Trabalhos completos

Transcripción

Trabalhos completos
Trabalhos completos
ISBN 9788583590033
UNESP
–
UNIVERSIDADE
Faculdade de Ciências e
ESTADUAL
PAULISTA
Letras – Araraquara - Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
XIV Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação
em Estudos Literários da UNESP/Araraquara
Seminário Internacional de Estudos Literários:
Narrativa e Representação
TRABALHOS COMPLETOS
29 a 31 de outubro de 2013
Juliana Santini
Brunno V. G. Vieira
(Orgs.)
ISBN 9788583590033
XIV Seminário
Araraquara
pp. 864
2013
XIV SEMINÁRIO DE PESQUISA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS
LITERÁRIOS /SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS LITERÁRIOS: NARRATIVA E
REPRESENTAÇÃO
Realização
Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, GT Teoria da Narrativa (ANPOLL), Grupo de
pesquisa GEN – Grupo de Estudos da Narrativa
Comissão Organizadora
Juliana Santini, Brunno Vinicius Gonçalves Vieira, Aline Maria Magalhães de Oliveira Ávila (discente),
Aparecido Donizete Rossi, Claudia Fernanda de Campos Mauro, Cristiane Passafaro Guzzi (discente),
José Lucas Zaffani dos Santos (discente), Karin Volobuef, Luiz Gonzaga Marchezan, Maria Célia de
Moraes Leonel, Mariana Bravo de Oliveira, Marco Aurélio Rodrigues (discente), Maria Celeste Consolin
Dezotti, Maria das Graças Gomes Villa da Silva, Sylvia Helena Telarolli de Almeida Leite, Wilma
Patricia Marzari Dinardo Maas
Comitê Científico
Elisabeth Brait (PUC-SP), Diana Luz Pessoa de Barros (MACKENZIE), Lucia Teixeira de Siqueira e
Oliveira (UFRJ), José Luiz Fiorin (USP), Karin Volobuef (UNESP), Maria Célia de Moares Leonel
(UNESP), Maria das Graças Gomes Villa da Silva (UNESP), Marilene Weinhardt (UFPR), Regina
Dalcastagnè (UnB), Sérgio Vicente Motta (UNESP), Tânia Pellegrini (UFSCAR)
Comissão de Trabalho
Juliana Santini, Brunno Vinicius Gonçalves Vieira, Karin Volobuef, Maria Celeste Consolin Dezotti,
Aline Maria Magalhães de Oliveira Ávila (discente), José Lucas Zaffani dos Santos (discente), Mariana
Bravo de Oliveira (discente)
Comissão Editorial
Juliana Santini
Brunno V. G. Vieira
Editoração*
Juliana Santini
Brunno V. G. Vieira
José Lucas Zaffani dos Santos (discente)
Diagramação
Brunno V. G. Vieira
José Lucas Zaffani dos Santos (discente)
Assessoria Técnica
Maria Clara Bombarda de Brito
Rita Enedina Benatti Torres
* A revisão gramatical e os conteúdos veiculados pelos textos destes Trabalhos completos são de inteira
responsabilidade de seus respectivos autores.
Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários (14. : 2013: Araraquara,
SP)
Trabalhos completos / XIV Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários ; Seminário Internacional de Estudos Literários: narrativa e representação ; organizado por
Brunno V. G. Vieira e Juliana Santini. Araraquara : FCL - UNESP, 2013.
ISBN 978-85-8359-003-3
1. Estudos literários. 2. Literatura. I. Título. II. Seminário Internacional de Estudos Literários:
narrativa e representação. III. Brunno Vinicius Gonçalves Vieira. IV. Juliana Santini.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da FCLAr – UNESP.
SUMÁRIO
Apresentação................................................................................................4
Descrição das Pesquisas ..............................................................................7
Comuicações............................................................................................529
Índice de autores.......................................................................................861
APRESENTAÇÃO
Ao longo de três dias e com 30 horas de duração, o XIV Seminário de Pesquisa do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários/Seminário Internacional de Estudos
Literários reuniu docentes, pesquisadores e alunos do Programa de Pós-Graduação em
Estudos Literários da UNESP, campus de Araraquara, de outros PPGs de diferentes
estados e do Curso de Graduação em Letras da Faculdade de Ciências e Letras de
Araraquara e da região. Tendo em vista que o principal objetivo do seminário – aquele
que moveu sua criação há catorze anos – é o de fomentar o debate em torno dos projetos
de pesquisa desenvolvidos pelos mestrandos e doutorandos do PPGEL, é necessário que
se destaque que, nesta edição, o evento contemplou quase 100% desses trabalhos, uma
vez que todos os discentes que estavam no país à época da realização do evento se
inscreveram e apresentaram seus trabalhos.
As sessões de debates se revelaram importantes na medida em que representam a
criação de um espaço de discussão dedicado exclusivamente ao diálogo sobre o tema
que orienta a composição de cada sessão. Neste ano, buscando privilegiar o
aprofundamento dos debates, a Comissão Organizadora propôs sessões que agregaram
entre dois e quatro trabalhos (com apenas duas exceções abertas para mesas com cinco
trabalhos), o que se mostrou muito produtivo, dada a possibilidade que debatedores e
alunos tiveram para se estender na conversa sobre cada trabalho.
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Ainda no que diz respeito a essa oportunidade para o diálogo criada pelas sessões
de debates, é necessário que se destaque o fato de que, sendo abertas ao público, as
sessões contaram com a presença de muitos alunos de graduação, especialmente
daqueles que desenvolvem projetos de iniciação científica – com bolsas PIBIC/CNPq,
FAPESP e sem bolsa – sob orientação de docentes que atuam no PPGEL. A
participação dos alunos de graduação nas atividades do Seminário de Pesquisa mostrouse grande, também, na apresentação de comunicações orais que, neste ano, agregaram
trabalhos relacionados ao tema “Narrativa e representação”. É preciso destacar, ainda,
que o evento contou com vinte e cinco monitores do Curso de Letras da UNESP, o que
reafirma a positiva integração entre Graduação e Pós-Graduação alcançada pelo
Seminário em 2013. Essa integração pode ser vista, na verdade, já como um resultado
de um esforço do PPGEL em estabelecer um diálogo com os alunos do Curso de Letras,
considerando, especialmente, o fato de que o trabalho de pesquisa inicia-se, em grande
parte dos casos, em etapas da formação anteriores ao curso de Mestrado.
Além de alunos de graduação e de seu corpo discente, o PPGEL reuniu, no
público do Seminário de Pesquisa, grande parte do seu corpo docente, além de
professores e alunos de outras instituições que realizaram a apresentação de trabalhos
durante as sessões de comunicação oral e que acompanharam as atividades
desenvolvidas ao longo dos três dias de duração do evento. Com mais de duzentos
participantes – entre convidados, apresentadores de trabalhos e ouvintes –, o seminário
contou, em cada uma de suas mesas-redondas, com público de cerca de cento e trinta
pessoas. Esse número se manteve, também, ao longo das sessões de comunicação e de
debates de projetos, considerando, evidentemente, que foram atividades realizadas
simultaneamente.
A qualidade do diálogo fomentado ao longo dos dias 29, 30 e 31 de outubro de
2013 sustentou a tradição de um evento já consolidado como o Seminário de Pesquisa,
para o que foi fundamental a participação do público que se dedicou à apresentação de
trabalhos nas duas modalidades abertas pela Comissão Organizadora, especialmente, de
alunos de Pós-Graduação e de Graduação de diferentes instituições.
O presente livro com os trabalhos completos enviados à comissão editorial
documenta o alto nível das discussões oralmente apresentadas. São ao todo 87 trabalhos
contendo a descrição do estágio atual das pesquisas em andamento do PPGEL e 36
textos resultantes das comunicações individuais de que tomaram parte alunos e
pesquisadores de inúmeras instituições universitárias do Brasil. Esta publicação cumpre
5
Apresentação
também a função social de divulgação do saber que deve ser inseparável de todo
exercício crítico e teórico produzido pela universidade. Diante desses resultados
alcançados, considera-se que os objetivos apresentados no momento da proposição da
décima quarta edição do Seminário foram plenamente cumpridos e que o sucesso das
atividades deve servir de incentivo para a manutenção da estrutura do evento e de seu
perfil em futuras realizações.
Agradecemos a CAPES, FAPESP, PROPG o apoio financeiro e à Faculdade de
Ciências e Letras e à Faculdade de Ciências Farmacêuticas do Câmpus de Araraquara
da UNESP a cessão do espaço físico e o suporte técnico.
Juliana Santini
Brunno V. G. Vieira
6
DESCRIÇÃO
DOS PROJETOS DE PESQUISA
EM ANDAMENTO
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ENTRE O PASSAGEIRO E O ETERNO: SOLIDÃO E MELANCOLINA NA
POESIA FEMININA LATINO-AMERICANA
Adrienne Kátia Savazoni Morelato
Doutoranda - Bolsista Cnpq
Profa. Dra. Guacira Marcondes Machado Leite (Or.)
Solidão e melancolia são dois termos que circundam a figura dos grandes gênios
da humanidade, principalmente àquelas ligadas à literatura. Principalmente ao poeta, na
qual sua gênese criadora sempre esteve associada a uma certa imagem de tristeza e
exclusão de mundo. É claro que essa associação do poeta com a melancolia e com a
solidão se acentuou após o Romantismo que fez questão de ressaltar essa ligação e de
fazer dela sua mote de inspiração poética. O poeta se viu como um ser à margem do
Capital, já que, a sua produção não se transformava nem em mercadoria, nem em lucro.
Dessa maneira, a rejeição que o poeta sofria foi projetada por ele com superioridade,
olhar crítico e desapreço pela produção em série. Ele transforma a escrita em espaço
contra a mercantilização da vida, enquanto a poesia oferece um espaço único para a
originalidade e o talento individual. Pois “o individualismo dessa poesia é uma
reivindicação do ser contra o formalismo” (MONTEIRO, 1965 p. 23). Já a solidão é
inerente ao estado melancólico, pois quem se angustia e olha a vida com os olhos da
morte naturalmente precisa se afastar da sociedade e da realidade. Essa solidão é crítica
e não alienada como muitas vezes se pensou, é uma maneira do melancólico, aqui o
poeta, dizer que não quer fazer parte desse mundo. Porque “no mundo da falsificação,
como se poderia realmente pedir ao poeta uma atitude que não seja de alheamento
dele”?” (MONTEIRO, 1965 p. 31) Para o poeta, a solidão passa a ser uma condição
para o surgimento da criação, um método de trabalho no qual “a poesia só ocorre na
morte ou na consciência solitária. Poesia de solitário e, portanto, para solitário”
(LINHARES, 1965 p. 57). Na verdade, a melancolia e a solidão vão estar associadas, e
pode se dizer que não existe melancolia que não seja solitária, assim como não existe
solidão que não seja melancólica.
Quando lidamos com a poesia escrita por mulheres, essa relação parece
aumentar, já que, a melancolia foi associada à histeria, uma doença que a psicanálise
acreditou, por um bom tempo, que era exclusiva do sexo feminino. Principalmente no
início do século XX, o auge das teorias freudianas, momento em que se inserem as
8
Descrição das pesquisas
poetas que se pretende estudar nessa pesquisa. formalismo” (MONTEIRO, 1965 p. 23).
Em relação ao feminino, sabe-se que a mulher sempre foi um ser exatamente localizado
à margem do Direito Social, colocada como um não ser e sem nenhum acesso à voz, o
que a levaria como poeta a um olhar duplamente triste, enquanto psicologicamente ela
se veria como um ser em falta quando comparada ao homem, considerado parâmetro
social (falocentrismo). Sua solidão seria ainda mais contundente, porque ela não se
incluiria na sociedade nem como poeta e nem como sujeito. O uso dessa tristeza, ou a
influência dessa postura aquém da sociedade na poesia feminina serão o objeto deste
trabalho.
Em que medida as representações da solidão e da melancolia vão ser
características do feminino e da poesia da Modernidade? Aqui vamos continuar a
estudar e pesquisar sobre o feminino, já que se tratam de poetas mulheres, prosseguindo
com a linha de pesquisa desenvolvida no Mestrado onde foi trabalhada a escrita
feminina, mas agora do ponto de vista dessa melancolia e da solidão. Seria a melancolia
e a solidão características tipicamente femininas?
Inicialmente, este estudo estava concentrado em três poetas brasileiras: Cecília
Meireles, Henriqueta Lisboa e Adalgisa Nery. A escolha foi realizada por ser, as três
poetas pertencentes ao mesmo período, décadas de 30, 40 e 50, pelas três terem tido
contado e convivido com integrantes do movimento modernista da década de 20, 30 e
40, incluindo poetas e escritores, mas que, preferencialmente se mantiveram à parte com
o intuito de preservar a unidade e a individualidade de suas obras. Para além das
semelhanças externas, as três poetas mantiveram uma obra poética semelhante no
tocante às várias metáforas que elas utilizavam como: o mar, os olhos, o tempo, o vento,
as nuvens, a lua, a flor, a água, noite, o frio, o pasto, os cavalos, as mãos etc. Para além
das semelhanças na utilização dos campos semânticos, está na associação dessas
palavras, que preservaram uma relação de igualdade muito forte. Contudo, os estudos
realizados através das disciplinas cursadas no primeiro semestre, deram uma nova
configuração para pesquisa e um novo rumo difícil de não abordar e seguir.
Ao invés de Adalgisa Nery, o nome que surge para compor essa tríade será o de
Gabriela Mistral, isso porque descobriu com o prosseguimento nos estudos
relacionando-os às disciplinas, que; Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa e Gabriela
Mistral mantiveram contato entre si que foi além de uma simples correspondência ou
amizade, mas que, criou uma certa relação estética e literária, a qual fez Ana Pizarro
definir como o invisible college latino-americano. Para Ana Pizarro, surgiu na América
9
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
– Latina, na primeira metade do século XX, uma rede de confluências na literatura entre
escritoras e poetas mulheres de diversos países tanto em língua espanhola, quanto em
língua portuguesa. Dessa rede, fariam parte Cecília, Henriqueta e Gabriela. Esse
invisível colégio tinha por finalidade discutir o que era literatura para elas, como
também a afirmação de uma poesia e literatura latino-americana feita por mulheres. As
três, além das correspondências que trocavam sobre os mais variados temas, inclusive
política e educação, trocaram ensaios sobre a obra uma da outra, o que requer estudo
conjunto e mútuo, e enseja uma política literária de presença e afirmação muito maior
do que se poderia supor. Uma política que se pode nomear feminista e de catalisador
cultural. E sabido que as três tiveram atuação na divulgação da cultura local e do
folclore latino-americano.
Neste inicio de pesquisa, outra descoberta importante sobre as poetas em
questão, Cecilia Meireles, Henriqueta Lisboa e Gabriela Mistral, é de que, as três
trabalharam seus conceitos de poesia em seus próprios poemas, ou seja, praticaram o
metapoema e, no caso especifico analisado para uma disciplina, deparou-se com o
metapoema de Cecília Meireles Trabalhos da Terra à Gabriela Mistral, poeta chilena e
contemporânea à Cecília. Só a dedicatória e o título, já nos leva para uma reflexão
metalinguística apoiada na crítica feminista. Por que motivo Cecília Meireles dedica
esse poema à Gabriela? Por que à poeta chilena e não para outro poeta, homem e
brasileiro? A escolha da dedicatória não foi aleatória, tem uma intenção notadamente
política, mas que ficou subjacente e passou desapercebida da crítica tradicional (crítica
dominada pelas ideologias do patriarcado) porque talvez escrever poema de uma mulher
para outra mulher soasse como quase uma correspondência intima, privada e não é por
acaso que o gênero epistolar demorou para se avaliado como gênero literário,
justamente porque esse era associado com o espaço privado feminino, ou com aquilo
que a mulher gostava ou pudesse escrever.
“Trabalhos da Terra” não é apenas um poema de Cecília para Gabriela, é um
poema sobre poema, sobre o fazer poético, mas agora sob o ponto de vista das
“Lavradeiras de ternuras”, as lavradeiras aqui são as poetisas (embora utilizaremos o
termo poeta para se referir as duas, por poetisa vir carregado de significação de
inferioridade e o termo poeta se destacar cada vez mais como um termo permitido aos
dois gêneros por terminar com a vogal temática [a]). A palavra ternuras no plural pode
ser subtendida como poemas, e é claro aqui mais uma vez a referência à Gabriela, pois
Ternura no singular, como já se disse, é um livro de poemas da autora chilena. Neste
10
Descrição das pesquisas
sentido, o primeiro verso “Lavradeira de Ternuras” fala de Gabriela Mistral, a
lavradeira/poeta de Ternura, mas também fala de Cecília, quando se olha o segundo
verso em primeira pessoa “trago o peito atormentado”, a poeta/poetisa em busca dos
poemas/ lavrando a poesia. O campo semântico da terra é associado com o campo
semântico da escrita e o ato de escrever com o ato de lavrar, sem esquecer que a
agricultura foi por muito tempo uma atividade típica de mulheres, em contraposição
com a caça e a criação de animais designada como atividade de homens num binarismo
difícil de romper: sociedade e mundo público- homens x natureza e mundo privadomulheres. Contudo, terra em letra minúscula é terra chão, terra solo, terra lugar, mas
Terra em letra maiúscula como aparece pode ser Terra planeta como pode reforçar a
idéia de lugar, de território. Mais uma questão de identidade e de metalinguagem: a
busca por confluência estética não é com nenhuma grande poeta do velho mundo, e sim
com uma poeta representativa da América Latina, chilena e que procurava agregar em
suas poesias: o folclore, a linguagem indígena, a tradição do campo, isto é, coisas da
terra–lugar em que vivia e que, de alguma forma, também agrega nossa realidade, nossa
identidade regional. Essa busca por uma identidade regional que trouxesse para a
literatura nossas linguagens folclóricas e indígenas formaram, para os modernistas
brasileiros; uma bandeira de luta que se proclamou em manifestos como o Pau Brasil e
Antropofágico, um movimento para o qual a crítica sempre considerou Cecília como
alheia e não adepta ( embora procurasse junto com Gabriela Mistral construir essa
identidade, não a nível somente brasileiro, mas de toda a América Latina.
Vamos ver como isso ocorre no poema e o contexto em que isso se manifesta:
metapoema do livro Vaga Música para livro Ternura de Gabriela Mistral, um livro feito
de poemas infantis para professoras de escolas rurais. Visto de primeira, parece que os
dois livros não teriam nenhuma relação, Vaga Música não teria um público definido,
Ternura tem, mas a intertextualidade aqui está inserida na própria estrutura dos poemas,
pois Ternura foi escrito tendo como base as cantigas de ninar e as cantigas de roda,
cantigas populares e infantis, enquanto no livro de Cecília, também composto por
cantigas, a base são as cantigas medievais.
Mas em que o metapoema tem relação com a solidão e com a melancolia? O
metapoema representa uma situação linguística em que se constrói um certo tipo de
conhecimento epistemológico sobre poesia dentro da estrutura do próprio poema.
Funde-se a linguagem investigativa com a linguagem objeto; “ el objeto representado
renuncia a la mimesis convencional y se convierte a la vez em signo y objeto al no
11
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
existir referencialidad fuera del texto” Parejo, 2002 p. 121. Neste sentido, o metapoema
para existir requer que se crie uma realidade apenas de palavras e que se proclame a
capacidade criadora das mesmas. Nesse abandono à realidade palpável, é inegável que
não se encontre a melancolia e a solidão. Melancolia e solidão que se relacionam de
dentro do poema como uma forma de ver o mundo feito de coisas, um modo de ver o
mundo do ponto de vista da mulher, o discurso do outro, e um abandono a este mundo
para a criação de um outro, feito de poesia e música.
Bibliografia
ADORNO, Theodor. Notas de Literatura. São Paulo: Livraria Duas Cidades, ed. 34.
2003.
BALAKIAN, Anna. O Simbolismo. São Paulo: ed. Perspectiva, 2000.
BARBOSA, João Alexandre. As ilusões da modernidade. São Paulo: Perspectiva,
2005.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Feminina no Contemporâneo. São Paulo:
Siciliano, 1993.
COELHO, Nelly Novaes. Tempo, Solidão e Morte. São Paulo: Conselho Estadual de
Cultura, 1964.
LOBO, Blanca. A poesia de Henriqueta Lisboa. Trad. Oscar Mendes. Belo Horizonte:
Edições Movimento Perspectiva, 1968.
LOBO, Luiza. A literatura de autoria feminina na América Latina in:
<www.menbers.tripod.com/ifilipe/llobo.html>.
LISBOA, Henriqueta. Obras Completas – Poesia Geral (1929 -1983) São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1985.
KIERKEGAARD, Soren. O conceito de angústia. Trad. João Lopes Alves. Lisboa: ed
Presença, 1972.
MEIRELES, Cecília. Viagem/ Vaga Música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 7° ed,
2004.
MEIRELES, Cecília. Melhores Poemas. Sel. de Maria Fernanda. São Paulo: Global,
2000.
MONTEIRO, Adolfo Casais. A palavra essencial estudo sobre a poesia. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1965.
NERY, Adalgisa. A Mulher Ausente. São Paulo: Livraria José Olympio, 1940.
NIETZSCHE, Friederich. Assim falou Zaratrusta. Trad. Eduardo Nunes Fonseca. São
Paulo: Hemus, sem ano.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecco Hommo, como alguém se torna o que é. São Paulo:
trad. Paulo César Souza, Companhia das Letras, 2004.
NIETZSCHE, Friederich. O anti-cristo. Trad. Carlos Grifo. Lisboa, Portugal: Presença,
1975.
PAREJO, Ramón. Metapoesia y crítica del lenguage:{de la generacion de los 50 a
los novisimos}.Caceres: Universidad de Extramadura, Servicio de Publicaciones, 2002.
PIGEAUD, Jackie. Metáfora e Melancolia: ensaios médicos e filosóficos. Trad. Ivan
Farias. Rio de Janeiro: PUC Rio, Contraponto, 2009.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. São Paulo: Globo, 1996.
RODRIGUES, Geraldo. Introdução Estética ao Estudo da Literatura. São Paulo:
Franscisco Alves, 1949.
12
Descrição das pesquisas
ROUSSEAU, Jacques. La rêverie du promeneur solitaire. Paris: Livro de Poche,
2003.
13
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ESTUDO DA ORIGEM E DA REPRESENTAÇÃO DO ANTI-HERÓI NO
ROMANCE SATÍRICON DE PETRÔNIO
Aldinéia Cardoso Arantes
Doutoranda – Bolsista CAPES
Prof. Dr. João Batista Toledo Prado (Or.)
O presente trabalho tem um caráter bibliográfico e está realizando-se por meio
de leitura e resenha de livros, artigos, comunicações; impõem-se a pesquisa e a resenha
crítica de matéria pertinente ao assunto, que ainda é pouco disponível na mídia
impressa, também via recursos da internet e bibliotecas virtuais.
O corpus da pesquisa é constituído pela obra de Petrônio, o Satíricon. Da obra, o
que se tem é, na verdade, parte de um texto maior – fragmentos dos capítulos XV e XVI
- ainda assim, esse texto possui consistência de uma obra completa. Nossas análises
serão baseadas em leituras da tradução do Satíricon elaborada pelo professor Claudio
Aquati, cotejadas com o texto em latim.
Primeiramente, foi feita uma análise estrutural do corpus escolhido. Em seguida,
a contextualização histórica, com vistas a levantar como o momento refletiu na narrativa
e como isso aparece na composição da figura do anti-herói, do clássico à modernidade.
Assim, o trabalho está desenvolvendo-se dentro das seguintes etapas:
1)
Contextualizar o Clássico à luz das modernas teorias, ressaltando, assim,
a modernidade do romance inaugural de Petrônio;
2)
Analisar de que maneira a figura do herói é construída, perscrutando
desde a sua gênese até sua primeira manifestação na literatura (poema épico), a fim de
compreender suas características prototípicas e modelares, legadas pela literatura
através dos tempos; sobrevivendo, em sua essência, ainda que em meio a
transformações histórico-sociais;
3)
Identificar as motivações para as mudanças que ocasionaram a
desmistificação e a consequente humanização do herói, acarretando, paulatinamente, o
advento do anti-herói;
14
Descrição das pesquisas
4)
Leitura analítica do Satíricon, ressaltando, sobretudo, o estudo do anti-
herói já identificado nesse romance, bem como as características, ações e valores
presentes na representação do protagonista Encólpio;
5)
A partir desse arcabouço teórico, identificar no romance de Petrônio os
aspectos que tornam a obra prototípica no processo de mudanças ocorridas no modo de
representação do herói; possibilitando identificar, na figura de Encólpio, um modelo
anti-heroico, em uma época, em que a literatura ainda louvava as ações dos ilustres
heróis épicos.
No momento, a pesquisa encontra-se no estágio de construção dos capítulos da
tese, seguindo a ordem que descrevemos acima. Nessa ordem, já foram elaborados os
itens 1, 2 e 3.
Teorizar sobre o herói, do ponto de vista literário, pressupõe deslindá-lo em
meio a questões referentes ao contexto sociocultural e literário. A Literatura Ocidental
herdou o modelo de composição do caráter heroico da literatura grega; sua
representação teve início em Homero, nas epopeias, Ilíada e Odisseia. Esse herói
modelar era o retrato das classes dominantes; sua essência, aristocrática. Assim, uma
das características legadas pelos heróis épicos é a natureza, essencialmente, nobre (em
origem e riquezas), que o elevava a uma categoria de excelência. Em princípio, o herói,
na literatura, é oriundo das elites, que refletiam o contexto social do qual emergiam.
Entende-se, desse modo, que mudanças decorrentes de fatores externos refletem
no modo de representação heroica. Ao passar do tempo, observam-se, na literatura,
modos heroicos que se distinguem e se afastam ideologicamente. Esse processo de
transformação do herói é possível identificar na narrativa de todas as épocas. De fato,
sua representação na literatura não mudou repentinamente, mas passou por um processo
que refletiu a transformação do próprio homem na sociedade.
Os heróis tradicionais, aos poucos, passaram a não corresponder aos anseios do
homem. Era inconcebível um herói com a essência épica, pronto e acabado (LUKÁCS),
em uma sociedade em constantes transformações; tornando-se propícia a representação
de um herói-personagem, que não se encaixava no estereotipado modelo clássico. O
modelo heroico, paulatinamente, é substituído pelo anti-herói, Sua aparição representa o
reverso, a subversão de valores que não eram então questionados.
Convém lembrar que estas questões ainda são pouco exploradas pela crítica
literária, como a origem do romance, do herói e, principalmente, do anti-herói; ainda
mais tendo como objeto de estudo um romance antigo como o petroniano (sec. I). Foi
15
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
possível constatar que são escassos os estudos sobre o tema, assim já o afirmava
Bakthin (1988, p. 413) ao referir-se à origem do romance e ao próprio Satíricon: “[...]
incluindo o Satíricon de Petrônio, cujo papel foi enorme na história do romance e que
está longe de ser devidamente apreciado pela ciência”.
Durante os estudos realizados no desenvolvimento dessa pesquisa, foram
notadas peculiaridades sobre o tratamento dispensado ao herói clássico e mudanças
relevantes na sua representação que foram, aparentemente, deixadas de lado. Quando se
buscam fontes de pesquisa para estudar a origem do anti-herói, a maioria do arcabouço
teórico concentra-se na modernidade, tratando dos romances picarescos e, mais
significativamente, do Dom Quixote de Cervantes. Através dos estudos realizados, foi
possível constatar que as características descritas no anti-herói moderno, já se
encontravam no herói que começava a configurar-se com o gênero romance, ainda na
antiguidade clássica.
Expurgando-se de toda a temática clássica, Petrônio não escolheu como tema os
assuntos mitológicos, as façanhas de algum glorioso herói greco-troiano, nem mesmo
celebrar as virtudes de Roma (como Virgílio). Esse é outro aspecto peculiar de sua obra
que retrata temas relacionados ao cotidiano, escrevendo um romance popularista
(inspirado no romance grego e de aventuras que sempre relatava a história de um par de
namorados) e, portanto, sem maior prestígio. Petrônio perscruta o que há de mais
dissoluto na sociedade romana - seus personagens são desprovidos de pudor ou qualquer
comprometimento com a moral.
Aquati (1997) revela, citando Campuzano, que Petrônio não se sentia atraído
pelo estilo literário contemporâneo, aquele “gosto novo” adotado por Sêneca e Lucano.
Na verdade, Petrônio parece sentir eminente necessidade de criar uma nova obra, que
atendesse, efetivamente, aos novos anseios de uma época em efervescência. O Satíricon
ainda é inovador à medida que se insurge em um tempo em que não havia lugar para
obras que apresentassem um presente, em constante mutação, e não o passado acabado
– característico nos poemas épicos e inerentes aos outros gêneros elevados da
Antigüidade clássica.
Logo, entende-se que a paródia se efetiva, principalmente, a partir de
especificidades que caracterizam o gênero épico – o conteúdo, foco narrativo,
representação da mitologia, caracterização das personagens, o tempo. Petrônio labora
com um processo de inversão de toda a matéria consagrada e canonizada pela tradição
homérica e, sobretudo, revela o principal elemento subvertido: o herói épico. Desse
16
Descrição das pesquisas
modo, observa-se que o poema épico projeta-se no “romance ideal”; enquanto o
“romance cômico”, que burla a ação do romance ideal, “molda sua personagem central
dentro de uma contraversão de um herói épico” (Aquati, 1997, p. 35).
Nesse contexto, evidencia-se que a base da elaboração do romance petroniano
consiste na paródia de outros gêneros, bem como, da própria sociedade a ele
contemporânea. Convém lembrar que, na literatura ocidental, a primeira manifestação
do anti-herói – o pícaro, considerado protótipo - se constrói através da paródia. Assim,
já é notável que o conteúdo parodístico que torna propícia e inevitável a representação
do anti-herói é um elemento presente no Satíricon. O ponto de crítica na construção da
picaresca também se relaciona a outro gênero literário (as novelas de cavalaria) e ao
modus vivendi da sociedade. Em princípio, tem-se, aqui um aspecto através do qual
dialogam proficuamente o Satíricon e a teoria moderna do modo anti-heroico de
representação.
Observou-se que um dos traços característicos do modelo anti-heroico é a
subversão do modelo heroico que foi inaugurado em Homero. Assim, seguindo a
tradição homérica, a representação do herói ficou condicionada a alguns traços
constitutivos como: pertencer à nobreza (herói, do grego, nobre, semideus); figura
exemplar, coragem implacável, guerreiro que sempre luta por um objetivo que resultará
em um bem coletivo. No entanto, no Satíricon, não se observa apenas uma sátira das
figuras heróicas; mas há sempre a intenção de subverter o gênero épico, rebaixando seus
temas, peripécias, personagens, ações, sentimentos. No tempo de Petrônio, eram
amplamente conhecidas (pela elite, principalmente) as epopeias de Homero: Ilíada e
Odisséia; e a de Virgílio: A Eneida. Dentre essas, Petrônio parece devotar particular
atenção, em sua sátira, a Odisséia. É possível reconhecer na trajetória de Encólpio um
dialogismo parodístico com a do próprio Ulisses.
No romance, a representação de temas do cotidiano só pode se realizar por meio
da ação e da expressão dos personagens que o representam e que dele fazem parte,
inclusive, o herói-personagem. Vamo-nos guiar, primeiramente, por essas premissas e
investigaremos os aspectos propostos nesta pesquisa, sempre atentos a outras pistas que,
provavelmente, surgirão com o desenvolvimento do trabalho.
Nesse ínterim, acredita-se ter elucidado questões relativas à natureza prototípica
do anti-herói, bem como da formação do gênero romance. Consciente, porém, de que a
questão não foi esgotada, nem de longe, não podemos nos furtar de verificar até a que
17
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ponto chegou a influência da obra de Petrônio na formação do gênero romance e,
principalmente, na construção do universo anti-heroico.
Bibliografia
ABBOTT, Frank Frost. The Use of Language as a Means of Characterization in
Petronius. In: Classical Philology, Vol. 2, No. 1, 1907. p. 43-50.
ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura. São Paulo: Duas Cidades, 2003.
ALFOLDY, G. A história social de Roma. Lisboa: Ed. Presença, 1989.
AQUATI, Cláudio. O Grotesco no Satíricon. Tese de Doutoramento: Letras Clássicas e
Vernáculas, FLCH, USP, 1997.
__________. Linguagem e caracterização na ‘Cena Trimalchionis’: Hemerote. Glotta.
UNESP/ São José do Rio Preto, 1994-1995.
__________. O narrador na ‘Cena Trimalchionis’: ironia e omissão. SBEC. UNESP/
São José do Rio Preto, 1995, 10 p.
__________. Cena Trimalchionis: estudo e tradução. Dissertação de Mestrado: Letras
Clássicas e Vernáculas, FLCH, USP, 1991.
ARAGÃO, Maria Lúcia P. de. A paródia em “A força do destino”. In: Revista do
tempo brasileiro. Sobre a paródia. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro LTDA, n.
62, p. 18-28, jul. a set. de 1980.
AUBRETON, Robert. Introdução a Homero. São Paulo: Boletim nº 214 da FFLCH da
USP, 1956.
AZEVEDO, Fernando de. No tempo de Petrônio. Ensaios sobre a Antigüidade Latina.
3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962.
BAGNANI, G. Arbiter of elegance: a study of the life & works of C. Petronius.
Toronto: University of Toronto Press, 1954.
BAKTHIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética. São Paulo: Unesp/Hucitec,
1988.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. 3 Petrópolis: Vozes, 1993.
BROMBERT, Victor. Em louvor de anti-heróis. São Paulo: Ateliê, 2004.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. Tradução Adail Ubirajara Sobral, São
Paulo: Cultrix/Pensamento, 1997.
CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura latina. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1989.
CARPEAUX, Oto Maria. História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: O Cruzeiro,
1966.
D’ONÓFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. São
Paulo:
Ática, 1990.
D'ONÓFRIO, Salvatore. A Estrutura do Satíricon e de O Asno de Ouro. In: Mimesis,
No. 3, 1977.
______________________. Da Odisséia ao Ulisses. Evolução do Gênero Narrativo.
São Paulo: Duas Cidades, 1981.
FEIJÓ, Martin Cezar. O que é herói. São Paulo: Brasiliense, 1984.
GENETTE, Gérard. Palimpsestes. La literature au second degré. Paris: Seuil, 1982.
GIORDANI, Mario Curtis. História de Roma. São Paulo: Vozes, 1972.
GONZÁLEZ, Mario M. A Saga do Anti-herói. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
GOLDMANN, L. Sociologia do romance. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.
18
Descrição das pesquisas
HELAL, Ronaldo. Mídia, Construção da Derrota e o Mito do Herói: in Motus
Corporis.
vol. 5, nº 2. Rio de Janeiro: Gama Filho, 1994.
HESÍODO; LAFER, Mary de Camargo Neves (trad). Os Trabalhos e os dias. São
Paulo: Iluminuras, 1991. 1. (Colecao Biblioteca Polen). Traducao de: Erga ta: Hemera.
HOMERO. Ilíada. Trad.: Haroldo de Campos, v. I. São Paulo: Arx, 2003, I, 10 ss.
HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Ensinamentos das formas de arte do
século XX. Tradução de Teresa Louro Pérez. Rio de Janeiro: Edições 70, 1985.
HELENA, Lúcia. Dom Quixote e a Narrativa Moderna. IN: VASSALO, Lígia (org.) A
narrativa ontem e hoje. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
JOZEF, Bella. O espaço da paródia, o problema da intertextualidade e a
carnavalização. In: Revista do tempo brasileiro. Sobre a paródia. Rio de Janeiro:
Edições Tempo Brasileiro LTDA, n. 62, p. 53-70, jul. a set. de 1980.
KOTHE, Flávio R. O herói. Série princípios. 2 ed. São Paulo: 1987.
LUKACS, Georg. A teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2000.
________, O romance como epopéia burguesa. São Paulo: Ad hominem, 1999.
AQUATI, Cláudio. O Grotesco no Satyricon. Tese de Doutoramento: Letras Clássicas e
Vernáculas, FLCH, USP, 1997.
__________. Linguagem e caracterização na ‘Cena Trimalchionis’: Hemerote. Glotta.
UNESP/ São José do Rio Preto, 1994-1995.
__________. O narrador na ‘Cena Trimalchionis’: ironia e omissão. SBEC. UNESP/
São José do Rio Preto, 1995, 10 p.
__________. Cena Trimalchionis: estudo e tradução. Dissertação de Mestrado: Letras
Clássicas e Vernáculas, FLCH, USP, 1991.
BAKTHIN, Mikhail. Questões de Literatura e de Estética . São Paulo: Unesp/Hucitec,
1988.
BRANDÃO, Jacynto Lins. O narrador no romance grego. Ágora. Estudos Clássicos em
Debate 1, 1999, 31-56.
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega, vol. 3 Petrópolis: Vozes, 1993.
BROMBERT, Victor. Em louvor de anti-heróis. São Paulo: Ateliê, 2004.
CARPEAUX, Oto Maria. História da Literatura Ocidental. Rio de Janeiro: O Cruzeiro,
1966.
D’ONÓFRIO, Salvatore. Literatura Ocidental: autores e obras fundamentais. São
Paulo: Ática, 1990.
FEIJÓ, Martin Cezar. O que é herói. São Paulo: Brasiliense, 1984.
GONZÁLEZ, Mario M. A Saga do Anti-herói. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
HOMERO. Odisseia. Trad.: Haroldo de Campos, v. I. São Paulo: Arx, 2003, I, 10 ss.
JAEGER, Werner. Paideia: A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
KOTHE, Flávio R. O herói. Série princípios. 2 ed. São Paulo: 1987.
LUKACS, Georg. A teoria do romance. São Paulo: Editora 34, 2000.
PARATORE, Ettore. História da Literatura Latina. Tradução de Manuel Loss,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987.
PETRÔNIO. Satíricon. São Paulo: cosacnaify, 2008, 270 pp., apresentação de Raymong
Queneau, tradução e posfácio de Cláudio Aquati, iSBn 9788575036815.
WALSH, P. G., The Roman Novel. Cambridge University Press, Grã-Bretanha, 1995.
19
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A CONSTRUÇÃO DO CORPO DE EVITA NO ROMANCE SANTA EVITA DE
TOMÁS ELOY MARTÍNEZ
Alejandro González Urrego
Doutorando
Profa. Dra. Maria Dolores Aybar (Or.)
O objetivo da minha pesquisa é analisar a reconstrução metaficcional do corpo
de Evita Perón no romance Santa Evita (1997), do escritor argentino Tomás Eloy
Martínez, onde este se converte no personagem principal do enredo. Assim, Martínez
reconstrói, com ajuda de diferentes elementos metaficcionais, um corpo que em vida
adquiriu poder, e depois de morto esse poder se tornou ainda maior.
A obra mostra uma Evita cheia de vida, intrépida, ágil, ativa e, acima de tudo,
muito querida pelas classes menos favorecidas do povo argentino. Sendo a Primeira
Dama da Argentina, ela costuma mostrar-se em público sempre mostrando um corpo
formoso, com o cabelo arrumado vestido com roupas de Cristian Dior, jóias brilhantes;
uma atitude que demonstrava um propósito muito claro: expressar aos descamisados,
que eles também podem realizar seus sonhos, escapar da miséria e ter êxito, como ela.
Mas, por outro lado, Tomás Eloy durante o desenvolvimento da trama, apresenta
o corpo embalsamado dela, que recobra a voz através da leitura, expõe uma série de
sentimentos contraditórios. Além disso, Evita mesmo morta, desperta medo nos
oligarcas e militares, uma vez que eles acreditavam que se em vida ela tinha sido uma
poderosa inimiga, com sua morte ela se tornaria ainda mais forte. No entanto, para os
pobres, Evita se converteu em um símbolo de esperança: a ponto de eles a considerarem
uma mulher santa, capaz de realizar atos milagrosos.
É a partir desses eventos que o autor faz uma reconstrução metaficcional
apoiando-se nos testemunhos de pessoas, de diversas camadas sociais e que conviveram
com Evita. Cada qual, de alguma maneira, manifesta seu direito de propriedade sobre o
cadáver embalsamado da ex Primeira Dama.
Além disso, Evita usa sua feminilidade para expressar-se através do corpo, para
ascender ao poder e penetrar em um mundo controlado pelos homens. Casar-se com
Perón foi à oportunidade de sua vida, que garantiu o exercício do poder por vontade
própria.
20
Descrição das pesquisas
É importante enfatizar que ela também exerceu o poder de maneira radical nas
pessoas ou instituições que a criticam. Com o apoio do povo argentino, Evita sonha com
um país igualitário, justo e sem pobres. Mas, para conseguir alcançar esse objetivo, ela
tem que eliminar aos seus adversários: os oligarcas.
O cadáver embalsamado de Evita é o desejo de ser lembrada, de nunca ser
esquecida, expressando a insistência de um espírito que resiste em abandonar a matéria
humana. Permanecendo assim, imortal e purificada em um corpo espiritual, que o povo
acreditava ser capaz de convertê-la em uma santa que regressará como a “mãe guiadora
e protetora de seus filhos”.
O objetivo desta pesquisa é analisar a reconstrução do corpo de Evita no
romance Santa Evita de Tomás Eloy Martinez. Assim, se torna necessário primeiro
definir claramente o conceito de corpo utilizando diferentes abordagens teóricas que nos
ajudarão a ampliar a visão sobre esse tema. Também pretendo demonstrar o processo de
construção metaficcional do discurso narrativo do romance.
A construção do corpo de Evita.
O trabalho de Tomás Eloy Martínez no romance Santa Evita está orientado para
reconstruir o corpo de Evita em duas etapas: um corpo vivo que adquiriu poder junto
com o general Perón, mas, quando ficou embalsamada, adquiriu um poder ainda maior.
A reconstrução do corpo de Evita é apresentada no romance de diferentes maneiras,
como por exemplo, as testemunhas das pessoas que conviveram com ela ou a
conheceram em diferentes momentos de sua vida. Mas também, as testemunhas das
pessoas que ficaram com ela depois de embalsamada pelos vente anos seguintes.
Essa reconstrução não tem um caráter unitário, mas sim se fraciona em
lembranças de sujeitos que pertencem as diferentes classes sociais, cada um,
descrevendo-a de forma diferente, de modo a criar uma personalidade multifacetada.
Para seus fiéis seguidores, as massas e os descamisados, o corpo de Evita se
torna um símbolo da luta armada nos anos 70; uma luta que também se expressa no
slogan “Perón ou morte”, variação de “A vida por Perón” e que aparece nas margens do
peronismo dissidente ansioso por ocupar o centro político. É aqui onde o corpo de Evita
recupera sua voz, seu desejo de poder, justiça, igualdade e seu grito de guerra.
21
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Portanto, a reconstrução do corpo apresentada no romance, delimita as diferentes
fases da vida de Evita: de menina pobre e filha bastarda a Primeira Dama da Argentina,
que mesmo depois de morta se transformou em um ícone cultural e político.
No presente momento, o trabalho de pesquisa encontra-se em sua fase inicial.
Até agora foram realizadas leituras e fichamentos de alguns livros que integram a
bibliografia e analisam alguns tópicos concernentes à reconstrução do corpo de Evita
desde diferentes tópicos como são desde a memória, a história, a ficção, a metaficção
entre outros. São eles: Tempo passado de Beatriz Sarlo, História e Memória de James
Le Goff, Ficção de Catherine Gallagher, A ficção de Karlheinz Stierle.
É possível comprovar que os principais temas inseridos nos textos escritos por
esses autores são: o relato testemunhal, diferentes tipos de memória, e os recursos
narrativos usados na metaficção. Todos eles pertinentes ao objeto de estudo deste
trabalho de pesquisa.
Conclui-se nesta fase inicial da pesquisa que o romance de Martínez propõe a
reconstrução do corpo de Evita Perón desde diferentes locais, como estratégia para
recuperar um pensamento nacional e reafirmar o papel da mulher na memória coletiva
do povo argentino.
Bibliografia básica sobre o corpo
BENNETT, Richard. Carne e Pedra. O corpo e a cidade na civilização ocidental. Trad.
de Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro, Editora Record, 2da Edição, 2001.
CORBIN, Alain. Courtine, Jean-Jaques. Georges Vigarello. História do Corpo.
Tradução de Lúcia M. E. Orth. Revisão da tradução Ephraim Ferreira Alves. Rio de
Janeiro. Editora Vozes, 3ra Edição, 2009.
SENNETT, Apud Richard. Carne e Pedra. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1994.
TUCHERMAN, Ieda. Breve história do corpo e deus seus monstros. Lisboa, Vega
Passagens, Segunda Edição, 2004.
Bibliografia básica
22
Descrição das pesquisas
ADORNO, Theodor. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: ____.
Notas de literatura 1. Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: Duas Cidades/Ed. 34, 2003.
BAUDRILLARD, Jean. A precessão dos simulacros. In: ____ Simulacros e simulação.
Lisboa: Relógio d´Agua, 1981.
COMPAGNON, A, O trabalho da citação. Trad. Cleonice P.B. Mourão. Belo
Horizonte: Ed. Da UFMG, 2007.
FOUCAULT, Michel. -“Poder-cuerpo” En islas Hilda, de la historia al cuerpo y el
cuerpo a la danza, Conaculta, México, 2001.
GALLAGHER, Catherine. Ficção, In: MORETTI, F. (org.) O romance 1: A cultura do
romance. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Traduçao de Beatriz Sidou, São Paulo:
Centauro, 2006.
HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo, Trad. Ricardo Cruz. Rio de Janeiro,
Imago Editora, 1991.
HUYSSEN, Andreas. Passados presentes. Da sedução pela memória à análise de nós
mesmos. Tradução de Sergio Alcides. Seleção de Heloisa Buarque de Hollanda. 2ª . Ed
Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
LE GOFF, James. História e Memória. Tradução Bernardo leitão. Campinas, SP
Editora da UNICAMP, 1990.
RICOEUR, Paul. A memória, a história o esquecimento. Campinas, SP Editora da
UNICAMP, 1998.
SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. Trad. Rosa
freire d`auiar. São Paulo: Cia. Das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
STIERLE, Karlheinz. A ficção. Novos Cadernos do Mestrado, Trad. Luiz Costa Lima.
Rio de Janeiro: Caetés, 2006.
Crítica literária sobre Evita
ACOSSANO, Benigno. Eva Perón, su verdadera vida. Editorial Lamas, Buenos Aires,
Argentina, 1955.
ARA, Pedro. El caso Eva Perón. Editorial CVS, Madrid, España, 1974.
BARNES, John. Evita. La biografía. Editorial Thassalia, Barcelona, España, 1997.
BARNES, Jhon. Eva Perón: la vida legendaria de una mujer; la más amada, la más
odiada, que todo el mundo conoce como Evita, Hechos reales. Madrid, España, 1979.
CASTIÑEIRAS, Noemi. Ser Evita, síntesis biográfica. Instituto Nacional de
Investigaciones”, Buenos Aires, Argentina, 2001.
DUJOVNE ORTIZ, Alicia. Eva Perón, la biografía. Editorial Aguilar 1ra edición,
Buenos Aires, Argentina, 1995.
23
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AS METAMORFOSES GÓTICO-ROMÂNTICAS NO DISCURSO NARRATIVO
DE WUTHERING HEIGHTS, DE EMILE BRONTË
Alessandro Yuri Alegrette
Doutorando – Bolsista FAPESP
Profa. Dra. Karin Volobuef (Or.)
No presente momento, o trabalho de pesquisa encontra-se em sua fase inicial.
Até agora foram realizadas leituras e fichamentos de alguns livros que integram a
bibliografia e analisam a relação de proximidade entre o romance gótico e o romantismo
inglês. São eles: Gothic, de Fred Botting, The literature of Terror de David Punter, The
Cambridge companion to gothic fiction, de Jerrold E. Hogle, The romantic agony, de
Mario Praz, The Gothic Novel, de Victor Sage, The Gothic flame, de Devendra Varma e
Introdução à literatura fantástica, de Tzvetan Todorov.
Nessa primeira fase, com o propósito de se verificar como ocorre o diálogo
intertextual entre a literatura gótica e o movimento romântico, foi iniciada a leitura de
obras (poemas e dramas em prosa) dos seguintes poetas ingleses: Samuel Colerigde,
William Wordsworth, Percy Shelley, John Keats e Lord Byron, esse último muito
admirado por Emile Brontë.
Ainda sobre Byron é possível constatar que os personagens de seus escritos e,
até mesmo o próprio poeta, que era conhecido por seu comportamento instável e
rebelde, teriam servido de inspiração para a criação do protagonista do romance de
Emile Brontë: Heatchcliff, que se destaca mais pelos seus defeitos que por suas
qualidades e também se assemelha a outros vilões que aparecem em outras narrativas
góticas publicadas na metade do século XVIII.
Também é possível comprovar que os principais temas inseridos nos textos
escritos por esses autores românticos, tais como: o isolamento, a alienação da realidade,
o sublime como experiência estética, a rebeldia, a solidão e a morte estão presentes no
discurso narrativo de Wuthering Heights.
Conclui-se nesta fase inicial da pesquisa que esse romance de Emile Brontë,
além de estabelecer pontos de intersecção com Frankenstein, outra obra considerada
gótico-romântica, também pode ter mantido uma relação intertextual com outras obras
24
Descrição das pesquisas
que apresentam elementos românticos, ou góticos em sua composição e foram escritas
anteriormente à sua publicação.
Assim, é provável que Wuthering Heights tenha sua origem na combinação da
configuração gótica, que remonta a metade do século XVIII, com o romantismo inglês
do século XIX, em sua vertente “Byroniana”, onde se destacam diversas relações de
oposição, mas que de algum modo se tornam ambivalentes dentro de seu discurso
narrativo.
Bibliografia
BRAVO, NICOLE. Duplo. In: BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários.
Tradução Carlos Sussekind e outros. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
BOTTING, Fred. Gothic. London: Routledge, 1996.
BRONTË, Charlote. Jane Eyre. Oxford: Oxford University Press, 1998 [1847].
BRONTË, Emile. O morro dos ventos Uivantes. Introdução, tradução, notas e dossiê:
Renata Maria Parreira Cordeiro e Eliana Gurjão Silveira Alambert. São Paulo: Landy,
2005.
_____. O morro dos ventos uivantes. Tradução Raquel de Queiroz. Nova Cultural: São
Paulo, 1995.
_____. Whutering Heigths. New York: Oxford University Press, 1950 [1847].
BRUNEL, Pierre. Dicionário de mitos literários. Tradução Carlos Sussekind e outros.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias sobre o
sublime e do belo. Tradução Enid Abreu Dobránzky. Campinas, S. P.: Papirus, 1993.
COX, Jefrey. Keat’s Poetry and Prose. New York: W. W. Norton & Company, Inc,
2009.
FRANK, Katherine. Emily Brontë – A chainless soul. London: Penguin Books, 1992.
GILBERT, Sandra & DUBAR, Susan. Looking Oppositely: Emile Brontë’s Bible of
Hell. In: ______. The Madwoman in the Acttic: The Woman Writter and the NineteenthCentury Imagination. New Haven: Yale University Press, 1979.
GUINSBURG, J. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1978.
HOGLE. E. Jerrold. The Cambridge companion to gothic fiction. United Kingdom:
Cambrigde University Press, 2002.
25
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
JENNY, L. et al. Intertextualidades. Coimbra: Livraria Almedina, 1979. (Poétique) v.
27.
KADOTA, N.P. A escritura inquieta: linguagem, criação, intertextualidade.
São
Paulo: Estação Liberdade, 1999.
LEVINE, Alice (ed). Byron’s Poetry and Prose. United States: W.W. Norton &
Company, Inc, 2010.
LONGINO. Do sublime. Trad. Filomena Hirata. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
LOVECRAFT, H. P. O terror sobrenatural na literatura. Lisboa: Vega, 2003.
MENGHAM, Rod. Emily Brontë –Wuthering Heigths. London: Penguin Books, 1989.
MILLER, Lucasta, The Brontë myth. London: Vintage, 2002.
MILTON, John. Paradise Lost. Oxford: Oxford University Press, 2005.
PRAZ, Mário. The romantic agony. London: Oxford University Press, 1958.
PUNTER, David. The literature of terror: a history of gothic fiction from 1765 to the
present day. Londres: Longman, 1996.
RADCLIFFE, ANN . The Italian. Oxford: Oxford University Press, 1998 [1797].
______. The misteries of Udolpho. Oxford: Oxford University Press, 1998 [1794].
SAGE, Victor. (Ed.). The Gothic Novel. Houndmills: The Maximilian Press, 1990.
SIQUEIRA, Ramira, Maria, SILVA PIRES. Pelas Fendas da razão: a ficção gótica
inglesa. In: VOLOBUFF, Karin (org). Mito e Magia. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
SHELLEY, Mary. Frankenstein. London: Penguin Classics, 2003.
SALMOYAULT, T. A intertextualidade. Tradução Sandra Nitrini. São Paulo: Aderaldo
e Rothschild, 2008.
VARMA, Devendra. The Gothic flame. London: Scarecrow Press, 1987.
VICARY, Tim. The Brontë story. Oxford: Oxford University Press, 2000.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. S. P.: Perspectiva, 2004.
26
Descrição das pesquisas
ESTRANHOS ESTRANGEIROS: REPRESENTAÇÃO DOS
IMIGRANTES NA LITERATURA BRASILEIRA
Aline Maria Magalhães de Oliveira Ávila
Doutoranda
Profa. Dra. Maria Célia de Moraes Leonel (Or.)
O primeiro semestre do curso de Doutorado foi utilizado para, justamente com a
participação em disciplinas, repensar nossa trajetória de pesquisa e rever alguns
conceitos, o que nos levou a refazer o projeto, visando aprimorá-lo.
Ao ingressar no Programa de Pós-Graduação neste ano, nosso intuito era dar
continuidade à tarefa de demonstrar a importância do estrangeiro na obra de Guimarães
Rosa, apontando como o tema é recorrente em sua obra e fundamental para diversas
narrativas. Acreditamos que, ao explorar esse viés pouco abordado pela crítica rosiana,
podemos obter uma compreensão renovada de sua obra, e isso pode ser comprovado em
nossa dissertação de mestrado que mostrou a relevância da temática do estrangeiro em
determinados contos do autor.
Pretendemos expor como Rosa parece estabelecer pontes entre culturas
distantes, seja através de uma aproximação cultural ou mesmo linguística, e como essa
aproximação e valorização da heterogeneidade que fundamenta e motiva cada sistema
cultural e a pluralidade que rege a relação entre eles, permitiu ao escritor atuar como um
transculturador, que se situa entre dois polos contraditórios e aparentemente
inconciliáveis, como o centro e periferia, o arcaico e o moderno, o oral e o escrito. Para
tanto, escolhemos como corpus duas narrativas emblemáticas do escritor mineiro:
Grande sertão: veredas (1956) e “Recado do morro” (1956) de Corpo de baile do
mesmo ano. Nossa intenção era analisar os personagens alemães, presentes na novela e
no romance, e os chamados – pejorativamente- de “turcos” que aparecem no romance
que são estrangeiros da região da Síria.
Tal projeto de pesquisa passou por uma reestruturação há apenas alguns meses.
Essa reestruturação foi necessária primeiramente pela necessidade de ampliar o corpus
que se afigurou restrito para uma tese de doutorado que deve apresentar certa
complexidade e extensão. Com isso, optou-se por estender o tema para a representação
do imigrante na literatura brasileira. Com o tema dilatado, naturalmente, o corpus teve
27
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
que ser também aumentado e, com esse novo olhar, podemos não só completar a análise
do tema na obra de Guimarães Rosa como um todo – o que, a princípio, era nossa
intenção – comparando a visão transcultural nas relações entre estrangeiros e as técnicas
utilizadas pelo autor mineiro com obras de escritores de período posterior e anterior a
ele:Canaã de Graça Aranha de 1922, Lavoura arcaica de Raduan Nassar de 1975e
Relato de um certo oriente de 1979 de Milton Hatoum. Tal abordagem possibilitará, em
tese, um panorama da representação dos imigrantes alemães e libaneses nesses autores
da literatura brasileira.
Diante dessa situação, uma nova pesquisa bibliográfica fez-se necessária para
abranger o novo corpus bem mais extenso que o anteriormente proposto. Realizamos
novas leituras e fichamentos bem como foi feita uma releitura das obras mencionadas de
Graça Aranha, Raduan Nassar e Milton Hatoum.
No presente momento, ainda estamos realizando levantamento bibliográfico, e
começando a leitura - ou releitura - e fichamento de ensaios críticos relativos às obras a
serem estudadas. A tese, portanto, está em fase inicial de execução.
Embasamento teórico
A escolha do tema da representação do imigrante na literatura brasileira colocanos diante da necessidade de pensar os personagens estrangeiros nos limites da crítica
sócio-histórica da literatura, dos estudos de literatura e cultura, e até mesmo a visão
psicanalítica referente ao estrangeiro.
Para tanto, teremos o suporte dos estudos culturais, como os de Homi Bhabha
que reflete sobre conceitos como diferença cultural, pós-colonialismo, estereotipia. De
acordo com Bhabha (1998), o estereótipo é uma forma limitada de alteridade e é
importante questionar as maneiras de representação dessa alteridade, que, em geral, é
um discurso preconcebido, é repetido até se fixar como verdade.Edward Said(2007),
dentre outras considerações,ensina-nos que o intelectual deve falar a partir de uma
margem, evitar pensamentos centralizados e conceitos cristalizados sobre culturas,
levando sempre em conta os marginalizados do conjunto social, os “fora de lugar”, os
“ex-óticos” onde se encaixam os estrangeiros.Também teremos como baliza, Nestor
Garcia Canclinique ocupa um importante lugar na crítica latino-americana nas questões
sobre hibridismo e aos processos de tradução cultural: “a hibridez tem um longo trajeto
nas culturas latino-americanas”, diz ele (2000, p.326). Ainda nessa linha de pensamento,
28
Descrição das pesquisas
Stuart Hall (2000) assume grande importância no campo dos estudos culturais, devido
aos esforços para difundir a ideia de que a construção da identidade na chamada pósmodernidade é um processo ainda em andamento, impuro e híbrido. Conceito-chave
para falar da posição de Guimarães Rosa diante das questões culturais em seus escritos é
o conceito de transculturação que Ángel Rama (2001) transpõe para as obras literárias a
partir do conceito antropológico e cultural elaborado Fernando Ortiz. De acordo com
Rama, a literatura de transculturação utiliza a plasticidade cultural para transitar por
culturas diferentes, estabelecendo um diálogo entre culturas em conflito, livre de
hierarquias entre ambas, discriminações ou xenofobias. Octavio Ianni (2000) também
servirá de apoio para discutir a questão da transculturação, assim como aquelas sobre
fronteiras, viagens e viajantes.
O conceito de hospitalidade, desenvolvido por Derrida (2003), enquanto relação
à alteridade ou singularidade do outro, liga-se diretamente às questões sobre o
estrangeiro; dentre outras questões, ele indaga: “O que é um estrangeiro? O que seria
uma estrangeira?” (2003, p.65).
Abordar o conceito de estrangeiro coloca-nos ainda no entre o universo
psicanalítico e o político, conforme afirma Caterina Koltai (2000). Assim, também
pensaremos o conceito a partir da perspectiva psicanalítica, pois esses estudos nos
ajudam a pensar o estrangeiro não como o Outro distante, mas impele-nos a reconhecêlo em nós mesmos. Para Julia Kristeva (1994, p.190), é só quando nos reconhecemos
estrangeiros a nós mesmos que a compreensão do Outro é possível: “Se sou estrangeiro,
não existem estrangeiros” (KRISTEVA, 1994, p.201). Para compreender o estrangeiro
como o estranho familiar - aquele que incomoda não pela sua aparente estranheza, mas
porque vemos nessa diversidade algo comum ao Eu - conto com o importante estudo de
Freud de 1919 “Das Unheimliche”, traduzido para o português como “O estranho”
(1996, p.238): “[...] o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é
conhecido, de velho, e há muito familiar”.
Para o estudo do corpus escolhido, vamos nos ater mais à crítica voltada para os
aspectos sócio-históricosdos textos selecionados.
A crítica da obra de Guimarães Rosa é vasta e, em parte, de excelente qualidade,
nas diversas linhas de estudo e diferentes interpretações. Na seleção dos trabalhos que
nos auxiliarão a fomentar a leitura da obra voltada para o tema do imigrante, tomaremos
como critério principal a crítica mais voltada para os aspectos sociais da ficção rosiana,
que a situa na História do Brasil, caminho aberto por Antonio Candido, seguido por
29
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Walnice Nogueira Galvão, e que tem recebido importantes contribuições da crítica mais
recente. Assim, levaremos em conta trabalhos de estudiosos que consideram Guimarães
Rosa como um “pensador da formação do Brasil”, tais como Luiz Roncari (2004) e
Willi Bolle (2004). Também está na base deste trabalho o estudo de Marli Fantini
Guimarães Rosa: fronteiras, margens, passagens (2003), que interpreta a obra de Rosa
como uma poética de fronteiras e destaca a atuação do escritor como transculturador.
Para o estudo de Canaã, de Graça Aranha, nos basearemos em críticos como
Alfredo Bosi e obras como O Pré-Modernismo (1966) e História concisa da literatura
brasileira (1994); Lúcia Miguel Pereira e sua obra História da Literatura Brasileira:
prosa de ficção (1870-1920), dentre outros.
Encontraremos apoio para o estudo da obra de Raduan Nassar em alguns ensaios
publicados nosCadernos de literatura brasileira: Raduan Nassar(1996), do Instituto
Moreira Salles, tais como o de Leyla Perrone-Moisés:“Raduan Nassar. Da cólera ao
silêncio” e de Milton Hatoum: “Raduan Nassar. Os companheiros”. Também nos
valeremos de algumas dissertações e teses sobre o autor, sobretudo a dissertação de
Francine Iegelski:Tempo e memória, literatura e história. Alguns apontamentos sobre
Lavoura arcaica, de Raduan Nassar e Relatos de um certo oriente, de Milton Hatoum, de
2007, que nos interessa pela comparação que a autora faz entre os dois autores e obras
com que iremos trabalhar.
Sobre a obra de Milton Hatoum encontraremos suporte em estudos como o de
Luiz Costa Lima “O romance de Milton Hatoum” (2002); de Tânia Pellegrini: “Milton
Hatoum e o regionalismo revisitado” (2004); de Stefania Chiarelli:Vidas em trânsito: as
ficções de Samuel Rawet e Milton Hatoum(2007); de Maria Zilda Cury: “Topografias
da ficção de Milton Hatoum” (2009) dentre outros que constam na bibliografia.
Levaremos em conta, ainda, os apontamentos do próprio autor sobre sua obra: Literatura
e Memória. Notas sobre Relato de um certo Oriente, de 1996.
Para analisar a construção do tema do estrangeiro nas narrativas que serão
estudadas, adotaremos o exame das categorias narrativas. Daremos destaque aos estudos
da narrativa que tratam da categoria da personagem, como o texto teórico de Antonio
Candido “A personagem do romance” (2000), dentre outros. Buscaremos, ainda,
recursos nos teóricos da narrativa como Gérard Genette em Discurso da narrativa
(1976).
Bibliografia
30
Descrição das pesquisas
1. Referente ao corpus:
ARANHA, Graça. Canaã. In: _____. Obra completa. Org. de Afrânio Coutinho. Rio
de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1968. p. 45-226.
HATOUM, Milton. Relato de um certo oriente. São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
______. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. 3.ed. São Paulo: Companhia das letras, 1989.
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 12. ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1968.
_____. O recado do morro. In: ROSA, João Guimarães. No Urubuquaquá, no Pinhém.
6.ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. p. 5-72.
______. Correspondência com seu tradutor alemão Curt Mayer-Clason. Org. Maria
Aparecida F. M. Bussolotti; Tradução de Erlon José Paschoal. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira/ABL; Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003.
2. Referente a questões de literatura e cultura:
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas. Tradução de Ana Regina Lessa e
Heloísa Pezza Cintrão. 3. ed. São Paulo: Edusp, 2000.
DERRIDA, Jacques. A escritura da diferença. Tradução de M.B. Marques Nizza da
Silva. São Paulo: Perspectiva, 2002.
______; DUFOURMANTELLE, A. Da hospitalidade: Anne Dufourmantelle convida
Jacques Derrida a falar da hospitalidade. Trad. Antônio Romance. São Paulo: Escuta,
2003.
FIGUEIREDO, Eurídice. Representações da etnicidade: perspectivas interamericanas
de literatura e cultura. Rio de Janeiro: 7 Letras: 2010.
______. Figurações da alteridade. Niterói: Eduff, 2007
______. (Org.). Conceitos de literatura e cultura. Juiz de Fora: UFJF, 2005.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz T. da
Silva; Guacira L. Louro. 4.ed. Rio de Janeiro: LP&A, 2000.
IANNI, Octavio. Enigmas da modernidade – mundo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
KOLTAI, Caterina. O estrangeiro. São Paulo: Escuta/FAPESP, 1998.
______. Política e psicanálise. O estrangeiro. São Paulo: Escuta, 2000.
KRISTEVA, Julia. Estrangeiros para nós mesmos. Tradução de Maria Carlota C.
Gomes. Rio e Janeiro: Rocco, 1994.
OLIVEIRA, Lucia Lippi. Nós e eles: relações culturais entre brasileiros e imigrantes.
Rio de Janeiro: FGV, 2006.
TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.
______. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes,
1988.
SAID, Edward. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução de
Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SOUZA, Octavio. Fantasia de Brasil: as identificações na busca da identidade
nacional. São Paulo: Escuta, 1994.
RAMA, Angel. Las dos vanguardias latinoamericanas. Revista Maldoror, Montevideo,
n.9, p.58-65. 1973.
31
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
______. Os processos de transculturação na narrativa latino-americana. In: AGUIAR,
Flávio; VASCONCELOS, Sandra, G.T. (Org.). Literatura e cultura na América
Latina. São Paulo: Edusp, 2001. p.209-237.
______. Literatura e cultura. In: AGUIAR, Flávio; VASCONCELOS, Sandra, G.T.
(Org.). Literatura e cultura na América Latina. São Paulo: Edusp, 2001. p. 239-280.
3. Demais referências:
BOSI, Alfredo. O Pré- Modernismo. São Paulo: Cultrix, 1966.
______. História Concisa da Literatura Brasileira. 44 ed. São Paulo: Cultrix, 1994.
BOLLE, Willi. grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas
Cidades, 2004.
Cadernos de literatura brasileira: João Guimarães Rosa. São Paulo: Instituto
Moreira Salles, Edição especial, n. 20-21, dezembro de 2006.
Cadernos de Literatura Brasileira. Raduan Nassar. São Paulo: Instituto Moreira
Salles,número 2, setembro de 1996.
CANDIDO, Antonio. Literatura e subdesenvolvimento. In:_____ A educação pela
noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989. p.140-162
______. O olhar crítico de Angel Rama. In:_____ Recortes. São Paulo: Cia das Letras,
1993, p.140-147.
______. A personagem do romance. In: _____et al. A personagem de ficção. São
Paulo: Perspectiva, 2000. p.53-80. (Coleção Debates).
______. O homem dos avessos. In: _____. Tese e antítese. São Paulo, Nacional, 1964.
p.119-139.
CHIARELLI, Stefania. Vidas em trânsito – as ficções de Samuel Rawet e Milton
Hatoum. São Paulo: Annablume, 2007.
COUTINHO, Eduardo F. (Org.). Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991.
CURY, Maria Zilda. “Topografias da ficção de Milton Hatoum”. In:______; AVILA,
Miriam (Org). Topografias da cultura: representação, espaço e memória. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009. p. 41-62.
FANTINI, Marli. Guimarães Rosa: fronteiras, margens, passagens. Cotia: Ateliê; São
Paulo: SENAC, 2003.
FREUD, Sigmund. O estranho. In: História de uma neurose infantil e outros
trabalhos. Trad. Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 235-269.
GALVÃO, Walnice. Mínima mímica. São Paulo: Cia das Letras, 2008.
______. Forasteiros. In: ______. Desconversa. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1998. p. 1528.
______. As formas do falso. São Paulo: Perspectiva, 1986. (Série debates).
GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Tradução de Fernando Cabral Martins.
Lisboa: Vega, 1972.
HATOUM, Milton. Literatura e Memória. Notas sobre Relato de um certo Oriente.
São Paulo: PUC,1996.
IEGELCKI, Francine. Tempo e memória, literatura e história. Alguns apontamentos
sobre Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar e Relato de um certo Oriente, de Milton
Hatoum. (dissertação de mestrado em Língua, Literatura e Cultura Árabe). Universidade
de São Paulo, 2006.
LEONEL, Maria Célia; SEGATTO, J. A. A crítica alegórica de Grande sertão: veredas.
Revista Itinerários, Araraquara: 2007. n. 25, p. 141-157.
32
Descrição das pesquisas
______; NASCIMENTO, Edna. M. F.S. O sertão de João Guimarães Rosa. In.:
SEGATTO, José; BALDAN, Ude (Org.) Sociedade e literatura no Brasil. São Paulo:
Ed. da UNESP, 1999. p. 91-103.
LIMA, Luiz Costa. O romance de Milton Hatoum. In: ______. Intervenções. São
Paulo: EDUSP, 2002, p. 305-322.
MACHADO, Ana Maria. O recado do nome. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003.
MEYER-CLASON, Curt. João Guimarães Rosa e a língua alemã. Scripta, Belo
Horizonte: PUC-Minas, 1998, v. 2, n. 3, p. 59-70.
PELLEGRINI, Tânia. Milton Hatoum e o regionalismo revisitado. In: ______.
Despropósitos: estudos de literatura brasileira contemporânea. São Paulo: Anablume;
Fapesp, 2008.
PEREIRA, Lúcia Miguel. História da Literatura Brasileira: prosa de ficção (1870-1920).
Revista Literatura em Debate, v. 6, n. 10, p. 126-138, ago. 2012.
RONCARI, Luiz. O Brasil de Rosa. São Paulo: Ed. UNESP, 2004.
______. O engasgo de Rosa e a confirmação milagrosa. Outras margens. Estudos da
obra de Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 117-150.
ROSENFIELD, Katrin. Desenveredando Rosa. Rio de Janeiro: Topbooks, 2006.
ROSSUM-GUYON, F. V; HAMON, P.; SALLENAVE, D. Categorias da narrativa.
1.ed. Lisboa: Arcádia, 1976.
STARLING, Heloísa. Lembranças do Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
ZILBERMAN, Regina. O recado do morro: uma teoria da linguagem, uma alegoria do
Brasil. In: Regina Zilberman (Org.) Corpo de Baile: romance, viagem e erotismo no
sertão. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
33
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A REPRESENTAÇÃO DA METRÓPOLE EM MANHATTAN TRANSFER DE
JOHN DOS PASSOS
Aline Shaaban Soler
Mestranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Wilma Patrícia Marzari Dinardo Maas (Or.)
O presente projeto encontra-se ainda em fase inicial de desenvolvimento, visto
que o primeiro semestre do mestrado foi dedicado ao cumprimento dos créditos
relativos a disciplinas. Até o presente momento foi realizado um levantamento da crítica
bibliográfica existente; uma breve contextualização do autor em seu período histórico; e
o início da análise da obra propriamente dita.
No que diz respeito ao levantamento bibliográfico, constatou-se que embora haja
um grande arcabouço crítico a respeito da obra do autor, pouca coisa foi traduziada para
o português. Sintomático do lugar que este ocupa na recepção brasileira é o fato da
maioria de suas obras não possuírem novas edições no mercado. Exceção a isso são as
novas edições da trilogia U.S.A. (2012) e da obra O Brasil em movimento (2013), relato
de caráter documentário proveniente de suas visitas ao país, que podem indicar um
futuro reconhecimento da importância do autor para a literatura do século XX.
A crítica de língua inglesa ainda não foi revisada. A crítica traduzida para o
português encontra-se desatualizada. Em sua maioria, consiste em manuais gerais da
literatura estadunidense1, produzidos na década de 1960, que apresentam uma visão
superficial, a qual peca por julgar inadequadamente a postura política em vida do autor
prejudicando, assim, a análise literária. Exemplo de uma crítica superficial e pouco
fundamentada, a respeito de sua principal obra, a trilogia U.S.A, encontra-se em Breve
história da literatura americana:
Trata-se, na verdade, da maior galeria ficcionista de autômatos
humanos. O leitor encontra dificuldade, senão impossibilidade, em
interessar-se por tais tipos; aliás, já foi dito que Dos Passos não criou
personagens. As bizarras pessoas que povoam U.S.A. exibem o
comportamento mecânico, a inconsciência e a irresponsabilidade
1
Embora, usualmente, o termo utilizado para se referir a esta literatura seja “norte-americana”, ou mesmo
somente “americana”, optou-se pela escolha do termo “estadunidense” por ela referir-se somente a
autores do país.
34
Descrição das pesquisas
moral de robôs, como se tivessem sido arremessadas sôbre (sic) os
continentes por uma força irracional. (BLAIR et al., 1967, p.211)
Ao abordar a obra de tal maneira, o comentador negligencia o potencial crítico
da mesma.
Um julgamento político que prejudica o entendimento da obra de Dos Passos
pode ser encontrado em A literatura americana (1955) de Jacques-Fernand Cahen, que
afirma que “Passos evoluiu. Profundamente revoltado com os comunistas que conheceu
na Espanha [...] e com o fascismo, êste [sic] individualista, retornou à fé no patriotismo
e na democracia de origem” (p.115).
Embora a posição política de Dos Passos tenha sido motivo de várias
controvérsias ao longo dos anos, trabalhos como o livro de John H. Wrenn, John dos
Passos (1966), que aborda toda a produção literária do autor e a tese de doutorado de
Fernanda Luísa S. Feneja A reinvenção do paradigma épico na ficção inicial de John
Dos Passos : uma leitura de One Man’s initiation, Three Soldiers e Manhattan Transfer
(2007)2 têm apontado para as continuidades do pensamento do autor, possibilitando uma
maior compreensão de sua postura política e de sua produção literária.
Sinclair Lewis, Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, William Faulkner e John
dos Passos são os escritores mais citados do período pelos comentadores. Normalmente,
são descritos como uma geração pessimista que só soube elencar críticas contra os
Estados Unidos, negligenciando suas qualidades. E aqui, novamente, tal juízo prejudica
a avaliação das contribuições literárias dos escritores.
Numa breve avaliação do contexto social e histórico do período, a Primeira
Guerra Mundial é tida como fundamental na constituição de uma mentalidade descrente
nos valores democráticos norte-americanos, mas, principalmente, questionadora de toda
moralidade defendida pela tradição vigente até então. Kathryn VanSpanckeren, exemplo
de crítica mais atual, introduz seu capítulo ao modernismo norte-americano, em
Literatura Americana (1994), da seguinte maneira:
Muitos historiadores caracterizam os anos entre as duas grande
guerras como o período ‘traumático’ em que os Estados Unidos
atingiram a maioridade, apesar do envolvimento relativamente breve
(1917-1918) e baixas muito menores que a dos aliados e inimigos
europeus. John Dos Passos expressou a desilusão pós-guerra da
América no romance Three Soldiers [Três Soldados] (1921), em que
2
Há ainda a necessidade de verificar a contribuição da análise realizada sobre o Manhattan Transfer da
tese para o projeto.
35
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
dizia que a civilização era ‘vasto edifício de hipocrisia e a guerra, em
vez de sua ruína, era sua expressão mais plena e definitiva’. Chocados
e mudados para sempre, os americanos voltaram para casa, sem jamais
recuperar a inocência. (p.60)
Marcados pela guerra e pelo rápido avanço tecnológico do início do século XX,
os escritores se viram obrigados a encontrar novas formas de narrar. Muitas
experiências e possibilidades se desenvolveram. A escrita cinematográfica de John dos
Passos é uma delas.
Outro aspecto destacado pela maioria dos comentadores diz respeito ao
surgimento, sobretudo nas décadas de 1920 e 30, de uma literatura de classe, fortemente
vinculada à preocupações sociais, engajada na denúncia da precariedade da situação dos
trabalhadores. O dramaturgo Eugene O’Neill pode ser considerado seu principal
representante. Deve-se considerar que grande parte dos experimentos formais
empregados por Dos Passos estão relacionados com tais preocupações, como se
pretende evidenciar ao longo do projeto.
A obra mais significativa da crítica encontrada até o momento é o ensaio de
Sartre Sobre John dos Passos e 19193 publicado em Situações I (2005). Embora as
reflexões aludam a uma obra em específico, elas podem auxiliar na compreensão de
outras obras do mesmo período, assim como o restante da trilogia de 1919 e o próprio
Manhattan Transfer. Bem aponta Sartre que “Dos Passos inventou apenas uma coisa:
uma arte de contar. Mas é o que basta para criar um universo” (p.38). Sua arte de contar
estaria pautada numa concepção de tempo histórica, em que os dados já estariam
lançados, os destinos dos personagens traçados. A isto estaria somado um narrador
semelhante a um coro, elemento trágico, ao qual daria voz o próprio leitor que,
confrontando com sua própria realidade em termos históricos, se revoltaria contra seus
absurdos. Pelas palavras do próprio autor,
É esse sufocamento sem socorro que Dos Passos quis exprimir. Na
sociedade capitalista os homens não têm vidas: têm apenas destinos.
Isso ele não diz em momento nenhum, mas sempre nos faz sentir; ele
insiste, discretamente, prudentemente, até nos dar vontade de romper
com nossos destinos. Eis-nos revoltados: seu objetivo foi alcançado.
[...] Contar o presente no passado é usar de um artifício, criar um
mundo estranho e belo congelado como uma daquelas máscaras de
carnaval que se tornam assustadoras quando homens de verdade as
vestem. (p.41)
3
Segundo volume da trilogia U.S.A..
36
Descrição das pesquisas
Apontar exatamente em que medida a análise de Sartre pode ser transposta ao
romance aqui estudado é uma questão que permanece em aberto, dependendo de um
maior aprofundamento seja na obra, seja no ensaio do filósofo, que deve ser
considerado como uma das maiores heranças críticas sobre o autor.
Com relação ao tema da metropóle moderna e à presença do elemento trágico na
obra a análise ainda não foi iniciada. Até o momento apenas uma parte da bibliografia
sobre o tema foi levantada. Por outro lado, a análise dos elementos cinematográficos na
obra já foi iniciada, ainda que se apresente incipiente.
Cabe aqui realizar algumas considerações a respeito da estrutura da obra. Esta é
constituída de três partes divididas por capítulos. Cada capítulo inicia-se com uma
epígrafe geralmente associada ao tema da grande metrópole e é composto pela narrativa
de várias cenas, nas quais predominam os diálogos, e que dizem respeito a vida de
vários sujeitos que podem ou não se relacionarem.
Duas referências básicas ao cinema podem ser apontadas na obra em questão.
São elas: a organização estrutural da obra que aponta para a noção de montagem
cinematográfica; e a idéia de uma objetividade na descrição dos fatos que esconde por
trás de si uma manifestação subjetiva.
Como o próprio autor afirma em entrevista concedida à Paris Review é muito
provável que diretores como Eisenstein e Griffith o tenham influenciado na época em
que compôs Manhattan:
Na época em que escrevi Manhattan Transfer não tenho certeza se já
tinha visto os filmes de Eisenstein. A idéia de montagem teve
influência no desenvolvimento da forma. Talvez eu tivesse visto O
encouraçado Potemkin. Claro que já devia ter visto O nascimento de
uma nação, que foi a primeira tentativa de montagem. Eisenstein
considerava-o como a origem de seu método. (1988, p.187)
É a partir da noção de montagem cinematográfica que é possível estabelecer
relações entre as diversas narrativas do romance que, num primeiro momento, podem
parecer desconexas, visto que relatam vidas independentes e que, em sua maioria, não
se cruzam. Cabe ao leitor realizar as associações possíveis. No segundo capítulo,
chamado Metrópole (DOS PASSOS, 19--, p.21 e seg.), por exemplo, é possível associar
a epígrafe, que compara Nova York com outras cidades históricas colossais, com a
precariedade da vida de vários personagens e a especulação imobiliária de modo a
constituir um retrato crítico a respeito da cidade. Fica aí evidente que a questão da
37
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
montagem aponta para a ação do diretor, no caso narrador, contido por detrás dela e que
a seleção e agregação de cenas nunca é gratuita.
Bibliografia
BLAIR, Walter; HORNBERGER, Theodore; STEWART, Randall. Estados Unidos: de
1914 aos dias de hoje. In: Breve história da literatura americana. Tradução: Marcio
Cotrim. Rio de Janeiro: Lidador, 1967.
BRADBURY, Malcolm. Estilo de arte e estilo de vida: a década de 1920. In: O
romance americano moderno. Tradução: Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, c1991.
CAHEN, Jacques-Fernand. A literatura negra. In: A literatura americana. Tradução:
Yolanda S. de Toledo. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1955.
DOS PASSOS, John. Manhattan Transfer. Tradução: Enéas Camargo. Curitiba, São
Paulo e Rio de Janeiro: Editora Guaíra, 19--.
DOS PASSOS, John, et al. John Dos Passos. In: Os escritores: as históricas entrevistas
da Paris review. Seleção: Marcos Maffei. Tradução: Alberto A. Martins. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988).
FENEJA, Fernanda Luísa da Silva. Introdução. In: A reinvenção do paradigma épico na
ficção inicial de John Dos Passos: uma leitura de One Man's Initiation, Three Soldiers e
Manhattan Transfer. Lisboa: [s.n.], 2007.
SARTRE, Jean Paul. Sobre John dos Passos e 1919. In: Situações I: crítica literária.
Tradução: Cristina Prado. São Paulo: Cosac & Naif, 2005.
THORP, Willard. A casta e a classe na novela, 1920-1950. In: Literatura americana no
século vinte. Tradução: Luzia M. da Costa. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
VANSPANCKEREN, Kathryn. Modernismo e experimentação: 1914-1945. In:
Literatura americana. Tradutora: Márcia Biato. [s.l.]: Agência de Divulgação dos
Estados Unidos da América, c1994.
WRENN, John H. John Dos Passos. Tradução: Wamberto Ferreira. Rio de Janeiro:
Lidador, 1966.
38
Descrição das pesquisas
ASPECTOS DO POEMA EM PROSA DE CRUZ E SOUSA E RUBEN DARÍO
Allyne Fiorentino de Oliveira
Mestranda – Bolsista CAPES
Prof. Dr. Adalberto Luis Vicente (Or.)
O processo que transformou o fazer poético possibilitando a liberdade criadora
da modernidade é longo. Sua origem é no Romantismo e nas, ainda tímidas, quebras
com a tradição, mas que iniciaram uma mudança de consciência na representação
poética que mais tarde seria o legado para as experimentações Simbolistas. A partir da
metade do século XIX, a linguagem poética adquire um caráter de experimentação e as
rupturas se fazem necessárias para acompanhar a nova forma de expressão dos poetas.
Aceita-se, portanto, nesse período, que a poesia pode ser desprovida de verso, o que
aumentou significativamente o leque de opções dos autores em relação ao fazer poético.
A poesia sem o verso assume a forma das linhas corridas da prosa e dessa inovação
surge o que chamamos de poema em prosa, primeiramente na França com Aloysius
Bertrand (Gaspard de la nuit) e depois com Baudelaire, Rimbaud e Mallarmé.
O movimento Simbolista tinha como uma das propostas mais importantes a
expressão da musicalidade da poesia. Desprezando aquilo que era visível nas coisas,
procuravam sugerir ao invés de mostrar. Ferramentas abstratas como a música e os
símbolos seriam mais propícias para isso. “Para os simbolistas, portanto, fazer poesia
implica a tentativa de expressar fugidia, que merece necessariamente uma forma de
expressão condizente com ela, também vaga, indecisa” (BALAKIAN, 1985, p.28). A
estrutura do poema em prosa permitia uma maior liberdade rítmica, sendo propício para
experimentações no campo da linguagem e da forma, posteriormente no Modernismo
isso se desenvolveria para outras experimentações poéticas mais ousadas, como o uso
do verso branco e livre, o concretismo etc. Portanto, os estudos literários sobre o
Simbolismo, contribuem para a compreensão das bases fundadoras da literatura
moderna e contemporânea, auxiliando na compreensão de todo o processo de mudança
da poesia até a modernidade.
39
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Em nosso projeto de pesquisa buscamos analisar e comparar os poemas em
prosa do autor brasileiro João da Cruz e Sousa e do nicaraguense Ruben Darío, fazendo
sempre um paralelo com a teoria já publicada acerca desse gênero. Ambos os autores
representam a mais qualidade poética em seus respectivos países, bem como se
destacam por serem pioneiros na utilização do poema em prosa como forma de
expressão poética e por suas obras em prosa ainda não suscitarem tanto prestígio quanto
as obras em verso.
O foco do nosso estudo recai na obra “Missal” (1893) de João da Cruz e Sousa,
composta de 45 poemas em prosa voltados para o lado estético e impressionista que se
assemelham mais aos poemas em prosa de Ruben Darío. Já os poemas em prosa do
autor nicaraguense estão distribuídos por várias de suas obras, dentre elas: Azul (1888),
Cantos de vida y de esperanza (1895), El canto errante (1907), Prosa dispersa (1919) e
alguns sobre o nome de Cuentos y crônicas no volume XIV de suas Obras Completas,
dificultando a restrição do corpus em relação a datas de publicação. Por isso optamos
por utilizar um livro argentino, que sob o título Poemas en prosa (1948) apresenta uma
compilação de 25 poemas em prosa retirados de diversas obras de Darío.
Aliada ao estudo do poema em prosa propomos uma reflexão acerca dos gêneros
literários, desde os textos primordiais da Poética de Aristóteles, passando pelas ideias de
Genette, Todorov e Bakhtin, sempre refletindo qual a importância do estudo dos
gêneros ainda hoje e de que forma isso pode contribuir para a compreensão dos textos
modernos que se valem da hibridização.
Especificamente sobre o poema em prosa, utilizamos a obra principal sobre o
assunto “Le poème en prose de Baudelaire jusqu’à nos jours” de Suzanne Bernard, uma
obra importante e pioneira que procura abranger a teoria sobre o gênero e ainda
enumera vários autores que se dedicaram a escrita do poema em prosa, demonstrando as
características inerentes a cada um. Outras obras relevantes para a pesquisa são “Lire le
poème en prose” de Michel Sandras e “Configurações do poema em prosa” de Ângela
Varela, ambos também apresentando uma parte teórica e discussões sobre o poema em
prosa desde a origem até os dias de hoje, passando pelas diferenciações entre poesia e
prosa e finalizando com o estudo individual de alguns autores demonstrando as várias
formas que o poema em prosa pode assumir dependendo do autor e da época. Em alguns
pontos discordamos das teorias propostas, principalmente em relação ao status de
“gênero independente” concedido ao poema em prosa e em relação à diferenciação,
sempre relevante, de poema em prosa e prosa poética. Apesar de tão enraizada na
40
Descrição das pesquisas
Literatura Francesa, a questão do poema em prosa continua, ainda hoje, em aberto,
suscitada pela controversa delimitação dos modos literários (VARELA, 2011, p.66). E
sobre essa discussão dos limites entre poesia e prosa é que escolhemos adotar um
conceito derridiano de “participação sem pertencimento”, retirado de um ensaio de
Jacques Derrida em que discute a questão dos gêneros, por ser mais abrangente sem que
limite demais a teoria do poema em prosa.
Sobre a obra “Missal”, de Cruz e Sousa, entramos em uma outra discussão que
reavalia a crítica feita sobre essa obra desde o seu lançamento. Seguindo a linha de
pensamento do professor Doutor Antonio Donizeti Pires em sua tese de doutoramento,
procuramos demonstrar a importância dessa obra no contexto literário brasileiro e o
papel fundamental de Cruz e Sousa nas bases da poesia moderna, principalmente por
causa de suas obras em prosa, e como a crítica tem negado isso. Para tanto o ensaio de
Haroldo de Campos, “Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana” incita-nos
essa discussão no âmbito brasileiro. Paralelo a isso temos a tão aclamada fama de
Ruben Darío como ‘pai da modernidade’ em todos os países de língua espanhola. Esse
paralelo com a literatura hispânica nos permite entender melhor o porquê dessas
diferenças em relação à aceitação do simbolismo como precursor da modernidade.
Como o número de poemas contidos em cada obra é grande e nos impossibilita a
análise integral de todos os poemas, tentamos portanto, além de analisar os aspectos dos
poemas em prosa como um todo em cada poeta, partirmos de uma análise de
contraponto destacando principalmente a diferença em detrimento da semelhança.
O que notamos com as análises comparadas de alguns poemas é que a linguagem
de Cruz e Sousa diferencia-se da linguagem de Ruben Darío, pois traz mais elementos
sonoros e palavras raras, fazendo com que a musicalidade seja mais elaborada. Apesar
de Darío também utilizar elementos sonoros, a construção do ritmo é mais parecida com
a linearidade da prosa, talvez por isso muito dos seus poemas em prosa se pareçam com
pequenos contos. Além disso as imagens poéticas são voltadas ao pictórico e muitas
delas embasadas nas referências intertextuais e culturais, ou seja, ele constrói as
imagens através de elementos culturais, de forma mais exacerbada que o poeta
brasileiro. Parece-nos que Ruben Darío preocupa-se mais em demonstrar a sua erudição.
Nesses trechos podemos ter uma ideia da construção dos poemas:
41
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Es un mar de pizarra, con una multitud de florecimientos de nieve, es
un mar gris oscuro, con mil puntos en donde estallan copos de
espuma.
Chente Quirós me llamó poeta niño. ¡Pornógrafo!
No me subleva el adjetivo. Víctor Hugo da ese nombre al formidable
anciano Homero.
Pero en el Océano me siento niño. Siento siempre aquella primera
impresión de las potentes aguas inmensas; siento lo que tan
admirablemente expresó Pierre Loti (…).
(Trecho do poema “En el mar” de Ruben Darío)
Ó mar! Estranho Leviatã verde! Formidável pássaro selvagem, que
levas nas tuas asas imensas, através do mundo, turbilhões de pérolas e
turbilhões de músicas!
Órgão maravilhoso de todos os nostalgismos, de todas as plangências
e dolências…
Mar! Mar azul! Mar de ouro! Mar glacial!
(Trecho do poema “Oração ao mar” de Cruz e Sousa)
A partir desses pequenos trechos tirados de dois poemas que tem como temática
o mar, já podemos notar que a escrita de Darío utiliza bem mais elementos intertextuais,
pois somente nesse trecho há quatro citações extratextuais (Chente Quirós, Victor Hugo,
Homero e Pierre Loti). O eu lírico não nos diz claramente aquilo que sente em relação
ao mar, diz sentir aquilo que Pierre Loti expressou em seus poemas, ou seja, o
sentimento do eu lírico é criado através das suas referências culturais e não somente
pelo seu sentimento frente ao objeto poético. As referências intertextuais são bastante
abundantes nos poemas em prosa de Darío, enquanto que Cruz e Sousa usa poucas
intertextualidades em “Missal”, sendo que em “Evocações” (1898), segundo livro de
poemas em prosa de Cruz e Sousa, o uso das intertextualidades são maiores, embora não
nos detenhamos nessa obra. Note-se também que o ritmo dos dois poemas são
diferentes, no primeiro o tom prosaico é mais notável “No me subleva el adjetivo.
Víctor Hugo da ese nombre al formidable anciano Homero”, a construção da frase é
mais linear e direta, enquanto que no segundo a evocação ao sol e os ritmos binários dão
um tom mais poético ao texto como em “Órgão maravilhoso de todos os nostalgismos,
de todas as plangências e dolências”
Enfim, nossa pesquisa, que se encontra em estágio de escrita e preparação para
qualificação, segue nessas frentes anteriormente comentadas em que se insere a
discussão sobre os gêneros literários, a importância do Simbolismo na trajetória da
poesia brasileira e suas relações com a literatura hispânica, as análises dos poetas
42
Descrição das pesquisas
seguindo os pressupostos do poema em prosa e a tentativa de traçar aspectos dessa
expressão poética a partir das particularidades de cada poeta.
Bibliografia
ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. 12ª Ed. São Paulo,
Cultrix: 2005.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso In: Estética da criação verbal. 6ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2011.
BALAKIAN, Anna. El movimiento simbolista. Madrid: Ediciones Guadarrama, 1969.
BERNARD, Suzanne. Le poème en prose de Baudelaire jusqu’à nos jours. Paris: Nizet,
1959.
CAMPOS, Haroldo de. Ruptura dos gêneros na Literatura Latino-Americana. São
Paulo: Perspectiva, 1977.
CAROLLO, Cassiana Lacerda (seleção e apresentação). Decadismo e Simbolismo no
Brasil: crítica e poética. Rio de Janeiro: INL, 1980.
CRUZ E SOUSA, João da. Missal, Broquéis. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
DARÍO, Ruben. Poemas en prosa. 2ª ed. Buenos Aires, Colección Austral: 1948.
DERRIDA, Jacques. La ley del género. Tradução J. Panesi, Gliph, 7 (1980), Disponível
em <http://pt.scribd.com/doc/102170682/Derrida-Jacques-La-ley-del-genero>.
ECHEVARRÍA, R. G; PUPO-WALKER, E.(eds). Historia de la literatura
hispanoamericana. Madrid: Editorial Gredos, 2006. V.II.
FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna: da metade do século XIX a meados
do século XX. 2.ed. SP: Duas Cidades, 1991.
GALE, Leonore V. Ruben Darío y el poema en prosa modernista. The City University
of New York. Versão online. Disponível no endereço eletrônico
<www.ucm.es/BUCM/.../ALHI7575110367A.PDF>. Acesso em 22/08/2011.
GENETTE, Gérard. Géneros, tipos, modos. In: GARRIDO GALLARDO, A. Teoría de
los géneros literarios. Madrid, Arco Libros, 1988.
MELLO, Jefferson Agostini. Um poeta simbolista na República Velha: Literatura e
sociedade em Missal de Cruz e Sousa. São Paulo, USP, 2004. (tese de doutoramento)
MOISÉS, Massaud. O simbolismo. São Paulo: Cultrix, 1967.
MURICY, Andrade. Panorama do movimento simbolista brasileiro. 3ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1987. V.1 e 2.
NITRINI, Sandra. Literatura Comparada: história, teoria e crítica. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 1997.
OVIEDO, José Miguel. Historia de la literatura hispanoamericana: Del Romanticismo
al modernismo. Madrid: Alianza editorial, 2007. v. 2.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982. (Coleção Logos).
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha: Ensaios. São Paulo; Companhia
das Letras, 1990.
PIRES, Antônio Donizeti. Pela volúpia do vago: Simbolismo. O poema me prosa nas
literaturas portuguesa e brasileira. Araraquara, Unesp, agosto de 2002. (Tese de
doutoramento) 2 v.
SANDRAS, Michel. Lire le poème en prose. Paris : Dunod, 1995. (Coll. Lettres Sup).
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos : Ensaios sobre dependencia
cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
43
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
TODOROV, Tzvetan, El origen de los géneros. In: GARRIDO GALLARDO, Miguel
A. Teoría de los géneros literarios, Madrid, Arco/Libros, 1988.
TORREMOCHA, María Victoria Utrera. Teoría del poema en prosa. Sevilla:
Universidad de Sevilla, 1999.
VARELA, Ângela. Configurações do poema em prosa: de Notas Marginais de Eça ao
Livro do Desassossego de Pessoa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da moeda, 2011.
VICENTE, Adalberto Luis. As abordagens dualísticas do poema em prosa. Revista
Lettres
Françaises,
Araraquara,
n.3,1999.
Disponível
em
<http://seer.fclar.unesp.br/lettres/article/view/790>.
WILSON, Edmund. O castelo de Axel: Estudo sobre a literatura imaginativa de 1870 a
1930. Tradução de José Paulo Paes. 2ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
44
Descrição das pesquisas
SONHO E DELÍRIO EM VILLIERS DE L’ISLE-ADAM E THÉOPHILE
GAUTIER
Amanda da Silveira Assenza Fratucci
Mestranda
Profa. Dra. Ana Luiza Silva Camarani (Or.)
1. Introdução
Escritores do século XIX francês, Théophile Gautier (1811-1872) e Villiers de
l’Isle-Adam (1838-1889) pertencem a uma época bastante voltada para a materialidade
e para o progresso instaurado pelo capitalismo. Opondo-se, em seus textos, a essas
tendências, Villiers e Gautier acentuam a imaginação e a emoção.
De fato, já na segunda metade do século XVIII europeu, o pré-romantismo já se
opõe a essa realidade materialista. Assim, cria-se, por parte dos artistas, um ideal a
respeito da sociedade, que passa, portanto, a figurar como uma utopia na mente de cada
indivíduo, levando-o à negação (evasão) da realidade ou à rebeldia diante dela. Para
Otto Maria Carpeaux é possível fazer uma divisão entre o romantismo conservador ou
de evasão e o romantismo liberal e revolucionário. (CARPEAUX, 1987, v. 5 p. 1153)
No romantismo liberal e revolucionário aparecem as obras com uma tendência social,
que, na França é muito bem representada por Victor Hugo. Na vertente ligada à evasão
aparece um “eu” romântico que se vê incapaz de resolver sozinho os problemas em
relação à sociedade e que, portanto, se lança à evasão.
A evasão romântica apresentava-se de diversas maneiras: através do retorno para
o passado, a fuga por meio das manifestações do inconsciente, o sentimentalismo
exagerado e o fantástico.
Escolhendo evadir-se através do fantástico, Théophile Gautier vê em E.T.A.
Hoffmann um grande mestre desse tipo de literatura, pertencente a uma geração
romântica alemã que apoiava a construção de suas obras em sonhos, fantasia,
imaginação, logo na fuga para o mundo não material.
Já na segunda metade do século XIX, há na Europa um descontentamento com a
ordem social semelhante ao do romantismo, mas acrescido de um sentimento decadente
de que o mundo se desfaz. Estamos diante do Simbolismo.
45
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Enquanto os românticos procuravam se opor à sociedade por meio dos
sentimentos e da revolta, os simbolistas só queriam refugiar-se no mundo da
imaginação, em sua torre de marfim, protestando assim contra a sociedade corrompida
pelo materialismo. O simbolista acredita que o ser humano é determinado pelo meio e
condições de vida. Portanto, eles não permanecem no meio social, mas recolhem-se a
um mundo subjetivo que garante seu afastamento da sociedade e da realidade, já que,
para o poeta simbolista, é impossível opor-se a ela.
O poeta simbolista é aquele que, sabendo-se condenado a um destino terreno
sobre o qual não tem controle, procura um conforto niilista na maior forma de
libertação: a morte. Ele se refugia na crença da imortalidade como forma de salvação de
sua alma.
Assim era também Villiers de l’Isle-Adam, que não se encaixava na ordem
capitalista vigente e procurava sempre uma existência superior, longe da realidade de
sua época. Encontrava essa existência superior na criação literária. Suas obras, portanto,
demonstravam essa procura em seus temas míticos, fantásticos.
As obras villierianas são, assim, uma espécie de refúgio do mundo real para que
se alcance a existência Ideal, que, para ele, os homens conseguiam atingir através da
imaginação, da literatura.
Villiers procura, portanto, uma poética em que cada palavra é escolhida de
forma a levar os leitores a alcançar essa realidade Ideal, resultando em uma obra repleta
de sonoridade e sinestesia; características muito importantes no movimento simbolista.
O autor demonstra uma preocupação metafísica principalmente em suas obras
fantásticas, que têm como temas comuns a loucura, a morte e o amor ligado à morte.
2.
O conto fantástico na França
O conto fantástico é uma das produções mais características da narrativa no
século XIX. Ele nasce como modalidade literária no início do século no Romantismo
alemão, com a intenção de representar o mundo interior e subjetivo da mente, da
imaginação humana, conferindo a ela uma importância maior do que a da razão e
realidade. Porém, antes disso, já na segunda metade do século XVIII, o romance gótico
na Inglaterra havia explorado temas e ambientes que serviriam de base ao fantástico.
Na França, a literatura fantástica está muito ligada aos períodos do Romantismo
e do Simbolismo. Segundo Pierre-Georges Castex (1962), a literatura fantástica francesa
46
Descrição das pesquisas
se divide justamente nestes dois períodos: o primeiro, em meados do século XIX, é o do
Romantismo, o gosto pelo sobrenatural, pelo mistério e a procura pelo absoluto deram
abertura a grande produção de contos fantásticos que teve uma grande influência de
E.T.A. Hoffmann, influência essa que pode ser verificada em Théophile Gautier.
Já o segundo período compreende o movimento simbolista, já no fim do século
XIX, ligado ao interesse pelas forças ocultas, pelo sonho e pela imaginação. Claro que
também nesse período foi vasta a produção fantástica tendo em vista os temas que lhe
são caros. Aqui, Edgar Allan Poe aparece como principal mestre, já que atraiu os
franceses pela sua preocupação estética.
Ainda conforme Castex (1962), a literatura fantástica, desde sua origem, se
interessa muito pelo sonho e seus derivados, (pesadelos, delírios, alucinações e
estados provocados pelo uso das drogas). Esses motivos povoam numerosos contos
fantásticos, mas podem conferir aos textos tanto um final explicado pela razão
científica ou, em histórias mais ambíguas, podem confundir ainda mais o leitor a
respeito da realidade.
A literatura fantástica aparece então como um refúgio à realidade palpável.
Théophile Gautier e Villiers de l’Isle-Adam procuram esse refúgio em seus contos
fantásticos, que são permeados por elementos do sobrenatural, sonhos, delírios e
alucinações.
Esses recursos aparecem de diversas maneiras nas narrativas fantásticas. Em
alguns casos eles são uma “segunda vida” (citando Gérard de Nerval), como é o caso
do sonho de Romuald em “La morte amoureuse”, narrativa de Théophile Gautier. Já
em L’intersigne, de Villiers de l’Isle-Adam, o sonho aparece como uma premonição.
Em outros casos ele aparece para tentar dar uma explicação “plausível” para o fato
sobrenatural ocorrido. Enfim, ele pode ter várias funções na narrativa fantástica.
Partindo dessa colocação, esta pesquisa pretende mostrar, nos textos
narrativos “La morte amoureuse” e “Le pied de momie”, de autoria de Théophile
Gautier e “Véra” e “L’intersigne”, de Villiers de l’Isle-Adam, como os sonhos e
todas as suas derivações contribuem para a atmosfera fantástica da narrativa.
3.
A literatura fantástica
A proposta deste trabalho é, partindo da leitura dos textos ficcionais, a
interpretação e análise dos contos selecionados, verificando e buscando compreender
47
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
como se dá a presença do fantástico nesses autores. Serão verificados mais
detalhadamente os aspectos do sonho e do delírio.
Os contos serão analisados à luz de teorias relacionadas à literatura fantástica.
Ao estudar a literatura fantástica, encontram-se diversas definições. É comum
alguns autores discordarem na conceituação dessa modalidade literária, por isso,
escolheu-se mostrar aqui algumas definições importantes.
Tzvetan Todorov é um dos autores mais lembrados quando se fala em literatura
fantástica. Em seu livro Introdução à literatura fantástica ele discorre sobre os limites
entre o estranho, o fantástico e o maravilhoso. Sobre isso, ele diz:
Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que conhecemos, sem
diabos, sílfides nem vampiros, produz-se um acontecimento que não
pode ser explicado pelas leis deste mundo familiar. Aquele que o
percebe deve optar por uma das duas soluções possíveis; ou se trata de
uma ilusão dos sentidos, de um produto da imaginação e nesse caso as
leis do mundo continuam a ser o que são; ou então o acontecimento
realmente ocorreu, é parte integrante da realidade, mas nesse caso esta
realidade é regida por leis desconhecidas para nós. Ou o diabo é uma
ilusão, um ser imaginário; ou então existe realmente, exatamente
como os outros seres vivos: com a ressalva de que raramente o
encontramos. (TODOROV, 1992, P. 30).
Assim, o fantástico, segundo Todorov, ocorre na incerteza. Ao escolher uma ou
outra solução, não estamos mais no fantástico, e sim em um de seus gêneros vizinhos: o
estranho e o maravilhoso. O estranho aparece quando se encontra uma explicação real
para o acontecimento. Já o maravilhoso ocorre quando não há explicação real, quando o
sobrenatural pertence realmente à realidade da narrativa.
David Roas (2001) observa que a maioria dos críticos concorda que a condição
indispensável para o fantástico é o sobrenatural. E esse sobrenatural é entendido como
um fenômeno que transgride o mundo real, é aquele que não pode ser explicado pelas
leis deste mundo. Dessa forma, a literatura fantástica é definida por essa característica
de transgressão ao real. Para isso é preciso que o ambiente da narrativa seja parecido
com àquele em que mora o leitor. É nesse ambiente conhecido pelo leitor que aparece o
sobrenatural, fazendo com que o leitor duvide de sua própria realidade.
Se o sobrenatural não entrar em choque com o contexto, com o ambiente da
narrativa, não estamos mais no fantástico. Passa-se então ao maravilhoso, onde os
acontecimentos sobrenaturais são perfeitamente aceitáveis. A diferença então é que no
maravilhoso, o estranho é mostrado como natural. No mundo maravilhoso tudo é
48
Descrição das pesquisas
possível: fadas, espíritos, demônios, vampiros, enfim, tudo que não poderia pertencer ao
nosso mundo, no maravilhoso tem seu lugar. (ROAS, 2001, p. 12)
Castex segue essa mesma linha assinalando que o fantástico “se caracteriza pela
intromissão brutal do mistério no quadro da vida real e está ligado, geralmente, aos
estados mórbidos da consciência que, durantes pesadelos e delírios projetam nela
imagens de suas angústias e terrores.” (CASTEX, 1962, p. 8).
4.
Estágio atual da pesquisa
Tendo em vista as teorias sobre o fantástico explicitadas acima, essa pesquisa
procederá à análise dos contos já mencionados de Théophile Gautier e de Villiers de
l’Isle-Adam. Seguindo cronograma previsto no Projeto de Pesquisa apresentado ao
Programa de Pós-graduação em estudos Literários, no primeiro semestre de 2013 houve
a participação em disciplinas do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da
FCLAr e levantamento bibliográfico e expansão da bibliografia. Uma leitura mais
aprofundada do corpus foi realizada, assim como um exame da fortuna crítica referente
à obra de Théophile Gautier e Villiers de l’Isle-Adam e referente à teoria da literatura
fantástica. Os resultados atingidos foram discutidos em reuniões com a orientadora.
As disciplinas cursadas foram “Mulher e Literatura”, ministrada pela Professora
Doutora Lola Aybar, que foi muito útil para fornecer conhecimento apropriado para
uma análise mais aprofundada das personagens femininas Clarimonde e Véra dos
contos “La morte amoureuse” e “Véra”, de Théophile Gautier e Villiers de l’Isle-Adam
respectivamente.
A disciplina “Mito e Poesia”, ministrada pelo Professor Doutor João Batista
Toledo Prado forneceu uma visão mais aprofundada dos aspectos mitológicos presentes
em toda a literatura, inclusive em textos fantásticos.
Os trabalhos finais das disciplinas cursadas estão sendo escritos a partir das
teorias vistas em aulas e as teorias sobre o fantástico já explicitadas anteriormente.
Além disso, esse período foi dedicado à preparação de resumo e trabalho
completo que será apresentado no II Simpósio Internacional de Literatura, Cultura e
Sociedade organizado pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade
Federal de Viçosa, em Minas Gerais.
Bibliografia
49
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
BALAKIAN, A. O Simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 2000.
BESSIÈRE, Irène. Le récit fantastique: la poétique de l’incertain. Paris: Larousse,
1974. (Thèmes et textes).
CAILLOIS, Roger. Anthologie de la littérature fantastique. Paris: Gallimard, 1966.
CARPEAUX, Otto Maria. História da literatura ocidental. V. 5. Rio de Janeiro :
Alhambra, 1987.
CASTEX, Pierre-Georges. Le conte fantastique en France de Nodier à Maupassant.
Paris: Corti, 1962.
MICHAUD, G. Message Poétique du Symbolisme. Paris: Librarie Nizet, 1966.
ROAS, D. Introducción, compilación de textos y bibliografia. In: ALAZRAKI, J.
Teorías de lo fantástico. Madrid : Arco/Libros, 2001
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Trad. M. Clara C. Castello.
São Paulo: Perspectiva, 1975.
50
Descrição das pesquisas
“CAMPO GERAL”: UM JOGO DE POSSIBILIDADES NARRATIVAS NA
PELE DA ESCRITURA
Amauri Faria de Oliveira Filho
Mestrando
Profa. Dra. Maria Célia Moraes Leonel (Or.)
O presente estudo centra-se no jogo de alternância de vozes entre narrador e
protagonista de “Campo geral”, a partir do levantamento e análise dos recursos
narrativo-poéticos da prosa rosiana. A hipótese do trabalho é a de que componentes
estruturais veiculados por diferentes categorias narrativas e as escolhas linguísticas do
escritor compõem os traços de intuição, sensibilidade e criatividade do protagonista,
fundamentais para o seu processo de amadurecimento/crescimento que pode ser
considerado como um dos temas principais da novela em pauta.
Ao lado dessa análise, o trabalho pretende arrolar elementos do texto que
permitem vincular alguns traços biográficos da infância de Guimarães Rosa à
personagem Miguilim, com o intuito de estabelecer um elo entre o trabalho da
linguagem, a transfiguração do real e a visão lírica da personagem com o trabalho de
criação da literatura, comprovando a hipótese de que o protagonista é, também, um
poeta.
A novela narra a infância de “um certo Miguilim” que morava no remoto sertão
“no meio dos Campos Gerais” em “um lugar bonito, entre morro e morro”, chamado
Mutum. Por meio do olhar marcado pela sensibilidade do protagonista, o narrador
conduz o leitor às vivências da criança de oito anos em um mundo rico de cores,
animais e lirismo e, ao mesmo tempo, repleto de violência, brutalidade, conflito, vida e
morte.
