na sua zona de implantação, o que torna fundamental usar uma pressão de distensão tão baixa quanto possível (100 mmHg), para minimizar o risco de intravasão significativa, que pode ocorrer em poucos minutos. Histeroscopia cirúrgica — Uso de ressectoscópios bipolares quando disponíveis, em especial no tratamento das patologias de maior risco. A melhor tolerância do meio de distensão permite procedimentos mais prolongados e, quando ocorre uma situação de intravasão excessiva, o seu tratamento é mais fácil29. 4.15.2. PERFURAÇÃO UTERINA A perfuração uterina é considerada a complicação mais frequente. Pode ser mecânica ou térmica. As complicações mecânicas ocorrem mais frequentemente na dilatação do canal cervical e introdução do ressectoscópio. As térmicas resultam habitualmente de lesão eléctrica do miométrio durante o procedimento. Nas perfurações mecânicas do canal cervical existe o risco de hemorragia por laceração da artéria uterina ou de um dos seus ramos. Em situações raras pode ocorrer lesão da bexiga ou do recto. A dilatação progressiva e cuidadosa do canal cervical é a melhor prevenção. Nas perfurações da parede uterina com uso de energia eléctrica, para além do risco hemorrágico, existe também o risco de lesão eléctrica dum órgão adjacente, habitualmente o intestino. Nestes casos o risco de hemorragia é mínimo, excepto nas perfurações nas zonas dos cornos uterinos, mais vascularizadas. As lesões intestinais são também pouco frequentes. No caso de perfuração do corpo uterino o diagnóstico é geralmente fácil, quer pela perda de distensibilidade do útero, quer pela visualização da perfuração e/ou dos órgãos intra-abdominais. A atitude a tomar, para além da paragem imediata do procedimento, consiste habitualmente na vigilância sob internamento até ao dia seguinte, com monitorização dos sinais vitais. No caso de haver suspeita de lesão intestinal poderá proceder-se a uma laparoscopia diagnóstica seguida dos procedimentos cirúrgicos eventualmente necessários. 529 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 de intravasão tolerados pelo organismo humano com estes fluidos variam entre os 8001.000 cc, podendo ser menores em doentes com reserva cardíaca diminuída. A intravasão excessiva destes solutos tem como consequência um excesso de volume circulante, edema e edema pulmonar agudo, agravado por alterações hidroelectrolíticas, com hiponatremia, hipocalcemia e hiperglicemia51. Quando o meio de distensão utilizado é a glicina pode ainda ocorrer encefalopatia, por um dos produtos de metabolização da glicina ser a amónia. O tratamento inclui suporte de vida, diuréticos, reequilíbrio hidroelectrolítico e insulina se os valores de glicemia o justificarem52. Nos procedimentos realizados com energia bipolar o meio de distensão utilizado é o soro fisiológico (NaCl 0,9%). Este soluto, por ser isotónico com os fluidos orgânicos, é muito melhor tolerado. Os sintomas de intravasão excessiva só ocorrem habitualmente quando a entrada de líquido em circulação é superior a 3.000 cc (em doentes sem outras patologias). As consequências da intravasão excessiva são apenas as resultantes do excesso de fluido circulante: edema, edema pulmonar agudo e, nos casos mais graves, insuficiência cardíaca congestiva. O tratamento consiste em meios de suporte de vida e diuréticos. Quando detectada e tratada atempadamente a recuperação dos doentes é rápida e sem sequelas. A prevenção desta complicação é fundamental. As medidas de prevenção a adoptar são as seguintes: — Utilização duma pressão de distensão tão baixa quanto possível, geralmente entre os 75-100 mmHg. O uso de bombas de pressão mecânicas permite controlar a pressão duma forma precisa, e é por isso recomendável. — Monitorização dos fluidos entrados e saídos26 e paragem do procedimento quando se atingem os valores limite. O procedimento poderá ser posteriormente repetido para completar o tratamento. Quer pelo tipo2, quer pela quantidade31 de gases produzidos, não parece haver diferença entre o uso de energia mono e bipolar, em relação ao risco de embolia. 