A narrativa conjuga um narrador heterodiegético e a focalização interna fixa,
permitindo, dessa forma, que a criatividade e a sensibilidade poética da linguagem
infantil venham à tona. A cumplicidade entre o narrador, aquele que fala, e o
protagonista, aquele que vê pelo prisma da infância, é responsável pela formação do
discurso lírico, da prosa-poética de “Campo geral”. Assim, faz-se necessário o estudo,
com base nas proposições de Genette ([197-]), das duas categorias narrativas, a narração
51
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
e a focalização, a fim de desvendar, a partir das marcas linguísticas, os mecanismos de
construção da poeticidade do discurso rosiano.
As escolhas estruturais quanto à narração, à focalização, (e também ao tempo)
entrelaçam-se aos diferentes recursos poéticos usados na prosa rosiana na construção da
história de Miguilim e seus poderosos efeitos emocionais. A narrativa rosiana em
questão, misto de conto, novela, romance e poesia, promovendo o encontro fluido,
amalgamação entre a prosa e a poesia, que origina um adensamento lírico, faz emergir
do texto uma imagem profundamente emocional e sensível do protagonista e, por esse
mesmo motivo, comunicativa ao leitor. Tal característica de “Campo geral” cruza-se
com os aspectos macronarrativos apontados.
O momento atual da pesquisa é justamente o de levantamento e a análise desses
recursos e sua relação com as categorias narrativas mencionadas. Nessa composição de
uma prosa poética singular repleta de possibilidades de leitura, o escritor mineiro
desenvolve uma narrativa em prosa que não tem marcas de pausa abrupta para inserção
de modelos e ferramentas tradicionais da poesia. Pelo contrário, no texto rosiano, do
começo ao fim, existe um caráter poético feito da combinação de ritmo, aliterações,
assonâncias, neologismos, arcaísmos, eruditismos, regionalismos, entre outros recursos
fundamentais para a construção da sensibilidade, da criatividade e do amadurecimento
do protagonista.
Em Guimarães Rosa, o encontro entre prosa e poesia revela, a partir da
introdução de elementos líricos na narrativa, novas maneiras de traduzir o homem, sua
mente e suas paixões. Esse gênero híbrido que combina elementos aparentemente
díspares (ações, ideias e escolhas morais do lado da prosa, com sentimentos e temas, da
poesia), transcende o simples encadeamento de ações da narrativa tradicional e
aproxima-se de imagens que representam, de modo atemporal, o ser humano e o mundo,
a velha nova história, sempre única quando se trata de Guimarães Rosa,
mineiro/universal.
O embasamento teórico da pesquisa é constituído de estudos que podemos reunir
em dois grupos. Em primeiro lugar estão os ensaios críticos sobre a obra de Guimarães
Rosa em geral e sobre a novela em pauta, como: O dorso do tigre (2009) e Crivo de
papel (1999) de Benedito Nunes que tecem considerações a respeito da linguagem,
regionalismo, poesia, entre outros temas sobre o conjunto da obra rosiana; O roteiro de
Deus (1996) de Heloísa Vilhena de Araújo que apresenta análise místico-religiosa; O
homem dos avessos (1994) de Antonio Candido que coteja terra, homem e luta na
52
Descrição das pesquisas
análise de “Grande sertão: veredas”; Guimarães Rosa: um alquimista da palavra (1994),
de Eduardo F. Coutinho e Guimarães Rosa de Franklin de Oliveira que busca traduzir o
que foi a “revolução guimarosiana”. Além de textos como O menino na literatura
brasileira (1988) de Vânia Maria Resende, Um enfoque fora de foco: reflexões sobre o
ponto de vista em “Campo geral” (2004) de Cláudia Campos Soares e O narrador
epilírico de “Campo geral” (2006) de Ronaldes de Melo e Souza.
Em segundo lugar, enfeixam-se os estudos sobre categorias da narrativa, em que
se sobressai o estudo de Gérard Genette ([197-]) Discurso da narrativa, na qual o teórico
francês aponta a voz, o modo e o tempo como os aspectos constitutivos e geradores do
sentido na narrativa literária, mas que conta também com o estudo de Antonio Candido
A personagem do romance (1970) e com o de Benedito Nunes O tempo na narrativa
(1995). Na área da poesia, os estudos teóricos estão centrados na busca das origens da
poesia rosiana em: Magma e gênese da obra (2000) de Maria Célia Leonel, Octavio Paz
em O arco e a lira (1982), Tzvetan Todorov em Os gêneros do discurso (1980) e
Linguística e poética (1970) de Roman Jakobson.
Como consequência das disciplinas frequentadas na pós-graduação, o estudo
original estendeu-se também para as relações familiares por meio da ótica psicanalista
em “Campo geral”, mais precisamente sob o viés do complexo de Édipo.
A travessia de Miguilim em “Campo geral” é marcada por constantes tensões
transfiguradas metonimicamente nas personagens e no sertão que o cerca. Assim, se por
um lado ele encontra sensibilidade e carinho na mãe e no tio Terêz, há aspereza e
desavenças com o pai; enquanto Vó Izidra representa uma religião autoritária cujas
regras morais e dogmas são inapeláveis, único caminho para a salvação, Mãitina é a
negra feiticeira, pertencente a fé proibida, mas que também atende as necessidades
espirituais do menino; outro contraste existe entre Seo Deográcias e Seo Aristeu, os dois
personagens que receitam remédios, o primeiro traz agouros nefastos, da chegada de
doenças e fome, mas o segundo anuncia a saúde e a alegria, não só com sua fala e
cantoria, mas com a própria presença física e personalidade. Da mesma maneira, a
realidade que cerca Miguilim é marcada pela pobreza, pelo excesso de trabalho, pela
falta de educação e oportunidades. No entanto, em meio a tanto cinza, o protagonista é
capaz de enxergar uma profusão de cores e sons e cheiros e texturas, um sertão rico de
sentidos que os convida para a decifração.
53
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Nesse aspecto, pretende-se ainda, ao longo do trabalho, explorar essas forças
contrárias que, de forma barroca, dão densidade e movimento ao texto, com intuito de
expandir ainda mais suas possibilidades de leitura.
Ao final de “Campo geral”, com a revelação da miopia, não se chega a saber
qual a situação real do mundo exterior a Miguilim – o que não tem importância para a
leitura do texto – mas é possível conhecer sua intimidade, seu crescimento e
amadurecimento, a significação de sua travessia sem chegar à fase conclusiva. A cidade
o espera para novos desafios. Semelhante a Miguilim e a sua trajetória, busco,
progressivamente, transcender a matriz que sustenta a pesquisa, pois novos estudos
promovem a diluição do traço negro das linhas no branco do papel e, cada vez mais,
deparo-me com os mistérios de um tom acinzentado, vago, mas riquíssimo e repleto de
potencialidade.
Bibliografia
ABRANCHES, S. Vovô Juca e Miguilim. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 de junho
de 2012. Ilustríssima, p. 9.
ANDRADE, C. D. de A rosa do povo. 32ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006.
ARAÚJO, H. V. de A raiz da alma (Corpo de Baile). Editora da Universidade de São
Paulo, 1992.
AUERBACH, E. Mimesis. 4ª Ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. p. 471-498.
BERARDINELLI, A. Da poesia à prosa. Trad. M. S. Dias. São Paulo: Cosac Naify,
2007.
BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1977.
BRENNER, C. Noções básicas de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago; São Paulo: Ed.
da Universidade de São Paulo, 1975.
CANDIDO, A. A personagem de ficção. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007.
COUTINHO, E. F. Guimarães Rosa: um Alquimista da Palavra. In: João Guimarães
Rosa, Ficção Completa em dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 1124.
COUTINHO, A. A literatura no Brasil. Vol. 5 parte II Estilos de Época. Era
Modernista. 4ª Ed. São Paulo: Global Editora, 1997.
EAGLETON, T. Teoria da Literatura uma Introdução. São Paulo: Martins Fontes,
2006.
ELIOT, T. S. De poesia e poetas. São Paulo: Brasiliense, 1991.
GALVÃO, W. N. Guimarães Rosa. São Paulo: Publifolha, 2000.
GENETTE. Gérard. Discurso da Narrativa. Trad. de Fernando Cabral Martins. Lisboa:
Vega, [197-].
GENETTE, G. Fronteiras da narrativa. In: BARTHES, R. et al. Análise estrutural da
narrativa. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 265-284.
LAPLANCHE, J. e PONTAILS, J. B. (1967). Vocabulário da Psicanálise, trad. de
Pedro Tamen. Santos: Martins Fontes, 1995.
LEONEL, M. C. Guimarães Rosa: Magma e gênese da obra. São Paulo: Editora
UNESP, 2000.
54
Descrição das pesquisas
LISBOA, H. O motivo infantil na obra de Guimarães Rosa. In: João Guimarães Rosa,
Ficção Completa em dois volumes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 133-141.
LORENZ, G. Diálogo com Guimarães Rosa. In: COUTINHO, E. F. (Org.). Guimarães
Rosa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.
MACHADO, A. M. O recado do nome: leitura de Guimarães Rosa à luz do Nome de
seus personagens. 3ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2003.
MACIEL, M. E. Travessias de gênero na poesia contemporânea. In: Poesia Sempre.
Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, n. 23, março/abril 2006.
NUNES, B. De Sagarana a Grande Sertão: Veredas. In: ______. Crivo de papel.
São Paulo: Ática, 1999. p. 247-262.
NUNES, B. O amor na obra de Guimarães Rosa. In: _____. O dorso do tigre. São
Paulo: Editora 34, 2009. p. 143-171.
OLIVEIRA, F. de Guimarães Rosa. In: COUTINHO, A. (Org.) A literatura no Brasil. 6ª
edição, vol. 5. São Paulo: Global, 2001. p. 475-526.
PAZ, O. O arco e a Lira. Trad. Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. p.
15-31.
PESSOA, F. Poemas completos de Alberto Caeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2006.
RESENDE, V. M. A trajetória do menino nas estórias de Guimarães rosa. In: ______. O
menino na literatura brasileira. São Paulo: Perspectiva, 1988. p. 25-45.
RIEDEL, D. C. Minha gente, Miguilim... e outras estórias. Revista Estudo
Linguísticos e Literários, Salvador, n. 8, p. 29-45, dez. 1988.
ROSA, G. Manuelzão e Miguilim. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
SOARES, C. C. Um enfoque fora de foco: reflexões sobre o ponto de vista em “Campo
geral”. Revista do Centro de Estudos Portugueses, Belo Horizonte, v. 24, n. 33, p.
183-207, 2004.
SOUZA, R. de M. O narrador epilírico de “Campo geral”. Revista Diadorim, Rio de
Janeiro, v. 1, p. 63-74, 2006.
55
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AS FACES DA METAFICÇÃO EM TEOLINDA GERSÃO
Ana Carolina da Silva Caretti
Doutoranda
Profa. Dra. Márcia Valéria Zamboni Gobbi (Or.)
Iniciada em março deste ano, esta pesquisa ainda se encontra em fase de
adaptações e reformulações. O primeiro e o segundo semestre estão sendo dedicados ao
cumprimento das disciplinas oferecidas pelo programa, além da escrita dos trabalhos de
conclusão. Tendo em vista o aproveitamento destes trabalhos para a composição da tese
futuramente, procuraremos elaborá-los em consonância com nossa pesquisa (um deles
já está pronto, e outro em construção).
As disciplinas cursadas, até o momento, foram: “História e Ficção”, ministrada
pela Profa. Dra. Márcia Valéria Zamboni Gobbi, e “Poesia e Metalinguagem”, pela
Profa. Dra. Fabiane Borsato. No primeiro semestre, participamos dos seguintes eventos:
V Workshop de Pós-Graduação em Letras, realizado na Faculdade de Ciências e Letras
de Araraquara, e do I Congresso Nacional de Literatura e Gênero, no Instituto de
Biociências, Letras e Ciências Exatas de São José do Rio Preto. Na ausência de mais
atividades realizadas, dado o ingresso recente no programa, a seguir ressaltaremos
algumas questões importantes relativas ao nosso projeto.
Muito se tem discutido atualmente a respeito da pluralidade dos aspectos formais
do texto literário, mais especificamente da narrativa. Os elementos estruturais que
sempre fizeram parte de sua composição não são mais passíveis de serem definidos e
delimitados com clareza e segurança, como é o caso das categorias de tempo, espaço,
personagem, narrador, que não permitem ser enquadradas dentro de teorias fixas e
limitadoras. Desse modo, até mesmo a classificação dos gêneros, bem como suas
delimitações, é algo impensável nos dias de hoje, já que o que ocorre é uma verdadeira
fragmentação nas marcas caracterizadoras de cada um, provocando a intersecção entre
vários deles, o que faz com que se apresentem no limiar entre um e outro.
Patricia Waugh (1984, p.5) alude às dificuldades existentes na tentativa de
definição de textos cuja instabilidade é parte da definição. O resultado dessa
“instabilidade”, dessas “dissoluções”, surge em forma de textos fragmentados, que se
distanciam dos parâmetros convencionais e se voltam para o seu interior, havendo,
56
Descrição das pesquisas
portanto, uma ênfase na questão da linguagem. Trata-se de um texto auto-reflexivo, que
traz à tona o seu próprio processo de construção literária.
E é nessa instância da linguagem que se autoquestiona que o processo
metalingüístico é instaurado. O termo metalinguagem foi desenvolvido por Hjelmslev,
que o definiu basicamente como a linguagem que funciona como um significante para
uma outra linguagem, que torna-se o significado, conforme colocado por Waugh (1984,
p.4). Já o termo metaficção, ainda segundo a autora, originou-se em um ensaio sobre o
crítico e novelista norte-americano William H. Gass, por conta de suas narrativas autoconscientes. Mas Waugh nos recorda que “termos como ‘metapolítica’, ‘meta-retórica’
e ‘metateatro’ são um lembrete de que, desde 1960, tem havido um maior interesse
cultural no problema de como o ser humano reflete, constrói e media suas experiências
no mundo” (1984, p.2). Surge, portanto, como um paradigma do pós-modernismo.A
autora também atenta para o fato de que narrativas metaficcionais tendem a ser
constituídas por uma oposição fundamental, na qual uma ilusão ficcional é construída e
revelada ao
mesmo
tempo.
Linda Hutcheon, em seu
Narcissisticnarrative:
themetafictionalparadox, diz que “a característica da metaficção é que ela constitui seu
próprio primeiro comentário crítico” (1984, p.6), e, portanto, “nenhuma teoria será
capaz de lidar com isso sem nenhuma distorção”.
A obra da escritora portuguesa contemporânea Teolinda Gersão serve-nos como
objeto de estudo primeiramente por apresentar vários rompimentos com a fixidez das
categorias narrativas tradicionais. Em toda ela é possível notarmos as indefinições
formais, sendo que, muitas vezes, vem da própria autora a impossibilidade de
classificação. De acordo com Lilian Cristina Brandi da Silva (2003), as narrativas de
Gersão rompem com padrões convencionais e paradigmas estabelecidos, além de
transgredirem formas autoritárias e repressivas. Para Maria Heloísa Martins Dias (1992,
p.25), “qualquer tentativa de reconstituir o universo ficcional criado por Teolinda
Gersão deve enfrentar um desafio: a ausência de uma ordenação previsível das
categorias narrativas nos moldes tradicionais”, o que significa que sua escrita se
apresenta como “um sistema fragmentado e pluriforme”.
A narrativa de Gersão pode ser vista, portanto, como portadora de algumas das
características mais fundamentais dos textos contemporâneos, que são a impossibilidade
de classificações e a metalinguagem. A riqueza de efeitos estéticos na obra, viabilizados
por meio da confluência de diferentes formas de expressões artísticas, nos encaminha a
57
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
uma análise não só estrutural, mas também, e principalmente, dos sentidos aflorados no
texto.
Ao longo de nossos estudos acerca da metaficção, percebemos que uma das
maiores dúvidas que surgem com relação ao tema tem um cunho terminológico.
Devemos chamar metaliteratura ou metaficção as obras que se voltam a si mesmas? No
caso de textos narrativos, em prosa, parece mais confortável chamá-los metaficção.
Mas, quando se trata de poemas ou outro tipo de manifestação artística, surgem diversas
outras denominações, como metapoema, metadrama. Em trabalhos por nós realizados
anteriormente, observamos que, por vezes, a obra de Teolinda Gersão apresenta sua
metaficção versando sobre outras artes, como por exemplo a música e a pintura. Desse
modo, a escritora estaria realizando uma espécie de meta-arte, uma vez que a reflexão
sobre uma determinada linguagem artística se estende a várias outras. Este é um meio
engenhoso de que se serve a autora para colocar em pauta questionamentos e reflexões
muito mais amplas sobre a literatura, delineando-se um aspecto ensaístico que sugere a
confecção de uma “teoria” singular. Falando-se a respeito de música e pintura, fala-se
também sobre literatura.
Considerando que tanto o termo metaficção quanto metaliteratura ou meta-arte
seriam passíveis de serem empregados em nosso trabalho, optamos, por ora, por utilizar
o termo metaficção, tendo em vista que o vocábulo ficção, com sua origem no latim
fictione, proveniente de fingere, é um sinônimo de imaginação, fingimento e invenção,
conforme designado por Massaud Moisés, no Dicionário de termos literários (1974).
Krause (2009), emprega o termo metaficção como um fenômeno estético presente na
obra do pintor belga René Magritte, o que serve para reiterar nossa ideia de que o termo
é propício tanto às obras narrativas quanto aos demais tipos artísticos. Um dos objetivos
deste trabalho é também, portanto, refletir acerca das terminologias oriundas do campo
maior denominado metalinguagem.
Nos textos de Gersão, a inserção do discurso metaficcional está em favor de
fomentar a investigação dos processos de criação, do espaço do trabalho artístico na
sociedade e dos suportes para sua produção, dentre outros aspectos relacionados ao
universo artístico. A maioria de suas obras pode ser caracterizada por um contínuo
processo de reflexão sobre o fazer literário, estejam elas tratando de literatura ou não.
Os textos sugerem que, no fundo, todas as manifestações surgem de processos de
criação muitas vezes semelhantes, com as inquietações do artista, as relações destes com
suas obras e a autonomia que estas adquirem depois de prontas.
58
Descrição das pesquisas
Como corpus para este estudo, selecionamos os textos O silêncio (1981), Os
guarda-chuvas cintilantes (1984) e o mais recente A cidade de Ulisses (2011). Em cada
um deles, de diferentes formas, verificamos a presença da metaficção permeando a
narrativa. Ora estamos diante de um texto cujos efeitos linguísticos são parte do
processo metaficcional, ora nos encontramos frente a um texto que lança mão da
metaficção por meio dos aspectos temáticos, das discussões /reflexões que tematiza na
obra. Ambos são, de qualquer forma, portadores da dimensão metaficcional.
O silêncio é talvez a narrativa de Gersão que mais tenha estudos dedicados a si,
por conta de ser a obra inaugural da produção romanesca da autora. É a história de Lídia
e seu par Afonso, suas tentativas de integrá-lo à realidade da relação, já que ele quase
sempre opta pelo silêncio. A metaficção é observada uma vez que a escrita acaba por
assimilar aspectos relacionados ao tema, e o silêncio é, de um modo bem singular,
instaurado também no processo criativo. Os “blocos” textuais por meio dos quais é
composta a narrativa parecem, em um primeiro momento, não obedecer a uma estrutura
lógica, mas o próprio texto dá-nos a impressão de solucionar esta questão: “As palavras
arrumadas num pequeno espaço, um quadrado para cada letra, numa rede diminuta
prendendo a desordem aparente, apenas aparente” (GERSÃO, 1981, p.36). O trecho
sugere que a narrativa mesma já indica ao leitor um modo de encará-la, como uma pista
colocada em um jogo.
Os guarda-chuvas cintilantes carrega como subtítulo a palavra diário, e apresenta
seus textos separados por dias da semana (como em um diário mesmo), mas sem uma
sequência lógico-temporal entre os dias. No lugar do relato das atividades e dos
pensamentos cotidianos comuns aos diários, há narrativas com aspectos oníricos. São
textos que nos são apresentados conforme o abrir e o fechar de guarda-chuvas, que
cintilam como vaga-lumes a mostrar o acender e o apagar de seu brilho. No trecho “Não
é um diário, disse o crítico, porque não é um registro do que se sucedeu em cada dia.
Carecendo portanto da característica determinante de um gênero ou subgênero em que
uma obra pretende situar-se, a referida obra está à partida excluída da forma específica
em que declara incluir-se. Dixi” (1984, p.20), temos já uma espécie de afirmação de que
não se deve encarar a obra como um diário, ou simplesmente querer enquadrá-la em
determinado gênero, além de já ser um exemplo claro do discurso metaficcional.
A mais recente obra de Gersão, A cidade de Ulisses, traz a história de amor entre
um homem e uma mulher, Paulo Vaz e Cecília, ambientada na cidade de Lisboa. Ambos
são artistas plásticos, e o romance que há entre eles torna-se também uma história de
59
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
amor à cidade, com seus lugares, sua História, sua mitologia. Mais uma vez, Teolinda
Gersão vale-se de uma expressão artística outra para discorrer sobre aspectos comuns à
arte em geral, inclusive a literária.Passagens como: “Havia por exemplo esta pergunta:
até que ponto a arte contemporânea conseguia impor-se por si mesma, como objecto
plástico, ou precisava de palavras como suporte?” (2011, p.21) colocam-nos frente à
ideias relacionadas ao universo da arte pictórica (que é praticada pelas personagens),
mas também direcionam nossa leitura a todos os contextos artísticos. São questões que
perpassam a pintura, a escultura, e ecoam nas demais manifestações de arte.
Estes trechos acima mostram, mesmo que minimamente, exemplos do discurso
metaficcional engendrado na obra de Teolinda Gersão. O contato com os textos da
autora fez-nos perceber a existência do que ousamos chamar de uma “poética
metaficcional”, dada a constância com a qual esse fenômeno literário aparece nas
narrativas.
Os textos com características metaficcionais são considerados por muitos
críticos como uma reação ao realismo de outrora. Os escritores, desse modo, não
carregam consigo a preocupação de que suas obras sejam vistas como irreais, surreais,
ou simplesmente fora da realidade. A ideia de ficção como fingimento ganha força à
medida que o ideal burguês de verdade, pautado na ciência, vem sendo desarmado por
diversos acontecimentos históricos.
Por conseguinte, a ausência de realismo dos textos repousa seus efeitos também
na figura do leitor, que é provocado a ter uma postura ativa em face ao texto. A
metaficção, ao mesmo tempo em que demonstra a autoconsciência quanto à produção
artística, também o faz quanto ao papel do leitor, compartilhando com ele o processo do
fazer. Este passa a desempenhar uma função de co-criador do texto e a operar mais
diretamente na construção do(s) sentido(s).
Sabemos que o texto moderno, pela singular natureza de seu funcionamento,
imprime ao leitor certo desconforto; a leitura, como nos lembraHutcheon (1991, p. 2526), deixa de ser uma tarefa fácil, confortável e harmoniosa, pois o leitor, “atacado”
pelo texto, é levado a controlá-lo e organizá-lo; é, ainda, impulsionado a assumir sua
responsabilidade, seja implícita ou explicitamente, uma vez que a criação do universo
literário passa a ser tanto sua quanto do próprio escritor. Torna-se, portanto, “coparticipante e co-sofredor” da experiência do romancista.
Nas obras de Gersão relacionadas para análise neste trabalho, verificamos sua
presença de diversos modos, e seguramente dedicaremos um capítulo ao estudo do leitor
60
Descrição das pesquisas
enquanto receptor das obras literárias, pactuando e atuando com seu senso crítico na
constituição de sentido do texto, que terá sempre uma significação plural.
Partindo, pois, da consciência dos diferentes modos de manifestação da
metaficção no percurso da escrita de Teolinda Gersão, este trabalho propõe o estudo de
tais manifestações e dos recursos que possibilitam a visualização das distinções, além
das conseqüências de sentidos que são impulsionadas por elas. Entendendo o discurso
metaficcional como parte integrante da produção de Gersão, pretendemos analisar os
modos de instauração da metaficção e a maneira como, conforme defendido por nós, ela
se transforma em uma meta-arte.
Desse modo, acreditamos que esta pesquisa poderá contribuir não somente para
o enriquecimento da compreensão acerca da obra de uma importante escritora de língua
portuguesa – Teolinda Gersão –, mas também sobre o estudo da escrita e da metaficção
na literatura contemporânea.
Bibliografia
De Teolinda Gersão:
GERSÃO, T. A cidade de Ulisses. Porto: Sextante, 2011
_____. O silêncio. 4.ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995.
_____. Os guarda-chuvas cintilantes. Lisboa: O Jornal, 1984.
Sobre Teolinda Gersão:
ALVES, C. F. Não Gosto dessa Conversa de Escrita de Mulheres. Entrevista com
Teolinda Gersão. In: Jornal de Letras, nº34, 1982.
BRANCO, L. C. Encontro com escritoras portuguesas. Boletim do Centro de Estudos
Portugueses, Belo Horizonte, v.13, n.16, p.108, jul./dez. 1993.
______. Teolinda Gersão: a cintilância da imagem: encontros com escritoras
portuguesas).Boletim do Centro de Estudos Portugueses, Belo Horizonte, v. 14, n.
16, jul/dez 1993.
BUESCU, H. Corpo, invisibilidade e divisão: metáforas da identidade em Teolinda
Gersão e Bernardo Carvalho. Cadernos de Literatura Comparada, Porto, n. 3/4, p.
25-41, 2002.
CARVALHO, J. V. Um encontro através das palavras: leitura da obra ficcional de
Teolinda Gersão. Viana do Castelo: Centro Cultural do Alto Minho, 2003.
DÉCIO, J. O Silêncio e Paisagem Com Mulher e Mar Ao Fundo de T.G. In: Novos
Ensaios de Literatura Portuguesa. Organização e Apresentação de Carlos Alberto
Iannone e Jorge Cury. UNESP, Araraquara, 1986.
DIAS, M. H. M. À escuta de uma nova linguagem. O escritor, n. 13/14, p. 244-248,
1999.
_____. O pacto primordial entre mulher e escrita na obra ficcional de Teolinda
Gersão. 1992, 264f. Tese (Doutorado em Literatura Portuguesa). Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992.
61
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
______. A presença de elementos míticos na narrativa de Teolinda Gersão. Notandum,
Murcia, n. 7. Disponível em: <http://www.hottopos.com/notand7/heloisa.htm>. Acesso
em: 03 ago. 2012.
DUARTE, O. M. C. Teolinda Gersão: a escrita do silêncio. Repositorium, Braga, 2005.
Disponível em: <https://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/5620>. Acesso em:
17 jul. 2012.
JASTRZNBSKA, A. Os guarda-chuvas cintilantes de Teolinda Gersão: um curioso
jogo entre a vida e a escrita. Quadrant, Montpellier, n.19/20, p. 91-111, 2002/2003.
MOREIRA, W. J. Da angústia e da solidão: o ir e vir da consciência humana. Cadernos
Cespuc de Pesquisa, Belo Horizonte, n.12, p. 173-178, 2003.
OLIVEIRA, M. L. W. Cartografia de desejos e arte em Teolinda Gersão. Actas do VIII
Congresso Internacional da Associação Internacional de Lusitanistas. São Tiago de
Compostela, Galiza, 18/23 de julho, 2005.
PEDROSA, I. Interessa-me captar o inconsciente em Relâmpagos. Entrevista com TG.
Jornal de Letras, nº.103, 1984.
PINTO, E. B. Dez Perguntas a Teolinda Gersão. Entrevista. Seixo Review, Fall-Winter,
2004.
PITERI, S. H. O. R. A fragmentação discursiva como reflexo da tradição subvertida
pela paisagem da janela. Mealibra – Revista de Cultura, n.15, série 3, inverno.
SILVA, L. C. B. Do romance de formação à deformação do romance: o silêncio, os
teclados e as horas nuas. 2003, 151f. Tese (Doutorado). Instituto de Biociências, Letras
e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 2003.
Geral
ARRIGUCCI Jr, D. O escorpião encalacrado: a poética da destruição em Julio
Cortázar. São Paulo: Perspectiva, 1973.
AUERBACH, E. Mimesis. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, 1973.
CAMPOS, H. Metalinguagem. Petrópolis: Vozes, 1970.
______. Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana. In: MORENO, C. F.
(Coord.) América Latina em sua literatura. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 281-305
COMPAGNOM, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de
Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: Ed UFMG, 1999.
CORTÁZAR, J. Valise de cronópio. Tradução de Davi Arrigucci Júnior e João
Alexandre Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1974.
HUTCHEON, L. Narcissisticnarrative: themetaficcionalparadox. London: Routledge,
1991.
JAUSS, H. R. et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Trad. Luis
Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
KRAUSE, G. B. Da metaficção como agonia da identidade. Confraria (Rio de Janeiro)
v.1, p.3-10, 2007.
_____. O livro da metaficção. Rio de Janeiro: Tinta Negra, 2010.
_____. O ovo de Magritte: da metaficção como proteção do enigma. Revista Ghrebh-,
América
do
Norte,
1,
ago.
2011.
Disponível
em:
<http://www.revista.cisc.org.br/ghrebh/index.php?journal=ghrebh&page=article&op=vi
ew&path%5B%5D=327&path%5B%5D=332>. Acesso em: 04 ago. 2012.
LOURENÇO, E. Mitologia da saudade: seguido de Portugal como destino. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.
_____. O labirinto da saudade: psicanálise mítica do destino português. 4. ed. Lisboa:
Dom Quixote, 1991.
62
Descrição das pesquisas
MELO E CASTRO, E. M. A literatura portuguesa de invenção. São Paulo: Difel,
1987.
_____. O fim visual do século XX e outros textos críticos. São Paulo: Edusp, 1993.
MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo, Cultrix, 1974.
MONEGAL, E. R. Tradição e renovação. In: MORENO, C. F. (Coord.) América
Latina em sua literatura. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 132-159.
ORLANDI, E. P. As formas do silêncio. São Paulo: Ed UNICAMP, 2002.
PAZ, O. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
REICHMANN, B. T. O que é metaficção? Narrativa narcisista: o paradoxo
metaficcional,
de
Linda
Hutcheon.
Disponível
em
<http://uniandrade.br/mestrado/pdf/publicacoes/metaficcao.pdf>. Acesso em 14 mai.
2012.
ROANI, G. L. Sob o vermelho dos cravos de abril: literatura e revolução no Portugal
contemporâneo. Revista Letras, Curitiba, n. 64, p. 15-32, 2004.
ROUANET, S. P. Riso e melancolia: a forma shandiana em Sterne, Diderot, Xavier de
Maistre, Almeida Garret e Machado de Assis. São Paulo: Cia. das Letras, 2007.
SOURIAU, E. A correspondência entre as artes: elementos de estética comparada.
Tradução de Maria Cecília de Morais Pinto e Maria Helena Ribeiro da Cunha. São
Paulo: Cultrix, 1983.
TACCA, O. As vozes do romance. Tradução de Margarida Coutinho Gouveia.
Coimbra: Livraria Almedina, 1983.
WALDMAN, B. Clarice Lispector: a paixão segundo C.L. São Paulo: Escuta, 1992.
WAUGH, P. Metaficcion. The theory and practice of self-conscious fiction. London:
Routledge, 1993.
WISNIK, J. M. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
63
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
DO ÁRIDO, A ESTÉTICA: A REPRESENTAÇÃO TEMÁTICA E FORMAL DA
ARIDEZ EM GALILÉIA E CINEMA, ASPIRINA E URUBUS
Ana Carolina Negrão Berlini de Andrade
Doutoranda
Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan (Or.)
No desenvolvimento deste texto, pretendemos expor as mudanças feitas no
projeto inicial de doutorado em andamento, cujo objetivo é investigar de que maneira a
aridez, tema recorrente na produção artística brasileira, tem sido retomada em narrativas
contemporâneas, a fim de apontar as mudanças efetuadas na construção do tema. Apesar
de nossos objetivos permanecerem os mesmos, modificamos o corpus, agora composto
pelo livro Galileia (2009), de Ronaldo Correia de Brito, e pelo filme Cinema, aspirina e
urubus (2005), de Marcelo Gomes. Em ambas as obras percebemos que a aridez exerce
papel fundamental, na medida em que não é apenas tema, mas elemento estrutural que
reitera – e amplia – a aridez temática.
Partimos do pressuposto de que a aridez é um leimotiv recorrente nas artes
nacionais, tendo em vista a grande quantidade de obras em que este tema é presente, não
sendo, portanto, uma característica exclusiva de obras da contemporaneidade. Contudo,
a seca, como elemento estruturador da forma, aparece, principalmente, a partir da
década de 30 na literatura e da década de 60 no cinema, períodos que correspondem,
respectivamente, à geração literária de 1930 (ou prosa regionalista) e ao Cinema Novo.
E é, sobretudo, com estes dois movimentos – e sua abordagem da seca – que as obras da
contemporaneidade mantem relações intertextuais e interdiscursivas.
As obras da contemporaneidade, longe de tentarem definir uma brasilidade,
como acontece na fase heroíca do modernismo, ou denunciar uma realidade social,
como acontece em 30 e 60, pensam a seca e o sertão sob o viés do discurso. Assim,
acrescentando novas nuanças à produção literária e cinematográfica de cunho regional,
as obras do corpus se destacam, sobretudo, pela metalinguagem e pela retomada crítica
da tradição.
Isso significa que uma das características dessa retomada crítica da tradição é a
discussão sobre o espaço e sobre o imaginário cultural formado a partir dele. Essas
atividades metalingüística e metadiscursiva de releitura já são percebidas e enfatizadas
64
Descrição das pesquisas
pela natureza dos protagonistas, que por serem viajantes, pessoas do espaço urbano,
estão aptos a questionarem o espaço geográfico e cultural no qual estão provisoriamente
inseridos, rompendo com a provável estaticidade de valores oriunda da sedimentação
dos mesmos.
Dessa maneira, o sertão, a seca ou a aridez, nessas novas produções não são
representadas sob o ponto de vista de um explorador, sem vínculos com o espaço
geográfico e cultural, ou tampouco sob o viés de alguém que, por ter raízes na região,
tenha aderência total e completa ao mundo definido pelo sertão. Sendo assim, os
protagonistas constantemente questionam dogmas e valores, sejam estes os da tradição
cultural, sejam os próprios (tidos como “civilizados”, como define provisoriamente
Adonias, protagonista de Galileia).
Esta escolha acentua o caráter de retomada, de reapropriação e recriação de
discursos previamente existentes, pois ao mesclar os olhares de dentro do sertão/da seca
aos de fora, ou ao colocar os personagens refazendo a própria memória, também a
tradição regionalista está sendo esmiuçada, questionada.
Assim, nessas obras, a viagem é combinada à reflexão de valores que vão do
espaço, aos culturais e aos pessoais, inter-relacionados. Em Galileia, (2009) o
protagonista, há muito tempo afastado da terra de origem, volta à propriedade
“fantasma” da família, a fim de se despedir do avô. No trajeto, tenta preencher as
lacunas de uma história que, apesar de ter participado ativamente, jamais compreendeu.
No entanto, por mais que o protagonista, que é médico em uma grande cidade, tenha se
distanciado do espaço e da cultura de origem, conforme ele se aproxima do coração do
sertão, seu comportamento começa a se modificar, assim como o seu discurso, cuja
estrutura é definida pelo ato rememorativo, o qual confronta situações passadas,
desenroladas no campo paradigmático da seca, com a consciência atual do narrador.
No caminho, percebemos que há uma troca osmótica entre o lado exterior e o
interior de cada um dos personagens: todos têm, dentro de si, um vasto sertão
particular1, sendo que o espaço físico externo apenas reflete a angústia e a solidão dos
viajantes (MIGUEL apud DICKE, 2008, p.10). Inclusive há no romance de Brito uma
frase que sintetiza a conexão mantida entre meio, personagem e até a tradição
regionalista2: “O sertão a gente traz nos olhos, no sangue, nos cromossomos. É uma
1
2
Intertexto com uma das definições de sertão expressas em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.
Idem.
65
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
doença sem cura” (BRITO, 2008, p. 19). Portanto, a aridez que as obras retratam é
humana, individual ou coletiva, mas humana.
Em Cinema, aspirina e urubus (2005), um alemão, Johan, vem ao Brasil para
fugir de uma guerra eminente com a qual não concorda. O filme se passa em 1942 e
retrata a viagem conjunta de Johan, representante do medicamento "Aspirina", e de um
nordestino, Ranulpho, que tenta sair da região. A paisagem, a cultura e o povo
nordestinos são mostrados no decorrer das viagens de Johan que, para vender a sua
Aspirina, recorre à fascinação do meio cinematográfico, expresso aqui em filmetes de
propaganda do medicamento. Ao longo do filme, os papéis sociais típicos vão se
apagando, e cada um dos personagens assume características do outro, até trocarem por
definitivo de papéis: fugindo da guerra e da deportação iminente, o alemão embarca em
um trem, com destino à Amazônia para ser trabalhador braçal, sina de muitos
nordestinos sem opção, enquanto Ranulpho herda seu caminhão, que passa a dirigir pelo
sertão afora.
Com essa breve descrição das obras fica evidente que as narrativas
contemporâneas sobre o sertão retratam valores universais, perceptíveis na relação entre
Ranulpho e Johan, que possuem diferentes nações, realidades – inclusive climática, fato
abordado em um dos diálogos do filme – e perspectivas, mas também uma profunda
identificação inter-pessoal.
Ou seja, apesar de as obras em questão retrarem o sertão e a seca, estas são
figuras, cuja função é exprimir os valores universais contidos no nível fundamental, que
independem do local onde se desenvolvem as narrativas. É por isso que em Galileia, por
exemplo, o narrador/protagonista Adonias percebe que a aridez é característica inerente
às relações humanas, e não só ao cenário sertanejo que o cerca. Dessa maneira, o sertão
é o veículo pelo qual esses valores são expressos e, simultaneamente, a inspiração
estética para a sua abordagem.
Ao contrário do livro, no qual o sertão é primeiramente visto como disfórico, no
filme há o contraponto de duas visões diferentes, a de Johan, para quem o Brasil e o
sertão são um refúgio, uma alternativa à guerra, e a de Ranulpho, a qual reitera a visão
de subdesenvolvimento do seu país e de sua região. Em um determinado momento, ele
chega a dizer que, no Brasil “nem guerra chega”. Ou seja, sua visão do país é
exatamente oposta à de Johan. No entanto, com a troca de papéis, que acarreta em uma
síntese dos pontos de vistas diversos, o final do filme também sugere que a aridez é
66
Descrição das pesquisas
humana, representada em última instância pela guerra e não pelo ambiente sertanejo que
serve de cenário para a narrativa.
Este, quando associado a elementos de campos paradigmáticos diversos,
contribui para a expressividade nas obras estudadas, como acontece quando se insere
uma figura, uma palavra ou uma imagem que se distancia do universo sertanejo, a
exemplo da motociclista que tange um rebanho, situação que descontrói o estereótipo
patriarcal do “sertanejo forte” montado a cavalo, como o próprio narrador de Galileia
constata. Em Cinema, aspirina e urubus, percebemos o contraste entre a falta de
recursos básicos no sertão e os filmetes cinematográficos, que além de serem objetos
tipicamente modernos, retratam tematicamente a modernização, como é o caso das
narrativas sobre São Paulo, uma “cidade civilizatória”. Assim como em Galileia, cujo
protagonista acredita possuir os valores civilizados porque modernos (em contraposição
à “barbárie” e ao “atraso” sertanejos), nesses filmetes a modernização é característica
instauradora da civilidade, argumento que, como vimos, será refutado ao final do filme,
com a sugestão de que o produto típico dessa mesma civilização é a guerra
generalizada, mundial.
A oposição modernização versus atraso é explicitada no filme pelo próprio
Ranulpho, que nota que a falta de acesso à água contrasta com acessibilidade dos bens
modernos que são o Cinema e a Aspirina, um medicamento que promete curar uma
infinidade de males, dentre os quais não se encontra a sede. Já no livro, o contraste é
entre o sertão e a globalização, ambos imbuídos um no outro de maneira paradoxal. Em
um determinado momento, Adonias e seus primos ouvem a história de um dono de
restaurante, cujo filho roubou um celular que, na visão do pai, era um objeto inútil no
local, sobretudo pela falta de sinal para que o aparelho funcionasse. O pai também
menciona que os jovens não querem mais usar roupas típicas da região, ao mesmo
tempo em que se encantam com a tecnologia que, no entanto, não se adapta às
condições locais. Ou seja, atualmente, a cultura globalizada se imbrica até nos
recônditos sertões, modificando a relação mantida entre o meio e a sociedade.
Além do hibridismo de campos paradigmáticos, exemplificado por meio da
oposição sertão versus modernidade ou globalização, existe um hibridismo de
procedimentos semióticos diversos, também relacionado ao “entre-lugar”, literal e
metafórico, ocupado pelos protagonistas, já que o choque entre locais culturalmente e
geograficamente distintos gera, além das reflexões dos protagonistas, uma abordagem
híbrida do sertão, fato que também será sentido nas linguagens, e não só na temática.
67
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Por exemplo, em Galileia, a linguagem, sucinta, direta “seca” é também
imagética, pois “filma” o sertão, suposição confirmada pelo próprio narrador, que utiliza
termos cinematográficos na elaboração da sua narrativa. Exemplo dessa concisão da
linguagem que associa seca aos procedimentos fílmicos é a passagem direta, sem
explicações, entre as histórias que Adonias narra, em um tipo de corte que se assemelha
ao cinematográfico.
Essas histórias, que Adonias relembra (e recria), fazem com que sua narrativa
assuma características típicas da rememoração, pois fatos passados e fatos presentes se
alternam, fazendo com que a linearidade cronológica seja abolida em nome de uma
dinamicidade que simula a estrutura do próprio ato rememorativo. Ainda no mesmo
romance há a presença do gênero epistolar que, com suas características próprias,
modifica o andamento da narrativa. Já em Cinema, aspirina e urubus, o caso mais
exemplar é a presença e a abordagem dos filmetes publicitários, que enfatizam o próprio
Cinema como gênero, ora se confundindo com este, ora se diferenciando.
Tanto o hibridismo quanto a revisitação da tradição são elementos
metalingüísticos, uma vez que o fazer artístico é colocado em pauta, questionado pelo
leitor/espectador. O que nos leva a Jakobson (s/d), para quem toda obra poética é,
naturalmente, metalingüística, pois evidencia os traços de sua própria construção. Nas
obras elencadas temos exemplos tanto de uma metalinguagem temática, quanto uma
metalinguagem estrutural, na qual a criação/modificação da forma é evidente e aparece,
por vezes, conjugada à primeira.
Peguemos, por exemplo, a coloração sépia de Cinema, aspirina e urubus, a falta
de foco ou definição de algumas imagens ou iluminação estourada, que simula a
luminosidade típica do sertão nordestino, exacerbando-a de modo que, no filme, é a
aridez que define tomadas, contrastes e intensidade da luz, relacionadas ao sol
inclemente do sertão, além disso, a cromaticidade associa-se à infertilidade, à
seca/aridez devido ao uso de cores desbotadas, tendentes a uma monocromia terrosa.
São temas que a estrutura do filme procura assimilar, dando à câmera usos
específicos, modificando a cromaticidade e a iluminação das cenas, o ritmo de
montagem, etc., procedimentos que, de acordo com a utilização, nos fazem reconhecer
que aquilo que estamos vendo é uma obra de ficção, construída, elaborada segundo
critérios estéticos bem delimitados, e não uma pretensa reprodução inequívoca da
realidade.
68
Descrição das pesquisas
Da mesma maneira, os mencionados filmetes publicitários fazem com que a
natureza do próprio filme, como constructo, seja exposta, pois além de aludirem à
capacidade de persuasão e fascinação do Cinema, os próprios personagens tematizam,
por meio de discussões, as questões relativas às linguagens e aos gêneros, como
acontece quando um espectador percebe que a simples junção dos filmes/propagandas
com a estrutura necessária para sua exibição, montada a céu aberto, “não é cinema de
verdade”, propondo uma discussão sobre a linguagem que será resolvida na própria
forma do filme.
Assim, a metalinguagem é recorrente no filme, pois, além da exibição dos
filmes, há uma constante referência ao Cinema, seja por meio de diálogos, seja por meio
de cenas nas quais predomina a linguagem visual, como é o caso de Johan, utilizando a
luz do projetor para criar figuras de sombra, em uma menção ao Teatro de sombras, um
“antepassado” do cinema. Ou ainda Ranulpho que, maravilhado, projeta na palma da
sua mão as imagens em movimento, tornando a experiência cinematográfica sensorial,
pois explora, ao menos virtualmente, o tato, sentido que não é usualmente relacionado à
fruição fílmica.
Do mesmo modo, temos em Galileia a já referida linguagem seca e a reconstrução do ato rememorativo, em um movimento centrípeto e não linear que enfatiza
a estrutura da obra e o ato enunciativo. Justamente por isso, temos em Galileia uma
metalinguagem construída por meio dos discursos: o protagonista tem consciência tanto
do próprio discurso quanto dos alheios, afinal a sua narrativa é baseada, muitas vezes,
em histórias que lhe foram contadas, as quais, em conjunto com as próprias memórias,
Adonias tenta organizar de maneira una e coerente, a fim de entender a sua família e a si
mesmo. Logo, o discurso principal deixa entrever a psicologia de outros personagens,
seja por meio do discurso indireto livre, que funde sua psicologia de narrador à de um
terceiro, seja pelos discursos diretos. De qualquer maneira, há uma moldura narrativa
que contêm os demais discursos, criando uma situação polifônica que destaca o fazer
enunciativo, como também acontece no filme.
No romance também há a transcrição de uma carta escrita por uma terceira
pessoa, e não pelo narrador/personagem. Nessa carta, assim como o restante da narração
do protagonista, há uma discussão sobre a história que está sendo narrada, um elemento
temático relacionados à construção narrativa. É interessante notar que essas alusões a
feitura da obra são emolduradas pela narrativa maior, em uma construção do tipo mise
en abyme, que reitera a metalinguagem estrutural, característica que também está
69
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
presente na obra fílmica, na medida em que todas as experiências cinematográficas, as
discussões acerca do gênero, estão englobados pela narrativa dos dois viajantes.
Bibliografia
ALBUQUERQUE JR., D. M. de. Nos Destinos de fronteira: história, espaços e
identidade regional. Recife: Edições Bagaço, 2008.
ANDRADE, M. Sertão é coisa de cinema. João Pessoa: Marca de fantasia, 2008.
AVELLAR, J. C. O chão da palavra: Cinema e literatura no Brasil. Rio de Janeiro:
Rocco, 2007.
BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
BAKHTIN, M. Questões de Literatura e Estética. São Paulo: Hucitec, 1988.
BERNARDET, J.C. Cinema brasileiro: propostas para uma história. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1991.
BERND, Z.; DE GRANDIS, R. (org.). Imprevisíveis Américas; questões de hibridação
cultural nas Américas. Porto Alegre: Sagra, DC Luzzato, ABECON, 1995.
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Bauru: EDUSC, 2003.
BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
BOLLE, W. Grandesertão.com. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2004.
BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
BOSI, A. O Ser e o tempo da poesia. São Paulo: Cultrix, 1997.
BRITO, R. C. O novo regionalismo. Revista Língua, 2009. Disponível em:
http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11851 . Acesso em: 15 de jul 2011.
BRITO, R. C.; CARVALHO, E. Cântico para um mundo em dissolução, 2005.
Disponível em: <http://www.jornaldepoesia.jor.br/ecarvalho2.html>. Acesso em: 15 jul.
2011.
BRITO, R.C. Galileia. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.
BUENO, L. Uma história do romance de 30. São Paulo: EDUSP; Campinas: Ed.
UNICAMP, 2006.
CANCLINI, N. G. Culturas Híbridas. São Paulo: EDUSP, 2000.
CANDIDO, A. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 2000a.
CANDIDO, A. Literatura e Sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000b.
CHIAPPINI, L. Velha praga? Regionalismo literário brasileiro. In: PIZARRO, A.
(Org.). América latina: palavra, literatura e cultura. São Paulo: Memorial; Campinas:
Ed. UNICAMP, 1994. p. 665-702. v. 2.
CLARK, N. P. Faca-face de um feminino sertanejo: Impressões de um regionalismo
contemporâneo em Ronaldo Correia de Brito. 2011, 208f. Dissertação (mestrado em
Literaturas e outras áreas do conhecimento) – Universidade de Brasília, Brasília.
Disponível
em:
<
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/9914/1/DISSERTACAO_NATHALIA_CLAR
K.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2013.
COHEN, J. A plenitude da linguagem. Coimbra: Almedina, 1987.
COMAND, M. L´immagine dialogica: intertestualità e interdiscorsivismo nel cinema.
Bologna: Hybris, 2001.
CORSEUIL, A. R. Literatura e cinema. In: BONNICE, T; ZOLINI, L. O. (Orgs.).
Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. Maringá:
EDUEM, 2003. p. 295-304.
CORTELLAZZO S.; TOMASI, D. Letteratura e cinema. Roma-Bari: Laterza, 1998.
70
Descrição das pesquisas
COURTÉS, J. Introdução à semiótica narrativa e discursiva. Coimbra: Almedina,
1979.
D’ANDREA, M.S. Galileia: o conflito épico de um sertão urbanizado. Graphos, v. 12,
n.2,
2010.
Disponível
em:
<http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/graphos/article/view/10911/6116>. Acesso em:
20 jul. 2013.
DEALTRY, G.; LEMOS, M.; CHIARELLI, S. (org.). Alguma prosa: ensaios sobre
Literatura brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: 7LETRAS, 2007.
DIMAS, A. Espaço e romance. São Paulo: Ática, 1987.
FECHINE, Y. , MANSUR, A. O road movie nas rotas de fuga do árido cinema de
Pernambuco.
Disponível
em:
<http://www.abralic.org/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/033/AMANDA_N
OGUEIRA.pdf>. Acesso em 15 set. 2010.
FERREIRA, C.E.O. Regionalismo na contemporâneidade: as vozes da crítica no em
torno de Galileia. Anais do SILEL, Vol. 2, N. 2, 2011. Disponível em:
<http://www.ileel.ufu.br/anaisdosilel/pt/arquivos/silel2011/2516.pdf>. Acesso em: 28
jul. 2013.
FILHO, A. R. A. Uma Imagem Que Resistiu ao Tempo: O Nordeste e o Nordestino no
Filme
Cinema
Aspirinas
e
Urubus.
Disponível
em:
<http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2010/resumos/R23-1175-1.pdf>.
Acesso em 15 de julho.
FIORIN, J. L. Em busca do sentido: estudos discursivos. São Paulo: Contexto, 2008.
GALVÃO, W. N. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2001.
GALVÃO, W. N. A ilha do dia anterior. Folha de São Paulo, São Paulo, 31 out. 2004.
Mais!, p. 5.
GOMES, Marcelo (dir). Cinema, Aspirinas e Urubus. Brasil: REC Prod. 2005. Color,
101 min.
GOMES, P. E. S. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra,
1996.
GREIMAS, A. J. Da Imperfeição. São Paulo: Hacker, 2002.
GREIMAS, A. J. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Petrópolis: Vozes, 1975.
GREIMAS, A. J.; COURTÉS,J. Dicionário de Semiótica. São Paulo: Cultrix, 1983.
GROSSMANN, J. (org.) O espaço geográfico no romance brasileiro. Salvador: Casa de
Jorge Amado, 1993.
GUAGNELINI, G.; RE, V. Visione di altre visione: intertestualità e cinema. Bologna:
Archetipolibri, 2007.
HALL, S. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: UFMG,
2003.
HANCIAU, N. Entre-Lugar. In: FIGUEIREDO, E.(org.). Conceitos de Literatura e
cultura. Juiz de Fora/Niterói: Editora da UFJF/UFF, 2005.
HELENA, L. Uma sociedade do Olhar: reflexões sobre a ficção brasileira. Estudos de
literatura
brasileira
contemporânea,
Brasília,
2004.
Disponível
em:
<http://www.red.unb.br/index.php/estudos/article/view/2174/1732>. Acesso em: 15 jul.
2011.
HOHLFELDT, A. Cinema e literatura: liberdade ambígua. In: AVERBUCK, L. (Org.).
Literatura em tempo de cultura de massa. São Paulo: Nobel, 1984. p.127-150.
JAKOBSON, R. A poética em ação. São Paulo: Perspectiva/EDUSP, 1990.
JAKOBSON, R. Lingüística. Poética. Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1970.
JAKOBSON, R. Lingüística e poética. In:__Lingüística e comunicação. São Paulo:
Cultrix, s/ d, p.118-162.
71
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
KRYSINSKI, W. Dialéticas da transgressão: o novo e o moderno na literatura do
século XX. São Paulo: Perspectiva, 2007.
LEAL, W. O Nordeste no Cinema. João Pessoa: Editora Universitária, 1982.
LEITE, S. F. Cinema Brasileiro: das origens à retomada. São Paulo: Ed.Fundação
Perseu Abramo, 2005.
LEONEL, M. C.; SEGATTO, J. A. Confluências, contrastes e resistências no
regionalismo brasileiro: Guimarães Rosa e Ronaldo Correia de Brito. Anais do VI
Congresso Nacional Associação Portuguesa de Literatura Comparada / X Colóquio de
Outono Comemorativo das Vanguardas – Universidade do Minho 2009/2010
Disponível em: http://ceh.ilch.uminho.pt/pub_maria_leonel.pdf . Acesso em: 15 jul
2011.
LINS, L. A Galileia de Ronaldo Correia de Brito. Prosa Online, Recife, 2008.
Disponível
em:
<http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/post.asp?t=a_galileia_de_ronaldo_correia_de_brit
o&cod_Post=137090&a=96>. Acesso em: 15 jul. 2011.
LOPES, E. Metáfora: da retórica à semiótica. São Paulo: Atual, 1986.
MANZOLI, G. Cinema e letteratura. Roma: Carocci Editore, 2003.
MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.
METZ, C. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1972.
MIGUEL, G. F. As aventuras de uma viagem. In: DICKE, R.G. Madona dos Páramos.
Cuiabá: Cathedral Publicações/Cani&Caniato Editorial, 2008.
MOURA, M. C.; ANDRADE, F. G. Literatura e Memória: o Sertão no romance
Galileia de Ronaldo Correia de Brito. Anais do X Encontro de história oral, Recife,
2010.
Disponível
em:
<http://www.encontro2010.historiaoral.org.br/resources/anais/2/1270428043_ARQUIV
O_ArtigoB.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2011
MÜLLER, A. Cinema (de) novo, estrada, sertão: notas para (se) pensar Cinema,
aspirinas
e
urubus.
Disponível
em:
<http://www.logos.uerj.br/PDFS/24/2_adalberto.pdf>. Acesso em 15 de jul. de 2011.
NAGIB, L. A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgias, distopias. São Paulo:
Cosac Naify, 2006.
NAGIB, L. O cinema da retomada. In: VILARON, André Botelho et alii (orgs.) Cinema
Brasileiro Contemporâneo. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2005.
NAGIB, L. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São
Paulo: Editora 34, 2002.
NETO, A.B. O espaço, o tempo e o ser: uma análise cronotópica do romance Galileia.
Estação
Literária,
v.10A,
2012.
Disponível
em:
<http://www.uel.br/pos/letras/EL/vagao/EL10A.pdf#page=109>. Acesso em: 28 jul.
2013.
NOVAES, C.C. Cinema, Aspirinas e Urubus: da tradição da literatura à cinematografia
contemporânea.
Disponível
em:
<http://www.abralic.org/anais/cong2008/AnaisOnline/simposios/pdf/033/CLAUDIO_N
OVAES.pdf>. Acesso em 15 set. 2010.
OLIVEIRA, A. C. M. A.; LANDOWSKI, E. (eds.) – Do sensível ao inteligível: em
torno da obra de A.J.Greimas. São Paulo: EDUC, 1995.
OLIVIEIRA, E. C. L. Árido (road) Movie: o sujeito e o espaço contemporâneo no novo
cinema pernambucano. Contemporâneos: Revista de artes e humanidades, 2011.
Disponível em: <http://www.revistacontemporaneos.com.br/n7/dossie/arido-moviesujeito-e-o-espaco-no-novo-cinema-pernambucano.pdf> Acesso: 15 jul. de 2011.
72
Descrição das pesquisas
ORICCHIO, L. Z. Cinema de novo: um balanço crítico da retomada. São Paulo: Estação
Liberdade, 2003.
PASOLINI, P. P. Empirismo eretico. Milano: Garzanti, 2000.
PAZ, O. O Arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
PAZ, O. Signos em rotação. São Paulo: Perspectiva, 1972.
PELLEGRINI, T. A imagem e a letra: aspectos da ficção brasileira contemporânea.
Campinas: Mercado das Letras, 1999.
PELLEGRINI, T. Despropósitos: estudos de ficção brasileira contemporânea. São
Paulo: Annablume; FAPESP, 2008.
PELLEGRINI, T. Milton Hatoum e o regionalismo revisitado. Luso-Brazilian Review,
Wisconsin,
2004.
Disponível:
<http://muse.jhu.edu/journals/lusobrazilian_review/v041/41.1pellegrini01.html>. Acesso: 15 jul. 2011.
PIETROFORTE, A.V. Semiótica Visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto,
2004
RIBEIRO. E.F. A paródia bíblica em Galileia de Ronaldo Correia de Brito. 2011, 101f.
Dissertação (mestrado em Letras) - Universidade Federal de Sergipe, Sergipe.
Disponível
em:
<http://bdtd.ufs.br/tde_arquivos/14/TDE-2011-08-19T095413Z553/Publico/ELIZABETH_FRANCISCHETTO_RIBEIRO.pdf>. Acesso em: 20 jul.
2013.
RIBEIRO. E.F. O patriarcalismo em Galileia de Ronaldo Correia de Brito. Anais
Eletrônicos do IV Seminário Nacional Literatura e Cultura, v.4, 2012. Disponível em:
<
http://200.17.141.110/senalic/IV_senalic/textos_completos_IVSENALIC/TEXTO_IV_
SENALIC_108.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2013.
ROCHA, G. Revolução do cinema novo. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
RODRIGUES, A. K. A Viagem no Cinema Brasileiro: Panorama dos Road Movies dos
Anos 60, 70, 90 e 2000 no Brasil. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – UNICAMP,
Campinas, 2007.
SÁ, A.F.A. O sertão globalizado em “Galileia”, de Ronaldo Correia de Brito. Anais do
I Cielli, Maringá, 2010. Disponível em: <http://www.cielli.com.br/downloads/57.pdf> .
Acesso em: 15 jul. 2011
SANTINI, J. A Formação da Literatura Brasileira e o regionalismo. O eixo e a roda,
v.20,
n.1,
2011.
Disponível
em:
<http://www.letras.ufmg.br/Poslit/08_publicacoes_pgs/Eixo%20e%20a%20Roda%2020
,%20n.1/05-Juliana%20Santini.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2013.
SANTINI, J. Entre a memória e a invenção: a tradição na narrativa brasileira
contemporânea.
Revista
Cerrados.
Brasília,
2009.
Disponível
em:
<http://www.revistacerrados.com.br/index.php/revistacerrados/article/view/106/84>.
Acesso em: 16 jul. 2011.
SANTOS, F. V. dos. Subjetividades da ficção brasileira contemporânea. Rio de
Janeiro: Europa, 2004.
SANTOS, J. S. Imagens de velhice e loucura em Ronaldo Correia de Brito. Anais do
XVI
CNLF,
2012.
Disponível
em:
<http://www.filologia.org.br/xvi_cnlf/tomo_2/177.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2013.
SAVERNINI, E. Índices de um Cinema de Poesia. Belo Horizonte: Editora UFMG,
2004.
SCHOLLHAMMER, K. E. Ficção Brasileira Contemporânea.São Paulo: Civilização
Brasileira, 2010.
SHIAVO, S. Sertão uno e múltiplo ou “lua pálida no firmamento da razão”. Sociedade e
Cultura,
Goiânia,
2007.
Disponível
em:
73
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
<http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/1721>. Acesso em: 15 jul.
2011.
SILVA, C.P. A construção da regionalidade no conto Livro dos Homens, de Ronaldo
Correia de Brito. Anais do 3º SILIC – Simpósio de Literatura Brasileira
contemporânea: O regional como questão na contemporaneidade: olhares transversais,
2012.
Disponível
em:
<http://www.gepec.unir.br/anais/htdocs/pdf/Carla%20Piovezan%20da%20Silva.pdf>.
Acesso em: 28 jul. 2013.
SILVA, J. L. O. História, Cinema e Representação: a significação imagética do sertão
no recente cinema brasileiro. Anais do Congresso internacional de história e
patrimônio
cultural,
Teresina,
2008.
Disponível
em:
<http://www.anpuhpi.org.br/congresso/anais/arquivos/jose_luis.pdf>. Acesso em: 15
jul. 2011.
SILVA, M.R. Na viagem pelo sertão de Galileia, outras modulações regionais.
Navegações,
v.5,
n.2,
p.134-142,
2012.
Disponível
em:
<http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/navegacoes/article/viewFile/12782/85
42>. Acesso em: 28 jul. 2013.
STAM, R. O espetáculo interrompido: literatura e cinema de desmistificação. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1981.
TODOROV, T. Estruturalismo e poética. São Paulo: Perspectiva, 1971.
TOLENTINO, C. A. F. O rural no cinema brasileiro. São Paulo: EDUNESP, 2001.
VASCONCELOS, S. G. T. Migrantes dos espaços (sertão, memória e nação). Revista
do
CESPUC,
Belo
Horizonte,
2002.
Disponível
em:
<http://www.letras.ufmg.br/cesp/textos/%282002%2903Migrantes%20dos%20espa%E7os.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2011.
VICENTINI, A. Regionalismo literário e sentidos do sertão. Sociedade e Cultura,
Goiânia,
2007.
Disponível
em:
<http://www.revistas.ufg.br/index.php/fchf/article/view/3140>. Acesso em: 15 jul.
2011.
XAVIER, I. Cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
XAVIER, I. Sertão Mar. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
ZILBEBERG, C. Razão e Poética do Sentido. São Paulo: Edusp, 2006.
74
Descrição das pesquisas
IRIS MURDOCH E SIMONE DE BEAUVOIR: UMA LEITURA FEMINISTA
DE A FAIRLY HONOURABLE DEFEAT E LA FEMME ROMPUE
Ana Paula Dias Ianuskiewt
Doutoranda – Bolsista FAPESP
Profa. Dra. Maria Clara Bonetti Paro (Or.)
Pretendemos nesta pesquisa, abordar os aspectos do feminismo pelo viés da
crítica anglo-americana em duas obras ficcionais que foram publicadas relativamente no
mesmo período, ou seja, final dos anos sessenta e início da década de setenta: La
Femme Rompue (1967), de Simone de Beauvoir (1908-1986), e A Fairly Honourable
Defeat (1970), da escritora irlandesa Iris Murdoch (1919-1999). Para tal propósito,
temos como intuito, primeiramente, estabelecer um diálogo entre o pensamento
filosófico de Beauvoir e o de Murdoch, já que ambas as autoras se destacaram no
contexto do pós-guerra não somente por meio de seus textos literários, mas também
devido a suas visões filosóficas que exaltavam a importância do outro e o respeito pela
liberdade e individualidade alheia, o que condiz com os princípios do feminismo.
Posteriormente, estabeleceremos uma relação entre a crítica literária feminista e o
pensamento beauvoiriano e murdochiano no que tange a questão do papel da mulher
como leitora ou mesmo escritora de textos literários. Dessa forma, citaremos o papel do
leitor (a) como instância fundamental no processo de desconstrução do caráter
discriminatório das ideologias de gênero e demonstraremos que assim como Virginia
Woolf, Beauvoir e Murdoch defendiam o conceito de androginia na literatura, pois estas
negam a dicotomia essencialista entre masculino e feminino no que se refere ao papel
do escritor (a).Finalmente, analisaremos os diferentes recursos estéticos que Beauvoir e
Murdoch utilizam na caracterização de suas personagens femininas, já que La Femme
Rompue apresenta as características de um romance moderno, enquanto A Fairly
Honourable Defeat possui traços de um romance realista.
A representação das mulheres nos discursos dos grandes filósofos do século
XVIII, como Kant e Rousseau, pouco contribuiu para que estas gozassem dos mesmos
direitos sociais e políticos dos homens. Ancorados pela crença de que as mulheres,
determinadas pela natureza, tinham seus atributos somente consagrados ao papel de
esposa e mãe, esses filósofos favoreceram a propagação do discurso misógino. David
75
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Hume, Condorcet e Stuart Mill foram alguns dos poucos filósofos que, ainda no século
XVIII e XIX, reivindicaram para as mulheres os mesmos valores de igualdade,
liberdade e participação política os quais, até então, eram dedicados somente aos
homens.
No século XX, com o término da Segunda Guerra Mundial, Simone de Beauvoir
e Iris Murdoch se destacaram no contexto literário e filosófico da época pela relevância
dos temas que ambas abordavam e que traziam à tona a questão da liberdade de cada
indivíduo na sociedade e sua responsabilidade moral diante do outrem. Além disso, o
pensamento filosófico das autorasaponta para o fato de que a liberdade de escolha de
cada indivíduo está igualmente condicionada às questões de gênero e sexualidade.
Defensora do engajamento nas artes, ou seja, de que a literatura também deveria
ser o sustentáculo ideológico e político do autor, Beauvoir evoca em suas análises
filosóficas, literárias e em suas obras autobiográficas sua própria situação como sujeito,
como mulher e como testemunha dos conflitos da Segunda Guerra Mundial, da
Ocupação nazista, da Guerra da Argélia, entre outras questões sociais e políticas com as
quais esta sempre esteve engajada, como podemos constatar em sua declaração: “I think
that you write with everything you are, including political opinions, including your
situatuion as a woman. You write on the basis of your situation, even when you don’t
talk about it”.(BEAUVOIR, apud BRISON, 2003, p.195).
Assim sendo, logo em seu primeiro ensaio filosófico, Pour une moral de
l’ambiguité (1946), Simone de Beauvoir estabelece os princípios de uma ética social ao
afirmar que certos fatores sociais, que vão além do controle do sujeito,
principalmenteno que diz respeito às mulheres,podem oferecer diferentes possibilidades
e desafios para a prática de ações. Em sua obra Le Deuxiéme Sexe (1949),Beauvoir
retoma as questões existenciais e filosóficas que já havia abordado previamente em Pour
une morale de l’ambiguité, mas se dedica a analisar mais especificamente os fatores que
definem a existência da mulher e as possibilidades desta transcender sua facticidade.
Dessa forma, a autora faz uma ampla análise das questões relativas à biologia, à
psicanálise, ao materialismo histórico, aos mitos e à educação que norteiam o universo
feminino e conclui que a feminilidade é um devenir, um tornar-se, e que demodo algum
a mulher é definida por uma natureza que a determina: “on ne naît pas femme, on le
devient” (BEAUVOIR, 1979, p.13).
Embora os conceitos filosóficos referentes à moral defendidos por Iris Murdoch
se diferenciem em relação aos de Simone de Beauvoir, ambas as autoras buscaram por
76
Descrição das pesquisas
diferentes maneiras o sentido da prática moral do sujeito, em um contexto marcado pela
angústia e o vazio espiritual que ressoavam o fim de duas grandes guerras, fatos que
resultaram em marcas profundas em toda a produção artística, literária e filosófica
daquele momento. Para Beauvoir, o agir eticamente consistia na tomada de consciência
do indivíduo perante a sua realidade de sujeito situado e da ambiguidade de sua
existência, para que este pudesse superar sua condição de oprimido e transcender sua
facticidade. JáMurdoch,não nega o existencialismo, mas contesta alguns de seus
conceitos e julga que a conduta de um indivíduo, não pode ser limitada somente aos
imperativos da razão ou aos fatos empíricos. Segundo esta, as ações do sujeito
abrangem também os aspectos e mistérios da consciência humana e fatos que vão além
das expressões da conduta moral ou dos atos de escolha. Em um de seus ensaios
filosóficos, The sublime and the beautiful revisited,Murdoch, ao se referir ao
existencialismo, elucida:“existentialism shares with empiricism a terror of anything
which encloses the agent or threatens his supremacy as a center of significance. In this
sense both philosophies tend toward solipsism” (MURDOCH, 1999, p.269). Porém,
ambas as autoras se conciliam em suas visões filosóficas ao exaltar a importância do
outro e o respeito pela liberdade e individualidade, valores que as autoras certamente
precisavam reafirmar no contexto do pós-guerra.
EmA Literature of their own (1977),Elaine Showalter divide a literatura inglesa
em três fases entre o período de 1840 a 1960: a Feminine fase, entre 1840 e 1880,
caracterizada pela repetição dos padrões da tradição literária dominante; a segunda fase,
denominada Feminist, entre 1880 a 1920, que seria aquela marcada pelo protesto e
ruptura em relação aos modelos vigentes e a fase Female, a partir de 1920, na qual
houve por parte das autoras uma autodescoberta e a busca por uma identidade. Ao
descrever essas três fases da literatura inglesa de autoria feminina, Showalter menciona
Iris Murdoch ao analisar os romances produzidos na década de 1960, classificando-a
como pertencente a ultima fase dessa tradição:
In the fiction of Iris Murdoch, Muriel Spark, and Doris Lessing, and
the younger writers Margareth Drabble. A. S. Byatt, and Beryl
Bainbridge, we are beginning to see a renaissance in women’s writing
that responds to the demands of Lewes and Mill for an authentically
female literature, providing “woman’s view of life, woman’s
experience. (SHOWALTER, 1977, p.35)
77
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Poderíamos utilizar essa mesma classificação da tradição literária de autoria
feminina feita por Showalter no contexto da literatura francesa e afirmar que, assim
como Iris Murdoch, Simone de Beauvoir pertence à fase female na qual a busca por
uma autoconsciência feminina é o que prevalece na representação de suas personagens
femininas. No entanto, devemos ressaltar que tanto Murdoch como Beauvoir rejeitavam
a ideia de uma écriture féminine ou de qualquer outro valor essencialista que
diferenciasse os indivíduos. Tal como a teoria da androginia de Virginia Woolf,
queinsistia na desconstrução da identidade sexual e que foi criticada por algumas
feministas, como Cixous ou mesmo Showalter,Beauvoir e Murdoch acreditavam que o
principal objetivo da luta pela emancipação da mulher teria que se alicerçada na
construção da igualdade entre os sexos.
La Femme Rompue, última obra ficcional de Simone de Beauvoir, é constituída
por três novelas, L’âge de discrétion, Monologue e La Femme Rompue, que abordam o
tema da vulnerabilidade das mulheres no que diz respeito ao envelhecimento, à solidão
e à perda do ser amado. Nessas três narrativas, a autora recorre ao fluxo de consciência,
ao monólogo e a escrita de um diário para expor as experiências caóticas pelas quais
passam as personagens, experiências que resultaram das próprias escolhas que cada qual
fez para si mesma.Em La Femme rompue, podemos observar os mesmos recursos
estilísticos citados por Auerbach em A Meia Marron (2009), e que fazem igualmente da
obra de Simone de Beauvoir, um exemplo de um romance em que o sentido do real
realiza-se unicamente por meios das constatações e digressões das consciências das
personagens femininas. Diferentemente de Beauvoir,Iris Murdoch sempre deixou
evidente a sua preferência pelo estilo de romance realista do século XIX encontrados
nas obras de Walter Scott, Jane Austen, George Eliot e especialmente Tolstoy. Segundo
ela, uma das principais qualidades que o romance pode oferecer ao seu leitor, é a
pluralidade de tipos humanos reunidos em um universo ficcional proporcionando assim,
uma visão ampla da diversidade da natureza humana. Dessa maneira, opondo-se à
narrativa de Simone de Beauvoir, em A Fairly Honourable Defeat, a objetividade é
garantida por meio dos diálogos e por um narrador em 3ª pessoa, heterodiegético, que
analisa o caráter das personagens devido à sua onisciência.
Embora A Fairly Honourable Defeat tenha sido publicado no início da década de
setenta, quando na sociedade inglesa as mulheres já haviam conquistado alguns direitos
que as levariam a uma maior liberdade e poder no campo social e político, muitos
impasses que estas precisaram superar nas décadas anteriores são ainda abordados por
78
Descrição das pesquisas
Murdoch nessa obra. Por exemplo, na Grã-Bretanha, o aborto passou a ser
disponibilizado pelo sistema público de saúde a partir de 1967. No entanto, Murdoch
por meio da personagem Morgan Browne, ilustra as dificuldade e humilhações que as
mulheres enfrentam quando precisam ou querem recorrer ilegalmente a essa prática para
interromper uma gravidez. Porém, Morgan Browne, ao contrário das personagens de La
Femme rompue, goza de mais liberdade para fazer diferentes escolhas em sua vida, pois
possui uma carreira e sente-se livre mesmo para deixar o marido e partir em busca de
uma aventura nos Estados Unidos. Assim sendo,é a independência econômica de
Morgan Browneque a define como sujeito e lhe proporciona certo poder e autonomia,
tal como afirma Simone de Beauvoir em Le Deuxiéme Sexe, quando aponta a busca por
um trabalho como algo primordial para que a mulher alcance certa liberdade: “c’est par
le travail que la femme a en grande partie franchi la distance qui la séparait du mâle;
c’est le travail qui peut seul lui garantir une liberté fondée concrète” (BEAUVOIR,
1986, p.597).
Consideramos que a pesquisa proposta se justifica pela grande relevância que
Iris Murdoch e Simone de Beauvoir possuem no cenário literário mundial e pelo estudo
da representação do sujeito feminino em duas grandes obras ficcionais que, embora
tenham sido publicadas em culturas diferentes e por diferentes autoras, compartilham
temas e valores inerentes não apenas à época de suas publicações, mas que ainda
permeiam os estudos sociais e literários nas mais diversas sociedades.
Referências bibliográficas
AUERBACH, E. A meia marrom. In:_____. Mimesis: a representação da realidade na
literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2009.
BEAUVOIR, S. La femme rompue. Paris: Gallimard, 1967.
___________, S. Le deuxième sexe . Paris: Gallimard, 1986.
BEAUVOIR, S. Por uma moral da ambiguidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
BRISON. S. J. Beauvoir and feminism: interview and reflections. In: CARD, C. The
Cambridge Companion to Simone de Beauvoir. New York: Cambridge, 2003.
MURDOCH, I. A fairly honourable defeat. New York: Penguin, 2001.
MURDOCH, I. The sublime and the beautiful revisited. In: CONRADI, P. Writings on
philosophy and literature. New York: Penguin, 1999.
SHOWALTER, E.A Literature of their Own. Bristish women novelists from Brontë to
Lessing. New Jersey: Princeton University Press, 1977.
Bibliografia
79
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AGUIAR, Neuma (org.). Gênero e Ciências humanas: desafio às ciências desde a
perspectiva das mulheres. Rio de janeiro: Record; Rosa dos Tempos, 1997.
ALBISTUR, M; ARMOGATHE. D.Histoire du féminisme français: du moyen âge à
nos jours.Paris: Des femmes, 1977.
BAJAJ, K. Critical study of Iris Murdoch’s fiction.New Delhi: Atlantic Publisher &
Distributors, 2007.
BANNET, E.The domestic revolution: enlightenment feminisms and the
novel.Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 2000.
BARD, C; METZ, A; NEVEU, V.Guide des sources de l'histoire du féminisme: de la
révolution française à nos jours. Paris: PU Rennes, 2006.
BERSANI, J. La littérature en France depuis 1945. Paris: Bordas, 1970.
BISHOP, M. Thirty voices in the feminine. New York: Rodopi B. V. Edition, 1996.
BRANDÃO, Ruth Silviano; BRANCO, Lucia Castello. A mulher escrita. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2004.
BYATT, A.Imagining characters: six conversations about women writers: Jane Austen,
Charlotte Bronte, George Eliot, Willa Cather, Iris Murdoch, and Toni
Morrison.London:Vintage Books edition, 1997.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad.
Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CANDIDO, A. A personagem de ficção.São Paulo: Perspectiva, 1985.
____________ .Literatura e sociedade. São Paulo: Ed. Nacional, 1985.
CARD, C.The cambridge companion to Simone de Beauvoir.New York: Cambridge,
2003.
CONRADI, P. Iris Murdoch existentialist and mystics: writing on philosophy and
literature. London: Penguin, 1999.
____________. The saint and the artist: a study of the fiction of Iris Murdoch.United
Kingdom: Happer Collins Publisher, 2001.
COUTINHO, E; CARVALHAL, T. Literatura comparada: textos fundadores. Rio de
Janeiro: Rocco, 1994.
BLOOM, H.A Map of Misreading. New York : Oxford University, 1973.
COWARD, R. Are Women’s Novels Feminist Novels?In: SHOWALTER, E. The New
Feminist Criticism. Essays on Women, Literature and Theory. New York: Pantheon
Books, 1985.
CULLER, J. Sobre a desconstrução: teoria e crítica do pós-estruturalismo. Edição
Rosa dos Tempos. Rio de janeiro, 1997.
DEGUY, J.Simone de Beauvoir: écrire la liberté.Paris: Gallimard, 2008.
DOWN, R; HERNDL, D. Feminisms, revised edition: an anthology of literary theory
and criticism.New Jersey:Rutgers University Press, 1997.
FALLAIZE, E.Simone de Beauvoir - a critical reader. New York: Routledge, 1998.
FIANDER, L.Fairy tales and the fiction of Iris Murdoch, Margaret Drabble, and A.S.
Byatt (studies on themes and motifs in literature).New York: Peter Lang Publishing,
2004.
FRIEDAN, Betty. Mística feminina.Trad.Áurea B. Weissenberg. Petrópolis: Vozes,
1971.
GILBERT, S.; GUBAR, S.The madwoman in the attic: the woman writer and the
nineteenth-century literary imagination. New Haven: Yale University Press, 1986.
GOLDMANN, L. Sociologia do romance. Rio: Paz e Terra, 1967.
GRIMSHAW T. Sexuality, gender, and power in Iris Murdoch’s fiction.Massachusetts:
Fairleigh Dickinson University Press, 2005.
80
Descrição das pesquisas
HEAD, D. Modern british fiction, 1950 – 2000. Cambridge: Cambridge University
Press, 2003.
HEUSEL, B. Iris Murdoch's paradoxical novels: thirty years of critical reception
(studies in English and American Literature and culture).London: Camden House,
2001.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Feminismo em tempos pós-modernos. In:
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica
da cultura. Rio de janeiro: Rocco, 1994.
ISER, W.O Ato da Leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução de Johannes
Kreschmer. São Paulo: Editora 34, 1996.
KOLODNY, A.A Map for Rereading. In: SHOWALTER, E. The New Feminist
Criticism. Essays on Women, Literature and Theory. New York: Pantheon Books, 1985.
KHOGEER, A.The integration of the self: women in the fiction of Iris Murdoch and
Margareth Drabble. New York: University Press of America, 2005.
LAUBIER, C. The condition of women in France, 1945 to the present.A documentary
anthology. London: Routledge, 1991.
LEITCH, V. American Literary criticism from the thirties to the eighties. New York:
Columbia University Press, 1998.
LOVIBOND, S. Iris Murdoch, gender and philosophy.London: Routledge, 2009.
LÚKACS, G. Teoria do romance. Tradução Alfredo Margarido. Lisboa: Presença, 1963.
MILLET, Kate. Política sexual. Trad. Alice Sampaio; Gisela da Conceição; Manuela
Torres. Lisboa: Don Quixote, 1974.
MILL, J.The Subjection of Women. In: FREEDMAN, E. The Essential Feminist
Reader. New York: Modern Library, 2007.
MOI, T. Sexual textual politics: feminist literary theory. London: Methuen, 1985.
MONTEIL, C.Simone de Beauvoir. Le mouvement des femmes: mémoires d'une jeune
fille rebelle.Paris: Editions du Rocher, 1996.
MURDOCH, I.A fairly honourable defeat. New York: Penguin, 2001.
PACHUAU, M. Construction of good and evil in Iris Murdoch’s discourse.New Delhi:
Atlantic Publisher & Distributors, 2007.
PELLEGRIN, N. Écrits féministes de Christine de Pizan à Simone de Beauvoir. Paris :
Éditions Flammarion, 2010.
POPPER, A. Art, féminisme, post-féminisme: un parcours de critique d'art.Paris:
L’Harmattan, 2009.
PIZAN, C. La Cité des Dames.Tradução e apresentação de Eric Hicks e Thérèse
Moreau. Paris: Stock/Moyen Age, 1985.
ROBBINS, R. ROSENFELD, A. Texto/contexto. São Paulo: Perspectiva, 1969.
ROBBINS, R.Literary Feminisms. London: Palgrave Macmillan, 2000.
ROWE, A. Iris Murdoch: a re-assessment. London: Palgrave Macmillan, 2007.
RUTHERFORD, J. Identity: community, culture, difference.London: Laurence &
Wishart, 1990.
SARCEY. M.Histoire du féminisme. Paris: Editions La Découverte, 2008.
SAGARE, S. B. An interview with Iris Murdoch. In: MFS Modern Fiction Studies,
Volume 47. The Johns Hopkins University Press, 2001.
SCHNEIR, M.Feminism in our time: the essential writings, world war II to the
present.London: Vintage, 1994.
SCHWARZER, A. Simone de Beauvoir Hoje.Rio de Janeiro : Rocco, 1986.
SCHWARZER, A; MARCOU, L; MIRSKY, D. Entretiens avec Simone de Beauvoir.
Paris : Mercure de France, 2008.
81
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
SHOWALTER, E. Towards a Feminist Poetics. In: SHOWALTER, E. The New
Feminist Criticism. Essays on Women, Literature and Theory. New York: Pantheon
Books, 1985.
SHOWALTER, Elaine. A literature of their own: british women novelists from
Brontë to Lessing. Princeton: Princeton University Press, 1977.
SIMONS, M.Feminist interpretations of Simone de Beauvoir.Pennsylvania :
Pennsylvania University, 1995.
SPEAR, H. D. Iris Murdoch. New York: Palgrave Macmillan, 2007.
SPENCER, J. The rise of the woman novelist. Oxford: Claredon Press, 1986.
TABET, P.La construction sociale de l'inégalité des sexes: des outils et des corps.Paris:
L'Harmattan, 2000.
TADIÉ, J.Y. O romance no século XX. Lisboa: Publicações Don Quixote,1992.
THORAVAL, J. ET ALII. Les nouveaux romanciers. Paris: Bordas, 1976.
TIDD, U.Simone de Beauvoir, gender and testimony.New York: Cambridge, 1999.
TODD, R. Encounters with Iris Murdoch. Amsterdam: Free University Press, 1988.
TUCKER, L.Critical essays on Iris Murdock (critical essays on british literature).
London:MacMillan Publishing Company, 1992.
WANDOR, M.Post-war british drama: looking back in gender. New York,Routledge,
2001.
WOOLF, V. Um teto todo seu. São Paulo: Círculo do livro, 1991.
ZEPHIR, J.Le Néo-féminisme de Simone de Beauvoir. Paris: Denoël-Gonthier, 1982.
82
Descrição das pesquisas
GIAMBATTISTA BASILE, CHARLES PERRAULT, IRMÃOS GRIMM E
WALT DISNEY: UM ESTUDO CRÍTICO DAS DIFERENTES VERSÕES DE A
BELA ADORMECIDA.
Bruna Cardoso Brasil de Souza
Mestranda
Profa. Dra. Fabiane Renata Borsato (Or.)
No atual momento, esta pesquisa encontra-se em seu estágio inicial. Como se
trata do primeiro ano do mestrado, a maior parte do primeiro semestre foi dedicada às
disciplinas obrigatórias e a algumas leituras e fichamentos sobre a bibliografia proposta
no projeto inicial, a fim de elaborar desde já um material que venha compor a
dissertação final. Como metodologia, foi decidido que cada conto seria analisado
individualmente para que em um próximo momento o material de análise possa ser
confrontado mostrando em que medida os elementos da história permaneceram
inalterados ou sofreram transformações significativas através do tempo e dos diferentes
autores.
Podemos dizer que algumas conclusões já foram tiradas em relação ao conto Sol,
Lua e Tália (VOLOBUEF)1, coletada por Giambattista Basile na Itália do século XVII e
publicada postumamente na coletânea Il Pentamerone ossia La fiaba delle fiabe, em
1634, e também da comparação deste com o filme A Bela Adormecida (1959). Este
paralelo entre estas duas obras foi objeto de discussão em uma sessão de comunicações
no III Colóquio “Vertentes do Fantástico na Literatura” e também em um artigo ainda
não publicado enviado para a revista Literartes, da USP. Como se trata de um conto
coletado no século XVII é, provavelmente, dentre as obras escolhidas para análise,
aquele que mais se aproxima das versões originais e orais da história. Repleto de cenas
violentas e cruéis, episódios envolvendo traição, antropofagia e até a violação física da
protagonista, não era, obviamente, um conto voltado para o público infantil. Entretanto,
devemos considerar que somente no século XIX o conceito de infância começou a se
transformar e que à época de Basile, as crianças eram vistas como adultos em miniatura
1
O conto utilizado nesta pesquisa é uma tradução feita pela Prof.ª Dr.ª Karin Volobuef e fornecido pela
autora. A tradução foi feita a partir da edição em italiano preparada por Benedetto Croce (Bari: Gius.
Laterza & Figli, 1925, vol. II. p. 297-303). Não publicado.
83
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
e que não havia nenhum pudor por parte dos adultos em dizer coisas como as relatadas
neste conto na presença delas.
Deparamo-nos, no conto, com um narrador muito interessante, pois sua narração
é muito sintética em alguns momentos, como quando relata o episódio do nascimento de
Tália até o cumprimento da maldição em apenas dois parágrafos; entretanto é muito
expansivo em outros, como nos momentos que envolvem a rainha traída e suas longas
falas. É um conto simbólico que utiliza metáforas e referências históricas para descrever
as personagens, o que é confirmado pela descrição da rainha como aquela que possuía
uma “carranca de Nero”, ou se refere aos filhos do rei como “dois pomos áureos de
beleza”.
Ao compararmos este conto com o filme da Disney encontramos diferenças
significativas, como, por exemplo, o episódio do adormecer da protagonista. Enquanto
em Sol, Lua e Tália o fato se dá nos primeiros momentos e desencadeia uma série de
eventos posteriores, no filme, Aurora somente adormece depois de passados cerca de
cinquenta minutos do longa-metragem. As protagonistas são muito semelhantes no que
diz respeito à sua inocência e passividade frente aos perigos que as ameaçam. Tália, no
final da história, tem que confrontar a rainha que a acusa de traição e ameaça jogá-la em
uma fogueira, mas Aurora sequer fica sabendo do perigo que corre. Já o príncipe
salvador e a bruxa vilã sofreram grandes transformações de uma obra para outra. Em
primeiro lugar, aquele que hoje é um príncipe jovem, corajoso e apaixonado, no conto
italiano era um rei, ou seja, um homem mais maduro, e casado. A bruxa Malévola que
lança a maldição sobre Aurora por vingança por não ser sido convidada para os festejos
do batismo da princesa, antes era a esposa do rei que elaborou os planos mais cruéis a
fim de vingar a traição que sofreu. No filme, Aurora deve receber um beijo de amor
verdadeiro para se livrar do sono profundo em que se encontra. No conto de Basile, o rei
encontra Tália adormecida e a viola fisicamente sem que ela acorde, volta para o seu
reino e deixa a princesa estendida. Depois de passados nove meses, Tália dá à luz duas
crianças que ao procurarem o seio da mãe, acabam sugando seu dedo e retirando a farpa
de linho que a mantinha naquele estado inerte. Outra diferença significativa entre os
enredos é a questão da família. No conto de Basile, logo após Tália cair em um sono
profundo, o pai a abandona e vai embora para esquecer o infortúnio sofrido. Já no filme,
três boas fadas fazem com que toda a côrte adormeça junto com a princesa, pois
consideram que seria um sofrimento muito grande para todos vê-la naquele estado. Ou
84
Descrição das pesquisas
seja, esta característica do conto mostra como a história ganhou uma atmosfera familiar
e até mesmo cristã com o passar dos anos.
Também foram feitas as primeiras considerações sobre tempo e espaço em Sol,
Lua e Tália (VOLOBUEF). O conto é, aparentemente, muito cinematográfico. Em
alguns momentos temos o espaço apresentado pelo recurso do mise en abime o que nos
oferece focalização baseada no distanciamento paulatino e na amplitude espacial, como
no trecho em que o pai abandona Tália no bosque:
[...] o desventurado pai, após ter chorado um barril de lágrimas,
assentou Tália em uma poltrona de veludo debaixo de um dossel de
brocado, no interior do próprio palácio, que ficava em um bosque.
Depois, cerrada a porta, abandonou para sempre a casa, motivo de
todos os seus males, para apagar completamente de sua lembrança o
infortúnio sofrido. (VOLOBUEF)
Já o filme nos parece menos articulado neste sentido, talvez devido ao seu ano
de produção e os ainda escassos recursos disponíveis na época.
Quanto ao tempo, sabemos que o filme se passa no exato período de dezesseis
anos, pois Malévola lança uma maldição sobre Aurora que deverá se cumprir antes do
anoitecer do seu décimo sexto aniversário. No conto coletado pelos irmãos Grimm é
dito que a protagonista adormece aos quinze anos e que permanece neste estado por cem
anos. Em Perrault, não é explicitada a idade da protagonista, porém a quantidade de
anos que ela passa dormindo é a mesma do conto alemão. Já em Basile, nenhuma
informação é fornecida. Não sabemos a idade de Tália ao cumprir deu destino espetando
o dedo em uma roca de fiar, assim como não sabemos quanto tempo ela permanece no
bosque até que o rei a encontre. Somente temos uma vaga ideia de que o rei leva um
pouco mais de nove meses para voltar a vê-la, pois quando isso acontece, ela acabou de
dar à luz seus dois filhos.
Outro aspecto que ganha relevância ao confrontarmos estas duas obras é a moral
expressa em cada uma. Enquanto o filme A Bela Adormecida (1959) defende princípios
morais próximos ao ideal cristão, como o casamento, a caridade, o amor ao próximo,
Sol, Lua e Tália (VOLOBUEF) oferece a visão de que a sorte determina o destino das
pessoas. Em mais de um momento é dito neste conto que o acaso fez com que tudo
acontecesse daquela forma e o conto é encerrado com estes versos: “aquele que tem
sorte, o bem / mesmo dormindo, obtém” (VOLOBUEF), ou seja, nada é preciso ser feito
para que o êxito final seja alcançado, caso este seja seu destino pré-determinado.
85
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Estas são apenas algumas das conclusões desta análise inicial. Pretende-se
utilizar esta mesma metodologia para todos os contos e, como já foi dito antes,
confrontá-los a fim de ressaltar suas semelhanças e diferenças.
As teorias utilizadas até o momento são aquelas que auxiliam na compreensão
do gênero conto, do conto maravilhoso e das estruturas narrativas, como, por exemplo,
as dos autores André Jolles, Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, Erich Fromm, Gérard
Genette, Michèle Simonsen, Nádia, Battella Gotlib, Nelly Novaes Coelho, Oscar Tacca,
Ricardo Piglia, Robert Darnton, Tzvetan Todorov, Walter Benjamin, entre outros
citados na bibliografia.
Bibliografia
A BELA ADORMECIDA. Direção: Clyde Geronime. EUA: Walt Disney Animation
Studios, 1959.
BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BENJAMIN, Walter. O narrador. In:______. Magia e técnica, arte e política. São
Paulo: Brasiliense, 1994. P. 197-221.
CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1985.
CARRIÈRE, Jean-Claude. A linguagem secreta do cinema. Tradução: Fernando
Albagli e Benjamim Albagli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
COELHO, Nelly Novaes. O Conto de fadas. São Paulo: Editora Ática, 1991.
DARNTON, Robert. Histórias que os camponeses contam: o significado de Mamãe
Ganso. In: ______. O grande massacre de gatos: e outros episódios da história cultural
francesa. Tradução: Sonia Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1986.
DISCINI, Norma. Intertextualidade e o conto maravilhoso. São Paulo: Associação
Editorial Humanitas, 2004.
FROMM, Erich. A linguagem esquecida. Tradução: Octávio Alves Velho. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 1983.
FRYE, Northrop. Anatomia da crítica. São Paulo: Cultrix, 1973.
FRYE, Northrop. O caminho crítico: um ensaio sobre o contexto social da crítica
literária. Tradução: Antônio Arnoni Prado. São Paulo: Perspectiva, 1973.
GABLER, Neal. Walt Disney: o triunfo da imaginação americana. Tradução: Ana
Maria Mandin. Osasco: Novo Século Editora, 2009.
GENETTE, Gérard. Discurso da Narrativa. Lisboa: Vega Universidade, 1995.
GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. São Paulo: Editora Ática, 1985.
GRIMM, Jacob; GRIMM, Wilhelm. A Bela Adormecida. In:______. Kinder – und
Hausmärchen. Tradução: Karin Volobuef. München: Winkler, 1978. p. 281-284.
JOLLES, André. Formas simples. Tradução: Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1976.
LEITE, Sebastião Uchoa. As relações duvidosas: notas sobre literatura e cinema.
In:______. Crítica de ouvido. São Paulo: Cosac&Naify, 2003. P. 143-173.
LOPES, Ana Cristina M.; REIS, Carlos. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo:
Ática, 1988.
MENDES, Mariza B. T. Em busca dos contos perdidos: O significado das funções
femininas nos contos de Perrault. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
86
Descrição das pesquisas
PERRAULT, Charles. A Bela Adormecida no Bosque. In: ______. Histórias ou contos
de outrora. Tradução: Renata Cordeiro. São Paulo: Landy Editora, 2004. P. 43-63.
PIGLIA, Ricardo. Formas breves. Tradução: José Marcos Mariani de Macedo. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004.
PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Trad. Jasna Paravich Sarhan.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2006.
SIMONSEN, Michèle. O conto popular. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. Tradução: Leila Perrone-Moisés. São
Paulo: Editora Perspectiva, 2006.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução: Maria Clara
Correa Castelo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2008.
TRAÇA, Maria Emília. O fio da memória: do conto popular ao conto para crianças.
Porto: Porto Editora, 1998.
WARNER, Marina. Da fera à loira. Tradução: Thelma Médici Nóbrega. São Paulo:
Companhia das letras, 1999.
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São
Paulo: Paz e Terra, 2008.
87
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A LÍRICA AMOROSA DE ALMEIDA GARRETT E NUNO JÚDICE
Bruna Fernanda de Simone
Mestranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes (Or.)
Introdução da pesquisa
A pesquisa proposta destina-se a verificar, por meio de um estudo comparado
entre a poesia de Almeida Garret e Nuno Júdice, de que modo os dois poetas
empreendem um diálogo com a tradição da lírica amorosa portuguesa e como ambos,
cada um a seu tempo, revitalizam esta tradição.
O projeto de pesquisa surgiu de um trabalho que foi realizado durante minha
iniciação científica, na qual trabalhamos com a comparação entre a lírica amorosa de
Garrett e as cantigas medievais de D. Dinis. A pesquisa, intitulada Garrett: um trovador
no século XIX, buscou demonstrar, por meio de uma análise comparativa da lírica de D.
Dinis e de Almeida Garrett, o modo como a literatura romântica reaproveita
procedimentos formais e elementos temáticos da tradição medieval, estabelecida na
literatura portuguesa com as cantigas de amor e de amigo.
Como vínhamos trabalhando com uma tradição da lírica amorosa em Portugal,
passamos a nos interessar pelo modo como esta tradição se renova e se reapresenta em
diferentes momentos históricos. Na impossibilidade de realizar um estudo diacrônico,
tarefa que seria impossível no curto tempo de um mestrado, optamos por realizar um
recorte histórico que nos permitisse dar continuidade ao estudo iniciado anteriormente e,
ao mesmo tempo, trazer o foco para a contemporaneidade. Na busca de um poeta que
dialogasse visivelmente com a tradição lírica amorosa, deparamo-nos com a poesia
instigante de Nuno Júdice, que tem no tema amoroso um dos principais motivos de
reflexão poética.
O romantismo segundo Guinsburg (1978) e Cidade (19--), além do consenso de
muitos outros críticos deste período, foi um movimento complexo, de difícil definição.
Enquanto no mundo clássico o indivíduo era subordinado à sociedade, no mundo pósrevoluções é a sociedade que subordina o indivíduo. Isso ocorre de modo geral em toda
88
Descrição das pesquisas
a Europa, inclusive em Portugal, onde a adesão ao movimento foi tardia, conforme
afirma Guinsburg (1978).
Segundo Saraiva e Lopes (1917), a revolução industrial ocorrida em 1850,
transformou em menos de meio século toda a estrutura da sociedade européia. O
progresso econômico e político da época configura o fortalecimento da mais nova classe
social do século XIX, a burguesia.
Com o advento dessa nova classe, que passa a dominar o campo das artes,
devido a seu poder e influência cada vez maior dentro da sociedade, o gosto literário se
altera. Como explicitam Saraiva e Lopes:
[...] o público do Romantismo não tem grande preparação
especificamente literária. Ignora as convenções e os padrões da
literatura clássica [...] aprecia mais a força do virtuosismo, gosta da
expressão concreta imediatamente acessível, das imagens e símbolos
que dão corpo bem sensível ao pensamento. Está enraizado em valores
locais e regionais [...] (LOPES-SARAIVA,1917, p.678)
Ou seja, esta nova classe, rompe com os modelos clássicos, com a cultura grecoromana e busca em suas próprias raízes culturais o substrato para sua literatura. No caso
específico de Portugal, é na Idade Média, que os artistas vão encontrar sua inspiração. É
no período medieval que encontram valores importantes como o cristianismo, rompendo
assim com o paganismo cultivado no período clássico. Vários fatos históricos confluem
para a formação do estado português que são a base de uma longa tradição de identidade
lusitana. É nas origens deste estado que os românticos lusitanos vão buscar elementos
que possam configurar uma identidade cultural portuguesa.
No período romântico, conturbado por revoluções, ideias iluministas e liberais, o
grande anseio das nações tanto quanto dos indivíduos é a liberdade. Lutava-se contra
representantes considerados inautênticos e autoritários, em busca de reviver um espírito
coletivo comum. Os românticos empreendem uma busca de ideias, costumes, temas e
tradições medievais para, como já dito anteriormente, resgatar as raízes do país,
trabalhar a fundo questões de nacionalidade e cultura tradicional.
Podemos dizer que os românticos, ao mesmo tempo, que dialogaram com a
tradição medieval e nela se inspiravam para expressar-se artisticamente, também
antecipavam, segundo Larica (2008), uma definição moderna da relação entre o mundo
e a consciência.
89
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Por outro lado, trata-se de um período cujo ambiente não tem grandes
preocupações científicas, desvalorizando o intelectualismo e o racionalismo. Larica irá
afirmar que “Em oposição ao que ocorria no classicismo, no romantismo predomina
‘[...] a efusão sentimental, a dissonância, o subjetivismo como força motriz da autoexpressão do artista, a originalidade, o ímpeto do gênio e o elemento dionisíaco” (2008,
p. 27). Assim, valor da obra, segundo a pesquisadora, é transferido da obra para o autor,
o que gera o cunho autobiográfico da produção desse período, como se percebe em
Almeida Garrett e nos diversos ensaios sobre a sinceridade ou o fingimento em sua obra
poética, principalmente em relação às vicissitudes do amor.
A modernidade, segundo a autora, muito tem de revisitação do movimento
romântico, ou seja, o romantismo é retomado, porém com olhos críticos, já que, na
modernidade, o sujeito não é mais visto como empírico, mas como um estado de alma:
“Com a lírica moderna de Baudelaire, surge a poesia em que os sentimentos
entusiásticos e a paixão pessoal, marcantes na poesia romântica, vão ser dominados,
gerando um poetar guiado pelo intelecto” (2008, p. 37).
É, pois neste contexto da modernidade que se insere o poeta Nuno Júdice, que
estabelece um diálogo com a poesia romântica do amor (LARICA, 2008) e com uma
tradição que coloca a liberdade de expressão do sentimento no centro de atenção: “[...] o
poeta persegue a palavra numa renovação moderna do lirismo [...]” (p. 55).
Na poética de Júdice, o amor deixa de ser tratado como uma irracional efusão
sentimental, que apenas repete o discurso romântico. O poeta dialoga com o romantismo
e até com o sentimentalismo desse movimento de maneira racional, colocando em
evidência a artificialidade do mundo contemporâneo, a impossibilidade do sujeito
realizar-se e a inconcretude da emotividade. Sua poética repensa todos esses topos da
tradição e problematiza o lirismo na contemporaneidade. Para Larica (2008), trata-se de
um neorromantismo.
O livro de Almeida Garret de onde serão selecionados os poemas do corpus é
Folhas Caídas, publicado em 1853. É nesta obra que podemos encontrar todas as
características principais do movimento romântico. Saraiva, em sua Introdução, na
edição de 1943, afirma tratar-se de uma obra de “[...] tom íntimo, confidencial e pessoal
[...]” (1953, p. 22), o que evidencia o ideal romântico de fazer da arte uma expressão da
vida. Se, na Iniciação Científica, com o estudo de alguns poemas deste livro pudemos
chegar a uma comparação concreta com o trovador D. Dinis e, assim, demonstrar a
forma como se manifestou a reescrita que os românticos empreenderam da lírica
90
Descrição das pesquisas
trovadoresca, no Mestrado, acreditamos na possibilidade decomparação entre a
produção de Nuno Júdice e a poesia reunida no livro de Garret.
Desse modo, pretende-se contribuir para um estudo da revisitação que os poetas
contemporâneos vêm realizando de tradições do passado, além de investigar de que
modo Garret, no romantismo, e Júdice na modernidade, realimentam a longa tradição da
poesia de amor em língua portuguesa. Entender a função e os efeitos da multiplicidade
de vozes na poética contemporânea é um desafio para o estudioso que se debruça sobre
a produção lírica das duas últimas décadas.
Estágio atual da pesquisa:
Para que possamos trabalhar com a comparação entre ambas as líricas,
inicialmente buscaremos compreender o papel dos procedimentos metapoéticos
utilizados pelos dois poetas no diálogo estabelecido com a tradição lírica amorosa, além
de verificar a natureza do sujeito lírico configurado nas duas poéticas amorosas.
Os eixos que irão sustentar a pesquisa são o método de análise terá como
referência principal a obra de Candido (1987 e 2004) entre outros citados na
bibliografia, e o método comparatista, que permite colocar em evidência uma série de
elementos que se pretende analisar, por meio do confronto entre “elementos não
necessariamente similares” (CARVALHAL, 1991, p. 11) e até mesmo díspares. Além
da autora citada, consta da bibliografia do projeto o livro de Sandra Nitrini (1987), que
também irá fornecer subsídios para a utilização do método.
A pesquisa foi dividida em etapas de desenvolvimento. Tratando-se de um
trabalho que engloba mais de um período literário, estes serão estudados separadamente.
Inicialmente, está sendo feita a leitura da obra de Nuno Júdice a fim de
selecionar o corpus, assim como a leitura de títulos sobre o poeta e sua fortuna crítica,
também presentes nesta bibliografia.Em seguida, serão aprofundadas as leituras
relativas ao período romântico e ao estudo do poeta Almeida Garrett.
A abordagem do amor e suas relações com a poesia será fundamentada nas
leituras de Ovidio (2001), Platão (s.d.), Paz, Rougemont (1961 e 2003), Maulpoix
(1998), entre outros.
Cabe ressaltar que está pesquisa foi modificada no mês de julho de 2013, a
pesquisa anterior, que, buscava ecos do trovadorismo a partir da análise de poemas
amorosos de Almeida Garrett e Nuno Júdice encontrou dificuldades ao longo de seu
91
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
desenvolvimento. A Poesia Reunida (2000) com a qual pretendemos trabalhar somente
foi encontrada no mês de Julho. Devido ao atraso na leitura desta, e do curto período
para trabalharmos, ao mesmo tempo, com três tradições literárias, pareceu-nos mais
prudente para o desenvolvimento do trabalho de mestrado, fixar-nos apenas nas análises
comparativas entre Nuno Júdice e Almeida Garrett, cabendo somente ao doutorado a
investigação dos ecos medievais na obra do poeta contemporâneo.
Neste primeiro semestre de pesquisa, foi possível a realização de duas
disciplinas, que possibilitaram o desenvolvimento de um trabalho apresentado no II
Simpósio Internacional de Cultura, Literatura e Sociedade, UFV. Pudemos ainda, com
as disciplinas cursadas, compreender como se configura o sujeito poético e a
metalinguagem na produção Judiciana.
No momento, estão sendo realizadas leituras de títulos relativos à fortuna crítica
de Júdice, bem como a leitura atenciosa de sua Poesia Reunida, que como exposto
acima, somente foi encontrada em meados do mês de julho.
Até o presente momento podemos concordar com estudiosos como Ida
Alves(2006), Larica (2008) e Amaral (1990), e salientara constante busca que
Júdiceempreende uma por tradições do passado, e dentre elas, o diálogo com a poesia
romântica amorosa, seja para desconstruí-la ou apenas teorizá-la em seus poemas lírico
amorosos.
Bibliografia
ADORNO, T. Notas de literatura. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1991.
AMARAL, F. P. DO. O Mosaico Fluído. Lisboa: Editora e Livreiro CRL, 1990.
ALVES, I. M. dos S. F. Júdice: arte poética com melancolia. Boletim de pesquisa
NELIC.
n.
08/09,
Florianópolis,
mar.
2006.
Disponível
em
<http://www.cce.ufsc.br/~nelic/boletim8-9/idaferreiraalves.html>.
______. A linguagem da poesia: metáfora e conhecimento. In Terra roxa e outras
terras– Revista de Estudos Literários, vol. 2, num. 7, p. 3-16, Londrina, 2002.
<http://www.uel.br/cch/pos/letras/terraroxa7>
______. A poética de Nuno Júdice: lirismo subjetividade e paisagens. In:___ e
MAFFEI, Luís (Orgs.). Poetas que interessam mais; leituras da poesia portuguesa póspessoa. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2011. p. 291-312.
BARBOSA, J. A. A metáfora crítica. São Paulo: Perspectiva, 1974.
_____. As ilusões da modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1986.
BARTHES, R. Denotação e conotação. In ______. Elementos de semiologia. São
Paulo: Cultrix, 1975, p. 93-99.
BATAILLE, Georges. O erotismo. 2.ed. Lisboa: Moraes, 1980.
______. As lágrimas de Eros. Lisboa: Uma Edição & ETC., 1984. (Série K)
BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
CAMPOS, H. de. A arte no horizonte do provável. São Paulo, Perspectiva, 1969.
92
Descrição das pesquisas
_____. Metalinguagem e outras metas. São Paulo: Perspectiva, 1992.
BUESCO, R.L.C. Incidência do olhar: percepção. Lisboa: Caminho, 1990.
CANDIDO, A. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
______. O estudo analítico do poema. 4. ed. São Paulo: Humanitas, 2004.
CARPEAUX, Otto Maria. O romantismo por Carpeaux. São Paulo: Leya Brasil,
2012. (História da Literatura Ocidental, 6).
CARVALHAL, T. F. Literatura comparada: a estratégia interdisciplinar. Revista
brasileira de literatura comparada, n. 1, p. 9-21, Niterói, mar. 1991.
______. Teorias em literatura comparada. Revista brasileira de literatura comparada,
n. 2, p. 9-17, S. Paulo, maio 1991.
CARVALHO, M. C. C. de V. V. A palavra em construção, Entrevista. Disponível em
<http://www.revistaicarahy.uff.br/revista/html/números/1/entrevista/Entrevista_Nuno.p
df>
CHAUÍ, Marilena. Laços do desejo. In: NOVAES, Adauto. O desejo. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. p.19-66.
CIDADE, H. Portugal romântico. In:___. Portugal histórico-cultural. Lisboa:
Presença, 1985. p. 171-196.
COELHO, E. P. A poesia portuguesa contemporânea. In ___. A noite do
mundo.Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1988
COELHO, J. P. Problemática de história literária. Lisboa: Bertrand, 1961.
______. A letra e o leitor. Lisboa: Bertrand, 1069.
______. Ao contrário de Penélope. Lisboa: Bertrand, 1976.
COHEN, J. Estrutura da linguagem poética. São Paulo: Cultrix/ Edusp, 1974.
______. A plenitude da linguagem: teoria da poeticidade. Coimbra: Almedina, 1987.
CRUZ, G. A poesia portuguesa hoje. 2.ed. corr. e aum. Lisboa: Relógio d’Água,
1999.
CURTIUS, E. R. Literatura européia e Idade Média latina. Tradução de Teodoro
Cabral e Paulo Rónai. São Paulo: Hucitec, 1996.
CURRIE, Mark (Ed). Metafiction. London: Longman, 1995.
D’ONOFRIO, S. Elementos estruturais do poema. In:___. O texto literário: teoria e
aplicação. São Paulo: Duas Cidades, 1983.
DUFRENNE, M. O poético. Porto Alegre: Globo, 1969.
DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e literatura. São Paulo: Ática, 1985.
ECO, Umberto. Sobre os espelhos e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989.
FRANÇA, J. A. O romantismo em Portugal. Lisboa: Horizonte, [s.d].
FERREIRA, A. Perspectiva do romantismo português. Lisboa: Ed. 70, 1971.
FIGUEIREDO, F. de. História da literatura romântica. (1825-1870). 2.ed. Lisboa:
Livraria Clássica, 1923.
FIGUEIREDO, Luís Cláudio. A invenção do psicológico: quatro séculos de
subjetivação 1500-1900. Rio de Janeiro: Escuta/Educ, 1992.
Fonseca, M. A. da. Michel Foucault e a constituição do sujeito. São Paulo. Educ,
2003.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. Trad. Maria
Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 7 ed. Rio de Janeiro:
Graal, 1985.
______. O que é um autor?Lisboa: Vega – Passagens, 1992.
FRIEDRICH, H. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
FRYE, N. O ritmo da associação: a lírica. In:---. Anatomia da crítica;quatro ensaios.
Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos.São Paulo: Cultrix, 1973. p. 266-297.
93
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
GAMA, C. B. da. O movimento criativo em A noção do poema, de Nuno Júdice. Texto
poético –Revista do GT Teoria do Texto Poético (ANPOLL), v. 7, 2º sem. 2009.
GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor, &erotismo
nas sociedades modernas. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Ed.Unesp, 1993.
GOLDSTEIN, N. Análise do poema. São Paulo: Ática, 1988. (Ponto por Ponto).
GUELFI, M. L. F. Introdução à análise de poemas. Viçosa: UFV,1995.
GUMBRECHT, H.U. Modernização dos sentidos. São Paulo: Editora 34, 1998.
GUINSBURG, J. O romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1978.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2001.
HAMBURGER, Michael. A verdade da poesia: tensões na poesia modernista desde
Baudelaire. Tradução Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Cosac Naify, 2007.
HAUSER, A. História social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou. [1973]. 2
v.
HEGEL, G. W. F. Cursos de estética. São Paulo: Edusp, 2000, vol. I e II.
HUIZINGA, J. O jogo e a poesia. In:___. Homo ludens; o jogo como elemento da
cultura. São Paulo: Perspectiva, 1971. p.133-162
JAKOBSON, R. Poética em ação. São Paulo: Perspectiva/ Edusp, 1990.
_____. Lingüística e poética. In Linguística e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1995.
JAMESON, Fredric. Pós-modernidade e sociedade de consumo. Novos Estudos
CEBRAP n. 12. São Paulo: Ed. Brasileira de Ciências, 1985.
JOBIM, José Luís. O autor como sujeito. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do
Rio de Janeiro- IL, 1995. (Coleção “A teoria na prática ajuda”, n. 1)
KRISTEVA, Júlia. Histoires d’amour. Paris: Denoël, 1983.
KEHL, Maria Rita. A constituição literária do sujeito moderno. Disponível online.
JÚDICE, N. Poesia reunida – 1967-2000. Lisboa: Dom Quixote, 2000.
______. Um conceito de poética. In ABRIL – Revista do Núcleo de Estudos de
Literatura Portuguesa e Africana da UFF, Vol. 2, n° 3, Novembro de 2009
______. A palavra em construção. Entrevista. In Revisa Icarahy, n. 1, agosto de 2009.
______. Viagem das palavras; estudos sobre poesia. Lisboa: Colibri – IELT, [s.d.].
KAYSER, W. Análise e interpretação da obra literária. Coimbra: Armênio, 1958.
LARICA, J.B. Nuno Júdice: a poesia como matéria emoção. 2008. Dissertação
(mestrado em Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de Língua Portguesa)Universidade Federal Fluminense, Niterói.
LÖWY, M; SAYRE, R. Revolta e melancolia: o romantismo na contramão da
modernidade. Petrópolis: Vozes, 1995.
SEIXO, M. A. (org.). Poéticas do século XX. Lisboa: Livros Horizonte, 1984. p. 215220.
LOURENÇO, E. O canto do signo; existência e literatura. Lisboa: Editorial Presença,
1995.
MACHADO, Á. M. Poesia romântica portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa
da Moeda; Gulbenkian, 1982.
MAGALHÃES, J. M. Os dois crepúsculos – sobre poesia portuguesa actual e outras
crónicas. Lisboa: A Regra do Jogo, 1981.
MARINHO, M. de F. A poesia portuguesa nos meados do século XX;rupturas e
continuidades. Lisboa: Caminho, 1989.
MARTELO, R. M. Em parte incert: estudos de poesia portuguesa moderna e
contemporânea. Porto: Campo das Letras, 2004.
94
Descrição das pesquisas
MARTINHO, F. Poesia portuguesa na atualidade. Anais do XIV Congresso de
Professores Universitários Brasileiros de Literatura Portuguesa. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 1994. p. 72-83
______. Depois do modernismo, o quê? In RevistaSemear, n. 4.Texto on line.
MAULPOIX, Jean-Michel. La poésiecommel'amour; essaisurlarelationlyrique.
Paris:Mercure de France, 1998.
MENDONÇA, F. A literatura portuguesa no século XX. São Paulo: Hucitec; Assis:
FFCL, 1973.
MOISÉS, M. Análise de texto poético. In:___. A análise literária.S. Paulo: Cultrix,
1987. p. 41-40-83.
MUKAROVSKY, J. A posição da função estética entre as demais. Linguagem padrão e
linguagem poética. In ______. Escritos sobre estética e semiótica da arte. Lisboa:
Editorial Estampa, 1990, p. 45-112, 319-340..
NITRINI, S. Literatura comparada: história, teoria e crítica. São Paulo: Ed. USP,
1987.
OVÍDIO. A arte de amar. Tradução de Dúnia Marinho da Silva. Porto Alegre: L&PM,
2001.
PAZ, O. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. (Ensaios literários)
______. Os filhos do barro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
______. A chama dupla, amor e erotismo. Lisboa: Assírio &Alvim, 1995.
PLATÃO. Diálogos; Ménon, Banquete, Fedro. Rio de Janeiro: Ed.de Ouro, s /d.
ROUGEMONT, D. de. História do amor no Ocidente. São Paulo: Ediouro, 2003.
______. Lesmythes de l’amour. Paris: Gallimard, 1961.
ROZÁRIO, D. Nuno Júdice. In:___. Palavra de poeta - Portugal. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1994. p. 279-293.
SARAIVA, A. J. Introdução. In GARRET, A. Folhas caídas e outros poemas. Lisboa:
Livraria Clássica Editora, 1943, p. 5 -26.
______; LOPES, O. História da literatura portuguesa. 17. ed., corrigida e atualizada.
Porto: Porto, [s.d.].
SPINA, S. (Org.). Do formalismo estético trovadoresco. São Paulo: FFCL/USP, 1966.
SCHOEPFLIN, Maurizio (Org). O amor segundo os filósofos. Trad. Antonio
Angonese. São Paulo: EDUSC, 2004.
STAIGER, E. Estilo lírico: a recordação. In:___. Conceitos fundamentais de poética.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975, p. 19-75.
SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do amor. Trad. Pietro Nasseti. São
Paulo: Martin Claret, 2002.
SIMMEL, Georg. Filosofia do amor. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 1993.
VIEGAS, F. J. Nostalgia e contemporaneidade: a poesia de Nuno Júdice. In SEIXO,
Maria Alzira (org.). Poéticas do século XX. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p. 215220.
ZAMONARO, Clarice C.; RODRIGUES, Milton H. Operadores de leitura da poesia. In
BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana. Teoria literária; abordagens históricas e
tendências contemporâneas. 2.ed. ver. e ampl. Maringá, PR: Ed. da Universidade
Estadual do Paraná, 2005. p. 57-89.
95
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
O ESQUECIDO DANTE MILANO: AS POESIAS E A POÉTICA DE SEU
ESQUECIMENTO
Bruno Darcoleto Malavolta
Mestrando
Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan (Or.)
Neste primeiro semestre, a pesquisa focou a ampliação de seu arsenal teórico,
adquirido no decorrer das duas disciplinas cursadas: “Mito e poesia”, ministrada pelo
Prof. Dr. João Batista de Toledo Prado, e “Seminários de orientação”, ministrada pelo
Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires.
Com relação a esta última, o debate viabilizou a revisão do projeto, a
confirmação da validade de algumas propostas exegéticas tomadas como fulcro de
leitura, e a reavaliação da intenção de se estudar, além da poesia, a obra crítica de Dante
Milano; decidimos que, ao invés de metodicamente debruçar-se sobre tal conteúdo,
seria mais interessante lançá-lo à mão sempre que isso aqueça a discussão dos poemas,
mas que encará-lo como corpus seria fugir demasiado de nosso foco primevo: o Poesias
é que deve ser analisado, pois que isso configura corpus mais que suficiente para esta
dissertação, e não podemos cair no risco de trabalhá-lo com a mão frouxa. Novas
leituras foram feitas e adensarão as discussões futuras, como o capítulo dedicado à
poesia e pensamento do Este ofício do verso, de Jorge Luis Borges, que é questão
fundamental em Dante.
Já a primeira disciplina, “Mito e Poesia”, abriu novas veredas para este
estudo, até então amparado apenas pelo arsenal de crítica de lírica. Dante Milano é um
escritor marginal sui generis: ou seja, inclassificável. Na verdade, somente quem
conhece a fundo a sua poesia é que poderá compreender a força e a profundidade desta
sentença: eis a dificuldade em se falar do poeta-esquecido; ao mesmo tempo, eis a
relevância de fazê-lo. Acontece que, como levanta Ivan Junqueira, Dante é o poeta de
“irrepreensível unidade” (2007, p.XXIV). Esta unidade advém de uma cosmogonia:
ética e estética, aqui, estão intrínsecas, não apenas como o produto poético final, mas
como poética onde o pensamento penetra como tópica, ritmo, ethos e essência, por fim;
nas palavras de Sérgio Buarque de Holanda, “seu pensamento é de fato sua forma.”
(HOLANDA apud MILANO, 1973, p.8); ou, para Ivan Junqueira, Dante é o poeta do
“pensamento emocionado” (2007, p.XIX).
96
Descrição das pesquisas
Observamos a poesia pensativa de Dante Milano de posse de uma chave
exegética: o correlativo objetivo eliotano. Dante compõe um paideuma de imagens
universalizantes. É com a dureza clássica que olhará para o mundo a seu redor: no
decorrer do Poesias vemos o eu-lírico imerso em uma paisagem universal, não datada,
que fornece a este uma experiência totalizante: uma cidade do mundo e do cosmos. É
nos índices naturais ou artificiais dessa cidade que se moverão os poemas. O eu-lírico
do Poesias é um arguto observador desses índices, e, à maneira do filósofo antigo, neles
adivinha sua filosofia e sua perplexidade. É este, por fim, o correlativo objetivo de
Dante, cujo pensamento é capaz de metamorfosear-se em objeto, sem perder sua
densidade reflexiva (antes, adensa-a). Assim, é com essa força que o poeta se
aproximará de um grotesco de cunho alighieriano e de um surrealismo antigo. E é nesse
ponto que faremos uma nova reflexão em nível teórico.
Desde cedo ficou claro que, por uma questão de honestidade intelectual, era
necessário e urgente entrar pelas veredas de “um certo surrealismo” (já apontadas por
Ivan Junqueira), notadamente em alguns pontos da obra de Dante Milano. Porém, que
surrealismo seria este, posto que “tantos há” e que um largo braço da academia ainda vê
o surrealismo como algo essencialmente bretoniano? É preciso se achegar ao próprio
Breton, que disse que o surrealismo sempre houve: Bosh, Dürer, João Evangelista,
Carrol, entre muitos. Mas isso não basta: folheando a Divina Comédia, vemos o
grotesco do imaginário pagão e medieval escorregar muitas vezes para o campo do
surreal, para o mundo avesso das coisas, que não poderiam ser, e entretanto o são logo
podemos nomear ou inomear (evocar) sua existência. Contra isso, ainda, contrasta o
olhar duro e severo do homem clássico: “eu vi, de olhos despertos” (MILANO, 1973,
p.117), dirá Dante Milano em seu soneto mais surrealista, intitulado “Metamorfoses”,
que seguirá dizendo:
Sonho maior que o sonho de quem dorme,
Eu vi, de olhos despertos, fabulosas
Metamorfoses, conexões monstruosas
Entre o olhar e a aparência multiforme.
Eu vi o que a luz expele e a sombra engole.
Vi como na água o corpo em si se enrola,
Quebra-se o torso, a perna se descola
E os braços se desmancham na onda mole.
Vi num espelho alguém cujo reflexo
O transformava noutra criatura.
E num leito de amor já vi perplexo
Seios com olhos! e mudar-se a dura
97
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Nuca em anca, o ombro em joelho, a axila em sexo,
O dorso em coxa, o ventre em fronte pura.
Sequiosos de dar conta desta vereda (que conflui na mesma direção de nosso
olhar: poesia do pensamento, perplexidade e esquecimento), vimos na obra A
imaginação simbólica, de Gilbert Durand, a oportunidade de discutir essas imagens, não
com o arsenal teórico apenas lírico, mas emprestando recursos da mito-crítica. Aqui,
Durand revela-se interessante para nós por considerar a imaginação simbólica o
pensamento humano por excelência: para Durand, as escolas racionais do peripatetismo
e cartesianismo são tão somente uma redução da imaginação simbólica a superretóricas: e é este poder imaginativo-imagético que dá ao homem a capacidade de,
através de imagens, organizar sua afetividade (e aqui Freud, para ele, perde força por
enxergar as imagens cristalizadas no id, principalmente as da infância, como neuroses, e
não como força de equilíbrio). Por fim, a imaginação simbólica tem a função de
redescobrir o homem – e Durand fala mesmo em uma teofania, um ecumenismo
universal e uma remitificação do homem. Não se distancia de Paz, no capítulo “La outra
orilla” de El arco y La lira, em que este sustenta, justamente, a necessidade de um salto
mortal para se chegar à outra margem; e este chegar lá é, em verdade, chegar aqui, em
si. E, assim, voltar a ser.
Pois bem: este caminho interessa para pensarmos Dante: voltar a ser. Sua poesia,
de gesto eminentemente ocidental, cuja raiz clássica empresta o siso da dura escola de
Dante Alighieri, descobre no mestre antigo, e em si mesmo, a rudeza e crueza como
ferramentas de humanização/poetização: este o motivo pelo qual seria absurdo
enquadrar Dante Milano nos apertados moldes da geração de 45. Não se trata, nunca,
este “classicismo”, de um classicismo de gabinete, como é sempre qualquer reprodução
por modismo do modelo clássico. Dante pertence à geração de 30, ou seja, a uma
geração de poetas altamente individuais. Estes aspectos de crueza descritiva, coados
pela clareza clássica, dão o tom de seu gênio, assim como foi o humanismo de Alighieri
ou o maneirismo de Camões: estéticas irredutíveis, de difícil nomeação. Somando-se
isso aos veios de modernidade idiossincrática que percorrem a obra do poeta, em
especial o tomo “Terra de ninguém”, somos obrigados a reconhecer nele um poeta
universal e um homem de seu tempo – posto que essas duas condições não prescindem,
mas precisam uma da outra.
98
Descrição das pesquisas
Afunilando novamente a questão do surrealismo, daremos nesse momento
passos em direção a utilizar a mito-crítica para repensar a poesia de Dante de forma una:
não por um desejo da concisão, mas para atender àquela “irrepreensível unidade” em
que falou Ivan Junqueira. Posto que o mito comporta o real, o suprarreal, o surreal e o
irreal, parece-nos interessante conduzir Dante por esse caminho: lembramos aqui que as
tônicas de nossa exegese são pensamento, perplexidade e esquecimento. Essas atitudes
são tomadas frente ao mundo real, mas não necessariamente se desdobrarão em
realismo: para um poeta clássico, o realismo é ferramenta de linguagem e visão do
mundo; o “realismo” de um René Magritte, entretanto, encerra em si o surreal vedado.
Em um artista como De Chirico o mito é força de equilíbrio afetivo com que o artista
elabora sua autonarrativa: pensamos que o mesmo ocorre com Dante. Este arguto
observador da natureza, que é seu eu-lirico, busca a si todo o tempo. E nas imagens a
sua volta se reencontra e se reequilibra – se a unidade é irrepreensível o equilíbrio
também deve ser.
Por fim, de posse de autores como Durand e Cassier (e outros, como Antônio
Donizeti Pires, que enquadrou Dante Milano na tradição órfica pela sua estupenda
“Elegia de Orfeu”), no trabalho da metáfora e da poética do ponto de vista da mitocrítica, daremos início a essa nova jornada deste trabalho: situar o olhar desejante de
Dante Milano numa cosmogonia, onde a ocorrência do real (MILANO, 1973, p.32):
Pedra, coisa no chão, face parada,
Indiferente à carícia da mão,
Figura inerte que não sente nada,
Corpo que dorme e a que me abraço em vão.
do irreal (MILANO, 1973, p.67):
De tão lúcido, sinto-me irreal.
do superreal (MILANO, 1973, p.117):
Eu vi o que a luz expele e a sombra engole.
Vi como na água o corpo em si se enrola,
Quebra-se o torso, a perna se descola
E os braços se desmancham na onda mole.
e do surreal (MILANO, 1973, p.117):
99
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
E num leito de amor já vi perplexo
Seios com olhos! e mudar-se a dura
Nuca em anca, o ombro em joelho, a axila em sexo,
O dorso em coxa, o ventre em fronte pura.
acomodem-se suavemente numa totalidade, e não numa anulação irônica das partes.
Assim nos pede o poeta que foi tão rígido com a confecção de seu único cancioneiro, o
Poesias. Encerramos esta etapa do trabalho, portanto, abrindo um novo veio, sem fechar
aquele que sempre falará mais alto: a crítica de poesia, e a análise dos poemas.
Bibliografia
BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. In: ____. Poesia Completa & Prosa.
São Paulo: Nova Aguilar, 1985.p. 33-102
BORGES, Jorge L. Ficções. São Paulo: Globo, 2005.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BRETON,
André.
Manifesto
do
Surrealismo.
Disponível
em:
<http://www.culturabrasil.org/breton.htm>. Acesso em: 14 nov. 2011.
CAMPOS, Paulo Mendes. O antilirismo de um grande poeta brasileiro. In: Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 29/01/1972.
CICERO, Antonio. Poesia e Filosofia. In: ____. Finalidades sem fim. São Paulo: Cia
das Letras, 2005.
____. Poesia e filosofia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Tradução de Carlos Aboim de Brito.
Lisboa: Edições 70, 1995.
ELIOT, T.S. Selected Prose of T.S. Eliot: edited with an Introduction by Frank
Kermode. By T.S. Eliot. Nova Iorque: Farrar, Straus and Giroux, 1975.
HOLANDA, S. Buarque de. Mar enxuto. In: Milano, Dante. Poesias. Rio de Janeiro:
Sabiá, 1973. p.77-103.
JUNQUEIRA, Ivan. Dante Milano: o pensamento emocionado. In: Milano, Dante.
Obra Reunida. Organização de Sérgio Martagão Gesteira e introdução de Ivan
Junqueira. Rio de Janeiro: ABL, 2004. p.XIX-L.
____. Dante Milano: poeta do pensamento. In: ____ À sombra de Orfeu. Rio de
Janeiro: Nórdica, 1984. p.77-102.
KLINGSÖHR-LEROY, Cathrin. Surrealismo. Hohenzollernring: Taschen, 2007.
LAFALCE, Luiz Camilo. Pedra e sonho: a construção do sujeito lírico na poesia de
Dante Milano. 2006. 220 f. Tese (Doutorado em Letras) – Departamento de Letras
clássicas e vernáculas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo. 2006.
MILANO, Dante. Obra Reunida. Organização de Sérgio Martagão Gesteira e
introdução de Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: ABL, 2004.
_____. Poesias. Rio de Janeiro: Sabiá/MEC, 1973.
NADEAU, Maurice. História do Surrealismo. São Paulo: Perspectiva (Debates), 2008.
NEVES, Thomaz Albornoz. Um certo Dante. 1996. 256 f. Dissertação (Mestrado em
Letras) – Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. 1996.
100
Descrição das pesquisas
VALÉRY, Paul. Poesia e pensamento abstrato. In: ____. Variedades. Tradução de
Maiza Martins de Siqueira. São Paulo: Iluminuras, 1999. p.193-210.
OLIVEIRA, Franklin de. Literatura e civilização. SP/RJ/BsB: Difel INL (MEC),
1978.
PAZ, Octavio. El arco y la lira. El poema, La revelación poética, poesia e historia /
3ª ed. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 2010.
____. Signos em Rotação. São Paulo: Perspectiva (Debates), 2006.
PIRES, Antônio Donizeti. A visita de Dante Milano a Orfeu. In: SANTINI, Juliana
(organizadora). Literatura, crítica leitura. Uberlândia: EDUFU, 2011. p.113-140.
____. O poeta Ronald de Carvalho: irônico e sentimental? In: Revista Ciências e
Letras, Porto Alegre, n. 39, p.114-132, jan./jun. 2006. Disponível em:
<http://www.fapa.com.br/cienciaseletras/publicacao.htm>. Acesso em: 14 nov. 2011.
REDMOND, Willian Valentine. O Processo Poético Segundo T.S. Eliot. São Paulo:
Annablume, 2000.
WORDSWORTH, Willian. Preface to Lyrical Ballads. In: ____; COLERIDGE, Samuel
T. Lyrical Ballads and other poems. With an introduction and notes by Martin
Scofield. London: Wordsworth Editions Limited, 2003.
101
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
“TUDO TINHA DE SEMELHAR UM SOCIAL”:
AS RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E SOCIEDADE NA RECEPÇÃO
CRÍTICA DE GRANDE SERTÃO: VEREDAS
Candice Angélica Borborema de Carvalho
Mestranda – Bolsista CNPq
Profa. Dra. Maria Célia de Moraes Leonel (Or.)
Ancoradas em linhas teóricas e metodologias diversas, as leituras críticas acerca
da obra de Guimarães Rosa, neste mais de meio século decorrido desde que o escritor
surgiu na cena literária com Sagarana (de 1946), têm sido elaboradas e reelaboradas.
Tais abordagens – fruto da irradiação da obra rosiana pelos mais diferentes veios
interpretativos – permitiram que se ampliasse a compreensão da produção ficcional do
escritor mineiro para além dos limites iniciais da crítica.
No caso de Grande sertão: veredas (de 1956), as leituras desdobraram-se de tal
modo que contamos hoje com um quadro crítico bastante vasto, de forma que é cabível
sistematizarem-se as múltiplas perspectivas de interpretação do romance em diferentes
vertentes analíticas e metodológicas – pesquisas linguísticas e estilísticas; análises de
estrutura e composição de gênero; crítica genética; estudos esotéricos e metafísicos;
interpretações sociológicas, históricas e políticas, dentre outras.
Voltando-se às abordagens críticas atreladas à corrente interpretativa
sociológica, historiográfica e política de Grande sertão: veredas, o propósito deste
estudo consiste em examinar o tratamento dado à historicidade do romance por tais
abordagens. Em outros termos, propõe-se investigar (de uma perspectiva crítica e
histórica) como se dimensiona, no curso de tal direcionamento crítico, a oposição entre
literatura e sociedade. Alentados pela possibilidade de paralelismo entre a obra rosiana e
a historiografia, os estudos pertencentes à referida linha hermenêutica vêm
paulatinamente, sobretudo neste século, ampliando as relações funcionais entre estrutura
social e composição literária ao encarar obra, principalmente, como romance-ensaio
e/ou como alegoria político-histórica do Brasil.
Com raízes fixadas nas proposições encetadas no ensaio de Antonio Candido
(2006) de 1957 – “O sertão e o mundo” (posteriormente intitulado “O homem dos
avessos”) –, o veio crítico sociológico, historiográfico e político de Grande sertão:
102
Descrição das pesquisas
veredas é inaugurado na década de 1970 pelo estudo de Walnice Nogueira Galvão
(1972). Em As formas do falso, amparando-se teoricamente em obras capitais da
historiografia, economia e ciências sociais brasileiras (como as de Oliveira Vianna, Caio
Prado Júnior, Rui Facó e Maria Isaura Pereira de Queirós), a ensaísta procede à
investigação do universo descrito no romance e assegura que a obra de Guimarães Rosa
– que “dissimula a História para melhor desvendá-la” – constitui o “[...] mais profundo
e mais completo estudo até hoje feito sobre a plebe rural brasileira” (GALVÃO, 1972,
p.63, p.74).
Depois de duas décadas de isolamento, a orientação crítica introduzida pelo
trabalho de Walnice Nogueira Galvão (1972) foi retomada enfaticamente em meados
dos anos 1990 por, entre outros, Heloisa Starling (Lembranças do Brasil: teoria, política,
história e ficção em Grande sertão: veredas, 1999), Willi Bolle (grandesertão.br: o
romance de formação do Brasil, 2004) e Luiz Roncari (O Brasil de Rosa: mito e história
no universo rosiano: o amor e o poder, 2004), os quais, ampliando as dimensões
históricas e sociológicas do romance, reinterpretam-no, em níveis distintos, como a
representação alegórica do Brasil.
Uma vez esboçado, em linhas gerais, o percurso das interpretações sociológicas,
historiográficas e políticas de Grande sertão: veredas, que são a matéria desta
investigação, vejamos o plano de desenvolvimento da pesquisa. Através da demarcação
das partes que alicerçam a então abordagem, procuramos – além de esclarecer com rigor
os pressupostos e fixar os critérios em causa – mostrar sumariamente os resultados
atingidos e delinear os objetivos a serem alcançados.
Em seu estágio atual, o presente estudo compõe-se de quatro capítulos (cada
qual subdividido em diversos segmentos articulados). Como base para o exame da
crítica rosiana, o primeiro capítulo concentra-se, inicialmente, em apresentar uma
revisão da trajetória histórica da crítica literária, buscando delimitar algumas de suas
acepções fundamentais. Seguindo uma linha cronológica, situamos as origens da crítica
literária na Idade Média; mostramos sua cristalização no campo das ciências humanas
ao longo da modernidade; chegando ao debate mais atual, trazemos à tona formulações
e teorias que se aglutinam em torno dos aspectos principais e das funções da crítica
literária na contemporaneidade.
Na sequência, traçamos um panorama amplo da crítica literária no Brasil,
estabelecendo como recorte o intervalo entre os anos 1940 e os dias atuais (período que
contextualiza a recepção crítica da obra de Guimarães Rosa). Buscou-se registrar as
103
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
principais mudanças e tendências ocorridas do terreno da crítica ao longo dos últimos
setenta anos, salientando que a segunda metade da década de 1940 (coincidindo com o
momento da publicação de Sagarana) marca o deslocamento da crítica realizada nos
jornais (a chamada crítica de rodapé, em que se sobressai o nome de Álvaro Lins) para a
crítica institucionalizada. “Esta começa a mostrar os efeitos do ensino superior de letras,
que motivou a sistematização da pesquisa, com o aumento do número de monografias;
de tal modo que a partir da década de 1960 a crítica dos universitários tornou-se
modalidade predominante.” (CANDIDO, 2007, p.114). Acrescente-se que, na década de
1940, Antonio Candido despontava no cenário crítico brasileiro (em 1945 é publicada
Brigada ligeira – primeira coletânea de artigos do crítico).
Cabe destacar que a investigação dos caminhos trilhados historicamente pela
crítica literária permite-nos enxergá-la como um processo dinâmico e entender que “[a]s
censuras ou os louvores que fazemos a tipo de pensamento somente têm sentido quando
procuramos situá-lo no tempo em que floresceu.” Dessa maneira, “[...] em cada
pensamento e em cada ato do homem teremos dois aspectos a julgar: a sua vitalidade
em face da corrente geral da história, e a sua validade em relação ao momento limitado
que o viu manifestar-se.” (CANDIDO, 1988, p.113).
Como este trabalho enfoca a oposição entre literatura e sociedade, fixamo-nos de
modo mais detido (ainda no primeiro capítulo) no pensamento crítico de Antonio
Candido, assinalando, primeiramente, as ideias matrizes vinculadas à concepção de
historicidade literária firmadas em Formação da literatura brasileira (CANDIDO, 2009),
escrita entre 1945 e 1957, mas publicada apenas em 1959; em seguida, procuramos
apurar em pormenor as considerações metodológicas acerca das relações funcionais
entre estrutura social e composição da obra literária amadurecidas por Antonio Candido
(2000) nos ensaios enfeixados em Literatura e sociedade, cuja primeira edição é de
1965. Cumpre dizer que, nessa direção, valemo-nos também das leituras do prefácio de
O discurso e a cidade (CANDIDO, 2004c, p.9-14) e de “A literatura e a formação do
homem” (CANDIDO, 2002a, p.77-92), onde o crítico volta a tratar da relação entre
literatura e sociedade. Todos esses aspectos levantados e debatidos no primeiro capítulo
nos serviram de substrato para que pudéssemos nos dirigir à recepção crítica de Grande
sertão: veredas.
No segundo capítulo, inclinamo-nos (em um primeiro momento) à averiguação
dos estudos existentes sobre o romance, apurando a profusão de leituras que constituem
a fortuna crítica do escritor, contextualizando o surgimento de tais leituras e
104
Descrição das pesquisas
sistematizando-as em diferentes vertentes analíticas e metodológicas. Em seguida,
debruçamo-nos sobre os escritos de Antonio Candido (1989a, 1989b, 2002b, 2002c,
2004b, 2006) dedicados à obra rosiana. As leituras das resenhas de Sagarana
(CANDIDO, 2002b) e de Grande sertão: veredas (CANDIDO, 2002c) – publicadas
originalmente em 1946 e 1956 – foram seguidas por um exame rigoroso do ensaio
seminal do crítico sobre o romance de Guimarães Rosa – “O homem dos avessos”
(CANDIDO, 2006). Procurou-se aprofundar a compreensão das bases que alicerçam o
cerne da interpretação crítica de Antonio Candido voltada à ficção rosiana: a dialética
entre o local e o universal, ou como explicita Alfredo Bosi (2002, p.48, grifo do autor),
as “[...] instâncias míticas pelas quais Guimarães Rosa penetrou no real natural e
histórico, o Sertão, descrevendo-o, transfigurando-o, interpretando-o, universalizandoo.” Essa visada crítica sobre Grande sertão: veredas (firmada na integração dialética
entre localismo e universalismo) se lança como estofo nos demais ensaios de Antonio
Candido (1989a, 1989b, 2004b) acerca da produção ficcional rosiana e alicerça o
conceito de “superregionalismo” com que o crítico (CANDIDO, 1989b, p.162) definiria
a obra de Guimarães Rosa1.
No terceiro capítulo, enfocamos As formas do falso. Baseando-se no pressuposto
de que a configuração de Grande sertão: veredas está centrada na ambiguidade –
aspecto enfatizado por Antonio Candido (2006, p.124-125) em “O homem dos avessos”
–, Walnice Nogueira Galvão (1972, p.13) constrói sua abordagem do romance por
intermédio da articulação de duas instâncias: “matéria historicamente dada” e “matéria
imaginária” (entendidas como planos imbricados e complementares). A primeira é a
matéria do sertão: as condições sociais, econômicas e políticas vigentes no meio rural
brasileiro. A investigação da representação de todos esses aspectos na obra rosiana é
desenvolvida na primeira parte do ensaio: “A condição jagunça” (GALVÃO, 1972,
p.17-47). A segunda dimensão (“matéria imaginária”) é abordada na segunda parte do
estudo: “A forjadura das formas do falso” (GALVÃO, 1972, p.51-74). Diz-nos Walnice
Nogueira Galvão (1972, p.52): por ser o sertão o substrato do romance, o imaginário do
sertão – “matéria imaginária [...] que está entranhada na própria matéria” – passa a ser
também parte de sua representação. Observemos que, de acordo com a ensaísta, em
nenhum momento Grande sertão: veredas desvale o “compromisso com a realidade”
1
Consonando com as proposições de Antonio Candido, Alfredo Bosi (2007, p.392) classifica a obra
rosiana como “romance de tensão transfigurada” à medida que força os “limites do gênero romance” e
toca a “poesia” por meio da “transmutação mítica ou metafísica da realidade”.
105
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
(GALVÃO, 1972, p.37). É desse prisma que se procura compor a representação do
imaginário popular do sertão no romance associando-a ao conceito de medievalização,
ou seja, à presença da cultura medieval (dos elementos legendários que remontam às
novelas de cavalaria) na mitologia do cangaço. Na terceira e última parte do ensaio – “O
ponteador de opostos” (GALVÃO, 1972, p.77-132) –, a ensaísta examina o perfil (e a
condição
ambígua)
do
narrador-protagonista
do
romance:
“jagunço-letrado”
(GALVÃO, 1972, p.77). Eis um dos pontos fulcrais desenvolvidos em As formas do
falso.
No quarto capítulo, voltamo-nos às interpretações do romance de Guimarães
Rosa norteadas pela concepção de alegoria. Iniciamos por grandesertão.br: o romance
de formação do Brasil de Willi Bolle (2004)2. Alicerçado em categorias e conceitos de
Walter Benjamin, o ensaísta propõe fazer uma releitura da história das estruturas sociais
e políticas do país por intermédio de Grande sertão: veredas. Seu alvo é mostrar que a
representação do Brasil na obra rosiana está centrada em um “problema antigo e atual”
da nação: “a ausência de um verdadeiro diálogo entre os donos do poder e o povo”, o
que constitui um sério obstáculo para a “plena emancipação do país” (BOLLE, 2004,
p.17). Por outros termos, objetiva-se revelar que, através do romance rosiano – que se
configura como uma “forma de pesquisa” e um “organon da História”, valendo-se de
termos respectivamente de Antonio Candido (2009, p.432) e Walter Benjamin3 –, “[...] a
realidade histórico-social do país é iluminada por uma qualidade específica de
conhecimento que, desse modo, não se encontra em nenhum outro tipo de discurso.”
(BOLLE, 2004, p.22).
Observemos que se trata de um esforço hermenêutico, não apenas no sentido de
averiguar como se constrói a relação entre literatura e sociedade, mas de assegurar, com
base nessa oposição, que é possível desenvolver uma historiografia a partir da obra
literária na instância de sua recepção (um dos aspectos centrais do conceito de
historiografia alegórica de Walter Benjamin e o eixo em torno do qual orbitam as
concepções de crítica bejaminiana).
2
O ensaio resulta de uma série de artigos (BOLLE, 1990, 1994-95, 1997-98, 1998, 1999, 2001, 2002)
dedicados à investigação de Grande sertão: veredas.
3
A expressão benjaminiana “organon da História” implica, como esclarece W. Bolle (2000, p.107) em
Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter Benjamin, utilizar a literatura
como uma “forma de historiografia”. Tal concepção é desenvolvida por W. Benjamin em
“Literaturgeschichte und Literaturwissenschaft”; a referência se encontra em W. Bolle (2000, p.107, nota
9, p.403).
106
Descrição das pesquisas
Estabelecidos como pontos de partida a “situação narrativa” e o “trabalho do
narrador” – considerados a “modelização artística” do mencionado problema (a
ausência de diálogo entre as classes) –, a interpretação incorpora os demais “elementos
constitutivos do romance”: o sertão, a jagunçagem, o diabo, Diadorim, a representação
da sociedade e a invenção da linguagem. Todas essas instâncias são examinadas de
modo a integrarem-se e/ou a convergirem àquilo que o ensaísta define como o escopo
de sua investigação: a leitura de Grande sertão: veredas como um “retrato do Brasil”
(BOLLE, 2004, p.22)4.
Dedicado a construir tal leitura, o autor alega que Guimarães Rosa teria
organizado sua “narração em forma de uma imensa rede labiríntica”, em que a história
do país estaria encenada por meio de “fragmentos esparsos” e de modo cifrado, cabendo
ao leitor identificar e reorganizar tais fragmentos. “Essa rede ficcional serve de medium
para observar e investigar a rede dos discursos sobre o país.” (BOLLE, 2004, p.9). Para
deslindar tais discursos supostamente enredados à trama ficcional e mostrar que a obra
rosiana é uma “história criptografada do Brasil” (BOLLE, 2004, p.336), o intérprete
recorre ao exame constrastivo do romance com alguns dos consagrados textos voltados
à constituição da sociedade brasileira e de suas estruturas justificando que “[...] a
qualidade da representação rosiana do país só pode ser avaliada devidamente através de
uma análise comparada.” (BOLLE, 2004, p.23).
Ao situar Grande sertão: veredas no contexto dos ensaios de formação do Brasil
(cânone das interpretações do país elaboradas ao longo do século XX, sobretudo entre
os decênios de 1930 e 1950), lembrando que o romance também foi publicado na
década de 1950, Willi Bolle (2004, p.24) tenciona demonstrar que a narrativa rosiana –
com um “potencial teórico sui generis” – “[...] ocupa em relação àquelas obras
canônicas uma posição complementar e concorrente.” Por outras palavras, trata-se de
legitimar, por meio do contraste entre ficção e ensaio, que o romance (justamente por
conta das características que lhe são intrínsecas) rivaliza-se com historiografia e assume
condições de vantagem em relação a ela quanto à representação da realidade do país. “A
expectativa deste ensaio é poder avaliar, no final, a contribuição específica do romance
de Guimarães Rosa ao conjunto dos retratos do Brasil”, afirma o estudioso (BOLLE,
2004, p.26).
4
Ver “Zur Vermittlung von Stadt- und Sertão-Kultur im Werk von Guimarães Rosa” (BOLLE, 1990) e
“Grande sertão: cidades” (BOLLE, 1994-95). Nesses dois artigos, o ensaísta esboça as diretrizes de sua
interpretação do romance rosiano como um retrato do Brasil.
107
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Em direção a esse fundamento movimentam-se concentricamente os eixos
interpretativos e analíticos de grandesertão.br: o romance de formação do Brasil.
Retoma-se, nessa linha, o conceito convencional atribuído ao gênero Bildungsroman
(cujo paradigma é Wilhelm Meister de Goethe) para mostrar que a narrativa de
Guimarães Rosa, mais do que um romance centrado no indivíduo, tem a dimensão de
um “romance social” por apresentar “elementos básicos da formação do país” (BOLLE,
2004, p.413). Como se vê, o sumo da visada crítica de que estamos tratando pauta-se na
mediação entre duas instâncias genéricas: ficção e ensaio. Estreitando as relações entre
esses termos, busca-se romper a antítese (ainda muito infundida nas ciências humanas)
que coloca, de um lado, a “arte como reserva de irracionalidade” e identifica, de outro
lado, o “conhecimento como ciência organizada”, ancorando-nos nas palavras de
Adorno (2003, p.15). Com esse propósito, estabelece-se ao longo de todos os capítulos
da abordagem em pauta um confronto ininterrupto entre Grande sertão: veredas e os
principais títulos da tradição ensaística brasileira do século XX.
Explicite-se que estamos em fase de elaboração da investigação de O Brasil de
Rosa de Luiz Roncari (2004) e de Lembranças do Brasil de Heloisa Starling (1999). Ao
final do exame dessas leituras, procuraremos debater dialogicamente o modo e as
implicações cristalizadas no curso das interpretações sociológicas, históricas e políticas
de Grande sertão: veredas.
Bibliografia
ADORNO, T. W. Notas de literatura I. Tradução e apresentação de Jorge de Almeida.
São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003. (Coleção espírito crítico).
BENJAMIN, W. Sobre o conceito de história. In:______. Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Paulo Sérgio
Rouanet, revisão técnica de Márcio Seligmann-Silva, prefácio de Jeanne MarieGagnebin. 8.ed. revista. São Paulo: Brasiliense, 2012. (obras escolhidas I).
______. Passagens. Edição alemã de Rolf Tiedemann, organização da edição brasileira
de Willi Bolle, colaboração de Olgária Chain Féres Matos, tradução do alemão de Irene
Aron, tradução do francês de Cleonice Paes Barreto Mourão, revisão técnica de Patrícia
de Freitas Camargo e posfácios de Willi Bolle e Olgária Chain Féres Matos. Belo
Horizonte: Ed. UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.
______. Rua de mão única. Tradução de R. R. Torres Filho e J. C. M. Barbosa. São
Paulo: Brasiliense, 1995. (obras escolhidas II).
______. Origem do drama barroco alemão. Tradução apresentação e notas de Sergio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BIZZARRI, E. João Guimarães Rosa: correspondência com seu tradutor italiano
Edoardo Bizzarri. 2.ed. São Paulo: T.A. Queiroz: Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro,
1980.
108
Descrição das pesquisas
BOSI, A. Por um historicismo renovado: reflexo e reflexão em história literária.
In:______. Literatura e resistência. São Paulo: Cia das Letras, 2002. p.7-53.
______. História concisa da literatura brasileira. 44.ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
BOLLE, W. grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas
Cidades; Ed. 34, 2004. (Coleção Espírito Crítico).
______. Representação do povo e invenção da linguagem em Grande sertão: veredas.
Scripta, Belo Horizonte, v.5, n.10, p.352-366, 2002.
______. grandesertão.br ou: a invenção do Brasil. In: MADEIRA, A.; VELOSO, M.
(Org.). Descobertas do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2001, p.165-235.
______. Fisiognomia da metrópole moderna: representação da história em Walter
Benjamin. 2.ed. São Paulo: Edusp, 2000.
______. O sertão como forma de pensamento. In: Andrade, A. L.; BARROS, M. L. C.;
ANTELO, R. (Org.). Leituras do ciclo. Florianópolis: ABRALIC; Chapecó: Grifos,
1999, p.255-266.
______. Guimarães Rosa, leitor de Euclides da Cunha, Brasil/Brazil, Porto
Alegre/Providence, ano 11, n.20, p.9-4, 1998.
______. O pacto no Grande sertão – esoterismo ou lei fundadora? Revista USP, São
Paulo, n.36, p.27-44, dez.1997-fev,1998.
______. Grande sertão: cidades. Revista USP, São Paulo, n.24, p.80-93, dez. 1994fev.1995.
______. Zur Vermittlung von Stadt- und Sertão-Kultur im Werk von Guimarães Rosa.
Wissenschaftliche Zeitschrift der Humboldt-Universität zu Berlin, ano 39, n.5,
p.429-435, 1990.
______. Fórmula e fábula: tese de uma gramática narrativa, aplicada aos contos de
Guimarães Rosa. São Paulo: Perspectiva, 1973.
CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 12.ed. São
Paulo: Fapesp; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2009.
______. Iniciação à literatura brasileira. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007.
______. O homem dos avessos. In: ______. Tese e antítese. 5.ed. Rio de Janeiro: Ouro
sobre Azul, 2006. p.111-130.
______. Brigada ligeira. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2004a.
______. Jagunços mineiros de Cláudio a Guimarães Rosa. In: ______. Vários escritos.
4.ed. São Paulo: Duas Cidades; Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004b. p.99-124.
______. Prefácio. In: ______. O discurso e a cidade. 3.ed. São Paulo: Duas Cidades;
Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004c. p.9-14.
______. A literatura e a formação do homem. In: ______. Textos de intervenção. São
Paulo: Duas Cidades, 2002a. p.183-189.p.77-92.
______. Notas de crítica literária – Sagarana. In: ______. Textos de intervenção. São
Paulo: Duas Cidades, 2002b. p.183-189.
______. No Grande sertão. In: ______. Textos de intervenção. São Paulo: Duas
Cidades, 2002c. p.190-192.
______. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000. (Coleção Grandes
Nomes do Pensamento Brasileiro).
______. A nova narrativa. In: ______. A educação pela noite. São Paulo: Ática, 1989a.
p.199-215.
______. Literatura e subdesenvolvimento. In: ______. A educação pela noite. São
Paulo: Ática, 1989b. p.140-162.
______. O método crítico de Sílvio Romero. São Paulo: Edusp, 1988.
CHIAPPINI, L.; VEJMELKA, M. (Org.). Espaços e caminhos de João Guimarães
Rosa: dimensões locais e universalidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
109
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
CUNHA, E. Os sertões. São Paulo: Brasiliense; Secretaria de Estado da Cultura, 1985.
(Edição crítica de W. N. Galvão).
FINAZZI-AGRÒ, E. Um lugar do tamanho do mundo: tempos e espaços da ficção de
João Guimarães Rosa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
FRYE, N. Anatomia da crítica. Tradução de Péricles Eugênio da Silva Ramos. São
Paulo: Cultrix, 1973.
GAGNEBIN, J. M. Origem da alegoria, alegoria da origem. Folha de S. Paulo. 9 dez.
1984. Folhetim, n.412 (Walter Benjamin). p.8-10.
______. A propósito do conceito de crítica em Walter Benjamin. Discurso, São Paulo,
FFLCH-USP, n.13, p.219-230, 1980.
GALVÃO, W. N. Ler Guimarães Rosa hoje: um balanço. In: CHIAPPINI, L.;
VEJMELKA, M. (Org.). Espaços e caminhos de João Guimarães Rosa: dimensões
locais e universalidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. p.13-24.
______. Mínima mímica. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
______. Mitológica rosiana. São Paulo: Ática, 1978.
______. As formas do falso: um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão:
veredas. São Paulo: Perspectiva, 1972. (Coleção Debates, 51).
GARBUGLIO, J. C. Rosa em dois tempos. São Paulo: Nankin, 2005.
GINZBURG, J. Crítica em tempos de violência. São Paulo: Edusp/ Fapesp, 2012.
HAZIN, E. No nada, o infinito: da gênese de Grande sertão: veredas. 330p. Tese
(Doutorado em Literatura Brasileira) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1991.
LEONEL, M. C.; SEGATO, J. A. Ficção e ensaio: literatura e história do Brasil. São
Carlos: Ed UFSCar, 2012.
LINS, A. Uma grande estreia. In: COUTINHO, E. (Org.). Guimarães Rosa. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira/INL, 1983. p.237-242.
LORENZ, G.W. João Guimarães Rosa. In: ______. Diálogo com a América Latina:
panorama de uma literatura do futuro. Tradução de R. C. Abílio e F. de S. Rodrigues.
São Paulo: EPU, 1973. p.315-56.
NUNES, B. Guimarães Rosa. In: ______. O dorso do tigre. São Paulo: Ed. 34, 2009.
p.135-201.
______. De Sagarana a Grande sertão: veredas. In: ______Crivo de papel. 2.ed. São
Paulo: Ática, 1996. p.247-262. (Temas, 67 – Filosofia e Literatura).
RONCARI, L. O Brasil de Rosa: mito e história no universo rosiano: o amor e o poder.
São Paulo: Ed. UNESP/ FAPESP, 2004.
ROSA, J. G. Ave, palavra. 5.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001a.
______. Estas estórias. 5.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001b.
______. Grande sertão: veredas. 7. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970.
______. Tutameia: terceiras estórias. 3. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1969.
______. Corpo de baile: (sete novelas). 2.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1960.
______. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1962.
______. Sagarana. 5.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1958.
STARLING, H. Lembranças do Brasil: teoria, política, história e ficção em Grande
sertão: veredas. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
UTÉZA, F. JGR: Metafísica do Grande sertão. Tradução de José C. Garbuglio. São
Paulo: Edusp, 1994.
VASCONCELOS, S. G. T. Homens provisórios. Coronelismo e jagunçagem em
Grande sertão: veredas. Scripta. Belo Horizonte, v.5, n.10, p.321-333, 2002.
110
Descrição das pesquisas
SOBRE GRAÇA, DIGNIDADE E BELEZA EM FRIEDRICH SCHILLER E
HEINRICH VON KLEIST
Carina Zanelato Silva
Mestranda – Bolsista CNPq
Profa. Dra. Karin Volobuef (Or.)
O presente estudo tem como objetivo explicitar as características das teorias de
Friedrich Schiller e Heinrich von Kleist sobre a graça, a dignidade, o belo e o sublime,
comparando-as, a fim de mostrar as divergências e as confluências das concepções
estéticas dos autores, que foram desenvolvidas nos períodos clássico (com Schiller) e
romântico (com Kleist). As obras Pentesilea (Kleist, 1808) e Die Jungfrau von Orleans
(Schiller, 1801) serão objeto de análise das características acima citadas, tendo em vista
a grandiosidade destas peças teatrais e a inexistência de tradução das mesmas para o
português do Brasil. A pesquisa encontra-se em fase inicial.
Até o presente momento participei de duas disciplinas para obtenção de créditos,
ampliei o material bibliográfico – principalmente o relacionado à teoria de Friedrich
Schiller – e iniciei o capítulo referente à teoria estética de Schiller sobre graça.
Escritores ilustres da época de ouro da literatura alemã denominada
Kunstperiode (ou “período da arte”), Friedrich Schiller (1759-1805) e Heinrich von
Kleist (1777-1811) foram dois dos principais expoentes do Classicismo de Weimar
(1786-1805) e do Romantismo (1797-1830) alemão. Schiller, assim como Goethe,
iniciou sua carreira literária integrando uma corrente pré-romântica rebelde, o Sturm
und Drang, que partia dos preceitos de “gênio original”, inspiração e luta pela
emancipação das letras nacionais (frente ao modelo francês), toma uma postura sóbria
diante dessa impetuosidade e avança para o desenvolvimento consciente de uma obra
que visa a harmonia e busca na reconciliação com o homem atingir um fim moral que
lhe dê a possibilidade de ser livre em todos os sentidos. Após a fase de juventude,
Schiller e Goethe integraram o período literário denominado Classicismo de Weimar,
que, segundo Rosenfeld (1993), é denominado “clássico” tanto no sentido de apogeu da
produção literária na Alemanha, como por subscrever-se ao ideal de serenidade apolínea
dos antigos clássicos e sua reconciliação com o mundo.
111
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Kleist, segundo Anatol Rosenfeld (1968, p. 63) é, em sentido restrito, um
daqueles gênios da literatura que não se encaixa em nenhuma corrente literária, embora
faça parte da época romântica pelo teor anticlássico de sua obra e pela “terrível
dissonância que fragmenta o seu mundo, dissonância que só em termos utópicos ou
lendários é resolvida.” (ROSENFELD 1968, p. 63). Nem totalmente clássico nem
totalmente romântico, o autor se opõe aos cânones clássicos de equilíbrio, harmonia e
perfeição, expandindo o melancolismo, as paixões violentas e o impulso dionisíaco a
um ceticismo crítico engajado na filosofia de Kant. Sua dramaturgia - inspirada na obra
de Schiller, Goethe e Shakespeare -, tende ao grotesco, e sua busca pela Graça nada
mais é do que uma busca pela perfeição inconsciente, pela perfeição de movimentos
inconscientes.
Nos desdobramentos das teorias estéticas dos autores chegamos a uma definição
sobre o conceito de graça. Em seu ensaio Sobre Graça e dignidade, Schiller procura
delinear os moldes da Graça que, segundo ele, é um acessório, “uma beleza móvel”, que
dá à pessoa portadora deste bem, de modo mágico, o poder de conquistar fora da
natureza a beleza dos movimentos voluntários e de um fim moralmente belo. Ela nasce
de modo casual, mas age expandindo seu poder “acima de todas as coisas naturais”
(SCHILLER, 2008, p. 09), pois o reino da liberdade se estabelece, segundo Schiller,
fora da natureza, e é apenas fora dela, em liberdade plena, que o sujeito pode estabelecer
sua vontade, e, a partir daí, traçar sua destinação ética e moral. Para ele, a ação, os
movimentos têm que ser necessariamente belos e aí reside a casualidade do movimento,
que é desencadeado por força da vontade. A alma empresta aos movimentos toda sua
beleza, não modificando o sujeito e, portanto, neste ponto entendemos que a Graça não
é um adorno que o modifica, mas que apenas dá aos seus movimentos voluntários a
beleza pretendida pela alma na ação.
Kleist desenvolve sua teoria sobre a Graça em seu ensaio Sobre o teatro de
marionetes. Nesse texto vemos o primeiro bailarino da Ópera da cidade e o narrador da
história num teatro de marionetes em uma praça discutindo sobre os mecanismos de
funcionamento das marionetes. Segundo o bailarino, cada movimento feito com os
bonecos possui um centro de gravidade, e os seus membros funcionam como pêndulos:
quando o centro é movido em linha reta pelo manipulador, os membros das marionetes
desempenham curvas e quando sacudidos, parecem criar ritmo, como se estivessem
dançando. Porém, segundo ele, para desenvolver este exercício de dança, quem articula
os bonecos deve possuir sensibilidade, pois a alma desse manipulador é transportada
112
Descrição das pesquisas
para o centro de gravidade da marionete, ou seja, o corpo do manipulador quando em
movimento é transportado para o ser inanimado e a partir daí a sensibilidade do
maquinista começa a transparecer nos movimentos. Em sua busca pela Graça, o
narrador estimula a conversa, e, através de parábolas, são elucidados os pontos
principais da teoria de Kleist sobre este conceito estético: a história do jovem que tenta
repetir seus movimentos naturais no espelho d’água e não consegue comprova a teoria
do autor de que a Graça só acontece em movimentos naturais. Essa teoria se assemelha
à de Schiller, pois o mesmo diz que “A Graça, [...], tem de ser sempre natureza, isto é,
involuntária (ao menos, parecer assim), logo, o sujeito mesmo nunca pode aparentar
como se soubesse da sua graça.” (SCHILLER, 2008, p. 25). Na história de Kleist,
quando o jovem tenta repetir estes movimentos, a Graça, que não acontece por vontade
consciente, não se manifesta.
Assim como em Schiller, para Kleist a Graça também necessita de harmonia,
mobilidade e leveza para vir à tona e despertar a beleza do movimento. Porém, o teor
pessimista da teoria de Kleist vem a tona quando ele formula que ao comer da árvore do
conhecimento e ser expulso do paraíso, o homem perdeu a Graça, o que causou o
desequilíbrio e a cisão entre Graça e razão. Ainda assim, o autor acredita que há uma
possibilidade de retorno do homem a esta árvore do conhecimento através da porta dos
fundos do paraíso. Este regresso ao ponto de partida da inocência não seria mais
inconsciente: o homem precisaria de consciência total para este retorno.
A partir de uma análise inicial das peças Pentesilea (1808) e Die Jungfrau von
Orleans (1801), percebemos essa busca pela graça na figura de duas heroínas, que, não
por acaso, são heroínas e não heróis. Segundo Schiller a graça é mais encontrada no
sexo feminino, pois a mulher é dotada de leveza e virtude, e sua beleza arquitetônica é
predisposta ao adorno da Graça. Johanna, heroína da peça de Schiller (Die Jungfrau von
Orleans), é adornada pela graça divina e triunfa grandiosamente sobre exércitos.
Pentesilea, heroína da peça de Kleist (Pentesilea), conjuga em si todos os atributos para
que a graça habite em seu corpo, e seus movimentos, principalmente na descrição das
lutas contra Aquiles, parecem movimentos de dança, de um erotismo que se transporta
para o campo de batalha e seduz o jovem Aquiles à sua teia de artimanhas. Enquanto
Schiller nos apresenta uma heroína carregada de pureza imaculada, contida nos
preceitos do espírito que a guia, Pentesilea é toda impulso, e seus instintos são levados
ao extremo, transformando sua paixão na mais grave patologia.
113
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Como a pesquisa encontra-se em faze inicial, procurarei aprofundar as
diferenças e semelhanças das teorias estéticas dos autores e, a partir do material obtido,
aplicar essas características à análise das peças teatrais.
Bibliografia
ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 1992.
BARBOSA, R. Schiller e a cultura estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
(Filosofia Passo a Passo, 42).
BOESCH, B. (Org.). História da literatura alemã. São Paulo: Herder; Edusp, 1967.
BRITO, E. M. de. Franz Kafka, leitor de Heinrich von Kleist. Pandaemonium
Germanicum, São Paulo, v. 11, p. 37-44, 2007.
CARLSON, M. Teorias do teatro: estudo histórico-crítico dos gregos à atualidade.
Trad. de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1997.
(Prismas)
FISCHER, C. J. Schiller e Kleist, a propósito de graça. Tese de Doutoramento em
Teoria da Literatura. Universidade de Lisboa, 2007.
FÖLDÉNYI, L. Grazie. In: KNITTEL, A. P. (Ed.). Henrich von Kleist. Stuttgart:
Wiessenchaftliche Buchgesellschaft, 2003. (Coleção Neue Wege der Forchung) p. 147153.
GASSNER, J. Mestres do teatro I. São Paulo: Perspectiva, 1974.
GRAHAM, I. Schiller, ein Meister der tragischen Form: Die Theorie in der Praxis.
Trad. Klaus Börner. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1974.
HEISE, E. A atualidade de Heinrich von Kleist. Projekt. v. 11, p. 32-33, nov. 1993.
HOHOFF, C. Heinrich von Kleist: 1777/1977. Trad. de Felipe Bosso. Bonn Bad
Godesberg: Inter Nationes, 1977.
HORSTMEYER, E. Werner Dürrson: Kleist para veteranos ou... O paraíso
definitivamente perdido. Revista Letras. Curitiba (UFPR), v. 43, p. 87-97, 1994.
KANGUSSU, I. et al. (Org.). O cômico e o trágico. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
KLEIST, H. von. Sobre o teatro de marionetas. Trad. de José Filipe Pereira. Estarreja:
Acto - Instituto de Arte Dramática, 1998.
______. Pentesilea. Trad. e Posfácio de Rafael Gomes Filipe. Porto: Biblioteca
Sudoeste, 2003.
KORFMANN, M. Kant: autonomia ou estética compromissada? Pandaemonium
Germanicum, São Paulo, v. 08, p. 23-38, 2004.
LIMA, L. C. A “beleza livre” e a arte não-figurativa. Pandaemonium Germanicum,
São Paulo, v. 08, p. 75-119, 2004.
ORLANDI, E. (Dir.). Schiller. Trad. Norberto Ávila e António Salvado. Lisboa:
Editorial Verbo, 1972. (Gigantes da Literatura Universal, 17).
PALLOTTINI, R. Dramaturgia: construção do personagem. São Paulo: Ática, 1989.
ROCHA, M.F.C. da. Memória, passagens e permanência da tragédia na literatura alemã.
Pandaemonium Germanicum, São Paulo, v. 16, p. 138-154, 2010.
RÖHL, R.; Heise, E. História da literatura alemã. São Paulo: Ática, 1986.
ROSENFELD, A. Teatro alemão: 1ª parte. Esboço histórico. São Paulo: Brasiliense,
1968.
______. História da literatura e do teatro alemães. São Paulo: Perspectiva / Edusp;
Campinas: Edunicamp, 1993. (Debates 255)
______. Texto/Contexto I. São Paulo: Perspectiva, 1996.
______. Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2000.
114
Descrição das pesquisas
SCHILLER, F. von. Die Jungfrau von Orleans. In: ______ Werke in zwei Bände.
München: Droemersche Verlagsanstalt, 1954, v.1.
______. A educação estética do homem: numa série de cartas. Trad. Roberto Schwarz
e Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 1990.
______. Teoria da tragédia. Trad. de Anatol Rosenfeld. São Paulo: E. P. U., 1991.
(Biblioteca Pólen)
______. Sobre poesia ingénua e sentimental. Trad., introdução, comentário e glossário
de Teresa Rodrigues Cadete. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003.
______. Sobre graça e dignidade. Trad. de Ana Resende. Porto Alegre: Movimento,
2008.
SOUSA, C. H. M. R. Schiller e a educação estética da humanidade. Fundadores da
modernidade na literatura alemã. Anais da VII Semana de Literatura Alemã. São Paulo:
FFLCH-USP, 1994. p. 15-25
SZONDI, P. Teoria do drama moderno: 1880-1950. Trad. de Luiz Sérgio Repa. São
Paulo: Cosac & Naify, 2001.
______. Ensaio sobre o trágico. Trad. de Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004. (Coleção estéticas).
THEODOR, E. Perfis e sombras: Estudos de literatura alemã. São Paulo: EPU, 1990.
VOLOBUEF, K. Rousseau e Kleist. In: MARQUES, J. O. de A. (Org.) Verdades e
mentiras: 30 ensaios em torno de Jean-Jacques Rousseau. Ijuí: Editora UNIJUÍ,
2005, p. 471-476.
WIESE, B. von. Heinrich von Kleist. In: ______. (Ed.). Deutsche Dichter der
Romantik: Ihr Leben und Werk. Berlin: Erich Schmidt Verlag, 1971. p. 225-252.
ZIEGLER, K. Stiltypen des deutschen Dramas im 19. Jahrhundert. In: ALEWYN, R. et
al. Formkräfte der deutschen Dichtung vom Barock bis zur Gegenwart. Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht, 1963. p. 141-164.
ZWEIG, S. Obras completas de Stefan Zweig: Tomo II. Os construtores do mundo:
Balzac, Dieckens, Dostoievski, Hölderlin, Keist, Nietzsche. Rio de Janeiro: Delta, 1953.
115
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
LENDO ALEXEI BUENO
Carlos Eduardo Marcos Bonfá
Doutorando
Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires (Or.)
A literatura contemporânea é muitas vezes apresentada como um “problema”.
De início, creio que o maior “problema” da literatura contemporânea é o próprio fato
dela ser contemporânea, isto é, coincidente com as contingências do olhar presente
humano em sua condição de maior “imediatez”. O contemporâneo é sempre um
“problema” e sempre exigiu, em todas as esferas da cultura, uma reação, uma “resposta”
(porque, em suma, são estas reações e “respostas” que definem o contemporâneo). As
“respostas” da literatura (e da poesia) ao contemporâneo devem ser intuídas, creio, no
interior da ótica estética de cada autor e, às vezes, da ótica estética de cada obra
específica de cada autor. A partir desta condição, é possível também verificarmos
“respostas” próximas entre autores e obras, de onde a crítica infere “linhas” de atuação
estética que, em futuro próximo ou distante, possam assumir estruturalmente a
“definitiva” ou as “definitivas” e/ou melhor realizadas “respostas” à nossa época, como
ocorreu em todas as outras.
A “resposta” de um poeta como Alexei Bueno (1963- ) é a de um eu poético que
retoma de modo ostensivo determinadas tradições que pretensamente corresponderiam
àquilo que uma crítica como Leyla Perrone-Moisés define enfática e orgulhosamente de
“altas literaturas”. Esta “linha” de ostentação da tradição, à qual pertence Alexei Bueno,
também agrega autores como Ivan Junqueira e Bruno Tolentino.
Os autores desta linha denominada (não sem regozijo para os delatores e ao
menos certo rancor e incômodo aos rubricados) “neoconservadora” associam um
elemento de eternidade da literatura a determinadas tradições poéticas ora mais ora
menos distinguíveis, que irão desde clássicos antigos greco-romanos até a modernidade
do século XX, excetuando as vanguardas em suas manifestações mais radicais, havendo
uma ênfase na modernidade fin-de-siècle, de maneira geral. Essa associação se faz
ostensiva, oscilando entre uma angústia da influência e um orgulho da influência,
representativo da consciência de dialogar com as “altas literaturas” incontornáveis e de
rivalizar com uma compreensão do contemporâneo que queira superá-las em sentido
116
Descrição das pesquisas
mais vanguardista ou experimental ou que não as reverencie. Por fim, essa associação
será, por sua vez, também associada a um humanismo essencial, a uma incancelável
possibilidade de busca de um quid ontológico humano, ainda que às vezes conturbado,
fugidio ou de difícil ou provisoriamente suspensa apreensão e (re)conquista.
“Respostas” díspares o acusariam de permanecer pensando a tradição pela mera
ótica do domínio escolar de elementos formais e/ou de transformar a tradição em uma
espécie de entidade inócua, sem tensão de alteridade produtiva e recuperável via uma
mistificação artificial. Mesmo não deixando de levar em consideração estas críticas, a
diferença (ora mais ora menos bem realizada) da poética de Alexei Bueno que podemos
perceber em seus momentos mais felizes é a de trazer para o presente do homem
contemporâneo a consciência de que, ainda que contemporâneas, as tramas e
vicissitudes sine qua non de sua condição o perseguem desde os tempos mais remotos,
assumindo matizes de época. Alexandre de Melo Andrade demonstrou em “Os Deuses
se tornam Humanos: a Poesia de Alexei Bueno” como a finitude humana e suas
conseqüentes aspirações metafísicas dialogam desde sempre com o tempo mítico em
relação à historicidade, diálogo que não se dissocia do homem atual. Nas Desaparições
(2009), por exemplo, há boa realização desta aproximação ao presente, descoberta
através da tradição da relação dúbia com o universo urbano-industrial ou da tradição da
femme fatale, pensando somente nestas duas tradições. Em “Silvia Saint”, Silvie
Tomčalová (1976- ), a modelo tcheca que se tornou a maior lenda da pornografia é,
através da revitalização desta tradição da femme fatale, uma resposta ao poema “Karma
[Marcha Triunfal]”, onde é exposto o mundo contemporâneo como reificado pelo
imaginário pornóide e obsceno. Mais do que pode parecer, isto é, uma concessão a este
mundo, é antes uma tentativa de dar dignidade poética a ele, transfigurá-lo
simbolicamente. A luz da fissura genealógica que pisa nos passos de Silvia Saint torna
sua quintessência a da arquetípica puta, isto é, possui um caráter universal, associandose à imagem da prostituta. É metamórfica, mas de uma metamorfose que conflui
sincronicamente como sumário de todas as mudanças da abertura diacrônica: deusa de
uma e mil faces. Deusa das prostitutas, isto é, Afrodite, mas também Vênus baixa e
celeste (tradição greco-romana) – concentração do simbolismo neoplatônico das Vênus
Gêmeas: Vênus Celeste e Vênus Vulgar. Silvia Saint é ambas, pois também é Saint,
santa, além de puta, cadela, vaca: sórdida e santa. E, assim posto, sua fascinação é
perceptível ao revelar sensações e sentimentos turbados ou prejudiciais, onde o
fascinado é resignado, dedicado e modesto:
117
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Jamais, deusa, não traias
Teus pobres fiéis que babam,
Que em êxtases se acabam
Por ti, pelas tuas aias.
Louro véu do universo,
Sacra estátua e cadela,
Pisa esta alma que vela
Teu sonho áureo e perverso.
Se for uma concessão, é uma concessão pela poesia, pela universalização da
poesia aqui de um cunho moderno e contemporâneo que não vira as costas para a poesia
da antiguidade: é a poesia de perfil heautontimoroumenos, que se assume
masoquistamente, pois aqui um mundo em “crise” ou reificado só pode ser dotado de
poesia pelas vias de exibição sôfrega, autoflagelada.
Neste momento poderíamos nos perguntar, um pouco sugestionados por Alfredo
Bosi, até que ponto, no interior do culto da imagem contemporânea, a absorção destes
temas como a pornografia não colabora negativamente com o mercado de imagens que
assola ideologicamente a vida contemporânea. Bosi é radical e observa como nesta
tendência está “cada vez mais árdua e rara a expressão lírica pura, forte, diferenciada,
resistente” (BOSI, 2004, 17). Para mim, a poesia-resistência pode ser aquela que
seleciona criteriosamente os signos que interferem na esfera da vida, mas pode ser, ao
contrário, e com grande vigor, aquela poesia que absorve critica e/ou ironicamente estes
signos, por mais cooptados que estejam aos dispositivos midiáticos preponderantes.
Afinal, a poesia, como esclarece Michel Deguy, é “culto das imagens”, é iconófila, mas
sem credulidade nem superstição, é um crer, mas sem crenças. Essa idéia deslocada do
Deguy pode bem expressar parcialmente o que quero dizer com absorver imagens seja
com “distanciamento” crítico ou “aproximação” irônica.
Em suma, tentarei encontrar na obra de Alexei Bueno todo um complexo de
busca por uma substancialidade humana, passando por tópicos que um autor como
Antônio Donizeti Pires em seus estudos classifica como determinantes de um
pensamento órfico-poético. Não creio que Alexei Bueno seja um autor legitimamente
órfico, mas perpassa em sua obra tópicos condizentes com este pensamento órficopoético, tais como a visão analógica de mundo e as misteriosas relações da poesia e da
música; o esoterismo (paganismo, Cristianismo, idealismos diversos e filosofia);
sentimento de inadequação do poeta eleito; conhecimento técnico da palavra mágica;
118
Descrição das pesquisas
analogia e ironia (porém se distanciando da tradição da ruptura, o que possibilita a
polêmica com o Concretismo, no Brasil); atualização/incorporação do mito, inclusive
degradando-o (abrindo o horizonte da questão do papel do poeta e da poesia na
sociedade contemporânea e dos significados para o ser humano). Esta visão de mundo
será a base para que eu possa também ler o Alexei Bueno crítico literário e polemista e
assim verificar como reage o fluxo de passagem entre o pensamento crítico e o
pensamento poético de Alexei Bueno, isto é, como, por exemplo, uma ideia crítica em
relação à estética faz a invenção/conotação poética agir perante esta ideia, e vice-versa.
Bibliografia
ANDRADE, A. de M. Os Deuses se tornam Humanos: a poesia de Alexei Bueno.
Revista Texto Poético. v. 8, 2010.
BUENO, A. As desaparições. Rio de Janeiro: G. Ermakoff Casa Editorial, 2009.
BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. 7 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
DEGUY, M. Reabertura após obras. Campinas: Editora Unicamp, 2010.
PERRONE-MOISÉS, L. Altas literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
PIRES, A. D.; FERNANDES, M. L. O. (Org.). Matéria de poesia: crítica e criação.
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010.
SISCAR, M. Poesia e crise. Campinas, SP: UNICAMP, 2010.
YOKOZAWA, S. F. C.; PIRES, A. D. (Org.). O legado moderno e a (dis)solução
contemporânea (Estudos de poesia). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
119
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A REESTRUTURAÇÃO NARRATIVA E TEMÁTICA NO CONTO
CONTEMPORÂNEO DE ANGELA CARTER: UMA LEITURA COMPARADA
Carlos Eduardo Monte
Mestrando – Bolsista CNPq
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan (Or.)
Debates sempre são tempestivos, é a conclusão a que chegamos, mesmo tendo
alinhado nossa pesquisa. Na primeira oportunidade em que tivemos para discutir a
temática, eram quatro os caminhos possíveis. É fato, os assuntos se imbricam, mas, por
vezes, geram desvios que simplesmente não conseguimos enxergar – ou até mesmo não
podemos deixar de conter, engendrados pelo afã de não querer deixar nada de fora.
Assim, essa ou aquela vertente, uma nova informação, ou até mesmo todo um caminho
que se descortina durante as horas de leitura e pesquisa, parece nos instigar, por vezes,
muito mais que aquelas intenções iniciais pretendidas, coisa que nos leva do
estranhamento à satisfação, e vice-versa. Se em um primeiro momento gritamos:
Eureca! No momento seguinte, já pesando as consequências do novo, nos indagamos: o
que fazer com essa informação? Todo esse afã acabou sendo um pouco amenizado.
Tendo realizado quatro disciplinas presenciais, quais sejam: Formas da fábula
(2.o sem/2012), Aspectos da narrativa (1.o sem/2012), Procedimentos narrativos e
discursivos do conto (2.o sem/2011) e Perspectivas pós-modernas da literatura
contemporânea (1.o sem/2012) – sendo que em todas elas apresentou-se o Trabalho de
Final de Disciplina respectivo, com nota máxima nas quatro frentes –, e também
participado dos debates no XI SEL – Seminário de Estudos Literários, Unesp/Assis,
com o Prof. Arnaldo Franco Júnior (10/2012), e no XIII Seminário de Pesquisa do
Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários “Relações Intersemióticas”,
Unesp/Araraquara, com a Profa. Dra. Sheila Pelegri de Sá (10/2012), passamos a
recolha e leitura das obras fundamentais (cf. se encontram incluídas no projeto inicial),
tendo completado seu fichamento, em janeiro/2013. Após estabelecer o sumário
provisório, com divisão em capítulos da monografia, passamos à redação preliminar da
mesma, tendo, até a presente data, finalizado um grande primeiro esboço. Atualmente, a
monografia encontra-se em fase de revisão, com discussões conjuntas, entre aluno e seu
orientar, o Professor Doutor Luiz Gonzaga Marchezan.
120
Descrição das pesquisas
Dissemos pela oportunidade daqueles debates anteriores, sem dúvida. Tanto o
professor Arnaldo Franco Júnior, como a Professora Sheila Pelegri de Sá, avaliando os
caminhos que nosso trabalho poderia tomar, encetaram para uma discussão do corpus
de nosso trabalho, composto por hipotexto, O Barba-Azul, de Perrault, e hipertexto, O
quarto do Barba-Azul, de Angela Carter, pelo viés de sua contemporaneidade,
pretendendo uma análise de sua validade contextual, dentro do conto pós-moderno,
como de fato verificamos ser o mais pertinente.
Como ponto de partida, fizemos uma abordagem sobre algumas noções que
permeiam a produção artística a partir da década de 60, do século passado, para, então,
no capítulo primeiro, traçarmos alguns lineamentos sobre o conto como gênero literário,
observando os contextos em que Charles Perrault e Angela Carter produziram seus
textos. Procuramos demonstrar características fundamentais não apenas destes autores,
mas como a tipologia do conto, historicamente, pouco a pouco contribuiu para
especificidade e sedimentação do gênero tal como o conhecemos hoje. Assim,
classificações e formas de analisar seus procedimentos narrativos e discursivos
permearam essa primeira parte de nosso estudo, quando nos deparamos com autores
como Poe, Tchekhov, Maupassant, Joyce, Borges, Cortázar e Barth, entre outros. O
segundo capítulo pretende melhor descrever uma nova abordagem da produção artística,
pelo viés da pós-modernidade, quando elementos como saturação cultural, decadência,
perda da energia, secundariedade e posterioridade, entre outros, canalizam para um
novo ânimo produtivo, como observam teóricos como Moser, Jameson ou Lyotard, a
quem recorremos, entre outros. A análise dessa descrição social permitiu-nos, como
desdobramento do mesmo capítulo, chegar a algumas formas de arte que se sedimentam
nesse novo contexto, fortalecendo tendências e vanguardas, tal como o feminismo,
movimento a que se liga nossa autora. Interessa-nos, em particular, o atual conceito de
paródia, conforme Linda Hutcheon, cujo texto, Uma teoria da paródia (1985), torna-se
arcabouço fundamental em nosso trabalho. Tendo definido estes conceitos, destacando a
relevância do uso da ironia para o trabalho da reescrita, partimos para o capítulo
fundamental, em que o texto paradigmático de Charles Perrault, O Barba-Azul é
comparado com seu hipertexto, O quarto do Barba-Azul, de Angela Carter. Para tanto,
procuramos demonstrar a transformação do personagem, através do apagamento do
arquetípico e do caricatural, para presidir um homem que se mistura socialmente; o
deslocamento do protagonismo, com vistas à mulher que se firma como narradora de
sua história; a sedimentação do literário, suplantando fragmentos da oralidade em
121
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Perrault, pelo desfazimento da moral como discurso interpretativo do conto, chegando à
antimoral; observamos, também, os procedimentos discursivos como estratégia de uma
escrita feminista, numa espécie de subversão narrativa; para, enfim, descrever o que
entendemos tratar-se de uma transvalorização axiológica, a partir de um deslocamento
da moral realizado dentro da ótica feminista. O capítulo final, destinado às conclusões,
menos do que alinhavar os capítulos precedentes, procura focalizar a importância de
Angela Carter dentro desse gênero camaleônico, que é o conto literário, onde
certamente cada vez mais se fixará.
Sistematicamente, nosso trabalho resultou na seguinte divisão: INTRODUÇÃO.
ONCE UPON A TIME… UM ZEITGEIST, apresentando nosso trabalho, relacionando
corpus e temática. CAPÍTULO 1. O CONTO, que subdividimos em: 1.1. CONTO
TRADICIONAL E CONTO LITERÁRIO; 1.1.1. “For sale: baby shoes, never worn.”;
1.1.2. Esforços contativos; 1.1.3. Diálogos da tradição; 1.1.4. Quem conta um conto
aumenta um ponto; 1.2. LINEAMENTOS SOBRE À EVOLUÇÃO DO GÊNERO;
1.2.1. Do conto ao conto; 1.3. O ESBOÇO DO CAMALEÃO; 1.3.1. A circunstância
atávica do contar; 1.3.2. Passeando com artistas inspirados; 1.3.3. A forma clássica. A
forma moderna. A teoria do iceberg, de Hemingway – capítulo que entendemos como
fundamental, a fim de estabelecer como o conto tem sido trabalhado dentro do gênero
literário, através de sua tipologia. Encerramos esse capítulo com ainda dois outros itens:
1.4. A CONTINUIDADE DAS VOZES e, 1.4.1. A estrutura do conto de fadas. O
Barba-Azul, versão de Charles Perrault, quando apresentamos, através das funções de
Propp, pari-passu, a estrutura do hipotexto. CAPÍTULO 2. A PRÁTICA ARTÍSTICA
CONTEMPORÂNEA. 2.1. ONCE UPON A TIME... UM SPÄTZEIT; 2.2. OS CINCO
ELEMENTOS DO SPÄTZEIT; 2.2.1. A perda de energia; 2.2.2. Decadência; 2.2.3.
Saturação Cultural; 2.2.4. Secundariedade (ou o intertexto, o palimpsesto, a
metaficção, etc); 2.2.5. Posterioridade. Capítulo em que pretendemos elaborar uma
síntese do espírito produtivo, em termos artísticos, a partir das décadas de 60, do século
passado, contexto de Angela Carter. Chegamos, consoante a análise daqueles elementos,
a algumas práticas consagradas, destacando, entre elas, a paródia. Por este motivo,
desdobramos o capítulo para dar alguma notícia acerca deste procedimento: 2.3. A
PARÓDIA COMO PRÁTICA REVISIONISTA; 2.3.1. A paródia no século sério:
“Poetas imaturos imitam; poetas maduros roubam”; 2.3.3. Desdobramentos paródicos.
O conceito em Linda Hutcheon; 2.3.4. O referêncial da ironia.
122
Descrição das pesquisas
Estes capítulos perfazem uma primeira grande parte de nossa pesquisa, com
introdução e dois capítulos específicos, capazes de sedimentar o aspecto mais teórico do
trabalho. Assim, trabalhamos um capítulo final, bem mais extenso, onde acreditamos
haver colimado teoria e corpus de trabalho. O último capítulo restou assim dividido: 3.
O BARBA-AZUL E O QUARTO DO BARBA-AZUL; 3.1. O BARBA-AZUL: UM
PERSONAGEM PARA LADIES E GENTLEMEN; 3.1.1. “Por que, diabos, o BarbaAzul não tira logo a barba?”; 3.2. A NARRADORA DE ANGELA CARTER: UMA
PROTAGONISTA POSICIONADA; 3.3. A MORAL E A ANTIMORAL; 3.4.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA ESTRUTURA NARRATIVA; 3.5. UMA
OPOSIÇÃO FUNDAMENTAL: WAGNER ENCONTRA DEBUSSY; 3.6. A
TRANSVALORIZAÇÃO TEMÁTICA. Segue-se, a este capítulo, a conclusão e a
inclusão das referências.
Pois então, resumidamente, foram estas as nossas intenções. Ocorre que, como
dissemos, o trabalho ainda passará por novas avaliações, sobretudo pelo crivo da banca
qualificadora, em vias de se consumar. É preciso dizer, por exemplo, que toda a
biografia inicial sofreu acréscimo, mas também muitos autores que esperávamos
contribuir para nossa pesquisa acabaram sendo preteridos, em razão da forma requerida
para a composição desse tipo de pesquisa, priorizando uma abordagem, em detrimento
de muitas. Pensamos, enfim, que apenas através de reiteradas revisões o trabalho poderá
lograr alguma validade, acabar dotado de certa consistência. Eventuais modificações,
acréscimos e supressões, o que naturalmente ocorrerá, serão sempre bem-vindos.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
BACCHILEGA, C. Postmodern fairy tales: gender and narrative strategies.
Philadelphia: U. of Penn. Press, 1997.
BARTH, J. Dunyazadíada. In.:_____“Quimera”. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1986. p.
7-49.
_____. The literature of the exhaustion. In:_____“The Friday book: essays and other
non-fiction”. London: The John Hopkins University, 1984.
BARTHES, R. O Rumor da Língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
BATTELLA GOTLIB, N. Teoria do conto. 4.a ed. São Paulo: Ática, 1988.
BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulação. Trad. Maria João da C. Pereira. Lisboa,
PT: Relógio d’Água, 1991.
_____. A troca simbólica e a morte. Trad. Maria S. Gonçalves e Adail U. Sobral. São
Paulo, SP: Ed. Loyolla, 1996
BENJAMIN, W. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.
In:_____“Magia, técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura”.
Trad. Sérgio P. Rouanet. 7.a ed. Brasiliense: São Paulo, 1994. p. 197-221.
123
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
_____. A modernidade e os modernos. Trad. Heindrun Krieger Mendes da Silva, Arlete
de Brito e Tania Jatobá. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. Col. Biblioteca Tempo
Universitário, 41.
_____. A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica. Brasília, DF: Brasiliense,
1994.
BERTENS, H. The idea of the postmodern: a history. New York, USA: Routledge,
1996.
BETTELHEIM, B. A psicanálise dos contos de fadas. Trad. Arlene Caetano: São Paulo:
Paz e Terra, 2007.
BLOOM, H. Abaixo as verdades sagradas: poesia e crença desde à Bíblia até nossos
dias. Trad. Alípio C. de Franca Neto e Heitor F. da Costa. São Paulo: SP, Companhia
das Letras, 1993.
_____. A angústia da influência – uma teoria da poesia. Trad. e apresentação: Arthur
Nestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
BOCCACCIO, G. Decamerão. Trad. de Torrieri Guimarães. São Paulo, Abril Cultural,
1970.
BORGES, J. L. Esse ofício do verso. São Paulo: Cia das Letras, 2000.
_____. Pierre Menard, autor de Quixote. In.:_____“Ficções”. Trad. de Carlos Nejar.
Porto Alegre, RS: Ed. Globo, 1970. p. 29-38.
BOSI, A. Os estudos literários na era dos extremos. In: _____ “Literatura e
resistência”. São Paulo: Cia das Letras, 2002, p. 248 – 256.
BURGESS, A. Homem comum enfim: uma introdução a James Joyce para o leitor
comum. Trad. José A. Arantes. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1994.
CANTON, K. E o príncipe dançou. O conto de fadas, da tradição oral à dança
contemporânea. Trad. Cláudia Sant’ana Martins. São Paulo: Ática, 1994.
CANDIDO, A. A personagem do romance. In.:_____“A personagem de ficção”. São
Paulo: Perspectiva, 2009. Col. Debates.
CARTER, A. CARTER, A. O quarto do Barba-Azul e outras histórias. Rio de Janeiro:
Rocco, 2009.
_____.As infernais máquinas de desejo do Dr. Hoffman. São Paulo: Rocco, 1996.
_____. Noites no circo. São Paulo: Rocco, 1991.
_____. The sadeian woman and the ideology of pornography. EUA: Penguin Books,
2001.
_____. A menina do capuz vermelho e outras histórias. São Paulo: Penguin Classics
Companhia das Letras, 2011.
COMPAGNON, A. O mundo. In: _____ “O demônio da teoria. Literatura e senso
comum”. Trad. de Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. 2.a ed.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. P. 95-135.
_____. O trabalho da citação. Trad. de Cleonice P. B. Mourão. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1996. p. 11-36.
CONNOR, S. Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. 3.a ed.
Trad. Adail U. Sobral e Maria S. Gonçalves. São Paulo, SP: Loyola, 1996.
CORTÁZAR, J. Alguns aspectos do conto. In.:_____”Valise de Cronópio”. 2.a ed. São
Paulo: Perspectiva, 1993.
______. Do conto breve e seus arredores. In.:_____”Valise de Cronópio”. 2.a ed. São
Paulo: Perspectiva, 1993.
______. As babas do diabo. In.: _____“As armas secretas”. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1994.
CENTENO, Y. K. Nuno Júdice. A noção de poema. In:_____”Colóquio Letras”.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1972. p.80-81.
124
Descrição das pesquisas
DEZOTTI, Maria Celeste Consolin (Org.). A tradição da fábula. De Esopo a La
Fontaine. Brasília: Editora Universidade de Brasília/São Paulo: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2003.
DOODY, M. Dar um rosto ao personagem. In:___“A cultura do romance”. Franco
Moretti (0rg). Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
ESTÉS, C. P. A tocaia ao intruso: o princípio da iniciação. O Barba-Azul. “Mulheres
que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem”. Trad. de
Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 32-56.
FERNANDES, M. L. O. Narciso no labirinto de espelhos: perspectivas pós-modernas
na ficção de Robeto Drummond. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011.
FISCHER, L. A. Dicionário de palavras & expressões estrangeiras. 2004
GALLAND, A. [versão de]. As mil e uma noites. Trad. de Alberto Diniz; apresentação
de Malba Tahan. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Ensaio de método. Trad. Fernando Cabral
Martins. Lisboa, Portugal: Ed. Arcádia, 1979.
_____. Palimpsestes. La littérature au second degré. Paris; Seuil, 1982.
GIUDICE, V. O museu Darbot. In:_____“O museu Darbot e outros mistérios”. Rio de
Janeiro: Leviatã, 1994, p. 114-151.
HARVEY. D. Pós-modernismo. In:_____“Condição pós-moderna”. São Paulo: Loyola,
2006.
HAWTHORNE, N. O experimento do Dr. Heidegger. In:_____“Os melhores contos de
Nathaniel Hawthorne. São Paulo: Círculo do livro, 19--.
HOLZBERG, N. The fable as exemplum in poetry and prose. In:_____“The ancient
fable: an introdution”. Bloomington: Indiana Univ. Press, 2002.
HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia. Ensinamentos das formas de arte do século
XX. Trad. de Tereza Louro Pérez. Lisboa: Ed. 70, 1985.
HUYSSEN, A. Mapeando o Pós-Moderno. In:_____”Pós-Modernismo e política”. Org.
de Heloise Hollanda. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p. 15-80.
HUIZINGA, J. Homo ludens. O jogo como elemento da cultura. 2.a ed. São Paulo,
Perspectiva, 1980.
JAMESON, F. Pós-modernidade e sociedade de consumo. In.:_____“Novos estudos
Cebrap – 06/1985, nº 12 ”. Trad. Vinícius Dantas. , 1985.
______. Pós-Modernismo. A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. 2° edição. São
Paulo: Editora Ática, 2007. 298
______. Virada Cultural: Reflexões sobre o Pós-Modernismo. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006.
JOLLES, A. Formas simples. Legenda, saga, mito, adivinha, ditado, caso, memorável,
conto, chiste. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Ed. Cultrix, 19xx.
JOYCE, J. Dublinenses. São Paulo: Folha de São Paulo, 2003.
KIEFER, C. A poética do conto. De Poe a Borges, um passeio pelo gênero. São Paulo:
Leya, 2011.
KURKE, L. Aesopic conversations: popular tradition, cultural dialogue, and the
invetion of Greek prose. New Jersey: Princeton University Press, 2011.
LAPLANCHE, J. Vocabulário de psicanálise. Trad. Pedro Tamen. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
LIMA, A. D. A forma da fábula: estudo de semântica discursiva.
In:_____”Significação, 4”, 1984. p. 60-69.
LISPECTOR, C. Laços de família. Contos. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
LUKÁCS, G. Narrar ou descrever? In:_____“Ensaios sobre literatura”. Trad. Leandro
Konder. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1965. p. 43-94.
125
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
MAUPASSANT, G. Bola de sebo. In:_____“125 contos de Guy de
Maupassant”/seleção apresentação Noemi Moritz Kon. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
MENDES, M. B. T. Em busca dos contos perdidos. O significado das funções
femininas nos contos de Perrault. São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2000.
MOISÉS, M. A Criação Literária. Prosa - I. Formas em prosa. O conto. A novela. O
romance. São Paulo: Ed. Cultrix, 1967.
MORETTI, F. O século sério. In:_____“A cultura do romance”. Trad. de Alípio Correa
e Sandra Correa. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 823-863.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2003.
MOSER, W. Spätzeit. In:_____“Narrativas da modernidade”. Org. de Wander Melo
Miranda. Belo Horizonte: Autentica, 1999. p. 33-54.
NOGUEIRA GALVÃO, W. Cinco teses sobre o conto. In.:_____ “O livro do
seminário”. São Paulo: Editoras, 1982.
PAGLIA, C. Personas sexuais: arte e decadência de Nefertite a Emily Dickinson. Trad.
Marcps Santarrita. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1992.
PERRAULT, C. Contos de Perrault. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
PIGLIA, R. Teses sobre o conto e Novas teses sobre o conto, In. ______. “Formas
breves”. Trad. José M. M. de Macedo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004.
_____. O último leitor. Trad. Heloisa Jahn. São Paulo: Cia das Letras, 2006.
_____. O último conto de Borges. In. ______“Formas breves”. Trad. José M. M. de
Macedo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2004.
POE, E. A. A filosofia da composição. In.:_____“Ficção completa: poesia e ensaios.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2001.
PROPP. V. Morfologia do conto. Trad. de Jaime Ferreira e Vitor Oliveira. Lisboa: Ed.
Vega, 1978.
RINCÓN, E. (Docum). Claude Debussy: Royal Phillarmonic Orchestra. São Paulo:
Publifolha, 2006. (Coleção Folha de Música Clássica; v. 32)
ROSENFELD, A. Reflexões sobre o romance moderno. In.:____“Texto/contexto;
ensaios”. São Paulo: Perspectiva, 1969. p. 75-97.
SANTIAGO, S. O narrador pós-moderno. In:_____“Nas malhas da letra”. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p. 38-52.
SLOTERDIJK, P. Crítica da razão cínica. Trad. Marco Casanova e outros. São Paulo:
Estação Liberdade, 2012.
SOUZA, L. N. de. Monteiro Lobato e o processo de reescritura das fábulas. In:
LAJOLO, M.; CECCANTINI, J. L. (Orgs.) Monteiro Lobato livro a livro: obra infantil.
São Paulo: Ed. Unesp, 2008. p. 103-19.
TCHEKHOV, A. A cigarra. In.:_____“A noiva e outros contos”. Rio de Janeiro:
Primeira Linha, 1999.
_____. Os mujiques. In.:_____“O assassinato e outras histórias”. São Paulo: Cosac &
Naify, 2002.
VATTIMO, G. O Fim da Modernidade; Niilismo e Hermenêutica na Cultura PósModerna. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
VIEIRA, M. A. O catálogo e a chave: sujeito da ciência e sujeito do inconsciente.
Opção Lacaniana 21. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise: Abril, 1998.
WILLEMART, P. Universo da criação literária: crítica genética, crítica pós-moderna?
Trad. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 1993. Col. Criação &
Crítica, 13
126
Descrição das pesquisas
WYLER, V. Altos voos, quedas livres. In.:_____“Prefácio. O quarto do Barba Azul e
outras histórias”. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
XIRAU, Ramón. Borges refuta o tempo. In: ______“Ensaios críticos e filosóficos”.
Trad. De José. Rubens Siqueira de Madureira. São Paulo: Perspectiva, 1975.
YUDICE. G. O pós-moderno em debate. Entrevista: Ciência hoje. São Paulo: SBPC, v.
11, n. 62, p. 46-57, mar. 1990.
127
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A RESSIGNIFICAÇÃO DA TRÍADE TEMPO, MEMÓRIA E IDENTIDADE NA
OBRA OS CUS DEJUDAS, DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES
Carlos Henrique Fonseca
Mestrando
Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes (Or.)
Objetivos
O presente projeto de pesquisa tem por objetivo analisar a obra do escritor
português António Lobo Antunes, Os cus de Judas, focalizando como recorte temático a
tríade Tempo, Memória e Identidade num exercício de evidenciação de como este autor
articula de maneira singular estes conceitos, tidos como centrais para a análise da
produção romanesca, e em especial como se configuram na contemporaneidade sob a
perspectiva dos estudos sobre pós-modernismo e pós-modernidade.
Justificativa
Na obra Os cus de Judas estão postos elementos formais e características
estruturais e de estilo que vão marcar toda a sua produção posterior que permitem
entendê-la no difuso campo da pós-modernidade. O estudo dos parâmetros de tempo e
espaço na obra de Lobo Antunes está longe de ser esgotado, a despeito dos inúmeros
trabalhos que têm surgido nos últimos anos acerca destas categorias na obra deste
escritor.
Por se tratar de um conceito fundamental para se pensar tanto os gêneros
narrativos como a própria condição humana na contemporaneidade, num exercício de
“fazer coincidir a procura de sentido humano com a do sentido do texto” (CORDEIRO,
1997, p.132), ocupará posição central em nosso estudo o conceito de tempo. Se
pensarmos que, conforme nos diz Jorge Fernandes da Silveira “a literatura, ao invés de
ser um documento social, é uma forma de representação textual da sociedade”
(SILVEIRA apud COSTA, 2009, p.2), o processo evolutivo que se verifica no uso do
tempo no gênero romanesco relaciona-se diretamente com a “expressão do mundo e da
128
Descrição das pesquisas
vida”, ou seja, “o tempo aparece [...] como uma coordenada tanto existencial como
literária” (SEIXO, 1987, p.51).
Fundamentação teórica inicial
No romance contemporâneo os vários aspectos da modalidade tempo têm
apresentado novas significações. Processos de elaboração e transformação têm
produzido novas concepções e técnicas para lidar com este conceito. Concordamos com
a autora quando inclui a obra de António Lobo Antunes entre aquelas que representam,
ao mesmo tempo, “uma espécie de experiência dos limites que passa forçosamente pela
contestação e desmoronamento da prática romanesca tradicional que reflectia a
estabilidade de um mundo de equilíbrio inabalável, e pela recusa da imposição de leis
rígidas e de significações preconcebidas” (CORDEIRO, 1997, p. 111).
Ao citar
especificamente nosso autor, afirma Cordeiro:
Uma das suas dominantes temáticas é a que valoriza a recriação do
espaço confuso da lembrança e do esquecimento, de uma memória
que se obstina em percorrer o labirinto do passado num
entrelaçamento de tempos e de imagens que acentuam a disforia do
presente. Assim, filtrado por uma consciência magoada pelo presente
que a personagem não quer aceitar e que é insuficiente para apagar as
imagens do passado que por ela constantemente irrompem, o mundo
volve-se em imensa teia de agressividades dominada pelas imagens
deformadas e agigantadas da cidade tentacular, pelo caos das emoções
e dos olhares, pela solidão dorida das partilhas impossíveis, pela
inevitabilidade da queda e degradação, no fundo das quais a morte
espreita. (Idem, Ibibem, 1997, p. 130).
A partir desta perspectiva, vislumbramos outro aspecto que se faz presente de
maneira vigorosa nos estudos literários: a relação entre história e ficção. A contribuição
de Jacques Le Goff sobre esta discussão configura-se dado imprescindível para análise
ao propor a mudança do status da produção ficcional enquanto registro válido para a
história. Consideramos a obra de Lobo Antunes sobre a guerra colonial na África um
registro histórico que transcende os limites da produção historiográfica nos moldes da
ciência da história, ao transitar de maneira singular pelas fronteiras da produção
ficcional, do relato histórico, autobiográfico, do documento sociológico e da memória.
Um dos dados mais recorrentes na obra de Lobo Antunes é o mal estar gerado
pela conturbada presença de um passado que, mesmo desencantado, configurava um
129
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
sensação de pertencimento e a impossibilidade de um novo reencontrar-se com sua
própria terra, vista agora com absoluta decepção pelo caráter inglório de seus últimos
acontecimentos históricos. Herdeiro de uma transformação que se inicia nos anos 1960,
Lobo Antunes se alinha aos autores que se colocam à espreita das narrativas mestras,
dos grandes relatos, conforme conceituação de Jean François Lyotard.
No caso de Portugal, temos uma especial transformação no que se refere à
identidade nacional. Elisabete Peiruque serve-se das palavras de José Mattoso para falar
de “uma nova história portuguesa que se iniciou a três décadas e que coincide, em parte,
com a realidade vivida em outros países e, no todo, com uma realidade planetária, já que
há aí uma situação vivida como crise de identidade” (PEIRUQUE, 2011, p. 111).
Na sociedade contemporânea, como dizemos anteriormente, temos uma
reconfiguração do conceito de identidade que se transfigura de algo marcado pela noção
de pertencimento e segurança para algo que se caracteriza pelas noções de
impermanência, instabilidade e incerteza. Se há, de fato, algum nível de associação
entre os conceitos de identidade nacional, cultural e individual, podemos afirmar com
certa tranquilidade e adotar como pressuposto para este trabalho o fato de que no
contexto da pós-modernidade eles sofrem grandes transformações.
Na perspectiva das relações da história com a ficção, os romances de
Lobo Antunes constituem, no primeiro momento, registros da
memória elaborados literariamente (grifo nosso) e que se tornam,
dentro do novo pensamento historiográfico, documentos do
passado.[...]. Com uma narrativa ficcional, marcada pela
fragmentação, Lobo Antunes é a voz viva da memória, do testemunho
de quem viveu a realidade da guerra colonial, com a consciência do
absurdo de tudo o que estava ocorrendo ali e que o precedeu. Escrito
em 1979 e carregando a autobiografia em meio a uma linguagem
extremamente elaborada para dar conta dos ecos que os
acontecimentos têm na interioridade. Os cus de Judas constituem a
lembrança contra o esquecimento. Lembrança e desmitificação,
embora o romance não vá aos mitos seculares cristalizados para
sempre na memória nacional portuguesa (PEIRUQUE, 2011, pp. 113114).
Metodologicamente, portanto, vamos situar nosso estudo no campo mais amplo
dos estudos sobre a relação entre história e ficção, servindo-se de conceituações como a
metaficção historiográfica segundo a pesquisadora canadense Linda Hutcheon. E num
procedimento interdisciplinar, apoiamo-nos também nas reflexões do sociólogo polonês
Zygmunt Bauman faz em seu livro O mal-estar na pós-modernidade. No que toca ao
tema identidade, linhamo-nos com Bauman quando afirma que “o eixo da estratégia de
vida pós-moderna não é fazer a identidade deter-se – mas evitar que se fixe”
130
Descrição das pesquisas
(BAUMAN, 1998, p. 114), por maior que seja o mal-estar que esta realidade nos
provoque. O diálogo com este autor visa a elucidação de como a condição de
combatente na guerra colonial africana impôs a seu agente: uma condição de “nãolugar”,
de vida no “entre-dois” , tão própria da pós-modernidade e que a escrita
loboantuniana, “de uma racionalidade truncada” apresenta de maneira primorosa e
original.
Novas perspectivas teóricas
Com o cumprimento da disciplina História e Ficção, ministrada pela professora
Márcia Valéria Zamboni Gobbi foram delineadas novas perspectivas de abordagem da
obra e de aprofundamento dos temas acima mencionados. O estudo das origens e do
desenvolvimento do chamado romance histórico, foi muito esclarecedor no sentido de
reconhecer o romance meta-histórico, ou a metaficção historiográfica, respectivamente
no estudo das autoras Amy Elias e Linda Hutcheon, como um desenvolvimento do
gênero romance histórico em diálogo, contudo, com o horizonte do pós-modernismo. A
articulação das dimensões histórica e ficcional foi vista em diversos autores, desde
Walter Scott, passando por Alessandro Manzoni, até Jorge Luis Borges, Javier Cercas e
finalizando com António Lobo Antunes. Os clássicos textos teóricos de George Lukács,
os estudos do pós-modernismo de Linda Hutcheon e Frederic Jameson bem como o
estudo das autoras contemporâneas Eizabeth Wesseling e Amy Elias, foram essenciais
no sentido de se pensar mais detidamente a tríade aqui escolhida como tema de
pesquisa: Tempo, Memória e Identidade.
As noções de “historical trauma” e de “historical sublime”, presentes no livro
Sublime Desire, de Amy Elias, são perspectivas que passaram a ampliar o nosso
horizonte, especialmente no que se refere à memória. Entendemos que há, na obra Os
cus de Judas, uma “consciência histórica pós-traumática”, que Amy Elias refere às
narrativas oriundas das experiências de guerra vividas pelos romancistas que escrevem
sobre este tema. Neste sentido, o trauma pode ser visto como um tipo específico ou até
mesmo o avesso da memória, no sentido de se fazer presente a despeito do desejo do
autor. A investigação sobre o nível de adequação deste conceito à análise da obra em
questão é um ponto importante neste momento da pesquisa.
A disciplina Mito e Poesia, ministrada pelo professor João Batista abriu um
novo horizonte reflexivo sobre a questão do tempo. Nas suas aulas, procurávamos
131
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
encontrar elementos de ordem mítica e sua relação com a dimensão estética de diversas
obras. Com o estudo específico da obra do filólogo e filósofo Eudoro de Souza
intitulada História e Mito, vislumbrou-se a possibilidade de uma reflexão sobre o tempo
mítico e o tempo na narrativa contemporânea. Pretende-se então enriquecer a presente
reflexão buscando as reconfigurações do mito, mesmo que por meio de sua negação.
Isto é bastante intenso na obra de Lobo Antunes. Ao mesmo tempo em que apresentamse mitos nacionais sofrendo um processo de desencantamento, temos também uma série
de mitologias constitutivas das subjetividades, como o amor, a morte, a família, e outras
instituições que remontam a um passado mítico e que sempre nortearam nossa visão de
mundo, sofrendo um desmoronamento na sociedade contemporânea. Assim, confrontar
o romance contemporâneo com a epopeia, buscado entender a conceituação de epopeia
negativa, segundo Theodor Adorno parece-nos pertinente, especialmente se pensarmos
a périplo do narrador de Os cus de Judas em relação à narrativa máxima de Odisseu, no
seu regresso à Ítaca. Nosso combatente português, ao contrário daquele, não teria, neste
sentido, uma Ítaca para regressar, condição intrínseca da contemporaneidade a de um
“não-lugar”, da diluição de uma realidade líquida, para nos referir a Zygmunt Baumam.
Muito dos estudos sobre a relação entre memória, história e ficção, já foi
realizado neste semestre. Leitura de outras obras contemporâneas do romance português
já foram realizadas, entre elas, O Delfin, de José Cardoso Pires, Era bom que
trocássemos umas ideias sobre o assunto, de Mário de Carvalho e outros romances de
Lobo Antunes, Memória de Elefante e Fado Alexandrino. Sobre o tempo enquanto
categoria literária, realizam-se no momento as leituras de Tempo e Narrativa, de Paul
Ricoeur, e Para um estudo da expressão do tempo no Romance Português
Contemporâno, de Maria Alzira Seixo.
O estudo da questão da identidade ainda precisa ser aprofundado e a bibiografia
que será usada na articulação dos conceitos também.
Bibliografia
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e difusão
do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. – São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
ANTUNES, Antonio Lobo. Receita para me lerem IN: Segundo Livro de Crônicas,
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002.
______Os cus de Judas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.
______ Fado alexandrino. 8ª ed. RJ: Rocco, 2002
ANTUNES, Jose Freire. A guerra de Africa: 1961-1974. Lisboa: Publico, 1995.
132
Descrição das pesquisas
ARNAUT, Ana Paula. Post-modernismo no romance português contemporâneo:
fios de Ariadne-máscaras de Proteu. Coimbra: Almedina, 2003.
______. (org.). Entrevistas com António Lobo Antunes. Confissões do Trapeiro.
1979-2007. Coimbra: Almedina, 2008.
______. O Arquipélago da Insónia: litanias do silêncio. In Plural Pluriel, Revue des
cultures de langue portugaise, nº 2 automne-hiver, 2008 (http://www.pluralpluriel.org).
______. António Lobo Antunes. Lisboa: Edições 70, 2009.
BHABHA, H.K. (ed.), Nation and narration. London: Routledge, 1990
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 1998.
BLANCO, María Luisa. Conversas com António Lobo Antunes. Trad. Carlos Aboim
de Brito. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
BONNICI, Thomaz & ZOLIN, Lúcia Osana (Organizadores). Teoria Literária:
abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3. ed. rev. e ampl. Maringá/PR:
Eduem, 2009.
BOXER, Charles. O império marítimo português. 1415 – 1825. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
CABRAL, Eunice; JORGE, Carlos J. F.; ZURBACH, Christine (Orgs.). A escrita e o
mundo em Antonio Lobo Antunes: Actas do Colóquio Internacional Antonio Lobo
Antunes da Universidade de Évora. Lisboa: Dom Quixote, 2004.
CANCLINI, Nestor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da
modernidade. Trad. Heloísa Pezza Cintrão, Ana Regina Lessa; tradução da Introdução
Gênese Andrade. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Ed. USP, 2008.
CANDIDO, Antonio. A Educação pela Noite. 5ª Ed. Ouro sobre Azul, Rio de janeiro:
2006.
CORDEIRO, Cristina Robalo. Os limites do romanesco. Colóquio/Letras, Lisboa, n.
143/144, p. 111-133, janeiro/julho 1997.
COSTA, Verônica Prudente. A casa da subjetividade e a Casa Portuguesa em Fado
Alexandrino de António Lobo Antunes. In: Anais do XXII Congresso Internacional
da ABRAPLIP, 2009.
_______, A Perda do Caminho Para Casa em Fado Alexandrino de António Lobo
Antunes: Rio de Janeiro, 2006.
EAGLETON. A idéia de cultura. Tradução Sandra Castello Branco; revisão técnica
Cezar Mortari. São Paulo: Ed. UNESP, 2005.
FEATHERSTONE, Mike. O desmanche da cultura: globalização, pós-modernismo e
identidade.Tradução Carlos Eugênio Marcondes de Moura. – São Paulo: Studio Nobel:
SESC, 1997.
GOBBI, Márcia V. Z. A ficcionalizção da história: mito e paródia na narrativa
portuguesa contemporânea. Unesp, 2007.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
HALL, Stewart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2006.
HUTCHEON, L. Poética do Pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro:
Imago Ed, 1991.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Abril Cultural, 1987. (Coleção Os
Pensadores).
LACEY, H. A linguagem do tempo e do espaço. São Paulo: Perspectiva, 1972.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, São Paulo: Ed. UNESP, 1996.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 5. Ed. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1998.
133
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
OUTEIRO, Maria Lúcia Outeiro. A Arte da Espreita: a narrativa portuguesa
contemporânea. In: BUENO, Aparecida de Fátima [et all.]. São Paulo: Alameda, 2007.
PEIRUQUE. Elisabete. Lembrar é preciso: um diálogo com o esquecimento e a
invenção do passado. In. ROANI, Gerson Luiz (organizador), O Romance Português
Contemporâneo: História, Memória e Identidade. – Viçosa, MG: Arka Editora:
Universidade Federal de Viçosa: Programa de Pós-Graduação em Letras, 2011.
POUILLON, J. O tempo no romance. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1974.
REIS, Carlos.História crítica da literatura portuguesa. Vol. 9. Do neo- realismo ao
Post-modernismo. Lisboa. Verbo, 2006.
______. REIS, Carlos. António Lobo Antunes: uma casa onde se vê o rio. In:
ROANI, Gerson Luiz. No limiar do texto: Literatura e História em José Saramago. São
Paulo: Annablume, 2002.
SANTOS, Boaventura. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade.
7. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1999.
SEIXO, Maria Alzira. Para um estudo da expressão do tempo no romance
português contemporâneo. Ed. INCM, 1987.
______. Os romances de Antonio Lobo Antunes: análise, interpretação, resumos e
guiões de leitura. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
SOUSA, Sérgio Guimarães de; VIEIRA, Agripina Carriço. Dicionário da obra de
António Lobo Antunes. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda, 2008.
TEIXEIRA, Rui de A. A guerra colonial e o romance português. Lisboa: Editorial de
Notícias, 1998. Print
XAVIER, Lola Geraldes. O discurso da ironia em literaturas da língua portuguesa.
Viseu: Novo Imbondeiro, 2007.
ZURBACH, Christine. (org). A escrita e o mundo em António Lobo Antunes: actas
do Colóquio Internacional António Lobo Antunes da Universidade de Évora. 1ª ed.
Évora. Publicações Dom Quixote: 2002. p.113 – 121.
134
Descrição das pesquisas
O DUELO DOS PASTORES: UM ESTUDO SOBRE A FIGURATIVIDADE NAS
BUCÓLICAS DE VIRGÍLIO
Caroline Talge Arantes
Mestranda – Bolsista CAPES
Prof. Dr. Márcio Thamos (Or.)
O entendimento da estrutura morfossintática do texto, proporcionada pela
análise morfológica do enunciado, frase a frase, base para sua leitura, dá condições para
se fazer o que chamamos de “tradução literal”, ou “de estudo”, ou ainda “tradução de
serviço” – aquela que, como diz Alceu Dias Lima (2003, p. 13), preza pela transmissão
do conteúdo gramatical:
[...] o resultado da tarefa de traduzir não se distingue muito da análise
ou descrição do sistema gramatical. A esta podemos chamar tradução
de serviço, como fazem professores italianos. As exigências quanto a
esse tipo de tradução não vão além dos conhecimentos subministrados
pelos gramáticos e gramáticas da tradição e pelas outras obras de
referência, no que concerne ao léxico, ou antes, às definições léxicas
ali consagradas.
Os cinco (5) primeiros meses que iniciaram o desenvolvimento da pesquisa
foram, portanto, dedicados a esse exercício de tradução, que constitui chave para o
entendimento sistemático do texto latino. Ao funcionar como referência para a leitura
do texto original, sem que haja pretensão de expressar em português o equivalente à
poeticidade percebida em latim, essa tradução final vem seguida de notas que trarão
explicações e breves comentários acerca de dados de uma cultura tão distante
temporalmente da nossa. Elas são necessárias a uma compreensão mais integral do
poema e têm por base obras de referência indicadas na bibliografia que consta no
projeto apresentado ao Programa de Pós-Graduação, tais como dicionários de língua,
literatura e mitologia clássicas.
O período decorrido do desenvolvimento da pesquisa, também abrangeu a
frequência na disciplina do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários
intitulada “Mito e poesia: relatos mitológicos na poesia clássica greco-latina”. O curso
proporcionou embasamento acerca do papel do mito na literatura e as diversas formas
135
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
de sua abordagem no texto antigo. A monografia final está em fase de elaboração e
tratará da manifestação mitológica do texto virgiliano: córpus da pesquisa de mestrado
em andamento.
Concomitantemente a essas atividades, foi realizada uma atualização
bibliográfica decorrente de leituras reflexivo-críticas e interpretativo-explicativas, com
vistas ao reconhecimento de conceitos-chave para o desenvolvimento da pesquisa, tais
como poeticidade e figuratividade.
Passos seguintes
Devido aos esforços que requer o trabalho com uma língua antiga, e respeitandose o princípio de exequibilidade da pesquisa, fez-se a opção, no âmbito de mestrado,
pela análise dos poemas de número ímpar (I, III, V, VII e IX).
Tal seleção justifica-se pelo caráter singular observável nos textos pares e
ímpares das Bucólicas (os primeiros caracterizados como narrativas líricas e os últimos
como poemas dramáticos), numa dualidade de aspecto formal já percebida por João
Pedro Mendes:
Numa observação colhida em simples leitura exploratória, torna-se
patente a alternância de diálogos (I, III, V, VII e IX) e monólogos (II,
IV, VI, VIII e X), ou melhor, na primeira série, o diálogo está presente
em todo o texto ou na maior parte dele, ao passo que, na segunda, o
canto prevalece sobre o discurso. Isto, de per si, já é revelador, não
podendo ser obra de mero acaso. (MENDES, 1982, p. 43).
Buscar fundamentação para explorar esse caráter dramático dos poemas ímpares
é a principal razão da escolha em cursar a disciplina “Poesia e Espetáculo: a Tragédia
Grega” (a ser realizada no segundo semestre de 2013), que traz em sua ementa, entre
outros tópicos, a abordagem das origens da poesia dramática.