4.15.5. INFECÇÃO A sua ocorrência é rara nos procedimentos histeroscópicos. Não existe evidência de diminuição do risco de infecção com a administração de antibioterapia profilática63. 4.15.3. HEMORRAGIA 4.15.6. COMPLICAÇÕES TARDIAS Uma perda de sangue vaginal é normal e de esperar. Trata-se habitualmente duma situação autolimitada, que pode durar alguns dias, ou mesmo semanas, sendo a perda escassa. Uma perda excessiva é rara. Geralmente, uma massagem uterina é suficiente para controlar a situação. Em alternativa podem ser administradas prostaglandinas, por via transrectal, ou introduzir-se uma algália na cavidade uterina. O balão insuflado, que se deve manter durante várias horas, permitirá a hemostase e controlo da situação. 4.15.4. EMBOLIA GASOSA A embolia gasosa venosa é rara em procedimentos histeroscópicos. Estima-se a sua ocorrência em 1/10.000-100.000 procedimentos2. A embolia pode ser produzida por ar ou por gases gerados pelos sistemas electrocirúrgicos. Embora rara, esta complicação pode ser muito grave, sendo fundamental adoptar as medias possíveis para a sua prevenção: — Retirar o ar dos tubos e ressectoscópio antes de o introduzir no útero. — Aspirar com frequência as bolhas que se formam durante o processo de tratamento. — Evitar uma pressão excessiva dos meios de distensão, que pode potenciar a entrada de gases nos vasos abertos. — Com dispositivos de vaporização trabalhar sempre à superfície, evitando fazer «perfurações» nos tecidos. 530 As principais complicações tardias estão relacionadas com uma futura gravidez. — Rotura uterina em futura gravidez: existe um risco aumentado nos casos de ressecção de septo, em especial se complicado (p. ex. por perfuração uterina)69. A ressecção de pólipos e miomas não se encontra associada a um aumento de risco de rotura uterina em futura gravidez. — Placenta acreta e hemorragia pós-parto em futura gravidez: a lise de sinequias, em especial sinequias densas, aumenta o risco de placenta acreta e hemorragia pós-parto em futura gravidez7,61. Para além destas complicações, relacionadas com a gravidez, pode também ocorrer, em doentes que efectuaram ressecção de endométrio, carcinoma do endométrio e dores pélvicas, no caso de fragmentos residuais42. Com a maior utilização da histeroscopia cirúrgica, a frequência destas complicações tenderá a aumentar. 5. CONCLUSÃO Desde a década de 1970, a histeroscopia cirúrgica tem evoluído. Inicialmente realizada quase exclusivamente no bloco operatório, a evolução técnica dos equipamentos tornou possível que grande parte dos procedimentos histeroscópicos seja efectuada em consultório. A facilidade de execução, a sua alta Capítulo 49 Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação © Permanyer Portugal 2010 É frequente, quando ocorre uma perfuração, haver passagem de grande quantidade de fluido de distensão para a cavidade abdominal. Este líquido é habitualmente reabsorvido pelo organismo de forma progressiva, não causando alterações significativas. Quando se tratar de soluções sem electrólitos é conveniente monitorizar o equilíbrio hidroelectrolítico e, se necessário, fazer a compensação. Bibliografia 1. Bettocchi S, Di Spiezio Sardo A, Ceci O, et al. A new hysteroscopic technique for the preparation of partially intramural myomas in office setting (OPPIUM technique): a pilot study. J Minim Invasive Gynecol. 2009;16(6):748-54. 2. Farrugia M. Modern operative hysteroscopy. Johnson e Johnson Medical. 2008. 3. Molinas CR, Campo R. Office hysteroscopy and adenomyosis. 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