Já a disciplina “Tópicos de História da Tradução” (a ser realizada no segundo
semestre de 2013) visa refletir sobre as relações entre literatura e tradução. Para tanto,
será tratada a tradução e o intercâmbio de formas e temas literários entre línguas e
culturas. São, portanto, temas de aproveitamento à pesquisa de mestrado, que tem como
córpus um texto em língua latina, datado do séc. I a.C. O tópico presente na ementa,
“Tradução e Semiótica: Jackobson e Alceu Dias Lima”, será de grande contribuição ao
estudo.
136
Descrição das pesquisas
Será realizada a análise da estrutura semiótica dos poemas pastoris selecionados,
já traduzidos, com o intuito de reconhecer com clareza os efeitos de sentido apreendidos
por meio da leitura em língua latina e descrever metalinguisticamente os recursos
básicos da figuratividade poética responsáveis pela expressão desses efeitos.
Além disso, deverá ser elaborada a redação do relatório de qualificação da
pesquisa, cujo exame está previsto para 04 de novembro de 2014.
Bibliografia
LIMA, A. D. Possíveis correspondências expressivas entre latim e português: reflexões
na área de tradução. Itinerários: revista de literatura (Semiótica), Araraquara, n. 20
(especial), p. 13-22, 2003.
MENDES, J. P. Construção e arte das Bucólicas de Virgílio. Tese de doutorado,
Faculdade Filosofia, Letras e Ciências Humanas USP, 1982.
137
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
DEFINIÇÃO DO IDIOMA ESTILÍSTICO SENEQUIANO NAS TRAGÉDIAS
OEDIPUS E PHOENISSAE: UMA PROPOSTA DE TRADUÇÃO EXPRESSIVA
Cíntia Martins Sanches
Doutoranda – Bolsista FAPESP
Prof. Dr. Brunno Vinicius Gonçalves Vieira (Or.)
O projeto que aqui se apresenta tem como objeto as tragédias Oedipus e
Phoenissae, escritas em meados do século I pelo autor latino Lucius Annaeus Seneca (4
a.C.? – 65 d.C.). Consiste em um estudo crítico sobre a tessitura poética do texto latino
através da proposta de uma tradução expressiva em português para esses dois dramas.
Em outras palavras, este trabalho pretende definir o idioma estilístico de Sêneca no
córpus e transpor esse idioma para o português.
Dentre as tragédias senequianas, Oedipus e Phoenissae são as únicas que tratam
da saga dos Labdácidas. Assim, um córpus constituído por essas duas tragédias é ideal
para uma abordagem completa sobre o tratamento dado por Sêneca ao mito de Édipo. A
definição do idioma estilístico senequiano na composição dessas duas obras contribui
para que o entendimento sobre os procedimentos literários encontrados possa ser vertido
para o português com maior precisão, a partir da observação das semelhanças e das
diferenças entre os recursos de ambos os dramas.
As tragédias a serem estudadas são marcadas pelo uso abundante de recursos
expressivos, comumente classificados como figuras de linguagem, bem como por
astúcias expressivas presentes nos planos fônico, lexical, morfossintático e métrico. Este
projeto propõe uma investigação de como se orquestram expressão e conteúdo no
enunciado poético, oferecendo uma tradução expressiva ou, nos termos de Brodsky,
procurando um equivalente desses recursos em português.
O texto de Phoenissae consta de 664 versos em trímetros iâmbicos, metro
tradicionalmente empregado nos diálogos dramáticos, que é também bastante
empregado entre os 1061 versos que compõem Oedipus. Assim, há de se refletir sobre a
escolha métrica em português para a tradução desse verso. Além dele, há outros metros
empregados em Oedipus, nos cinco cantos corais e em certas partes dialogadas, “para
marcar mudanças na dinâmica dos eventos ou caracterizar a tonalidade específica de
uma fala em particular” (Lohner, 2009, p. 146-147).
138
Descrição das pesquisas
Este projeto propõe que seja escolhido o verso de dez sílabas, em busca de uma
equivalência expressiva entre o texto de partida e o de chegada. O uso do decassílabo
pode ser justificado por uma tradição de equivalência que vem de tragediógrafos como
Antônio Ferreira e Manuel de Figueiredo, bem como de tradutores do gênero trágico,
como Filinto Elísio, José Feliciano de Castilho, Sebastião Francisco Mendo Trigozo,
João Cardoso de Meneses e Sousa e Trajano Vieira. Dezotti discute o estabelecimento
de relações entre os metros latinos e os portugueses durante a história dos gêneros em
geral:
a partir do séc. XVI principalmente, os poetas da literatura portuguesa
passaram a cultivar, em nosso idioma, os vários gêneros poéticos
característicos das literaturas grega e latina, como a epopéia, a ode, a
écloga, o epigrama, a epístola, etc. Para cada um desse gêneros, eles
foram elaborando uma ou mais estruturas rítmicas, que certamente,
eram tidas como correspondentes das estruturas empregadas pelos
gregos e romanos. É claro que essa correspondência foi realizada de
um modo puramente arbitrário e convencional. Mas o que importa
salientar é que ela permitiu que se desenvolvesse nos leitores de
língua portuguesa o hábito de associarem formas rítmicas próprias do
nosso sistema poético a gêneros provenientes da antiguidade clássica
(DEZOTTI, 1990, p. 127).
Assim, o decassílabo está intrinsecamente ligado ao gênero trágico, se se
levarem em conta o histórico de correspondências em português nesse metro e a
consequente equivalência estabelecida. Outrossim, a escolha do metro pode “projetar
questões de estilo no texto de chegada” (Vieira, 2007, p. 139). Nessa perspectiva,
acredita-se que o decassílabo (sáfico ou heroico) está mais próximo daquilo que este
trabalho pretende definir como idioma estilístico de Sêneca. Se o metro estabelece um
ritmo ao texto e, se “cada ritmo é uma atitude, um sentido e uma imagem do mundo,
distinta e particular” (Paz, 1972, p. 61), então, a escolha pelo decassílabo carrega em si
alguns significados, como a compreensão dinâmica, consequente e contínua do texto
teatral. Afirma Oliva Neto (2007, p. 26) que a tradução de Bocage de Metamorfoses, de
Ovídio, em decassílabos, reduz o número de sílabas dos hexâmetros ovidianos e,
consequentemente, aumenta o número de versos na versão portuguesa:
Bocage [...] empregara o decassílabo e, ainda não preocupado com o
fato de desprender um número maior de versos, não procura,
condensando, reduzir ou resumi-los. Como a unidade rítmica do
poema é um verso mais conciso do que o dodecassílabo e o
alexandrino – a tradução no todo, a despeito da maior dimensão que
assume, ritmicamente é de uma concisão dinâmica.
139
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Quanto às partes de Oedipus nas quais não é utilizado o trímetro iâmbico,
mas outros tipos de metros, o projeto de tradução aqui proposto procurará ser pertinente
e coerente à escolha rítmica de cada passagem, escolhendo, oportunamente, o metro
português mais adequado, não deixando de observar correspondências rítmicas já
estabelecidas na história da tradução desse gênero. Há, por exemplo, em Oedipus,
versos em tetrâmetro catalético trocaico (de 223 a 232), versos em hexâmetro datílico
(de 233 a 238) e versos polimétricos (em diversas partes, especialmente nos coros).
Este estudo contribui para as discussões acerca da literatura latina, da obra de
Sêneca e, mais especificamente, das tragédias Oedipus e Phoenissae, detectando os
procedimentos de construção textual e os projetos artísticos que amparam os resultados
obtidos pelo autor em sua obra. Assim, continuar-se-ão os estudos iniciados em nível de
Iniciação Científica (tradução dos cantos corais de Oedipus) e de Mestrado (introdução,
tradução e notas de Phoenissae) por esta pesquisadora, com aprofundamento na
pesquisa sobre o texto, agora, com foco na expressividade relacionada à construção do
estilo trágico em Sêneca ou, nos termos de Brodsky (1994, p. 84-85), “o idioma
estilístico” de Sêneca.
Além do estudo acima referido, a importância e relevância almejadas neste
trabalho advêm ainda da tradução poética de textos diretamente do latim para a língua
portuguesa. Ainda não há publicação em português de uma tradução poética de
Oedipus, tampouco de Phoenissae. Aliás, a única tradução de Phoenissae para o
português a que se pode ter acesso é a tradução de estudo que foi produzida pela autora
deste projeto, e que está publicada no banco de dissertações online da UNESP1. Mesmo
que houvesse outras traduções expressivas ou não desses textos, o trabalho ainda teria
importância fundamental, já que as versões de um texto em outra língua podem ser as
mais diversas possíveis, segundo a interpretação da obra original pelo tradutor e de
acordo com as suas escolhas linguísticas. É certo, além disso, que a linguagem precisa
de constante revisão, dada a variação linguística do público receptor de cada momento
histórico. Como afirmou Benjamin (1972, p. 197), “mesmo a maior tradução está fadada
a desaparecer dentro da evolução de sua língua e a soçobrar em sua renovação”.
1
SANCHES, C.M. Phoenissae de Sêneca: estudo introdutório, tradução e notas. Dissertação
(Mestrado). Orientação: Márcio Thamos. Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciência e Letras,
Campus de Araraquara, 2012.
140
Descrição das pesquisas
As traduções poéticas neste projeto propostas deverão ser direcionadas ao
público acadêmico, especializado em estudos clássicos, bem como a quem tiver
interesse pelos textos da Antiguidade Clássica.
Brodsky (1994), em “O filho da civilização”, trata de traduções de textos do
poeta Mandelstam para o inglês que ele julga como sendo de má qualidade, a partir do
princípio de que “o mínimo que se pode esperar de seus tradutores [de Mandelstam] é
pelo menos uma aparência de paridade [semblance of parity]” (Brodsky, 1994, p. 84)
afirma que essa paridade pode ser conquistada por meio de uma afinidade estilística:
[…] o idioma estilístico (stylistic idiom) que poderia ser usado para
traduzir Mandelstam é o do Yeats dos últimos anos (com quem
também tem muito em comum do ponto de vista temático). […] Mas
além da perícia técnica e de uma afinidade psicológica, a coisa mais
crucial que um tradutor de Mandelstam precisa possuir ou então
desenvolver é um sentimento análogo (like-minded sentiment) ao seu
pela civilização (BRODSKY, 1994, p. 84-85).
Sobre o conceito de idioma estilísco, Vieira (2007, p. 103) observa que “embora
o conceito de idioma estilístico não seja claramente explicitado, Brodsky parece ter em
mente tanto questões temáticas (o que se depreende da alegada afinidade temática entre
Mandelstam e Yeats), como também prosódicas”. Vieira (2007, p. 103) acrescenta que:
O conceito de “idioma estilístico” é bastante inquietante e faz pensar
nas analogias possíveis entre poetas, entre versos, entre poemas. De
fato, na medida em que a tradução expressará uma leitura possível de
um texto em determinado ambiente histórico e idiossincrático, a
elaboração de um idioma estilístico estará condicionada a um ato
interpretativo.
Dessa forma, o raciocínio em torno desse conceito se completa com a noção de
tradução como interpretação, presente nos seguintes dizeres de Barbosa (1986, p. 156):
Tradução agora não mais apenas como busca do Sentido […] mas
como produção de sentidos. Isto significa, sobretudo, imantar, para o
campo magnético da tradução, um elemento fundamental: a
interpretação. Na verdade, sob o ângulo da produção de sentidos, a
tradução importa na possibilidade de ser caracterizada como veículo
de interpretações. Traduzir já não significa buscar o Sentido mas
apontar para a própria feição polissêmica das linguagens. Tradutor:
intérprete.
Bibliografia
141
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
BARBOSA, J. A. Envoi, A tradução como resgate. In: _______. As ilusões da
modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1986. p. 155-8
BENJAMIN, W. A tarefa-renúncia do tradutor [Trad. S. K. Lages]. In:
HEIDERMANN, W. (Org.) Clássicos da teoria da tradução. Florianópolis: EDUFSC,
2001. p. 187-215.
BRODSKY, J. O filho da Civilização. In: __________. Menos que um: ensaios. Trad.
Sérgio Flaksman. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
DEZOTTI, José Dejalma. O epigrama latino e sua expressão vernácula. Dissertação de
Mestrado — FFLCH-USP. São Paulo, 1990.
KLEIN, Giovani Roberto. O Édipo de Sêneca : tradução e estudo crítico. Dissertação
(Mestrado), Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.
Campinas, 2005.
LOHNER, J. E. S. Posfácio: O Agamêmnon de Sêneca. In: SÊNECA. Agamêmnon. São
Paulo: Globo, 2009.
OLIVA NETO, J. A. Bocage e a tradução poética no século XVIII. In: OVÍDIO.
Metamorfoses. Trad. de Bocage. São Paulo: Hedra, 2000.
PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. Col. Logos.
Tradução de Olga Savary.
SENECA, L. A. Seneca’s Phoenissae: introduction and comentary by Marica Frank.
New York: E. J. Brill, 1995.
VIEIRA, B. V. G. FARSÁLIA, de Lucano, cantos I a IV: prefácio, tradução e notas.
2007. 340 p. Tese (Doutorado em Estudos Literários), Universidade Estadual Paulista,
Araraquara, 2007.
142
Descrição das pesquisas
A MEMÓRIA, O TEMPO E O CORPO FEMININO EM DEBATE – UM NOVO
OLHAR E UMA NOVA CRÍTICA PARA A LITERATURA PRODUZIDA POR
MULHERES
Cristal Rodrigues Recchia
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria Dolores Aybar Ramirez (Or.)
Tema, justificativa e corpus
Como se dá a representação da mulher e do feminino na literatura? Qual o limite
entre ficção e realidade em um texto autobiográfico? Existiria uma estética do
feminismo? A existência ou não de algum tipo de especificidade que faz um texto
escrito por uma mulher diferente de um texto escrito por um homem, ou a existência de
um texto feminino, independente do sexo do autor, são questões que nos levam a
diferentes caminhos teóricos. Em grande parte, esse polêmico tema está ligado aos
múltiplos significados socioculturais que o termo “feminino” carrega. É quase
impossível dissociar o feminino da mulher, embora a feminilidade não seja algo
exclusivo das mulheres, como a masculinidade não é algo exclusivo dos homens. O que
se torna importante tanto no estudo da literatura produzida por mulheres, quanto na
compreensão do que é feminino, é aceitar que pode existir uma diferença, ou ao menos,
problematizar essa discussão. Isto não quer dizer que o diferente, o outro, no caso, o
feminino, seja inferior ou marginal. Essa é uma das bandeiras levantadas por Lúcia
Castello Branco (1994, p. 62), quando diz que é preciso conseguir “se fazer ouvir em
sua outridade. Não o modelo unissex, mas a diferença”. Por outro lado, este tipo de
reflexão pode ser arriscado, como lembra Heloisa Buarque de Hollanda (1994, p.10),
uma vez que se identifica o feminino com o “outro”, e assim paradoxalmente,
possibilita-se a existência de certa colaboração com a perpetuação da cultura misógina.
O eixo de nossas reflexões são, desta forma, questões que envolvem os estudos de
gênero aplicados à literatura. Nosso embasamento teórico aborda as reflexões de Elaine
Showalter (1994), e Kate Millett (1969).
Para compor o corpus escolheu-se os diários não expurgados de Anaïs Nin:
Henry e June, Incesto e Fogo, que cobrem o período de 1931 a 1937. Este recorte, que
143
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
prioriza os diários de Anaïs Nin, em prol de suas obras ficcionais, serve-nos de alicerce
quanto às questões da exclusão do cânone que as autobiografias e os diários sofreram.
Tais questões se potencializam quando somamos a gêneros banalizados a autoria
feminina, que historicamente também foi excluída. De certa forma, questionar o cânone
é questionar os mecanismos de perpetuação dos discursos de autoridade da sociedade
patriarcal.
Anaïs Nin (1903-1977) manteve desde os seus quatorze anos até o final de sua
vida diários pessoais, nos quais se sobressaem a sensualidade e a sensibilidade de como
interpretava o mundo ao seu redor. Fortemente influenciada pela psicanálise freudiana e
pelo movimento feminista, Anaïs tem nas relações sexuais e amorosas o fio condutor de
grande parte de sua obra. Porém, muito além do erotismo, seus escritos são histórias de
libertação e superação. Seus diários são considerados pela própria autora uma versão
sem cortes do mundo, que para ela era uma versão “feminina” dos fatos (NIN, 2008a, p.
13-14).
O diário, desde seu surgimento, foi um gênero marcado por uma série de traços
característicos, sendo os principais, a fragmentação da narrativa, a notação cronológica
e a presença de um suposto testemunho dos fatos. É um gênero que pretende uma
representação mais fiel da realidade, uma representação não ficcional, em que quem fala
participou dos fatos narrados, e revela talento para um olhar entusiasmado pelo
cotidiano. Ao mesmo tempo, é inevitável ao leitor comum questionar se o que o diário
nos oferece corresponde a um passado verdadeiro, ou se os fatos ocorreram de maneira
diversa; cabe lembrar que se trata de um tipo de escrita subjetiva, autobiográfica.
Phillippe Lejeune assim define autobiografia: “relato retrospectivo em prosa que uma
pessoa real faz de sua própria existência, dando ênfase na sua vida individual e, em
particular, na história de sua personalidade” (LEJEUNE apud REMÉDIOS, 1997, p.
12). “Assim, ao relatar sua história, o indivíduo chega a si mesmo, situa-se como é, na
perspectiva do que foi” (REMÉDIOS, 1997, p. 12).
Se, porém, nos prolongarmos em relação ao questionamento de “verdades” e
“mentiras” em um diário, chegamos em Barthes (apud KLINGER, 2007, p. 40), quando
o autor diz que “não é que a verdade sobre si mesmo só pode ser dita na ficção, mas
quando se diz uma verdade sobre si mesmo deve ser considerada ficção”. Ou chegamos
em Mario Vargas Llosa (2007), em seu texto “A verdade das mentiras” em que coloca
em cheque a verdade dentro da literatura: “Não se escrevem romances para contar a
144
Descrição das pesquisas
vida, senão para transformá-la, acrescentando-lhe algo” (LLOSA, 2007, p. 13). Ou
temos ainda a opinião de Dante Moreira Leite (1964), quando diz:
Toda biografia é trabalho de interpretação e, portanto, de imaginação
criadora. [...] No caso da autobiografia, o processo não parece muito
diverso, apesar da ilusão de maior verdade: ninguém diz tudo a
respeito de si mesmo, e a verossimilhança e o sentido de uma vida
dependem de critérios que não são dados, diretamente, pela ação
(LEITE, 1964, p. 17).
Quando Leite (2007) nos diz que toda biografia, e consequentemente, toda
autobiografia é um trabalho de interpretação, chegamos justamente à leitura que
propomos dos diários de Anaïs Nin, quando o que se tem é a interpretação de fatos
corriqueiros feita pelo olhar de uma mulher. Como a mulher vê a sociedade em que vive
é algo que ficou fora da História oficial, com Anaïs Nin a mulher sai dos bastidores.
Todavia, existe uma marginalização político-literária de gênero, que coloca a
narrativa autobiográfica (memórias, cartas, autobiografias e diários), como sendo “coisa
de mulher”, o que resulta em sua exclusão do cânone. Em particular, o diário configurase como o gênero narrativo menos valorizado e mais identificado com a escritura de
autoria feminina. Para Elódia Xavier (1991; 1998), a autoria feminina identifica-se nos
temas tratados de forma recorrente nos textos escritos por mulheres, os quais seriam:
falar de mulheres; uso dominante da primeira pessoa; tom confessional; busca de
identidade; presença da família e do espaço doméstico.
Os diários, em grande parte, retratam o dia-a-dia da família, e estão repletos de
observação dos detalhes banais da vida. Madeleine Foisil (1991, p. 336) dá um valor
especial a esta subjetividade contida nos diários: “Os autores de memórias que mais se
aproximam da vida privada fornecem, assim, um depoimento insubstituível”.
A produção sobre a escrita feminina e a crítica feminista inicia-se nos anos de
1970, e, já no início dos anos 80, os estudos passam a ser aglutinados em duas grandes
linhas: a anglo-americana e a francesa. Isabel Allegro de Magalhães (1995, p.18-20)
define a crítica feminista anglo-americana como estudo concentrado na busca de uma
atitude reivindicativa da mulher frente a sua condição feminina na sociedade, mais
preocupada com o conteúdo dos textos do que com a sua expressão lingüística. Já a
linha francesa, de formação mais filosófica, lingüística e psicanalítica, preocupou-se
com a definição da identidade feminina, que deveria ser expressa através de uma
linguagem própria ligada às experiências do corpo da mulher. Contudo, Elaine
145
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Showalter (1994), separa a linha inglesa da americana. Temos então, segundo Showalter
(1994, p. 31), três grandes linhas, cada qual com suas características: a linha inglesa, de
base marxista, que procura salientar a opressão sofrida pelas mulheres; a linha francesa,
de base psicanalítica e desconstrucionista, tendo como principais teóricos Freud, Lacan
e Derrida, e que procura salientar a repressão sofrida pelas mulheres; e a linha
americana, baseada no texto, que procura salientar a expressão das mulheres na
literatura.
Após discutir cada corrente, Elaine Showalter propõe uma nova linha que
englobe tanto a linha inglesa quanto a americana e a francesa. Essa nova teoria é
chamada pela autora de ginocrítica – Gynocritics (SHOWALTER, 1994, p. 29 e 31).
Em seu texto, Showalter busca construir um quadro teórico para a atual crítica feminista
norte-americana. Segundo a autora (SHOWALTER, 1994, p. 24), a crítica feminista
encaixa-se entre a ideologia feminista e o ideal do desprendimento, sendo esse o
território da teoria no qual as mulheres devem tornar visível sua presença. Showalter
busca uma crítica científica, e não uma crítica baseada na experiência. Assim, o que
falta à crítica feminista é definir-se em relação às outras teorias.
A autora salienta ainda que toda crítica feminista é, de alguma forma,
revisionista: “Não obstante, a obsessão feminista em corrigir, modificar, suplementar,
revisar, humanizar ou mesmo atacar a teoria crítica masculina mantém-nos dependentes
desta e retarda nosso progresso em resolver nossos próprios problemas teóricos”
(SHOWALTER, 1994, p. 27-28).
É justamente quando a crítica feminista muda seu foco de leituras revisionistas
para uma investigação consistente da literatura feita por mulheres que começa a existir a
ginocrítica: abertura de muitas oportunidades teóricas que não se encaixam na crítica
feminista. Surgem, então, duas grandes questões: como podemos considerar as mulheres
um grupo literário distinto? Qual a diferença nos escritos das mulheres?
Quem inaugurou o novo período da crítica feminista preocupada com a diferença
da forma dos escritos literários feitos por mulheres foi Patrícia Meyer Spacks, em 1975.
A mudança de ênfase – olhar exclusivamente voltado aos escritos feitos por mulheres –
também ocorreu na crítica francesa, o que a aproxima da crítica americana. A questão
sobre como a mulher é percebida e percebe o mundo, é vista por Showalter (1994) como
uma zona selvagem, que deve estar fora dos limites do espaço patriarcal. É um “lugar”
exclusivamente feminino, aonde o homem não pode chegar, enquanto, todo o “espaço”
masculino é acessível às mulheres. É nesse espaço que algumas estudiosas se
146
Descrição das pesquisas
concentram, como, por exemplo, as francesas. Porém, a autora lembra que é impossível
fazer crítica fora dos limites da estrutura dominante:
[...] cada passo dado pela crítica feminista em direção à definição da
escrita das mulheres é, da mesma forma, um passo em direção à
autocompreensão; cada avaliação de uma cultura literária e de uma
tradição literária femininas tem uma significação paralela para nosso
lugar na história e na tradição crítica (SHOWALTER, 1994, p. 50).
O conhecimento da realidade em que se está inserida é a grande conquista que o
feminismo e a crítica feminista podem proporcionar à vida de uma mulher, quando ela
deixa de viver como uma boneca, e passa a ter vida própria.
Pretende-se através de estudos históricos, filosóficos e de teoria literária
alcançarmos uma nova posição crítica à cerca da literatura produzida por mulheres.
Existiria, então, algo que poderíamos chamar de estética do feminismo, ou uma estética
da literatura produzida por mulheres? Se traçarmos o caminho ditado pelos diários de
Anaïs Nin, poderíamos chamá-la, inclusive, de estética da libertação: a mulher
consciente de seu papel sócio-cultural, e livre em sua sexualidade.
Objetivos
Os principais objetivos são:
•
Fazer uma análise crítica das obras Henry e June, Incesto e Fogo de Anaïs
Nin, sob o foco da ginocrítica de Elaine Showalter;
•
Observar e analisar a construção do tempo nos diários de Anaïs Nin;
•
Observar e analisar a representação do corpo feminino na escrita de Anaïs
Nin;
•
Observar e comparar a estrutura das relações sociais, além de traçar de que
maneira o contexto histórico construído nas obras interfere na vida da autora;
•
Observar como a narradora coloca seus conflitos existenciais em seu relato.
Resultados
147
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Nestes primeiros anos de pesquisa, além de cursar as disciplinas obrigatórias, o
principal objetivo do trabalho foi levantar a fortuna crítica de Anaïs Nin, e retomar o
estudo feito no mestrado das principais correntes teóricas à cerca da escrita feminina, da
escrita de autoria feminina e do feminismo. Além disso, publicamos um artigo a partir
dos estudos do mestrado, e produzimos cinco monografias para as disciplinas da pós,
que pretendemos transformá-las em capítulos da tese.
Bibliografia
BEAUVOIR, S. O segundo sexo: 2: A experiência vivida. Tradução de Sergio Milliet.
3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BOOTH, W. C. A retórica da ficção. Trad. Maria Teresa H. Guerreiro. Lisboa:
Minerva/Arcádia, 1980.
BOSI, A. O tempo e os tempos. In: NOVAES, A. (Org.). Tempo e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006. p. 19-32.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. Trad. Maria Helena Kühner. Rio de Janeiro:
Berthand Brasil, 2005.
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato
Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CANDIDO, A. et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2004.
CANDIDO, A. Literatura e sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000.
CASTELLO BRANCO, L.; BRANDÃO, R. S. A mulher escrita. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2004.
CASTELLO BRANCO, L. A traição de Penélope. São Paulo: Annablume, 1994.
CASTELLO BRANCO, L. O que é escrita feminina. São Paulo: Brasiliense, 1991.
COSTA, C. L.; SCHMIDT, S. P. (Org.). Poéticas e políticas feministas. Florianópolis:
Mulheres, 2004.
DELGADO, L. A. N. História oral: memória, tempo e identidades. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006.
HÉBRARD, J. Por uma bibliografia das escrituras ordinárias: a escritura pessoal e seus
suportes. Trad. Analucia Teixeira Ribeiro. In: MIGNOT, A. C. V.; BASTOS, M. H. C.;
CUNHA, M. T. S. (Org.). Refúgios do eu: educação, história e escrita autobiográfica.
Florianópolis: Mulheres, 2000.
FOISIL, M. A escritura do foro privado. In: CHARTIER, R. (Org.) História da vida
privada, 3: da Renascença ao Século das Luzes. Trad. Hildegard Feist. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991. p. 331-369.
KLINGER, D. Escritas de si, escritas do outro: o retorno do autor e a virada
etnográfica. Rio de Janeiro: 7 letras, 2007. p. 19-57.
LEITE, D. M. Ficção, biografia e autobiografia. In: O amor romântico e outros temas.
São Paulo: Imprensa Oficial, 1964. p. 17-25.
LLOSA, M. V. A verdade das mentiras. In: _____. A verdade das mentiras. São
Paulo: Arx, 2007. p. 11-26.
MAGALHÃES, I. A. O sexo dos textos. Lisboa: Caminho, 1995.
MOI, T. Teoría literaria feminista. Trad. Amaia Bárcena. 4ª edición. Madrid: Cátedra,
2006.
MOI, T. Sexual textual politics: feminist literary theory. London: Routledge, 1981.
MILLETT, K. Política sexual. Lisboa: Dom Quixote, 1969.
148
Descrição das pesquisas
NIN, A. Fogo: diários não-expurgados de Anäis Nin (1934-1937). Trad. Guilherme da
Silva Braga. Porto Alegre: L&PM, 2011.
NIN, A. Delta de Vênus: histórias eróticas. Trad. Lúcia Brito. Porto Alegre: L&PM,
2008a.
NIN, A. Henry e June: diários não-expurgados de Anäis Nin (1931-1932). Trad.
Rosane Pinho. Porto Alegre: L&PM, 2008b.
NIN, A. Incesto: diários não-expurgados de Anäis Nin (1932-1934). Trad. Guilherme
da Silva Braga. Porto Alegre: L&PM, 2008c.
NUNES, B. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 2003.
NYE, A. Teoria feminista e as filosofias do homem. Trad. Nathanael C. Caixeiro. Rio
de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1995.
PELLEGRINI, T. Realismo: postura e método. Letras de hoje. Porto Alegre, v. 42, n.
4, p. 137-155, dezembro 2007.
REMÉDIOS, M. L. R. Literatura confessional: espaço autobiográfico. In: _____.
Literatura confessional: autobiografia e ficcionalidade. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1997. p. 09-15.
RECCHIA, C. Perspectivas femininas em Helena Morley e Lygia Fagundes Telles:
Minha vida de menina e As meninas. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários).
UNESP – Universidade Estadual Paulista – FCL/Ar – Faculdade de Ciências e Letras de
Araraquara. Araraquara, 2008.
ROCHA, C. Máscaras de Narciso: estudos sobre a literatura autobiográfica em
Portugal. Coimbra: Gráfica de Coimbra, 1992.
SHOWALTER, E. La crítica feminista en el desierto. In: FE, Marina. Otramente:
lectura y escritura feministas. México: Fondo de Cultura Económica, 1999, p. 78-82.
SHOWALTER, E. A crítica feminista no território selvagem. Trad. Deise Amaral. In:
HOLLANDA, E. B. (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica da
cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 23-57.
SHOWALTER, E. A literature of their own: british women novelist from Brontë to
Lessing. Princenton, N. J., Princenton University Press, 1977.
VALLADARES, H. do C. P. (Org.). Paisagens ficcionais: perspectivas entre o eu e o
outro. Rio de Janeiro: 7 letras, 2007.
VIANNA, M. J. M. Do sótão à vitrine: memórias de mulheres. Belo Horizonte:
UFMG, 1995.
WOOLF, V. Um teto todo seu. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2004.
XAVIER, E. Que corpo é esse? O corpo no imaginário feminino. Florianópolis:
Mulheres, 2007.
XAVIER, E. Declínio do patriarcado: a família no imaginário feminino. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 1998.
XAVIER, E. Tudo no feminino: a mulher e a narrativa brasileira contemporânea. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
ZOLIN, L. O. Literatura de autoria feminina. In: _____. Teoria literária: abordagens
teóricas e tendências contemporâneas. Maringá: Eduem, 2004. p. 253-261.
149
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
POR UMA IMAGEM DA LITERATURA: A POÉTICA DO DIRETOR LUIZ
FERNANDO CARVALHO
Cristiane Passafaro Guzzi
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan (Or.)
A possibilidade de um estudo pormenorizado sobre o processo criativo de
minisséries televisivas, baseadas na transposição de obras literárias, instigou-nos a
querer compreender de forma mais rigorosa as relações existentes entre Literatura e
Cinema, Literatura e Televisão, especialmente o trabalho realizado pelo diretor Luiz
Fernando Carvalho. A enunciação de suas realizações televisivas (Hoje é dia de Maria;
A Pedra do Reino; Capitu) parece produzir enunciados que reúnem a história da obra
em questão e a história da crítica dos contos e/ou romances transpostos, de modo
deliberado e atualizado. Esse resgate se revela na obra transposta, oferecendo outras
possibilidades de compreensão e significação, que remetem não somente ao autor
primeiro, mas a esse Carvalho-autoral que consegue, antropofagicamente, transpor o
que era do universo literário da obra e do universo literário do autor, para um universo
sincrético.
Ao encontramos certas invariantes estéticas presentes na construção da
minissérie Hoje é dia de Maria e tendo em vista o desenvolvimento do projeto de
mestrado, - o qual analisamos o processo de leitura realizado por Carvalho na
transposição do romance Dom Casmurro para a minissérie Capitu-, pensamos na
possibilidade de averiguação/comparação de tais procedimentos, constituintes do ato
criativo do diretor, em suas demais realizações, seja em seu único filme, Lavoura
Arcaica (2001), seja em suas demais transposições literárias para a televisão - A pedra
do reino (2007). O andamento da pesquisa do mestrado realizada com o estudo da obra
Capitu1nos instigou a testar nas demais obras do diretor as recorrências que consolidam
uma poética de escancaramento, e a qual estamos tentando delinear2. Assim, a
1
Vale ressaltar que tanto a minissérie Hoje é dia de Maria quanto a minissérie Capitu já foram analisadas
por nós. A primeira, no projeto de IC, a segunda, no andamento do mestrado até sua qualificação.
2
Propusemos que tal poética vai se (con)figurando na combinação de duas tendências igualmente fortes
de composição: na exploração de objetos usados em cena, em geral reciclados, tecidos velhos,
artesanatos etc., combinados com o que existe de mais tecnológico, em termos de atualização e recriação
150
Descrição das pesquisas
possibilidade de elencarmos tais invariantes em um projeto ampliado e que contempla
quase toda a obra do diretor nos remeteu à viabilidade de um estudo sobre a construção
do ethos carvalhiano.
Desse modo, o que queremos ressaltar em relação à produção de Luiz Fernando
Carvalho, portanto, é que o ethos deste enunciador-leitor sincrético parece estar sendo
reafirmado em cada novo trabalho artístico. Embora o filme Lavoura Arcaica,
transposição do romance homônimo (1975) do escritor Raduan Nassar, não integralize o
córpus que se pretende analisar com a continuidade desta pesquisa3, tentaremos
estabelecer as relações existentes entre a linguagem cinematográfica explorada pelo
diretor em um suporte outro, a televisão, fundindo ambas as linguagens, de acordo com
suas especificidades. Há, dessa forma, a tentativa de traçarmos um modo de fazer
televisivo que rompa com a hegemonia desse gênero que, predominantemente, parece
voltar-se para uma produção serializada, um público de massa, a fabricação de um
produto comercial.
Nas realizações de Carvalho, o que temos, para investigação e análise, é mais o
esboço de um caminho de leitura empreendido pelo realizador que se faz crítico-leitor,
constituindo uma espécie de ensaio televisivo, distanciando-se de uma simples
passagem de um texto para outro sistema. Para um público majoritário de
entretenimento de massa, com interesses heterogêneos e dispersos, tal tentativa do
diretor, na Rede Globo de Televisão, inaugura um espaço para um tipo de produção
mais reflexiva, voltada para a sensibilização e educação dos sentidos necessários ao
entendimento do próprio conceito de arte. É no conjunto da obra deste diretor que
podemos encontrar, também, um estudo da própria tradição do audiovisual. As técnicas
da televisão e do cinema parecem ser colocadas em crise e, consequentemente, em
questionamento, por suas limitações e/ou extrapolações no engendramento de sentidos.
Mais do que um realizador de transposições para o cinema e para a televisão, o
trabalho de Luiz Fernando Carvalho parece mobilizar e atualizar todo um repertório em
dessas peças, bem como o que há de mais apurado em procedimentos de filmagem. Nossa hipótese para a
consolidação dessa poética é que o elemento diferencial de Carvalho consiste no fato de ele apoiar-se na
recorrência com que a denúncia dos seus procedimentos é feita. Assim, consegue produzir outros sentidos
para a obra, não só devido à exploração de procedimentos metalinguísticos ao longo da trama, mas,
principalmente, pelo escancaramento dos recursos, permitindo que suas minisséries sejam lidas dentro de
uma ficcionalidade altamente reflexiva, que mimetiza o próprio conceito de ficção.
3
É importante ressaltar que não estudaremos a minissérie Os Maias (2001), também com direção de Luiz
Fernando Carvalho, mas com parceria com Maria Adelaide Amaral, por não tratar de um trabalho de
autoria e estética exclusiva do diretor em questão.
151
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
torno das obras e de suas próprias leituras, engendrando significações plurais. Desse
modo, este nosso trabalho, como um todo, acentua-se como um percurso do ato de
leitura realizado pelo enunciador sincrético que se faz e se mostra leitor crítico da
literatura transposta. É nossa leitura sobre a leitura feita pelo diretor de uma obra
literária que, por sua vez, já foi lida pela crítica, pela recepção da crítica e,
consequentemente, pelo telespectador que ora debruça-se sobre o produto final dessas
leituras. E como ler é eleger, procuramos conciliar este nosso trabalho com a poética do
escancaramento do diretor em questão, que parece ser a sustentação desse processo de
leitura, aproximação e diálogo entre a literatura e o cinema, a literatura e a televisão, a
literatura e o teatro.
Dentro do exagero, da hiperbolização e do escancaramento do fazer que
caracterizam tais minisséries, encontramos sutilezas que permitem um estudo
aprofundado da obra, da crítica, da tradição, e, principalmente, das reverberações que a
produção dos escritores selecionados produzem na literatura nacional e internacional.
Tais contribuições nos permitem, ainda, considerá-lo como um diretor que parece estar
firmando, também, seu lugar em nossa literatura televisiva, fornecendo-nos, com seu
modo de sentir suas produções, um conceito de literariedade pela imagem.
Os principais objetivos da presente pesquisa podem ser elencados da seguinte
maneira:
1) Articular as análises das três minisséries (Hoje é dia de Maria; A Pedra do
Reino; Capitu) com o projeto estético do diretor Luiz Fernando Carvalho, examinando e
descrevendo procedimentos de discursivização mobilizados pelo enunciador na
manifestação discursiva de superfície. Levar-se-á em consideração as mudanças,
manutenções e/ou soluções encontradas na passagem das categorias narrativas
constituintes da obra literária quando transpostas para um texto sincrético, atentando,
neste, para a formação de uma estratégia global enunciativa em sua composição
discursiva e textual;
2) Ao buscarmos uma reflexão pormenorizada do estudo da obras selecionadas
em relação às suas contribuições no âmbito da literatura, como também do estudo das
marcas autorais presentes tanto nas obras desses consagrados autores/criadores quanto
do autor /criador singular, pretendemos traçar, por fim, a constituição do ethos de um
enunciador-sincrético que problematiza e convoca a tradição literária, a tradição fílmica
e a tradição televisiva, esgarçando seus limites e instalando sua própria tradição
enquanto escritor televisivo/cinematográfico.
152
Descrição das pesquisas
Ao se fazer uma análise pormenorizada de uma obra televisiva e/ou
cinematográfica, temos que “[...] despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar,
destacar e denominar materiais que não se percebem isoladamente ‘a olho nu’, pois se é
tomado pela totalidade”. (VANOYE, 1994, p.15). Para tal efeito, temos que estabelecer
os elos existentes entre esses elementos isolados, compreendermos como se associam e,
por fim, definidas suas relações, chegarmos novamente ao todo significante. Dessa
forma, temos, como córpus desta pesquisa ampliada, o seguinte percurso analítico a ser
atentado:
- Hoje é dia de Maria (2005), baseada na obra de Carlos Alberto Soffredini e
com roteiro escrito por Luiz Fernando Carvalho e Luís Alberto de Abreu, apresenta uma
viagem, a um só tempo, poética e trágica, aos diversos gêneros existentes. Retrata a
trajetória de uma menina rumo à maturidade e às descobertas da vida moderna,
inserindo elementos cômicos em sua peregrinação. Essa forte presença do hibridismo de
gêneros culmina numa rica multiplicidade de elementos, recursos e materiais que
incluiu uma vasta pesquisa, ao longo do processo de realização televisiva, pelas
tradições orais, populares e a diversidade artístico-cultural existentes no Brasil. Reúne,
então, diferentes gêneros musicais, literários, cantos populares, teatro mambembe e
dialetos regionais. Tal reelaboração do “roteiro inédito”, além de realizar um profundo
mergulho na tradição oral brasileira pelas lentes da TV, acabou, também, por incorporar
características que remetem aos ideais do Movimento Armorial. Esse movimento
nasceu no Recife, nos anos 70, e buscou uma poética, um modo criativo apoiado na
valorização da cultura popular, com o intuito de promover a imagem de uma nova
literatura, de uma nova arte brasileira. E é essa relação estabelecida com tal poética que
nos interessa.
- Seguindo uma espécie de ressoo das leituras feitas na composição da
minissérie Hoje é dia de Mar-ia, a minissérie A Pedra do Reino (2007) – transposição
do Romance D’ A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1970), do
escritor Ariano Suassuna – também pode ser denominada, conforme este, de “romance
armorial – popular brasileiro”. A obra, em seu todo, é escrita em 85 folhetos e
preenchida de aspectos regionais, referências nordestinas e históricas que se enquadram
na poética explorada pelo Movimento Armorial, ícone da criação artística do Nordeste
na época. Há uma intensa exploração e valorização da cultura popular brasileira
retrabalhada na construção da minissérie, bem como um trato com o tempo de forma
mítica e do espaço, a cidade de Taperóa, como índice de uma significação maior. A
153
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
teatralidade figura, nessa minissérie, como um componente narrativo, estabelecendo
relações de comparação com o trato dado pela Poética Armorial; interesse, esse, na
relação entre as duas minisséries Hoje é dia de Maria e A Pedra do Reino.
- A minissérie televisiva Capitu, escrita por Euclydes Marinho, com colaboração
de Daniel Piza, Luís Alberto de Abreu e Edna Palatnik, e texto final do diretor Luiz
Fernando Carvalho, apresenta-se como uma transposição aproximada da obra Dom
Casmurro, do escritor Machado de Assis. Ao longo do processo de sua realização,
lemos, por meio dos efeitos de sentido construídos tanto no plano de conteúdo quanto
no plano da expressão, o transparecer das experiências de Machado de Assis enquanto
escritor, poeta, ensaísta, crítico, dramaturgo, preenchendo e atualizando, assim, o texto
de Dom Casmurro (1899) com novas visibilidades, interpretações, retomadas, diálogos,
intertextualidades e interpretações. A tomada de posição do diretor em relação ao que
deveria ser transposto tanto da obra, quanto da crítica, em suas vozes ressoantes,
mostra-se por intermédio de um conjunto de colagens, de tempos e de avessos. E é esse
movimento de leitura realizado que nos interessa desconstruir, para, então, construir o
sentido engendrado na textualização final da minissérie.
Há, como se pode notar na breve descrição do córpus, um movimento de leitura
que recupera não só o romance a ser transposto para outro suporte, mas a crítica, as
leituras e o estilo do escritor primeiro. Instaura-se, assim, um processo de transposição
televisivo que trabalha, principalmente, com a exploração e o resgate das escolhas
evocadas pelas respectivas enunciações mobilizadas por um gênero que sincretiza
diversas outras linguagens, pensadas não separadamente, porém como “[...] uma
estratégia global de comunicação sincrética capaz de gerir o contínuo discursivo
resultante da textualização.” (TEIXEIRA, 2009, p.50). O procedimento de geração por
conversão (transposição) de um nível em outro faz com que as estruturas profundas de
um texto, por intermédio de um processo de complexificação e preenchimento, possam
converter-se em estruturas, para além da superfície, as quais, por sua vez, mediante a
textualização, tornam-se manifestáveis.
Entendendo que os gêneros e as linguagens vão se organizando de acordo com
suas especificidades e um acaba por influenciar o outro, infere-se que o meio televisivo,
assim como a literatura e toda forma de arte em geral, confere, portanto, uma notável
importância para o plano de expressão, atribuindo-nos, pelas próprias características do
suporte sincrético, uma dimensão maior de análise. Tal importância, de modo algum,
deve ser entendida como uma dissociação e/ou um desequilíbrio no trato para com os
154
Descrição das pesquisas
dois planos, constituintes de todo signo verbal e que só adquirem sentido em
articulação. O que se pode verificar, pois, é a incidência, nos textos que trabalham com
diferentes manifestações de linguagem, de uma estratégia de enunciação, denunciada
pelo plano de expressão, a qual confere certa homogeneidade à diversidade de
componentes convocados pela manifestação discursiva e textual.
Com base numa análise comparativa, percebe-se que os realizadores de uma
minissérie, em sua maioria, usam artifícios para causar, nos leitores, determinados
efeitos de sentido, diferentes daqueles usados pelo autor da obra original. As categorias
da narrativa – narrador, personagens, tempo, espaço – são bastante alteradas pela
mudança na esfera de veiculação do novo texto. Considera-se, assim, que o processo de
adaptação não se esgota na transposição do texto literário para outro veículo. Ele gera
uma cadeia de interpretações, identificações, intertextualidades, constituindo uma
realização estética que envolve tradução e interpretação de significados e valores
histórico-culturais.
Ao estudarmos as obras literárias constituintes do nosso córpus recorremos à
extensa e consolidada fortuna crítica existente sobre as obras e seus escritores e os
eventuais investigações aos quais elas possam nos remeter. Para examinar a criação
televisiva, buscaremos o apoio teórico nos estudos de Anna Maria Balogh, Sergei
Eisenstein, Ismail Xavier, Francis Vanoye, Robert Stam e nos textos a que eles aludem,
bem como todo o material publicado sobre construção das minisséries televisivas e que
incluam entrevistas concedidas pelo diretor Luiz Fernando Carvalho a respeito do
processo criativo de suas realizações artísticas.
Ainda, é preciso ressaltar que todos esses estudos formarão uma rede orientada e
sobredeterminada pela teoria semiótica de inspiração francesa, linha escolhida como
suporte teórico predominante, o que não nos inviabilizará de recorrermos a outras com
que ela possa dialogar, como é o caso das reflexões que Bakhtin e seu Círculo têm
deixado como contribuições cada vez mais profícuas para o enriquecimento dos estudos
sobre o discurso, especialmente para a semiótica da enunciação. A opção, no entanto,
pela semiótica como teoria de base, legitima-se tanto pela coerência da metalinguagem
apresentada e em constante aperfeiçoamento, quanto pela construção e aplicação de
métodos fundados e pertinentes à compreensão do processo de significação, que chegam
a apreender o sentido "em ato", tal como o experimentamos, não apenas em seu plano
cognitivo, o do inteligível, mas também no plano sensível.
155
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Bibliografia
A PEDRA DO REINO. Minissérie dirigida por Luiz Fernando Carvalho. Roteiro de
Luiz Fernando Carvalho, Luís Alberto de Abreu e Bráulio Tavares. Veiculada pela Rede
Globo de Televisão. 2007. 2 DVD’s (230 minutos). Produzido por Globo Marcas DVD
e Som Livre.
ASSIS, M. de. Dom Casmurro. Apresentação de Paulo Franchetti & notas de Leila
Guenther. Cotia: SP; Ateliê Editorial, 2008.
AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.
______. As teorias dos cineastas. Trad. Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus,
2004.
BAKHTIN, M. Estética da comunicação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G.
Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
______. Questões de literatura e estética: a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni
Bernardini et al. São Paulo: Unesp – Hucitec, 1988.
BALOGH, A. M. O Discurso Ficcional na TV. São Paulo: EDUSP, 2002.
______. Conjunções-Disjunções-Transmutações: da Literatura ao Cinema e à TV.2.
ed.revisada e ampliada.São Paulo: Annablume, 2005.
BARROS, D. L. P. de. Procedimientos del plano de la expresión y construcción de los
sentidos. In: Semiótica de lo visual. Tópicos del Seminário, Puebla, n. 13, n.1, p. 137157, 2005.
BEIVIDAS, W. Semióticas sincréticas (o cinema): posições. Rio de Janeiro: edição
particular online, 2006.
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo CASA. Bauru, SP:
EDUSC; 2003.
BONDANELLA, P. The Films of Federico Fellini. UK/US: Cambridge University
Press, 2002.
BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Trad. de Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997.
CAETANO, K.; CAÑIZAL, E. P. O olhar à deriva: mídia, significação e cultura.
São Paulo: Anna Blume, 2003.
CAPITU. A partir do Romance Dom Casmurro de Machado de Assis. Escrito por
Euclydes Marinho. Colaboração Daniel Piza, Edna Palatnik, Luís Alberto de Abreu.
Texto Final e Direção Geral. Luiz Fernando Carvalho. Distrito Industrial- Manaus:
Sistema Globo de Gravações Audiovisuais LTDA, 2009. 2 DVD’S, widescreen,
color.Produzido por Globo Marcas DVD e Som Livre.
CARVALHO, L. F. Sobre o filme Lavoura Arcaica. Rio de Janeiro: Ateliê Editorial,
2002.
______. Hoje é dia de Maria. Coletânea de fotos da 1ª e 2ª jornadas. São Paulo: Globo,
2006.
______. Cadernos de Filmagem do diretor Luiz Fernando Carvalho e Diário de
Elenco e Equipe. Transposição do Romance “A Pedra Do Reino”, de Ariano Suassuna.
1ª Ed. São Paulo. Ed Globo. 2007.
______; ABREU, L. A. de. Hoje é dia de Maria. São Paulo: Globo, 2005.
CARRIÉRE, J-C. A linguagem secreta do cinema. Trad. de Fernando Albagli E
Benjamin Albagli. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
CASCUDO, L. da C. Contos Tradicionais do Brasil. São Paulo: Global, 2000.
______. Literatura Oral no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
Ed.da Universidade de São Paulo,1984.
CHANDLER, C. I. Fellini. New York: Random House, 1995.
156
Descrição das pesquisas
COURTÈS, J. Introdução à semiótica narrativa e discursiva. Portugal: Livraria
Almedina; 1979.
CRUZ, D. F. da. O ethos dos romances de Machado de Assis: uma leitura semiótica.
São Paulo: Nankin: EDUSP, 2009.
DINIZ, M. L. V. P. e PORTELA, J. C. (org.) Semiótica e mídia: textos, práticas,
estratégias. São Paulo: UNESP/FAAC; 2008. p. 93-113.
DISCINI, N. O estilo nos textos. São Paulo: Contexto, 2003.
______. Intertextualidade e conto maravilhoso. São Paulo: Humanitas-FFLCH-USP,
2001.
EISENSTEIN, S. O sentido do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
______. A forma do filme. Trad. Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.
FECHINE, Y. Televisão e presença: uma abordagem semiótica da transmissão direta
em gêneros informativos. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC, 2001.
FELLINI, F. Fazer Um Filme. Trad. Mônica Braga. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2. ed., 2004.
______. A arte da visão. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
FIORIN, J. L. Astúcias da enunciação. São Paulo: Ática; 1996.
______. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto; 2000.
______. O ethos do enunciador. In: CORTINA, A.; MARCHEZAN, R. (orgs.). Razões
e sensibilidades: a semiótica em foco. Araraquara: Laboratório Editorial/FCL/UNESP;
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2004.
FLOCH, J. M. Petites Mythologies de l’oeil et de l’espirit: pour une Sémiotique
Plastique. Paris: Editions Hadès-Benjamins, 1985.
______. Sincretismo. In: GREIMAS, A. J. e COURTÉS, J. Semiótica: Diccionario
razonado de la teoría del language II. Trad. Enrique Ballón Aguirre. Madrid: Gredos,
1991.
______. Identités visuelles. Paris: PUF, 1995.
FONTANILLE, J. Significação e visualidade: exercícios práticos. Trad. Elizabeth
Barros Duarte & Maria Lília Dias de Castro. Porto Alegre: Sulina; 2005.
______. Semiótica do discurso. Trad. Jean Cristtus Portela. São Paulo: Contexto; 2007.
GENETTE. G. Discurso da Narrativa. Trad. de Fernando Cabral Martins. Lisboa:
Veja, s.d.
GREIMAS, A. J. & COURTÈS, J. Dicionário de semiótica. Trad. A. D. Lima et alii.
São Paulo: Cultrix; s/data.
GREIMAS, A. J. & FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. Dos estados de coisas
aos estados de alma. São Paulo: Ática, 1993.
GREIMAS, A. J. Da Imperfeição. São Paulo: Hacker, 2002.
______. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Petrópolis: Vozes; 1975.
______ . Du sens II. Paris: Seuil; 1983.
HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Trad. J. Teixeira Coelho
Netto. São Paulo: Perspectiva, 2006.
HOJE é dia de Maria. Direção: Luiz Fernando Carvalho. Intérpretes: Carolina
Oliveira, Letícia Sabatella, Rodrigo Santoro, Stênio Garcia, Osmar Prado e Fernanda
Montenegro e outros. Roteiro: Luís Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho.
Distrito Industrial- Manaus: Sistema Globo de Gravações Audiovisuais LTDA, 2006. 3
DVD’S (9 h 26 min),widescreen, color.Produzido por Globo Marcas DVD e Som
Livre.Baseado na obra de Carlos Alberto Soffredini.
JAKOBSON, R. Lingüística. Poética. Cinema. São Paulo: Perspectiva, 1970.
157
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
JOHNSON, R. Literatura e Cinema, Diálogo e Recriação: O Caso de Vidas Secas. In:
PELLEGRINI, T. et al. Literatura, Cinema e Televisão. São Paulo: SENAC, Itaú
Cultural, 2003, 37-59.
JOLLES, A. Formas Simples. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1930.
LISBÔA, E. T. A Teatralidade na Dramaturgia Lírico-Épica de Carlos Alberto
Soffredini. 2001. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária). Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2001.
LOPES, E. A identidade e a diferença. São Paulo: EDUSP; 1997.
MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2007.
MICHELETTI, G. Na confluência das formas: o discurso polifônico de
Quaderna/Suassuna. São Paulo: Clíper Editora, 1997.
MOTTA, S. V.; RAMOS, M. C. T. (Orgs.). À Roda de Memórias Póstumas de Brás
Cubas: leituras. 1.ed. Campinas-SP: Alínea Editora, 2006.
MOTTA, S. V. O Engenho da narrativa e sua árvore genealógica: das origens a
Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. 1. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
OLIVEIRA, A. C.; LANDOWISKI, E. (eds.) Do inteligível ao sensível. Em torno da
obra de Algirdas Julien Greimas. São Paulo: EDUC; 1995.
______. (org.) Semiótica plástica. São Paulo: Hacker Editores; 2004.
______.; TEIXEIRA, L. Linguagens na comunicação: desenvolvimentos de semiótica
sincrética. São Paulo: Estação das Letras e Cores; 2009.
PAVIS, P. Dicionário de Teatro. Trad. J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira. São Paulo:
Perspectiva, 1999.
PALLOTTINI, R. Dramaturgia de televisão. São Paulo: Moderna, 1998.
PASOLINI, P. P. O cinema de poesia. In: Empirismo hereje. Trad. Miguel Serras
Pereira, Lisboa: Assis e Alvim, 1982.
PLAZA, J. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1968.
ROCHA, G. Revisão Crítica do Cinema Brasileiro. São Paulo, Cosac & Naify, 2003.
ROUANET, S. P. Riso e melancolia: a forma shandiana em Sterne, Diderot, Xavier de
Maistre, Almeida Garret e Machado de Assis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
SANT’ANNA, A. R. de. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, 1985.
SANTOS, I. M. F. dos. Em demanda da poética popular: Ariano Suassuna e o
Movimento Armorial. São Paulo: Editora da Unicamp, 1999.
SILVA, I. A. Sincretismo e comunicação visual. In: Significação 10. São Paulo:
Annablume, 1994.
STAM, R. Introdução à Teoria do Cinema. Campinas-SP: Papirus, 2003.
______. A literatura através do cinema: realismo, magia e a arte da adaptação. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2008.
SUASSUNA, A. Manifesto do Movimento Armorial. Recife: UFPE, 1976.
_____. Romance d’A pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de
Janeiro: José Olympio Editora, 1972.
TEIXEIRA, L. Relações entre o verbal e o não-verbal: pressupostos teóricos. In:
Cadernos de discussão do Centro de Pesquisas Sociossemióticas. São Paulo, 2001.
p.415-426
______. Entre dispersão e acúmulo: para uma metodologia de análise dos textos
sincréticos. In: Gragoatá 16, Niterói: EdUFF, 2004. P. 209-227.
VANOYE, F. Ensaio sobre a análise fílmica. Campinas, SP: Papirus, 1994.
XAVIER, I. A experiência do Cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
______.O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1984.
158
Descrição das pesquisas
______. Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac Naify,
2007.
159
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AS MEMÓRIAS TRÁGICAS DO NARRADOR DE CRÓNICA DE UNA
MUERTE ANUNCIADA DE GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ
Daiane Rassano
Mestranda
Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti (Or.)
“La vida no es la que uno vivió, sino la que uno recuerda y cómo la recuerda para contarla”.
Gabriel García Márquez
Um universo conciso e bem estruturado, onde indagações sobre o homem, sua
realidade, sua existência e seu destino permeiam a narrativa, esses são alguns dos temas
que permeiam a obra Crónica de una muerte anunciada (1981) do autor colombiano
Gabriel García Márquez.
Tencionamos com esta pesquisa analisar como uma série de acontecimentos e
circunstâncias levaram ao assassinato da personagem principal, Santiago Nasar, pelas
mãos dos gêmeos Pablo e Pedro Vicário. Com isso, analisaremos as memórias que são
apresentadas ao longo da narrativa, que são construídas com o auxílio das personagens e
do narrador da história. Outro aspecto a ser abordado nessa pesquisa é o que se refere ao
trágico, uma vez que, a fatalidade das circunstâncias que levaram o personagem a
morte, nos mostrou que nunca houve uma morte tão anunciada.
Ao analisarmos o narrador de Crónica de una muerte anunciada, podemos
classificá-lo, segundo a nomenclatura proposta por Genette (1979), como um narrador
homodiegético, uma vez que, participa da ação que narra. Segundo Reis e Lopes (1988),
O narrador homodiegético é a entidade que veicula informações
advindas da sua própria experiência diegética, quer isto dizer que,
tendo vivido a história como personagem, o narrador retirou daí as
informações de que carece para construir o seu relato. (REIS, LOPES,
1988, p. 124).
A partir desta informação depreendemos que o narrador, por ser uma testemunha
do assassinato da personagem principal, retira as informações de sua vivência para
construir a narrativa. Entretanto, por não ter as informações totais do ocorrido, o
narrador vale-se dos testemunhos das personagens que estiveram ligadas intimamente
ao acontecimento: “Yo conservaba un recuerdo muy confuso de la fiesta antes de que
160
Descrição das pesquisas
hubiera decidido rescatarla a pedazos de la memoria ajena.” (GARCÍA MÁRQUEZ,
2010, p. 53)
Essa narrativa será repleta de ida e vindas, antecipações e resgates. O narrador
da obra entende que a recuperação dos acontecimentos pela memória é uma
reconstrução do passado contaminado pelo presente. Segundo Benjamin (1985, p. 37),
um “acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao
passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para
tudo que veio antes ou depois.”.
Ecléa Bosi (1994, p.37) nos afirma que “o interesse deve estar no que foi
lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-se na história.”. Com essa afirmação
podemos depreender que as memórias recolhidas na obra estudada buscam perpetuar na
história um assassinato que teria ocorrido em um povoado colombiano, pois segundo
Halbwachs (2006) é preciso que haja testemunhos para que um fato se perpetue e se
torne memória para um grupo.
Podemos perceber com as afirmações acima que as memórias são construções de
grupos sociais, pois as memórias do indivíduo nunca são suas, uma vez que, não existe
memória sem uma sociedade. Halbwachs (2006) nos lembra de que a constituição da
memória de um indivíduo é uma combinação das memórias dos diferentes grupos dos
quais ele participa e sofre influência. Esse crítico nos chama a atenção para o fato de
que a memória coletiva tem como base as lembranças que os indivíduos recuperam
enquanto integrantes de um grupo, cada memória individual é um ponto de vista sobre a
memória coletiva. Assim, vemos que a obra de García Márquez é construída a partir da
apresentação de diversos pontos de vista sobre a personagem e o “agravo” que o teria
levado a morte. Cada personagem tem uma identidade o que nos leva a pensar que os
depoimentos não estão livres das visões de mundo pautadas em preconceitos enraizados
na cultura do povoado. Assim, por se tratar de uma suposta desonra, muitos personagens
no fundo se recusaram a avisar Santiago Nasar, pois “ [...] la mayoría de quienes
pudieron hacer algo por impedir el crimen y sin embargo no lo hicieron, se consolaron
con el pretexto de que los asuntos de honor son estancos sagrados a los cuales sólo
tienen acceso los dueños del drama.”. (GARCÍA MÁRQUEZ, 2010, p. 112).
Para concluirmos, Bosi (2003, p. 44) nos afirma que “ouvindo depoimentos orais
constatamos que o sujeito mnêmico não lembra uma ou outra imagem. Ele evoca, dá
voz, faz falar, diz de novo o conteúdo de suas vivências. Enquanto evoca ele está
vivendo atualmente e com uma intensidade nova a sua experiência.”. Assim, recordando
161
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
os acontecimentos daquela segunda-feira o narrador e as personagens buscam construir
as últimas quatro horas de Santiago, e é provável que, essas vivências tenham lacunas,
que ao decorrer da narrativa possam ter sido preenchidas com a imaginação, uma vez
que a memória é construída com ambiguidades e enigmas. Portanto, percebemos que o
narrador ao invés de esclarecer os fatos, só aumenta as possibilidades de significação,
pois nos deixa transparecer suas opiniões a respeito da diegese.
Com a leitura da obra podemos perceber que a intenção do narrador não é a de
esclarecer se realmente Santiago Nasar teria ou não desonrado Ângela Vicário. A
narrativa funciona para obscurecer as circunstâncias que levaram a personagem à morte.
O que nos chama a atenção é que a obra apresenta fatos que podem ser explicados sob
diferentes ângulos. Há dúvidas e equívocos que não são esclarecidos pelos relatos e
concluímos que o silêncio é um morador que convive com o tumulto das vozes.
Segundo Halbwachs (2006, p. 29) “[...] recorremos a testemunhos para reforçar ou
enfraquecer e também para completar o que sabemos de um evento sobre o qual já
temos alguma informação, embora muitas circunstâncias a ele relativas permaneçam
obscuras para nós.”. As memórias, assim como nos afirma Bosi (1994, p. 20), “[...] é
reflexão, compreensão do agora a partir do outrora; é sentimento, reaparição do feito e
do ido, não sua mera repetição.”. Com isso, percebemos a ideia central desse narrador,
que busca entender sua vida, com o outrora, com seu passado significativo.
As memórias que as personagens relatam ao narrador, por vezes, apresentam
pontos contraditórios e é a partir dessa contrariedade que o narrador irá construir seu
texto, explicitando ao leitor as divergências que os relatos apresentam, para que assim
nos conduza as nossas próprias percepções acerca do assassinato da personagem.
Assim, como nos apresenta Ecléa Bosi (2003), em suas análises sobre as memórias, é
com o vínculo com o passado que construímos nossa identidade, a nossa visão de
mundo. Na busca pelas circunstâncias que levaram a este crime, o narrador apresentanos o rico passado deste povoado que durante anos não pôde falar de outra coisa. “[...]
porque ninguno de nosotros podía seguir viviendo sin saber con exactitud cuál era el
sitio y la misión que le había asignado la fatalidad.” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2010, p.
111).
Entretanto, devemos lembrar que a memória é uma construção social e um
fenômeno coletivo, assim, por fazer parte da construção social do indivíduo é modelada
pelos grupos sociais. Ao dar voz ao povoado o narrador transparece ao leitor a visão de
mundo pautada em preconceitos na qual o povoado era constituído. A identidade,
162
Descrição das pesquisas
sentimentos, ideias e valores são difundidos em depoimentos, que deixam à mostra a
complexidade dos acontecimentos. Bosi (2003, p. 33) nos diz que “[...] a memória é a
história de um passado aberto, inconcluso, capaz de promessas. Não se deve julgá-lo
como um tempo ultrapassado, mas como um universo contraditório do qual se podem
arrancar o sim e o não, a tese a antítese, o que teve seguimento triunfal e o que foi
truncado.”. E por tratar-se de um “passado aberto”, o narrador decide coletar as
circunstâncias desse assassinato e desvendar os mistérios ocultos por trás de “tantas
coincidências funestas”, e este é um fatalismo desconhecido, irracional e envolvente,
que nos obriga a reflexionar mais profundamente sobre esta obra.
No que se refere às características trágicas presente na obra, estudos nos
mostraram que a problemática do trágico continua em aberto. Lesky (1971) nos afirma
que:
[...] antes de mais nada, defrontamo-nos aqui com a questão de saber
se o conteúdo trágico, entendendo-se ainda a palavra em sua acepção
mais geral, está tão intimamente vinculado à forma artística da
tragédia, que só aparece com ela, ou se, na criação literária [...] dos
gregos já se encontraram germes em que se prepara a primeira e, ao
mesmo tempo, a mais perfeita objetivação da visão trágica do mundo
[...]. (LESKY, 1971, p. 18)
Segundo esse crítico, seria necessária uma minuciosa pesquisa para obtermos
com segurança o desenvolvimento do termo “trágico”. Entretanto, pode-se afirmar que
os gregos criaram a arte trágica, mas não uma teoria que a definisse e que fosse além de
sua construção e envolvesse a concepção do mundo como um todo. Aristóteles em sua
Poética (1980) utiliza o termo de forma simplificada e aplicada ao emprego posterior
dado a ele, a de simples adjetivo, vemos que o filósofo o explica, entretanto não o
avalia.
Malhadas (2003, p. 36) nos diz que “[...] o trágico está condicionado ao
despertar das emoções próprias da tragédia, ou seja, do terror e da piedade e, por
conseguinte, do patético, principalmente nos finais catastróficos.”. Percebemos que o
termo “trágico” designa uma maneira de ver o mundo, e a noção de que nosso mundo é
trágico em sua essência mais profunda é bem mais antiga do que imaginamos. Para
Lesky (1971, p. 44) “[...] a concepção do trágico é ao mesmo tempo uma visão do
mundo.”.
Com isso percebemos que as memórias apresentadas na obra possuem
características que podemos classificar como sendo trágicas, uma vez que, nos são
163
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
apresentadas a fragilidade humana. Ao não intervirem nas ações e compactuarem com a
fatalidade da morte de Santiago Nasar, é criada uma ansiedade torturada dentro da
narrativa, pois tanto o narrador quanto as personagens querem esclarecer o absurdo e
decifrar o destino trágico que se abateu sobre a personagem principal.
Portanto, os aspectos acima apontados servirão de ponto de partida para os
estudos da obra Crónica de una muerte anunciada. Evidenciaremos a sua contribuição
para os estudos do trágico, memórias e análises que se pautam em observações
descritivas e interpretativas do narrador. Para que isto ocorra, faremos um percurso
histórico da tragédia até que consigamos chegar a estudos recentes das contribuições
que esse gênero traz para a literatura. Isso implica discutirmos as características que
possibilitam afirmar que a obra de García Márquez possui aspectos que podem ser
considerados trágicos.
Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. Lisboa: Guimarães, 1980.
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e poética: ensaios sobre literatura e história da
cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BOSI, E. O tempo vivo da memória: ensaios de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2003.
______. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 1994.
GARCÍA MÁRQUEZ, G. Crónica de una muerte anunciada. Buenos Aires: Debolsillo,
2010.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Lisboa: Arcádia, 1979.
HALBWACHS, M. Memória coletiva. Tradução de Laurent Léon Schaffter. São Paulo:
Centauro, 2006.
LESKY, A. A Tragédia grega. São Paulo: Perspectiva, 1971.
MALHADAS, D. Tragédia grega: O mito em cena. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003a.
REIS, C. LOPES, A. C. M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
ROMILLY, J. A tragédia grega. Lisboa: Edições 70, 2008.
WILLIAMS, R. Tragédia moderna. Tradução Betina Bischof. São Paulo: Cosac e
Naify, 2002.
Bibliografia geral
ADRADOS, F. R. El héroe trágico. El héroe trágico y el filósofo platónico. Cuadernos
de La Fondación Pastor, n° 6. Madrid: Taurus, 1962.
BERGSON, H. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São
Paulo: Martins Fontes, 1999.
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
164
Descrição das pesquisas
FACHIN, L. O discurso trágico na virada do milênio. In: FACHIN, L. & DEZOTTI,
M. C. C. Em cena o teatro. Araraquara: Laboratório Editorial FCL/UNESP; São Paulo:
Cultura Acadêmica Editora, 2005.
FUENTES, C. La nueva novela hispanoamericana. México: Joaquin Mortiz, 1969.
GAGNEBIN, J. M. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro:
Imago, 2005.
GARCÍA MÁRQUEZ, G. Crônica de uma morte anunciada. Tradução de Remy Gorga.
Rio de Janeiro: Record, 2011.
______. Cheiro de Goiaba: conversas com Plinio Apuleyo Mendoza. Tradução de
Eliane Zagury. Rio de Janeiro: Record, 2007.
GOIC, C. Historia y critica de la literatura hispanoamericana. vol. 03. Barcelona:
Crítica, 1991.
GONÇALVES FILHO, J. M.. Olhar e memória. In: NOVAES, A. O olhar. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993. p. 95-124.
MACHADO, L. T. O herói, o mito e a epopéia. São Paulo: Alba, 1962.
MACHADO, R. O nascimento do trágico: De Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro:
Zahar, 2006.
MALHADAS, D. O espetáculo na tragédia grega. Itinerários, Araraquara, n. 5, p. 4960, 1993.
MALHADAS, D. O trágico na encruzilhada. In: FACHIN, L. & DEZOTTI, M. C. C.
Teatro em debate. Araraquara: Laboratório Editorial FCL/UNESP; São Paulo: Cultura
Acadêmica Editora, 2003b.
MARCOS, J. M. De García Márquez al post-boom. Madrid: Orígenes, 1986.
MORETTO, F.M.L. Alguns aspectos do teatro ocidental. Araraquara: UNESP, 1982.
MUECKE, D. C. Ironia e o irônico. São Paulo: Perspectiva, 1995.
OVIEDO, José Miguel. Historia de la literatura hispanoamericana (tomo I: De los
orígenes a la emancipación y tomo II: Del Romanticismo al Modernismo), Madrid,
Alianza, 1995.
RICOUER, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed.da UNICAMP,
2007.
SHAW, D. L. Nueva narrativa hispanoamericana. Madrid: Cátedra, 1981.
SELIGMANN-SILVA, M. História, memória e literatura: o testemunho na era das
catástrofes. Campinas: Edunicamp, 2003.
______. O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São
Paulo: Editora 34, 2005.
SZOND, P. Ensaio sobre o trágico. Tradução Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.
VERNANT, J. P. A bela morte e o cadáver ultrajado. In: Revista Discurso nº 09.
Revista da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1979, p. 31 a 62
VERNANT, J. P; VIDAL-NAQUET, P. Mito e tragédia na Grécia antiga. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
165
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
LITERATURA E VIDA: A “TRILOGIA FRANCESA” DE HENRY MILLER
Daniel Rossi
Doutorando
Profa. Dra. Maria Clara Bonetti Paro (Or.)
O romance é o livro luminoso da vida. Livros
não são vida. Eles são somente tremulações
no éter. Mas o romance, como uma
tremulação, pode fazer o homem vivo
estremecer inteiro. O que é mais do que a
poesia, filosofia, ciência, ou qualquer outro
livro-tremulação pode fazer.
D. H. Lawrence. O livro luminoso da vida.
Neste momento da pesquisa, estamos construindo o embasamento teórico
necessário para fazermos uma leitura da “trilogia francesa”1 de Henry Miller que seja
capaz de criar um campo isonômico e não-hierárquico entre Filosofia e Literatura. Para
tanto, como já indicado no projeto de pesquisa, nos embasamos principalmente nas
obras de Deleuze e em suas obras escritas em conjunto com Guattari. Nosso principal
material de estudo, neste momento de escrita do primeiro capítulo, é a obra O que é a
filosofia?, de autoria de Gilles Deleuze e Félix Guattari (1992).
Esta obra é de grande importância para a pesquisa, pois traz novos elementos na
discussão das relações que se estabelecem, e das singularidades, da filosofia, ciência e
arte. Poderíamos começar dizendo, junto com Deleuze e Guattari, que as relações da
filosofia com a arte, aqui incluída a literatura, se estabelecem por um laço comum: a
linguagem. Mais do que a linguagem, a palavra. No entanto, é importante insistir que
filosofia e literatura são campos de conhecimento marcados por uma diferença de
natureza, não apenas de grau: nada de essencialismo aqui, apenas a constatação de que
os problemas e conteúdos de que tratam são diferenciados. Assim como a filosofia se
diferencia da ciência, também se diferencia da arte (literatura): “a filosofia faz surgir
acontecimentos com seus conceitos, a arte ergue monumentos com suas sensações, a
ciência constrói estados de coisas com suas funções” (DELEUZE; GUATTARI, 1992,
p. 254-255). Mas esta divisão seria insuficiente se afirmássemos que cada campo é
fechado sobre si mesmo: a filosofia e seus conceitos, a ciências e seu functivos, a arte e
1
Trópico de câncer (2006), Primavera negra (1995) e Trópico de câncer (2008).
166
Descrição das pesquisas
seus peceptos e afectos; o interesse desta perspectiva é a afirmação que “os três
pensamentos se cruzam, se entrelaçam, mas sem síntese nem identificação”
(DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 254).
O que seria esse entrelaçamento sem síntese nem identificação? Significa que os
planos traçados em cada um dos três diferentes campos de conhecimento são
diferenciados e atravessados por diferentes matérias: os conceitos, na filosofia; as
funções ou functivos, na ciência; e afectos e perceptos, na arte. Estas diferentes matérias
e formas de pensar podem levar a aproximações, relações de proximidade entre os
campos, mas não ao ponto de uma síntese que os agruparia. Por mais que se queira dizer
que certo escritor possui uma filosofia, e que caberia ao crítico perceber esta filosofia e
dar forma a ela2, as relações entre filosofia e literatura se dão entre formas de
pensamento diferenciadas, entre dois planos diferentes: “a filosofia quer salvar o
infinito, dando-lhe consistência: ela traça um plano de imanência”; a arte “quer criar um
finito que restitua o infinito: traça um plano de composição” (DELEUZE; GUATTARI,
1992, p. 253). Estes planos diferenciados são também habitados, traçados, de maneira
diferenciada: a filosofia e seus conceitos, a arte e a sensação. Entre o conceito e a
sensação, todo um universo que não os deixa se identificarem, mesmo que digamos que
exista uma sensação de conceito e um conceito de sensação: são diferentes formas de
pensamento, formas que possuem relação mas não se deixam subsumir uma na outra.
O escritor pensa por meio de sensações. O principal objetivo do escritor é criar
um bloco de sensações, “isto é, um composto de perceptos e afectos” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 213). Perceptos se distinguem de percepções, pois são
independentes daqueles que os experimentam; afectos são diferentes de afetos, pois não
são apenas sentimentos ao extrapolar, transbordar, a força daqueles que atravessam3.
Isto significa dizer que os compostos de sensações criados pelos escritores extrapolam a
simples relação empática entre leitor/obra ao criarem compostos que extravasam, e
muito, a sua intenção original – seja ela estritamente pedagógica, engajada ou para
épater la bourgeoisie. A arte, a literatura, conservam em si seu ser de sensação: as
2
Este é o intento de Indrek Manniste ao afirmar que Henry Miller possui uma filosofia própria que sustenta toda sua
obra (MANNISTE, 2013). Não queremos dizer que Manniste se engana ao montar um sistema filosófico a partir de
Miller: afirmamos apenas que o autor “constrói” a filosofia de Henry Miller, como filósofo, diferente de Miller que
pensa a partir da literatura.
3
É interessante perceber que D. H. Lawrence já trazia uma distinção parecida entre emoções e sentimentos. No caso,
o que ele vê como sentimento seria o que Deleuze e Guattari tratam como afectos: “Digo sentimentos e não emoções.
Emoções são coisas que nós mais ou menos reconhecemos. [...] E só até aí vai a nossa educação, quanto aos
sentimentos. Não temos linguagem para os sentimentos, pois nossos sentimentos nem existem para nós”
(LAWRENCE, 2010, p. 122). Lawrence trabalho os sentimentos como algo que extrapola as simples condições de
conveniências que as emoções trariam – identificação.
167
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
sensações, formadas por perceptos e afectos, são seres independentes daqueles que as
criam e as experimentam: uma obra de arte, um romance, deve se sustentar por si
mesmo, em seu trajeto de superação de um “modelo”, de um espectador, do próprio
autor que, pela própria auto-posição do criado, já não tem mais o que dizer sobre aquilo
que criou: a intenção não faz mais parte da obra de arte no mundo, o objetivo do escritor
não faz mais parte de sua literatura. A obra de arte existe por si.
Talvez este seja um caminho deveras perigoso, afirmar que a arte existe em si,
beirando um idealismo de seres de sensação, sendo por si mesmos fora de qualquer
contexto. Mas, se olharmos mais atentamente, perceberemos que afirmar que um ser de
sensação (uma obra de arte) existe em si é o mesmo que afirmar que “mesmo que o
material só durasse alguns segundos, daria à sensação o poder de existir e de se
conservar em si, na eternidade que coexiste com essa duração” (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 216). O imbricamento com a filosofia é muito pronunciado em
toda nesta passagem. Algo importante a ser apontado é que falamos em arte e em
literatura indiscriminadamente: isto porque, em um sentido talvez esquecido ou
estrategicamente ocultado, a literatura é uma arte. Sua preocupação, a preocupação do
escritor como artista, é a mesma que a do pintor, do músico, do escultor “é arrancar o
percepto das percepções do objeto e dos estados de um sujeito percipiente, arrancar o
afecto das afecções, como passagem de um estado a um outro. Extrair um bloco de
sensações, um puro ser de sensação” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 217).
Mas, é claro, existem as singularidades que separam o escritor e os outros
artistas: o material é diferenciado, a forma de fazer surgir estes blocos de sensações é
diferente. Seu material “são as palavras, e a sintaxe, a sintaxe criada que se ergue
irresistivelmente em sua obra e entra na sensação” (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.
218). O escritor busca fazer sua obra sustentar-se por si mesma, como todo outro artista,
mas os meios são diferenciados. Sua técnica, seu material, não procuram fazer como,
não procuram a verossimilhança, mesmo que o próprio escritor diga o contrário: a
literatura não comunica, não traduz sentimentos, não leciona. Os escritores produzem
perceptos, suas paisagens não são mero plano de fundo: a paisagem vê:
O percepto é a paisagem anterior ao homem, na ausência do homem.
[...] Por que dizer isso, já que a paisagem não é independente das
supostas percepções dos personagens, e, por seu intermédio, das
percepções e lembranças do autor? E como a cidade poderia ser sem
homem ou antes dele, o espelho, sem a velha que nele se reflete,
mesmo se ela não se mira nele? É o enigma (frequentemente
168
Descrição das pesquisas
comentado) de Cézanne: “o homem ausente, mas inteiro na
paisagem”. Os personagens não podem existir, e o autor só pode criálos porque eles não percebem, mas entraram na paisagem e fazem eles
mesmos parte do composto de sensações. É Ahab que tem as
percepções do mar, mas só as tem porque entrou numa relação com
Moby Dick que o faz tornar-se baleia, e forma um composto de
sensações que não precisa de ninguém mais: Oceano. [...] Os afectos
são precisamente estes devires não humanos do homem, como os
perceptos (entre eles a cidade) são as paisagens não humanas da
natureza. [...] Não estamos no mundo, tornamo-nos, nós nos
tornamos, contemplando-o. Tudo é visão, devir. (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 219-220)
Pelo que mostramos até aqui, a arte, a literatura, prescindiria do humano como
conteúdo primeiro e definidor de suas barreiras. Este não-humanismo não se relaciona
com a feitura das obras, mas com a natureza das obras mesmas: seres de sensação,
compostos de perceptos e afectos. A literatura, e aqui pensamos principalmente nas
obras de Miller, pode se beneficiar desta perspectiva pois toma o lugar central como
produtora de seres de sensação: não apenas a pintura, a escultura, a música ou o cinema;
longe da esterilização da experiência literária levada a cabo, principalmente, pelos
escritores pós-modernos da literatura americana4 que: “nos quer instruir na arte da
narração, da imaginação fazedora de mito” (GASS, 1974, p. 104). Em sua maioria
professores de escrita criativa5, suas obras acabam tendo a característica de parecerem
exemplos de técnicas narrativas, resolvendo as relações entre literatura e vida por meio
da metáfora: a literatura é “incuravelmente figurativa e o mundo que o romancista
constrói é sempre um modelo metafórico de nosso próprio mundo” (GASS, 1974, p.
64). Qualquer concepção, ou aspecto, da literatura que escape aos moldes de uma
metáfora é excluída: mesmo as relações entre literatura e mundo se dão em um plano
metafórico na teoria de William H. Gass – aqui a técnica e a beleza da linguagem, seus
ritmos e metáforas; ali, o mundo onde reina o acaso e que funciona como modelo mais
ou menos aproximado do que o escritor pode produzir em suas obras: sua relação
mediada por um como se que prolifera na interface linguagem/vida, instaurando a
metáfora e relegando a linguagem, sua potência, a segundo plano6.
4
Pensamos aqui, principalmente, em autores como John Barth, Robert Coover, William H. Gass e Donald Barthelme.
Excetuamos, sem maiores explicações teóricas, os casos específicos de Thomas Pynchon, Don DeLillo e Kurt
Vonnegut.
5
Cf. Wlliam H. Gass, A ficção e as imagens da vida: “O fato da grande maioria desses escritores ensinar a escrever,
quase não surpreende”, p. 104-105.
6
É interessante perceber este movimento pois grande parte da experiência filosófica e de outras áreas do
conhecimento durante o século XX e XXI girou em torno de questões sobre a linguagem.
169
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Óbvio está, por hora, que estas são apreciações de um trabalho em andamento.
Além da necessidade continuar o trabalho com as obras de Deleuze e Guattari, ainda se
faz premente insistir de uma maneira não estanque na relação contrapontual do pósmodernismo americano com o modernismo de Miller, o que demanda uma maior
delimitação dos autores que serão trabalhados e suas posições respectivas sobre a
literatura e a ficção. Cabe lembrar que o objetivo do trabalho não é fazer uma crítica da
pós-modernidade, o que já foi feito a contento por autores muito mais tarimbados, mas
sim utilizar esses diferentes concepções do fazer literário como forma de melhor
perceber o texto milleriano dentro de uma perspectiva que une literatura e filosofia.
Outro ponto importante a mencionar é que, ainda neste primeiro capítulo, pretendemos
trabalhar um pouco com a história da literatura americana, buscando conexões que
possam ser interessantes na construção deste caminho teórico que estamos trilhando
(MELVILLE, 2009; DELEUZE, PARNET, 2004, p. 51-95).
Bibliografia
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução de Bentro Prado
Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Da superioridade da literatura Anglo-Saxónica.
In: DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução de José Gabriel Cunha.
Lisboa: Relógio d’Água, 2004, p. 51-95.
GASS, William H. A ficção e as imagens da vida. Tradução de Edilson Alkmim
Cunha. São Paulo: Cultrix, 1974.
LAWRENCE, David Herbert. O livro luminoso da vida: escritos sobre literatura e arte.
Seleção, tradução, introdução e notas de Mário Alves Coutinho. Belo Horizonte:
Crisálida, 2010.
MANNISTE, Indrek. Henry Miller, the inhuman artist: a philosophical inquiry. New
York: Bloomsbury, 2013.
MELVILLE, Herman. Hawthorne e seus musgos. Tradução de Luiz Roberto
Takayama. São Paulo: Hedra, 2009.
MILLER, Henry. O universo da morte. In: MILLER, Henry. O olho cosmológico.
Tradução de H. Silva Letra. Lisboa: Editorial Estampa, 1997, p. 107-131.
MILLER, Henry. Primavera negra. Tradução de Aydano de Arruda. São Paulo: Ibrasa,
1995.
MILLER, Henry. Trópico de câncer. Tradução de Beatriz Horta. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2006.
MILLER, Henry. Trópico de capricórnio. Tradução de Marcos Santarrita e Angela
Pessôa. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
170
Descrição das pesquisas
FICÇÃO E HISTÓRIA: A TRANSFIGURAÇÃO DO PASSADO EM
NARRATIVAS DE TEOLINDA GERSÃO E MIA COUTO
Daniela Aparecida da Costa
Doutoranda – Bolsista CAPES/DS e PDSE/CAPES
Profa. Dra. Maria Célia de Moraes Leonel (Or.)
Prof. Dr. Fernando Cabral Martins (Coord. PDSE)
1.
Breve contextualização do projeto de pesquisa de doutorado em
desenvolvimento
A pesquisa de doutorado em desenvolvimento (2011-2015), intitulada “Ficção e
História: a transfiguração do passado em narrativas de Teolinda Gersão e Mia Couto”,
está inserida na linha de pesquisa Teorias e Crítica da Narrativa do Programa de PósGraduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de
Araraquara, sob orientação da Profa. Dra. Maria Célia de Moraes Leonel.
A investigação focaliza interações entre Literatura e História em narrativas de
dois escritores contemporâneos das literaturas de língua portuguesa: Teolinda Gersão
(Portugal) e Mia Couto (Moçambique). Nosso corpus de análise é constituído de cinco
romances: Paisagem com mulher e mar ao fundo, de 1982, e A árvore das palavras, de
1997, de Gersão e Terra sonâmbula, de 1992, Vinte e zinco, de 1999, e O último voo do
flamingo, de 2000, de Couto. A escolha dessas obras deveu-se ao fato de incorporem em
sua urdidura fatos históricos recentes nos dois países que, em muitos aspectos, possuem
pontos de intersecção, devido ao colonialismo português na África do século XV ao
XX, que teve término somente com a Revolução dos Cravos de 25 de abril de 1974.
Outros fatores também justificam a escolha do nosso corpus. Os três romances
de Couto foram escolhidos por tecerem certa sequência cronológica na tomada dos fatos
pela ficção; os dois da escritora portuguesa, por trazerem, no corpo ficcional, questões
históricas muito próximas às das narrativas do escritor moçambicano. Além do
procedimento de tomada da matéria histórica, os dois autores se aproximam por fazerem
uso de uma escrita intimista: ao lado do factual, há o aflorar de subjetividades que
refletem os dramas humanos individuais de personagens que, metonimicamente,
refletem a coletividade.
171
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A pesquisa contou com estágio de doutoramento sanduíche, no período de
01/03/2013 a 31/07/2013, junto ao Departamento de Estudos Portugueses da Faculdade
de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sob orientação do
Prof. Dr. Fernando Cabral Martins. A realização do PDSE teve fundamental
importância para o processo de investigação, pois proporcionou o pleno acesso a
materiais bibliográficos1 fundamentais para o pleno êxito das atividades traçadas para a
pesquisa no exterior e a continuidade da tese no Brasil. Assim, com o aparato teóricocrítico diferenciado, obtido com o estágio sanduíche, tem sido possível alcançar ainda
mais a qualidade científica almejada na produção da escrita parcial2 e, posteriormente,
na escrita final da tese.
Além disso, foi possível realizar um contato pessoal com a escritora Teolinda
Gersão que, na ocasião, falou sobre o seu processo de escrita e deu esclarecimentos
elucidativos sobre as relações entre literatura e realidade que permeiam o projeto
estético dos romances Paisagem com mulher e mar ao fundo e A árvore das palavras,
que fazem parte do nosso corpus.
2. A transfiguração do passado: o discurso da História3 nas malhas da
ficção
Empregada como artifício literário no processo composicional das obras
escolhidas para nosso corpus de análise, a História - do modo como é trabalhada no
tecido da ficção contemporânea aqui estudada – constitui-se elemento estruturador do
texto literário, em conjunto com as instâncias narrativas. Desse modo, nossa hipótese de
trabalho é a de que o factual não se configura como mero pano de fundo nesses
1
Totalizaram mais de três mil laudas entre aquisição de obras, que não são editadas no Brasil, fotocópias
e digitalizações de livros raros e/ou esgotados, encontrados nos Centros de Investigação da Universidade
Nova de Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal e Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa. Todo material bibliográfico está em processo de leitura, fichamento e análise crítica, a fim de
avaliá-lo qualitativamente e verificar as possíveis inserções de leituras críticas dos mesmos no corpo da
tese.
2
A tese encontra-se em processo parcial de escrita: três capítulos foram produzidos. O primeiro, sobre as
matizes entre literatura e realidade, está completo; o segundo - que trata das literaturas africanas de língua
portuguesa, dando ênfase para a produção em Moçambique com Mia Couto - e o terceiro, cuja temática é
a produção romanesca em Portugal pós-Revolução dos Cravos, com destaque para a produção literária de
Teolinda Gersão, estão em fase de aprofundamento devido ao novo material bibliográfico encontrado
durante o estágio PDSE em Lisboa.
3
Utilizamos na tese a diferenciação de História com inicial maiúscula para fatos históricos e história, com
inicial minúscula, no sentido de narrativa ficcional, indo ao encontro da diferenciação utilizada por Maria
Teresa de Freitas (1986, p.7).
172
Descrição das pesquisas
romances, nem como elemento caracterizador ou formador de romances históricos ou de
textos historiográficos, mas sim como peça responsável, em especial com as categorias
narrativas de espaço e tempo, por trazerem questionamentos em torno da realidade
versus ficção e pela produção e ampliação dos sentidos que se quer alcançar no e pelo
texto literário.
É consenso entre os críticos a afirmação de que na prosa atual em Portugal e
Moçambique a incorporação, no corpo textual, do contexto histórico recente das duras
realidades vividas pelas duas nações é empregada de forma ostensiva – principalmente
nas obras do pós-independência (das ex-colônias portuguesas da África) e do pós-25 de
Abril de 1974. Deseroicizando a História oficial, os romances de Gersão e Couto, aqui
estudados, dão margem à imaginação e invenção literárias, sem a preocupação de
demarcar fielmente o mote histórico. A presença da temática histórica é percebida numa
primeira leitura dos romances de Gersão e Couto, seja por fazerem parte do domínio do
senso comum do leitor, seja por existirem de maneira efetiva no discurso veiculado pela
historiografia: ditadura salazarista, colonialismo, Guerra Colonial, Revolução dos
Cravos, entre outros.
O termo transfiguração, empregado no título e adotado nas análises das obras, é
tomado com base na definição cunhada por Maria Teresa de Freitas (1986, p.7; grifos
nossos), ao analisar as relações entre Literatura e História na obra ficcional de André
Malraux:
Por meio de um arranjo literário, os elementos históricos vão ser
redistribuídos num conjunto fictício, que se transforma em algo
diferente do universo social de onde eles foram extraídos ao criar uma
história, com personagens e situações dramáticas, o autor tentará
passar uma visão pessoal do universo – que não é de forma alguma
cópia da realidade, mas sim interpretação dos acontecimentos
relacionados à História -, através da qual chegará a uma realidade de
natureza distinta daquela que a originou. A transfiguração artística
deforma o mundo exterior, e produz uma determinada realidade
filtrada pelos preconceitos e pelos anseios do escritor; essa
deformação é o que determina o valor estético da ficção.
O que ocorre na incorporação do histórico nas obras literárias de André Malraux,
analisadas por Freitas, e nos romances de Gersão e Couto do nosso corpus, é a
transfiguração/transformação do que seria a realidade objetiva. A linguagem narrativa
cria, portanto, a representação de um cenário, que não é cópia da realidade como
pretende o discurso histórico, que se utiliza principalmente da função referencial da
173
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
linguagem, mas revela, por meio de um posicionamento discursivo que privilegia o
poético, um espaço textual singular, em que a história oficial se redimensiona pelo viés
subjetivo das instâncias narrativas, afirmando-se como matéria e parte da ficção e não
como documento histórico.
Freitas (1986, p.7) afirma ainda que a transfiguração “[...] é o momento em que a
imaginação do autor se liberta das imposições da História e se afirma como criação
literária [...]”. Essa colocação faz-nos lembrar as importantes reflexões de Antonio
Candido em Literatura e sociedade (2000, p.13), em que o crítico brasileiro afirma que
a linguagem literária possui liberdade na incorporação da realidade, podendo deformá-la
se for necessário para maior expressividade. Para Candido (2000, p.13), a liberdade
“[...] é o quinhão da fantasia, que às vezes precisa modificar a ordem do mundo
justamente para torná-la mais expressiva [...]”, constituindo-se “[...] num movimento
paradoxal que está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como
representação do mundo”. Mas o autor alerta que não “[...] basta aferir a obra com a
realidade exterior para entendê-la, [pois isso] é correr o risco de uma perigosa
simplificação causal” (CANDIDO, 2000, p. 13).
Além das análises críticas de Freitas (1986) e Candido (2000), para o estudo da
interação entre realidade e ficção na obra de Gersão e Couto, tomamos as discussões
dos Estudos Culturais sobre o espaço geográfico da escrita. Posição defendida pelo
crítico Edward Said em “História, literatura e geografia” (2003, p.225-226), quando
afirma ser indispensável pensar a literatura do seu espaço geográfico de produção,
levando em consideração as mudanças geográficas do mundo pós-eurocêntrico, ou seja,
é necessário, de acordo com o autor, refletir sobre o espaço não só textual, mas social
para a compreensão das diferentes perspectivas construídas no processo de tomada dos
fatos históricos e incorporação da História e da memória pela literatura contemporânea,
em especial pela produção literária de países de independência recente, como é o caso
de Moçambique.
Assim, cada um dos autores partilha, em espaços geográficos diferentes, de um
passado conflituoso, com dimensões e problemas diferentes para cada um dos povos,
que metonimicamente são representados em seus romances por meio de dramas
individuais. Teolinda Gersão, por exemplo, em Paisagem com mulher e mar ao fundo,
de 1982, analisa criticamente a postura do Estado Novo de enviar os jovens para servir
nas colônias na Guerra Colonial, além do drama dos retornados, por meio dos amigos e
família de Hortense e Clara, protagonistas do romance. Mia Couto, em Vinte e zinco,
174
Descrição das pesquisas
romance de “encomenda” pela Editorial Caminho em comemoração aos 25 anos dos
Cravos de Abril, retrata os últimos dias do PIDE Lourenço de Castro, trazendo a
atmosfera de perseguição, mortes, prisões e torturas em Moçambique ocasionadas pela
presença dos portugueses, durante o período colonial, revelando que o 25 de Abril
português não possui o mesmo significado para os moçambicanos, que almejam outro
vinte e cinco: o 25 de junho de 1975, data em que de fato ocorre a independência do
país. Ou seja, cada um em seu espaço e tempo da escritura escreve sobre as mazelas da
História, não com o objetivo de retratar fielmente o histórico, mas de transfigurá-lo e/ou
deseroicizá-lo. O que fica em evidência é o olhar crítico da literatura para com a matéria
histórica recente, por meio do retrato do choque cultural, sob diferentes perspectivas e
pelas artimanhas da linguagem, operadas pelo estilo próprio de cada escritor.
Portanto, o estudo busca, por meio da análise do corpus literário escolhido,
confrontar os diferentes olhares sobre o passado recente das duas nações veiculados
pelos romances de Teolinda Gersão e Mia Couto. O intuito da pesquisa é traçar
convergências e divergências entre a produção de Gersão e de Couto, levando sempre
em consideração o contexto histórico-crítico em que essas obras foram produzidas e
também a geografia (SAID, 2003, p.225-226) de cada produção e as preferências e
tendências marcantes de cada um dos autores, a fim de analisar os procedimentos
narrativos na incorporação do discurso da História no espaço da ficção como elemento
constitutivo da matéria ficcional (CANDIDO, 2000, p.7), operando a produção de novos
sentidos, juntamente com as instâncias narrativas. Além disso, como mencionado,
investigar, no procedimento de tomada da matéria histórica, o uso de uma escrita
intimista, que por meio do aflorar de subjetividades mostram a busca pela identidade
coletiva.
Para o desenvolvimento da pesquisa são tomados como embasamento teóricocrítico os seguintes grupos de textos: a) sobre a ficcionalização da História e o problema
da representação da realidade ao longo da crítica literária; b) teóricos dos Estudos
Culturais para a compreensão da configuração da literatura em países de independência
recente, como é o caso de Moçambique; c) teórico-críticos sobre a constituição e
principais tendências das literaturas de língua portuguesa, em especial, a produção de
Moçambique com Mia Couto e de Portugal pós-Revolução dos Cravos, com destaque
para a obra ficcional de Teolinda Gersão; d) teóricos para a compreensão dos conceitos
de memória, história e ficção; e) da Teoria da Narrativa para a análise das categorias
narrativas, em especial o tempo e o espaço; f) críticos sobre a história recente de
175
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Portugal e Moçambique.
Bibliografia4
ANDRADE, L. P. de. Alguns voos em O último voo do flamingo. Revista África e
africanidades, ano 1, n.2, p. 1-15, agosto, 2008.
AGAMBEN, G. Infância e história: destruição da experiência e origem da história.
Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2008.
ARISTÓTELES. Poética. In: ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética
clássica. Intr. Roberto de Oliveira Brandão. Trad. Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix,
1985, p.17-52.
ARNAUT, A. P. D. Post-modernismo no romance português contemporâneo: fios
de Ariadne – máscaras de Proteu. Coimbra: Almedina, 2002.
AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São
Paulo: Martins Fontes, 1988.
BARTHES, R. O efeito de real. In: _____. O rumor da língua. Lisboa: Edições 70,
1987.
BATALHA, M. C. Histórias de guerra, sonhos de paz: a Angola de Manuel Rui e
Pepetela. Ipotesi, v.14, n.2, p.179-187, jul/dez 2010.
BENJAMIN, Walter. O narrador. In:____. Obras escolhidas vol. 1: Magia e técnica,
arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BHABHA, H. O local da cultura. Trad. de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis e Gláucia Renata Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
CAMPOS, H. O lugar de Luiz Costa Lima. In: LIMA, L. C. Vida e mimesis. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1995, p.9-13.
CANDIDO, A. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. 8ª. ed. São
Paulo: T.A. Queiroz, 2000.
CHAVES, R.; MACEDO, T. Caminhos da ficção da África portuguesa. Vozes da
África - Revista Entre Livros. São Paulo, edição especial, n.6, p.44-51, 2007.
COMPAGNOM, A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de
Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
COSTA, D. A. da. Cenários do sujeito e da escrita em Paisagem com mulher e mar
ao fundo. 98 f; Dissertação de mestrado em Letras, Instituto de Biociências Letras e
Ciências Exatas, São José do Rio Preto, 2010.
COUTO, M. O último voo do flamingo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
_____. Palavras proferidas por Mia Couto na entrega do Prémio Mário António, da
Fundação Calouste Gulbenkian, em 12 de junho de 2001. In: ____. O último voo do
flamingo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
_____. Vinte e zinco. Lisboa: Editorial Caminho, 1999.
_____. Terra sonâmbula. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
DIAS, M. H. M. O pacto primordial entre mulher e escrita: Teolinda Gersão e a
atual prosa feminina portuguesa. São Paulo: Scortecci, 2008.
DIMAS, A. Espaço e romance. São Paulo: Ática, 1985.
FONSECA, M. N. S.; CURY, M. Z. F. Mia Couto: espaços ficcionais. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
FREITAS, M. T. de. Literatura e História: o romance revolucionário de André
Malraux. São Paulo: Atual, 1986.
4
Sem o material bibliográfico recolhido durante o estágio de doutoramento PDSE/CAPES, pois o mesmo
encontra-se em análise crítica.
176
Descrição das pesquisas
GALLAGHER, C. Ficção. In: MORETTI, F. (Org.). O romance 1: A cultura do
romance. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 629-658.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Vega,
19[--].
GERSÃO, T. Paisagem com mulher e mar ao fundo. Lisboa: O Jornal, 1982.
_______. A árvore das palavras. São Paulo: Editora Planeta, 2004.
GOBBI, M. V. Z. A ficcionalização da história: mito e paródia na narrativa portuguesa
contemporânea. São Paulo : Editora UNESP, 2011.
GOMES, A. C. A Voz Itinerante: ensaio sobre o romance português contemporâneo.
São Paulo: Edusp, 1993.
HALL, S. Da diáspora: identidades e mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora
Humanitas/UFMG, 2011.
HOBSBAWM, E. J. A era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1988.
HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria e ficção. Tradução de
Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
ISER, W. O fictício e o imaginário. In: ROCHA, J. C. de C. (Org.). Teoria da ficção:
indagações à obra de Wolfgang Iser. Trad. Bluma W. Vilar, João Cezar de Castro
Rocha. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1999.
LÄMMERT, E. História é um esboço: a nova autenticidade narrativa na historiografia e
no romance. Estudos Avançados [online]. 1995, vol.9, n.23, pp. 289-308.
LARANJEIRA, P. Literaturas africanas de expressão portuguesa. Lisboa:
Universidade Aberta, 1995.
LE GOFF, J. História e memória. Trad. de Bernardo Leitão et AL. Campinas/SP:
Editora da Unicamp, 2003.
LIMA, L. C. Vida e mimesis. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
________. Mimesis: desafio ao pensamento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2000.
LINS, O. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
LOURENÇO, E. Mitologia da saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
________. Labirinto da saudade: psicanálise mítica do destino português. Lisboa:
Dom Quixote, 1991.
LUKÁCS, G. La novela histórica. México: Ediciones Era, 1966.
________. O romance como epopéia burguesa. Trad. Letizia Zini Antunes. Ad
Hominem. São Paulo, Estudos e Edições Ad Hominem, n. 1, p. 87-136, 1999.
MAGRIS, C. O romance é concebível sem o mundo moderno? In: MORETTI, F. A
cultura do romance I. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009,
p.1013-1028.
MATA, I. Os espaços romanescos de Mia Couto. In: FONSECA, M. N. S.; CURY, M.
Z. F. Mia Couto: espaços ficcionais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
NOA, F. Império, mito e miopia: Moçambique como invenção literária. Lisboa:
Editorial Caminho, 2002.
________. Literatura colonial em Moçambique: o paradigma submerso. Via Atlântica,
n.3,
p.
58-68,
dez
de
1999.
Disponível
em:
<
http://www.fflch.usp.br/dlcv/posgraduacao/ecl/pdf/via03/via03_05.pdf>. Acesso em: 10
de fev. de 2012.
PELLEGRINI, T. Realismo: postura e método. Letras de Hoje. Porto Alegre, v.42, n.4,
p.137-155, dez. 2007.
PLATÃO. Livro X. In: _____. A república. 2. ed. Trad. J. Guinsburg. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1973. v.1 p. 218-260.
POUILLON, J. O tempo no romance. Trad. Heloysa de Lima Dantas. São Paulo:
177
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Cultrix, 1974.
POULET, G. O espaço proustiano. Trad. Ana Luiza B. Martins Costa. Rio de Janeiro:
Imago, 1992.
RIBEIRO, M. C. Uma história de regressos: império, Guerra Colonial e PósColonialismo. Porto: Edições Afrontamentos – Centro de Estudos Sociais, 2004.
RICOEUR, P. Tempo e narrativa. Trad. Marina Appenzeller. Campinas: Papirus,
1994-1997.
______. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François. São
Paulo: Ed. UNICAMP, 2008.
RIEDEL, D. C. (Org.). Narrativa: ficção e história. Rio de janeiro: Imago, 1988.
ROANI, G. L. Sob o vermelho dos cravos de abril: literatura e revolução no Portugal
contemporâneo. Revista Letras, Curitiba, n. 64, p. 15-32, 2004.
______. No limiar do texto: literatura e história em José Saramago. São Paulo:
Annablume, 2002.
ROSENFELD, A. Texto/contexto. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1985.
ROSIGNOLI, Margareth M. J. A. A revolução na literatura portuguesa. In: Revista do
Centro e Estudos Portugueses, UFMG, v.24, n.33, jan/dez, 2004.
SAID, E. História, literatura e geografia. In: ________. Reflexões sobre o exílio e
outros ensaios. Trad. Pedro Maia Soares. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
_______. Cultura e imperialismo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
SANTOS, D. A. O continente: um romance histórico tradicional ou um novo romance
histórico? Akrópolis, Umuarama, v. 17, n. 3, p. 123-129, jul./set. 2009.
SARLO, B. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. Trad. Rosa Freire
d’Aguiar. São Paulo: Cia. das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
SEIXO, M. A. A palavra do romance: ensaios de genealogia e análise. Lisboa:
Horizonte Universitário, 1986.
______. Para um estudo da expressão do tempo no romance português
contemporâneo. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987.
SECCO, C. L. T. R. Entre crimes, detetives e mistério... Pepetela e Mia Couto: riso,
melancolia e o desvendamento da história pela ficção. Revista Mulemba. Rio de
Janeiro,
v.1,
p.1-15,
jul/dez
2011.
Disponível
em:
<http://setorlitafrica.letras.ufrj.br/mulemba/artigo.php?art=artigo_5_10.php>.
Acesso
em: 10 fev. 2012.
SECCO, L. A revolução dos cravos e a crise do império colonial português:
economias, espaços e tomadas de consciências. São Paulo: Alameda, 2004.
SILVA, A. C. da. O rio e a casa: imagem do tempo na ficção de Mia Couto. São Paulo:
Cultura Acadêmica – Ed. UNESP, 2010.
SOUZA, I. M. M. de L. A. de. Teolinda Gersão: o processo de uma escrita.
Dissertação de mestrado, Universidade do Porto/Porto,1988.
STIERLE, K. A ficção. Trad. de Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, 2006. (Coleção Novos Cadernos do Mestrado vol.1)
TODOROV, T. As estruturas narrativas. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São
Paulo: Perspectiva, 2006.
TUTIKIAN, J. Velhas identidades novas: o pós-colonialismo e a emergência das
nações de língua portuguesa. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2006.
WHITE, Hayden. Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. Tradução de
Alípio Correia de França Neto. São Paulo: Edusp, 1994.
178
Descrição das pesquisas
ECOS DA MEMÓRIA: A (RE)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE EM A
MISTERIOSA CHAMA DA RAINHA LOANA
Déborah Garson Cabral
Mestranda – Bolsista CNPq
Profa. Dra. Claudia Fernanda de Campos Mauro (Or.)
O projeto de mestrado exposto neste resumo se pauta na pesquisa e análise da
obra de Umberto Eco A misteriosa chama da rainha Loana, atentando-se, dentro deste
romance, aos pontos que abordam a memória e a construção da identidade. Serão
utilizados como base os autores pós-modernos que abordam este tema, como Zigmunt
Bauman, Stuart Hall, Linda Hutcheon, entre outros.
Umberto Eco é um autor que mostra, em seus textos, inúmeras possibilidades de
leitura, visto que suas obras são prenhes de interpretações, como o próprio autor diz. Em
seu texto Seis passeios pelo bosque da ficção fica evidente esta sua asserção. A partir
desta ideia constrói Yambo, personagem principal do romance A misteriosa chama da
rainha Loana e reflexo deste leitor, que desbravará a floresta escura de sua memória e
de sua história, compondo assim a identidade de um ser de seu tempo, fragmentado,
multifacetado, um sujeito “conceptualizado como não tendo uma identidade fixa,
essencial ou permanente” (HALL, 2006, p.12). O que se busca é fazer uma leitura,
dentre as muitas possíveis, da obra em questão para associá-la aos estudos sobre pósmodernidade e teoria literária.
Apesar disso, é preciso fixar-se em determinados pontos ao se tratar de uma
pesquisa de sua obra, levando-se em conta que são inúmeras as possibilidades, torna-se
válido retratar aquelas que sejam apropriadas para o tema, a fim de trazer luz à teoria.
Com base nesta ideia, este projeto de mestrado visa, a partir da figura do
narrador, abordar estes temas, posto que se trata de um narrador homodiegético, que
relata sua vida de maneira perturbada e ambígua, pois vivencia uma perda parcial da
memória, causada por um acidente não especificado.
Halbwachs (1990), em seu texto A memória coletiva, define a memória como
sendo uma construção social, baseada em experiências coletivas e que só mantêm seu
valor de acordo com as experiências que se perpetuam. Dialogando com A misteriosa
chama da rainha Loana, encontramos um personagem que busca reconstruir suas
179
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
memórias e sua identidade a partir de imagens que o remetam a seu passado, que já não
é mais o mesmo nem enquanto recordação, nem enquanto “revisitação” da lembrança.
Yambo, ao buscar essa reconstrução, acaba por criar uma nova memória de uma
situação hipotética, que nem sequer tem certeza de ter vivido. Diz ainda Halbwachs que
a memória se reconstrói constantemente, ligando as recordações remotas às experiências
contemporâneas, renovando-se incessantemente. Esta afirmação leva à constatação de
que Yambo, portanto, depois de voltar de um coma causado por um acidente não
justificado, remodela suas memórias, podendo, então, reconstruir sua identidade a seu
bel-prazer, escrevendo sua história a partir de um novo prisma interpretativo.
A reconstrução de sua identidade passa pela revisitação dos materiais visuais que
compuseram suas vivências pueris. Apesar disso, os espaços revisitados trarão novas
concepções, visto que o Yambo de hoje não é o mesmo de sua infância, o que imprime
às suas interpretações um novo caráter. O não pertencimento ao tempo e ao espaço se
faz presente em sua busca, e acaba tormando-se mote para sua ideia fixa. Verifica-se
aqui a reescritura de sua história, suas origens, para a confecção de sua identidade atual.
O teórico John Barth (1967) fala a respeito da literatura da exaustão, que consistiria na
falta de argumento e criatividade para produzir textos literários originais, e soluciona
essa problemática demonstrando, através de seus contos, que a literatura pode ser
revisitada e remodelada, não consistindo nisto uma falta de originalidade nem tampouco
plágio. É uma referência renovada, uma nova forma de ressuscitar os clássicos,
conferindo a eles uma nova possibilidade de leitura, de acordo com a visão do próprio
leitor. Em Dunyazadíada (1986), Barth demonstra como um clássico pode renovar-se
sem perder sua autonomia e, ao mesmo tempo, como a literatura contemporânea pode se
transformar, em termos estéticos e no nível do conteúdo, sem fugir dos preceitos que
qualificam a obra literária.
Yambo é o leitor de sua própria história. É o leitor de um livro novo, um leitor
arguto que busca os entremeios da linguagem. Segundo o próprio Umberto Eco, existem
caminhos dentro do texto e cabe ao leitor fazer sua escolha entre a trilha já exposta e o
desbravamento da floresta da leitura de prazer (cf.BARTHES, 1987).
Segundo Derrida (2001), os arquivos da memória são constituídos por escrituras,
ou seja, tudo o que guardamos na memória é a leitura e posterior reescritura do mundo
que nos circunda. Yambo precisará percorrer o caminho da leitura de si para conseguir
reconstruir sua identidade, que é formada a partir da memória construída pela
convivência social. A narrativa inicia-se com a pergunta que será argumento para toda a
180
Descrição das pesquisas
busca do personagem: “E o senhor, como se chama?”. Este seria o início da constituição
da individualidade, da identidade que seguirá com cada um por toda a vida e até além
dela: seu nome. Em Eagleton (2010), pode-se verificar que Lacan explana acerca da
constituição do eu através do espelhamento, e cada ser vai aglomerando em si as
referências do que se é partindo da comparação com o outro, para formar o Outro referencial interno do ideal de conduta. Yambo, que já possuía uma identidade, agora
precisará reaver essa identidade e, para isso, precisará encontrar-se através da leitura de
si, penetrando nos “palácios da memória” (cf. AGOSTINHO, 1955) de sua própria
história, investigando o texto para encontrar sua resposta à pergunta: Quem sou eu?
O sujeito pós-moderno seria constituído a partir da fragmentação do eu e da
adoção de diversas identidades para compor suas características. Os questionamentos
sobre identidade e a relação com o pertencimento a algum grupo é um assunto recente.
Pensar em identidade é pensar nas transformações sociais ocorridas na segunda metade
do século XX e, além disso, nos reflexos do avanço tecnológico no indivíduo. Um ser
contemporâneo a esses acontecimentos, que viveu toda esta transformação, torna-se um
questionador de seu papel dentro desta máquina complexa. Yambo perde-se em si
mesmo por não reconhecer a que lugar pertence, e por isso retoma sua origem, buscando
compreender como chegou onde se encontra. Ali se defrontrará não mais consigo
mesmo, mas com um aspecto de si, uma parcela que o compõe (ou compunha) e que se
transformou no que hoje o constitui.
Através da análise do texto, buscar-se-á comprovar as formas utilizadas para
referir-se ao conteúdo, visto que não há gratuidade na escrita. Nota-se, através das
referências intertextuais em A misteriosa chama da rainha Loana, que o autor busca
enriquecer o texto literário, caracterizando a seleção do leitor apropriado.
O trabalho visa proporcionar um panorama do que é a Pós-Modernidade e seus
desdobramentos na sociedade e na literatura. Procurará refletir sobre as transformações
decorrentes deste período, desde a (r)evolução tecnológica até suas conseqüências no
cotidiano, procurando solucionar as dúvidas que pairam entre acreditar que essa
transformação diz respeito a uma decadência ou a um renascimento cultural. Além
disso, o estudo objetiva traçar o percurso da busca da memória por parte do
personagem-narrador, investigando em que medida a memória é um fator constitutivo
da identidade.
Até o presente momento, a pesquisa encontra-se no estágio de confecção de
artigos concernentes às disciplinas cursadas no primeiro semestre de 2013. Além disso,
181
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
foram feitos fichamentos sobre os textos que dizem respeito aos temas propostos para a
análise do romance. Duas disciplinas foram finalizadas neste primeiro semestre, tendo
sido feita a matrícula de mais duas para o segundo semestre, além de um seminário de
orientação que acontecerá também no segundo semestre de 2013.
A partir do conteúdo exposto pelas disciplinas, foi possível reorganizar alguns
aspectos da pesquisa, enriquecendo o tema e canalizando o objetivo deste projeto. Após
a leitura de textos sobre autoficção, foi possível rever o personagem-narrador do
romance e, com isso, buscar aprofundar o conceito de narrador pós-moderno. Além
disso, a análise de fatores na obra que caracterizam o período histórico que aborda,
como as recordações do pós-guerra e a construção da cultura pop e sua influência na
produção cultural italiana, visitando canções e livros que remetem a uma época
específica. Portanto, o momento atual da pesquisa é de amarração das ideias já
existentes com estas novas conceituações.
A princípio, o objetivo era trabalhar a obra selecionada a partir dos conceitos
pós-modernos de memória e identidade, usando como base a teoria de Halbwachs, para
a questão da memória coletiva e Bauman, no que concerne à identidade fragmentada e
multifacetada do sujeito pós-moderno. O que foi verificado neste primeiro semestre de
2013 foi a capacidade de aprofundamento do texto a partir do narrador da obra, visto
que este narrador é riquíssimo em possibilidades de interpretação. Depois da
classificação deste autor, a sugestão de que este narrador poderia ter raízes
autoficcionais tornou-se possível, e então se buscou o aprofundamento em leituras sobre
autobriografia ficcional e autoficção. Neste ponto, os textos de Diana Klinger, Verena
Alberti foram de grande auxílio, além de outros autores que traçam o percurso do
narrador através do tempo, suas transformações e a mudança das concepções do
romance e suas formas de narrar, de Benjamin até Hutcheon e Silviano Santiago.
Outras leituras sobre a questão da memória e da história foram surgindo, como
Paul Rocoeur, Aleida Assmann, entre outros. Estes textos estão em andamento para
análise e seleção, e possivelmente auxiliarão na abordagem do tema.
Bibliografia
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Argos: Chapecó,
2009.
AGOSTINHO, Santo. Confissões. Porto: Livraria Apostolado da Imprensa, 1955.
ALIGHIERI, Dante. La Divina Commedia. Torino: Giulio Einaudi Editore, 1954.
182
Descrição das pesquisas
ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1999.
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação – Formas e transformações da memória
cultural. Campinas: Editora da Unicamp, 2011.
BARTH, John. Dunyazadíada. In: Quimera. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1986.
________. The literature of exhaustion. The Atlantic, August 1967, v. 220, n. 2, p. 2934.
BARTHES, Roland. O prazer do texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.
BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
________. O mal-estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
BORGES, Jorge Luis. Funes, o memorioso. In: ____. Ficções. São Paulo: Companhia
das Letras, 2007.
BRESCIANI, Stella; NAXARA, Marcia. (orgs.). Memória e (res)sentimento –
Indagações sobre uma questão sensível. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Literatura e senso comum. Trad.
Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2001. p. 97-138
DERRIDA, Jacques. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Tradução de Claudia
Moraes Rego. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução: Sandra Castello Branco; revisão
técnica: Cezar Mortari. São Paulo: Editora UNESP, 2005.
________. As ilusões do Pós-Modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
________. O problema dos desconhecidos, um estudo da ética. Tradução: Vera Ribeiro.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
________. Teoria da literatura: uma introdução. Tradução: Waltensir Dutra. São Paulo:
Martins Fontes, 1983.
ECO, Umberto. A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia. Rio de Janeiro:
Record, 2010.
________. A misteriosa chama da Rainha Loana. Rio de Janeiro: Record, 2005.
________. Como se faz uma tese. São Paulo: Editora Perspectiva, 1983.
________. Obra aberta. São Paulo: Editora Perspectiva, 2012.
________. Seis passeios pelo bosque da ficção. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
________. Su alcune funzioni della letteratura. In: _____. Sulla Letteratura. Milano:
Bompani, 2004, p. 7-22.
GENETTE, Gerard. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, 1995.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Edições Vértice, 1990.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HUTCHEON, Linda. Poética do pós-modernismo; história, teoria, ficção. Rio de
Janeiro: Imago, 1991.
LUKÁCS, Georg. Teoria do romance. Trad. Alfredo Margarido. Lisboa: Presença,
196[-].
PIRANDELLO, Luigi. Uno, nessuno e centomila. Milano: Oscar Mondadori, 1981.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos históricos. Rio de
Janeiro, vol. 2, n° 3, 1989, p. 3-15.
________. Memória e identidade social. In: Estudos históricos. Rio de Janeiro, vol.5,
n°10, 1992, p. 200-212.
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.
REIS, Carlos. LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo:
Ática, 2000.
183
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da
Unicamp, 2007.
SANTOS, Jair Ferreira. O que é Pós Moderno. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
TEIXEIRA, Igor Salomão. A memória em “A misteriosa chama da Rainha Loana”. In:
Métis: história e cultura. Vol.6, n°12, jul/dez 2007, p. 65-87.
WESSELING, Elisabeth. Writing History as a prophet. Postmodernist innovations of
the Historical Novel. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company:
1991.
184
Descrição das pesquisas
GUERRA CONJUGAL: DOS CONTOS DE DALTON TREVISAN AO FILME DE
JOAQUIM PEDRO
Douglas de Magalhães Ferreira
Mestrando – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan (Or.)
Introdução
Para chatear os imbecis / Para não ser aplaudido depois de sequências
dó-de-peito / Para viver à beira do abismo / Para correr o risco de ser
desmascarado pelo grande público / Para que conhecidos e
desconhecidos se deliciem / Para que os justos e os bons ganhem
dinheiro, sobretudo eu mesmo / Porque, de outro jeito, a vida não vale
a pena / Para ver e mostrar o nunca visto, o bem e o mal, o feio e o
bonito / Porque vi Simão no Deserto / Para insultar os arrogantes e
poderosos, quando ficam como cachorros dentro d’água no escuro do
cinema / Para ser lesado em meus direitos autorais.
Com esta declaração, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988)
respondeu à seção Pourquoi filmez-vous?, do jornal Libération, em 1987. Suas sinceras
e irônicas palavras, ao melhor estilo telegráfico oswaldiano, já indiciam a singularidade
do diretor, um dos expoentes do Cinema Novo. Dentre as características recorrentes de
sua obra, cuja relevância foi chancelada e aquilatada por festivais nacionais e
internacionais, apontaríamos: a presença de lirismo/humor e realidade/alegoria, a
recuperação crítica da pornochanchada, a busca por novas formas de expressão
cinematográfica, “a fusão do erudito com o popular, a fina ironia” (BENTES, 1996, p.
10), o interesse por nossa tradição e identidade culturais e a recorrência da literatura
brasileira como lastro de seu método de criação.
É precisamente neste último campo de estudo – o das relações entre literatura e
cinema – que a presente pesquisa se insere, analisando o quinto longa-metragem de
Joaquim Pedro, Guerra conjugal (1975), cujo roteiro foi elaborado a partir de contos de
Dalton Trevisan. Como nosso projeto ainda se encontra em estágio inicial de
desenvolvimento, apresentaremos de modo sucinto suas justificativas, objetivos e
metodologia, bem como os resultados preliminares.
185
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Justificativas
Se essa é a abordagem óbvia para o estudo da produção do diretor, pode-se
objetar que é também uma das mais profícuas, pois, afinal, quase a totalidade de sua
filmografia teve como estofo a literatura nacional1. Com efeito, observamos um número
ainda pouco considerável de trabalhos sobre a obra de Joaquim Pedro2, embora esteja de
fato disponível uma robusta gama de materiais, como, por exemplo, artigos, críticas em
jornais, depoimentos do próprio diretor, cartas trocadas entre os cinemanovistas, etc.
Além disso, o estudo de Guerra conjugal possibilitará, de um lado, entrar em contato e
(quiçá) contribuir para a análise da obra de um dos mais importantes escritores de nossa
literatura e, de outro, propor a leitura de um filme inserido num momento seminal da
produção cinematográfica nacional, o Cinema Novo.
Objetivos
Conforme adiantamos, nossa pesquisa sondará as intrincadas relações entre
literatura e cinema. Em específico, pretende-se analisar, por meio da discussão
intersemiótica, a narrativa cinematográfica de Guerra conjugal, filme composto a partir
de diferentes contos de Dalton Trevisan. Procurar-se-á verificar de que forma Joaquim
Pedro operou a transposição da palavra escrita para a “palavra fílmica”, a imagem,
estabelecendo assim o seu modus operandi, que sempre parte da literatura
[...] para, através do processo criador, ir contestando,
ininterruptamente, aquilo que havia erigido como universo de seu
discurso. Prisioneiro da tradição, Joaquim Pedro não pode, no entanto,
render-se à leitura respeitosa e submissa do texto. [...] Será uma forma
de amor essa atenção feita de vigilância, recusa ao abandono e
agressividade? Ou vingança ressentida de criador, consciente de que a
sua imaginação age sempre de maneira parasitária sobre um primeiro
discurso autônomo? (SOUZA, 1980, p. 195)
1
Além dos documentários sobre Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, Joaquim Pedro realizou, entre
outros: O Padre e a moça (1965), filme inspirado em poema de Drummond; Macunaíma (1969); Os
Inconfidentes (1972), cujos diálogos foram extraídos dos Autos da Devassa, dos versos dos poetas
inconfidentes e do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles; e o Homem do Pau Brasil (1981),
radical leitura da obra de Oswald de Andrade. Os projetos interrompidos com a sua morte – o roteiro não
filmado Casa-Grande, Senzala & Cia e o desejo de trabalhar com os livros-memória de Pedro Nava –
indicam que o diretor continuaria trilhando o mesmo método criativo.
2
Exaustivamente, apenas os filmes Macunaíma e Os Inconfidentes parecem ter sido estudados em
Hollanda (1978), Johnson (1982) e Ramos (2002).
186
Descrição das pesquisas
Sob a suposição de que Guerra conjugal cristalize algumas das características
gerais que norteiam a produção de seu realizador, pretende-se também cotejar este filme
com outros do diretor, com o intuito de lançar luz sobre o conjunto da obra através dos
pontos de toque.
Além da análise da narrativa cinematográfica (objetivo primeiro) e de se intentar
estabelecer um diálogo entre este o demais filmes do cineasta (objetivo segundo),
pretende-se ainda, levando em consideração o contexto histórico-social de produção da
obra, deslindar as tendências estético-ideológicas aí identificáveis (objetivo terceiro). Se
“os cinemanovistas viram no cinema um meio de contribuir para a solução de alguns
dos problemas enfrentados pelo Brasil subdesenvolvido” (JOHNSON, 1982, p. 82),
haveria em nosso objeto uma proposta de leitura crítica do país?3 Em que medida este
filme se aproxima e/ou se afasta dos preceitos do Cinema Novo?
Metodologia
A fim de se alcançar os objetivos propostos, a pesquisa tentará cobrir os quatro
pontos gerais a seguir. No primeiro momento, serão discutidas as relações entre
literatura e cinema, que não se resumem à tradução de obras literárias em versões
fílmicas. A orientação geral de nosso trabalho não será pautada pela observância da
fidelidade, “um falso problema porque ignora diferenças essenciais entre os meios e [...]
a dinâmica dos campos de produção cultural nos quais os meios estão inseridos”
(JOHNSON, 2003, p. 42). Diversos são os estudos sobre tradução intersemiótica
alinhados às intenções deste projeto (AVELLAR, 2007; BAZIN, 1991).
Em seguida, levantaremos as narrativas de Dalton Trevisan nas quais o roteiro se
baseou, situando-as na obra do escritor curitibano e no contexto de explosão do conto
no Brasil nas décadas de 1960-70. Sabe-se que concursos literários eram promovidos na
época, quando o gênero atraiu diversos autores. Para essa etapa, a pesquisa contará com
um tríplice apoio: desde estudos mais gerais sobre o conto (MAGALHÃES JR., 1972;
POE, 1997), passando pelo caso específico brasileiro (BOSI, 2001; PELEGRINI, 1996),
até as leituras do conjunto da obra trevisaniana (WALDMAN, 1989).
3
Em Formação da literatura brasileira (1981), Antonio Candido destaca a vocação empenhada de nossa
literatura, consciente de sua função histórica e preocupada com a construção imagética da identidade
nacional. Em certa medida, tal propensão foi herdada pelos principais realizadores do Cinema Novo.
187
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
O terceiro momento será o de reflexão acerca do Cinema Novo e suas
preocupações estético-ideológicas, no interior das quais Joaquim Pedro gestou sua
produção. Se os cinemanovistas entediam o cinema como instrumento de interferência
direta nas questões relevantes do país, é fato terem elaborado também uma expressão
cinematográfica autoral e ao mesmo tempo exclusivamente nacional. Contaremos aqui
com o farto número de estudos disponíveis sobre o cinema brasileiro (BERNADET,
1991; RAMOS, 1987) e o Cinema Novo (ROCHA, 1981; XAVIER, 1993).
Por fim, a pesquisa procederá à análise do filme, procurando identificar e
interpretar os códigos cinematográficos, os movimentos de câmera, as elipses, a
fotografia, as canções, as metáforas, enfim, quaisquer mínimos elementos indicadores
do peculiar método de (re)criação4 de Joaquim Pedro. Não poderemos nos furtar
também ao contexto de produção de Guerra conjugal, marcado pelo “desbunde
político” (HOLLANDA, 2004).
Resultados parciais
No primeiro semestre de 2013, procurando observar o cumprimento dos créditos
em disciplinas do programa, realizamos os cursos História e ficção e Relações entre
literatura e cinema: crítica genética, transcriação e reminiscências culturais,
ministrados, respectivamente, pela Prof.ª Dr.ª Márcia Valéria Z. Gobbi (FCLAr) e Prof.ª
Dr.ª Josette Maria A. de S. Monzani (UFSCar). A contribuição das duas disciplinas foi
decisiva para o projeto. A primeira viabilizou o estudo das relações entre história e
cinema a partir de outro filme de Joaquim Pedro, Os Inconfidentes, que guarda
semelhanças com os romances históricos pós-modernos; enquanto a segunda nos
colocou em contato com o método de análise da crítica genética e com diversos
trabalhos sobre tradução intersemiótica.
Além da identificação dos dezesseis contos utilizados para a composição do
filme, muitas questões foram levantadas para o andamento da pesquisa: por quais
procedimentos o diretor transpôs os textos para a tela? Se o filme é composto por contos
de diversos livros de Dalton Trevisan (e não só do homônimo), por que Joaquim Pedro
escolheu o título de Guerra conjugal? Qual é a ênfase pretendida: relações amorosas,
4
Dentre os estudos sobre a linguagem cinematográfica que servirão de suporte, destaco: Aumont (1995),
Martin (2003), Metz (1972) e Xavier (2008).
188
Descrição das pesquisas
cafajestagem, violência? Sendo o filme um produto cultural e semiótico, de que modo o
cineasta converteu em imagens a sua experiência social, ideológica e estética?
Bibliografia
AUMONT, Jaques et al. A estética do filme. Campinas: Papirus, 1995.
AVELLAR, José Carlos. O Chão da palavra. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
BAZIN, André. Por um cinema impuro: defesa da adaptação. In: __. O Cinema:
ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BENTES, Ivana. Joaquim Pedro de Andrade: a revolução intimista. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1996. (Coleção Perfis do Rio, XI).
BERNARDET, Jean Claude. Cinema brasileiro: propostas para uma história. São
Paulo: Paz e Terra, 1991.
BOSI, Alfredo (Org.). O Conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 2001.
CANDIDO, Antonio. Uma literatura empenhada. In: __. Formação da literatura
brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Macunaíma: da literatura ao cinema. Rio de
Janeiro: José Olympio/Embrafilme, 1978.
________. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde, 1960/1970. Rio de
Janeiro: Aeroplano, 2004.
JOHNSON, John Randal. Literatura e cinema. Macunaíma: do modernismo na
literatura ao cinema novo. São Paulo: T. A. Queiroz, 1982.
________. Literatura e cinema, diálogo e recriação: o caso de Vidas Secas. In:
PELLEGRINI, Tania et al. Literatura, cinema, televisão. São Paulo: SENAC, 2003.
POE, Edgar Allan. A filosofia da composição. In: __. Ficção completa, poesia &
ensaios. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. A arte do conto: sua história, seus gêneros, sua
técnica, seus mestres. Rio de Janeiro: Bloch, 1972.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. São Paulo: Brasiliense, 2003.
METZ, Christian. A significação no cinema. São Paulo: Perspectiva, 1972.
RAMOS, Alcides Freire. Canibalismo dos fracos: cinema e história do Brasil. Bauru:
Edusc, 2002.
RAMOS, Fernão (Org.). História do cinema brasileiro. São Paulo: Círculo do Livro,
1987.
ROCHA, Glauber. Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
SOUZA, Gilda de Mello e. “Os Inconfidentes”. In: __. Exercícios de leitura. São
Paulo: Duas Cidades, 1980.
PELLEGRINI, Tania. Gavetas vazias: ficção e política nos anos 70. São Carlos:
UFSCAR, 1996.
WALDMAN, Berta. Do vampiro ao cafajeste: uma leitura da obra de Dalton Trevisan.
São Paulo: UNICAMP, 1989.
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo,
Cinema Marginal. São Paulo: Brasilense, 1993.
________. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz
e Terra, 2008.
189
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
EM FACE DO ÉPICO: A HEROICIZAÇÃO NAS NARRATIVAS DE
XENOFONTE
Emerson Cerdas
Doutorando – Bolsista FAPESP
Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti (Or.)
Muitos romancistas gregos usaram como pseudônimo o nome de Xenofonte, o
historioador ateniense do século IV a.C. Na Suda, por exemplo, há a referência a três
desses romancistas: Xenofonte de Éfeso, autor das Efesíacas, Xenofonte de Chipre,
autor das Cipríacas e Xenofonte de Antioquia, autor das Babiloníacas. Costuma-se
explicar essa filiação por causa da presença da narrativa de amor entre Pantéia e
Abradatas na Ciropedia de Xenofonte, já que ela estabeleceria um padrão narrativo que
os romancistas gregos desenvolveram posteriormente. Em nossa opinião, no entanto, a
obra de Xenofonte apresenta mais elementos que justificam essa filiação. Assim, o
objetivo dessa pesquisa de doutorado é tentar compreender nas narrativas
historiográficas de Xenofonte, Helênicas, a Anábase, Ciropedia e o Agesilau, elementos
ficcionais, que aproximem a sua produção aos daqueles romancistas, procurando, com
isso, entender o desenvolvimento da prosa ficcional no Ocidente.
Costuma-se, nos manuais de literatura grega1, relacionar o nome de Xenofonte
entre os historiadores clássicos, e esta classificação deve-se, principalmente, ao fato de
Xenofonte trabalhar com temas históricos em suas narrativas. Entretanto, conforme
Aristóteles (Poética, 1451b, p.79),
[...] ele é poeta pela imitação e porque imita ações. E ainda que lhe
aconteça fazer uso de sucessos reais, nem por isso deixa de ser poeta,
pois nada impede que alguma das coisas que realmente aconteem,
sejam, por natureza, verossímeis e possíveis e, por isso mesmo, venha
o poeta a ser o autor delas.
Ou seja, o filósofo estagirita observava que o fato de o escritor se utilizar de
temas históricos não significa que sua obra seja necessariamente historiográfica. Há
uma série de recursos narrativos, tanto temáticos quanto de escritura, que se constituem
1
Cf. Lesky (1986); Romilly (1984); López Férez (1988).
190
Descrição das pesquisas
como elementos determinantes na caracterização de um gênero. Na historiografia
antiga, o gênero se estabelece a partir da obra de Heródoto e se renova com a de
Tucídides, que, ao construírem suas narrativas, se tornaram modelos para a posteridade.
Ambas se configuram como obras modelares não só por narrarem fatos passados, mas
também por estabelecerem critérios e formas narrativas que performatizam o gênero.
Quando analisada sob esse critério – a comparação com a obra historiográfica de
seus antecessores – observamos que as obras de Xenofonte (séc. IV a.C.) apresentam
uma sensível mudança literária em relação a esses modelos. Nas obras que compõe o
corpus dessa pesquisa, procuramos demonstrar como Xenofonte ficcionaliza os dados
históricos. Por meio desta aproximação de ficção e discurso histórico, Xenofonte projeta
uma nova concepção de narrativa em prosa na Grécia antiga, que influenciará as
gerações seguintes, tanto na historiografia, quanto na formação do romance grego.
Podemos observar essas mudanças nos comentários apresentados pelo narrador
no decorrer das narrativas. Esses comentários são elementos metanarrativos que
auxiliam o leitor a compreender não só a construção das narrativas comoas infrações ao
gênero. Segundo Hartog (2001, p.13), esses comentários presentes naobra de Xenofonte
são proêmios2 em potencial, já que identificam, conscientemente, os mecanismos que
constroem a narrativa.Por exemplo, na Ciropedia II,2, o narrador traz para a narrativa
uma cena de banquete, retomando as principais tópicas desse tipo de discurso. No fim
da cena, o narrador afirma que os soldados, quando estavam na tenda, ocupavam-se com
discursos sérios (spoudáios) e cômicos (geloia). O discurso sério-cômico é, segundo
Bakhtin (2010), um dos princípios fundadores do romance, e não faz parte das tópicas
do discurso historiográfico; a nosso ver, Xenofonte foi o primeiro a trazer para uma
narrativa, de moldura historiográfica, gênero sério da retórica antiga, e com isso deu um
passo importante na criação de uma prosa ficcional. Ao mesmo tempo, esse comentário
do narrador informa ao leitor a quebra da convenção.
Já nas Helênicas II.3.56, após narrar as últimas falas da personagem Têramenes,
que precederam a sua morte, o narrador afirma que tais falas não são dignas de menção
(oukaksióloga), mas mesmo assim as narra pelo que revelam do caráter do homem. Ao
afirmar que as falas de Têramenes não são dignas de menção, nos parece que Xenofonte
retoma o critério estabelecido por Tucídides em seu proêmio. Isso nos parece mais
2
O proêmio é uma estrutura discursiva que desde Heródoto faz parte do gênero. Segundo Luciano de
Samóstata, em Como se deve escrever a História (2009), o objetivo do proêmio é esclarecer e facilitar ao
leitor a compreensão do relato (diegésis) que se seguirá.
191
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
evidente à medida que a expressão oukaksióloga retoma o termo aksiologótaton que
Tucídides utiliza. Porém, embora Xenofonte deixe claro que sua obra está construída
sob o critério da historiografia tucidideana, e de que as falas de Têramenes não são
dignas para uma narrativa historiográfica, mesmo assim ele as narra, estabelecendo,
portanto, uma ruptura consciente com o modelo assumido. Desenha-se, desse modo,
uma nova concepção de ação memorável e digna de menção, concebendo como
aksiólogon não apenas os feitos dos grandes Estados e suas ações políticas e militares,
mas a história e o caráter do indivíduo. A análise das Helênicas é essencial para nossa
pesquisa, uma vez que é dentre as narrativas de Xenofonte a que mais se aproxima do
modelo historiográfico de Tucídides. Além disso, se aceitamos a datação de Delebecque
(1957), Xenofonte começou a escrever esta obra ainda na juventude, prosseguindo a sua
escritura até o fim da vida. Desse modo, sentimos, com o desenrolar da leitura, a
progressiva tensão entre o manter-se fiel à tradição historiográfica e o estabelecer de
uma nova práxis historiográfica, revelando o amadurecimento das ideias de Xenofonte.
Além disso, podemos contemplar e comparar as mudanças auferidas nas Helênicas com
os projetos narrativos propostos nas outras obras de Xenofonte, que fazem parte do
corpus deste estudo.
Em um recente trabalho sobre a historiografia do século IV a.C., Francis Pownal
(2004) discute o papel da caracterização do indivíduo nas Helênicas e demonstra que
Xenofonte sacrificava a verdade dos fatos em vista de um programa moral, que se
organizava pela apresentação de um feito individual que fosse exemplar ao leitor.
Concordamos com a autora quanto ao valor do exemplo moral na escrita de Xenofonte,
e o uso desse recurso frente à verdade histórica dos fatos, porém a conclusão da autora
só explica o objetivo final de Xenofonte, não os recursos que usou para alcançar tal
objetivo literário. Em nossa opinião, Xenofonte, na criação desses paradigmas morais
individuais, busca heroicizar suas personagens por meio de referências aos textos
poéticos da literatura grega, em especial à épica homérica, dando para a própria
narrativa uma dimensão poética e universal.
O título de nosso projeto, Em face do épico, retoma a interpretação de Jacyntho
Lins Brandão (1992) para o termo anti-epopeia, propagado por Donaldo Schüler (1985
apud BRANDÃO, 1992). Em grego a preposição antí significa “em face de”, “a posição
espacial de quem dialoga com” (BRANDÃO, 1992, p.43), e, neste sentido, a expressão
estabelece a condição essencial de toda a literatura grega, como anti-epopeia, ou anti-
192
Descrição das pesquisas
Homero, construindo, assim, um contínuo diálogo com a voz inaugural da literatura
grega.
Para compreender o diálogo literário que Xenofonte efetua com as epopeias,
devemos, primeiramente, considerar a imagem do herói fornecida pelos poemas épicos,
e em que medida os valores expressados pela Ilíada e Odisseia são retomados e
transformados em um novo contexto literário, histórico e social. O herói épico é um
indivíduo que possui dons que o tornam superiores aos outros homens comuns,
despertando a admiração tanto pelos seus feitos quanto pelo seu caráter (BOWRA,
1966, p.91). Na epopeia homérica, os valores aristocráticos são condensados na fórmula
do kalóskagathós, o homem nobre, belo e bom, que possui aqueles dons do corpo e do
caráter que conduzem ao sucesso na ação e são, por isso, admirados (BOWRA, 1996,
p.97).
Aquiles, por exemplo, é filho de Tétis, uma nereida, divindade marinha, e de
Peleu, rei dos Mirmidões, cujo avô era Zeus. Além disso, Aquiles foi educado pelo
centauro Quíron e pelo herói Fênix, que no canto nono da Ilíada, forma ao lado de
Odisseu e Ájax, a embaixada enviada por Agamemnom para demover Aquiles de sua
ira. A noção dessa educação vincula-se à formação da areté do nobre, pois ao herói não
basta ser valoroso na guerra; ele ainda deve portar-se como superior em tudo o mais,
aspirando à honra e ao reconhecimento de “todas as suas excelências” (JAEGER, 1995,
p.41).
Na Ciropedia, Xenofonte nos apresenta a personagem Ciro como filho de
Mandane, princesa da Média, e Cambises, rei dos persas, e descendente de Perseu, o
herói mitológico. Esta genealogia é um produto ficcional de Xenofonte, pois difere de
qualquer outra fonte a respeito da vida de Ciro; desse modo, a origem de Ciro é divina e
nobre, como o são as origens dos heróis homéricos. Quanto à descrição de sua natureza,
Ciro “era por natureza de aparência muito bela (kállistos), com alma muitíssimo
bondosa (philanthropótatos), amantíssimo dos estudos (philomathéstatos) e das honras
(philotimótatos), de tal modo que suportava todas as fadigas, resistia a todos os perigos,
pelo amor aos elogios”3. Note-se como Ciro é descrito tanto por características físicas
quanto morais, por meio de superlativos que exalçam a sua personalidade, constituindose, por isso, como um verdadeiro homem nobre. Além disso, uma das características
predicadas a Ciro, o ser amantíssimo das honras, é, em síntese, a própria essência do
3
Ciropedia, I. 2. (1972).Tradução nossa.
193
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
caráter do herói épico, pois este herói só pode contemplar o valor de sua areté
(excelência) por meio da time, o reconhecimento do seu valor pela sociedade. Na
epopeia homérica, negar a honra do herói “era a maior tragédia humana” (JAEGER,
1995, p.31). Desse modo, Xenofonte retoma valores épicos para a construção do seu
modelo de herói – e será, portanto, nosso intuito ler as obras de Xenofonte, tendo como
subtexto as epopeias Ilíada e Odisseia.
Assim, nosso projeto visa o estudo de quatro narrativas de Xenofonte,Helênicas,
Ciropedia, Anábase e Agesilau, procurando demonstrar as diferenças, tanto temáticas
quanto de escritura, que essas narrativas apresentam comparadas ao modelo de seus
antecessores, Heródoto e Tucídides, questionando, mesmo, até que ponto aquelas obras
podem ser classificadascomo historiográficas, e buscando compreender a relação da
escrita de Xenofonte com o desenvolvimento da ficção em prosa na Grécia. Além disso,
procuramos analisar a relação de intertextualidade com os modelos épicos de Homero, a
fim de demonstrarmos como essa relação intertextual é importante na criação dessa
ficção. Nesse percurso, o desenvolvimento de projeto está na fase de análise e tradução
dos trechos escolhidos que demarcam uma ruptura, ou uma infração ao modelo
historiográfico vigente. As leituras das obras de Heródoto e Tucídides, bem como de
alguma fortuna crítica, nos auxiliaram a compreender como se dá a escrita
historiográfica desses autores. Alguma pesquisa a respeito da intertextualidade de
Xenofonte com Homero tem sido feita também, ainda que não sistematicamente,
principalmente com relação à Anábase.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Poética. Prefácio, Introdução, Comentário e Tradução de Eudoro de
Souza. Porto Alegre: Ed. Globo, 1966.
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
BOWRA, C. M. Heroic poetry.London; Melbourne; Toronto: Macmillan, 1966.
BRANDÃO, J. L. Primórdios do épico: Ilíada. In: APPEL, M. B.; GOETTEMS, M. B.
As formas do épico. Porto Alegre: Editora Movimento, 1992.
DELEBECQUE, E. Essaisurlavie de Xénophon. Paris: Klincksieck, 1957.
HARTOG, F. (Org.).A História de Homero a Santo Agostinho. Tradução de Jacyntho
Lins Brandão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
HIGGINS, W. E. Xenophon the Athenian: The problem of the individual and the
society of the polis. Albany: State Universityof New York Press, 1977.
LUCIANO. Como se deve escrever a história. Tradução e Ensaio de Jacyntho Lins
Brandão. Belo Horizonte: Tessitura, 2009.
MOMIGLIANO, A. La Historiografia griega. Tradução castellana de José
MartinezGazquez.Barcelona: Editorial Critica, 1984.
194
Descrição das pesquisas
POWNALL, F. Lessons from the past: the moral use of history in fourth-century. Ann
Arbor: The University of Michigan Press, 2004.
RAHN, P. J. Xenophon’s developing historiography. Transactions and Proceedings of
the American Philological Association, vol 102, 1971. p.497-508.
WHITMARSH, T (Org.). The Cambridge Companion to the Greek and Roman
novel. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
195
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
SHENIPABU MIYUI: LITERATURA E MITO
Érika Bergamasco Guesse
Doutoranda
Profa. Dra. Karin Volobuef (Or.)
Introdução
A presente pesquisa tem por objetivo fazer uma análise de um grupo de doze
narrativas, contidas na obra Shenipabu Miyui (elaborada entre 1989 e 1995), mostrando,
principalmente, que, nesses textos, está representada a visão de mundo indígena,
integradora da realidade As narrativas são de autoria coletiva dos índios Kaxinawá
(dado que elas são provenientes da tradição oral) e o volume foi organizado pelo
professor indígena Joaquim Mana Kaxinawá. As narrativas de origem mítica que
compõem a obra foram narradas em versões tanto na língua indígena Kaxinawá quanto
em língua portuguesa, sendo, nesse caso, contadas por índios que dominavam a “língua
dos brancos”. Trabalhamos apenas com essas últimas – as quais foram narradas pelos
próprios indígenas em português.
O primeiro capítulo tem em vista a literatura indígena brasileira contemporânea,
a fim de contextualizar a obra Shenipabu Miyui.Dedicamo-nos justamente a verificar
como tem ocorrido o “fenômeno da escrita indígena” no Brasil e como essas produções
escritas de autoria indígena têm se revestido de um caráter literário. Buscamos
investigar como se iniciou o processo de escrita indígena e traçar um quadro de como
essa literatura está se configurando em termos de seus principais representantes, seus
aspectos mais relevantes e seu eventual “diálogo” com a literatura brasileira – uma vez
que os índios escritores convivem em ambiente marcado tanto pela cultura autóctone
quanto pela do homem branco.
Discutimos brevemente o apoio jurídico à questão indígena, contido na
Constituição Brasileira; a questão da transição da oralidade para a escrita;a importância
da arte de narrar; o valor do “velho sábio” para as comunidades; e procuramos
apresentar a visão que alguns indígenas têm em relação à prática escritural de seu povo.
Vale destacar que, hoje, o principal veículo de divulgação do pensamento dos indígenas
196
Descrição das pesquisas
acerca de sua escritura e literatura é a internet; isso explica o uso recorrente de fontes
digitais para a elaboração dessa primeira etapa.
O segundo capítulo, por sua vez,tem em vista isolar os principais aspectos do
mito em termos de sua realização enquanto narrativa carregada de dimensão estética.
Assim, nossa abordagem volta-se ao mito enquanto matéria cultural e literária.
Estudamos as características gerais do mito e suas definições; as relações entre o mito e
outros gêneros, como o conto, a lenda, o maravilhoso; as relações entre mito e literatura
e suas modalidades de interação; as relações entre história e mito; e apresentamos uma
reflexão sobre a representação do mito na sociedade contemporânea. Para este estudo,
recorremos aos estudiosos: André Jolles, Mircea Eliade, Raul Fiker, Ruthven, Joseph
Campbell, Lévi-Strauss, dentre outros.
No final do capítulo, tratamos especificamente do mito indígena, apresentando
suas principais características narrativas, alguns de seus elementos e sua significação
simbólica, procurando averiguar as especificidades e peculiaridades da expressão mítica
indígena brasileira e identificar o caráter único e a dimensão criativa, próprios da forma
de expressão de uma cultura específica. Neste momento, foram de importância
significativa as obras de: Câmara Cascudo, Osvaldo Orico, Sérgio Medeiros e Maria
Inês de Almeida. Seguindo as orientações dos professores que compuseram a banca do
Exame Geral de Qualificação, parte do conteúdo teórico que compõe este capítulo
poderá ser readequado, para atender melhor às análises das narrativas.
Resultados parciais: descrição do estágio atual da pesquisa
Na etapa atual (e final) da pesquisa, estamos nos dedicando a trabalhar
especificamente com as narrativas de Shenipabu Miyui, analisando os textos enquanto
realização literária. Para tanto, consideraremos sobretudo a perspectiva estética dos
textos, mas também levaremos em conta o contexto cultural, social e histórico de
produção das narrativas. As análises serão realizadas de forma a mostrar como se dá,
nos textos, a representação da visão de mundo integradora da realidade dos índios
Kaxinawá, na medida em que cada indivíduo é considerado a partir de sua relação com
seus semelhantes diretos e com tudo o que constitui o mundo que o rodeia; ou seja,
paradoxalmente, o indivíduo só existe a partir da coletividade.
Uma das principais características desta recente literatura (escrita) de autoria
indígena é sua intrínseca ligação com a terra e com a natureza. Para refletir sobre essa
197
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
relação, recorremos novamente aos estudos da professora Maria Inês de Almeida que,
por sua vez, tem seguido os ensinamentos contidos na obra da escritora portuguesa
Maria Gabriela Llansol (1931-2008), principalmente no que diz respeito ao conceito de
uma “estética orgânica”, através da qual as textualidades indígenas poderiam ser melhor
compreendidas. Maria Inês teve a oportunidade de estar por três vezes com Llansol e,
apesar de esta autora ainda não ser tão difundida e estudada no Brasil, a professora da
UFMG acredita que a contribuição dos estudos llansolianos para o estudo da literatura
indígena contemporânea seja fundamental.
Para a professora mineira, a obra de Llansol traz uma poética capaz de abrir o
caminho para as poéticas indígenas. A ideia da autora portuguesa de que nós somos
“vivos no meio dos vivos” – ou seja, de que os seres humanos não se relacionam
organicamente apenas entre si – muito se aproxima da visão de mundo ameríndia. A
prática escritural e literária indígena encaixa-se numa nova poética que Maria Inês
chama de “TERRI–VERBI–VOCO–VISUAL” (“terriverbivocovisual”), ou seja, uma
poética que inter-relaciona as dimensões terrena, verbal, sonora e visual.
Para a realização das análises, seguiremos algumas diretrizes que passamos a
expor brevemente:
O caráter simbólico é fortemente explorado na construção das narrativas,
relacionando-as, dessa forma, ao conceito de imaginário social, compreendido por
Walty (1991, p. 7), em seus estudos de narrativas dos índios Cinta-Larga, “como um
conjunto de representações que uma sociedade faz de si mesma e através das quais ela
se dá uma identidade”. Segundo a pesquisadora (1991, p. 17), “Os imaginários sociais
passam a ser vistos, então, como um vasto sistema simbólico que toda sociedade produz
e através do qual ela se percebe, se divide e elabora suas finalidades.” Acreditamos que
a visão de mundo integradora da realidade seja um elemento central do imaginário
social dos Kaxinawá e, portanto, um elemento central de suas narrativas como
representação literária.
Enquanto a visão ocidental da realidade pressupõe uma organização
hierarquizada, com distinções claras entre os seres e suas funções sociais, na visão de
mundo indígena, essa hierarquização desaparece. Por isso, segundo Almeida (2009), a
palavra-chave para a compreensão dessa recente expressão literária não é a metáfora
(como ocorre com a literatura ocidental), mas sim a metamorfose, que permeia
praticamente todas as escritas indígenas, confirmando e intensificando a relação homem
– escrita (literatura) – natureza.
198
Descrição das pesquisas
Sendo assim, um dos tópicos centrais na análise é justamente o caráter híbrido
das personagens das narrativas. A linha que separa homem e natureza é muito tênue e as
metamorfoses são constantes, sendo corrente a transformação de um ser em outro –
transformações essas que permeiam os três reinos: animal, vegetal e mineral. Esse
hibridismo, que se manifesta sob a forma das características físicas dos seres vivos e
inanimados, também se reflete em suas peculiaridades interiores, éticas e morais.Além
disso, os próprios heróis das narrativas integram em si características aparentemente
opostas de bem e mal; esperteza e inocência; vitória e derrota; vida e morte.
Vale ressaltar que é muito forte, na cultura Kaxinawá, o conceito de Yuxin, que
poderia ser explicado de forma bastante simplista, como alma, espírito ou uma força
vital que permeia todos os seres (vivos), igualando-os.
Podemos observar como a própria linguagem utilizada pelo narrador também
contribui para intensificar a visão de mundo integradora da realidade. Os frequentes
diálogos, nos quais todos os seres – humanos, animais, plantas – têm o poder da palavra
comprovam essa afirmação. Aqui, mais uma vez, não há distinção ou hierarquia no
poder de uso da palavra entre homem e natureza; ao invés de diferenciar e distanciar os
seres, o domínio da linguagem integra-os. As marcas de oralidade são constantes nos
textos e, muitas vezes, cumprem também uma função poética.
Além disso, verifica-se, nas narrativas, o processo – denominado por Almeida e
Queiroz (2004) de “dessubjetivação do sujeito” –, através do qual o modelo de
autor/sujeito ocidental, individual e dono do saber, se dilui e passa a ser substituído pelo
sujeito coletivo (a tribo), não dono, mas transmissor de um saber pertencente a toda
comunidade. O sujeito que representa todo um grupo também sinaliza a visão
integradora de mundo dos Kaxinawá.
Por fim, segundo Souza (2003, on-line), uma das características significativas
das narrativas Kaxinawá é sua natureza multimodal, entendida como o uso justaposto e
simultâneo de linguagens verbal e não verbal. Assim, os textos são constituídos de
partes escritas e de figuras/desenhos feitos também pelos próprios indígenas. Há, na
cultura Kaxinawá, dois tipos diferentes de desenho: os desenhos geométricos abstratos,
chamados kene, e os desenhos figurativos (geralmente apresentando uma cena
narrativa), chamados dami.
Os desenhos kene representam metonimicamente a pele da anaconda-Yube, uma
figura central da mitologia Kaxinawá, responsável por trazer a cultura, a sabedoria e o
conhecimento a esse povo. A reprodução das formas geométricas que cobrem a pele do
199
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
anfíbio tem caráter mimético, acompanhando o desenho que integra o tecido “vivo”. Diz
Souza também que esses grafismos kene seriam usados como marcadores de veracidade,
funcionando assim como fatores de legitimação das histórias contadas pelos Kaxinawá.
Já os desenhos dami não são marcados pela preocupação com a reprodução fiel
(imitativa) e mostram claramente a visão integradora de mundo quando misturam, em
um mesmo plano, personagens e espaços de naturezas diferentes.
Como parte da análise das narrativas, consideraremos também os aspectos
temáticos, verificando a recorrência de determinados enredos, que apresentam traços
comuns com outras mitologias. Podemos observar que há, por parte do narrador, uma
incorporação de elementos específicos da cultura indígena Kaxinawá, principalmente no
que se refere a nomes de animais, plantas e alimentos. Sendo assim, a fim de facilitar a
compreensão das histórias narradas, e também com o objetivo de elucidar os leitores
acerca desses conhecimentos, dedicaremos uma parte desta etapa da pesquisa para
apresentar as características do povo Kaxinawá, seus costumes e informações sobre sua
cultura. Para tanto, recorreremos à bibliografia pertinente sobre o assunto (como, por
exemplo, os estudos da antropóloga Els Lagrou), mas também utilizaremos todas as
informações colhidas diretamente com o povo Kaxinawá, em nossa breve experiência
de convivência na aldeia indígena Altamira, localizada ao longo do rio Tarauacá, no
município de Jordão, no Acre.
Ao longo do desenvolvimento de nosso trabalho, decidimos conhecer o maior
número possível de obras de autoria indígena, publicadas no Brasil recentemente.
Iniciamos esse processo tentando adquirir essas obras nas livrarias convencionais e
então deparamo-nos com os primeiros obstáculos: as obras são classificadas, na grande
maioria das vezes, como literatura infantil e raramente os vendedores têm alguma
informação sobre elas. Sendo assim, começamos por conta própria um processo de
“garimpo” em algumas livrarias tradicionais do Estado de São Paulo e conseguimos
adquirir um material bem interessante. Ao visitarmos a professora Maria Inês de
Almeida e o Projeto Literaterras, em Belo Horizonte/ MG, fomos presenteados com
mais algumas ricas obras de autoria indígena e, em nossa visita à Comissão Pró-Índio
do Acre, também tivemos a oportunidade de adquirir um material significativo.
Diante da ainda pequena divulgação e da grande riqueza desse material,
julgamos pertinente dedicar a parte final de nossa pesquisa a uma breve apresentação
dessas obras: seus títulos, autores, ilustradores, editoras, datas de publicação, conteúdo,
público-alvo. Acreditamos que essas informações recolhidas durante toda a pesquisa
200
Descrição das pesquisas
possam ser de fundamental importância para aqueles que se interessem por este veio
literário, editorial e pedagógico em franco crescimento e desenvolvimento no Brasil.
Bibliografia básica para o desenvolvimento da etapa atual da pesquisa
ALMEIDA, Maria Inês de. Ensaios sobre a literatura indígena contemporânea. 1999.
Tese (Doutorado em Literatura e Crítica Literária) – PUC, São Paulo.
ALMEIDA, Maria Inês de; QUEIROZ, Sônia. Na captura da voz: As edições da
narrativa oral no Brasil. Belo Horizonte: A Autêntica; FALE/UFMG, 2004.
ALMEIDA, Maria Inês de. Desocidentada: experiência literária em terra indígena. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009a.
CAMPBELL, Joseph, com Bill Moyers. O poder do mito.Organizado por Betty Sue
Flowers. Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Editora Palas Athena, 1990.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São
Paulo: Editora Pensamento, 2007.
CARVALHO, Silvia Maria Schmuziger de. Jurupari: estudos de mitologia brasileira.
São Paulo: Ática, 1979.
CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1972.
CASCUDO, Luis da Câmara. Geografia dos mitos brasileiros. 2. ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1976.
CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura oral no Brasil. 2. ed. São Paulo: Global, 2006.
CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de
antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
DUNDES, Alan. Morfologia e estrutura no conto folclórico. Tradução de Lúcia Helena
Ferraz e outros. São Paulo: Perspectiva, 1996. (Debates, 252).
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. Trad. Pola Civelli. São Paulo: Perspectiva, 1972.
(Debates, 52).
ELIADE, Mircea. O Mito do Eterno Retorno. São Paulo: Edições 70, 1984.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
FIKER, Raul. Mito e paródia: entre a narrativa e o argumento. Araraquara:
Laboratório Editorial da FCL-UNESP / São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000.
GUESSE, Érika Bergamasco. Silvio Romero e os contos populares brasileiros de
origem indígena: uma proposta de análise. 2009. Dissertação (Mestrado em Estudos
Literários) – UNESP, Araraquara.
ITINERÁRIOS – revista do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários.
Araraquara (UNESP), v. 11 (volume dedicado ao tema “A voz do índio”), 1997.
JOLLES, André. Formas simples. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix, 1976.
KAXINAWÁ, Joaquim Paula Mana e outros (Org.). Shenipabu Miyui: história dos
antigos. 2. ed. rev. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
LAGROU, Els. Xamanismo e Representação entre os Kaxinawá. In: Langdon, E. J.
(Org.). Xamanismo no Brasil, Novas Perspectivas. 1ed.Florianópolis: Editora da UFSC,
1996, p. 197-231.
LEAL, José Carlos. A Natureza do Conto Popular. Rio de Janeiro: Conquista, 1985.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. Tradução de Chaim Samuel Katz.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Tradução de Maria Celeste da
Costa e Souza e Almir de Oliveira Aguiar. São Paulo: Companhia Editora Nacional,
1976.
201
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire d'Aguiar. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Tradução de Antônio Marques Bessa.
Lisboa: Edições 70, 2010.
MATOS, Cláudia Neiva de. Literatura e Educação Indígena. In: Cadernos de Educação
Escolar Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: UNEMAT, v. 2, n. 1, 2003.
MCCALLUM, Cecília. Morte e pessoa entre os kaxinawá. Revista Mana. Rio de
Janeiro, v. 2, n. 2, 1996.
MEDEIROS, Sérgio. Makunaíma e Jurupari:Cosmogonias Ameríndias.São Paulo:
Perspectiva, 2002.
RUTHVEN, K. K. O mito. Tradução de Esther Eva Horivitz de Beermann. São Paulo:
Perspectiva, 1997. (Debates, 270).
SOUZA, Lynn Mario T. Menezes de. As visões da anaconda: a narrativa escrita
indígena no Brasil, 2003. Revista Semear 7. Disponível em: <http://www.letras.pucrio.br/catedra/revista/semiar_7.html>. Acesso em: 18 jun. 2010.
SOUZA, Lynn Mario T. Menezes de. Uma outra história, a escrita indígena no Brasil.
2006. Disponível em: <http://pib.socioambiental.org/pt/c/iniciativas-indigenas/autoriaindigena/uma-outra-historia,-a-escrita-indigena-no-brasil>. Acesso em: 18 jun. 2010.
VIZOTTO, Luiz Dino. Serpentes: lendas, mitos, superstições e crendices. São Paulo:
Ed. Plêiade, 2003.
WALTY, Ivete L. C. Narrativa e imaginário social: uma leitura das “Histórias de
maloca antigamente”, de Pichuvy Cinta Larga. São Paulo: USP, 1991. (Tese de
doutoramento)
WALTY, Ivete L. C. Da casa do índio em Rondônia ao Museu do Homem em Paris, via
USP. Literatura e diferença. Anais do IV Congresso ABRALIC. São Paulo: ABRALIC,
1995, p. 407-409.
202
Descrição das pesquisas
LITERATURA E INQUIETAÇÃO: A DISCUSSÃO DA FORMA ROMANESCA
EM JACQUES LE FATALISTE ET SON MAÎTRE
Evaneide Araújo da Silva
Doutoranda
Profa. Dra. Silvana Vieira da Silva (Or.)
Este trabalho concentra-se na análise do romance francês Jacques lefataliste et
sonmaître (1778), do escritor e filósofo francês Denis Diderot (1713-1784). Com base
em pesquisas já iniciadas durante o mestrado, em que estudamos questões relacionadas
ao gênero romanesco e ao contexto do romance no século XVIII, pretendemos agora
demonstrar como Jacques lefataliste et sonmaître representa de maneira bem
característica uma das tendências do romance no século XVIII: a linha realista, que
privilegiava a descrição dos modos de vida da sociedade burguesa recém-formada.
Procuramos demonstrar ainda que essa obra literária do filósofo tem por principal
objetivo discutir o próprio gênero, mostrando no tecido de sua narrativa como o
romance, ao contrário do que pretendia a crítica, se constitui como ficção, como produto
intelectual de um autor que tem à sua disposição técnicas e procedimentos que lhe
permitem construir um enredo ao mesmo tempo perfeitamente verossímil e ficcional. O
trabalho pretende contribuir para dar à obra de Diderot o status definitivo de literatura,
deixando um pouco de lado a visão de tratado filosófico que os estudiosos têm
conferido ao romance nos últimos tempos.
Justificativa
Raquel de Almeida Prado (2003), no estudo que fez sobre Jacques lefataliste et
sonmaître, começa referindo-se ao caráter aparentemente experimentalista dessa obra de
Diderot, o que, segundo a autora, teria feito do romance “um precursor muito precoce
das vanguardas literárias do século XX” (p. 186), experimentalismo esse que teria
proporcionado um “amadurecimento da narrativa realista”. Para Raquel, de fato, como
Goethe já havia dito um século antes, nesse romance o único padrão parece ser o da
ruptura: ruptura com os manuais que, no século XVIII, prescreviam como se fazer um
romance e que eram muito frequentemente seguidos com afinco pelos escritores
203
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
franceses do período. Jacques lefataliste, de acordo com a autora, cuja leitura é “quase
tão divertida quanto a do Shandy, causa um certo desconforto, acentuado pelas
interpelações provocativas e impertinentes do narrador, por deixar a impressão de que
alguma coisa se esconde por trás da sucessão de episódios” (p. 187). Tendemos a
concordar com Raquel de Almeida Prado, uma vez que, de fato, a estrutura da obra
desrespeita completamente os padrões de composição de um romance da época, ainda
mais se pensarmos no contexto do século XVIII, quando as regras da boa escrita
vigoravam com muito mais rigidez. Para nós, leitores do século XXI já habituados a
encontrar todo tipo de estilo nas obras literárias, o estranhamento é de certa forma
amenizado, mas ele não deixa de existir. Esse estranhamento é em grande parte causado
pela característica muito singular do narrador, que dentro da obra assume muito mais
que a função de contar a história. Ele é ao mesmo tempo personagem, entrando,
portanto, na diegese; também se configura como narrador heterodiegético e algumas
vezes como homo e autodiegético. É claro que essa grande flexibilidade de posições na
narrativa tem uma função, uma especificidade que busca um objetivo dentro do texto.
Ao ler e refletir sobre o conteúdo e a forma de composição desse romance,
percebemos que a obra põe em cena uma série de procedimentos e técnicas que têm
como principal objetivo discutir o fazer literário (metaficção), como forma de
radicalizar e combater as velhas técnicas adotadas até então
nas escrituras dos
romances, propondo dessa maneira uma renovação profunda na forma romanesca
através do uso incomum das várias categorias da narrativa: narrador, tempo, espaço,
descrições, personagens, linguagem, além da mistura propositada de gêneros - romance,
conto, reflexões filosóficas. Jacques lefataliste, nesse sentido, pode ser lido como um
grande tratado sobre como se fazer um romance coerente com as transformações que o
gênero fatalmente exigia no século XVIII. Assim, vemos como Diderot constrói de
forma muito singular esse tratado ficcional. A obra procede a um duplo movimento: ao
mesmo tempo em que materializa as técnicas mais comuns utilizadas nas narrativas do
século XVIII, o romance faz a negação de todas elas ao praticá-las, como que
transmitindo a seguinte mensagem: um romance ruim é feito assim, com longas
descrições e histórias encaixadas que não têm qualquer ligação com a principal,
suspensões desnecessárias, narradores que tudo sabem, inverossimilhanças de todos os
tipos, histórias de amor que não encontram qualquer correspondência com a realidade. E
se um mau romance é assim construído, por outro lado, uma narrativa de qualidade deve
204
Descrição das pesquisas
primar pela busca da verdade, pela verossimilhança dos fatos narrados, pela construção
lúcida dos personagens, dos espaços e do tempo.
Nesse sentido, Diderot discute a fazer literário a partir de algumas técnicas muito
específicas, consideradas, para seu momento e espaço históricos, como inovadoras e
revolucionárias. Nossa pesquisa concentra-se, portanto, em estudar essas técnicas e
demonstrar até que ponto as mesmas contribuíram para a renovação e evolução da
forma romanesca.
Ao ler a obra de Diderot e refletir sobre sua forma, supõe-se, portanto, que o
romance é inovador, na França do século XVIII, em todos os sentidos. Em primeiro
lugar, as categorias narrativas (narrador, narratário, tempo, espaço, história, etc.)
assumem uma função totalmente nova dentro da obra; não se trata de um narrador
comum, que se coloca como um simples contador de histórias, mas de um articulador
irônico, um crítico de si mesmo e de seus procedimentos; assim como o narratário não
tem apenas a função de mais um personagem dentro da diegese, mas, ele também,
assume a função de artesão da narrativa, colocando-se como um leitor e crítico sagaz,
que está de olhos e ouvidos bem abertos, espreitando cada comentário ou forma de
contar do narrador principal.
Na obra de Diderot essas categorias constituintes da narrativa estão
desconstruídas; assumem uma função que vai além da composição da diegese, em favor
da reflexão principal que a obra veicula, qual seja, pensar a constituição do romance
enquanto gênero, estabelecer novos paradigmas para a prosa de ficção. Supomos,
portanto, que Jacques lefataliste et sonmaître dá, na própria estrutura da narrativa, uma
resposta muito original e legítima às questões que se colocavam ao gênero no século
XVIII: afinal, o que é o romance? Como fazer para buscar a verossimilhança dentro da
narrativa? A que se presta um romance? Qual a sua finalidade e quais devem ser as
características principais que o distinguem da poesia, do drama e da História?
Objetivos
O principal objetivo deste trabalho é mostrar como o romance de Denis Diderot
discute no plano da obra propriamente dita as principais questões do gênero, colocando
em prática uma série de procedimentos que propunham a renovação e evolução da
forma romanesca. Pretende-se mostrar como Diderot utiliza essas técnicas,
desmascarando a ficcionalidade de qualquer relato romanesco através de um narrador
205
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
realista e lúcido e de um protagonista de caracteres picarescos como Jacques. Trata-se,
portanto, de demonstrar a importância de Jacques lefatalistepara a evolução do próprio
gênero ao colocar em evidência procedimentos e temas literários inovadores,
transformando o falso - a ficção – em uma forma de declarar a verdade e de discutir os
problemas históricos de seu tempo. Jacques lefataliste é um romance que, ao mesmo
tempo em que reforça sua associação com a verossimilhança através do retrato dos
costumes, indaga e procura dar uma resposta em sua própria estrutura sobre as
perguntas-chave em relação ao romance enquanto gênero: o que é a ficção? O que vem
a ser um romance? Nesse contexto, pode-se dizer que a obra de Diderot é o primeiro
romance francês que alia radicalmente a discussão sobre a natureza do gênero com os
problemas sócio-históricos da França, algo que Cervantes em parte já tinha feito um
século antes com Dom Quixote na Espanha.
Desenvolvimento da pesquisa
A pesquisa encontra-se em fase inicial. Nesse primeiro momento, dedicamo-nos
ao cumprimento de créditos exigidos pelo Programa através da realização de disciplinas
e de participação em eventos. Também nos concentramos nas leituras preliminares do
corpuse dos textos teóricos que servirão de base para o trabalho. Estamos, ainda,
levantando dados e buscando bibliografia que possa nos auxiliar na hipótese que embasa
esta pesquisa.
Bibliografia
ABRAHM, D. Manuel d'histoirelittéraire de la France. Paris:Éditionssociales, 1969.
ABREU, M. (Org.). Trajetórias do romance: circulação, leitura e escrita nos séculos
XVIII e XIX.Campinas: Mercado de Letras, 2008.
ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho.
São Paulo: Difel, 1964.
AUERBACH, E.Mimesis: A representação da realidade na literatura ocidental.
Tradução de Jacob Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2007.
BARGUILLET,F. Le romanauXVIIIèmesiècle. Paris: Puf, 1981.
BARTHES, R. Análise estrutural da narrativa. Tradução de Maria Zélia Barbosa
Pinto. São Paulo: Vozes, 1972.
______. Novos ensaios críticos seguidos de O grau zero da escritura. Tradução de
Heloysa de Lima Dantas ; Anne Arnichand ; Álvaro Lorencini. São Paulo: Cultrix,
1974.
BELAVAL, Y. Études sur Diderot. Paris: Puf, 2003.
BRAIT, B. A personagem de ficção. São Paulo: Ática, 2000.
206
Descrição das pesquisas
BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de
Aurora Fornoni Bernardini et al. São Paulo: Unesp/Hucitec, 1988.
______. A Cultura popular da Idade Média e do Renascimento: O contexto de
François Rabelais. Tradução de Yara Frateschi.São Paulo: Hucitec; Brasília: UNB,
1993.
BERCHTOLD, J. Lesprisonsduroman (XVIIe-XVIIIesiècle):lecturesplurielles et
intertextuelles de Guzman d'Alfarache à Jacques lefataliste. Genève: Droz, 2000.
BERGSON,H. O riso: ensaio sobre o significado do cômico. Tradução de Guilherme
do Castilho. Lisboa: Guimarães Editores, 1993.
BONET, C. M. El realismo literario.Buenos Aires: Nova, 1958.
BOSI, A. Paródia, jogo e crispação. In: BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. São
Paulo: Cultrix, 1997. p. 162-173.
BREMER, J.;ROODENBURG, H. (Org.)Uma história cultural do humor. São Paulo:
Record, 2000.
BOURNEUF, R.; OUELLET, R. L'universe du roman. Paris: PUF, 1972.
CANDIDO, A. et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 2005.
CERVANTES, M. Don Quijote de da Mancha. Organização de Francisco Rico.
Barcelona: Instituto Cervantes, 1998.
CHOUILLET, J. La formation des idéesesthétiques de Diderot.Paris : Armand Colin,
1973.
CLARETIE, L. Lesage. Paris: Lecène, Oudin et cie., 1894.
COMPAGNON,A. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de
Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: UFMG, 2001.
COULET, H. Le roman jusqu’à la Revolution.Paris: Armand Colin, 1967.
______. (Org.)Idéessur le roman: textes critiques sur le roman françaisXIIème-XXème
siècle. Paris: Larousse, 1992.
DANIEL, G. Le style de Diderot: légendeet structure. Genève :Droz, 1986.
DARNTON, R. Edição e sedição: o universo da literatura clandestina no século XVIII.
Tradução de Myriam Campello. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
DEFAYS, J. M. Le comique. Paris: Seuil, 1996.
DEFOE, D. Robinson Crusoe: the farther adventures of Robinson Crusoe. London:
Collins, 1953.
DIDIER, B. Jacques Le Fataliste et son maître de Diderot. Saint-Armand: Gallimard,
1998.
DIDEROT, D. Éloge de Richardson. In: GUINSBURG, J. (Org.) Diderot: estética,
poética e contos. São Paulo: Perspectiva, 2000.
______. Jacques, o fatalista, e seu amo. Tradução, apresentação e notas de Magnólia
Costa Santos. São Paulo: Nova Alexandria, 2001.
______. Jacques le fataliste et son maître. Paris: Gallimard, 2003.
FORTER, E. M. Aspectos do romance. Tradução de Maria Helena Martins. São Paulo:
Globo, 1998.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Tradução de Fernando Cabral Martins. Lisboa:
Vega, 1960.
GORKI. M. Literatura, filosofia e realismo. México:Torres & Abreu, [19--].
HAMON, P. Le discourscontraint. In: BARTHES, R. et al. Littératureetréalité. Paris:
Seuil, 1982. p. 119-181.
HAUSER, A. História social da arte e da literatura. Tradução de Álvaro Cabral. São
Paulo: Martins Fontes, 1995.
HUET, M. H. Le Héros et son double: essai sur le romand'ascensionsocialeau
XVIIIesiècle. Paris: José Corti, 1975.
207
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia. Tradução de Teresa Couro Pérez. Rio de
Janeiro: Edições 70, 1985.
KAYSER, W. Análisee interpretação da obra literária. Tradução de Paulo Quintela.
Coimbra: Armênio Armando, 1963.
KEMPF, R. Diderot et le roman: ou le démon de la présence. Paris: Seuil, 1964.
KUNDERA, M.A arte do romance. Tradução de Tereza B.C. da Fonseca e Vera
Mourão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
LAZARILLO de Tormes. Edição bilíngue. Organização e notas de Mário M. González.
Tradução de Heloísa Costa Milton; AntonioR. Esteves. São Paulo: Editora 34, 2005.
LOPES, A. C.; REIS, C. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
LIMA, L. C. O controle do imaginário & a afirmação do romance: Dom Quixote, As
relações perigosas, MollFlanders, TristamShandy. São Paulo: Companhia das Letras,
2009.
LUKÁCS, G. Teoria do romance. Tradução Alfredo Margarido. Lisboa: Presença, [19-].
MEYER, M. Folhetim: uma história.São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
MINOIS, G. História do riso e do escárnio. Tradução de Maria Helena O. Ortiz
Assumpção. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.
MORETTO, F. O paradoxal Denis Diderot. In: MORETTO, F. et al. Letras francesas:
estudos de literatura. São Paulo: Ed. UNESP, 1994.
MORNET, D. Diderot: l'hommeetl'oeuvre. París: Boivin, 1941.
PHALESE, H. Les Bons Contes etles bons mots de Gil Blas. Paris:Nizet, 2002.
PIRANDELLO, L. O humorismo. Tradução de Dion Davi Macedo. São Paulo:
Experimento, 1996.
PRADO, R. A. A jornada e a clausura. São Paulo: Ateliê, 2003.
PROPP, V. Comicidade e riso. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini; Homero
Freitas de Andrade. São Paulo: Ática, 1992.
RICARDO, M. F. As máscaras do narrador realista: uma leitura de Jacques
lefataliste et sonmaître. 139f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Ciências e Letras,
Araraquara, 2009.
RUANET, S. P. Riso e melancolia: a forma shandiana em Sterne, Diderot, Xavier de
Maistre, Almeida Garret e Machado de Assis.São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
RUDÉ, G. A Europa no século XVIII. Tradução de Gabriel Ruivo Crespo; Maria
Paula F. De Carvalho. Lisboa: Gradiva,1988.
SANT'ANNA, A.R. Paródia, paráfrase &cia.São Paulo: Ática, 1985.
SMIETANSKI, J. Le Réalismedans Jacques le Fataliste.Paris :Nizet, 1965.
STERNE, L. TristamShandy. Chicago: EncyclopaediaBritannica, 1980.
VASCONCELOS, S. A formação do romance inglês. São Paulo: Hucitec, 2007.
______. Dez lições sobre o romance inglês do século XVIII. São Paulo: Boitempo,
2002.
WATT, I. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding.
Tradução de HildengardFeist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
WILSON, A. M. Diderot savieetsonoeuvre. Tradução (do inglês) de Gilles Chaminé;
AnneteLorenceau; Anne Villelaur. Paris: Laffont, 1985.
208
Descrição das pesquisas
ERA UMA VEZ UM FAMINTO: BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A
INTERTEXTUALIDADE PRESENTE NA OBRA LAVOURA ARCAICA DE
RADUAN NASSAR (1975)
Fabiana Abi Rached de Almeida
Doutoranda
Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan (Or.)
Este trabalho de pesquisa já está em sua etapa final. A qualificação já foi
realizada com boa aceitação da banca. A partir dos apontamentos da banca e das
reuniões com a orientadora, seguimos, agora, para o desenvolvimento e conclusão da
redação final. Com o intuito de contemplar as etapas concluídas, este relatório está
dividido em: a) objetivo da pesquisa; b) estágio atual; c) atividades acadêmicas
mais relevantes e d) cursos.
a)
Objetivo da pesquisa:
O objetivo deste trabalho de pesquisa é analisar a obra Lavoura Arcaica de
Raduan Nassar (1975) a partir do corpo enquanto lócus conceitual, inspirado pelo
projeto teórico de Beividas cujo cerne é a junção da semiótica de linha francesa com a
psicanálise. Pensando em que medida a tensão pulsional organiza a narrativa e como o
texto expressa essa tensão, ou seja, como ela aparece manifestada no Plano de
expressão, talvez cheguemos à conclusão que o filme homônimo de Luiz Fernando
Carvalho (2001) construiu uma organização tensiva “tímica” da obra literária e, a partir
de então, é possível reler a obra sob essa perspectiva. Para tanto, nesta proposta de
trabalho, levaremos em conta também a tradução fílmica, dedicando um capítulo de
nosso estudo ao tema. Nessa pesquisa, voltamo-nos, principalmente, para a literatura,
percebendo o texto a partir do filme, o qual nos devolve para a obra literária por meio da
perspectiva do corpo.
b)
Estágio atual:
209
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
O relatório de qualificação foi dividido em duas partes. Na primeira parte,
traçamos o percurso da pesquisa desde a iniciação científica, mestrado até o doutorado e
mostramos como a discussão evoluiu. Há um segundo capítulo que relata as atividades
realizadas ao longo do doutorado e sua importância para a pesquisa. Na segunda parte
do relatório de qualificação, foram apresentados alguns estudos realizados até então e
que se dividiram nas seguintes partes principais: uma reflexão sobre o autor/ escritor e
sua obra dentro da literatura brasileira, levando em consideração o trabalho da crítica,
tais observações estão baseadas no conceito de paratopia do escritor, desenvolvido por
Maingueneau (2001), intitulado “Paratopia do escritor: o lugar de Raduan Nassar na
Literatura Brasileira; um estudo e revisão sobre o filme LavourArcaica (CARVALHO,
2001), intitulado “Do cinema à literatura: releituras”; “A isotopia do desejo”, que tratase da justificativa da escolha do projeto teórico de Beividas e de uma revisão de sua
proposta; “As faces do Édipo”, subdividido em “memória”, “desejo” e “inveja”. Por
último, inserimos a análise de um trecho da obra para demonstrarmos como estamos
prosseguindo com o estudo.
No atual momento da pesquisa, estamos empreendendo a análise da obra inteira
a fim de apresentá-la concluída na tese.
Pretendemos mostrar partes da análise no XIV Seminário de Pesquisa da PósGraduação em Estudos Literários da Unesp, FCLar, para demonstrar como estamos
executando.
c)
1.
Atividades acadêmicas mais relevantes:
Participação em eventos científicos na condição de ouvinte e com apresentação de
trabalho:
1.1. Participação da Reunião Geral com coordenadores, professores e alunos e
da palestra A Pós-Graduação na Unesp, ministrada pela Profa. Dra. Marilza
Vieira Cunha Rudge, Pró-Reitora de Pós-Graduação da UNESP,
promovidas pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua
Portuguesa e pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da
UNESP/FCLAr, durante o “III Workshop em Letras”, ocorrido em 26 de
abril de 2011, numa carga horária total de 3 horas
210
Descrição das pesquisas
1.2. III Conferência Internacional do Centro de Estudos das Línguas Africanas e
da Diáspora Negra – CONCLADIN. UNESP, Campus de Araraquara, 2011.
Participação na condição de ouvinte.
1.3. III Colóquio Margens – Estudos interdisciplinares nas fronteiras da
literatura e da linguagem. Local: IEL / UNICAMP. Campus Campinas,
2011. Participação na condição de ouvinte.
1.4. II Encontro “Literatura e Sagrado” – fronteiras e margens do sagrado com o
olhar dos estudos literários. Local: IEL / UNICAMP. Campus Campinas,
2011. Apresentação de trabalho.
1.5. XII Seminário de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários. Local: Campus de Araraquara, 2011. Apresentação de trabalho.
1.6. VII Semana de estudos teatrais da UNESP - “TEATRO, CINEMA E
LITERATURA: CONFLUÊNCIAS”. Local: Campus de Araraquara, 2011.
1.7. I Seminário Internacional de Semiótica da UNESP. Local: UNESP, Campus
de Araraquara, 2012.
1.8. XIII Seminário de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários relações Intersemióticas. Local: UNESP, Campus de Araraquara,
2011.
1.9. Participação no “V Workshop de Pós-Graduação em Letras Faculdade de
Ciências e Letras – UNESP / Araraquara”. Participação na Assembleia e
Reunião geral da Pós-Graduação. Dentro desse evento, participação da
Palestra com Profa. Dra. Sandra Regina Goulart de Almeida – coordenadora
adjunta da Área de Letras e Linguística da CAPES, “Tendências atuais da
pesquisa em Letras e Linguística: perspectiva e avaliação”.
2.
Participação como avaliadora / examinadora:
211
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
2.1. Participação da comissão avaliadora do XXIII Congresso de iniciação
científica da UNESP, área Humanas, na qualidade de avaliadora dos
trabalhos apresentados no período de 03 a 06 de outubro de 2011.
2.2. Integrante da Comissão Examinadora da monografia de conclusão de curso
de bacharelado em Letras de Ticiane Meneses de Araújo, intitulada “Da
linguagem verbal à sincrética: o romance de Alan Pauls, e sua transcrição
para o cinema por Heitor Babenco”.
3.
Publicações:
3.1. Artigos:
3.1.1. André e Ana: uma perspectiva sobre o incesto em Lavoura Arcaica,
romance e filme. REVISTA INTERFACES, UFRJ. Rio de Janeiro. ISSN: 15160033. N.14, V. 1/2011, 76-94.
3.1.2. O nome de Ana: território do gozo e do desejo em Lavoura Arcaica
(NASSAR, 1975). Aguardando resposta.
3.1.3. Era uma vez um faminto: breves considerações sobre a intertextualidade
em Lavoura Arcaica (NASSAR, 1975). REVISTA REVELL REVISTA DE
ESTUDOS LITERÁRIOS DA UEMS. ISSN: 2179-4456. Ano 4. N. 02. V.07.
3.2. Capítulo de livro:
Livro: A Indústria radical: leituras de cinema como arte-inquietação,
organização de Ravel Giordano Paz e Fábio Akcelrud Durão (ISBN
9788577510740). O capítulo escrito se refere à obra Fitzcarraldo de Werner
Herzog – “Desconcertos de obras bravias: a ópera, o filme e a selva em
Fitzcarraldo”.
4.
Representante discente da Pós-Graduação da Biblioteca da Faculdade de Ciências e
Letras – UNESP – Campus Araraquara.
d) cursos:
Desde o início do doutorado, cursei ao todo sete cadeiras, que somam 720 horas,
tendo recebido conceito A em todas as disciplinas cursadas. Todos os cursos descritos
212
Descrição das pesquisas
foram essenciais para o processo de contínuo amadurecimento do projeto de pesquisa e
o cumprimento dessas etapas logo nos primeiros anos do doutorado exigiu tempo e
dedicação às leituras que muitas vezes não estavam na bibliografia do projeto, mas que
contribuíram enormemente para minha formação. As seguintes disciplinas foram
realizadas na Unesp – FCLar (Campus Araraquara):
Palavra e imagem: relações entre poesia, pintura e cinema (Profº Dº responsável
Márcio Thamos), totalizando 8 créditos e 120 horas de carga horária,
Semiótica e Leitura, sob a coordenação do Profº Dº Arnaldo Cortina.
História e Ficção, sob a coordenação das Profª Dª Márcia Valéria Zamboni e
Maria Dolores Aybar Ramirez.
Discurso, Identidade e Subjetividade foi ministrada pela Profª Dª Maria do
Rosário Gregolin e pelo Profº Dº Cleudemar Alves Fernandes.
Gramática do Português foi ministrada pela Profª Dª Maria Helena de Moura
Neves, totalizando 4 créditos e 60 horas de carga horária, durante 8 semanas.
Semiótica e Literatura, ministrada pela Profª Dª Maria de Lourdes Ortiz Gandini
Baldan (Ude).
Narrativa: fragmentação, memória, subjetividade e escritura, ministrada pela
Profª Dª Maria das Graças Gomes Villa da Silva.
d. 1) Cursos extras:
Especialização em Psicologia Corporal, no Instituto Raiz de Araraquara,
totalizando 394 horas de carga horária, de 2010 a 2012.
Curso de extensão, Introdução à Leitura de Freud – psicopatologia freudiana:
as neuroses na obra de Freud -, na Faculdade de Medicina da UNICAMP, Campus de
Campinas, totalizando 30 horas de carga horária.
Curso de extensão, Introdução à Psicanálise, com o Psicólogo e psicanalista
Wilson Klain, no Instituto Raiz, em Araraquara, totalizando 28 horas de carga horária.
Bibliografia
BEIVIDAS, W. Do sentido ao corpo: semiótica e metapsicologia. Corpo e Sentido. São
Paulo: Editora da Unesp, 1996.
BEIVIDAS, W. Pulsão, afeto e paixão: psicanálise e semiótica. Psicologia em estudo,
Maringá, v. 11, n. 2, p. 391-398, mai/ago. 2006.
213
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
BEIVIDAS, W. Semióticas Sincréticas (o cinema). Edição on line. ISBN: 85-9052521-X. DEPARTAMENTO NACIONAL DO LIVRO AGENCIA BRASILEIRA DO
ISBN, 2006.
BEIVIDAS, W. Inconsciente et verbum: psicanálise, semiótica, ciência, estrutura. São
Paulo: Humanitas/FFLCHUSP, 2000.
CARVALHO, L. F. Sobre o filme Lavoura arcaica. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
FREUD, S. Obras completas (vol. III/ 1983 - 1899). Trad: Themira de Oliveira Brito,
Paulo Henriques Brito e Christiano Monteiro Oiticica. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. Obras completas (vol. VI/ 1983 - 1899). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. Obras completas (vol. XIV/ 1914 -1 1915). Trad: Margarida Salomão. Rio
de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. Obras completas (Vol. XIII / 1913 - 1914). Trad: Jayme Salomão. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.
GREIMAS, A. J.; COURTÉS, J. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu Dias Lima et al.
São Paulo: Cultrix, [1985?].
GREIMAS, A. J.; FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. Dos estados de coisas aos
estados de alma. Trad: Maria José Rodrigues Coracini. São Paulo: Ática, 1993.
LACAN, J. (1972-1973). O seminário, livro 20: mais ainda. Tradução: M.D. Magno.
Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 1985.
LACAN, J. Escritos. Trad: Vera Ribeiro. Jorge Zahar: Rio de Janeiro, 1998.
LACAN, J. Conférence donnée au Centre culturel français le 30 mars 1974, suivie
d’une série de questions préparées à l’avance, en vue de cette discussion, et datées du 25
mars 1974. Lacan in Italia 1953-1978. En Italie Lacan. Milan: La Salamandra, 1978.
LAVOURArcaica. Direção de Luiz Fernando Carvalho. Produção Donald K. Ranvaud e
Luiz Fernando Carvalho. Adaptação do romance homônimo de Raduan Nassar. 2001.
Rio de Janeiro: Riofilme distribuidora, 2001. 1 bobina cinematográfica (163 min), son.,
color., 35mm.
NASSAR, R. Lavoura Arcaica. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
214
Descrição das pesquisas
A RELIGIÃO, A MAGIA E O CANTO DE ORFEU NA ARGONÁUTICA DE
APOLÔNIO DE RODES
Fábio Gerônimo Mota Diniz
Doutorando – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti (Or.)
1. Estrutura da Tese
Apesar da divisão, os três elementos selecionados para a análise (religião, magia
e canto) dialogam internamente para a avaliação do status de Orfeu dentro da
Argonáutica. Estendendo-se a análise da função religiosa de Orfeu dentro do poema, a
investigação de como os poderes mágicos se relacionam com as ações rituais de Orfeu
na Argonáutica permitirá delimitar a função da prática mágica de Orfeu no poema pois,
primordialmente, é justamente de seu canto divino que dependem seus poderes mágicos.
Para a compreensão plena do personagem na obra, realizar-se-á a análise e
tradução, acompanhadas das devidas notas e comentários, de cada uma das passagens
nas quais o personagem Orfeu aparece na Argonáutica, permitindo uma investigação
profunda da participação dele na organização do poema épico em questão. Com o
levantamento e a análise de todas essas passagens, mais a investigação das ocorrências
de certas estruturas chave e a análise do vocabulário relacionado ao personagem Orfeu
objetiva-se delinear um caminho para se caracterizar esse herói e suas aparições dentro
no poema, tendo sempre por base os contextos que envolvam religião, magia e a música
e poesia de Orfeu.
Levando em conta os contextos que circundam cada uma das situações,
delimitamos um conjunto de episódios cuja análise e traduções permitiram analisar
todos os aspectos salutares de Orfeu sem prejudicar a continuidade da narrativa. Assim,
primeiramente, optamos pela tradução completa do catálogo dos argonautas (I, 1-233),
devido às implicações deste para a compreensão da estrutura da narrativa e do papel de
cada um dos heróis participantes da jornada. A partir desse ponto, analisaremos todas as
passagens onde Orfeu atua, estabelecendo-se, dessa forma, uma antologia de Orfeu
dentro da Argonáutica, que permitirá uma noção completa de como o personagem é
abordado por Apolônio de Rodes. Além dessas passagens, todos os momentos da obra
215
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
que envolvam os temas destacados nos três itens principais da análise (religião(i),
magia(ii) e canto(iii)) serão devidamente abordados com base no texto grego e com a
tradução e análise de cada um deles. Todas as traduções da Argonáutica serão feitas
diretamente do texto grego estabelecido a partir da edição comentada de Mooney, 1912
(cf. bibliografia).
Planejamos inicialmente uma estrutura da tese dividida em quatro partes, que se
faz necessário sumarizar a seguir. As duas primeiras partes já constam do Relatório de
Qualificação, sendo que a segunda está parcialmente completa e as seguintes estão em
seu formato provisório. A seguir, um sumário da pesquisa até então:
PARTE I - ORFEU: SACERDOTE, MAGO E POETA.
1. A Argonáutica e a tradição órfica; 1.1. O poema de Apolônio; 1.2. Aspectos
relevantes do personagem Orfeu e a metodologia da análise; 1.3. O mito e suas fontes;
1.4. Orfeu na Argonáutica: fortuna crítica 1.5. Orfeu e o poder da thélxis; 1.6. Uma
proposta de leitura antropológica;
2. A Magia; 2.1. A problemática da relação entre magia e religião; 2.3. O orfismo e o
novo homem helenístico; 2.4. A teoria geral da magia de Marcel Mauss; 2.5. Claude
Lévi-Strauss: linguagem simbólica e intertextualidade; 2.6. Trajeto antropológico de
Gilbert Durand e o estruturalismo;
3. Religião; 3.1. O mistério da fé; 3.2. O Sagrado e o profano; 3.3. Mito, mitema e
imaginário; 3.4. Um prelúdio sobre a magia na Argonáutica: a oposição thélxis e téchnē;
4. As narrativas e os narradores: o Aedo Apolônio e o Aedo Orfeu
4.1. Quem é o
narrador da epopeia? 4.2. A narrativa de Apolônio.
PARTE II – A PRESENÇA DE ORFEU NA ARGONÁUTICA: CANTOS I E II.
Introdução: Sobre o texto e a tradução. Síntese do Canto I.
1.1 O catálogo dos Argonautas (I, vv.1-233) 1.1.1. O(s) Intróito(s) 1.1.2. Proêmio ou
Hino: A performance do aedo na Argonáutica de Apolônio de Rodes. 1.1.3. Os
elementos hímnicos do proêmio da Argonáutica; 1.1.4. Cumplicidade e interpretação.
1.2. A Cosmogonia de Orfeu (I, vv.450-518); 1.2.1. Poesia e Ordem; 1.2.2. Poesia e
Encantamento;1.2.3. Ordem e Encantamento; 1.2.4. Amor e Luta;
1.3. A partida dos argonautas (Ar. I, vv.536-579) 1.3.1. Os observadores da partida;
1.3.2. Uma tensão sexual?; 1.3.3. Sol e Lua.
216
Descrição das pesquisas
Os trechos já traduzidos mas ainda não analisados são: 1.4. A iniciação dos argonautas
na ilha de Electra (I, vv.910-921) e 1.5. a dança comandada por Orfeu, como parte
do ritual sugerido por Mopso para cessar as tempestades no mar (I, vv.1078-1152),
do Canto I, e 2.1. A Celebração da vitória de Polideuces sobre o rei Amico do Canto
II. No momento, dedicamo-nos à análise e tradução dos trechos restantes.
2. Desenvolvimento anterior
O primeiro ano da pesquisa foi todo dedicado às leituras da bibliografia e ao
cumprimento de créditos de disciplinas. As discussões e leituras realizadas nas
disciplinas Poética da expressão: crítica da poesia e poetas críticos, ministrada pelo
Prof. Dr. João Batista Toledo Prado, e Palavra e imagem: relações entre poesia,
pintura e cinema, ministrada pelo Prof. Dr. Márcio Thamos permitiram estabelecer
diretrizes primárias e um modelo de análise para as passagens selecionadas do poema de
Apolônio. Dessas disciplinas surgiram as primeiras análises da obra. No segundo
semestre do mesmo ano, a disciplina A tradução portuguesa do legado grecoromano, ministrada pelo Prof. Dr. Brunno Vinicius Gonçalves Vieira, trouxe
importantes reflexões para o processo tradutório de obras clássicas, que servirão como
diretrizes para as abordagens tradutórias das passagens selecionadas da Argonáutica.
No ano de 2011, a disciplina Mito e poesia, também ministrada pelo Prof. Dr.
João Batista Toledo Prado, trouxe mais reflexões importantes para avaliar as questões
que englobam a matéria poética em relação ao mito relatado, bem como do papel da
aparição desse poeta/aedo dentro da obra poética. As reflexões permitiram a elaboração
de uma monografia a partir da análise envolvendo as participações de Apolo e Ártemis
em I, vv.536-579, bem como a inclusão da discussão antropológica como suporte
analítico e teórico.
No segundo semestre de 2012, a disciplina Aspectos da Narrativa, ministrada
pela Profª.Drª. Maria Célia de Moraes Leonel propiciou uma visão mais ampla das
questões narrativas envolvendo a produção literária ocidental, desde as primeiras teorias
sobre literatura de Aristóteles até visões mais modernas. As leituras realizadas
abrangeram diversos autores de correntes teóricas distintas, o que permitiu uma visão
ampla da história da teoria da Narrativa. Na monografia realizada como avaliação para a
disciplina, intitulada “O aedo não é um narrador? A construção da performance na
Argonáutica de Apolônio de Rodes.”, importantes pontos da discussão realizada na
217
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
disciplina foram perscrutados tendo em vista debater a natureza do narrador em
Apolônio de Rodes. Para tanto, traduziram-se e analisaram-se os primeiros 22 versos da
Argonáutica.
Da mesma forma, as leituras iniciadas a partir das disciplinas se associaram ao
levantamento bibliográfico decorrente das análises já empreendidas ou iniciadas, o que
convergiu em uma expansão considerável da bibliografia apresentada ao início do
doutorado. Das diversas possibilidades de leitura dos temas da magia, religião e da
matéria poética do canto de Orfeu na Argonáutica, decidiu-se abranger um grande
número de abordagens, mas privilegiando sempre o que o próprio texto de Apolônio
oferece, em comparação com suas fontes e modelos poéticos e pela investigação da
estrutura de sua obra. Essa abordagem pretende-se, de tal forma e na medida do
possível, primeiramente imanentista, mas é esperado que se encaminhe a partir dessa
investigação textual um aprofundamento teórico decorrente das diversas leituras
selecionadas.
3. Estágio atual da pesquisa e prognósticos
Pelo que foi levantado até então, pretende-se dar prosseguimento à análise da
presença de Orfeu na Argonáutica de Apolônio de Rodes tendo em mente todas as
implicações já apresentadas na Parte I e tudo que os primeiros trechos traduzidos e
investigados do Canto I e II já permitiram compreender sobre essa presença. Esperase que, por intermédio de tais procedimentos, fique evidente a procura por um
formato o mais próximo possível da versão final da tese, com sua estruturação bem
delimitada e, na medida do possível, clara para o leitor.
O Canto III apresentará um momento previsto da tese, o terceiro, no qual a
feiticeira Medeia entrará em cena e Orfeu, consequentemente se ausentará. O
confronto entre esses dois personagens é fundamental para delimitar o espaço da
magia e do religioso no poema, bem como permitirá o confrontamento das teses de
Mauss, Lévi-Strauss e Durand. Não obstante, retomar-se-ão se necessário for, os
capítulos introdutórios da tese, numa busca por delimitar melhor esses espaços. E,
como previsto, a quarta e última parte da tese trará não apenas as aparições de Orfeu
em conjunto com Medeia durante o retorno dos heróis, como a conclusão da tese e as
considerações finais que todo esse percurso nos permitirá compreender.
218
Descrição das pesquisas
Alguns itens acabaram por aparecer incompletos ao fim desse primeiro
estágio, como a tradução e análise do catálogo dos argonautas. A proposta inicial de
tradução integral do catálogo está mantida e está sendo realizada, com o intuito de
compreender melhor a relação entre Orfeu e os outros argonautas, e o porque de
apenas ele ser único herói que Jasão é especificamente convidado a aceitar,
denominado o ajudante nos trabalhos vindouros (I, v.32). Da mesma forma, toda
possível implicação na apresentação desses personagens na análise já empreendida
será devidamente abordada ainda no capítulo 1 da Parte II da tese, e retomada
quando necessário.
Realiza-se, ainda, uma retomada de modo mais aprofundado do tema da
relação entre religião e magia, na discussão iniciada no capítulo 2 da Parte I, com
enfoque maior nos aspectos religiosos. Para tanto a tradução e análise das cenas de
rituais empreendidas por Orfeu bem como dos aspectos religiosos de outros
momentos e personagens do poema – como da própria Medeia – são essenciais para
compreender essa relação.
O que fica evidente, até então, é que a religião, a magia e o canto de Orfeu na
Argonáutica de Apolônio de Rodes são mesmo aspectos que transcendem o poema e
que devem ser lidos e estudados em profundidade para a compreensão da própria
narrativa do poeta. Da mesma forma, fica evidente que a miríade de recursos,
referências e estratégias de que se vale o poeta é a chave para compreender não
apenas Orfeu e sua tradição, mas a poesia Helenística e a presença do poema de
Apolônio nesse contexto, e entender porque o poeta alexandrino é referência para os
que o seguirão passa pela compreensão desses e de outros aspectos dessa
monumental obra.
Bibliografia
1. Edições da Argonáutica:
APOLLONIOS DE RHODES. Argonautiques. Texte établi et commenté par Francis
Vian et traduit par Émile Delage. Paris: Les Belles Lettres, 1976.
APOLLONIO RHODIO. Os Argonautas. Tradução: José Maria da Costa e Silva.
Lisboa: Imprensa Nacional. 1852.
APOLLONIUS RHODIUS. Argonautica. Translated by R. C. Seaton. Cambridge:
Loeb Classical, 2003.
APOLLONIUS RHODIUS. The Argonautica. Edição em grego. Editado com
introdução e comentários em inglês por George W. Mooney. London: Longmans, Green
219
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
and Co., 1912.
APOLONIO DE RODAS. Argonáuticas. Trad. de Mariano Valverde Sánchez. Madrid:
Editorial Gredos, 1996.
APOLONIO DE RODAS. Las Argonáuticas. Trad. de Máximo Brioso Sánchez.
Madrid: Ediciones Cátedra, 2003.
2. Estudos teóricos, dicionários e material de apoio:
ALAND, B. et al. (eds.) The Greek New Testament. Sttutgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1994.
ALBIS, R. V. Poet and audience in the Argonautica of Apollonius. Lanhan: Rowman
& Littlefield Publishers, Inc., 1996.
ARISTÓTELES. Poética. Traduzido por Eudoro de Souza. São Paulo: Ars poética
Editora, 1992.
BEYE, C. R. Epic and romance in the Argonautica of Apollonius. Carbondale and
Edwardsville: Southern Illinois University Press, 1982.
BRANDÃO, J. L. O orfismo no mundo helenístico. In: CARVALHO, S. M. S. (org)
Orfeu, Orfismo e viagens a mundos paralelos. São Paulo : Editora UNESP, 1990.
BRUNEL, Pierre (Org.). Dicionário de Mitos Literários. Tradução de Carlos
Sussekind et al. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998.
BRODSKY, J. Altra Ego. In : __________, On grief and reason. New York: Farrar
Strauss and Giroux, 1997.
___________ . Menos que Um. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
BULFINCH, T. O livro de ouro da mitologia: (a idade da fábula): histórias de
deuses e heróis. Tradução de David Jardim Júnior. Rio de janeiro: Ediouro, 2002.
BURKERT, Walter. Antigos cultos de mistério. Tradução de Denise Bottman. - São
Paulo: EDUSP, 1991.
_______________. Structure and history in Greek mythology and ritual. Berkeley:
University of California, 1982.
CANDIDO, Maria Regina. Medeia, Mito e Magia: a imagem através do tempo. Rio
de Janeiro: NEA/UERJ;SENAI, 2006.
CARVALHO, S. M. S. (org) Orfeu, Orfismo e viagens a mundos paralelos. São
Paulo : Editora UNESP, 1990.
CARREIRA, P. C. F. da C. As Argonáuticas de Apolónio de Rodes: A arquitectura
de um poema helenístico. Mestrado em Estudos Clássicos, Literatura Grega. Lisboa:
Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras, Departamento de Estudos Clássicos,
2007. Disponível em: <http://repositorio.ul.pt/handle/10451/526>. Último acesso em
11/06/2012.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. 2a ed. Trad. J. Guinsburg e Miriam
Schnaiderman. São Paulo: Perspectiva, 1985.
CHANTRAINE, P. Dictionnaire étymologique de la langue grecque : histoire des
mots. Paris : Klincksieck, 1999.
CHEVALIER, J. Dicionário de símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números). Tradução Vera da Costa e Silva et al. 9ª ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1995.
CLARE, R. J. The Path of Argo: Language, imagery and narrative in the
Argonautica of Apollonius Rhodius. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.
CUYPERS, M. P. Apollonius of Rhodes. In: JONG, I. de, NÜNLIST, R. and BOWIE,
A. (eds.) Narrators, Narratees and Narratives in ancient greek literature. Studies
in ancient greek narrative, volume one. Leiden; Boston: Brill Academic Publishers,
2004.
220
Descrição das pesquisas
DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia arcaica. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1988.
DEZOTTI, M. C. C.; MALHADAS, D.; NEVES, M. H. de M. (Coord.). Dicionário
Grego-Português. Cotia: Ateliê Editorial, 2006-2010. 5 vols.
DINIZ, F. G. M. A passagem do cetro: aspectos dos personagens Héracles e Jasão
na Argonáutica de Apolônio de Rodes. Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras
da Universidade Estadual Paulista - UNESP. Araraquara, 2010.
____________. “Medeia na Argonáutica: um plano trágico de Argo.” CODEX –
Revista de Estudos Clássicos, Brasil, 3, jul. 2012. Disponível em:
<http://www.letras.ufrj.br/proaera/revistas/index.php?journal=codex&page=article&op
=view&path%5B%5D=109>. Acesso em: 16 ago. 2012.
DUFNER, C. M. The Odyssey in the “Argonautica”: reminiscence, revision,
reconstruction. Ann Arbor: Princeton University/UMI Dissertation Services, 1988.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. Lisboa: Presença,
1997/2002.
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. Carlos Aboim de Brito. Lisboa:
Edições 70, 1995.
DURAZZO, Leandro Marques. Gestação de Orfeu: apontamentos mitocríticos sobre
profecia e transcendência na poesia de Jorge de Lima. Recife: Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco (Dissertação de
Mestrado), 2011. Disponível em: <http://www.pgletras.com.br/2011/dissertacoes/dissLeandro-Durazzo.pdf>. Último acesso: 04 nov. 2012.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico
na Austrália. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
ELIADE, Mircea. Mitos, sonhos e mistérios. Tradução de Samuel Soares.
Lisboa: 70, 1989.
_______________. O Sagrado e o Profano. Tradução: Rogério Fernandes. São Paulo:
Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
FACHIN, L. “Introdução”. In: CARVALHO, S. M. S. (org) Orfeu, Orfismo e viagens
a mundos paralelos. São Paulo : Editora UNESP, 1990.
FANTUZZI, M.; HUNTER, R. Tradition and innovation in Hellenistic Poetry.
Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
FARAONE, Christopher A. Ancient Greek love magic. Cambridge (MA): Harvard
University Press, 1999.
FARNELL, L. R. Greek hero cults and ideas of immortality. London: Oxford
University Press, 1970.
FOWLER, B. H. The Hellenistic Aesthetic. Madison: University of Wisconsin Press,
1989.
________________. Hellenistic Poetry. Madison: The University of Wisconsin Press,
1990.
GASI, Flávia Tavares. A Poética Imaginária do Videogame: As passagens e as
traduções do imaginário e dos mitos gregos no processo de criação de jogos
digitais. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2012.
GRIMAL, P. Dicionário da mitologia grega e romana. Tradução de Victor Jaobouille.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
GOLDHILL, S. The poet’s voice: Essays on poetic and greek Literature.
Cambridge: Cambridge University Press, 1991.
221
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
GUTHRIE, W. K. C. A History of Greek Philosophy Volume II: The Presocratic
Tradition from Parmenides to Democritus. Cambridge: Cambridge University Press,
1974.
__________________. Orpheus and Greek Religion : A Study of the Orphic
Movement. With a new introduction by Larry J. Alderink. Princeton: Univ. of
Princeton Press, 1993.
GUTZWILLER, K. J. A guide to Hellenistic Literature. Oxford: Blackwell
Publishing, 2007.
HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura Clássica Grega e Latina. Trad. de
Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. Estudo e tradução de Jaa Torrano. 3a
edição. São Paulo: Iluminuras, 1995.
HORÁCIO. Arte Poética. Introdução tradução e comentário de R. M. Rosado
Fernandes. Lisboa: Editorial Inquérito Limitada, 1984.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1961.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Haroldo de Campos. São Paulo: Editora Arx, 2003.
HOMERO. Odisseia. Tradução de Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 2007. 3v.
HOMERO. Odisseia. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Editora Cultrix, s/d.
HOUGHTON, V. L. Apollonius Rhodius’ Argonautica: the feminine principle.
Michigan: UMI, 1987.
JULIEN, Alfredo. A psicologia histórica de Jean-Pierre Vernant. Sergipe:
Universidade Federal de Sergipe, Cadernos UFS – Filosofia, n. 5, jan./jun. 2009.
KARANIKA, A. ‘Inside Orpheus’ Songs: Orpheus as an Argonaut in Apollonius
Rhodius’ Argonautica’. In: Greek, Roman, and Byzantine Studies 50. 2010. p. 391–
410. Disponível em: <http://www.duke.edu/web/classics/grbs/FTexts/50/Karan.pdf>.
Último acesso em 06 nov. 2011.
KUHNEN, R.F. & DE SOUSA, J. C. Empédocles de Agrigento, in DE SOUSA, J. C.
(org.), Os Pré-Socráticos. São Paulo, Abril Cultural, 51991, p. 113-39.
KYRIAKOU, P. Empedoclean Echoes in Apollonius Rhodius' 'Argonautica'. Hermes.
Vol.
122,
No.
3
(1994),
p.
309-319.
Disponível
em:
<http://www.jstor.org/stable/4477023>. Último acesso: 09 abr. 2010.
LEITE, L. C. M. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). São Paulo:
Ática, 1985. Série Princípios.
LESKY, A. História da Literatura Grega. Tradução de S. J. Manuel Losa. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1995.
LÉVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. Trad. de Beatriz Perrone-Moisés. São
Paulo: Cosac Naify, 2008.
LIMA, A. D. Possíveis correspondências expressivas entre latim e português:
reflexões na área da tradução. Araraquara: Itinerários, nº20, p.13-22, 2003.
MARGOLIES, M. McIn. Apollonius’ “Argonautica”: A Callimachean Epic. Ann
Arbor: Princeton University/UMI Dissertation Services, 1981.
MAUSS, M. Sociologia e Antropologia. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Cosac &
Naify, 2003.
MOLINA, F. Orfeo Musico. Cuadernos de filologia clásica: Estudios griegos e
indoeuropeos. Madrid: Servicio de publicaciones de la Universidad Complutense,
1997.
222
Descrição das pesquisas
NASCIMENTO, D. V. A téchne mágica de Medeia no canto terceiro de Os
Argonautas de Apolônio de Rodes. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/
Faculdade de Letras/Programa de Pós-Graduação em Letras Clássicas, 2007.
NELIS, D. P. “Iphias: Apollonius Rhodius, Argonautica 1.311-16”. In: The Classical
Quarterly, New Series. Cambridge: Cambridge University Press on behalf of The
Classical Association. Vol. 41, No. 1 (1991), p. 96-105. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/639027>. Último acesso: 09 abr. 2010.
__________. “Apollonius of Rhodes”. In: FOLEY, J. M. (ed.) A companion to ancient
epic. Blackwell Companions to the Ancient World. Malden/Oxford/Carlton: Blackwell,
2005, p. 353-363.
NOGUEIRA, Maria Aparecida Lopes. A (ex) (des) estrutura em Gilbert Durand. In:
Cadernos de Estudos Sociais. Recife: Fundação Joaquim Nabuco. v. 9, n. 2, p. 259266, jul/dez., 1993.
OGDEN, D. Magic, witchcraft and ghosts in the Greek and Roman worlds. New
York: Oxford University Press, 2009.
PAPANGHELIS, T. D.; RENGAKOS, A. (eds.) A Companion to Apollonius
Rhodius. Leiden; Boston; Köln: Brill, 2001.
PINDAR. The Odes of Pindar. With an introduction and an english translation by Sir
John Sandys. London/Cambridge: Loeb Classical Library, MCMXXXVII.
REIS, C. e LOPES, A. C. M. Dicionário de Narratologia. Lisboa: Almedina, 2000.
RIBEIRO JR., Wilson A. (editor). Hinos homéricos: tradução, notas e estudo. São
Paulo: Ed. UNESP, 2010.
RIBEIRO JR., W.A. Os mitógrafos. Portal Graecia Antiqua, São Carlos. Disponível
em <www.greciantiga.org/arquivo.asp?num=0083>. Último acesso: 11 jun. 2012.
RODRIGUES JR., F. Canto III da Argonáutica de Apolônio de Rodes. Dissertação
de Mestrado. São Paulo: programa de pós-graduação em Letras Clássicas da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2005.
__________________. Aristos Argonauton: O heroísmo nas Argonáuticas de
Apolônio de Rodes. Tese de Doutorado. São Paulo: programa de pós-graduação em
Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, 2010.
SÁNCHEZ, M. V. El aition en las Argonáuticas de Apolonio de Rodas: estudio
literario. Murcia: Universidad, Secretariado de Publicaciones, 1989.
________________. Introducción. In: APOLONIO DE RODAS. Argonáuticas.
Tradução de Mariano Valverde Sánchez. Madrid: Editorial Gredos, 1996.
________________. Orfeo en la leyenda argonáutica. In: Estudios Clásicos. Madrid:
Sociedad Española de Estudios Clásicos, nº104, p. 7 – 16, 1993. Disponível em:
<http://www.estudiosclasicos.org/Estudios_Clasicos/104.pdf>. Último acesso: 04 ago.
2009.
SANZI, Ennio. Cultos orientais e magia no mundo helenístico-romano: modelos e
perspectivas metodológicas. Organização e tradução Silvia M. A. Siqueira. Fortaleza: Ed. da UECE, 2006.
SAMOYAULT, T. A intertextualidade. Tradução Sandra Nitrini. São Paulo: Aderaldo
& Rotschild, 2008.
SCHADE, G., ELEUTERI, P. “The textual tradition of the Argonautica”, in
PAPANGHELIS, T. D.; RENGAKOS, A. (eds.) A Companion to Apollonius
Rhodius. Leiden; Boston; Köln: Brill, 2001.
TRINGALI, D. O orfismo. In: CARVALHO, S. M. S. (org) Orfeu, Orfismo e viagens
a mundos paralelos. São Paulo : Editora UNESP, 1990.
223
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
VERNANT, J-P. Entre mito e política. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo:
EdUSP, 2001.
_____________. As origens do pensamento grego. 11ª edição. Rio de Janeiro: Bertand
Brasil, 2000.
VRETTOS, T. Alexandria: a cidade do pensamento ocidental. Tradução de Briggite
Klein. São Paulo: Odysseus Editora, 2005.
WERNER, E. P. N. Os Hinos de Calímaco Poesia e Poética. Dissertação de Mestrado.
São Paulo: programa de pós-graduação em Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2005.
WHEELER, G. ‘Sing, Muse ...: The Introit from Homer to Apollonius’. In: The
Classical Quarterly. Published by: Cambridge University Press on behalf of The
Classical Association. New Series, Vol. 52, No. 1 (2002), pp. 33-49. URL:
<http://www.jstor.org/stable/3556444>. Último acesso: 11 jun. 2012.
WILLAIME, J-P. Sociologia das Religiões. Tradução de Lineimar Pereira Martins. São
Paulo: Editora Unesp, 2012.
ZANKER, G. Modes of viewing in Hellenistic poetry and art. Madison: The
University of Wisconsin Press, 2004.
224
Descrição das pesquisas
O ROMANCISTA DO MAR: UM ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO DO MAR
NOS ROMANCES DE MOACIR C. LOPES
Fernando Góes
Doutorando – Bolsista CAPES
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan (Or.)
A presente pesquisa de doutorado acerca das obras do autor Moacir Costa Lopes
dá prosseguindo ao estudo iniciado no mestrado, quando se analisou o romance A ostra
e o vento1. Na ocasião buscou-se analisar essa narrativa focando, sobretudo, as
metáforas marítimas que conduzem o enredo. Lopes é conhecido pela alcunha de
romancista do mar e já no mestrado, embora se tenha analisado profundamente apenas
uma obra, buscou-se verificar como essa temática se apresenta na prosa desse autor.
Para tanto, desenvolveu-se certa teoria acerca das metáforas ditas marítimas.
Elas teriam origem nos primevos contatos do ser humano com o elemento água bem
como nas imagens formadas pela ação do vento sobre as águas calmas do mar2. Tais
metáforas marítimas florescem com toda intensidade em uma determinada espacialidade
que não compreende apenas o mar. Desse modo, analisando no mestrado a conotação
espacial do mar, chegou-se ao conceito de ambiente marítimo.
O ambiente marítimo seria aquela espacialidade que compreende, além do mar,
todos os elementos e seres que circundam as pessoas que, direta ou indiretamente,
dependem dessa grande extensão de água para sobreviver. Faz parte e constitui o
ambiente marítimo, além do mar, evidentemente, o pescador costeiro, o capitão de
navio, o faroleiro, os abastecedores de ilhas, os pertencentes às marinhas mercantes e de
guerra, às prostitutas de portos, os caçadores de baleias, infinitas lendas de navios
fantasmas e sereias, os aventureiros do mar, os mergulhadores, os instrumentos
marítimos junto com um vocabulário náutico que está sempre presente nas narrativas de
ambiente marítimo, e muitos outros elementos que fazem também parte da extensa lista
de particularidades que caracteriza essa atmosfera do mar3.
1
Dissertação realizada no IEL – Unicamp e defendida em 2011.
Ver capítulo III da dissertação de mestrado defendida pelo autor desse texto.
3
O vento e o sol são também elementos importantes desse ambiente marítimo e participam ativamente na
formação das metáforas marítimas. Não se pode esquecer, ainda, dos odores característicos dessa
atmosfera do mar: o cheiro da maresia, das plantas de ilhas, dos navios, dos peixes e outros.
2
225
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
No romance A ostra e o vento, porém, o ambiente marítimo é bem reduzido se
comparado ao que se encontra emMaria de cada porto. Em A ostra sobressaem-se a
ilha e a vida introspectiva e tensa daqueles que vivem afastados do continente.
Aparecem personagens marinheiros, bem como navios, vocábulos náuticos, portos, e
outros, mas tudo em menor escala. Maria de cada porto, por sua vez, traz uma espécie
de visão panorâmica do ambiente marítimo. Os principais espaços e personagens que
constitui essa espacialidade4 são abordados nessa obra de Lopes ainda que sem muitos
aprofundamentos o que ocorrerá em outras obras desse autor.
Encontra-se sementes de outras narrativas de Lopes em vários trechos de Maria
de cada porto. E vale salientar que não se trata somente de determinado espaço do
ambiente marítimo que será melhor explorado, mas de exemplos de enredo. Assim,
visualiza-se o romance A ostra e o vento em Maria não apenas quando Delmiro, o
protagonista, discorre sobre as ilhas e seus mistérios, mas, sobretudo, quando surge
alguma história que claramente lembra aquela de A ostra:
– Foi quando um cabo que veio servir aqui trouxe mulher e uma filha.
Imprudência! Duas mulheres no meio de quase quinhentos homens
sem ver mulher perto de um ano... Imagine o que esse homem passou
nesta ilha neste barracão. E as brigas que elas provocaram só porque
olhavam, obrigadas, para um ou outro. Dizem que o rapaz passou seis
meses sem dormir, sentado nesse batente aí, de metralhadora em
punho. (LOPES, 1977, p. 57)
O romance Cais, saudade em Pedra, o terceiro de Moacir, também tem raízes
em Mariade cada porto, onde Delmiro pronuncia uma frase que se parece muito com o
título dessa terceira narrativa de Lopes:
Navio tem sentimento de gente grande.
De marcha à ré, apitando de saudade. Maruja acenando, e a ponte
diminuindo, e a cidade ficando, e a melancolia de sempre, dos portos
que ficam. “Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!” Não lembro
quem disse isso, mas foi bem dito. (LOPES, 1977, p. 89)
Vê-se, assim, que Maria de cada porto não é simplesmente a primeira obra de
Moacir C. Lopes, mas uma espécie de projeto literário em que se apresenta um ambiente
4
Nesse estudo, a palavra espacialidade não pode ser entendida como sinônimo de espaço. A primeira, ao
menos segundo a ideia que se desenvolve aqui, tem caráter mais amplo, sendo algo próximo a um macro
espaço constituído por vários espaços que, por sua vez, englobam vários lugares. No ambiente marítimo,
por exemplo, tem-se o espaço ilha, que contém vários lugares como a praia, as grutas, os faróis e outros.
226
Descrição das pesquisas
marítimo que será por décadas explorado em outras narrativas. Parece mesmo que a
intenção
desse
autor
foi,
desde
o
início,
desvendar
literariamente
essa
espacialidadesintetizada em seu primeiro romance, espacialidade que ele sabia ser vasta
o bastante para não poder ser descrita em uma única obra.
Dando continuidade ao cronograma apresentado no projeto de doutorado, O
romance Cais, saudade em pedra foi analisado no primeiro semestre de 2013. Essa
narrativatraz a história do marinheiro Gerson e dos poucos dias que ele passou em
Recife após o navio em que servia naufragar. Trata-se do navio Camaquã que fazia
parte da esquadra brasileira e lutava na Segunda Guerra ao lado de outras embarcações
aliadas. Gerson era marinheiro raso e já havia servido em outros navios como, por
exemplo, o São Paulo.
Após uma noite tempestuosa o Camaquã, navio pouco seguro, veio a pique nas
proximidades de Recife o que permitiu o resgate de grande parte dos náufragos. Gerson,
após ser salvo, passa alguns dias em Recife, tempo em que procura por Délio, amigo
marinheiro que ele acredita não ter morrido no naufrágio. Porém, nesses dias de Recife
a grande busca de Gerson é mesmo sua paz interior, é a busca por um recomeço após ter
estado tão próximo do fim.
Nesse curto intervalo de tempo, esse marinheiro trava contato com vários
personagens e lugares que são, pode-se dizer, os principais elementos das cidades
portuárias. Nas várias andanças que Gerson faz pela cidade, pelo cais procurando pôr
ordem em seus pensamentos e ao mesmo tempo procurando por Délio o que se tem, em
verdade, é uma bem refinada caracterização da cidade portuária, do cais, de uma parte
do ambiente marítimo.
Por fim, Gerson encontra Délio que estava trabalhando em segredo, como espião
para o governo brasileiro, a fim de descobrir um ponto secreto de abastecimento de
submarinos alemães. Ao mesmo tempo Gerson se reencontra e novamente atende ao
chamado do mar. Embarca em outro navio e parte, deixando para trás Tolinha, sua
amante, e muitas saudades. Cais é um momento da vida de um marinheiro, mas um
momento em que se consegue visualizar muito bem o que é uma cidade do mar, bem
como o homem dessa espacialidade.
Em Cais Lopes volta a abordar de modo direto o ambiente marítimo que tão bem
foi explorado em seu primeiro romance Maria de cada porto. Em certo sentido, pode-se
até dizer que Cais é uma espécie de continuação de Maria, pois também trata da história
227
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
de um marinheiro náufrago. Porém, o foco do enredo no terceiro romance está no
reestabelecimento do marinheiro e não na experiência do naufrágio.
Em Maria o fato principal é o naufrágio em si, os dias em que Delmiro, o
protagonista, passa à deriva, mergulhando em seus pensamentos e trazendo uma visão
panorâmica do ambiente marítimo. O naufrágio e o contato constante com a morte
desencadeiam forças que permitem a Delmiro profundas introspecções, e a história
termina quando ele chega ao porto. Em Cais o início se dá justamente quando Gerson
chega ao porto após ter sido resgatado. Assim, é até possível visualizar certa
continuidade de Maria de cada porto em Cais, porém nessa terceira obra, Moacir foca
um local do ambiente marítimo que em Maria foi apenas caracterizado de passagem,
sem muita profundidade, trata-se da porção seca desse ambiente do mar, a cidade
marítima ou costeira ou, ainda, o cais e o porto.
Após a análise de Cais foi possível desenvolver um pouco mais a ideia que se
tinha de ambiente marítimo. Ficou claro que esse ambiente é dividido em pelo menos
duas grandes partes: o mar (navios e tudo aquilo que permite a interação do homem com
as águas navegáveis) e as porções de terra que se ligam diretamente a essa imensidão
líquida (ilhas, penínsulas e cidades portuárias). Assim, de acordo com a dominância de
uma ou outra espacialidade, as metáforas se apresentarão de formas diferentes. O mar
age de modo distinto no espírito humano quando o observador está em terra, que lhe
garante a segurança, mas não impede o deslumbramento provocado pela potência do
mar. A ilha é um espaço que fica no meio do caminho, daí a complexidade das
metáforas marítimas que lá surgem, tal como demonstrado no estudo que se fez do
romance A ostra eo vento. O mar, por sua vez, será sempre sinônimo de aventuras e
perigos.
O estudo de doutorado terá como meta para o próximo semestre a análise do
romance Onde repousam os náufragos, uma das narrativas mais recentes de Lopes,
publicada em 2003. Nessa obra, espera-se encontrar uma boa definição do mar como
espacialidade, ou seja, da parte espacial mais atrelada ao mundo líquido do ambiente
marítimo (espera-se melhor estudar espaços como os navios, por exemplo)5. Também se
iniciará, nesse segundo semestre de 2013, uma descrição mais apurada do ambiente
5
No primeiro semestre do doutorado analisou-se também o conto Navio morto publicado no livro de
contos O navio morto e outras tentações do marem 1965. Nessa análise já foi iniciado um estudo do
navio como espacialidade, porém, devido ànarrativa escolhida ser pouco extensa, optou-se por analisar
também um romance que abordasse esse espaço, a fim de se obter mais dados que permitam melhor
compreender o mar como espacialidade.
228
Descrição das pesquisas
marítimo de Lopes, bem como se buscará compreender essa espacialidade como parte
do regional, ideia que é inovadora em relação ao que se fez no mestrado em que o
ambiente marítimo foi compreendido como uma terceira via, ou seja, um espaço que
não era nem urbano nem regional. Com o avançar da pesquisa notou-se, porém, que
Lopes, embora trabalhe uma espacialidade basicamente universal, deixa marcas
regionais, porém não um regional provinciano, mas um regional nacional. O mar de
Lopes é em grande parte o mar brasileiro, diferente, portanto, em relação a outros países
e não a outro estado ou região da federação. Essa ideia, ainda muito prematura deverá
ser desenvolvida e verificada nos próximos semestres, tomando como parâmetro as
análises feitas nos dois primeiros anos do curso de doutorado e outras tantas leituras que
vem sendo e que serão feitas.
Bibliografia
GOES, Fernando. A metáfora da tempestade marítima em A ostra e o vento.
Dissertação de mestrado. IEL – UNICAMP, 2011.
LOPES, Moacir C. A ostra e o vento. 7. ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2000
______. Belona, latitude noite. 2. ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1975.
______. Cais, saudade em pedra. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Cátedra, 1973.
______. Maria de cada porto. 6. ed. Rio de Janeiro: Cátedra, 1977.
______. O navio morto e outras tentações do mar. Rio de Janeiro: Revan, 1995.
229
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
O ESCORPIÃO E O JAGUAR: O MEMORIALISMO PROSPECTIVO D’O
ATENEU, DE RAUL POMPÉIA
Franco Baptista Sandanello
Doutorando
Prof. Dr. Wilton José Marques (Or.)
Considerações iniciais
A presente pesquisa de Doutorado nasceu de um projeto de Iniciação Científica
desenvolvido a partir do Núcleo de Estudos Oitocentistas da Universidade Federal de
São Carlos / UFSCar, sob a coordenação e orientação do Prof. Dr. Wilton José Marques,
intitulado Os limites do impressionismo literário em O Ateneu, de Raul Pompéia
(CNPq). Posteriormente, este trabalho evoluiu para uma pesquisa de Mestrado
desenvolvida dentro da linha de pesquisa “História literária e crítica” do Programa de
Pós-Graduação em Estudos Literários da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” / UNESP - FCL, Ilusão e técnica narrativa em O Ateneu, de Raul
Pompéia (CNPq), sob a orientação do Prof. Dr. Wilton José Marques. Atualmente, tal
estudo foi continuado em uma pesquisa de Doutorado, sob o título (atualizado) de O
escorpião e o jaguar: o memorialismo prospectivo d’O Ateneu, de Raul Pompéia,
dentro da mesma linha de pesquisa anterior e sob a orientação do Prof. Dr. Wilton José
Marques, com defesa prevista para maio de 2014.
Objetivos
1. Sistematizar, no conjunto da recepção crítica d’O Ateneu, as interpretações
voltadas para a análise e discussão de seus aspectos narrativos;
2. Revisar os pressupostos teóricos subjacentes à temporalidade da “Crônica de
Saudades”;
3. Analisar e discutir o papel do narrador no romance em questão.
Metodologia
230
Descrição das pesquisas
No que diz respeito à análise textual, tomamos como ponto de partida o sistema
de análise narrativa proposto por Gérard Genette em Figures III (em particular, na seção
intitulada Discours du récit: essai de méthode) e em Nouveau discours du récit, texto
complementar ao anterior. Trata-se basicamente de uma proposta de estudo dos
problemas relacionados ao narrador a partir de um “ensaio ou tentativa de método”, i.e.,
de uma perspectiva diacrônica em que o estudo d’O Ateneu venha a remeter ao estudo
da narrativa de memórias como um todo, e que, inversamente, as discussões teóricas
auxiliem na compreensão do texto de Pompéia.
Resultados parciais
Até o momento, foram escritos dois de três capítulos previstos: um primeiro, a
respeito do lugar do foco narrativo na fortuna crítica d’O Ateneu; um segundo, acerca da
discussão teórica da narrativa de memórias; e parte de um terceiro, relativo à analise do
romance. Para fins de organização, os capítulos foram dispostos em duas partes,
precedidos de uma breve “Introdução”: “Fortunas teóricas e tradições críticas”
(capítulos 1 e 2) e “Ilusão e técnica narrativa” (capítulo 3).
No primeiro capítulo, ao levantarmos a recepção relativamente extensa deste
romance, destacamos como a técnica narrativa da obra foi estudada enquanto elemento
acessório ou complementar a outras questões, tais como a biografia conturbada do
escritor ou o fim do escravismo e da monarquia brasileira. Assim, dividimos a recepção
crítica do romance em três grandes “tendências interpretativas”: uma primeira de viés
biográfico, pautada na comparação direta entre a estadia de Sérgio no internato e aquela
de Pompéia no Colégio Abílio e Dom Pedro II, com destaque para os textos de Araripe
Jr., José Veríssimo, Mário de Andrade, Olívio Montenegro e Temístocles Linhares; uma
segunda de viés social, marcada pela compreensão do internato enquanto “microcosmo”
do Brasil da época, como nos textos de Flávio Loureiro Chaves e Alfredo Bosi; e uma
terceira de viés “revisionista” ou pluralista, de estudo das questões narrativas da obra a
partir de apontamentos diversos, como, por exemplo, as experiências homossexuais dos
internos e os aparelhos de opressão do internato, com ênfase nos textos de Silviano
Santiago, José Lopez Heredia e Sônia Brayner, bem como no livro organizado por
Leyla Perrone-Moisés, O Ateneu: retórica e paixão.
No segundo capítulo, discutimos o lugar da memória na narrativa de primeira
pessoa a partir de três argumentos: a impossibilidade de narrar uma ação no instante
231
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
mesmo em que ela ocorre, i.e., simultaneamente ao fato; a evidência de que nenhum
narrador autodiegético possa ter uma visão abrangente e imparcial dos fatos; e a
dificuldade classificatória subsequente da narrativa de memórias como um todo. A fim
de sistematizar, ao final do capítulo, os resultados desta discussão, propôs-se uma
divisão da narrativa de memórias em três “tipos” distintos, conforme a maior ou menor
atenção do narrador aos fatos passados: “retrospectiva”, “presentificativa” e
“prospectiva”.
O terceiro capítulo consta por ora de dois primeiros subcapítulos, restando ainda
outros dois por desenvolver: “A ‘verdade’ paterna”, “No reino do jaguar?”, “Sérgio
signo de escorpião” e “O círculo de fogo”. Em “A ‘verdade’ paterna”, analisa-se os
pontos de contato entre a fala do narrador e o discurso de seu pai, presente tanto na fala
inaugural do romance quanto na carta transcrita no último capítulo. Já em “No reino do
Jaguar?”, observa-se os principais elementos do discurso oficial do Ateneu, conforme
exposto pelas falas de Aristarco, Venâncio e Cláudio. Nos demais – “Sérgio, signo de
escorpião” e “O círculo de fogo” – pretende-se avaliar, respectivamente, a fala
enviesada do narrador e seu contato destrutivo com o universo do Ateneu.
Segue-se ao corpo da pesquisa, em anexo, uma bibliografia comentada da
recepção crítica do romance, como forma de complementar e esmiuçar as linhas
interpretativas destacadas no primeiro capítulo. Ao início desta bibliografia, há um
levantamento das edições cotejadas d’O Ateneu, dividida segundo sua maior
proximidade com o texto da primeira edição (1888), da segunda (1905) ou do códice de
provas revisado pelo autor (1895).
Bibliografia
AGOSTINHO, Santo. Confissões. 8 ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1975.
ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. 6 ed. São Paulo: Martins,
1978.
ARARIPE JÚNIOR, Tristão de Alencar. Araripe Júnior: teoria, crítica e história
literária. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos; São Paulo: EDUSP, 1978.
BAL, Mieke. Narratology: introduction to the theory of narrative. 2 ed. Toronto: UTP,
1997.
BOOTH, Wayne C. The rhetoric of fiction. Chicago: The University of Chicago Press,
1968.
BOSI, Alfredo. Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
______. O Ateneu: opacidade e destruição. In: ______. Céu, Inferno. São Paulo: Ática,
1988.
CAPAZ, Camil. Raul Pompéia: biografia. Rio de Janeiro: Gryphus, 2001.
CHAVES, Flávio Loureiro. O brinquedo absurdo. São Paulo: Polis, 1978.
232
Descrição das pesquisas
COHN, Dorrit. La transparence intérieure: modes de représentation de la vie psychique
dans le roman. Paris: Éditions du Seuil, 1981
COLONNA, Vincent. Autofiction & autres mythomanies littéraires. Auch:Tristram,
2004.
DULONG, Renaud. Le témoin oculaire: les conditions sociales de l’attestation
personelle. Paris: Éditions de l’École des hautes études en sciences sociales, 1998.
GENETTE, Gérard. Figures III. Paris: Éditions du Seuil, 1972.
______. Nouveau discours du récit. Paris: Seuil, 1983
HAMBURGER, Kate. A lógica da criação literária. 2 ed. São Paulo: Perspectiva, 1986.
LEFEBVE, Maurice-Jean. Estrutura do discurso da poesia e da narrativa. Coimbra:
Almedina, 1980.
LEJEUNE, Philippe. Le pacte autobiographique. Paris: Éditions du Seuil, 1975.
LUBBOCK, Percy. A técnica da ficção. São Paulo: Cultrix, 1976.
MENDILOW, A. A. O tempo e o romance. Porto Alegre: Globo, 1972.
NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. 2 ed. São Paulo: Ática, 2000.
PERRONE-MOISÉS, Leyla (org.). O Ateneu: retórica e paixão. São Paulo: Brasiliense;
EDUSP, 1988.
PLATÃO. A república. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
POMPÉIA, Raul. Obras de Raul Pompéia: O Ateneu. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira; MEC; FENAME, 1981. v.2.
POUILLON, Jean. O tempo no romance. São Paulo: Cultrix; Edusp, 1974.
PRINCE, Gerald. “Introduction à l’étude du narrataire”. Poétique: revue de théorie et
d’analyse littéraires. Paris, n. 14, p. 181, 1973
RICOEUR, Paul. Temps et récit. Paris: Seuil, 1984. v. 2.
SANTIAGO, Silviano. O Ateneu: contradições e perquirições. Cadernos da PUC. Rio
de Janeiro, nº 11, out. 1972.
SCHWARZ, Roberto. “O Ateneu”. In: A sereia e o desconfiado. 2 ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1981.
TACCA, Oscar. As vozes do romance. Coimbra: Almedina, 1983.
TADIÉ, Jean-Yves; TADIÉ, Marc. Le sens de la mémoire. Saint-Amand (Cher):
Gallimard, 1999.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2006.
VERÍSSIMO, José. Últimos estudos de literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia;
EDUSP, 1979.
WEINRICH, Harald. Le temps. Paris: Éditions du Seuil, 1973
233
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AS DIVERSAS FACES DO MEDO PRESENTES NA FIGURA DE HEITOR
Gabriel Galdino Fortuna
Mestrando
Profa. Dra. Maria Celeste Consolin Dezotti (Or.)
A pesquisa encontra-se no seu estágio inicial, uma vez que seguindo o
cronograma elaborado para o projeto estou realizando a leitura da fortuna crítica e
frequentando as disciplinas para integralização de créditos.
Através das primeiras obras lidas para a elaboração da tese, a Retórica de
Aristóteles e o livro The Emotions of Ancient Greek de David Konstan, ficou evidente a
necessidade de uma conceitualização prévia do sentimento do medo para que em
seguida fosse realizado o levantamento sobre as passagens em que este sentimento está
relacionado ao herói Heitor.
Embora vários críticos tenham afirmado que esse sentimento é um dos mais
universais e pouco mudou em relação a sua definição com o passar do tempo, deve-se
levar em consideração que Homero possuía uma considerável variedade lexical para
indicar esse sentimento, além de apresentar termos relacionados à honra e a tradição que
serão indissociáveis ao medo, fato que exigirá a compreensão dos mesmos.
Desta forma, mesmo que o termo medo possua universalidade e atemporalidade,
a cultura que rodeia os personagens da Ilíada - bem como a moralidade e a ética, afinal
por mais que esses dois elementos não estejam diretamente relacionados ao medo, eles
são passíveis das resultantes e consequentes atitudes influenciadas por ele - é distinta da
cultura do século XXI, fato que torna necessária a elaboração de uma pesquisa dos
valores da sociedade que Homero construiu no épico para a compreensão do sentimento
do medo.
Deste modo o trabalho seguirá a seguinte sequência:
- Conceitualização sobre o que é o herói homérico seguida da conceitualização
do sentimento de medo e suas várias formas de ser interpretado, relacionando-o ao herói
e evidenciando como este sentimento pode potencializar os feitos do personagem assim
como humanizá-lo;
- Levantamento do léxico do medo nas cenas em que esse sentimento está
relacionado a Heitor, expondo todos os elementos culturais que estão intrínsecos as
234
Descrição das pesquisas
passagens destacadas, enfatizando a existência das diversas variantes semânticas que a
palavra medo apresenta em grego e explicando seus significados.
Uma vez que já foi realizado o levantamento das cenas em que Heitor está
relacionado ao sentimento de medo na Ilíada, continuarei com a leitura das obras para
embasamento teórico com a finalidade de construir uma interpretação das cenas de
forma coerente e eficaz.
Bibliografia
ADKINS, Arthur W. H. Moral values and political behavior in ancient Greece: from
Homer to the end of the fifth century.ed. New York, Norton. 1973.
AMORRENTE, M.C Rujé, O Mundo Grego Antigo, trad. M. S Pereira. Lisboa: Dom
Quixote, 1993.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética/ ARISTÓTELES; tradução [ de Ética a
Nicômaco] de Leonel VAllandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross;
tradução, comentários e índices analíticos e onomástico [ de Poética] de Eudoro de
Souza; seleção de textos José Américo Motta Pessanha. São Paulo: Nova cultural, 1987.
ARISTÓTELES, Poética. trad. Eudoro de Souza. Porto Alegre: Ed. Globo, 1966
ARISTÓTELES, Retórica. Trad. Manuel Alexandre Junior, P. F. Alberto e A. N. Pena.
Lisboa: Ed. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.
BRUNEL, Pierre; Dicionários de Mitos literários. tradução Carlos Sussekind...[ET
al.]; 4º Ed.- Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.
BURKERT, Walter. Religião Grega na época clássica e arcaica; trad. M.J Simões
Loureiro. Lisboa; Fundação Calouste Gulbenkian, 1993
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito / Joseph Campbell, com Bill Moyers ; org. por
Betty Sue Flowers. Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athena, 1990.
CAIRNS, Douglas L. AIDOS: The Psychology and Ethics of Honour and Shame in
Ancient Greek Literature. Oxford: Clarendon Press, 1993.
CHANTRAINE, Pierre. Dictionnaire étymologique de la langue grecque. Paris:
Klincksieck, 1968.
MARTINEZ,Constantino Falcon; FERNANDEZ, Emilio – MELERO, Galiano y
Raquel Lopez. DICCIONARIO DE LA MITOLOGIA CLASICA. Volume. um y 2.
4ª Ed. Madri, 1985.
FERGUSON, John. Moral and values in the ancient world. Ed. London, Methuen,
1958.
HESÍODO, Teogonia: a origen dos deuses.; estudo e tradução Jaa Torrano- 6 ed.-São
Paulo: Iluminuras, 2006
HOMERO, Ilíada. Trad; Carlos Alberto Nunes .Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
HOMER,The Iliad. Trad; A.T. Murray. Ed. T.E. Page. Vol.1,2. Cambridge,
Massachusetts, 1937.
JAEGER,Werner.Paidéia, A formação do homem grego. Trad.Artur M.Parreira.São
Paulo:Martins Fontes ed. Ed.Um.Brasília,1986.
KOTHE, Flávio R. O Hérói. São Paulo: Ática, 1987.
MARROU,Henri-Irenée,História da Educação na Antiguidade. Tradução: Professor
Mário Leônidas Casa nova,editora Herder,São Paulo 1969.
235
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
NAQUET, Pierre Vidal. O Mundo de Homero; trad. Jônatas Batista Neto-. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002.
REYES, Alfonso. LOS HEROES/ JUNTA DAS SOMBRAS. Sevilla, México:Fondo
de Cultura Econômica, 1983.
VERNANT, JEAN-PIERRE . A BELA MORTE E O CADÁVER ULTRAJADO.
In: Revista Discurso nº 09. Revista da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP, 1979, p. 31 a 62
ZABOROWSKI, Robert. La crainte ET Le courage dans I´liade et L´odissée.
Warsaw: Stakroos, 2002.
236
Descrição das pesquisas
A VIOLÊNCIA COMO PARADIGMA DE ARTE NO ROMANCE “CIDADE DE
DEUS”
Hanniel José Batista Garcia
Mestrando
Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes (Or.)
Este trabalho de pesquisa tem como principal objetivo a análise do romance
Cidade de Deus de Paulo Lins. É importante ressaltar que não será considerada a obra
cinematográfica, mas somente o romance. Desta forma, o estudo sustenta-se na ideia de
que o romance se pauta na violência como um paradigma de construção da arte. Isto é,
os elementos que compõem a narrativa têm como principal referência a escalada da
violência na comunidade e seu desenvolvimento, retratados no livro. Assim, este
trabalho se organiza em dois momentos distintos: uma análise nos relatos que compõem
a historia como forma de compreensão da técnica realista empregada por Paulo Linse
uma análise dos elementos básicos da narrativa que, em última instancia, se fortalecem
no caráter violento da narrativa e sustentam o que a crítica denomina como hipermimetismo ou realismo brutal. Ou seja, o trabalho discute a técnica realista empregada
pelo autor e, por consequência, a fundamentação desta técnica nos elementos básicos da
narrativa.
A representação do real é potencializada. Os conceitos estabelecidos por
Auerbach são potencializados no pós-moderno. A relação realidade e ficção ganha
novas perspectivas. E o romance em questão aponta uma vertente em que a violência
emerge como índice, como paradigma que sustenta a narrativa e confirma uma
característica reflexiva sobre o real. A questão do retorno do real é revigorada pela
densidade da obra. E, nos termos de Tania Pellegrini, há um retorno ao real, mas não
como forma estética de visualização da realidade, mas como um procedimento formal
que situa o leitor em uma realidade contraditória e alucinante. A força deste romance
consiste num processo de recorte de uma realidade brutal, violenta, que no seu limite
questiona o processo de evolução social. A narração é intensa e apresenta o
desenvolvimento da ficção por meio da criminalidade. Os elementos narrativos se
sustentam neste índice de violência. Nesse sentido, a complexidade da obra se fortalece
237
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
em cada elemento narrativo que se potencializa e assume um caráter agressivo, ofensivo
e, num jogo dialético, questionador das realidades ali presentes.
Além disso, o referencial teórico se sustenta na ideia de literatura traumática
proposto por Hall Foster que concebe nesta técnica realista uma forma de exposição de
um trauma ao se representar o real como forma de evidencia da realidade ao leitor. O
olhar do sujeito para a realidade por meio da ficção provoca uma marca, um estigma,
desperta o leitor para a experiência da individualidade apontando o latente estado de
fragmentação e violência dos sujeitos. O encontro do sujeito com o real ocorre na leitura
do romance, o trauma, e num processo de validação entre real e ficção conduz o leitor se
(re)encontre com a realidade. Perceba a estrutura em que se envolve, e como
consequência, o leitor é envolvido pela narrativa a ponto de se sensibilizar com o
processo. É o que Schollhammer denomina como realismo performático. Entende-se
que a partir do romance discute-se a técnica de representação ficcional considerando os
conceitos de realismo traumático e realismo performático como modo de
questionamento e identificação desta técnica realista contemporânea. Em última
instância, a discussão se dá numa forma em que a representação apresenta uma nova
perspectiva distinta do que se convenciona caracterizar como mimetismo.
Além disso, o que se percebe é a violência como o padrão elementar do
romance. Questionam-se as ideias de realidade e ficção e como a obra consegue se
situar no limiar desta perspectiva. Discussão que se pauta nas afirmações de Hutcheon
quando expõe sobre a pós-modernidade e a literatura. Segundo a Hutcheon, a pósmodernidade tem como características a reflexão sobre a história. O passado não só
valida o status de realidade, mas também o questiona Apresentando uma postura critica
em relação ao passado. A narrativa de Cidade de Deus é marcada por um relato de
experiências que, no conjunto, sustentam a narrativa e estabelecem a relação entre a
forma de desenvolvimento daquilo que o autor Paulo Lins denomina como neo favela.
Concomitantemente, busca-se a compreensão da singularidade desta obra para a
literatura brasileira, tendo em vista que se compõem a partir de um complexo nível de
relação entre relato, testemunho da realidade em forma ficcional. Segundo Schwarz,
este é um romance de vigor na literatura brasileira. A busca por sua compreensão por
meio de referenciais teóricos novos permite uma melhor assimilação da complexidade
deste romance. E apontar como se dá o desenvolvimento desta perspectiva literária que
se funda numa reflexão sobre a representação e seu cânone.
238
Descrição das pesquisas
Assim, este semestre possibilitou uma readequação conceitual do projeto de
pesquisa. As leituras propostas durante as disciplinas permitiram uma melhor
compreensão do objeto de estudo e uma reorganização da linha de pesquisa. Diante
desta reorganização, alguns questionamentos surgiram para orientar a pesquisa. A
discussão sobre a representação no pós-moderno. A conceitualização do moderno e do
pós-moderno e sua delimitação. Os limites entre real e ficção e, consequentemente, a
literatura como forma de discussão deste limite. A técnica realista como procedimento
de construção da narrativa no romance e como este retorno do real se esclarece no
romance. Enfim, questionamentos que se de suma importância para o desenvolvimento
desta pesquisa.
Como consequência desta pesquisa, será analisado o romance numa perspectiva
de apontar os elementos essências da narrativa e delinear como se desenvolve o
realismo como técnica de construção literária, tendo em vista o caráter violento inerente
a representação do real e como a violência é parte inerente a cada elemento narrativo
(narrador, personagem, espaço e tempo) e como a ausência deste estado promove a
exclusão do romance de diferentes personagens.
Bibliografia
ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura trad. Celeste Aída Galeão RJ: Editora
Tempo Brasileiro, 1991.
AUERBACH, E. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. Trad.
George Sperber. São Paulo: Perspectiva/EDUSP, 1971.
BENJAMIN, W. Sobre o conceito de História. In: _______. Magia e técnica, arte e
política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 2. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 222-232.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária – 4
ed. – SP: Editora Nacional, 1975.
FOSTER, H. The returnofthe real. Londres: MIT Press, 1995.
GALLAGHER, C. Ficção. In: MORETTI, F. (Org.). A cultura do romance. São Paulo:
Cosacnaify, 2009. p.629-658.
HUTCHEON, L. Poética do Pós-Modernismo. História, Teoria, Ficção. Rio de Janeiro:
Imago, 1991.
LINS, Paulo. Cidade de Deus. SP: Companhia das Letras, 1997.
PELLEGRINI, T. Realismo: postura e método. Letras de hoje. Porto Alegre, v.42, n.4,
p.137-155, dez./2007
RANCIÈRE, J. O efeito de realidade e a política da ficção. Novos estudos CEBRAP.
São Paulo, n.86, p.75-99, mar./2010.
SCHWARZ, Roberto. “Cidade de Deus”, in: Sequências Brasileiras: ensaios, São
Paulo: Companhia das Letras, 1999, pag. 163 – 171
SCHOLLHAMMER, K. E. À procura de um novo realismo: teses sobre a realidade em
texto e imagem hoje. In: _____. E.; OLINTO, K. H. (Orgs.). Literatura e cultura. Rio
239
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
de Janeiro: PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003. p.76-90.
WATT, I. A ascensão do romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
240
Descrição das pesquisas
REFLEXOS DA DECADÊNCIA NO ROMANCE DE JOSÉ LINS DO REGO
Isabella Unterricher Rechtenthal
Mestranda – Bolsista CNPq
Profa. Dra. Maria Célia de Moraes Leonel (Or.)
1.
Introdução
O escritor paraibano José Lins do Rego destaca-se na cena da literatura brasileira
por conta dos romances de cunho regionalista, corrente literária que se tornou notável na
chamada segunda geração do modernismo, compreendida entre os anos de 1930 a 1945.
Marcada por colocar em primeiro plano as condições físico-sociais de determinadas
regiões brasileiras, a corrente regionalista tornou-se mais expressiva na produção do
Nordeste e do Sul do país, sendo José Lins do Rego um dos principais representantes da
produção nordestina, ao lado de Raquel de Queirós, Jorge Amado e Graciliano Ramos,
principalmente. Dos romances produzidos pelo escritor, destacam-se os pertencentes ao
chamado por ele mesmo de ciclo da cana-de-açúcar, narrativas nas quais representa as
condições econômico-sociais da sociedade baseada na produção açucareira dos
engenhos, assim como as transformações ocasionadas pela implementação das usinas na
região. São obras que ilustram, portanto, a sociedade da zona da mata nordestina no
final do século XIX e início do século XX, marcada pela política patriarcal, recém
abolicionista, em que o poder da terra concentra-se nas mãos dos grandes senhores de
engenho. Pertencem ao ciclo da cana-de-açúcar os romances Menino de engenho,
Doidinho, Banguê, O moleque Ricardo, Usina e Fogo morto, esse último considerado a
obra de plenitude do escritor. Seguindo-se a classificação de Antonio Candido e José
Aderaldo Castello em Presença da literatura brasileira (1968, p. 252), as demais obras
reguianas dividem-se em a) “ciclo do cangaço, misticismo e seca”, ao qual se
enquadram Pedra Bonita e Cangaceiros, b) “obras independentes com implicações nos
ciclos”, como Pureza e Riacho Doce e c) “obras desligadas desses ciclos”, como Águamãe e Eurídice, cujas narrativas, ambientadas no Rio de Janeiro, não possuem o cunho
regional e pouca atenção recebem da crítica literária nacional.
Tomando por base Fogo morto, Candido e Castello (1968, p. 262) afirmam que
a produção reguiana apresenta, a partir de detalhes circunstanciais, as paisagens física e
241
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
humana da região açucareira nordestina, condicionadas pela realidade – conhecida pelo
escritor – social dessa região. Reunindo, em Fogo morto, os “[…] componentes
fundamentais de toda a obra regionalista […]”, José Lins do Rego revela, segundo os
críticos (CANDIDO, CASTELLO, 1968, p. 262), o destino humano na paisagem em
questão, em que as “[…] personagens se apresentam como expressão de todas as
dimensões do homem nordestino […]” e são marcadas por um “esforço dramático de
libertação”, presente também em outros romances do escritor. Antonio Candido, em
“Um romancista da decadência” (2004), afirma que as personagens de José Lins do
Rego estão sempre “[…] em equilíbrio instável entre o que foram e o que não serão
mais, angustiados por essa condição de desequilíbrio que cria tensões dramáticas,
ambientes densamente carregados de tragédia, atmosferas opressivas, em que o
irremediável anda solto.” (CANDIDO, 2004, p. 57). Sobre a atmosfera dos romances
reguianos trata também Sérgio Milliet em “A obra de José Lins do Rego” (1991) ao
afirmar que a expressividade da obra do escritor assenta na “[…] comunhão muito
íntima do autor com suas personagens, os ambientes e as tragédias delas.” (MILLIET,
1991, p. 408), o que concede às narrativas a “[…] atmosfera carregada de desgraça que
tanto pode pairar sobre a Paraíba como sobre Pernambuco.” (MILLIET, 1991, p. 410),
podendo-se acrescentar, ainda, as considerações de Juarez da Gama Batista em
“Sentido do trágico em José Lins do Rego” (1987), que atenta ao fato de as
personagens reguianas terminarem sempre vencidas, carregadas de horrores, expiando
culpas que não são suas (BATISTA, 1987, p. 13), o que concede a “[…] intensidade
irreversível da tragédia […]” (BATISTA, 1987, p. 19) à produção do escritor.
Dadas a recorrência de considerações da crítica literária acerca da tragicidade da
obra de José Lins do Rego, pretende-se, no presente trabalho, avaliar de que modo o
escritor constrói nos romances a atmosfera opressiva e carregada de tragédia a que se
refere Candido (2004, p. 57), a fim de que se comprove que tal atmosfera é uma
constante na produção do escritor. Para tal, toma-se como corpus de análise os
romances Água-mãe e Fogo morto, cujas narrativas, distantes espacial e tematicamente,
são permeadas da dramaticidade apontada pelos estudiosos, cabendo verificar pontos
em comum que levem à compreensão e à apreensão da atmosfera aqui observada.
2. A atmosfera de decadência em Água-mãe
242
Descrição das pesquisas
Água-mãe é o nono romance de José Lins do Rego e o primeiro ambientado no
Rio de Janeiro, o que o distancia da produção comum do escritor. Assim como o espaço,
o tema também é outro e, no lugar das narrativas baseadas na representação das relações
sociais da sociedade da zona da Mata nordestina comum às obras do ciclo da cana, há o
trabalho com o tema do terror sobrenatural centrado em um lugar específico: a
representação das margens da lagoa de Araruama, na região de Cabo Frio, onde se passa
a história. Tendo como personagens principais os componentes de três famílias distintas
– a do Cabo Candinho, a de Dona Mocinha e os Mafras –, o romance em questão ilustra
o comportamento da sociedade local em relação ao temor compartilhado à Casa Azul,
habitação majestosa e abandonada que integra o cenário da história e da qual se crê que
provêm malefícios. Abandonada no início da história, a mansão é comprada pela família
Mafra, que a reforma e faz dela sua morada de férias, despertando, inicialmente, o terror
nos habitantes da lagoa. Contudo, com o passar do tempo, as personagens locais passam
a se relacionar com a família, afastando, por um curto período de tempo, o temor
relacionado à Casa, que é retomado quando acontecimentos trágicos começam a cair
sobre os Mafra, resultando na morte de alguns filhos e na falência financeira da família,
recobrando-se, assim, o terror de todos em relação à Casa Azul e o novo abandono,
consequentemente, desse espaço.
Considerando-se as proposições de Osman Lins em Lima Barreto e o espaço
romanesco (1976, p. 76), tem se que a atmosfera de uma narrativa, tal como é aqui
trabalhada, provém, em grande parte, da construção e da descrição do espaço em que
ocorre a ação da história, sendo, em Água-mãe, o espaço da Casa Azul o lugar principal
de ambientação do sobrenatural, dado que é dele que se crê provir os malefícios que
acometem às personagens. É da Casa, portanto, que provém a atmosfera trágica que
permeia o romance, sendo necessário que se observe de que modo o trabalho com o
espaço e a relação entre essa categoria narrativa e as personagens influencia na criação
dessa atmosfera.
Anne Williams, estudiosa da literatura sobrenatural, afirma em ensaio intitulado
“Inner and outer spaces” (1995, p. 250) que as narrativas dessa literatura caracterizamse pela demarcação de um espaço de dentro e um de fora, de nós e dos outros, sendo o
resultado trágico das histórias subsequente da violação dessas fronteiras pelas
personagens. Sobre as fronteiras espaciais na literatura trata também o teórico Iuri
Lotman em “O problema do espaço artístico” (1978), que afirma que há, na literatura,
um traço tipológico de grande valia: o conceito de fronteira. É ela, segundo Lotman
243
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
(1978, p. 373), que “[…] divide todo o espaço do texto em dois subespaços, que não se
tornam a dividir mutuamente. A sua propriedade fundamental é a impenetrabilidade. O
modo como o texto é dividido pela sua fronteira constitui uma das suas características
essenciais.” A fronteira, tal como define Lotman (1978, p. 373), está condicionada a
separar espaços e tudo aquilo que lhes é próprio, como seres bons de seres ruins,
naturais de estrangeiros, pobres de ricos etc, sendo, em Água-mãe, nítida – embora não
explícita – a fronteira que divide, primeiramente, o espaço da Casa Azul do resto do
território da lagoa e, consequentemente, o mal proveniente da Casa da população de
Araruama. Ao ultrapassar essa fronteira, as personagens do romance acabam por
descompor a ordem e a harmonia presentes no lugar e sofrem, portanto, as
consequências por terem invadido o espaço maléfico representado pela Casa Azul: as
mortes e desgraças que recaem sobre todos no final do romance. Deste modo, percebese que a relação direta entre espaço e personagens condiciona, em Água-mãe, os
acontecimentos trágicos que constroem a atmosfera opressiva e de decadência que
caracteriza a produção de José Lins do Rego, revelando que, embora o tema trabalhado
seja distinto do comum à produção, o escritor consegue criar o mesmo efeito dos demais
romances, sendo o uso do tema do sobrenatural utilizado, segundo Eugênio Gomes
afirma em “Água-mãe” (1956), não apenas para explorar o horror, mas sim porque
“[…] a dimensão em profundidade do fantástico comportava a projeção da concepção
de vida que deixa transparecer em sua obra romanesca.” (GOMES, 1976, p. xi),
concepção de vida essa marcada pela tragicidade aqui trabalhada.
3. A atmosfera de decadência em Fogo morto
Fogo morto é o décimo romance de José Lins do Rego, considerado pela crítica
a obra de plenitude do escritor. Ao retomar o ciclo da cana-de-açúcar, o escritor deixa
de lado o tom memorialista que o caracterizara para trabalhar, a partir das três
personagens principais do romance, “[…] as conquistas técnicas e psicológicas da
compreensão[…]” da realidade, que “[…] se ligam intimamente à espontaneidade
subjetiva da apreensão […]” que marcara as produções anteriores (CANDIDO, 1957, p.
2). É o romance que marca, segundo Candido (1957, p. 2), a passagem da apreensão
para a compreensão da realidade, o que faz Fogo morto a maior criação artística de José
Lins do Rego. O romance é dividido em três partes, dedicadas às três personagens
principais da história - o seleiro José Amaro, o Coronel Lula de Holanda e o Capitão
244
Descrição das pesquisas
Vitorino Carneiro da Cunha – a partir das quais se constrói, segundo Eduardo F.
Coutinho, a problemática base do romance: “[…] a decadência de toda uma estrutura
sócio-econômica baseada no engenho de açúcar.” (COUTINHO, 1991, p. 435). É de
Coutinho ainda a afirmação de que a história de Fogo morto centra-se em torno de dois
grandes núcleos, o engenho do Seu Lula – o Santa Fé – e a casa do mestre José Amaro,
espaços esses que refletirão a decadência e a angústia vividas pelas personagens que os
habitam, refletindo e configurando, assim, a atmosfera de decadência objeto do presente
trabalho. Dado que o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha não se liga diretamente a
nenhum espaço específico, dedica-se a análise da decadência somente às duas
personagens das primeiras partes do romance – José Amaro e Lula de Holanda – de
modo a demonstrar como a situação e a relação com o espaço em que se inserem
constrói a atmosfera em questão.
Maria Rita das Graças Félix Fortes aponta em Tempo, espaço e decadência: uma
leitura de O som e a fúria, Angústia, Fogo morto e Crônica da casa assassinada (2010)
que o tempo é, para ambas as personagens, fator de grande influência para a decadência,
dado que tanto o seleiro quanto o senhor de engenho não são capazes de se adaptar às
novas condições sócio-econômicas que se implantam na região. Marcados pelo orgulho
e pelo apego ao passado, terminam os dois na solidão, após passarem por um processo
de autodestruição.
Eduardo F. Coutinho aponta os acontecimentos que culminam na destruição de
José Amaro: “[…] as críticas pessoais tecidas contra o senhor de engenho, que
ocasionam a expulsão da casa onde sempre morara […] e a constante agressividade no
trato com as pessoas, que dão origem à crença de que ele se transformava em
lobisomem.” (COUTINHO, 1991, p. 436). O suicídio final é a concretização final do
fracasso, resultado da revolta e da ineficácia de adaptação da personagem às condições
exigidas pelo meio social em que vive.
Já Lula de Holanda fracassa por não se adaptar à condição política que lhe é
exigida, inferiorizado ao lado dos demais senhores de engenho da região. Sem vocação
para gerir o engenho, Lula fecha-se na sua casa – Coutinho atenta para o fato de as
janelas da casa não serem mais abertas (1991, p. 437) – e passa a viver da lembrança de
glórias passadas, sendo talvez o cabriolé – que se desgasta com o tempo – o maior
anunciador da decadência final do engenho: o estado de fogo morto no final da história.
Pensando-se em termos espácio-temporais, pode-se perceber que ambas as
personagens mantêm-se presas ao passado e às casas em que vivem, locais que
245
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
carregam no interior as marcas da passagem do tempo e da solidão que as caracterizam.
As fronteiras – tal como as define Lotman – são, em Fogo morto, mais temporais do que
espaciais, perceptíveis na oposição entre presente e passado. Tanto José Amaro quanto
Lula de Holanda, ao insistirem em ater-se a costumes, sonhos e memórias voltados a
momentos anteriores e distantes, ficam aquém dos limites temporais presentes no
espaço em que vivem, derivando dessa transgressão temporal a inadequação que marca
a decadência e a atmosfera opressiva que rodeia as personagens.
4. Considerações finais
O presente trabalho pretendeu demonstrar que a produção de José Lins do Rego
é marcada pela atmosfera de decadência que coloca em cheque o drama humano das
personagens, que se mantém nas obras independentemente do tema trabalhado.
Conforme observado, a atmosfera se faz perceptível a partir do reflexo da decadência no
espaço das narrativas e decorre, geralmente, da transposição de fronteiras préestabelecidas nas histórias contadas, fronteiras essas que podem ser tanto espaciais
quanto temporais e que provocam, quando ultrapassadas, acontecimentos prejudiciais às
personagens, levando-as à decadência e à tragédia presente nos romances reguianos.
Bibliografia
BATISTA, J. G. Sentido do trágico em José Lins do Rego. Paraíba: Fundação Espaço
Cultural da Paraíba, 1987.
CANDIDO, A.; CASTELLO, J. A. José Lins do Rego. In:_____. Presença da
literatura brasileira III. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1968. p. 250-276.
CANDIDO, A. Um romancista da decadência. In:_____. Brigada ligeira e outros
escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2004. p. 57-62.
CANDIDO, A. A compreensão da realidade. O Estado de São Paulo, São Paulo, 28
dez. 1957.
COUTINHO, E. F. A relação arte/realidade em Fogo morto. In:_____. COUTINHO, E.
F. (Org.) José Lins do Rego. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 430-440.
GOMES, E. Água-mãe. In:_____. REGO, J. L. Água-mãe. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1976. p. vii-xviii.
LINS, O. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
LOTMAN, I. O problema do espaço artístico. In:_____. A estrutura do texto artístico.
Lisboa: Editorial Estampa, 1978.
MILLIET, S. A obra de José Lins do Rego. In:_____. COUTINHO, E. F. (Org.) José
Lins do Rego. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. p. 408-414.
REGO, J. L. Água-mãe. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.
_____. Fogo morto. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.
246
Descrição das pesquisas
WILLIAMS, A. Inner and outer spaces. In:_____. Art of darkness: A poetics of
Gothic. Chicago: The University of Chicago Press, 1995. p. 249-252.
247
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ENTRE O CLARO E O ESCURO: UMA POÉTICA DA ANGÚSTIA EM
SARAMAGO
Jacob Dos Santos Biziak
Doutorando
Profa. Dra. Márcia Valéria Zamboni Gobbi (Or.)
Esta pesquisa de doutorado pretende um enfoque original não só sobre a obra de
José Saramago, mas, também, a respeito da situação da ficção e da mímesis literária
dentro da contemporaneidade. Tomando a ficção literária não como fingimento, mas
como modelação de uma realidade, pretende-se analisar como ocorre a construção do
sentimento de angústia dentro de parte da obra do escritor português José Saramago.
Na verdade, a pesquisa busca, de início, uma reflexão sobre a condição do
romance dentro da trajetória da representação artística, desde a sua consolidação no
Romantismo. A grande preocupação desse gênero literário sempre foi, como sabemos,
retratar o homem no seu percurso cotidiano. A maior transformação observada em
relação a outros gêneros narrativos é a dimensão e importância dadas, no romance, ao
aspecto subjetivo das personagens, que passa a modelar, inclusive, os elementos
externos a eles.
Nesse sentido, nossa preocupação é analisar a constituição discursiva do afeto da
angústia dentro da obra do escritor português José Saramago. Reconhecendo o ser
humano como alguém cuja identidade é cindida e não algo centralizado, como queria
Descartes, buscamos apreender a problemática da angústia dentro de outra mais geral, a
da sociedade contemporânea, já que é nela que surge esse novo conceito de homem e é
ela que o romance atual representará. Hoje, temos um imperativo social assim
articulado: o homem que não goza, que não sente prazer a todo momento, é alguém
frustrado, marginalizado - mesmo que o gozo não leve, e não leva, a um
(re)conhecimento de uma interioridade que se manifesta por meio de um discurso
aparentemente caótico. Tudo ganha contornos muitos instáveis, já que o sofrimento
aumenta diante de um prazer impossível que é exigido do homem através de um
discurso social que luta contra outro, o subjetivo, de cada homem.
Para o estágio acima da pesquisa, de onde partimos, usamos primordialmente
algumas obras de Zygmunt Bauman, uma vez que seu enfoque sociológico sobre a
248
Descrição das pesquisas
situação hodierna nos parece muito cabível. Usamos, com destaque, Mal-estar na pós
modernidade (1999), Medo líquido (2008), Confiança e medo na cidade (2009),
Amor líquido (2004).
Na história da evolução da ficção romanesca como gênero, segundo Catherine
Gallagher (2009), o envolvimento com a representação do cotidiano e dos problemas da
classe burguesa sempre foi primordial. Hoje, então, não é mais o drama dos
desencontros amorosos que aparece representado na obra, mas outro, muito mais
complexo, o da própria existência. O grande problema que se coloca é: como dar
contorno, por meio da linguagem escrita, a algo cujo objeto originário parece ser tão
impreciso de apontar: a angústia?
Para análise da presença dela dentro do universo que delineamos aqui, esta
pesquisa se apoia em dois grandes pensadores: Kierkegaard – O conceito de angústia
(2010a) e Temor e tremor (2009) – e Freud – Inibições, sintomas e ansiedade, Mal
estar na civilização (2006b), Futuro de uma ilusão (2006a). Também nos apoiamos,
ainda que em menor medida, em parte dos textos de Lacan, em que relaciona o
problema do afeto ao do discurso. Apesar de a filosofia e a psicanálise atuarem de
acordo com bases epistemológicas diferentes, pudemos perceber, em nossas leituras,
pontos de contato entre tais autores; talvez isso surja como sintoma de uma crise, que se
aprofunda, da representação do sujeito e do mundo. Trata-se de um sentimento de
desamparo do homem frente à sua constituição como indivíduo em via de construção de
um discurso próprio dentro de um discurso que é do outro. Ou seja, constituímo-nos
dentro de uma rede discursiva de valores que são de outros para, mais maduros,
tentarmos articular nosso próprio discurso numa briga em que diferenciar o que é
“meu”, “o que eu quero” e o que é “do outro”, “o que é imposto” é praticamente
impossível, além de doloroso. Sem o outro, puro discurso, ainda sobra algo de mim?
Na obra O tempo e o cão (2009), Maria Rita Kehl tece uma série de
considerações sobre o estatuto, a condição psíquica do homem contemporâneo, que
muito nos interessa e muito nos chama a atenção: a profusão excessiva de imagens, a
gama monstruosa de informações, o exagero no uso das capacidades conscientes do ser
humano, o fim da tradição da transmissão oral da experiência, a sensação de
aniquilamento do conteúdo da existência, o mal-estar advindo do fato de que somos
pouco incitados a desenvolver nossa identidade em detrimento do coletivo, etc. - tudo
isso culmina, inevitavelmente, como viemos considerando até agora, em uma nova
forma de se entender sujeito, realidade e ficção.
249
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Assim, os pensamentos de Kierkegaard e de Freud – assim como de seus
respectivos comentadores – nos amparam na medida em que trazem fôlego à nossa
discussão. Kierkegaard registra a dificuldade de se assumir as rédeas da existência
diante da responsabilidade iminente de se fazer escolhas. Segundo ele, assumir isso, e
evoluir de um estágio estético a um religioso da existência, é retornar para a mesma de
forma renovada: não se trata de abolir a razão, mas de exercer a subjetividade e a razão
conjuntamente, dando nova dimensão à vida. Freud, por ser turno, apoiado na
concepção de aparelho psíquico, contribui com sua visão a respeito dos afetos: o ser
humano carrega consigo uma pulsão de destruição inerente a ele. Assim, na verdade,
elementos como a religião, a ética e os valores são criados para diminuir nossa sensação
primordial de desamparo. A sociedade, dessa forma, atua como elemento que recalca o
princípio de prazer do homem, instituindo o princípio de realidade. Passamos a vida
lutando entre as pulsões de vida e de morte.
Voltamos a salientar que ambos os pensadores acima – fundamentais à nossa
pesquisa – trabalham a partir de pressupostos diferentes: para Kierkegaard, o primordial
é a existência em si enquanto ato de escolha; para Freud, o primordial é a memória, o
aparelho psíquico que atua por meio de deslocamentos e condensações. Mesmo assim,
apesar das diferenças, são dois autores que criam suas obras a partir das crises do século
XIX. Apesar de nunca terem se conhecido ou “se lido”, pensamos que elaboram
registros das fissuras contemporâneas que começam a se delinear desde então: temos os
sintomas de um mal estar.
Assim, dentro do romance contemporâneo, a angústia surge não só como
elemento temático, mas como matéria prima que busca dar liga ao romance, fazendo
emergir, mesmo que de forma aparentemente confusa, aquilo que é tão difícil de se
colocar em linguagem inteligível: o narrador que se fragmenta, sempre provisório; a
discussão sobre o estatuto da história, etc. Segundo Karlheinz Stierle , a ficção, como
fingere, não pode ser entendida como um discurso mentiroso, mas como modelação de
uma realidade. Aí encaixamos a obra de Saramago: uma grande e complexa modelação
do barro amorfo que é a angústia dentro do processo existencial humano.
Escolhemos dois romances de Saramago a serem analisados de forma
comparativa, até porque indicam momentos diferentes da obra geral do autor: História
do cerco de Lisboa e Ensaio sobre a cegueira. O primeiro corresponde a uma
abordagem da existência humana diferente da do segundo: naquele temos uma tentativa
de correspondência entre o que é histórico e contemporâneo; neste, o foco total é a
250
Descrição das pesquisas
sociedade contemporânea, vislumbrada por meio de um acontecimento com tons
fantásticos. Ao compararmos as duas obras – apontando para semelhanças com outras
do mesmo autor –, a intenção é pensar o seguinte: de que forma, então, nomear a
angústia? Aliás, a nomear não significaria a própria morte, uma vez que chegaria ao fim
o desejo? Para tanto, nos apoiaremos em Genette, para análise do narrador, e em
elementos de semiótica tensiva para análise do ritmo narrativo tendo em vista os
conceitos de intensidade e de extensidade.
Por fim, vale dizer que esta descrição de pesquisa tem por intenção delinear
quais são os pressupostos de que partimos para analisar nosso corpus. Estamos no
momento de início da escrita da tese: terminado o capítulo inicial, mais teórico,
abraçaremos a análise dos romances e a respectiva escrita dos capítulos
correspondentes.
Bibliografia
ARNAUT, A. P. Post-modernismo no romance português contemporâneo. Lisboa:
Almedina, 2002
AUERBACH. Mimesis. São Paulo: Cultix, 2005
BASTAZIN, V. Mito e poética na literatura contemporânea: um estudo sobre José
Saramago. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006
BAUMAN, Z. Mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
______. Amor líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
______. Medo líquido. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
______. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
BEIVIDAS, W. Inconsciente e sentido: psicanálise, linguística e semiótica. São Paulo:
Annablume, 2009.
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. São Paulo: Edusc, 2006.
BIRMAN, J. As pulsões e seus destinos. São Paulo: Civilização Brasileira, 2009.
COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: UFMG,
1999.
FARAGO, F. Compreender Kierkegaard. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
FREUD, S. Uma nota sobre o bloco mágico (1925). Rio de Janeiro: Imago, 1976.
______. Um estudo autobiográfico, Inibições, sintomas e ansiedade, Análise leiga e
outros trabalhos (1925-1926). Rio de Janeiro: Imago, 2006a.
______. O futuro de uma ilusão, O mal-estar na civilização e outros trabalhos
(1927-1931). Rio de Janeiro: Imago, 2006b.
FONTANILLE, J. e ZILBERBERG, C. Tensão e significação. São Paulo: Humanistas,
2001
GALLAGHER, C. Ficção. In: MORETTI, F. (org.) . O romance 1: A cultura do
romance. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 629-658.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega. s.d.
GOUVEA, R. Q. A palavra e o silêncio – Kierkegaard e a relação dialética entre fé
e razão. São Paulo: Fonte Editorial, 2009.
GREIMAS, A. J. Da imperfeição. São Paulo: Hacker, 2002.
251
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
______ e FONTANILLE, J. Semiótica das paixões. São Paulo: Ática, 1995.
LACAN, J. O seminário – livro 10 – a angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
LEITE, S. Angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
LIMA, L.C. O controle do imaginário: razão e imaginação no Ocidente. São Paulo:
Brasiliense, 1985.
______. Vida e mimesis. Rio de Janeiro: 34, 1995.
______. Mimesis: desafio ao pensamento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
______. História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
KEHL, M. R. O tempo e o cão. São Paulo: Boitempo, 2009.
KIERKEGAARD, S. Temor e tremor. São Paulo: Hemus, 2009.
______. O conceito de angústia. Petrópolis: Vozes, 2010a.
______. O desespero humano. São Paulo: Editora Unesp, 2010b.
MATUSTIK. Kierkegaard in post-modernity. Indiana: Indiana University Press,
1995.
RAMOS, G. A. Angústia e sociedade na obra de Sigmund Freud. Campinas: Editora
da Unicamp, 2003.
SAROLDI, N. O mal-estar na civilização. São Paulo: Civilização Brasileira, 2011.
STIERLE, K. A ficção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Caetés, 2006.
TATIT, L. Semiótica à luz de Guimarães Rosa. São Paulo: Ateliê, 2010.
VALLS, A. L. M. e MARTINS, J. S. Kierkegaard no nosso tempo. São Leopoldo:
Nova Harmonia, 2009.
VALLS, A. L. M. e ALMEIDA, J. M. Kierkegaard. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
ZILBERBERG, C. Elementos de semiótica tensiva. São Paulo: Ateliê, 2011.
252
Descrição das pesquisas
FIGURAS CARNAVALIZADAS EM “O BANQUETE DE TRIMALQUIÃO” E
TRIMALCHIO
Jassyara Conrado Lira da Fonseca
Doutoranda – Bolsista FAPESP
Prof. Dr. Márcio Thamos (Or.)
Prof. Dr. Ricardo Maria dos Santos (Coor.)
1.
Resumo
Esta pesquisa apresenta uma proposta de estudo comparado entre “O Banquete
de Trimalquião” (um dos episódios mais integralmente conservados do Satyricon de
Petrônio) e Trimalchio (versão inédita no Brasil de The Great Gatsby, obra mais
famosa de F. Scott Fitzgerald). A aproximação dos textos é feita pelo narrador de
Trimalchio que compara Gatsby a Trimalquião, e acentua-se no título dado à versão
publicada em 2000, que declara o caráter intertextual da narrativa, que aqui será
pensado com Julia Kristeva (1974). O trabalho iniciado no mestrado adiantou haver,
entre as duas obras, possíveis e interessantes aproximações. No entanto, o foco deste
estudo será dado ao tema do carnaval, que está presente nas festas e que se estende à
composição das personagens, à relação estabelecida entre elas e à construção dos
cenários. A análise das características carnavalescas dos textos e seus desdobramentos
estará centrada na proposta teórica de Bakhtin (1993) para a carnavalização. O tema do
carnaval é construído por meio de figuras que se repetem nas duas narrativas,
buscaremos respaldo na teoria semiótica da figuratividade (BERTRAN, 2003) para
investigar os aspectos abstratos (temáticos) e concretos (figurativos) nas obras que
compõem o corpus desta pesquisa.
2.
Introdução
Quando F. Scott Fitzgerald (1896-1940) trabalhava no rascunho de seu romance
The Great Gatsby, cogitou chamá-lo Trimalchio ou Trimalchio in West Egg, em uma
evocação direta à personagem do Satyricon de Petrônio (? -65d. C.). Este projeto
253
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
apresenta uma proposta de estudo da obra Trimalchio1 (2000), publicada quase sessenta
anos após a morte do autor, como resultado de um desejo pessoal de seus editores, que
se justificam no prefácio do livro afirmando que a nova versão possibilita leituras
diferentes das promovidas por The Great Gatsby2. O interesse para esta pesquisa em
Trimalchio desperta-se inicialmente pelo título, que permite uma relação imediata com
o célebre episódio presente na obra Satyricon de Petrônio.
O presente projeto apresenta um desdobramento do trabalho iniciado no
mestrado3, no qual um capítulo foi dedicado à comparação de “O Banquete de
Trimalquião” e The Great Gatsby, com especial atenção à ambientação das festas e a
construção dos cenários festivos. Esse estudo inicial adiantou a possibilidade de
abordagem de diferentes temas e a ampliação da pesquisa. Já que a característica de
intertextualidade, anunciada pelo desejo de Fitzgerald em intitular seu romance
“Trimalquião”, parece ainda não ter despertado no Brasil, o interesse dos estudiosos de
literatura.
3.
Fundamentação teórica para a análise de Trimalchio e “O Banquete
de Trimalquião”
Um enorme intervalo de tempo separa Fitzgerald do escritor romano Petrônio;
no entanto parece ter sido o Satyricon, mais especificamente o episódio “O Banquete de
Trimalquião”, que inspirou a personagem título do romance de 1925. A editora Cosac
Naify, ao lançar a tradução de Cláudio Aquati, publicou em seu blog um comentário
sobre a edição e uma entrevista com o tradutor. Respondendo a uma pergunta sobre a
relevância e aceitação de uma obra com vinte séculos de existência, o tradutor responde:
1
Como o objeto de estudo desta pesquisa foca-se na obra de 2000, o título The Great Gatsby não
será utilizado e sim, Trimalchio. Exceto quando se tratar explicitamente da publicação de 1925.
2
Trimalchio will provide readers with new understanding of F. Scott Fitzgerald’s working
methods, fresh insight into his creative imagination, and renewed appreciation of his genius. (WEST,
2000, p.xxii)
(Trimalchio garantirá aos leitores um entendimento diferente em relação ao método de texto de
F. Scott Fitzgerald, uma compreensão revigorada da imaginação criativa do autor e uma apreciação
renovada de sua genialidade.)
[Todas as traduções feitas do inglês para o português, apresentadas em nota neste texro, são de
autoria da aluna.]
3
FONSECA, Jassyara Conrado Lira da. Imagens da diferença: o espaço em The Great Gatsby.
139f. (Dissertação de Mestrado) Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, Universidade Estadual
Paulista, 2012.
254
Descrição das pesquisas
Acredito que o que chamou a atenção foi uma quebra de paradigmas
empreendida por Petrônio, da qual resulta uma interpretação de seu
tempo, tão inteligente e tão talentosa que nela não se vê qualquer traço
de julgamento. Talvez o que vem promovendo a aproximação entre
Satíricon e seus leitores modernos seja justamente o que os repele ou
lhes causa aversão: quanto maior a repulsa, com maior atenção o leitor
examina. (AQUATI, 2009)
O caráter irônico que em Satyricon interessa o leitor e lhe causa repulsa se dá
também em Trimalchio, contudo de forma mais sutil. A caracterização do protagonista
conduz o leitor ao riso, contudo também emociona pela sua qualidade ingenuamente
romântica. A ideia de uma análise em paralelo das duas obras parte da própria narrativa
de Fitzgerald. Ao declarar o término da temporada de festas na mansão Gatsby, o
narrador do romance – Nick Carraway – evidencia a semelhança entre Gatsby e
Trimalquião: “It was when curiosity was at the highest about him that his lights failed to
go on one Saturday night – and as obscurely as it had begun, his career as Trimalchio
suddenly ended.” (FITZGERALD, 2000, p. 88)4. Ao ler a afirmação do narrador é
importante verificar o tom irônico presente na comparação: aproximando Gatsby de
Trimalquião acentua naquele, os aspectos negativos e grotescos que compõem a caricata
descrição da personagem de Petrônio.
Partindo da indicação de intertextualidade apresentada pelo próprio narrador de
Trimalchio, pretende-se investigar a relação que a obra norte-americana constitui com o
texto latino. Os critérios para estabelecer essa comparação estarão norteados na proposta
teórica de Kristeva (1974) para a intertextualidade. E nos estudos de Mikhail Bakhtin
(1993) encontramos respaldo para a análise das figuras carnavalizadas que são
exploradas na construção de uma atmosfera festiva, na caracterização das personagens e
na construção dos cenários. Por fim, intenciona-se descrever como os elementos
concretos (figurativos) são orquestrados na manifestação dos temas comuns às
narrativas, baseando tais análises principalmente nos estudos semióticos sobre a
figuratividade apresentados por Betrand em Caminhos da Semiótica Literária (2003).
A análise comparativa das duas narrativas garante exemplos dos dois tipos de
personagens caracterizadas como carnavalizadas por Bakhtin: a primeira, mais caricata,
ocasionando o riso fácil e a segunda menos obviamente engraçada, todavia sem excluir
a ironia. Jay Gatsby é em si uma figura carnavalesca, visto que se transforma em outro
4
Foi quando a curiosidade acerca de Gatsby atingiu o ápice, que as luzes de sua casa deixaram de
acender-se em uma noite de sábado – e, tão obscuramente como começara, sua carreira como Trimalquião
terminava. (Tradução nossa.)
255
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
homem para ser aceito por Daisy (sua antiga namorada), inverte seu status para tornarse digno de seu amor. A inversão de papéis é um conceito essencial para a teoria da
carnavalização, a construção de personagens invertidas pode acontecer por meio de
figurinos e cenários, assim mostra-se na narrativa de Fitzgerald. Nela, o protagonista
tem sua elegância contestada sempre que faz uma escolha mais ousada em seu figurino,
causando estranheza, despertando o riso (contido) de algumas personagens e ofendendo
os olhos tradicionais de sua amada. Já em Satyricon a maneira como o anfitrião
apresenta-se no banquete, extrapola as barreiras da ironia. E o riso deliberado que
desperta é caracterizado pelo teórico como aberto.
Ao teorizar sobre a carnavalização na literatura Bakhtin faz uso de imagens
comuns às festas e as denomina como "princípios da vida material e corporal" (1993).
Esta pesquisa irá examinar essas imagens – do corpo, da bebida, da comida, da
satisfação das necessidades naturais e da vida sexual – presentes, e bastante comuns, às
atmosferas festivas nas duas narrativas aqui analisadas. Investigando quais são os
elementos concretos – as figuras – que se manifestam nas duas obras no tratamento do
carnaval como tema.
A possibilidade de aproximação entre figuras e imagens foi anunciada pelo
próprio teórico russo, em Questões de Literatura e Estética (1998), ao analisar as obras
Almas Mortas e O Capote, do escritor ucraniano Nikolai Gógol. Bakhtin afirma que o
romancista comunica-se bem com a cultura popular, dizendo: “É ela [a cultura popular]
que dá profundidade e nexo às figuras carnavalizadas de lugares coletivos: a Avenida
Niévski, os funcionários, a chancelaria, o departamento” (BAKHTIN, 1998, p.438).
Nesse mesmo ensaio continua a análise das obras e fala em “confrontações entre figuras
e fatos reais” para a discussão do tema da morte e da servidão nos dois romances
citados. Ao exemplificar quais são as figuras carnavalescas na obra de Gógol, Bakhtin
descreve personagens e espaço, aspectos que também buscaremos analisar em nossa
pesquisa e que a teoria semiótica – seguindo principalmente as propostas de Denis
Bertrand – prevê como conjunto de elementos que compõem a narrativa literária, em
seu aspecto temático (abstrato) e figurativo (concreto).
Bibliografia
AQUATI, Cláudio. Personagens femininas no Satíricon, de Petrônio. In: ___ VIEIRA,
Brunno V. G.; THAMOS, Márcio. (Orgs.) Permanência Clássica: visões
contemporâneas da Antiguidade Greco-romana. São Paulo: Escrituras, 2011.
256
Descrição das pesquisas
_______. O Clã do Jabuti: Tradução. Entrevistador: Cosac Naify. São Paulo: Cosac
Naify, 26/10/2009. Disponível em: http: <//editora.cosacnaify.com.br/blog/?p=230>.
Acesso em: 29 jul. 2012
ARROWSMITH, William. Luxury and Death in the Satyricon. Arion 5. 1996, p. 303331.
AUERBACH, Erich. Mimesis. 5a edição. São Paulo: Perspectiva, 2007. p. 21-42.
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto
de François Rabelais. Trad. Yara Frateschi. São Paulo: HUCITEC, 1993.
_______. Problemas da poética de Dostoiésvski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro:
Forense-Universitária, 1981.
_______. Questões de Literatura e Estética. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al.Ed.
São Paulo: Unesp, 1998.
BERTRAND, Denis. Caminhos da Semiótica Literária. Trad. Ivã Carlos Lopes et al.
Bauru, SP: EDUSC, 2003.
CONTE, Gian Biagio. Latin Literature: a history. Translated by Joseph B. Solodow.
London: Johns Hopkins University Press,1999, p. 453-465.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2011.
FITZGERALD, Francis Scott. O grande Gatsby. Trad. Vanessa Bárbara. São Paulo:
Penguin/Companhia das Letras, 2011.
_______. O Grande Gatsby. Trad. Brenno Silveira. Rio de Janeiro: Record, 1980.
_______. The great Gatsby. New York: Penguin, 1994.
_______. Este lado do paraíso. Trad. Carlos Eugênio Marcondes de Moura. São Paulo:
Abril, 2004.
_______. Trimalchio: An Early Version of The Great Gatsby. New York: Cambridge
University Press, 2000.
FONSECA, Jassyara Conrado Lira da. Imagens da diferença: o espaço em The Great
Gatsby. 139f. (Dissertação de Mestrado) Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara,
Universidade Estadual Paulista, 2012.
GRANT, Michael. História de Roma. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1987.
GREIMAS, Algirdas Julien; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. Trad. Alceu
Dias Lima et al. São Paulo: Contexto, 2008.
HARDRICK, Lorna. STRAY, Christopher. (Eds.) A Companion to Classical
Receptions. Oxdord: Blackwell, 2008.
HARVEY, Paul. Dicionário Oxford de Literatura Clássica. Trad. Mário da Gama Kury.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
HAYNES, Kenneth. Text, Theory, and Reception. In:___MARTINDALE, C.
THOMAS, R. F. (Eds). Classics and the uses of reception. Malden: Blackwell
Publishing, 2006.
________. English Literature and Ancient Languages. New York: Oxford, 2007.
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. Trad. Lúcia Helena França Ferraz. São
Paulo: Perspectiva, 1974.
KUMAMOTO, Chikako D. Explicator Article on egg metaphor. Explicator Fitzgerald’s
The Great Gatsby. v. 60, n. 1, 2001, p. 37-42.
LEES, Francis Noel. Mr. Eliot’s Sunday Morning Satura: Petronius and The Waste
Land. The Sewanee Review. v. 7. N.1, p. 339-348. Disponível em:
<www.jstor.org/stable/275441403>. Acesso em: 13 ago. 2012.
MACKENDRICK, Paul L. The Great Gatsby and Trimalchio. The Classical Journal. V.
45, no7, 1950, p. 307-314. Disponível em: <www.jstor.org/stable/3293195>. Acesso
em: 30 jul. 2012.
257
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
MARTINDALE, Charles. THOMAS, Richard F. (Orgs). Classics and the uses of
reception. Malden: Blackwell Publishing, 2006.
MEYERS, Jeffrey. Scott Fitzgerald: Uma biografia. Trad. Mauro Gama. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1996.
NITRINI, Sandra. Literatura comparada: história, teoria e crítica. Edusp: São Paulo,
1997.
PÉTRONE. Le Satiricon. Trad. Alfred Ernout. Paris: Les Belles Letres, 1950.
PETRÔNIO. Satíricon. Trad. Cláudio Aquati. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
______. The Satyricon. Trad. J. P. Sullivan. London: Penguin, 2011.
______. Satyricon. Trad. Sandra Braga Bianchet. Belo Horizonte: Crisálida, 2004.
SILVEIRA, Brenno. A Era do Jazz e F. Scott Fitzgerald. In: FITZGERALD, F. S. 6
Contos da Era do Jazz. Porto Alegre: L&PM, 1987. p. 41-48.
SKLENAR, R. Anti- Petronian Elements in The Great Gatsby. The F. Scott Fitzgerald
Review. Wiley Periocicals. v. 6. 2007-2008. p. 121-128.
THAMOS, Márcio. As armas e o varão: leitura e tradução do canto I da Eneida. São
Paulo: EDUSP, 2011.
_______. Figuratividade na poesia. Itinerários: revista de literatura (Semiótica),
Araraquara, n 20 (especial), p.101-118, 2003.
TODOROV, Tzvetan. As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1969.
WEST, James L. W. Acknowledgments. In: FITZGERALD, F. S. Trimalchio: An Early
Version of The Great Gatsby. New York: Cambridge University Press, 2000.
258
Descrição das pesquisas
A MÚSICA EM AS BÁQUIDES, DE PLAUTO – TRADUÇÃO E ANÁLISE DOS
CANTICA
João Jorge da Silva Pereira
Mestrando – Bolsista CAPES
Prof. Dr. João Batista Toledo Prado (Or.)
Introdução
Titus Maccius Plautus, ou simplesmente Plauto para os lusófonos, foi um dos
mais representativos comediógrafos da antiguidade. Suas peças serviram de inspiração
para dramaturgos como Moliére e Shakespeare, e influenciaram movimentos artísticos
como a Comedia Dell'arte italiana, o que nos dá uma idéia da dimensão de sua
importância para o teatro, através dos tempos. Grande parte de sua produção teve
inspiração na Comédia Nova Grega, em especial na obra do grego Menandro, de cujas
peças sobreviveram apenas fragmentos escassos, o que só aumenta a relevância das
peças plautinas, já que essas também são fontes para o estudo da própria Comédia Nova
Grega, haja vista a supracitada escassez de obras originais desse movimento artístico da
antiguidade. A proposta deste projeto de pesquisa baseia-se no estudo de uma das obras
de Plauto intitulada As Báquides, adaptada da comédia intitulada ∆ὶς ὶξαπατὶν, ou
Dis Exapaton, cujo nome pode ser traduzido por “Enganado duas vezes”, do já citado
Menandro, e tem por foco a presença constante do acompanhamento musical em grande
parte dos diálogos das personagens, os chamados cantica, em que o instrumento
utilizado geralmente era a tibia (instrumento de sopro que pode ser considerado a versão
latina do αὶλός grego), e a utilização de diferentes metros para as partes musicadas, em
contraste com aquelas não acompanhadas pela música (que em geral seguem uma
métrica mais ou menos fixa, com versos constituídos em sua maior parte pelos
chamados senários jâmbicos, i.e. versos com seis pés métricos, forma latina equivalente
ao trímetro jâmbico dos gregos) e as implicações da escolha desses metros e dos efeitos
expressivos obtidos por tais escolhas, partindo-se do pressuposto de que tais opções não
ocorrem de forma aleatória ou ao bel-prazer do autor. A princípio, tentar-se-á fornecer
uma tradução dos cantica em versos, para posterior cotejo com traduções anteriores, e
uma análise crítica. Pretende-se, portanto, com a pesquisa proposta, enriquecer a
259
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
discussão sobre o teatro na antiguidade, sobretudo a da comédia na Roma Antiga, numa
área que tanto carece de estudos mais aprofundados em língua portuguesa, i. e. a das
letras clássicas.
Descrição do estágio atual da pesquisa
A pesquisa em questão propõe uma tradução em versos dos cantica da peça As
Báquides, do comediógrafo latino Tito Mácio Plauto, conforme já explicitado na
introdução deste texto e no resumo enviado anteriormente para o evento. O cronograma
descrito no projeto propõe um período de oito meses para o levantamento bibliográfico
e para o cumprimento de créditos das disciplinas necessárias para a conclusão do curso,
para posterior leitura desse aporte teórico, tradução do texto proposto, cotejo com outras
traduções existentes em língua portuguesa, e redação da dissertação, baseada na
tradução, comentários e uma análise crítica quanto à utilização da métrica enquanto
recurso expressivo na obra de Plauto, especificamente na obra já citada.
Até o presente momento foram cumpridos todos os créditos em disciplinas.
Encontra-se em andamento um levantamento bibliográfico no que tange às obras
relacionadas na bibliografia descrita no projeto de pesquisa, com eventual acréscimo de
obras à lista, além da tradução dos cantica e da elaboração da dissertação, em estágio
inicial. Foi encontrada, por exemplo, uma tradução mais recente da comédia As
Báquides do que a anteriormente catalogada no projeto de pesquisa, pertencente a
Newton Belezza (1977). O volume contendo a tradução da peça as Báquides faz parte
de um projeto de tradução da obra completa de Plauto pela Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, tendo sido lançado em 2006. O que de forma alguma diminui
a importância da pesquisa aqui realizada, haja vista o fato de que objetivo do estudo
proposto é o de analisar as questões relativas à métrica no teatro plautino, em especial
nos cantica, para além da tradução, e no que tange a essa questão em particular, a
tradutória, é notória a ausência de traduções no português brasileiro de certas peças do
sarsinate, na qual inclui-se As Báquides. Também foram encontrados volumes
importantes no que concerne ao aspecto da métrica e da musicalidade no teatro antigo e
nas comédias de Plauto, como Introduzione alla metrica di Plauto, do italiano Cesare
Questa, bem como manuais que trazem as fundações para a compreensão da métrica na
antiguidade, como o Res Metrica, de William Ross Hardie, e Initiation a la métrique et
a la prosodie latines, do francês Maurice Lavarenne. Além destes, serão de particular
260
Descrição das pesquisas
utilidade para a pesquisa e elaboração da dissertação algumas obras mais modernas que
apresentam estudos importantes sobre o teatro romano, em particular da obra plautina,
como os de Marshall (2006) e Moore (2012).
Bibliografia
ARISTÓTELES. HORÁCIO. LONGINO. A poética clássica. Introdução de Roberto de
Oliveira Brandão. Tradução direta do grego e do latim por Jaime Bruna. 3.ed. São
Paulo: Cultrix, 1988.
BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. S. Paulo: Cultrix, 1977.
HARDIE, William Ross. Res Metrica – An Introduction to the Study of Greek and
Roman Versification. London: Oxford University Press, 1920.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. 12. ed. Trad. I. Blikstein e J. P.
Paes. São
Paulo: Cultrix, 1985.
LAVARENNE, M. Initiation a la métrique et a la prosodie latines. Paris: Magnard,
1948.
LEIGH, Matthew. Comedy and the Rise of Rome. London: Oxford University Press,
2004
MARSHALL, C.W. The Stagecraft and performance of Plautus. Cambridge,
England,
Cambridge University Press, 2006.
MOORE, Timothy J. Music and Structure in Roman Comedy. American Journal of
Philology, V. 119, N. 2, Summer 1998, pp. 245-273.
MOORE, Timothy J. Music in Roman Comedy. Cambridge, England: Cambridge
University Press, 2012.
MORENO, Jesus Lúque. Arsis, Thesis, Ictus – Las Marcas del Ritmo en la Música y
en la Metrica Antiguas. Granada: Servicio de Publicaciones de la Universidad de
Granada, 1994.
PLAUTO, Tito Mácio. As Bacanas. Tradução Newton Belleza. Rio de Janeiro: Emebê,
1977.
PLAUTO. Comédias, vol.I. Tradução Aires Pereira do Couto et al. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 2006.
QUESTA, Cesare. Introduzione alla metrica di Plauto. Bologna: R. Patron, 1967.
QUESTA, Cesare. Titti Macci Plauti Cantica. Urbino: Edizioni Quattro Venti, 1995.
261
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AUTOBIOGRAFIA E FICÇÃO: ANÁLISE DO NARRADOR EM EXTINÇÃO –
UMA DERROCADA, DE THOMAS BERNHARD
José Lucas Zaffani dos Santos
Mestrando – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Cláudia Fernanda de Campos Mauro (Or.)
Profa. Dra. Wilma Patrícia Marzari Dinardo Maas (Coor.)
Publicado em 1986, Extinção – Uma Derrocada é o último romance do escritor
austríaco Thomas Bernhard. O livro, dividido em duas partes, pode ser resumido da
seguinte forma: no primeiro capítulo, “O telegrama”, a personagem Franz-Josef Murau
recebe, em Roma, um comunicado de suas irmãs informando que seus pais e irmão
faleceram em um acidente de carro. Após ler a notícia, Murau passa então a recordar o
seu passado antes de regressar a Wolfsegg – sua terra natal – para as cerimônias do
enterro. No segundo capítulo, “O testamento”, Murau já se encontra em Wolfsegg e
acompanha os preparativos para o enterro dos familiares. Assim como na primeira parte,
a segunda também acontece no transcorrer de um dia. Nesses dois dias, a ação principal
é narrada de maneira cronológica, no entanto ela é constantemente interrompida pelas
lembranças do narrador.
Na obra, Murau autoexilou-se em Roma, como forma de afastar-se de sua
família e de seu país de origem, a Áustria. Esse afastamento deve-se ao fato de a
personagem não se adequar ao modo de pensar da família, ou como ele mesmo pontua
“eles não se interessavam por outra coisa senão sua rentabilidade e como auferir com o
tempo um lucro cada vez maior de suas áreas produtivas, ou seja, de sua agricultura, que
ainda hoje engloba doze mil hectares, e da mineração.” (BERNHARD, 2000, p.18).
Todo o valor atribuído pela família acerca das questões patrimoniais era rechaçado por
Murau, que valorizava o conhecimento como o maior patrimônio que um indivíduo
pode adquirir para si.
Desde a infância, Murau sempre esteve em conflito com sua família. Seu maior
atrito dava-se, portanto, com sua mãe, que vivia repreendendo-o pelo seu descaso acerca
dos negócios da família. Essa tensão era intensificada, quando a mãe mostrava preferir o
filho mais velho Johannes – exímio caçador e futuro herdeiro do patrimônio de
Wolfsegg. A única pessoa da família de quem Murau gostava era o tio Georg, que aos
262
Descrição das pesquisas
trinta e cinco anos mudara-se para a Riviera Francesa, pois segundo Murau, ele também
“não tinha nenhuma simpatia pelo espírito mercantil primitivo de minha família”
(BERNHARD, 2000, p.25).
A mãe de Murau sempre o criticava por ele passar a maior parte do tempo na
biblioteca da propriedade lendo livros, que para ela não lhe trariam nada de útil e ainda
desenvolveriam no filho pensamentos degenerados. Já o tio Georg foi a pessoa
responsável por despertar em Murau o interesse pela arte e pelo conhecimento. É o tio
quem instiga o sobrinho a seguir o caminho da intelectualidade e este lhe fora sempre
grato por isso:
[...] devo aliás a meu tio Georg grande parte do meu patrimônio
intelectual. Ele, meu tio Georg, já muito cedo havia por assim dizer
aberto meus olhos para o resto do mundo, havia chamado minha
atenção para o fato de que além de Wolfsegg e fora da Áustria existia
algo a mais, algo ainda mais grandioso. [...] A humanidade inteira é
infinita, com todas as suas belezas e possibilidades, dizia meu tio
Georg. Só os imbecis acreditam que o mundo termina onde eles
próprios terminem. (BERNHARD, 2000, p. 26-27)
Motivado pelo desejo de ampliar seus conhecimentos, Murau muda-se então
para a Itália, onde, distante de sua família, poderá dedicar-se à sua formação intelectual.
Em Roma, Murau dedica a maior parte do seu tempo às aulas de literatura que oferece
ao jovem italiano Gambetti. No início do romance, Murau já tem intenção de escrever
uma autobiografia. No romance Extinção, talvez a característica fundamental se deva ao
fato de ele ser escrito em primeira pessoa, o que permite ao leitor vê-lo como a
autobiografia de Murau. No entanto, caberia aqui uma ressalva; pois, mesmo que a obra
simule um texto escrito, valendo-se de um narrador em primeira pessoa, o qual repassa
sua vida – característica primordial de uma autobiografia, encontramos no texto um
fluxo de consciência da personagem, marcada por uma forte sensação de
presentificação. Constata-se isso, sobretudo no segundo capítulo do romance, quando a
personagem chega à sua cidade natal, Wolfsegg. Aqui o aspecto autobiográfico afastase da narrativa, causando uma sensação de frequente presentificação. Neste momento,
não existe mais a distância essencial para uma análise retrospectiva do que fora vivido,
pois o narrador, o autor (ficcional) e a personagens participam conjuntamente da ação
narrada. A voz do autor-narrador na Itália ausenta-se agora do relato.
Ao longo do romance, percebemos que Extinção é um projeto que a personagem
desenvolverá futuramente. Entretanto ao lermos as duas últimas frases, “De Roma, onde
263
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
agora estou de volta e onde escrevi essa Extinção, e onde permanecerei, escreve Murau
(nascido em 1934 em Wolfsegg, morto em 1893 em Roma)” (BERNHARD, 2000, p.
476), descobrimos que o relato já era, na verdade, a concretização do projeto da
personagem. Embora o relato seja escrito e ulterior, apenas no final da leitura isso se
torna claro, mesmo que, nas primeiras linhas do texto, isso já tivesse sido antecipado
por uma inserção então ainda anônima, em que se tem “escreve Murau, Franz-Josef”
(BERNHARD, 2000, p. 7). Essa inserção indicaria a unidade entre autor, narrador e
personagem. Há, portanto, uma sensação de tempo presente, em que a ação desenrola-se
no momento em que ela é narrada, embora os fatos tenham ocorrido há
aproximadamente um ano antes de sua escrita.
Para melhor determinar a função do narrador no romance, nossa análise utilizará
como base metodológica os textos de Genette. Segundo o autor francês, a narração
autobiográfica é designada pela equação Autor = Narrador = Personagem (GENETTE,
1991, p.84). Considerando o texto de Murau, pode-se denominá-lo como uma
autobiografia, ou seja, a personagem tem em mente realizar futuramente este projeto.
Na verdade, a obra é uma autobiografia fictícia, uma vez que seu autor também é
fictício. A equação descreveria apenas a maneira como o texto é representado, servindo
para indicar um percurso de leitura. A definição de Genette conferiria ao texto a
preponderância do narrador homodiegético, que, no romance em questão, é dominado
pela personalidade do narrador.
A equação genettiana é de suma importância para a construção da obra, mas ela
não é capaz de instaurar o gênero autobiográfico. Este só é estabelecido, quando se
reconhece o “pacto autobiográfico”. Segundo o teórico Philippe Lejeune, o pacto
deveria ser a condição imprescindível para que se caracterize um texto como
autobiografia, antes mesmo da supracitada unidade entre o autor, o narrador e a
personagem. O pacto é, antes de tudo, uma relação entre o autor e o público. Murau, em
seu texto, não se propõe a simular um possível ou fictício leitor, com quem simularia o
pacto autobiográfico. Pelo contrário, o narrador parece ignorar seu público, pois o seu
diálogo dá-se sempre consigo mesmo; ou, em alguns momentos, com seu aluno
Gambetti. Não se tematiza, portanto, a recepção do relato por um leitor futuro. Desse
modo, é possível afirmar que a narrativa de Bernhard escapa às conceituações correntes
do gênero autobiográfico, problemática essa que será fundamental na análise aqui
proposta.
264
Descrição das pesquisas
Analisaremos também a que se propõe a realização da autobiografia de Murau,
ou como ele mesmo a chama sua “antiautobiografia”. Seu objetivo é criticar sua família,
e, sobretudo o fato de ela ter sido conivente com o regime nacional-socialista durante a
segunda guerra mundial. Sua escrita é também o modo encontrado pela personagem
para extinguir a si mesmo. Se, em um romance autobiográfico, a ideia primordial é o
autor repassar a sua vida, com a finalidade de perpetuar a sua história, o mesmo não
ocorre com Murau. O relato da personagem tem como função dissecar o passado de sua
família para enfim poder exterminá-lo. Percebemos isso no trecho que se segue:
Estou de fato retalhando e dissecando Wolfsegg e os meus,
aniquilando-os, extinguindo-os, e retalho dessa forma a mim mesmo,
disseco-me, aniquilo-me, extingo-me. Essa porém, dissera a Gambetti,
é uma ideia que me agrada, minha autodissecação e auto-extinção.
Não pretendo mesmo outra coisa, pelo resto da vida. E se não me
engano, ainda vou ter êxito nessa autodissecação e auto-extinção,
Gambetti. Na verdade não faço mais nada a não ser me dissecar e me
extinguir, quando acordo de manhã, a primeira coisa que penso é
nisso, pôr a me dissecar e me extinguir com resolução. (BERNHARD,
2000, p. 217)
Nessa passagem, Murau diz que também deseja de certa forma extinguir-se.
Poderíamos ficar somente com a ideia de uma extinção metafórica, aquela em que
apenas as lembranças seriam aniquiladas, ou a personagem também remeteria a outras
acepções da palavra extinguir, como, por exemplo, morrer. Sabe-se que, dentro do
universo das personagens de Bernhard, a loucura, a morte e o suicídio são desfechos
sempre recorrentes. No entanto, em relação a Murau, não existem no texto indícios da
causa de sua morte. Poderia ter sido em decorrência de uma doença, pois a personagem,
anteriormente, já havia dito que estaria doente. Poderia ser também suicídio, que,
devido à sua visível perturbação, seria um provável desfecho. Contudo não há no texto
pistas que nos levem a optar por nenhuma das alternativas. Este é também um ponto
sobre o qual iremos nos debruçar: como representar a morte do narrador em um relato
homodiegético. O tema da morte perpassa todo o livro, como, por exemplo, a epígrafe
selecionada para o relato. Trata-se de uma citação de Montaigne, “Sinto que a morte me
tem constantemente em suas garras. Não importa o que eu faça, ela está presente em
toda parte.” Estaria Murau escrevendo porque sente que o seu fim está próximo? A
informação da morte do narrador romperia dessa forma com o caráter subjetivo da obra,
pois ela pode ter sido inserida por um observador ausente na narrativa.
265
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Bibliografia
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo
Saccer III). Tradução de Selvino J. Assman. São Paulo: Boitempo, 2008.
BAKHTIN, Mikhail. “A autobiografia e a biografia”. In: ______. Estética da criação
verbal. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 138-153.
BENJAMIN, W. A arte na era da reprodutibilidade técnica. Magia e técnica Arte e
Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas Vol. 1.
Tradução de Sergio Paulo Rouanet. Pref. Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo:
Brasiliense, 1994.
BERNHARD, Thomas. Extinção: Uma Derrocada. Tradução de José Marcos Mariani
de Macedo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
FLORY, Alexandre Villibor. Sopa de Letras Nazista: a apropriação imediata do real e a
mediação pela forma na ficção de Thomas Bernhard. São Paulo: Faculdade de Filosofia
Letras e Ciências Humanas; Universidade de São Paulo, 2006. 262 p. Tese de
Doutorado em Língua e Literatura Alemã.
GALLE, Helmut et al. (org.). Em primeira pessoa: abordagens de uma teoria da
autobiografia. Annablume: São Paulo, 2009.
______. Juventude no estado totalitário: as autobiografias de J. Fest, G. Grass, L. Harig,
G. de Bruyn e Chr. Wolf. In: UMBACH, Rosani Ketzer (org.). Memórias da repressão.
Santa Maria: PPGL – UFSM 2008. P. 23-70.
______. Elementos para uma nova abordagem da escritura autobiográfica. Matraga, Rio
de
Janeiro,
v.
18,
p.
64-91,
jan-jun.
2006.
Disponível
em
<http://www.pgletras.uerj.br/matraga/matraga18/matraga18a03.pdf>. Acesso em: 23
jul. 2013.
GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Tradução de Fernando Cabral Martins.
Lisboa: Vega, [197-]. (Vega Universidade).
LEJEUNE, Phillippe. O Pacto autobiográfico: De Rousseau à Internet. NORONHA,
Jovita Maria Gerheim (org.). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi Del Re. Rio de Janeiro: Rocco,
2000.
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. Tradução Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural,
1972.
ROUSSEAU, Jean-Jaques. Confissões. Lisboa: Relógio d’Água, 1998.
TODOROV, Tzvetan. Em face do extremo. São Paulo: Papirus, 1995.
266
Descrição das pesquisas
A CONSTRUÇÃO DO FEMININO EM TRÊS CONTOS FANTÁSTICOS: “LOS
OJOS VERDES” (1861), “MI VIDA COM LA OLA” (1949) E “HISTORIA DEL
LAGARTO QUE TENÍA LA COSTUMBRE DE CENAR A SUS MUJERES”
(1995)
Joyce Conceição Gimenes Romero
Mestranda
Profa. Dra. Maria Dolores Aybar Ramirez (Or.)
O objetivo principal desse projeto é a realização de uma análise
mitocrítica da construção dos arquétipos femininos sob o aspecto do “feminino terrível”
presente em três contos sendo um deles espanhol “Los Ojos Verdes” de Gustavo Adolfo
Bécquer, (1861), e os outros dois Hispano-americanos: “Mi vida com la ola” de Octávio
Paz, (1949) e “História del lagarto que tenía la costumbre de cenar a sus mujeres” de
Eduardo Galeano, (1995).
Nessa linha investigativa trataremos sobre a representação simbólica e
mítica da mulher-sereia, imagem convergente e saturada de sentidos, que se manifesta
nos três contos nos contornos da figura arquetípica de mulher sedutora e atraente, mas
causadora de danos, perigosa e por vezes, maligna. De fato, verificamos que o
fenômeno meta empírico constituinte das modalidades literárias do sobrenatural, sejam
elas o fantástico, o maravilhoso e o realismo mágico, se perfaz nessas narrativas pela
manifestação insólita materializada na personagem feminina detentora de tais caracteres
e que se mostra mesmo, como dínamo e ponto de intersecção de tais atributos.
Estes paralelismos entre as citadas obras tão significativos merecem um
olhar mais atento de nossa parte, bem como as discordâncias igualmente significativas
entre os três textos.
Sondaremos as repercussões dessa construção mítica e simbólica que nos
traz a imagem do monstro sedutor e fatal que conduz o homem a perdição, a loucura ou
a morte e ecoa nessas narrativas na sugestão da mulher que manifesta este caráter e
natureza.
Desse modo, refletiremos sobre a composição estética desses contos
enfocando a contribuição do mito como importante referencial para a construção do
arquétipo feminino, sustentando, para tanto, nossa análise nos devidos subsídios e
267
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
instrumentos teóricos pertinentes.
Ainda
dentro
da
perspectiva
mitológica
serão
analisadas
as
manifestações simbólicas adjacentes ao mito e diretamente conectadas à questão da
configuração desse arquétipo feminino. Dentre os elementos que compõe esta
simbologia destacamos a água como componente rico em simbologia ampla,
tradicionalmente relacionado ao feminino além de recorrente nas três narrativas. Gilbert
Durant em sua obra As Estruturas Antropológicas do Imaginário (1997) classifica este
elemento como símbolo nictomórfico e o caracteriza como símbolo da feminilidade
noturna e terrível.
O que constitui a irremediável feminilidade da água é que a liquidez é
o próprio elemento dos fluxos menstruais. Pode-se dizer que o
arquétipo do elemento aquático e nefasto é o sangue menstrual.
(DURANT, 1997, p. 101)
A partir dessas análises, pretendemos, em última instância, analisar a construção
desses mitos, também construídos e perpetuados pelo discurso literário, que alicerçam
uma construção misógina nas sociedades ocidentais. Para tal, recorremos às teorias que
abordam a questão da mulher nos mitos, nas religiões e na literatura de uma perspectiva
metodológica que perpassa o pensamento de Simone de Beauvoir (1967), Betty Friedan
(1971) ou de Kate Millet (1974).
Atentaremos, deste modo, para a questão da composição da modalidade literária
que, nos referidos contos, é construído através de suas personagens femininas. Em cada
um dos referidos contos verifica-se uma construção particularmente expressiva do
horror, com especificidades que serão devidamente analisadas no decorrer do pretenso
trabalho, partindo, para tanto, das leituras da teoria crítica que delineia a definição
conceitual do fantástico e as problemáticas do gênero e construindo, segundo nosso
propósito, as leituras possíveis e as reflexões adequadas.
Observamos assim, as diferentes configurações de estilo literário nos três contos
de modo comparativo preservando, porém nessa análise suas peculiaridades e
particularidades. Na narrativa de Octávio Paz, por exemplo, encontramos indícios que
comprovam que sua obra antecipa a instauração do realismo mágico, pois esta encontrase permeada de fenômenos e nuances expressivos que caracterizam essa modalidade
literária tais como a naturalização do irreal sem a existência de ambiguidade e da
incerteza que caracterizam o fantástico. Essa recorrência não é ocasional, haja vista que
268
Descrição das pesquisas
o realismo mágico assim como o maravilhoso mantêm com o fantástico, do ponto de
vista da distinção dos gêneros expressivos na literatura, uma constante dialética, sendo
freqüentemente com eles confundido. (FURTADO, p. 18, 1980).
Autores como Tzvetan Todorov em seu livro Introdução à literatura fantástica
(1970) e a já citada obra de Filipe Furtado (1980), serão de grande importância para
nossas análises, além de outros diversos críticos como Chiamp (1980), Splindler (1993)
ou Michael Valdez Moses (2001) que se debruçaram sobre a pesquisa da caracterização
e definição das variações existentes dentre as modalidades literárias que tem como
temática o evento sobrenatural.
O termo a que se pretende este trabalho delineia-se numa reflexão da
problemática do fantástico na poética de Galeano, Bécquer e Paz através da análise
descritiva de suas obras e procurando explicitar as relações da figurativização do
fantástico com as dimensões mitológicas instauradas nas narrativas.
Bibliografia
BARTHES, Roland. Mitologias. Trad. R. Buongermino, P. de Souza e R.Janowitzer.
Rio de Janeiro: DIFEL, 2003.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo II: a experiência vivida. Trad. Sérgio
Milliet.2. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1967.
BÉCQUER, Gustavo Adolfo. Rimas y Leyendas. Buenos Aires: Centro Editor de
América Latina, 1979.
BESSIÈRE, Irene. Le récit fantastique. Larousse: Paris, 1974.
BRANDÃO, Ruth Silviano; CASTELLO BRANCO, Lucia. A Mulher Escrita. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2004.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad.
Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e mito. 4ª ed. Trad. da editora (s/c). São Paulo:
Perspectiva, 2000.
CHIAMPI, I. O realismo maravilhoso: Forma e ideologia no romance hispanoamericano. São Paulo: Perspectiva, 1980.
DURANT,Gilberto. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
DURANT, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. da 6ª ed. francesa por
Carlos A. de Brito. Lisboa: Edições 70, 1995.
EISLER, Riane Tennenhaus. O cálice e a Espada. Rio de Janeiro: Imago, 1989
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder.Rio de Janeiro: Graal,1979.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade de saber. 11. ed.Trad. Maria
Thereza da Costa Albuquerque; J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de janeiro: Graal,
1993.
FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Trad. Áurea B. Weissenberg. Petrópolis: Vozes,
1971.
FURTADO, Filipe. A Construção do Fantástico. Lisboa: Livros Horizonte, 1980.
GALEANO, Eduardo H. Mujeres. Madrid: Alianza Editorial,1995
269
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
HIRATA, Helena; LABORIE, Françoise (orgs). Dicionário crítico do feminismo. São
Paulo: Editora da UNESP, 2009.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Tendências e impasses: o feminismo como crítica
da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
LIMA, Lúcia Donizatti Modesto de. As oscilações do realismo mágico. Araraquara,
2004. (Dissertação de Mestrado)
LOVERCRAFT, H. P. Supernatural Horror in Literature. New Cork: Dover
Publications, 1973.
MILLET, Kate. Política sexual. Trad. Alice Sampaio; Gisela da Conceição; Manuela
Torres. Lisboa: Dom Quixote, 1974.
PAZ, Octavio. Arenas Movedizas. Madrid: Alianza Editorial,1994
SICUTERI, Roberto. Lilith: A Lua Negra/ Trad. Norma Teles, J. Adolfo Gordo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985, 211p.
TODOROV, Tzvetan. Introducción a la literatura fantástica. Chile: Editorial.
Tiempo Contemporaneo, 1970.
270
Descrição das pesquisas
A DRAMATURGIA DE DEA LOHER NA PEÇA INOCÊNCIA: O HIBRIDISMO
TEATRAL NA CENA CONTEMPORÂNEA
Júlia Mara Moscardini Miguel
Mestranda – Bolsista FAPESP
Profa. Dra. Elizabete Sanches Rocha (Or.)
O drama sofreu diversas alterações no decorrer da história desde Aristóteles até
atingir as formas estéticas atuais. Dramaturgos e diretores se empenham para acomodar
conteúdo e forma em um teatro que revele traços da realidade, mas que não seja
amordaçado, ou tampouco tolhido por um naturalismo excessivo. A contemporaneidade
pede por um teatro que coloque o público face a face com os problemas enfrentados na
sociedade, mas que isto seja feito de maneira artística e distanciada. O aspecto político
do teatro ainda se faz necessário, já que encontramos na sociedade pós-moderna meios
de comunicação alienantes e indutores do comodismo. É desta maneira que o teatro é
concebido por Dea Loher. A dramaturga, desde suas primeiras peças, posiciona a
política como cerne de sua obra e o faz não de forma direta e moralizante, mas através
de artifícios que filtrem as emoções epicamente e tornem os espectadores ativos em um
processo de melhoria da sociedade.
Oriunda de uma terra onde o teatro político de impacto no espectador e de
esclarecimento das massas tem uma forte tradição, Loher desponta no novo cenário
teatral com uma estética que não permite que ela seja agrupada em nenhuma das outras
formas existentes. Com a análise de Inocência (2013), sua mais tardia e, segundo a
pesquisadora Birgit Haas1, a sua mais complexa peça, buscamos identificar as
particularidades da escrita loheriana, sem a intenção, no entanto, de concluir ou fechar
em qualquer rotulação reducionista; pelo contrário, nossa intenção é abrir um espectro
de possibilidades que não só esta dramaturga proporciona ao seu público, mas também
grande parte da literatura contemporânea. Uma literatura dos possíveis, uma literatura
na qual não haja personagens bem construídos, mas em construção, que não precisam
seguir nenhuma linha de razão. Uma literatura, cujo texto não exerça papel hierárquico,
1
Birgit Haas foi uma pesquisadora alemã especialista nas obras de Brecht e Dea Loher traçando um
paralelo entre ambos os dramaturgos no livro Das Theater Von Dea Loher: Brecht und (k)ein Ende, 2006.
271
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
um texto que não tenha intenção de comunicar algo, mas que conduza o espectador a
experimentar algo.
Loher, portanto, não pode ser colocada como uma legítima seguidora de Brecht
e tampouco como pós-dramática aos moldes de seu antigo mestre, Heiner Müller. No
entanto, trata-se de dois pontos opostos que Loher incorpora em sua escrita assumindo
certos elementos, transformando outros e criando uma obra crítica, social e engajada
que mistura o drama tradicional, o teatro épico e a estética pós-dramática. É o teatro
híbrido, ou até mesmo “rapsódia”, nos termos do grande teórico do teatro
contemporâneo, Jean-Pierre Sarrazac2, hibridismo que resulta na reinvenção do teatro
político colocando ênfase na interação humana, através da hibridização da política, da
história, dos estereótipos de gênero. O teatro político que a dramaturga ambiciona fazer
tem o teatro épico como pano de fundo em luta contra a volatilidade e autodissolução da
situação política, com peças que se encontram no meio, em um third space entre
passado e presente, entre verdade e mentira, entre sujeito e objeto, moderno e pósmoderno. Tal teoria advém dos estudos pós-coloniais do professor indo-britânico Homi
Bhabha3. Loher, em seus dramas, não apresenta a política de forma abstrata, mas através
da experiência das pessoas, a mistura de diferentes estilos e falas abre uma nova visão
de drama sobre a situação política. As interações particulares e as políticas públicas são
contraditórias e ao mesmo tempo dependentes, rompendo com as esferas do privado e
do público e provocando na plateia uma consciência política originária de uma
desorientação inicial.
O resultado de tal hibridismo é um espectador reflexivo com a possibilidade de
acompanhar o andamento das histórias como participantes graças ao Princípio da
Incerteza da física quântica. A cada corte entre as cenas, o público é contemplado com
uma visão dramática e tais cenas vão determinando a posição que o espectador deve
ocupar. A aleatoriedade das cenas e a forma como as mesmas se entrelaçam fazem parte
de um jogo proposto pela autora para que o público tenha consciência de que se trata de
um enigma, não necessariamente na perspectiva de reconstrução de detetives, mas de
observar uma teia que se forma conforme as personagens interagem e como cada uma
delas é motivada a tomar certa atitude.
2
Escritor, diretor e professor de teatro, o francês Sarrazac é autor de vários livros que teoriza acerca do
fenômeno teatral contemporâneo. Sua teoria é a que fundamenta grande parte desta pesquisa no que diz
respeito ao hibridismo evidenciado na obra loheriana.
3
Professor e diretor do Centro de Humanidades da Universidade de Harvard. Uma das figuras mais
importantes nos estudos pós-coloniais e teorizador do conceito de hibridização. De nacionalidade indiana,
o professor Bhabha parte de sua experiência própria para retratar o discurso colonial britânico na Índia.
272
Descrição das pesquisas
A obra de Loher pode ser considerada inovadora em vários aspectos. É possível
identificar na obra da dramaturga alemã, e principalmente na peça Inocência (2003),
pressupostos teóricos de filósofos das artes e ainda algumas perspectivas pós-modernas
na escrita do texto e nos temas abordados. A teoria revolucionária marxista de
Benjamim perpassa a dramaturgia de Loher no sentido da busca por devolver ao teatro o
seu lugar sociológico de questionamentos tornando-o novamente atrativo em meio à
ascensão das novas mídias. A crise das metanarrativas defendida por Lyotard também
aparece na peça ratificando a falência do projeto moderno de emancipação humana e
apontando para o surgimento das micronarrativas e do fragmento que não conseguem
legitimação. O mundo das imagens e dos simulacros de Baudrillard recebe tratamento
especial no aparato cenográfico da televisão implantada no palco. A fraude do discurso
político, a convencionalidade das palavras e o poder absoluto das imagens sobre o real
são explicitamente ironizados na figura do Presidente cuja imagem distorcida e muda é
refletida pelo televisor. Os temas da pós-modernidade são devidamente encaixados em
uma estrutura textual a qual é aparentemente linear e tradicional. No entanto, no
decorrer dos episódios e ao final da peça, o texto revela um colapso espaço-temporal
formado por uma estrutura cíclica e espelhar que se junta aos recursos de
distanciamento brechtianos. O resultado é uma fábula pós-moderna de personagens que
buscam fazer sentido ao se relacionarem uns com os outros.
Há também traços que mostram a insatisfação da dramaturga com a filosofia. A
Alemanha nutre um pensamento filosófico imponente, com teorias extremamente
diversas com grandes representantes desde Leibniz, passando por Kant, Hegel, Marx,
Schopenhauer, Nietzsche, até os filósofos contemporâneos. A dramaturga, com
formação acadêmica inicial em Filosofia, não esconde o descontentamento que teve
com as teorias que, para ela, eram muito distantes da realidade. Este descontentamento
perpassa a peça na figura da filósofa em decadência, Ella. A filosofia e as ciências
naturais, segundo Loher, já não conseguem mais responder aos questionamentos e
anseios pós-modernos. Inocência (2013) deixa ao leitor/espectador sensações de um
decadentismo de uma sociedade na qual a técnica, a expressão midiática e o capitalismo
exauriram o espírito coletivo, a fé e a esperança. A busca desenfreada pela famigerada
felicidade só tem feito os indivíduos se afastarem dela, ao usarem ferramentas
inapropriadas fornecidas por um sistema que prega o conformismo e a inércia, já que
lutar não é mais possível. Entretanto, esta visão negativista dimensionada pela peça não
é total. Loher, através de uma história tocante, ainda deixa em aberto possibilidades de
273
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
mudança, possibilidades que são propostas aos espectadores que ao se encontrarem com
aquelas personagens, que são ao mesmo tempo tão humanas e tão monstruosas, os
conduz a um abismo que convoca a um despertar para a mudança através de uma
redefinição da compreensão de mundo.
As ações no palco implicam reações e o leitor/espectador não consegue atribuir
culpa a qualquer uma das personagens, já que não é possível e também não desejado
que uma soma lógica dos eventos seja racionalizada pelo público. Loher brinca com seu
leitor/espectador através de um jogo de espelhos com personagens duplicadas. O jogo
com os duplos, as cenas em espelho, a estrutura episódica, os cortes fílmicos e os
recursos de distanciamento duplicados garantem à Inocência (2003) um "borrão
dramático4" capaz de brincar com a coerência de tempo e espaço. Já não há limites entre
passado, presente e futuro, assim como não há fronteiras nítidas entre culpa e inocência.
Esteticamente, Loher rompe com barreiras do dramático, do épico e do lírico em um
texto idiossincrático e opaco, o que nos permite concluir que também a autora se
desvencilha das noções de passado, presente e futuro do teatro e da literatura,
vislumbrando uma práxis híbrida e peculiar.
Bibliografia
BAUDRILLARD, J. As Estratégias Fatais. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
_______. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos; Lisboa: Edições 70, 1995.
Tradução de Artur Morão.
BAUMGÄRTEL, S. Crises de legitimação política e o surgimento de um teatro pósdramático na Alemanha do fim do século XX. Associação Nacional de História–
ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – 2007.
BENJAMIN, W. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In:
ADORNO et al. Teoria da Cultura de massa.. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 221-254.
Tradução: Carlos Nelson Coutinho.
_______. Magia e técnica, arte e política; ensaios sobre literatura e história da cultura.
3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. (Obras Escolhidas, 1). Tradução: Sérgio Paulo
Rouanet.
BHABHA, H. The location of culture, Londres: Routledge, 1994.
BRECHT, B. Diário de trabalho. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, 2v.
_______. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005.
BORNHEIM, G. Brecht: a estética do teatro. São Paulo: Graal, 1992.
CARLSON, M. Theater is more beautiful than war: German stage directing in the late
20th century. Iowa: University of Iowa Press, 2009.
DÁVILA, M. Alemães perdidos numa noite suja. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13 jul.
2004.
FERNANDES, S. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo: Perspectivas: 2010.
4
HAAS, 2006, p.57.
274
Descrição das pesquisas
HAAS, B. Das Theater von Dea Loher: Brecht und (k)ein Ende. Bielefeld: Aisthesis
Verlag, 2006.
HEISENBERG, W. Die physikalischen Prinzipien der Quantentheorie. Leipzig: S.
Hirzel, 1930.
KOUDELA, I. D. Brecht na pós-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2001.
LEHMANN, H.T. Teatro Pós-dramático. São Paulo: Cosac Naif, 2007.
LIMAS, M. A. M. Uma identidade em (des)construção: a figura de Jasão no Romance
Medea. Stimmen de Christa Wolf e no Drama Manhattan Medea de Dea Loher.
Coimbra: Centro de Estudos Germanísticos, 2008.
LOHER, D. Tatuagem/ Inocência. Lisboa: Cotovia, 2008.
_______. Unschuld. Das Leben auf der Praça Roosevelt. Frankfurt am Main: Verlag
der Autoren, 2004.
LYOTARD, J. F. A Condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Josë Olympio, 8ed, 2004.
PAVIS, P. A Encenação Contemporânea. São Paulo: Perspectiva, 2010.
ROSENFELD, A. O teatro épico. São Paulo: São Paulo Editora S.A. Coleção Buriti,
1965.
SARRAZAC, J-P. A Invenção da Teatralidade. Tradução de Alexandra Moreira da
Silva. Porto: Deriva, 2009.
_______. O Futuro do Drama. Tradução de Alexandra Moreira da Silva. Lisboa:
Campo das Letras, 2002.
_______. O Outro Diálogo: Elementos para uma poética do drama moderno e
contemporâneo. Évora: Editora Licorne, 2011.
SZONDI, P. Teoria do drama moderno (1880-1950). São Paulo: Cosac Naify, 2001.
VARNEY, D. Being political in German Theater and Performance. In:
CONFERÊNCIA ADSA, 2006, Sydney, Austrália. Being there: before, during and
after. Universidade de Sydney, Austrália.
VATTIMO, G. O Fim da Modernidade. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996.
275
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
VIDA E MORTE EM MRS. DALLOWAY, TO THE LIGHTHOUSE E
BETWEEN THE ACTS
Juliana Pimenta Attie
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria das Graças Gomes Villa da Silva (Or.)
Esta pesquisa investiga como a relação entre vida e morte permeia e constrói os
romances Mrs. Dalloway, To the Lighthouse e Between the Acts, de Virginia Woolf,
estabelecendo laços com a guerra, suas consequências e sua inscrição como um período
de ruptura. A escritora, um dos expoentes do Modernismo inglês, tem como temas
recorrentes em suas obras vida e morte, envelhecimento, casamento, guerra, papel da
mulher – especialmente da artista –, crítica sobre os valores vitorianos, entre outros. Em
seus romances e ensaios, a guerra está presente de forma sutil, vista através do cotidiano
e de variados acontecimentos na vida das personagens.
A primeira obra, publicada em 1925, retrata as contradições da Inglaterra em
1923, cinco anos após o conflito, que se divide entre o desejo pelo progresso e
superação e uma legião de traumatizados da guerra, representados, especialmente, por
Septimus. To the Lighthouse, publicado em 1927, narra um período de dez anos, dentro
dos quais acontece o conflito: 1910 a 1920. A narrativa se passa em uma casa de verão
da família Ramsay que atua como um microcosmo da sociedade patriarcal. Por fim,
Between the Acts, postumamente publicado em 1941, coloca em cena toda uma nação
ainda não recuperada das feridas da primeira guerra e que se vê diante da eclosão de um
novo conflito em 1939. Deve-se atentar, pois, para uma certa progressão a um
pensamento voltado à coletividade: é possível observar nas referidas obras uma espécie
de mudança do foco narrativo em um indivíduo, em uma família e em uma nação,
respectivamente. Tal transformação se relaciona, entre outros fatores, à forma como a
guerra, particularmente as estruturas familiares e sociais que a originam, passa a ser
compreendida por Woolf.
Assim, por meio do estudo das estratégias narrativas utilizadas por Woolf, será
traçado um paralelo entre as obras mencionadas, destacando o impacto da ação
devastadora das guerras, ressaltando a desilusão, as perdas, os traumas, entre outras
mazelas que acometem os indivíduos nesse momento. O trabalho com a voz narrativa,
276
Descrição das pesquisas
aliado a flashbacks, analogicamente aproxima-se do trabalho da memória, reforçado
pela estrutura fragmentada das obras em estudo. O jogo entre presente e passado
também altera a noção de espaço, que se amplia para a exposição do interior das
personagens.
A autora escreveu também diversos contos, resenhas e ensaios, dentre os quais
merecem destaque os que tratam diretamente da questão das guerras como Three
Guineas (2006) e Thoughts on Peace in an Air Raid (2009b), que apresentam o
posicionamento pacifista da escritora inglesa perante os conflitos. Entretanto, a autora
foi rotulada durante muito tempo de a-histórica, alienada, além de associada apenas à
imagem de fragilidade, ressaltada por seu distúrbio psicológico. Tais posicionamentos
ofuscam suas contribuições ao pensamento feminista, pacifista e antifascista.
Não se pode deixar de mencionar A room of one’s own (2005), um dos trabalhos
mais aclamados pelos estudos feministas, e, juntamente com “Professions for Women”
(2009a), enfatiza não somente a condição da mulher na sociedade, mas também da
mulher nas artes. Nos três romances em questão nesta tese, pode-se dizer que as
personagens envolvidas com a arte têm algum problema ou dificuldade para se
expressarem, devido ao fato de realizarem inovações, tanto na forma quanto no
conteúdo, em suas obras. No caso das mulheres artistas, deve-se ainda levar em conta os
impasses da vida matrimonial que refletem, sobretudo, as amarras vitorianas que
reforçam a submissão feminina e a ausência de voz da mulher na sociedade, sem deixar
de lado o domínio das aparências nas relações.
A autora inglesa elaborou também diversos ensaios críticos a respeito da
literatura de seu tempo. A maioria desses ensaios se encontra presente nos dois volumes
de The Commom Reader e, dentre eles, é de grande importância para o estudo da
narrativa woolfiana o que se denomina “Modern Fiction” (1984). Nele Woolf abre
caminho para o entendimento de suas técnicas narrativas experimentais e de seus
contemporâneos ao destacar que estas surgiram graças à consciência de que as
aspirações dos homens são aleatórias e nem sempre seguem o que a sociedade
determina. A autora descreve a mente como receptora de uma grande quantidade de
impressões – “triviais”, “fantásticas”, “passageiras” ou gravadas em “uma forma de
aço”. Segundo sua descrição, é como “uma chuva de átomos” que cai por todos os lados
e vai se encaixando na vida cotidiana.
Além disso, Woolf se destaca não apenas pelo experimentalismo na forma de
narrar, mas também pelos usos dos “modos de subjetivação do narrado”, conforme
277
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
aponta Sarlo (2007, p. 18). Ela coloca em cena as “histórias da vida cotidiana”, nas
quais “[...] o passado se volta como quadro de costumes em que se valorizam os
detalhes, as originalidades, a exceção à regra, as curiosidades que já não se encontram
no presente.” (SARLO, 2007, p. 17). Isso se explica pelo fato de, conforme observa
Pelegrini (2007), o projeto iluminista já não se adequar mais à sociedade do século XX;
as descobertas sobre o inconsciente feitas por Freud traziam novas perspectivas em
relação ao funcionamento da mente, particularmente, ao trabalho da memória. Vale
ressaltar que a produção de Woolf e o desenvolvimento da psicanálise são
contemporâneos. É difícil haver interpretações objetivas por parte do escritor, pois as
próprias personagens passam a colocar sua consciência no foco narrativo.
Para produzir esse efeito de sentido, Woolf utiliza nos romances as técnicas do
fluxo da consciência, que, conforme Humphrey (1959), é um termo cunhado pelo
psicólogo William James e, aplicado à literatura, pode ser concebido como um conjunto
de técnicas: monólogo interior direto e indireto, descrição onisciente, solilóquio,
associação livre, método cinematográfico, entre outras. Dentre essas técnicas, a escritora
privilegia, nas narrativas em estudo, o monólogo interior indireto, a montagem no
tempo e espaço e a associação de ideias, merecendo destaque também o extenso uso de
intertextualidade nos três romances. Diante disso, Woolf não constrói a narrativa de
forma a preparar o leitor para um clímax; seu intento é empreender uma viagem ao
mundo interno das personagens e, para isso, realiza idas e vindas no tempo para dar
forma à representação do trabalho da memória que, segundo Freud (1996c),
corresponde ao processo de recordação mediante o preenchimento de lacunas e a
repetição daquilo que foi esquecido. Nessa elaboração, o indivíduo reformula o
ocorrido, dando-lhe uma nova significação no presente.
Por conseguinte, desse percurso de rememoração, nasce também o trauma, que
pode ser entendido, basicamente, como essa tomada de consciência no presente de uma
situação-problema que ressurge por associação de ideias. Vale ressaltar que não é o
evento, no momento de sua ocorrência, que atua de forma traumática, mas a lembrança,
a reorganização das experiências que, por sua vez, adquirem uma significação
traumática (FREUD, 1996b). Nas obras de Virginia Woolf, a guerra não é focalizada de
forma objetiva, mas indiretamente, por meio de suas consequências, a partir da
exposição de seus efeitos no que tange ao indivíduo atingido, diretamente ou não, pela
violência dos conflitos.
278
Descrição das pesquisas
Diante disso, nota-se que, nas obras de Woolf, o passado não surge
simplesmente como uma lembrança que visa explicar ou ilustrar determinada situação
ou personagem, mas trava um diálogo com o presente e, algumas vezes, lança vistas ao
futuro. Tal diálogo temporal também é evidenciado pelo espaço, que, por sua vez, deve
ser investigado em sua relação com as personagens com o objetivo de perceber como o
espaço ora influencia e ora é influenciado pelos indivíduos. Assim, como observa Lins
(1976, p.63), “Não só espaço e tempo, quando nos debruçamos sobre a narrativa, são
indissociáveis. A narrativa é um objeto compacto e inextrincável, todos os seus fios se
enlaçam entre si e cada um reflete inúmeros outros.”
Deve-se atentar ainda ao estudo da intertextualidade, que, nas obras da autora
inglesa, proporciona uma constante renovação do sentido. Bastante presentes nos três
romances, as relações intertextuais exercem um importante papel como elemento
cultural que constitui a identidade do indivíduo além de participarem do trabalho de
representação da memória. Partindo dos trabalhos de Kristeva (1968) que, por sua vez,
baseia-se nos estudos de Bakhtin (1997; 1998) a respeito da polifonia no romance, a
intertextualidade será vista como uma permutação de textos, em que vários enunciados,
vindos de outros textos, cruzam-se e neutralizam-se.
O levantamento de alguns dos intertextos e suas implicações à narrativa
principal atuam na análise da forma como o sujeito fragmentado do início do século XX
se relaciona com a cultura nacional, que, consoante Hall (2001, p. 48, grifos do autor),
“[...] não são coisas com as quais nascemos, mas são formadas e transformadas no
interior da representação.” O estudioso ressalta que as culturas nacionais são
compostas de instituições culturais, símbolos e representações: “[...] é um discurso –
um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a
concepção que temos de nós mesmos” (HALL, 2001, p. 50, grifo do autor). Esses
sentidos se inserem nas memórias que unem o presente com o passado, com as imagens
construídas da nação.
Nesta tese, a intertextualidade é trabalhada juntamente com o estudo da voz
narrativa, tempo e espaço, mostrando como o recurso auxilia na configuração das
instâncias narrativas. A intertextualidade, portanto, nos romances woolfianos destacados
para este estudo, proporciona essa conexão entre o passado e o presente. Em outras
palavras, o diálogo com a tradição, empreendido pela voz narrativa, ao trazer textos de
diferentes épocas e gêneros literários, promove uma atualização do passado pela
produção de novos significados, épocas e gêneros literários. Como observa Eliot (1951),
279
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
os escritores do Modernismo têm consciência de que a mentalidade de sua nação
sempre muda e é essencial que a arte acompanhe as transformações, o que é possível
por intermédio da reconstrução literária do passado por meio do diálogo entre os textos.
Vale destacar que o Modernismo foi associado por Hall (2001, p.32) ao “[...]
quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade”. Sendo assim, apesar
do estudioso classificar a primeira metade do século XX como o momento da
“concepção interativa” da identidade e do eu, isto é, “a identidade é formada na
interação entre o eu e a sociedade”, ele aponta para alguns descentramentos nessa
época. Dentre eles, destacam-se as descobertas de Freud a respeito do inconsciente. Em
O ego e o id (1996a, p.38, grifo nosso), verifica-se que ego, o eu, consiste na parte
modificada pela influência do mundo externo: “[...] procura aplicar a influência do
mundo externo ao id e às tendências deste, e esforça-se por substituir o princípio do
prazer, que reina irrestritamente no id, pelo princípio da realidade”.
Essa influência do mundo externo na formação do ego é concretizada por meio
das vozes paternas, dos familiares, das instituições, da História e da cultura. Sendo
assim, o uso da intertextualidade em Woolf levanta uma reflexão de como a cultura, em
particular a literatura, delineia a identidade dos indivíduos. Merecem atenção nesta tese
os intertextos que se relacionam com poder, autoritarismo, violência, entre outros
elementos que concernem à atmosfera de guerra que ronda os três romances em questão
e ressalta a convivência entre vida e morte na constituição das personagens.
Assim, a partir do estudo das estratégias narrativas woolfianas, pautadas no
trabalho de representação da memória, a pesquisa evidenciará como a guerra e seus
desdobramentos nas obras em questão parecem prender o destino humano e estimular os
indivíduos a se confrontarem, constantemente, com suas próprias almas e seus medos
mais profundos. Nota-se que as figuras masculinas e femininas dos romances da
escritora inglesa são feridas física e emocionalmente e personificam o sentimento de
solidão e isolamento na sociedade do início do século XX. Woolf estrutura as referidas
obras de tal forma que vida e morte atuam conjuntamente no andamento da existência,
que varia entre a uniformidade e o caos, reforçando o trabalho incessante de Eros,
pulsão de vida, e Thanatos, pulsão de morte (FREUD, 1996b).
De forma resumida, para o psicanalista, a existência se estabelece pela tensão
constante, conflito e conciliação, entre pulsão de vida e pulsão de morte. São as ações
destrutivas de Thanatos que conseguem manter a vida em movimento e constantemente
lutando para se reerguer e produzir novas vidas. Para Freud (1996a) tais pulsões formam
280
Descrição das pesquisas
um binômio, em outras palavras, são opostas entre si. Nota-se, todavia, que ambas as
pulsões se complementam, pois, caso houvesse apenas a pulsão de vida a existência
atingiria um estado de total prazer que, entretanto, paralisaria a existência. Sendo assim,
no presente estudo, vida e morte são entendidos como um “amálgama”, consoante a
teoria de Derrida (2005, p. 188), na releitura que realiza do trabalho freudiano voltado à
descrição do aparelho psíquico.
O filósofo acredita que vida e morte são pulsões que trabalham interligadas e em
contato constante a fim de que a energia vital possa fluir. É o que se percebe nas obras
de Woolf, em que as guerras são, portanto, representantes da força destrutiva de
Thanatos, pulsão de morte, que direciona o indivíduo a retornar ao estado orgânico, em
constante tensão com Eros, pulsão de vida, que tenta manter unidas todas as coisas.
Configura-se, dessa maneira, o amálgama entre vida e morte, posto que, em face à
devastação, as personagens buscam maneiras de dar continuidade às suas existências.
Bibliografia
ADORNO, T. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: ______. Notas de
Literatura I. Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: Editora 34 Ltda, 2003.
AUERBACH, E. A meia marrom. In: ______. Mimesis: a representação da realidade
na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 1976
BAKHTIN, M. Problemas da Poética de Dostoievisk. Tradução Paulo Bezerra. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1997.
______. Questões de literatura e estética – a teoria do romance. Tradução Aurora
Fornoni Bernadini. São Paulo: Editora Unesp, 1998
BAL, M. Narração e Focalização. In: Poétique – revista de teoria e análise literária.
Tradução Mariluce M. F. Grecco. Paris, s/d.
BARRET, Eileen; SAXTON, Ruth O. (Ed.) Approaches to teaching Woolf’s Mrs.
Dalloway. New York: The Modern Language Association of America, 2009.
BECKETT, I. The Great war. London: Longman, 2007.
BENJAMIN, W. O narrador. In: Textos escolhidos. Rio de Janeiro: Victor Civita,
1983.
DERRIDA, J. A escritura e a diferença. Trad. Maria Beatriz Marques Nizza da Silva.
São Paulo: Perspectiva, 2005.
______. Tradição e talento individual. In: ______. Ensaios. São Paulo: Art Editora,
p.3748, 1989.
FORSTER, E. M. England's Pleasant Land: a Pageant Play. London: Hogarth Press,
1940.
FREUD, S. O futuro de uma ilusão. Tradução Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM
Pocket, 2010.
______. Ego e Id. In: SALOMÃO, J. (Org). Obras Psicológicas completas de
Sigmund
281
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996a (vol. 19).
______. Além do princípio do Prazer. In: SALOMÃO, J. (Org). Obras Psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996b (vol. 18).
______. Recordar, repetir e elaborar. In: SALOMÃO, J. (Org). Obras Psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996c (vol. 12)
______. Luto e Melancolia. In: SALOMÃO, J. (Org). Obras Psicológicas completas
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996d (vol. 12).
______. Estudos sobre a Histeria. Joseph Breuer e Sigmund Freud. In: SALOMÃO, J.
(Org). Obras Psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
1996e (vol. 12).
______. Cinco lições de psicanálise. In: Freud. Os pensadores. Tradução José Octávio
de Aguiar Abreu. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978a.
______. Esboço de psicanálise. In: Freud. Os pensadores. Tradução José Octávio de
Aguiar Abreu. São Paulo: Abril Cultural, 1978b.
FROULA, C. Virginia Woolf and the Bloomsbury avant-garde: war, civilization,
modernity. New York: Columbia University Press, 2005.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Vega,
19[?]
GUIGUET, J. Virginia Woolf and Her Works. Tradução Jean Stewart. Londres: The
Hogarth Press, 1965.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e
Guacira Lopes Louro. 6 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
HENKE, S. Shattered Subjects: trauma and testimony in women’s life-writing. New
York: St. Martin’s Press, 1998.
HUMPHREY, R. Stream of Consciousness in the Modern Novel: a Study of James
Joyce, Virginia Woolf, Dorothy Richardson, William Faulkner, and others. California:
University of
California Press, 1959.
HUSSEY, M. Introduction and Explanatory Notes. In: WOOLF, V. The Cambridge
Edition of the Works of Virginia Woolf – Between the Acts. Ed. Mark Hussey.
Cambridge: Cambridge University Press, 2011.
HUTCHINS, F. The Illusion of Permanence of British Imperialism in India.
Princeton: Princeton University Press, 1967
JAMES, L. The Rise and the Fall of the British Empire. New York: St. Martin’s
Griffin, 1994.
KEATS, J. Selected poems and letters of John Keats. Edited with an Introduction and
commentary by Robert Gittings. New York: Barnes & Noble, 1966. P.127-128.
KRISTEVA, J. Women's time. Tradução Alice Jardine e Harry Blake. In: Signs, Vol. 7,
No. 1 (Autumn, 1981), pp. 13-35. The University of Chicago Press. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/3173503>. Acesso em: 28 jan. 2013
______. Problèmes de la Structuration du texte. In: Théorie D’Ensemble. Paris:
Editions Du Seuil, 1968.
LACAPRA, D. History, Time, and the Novel: Reading Woolf’s To the Lighthouse. In:
_____.
History, Politics and the Novel. Ithaca: Cornell University Press, 1989.
LINS, O. O espaço romanesco. São Paulo: Editora Ática, 1976.
MORETTI, F. (Ed.) The Novel: Forms and Themes. v.2. Princeton: Princeton
University Press, 2006.
NORRIS, C. Desconstruction. Theory and Practice. New York: Routledge, 2006. 3 ed.
282
Descrição das pesquisas
PELLEGRINI, T. Realismo: postura e método. Letras de hoje. Porto Alegre, v.42, n.4,
p.137-155, dez./2007
RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora Unicamp,
2010.
SARLO, B. O tempo passado – cultura da memória e guinada subjetiva. Tradução
Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Cia. das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
SELLERS, S. The Cambridge Companion to Virginia Woolf. Cambridge:
Cambridge University Press, 2010. 2 ed.
SHAKESPEARE, W. Cymbeline. In: LAMB, Charles; LAMB, Mary.(Org.). Tales
from Shakespeare. London: Penguin Popular Books, 1995.
WOOD, J. (Ed). The theme of peace and war in Virginia Woolf’s war writings.
Essays on her political philosophy. Lewiston, NY: Edwin Mellen Press, 2010.
WOOLF, V. Professions for Women. In: ______. The Death of the Moth and other
essays. Adelaide – AU: eBooks@Adelaide, 2009a. Disponível em:
<http://ebooks.adelaide. edu.au/w/woolf/virginia/w91d/chapter27.html. Acesso em 10
jul. 2011. Não paginado.
______. Thoughts on Peace in an Air Raid. In: ______. The Death of the Moth and
other essays.
Adelaide – AU: eBooks@Adelaide, 2009b. Disponível em:
<http://ebooks.adelaide. edu.au/w/woolf/virginia/w91d/chapter28.html>. Acesso em 10
jul. 2011. Não paginado.
______. Three guineas. Annotated with an introduction by Jane Marcus. Orlando,
Austin, New York, San Diego, London: A Harvest Book – Harcourt, Inc, 2006.
______. A Room of One’s Own. Annotated with an introduction by Susan Gubar.
Orlando, Austin, New York, San Diego, London: A Harvest Book – Harcourt, Inc,
2005.
______. Between the Acts. London: Penguin Books, 2000.
______. Mrs. Dalloway. London: Penguin Books, 1996.
______. The Common Reader – first series. Edited and Introduced by Andrew
McNeillie. Orlando, Austin, New York, San Diego, London: A Harvest Book –
Harcourt, Inc, 1984.
______. To the Lighthouse. Austin, London, New York, San Diego: A Harvest Book –
Harcourt Inc., 1981.
283
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ERA CONSTRUÇÃO, JÁ É RUÍNA? NACIONALIDADE, IDENTIDADE E OS
IMPASSES DA MODERNIZAÇÃO NA LITERATURA BRASILEIRA
Júlio Cezar Bastoni da Silva
Doutorando – Bolsista CAPES
Prof. Dr. Wilton José Marques (Or.)
O tema desta pesquisa surgiu de uma intuição formal lançada à literatura
brasileira. Na verdade, essa intuição perpassa grande parte da produção literária
brasileira, sobretudo aquela vinculada ao projeto nacional. Entendido de maneira ampla,
queremos dizer por projeto nacional o tipo de literatura comprometida com a formação
ou intervenção nas questões nacionais, sobretudo relativas à edificação do país enquanto
uma nação moderna, construindo e redefinindo identidades para a sociedade brasileira.
Essa literatura, nos parece, possui uma espécie de dualidade formal, isto é, reproduz
formalmente estruturas reconhecíveis na sociedade brasileira, vincada entre os aspectos
ligados à modernização e os arraigados ao passado histórico, isto é, uma oscilação entre
aspectos modernos e arcaicos, civilizados e bárbaros, assim entendidos dentro de uma
concepção de desenvolvimento ligada à formação dos Estados-Nação modernos. A
dualidade formal, ou forma dual, nesse sentido, constituem nossa hipótese central, a ser
investigada como uma regularidade dentro do corpus definido para a pesquisa, a saber,
um trajeto do romantismo – período central para a definição da nacionalidade,
relacionado à construção do Estado nacional brasileiro – ao romance social modernista
de Oswald de Andrade. Deverão ser estudados, nesse sentido, romances que nos
parecem ilustrativos para a definição dessa especificidade formal: O guarani (1857), de
José de Alencar; O cortiço (1890), de Aluísio Azevedo; e o romance cíclico inacabado
de Oswald de Andrade, Marco Zero (1943-1945). Esses romances nos parecem centrais
por aliarem a preocupação com a formação da sociedade brasileira com as questões de
identidade nacional, reportando, assim, um interesse por questões não resolvidas pelo
processo histórico brasileiro.
Como se percebe, este projeto tem por base as propostas lançadas por Antonio
Candido na Formação da literatura brasileira, sobretudo o que o crítico define como
literatura empenhada (2007, p. 19-20; 28-29). Esta literatura, vinculada ao projeto
nacional, não se restringe às produções românticas: antes, grande parte da série literária
284
Descrição das pesquisas
brasileira possui um fio de ligação que une as diversas manifestações estéticas a uma
preocupação constante com a edificação da nação brasileira, o que não se dá,
evidentemente, de maneira una, ideologicamente ou formalmente falando. No entanto,
certas regularidades persistem, e estas nos parecem relacionadas ao processo de
desenvolvimento de uma nação que ainda não se deu por concluído, uma intuição,
manifestada estruturalmente na produção literária, de que a comunidade nacional não
encontra seu termo de maneira adequada, no sentido de uma integração social que fica a
meio passo.
Essa incompletude de formação da nação brasileira nos sugeriu o título do
trabalho, extraído principalmente da canção “Fora da ordem”, de Caetano Veloso. A
dualidade entre construção e ruína é a imagem estética retirada pelo compositor
brasileiro do livro Tristes trópicos, de Lévi-Strauss, que, em determinada parte da obra,
quando descreve suas impressões sobre a capital paulista, no caso a Praça da Sé, diz
estar “a meio caminho entre o canteiro de obras e a ruína” (1996, p. 93). Para além da
arte, contudo, a questão dos contrastes brasileiros tem longa história na tradição das
ciências sociais e do ensaísmo brasileiro. Uma de suas obras principais, um híbrido
entre a literatura e o pensamento social brasileiro, Os sertões (1902), de Euclides da
Cunha, relata os ambientes à parte da civilização propugnada pela jovem República
brasileira, o contraste entre litoral e sertão, civilização e barbárie, retomando argumento
utilizado pelo escritor e político argentino Domingo Faustino Sarmiento em Facundo,
ou civilização e barbárie (1845). Entre as duas obras, além da semelhança estrutural –
por exemplo, a disposição terra-homem-luta que norteia o livro, bem como o caráter
híbrido entre texto literário e de reflexão social –, há a representação da dualidade na
formação da sociedade dos dois países: a oposição civilização versus barbárie, a
distância entre o aspecto progressista e o arcaico no processo social, representado de um
lado pelo gaúcho e pelo sertanejo, em seus respectivos espaços, o pampa e o sertão, e as
cidades ligadas à imagem de progresso e aos modelos europeus.
Esse caráter híbrido das duas obras nos sugere não só que a preocupação com os
rumos da sociedade em um país em formação é compartilhada pela produção
intelectual, sem prioridade seja da forma estética ou da análise social, mas também que
representações semelhantes podem realizar-se tanto na forma estética, artística, quanto
na narrativa histórica. Se considerarmos, com Barthes, que o discurso histórico – da
historiografia, e nela também poderíamos incluir as ciências sociais em geral – é
“essencialmente elaboração ideológica” ou “imaginária”, no sentido de que o “(...)
285
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
imaginário é uma linguagem pela qual o enunciante de um discurso (...) preenche o
tema da enunciação (...)” (1972, p. 48, tradução nossa), isto significa que o “real”, para
além da noção de fato histórico ou de verdade factual, permanece como “sentido”,
revogável segundo as exigências históricas (BARTHES, 1972, p. 50). Nesse sentido, a
abordagem da história e, no caso que vimos apontando, da representação da realidade
dos contrastes brasileiros na literatura, bem como sua significação formal e sociológica,
guarda em si uma fonte que poderíamos chamar de estética: esta não parece estar apenas
nas artes, portanto, mas representa uma imagem de país construída – o que não quer
dizer falsa –, que põe e repõe a questão dos problemas brasileiros em formulações
representativas, que guardam um sentido social de grande interesse para a série de
imagens construídas sobre a sociedade brasileira.
Nossa pesquisa, portanto, realiza-se em uma interface com as ciências sociais e o
ensaísmo brasileiros, não necessariamente apenas com base em uma comparação entre o
que se neles se produziu que tenha relação com o aspecto literário em questão: a
interface deve se relacionar de maneira mais ampla, notando uma presença estruturante,
na representação da sociedade brasileira, de um dualismo formal que perpassa as obras,
como andamento de análise ou como forma literária. Em Sentimento da dialética, Paulo
Arantes (1992), a partir da crítica de Antonio Candido e Roberto Schwarz, analisa a
experiência intelectual brasileira, marcada pelo “senso dos contrastes”, como Antonio
Candido a chamaria (1995, p. 12). Paulo Arantes afirma que “o dualismo (...), antes de
se tornar modelo econômico, tipologia sociológica ou chave de interpretação histórica,
foi sobretudo uma experiência coletiva” (1992, p. 22). Essa experiência encontra-se,
portanto, como expomos, não apenas no pensamento social, mas na própria “(...)
experiência social de todos os dias”, e completa Arantes, “sobretudo quando filtrada
pela forma estética (...)” (1992, p. 37). Nesse sentido, pensamos ser plenamente possível
a passagem da representação social dual da sociedade brasileira para a representação
propriamente estética que encontramos na literatura, sobretudo quando esta se vinculava
a um projeto nacional. Não raramente, veremos que a literatura antecipa, e mesmo atina,
com problemas e soluções de ordem sociológica que seriam trabalhados pelas ciências
sociais muito posteriormente; neste sentido Octavio Ianni afirmou que “(...) a narrativa
realiza uma espécie de desvendamento. Seja sociológica ou literária, ela ‘elucida’ o
narrado, seja este real ou imaginado” (1999, p. 40).
A caracterização do que chamamos forma dual não se prende apenas a um
aspecto definido da representação literária, mas engloba vários métodos de lidar com os
286
Descrição das pesquisas
contrastes brasileiros, segundo cosmovisões de grupos sociais, políticas e estéticas,
compondo uma gama de possibilidades que encontra sua unidade conceitual justamente
pela maneira em que as dicotomias representadas assumem prioridade dentro do arranjo
formal. Assim, desde a literatura de fundação romântica, no seu intuito contraditório de
mitigar as diversidades locais – conservando-a e superando-a segundo sua função
simbólico-nacional – a fim de fundar uma mitologia unitária para a nação, passando
pela percepção pessimista dos contrastes nacionais no naturalismo, até a plena assunção
modernista com a aceitação “carnavalizada” das dissonâncias locais, a relação entre as
aporias brasileiras e a busca contínua de respostas parece dar o tom. A forma dual,
assim, espraia-se tanto numa relação de desterro intelectual, sentido especialmente nas
condições de produção cultural na sociedade subdesenvolvida, até a maneira de
representar – ligado também, de variadas maneiras, àquele primeiro elemento – as
contradições com base nos arranjos formais, seja segundo as categorias narrativas
constitutivas do texto, seja pela criação de símbolos ou alegorias; de forma geral, pela
disposição da linguagem literária, na sintaxe interna da obra. Neste sentido, nossa
hipótese é que a forma dual se espraia por toda a gama do tecido da representação: da
formulação espacial, à constituição do personagem, à constelação do entrecho, o dado
do tempo e do andamento, a postura e a linguagem do narrador, etc. A questão se centra,
portanto, menos em uma mera notação de oposições dentro da temática, mas em uma
forma de estilização de conflitos sociais e processos de integração e desagregação,
particularidade e universalidade, modernização e estagnação, urbanização e espaço
rural, que entram na composição da obra literária.
O desenvolvimento da pesquisa já conta com três capítulos. No primeiro, é
realizada uma explanação geral sobre o que chamamos uma tradição de representação
do Brasil, centrada na questão da figuração formal dos contrastes brasileiros, tanto na
literatura quanto no pensamento social, que, ao longo das análises, balizará os textos
literários na forma de aproximações sobre as soluções encontradas para a representação
e para o estabelecimento de uma imagem do país. Assim, são abordadas as variadas
contribuições do ensaísmo brasileiro, desde o século XIX até os clássicos das décadas
de 1930-1940 – com Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior –
e um panorama de como a literatura brasileira se integra neste processo de entendimento
e interpretação do país. A pesquisa também propõe, no segundo capítulo, uma discussão
de importantes textos para a compreensão do projeto nacional em literatura. Assim, já
trabalhamos largamente na análise da crítica romântica e naturalista no século XIX,
287
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
centrada sobretudo em Ferdinand Denis, Gonçalves de Magalhães, Araripe Júnior,
Sílvio Romero e José Veríssimo, dando ênfase aos chamados “impasses da
modernização” da sociedade brasileira e às preocupações da literatura com este
problema. A crítica romântica e a naturalista representaram, respectivamente, o período
de formação do Estado nacional brasileiro pós-independência, no qual já não faltavam
os incômodos, mais tarde recorrentes, da disparidade entre a norma da civilização
burguesa dos países centrais e a prática local, e a crítica mais direta à formação social
brasileira e suas implicações literárias, aspectos trabalhados com maior ou menor
acuidade, embora sempre significativos da situação social da época. Esta análise da
crítica oitocentista se complementa com a leitura realizada, no terceiro capítulo, do
romance O guarani, que lança mão deste importante romance definidor de nossa
simbologia nacional como uma espécie de alegoria de nosso desenvolvimento histórico.
A dualidade presente na narrativa se escora na existência de uma hierarquia interna na
qual a constelação de personagens é delineada, segundo a qual, em uma espécie de
alegoria, são figurados os setores sociais que dariam esteio à formação do país: a
tradição civilizatória européia, centrada na chefia de D. Antônio de Mariz, seu
sucedâneo autóctone Peri, que absorve aquela tradição, e outros personagens que
aparecem à margem da formação nacional, excluídos e marginais à constituição
desejada. Além disso, há diversas figurações espaciais presentes no romance que
sugerem uma passagem da natureza indomada à constituição de uma nova sociedade
que, se deve se conformar aos modelos civilizatórios e cristãos presentes no modelo
europeu, com cujos valores nossa tradição romântica dialoga, também devem manter
uma particularidade local distintiva, com o horizonte de constituir uma identidade
nacional.
Por fim, a pesquisa inicia agora a análise do romance O cortiço, sobre o qual
retoma a sugestão de Antonio Candido, que identifica como um princípio formal do
texto o que ele chama de dialética do “espontâneo e do dirigido” (1993, p. 135-136).
Esta significa a passagem de um processo de acumulação precário e semibárbaro para a
acumulação com base em uma racionalidade capitalista, tendo como foco a ascensão
social de João Romão esteada na exploração da camada miserável que habita o cortiço
de sua propriedade. Nossa análise, ainda em formulação, retoma inicialmente os pontos
sugeridos por Candido para embasar a leitura do romance sob a ótica de uma forma
dual, uma representação alegórica do país que a percebe enquanto uma civilização
vincada pela distância entre as classes, percebidas, à maneira do tempo, como uma cisão
288
Descrição das pesquisas
entre raças. Nesse sentido, parece ser mantida uma regularidade com relação ao
romance de José de Alencar, quanto à dualidade formal: a representação cindida das
personagens, bem como a constituição do espaço romanesco, parecem dar o tom do
sentido do romance quanto ao que projeta frente à construção nacional. A pesquisa,
portanto, ainda em curso, se esforça em definir essa peculiaridade e recorrência da
forma de representação do país, jogando luz sobre estes aspectos, sejam na literatura,
sejam no pensamento social brasileiro.
Bibliografia
ARANTES, P. E. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira:
dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1992.
BARTHES, R. El discurso de la história. In: BARTHES, R. et alli. Estructuralismo y
literatura. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 1972.
CANDIDO, A. O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades, 1993.
______. O significado de ‘Raízes do Brasil’. In: HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 26.
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 9-21.
______. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 11. ed. Rio de Janeiro:
Ouro sobre Azul, 2007.
IANNI, O. Sociologia e literatura. In: SEGATTO, J. A.; BALDAN, U. Sociedade e
literatura no Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 1999.
LÉVI-STRAUSS, C. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
289
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
O REALISMO MÁGICO, REFERÊNCIAS HISTÓRICAS E A ALEGORIA: AS
CONFLUÊNCIAS EM IL BARONE RAMPANTE, DE ITALO CALVINO E EL
SIGLO DE LAS LUCES, DE ALEJO CARPENTIER
Kelli Mesquita Luciano
Mestranda
Profa. Dra. Claudia Fernanda de Campos Mauro (Or.)
1. Introdução e justificativa
O interesse pela comparação entre Il barone rampante (1957), de Italo Calvino e
El Siglo de las Luces (1962), de Alejo Carpentier, advém das semelhanças que as duas
obras apresentam, como, por exemplo, características do realismo mágico; referências a
Instituições históricas, a figuras históricas e a acontecimentos históricos do século
XVIII, como a Revolução Francesa. Além desses fatores, identificamos nas narrativas a
presença de elementos alegóricos no que diz respeito ao contexto histórico, em que as
obras se passam e que remete ao contexto do século XX, no qual os autores viveram.
Italo Calvino (1923-1985) nasceu em Cuba, mas passou a maior parte de sua
vida na Itália, tendo participado da Segunda Guerra Mundial, nos chamados
movimentos de Resistência italiana; escreveu para jornais e revistas; foi colaborador dos
jornais Giorno e Corriere della sera; teve grande envolvimento com os intelectuais de
sua época, como Pavese e Vittorini; integrou por um tempo o Partido Comunista. A
extensa produção de Calvino inclui contos, romances, ensaios, entre outros. Uma de
suas obras de destaque é a trilogia I Nostri Antenati (1950-1960), em que estão reunidos
os romances: “Il visconte dimezzato”(1952), “Il barone rampante”(1957) e “Il cavaliere
inesistente”(1959).
Em Il barone rampante, segundo romance da trilogia, evidenciam-se as
incertezas, o conflito entre o interior do indivíduo e a realidade externa – o que se
expressa mediante a ocorrência de acontecimentos insólitos. Considerando-se que, um
dos grandes problemas da arte do século XX é a resistência à objetividade, pode-se
apontar que o ficcionista buscou uma solução que restabelecesse a ligação entre a
narrativa e a realidade, sem com isso anular seu juízo ético e histórico, daí a opção por
eventos inusitados.
290
Descrição das pesquisas
O enredo se passa no século XVIII e os acontecimentos nos são relatados pelo
narrador-personagem Biágio de Rondó, irmão mais novo do protagonista Cosme de
Rondó, filho de uma família da aristocracia decadente em terras genovesas. O
protagonista discute com seu pai, o Barão Armínio de Rondó, e por causa desse
desentendimento passa a morar na copa das árvores, de onde nunca mais desce até o
resto fim de sua vida.
Alejo Carpentier nasceu em Cuba e viveu um tempo na Europa, e retornou para
Cuba, após a vitória da Revolução Cubana. Ele estudou música, arquitetura, trabalhou
como jornalista, era instigado pelos movimentos políticos, integrou por um tempo o
movimento surrealista.
Siglo de las Luces é um romance ambientado no século XVIII, que entrelaça
alguns mitos, a natureza, o passado e o presente, além de haver referências a Victor
Hugues, entusiasta da Revolução Francesa, personagem existente na História oficial, foi
comerciante em Port-au-Prince, na França, e organizou a disseminação das ideias da
Revolução no Caribe. No enredo da história, Hugues chega a Cuba, onde transforma e
movimenta ativamente a vida dos irmãos Carlos e Sofia e de Esteban, primo destes. Os
três primos são de família abastada, com o tempo despertam maior interesse pelas ideias
libertárias da Revolução; possuem gostos excêntricos; vivenciam Revoltas e Guerras;
sofrem frustrações, mas, ainda assim, têm esperança numa sociedade melhor. Devemos
destacar que no enredo, há menções do uso da guilhotina, instrumento empregado pelos
idealizadores da Revolução para decapitar àqueles que não concordassem com suas
formas de pensamento.
2.Objetivos e metodologia
Este projeto objetiva a comparação entre os romances em Il barone rampante ,
de Italo Calvino e em El Siglo de las Luces, de Alejo Carpentier, a partir do estudo da
vertente realista mágica; dos eventos insólitos; das referências históricas presentes em
ambos os romances, pois os dois transcorrem no século XVIII, onde são
contextualizados os ideais da Revolução Francesa e do Iluminismo, além da menção de
figuras da História oficial e de Instituições históricas.
Identificamos em ambos os romances, algumas temáticas que se repetem, por
isso averiguaremos nas duas obras, a abordagem da busca pelo conhecimento por
intermédio da leitura, dos livros, por exemplo. Em Il barone rampante, o espaço
291
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
primordial de acesso à cultura e à literatura se dá sobre as árvores, onde, inclusive, o
protagonista constrói uma biblioteca e vive uma vida, de certo modo, isolada, enquanto
em El Siglo de las Luces, na casa dos três primos, além de uma biblioteca, havia
também um labirinto de caixas, cercado por livros, sendo que cada um dos primos tinha
um local entre as caixas, para poder ler e refletir à vontade, estes personagens, de certo
maneira, são apartados da convivência com o mundo até a chegada de Victor Hugues
em Havana.
Em Il barone rampante, a decisão de Cosme de morar nas árvores, e sua recusa a
descer de lá, pode ser considerada uma atitude incomum, apesar de não ser totalmente
impossível de acontecer. Já, em El Siglo de las Luces, encontramos referências a mitos,
a crenças, a uma diversidade de culturas e etnias, pois são mencionados: índios, negros,
europeus, americanos; rituais religiosos como a existência de Igrejas Católicas; de
rituais mocambeiros; da Maçonaria, encontrados em uma mesma região, além da
ocorrência de eventos inusitados nas narrativas em questão. A partir dessas leituras,
consideramos importante traçar um panorama sobre as tipologias do realismo mágico,
haja vista que, estas, muitas vezes são confundidas, tendo em vista a análise dos
elementos insólitos das narrativas. Por isso, uma das etapas de nossa investigação foi o
levantamento de traços que marcam e distinguem essas formas literárias, partindo-se das
teorias de estudiosos como: Chiampi, Carpentier, Spindler, Moses, entre outros que
serão acrescentados, no decorrer dos estudos.
Como El Siglo de las Luces apresenta uma revisitação a elementos barrocos,
pois, observamos a construção de longos parágrafos; descrições precisas de elementos
da natureza, de paisagens, de espaços, entre outros; a retratação de diferentes culturas,
religiões, etnias, da mestiçagem e distintas ideologias, faz-se necessário um breve
estudo sobre a estética barroca, para tanto, investigaremos as proposições de Carreter
em Estilo Barroco y Personalidad Creadora (1977); Barroco e Modernidade: ensaios
sobre literatura latino-americana (1998), de Chiampi e Coordenadas do Barroco (1965),
de Julio Garcia Morejón, uma vez que abordam as especificidades do estilo Barroco na
América Latina e suas relações com a modernidade, além desses autores, utilizaremos
algumas considerações relevantes de Carpentier e de Quiroga e de outros que serão
introduzidos, conforme forem necessários. Tanto
Calvino
quanto
Carpentier
configuram em suas narrativas, o sentimento de desolação e de decepção do ser humano
através do contexto do século XVIII, por meio de pontos de intersecção com o contexto
do século XX, no qual, ocorreram movimentos ditatórias e déspotas, como o fascismo, o
292
Descrição das pesquisas
nazismo, além da Revolução Russa e da Revolução Cubana. Il barone rampante e El
Siglo de las Luces são textos que apresentam muitas referências históricas, por isso, é
necessário que façamos algumas considerações entre relações de fatos da história oficial
com àqueles referidos nos romances estudados. Para tanto, utilizaremos teorias de
autores como: Freitas, Lammert, Lukács, Benjamim, entre outros, que serão incluídos,
quando relevantes para nossas investigações. Desse modo, elucidaremos algumas
questões fundamentais sobre a modernidade e as referências históricas feitas nas
referidas narrativas.
Por fim, nos debruçaremos sobre alguns aspectos alegóricos das narrativas em
questão, e por isso nos apoiaremos em Hansen que em Alegoria construção e
interpretação da metáfora (2006), nos diz que a alegoria consiste num processo de
representação metafórico, pois envolve o sentido denotativo e o conotativo, para
motivos de validação da interpretação alegórica, além disso, considera que a alegoria
apresenta uma prévia intenção do autor.
Faremos uso também de A alegoria (1986), em que Koethe estabelece
comparações relevantes entre a alegoria, a metáfora e a fábula; Durand em A
imaginação simbólica (1993) faz considerações importantes para compararmos o
símbolo à alegoria, tendo em vista que no primeiro o leque de significações é mais
amplo, na alegoria há uma especificidade na representação dos significados. Já, em As
Estruturas Antropológicas do Imaginário (2002), o mesmo autor explana as
dificuldades das definições simbólicas, haja vista que possuem significações ilimitadas,
pois um mesmo símbolo pode apresentar, inclusive, significações contrárias. Durand
nos conduz a pertinência das possíveis relações simbólicas que faremos a partir da
costura de elementos e episódios que a própria narrativa nos possibilita.
Tendo em vista que Calvino aborda questões existenciais de uma forma
fabulosa, trazendo à tona a situação de incompletude do homem moderno, que se sente
fragmentado, devido aos acontecimentos históricos da primeira metade do século XX,
tais como a crise positivista e o fim das certezas do homem moderno inferidas em sua
narrativa, que possuem pontos de ligação com o contexto do século XVIII. Enquanto
Carpentier trata questões revolucionárias e suas contradições, frustrações e esperanças, a
partir de acontecimentos históricos do século XX, como a Revolução Cubana e as
características autoritárias presentes até mesmo em governos, considerados libertários e
igualitários, que também possuem relações com o século XVIII, além de observamos a
mescla de culturas e ideologias que ele reúne em sua obra. Por essas razões,
293
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
consideramos pertinente a comparação das obras, uma vez que apresentam confluências
quanto às manifestações do realismo mágico; ao contexto histórico; às temáticas, entre
outras.
Bibliografia
BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: magia e técnica, arte e poética. Trad. Sérgio
Paulo Rouanet. 7ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CALVINO, Italo. Os nossos antepassados. Trad. Nilson Moulin. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
______. I nostri antenati: Il visconte dimezzato. Il barone rampante Il cavaliere
inesistente. Milano: Mondadori, 2003.
_____. O barroco e o maravilhoso. In:____.A literatura do maravilhoso. Trad. Rubia
Piates Goldoni e Sérgio Molina. São Paulo: Vértice, 1987.
_____. O Século das Luzes. Trad. Sérgio Molina. São Paulo: Companhia das Letras,
2004.
_____. El Siglo de las Luces. Barcelona: Seix Barral, 2007.
CARRETER, Fernando Lázaro. Estilo Barroco y Personalidad Creadora. Madrid:
Cátedra, 1977.
CHIAMPI, Irlemar. O Realismo maravilhoso. São Paulo: Pespectiva, 1980.
_____. Barroco e Modernidade: ensaios sobre literatura latino-americana. São Paulo:
Perspectiva: FAPESP, 1998. (Estudos: 158).
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Trad. Carlos Aboim de Brito. Lisboa.
Perspectivas do Homem, 1993.
_____. As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Trad. Hilder Godialno. São
Paulo: Martins Fontes, 2002
FREITAS, Maria Teresa de. Literatura e História. O romance revolucionário de
André Malraux. São Paulo: Atual, 1986.
______. Romance e História. Ponta Grossa: Uniletras, n. 11:109-118, dez. 1989.
HANSEN. João Adolfo. Alegoria construção e interpretação da metáfora.
Campinas: Editora da Unicamp, 2006.
KOETHE, Flávio R. A alegoria. São Paulo. Ática, 1986. (Princípios).
LAMMERT, Eberhard. “História é um esboço”: a nova autenticidade narrativa na historiografia
e no romance. Trad. Marcus Vinícius Mazzari. Revista Estudos Avançados. São Paulo, v. 9,
n.23, p. 289-308, 1995.
LUKÁCS, Georg. O romance como epopéia burguesa. Trad. Letizia Zini Antunes. Ad
Rominem, São Paulo, n. 1, p. 87- 136, 1999.
MOREJÓN, Julio Garcia. Coordenadas do Barroco. São Paulo: Seção Gráfica da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1965.
MOSES, Michael Valdez. Magical Realism At World’s End. Literary Imagination.
The Reviewolf the Association of Literay Scholars and Critics. Durham, v. 3 - I, p.
105 -133, 2001.
SPINDLER, William. Realismo mágico: uma tipologia. Trad. Fábio Lucas Pierini.
Revisão: Fernanda Cristina de Freitas Sales. Forum for modern languages studies.
Oxford, 1993, v. 39, p.75-85.
294
Descrição das pesquisas
JUAN RULFO E A CONSTRUÇÃO DO SUBJETIVO
Larissa Müller de Faria
Mestranda
Profa. Dra. Guacira Marcondes Machado Leite (Or.)
No início do século XX, com a crise do romance, começa a ser produzida, mais
precisamente na Europa e nos Estados Unidos, a narrativa poética ou, segundo Freedman, o
romance lírico. Tal forma surge vislumbrando atender às necessidades de uma nova escrita,
na qual aspectos sociológicos não deveriam aparecer, como acontecia no Realismo e no
Naturalismo, por exemplo. Trata-se de obras que buscam uma forma que represente e
abarque, em maior totalidade, a relação do individual e subjetivo (até então mais relacionado
à poesia e, consequentemente, ao belo) com o mundo e sua realidade (habitualmente mais
próximo da forma da prosa). É nesse sentido que a prosa, que está mais próxima da
representação do ser enquanto sujeito fragmentado, vai repensar alguns de seus princípios
afim de conseguir abranger a relação de busca (subjetiva) que permeia o homem e sua
existência. É esse novo romance, lírico, que, com mais atributos da poesia, tentará dar conta
dessa nova relação do homem com o mundo, com suas experiências e com seus sonhos. É
nessa perspectiva que Juan Rulfo, escritor mexicano de grande evidência na literatura
hispano-americana, será abordado.
Inovador e rico em elementos imaginativos, unido a elementos de observação da
realidade que o circunda, Juan Rulfo retoma em algumas de suas narrativas temas históricos
mexicanos significativos, como, por exemplo, a revolução. Contudo, o faz através de uma
perspectiva mais interna, inovadora e complexa, pois a trata sob um olhar subjetivo que
reinventa a realidade objetiva, atribuindo-lhe caráter irreal, inquietante e fantasmagórico de
grande densidade poética. Assim, o imaginário se produz no esteio da realidade natural,
originando uma visão peculiar, ambígua e desequilibrada, que rompe com as formas
tradicionais da narrativa, ao ser aplicada nos contos publicados em El llano en llamas e no
romance Pedro Páramo.
O romance escolhido para análise é Pedro Páramo, publicado em 1955. A proposta
principal é analisá-lo a partir do conceito do romance lírico e da narrativa poética. O que se
propõe é uma abordagem da relação entre o imaginário e a realidade, o elemento sobrenatural
e a memória no desenvolvimento da narrativa. A obra Pedro Páramo é capaz de suscitar
295
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
diversas leituras, desde os aspectos da vida social quanto da individual, concretizando-se
como espaço de uma nova linguagem. É nesse sentido que o presente trabalho abordará e
enfocará o estudo da voz principal de Juan Preciado, pois é nesse fio que vai tecendo o enredo
da obra, que temos não só a presença da voz lírica, mas também a “evocação” de outras vozes
que constituem a narrativa. Nessa perspectiva, o estudo e a abordagem da narrativa poética
em sua relação com o desenvolvimento contemporâneo do herói, na visão poética de
Luckács, se fará presente e permeará todo o trabalho. Ambos os conceitos permitem a
imaginação e reinvenção do enredo, que se dará sob uma perspectiva subjetiva. Aqui, a
questão da instancia narrativa é essencial para o entendimento de como o “dizer” (a narração)
e o “perceber” (a perspectiva) se articulam para produzir efeitos, e “como a percepção do
mundo romanesco se encontra filtrada pelo espírito do centro de orientação, a perspectiva
narrativa é influenciada pelo psiquismo do perceber” (REUTER, 2002: 73-74).
Diferentemente da idade da epopeia - de civilizações felizes - em que “o grego só
conhece respostas, mas nenhuma pergunta, só conhece soluções (às vezes enigmáticas), mas
nenhum enigma, só conhece formas, mas nenhum caos” (Lukács, 1975: 29), Juan Preciado
representa não apenas o homem moderno solitário que está em desconcerto com o mundo e
desprovido da proteção dos deuses, mas tem consciência disso, encontrando-se de forma
dramática com suas inimagináveis e monstruosas emoções, das quais não pode fugir.
O recorte pelas abordagens teóricas do romance lírico e da narrativa poética deve-se
ao fato de que ambos permitem ao leitor perceber a centralização da voz lírica, ainda que haja
o desdobramento de outras “vozes”. Essa estrutura lírica compõe, nessa narrativa, um de seus
problemas centrais na leitura e na determinação do foco narrativo. Bary (sem data: 907),
crítico literário, apesar de não utilizar o termo ‘narrativa poética’, como vários outros críticos,
elucida bem a relação entre o romance e a narrativa poética, afirmando que Pedro Páramo é
uma “fusión de elementos narrativos, líricos y dramáticos, gracias a la naturalidad y la osadía
con las que Rulfo crea un mundo en que coexisten muertos y vivos, presente y pasado, cosas
‘normales’ y cosas ‘míticas’”, enfim, uma obra de ‘ensueños y lejanía’.
Juan Preciado, voz central, encontra-se sozinho em um mundo que parece não lhe
pertencer. Ao longo da narrativa, ele parece surpreender-se e não compreender o que está
acontecendo, o que comprovamos com as suas indagações sem repostas claras, refletindo na
sua busca incessante de uma referenciação que não está na realidade concreta, o que é
angustiante até para o leitor. A angústia tratada na narrativa está permeada pela busca
ontológica “Quem sou eu?”, fundamental para a reconstrução da memória. Tabak (2005: 26),
em sua tese sobre a narrativa poética, afirma que “o tempo, o espaço, a estrutura, o estilo e o
296
Descrição das pesquisas
mito coexistem e integram a formação de um todo harmônico, mas de forma livre [...] a
narrativa poética cria o mundo no próprio ato de construção de si mesma" e "a referenciação
não está na realidade em si, mas sim na busca pelo entendimento de uma forma de ver o
mundo”. Tal afirmativa dialoga também com o desenvolvimento contemporâneo do romance,
em que a experiência individual é sempre subjetiva, única e, portanto, inovadora.
Ademais, percebemos que o tempo não está determinado, pois, assim como a voz
principal, apresenta-se também fragmentado e mítico. Só nos é permitido saber que se trata de
uma voz que, no presente de sua enunciação, descreve Comala a partir de um olhar do
passado. Dessa forma, a consecutividade dos fatos e acontecimentos, espaciais e temporais,
por exemplo, aparece subjugada à voz lírica. Tudo está subjugado a ela, transformado em
acontecimento mítico, corroborando a ideia de que na narrativa poética, as personagens, os
lugares e os tempos encontram-se desprovidos de precisão histórica. Nessa perspectiva, Poza e
Figueredo (2011: 260) sublinham que
a estrutura narrativa de Pedro Páramo rompe com o determinismo
causalista pela maneira como presente e passado se aglutinam e pelas
múltiplas perspectivas das personagens que se entrecruzam para formar
uma imagem de Comala, subvertendo o modo de operacionalização do
realismo tradicional.
É em função da pluralidade de vozes, ou ainda, da polifonia21, que o presente trabalho
abordará, de forma significativa, o estudo das personagens (vozes) presentes. Trata-se de uma
narrativa entrecortada pela voz em primeira pessoa que narra, em seu presente, o passado,
recorrendo à sua memória e à memória de sua mãe, bem como ao pronunciamento de demais
personagens (alguns já mortos), o que desestabiliza e desorienta o leitor, que não sabe de que
voz se trata. Nessa perspectiva, percebemos que o convívio da consciência com a memória
tem produzido um intimismo de situações novas, algumas ousadas e desafiadoras.
Atentando para a própria ideia dos ecos, o estudo da discussão sobre o papel do
narrador e sua importância para a narrativa poética é essencial para a compreensão de sua
estrutura, bem como da destruição do discurso. Para Reuter, (2002: 73), a questão das
perspectivas (que podemos designar vozes, no romance selecionado) “é de fato muito
importante para a análise das narrativas, pois o leitor percebe a história segundo um prisma,
uma visão, uma consciência que determina a natureza e a quantidade das informações:
podemos, com efeito, saber mais ou menos sobre o universo e os seres, podemos continuar
fora dos seres ou penetrar em sua interioridade”. Segundo Tabak (2005), é justamente no foco
1
Polifonia usada, aqui, como a presença de várias vozes.
297
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
narrativo que encontramos o âmago da questão; as demais instâncias participam de forma
ativa e solidária, mas é ele que comanda a cena e atrai as atenções sobre si mesmo. Nesse
sentido, o discurso da voz principal, ou seja, da voz em primeira pessoa, atrai a atenção toda
sobre si.
Tabak (2005) ainda sublinha que a relação entre os discursos é amalgamada pelo
contínuo desejo de dizer, buscar ou refletir algo que está dentro do texto e dentro da existência
humana. É dessa forma que a narrativa poética se torna mítica, pois ela centraliza ou
descentraliza o indivíduo e seu tempo. Tal ideia é representada pelas várias vozes presentes na
narrativa. Segundo Reuter (2002: 72), “a questão das vozes narrativas concerne ao fato do
contar. A das perspectivas (focalizações, visões ou pontos de vista) concerne ao fato do
perceber”. Assim, podemos dizer que a narrativa de Rulfo, objeto deste estudo, tem relação
íntima com o fato de contar e perceber, uma vez que é a partir das vozes e,
consequentemente, focalizações e pontos de vista distintos e variados, que temos o desenrolar
da história em um tempo não determinado cronologicamente.
A fragmentação não só existe, mas também é necessária, porque é nas vozes líricas ou
no narrador, que conduz a narrativa, que está veiculada a voz de alguém, das personagens, por
exemplo, que se encontra em um tempo não identificado e que, ao mesmo tempo, não
possuem características de uma pessoa, já que não são descritas fisicamente nem
psicologicamente. É através da memória das personagens que nascem as imagens que fazem
parte do romance, já que se trata da descrição de um local que não conhecemos e imaginamos
apenas pela descrição que nos é concedida. É a memória que permite às personagens
construir-se intimamente, já que suas visões são a projeção de seus estados diante do
universo, o que é sempre subjetivo, demonstrando as sensações e sentimentos trazidos pela
memória.
Enfim, em função de a pesquisa estar no início, o intuito deste trabalho foi tentar
demonstrar o panorama de algumas das teorias estéticas que serão utilizadas e aplicadas na
sua realização.
Bibliografia
ARRIGUCCI. D. O escorpião encalacrado. Companhia das letras. São Paulo: 1995
BARY. D. Poesia y narración en cuatro novelas mexicanas. Santa Bárbara: University
of Califórnia. sem data.
BOSI. A. (org.) O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cultrix, 1975.
CANDIDO. A ____ A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1992.
___________. Vários escritos. São Paulo: Duas cidades, 1977.
298
Descrição das pesquisas
ECHAVARREN. R. Pedro Páramo: la muerte del narrador. Revista de literatura
hispánica. New York: The Berkeler Eletronic Press, 1981.
FIGUEREDO. T. C, POZA, J. A. M. Os limites do realismo artístico em Pedro
Páramo, de Juan Rulfo. Revista Crítica Cultural: 2011.
FREEDMAN. R. The lyrical novel. New Jersey: Princeton University Press, 1966.
JAMES. H. A arte da ficção. Trad. de Daniel Piza. São Paulo: Editora Imaginário, 1995.
JOSEF. B. O espaço reconquistado. Petrópolis: Vozes, 1973.
LEITE. D.M. Psicologia e literatura. São Paulo: Editora Unesp, 2002.
LUKÁCS. G. A teoria do romance. Lisboa: Presença, 1975.
MACHADO. I. O romance e a voz. Rio de Janeiro: Imago; São Paulo: FAPESP, 1995.
MIRANDA. M. W. (org.) Narrativas da modernidade. Belo Horizonte: Autêntica,
1999.
NUNES. B. O drama da linguagem. São Paulo: Ática, 1995.
PONTIERI. R. Clarice Lispector: uma poética do olhar. São Paulo: Atêlie
Editorial, 2001.
REUTER, Y. A análise da narrativa: o texto, a ficção e a narração. Trad. Mario
Pontes. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.
RICOUER. P. Tempo e Narrativa. Trad. Claudia Berline. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2010
ROSENTHAL. E. T. O universo fragmentário. São Paulo: Editora nacional e Edusp,
1975.
RULFO. J. Pedro Páramo y El llano en llamas. Argentina: Planeta, 1985.
TABAK. F. Virginia Woolf e Clarice Lispector: a narrativa poética como
construção de identidade. Araraquara: 2005.
TADIÉ, JEAN-YVES. Le récit poétique. Paris: Presses Universitaires de France,
1978.
VASSALLO. L. (org.) A narrativa ontem e hoje. Revista Tempo Brsileiro. Rio de
Janeiro: 1984.
299
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
DA LITERATURA AO CINEMA: A CONSTITUIÇÃO DA PERSONAGEM E
DO FOCO NARRATIVO DE “A QUEDA DA CASA DE USHER”, DE EDGAR
ALLAN POE, NA ADAPTAÇÃO FÍLMICA
Laura Lopes de Oliveira
Mestranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Fabiane Renata Borsato (Or.)
ESTÁGIO ATUAL DA PESQUISA
No presente momento foram desenvolvidos os capítulos 3 e 4 da dissertação,
entregues para a revisão da orientadora, sendo que o primeiro entrará em fase de escrita;
o segundo tem parte de seu conteúdo iniciado.
As obras da pesquisa, a saber, A queda da Casa de Usher, conto de Edgar Allan
Poe, e La Chute de la Maison Usher, filme dirigido por Jean Epstein, foram analisadas
separadamente no capítulo 3 para depois haver o cotejo das duas obras no capítulo 4.
Dentre os textos lidos estão: Ficção completa, Poesia & Ensaios, A estética
do filme, Cómo analizar un film, La esencia del cine, Discurso da Narrativa,
Crítica de ouvido, A linguagem cinematográfica, entre outros.
A seguir há uma parte do conteúdo do capítulo 3:
O CONTO
A perspectiva narrativa adotada pelo narrador mostra que este utiliza, na maior
parte do conto, a focalização interna para se expressar, pois fala dos sentimentos
angustiantes que o tomam quando se encontra na propriedade de Roderick. Isto pode ser
percebido logo nas primeiras linhas do parágrafo inicial, quando o narrador, que é
testemunha e homodiegético, adentra os arredores da casa de Usher com seu cavalo:
Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de outono, em que nuvens
baixas amontoavam-se opressivamente no céu, eu percorri a cavalo
um trecho de campo singularmente triste, e finalmente me encontrei,
quando as sombras da noite se avizinhavam, à vista da melancólica
Casa de Usher. (POE, 1958, p. 146)
300
Descrição das pesquisas
A natureza e o objeto parecem personificar-se, pois o outono é mudo, as nuvens
são opressoras, o campo é triste e a casa, melancólica. O narrador coloca-se no interior
dessa natureza e desse objeto, a casa, como se estes fossem donos de sentimentos
angustiantes, os quais a personagem toma para si. Ele exterioriza os próprios
sentimentos e a essência da natureza e da casa. A personagem-testemunha aproxima-se
do que está ao seu redor de tal maneira que descobre sentimentos em coisas nãohumanas. A natureza, por meio das impressões que deixa escapar, é um pressuposto do
aspecto da casa, uma amostra do que será o solar para a testemunha.
Por um momento o narrador se distancia do objeto casa e o descreve
objetivamente – “casa simples”, “simples paisagem”, “moitas de junças” e “troncos
alvacentos de árvores mortas” – ao mesmo tempo em que personifica algumas partes da
casa: “janelas paradas como olhos vidrados” e “paredes frias”. Nesta última
característica, o “frias” parece ser tanto no sentido estrito da palavra quanto em seu
sentido mais amplo, isto é, paredes tão frias como um ser humano cruel. Há a
personificação do objeto. O narrador atribui vida ao que é inanimado para ter um
motivo para seus sentimentos, em outras palavras, ele dá vida ao que é inânime para que
se possa transmitir veementemente impressões que deixam a personagem perturbada.
A focalização sobre si mesmo demonstra que o narrador fala de seus sentimentos
com propriedade por determinado momento:
Olhei para a cena que se abria diante de mim [...] – com uma enorme
depressão mental que só posso comparar, com alguma propriedade,
com os momentos que se sucedem ao despertar de um fumador de
ópio. (POE, 1958, p. 145-146)
Entretanto, desfaz tal propriedade logo em seguida: “Que era – pensava eu
imóvel – que era isso que tanto me atormentava na contemplação da Casa de Usher?”
(p. 146). Há como que uma desfocalização do narrador sobre ele mesmo, pois o motivo
de sua angústia ficou embaçado como um câmera desfocada, a qual não permite que se
tenha certeza da forma do objeto que poderia estar em evidência.
O FILME
Nos fragmentos que formam a sequência da taberna, a câmera leva um longo
tempo para focalizar a face do amigo de Roderick Usher e identificá-lo. Até este
301
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
momento, a personagem está incompleta, focalizada de modo metonímico, pois vemos
somente suas pernas, mãos, seu tronco e suas costas.
O amigo representa o desconhecido, tanto para o espectador quanto para as
personagens que ele encontra na taberna, pois suas expressões ainda estão veladas.
Antes que o amigo entre no local, vemos três personagens em uma mesa. Seus corpos
estão na diagonal, enquanto um deles está de costas. Ao ouvirem um barulho fora de
campo, provavelmente o amigo batendo à porta, a personagem que está de costas se
contorce para observar algo que não vemos, o que representa a dificuldade que eles têm
para entender porque a personagem desconhecida quer ir à casa de Usher, lugar a que
eles se recusavam ir. O contorcionismo da personagem pode gerar outros sentidos: o
desconforto ao acolher o viajante desconhecido, ou mesmo o desconforto que o nome
“Usher” lhe causa. A outra personagem que está sentada à mesa, no canto direito do
campo, tem metade do rosto coberto pelas sombras. Esta focalização denota a
desconfiança diante do desconhecido, pois a personagem à sombra não fica exposta ao
que lhe é incógnito.
O desconhecido entra na taberna e a câmera ainda não focaliza seu rosto.
Quando pensamos que a personagem vai finalmente aparecer e adquirir a identidade de
um rosto focalizado, ela é substituída por outra imagem para, em seguida, vermos a
câmera em primeiríssimo plano a focalizar a carta que Roderick lhe enviou. Este
fragmento apresenta uma focalização en abyme, ou seja, várias focalizações
simultâneas, numa sobreposição de pontos de vista que merece análise. Fora de campo
está a focalização da câmera, seguida do olhar do ainda desconhecido amigo de Usher
que segura uma lupa, instrumento que o possibilita ler a carta, representante da voz de
Roderick Usher. São camadas de perspectiva, e cada uma funciona como uma
interpretação do texto de Edgar Allan Poe, fazendo com que o hipotexto, isto é, o conto,
fique completamente distante desses novos olhares, que geram outras narrativas. Talvez
Epstein quisesse mostrar a autonomia do cinema em relação à literatura, pois nesse
fragmento pouco resta do conto de Poe, ou seja, a carta é o fragmento da história que ali
permanece. Os desdobramentos em abismo são de Epstein, para quem a literatura se
ausenta e o cinema se revela. De acordo com Epstein, a relação entre cinema e literatura
é afastada, pois “o filme e o livro se opõem.” (XAVIER, 1983, p. 294). Para que um
texto literário emocione o leitor, é necessário que este faça um esforço intelectual para
decifrar os códigos textuais, os quais formam símbolos que não representam de maneira
direta os símbolos que deseja representar, pois precisam, antes, passar pelo raciocínio
302
Descrição das pesquisas
lógico. As imagens, ao contrário, por representarem de maneira direta os símbolos que
deseja representar, não passam pela razão do espectador e mexem com a emoção mais
rapidamente, sem precisar da razão.
[...] a palavra constitui um símbolo indireto, elaborado pela razão e,
por isso, muito afastado do objeto. Assim, para emocionar o leitor, a
palavra deve passar novamente pelo circuito dessa razão que a
produziu, a qual deve decifrar e arrumar logicamente este signo [...],
ou seja, antes que essa evocação esteja por sua vez apta a mexer com
os sentimentos. A imagem animada, ao contrário, forma ela própria
uma representação já semipronta que se dirige à emotividade do
espectador quase sem precisar da mediação do raciocínio. (XAVIER,
1983, p. 293)
Nesse sentido, o filme de Epstein gera símbolos que atingem diretamente a
emoção, se considerarmos a quantidade de sentidos que o filme carrega, como veremos
nas próximas cenas analisadas.
Bibliografia
ANDREW, D. Concepts in Film Theory. Oxford: Oxford University Press, 1984.
AUMONT, J. et al. A estética do filme. 3a.ed. Trad. Marina Appenzeller. Campinas:
Papirus, 1995.
BACHELARD, G. A poética do espaço. Trad. Antônio da Costa Leal. Rio de Janeiro:
Eldorado, s/d.
CASETTI, F.; CHIO, F. Cómo analizar un film. Trad. Carlos Losilla. Barcelona:
Paidós, 2010.
DIMAS, A. Espaço e romance. São Paulo: Ática, 1994.
EPSTEIN, J. La esencia del cine. Buenos Aires: Galatea Nueva Vision, s/d.
GENETTE, G. Discurso da Narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. Lisboa: Vega,
[19-].
HUTCHEON, L. Uma teoria da adaptação. Trad. André Cechinel. Florianópolis :
Editora da UFSC, 2011.
LA CHUTE de la maison Usher. Direção: Jean Epstein. França: Films J.
Epstein, 1928. 1 DVD (66 min), son., color.
LEITE, S. U. Crítica de ouvido. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
MARTIN, M. A linguagem cinematográfica. Trad. Paulo Neves ; revisão técnica Sheila
Schvartzman. São Paulo: Brasiliense, 2003.
MASCARELLO, F. (Org.). História do cinema mundial. Campinas: Papirus, 2006.
POE, E. A. Histórias extraordinárias. Trad. José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1958.
______. Ficção completa, Poesia & Ensaios. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1981.
______. Poemas e ensaios. Trad. Oscar Mendes e Milton Amado. São Paulo: Globo,
2009.
REIS, C.; LOPES, A. C. M. Dicionário de teoria da narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
STAM, R. Introdução à teoria do cinema. Trad. Fernando Mascarello. Campinas:
Papirus, 2010.
303
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
VANOYE, F.; GOLIOT-LÉTÉ, A. Ensaio sobre análise fílmica. Trad. Marina
Appenzeller. Campinas: Papirus, 1994.
XAVIER, I. A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
304
Descrição das pesquisas
PAIXÕES NA LÍRICA AMOROSA DE CHICO BUARQUE
Marcela Ulhôa Borges Magalhães
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria de Lourdes Ortiz Gandini Baldan (Or.)
A pesquisa atual, intitulada “Dos estados juntivos aos estados de alma: um
estudo das paixões na lírica amorosa de Chico Buarque”, foi iniciada há um semestre,
embora esteja diretamente relacionada à dissertação de mestrado “Um estudo do ethos
feminino em Chico Buarque sob uma perspectiva semiótica”, concluída em abril de
2012, também sob orientação da ProfªDrª Maria de Lourdes Ortiz GandiniBaldan, que
teve como precedente o trabalho de iniciação científica homônimo, com duração de dois
anos, sobre o mesmo tema. Durante o desenvolvimento da pesquisa de mestrado, no
entanto, uma questão dentro da poética buarquiana ficou como vazios a ser preenchido:
averiguar como os estados passionais são construídos no texto e como são partilhados
pelo enunciatário na semiose.
Esta pesquisa de doutorado, dessa maneira, dá prosseguimento às investigações
que já vinham sendo feitas em torno da obra de Chico Buarque, mas agora com enfoque
nas paixões que transbordam do texto, ou seja, no compartilhamento do estado de alma
que se estende do enunciador ao enunciatário. Interessa-nos, assim, investigar os
componentes patêmicos investidos no discurso pelo enunciador a fim de garantir a
adesão do enunciatário e a consequente eficácia persuasiva do enunciado.
O modo de existência semiótico tem por base a articulação da categoria de
junção ou, em outras palavras, “A existência semiótica é dada pela relação do sujeito
com um objeto. Em outras palavras, um sujeito só tem existência na medida em que está
em relação com um objeto.” (FIORIN, 2000, p. 178). Dessa forma, as categorias
juntivas, embora sejam caracterizadas pela descontinuidade e não possam ser incluídas
no nível tensivo, são a condição primeira para que o sujeito passional, que aqui tanto
nos interessa, ganhe vida.
Investigamos, assim, de que modo as configurações modais que precedem os
estados juntivossobredeterminam-lhes e, por sua vez, de que modo os estados juntivos
afetam o campo de presença e a maneira como os corpos sensíveis nele reagem. Tendo
como ponto de partida os estados juntivos, depreenderemos os modelos de configuração
305
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
passional presentes no enunciado, bem como investigaremos em que medida os estados
de alma do enunciador são partilhados pelo enunciatário e como a afetividade participa
do processo de persuasão, inerente ao discurso.
Se antes os estados juntivos eram examinados pelo viés da semiótica da ação,
eles agora serão examinados a partir da semiótica das paixões e de seus desdobramentos
tensivos. Valorizaremos aqui o componente patêmico do discurso: o estado de alma do
sujeito passa a ser tão ou mais importante do que o estado de coisas.
A obra lírico-amorosa de Chico Buarque é repleta de letras de canção nas quais
os estados juntivos afetam intensamente o campo de presença e sobredeterminamos
estados de alma do sujeito, por essa razão, selecionamos como córpus do trabalho letras
de canção cuja carga emocional do discurso está hipertrofiada, possibilitando uma
interessante investigação sobre as paixões que nele se inscrevem.
Dentre as treze letras de canção que compõem nosso objeto de pesquisa, três
delas – “Com açúcar, com afeto” (1966), “Atrás da porta” (1972), “O meu amor” (19771978)– já foram analisadas durante o trabalho de Mestrado, mas sob o viés de uma
semiótica da ação. As demais letras de canção selecionadas para compor esse estudo são
“Valsa Brasileira” (1987-1988), “Eu te amo” (1980), “Olhos nos olhos” (1976),
“Futuros amantes” (1993), “Valsinha” (1970), “Trocando em miúdos” (1978), “Choro
Bandido” (1985), “Palavra de mulher” (1985), “Anos dourados” (1986), “Todo o
sentimento” (1987) e “A história de LilyBroun” (1982).
Iniciamos nossas leituras pela Retórica(2006) de Aristóteles, que aborda
questões relacionadas ao pathos e a persuasão. O que nos interessa aqui, mais do que o
fazer-crer, é o fazer-sentir. De acordo com Aristóteles “obtém-se a persuasão nos
ouvintes, quando o discurso leva-os a sentir uma paixão, porque os juízos que
proferimos variam, consoante experimentamos aflição ou alegria, amizade ou ódio” (p.
159). A persuasão, dessa forma, não está relacionada apenas à ordem do inteligível, mas
também do sensível, e é a essa esfera do sentido persuasivo que pretendemos dar
prioridade em nossos estudos.
O estudo do pathos já é examinado desde a Antiguidade e continua em voga nos
estudos contemporâneos. A semiótica de linha francesa, principalmente em suas
contribuições mais recentes de abordagem tensiva, oferece um instrumental teórico de
grande valia para o estudo das disposições afetivas quando elas são verificadas dentro
do contexto da enunciação. A semiótica examina as paixões como efeitos de sentido
provocados no enunciatário e causados pela mobilização e combinação de uma série de
306
Descrição das pesquisas
recursos (modais, fóricos, discursivos e expressivos) por parte do enunciador. Muitas
leituras sobre o tema, por essa razão, já foram também iniciadas nesse primeiro
semestre.
O trabalho final será basicamente dividido em três partes: a primeira tem como
pretensão iluminar as diferentes linhas teóricas que serão exploradas ao longo da
pesquisa, demonstrar por que elas são necessárias e como é possível conciliá-las no
processo de análise literária. A segunda parte será dedicada ao enfrentamento do texto:
as letras de canção que compõem nosso córpus serão analisadas e a configuração
passional do discurso, apreendida. Na terceira parte, compilaremos os resultados
alcançados por meio da análise do córpus realizada na etapa anterior e verificaremos
quais os recursos discursivos e, sobretudo, expressivos são manipulados pelo
enunciador de modo a fazer com que o enunciatário partilhe seus estados de alma.
Já nesse primeiro semestre, demos iníciotambém à análise do córpus, sempre
buscando perseguir um processo analítico que apreende quatro fazer distintas:
1)
Descrever a sintagmatização de modalidades do sujeito do enunciado que
precede os estados de junção, bem como a natureza das combinações modais que
contraiu, já que é o choque entre as modalidades que conduz à identidade passional do
sujeito.
2)
Identificar a dimensão fórica decorrente dos estados juntivos que
sobredetermina as estruturas modais. Nesse sentido, é importante analisar os textos sob
a perspectiva do campo de presença, observando a relação que os corpos sensíveis
mantêm com seu ambiente, na qual pode predominar a euforia ou a disforia.
3)
Verificar os procedimentos do nível discursivo que corroboram para a
potencialização das paixões no discurso, em especial, examinar a figuratividade, tanto
em seu nível mais superficial, quanto no mais profundo, que se estende aos
procedimentos icônicos.
4)
Examinar os efeitos expressivos do texto, pois as paixões que aparecem
no plano de conteúdo do texto transbordam para o plano da expressão de modo a formar
uma tessitura uniforme, em cuja plasticidade, expressão e conteúdo solidarizam-se
mutuamente.
307
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
No decorrer do segundo semestre, pretendemos dar continuidade às análises,
bem como à leitura da bibliografia selecionada, de modo a tornar os objetivos da
pesquisa explicitados no início desta descrição palpáveis.
Bibliografia
ARISTÓTELES. Poética. Prefácio de Zélia de Almeida Cardoso e trad. Ediouro de
Souza. São Paulo: Editora Globo S.A., 1992.
ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006.
ARISTÓTELES. Retórica das paixões. Trad. De Isis Borges B. da Fonseca. São
Paulo : Martins Fontes, 2003.
BARROS, D. L de. Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo:
Humanitas, 2001.
BARROS, D. L. P de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 1999.
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Bauru: EDUSC, 2003.
BRODSKY, J. Marca d’água. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
BRODSKY, J. Menos que um. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
BUARQUE H. C. Tantas Palavras. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
FIORIN, J. L. Semiótica e paixão. Revista Online de Literatura e Linguística, ano I, n.
2, dez. 2008c. Disponível em: <http://www.revistaeutomia.com.br/volumes/Ano1Volume2/especial-destaques/Jose-Luiz-Fiorin_Entrevista-a-Cristina-Sampaio.pdf>.
Acesso em fev. 2012.
FIORIN, J. L. Paixões, afetos, emoções, sentimentos. Cadernos de semiótica
Aplicada, v.5, n.2, dez. 2007a.
FIORIN, J. L. Semiótica das paixões: o ressentimento. Alfa. São Paulo, 51 (1), p. 9-22,
2007b.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2000.
FIORIN, J. L. “Greimas e Propp: conjunções e disjunções”. In: OLIVER, A. C. M. A.
etLANDOWSKI, E. (Org.). Do inteligível ao sensível: em torno da obra de A. J.
Greimas. São Paulo: EDUC, 1995.
FONTANILLE, Jacques; ZIBERBERG, Claude. Tensão e significação. Trad. De Ivã
Carlos Lopes, Luiz Tatit e Waldir Benvindas. São Paulo: Discurso Editorial: Humanitas,
2001.
FONTANILLE, J. Semiótica do discurso. Trad. Jean Cristus Portela. São Paulo:
Contexto, 2007.
GREIMAS, A. J. Sémantique structurale. Recherche de méthode. Laurousse: Paris,
1966, p. 262.
GREIMAS, A. J. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Petrópolis: Vozes, 1975.
GREIMAS, A. J. Da imperfeição. São Paulo: Hacker, 2002.
GREIMAS, Algirdas Julien& COURTÉS, Joseph. Dicionário de Semiótica. Trad.
Alceu Dias Lima et al. São Paulo: Contexto, 2008.
GREIMAS, A. J etFONTANILLE, J. Semiótica das paixões: dos estados de coisas
aos estados de alma. São Paulo: Ática, 1993.
HÉNAULT, A. História Concisa da Semiótica. Trad. Marcos Marcionilo. São Paulo:
Parábola Editorial, 2006.
HJEMSLEV, L. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. Trad. J. Teixeira Coelho
Netto. São Paulo: Perspectiva, 1975.
HOMEM, W. Histórias de canções: Chico Buarque. São Paulo: Leya, 2009.
308
Descrição das pesquisas
HOUAISS, A. et VILLAR, M. S. de. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2001.
JAKOBSON, R.Linguística e comunicação. 6a ed. Trad. Isidoro Blikstein e José Paulo
Paes. São Paulo: Cultrix, 1973.
PROPP, Vladimir I. Morfologia do conto maravilhoso. Organização e prefácio de Boris
Schnaiderman. Trad. de JasnaParavichSarhan. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1984.
SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2003.
TATIT, L. Análise semiótica através das letras. São Paulo: Ateliê, 2001.
TATIT, L. etLOPES, I. C. Elos de Melodia e Letra: análise semiótica de seis canções.
São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
ZILBERBERG, Claude. Causerie sur La sémiotique tensive (2008). Disponível em
<http://www.fflch.usp.br/dl/semiotica/cursos/zilberberg2008/cz-causerie.pdf>. Acesso
em: abr. 2012.
309
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ABSURDO E CENSURA NA CENA PORTUGUESA: ESTUDO DO TEATRO DE
PRISTA MONTEIRO
Márcia Regina Rodrigues
Doutoranda – Bolsista FAPESP
Profa. Dra. Renata Soares Junqueira (Or.)
O final da década de 1950 é tanto o momento em que Helder Prista Monteiro
(1922-1994) descobre a sua vocação para a escrita dramatúrgica como um dos períodos
mais fecundos do teatro português, pois nos palcos despontavam novas companhias e
diretores, que encenavam textos de novos dramaturgos numa busca constante de
expressar as estéticas teatrais1 que se praticavam no restante da Europa e do mundo.
Justamente por isso, e principalmente na década de 1960, a ditadura de António de
Oliveira Salazar impunha ao teatro uma censura sem trégua aos textos e aos seus
autores, às companhias teatrais e suas encenações e aos encenadores e artistas. O fato é
que até a Revolução dos Cravos (1974) – que devolveu pacificamente a democracia ao
país –, como bem apontou Luiz Francisco Rebello (1972), as peças teatrais em Portugal
até conseguiam ocupar as páginas dos livros, mas quase nunca os palcos. Apesar de a
peça Os imortais, primeira produção de Prista Monteiro, escrita em 1959, ter sido
levada à cena apenas na década de 1980, o seu autor foi um dos poucos dramaturgos
que viu algumas de suas obras encenadas ainda durante o regime de Salazar.
Esta pesquisa de Doutorado tem como objetivo analisar cinco peças em um ato
de Prista Monteiro, um dos mais representativos dramaturgos do teatro do absurdo em
Portugal, considerando especialmente a história do teatro português e a sua relação com
a censura salazarista e com os pressupostos do teatro do absurdo, apontados por Martin
Esslin. Assim, elegemos, além da primeira produção dramatúrgica de Prista Monteiro,
referida acima, outras quatro peças do autor: três delas poupadas pela censura e
encenadas ainda durante a ditadura salazarista: A rabeca (1961), O meio da ponte
(1966), O anfiteatro (1966)2 e ainda uma peça proibida duas vezes de subir à cena no
1
Depois de 1945, surgiram na cena portuguesa temas voltados para as questões sociais e as existenciais,
bem como tentativas cênicas e dramatúrgicas que se aproximavam do experimentalismo – quer o do
teatro épico brechtiano quer o do teatro do absurdo.
2
Antes mesmo de serem publicadas em livro no ano de 1970, estas três peças de Prista Monteiro foram
encenadas na década de 1960: A rabeca – escrita em 1959, encenada pela primeira vez em 1961 pelo
310
Descrição das pesquisas
mesmo período, A bengala (escrita em 1960), que se prestará a elemento de comparação
no que se refere à relação da obra do dramaturgo com a censura. A partir da análise
dessas peças, pretendemos desenvolver e mostrar uma reflexão crítica sobre a
contribuição da obra de Prista Monteiro para as artes cênicas em Portugal e comprovar
que as experimentações teatrais deste período não só estiveram ligadas a um desejo de
resistência e objeção ao regime político vigente, mas também extremamente vinculadas
às tentativas de renovação da cena portuguesa.
Como parte do desenvolvimento da tese, realizamos recentemente o Estágio de
Pesquisa em Portugal (BEPE-FAPESP), pelo período de seis meses (01/10/2012 a
31/03/2013), no Centro de Estudos de Teatro (CET) da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa (FLUL), onde desenvolvemos investigação nas bases de dados
da instituição e no Arquivo Osório Mateus (AOM), bem como em outras instituições
portuguesas (arquivos, bibliotecas e museus). Durante o Estágio examinamos os
processos de censura referentes às peças de Prista Monteiro; consultamos programas das
peças encenadas do autor e textos críticos publicados pela imprensa da época sobre os
espetáculos, sobre as companhias que os levaram à cena e sobre os seus respectivos
encenadores; colhemos depoimentos de pessoas que direta ou indiretamente estiveram
ligadas à obra do dramaturgo; reunimos informações a partir da consulta aos periódicos
das décadas de 1950 a 1990, que trazem críticas ao teatro praticado em Portugal e às
obras de outros dramaturgos do referido período, contributos importantes para a
compreensão das discussões que se faziam a respeito do teatro português naquela altura.
No que se refere à fundamentação teórica e instrumentos para a análise das
peças, contamos com uma bibliografia fundamental sobre o absurdo a partir do ensaio
de Albert Camus, O mito de Sísifo, e o estudo de Martin Esslin, autor que cunhou o
termo para a arte dramática no seu famoso livro O teatro do absurdo. Depois de Esslin,
outros estudiosos contribuíram para a discussão acerca desse gênero de teatro, como
Bernard Dort, por exemplo, e, especificamente no âmbito do teatro português, o
trabalho da pesquisadora italiana Sebastiana Fadda, que historiou a produção teatral lusa
vinculada ao teatro do absurdo.
No momento atual da pesquisa, estamos finalizando o tratamento dos dados
colhidos durante o estágio em Portugal e realizando parte das análises das referidas
Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra (CITAC), com direção de Luís de Lima, e depois,
em 1966, levada à cena juntamente com O meio da ponte e O anfiteatro, pelo Teatro-Estúdio de Lisboa
(TEL), com direção de Luzia Maria Martins.
311
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
peças de Prista Monteiro. Concluída a organização desse material e a elaboração do seu
dossiê, teremos como resultado o texto para o Exame Geral de Qualificação.
Apresentamos abaixo o plano de trabalho e o cronograma das próximas etapas:
2013 - SEGUNDO SEMESTRE
Estudo individual
Estudo e análise das personagens das peças de Prista Monteiro, pois temos como
pressuposto que o dramaturgo português, numa perspectiva absurdista, repete
determinadas características na construção das dramatis personae, como se algumas
fossem evoluindo de um posicionamento dependente para uma autonomia (caso das
personagens femininas) e outras fossem, por vezes, regredindo (caso das personagens
masculinas), quase todas elas implicadas em relações de poder.
Participação em Congressos e demais eventos acadêmicos
Até o momento, duas propostas de comunicação foram aceitas nos seguintes
congressos:
- “O teatro do absurdo e a censura salazarista: A bengala, de Prista
Monteiro” – Congresso Internacional Censura ao Cinema e ao Teatro –
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa, a ser
realizado nos dias 13, 14 e 15 de novembro de 2013;
- “Teatro do absurdo e Teatro épico: renovação, hibridismo e divergência
na dramaturgia portuguesa dos anos de 1960” – Colóquio Internacional “Teatro:
Estética e Poder”, organizado pelo Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, a ser realizado nos dias 21, 22 e 23 de
novembro de 2013.
Redação
Análise das peças e elaboração do relatório para o Exame Geral de Qualificação;
2014
312
Descrição das pesquisas
- Exame Geral de Qualificação a realizar-se até 30/04/2014;
- Redação do texto definitivo da tese;
- Participação em congressos e eventos acadêmicos;
- Publicação de artigos.
2015
- Defesa da tese (até 30 de abril).
Bibliografia
AZEVEDO, C. A censura de Salazar e Marcelo Caetano. Lisboa: Editorial Caminho,
1990.
BARATA, José Oliveira. História do teatro português. Lisboa: Universidade Aberta,
1991.
______. Máscaras da utopia: história do teatro universitário em Portugal 1938/74.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
CAMUS, Albert. O mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. Rio de
Janeiro / São Paulo: Record, 2004.
COSTA, Maria Cristina Castilho. Teatro e censura: Vargas e Salazar. São Paulo: Edusp
/FAPESP, 2010.
CRUZ, Duarte Ivo. História do teatro português. Lisboa: Editorial Verbo, 2001.
DORT, Bernard. La représentation emancipée. Arles, Actes Sud, 1988.
______. O teatro e sua realidade. Tradução de Fernando Peixoto. São Paulo:
Perspectiva, 2010.
ESSLIN, Martim. O teatro do absurdo. Tradução de Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Zahar, 1968.
______. Uma anatomia do drama. Tradução de Bárbara Heliodora. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978.
FADDA, Sebastiana. O teatro do absurdo em Portugal. Tradução de José Colaço
Barreiros. Lisboa: Cosmos, 1998.
GIL, José. Salazar: a retórica da insensibilidade. Lisboa: Relógio d’água, 1995.
HERRERAS, Enrique. Una lectura naturalista del teatro del absurdo. Valencia:
Universitat de Valencia, 1996.
HINCHLIFFE, Arnold P. The absurd. London, Methuen & Co. Ltd., 1969.
LISTOPAD, Jorge. Portugal 45-95 nas artes, nas letras e nas ideias. Coord. Victor
Wladimiro Ferreira. Lisboa: Centro Nacional de Cultura, 1988.
MENDONÇA, Fernando. Para o estudo do teatro em Portugal: 1946-1966. Assis:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, 1971.
MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado. Rio de Janeiro: Avenir, 1981.
______. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
______. Teatro e Estado. São Paulo: Hucitec, 1992.
OLIVEIRA, Fernando Matos. O destino da mimese e a voz do palco: o teatro português
moderno. Braga: Angelus Novus, 1997.
PASCHKES, Maria Luisa de Almeida. A ditadura salazarista. São Paulo: Brasiliense,
1985.
313
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução de J. Guinsburg e Maria Lucia Pereira.
São Paulo: Perspectiva, 2007.
______. A análise dos espetáculos. Tradução de Sérgio Sálvia Coelho. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
______. O teatro no cruzamento de culturas. Tradução de Nanci Fernandes. São Paulo:
Perspectiva, 2008
______. A encenação contemporânea: origens, tendências, perspectivas. Tradução de
Nanci Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2010.
PEREIRA, Teresinka. O absurdo no teatro. Angra dos Reis: Ateneu Agrense de Letras
e Artes, 1983.
PICCHIO, Luciana Stegagno. História do teatro português. Tradução de Manuel de
Lucena. Lisboa: Portugália, 1969.
PORTO, Carlos. “O teatro nos anos 60”. Vértice: Revista de Cultura e Arte, Coimbra, n.
27, p. 36-41, jun. 1990.
PRISTA MONTEIRO, Helder. A rabeca; O meio da ponte; O anfiteatro. Lisboa:
Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, 1970.
______. A bengala. Lisboa, “Teatro e movimento”, n. 3, Edição do Autor, 1972.
______. Os faustos. Lisboa: Arcádia, 1980.
______. O fio. Lisboa: Arcádia, 1980.
______. A caixa. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Autores, Moraes Editores, 1981.
______. O colete xadrez; Folguedo do rei coxo. Lisboa: Arcádia, 1983.
______. Os imortais; O candidato. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Autores, 1984.
______. A vila. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Autores, 1985.
______. O mito; Naturalmente! Sempre! Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda,
1988.
______. Não é preciso ir a Huston; De graus. Lisboa: Sociedade Portuguesa de
Autores, 1992.
______. Auto dos funâmbulos. Lisboa: Editorial Escritor, 1993.
REBELLO, Luiz Francisco. Imagens do teatro contemporâneo. Lisboa: Ática, 1961.
______. O jogo dos homens: ensaios, crônicas e críticas de teatro. Lisboa: Ática, 1971.
______. História do teatro português. Lisboa: Europa-América, 1972.
______. Combate por um teatro de combate. Lisboa: Seara Nova, 1977.
______. Cem anos de teatro português (1880 – 1980). Porto: Brasília Editora, 1984.
______. Breve história do teatro português. Lisboa: Europa-América, 2000.
______. “É verdade. Mas...” duas preposições sobre a censura. Sinais de Cena, APCT,
Porto: Ed. Campo de Letras, 2007. p. 47-52.
REDONDO JÚNIOR, José. Pano de ferro: crítica, polêmica, ensaios de crítica teatral.
Lisboa: Século, 1955.
______. Panorama do teatro moderno. Lisboa: Arcádia, 1961.
RIBEIRO, Helder. Do absurdo à solidariedade: a visão de mundo de Albert Camus.
Lisboa: Editorial Estampa, 1996.
RODRIGUES, Graça Almeida. Breve história da censura literária em Portugal.
Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1980.
ROSENFELD, Anatol. Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva, 1993.
______. O teatro moderno. São Paulo: Perspectiva, 2005.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à análise do teatro. Tradução de Paulo Neves.
São Paulo: Martins Fontes, 1996.
SANTOS, Graça dos. O espetáculo desvirtuado: o teatro português sob o reinado de
Salazar (1933-1968). Lisboa: Editorial Caminho, 2004.
314
Descrição das pesquisas
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno. Tradução de Luiz Sérgio Repa. São Paulo:
Cosac & Naify, 2001.
UBERSFELD, Anne. Para ler o teatro. Tradução de José Simões de Almeida Júnior.
São Paulo: Perspectiva, 2005.
VASQUES, Eugênia. Tendências da dramaturgia e do teatro do século XX: breve
panorâmica. Adágio, Évora, n. 2, p. 10-16, 1991.
315
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A POESIA RETÓRICA DE OVÍDIO: RELAÇÕES ENTRE ARGUMENTAÇÃO E
CONOTAÇÃO EM AMORES (I, 1, 3; II, 4; III, 12) TRISTIA (I, 11; III, 14);
EPISTULAE EX PONTO (I, 3; III, 8) E HEROIDAE (XV)
Marcus Vinícius Benites
Doutorando – Bolsista CAPES
Prof. Dr. João Batista Toledo Prado (Or.)
O córpus selecionado para a pesquisa – Amores (I, 1, 3; II, 4; III, 12); Tristia (I,
11; III, 14); Epistulae ex Ponto (I, 3; III, 8) e Heroidae (XV) – abrange produções de
fases distintas de Ovídio. O motivo para tal seleção dá-se pela intenção máxima do
estudo proposto, que é a de descortinar um estilo ovidiano que perpasse sua obra e, a
partir dessa definição, apresentar análises pertinentes a respeito de sua poesia. O córpus
proposto, por representar fases tão diferentes da produção poética do poeta latino, com
partes de sua obra jovem e de temática amorosa, como os poemas de Amores, e também
partes de sua obra madura e dita do exílio, como os poemas dos Tristes, por exemplo,
dá, intenta-se, embora se admitindo que não se possa alcançar a dimensão completa da
poesia de Ovídio por meio de seleção de textos que, mesmo passível de abordagens
factíveis dentro do tempo do curso de Doutorado, admite-se ainda seja restrita, a
possibilidade de uma percepção daquilo que permanece em Ovídio, independente da
época – fase da vida – ou suposta motivação dos escritos.
De acordo com o projeto inicial de pesquisa e com os desdobramentos oriundos
dos estudos feitos até aqui, foram traduzidos e analisados os poemas propostos para o
trabalho. Durante o processo tradutório procurou-se identificar e estabelecer relações
plausíveis de interpretação conotada a partir, sobretudo, de recorrências fonéticas. Tais
recorrências, generalizadas sob a classificação de figuras de linguagem, mas
especificadas como epístrofes, aliterações, assonâncias, paranomásias ou anáforas, são
abundantemente presentes no texto ovidiano – motivo de um juízo crítico corrente na
tradição literária, sobretudo aquela dos manuais e tratados de literatura latina, como
atestado na Historia de la Literatura Latina, de Ettore Bignone (Buenos Aires: Losada,
1952), para quem o poeta é visto como exagerado – e contribuem, de modo metafórico,
para que ligações entre partes do texto, no que diz respeito ao plano da expressão,
fiquem nítidas e estabeleçam um fazer poético bastante peculiar.
316
Descrição das pesquisas
Assim, pelo princípio jakobsoniano do paralelismo, mas partindo-se da premissa
saussureana de arbitrariedade do signo linguístico, realizaram-se, nos textos acima
citados, leituras em que a noção de motivação entre plano da expressão e plano do
conteúdo, ou seja, a construção do semi-símbolo ovidiano (o signo linguístico em estado
artístico, com forjada noção de não arbitrariedade) fosse investigada, de modo a poder
ser vista como possibilidade de conotação, o que aprofunda a leitura de primeiro nível e
mais superficial dos textos, aquela denotada e que tenda a uma mais imediata
decodificação – e que pode ser feita a partir da leitura de uma simples tradução, por
exemplo. Semelhante abordagem também foi realizada, em nível de Mestrado, na
pesquisa que resultou na dissertação “Aracne e Palas: uma Trama de Sentido – estudo
semiótico de Ovídio, Metamorfoses (Liber VI, 01-145)”, defendida em 2008, na FCLAr
– UNESP, pelo presente doutorando e também sob a orientação do Prof. Dr. João
Batista Toledo Prado. Sendo assim, a proposta de tradução do texto latino e análise de
recursos expressivos que possibilitem conotação já foi desenvolvida em trabalho
anterior de pós-graduação, tendo continuidade no estudo que ora se realiza.
Na leitura de Amores II, IV, desenvolvida e apresentada em artigo (A Retórica
Ovidiana: procedimentos conotativos (Amores, II, IV). In: Anais da XXV Semana de
Estudos Clássicos/ V FAEC: Dioniso – Travessias e Transmutações – 25 anos!.
Araraquara: Laboratório Editorial da FCL-UNESP, 2011.), as recorrências fonéticas
foram analisadas como especialmente selecionadas e organizadas por meio de escolhas
paradigmáticas e de relações sintagmáticas por elas contraídas, de modo a,
expressivamente, reproduzirem também naquele nível a significação mais imediata da
elegia, depreendida denotativamente mesmo através do contato com uma tradução não
poética. No caso do estudo específico dessa elegia, verificou-se como, concomitante ao
fato de todas as puellae agradarem ao eu-elegíaco, podendo ser entendidas como
estando em um mesmo nível – dentro desse quesito, o de agradabilidade ao poeta – tal
afirmação, reiterada no texto, vir também expressa por meio de versos bastante
semelhantes, graças às recorrências fonéticas, de onde se pôde inferir que o nivelamento
que se defendia como tese principal do poema tinha a argumentação reforçada pela
própria expressão poética – o que se contava, de maneira sintética, no plano do
conteúdo, era também contado no plano da expressão, requerendo, no entanto, uma
leitura mais analítica.
Como hipótese inicial, a pesquisa não se propôs, pois, somente verificar
recorrências fônicas no texto ovidiano, mas, dentro do córpus selecionado, também
317
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
conferir em que contextos e de que modo tais expedientes fonéticos, que dão arcabouço
a leituras em um nível conotado, reforçam argumentativamente a tese/ideia central de
cada passagem dos poemas em que ocorrem ou, ao contrário, criam um contraste entre
os dois planos, configurando certa ironia, em que o plano do conteúdo teria a mensagem
mais imediata negada, de modo até satírico, pela expressividade. Como exemplo disto
podem-se citar as justificativas feitas pelo eu-elegíaco para a fingida má poesia alegada,
presentes tanto na elegia I, 11 dos Tristes, como na epístola XV das Heroides, cuja
expressão contradiz as afirmações, uma vez que os textos são compostos,
expressivamente, da mesma forma que qualquer outro poema de Ovídio e com a mesma
qualidade poética, o que se buscou evidenciar nas análises feitas.
Ovídio foi comumente classificado, pela crítica mais tradicional, como um poeta
excessivamente retórico, como citam, por exemplo, os escritos de Giulio Davide Leoni,
em A Literatura de Roma (8ª ed. São Paulo: Livraria Nobel, 1967). De fato, seus textos,
principalmente os elegíacos, apresentam uma defesa constante de uma causa – que pode
ser tanto a defesa da inocência por “amar tanto”, como a por não merecer o “exílio”.
Dos dois defeitos apontados no poeta latino por essa crítica mais tradicional, a dos
tratados e manuais de literatura latina, o excesso retórico e o exagero expressivo,
buscou-se, na pesquisa, tecer uma relação em que este, reforçando ou negando aquele,
desempenhe uma função indispensável à construção de sentidos e só enriqueça a
conotação dos textos, não havendo, pois, nada que seja desnecessário, mas, ao contrário,
somente útil à construção de um estilo deflagrador, até mesmo, de uma proposta poética
em grande medida pessoal. Se no trabalho realizado durante o curso de Mestrado tal
marca do eu-lírico ficou aparente, não se pôde, no entanto, considerá-la como
característica ovidiana de fato, uma vez que restrita a um trecho de uma produção
específica – os 145 versos que dão conta do mito da transformação de Aracne, dentro
das Metamorfoses – ao contrário do que se buscou definir a partir da tradução e análise
do córpus da pesquisa atual, por ser mais abrangente.
O que diferencia, no entanto, o atual projeto daquele levado a cabo no Mestrado,
e que justificou a busca por um estilo ovidiano, é não somente a proposta de uma
verificação de recursos fonéticos e interpretações de conotação a partir deles, mas,
também, a possibilidade de se revisar, dentro dos limites naturais restritos a um trabalho
desta envergadura, o próprio eu-lírico ovidiano. Uma vez que se verificou que a escrita
de Ovídio apresenta singularidades que são recorrentes tanto no jovem poeta amoroso,
como no maduro poeta exilado, passa a ser plausível que, mesmo que não se questione a
318
Descrição das pesquisas
veracidade do exílio enquanto dado biográfico – o que seria tão temerário, por ausência
de quaisquer provas, como afirmá-la de modo inquestionável – ao menos propor uma
análise que não esteja condicionada a esse biografismo, geralmente bastante redutor.
Não se trata de provar que o exílio tenha ou não existido, mas de concebê-lo, sobretudo,
como fato literário e relacioná-lo à própria poesia anterior de Ovídio.
Assim, tomou-se como evidência o texto poético do autor latino, em particular
as elegias e epístolas – escolhidas, justamente, por terem sido escritas em dísticos
elegíacos, de onde se buscou definir os limites da pesquisa por esse gênero – fixando-o
dentro da tradição literária de Roma e do gênero específico citado.
Dentro da literatura, há aquilo que é invariável, ou seja, que pertence ao gênero,
estabelecido pelos autores predecessores e base natural para que qualquer nova
produção seja proposta, mas também o que é variável, ou seja, que diz respeito ao autor
e a suas características composicionais particulares, sendo a contribuição que o novo
poeta dá ao próprio gênero, modificando-o, também, a partir de sua individualidade.
Desta forma, há que se atentar para o diálogo sempre existente na relação
inquestionável entre textos dentro de uma tradição literária. Os textos são dialógicos em
relação a seus contextos, compostos pela gama de escritos que compõem um cânone,
que circulam e que estabelecem a produção e a recepção textual de uma determinada
sociedade em uma época específica.
Se isso sobrevém a todo e qualquer escritor, de todo e qualquer período, Ovídio,
particularmente, dialoga com o próprio gênero elegíaco, com os textos elegíacos dos
outros poetas, também com seus próprios textos elegíacos, imitando e desenvolvendo o
próprio gênero, a partir de qualidades estéticas comuns – aquilo que é invariável e
inerente a determinado tipo de composição - ou singulares – aquilo que é variável e
correspondente a uma genialidade individual. No caso desse poeta, vê-se a evolução –
não tomada aqui como melhora, mas como variação – da própria elegia, mas não só
com relação a outros poetas modelares, embora se admitam as relações naturalmente
óbvias que se podem verificar entre Ovídio, Tibulo, Propércio e mesmo Catulo, mas sim
com relação a sua própria produção poética. O eu-lírico ovidiano traz à elegia o tema do
padecimento do exílio, em resposta ao fato de o tema do padecimento amoroso já estar,
dentro de uma análise pertinente, saturado, inclusive por advento dos próprios textos da
produção inicial de Ovídio – sem, necessariamente, que se tenha alterado
profundamente um estilo peculiar de composição poética.
319
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Se a tensão permanente entre aquilo que é variável e aquilo que é invariável
dentro da natural evolução da literatura, mais recentemente apresentada por Harold
Bloom (O Cânone Ocidental: os livros e a escola do tempo. Rio de Janeiro: Objetiva,
2010), é conceito que serve à literatura de todos os tempos, ele não difere, senão em
intensidade – no caso menor – da própria noção de emulação, base para a constituição
mesma de toda a literatura latina – o variável e o invariável como uma nova forma de
conceber o engenho e a arte –, a partir do que se possa admitir confluência entre o
próprio fazer poético dos romanos e a concepção analítica de um Ovídio que, ao mesmo
tempo em que se afirme de modo bastante singular, encontre-se situado dentro de uma
literatura determinada e dialogue constantemente com gêneros e tradições.
Propôs-se, portanto, um estudo em que a evolução do gênero elegíaco tenha sido
investigada, através das propostas de desenvolvimento presentes na própria escrita
ovidiana, principalmente no que concerne a uma mudança temática, a assunção do
exílio como tema apropriado ao desenvolvimento lamentoso, mas, também, a uma
inovação formal, verificada no hibridismo epistolar-elegíaco das Heroides e das
Pônticas.
Com as escolhas ovidianas sendo justificadas pelo próprio contexto literário e,
mais particularmente, pela genialidade inventiva do poeta, entendeu-se a obra do exílio,
mesmo porque as produções dessa fase mantêm certo estilo de escrita presente em toda
a produção poética do autor – aquele que se buscou deflagrar – ainda bastante próxima
ao das outras obras elegíacas de Ovídio, como um desdobramento possível ao fazer
literário do poeta latino. Com isso, mesmo que não se tenha proposto uma investigação
da existência ou não do exílio como fato biográfico – a que se debruçam alguns estudos
– propôs-se uma análise que não tenha tido o biografismo como base, o que, ao ver
desta pesquisa, tende a restringir bastante os estudos.
Bibliografia
ALMENDRA, Maria Ana; FIGUEIREDO, José Nunes. Compêndio de Gramática
Latina. Porto: Porto Editora, 2003.
ANA DE BEM, Lucy. Introdução. In: Ovídio. Primeiro Livro dos Amores. São Paulo:
Hedra, 2010, p.09-26.
ARISTÓTELES ; HORÁCIO ; LONGINO. A Poética Clássica. 12ª ed. São Paulo:
Cultrix, 2005.
ASSIS SILVA, Ignacio. Figurativização e Metamorfose: o mito de Narciso. São Paulo:
Editora da UNESP, 1995.
320
Descrição das pesquisas
BAKHTINE, Mikhail. Le Marxisme et la Philosophie du Langage : essai d’application
de la méthode sociologique en linguistique. Paris : Les Éditions de Minuit, 2009.
BIGNONE, Ettore. Historia de la Literatura Latina. Buenos Aires: Losada, 1952.
BLOOM, Harold. O Cânone Ocidental: os livros e a escola do tempo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2010.
BRAIT, Beth. (org.). Bakhtin outros conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2010.
CARDOSO, Zélia de Almeida. A Literatura Latina. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2011.
CART, A.; GRIMAL, P.; LAMAISON, J.; NOIVILLE, R. Gramática Latina. São
Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1986.
CASANOVA-ROBIN, Héléne. (org.). Amor Scribendi: lectures des Héroïdes d’Ovide.
Grenoble : Éditions Jérôme Millon, 2007.
CASSIRER, Ernst. Linguagem e Mito. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dictionnaire d’Analyse du
Discours. Paris : Éditions du Seuil, 2002.
CURTIUS, E. R. Literatura Européia e Idade Média Latina. Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do Livro, 1957.
D’AZAY, Lucien. Ovide ou l’Amour Puni. Collection Eux & Nous. Paris : Les Belles
Lettres, 2001.
DARCOS, Xavier. Ovide et la Mort. Paris : Presses Universitaires de France, 2009.
DELBEY, Evrard. Heroïdes d’Ovide. Neuilly: Atlande, 2005.
ECO, Umberto. Sobre a Literatura. Rio de Janeiro: Edições Bestbolso, 2011.
FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à Línguística. I – objetos teóricos. 5ª ed. São
Paulo: Editora Contexto, 2007.
FIORIN, José Luiz (org.). Introdução à Linguística. II – princípios de análise. 4ª ed. São
Paulo: Editora Contexto, 2007.
FIORIN, José Luiz. Em Busca do Sentido: estudos discursivos. São Paulo: Contexto,
2008.
FLOCH, Jean-Marie. Sous les signes, les stratégies. In: Sémiotique, Marketing et
Communication. Paris: Presses Universitaires de France, 1990.
FREDOUILLE, Jean-Claude ; ZEHNACKER, Hubert. Littérature Latine. 2ème édition.
Paris : Presses Universitaires de France, 2013.
GREEN, Peter. Prefácio. In: Ovídio. Amores & Arte de Amar. São Paulo: Cia das
Letras, 2011, p.11-76.
GRIMAL, Pierre. Dicionário da Mitologia Grega e Romana. 4ª ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2000.
GRIMAL, Pierre. Le Lyrisme à Rome. Paris : Presses Universitaires de France, 1978.
HARMSEN, Pe.; BERNARDO H. Ovídio. Petrópolis: Editora Vozes Limitada, Coleção
Clássicos Vozes, Série Latina IV, 1962.
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma Teoria da Linguagem. 2ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 2009.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. 20ª ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
JOLIVET, Jean-Christophe. Allusion et Fiction Épistolaire dans les Héroïdes :
recherches sur l’intertextualité ovidienne. Rome : École Française de Rome, 2001.
JOUTEUR, Isabelle. Jeux de Genre : dans les Métamorphoses d’Ovide. Paris : Éditions
Peeters, 2001.
LEONI, Giulio Davide. A Literatura de Roma. 8ª ed. São Paulo: Livraria Nobel, 1967.
LIMA, Alceu Dias (et al). Latim: da Fala à Língua. Araraquara: Gráfica da UNESP,
1992.
LOPES, Edward. A Identidade e a Diferença. São Paulo: EDUSP, 1997.
321
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
LOPES, Edward. Fundamentos da Lingüística Contemporânea. São Paulo: Cultrix,
2003.
MAINGUENEAU, Dominique. Les Termes Clés de l’Analyse du Discours. Paris :
Éditions du Seuil, 2009.
MARTINS, Paulo. Elegia Romana: construção e efeito. São Paulo: Humanitas, 2009.
MARTINS, Paulo. Literatura Latina. Curitiba: IESDE, 2009.
NASCIMENTO, Aires A.; PIMENTEL, Maria Cristina C. M. S. (coord.). Ovídio:
Exílio e Poesia: leituras ovidianas no bimilenário da “relegatio”. Lisboa: Centro de
Estudos Clássicos, 2008.
NÉRAUDAU, Jean-Pierre. Prefácio. In: Ovídio. Cartas de Amor: as Heroides. São
Paulo: Landy, 2003, p.09-40.
ORLANDI. Eni P. Análise de Discurso: princípios & procedimentos. 9ª edição.
Campinas: Pontes, 2010.
OVIDE. Héroïdes. 5ème édition. Paris : Les Belles Lettres, 2005.
OVIDE. L’Art d’Aimer. 7ème tirage. Paris: Les Belles Lettres, 1983.
OVIDE. Les Amours. 7ème tirage. Paris: Les Belles Lettres, 2003.
OVIDE. Les Métamorphoses. Classiques em Poche. Paris: Les Belles Lettres, 2009.
OVIDE. Les Remèdes à L’Amour. 3ème tirage. Paris : Les Belles Lettres, 2003.
OVIDE. Pontiques. 2ème tirage. Paris: Les Belles Lettres, 2002.
OVIDE. Tristes. 4ème tirage. Paris : Les Belles Lettres, 2008.
PIÉGAY-GROS, Nathalie. Introduction à l’Intertextualité. Paris :DUNOD, 1996.
RICH, Anthony. Dictionnaire des Antiquités Romaines et Grecques. Paris : Éditions
Molière, 2004.
SAMOYAULT, Tiphaine. L’Intertextualité : mémoire de la littérature. Paris : Armand
Colin, 2011.
SARAIVA, F. R. dos Santos. Novíssimo Dicionário Latino-Português. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Livraria Garnier, 2000.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. 25ª ed. São Paulo: Cultrix,
2003.
SAUSY, Lucien. Grammaire Latine Complète. Paris : Éditions Eyrolles, 2010.
TODOROV, Tzvetan. Mikhäil Bakhtine le Principe Dialogique: suivi de écrits du cercle
de Bakhtine. Paris : Éditions du Seuil, s/d.
TODOROV, Tzvetan. Teorias do Símbolo. Campinas : Papirus, 2006.
VEYNE, Paul. (Org.). História da Vida Privada 1: do império romano ao ano mil. São
VEYNE, Paul. L’Élégie Érotique Romaine: l’amour, la poésie et l’Occident. Paris :
Éditions du Seuil, 1983.
VIDEAU, Anne. La Poétique d’Ovide, de l’Élegie à l’Épopée des Métamorphoses:
essai sur um style dans l’Histoire. Paris: PUPS, 2010.
VIDEAU-DELIBES, Anne. Les Tristes d’Ovide et l’Élégie Romaine. Paris : Éditions
Klincksieck, 1991.
322
Descrição das pesquisas
BANQUETES DE PALAVRAS: PRÁTICAS GASTRONÔMICAS NA
LITERATURA CLÁSSICA LATINA
Mariana Bravo de Oliveira
Mestranda – Bolsista CAPES
Prof. Dr. João Batista Toledo Prado (Or.)
A cultura é construída a partir de informações organizadas por um paradigma
que rege os sistemas semióticos que a constituem. A língua não é apenas um desses
sistemas, mas também condição para que eles existam como códigos, hierarquias e
ordenação das diversas linguagens neles presentes.
Lévi-Strauss considerava a linguagem fortemente análoga à cultura:
[...] Situando-se de um ponto de vista mais teórico, a linguagem
aparece também como condição da cultura, na medida em que esta
última possui uma arquitetura similar à da linguagem [...]. Tanto que
se pode considerar a linguagem um alicerce destinado a receber as
estruturas às vezes mais complexas, porém do mesmo tipo que as
suas, que correspondem à cultura encarada sob diferentes aspectos.
(LEVI-STRAUSS, 2008:86)
Sabe-se que para o antropólogo essa relação se constituía principalmente entre
os sistemas de oposições e correlações fonológicas e aqueles destinados à formação da
cultura, de modo que, se diferentes culturas possuíssem características diversas, mas
princípios organizacionais comuns, elas aproximar-se-iam de alguma forma.
Dessas oposições e correlações emerge o caráter semântico que dá vida tanto à
língua como à cultura. É na significação que se instaura o valor, tanto do signo
linguístico, quanto das práticas cotidianas estabelecidas pela cultura. Portanto, para que
a intelecção da língua se dê de forma plena, é imprescindível conhecer a cultura
subsistente.
Sendo a cultura um processo a que apavora o esquecimento, já que é pautado na
memória coletiva de um grupo presente nos mais diversos textos culturais, em que
coexistem mecanismos de seleção e rejeição de informações (LOTMAN apud
FERREIRA 1994/95:117), pode-se inferir que o léxico que lhes dá suporte, de alguma
forma, encerra as práticas culturais, na medida em que sua significação é dada pela
323
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
própria experiência cultural empírica, ou seja, os signos que circulam numa comunidade
linguística em uma dada sincronia são investidos do valor a eles atribuído
culturalmente.
A construção de um texto a partir da linguagem específica de um setor qualquer
da realidade implica codificar as informações, organizá-las de uma maneira e não de
outra, e, por fim, introduzi-las na memória coletiva de um grupo. Lotman (apud
FERREIRA 1994/95:117) afirma que“somente aquilo que foi traduzido num sistema de
signos pode vir a ser patrimônio da memória”.
No âmbito deste projeto, o objeto de atenção é a língua latina, apreendida na
elaboração de textos por aqueles que a tinham como língua materna, a saber, os
romanos copartícipes do universo cultural vigente à sua época. Constata-se, porém, que
existem tanto nas informações, quanto na sua codificação, lacunas referentes ao
significado, que instaurava o valor das práticas cotidianas daquela coletividade, e,
também, o dos signos linguísticos.
Dessa forma, para ler, ou ainda, para traduzir um texto latino – já que o presente
estatuto do latim obriga a que ler seja também traduzir – não é necessário apenas que se
domine a gramática da língua, mas ainda que se tenha um conhecimento amplo de
dados de cultura gerais, concernentes à história, à organização política, à filosofia, à
mitologia, e etc., com a dificuldade de que, muitas vezes, esses dados são bastante
específicos e não podem ser encontrados em nenhuma das obras modernas sobre tais
temas.
Essa defasagem espaço-temporal entre os mundos antigo e moderno torna
íngreme, portanto, o caminho que leva à compreensão dos signos presentes na literatura
latina, fato que empece não somente a leitura/tradução em si, mas também a
compreensão dos efeitos estéticos pretendidos pelo autor, tais como as escolhas léxicas
e a forma como esse léxico é organizado de modo a causar tais efeitos; as relações
semânticas estabelecidas com base em características próprias do cotidiano; o valor
simbólico de determinados lexemas abarcando significados diversos daqueles
conhecidos pelos leitores modernos.
Para que se dê, então, a compreensão dessa cultura da forma como os próprios
romanos a entendiam e organizavam – projeto exequível somente até certo ponto –
propõe-se a leitura (sc. tradução)de textos latinos, tendo como fonte outros textos
latinos.
324
Descrição das pesquisas
O tema eleito no âmbito desta pesquisa é a gastronomia romana, em seus
aspectos mais cotidianos, mas também na sofisticação dos banquetes, que se tornaram
célebres com o advento do Império. Por ser esse um universo referencial fortemente
enraizado na cultura, foi ele o escolhido para delimitar o tema da investigação no
córpus1.
Segundo Montanari (2008: 71) “a cozinha é o símbolo da civilização e da
cultura” e também um dos fatores mais marcantes entre aqueles que diferenciam o
homem dos outros animais. O ato de comer cozido, assado, e não mais cru, alia-se a um
quadro de intensas mudanças no modo de vida dos povos, que vão desde o
estabelecimento de um espaço fixo para se viver, com a prática da agricultura e da caça,
até o surgimento das relações comerciais e de conquista causadoras de múltiplas
influências (MONTANARI 2008:69).
O ambiente urbano, palco das relações políticas e comerciais que caracterizavam
as antigas civilizações, foi, por excelência, o lugar das influências linguísticas e
culturais que se deram no período de apogeu do Império Romano.
Com a comida não foi diferente. Na urbs Roma, centro político e institucional de
todo o território conquistado, foi observada uma mudança na alimentação, resultante das
muitas influências estrangeiras:
No apogeu, a culinária romana foi a primeira cozinha internacional na
história da Europa Ocidental e era praticada, com variações regionais,
de um lado a outro do Império, das areias da África do norte à
fortaleza das ilhas bretãs. O que começou como culinária rústica e
vegetariana no tempo da república tornou-se, sob o Império, cada vez
mais sofisticado, em resposta primeiro às influências etruscas e depois
às gregas. Estas últimas filtraram-se através da Sicília e do sul da
Itália. Depois, através de Cartago, veio o impacto do oriente.
(STRONG, 2004: 26)
Essas muitas trocas culturais fizeram de uma alimentação, até então muito
frugal, uma prática muito mais sofisticada e fundamentada na ideia do artifício. Quanto
mais se mudavam o aspecto e o gosto dos alimentos, de mais prestígio eles gozavam. A
1
Essa grafia está de acordo com a postura preconizada por PRADO, J.B.T. Para não perder o latim.
Análise total. Observatório da Imprensa on-line(11/05/2004):
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=276JDB005, acesso em 12/10/09; e também:
PRADO (2008). Por uma normalização ortográfica de palavras latinas incorporadas ao português.
Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e identidade, no 35, p. 37-48, 2008.
325
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
distância do natural, nesse caso, indicava o quão civilizado se era. Sobre isso, diz
Montanari:
A ideia do artifício, que transforma a natureza, preside por séculos a
atividade do cozinheiro. Formas, cores, consistências são modificadas,
plasmadas, “criadas” com gestos e técnicas que subentendem uma
distância programática da “naturalidade”. (MONTANARI, 2008:57)
Os gestos e técnicas aplicados nessa arte da cozinha estão intimamente ligados à
memória coletiva de um dado momento histórico-cultural, que conta com significados e
práticas particulares e muito diversas das contemporâneas.
Portanto, considerando que a “língua como sistema acompanha de perto a
evolução da sociedade e reflete de certo modo os padrões de comportamento, que
variam em função do tempo e do espaço” (MONTEIRO, 2000:16), um trabalho que
relaciona léxico e cultura é de interesse não apenas para os estudiosos da área específica
dos estudos clássicos da Roma antiga, mas também para aqueles que mergulham no
universo clássico, buscando uma visão mais crítica, tanto dessas antigas sociedades,
como de sua própria.
Partindo do material coletado durante o trabalho de Iniciação científica,
intitulado “Confluências entre o De Re Coquinaria, de Apício e a Naturalis Historia, de
Plínio”, estruturou-se um “Glossário de Culinária latina”, em que foram traduzidos
trechos da Naturalis Historia que pudessem, nos mais variados contextos, esclarecer os
significados culturais e usos cotidianos de termos retirados de algumas das receitas do
Livro I do De Re Coquinaria.
O intuito deste Glossário é ajudar a desvendar o significado de termos que têm
sua significação inserida em uma cultura distante e que, além disso, são parte de um
conjunto de lexemas próprios do ambiente semântico pertencente às práticas
gastronômicas da Antiguidade.
Já por volta do século V a.C., Artemidoro, filósofo grego, teria escrito um
glossário com essa finalidade, segundoSoares (2010:46) “a obra que lhe vem atribuída,
um Glossário de Culinária, atesta que ao nível do saber culinário se aplicava um
método próprio do logos científico em geral, a definição de terminologia própria”.
Com um “vocabulário culinário próprio de uma cultura há muito desaparecida”
(PRADO, 2007:3), Apício também se utiliza, em suas receitas, de toda a sorte de
ingredientes, condimentos e modos de preparo, próprios da cultura gastronômica
326
Descrição das pesquisas
romana e que, portanto, em muitos casos não encontram equivalentes modernos em
língua portuguesa, como se pode observar na tradução das receitas apresentada a seguir:
V. VINVM EX ATRO CANDIDVM FACIES:
Lomentumexfabafactumvelovorumtriumalborem
in
lagonammittisetdiutissime agitas. Alia die eritcandidum. Et cineres
vitisalbae idem faciunt.
5. Faça vinho branco a partir do tinto:
Coloque sabão feito de farinha de fava ou a clara de três ovos numa
moringa e agite por um longo tempo. No outro dia ele estará branco.
As cinzas da videira branca produzem o mesmo efeito.
VI. DE LIQVAMINE EMENDANDO:
Liquamen si odorem malumfecerit, vas inane inversum fumiga lauro
et cupresso, et in hoc liquamen infunde ante ventilatum. Si
salsumfuerit, mellissextariummittiset moves, picas, et emendasti.
Sedetmustumrecens idem praestat.
6. Como purificar o linquâmine:
Se o liquâmine adquirir odor forte, defume uma vasilha vazia, de
ponta-cabeça, com louro e cipreste, e derrame nela o liqüâmine
previamente arejado. Se estiver muito salgado, coloque meio litro2 de
mel, mexa, tampe e já o recuperou. Mas o mosto3 fresco se presta ao
mesmo uso.
(De Re Coquinaria, Liber I: Epimele, Trad. e notas João Batista
Toledo Prado4)
É fácil observar que muitos termos já traduzidos continuam trazendo
significados estranhos ao nosso universo sêmico-cultural, o que se justifica pela
distância espaço-temporal entre o momento em que circulavam e o momento presente,
como já se assinalou aqui.
Na receita de número 5, por exemplo, tem-se a palavra fava, uma planta nativa
da região do mar Cáspio e do Norte da África, cultivada desde a antiguidade como
fertilizante do solo; além de figurar no ornamento das casas, apesar de ser comestível
(PRADO, 2004: 74).
Na receita seguinte, a de número 6, temos a palavra linquâmine, por exemplo,
que não conta nem com um vocábulo nem com um conceito em língua portuguesa que a
definam precisamente, e que, portanto necessita de explanações para tanto. Os sentidos
2
Sextarius: medida volumétrica equivalente a 1/6 côngio ou duas heminas ou 5,4 decilitros, o que dá,
aproximadamente, meio litro.
3
Mustum: trata-se do vinho novo, forma doce e ainda não complemente fermentada da bebida. Aqui,
provavelmente, trate-se de sua forma ainda não fermentada, porque o autor acrescentou o qualificativo
recens, “fresco”.
4
PRADO, 2004:74.
327
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
latinos para o termo indicam uma espécie de mistura líquida, um molho, ou mesmo
gordura derretida à base de miúdos de pescado (PRADO, 2004: 75).
Ainda na receita 6, aparece a palavra mel, que apesar de ser comum ao nosso
léxico, conta com valores culturais e significados sumplementares e diversos daqueles
atribuídos por nossa cultura.
De posse dessas reflexões, este trabalho elegeu como córpus cenas de banquetes
presentes na literatura latina, como por exemplo, as Sátiras II, 4 e II, 8 de Horácio, a
famosa ceia de Trimalquião, de Petrônio, entre outras e procurará analisar, com base no
Glossário de Culinária latina já referido, a significação cultural de termos recorrentes
nessas cenas e, com base nessa análise, investigar de que maneira esses termos
contribuem para a expressão poética dos textos em que ocorrem.
Ainda que o trabalho dialogue com áreas afins como história, antropologia,
arqueologia, entre outras, cabe justificar que sua finalidade está essencialmente situada
no campo das Letras, na medida em que propõe restaurar as significações presentes
numa dada sincronia e, mais ainda, sob crivo estético.
Ao esmerilhar os signos presentes nas cenas literárias de banquetes que
constituem o córpus e buscara reconstituição de seus significados por meio de
comparações com as obras anteriormente mencionadas, de modo que se possa chegar ao
contexto em queeles se ressignifiquem enquanto matéria-prima do fazer literário, a
pesquisa tem em seu cerne a ânsia pela pluralidade semântica que só a práxis
proporciona.
Bibliografia
FERREIRA, J. P. Cultura é memória. Revista USP, São Paulo (24):
dezembro/fevereiro 1994/95, p. 114-120.
LEVI-STRAUSS, C. Antropologia Estrutural. Trad. Beatriz Perrone Moisés. São
Paulo: Cosac Naify, 2008.
LOTMAN, I. M. Sobre o problema da tipologia da cultura. In: SCHNAIDERMAN, B.
(org.) SemióticaRussa. São Paulo: Perspectiva, 1979.
MONTANARI, M. Comida como cultura. Trad. Letícia Martins de Andrade. São
Paulo: Senac, 2008.
MONTEIRO, J. L. Para compreender Labov. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
PRADO,
J.B.T.
Observatório
da
Imprensa
on-line
(11/05/2004):
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=276JDB005>. Acesso em
12 out. 2009.
PRADO (2008). Por uma normalização ortográfica de palavras latinas incorporadas ao
português. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Patrimônio cultural e identidade,
no 35, p. 37-48, 2008.
328
Descrição das pesquisas
PRADO, J.B.T. Operações elementares no De reCoquinaria, de Apício.CASA.
Cadernos de Semiótica Aplicada, v. 5, p. 1/3-8, 2007.
PRADO, J.B.T. Sobre a culinária. Apício. Revista de Tradução Modelo 19,
Araraquara, v. 14, p.72-76, 2004.
SOARES, Carmen. História da alimentação na Antiguidade Clássica: os primeiros
livros de culinária. Boletim de Estudos Clássicos. Vol.54. Coimbra, dezembro de
2010.
STRONG, J. C. Banquete: Uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da
fartura à mesa. Trad. Sergio Goes de Paula; com a colaboração de Viviane De Lamare.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004.
329
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
RAZÃO POÉTICA E MITO EM “LA TUMBA DE ANTÍGONA” DE MARÍA
ZAMBRANO
Mariana Funes
Mestranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. María Dolores Aybar-Ramírez (Or.)
O século XX é marcado pelos grandes conflitos bélicos – as duas grandes
guerras entremeadas pelos conflitos fratricidas instaurados pelos movimentos
totalitaristas. Este clima de grande confusão, sobretudo no que tange a incoerência que
advém de tais conflitos, é bastante profícuo para a produção literária e filosófica que
encontravam inspiração – ou melhor, que buscavam o entendimento por meio da
reflexão – na grande desorganização social que se formara.
María Zambrano (1904-1991) tem sua produção indelevelmente marcada por
tais conflitos. Inicia muito jovem na escrita, todavia seus escritos mais proeminentes
têm sua gênese em seu exílio, que se inicia no ano de 1939, quando os republicanos são
vencidos na Guerra Civil Espanhola, iniciando um longo período ditatorial. Quanto à
escrita de Zambrano, a maior parte das obras da pensadora são, segundo Trueba Mira
(2012, p. 13) “una reordenación o recopilación de materiales anteriores dispersos”.
Entretanto, La tumba de Antígona (1967) é uma das poucas obras que foi concebida
integralmente, que surge depois de uma longa reflexão – que inclui a escrita de diversos
textos, como Delírio de Antígona (1948), El personaje autor: Antígna, Antígona o de la
guerra civil, e de um diário, Cuadernos de Antígona, sobre o tema. Esta prática
evidencia o forma pela qual se constrói o pensamento zambaniano, “todo se da inscrito
en un movimiento circular, en círculos que se suceden cada vez más abiertos hasta que
se llega allí dónde ya no hay más que horizonte” (ZAMBRANO, 1986, p. 13).
As obras de Zambrano perpassam escritos políticos, essencialmente de cunho
filosófico, e escritos poéticos com o mesmo intento. Todavia o centro de seu
pensamento é uma filosofia que não se desvencilhe da poesia, a, por ela nomeada, razão
poética. Assim, estabelece não propriamente uma ruptura, mas uma releitura de Platão,
contra a condenação do filófoso à poesia. Releitura, pois o pensamento zambraniano é
muito afinado ao platônico. Por este motivo a pensadora busca inspiração nos clássicos,
sobretudo nas tragédias gregas para compor suas obras. Contudo, não se trata de simples
330
Descrição das pesquisas
inspiração, senão se uma reflexão muito bem elaborada, transposta, em certa medida, à
contemporaneidade da autora. Zambrano considera a Antígona de Sófocles a mais
próxima à filosofia, sendo uma obra concretamente poética “pero no ajena al
conocimiento” (TRUEBA MIRA, 2012, p. 20). Logo, a razão poética que figura no
pensamento zambraniano é o “camino hacia el (re)conocimiento de aquella parte de lo
real enterrada bajo el peso de los <<conceptos>> con que ha operado la filosofía
desde Platón” (2012, p. 20).
Para a pensadora é necessário vislumbrar o passado para poder seguir adiante,
assim não há propriamente uma construção do futuro, senão um resgate do passado,
desta forma, igual a grande parte dos pensadores contemporâneos à Zambrano,
constatamos que
“lo que ocupa a la filosofía contemporánea es, pues, un ejercício de
revisión de un concepto de <<razón>> entronizado desde la
Ilustración, que progresivamente ha ido mostrando su otra cara: ya
no la liberadora de las luces sino la condenatoria de la sombras, y en
el siglo XX, la de la oscuridad completa” (TRUEBA MIRA, 2012, p.
21)
A Antígona de Zambrano se constrói por meio da razão poética, com o uso da
palavra libertadora, a palavra que pretende a criação do real – pelas vias da poesia e do
conhecimento – através da qual transcorre o protagonismo da personagem. A Antígona
que a autora resgata é uma vítima inocente que se “vea <<trascendida>> gracias a la
conciencia” (TRUEBA MIRA, 2012, p. 29). A Antígona de Sófocles se suicida em sua
tumba. A Antígona de Zambrano, por sua vez, tem um tempo para poder morrer de
outra forma “consciente de su sacrificio, el cual adquiere, así, otra dimensión más allá
de la propiamente trágica” (2012, p. 29). A construção do texto evidencia esta
qualidade criadora. Se faz por meio, essencialmente, do monólogo, sendo que os
diálogos presentes podem, por sua vez, serem tidos como delírios, posto que tais
personagens são ou sonho – na “cena” Sueño de la hermana –, ou sombra – em La
sombra de la madre –, ou mortos – como em Los hermanos –, enfim, são reflexos da
vida não vivida de Antígona, que se encontra na eminência de um segundo e verdadeiro
nascimento, pautado pela plena consciência de si. Este segundo nascimento é
fundamental ao conceito de razão poética, e em La tumba de Antígona aparece sua
síntese – remetendo a Vita Nuova de Dante –, na última “cena”, na qual o Desconocido
Segundo diz: “Todo ha pasado ya para ella. ¿No la ves? Ha tocado esa parte de la vida
331
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
de donde, aunque todavía se respire, no se puede ya volver. Mas nunca se irá, nunca se
os irá del todo” (ZAMBRANO, 2012, p. 235). Para Mielietinski (1987, p. 117), tal
“complexo da morte temporária e da renovação (do novo nascimento) […] adquiriu o
sentido como que universalmente humano, extra-histórico, psicológico, e deste modo
deixou definitivamente de ser um “resquício””.
O estudo sob os apectos mitológicos na obra de Zambrano se afirmam posto que,
segundo Mielietinski (1987, p. 17) a mitologia propõe um autêntico universo em si
mesma “um modo de vida e de um caos pleno de maravilhas na divina criação de
imagens, caos esse que em si mesmo já é poesia, e ao mesmo tempo é para si mesmo
matéria e elemento de poesia”, assim, a mitologia se configura em um universo próprio,
por meio do qual nascem as obras de arte. Ademais, segundo este estudioso “só nos
limites de semelhante universo são possíveis imagens estáveis e definidas, só e
unicamente através das quais os conceitos eternos podem ganhar expressão” (p. 17).
Constata-se que no século XX iniciou-se o processo de “remitologização”, que
abrangeu variados aspectos da cultura européia. Zambrano sustenta tal processo em sua
proposta literária, elevando, de acordo com Mielietinski o mito “como um princípio
eternamente vivo, que desempenha função prática também na sociedade atual” (p. 28).
É determinante que consideremos o modo pelo qual os mitos são revistos, posto que
“os elementos do pensamento mitológico são efetivamente concreto e
estão relacionados com as sensações imediatas, com as propriedades
sensoriais dos objetos, porém podem atuar como mediadores entre as
imagens e os conceitos e na qualidade de signos pode superar a
oposição entre o sensorial e o especulativo, atuar como operadores da
reorganização” (MIELIETINSKI, 1987, p. 93).
Quanto ao gênero literário que circuncreve a obra, Trueba Mira (2012, p. 28)
considera a Ana Bundgard, que classifica La tumba de Antígona como “relato
dialogado, en prosa”, referindo-se à obra como “drama de ideas con predominio de la
discursividad sobre la acción”, enquanto que María Fernanda Santiago classifica a obra
como “extenso poema en prosa”. Posto isso, notamos que as categorias concernentes ao
teatro não nos serão suficientes. Assim, a obra será estudada sob o viés da prosa poética,
estudados por Todorov. Ao consoderarmos Tadié (s.d., n.p.) percebemos que na prosa
poética “há um conflito constante entre a função referencial, com seu papel de evocação
e de representação, e a função poética, que chama a atenção para a própria forma da
mensagem”. É justamente esta a intenção de Zambrano, chamar a atenção para a própria
332
Descrição das pesquisas
mensagem, construir o significado pela reorganização dos acontecimentos, por meio da
palabra da personagem dita a si mesma, que promoverá a ascenção, configurando o
trânsito do segundo nascimento.
Nestes termos, no âmbito dos Estudos Literários, a obra de María Zambrano é
estudada sob três perspectivas: a) A construção da Razão Poética como proposta de
reorganização do pensamento contemporâneo, pautado pela plena consciência, se
valendo igualmente da poesia e da razão, vinculada ao verdadeiro nascimento, este que
advém da real tomada de consciência; b) A “remitologização”, que consiste na retomada
dos mitos clássicos – no nosso caso da Antígona de Sófocles – ressignificando-os, posto
que não se trata propriamente de um diálogo intertextual, senão de uma nova obra – que
se inicia, no nosso caso, pouco antes do desfecho da obra de Sófocles, quando Antígona
é encerrada viva numa tumba; c) A Prosa Poética como recurso utilizado pela autora
para construir o monólogo delirante de Antígona, que remete igualmente aos aspectos
anteriores da razão poética e da “remitologização”.
Assim, nosso intento é o de desvendar a razão poética zambraniana que se
constrói por meio do discurso de Antígona – discurso este erigido da prosa poética –,
nos valendo, obviamente, da obra de Sófocles, entretanto, somente como objeto de
identificação da agonia de Antígona, que a encaminhou ao seu segundo nascimento,
plenamente consciente. Logo, o corpus deste trabalho consiste na obra La tumba de
Antígona, na qual Zambrano constrói a voz da razão, por meio da poesia em prosa, voz
esta que será, igualmente, a construção da personagem por si mesma, uma construção
que se faz por meio da palabra.
Esta pesquisa encontra-se em fase de redação do texto para qualificação, de
modo que em nossas análises buscamos investigar a construção da razão poética por
meio da palavra da personagem, bem como o processo que se vale Zambrano de rever o
mito clássico, propondo um novo olhar a estas duas instâncias, há tanto separadas, desde
a condenação platônica da poesia.
Ademais, os objetivos específicos deste projeto são:
- Analisar a construção do pensamento da autora que defende a união
transcendente da poesia e da filosofia, rebatendo o rompimento proposto por Platão,
retomando os mitos clássicos;
- Verificar a influência da palavra como formadora de significado e como
construção do ser, pelas vias tanto da prosa poética como da razão poética zambraniana;
333
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
- A partir das análises, delimitar em que medida a transcendência proposta pela
autora se relacionam com o momento histórico por ela vivido, e pela sua condição de
mulher exilada.
Bibliografia
ADÁN, O. Zambrano opus palimpsestum. En torno a Platón y la violencia. In:
BENEYTO, J.M.;
GONZÁLES FUENTES, J.A. (coord.). María Zambrano: la visión más
transparente. Madrid: Editorial Trotta, 2004. (p. 427 - 440).
AYBAR RAMÍREZ, M. D. Literatura exilada: o espaço em L’agneau carnivore de
Agustin Gomez-Arcos. 2003. 235 p. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Araraquara, 03 dez.2033.
CARRASCO, D. S. (2010). Historia y violencia: Walter Benjamin y María
Zambrano. Universidad de Murcia. Thémata. Revista de Filosofía. Número 43, págs.
417-434, 2010.
CASSIRER, E. Linguagem e mito. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
DÍAZ LOPEZ, J. De la palabra sagrada como acción operativa. In: BENEYTO, J.M.;
GONZÁLES FUENTES, J.A. (coord.). María Zambrano: la visión más
transparente. Madrid: Editorial Trotta, 2004. (p. 135 - 146).
ELIADE, M. Mito do Eterno Retorno. Tradução de José Antonio Ceschin. São Paulo:
Mercuryo, 1992.
GÓMEZ BLESA, M. Zambrano: la condenación platónica de la poesía. In: BENEYTO,
J.M.;
GONZÁLES FUENTES, J.A. (coord.). María Zambrano: la visión más
transparente. Madrid: Editorial Trotta, 2004. (p. 61 - 75).
HIERRO, G. La vocación de Antígona (acercamiento a María Zambrano). In:
Cincuenta años del exilio español en México. Tlaxcala, México, Universidad
Autónoma de Tlaxcala, Embajada de España, 1991, p. 85-93.
IGLESIAS SERNA, A. Algunos lugares de la poesía. La palabra pensante de María
Zambrano. In:
BENEYTO, J.M.; GONZÁLES FUENTES, J.A. (coord.). María Zambrano: la visión
más transparente. Madrid: Editorial Trotta, 2004. (p. 191 - 205).
ILIE, Paul. Literatura y exilio interior: escritores y sociedad en la España
franquista. Madrid: Fundamentos, 1981.
JACKSON, G. La República española y la guerra civil (1931-1939. Barcelona, Orbis,
1985
MARTÍNEZ CACHERO, J. M.; SANZ VILLANUEVA, S.; YNDURÁIN, D.. La
novela. In: YNDURÁIN, D. (org.) Historia y crítica de la literatura española: época
contemporánea. Barcelona: Crítica, 1992. v. 9. p. 318-555.
MIELIETINSKI, E. M. A poética do mito. Tradução de Paulo Bezerra. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1987
MORENO SANZ, J. Luz para la sangre. Genealogía del pensamiento en la vida de
María Zambrano. In: BENEYTO, J.M.; GONZÁLES FUENTES, J.A. (coord.). María
Zambrano: la visión más transparente. Madrid: Editorial Trotta, 2004. (p. 9 - 44).
ORTEGA y MUÑOZ, J. F. Introducción al pensamiento de María Zambrano.
México: Fondo de Cultura Económica, 1994.
PIÑAS SAURA, M. del C.. Sobre la razón poética de María Zambrano. In: CERVERA
SALINAS, V.; HERNÁNDEZ GONZÁLEZ, M.B.; ADSUAR FERNÁNDEZ,M. D.
334
Descrição das pesquisas
(eds.). El ensayo como género literario. Murcia, Universidad de Murcia, Servicio de
publicaciones, 2005. (p. 131 - 142).
PRIETO, S. <<Amor de engendrar en la belleza>>. Filosofía y conocimiento amoroso
en María Zambrano. In: BENEYTO, J.M.; GONZÁLES FUENTES, J.A. (coord.).
María Zambrano: la visión más transparente. Madrid: Editorial Trotta, 2004. (p. 393
- 425).
RICO, F. História de la literatura española. Barcelona: Editorial Crítica, 1983.
TODOROV, T. Poética da prosa. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
TRUEBA MIRA, V. Introducción. In: ZAMBRANO, M. La tumba de Antígona y
otros textos sobre el personaje trágico. Edición de Virginia Trueba Mira, Madrid:
Cátedra, 2012.
ZAMBRANO, M. Claros del bosque. Barcelona: Seix Barral, Clásicos de bolsillo,
1986.
ZAMBRANO, M. Filosofía y poesía. México: Fondo de Cultura Económica, 1996.
ZAMBRANO, M. La tumba de Antígona y otros textos sobre el personaje trágico.
Edición de Virginia Trueba Mira, Madrid: Cátedra, 2012.
335
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
TEATRO E TEATRALIDADE NA OBRA DE MANOEL DE OLIVEIRA
Mariana Veiga Copertino Ferreira da Silva
Mestranda
Profa. Dra. Renata Soares Junqueira (Or.)
O cinema de Manoel de Oliveira tem a marca da resistência ao cinema comercial
que se vende para a indústria cultural. Por conta disso, este cineasta é considerado um
revolucionário do cinema, e não só quando se trata do âmbito do cinema português. Um
dos aspectos mais interessantes da produção de Oliveira é a sua relação intrínseca com
as outras artes como a pintura, desenvolvida em filmes como O pintor e a cidade, de
1956; a escultura, que pode ser vista em As estátuas de Lisboa, de 1932; a música, que é
bastante explorada em Os canibais, de 1988, e principalmente a literatura e o teatro.
Renata Soares Junqueira, na apresentação do livro Manoel de Oliveira: uma presença
afirma o seguinte:
Leitor obstinado, com efeito, de textos filosóficos, literários e
dramatúrgicos de variado quilate, inscritos num quadro autoral de
grande envergadura[...], Oliveira derivou de tentativas de adaptação
cinematográfica da literatura e do teatro quase todos os seus grandes
filmes, que são sempre ostensivamente teatrais. (JUNQUEIRA, 2010,
p. xx)
Considerando que a teatralidade presente na obra de Manoel de Oliveira não é
sem propósito, esta pesquisa se propõe a analisar esses aspectos teatrais, com a intenção
de identificar a estética própria do cineasta e analisar esse método de criação que se vale
da teatralidade para mostrar ao espectador aquilo que ele vê como o que realmente é:
um filme, uma obra de ficção. Isto se revela a partir do uso de técnicas do teatro épico,
que determinam claramente o distanciamento entre o espectador e aquilo que ele assiste,
rompendo qualquer possível ilusão de realidade.
Para análise, o filme que escolhemos é O Meu caso (ou Mon cas no título
original), produzido em 1986, na França, que tem sua origem na peça O Meu Caso de
José Régio. O texto de Régio, por si só, já é absolutamente teatral, primeiramente por
ser um texto de dramaturgia, mas também e principalmente por se tratar de um texto
metateatral, ou seja, é uma peça em que se interpreta uma peça. Manoel de Oliveira se
336
Descrição das pesquisas
vale disso e acaba produzindo um de seus filmes mais herméticos, no qual o espectador
assiste na tela do cinema à interpretação desta peça de José Régio, porém em uma
releitura tipicamente oliveiriana. Para essa composição, o cineasta ainda faz uso de
textos extraídos de Pour finir encore et autres foirades, de Samuel Beckett, e do livro
de Jó, do Antigo Testamento, que subsidiam o desenvolvimento do tema da
incomunicabilidade humana neste filme.
A relação entre Régio e Oliveira foi sempre bastante estreita – não por acaso o
cineasta adaptou várias obras do dramaturgo para o cinema. Régio chegou a mencionar
o trabalho de Oliveira algumas vezes na Revista Presença, em Portugal, no inicio do
século XX. O escritor modernista distinguia dois tipos de cinema: um industrial,
dedicado a agradar o público, e um artístico, que buscava fazer uma pesquisa estética, e
era neste segundo que se incluía Manoel de Oliveira. Para Régio, seu amigo cineasta
tinha uma poderosa visão de poeta que se expressava através do cinema.1
A pesquisa encontra-se já em estágio de conclusão, em que está sendo feita a
redação final da dissertação, resultante de quase dois anos de estudos acerca da obra de
Oliveira e com dedicação a análise do filme Mon Cas. A tese defendida é a da presença
da teatralidade como estética cinematográfica do realizador português, pensada,
sobretudo através de uma aproximação com o grande nome do teatro moderno Bertolt
Brecht. O filme selecionado como corpus é considerado uma obra ensaística justamente
a respeito da dialética teatro/cinema e a análise permite a aproximação entre o cinema
contemporâneo e o teatro moderno proposto pelo dramaturgo alemão. O embasamento
teórico consiste, sobretudo, em estudos teóricos e críticos sobre a produção de Manoel
de Oliveira e estudos sobre a linguagem teatral, sobre a linguagem cinematográfica e
também sobre a metalinguagem, elemento tão importante em O meu caso. Dentre as
teorias estudadas para embasar a análise, destacam-se a leitura da fundamentação sobre
Opacidade e Transparência do discurso cinematográfico, proposta por Ismail Xavier, no
intuito de compreender o funcionamento da linguagem cinematográfica; as teorias sobre
montagem do renomado cineasta Sergei Eisenstein, através das quais se busca elucidar
o funcionamento da construção discursiva no cinema; e a teoria sobre o Drama
Moderno, de Peter Szondi, a fim de compreender melhor as relações que o cinema de
Oliveira estabelece com o teatro. Na bibliografia básica da pesquisa, destacam-se ainda
1
Informação retirada do ensaio Manoel de Oliveira/José Régio: as correntes de ar, presente no catálogo
da exposição Manoel de Oliveira/José Régio releituras e fantasmas ocorrida em Vila do Conde,
Portugal, entre os anos de 2009 e 2010.
337
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
nomes como António Preto, Patrice Pavis, Sábato Magaldi, Anatol Rosenfeld, dentre
outros.
A dissertação passa pelo Exame de Qualificação no dia 25 de outubro de 2013,
com banca composta pelos professores Antônio Donizetti Pires e Fabiane Borsato, na
UNESP FCL/Ar e pela professora orientadora da pesquisa, Renata Soares Junqueira, da
mesma instituição.
Bibliografia
ALFRADIQUE, Julio, LIMA, Carla. Da literatura para o cinema. Rio de Janeiro:
Mirabolante, 2010.
ANDREW, J. Dudley As principais teorias do cinema: uma introdução. Tradução de
Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
AUMONT, Jacques, MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema.
Tradução de Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas: Papirus, 2003.
BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasilinse, 1991.
BAECQUE, Antonio de. Cinefilia. São Paulo: Cosac Naify, 2011. (Coleção Cinema,
Teatro e Modernidade).
BRITO, João Batista de. Literatura no cinema. São Paulo: UNIMARCO, 2006.
BRITO, José Domingos de. Literatura e cinema: mistérios da criação literária. São
Paulo: Editora Novatec, 2007.
CEGARRA, Michel. “Cinema e Semiologia”. In: SEIXO, Mª Alzira (org.), Análise
semiológica do texto fílmico. Lisboa: Editora Arcádia, 1979, p..65-165. (Colecção
Práticas de Leitura).
CHALHUB, Samira. Metalinguagem 3 ed. São Paulo: Ática, 1998.
EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Apresentação, notas e revisão técnica de José
Carlos Avellar. Tradução de Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
EISENSTEIN, Sergei. O sentido do filme. Apresentação, notas e revisão técnica de
José Carlos Avellar.. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
FERREIRA, Carolin Overhoff (org.). O cinema português através dos seus filmes.
Porto: Campo das Letras, 2007. (Campo do Cinema, 5).
GOLIOT-LETE, Anne e VANOYE, Francis. Ensaio sobre a análise fílmica.
Campinas: Papirus, 2002.
JUNQUEIRA, Renata Soares (Org.). Manoel de Oliveira: uma presença. Estudos de
literatura e cinema. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010.
MACHADO, Álvaro (org.). Manoel de Oliveira. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
MAGALDI, Sábato. O texto no teatro. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. (Estudos,
111).
MONTEIRO, Miguel (org.). Cinema e história, 6 a 10 de outubro de 2003. Lisboa:
Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004.
PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. Tradução de J. Guinsburg e Maria Lúcia Pereira.
São Paulo: Perspectiva, 1999.
ROSENFELD, Anatol. Cinema: arte & indústria. Pesquisa e coordenação de Nanci
Fernandes. São Paulo: Perspectiva, 2009. (Debates, 288).
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880-1950). Trad. de Luiz Sérgio Repa.
São Paulo: Cosac & Naify, 2001.
338
Descrição das pesquisas
XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. 1 ed. Rio de Janeiro:
Edições Graal; Embrafilme, 1983. (Arte e Cultura, 5).
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 4 ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2008.
339
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A LITERATURA ORAL EM LE CHERCHEUR D’OR: LENDAS E MITOS
Marília Alves Corrêa
Mestranda – Bolsista CNPq
Profa. Dra. Ana Luiza Silva Camarani
Ao propormos um estudo sobre a obra lecléziana, pretendemos, inicialmente,
investigar quais são as referências e motivações do autor para que ele faça de sua obra
um arsenal de mitos e lendas, tornando-a um amálgama mítico (JOLLIN-BERTOCCHI;
THIBAULT, 2004). Nosso estudo se baseará no livro Le chercheur d’or, um romance
de 1985, no qual o narrador autodiegético (GENETTE, 1972, p.253) Alexis conta-nos
sobre a sua infância na Ilha Maurício, além de citar os lugares por onde passou durante
parte de sua vida, como a Ilha Rodrigues, por exemplo. Trata-se, portanto, de uma
narrativa aparentemente calcada no romance de aventura, na qual o narradorprotagonista conta como começou a sua busca pelo ouro e como ela se transformou no
decorrer dos anos. O título do livro já evoca a aventura, pois Le Clézio chama a atenção
para o sentido das palavras “procura” e “busca”.
A narrativa inicia-se no final do século XIX, em 1892 e termina na segunda
década do século XX, em 1922. Assim, podemos entender que Le chercheur d’or (1985)
abrange o período da colonização africana pelos países europeus que, devido à partilha
desproporcional das terras africanas e asiáticas, iniciaram um conflito imperialista pela
defesa de seus interesses econômicos, culminando, assim, na Primeira Guerra Mundial.
Inicialmente, a história passa-se no Boucan, na Ilha Maurício, onde o protagonista narra
sua infância feliz, mas, após um desastre natural, ele e sua família são obrigados a
mudar-se para Forest Side, a parte urbanizada da ilha. Aqui, nasce no protagonista o
desejo de buscar por algo melhor, pois a violência e o egoísmo do mundo capitalista
passam a atormentar a harmonia e felicidade dele e de sua família.
Diante disso, Alexis sente a necessidade de reencontrar seu paraíso perdido
(Boucan) e, a fim de buscar uma vida melhor e de ir atrás de novas descobertas, parte,
sozinho em uma embarcação (navio Zeta), para a Ilha Rodrigues, onde pretende
encontrar seu tesouro perdido através de misteriosos mapas deixados pelo seu pai, que
retratavam a incessante busca do ouro por um Corsário desconhecido. A partir desse
momento, há um constante deslocamento espacial de Alexis que dá maior dinamicidade
340
Descrição das pesquisas
à narrativa, pois o protagonista passa a procurar, incessantemente, um motivo para
viver.
Ao chegar à Ilha de Rodrigues, nota-se que Alexis tem seu destino transformado,
pois lhe é mostrada a verdadeira essência da vida, permitindo que ele veja o mundo sob
diferentes perspectivas. Lá ele vai aprofundar suas pesquisas sobre o tesouro do
Corsário desconhecido e o seu desejo de riqueza vai cegar seus instintos naturais,
fazendo com que ele ignore tudo o que lhe era importante até então para fazer parte da
massa de homens adoentados pelo excesso de civilização e industrialização. Nesse
momento, ele conhece Ouma, uma personagem representante da miscigenação das
culturas e da exclusão social a qual grande parcela da África está submetida. Ela tenta
fazer com que Alexis retome seus antigos valores mostrando-lhe como a soberba
ocidental deu ao homem um poder maléfico, mas o protagonista está tomado pela
revolta e pelo desejo de riqueza e se nega a enxergar a sabedoria das palavras de Ouma.
Depois de sofrer com a violência e o excessivo materialismo do homem
contemporâneo, Alexis volta às suas origens e vai à Mananava, um lugar paradisíaco
cercado de elementos míticos, idealizado desde a infância do personagem. Lá, ele
começa a entender o verdadeiro sentido da vida e a valorizar o que realmente tinha
importância, entrando, novamente, em harmonia com o cosmos e, ao lado de Ouma,
sente-se plenamente feliz.
A inserção de mitos e lendas no romance
No decorrer da narrativa, percebemos que Le Clézio insere, constantemente,
elementos e personagens que integram esse contexto intercultural, acentuado pela
diversidade lendária e mitológica. Analisando a identidade de cada personagem e sua
evolução dentro da narrativa, percebemos que cada um carrega consigo uma origem
mitológica diferente e que cada voz é responsável por, pelo menos, um mito ou uma
lenda peculiar. Entretanto, apesar das múltiplas crenças, culturas e etnias inseridas na
obra, não se tem a impressão de que uma se sobreponha à outra; ao contrário, Le Clézio
coloca-as de forma equipotente cujas diversidades originárias servem como
complemento, formando, assim, uma obra homogênea. Nesse sentido, não vemos, no
romance lecléziano, a tentativa de subordinar a voz dos personagens à voz do herói
principal, pois o próprio protagonista se identifica com a ideia de outros personagens do
341
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
romance e, muitas vezes, passa a incorporar as ideologias deles, tendo-as, portanto,
como fonte de enriquecimento pessoal.
É nesse panorama intercultural e homogêneo que os mitos e as lendas são
inseridos no romance, ou seja, o escritor procura abranger uma grande diversidade
cultural na qual crenças de várias culturas são exploradas. A princípio, mostraremos os
mitos de origem ocidental, introduzidos na narrativa devido ao contexto de colonização
europeia ao qual todos os personagens, de maneira direta ou indireta, estão submetidos.
A semelhança da trajetória de Alexis com a de Robinson Crusoé, por exemplo, remetenos ao mito de Daniel Defoe (1719), sendo, inclusive, estabelecida uma comparação
explícita pelo próprio narrador: “Je suis seul maintenant comme Robinson sur son îlê.”
(LE CLÉZIO, 1985, p.71). Revisitando este mito, Le Clézio reafirma a questão da
origem, da herança e do eterno retorno, pois os personagens dessa obra têm uma relação
estreita com a natureza e, no decorrer do seu percurso, aprendem a valorizar a inocência
da infância e do selvagem.
Dentro dessa influência ocidental que vemos na narrativa, os mitos ligados à
bíblia têm grande importância, pois são enunciados por meio da voz da mãe de Alexis,
Mam, cuja voz é assinalada inúmeras vezes de maneira carinhosa e saudosa: “Je me
souviens seulement de l’histoire du déluge, que Mam nous lisait dans le grand livre
rouge, lorsque l’eau s’est abattue sur la terre et a recouvert jusqu’aux montagnes, et le
grand bateau qu’avait construit Noé pour s’échapper,[...]”. (LE CLÉZIO, 1985, p.81),
conta Alexis. Após ter sido exilado de seu local de origem, onde se achava longe da
maldade da civilização, o protagonista aprende a valorizar o que realmente importa,
retomando, assim, o mito de Jonas.
O modo como Alexis retrata o berço de sua infância (Boucan) no início da
narrativa e a maneira saudosa com que o retomará no decorrer de sua jornada nos
remete ao Éden, onde tudo era oferecido aos homens de maneira milagrosa e farta,
proporcionando à humanidade o que havia de bom para seu próprio deleite. Assim,
vemos que a doce lembrança que Alexis tem da sua infância nos remete ao mito da
Idade de Ouro, em que todos os homens viviam como deuses e, por isso, não havia
desigualdade, violência, maldade. Ademais, a relação conflituosa entre o pai de Alexis
(representante dos valores humanitários) e seu irmão, Tio Ludovic (representante do
capitalismo), remete-nos à história de Abel e Caim, pois, assim como estes, aqueles
divergiam muito em suas opiniões e no status social.
342
Descrição das pesquisas
O mito de Jasão, de origem grega, também é revisitado na obra por meio do
próprio Alexis, já que sua busca iniciática pelo “ouro” é análoga à busca de Jasão pelo
tão almejado “velocino de ouro”. Durante o calvário dos dois heróis, notamos que a
decepção por não encontrarem a riqueza material que procuravam é essencial para que
percebam qual é o verdadeiro tesouro pelo qual buscaram por tanto tempo.
A origem africana da maioria dos personagens e o espaço predominantemente
africano da narrativa completam esse mosaico mítico e lendário de Le chercheur d’or.
Mananava, por exemplo, é um paraíso mítico que só está disponível àqueles que
entenderam qual é o verdadeiro “ouro” pelo qual a humanidade deve procurar. Além
disso, a lenda de Mananava está ligada à lenda dos escravos negros, pois teria sido o
ligar onde eles se abrigavam após suas fugas. Diretamente ligada a esta lenda está a dos
pássaros rabos-de-palha, que estariam relacionados aos fantasmas de Mananava e
seriam uma espécie de mensageiros divinos.
Ao associarmos todas essas lendas expostas e considerarmos que, originalmente,
pertencem a mundos e culturas extremamente diferentes, entendemos que é justamente
essa heterogeneidade mítica e lendária que torna Le chercheur d’or (1985) uma obra
cuja polifonia e multiplicidade de ideias buscam colocar no mesmo patamar todas as
culturas existentes no mundo, fazendo com que coexistam de maneira complementar e
harmoniosa, sem que uma se sobreponha à outra.
Estágio atual da pesquisa
No presente momento, o trabalho de pesquisa encontra-se em sua fase inicial.
Até agora, foram realizadas leituras e fichamentos de alguns livros que integram a
bibliografia e analisam alguns tópicos concernentes às teorias de Linda Hutcheon
(1991) e de Elisabeth Wesseling (1991) acerca das questões sobre metaficção
historiográfica e “ficção ucrônica”, respectivamente. Além disso, utilizaremos os
conceitos de Jean-Yves Tadié sobre o romance de aventuras, contidos no livro Le roman
d’aventure (1996), e de José Paulo Paes, no livro A aventura literária (1990), para
embasar teoricamente nossa pesquisa, juntamente com os livros Problemas da poética
de Dostoiévski (1997) e Figures (1972), de Bakhtin e Genette, respectivamente. Além
disso, utilizaremos artigos que estudem a obra do autor bem como estudos críticos
acerca do autor e de sua obra.
343
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Bibliografia
ALAVI, F. Mawlana et Le Clézio: auteurs d’une quête mystérieuse de l’or. Université
de Téhéran, 2009.
ALVES DOS SANTOS, M. Viagem e utopia em J.M.-G. Le Clézio: Le chercheur d’or e
Voyage à Rodrigues. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2009.
ASSUNÇÃO, I. Villa aurore, de Le Clézio: o conto da infância. São Paulo, Ed.
Mackenzie, 2012, p.3.
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
CAMARANI, A. A tradição literária poética e sensorial em Le Clézio. In: Itinerários,
n.31, p.60. Araraquara, 2010.
CAVALLERO, C. J.M.-G. Le Clézio et les sables des mots. In: Erudit, n.82, p. 121134. Montreal: Tangence, 2006.
GENETTE, Gérard. Figures III. Paris: Seuil, 1972. (Poétique).
HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria, ficção. Trad. Ricardo
Cruz. Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1991.
JOLLIN-BERTOCCHI, S.; THIBAULT, B. Lectures d’une oeuvre. Nantes: Du temps,
2004.
LE CLÉZIO, J.M.-G. Le chercheur d’or. Paris: Gallimard, 1985.
ONIMUS, J. Pour lire Le Clézio. Paris: PUF, 1994.
PAES, J.P. A aventura literária: ensaios sobre ficção e ficções. Ed. Companhia das
letras, São Paulo, 1990.
SALLES, M. Le Clézio, un écrivain de la rupture? In: Itinerários, n.31, p. 15-31.
Araraquara, 2010.
TADIÉ, J.-Y. Le roman d’aventures. Ed. Quadrige/PUF, Paris, 1996.
WESSELING, E. Writing history as a prophet: postmodernist innovations of the
historical novel. Ed. John Benjamins B.V., Filadélfia, 1991.
344
Descrição das pesquisas
DO DORSO À CAUDA DO TIGRE: TRILHANDO A LINGUAGEM DE
CLARICE LISPECTOR
Marília Gabriela Malavolta
Doutoranda
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Marchezan (Or.)
Os romances de Clarice Lispector apresentam reiterados embates com a
linguagem; seus narradores estão em busca de um modo de dizer que lhes é sempre
insuficiente diante do buscado ou do vivido. Este aspecto alça a linguagem à condição
de tema das narrativas, ao lado mesmo de seus enredos constitutivos, conforme, desde
as primeiras publicações da autora, asseveraram os críticos Benedito Nunes e Antônio
Cândido. Neste contexto, este trabalho de pesquisa identifica e analisa uma implicação
significativa instaurada pelo “fracasso da linguagem” – assim nomeado por Nunes – nos
romances A paixão segundo G. H., Água viva e A hora da estrela. Trata-se da imagem
de aderência presente nos enredos, especialmente nas relações que se estabelecem entre
seus narradores e seus personagens. Crônicas de A descoberta do mundo, embrionárias
de muitos trechos dos referidos romances, compõem igualmente o desenvolvimento
desta pesquisa.
Os variados excertos dessas narrativas cujos conteúdos evocam atos e efeitos de
grudes, colagens, pertencimentos são entendidos neste estudo como sendo formas de
aderência. Os dois trechos apresentados a seguir, selecionados das crônicas Não sei e
Os obedientes (I), respectivamente, exemplificam-na: “Vocês podem me dizer o que
lhes interessa, sobre o que gostariam que eu escrevesse. Não prometo que sempre
atenda o pedido: o assunto tem que pegar em mim, encontrar-me em disposição certa
[...]” (DM, p. 466, 1999); “Trata-se de uma situação simples. De um fato a contar e a
esquecer. Mas cometi a imprudência de parar nele um instante mais do que deveria e
afundei dentro ficando comprometida. Desde esse instante em que também me arrisco –
pois aderi ao casal de que vou falar – desde esse instante já não se trata apenas de um
fato a contar e por isso começam a faltar palavras” (DM, p. 436, 1999).
O estudo desenvolvido por este trabalho de pesquisa apresenta a aderência como
resultante do fracassado embate com a linguagem travado pelos narradores clariceanos e
também como uma metáfora da criação artística. Metáfora que se desenrola de modo
345
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
progressivo entre os romances A paixão segundo G.H., Água viva e A hora da estrela,
assim como, em caráter progressivo, Nunes, ao abordar o pathos da escrita da autora,
identifica a transmutação da paixão em compaixão entre PSGH e HE.
Diante do exposto, o primeiro ano desta pesquisa constituiu-se essencialmente
pela releitura técnica das obras A paixão segundo G.H., Água viva, A hora da estrela e
A descoberta do mundo, seguidas por transcrições de excertos que contêm a referida
imagem de aderência. As categorias de Tempo e de Narração foram decompostas a fim
de se situar a presença da aderência, com vistas a lhe atribuir significações iniciais
apontadas pelo próprio arranjo dessas categorias.
Ao longo deste seu segundo ano, o trabalho de pesquisa tem consistido em
leituras críticas tanto acerca da obra de Clarice quanto do I ching – o livro das
mutações, uma vez que um dos 64 hexagramas que o compõem representa a imagem do
aderir e pode ser lido, segundo o estudioso Richard Wilhelm, como metáfora das várias
etapas do processo de criação artística, o que, de acordo com a hipótese vigente, é
também metaforizado pelas imagens de aderência evocadas nas citadas narrativas de
Clarice. Outras aproximações já identificadas entre a cultura chinesa, especialmente o I
ching, e a escrita de Clarice subsidiam essa abordagem.
Tanto no primeiro quanto no segundo ano, o trabalho contou com as ricas
contribuições das disciplinas cursadas, com destaque, dado seu recorte temático, a
“Aspectos da Narrativa”, ministrada pela Profa. Dra. Maria Célia Moraes Leonel,
“Vanguardas Europeias e Modernismo Brasileiro”, ministrada pelas Profas. Dra Guacira
Marcondes Machado Leite e Dra. Silvana Vieira da Silva, “Realismo, Realidade e
Representação: do século XIX à narrativa contemporânea”, ministrada pela Profa. Dra.
Juliana Santini. A primeira viabilizou o instrumental teórico para, ao se isolar as
categorias de Tempo e de Narração, identificar efeitos de sentido em seus conteúdos
constantes, a saber, a tematização da própria narração e o adiamento da narrativa
principal. A aderência colocou-se, justamente, como um efeito de sentido resultante
desses processos. A segunda propiciou reflexões mais pormenorizadas sobre Vanguarda
e Modernismo Brasileiro, que, por sua vez, enriqueceram a leitura do teórico texto
clariceano Sobre o conceito de vanguarda, ensaio lido pela escritora em algumas
conferências de que participou, no Brasil e nos EUA, e que engendra abordagens
conceituais sobre o princípio de aderência tal qual abordado pela pesquisa. A terceira,
ao apresentar um leque de críticas do Realismo, permitiu identificar ou delimitar o lugar
346
Descrição das pesquisas
ocupado por este na narrativa de Clarice, do que a leitura de A arte da ficção, de Henry
James, foi fortemente tributária.
As aulas, as leituras obrigatórias e as leituras específicas iniciais, somadas
àquele primeiro trabalho de releituras, transcrições e decomposição de categorias
narrativas, resultaram em dois relatórios preliminares, de sistematização de resultados.
Em março, o artigo intitulado “Na teoria e na ficção: a vanguarda em Clarice Lispector”
foi submetido à edição número 34 da revista ANPOL, cujo resultado de publicação
ainda não foi divulgado. À agência financiadora da pesquisa, Fapesp, dever-se-á
entregar Relatório de Atividades no mês de abril do próximo ano.
Nos próximos dias, a pesquisa contará também com consulta ao acervo de
Clarice Lispector presente no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro. Conforme
agendamento já realizado, serão inicialmente consultados manuscritos de A hora da
estrela, dois quadros da escritora e treze livros de sua biblioteca pessoal, dentre eles o I
ching – o livro das mutações.
Bibliografia
CHENG, François. La Escritura Poética China. Seguido de uma antologia de poemas
de Los Tang. Valencia, Pre-Textos, 2007.
CHENG, Anne. História do Pensamento Chinês. Rio de Janeiro, Vozes, 2008.
GENETTE, Gérard. Discurso da Narrativa. Lisboa, Arcádia, 1979.
LISPECTOR, Clarice. A Paixão Segundo G. H. (edição crítica coordenada por Benedito
Nunes). 2ª. ed. Madrid/Paris/México/Buenos Aires/São Paulo/Rio de Janeiro, ALLCA
XX, 1996 (Coleção Archivos).
______. Água Viva. Rio de Janeiro, Rocco, 1998.
______. A Hora da Estrela. Edição especial com áudio-livro, Rio de Janeiro, Rocco,
2006.
______. Outros Escritos. Rio de Janeiro, Rocco, 2009.
______. A Cidade Sitiada. Rio de Janeiro, Rocco, 2009.
JAMES, Henry. A arte da ficção. In: NOSTRAND, Albert d. Van. (org.). Antologia de
crítica literária. Tradução de Márcio Cotrim. Rio de Janeiro: Lidador, 1968. p. 122-139.
NUNES, Benedito. A clave do poético. São Paulo, Companhia das Letras, 2009.
______. O dorso do tigre. São Paulo, Editora 34, 2009.
______. O drama da linguagem. Uma leitura de Clarice Lispector. São Paulo, Ática,
1995.
______. “Nota filológica”, in NUNES (coord.), A paixão segundo G.H., ed. crítica,
1996.
______. “A Paixão de Clarice Lispector” in VÁRIOS AUTORES, organização de
Adauto Novaes. Os sentidos da paixão. São Paulo, Companhia das Letras. Companhia
de Bolso, 2009.
SOUSA, Carlos Mendes de. Clarice Lispector. Figuras da Escrita. São Paulo, Instituto
Moreira Salles, 2012.
______. Clarice Lispector. Pinturas. Rio de Janeiro, Rocco, 2013.
347
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
WILHELM, Richard (tradução). I Ching. O Livro das Mutações. Prefácio de C.G. Jung.
São Paulo, Pensamento, 2006.
______. A Sabedoria do I Ching. Mutação e Permanência. São Paulo, Pensamento,
1995.
348
Descrição das pesquisas
O FANTÁSTICO BALZAQUIANO NO SÉCULO XIX: ‘LA PEAU DE
CHAGRIN’ E ‘L’ÉLIXIR DE LONGUE VIE’
Marli Cardoso dos Santos
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. María Dolores Aybar Ramírez (Or.)
Sabemos que a extensão de A comédia humana não nos permite fazer uma
análise aprofundada de todas as narrativas que têm o insólito como pano de fundo. Por
essa razão, continuamos nossa pesquisa em L’elixir de longue vie e La peau de chagrin,
duas narrativas significativas e com elementos semelhantes. Os personagens dessas duas
histórias têm em comum a busca pela imortalidade e pela realização de desejos, mesmo
que essa busca acabe de modo indesejado para os dois.
Abordaremos mais especificamente nesse texto, um resumo do que faremos em
cada capítulo da tese. No primeiro capítulo, intitulado “O escritor Honoré de Balzac na
Literatura Mundial”, objetivamos um percurso pela obra balzaquiana, especificamente
na importância que esse escritor possui na literatura. Honoré de Balzac dedicou-se
inteiramente ao trabalho com a escrita; sua Comédia humana constitui uma espécie de
museu literário, pois apresenta uma visão diversificada de vários seguimentos da
sociedade. Percebemos que o escritor não ficou preso apenas a algumas questões, pelo
contrário, seu trabalho vai de aspectos mais corriqueiros aos mais ‘fabulosos’.
E por possuir uma obra tão ampla, a fortuna crítica sobre o escritor também é
extensa. Existem estudos que focalizam o escritor como visionário, caso de Albert
Béguin (1965), que aborda na obra de Balzac as questões filosóficas que embasam A
comédia Humana. No caso de Pierre G. Castex (1962) há uma abordagem do fantástico
em Balzac como meio de exprimir uma filosofia, através dos grandes problemas
metafísicos. No caso da presente pesquisa, partiremos para estudos que envolvem o
fantástico como um recurso literário que permite a exploração da natureza humana, de
modos diversos. Ou seja, o tão desejado ‘poder’ passa a ser possível, por meio de
elementos incomuns, como uma pele mágica ou mesmo um elixir da juventude. Nesse
sentido, percebemos que:
349
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
[...] l’expérience de Balzac est liée au surnaturel ; le Mythe, ici, est
moins l’expression symbolique de la vie intérieure que la
confrontation de la destinée terrestre à l’horizon surnaturel.
‘L’existence humaine, la nature ambiante, la societé, la courbe de
chaque destin, l’aventure courue par chaque esprit, tout lui paraît
traversé, habité, gouverné par des influences dont ignore si elles sont
divines ou démoniaques, mais dont il sait au moins qu’elles ont un
caractère surnaturel’. (PICON, 1965, p. 11) 1
O crítico Gaëton Picon afirma que a experiência de Balzac está ligada ao
sobrenatural; quer dizer que suas narrativas possuem muito mais que o objetivo de
mostrar as várias facetas do psicológico humano e social, esses textos se alicerçam no
sobrenatural filosófico, que como afirma Picon, possuem influências divinas ou
demoníacas, como o que ocorre nas narrativas propostas para a análise.
Assim, após fazer esse percurso pelas várias facetas da literatura de Balzac,
faremos,
no
segundo
capítulo,
intitulado
“A
literatura
fantástica
e
seus
desdobramentos”, um estudo do sobrenatural que priorizará conceitos, sobre literatura
fantástica, mais amplos e mais relacionados ao diálogo com o estudo da natureza
humana, uma vez que as definições acerca do subgênero Fantástico na literatura são, na
maioria das vezes, muito taxativas e classificatórias, ou melhor, eliminatórias. Para
Tzvetan Todorov (2004), o texto só pode ser considerado fantástico quando há a
hesitação, quando existe a dúvida do leitor em compreender os acontecimentos narrados
como estranhos, como fantásticos, com uma explicação natural ou sem uma explicação
natural. Outros críticos, como Remo Ceserani (2006), trazem a definição como modo
fantástico. Segundo Remo Ceserani (2006), o modo fantástico caracteriza uma
passagem de limite ou fronteira entre espaços e, ainda, é fundamentado, em alguns
momentos, na existência de um objeto de mediação do plano real e do insólito.
Como nosso objetivo não é classificar em molduras o objeto de estudo,
utilizaremos o termo sobrenatural porque é o mais propício para que não coloquemos as
narrativas escolhidas dentro de uma nomenclatura fixa. O sobrenatural em Balzac
ocorre pela presença dos objetos mágicos que são os elementos fundamentais para a
instituição do insólito nas histórias.
Criando um elo dessas teorias mais clássicas da literatura fantástica com as da
crítica francesa, chegaremos ao terceiro capítulo da tese, intitulado “Don Juan e Fausto
1
[...] a experiência de Balzac está ligada ao sobrenatural; o Mito, aqui, é menos a expressão simbólica da
vida interior que o confronto do destino terrestre ao horizonte sobrenatural. A existência humana, a
natureza ambiente, a sociedade, a curva de cada destino, a aventura buscada por cada espírito, tudo lhe
parece atravessado, habitado, governado por influências as quais ignoro se são divinas ou demoníacas,
mas que se sabe ao menos que elas têm um caractere sobrenatural. (tradução nossa)
350
Descrição das pesquisas
na
Literatura
Balzaquiana”.
Nesse
momento,
nosso
trabalho
priorizará
as
intertextualidades da obra balzaquiana com as figuras de Don Juan e Fausto, que
correspondem a uma espécie de mito literário que percorreu narrativas de vários
escritores no decorrer dos séculos.
Será por essa perspectiva que faremos um apanhado sobre a presença de Satã na
literatura balzaquiana. Para Milner (1960, p. 12), até 1835, o pensamento de Balzac
estava relacionado ao aspecto demoníaco como condição humana: « Donc, chaque fois
que nous verrons Balzac parler du diable, entendons bien qu’il ne s’agit pas pour lui
d’un être réel, mais d’un mythe, c’est-à-dire d’une représentation imaginaire propre à
éclairer quelque aspect de la condition humaine2 ». Após esse período, o diabo em
Balzac torna-se uma potência ativa, não mais um personagem ou um arquétipo, mas
uma visão comum entre os personagens da Comédia Humana. Contudo, como nossas
análises priorizarão as narrativas de 1830 e 1831, investigaremos a construção desse
arquétipo demoníaco, como um dos meios para a instauração do sobrenatural.
O arquétipo maléfico de alguns personagens, sobretudo ao Don Juan de
Belvidero, está relacionado às histórias sobre o mito de Don Juan, que na maioria das
vezes, trazem a união de dois temas: a do El Convidado de Piedra e a do El burlador.
Ambas retratam o don Juan como caractere essencialmente mesquinho; no primeiro,
don Juan é um jovem libertino, que brinca com a vida e com a morte, já o sedutor
(burlador), engana as mulheres e depois as abandona facilmente, sem nenhuma culpa.
Esses personagens são tipicamente espanhóis, e Tirso de Molina, um dos criadores de
don Juan, foi responsável por ilustrar características tão peculiares em um personagem
literário.
Podemos relembrar também de El estudiante de Salamanca de José de
Espronceda. Com um livro de poesias, Espronceda traz um valor histórico ao
Romantismo Espanhol, que segundo Jaime Biedma supera o valor literário. Trata-se de
uma obra poética, na qual a crítica social aparece na superfície. A obra de Espronceda é
considerada uma das mais interessantes do Romantismo Espanhol.
Assim, fazendo esse diálogo donjuanesco, chegaremos ao conto L’elixir de
longue vie, cujo enredo gira em torno de um objeto mágico, um elixir trazido do oriente,
que porta a imortalidade, mas a questão essencial do conto está ligada à busca pelo
2
Logo, cada vez que nos vemos Balzac falar do diabo, entendemos que não se trata para ele de um ser
real, mas de um mito, quer dizer de uma representação imaginária própria a iluminar qualquer aspecto da
condição humana. (tradução nossa)
351
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
poder dos personagens Bartholoméo Belvidero e don Juan. A análise mais aprofundada
desse conto será feita no capítulo quarto, intitulado “L’elixir de longue vie: ... e don
Juan também buscou a imortalidade”. Mas antes disso, ainda no capítulo terceiro,
veremos como a presença de Fausto é fundamental nas questões relacionadas ao pacto.
O tema de Fausto é lembrado primeiramente por uma lenda alemã, aquele que
remete ao possível pacto realizado entre o médico Fausto e o demônio. A busca do
homem pelo conhecimento e poder é tema central de vários romances ao longo dos
séculos e a figura lendária de Fausto torna-se a mais representativa na história da
literatura, para esboçar esse tipo de personagem, ligado às forças demoníacas.
Vieram depois outras narrativas, que abordaram esse tema, mas uma das mais
conhecidas em todo o mundo é a de Goethe, dividida em duas partes – a mais célebre
foi escrita em 1808. O Fausto de Goethe é um poema de dimensões épicas, que traz a
história de um cientista que fez um pacto com Mefistófeles, em busca de poder e de
sucesso. Essa figura representa o anseio de ultrapassar a ordem, o desejo pelo
conhecimento a qualquer custo, e por esse motivo o pacto é firmado.
É uma obra sempre revisitada, por apresentar o homem com todas as suas
misérias e desejo de poder. Nos séculos XVIII e XIX, o desejo humano de superar a sua
própria condição é o que o faz se aliar às forças do mal, mas muitos sucumbem em meio
à ambição.
Esse indivíduo que busca o poder a qualquer custo, mesmo que pelo auxílio de
forças maléficas, é representado de diversas formas na Comédia Humana de Honoré de
Balzac, que desde suas primeiras obras, já aborda temas ligados ao sobrenatural,
sobretudo à questão do pacto.
O diabo passa a ser uma característica, ou como afirma Milner (1960), arquétipo
nos personagens literários. Nesse período, entre 1818 e 1822, há um aumento
significativo de títulos frenéticos na França, segundo Muchembled:
O próprio Honoré de Balzac, quando jovem, publica muita coisa sobre
este tema, como por exemplo, O centenário (ou O feiticeiro), de 1822.
Satã, aliás, atravessa de ponta a ponta toda a Comédia humana.
Escrito em 1820-1821, seu primeiro romance, Falthurne, apresenta a
heroína com este nome como uma beleza celestial que é acusada de
possuir faculdades maléficas. O autor toma, no entanto, o cuidado de
mostrar que essas alegações são infundadas, o que faz lembrar a
tradição – inaugurada por Cazotte e seguida por Nodier – que consiste
em deixar pairar uma dúvida profunda sobre a realidade dos poderes
demoníacos. (MUCHEMBLED, 2001, p. 248)
352
Descrição das pesquisas
Satã é representado nas narrativas balzaquianas de duas formas: como o
tentador, caso de Melmoth Réconcilié e do antiquário em La peau de chagrin, e como
arquétipo satânico, que modelam grande parte dos personagens de La comédie Humaine
(Milner, 1960).
Melmoth réconcilié (1835) surge como uma espécie de continuação do Melmoth
de Maturin, personagem que carregava ambas as naturezas, a humana e a demoníaca.
Por desprezar a humanidade, acabou não se convertendo, já que ele esperava ser livrado
do pacto, mas não conseguiu. No caso do Melmoth de Balzac, há uma reconciliação,
uma vez que surgindo como uma figura de investidor, Melmoth transfere seu fardo a
Castanier, um bancário endividado e cheio de problemas amorosos:
Castanier é a vítima perfeita para Melmoth, uma figura capaz de realizar
qualquer negócio. Todavia, depois de assumir o fardo, o personagem sofre durante
muito tempo, e um dia é tocado por uma pregação religiosa, decidindo assim, retornar
ao Banco e lá consegue transferir o pacto a Claparon, que dominado por sua paixão por
Euphrasie, morre sem poder passá-lo para ninguém.
Nessa narrativa, encontramos o pacto da forma mais corriqueira, uma vez que há
a figura do tentador e aqueles que aceitam o acordo em troca de poder ou dinheiro. No
caso de La peau de chagrin (1831), romance que será analisado no último capítulo da
tese – “La peau de chagrin: o pacto, os desejos e a morte” – vemos outra espécie de
pacto: Raphaël de Valentin, iludido por seus fracassos financeiros e amorosos, decide-se
pelo suicídio, mas antes disso, resolve entrar em uma casa de jogo, para esperar a noite
chegar e, assim, ele poderá se lançar no Rio Sena sem muito alarde. No entanto, saindo
da casa de jogo, o dia ainda está claro, e em uma galeria, ele encontra uma loja de
Antiguidades.
Nessa história, o dono da casa de antiguidades corresponde ao tentador, aquele
que propõe o pacto. Os antiquários são figuras que apresentam extrema sabedoria e
dedicam grande parte da sua vida à busca pelo conhecimento. O narrador, inclusive,
compara essa criatura ao mesmo tempo com Mefistófeles e com Deus. Por um lado a
aparência bizarra, aquele que aparece do nada diante de alguém que busca o suicídio;
por outro lado, a sapiência e a forma como aborda questões tão complexas a respeito da
vida.
Como Mefistófeles quando apareceu a Fausto, esse ancião propõe uma
alternativa ao jovem, no lugar do suicídio, apresentando-lhe o ponto chave dessa
narrativa – a pele de onagro.
353
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Percebemos que essa narrativa possui muitas semelhanças com o conto do
Elixir, uma vez que todos os deleites, prazeres e volúpias da vida podem ser concedidos
àquele que possui essa pele. Grande parte dos personagens Balzaquianos deseja esse
poder; a vontade de poder é recorrente em praticamente toda La comédie humaine, se
pensarmos em Le centenaire que buscava a eternidade e, na disputa pela imortalidade
entre Bartholoméo e Don Juan de Belvidero em L’elixir de longue vie.
Em La peau, o jovem aceita o poder que a pele lhe concede; é necessário esse
encontro com o antiquário, para que o pacto seja firmado – o pacto de poder,
semelhante ao que ocorre em Fausto de Goethe – o poder e a riqueza em troca da alma
humana. No romance de Balzac, o poder e a realização de desejos em troca da vida. O
antiquário é o tentador dessa narrativa, é Mefistófeles com seu poder de atração e
sedução. Esse pacto firmado é o ponto inicial dessa narrativa, o momento exato de troca
– a vida pela morte – o suicídio adiado, e não esquecido. Para Milner (1960), o talismã
corresponde à “Jouissance totale” – o Talismã como um presente de Satã – a realização
de todos os deleites. ‘Vouloir et pouvoir réunis’.
Raphaël de Valentin age, mas sem pensar nas consequências, quando toma posse
da pele mágica. Ele só se lembra dos poderes daquele talismã quando vê o objeto
diminuir com seus desejos e esse fato o preocupa, já que antes o personagem só pensara
em aproveitar os desejos conquistados. Nessa narrativa, o querer e o poder são o ponto
chave de toda a história de Raphaël e da pele, antes o querer não era poder e, por isso,
ele perdera tudo e se endividara. Com o talismã, o jovem pode desejar o que quiser, já
que agora querer é poder. Mas como querer queima e poder destrói, sua vida é destruída
pela própria ambição.
Percebemos que esses personagens balzaquianos possuem naturezas comuns;
todos são tentados e tem a possibilidade de recusar a tentação, mas preferem arriscar
tudo em busca de poder e da realização plena de seus desejos. Podemos dizer então que
os personagens dessas histórias são como Fausto, eles se deixam tentar, não fogem do
tentador, pelo contrário; para eles, a realização plena de seus desejos e a conquista do
poder é fundamental para a continuação de sua existência.
Bibliografia
BALZAC, H. de. La Peau de chagrin. In : __ La comédie Humaine. Paris: Gallimard,
1979.
BALZAC, H. de. L’elixir de longue vie. In : __ La comédie Humaine. Paris: Gallimard,
1980.
354
Descrição das pesquisas
BALZAC, H. de. Melmoth Réconcilié. In : __ La comédie Humaine. Vol. 10. Paris:
Gallimard, 1979. (p. 330-388).
BARBERIS, P. Balzac et le mal du siècle. Paris : Gallimard, 1970.
BASÍLIO, K. História e ficção na tradição do romance realista francês: Balzac, Zola,
Aragon. In: _Actas do Colóquio: Literatura e História, 2002. Disponível em:
<http://repositorioaberto.univ-ab.pt/bitstream/10400.2/328/1/ACTASLiteratura%20e%20Hist%C3%B3ria397-406.pdf.pdf>.
BÉGUIN, A. Balzac lu et relu. Langages. La Baconière – Neuchatel. Paris : Editions du
Seuil, 1965.
BERGSON, H. Le rire : essai sur la signification du comique. Paris : Éditions Alcan,
1924.
BRUNEL, P. Histoire de la Littérature Française. Tome 2. Paris : Bordas, 1972.
CASTEX, P. G. Le conte fantastique en France de Nodier à Maupassant. Paris :
Librairie José Corti, 1962.
CASTEX, P. G. et aliii. Manuel des études littéraires françaises, XIXe siècle. 7. ed.
Paris : Hachette, 1975.
CESERANI, R. O fantástico. Tradução de Nilton Cezar Tridapalli. Curitiba: Ed. UFPR,
2006.
CORTÁZAR, J. Alguns Aspectos do conto. In: __ Obra crítica 2. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999. (p. 347-363)
CURTIUS, E. R. Balzac. Paris : Bernard Grasset, 1933. 3ed.
DIMAS, A. Espaço e Romance. São Paulo: Ática. Série Princípios, 1985.
FOUCAULT, M. Outros Espaços. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estética:
literatura e pintura, música e cinema: Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. 2. ed.
Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2006a. p. 411-422. (Ditos e Escritos III).
FOUCAULT, M. Por trás da fábula. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Estética:
literatura e pintura, música e cinema: Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. 2. ed.
Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2006b. p. 210-218. (Ditos e Escritos III).
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Trad. Fernando Cabral Martins. VEGA, 1995.
GOETHE, W. Fausto [Faust – 1808]. Tradução Antenor Nascentes e José Júlio F. de
Souza. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1964.
GUINSBURG, J. O Romantismo. (organização). São Paulo: Editora Perspectiva. 2. ed.,
1985.
HENRIOT, E. Les romantiques. Paris: Éditions Albin Michel, 1953.
JOLLES, André. O conto. In: __ Formas simples. São Paulo: Cultrix, 1976.
LAGARDE, A. et MICHARD, L. XIXe siècle. Les grands auteurs français du
programme. Paris : Bordas, 1969.
LOVECRAFT, H.P. O horror sobrenatural em literatura. Tradução Celso M.
Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2007.
LUKÁCS, G. “Balzac: Illusions perdues” e “A polêmica entre Balzac e Stendhal”. In:
Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
MARAÑON, Gregorio. Don Juan et le donjuanisme. Traduit de l’espagnol par MarieBerthe Lacombe. Paris : Galimard, 1958.
MILNER, M. Le diable dans la littérature française de Cazotte à Baudelaire (17721861). Tome I et II. Paris : Librairie José Corti, 1960.
MILNER, M. Extinction du mal et entropie dans les « contes et romans
philosophiques ». In: L’Année balzacienne, 2006/1 nº 7, p. 7-16. DOI :
10.3917/balz.007.007.
MORAES, E. R. O corpo impossível. São Paulo: Ed. Iluminuras LTDA. Fapesp, 2002.
355
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
MUCHEMBLED, R. Uma história do diabo – séculos XII-XX. Tradução Maria Helena
Kühner. Rio de Janeiro: Bom texto, 2001.
NASCIMENTO, D. Fausto e D. Juan: o pacto com a complementaridade. In: __ O
pacto fáustico e outros pactos. Revista Organon 19. Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, 1992.
POTELET, H. Memento de la littérature française. Paris: Hatier, 1990.
ROBICHEZ, J. XIXe Siècle français. Le siècle romantique. Paris: Editions Seghers,
1962.
RÓNAI, P. Balzac e A Comédia Humana. 3. ed.. São Paulo: Editora Globo, 1993.
SCHOLES, R. e KELLOGG, R. A natureza da narrativa. Tradução de Gert Meyer. São
Paulo: McGraw-Hill do Brasil, 1977.
THIBAUDET, A. Histoire de la littérature française : de 1789 a nos jours. Paris :
Librairie Stock, 1936.
TODOROV, T. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria Clara Correa
Castello. São Paulo: Perspectiva, 2004.
VAX, L. A arte e a literatura fantásticas. Tradução de João Costa. Lisboa: Arcádia,
1974.
356
Descrição das pesquisas
IMAGÉTICA GROTESCA E MEDIEVALISMO EM GASPARD DE LA NUIT,
DE ALOYSIUS BERTRAND
Matheus Victor Silva
Mestrando – Bolsista CAPES
Prof. Dr. Adalberto Luis Vicente (Or.)
A pesquisa acerca dos aspectos do grotesco e do medievalismo em Gaspard de
la Nuit foi divida em quatro estágios principais, perfazendo dessa maneira os quatro
semestres e dois meses de duração do Mestrado, sendo eles: o estudo formal do poema
em prosa; o estudo histórico-cultural da Idade Média e da estética do grotesco (sendo
que é importante ressaltar que a temática do grotesco já está bastante desenvolvida,
tendo em vista que o assunto foi abordado na Iniciação Científica realizada durante a
graduação); o estudo da fortuna crítica a respeito de Bertrand e do movimento
romântico no que tange aos seus acontecimentos históricos, bases filosóficas e estéticas;
e, por fim, a análise da imagem poética grotesca em Gaspard de la Nuit, junto da
redação final da dissertação.
Informamos que a primeira parte da pesquisa, referente ao estudo formal do
poema em prosa foi concluída. Durante este período, buscou-se compreender o poema
em prosa em suas diferentes manifestações, suas origens e a problemática em sua
definição e delimitação enquanto gênero. Para isso, foram consultadas obras de
diferentes autores como Michael Riffaterre (1983), Suzanne Bernard (1959), T.
Todorov (1980). Foram levantados autores de diferentes linhas teóricas dado o fato do
estudo do poema em prosa mostrar-se particularmente difícil, por se tratar de um gênero
amorfo, e cuja mutabilidade é uma de suas características definidoras. As conclusões
para as quais atentamos passaram, sobretudo, pela questão dos recursos formais e
estilísticos utilizados na construção das significações do poema, como o ritmo (muito
variável em um gênero poético desprovido de métrica como este), o uso da sonoridade
da língua no reforço às imagens criadas e as marcas temporais e enunciativas que
localizam (ou distanciam) a voz lírica do poema.
Deve-se ainda ressaltar que foi consultada uma bibliografia específica a respeito
dos aspectos formais em Bertrand, composta pela já citada Bernard (1959) e também
Guacira Machado (1981), cujo estudo procurou melhor compreender a apurada forma
357
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
poética de Bertrand de modo a embasar corretamente as futuras análises que serão feitas
sobre os poemas selecionados. O foco do estudo foi, sobretudo, os pontos que tangem a
constituição da imagética de sua poesia, tendo em vista que a atual pesquisa procura
compreender, primeiramente, a manifestação das tensões imagéticas no Gaspard pelo
prisma da cultura medieval. Foram também consideradas as afirmações importantes
para a compreensão da importância das inovações de Bertrand para o Romantismo
francês, viabilizando uma melhor compreensão do lugar ocupado pelo poeta dentro do
ideário romântico.
Declaramos ainda que foi realizado um curto estudo a respeito do lirismo,
buscando compreender sua manifestação inovadora na poesia de Bertrand. Tal estudo
foi realizado com vistas ao cumprimento das atividades disciplinares cursadas no
semestre, mostrando-se fértil para a pesquisa, na medida em que tangencia a questão do
grotesco na obra. Foram consultados autores como Salete Cara (1989), José Merquior
(1997), Emil Staiger (1972) e as já citadas Bernard (1959) e Machado (1981). Os
resultados desse levantamento estão sendo reunidos em um artigo para publicação.
Por último, informamos que até o momento foi produzido um artigo denominado
"O grotesco nos poemas Le Nain e Départ pour le Sabbat, de Aloysius Bertrand", com
publicação aceita na revista NonPlusda USP (ISSN: ), prevista para o segundo semestre
de 2013; e que foi realizada uma apresentação no III Encontro de Estudos Medievais da
Faculdade de Letras da UFRJ, com uma comunicação oral intitulada "O grotesco no
medievalismo de Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand".
Durante a segunda etapa será iniciada, pretendemos fazer um estudo histórico
básico da Idade Média francesa, focando, sobretudo, a questão cultural em seus
contrastes e tensões, bem como o imaginário popular de época. Para o estudo do
grotesco, planejamos revisar os dados já colhidos na Iniciação Científica realizada
durante a graduação, acrescentando ao estudo a obra O império do grotesco, de Muniz
Sodré e Raquel Paiva. Nesta fase buscaremos compreender o grotesco em sua
manifestação medieval, discutida por Bakhtin (2010) e contrapô-la à sua manifestação
romântica de modo a melhor avaliar sua significação dentro da obra de Bertrand.
Bibliografia
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de
François Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010.
BERNARD, S. Le poème em prose de Baudelaire jusqu'à nos jours. Paris: Librairie
Nizet, 1959
358
Descrição das pesquisas
BERTRAND, A. Gaspard de la Nuit: Fantaisies à la manière de Rembrandt et de
Callot. Paris: NRF Gallimard, 1997. Ed. Établie par Max Milner.
______. Gaspard de la Nuit: fantasias à maneira de Rembrandt e Callot. Brasília:
Thesaurus, 2003.
BLANC, R. La quête alchimique dans l'oeuvre d'Aloysius Bertrand. Paris: Nizet, 1986.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. 5.ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
CABRAL, M. José Régio e o poema em prosa. Forma Breve 2 – O poema em prosa.
Aveiro: Tipave, 2004, vol. 2.
CARA, S. de A. A poesia lírica. São Paulo: Ática, 1989.
COLLETI, W. Eu e o Grotesco: estudo sobre elementos grotescos em poemas de
Augusto dos Anjos. Tese de Mestrado. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras –
Unesp, 2002.
CORBART, H. Hantise et imagination chez Aloysius Bertrand. Paris: José Corti, 1975.
CORRÊA, R. A. Dicionário escolar Francês-Português/Português-Francês. Rio de
Janeiro: FENAME, 1982.
DUARTE, N. Poéticas da Brevidade: o poema em prosa e o conto literário. Forma
Breve 2 – O poema em prosa. Aveiro: Tipave, 2004, vol. 2.
ECO, U. (org.). História da feiura. Rio de Janeiro: Record, 2007.
ELIADE, M. O Sagrado e o Profano. Lisboa: Livros do Brasil, 1971.
FRANCO Jr., H. Os três dedos de Adão: ensaios de mitologia medieval. São Paulo:
Editora USP, 2010.
FERREIRA, A. Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1997(?), 2ª ed.
GOULART, R. M. Escritas Breves: o poema em prosa. Forma Breve 2 – O poema em
prosa. Aveiro: Tipave, 2004, vol. 2.
GUINSBURG, J. Et all. O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 2002.
HAUCOURT, G. D'. A vida na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
HUGO, V. Do grotesco e do sublime. São Paulo: Perspectiva, 2002, 2ª ed.
KAYSER, W. J. O Grotesco. São Paulo: Perspectiva, 2003.
LEDDA, S.; LOISELEUR, A. Aloysius Bertrand, poétique d'un crieur de nuit. Paris:
PUF, 2010.
LIOUVILLE, M. Les Rires de la poésie romantique. Paris: Honoré Champion, 2009.
MACEDO, J. R. Riso, cultura e sociedade na Idade Média. Porto Alegre / São Paulo:
Ed. Universidade/UFRGS / Editora Uneso, 2000.
MACHADO, G. M. Aspects de la modernité dans Gaspard de la Nuit. Tese de
Mestrado. São Paulo: USPFFLCH, 1981.
MARTINO, P. L'époque romantique en France. Paris: Hatier, 1944.
MERQUIOR, J. M. A astúcia da mímese. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
MILNER, M. Le Romantisme: 1820 – 1843. Paris: Arthaud, 1973, vol. I.
______. Le Diable dans la littérature française de Cazotte à Baudelaire . Paris: Honoré
Champion, 2009.
MURPHY, S. Lectures de Gaspard de la nuit. Rennes: PUR, 2010.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982.
(Col. Logos).
RIFFATERRE, M. Sémiotique de la poésie. Paris: Éditions du Seuil, 1983.
ROBERT, P. Le Petit Robert. Paris: Le Robert, 1981.
SANDRAS, M. Lire le Poème en prose. Paris: Dunod, 1995.
SANTOS, Fabiano R. da Silva. Lira dissonante: o grotesco na líra romântica
brasileira: considerações sobre o aspecto do grotesco na poesia de Bernardo
359
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Guimarães e Cruz e Souza. Tese de Doutorado. Araraquara: Faculdade de Ciências e
Letras - Unesp, 2009.
SILVA, A. V. da. Desconstrução/contrução do texto lírico. Rio de Janeiro: F. Alves,
1975.
SODRÉ, M.; PAIVA, R. O império do grotesco. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
SPRIETSMA, C. Louis Bertrand dit Aloysius Bertrand, 1807 – 1841, une vie
romantique. Paris: Honoré Champion, 1926.
STAIGER, E. Conceitos fundamentais da poética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1972.
TIEGHEM, P. Van. Le romantismo dans la littrature européenne. Paris: Éditions Albin
Michel, 1969.
TODOROV, T. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
VICENTE, A. L. Ruptura e modernidade nas Illuminations de Arthur Rimbaud. Tese de
Mestrado. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras - Unesp, 1993.
_______. Le Cornet à Parodies: um estudo intertextual dos poemas em prosa de Max
Jacob. Tese de Doutorado. São Paulo: USPFFLCH, 1999.
WANLIN, N. Le sens du pittoresque. Usages et valeurs des arts dans Gaspard de la
nuit d'Aloysius Bertrand. Rennes: PUR, 2010.
360
Descrição das pesquisas
ZWECKMÄSSIGKEIT OHNE ZWECK: IDÉIAS KANTIANAS NA ESTÉTICA
DE GOETHE
Mirella Guidotti
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Wilma Patricia Marzari Dinardo Maas (Or.)
O projeto investiga a influência da Terceira Crítica kantiana na estruturação
daquilo que chamamos de pensamento estético goetheano, abordando os elementos
presentes em textos goetheanos a partir de 1786, ano em que Goethe realiza a famosa
viagem a Itália e espécie de marco na consolidação de sua estética. Através do conceito
de finalidade sem fim, Zweckmässigkeit ohne Zweck, um dos termos decisivos da
Terceira Crítica kantiana, pretende-se abordar a concepção estética segundo a qual a
obra de arte não é redutível a uma explicação ou dedução em uma ciência do belo. O
valor da arte reside nela mesma, a arte possui um valor intrínseco, isto é, não está
voltada para qualquer finalidade que não seja ela mesma. Com a noção de “objetividade
sem objetivo” entendemos pois a independência do julgamento do objeto de bela arte
em relação a outras instâncias, sejam morais, históricas ou filosóficas, não
instrumentalizando deste modo o texto literário a nenhuma finalidade exterior, pois
nenhum discurso exterior pode traduzir a verdade do texto poético. Neste sentido a
expressão designa o momento de ruptura com a tradição estética preceptiva,
predominante em séculos anteriores. Em resumo: o termo objetividade sem objetivo, ou
„finalidade sem fim“ indica a fuga à uma estética normativa, pois o campo da arte
constitui para estes autores um campo, no limite, inexprimível.Em Goethe também a
arte é um campo que produz seu próprio mundo, suas próprias verdades e neste sentido
deve ser julgada somente a partir de suas leis internas, intrínsecas. A idéia da
intraduzibilidade do estético aparece pois, ainda que com traje específico, também em
Goethe. Desde os anos 90 essa idéia adquire importância eminente para o poeta, e
mesmo o Goethe maduro recorrerá a Kant e em especial à idéia de autonomia da arte.
A pesquisa concentrou-se em duas obras principais de Kant, a Kritik der
Urteilskraft, publicada em 1790, e o trabalho estético publicado na fase primeva do
pensamento kantiano, Beobachtung über das Gefühl des Schönen und Erhabenen,
publicado em 1764. As fontes principais em relação ao pensamento goetheano sobre a
361
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
arte são certamente suas cartas, diários, conversas e escritos, em especial os textos de
1760 a 1800. Por certo o pensamento sobre estética esbarra em outros campos, como
por exemplo a teoria do conhecimento, ou a noção de natureza, e, ainda que estes
campos tenham relevância, foram apenas secundariamente abordados. A respeito dos
textos goetheanos,procurou-se enfatizar os textos onde a questão da estética é explícita
ou implicitamente abordada.
A pesquisa encontra-se em fase de redação final. Na qualificação apresentou-se
grande parte do material teórico da tese e um capítulo referente à análise do romance
Die Wahlverwandtshaften. Neste sentido,no primeiro capítulo, abordou-se a real
existência do “pensamento estético” goetheano. Com efeito, o pensamento estético
goetheano, se se pode chamar assim seu pensamento sobre a arte, é bastante peculiar:
toda a “teoria” goetheana é anti-analítica. Em Goethe, tanto o conhecimento quanto a
comoção estética não passam pela análise. Entretanto, como se abordou, é justamente
esta característica que o aproxima da estética kantiana.
O segundo capítulo apresentado no exame geral de qualificação consistiu em um
olhar retrospectivo, que perpassou as visões contrastantes sobre a aproximação entre o
pensamento estético de Kant e Goethe. Fica claro que a investigação de tal temática não
pode economizar uma investigação etiológica, pois a abordagem das similaridades entre
o filósofo e o poeta não constitui uma temática consensual. É necessário, pois discutirse as aproximações e os recuos entre o filósofo e o poeta ao longo da fortuna crítica. O
capítulo enfatiza ainda que embora se investigue fundamentalmente a aproximação do
pensamento estético de Kant e Goethe, a presente investigação não se retringe a apontar
algumas conclusões talvez paradoxais, mas essenciais, entre ambos os autores. É
necessário, pois adotar uma postura prudente, atenta não somente as convergências, mas
também as idiossincrasias e mesmo divergências entre o pensamento de ambos os
autores.
Introduzindo a parte mais teórica do trabalho, investigou-se a seguir a obra
Viagem à Itália, obra que narra a viagem goetheana à península italiana de 1786 a 1788
e publicada em 1816-1817. Contudo, mais do que uma reconstrução de sua viagem
através das memórias e diários, a Viagem importa, antes de mais, como uma narrativa
da construção de um novo olhar para com a obra de arte, como a construção da própria
estética goetheana. Atrelada a esta temática discute-se ainda a noção de natureza em
Goethe. A abordagem da noção de Natureza em Goethe é elementar, pois para o poeta
os campos da arte e da natureza se interpenetram, de modo que colocações goetheanas
362
Descrição das pesquisas
no campo da natureza ressoam no trabalho artístico: é justamente a partir do contato
com a natureza em terras italianas que Goethe formula, por assim dizer, sua teoria
estética. Este entrelaçamento de campos à primeira vista tão distintos agrega também
uma noção chave na presente discussão: o agir conforme a si mesmos presentes tanto na
conepção da arte quanto na concepção da natureza. A questão da arte e natureza pode
ser melhor apreendida nos Estudos Literários através de um conceito: o de mimesis.
Neste sentido discutiu-se também o conceito de mímesis, pois através desta noção é
possível revelar mais claramente o teor do pensamento goetheano quanto à arte e
natureza. Aborda-se pois a noção de mimesis no pensamento goetheano, concentrando
no momento de transição entre o período pré-romântico do Sturm und Drang e o
período que corresponde aos dois anos nos quais o poeta permaneceu na Itália (17861788), período no qual Goethe “educa” seu olhar, consolidando seu pensamento
estético.
A base e introdução teóricas permitem finalmenteenfrentar a questão central do
trabalho. Através da noção kantiana do Zweckmässigketi ohne Zweck, analisa-se a
concepção de arte em Kant e Goethe, acentuando as semelhanças entre os dois
pensadores. Tanto Kant quanto Goethe recusam a mera apreensão conceitual da obra de
arte, apreensão atenta às regras impostas pela tradição estética, em favor de uma fruição
– ou interpretação – atenta ao inaudito, ao não traduzível da obra de arte. Daí o termo
escolhido como agregador desta idéia, pois a noção da “finalidade sem fim” indica
justamente a concepção da obra de arte como finalidade em si mesma, de valor
intrínseco, isto é, não voltada para qualquer finalidade que não seja ela mesma. O rigor
kantiano quanto a idéia de “finalidade sem fim” aclara por assim dizer a noção
goetheana da obra de arte, pois Goethe não se manifesta nem de maneira homogênea,
nem de maneira ordenada em seus escritos. Goethe não é o filósofo a procura do
estabelecimento de critérios seguros para a análise estética. Ao contrário, seu
pensamento se apresenta não raro mediante características que fogem a qualquer rigor.
Vale ainda ressalvar que o trabalho explora também as impressões imagéticas as
quais, não raro, se valem tanto o filósofo quanto o poeta em seus escritos. O trabalho
cuida, portanto de abordar não apenas a semelhança conteudística, como também o
modo e a forma, as imagens e as metáforas que aparecem nos escritos dos autores. No
texto geral de qualificação esta abordagem é mais enfatizada na metáfora da captura da
borboleta, para citar o exemplo mais evidente.
No último capítulo do exame geral de qualificação apresentou-se uma
363
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
introdução da análise do romanc Die Wahlverwandtschaften. Porque centrar a análise no
último romance de Goethe? Não seria mais oportuno abordar romances mais próximos
da Viagem à Itália, já que a obra serviu de marco na consolidação da estética goetheana
ou, ainda, abordar um romance no qual o tema da arte aparecesse de forma mais
explícita, como Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister? A escolha d´As
Afinidades eletivas e não de outra obra qualquer, foi portanto abordada: em primeiro
lugar, a recepção conturbada do romance goetheano ao longo dos mais de dois séculos
permite por si só uma conexão com os pressupostos teóricos abordados. O enredo é
conhecido. O último romance de Goethe narra o desmoronamento do casamento de
Charlotte e Edward, dois integrantes da aristocracia culta. Apesar do amor juvenil, o
casal se separa quando da introdução de outros dois novos integrantes na casa, Ottilie e
o Capitão. Em linhas gerais o enredo geral do romance não passa de uma novela. Não
basta muito, contudo, para ver na obra algo desconcertante, a qual se debruçou e se
debruçam muitos críticos literários ao longo dos séculos. O último romance de Goethe
sofreu as mais variadas interpretações. Enquanto outras obras de Goethe apresentam
certa coesão na fortuna crítica, a obra As Afinidades Eletivas provocou e provoca
interpretações bastante divergentes, apontando assim para o campo aberto que é a arte.
O próximo passo é a continuação da análise do romance, bem como a
incorporação na tese de alguns aspectos levantados pela banca do exame geral de
qualificação.
Corpus
GOETHE,
J.
W.
von.Sämtliche
Werke.
Weimarer
Ausgabe.
In:
http://goethe.chadwyck.co.uk/
______. Sämtliche Werke. Deutscher klassiker Verlag.
______. Sämtliche Werke. Karl Hanser Verlag München.
______. Goethe Handbuch. 4 Bänder / Hrsg von Bernd Witte. Stuttgart-Weimar:
Verlag J.B.Metzler.
KANT, I. 'KRITIK DER URTEILSKRAFT'. Einleitung von Karl Vorländer.
Leipzig: Verlag von Felix Meiner, 1922.
______. Crítica da Faculdade do Juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
ISBN 85-218-0147-5.
______. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas: Papirus,
1993.
Bibliografia
BENJAMIN, W.Goethes Wahlverwandtschaften. In: W.B.: Ges. Schrr. Hrsg. v. Rolf
Tiedemann und Hermann Schweppenhäuser, Bd. I,1, Frankfurt/Main: Suhrkamp 1974,
364
Descrição das pesquisas
S. 123-201.
BERNHART, T. D.Zu Goethes Ästhetik und Kunsttheorie. In: Die neuere Forschung
zu Goethes Ästhetik und Kunsttheorie.Darmstadt: 2007.
CASSIRER, E. Rousseau, Kant, Goethe. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 1991.
HAN, CHOL. Ästhetik der Oberfläche. Würzburg: Verlag Königshausen & Neuman
GmbH, 2007.
HEINZ, H. Die Wahlverwandtschaften und ihre zeitgenössischen Leser. In: WB 29,
1983, S. 1574-1603. Ders. Heinz (Hrsg.): Die Wahlverwandtschaften. Eine
Dokumentation der Wirkung von Goethes Roman 1808-1832. Weinheim: Acta
humaniora 1983.
HEROLD, T. Zeichen und Zeichendeutung in Goethes die Wahlverwandtschaften.
In: A Journal of Germanic Studies. Vol. 45, n. 1, Fev. 2009, pp 1-17.
HÖRISCH, J. Der Mittler und die Wut des Verstehens. Schleiermachers
frühromantische Anti-Hermeneutik. In: (Ed.). Die Aktualität der Frühromantik.
München: Paderborn, 1987. p.19-32.
KUHNKE, G. Goethes Wege zu Kant. Frankfurt am Main: Peter Lang GmbH/
Internationaler Verlag der Wissenschaften, 2011.
LEBRUN, G.Kant e o fim da metafísica. São Paulo: Martin Fontes, 2002.
MENZER, P. Goethes Ästhetik. Köln: Kolner Universitäts-Verlag, 1957.
MOLNAR, G. Goethes Kantstudien. Weimar: Verlag Hermann Böhlaus Nachfolger,
1994.
PIRHOLT, M. Nachahmung und Symbolik: Zu den geschichtsphilosophischen
Grundlagen der Ästhetik Goethes. In: Studia Neophilologica 83. p. 220-227, 2011.
REED, T. J. Goethe and Kant: Zeitgeist and one's own spirit. Goethe Jahrbuch, v.
118, p. 58-74, 2001. ISSN 0323-4207. Disponível em: <Go to
ISI>://WOS:000176829700008 >.
SIMMEL, G. Kant und Goethe. Schutterwald/Baden: Wissenschaftler Verlag, 1994.
______. Kant und Goethe; zur Geschichte des modernen Weltanschauung. [3.
Aufl.].Leipzig,: K. Wolff, 1916. 117 p.
______. Kant and Goethe - On the history of the modern Weltanschauung. Theory
Culture & Society, v. 24, n. 6, p. 159-+, Nov 2007. ISSN 0263-2764. Disponível em:
<<Go to ISI>://WOS:000252534400009 >.
TANTILLO, A. O. Goethe´s Elective affinities and the critics. NY: Camden House,
2001.
365
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
VORLÄNDER, K. Kant, Schiller, Goethe. 2. Leipzig: Meiner, 1923.
WAGNER, H. R.Goethes Ästhetik. 1970. (Tese de Doutorado). Freie Universität
Berlin.
366
Descrição das pesquisas
POESIA E REALIDADE: UMA CONSTRUÇÃO METAPOÉTICA EM
PELÍCULAS, DE LUÍS MIGUEL NAVA
Nádia Rodrigues dos Santos
Mestranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Maria Lúcia Outeiro Fernandes (Or.)
Luís Miguel Nava, um dos poetas mais instigantes das últimas décadas do século
XX, deixou-nos uma escrita radicalmente transfiguradora, tornando-se um importante
pilar da poesia moderna em língua portuguesa. Nava estreou como poeta em 1979 com
o livro Películas e depois desta publicação surgiram mais cinco livros: A Inércia da
Deserção (1981), Como Alguém Disse (1982), Rebentação (1984), O Céu Sob as
Entranhas (1989) e Vulcão (1994). Em 2002, a editora Dom Quixote reuniu todas as
obras do autor e mais quatro poemas inéditos no livro Poesia Completa- 1979-1994.
Luís Miguel Nava foi encontrado morto em seu apartamento em 1995, vítima de um
assassinato.
O que mais ganha força em sua poesia é a abordagem dada ao corpo e à
sexualidade, configurando-se um erotismo singular, em que o corpo é revelado pelo
avesso. Mediante o movimento que vai do interior ao exterior cada órgão que compõe
este corpo é colocado em evidência trazendo para a superfície da página as entranhas
com as quais não tomamos contato. É notório que Nava se destaca devido ao rigor, a
densidade de sua obra e o trabalho meticuloso do poeta ao escolher metáforas densas,
construídas por meio de uma escrita transfiguradora, que enfatiza o uso de dicotomias,
reveladoras da complexa ambiguidade que aflora na realidade concreta da vida.
O principal objetivo do meu projeto de Mestrado é buscar articular o fazer
poético de Luís Nava, tal como é configurado em seu primeiro livro, Película, com a
ideia de um evento de trauma. Trata-se de uma proposta que amplia os objetivos
originais do projeto. Nas primeiras leituras que empreendi da obra lírica de Nava, pude
perceber uma instigante presença do real. Então, o objetivo do projeto original consistia
em buscar comprovar uma possível volta ao real e compreender a natureza, a dimensão
e a função deste real na estruturação dos textos poéticos deste autor. Preocupava-me
também saber se esta volta ao real provocava algum deslocamento do poeta em relação
à modernidade lírica, tal como descrita pelo teórico Hugo Friedrich. Deste modo, o
367
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
projeto deveria contribuir, de modo mais amplo, para situar a poética de Nava na
modernidade, apontado desvios, rupturas e permanências.
A poesia moderna, tal como é interpretada por Friedrich, não trata os conteúdos
relacionados às coisas e aos homens de maneira descritiva. Ela torna estes conteúdos
absurdos aos nossos olhos e a realidade, assunto polêmico, que se configura de modo
indireto, por meio de uma complexa transfiguração do mundo, o que distancia a
modernidade lírica da poesia de outros momentos históricos. Na poesia clássica, por
exemplo, tudo que se insere no mundo e nas relações entre os diversos elementos está
configurado de maneira a atender um conceito de ordem e de normalidade, que deve ser
mimetizado por um sistema de linguagem fundamentado na racionalidade. O normal
está relacionadoàs dicotomias, que fundam a vivência e a percepção. Dentre elas
destacam-se as dicotomias de corpo e alma, feio e belo, superficial e profundo, abstrato
e concreto, interior e exterior, sendo que a cada um dos polos corresponde uma
essência, que se opõe à outra.
A arte elaborada nos períodos anteriores ao século XIX cumpria seu papel ao
trazer os sentidos do sujeito para perto desta normalidade, já que buscava reproduzir
toda e qualquer experiência de maneira mimética. Acreditava-se na identidade entre o
objeto e seu signo e, desta maneira, criava-se uma arte subordinada à realidade sensível.
A partir do século XIX, com os célebres precursores do simbolismo, Baudelaire,
Rimbaud e Mallarmé, além dos românticos alemães, como aponta Friedrich, a arte adota
outra forma de expressão, cuja proposta é distorcer, inverter ou romper a ordem natural
das coisas que cercam o mundo do indivíduo. Paralelamente a estas experiências
revolucionárias na linguagem poética, diversos estudos acerca da linguagem
contribuíram para apontar a não correspondência entre o signo e objeto. Ortega y Gasset
elucida a questão ao comentar que “entre a ideia e a coisa há sempre uma absoluta
distância. O real extravasa sempre do conceito que tenta contê-lo. O objeto é sempre
mais e de outra maneira que o pensado em sua ideia”. A linguagem poética, por sua vez,
vai buscar uma transcendência capaz de alçar um sistema de significados muito além
dos significados gerados em sua função meramente referencial.
Voltando ao objetivo central do meu projeto, neste estágio da pesquisa, ele se
configurou a partir das leituras e debates realizados na disciplina cursada no primeiro
semestre do Mestrado. Trata-se da disciplina “Realismo, realidade e representação: do
século XIX à narrativa contemporânea”. Durante o seu desenvolvimento foi possível
estudar a historicidade do realismo e dentre os autores vistos em aula selecionamos a
368
Descrição das pesquisas
obra do crítico Karl Erik Schøllhammer. Suas análises sobre os modelos de
representação, tanto o histórico quanto os que surgiram recentemente forneceram
subsídios importantes para que eu aprofundasse minha própria compreensão do objetivo
que havia proposto no projeto de Mestrado. O crítico em questão propõe uma discussão
a respeito das novas formas de realismo, que surgiram na década de 1990, a partir do
projeto iniciado por Hal Foster em seu livro The return of the real (1996).
Desse modo surgiu a intenção de relacionar o fazer poético de Luís Nava, à ideia
de “evento como trauma”. Este evento está inserido em produções artísticas que vão de
encontro com o aspecto mais brutal das situações cotidianas, criando uma aproximação
idêntica à da lente de aumento que promove efeitos estéticos de choque ao expor o
sujeito diante do limite do real. O real traumático se afasta do realismo histórico
predominantemente mimético e baseia-se na releitura da vanguarda das artes plásticas.
Schøllhammer esclarece o conceito como sendo
uma produção artística que abandona a distância da realidade e se
propõe um encontro com ela no seu aspecto mais cru, abrindo
caminho através de linguagens e imagens, através do símbolo e do
imaginário em direção a um encontro impossível com o real. (p. 134)
O corpus selecionado para análise continua sendo o livro proposto no projeto
original, Películas, publicado em 1979. A construção poética desse livro fundamenta-se
na recorrência de metáforas ligadas à repetição de certas palavras e fecunda presença de
imagens em movimento que constituem uma unidade bastante eloquente. Esse pendor
imagético está frequentemente ligado àsfiguras da natureza (mar, ondas, praia, águas,
paisagem, folhagem), ao corpo (lábios, nudez, mãos, punhos, ventre, intestinos), à
claridade (sol, luz, astros, relâmpago, incêndio). Esta última característica é primordial
em Películase, segundo o crítico português Gastão Cruz, revela uma “claridade brutal,
insuportável” (p.284). Nava mantém uma posição vigilante em seu discurso e é
cauteloso no manejo dessas metáforas de modo que elas não caiam em uma trama de
sentimentalismo verborrágico ou em mera repetição sem sentido.
ARS ERÓTICA
Eu amo assim: com as mãos, os intestinos. Onde ver deita folhas.
(Nava, 2002, p.43)
369
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Mãos e intestinos compõem a realidade desse amor e servem de aparato para
materializar a sensação que este amor transmite. A tensão entre membro/órgão e
sentimento causa no leitor um estranhamento devido ao movimento brutal desse corpo
do interior para o exterior que promove a concretização desse sentimento. Desse modo o
poema vai em direção a um real inalcançável devido à aproximação de dois universos
opostos.
A principal estratégia para se atingir o objetivo proposto será a análise textual
dos poemas do livro Películas, fundamentando-se na teoria dos dois críticos apontados
acima edirecionando o focopara a cadeia de metáforas que criam imagens relacionadas
ao choque, criadas para configurar as situações traumáticas que estruturam os textos
poéticos navianos. E, para entender as relações entre este configuração do real com a
poética de Nava, pretendemos também dar uma atenção especial aos poemas que
adotam procedimentos metapoéticos, muito presentes no livro selecionado.
ATRAVÉS DA NUDEZ
Esse garoto é fácil compará-lo a um campo de relâmpagos
encarcerando um touro. Através da nudez vêem-se os astros.
É onde o poema interioriza
a sua própria hipérbole, a paisagem.
Movem-se os tigres como câmaras na areia, pronto eles
também a deflagrarem. A manhã
espanca a praia, é impossível descrevê-la sem falar
dos fios deste poema
que a cosem com a paisagem.
(Nava, 2002, p.46)
Nas primeiras leituras realizadas do livro selecionado como corpus, pude
perceber que as imagens relacionadas às dicotomias exercemum papel essencial para
criar cargas semânticas que auxiliam na construção do mundo ficcional ligado a ideia de
evento traumático, que sustenta a lírica de Nava. Por este motivo, a análise também
deverá conferir atenção especial a estas imagens.
370
Descrição das pesquisas
Luís Miguel Nava modela essas metáforas de modo a rasurar as dicotomias, o
que mergulha o leitor em sentidos novos diante de uma realidade não percebida no
cotidiano. Ele se utiliza, por exemplo, de “uniões entre o mais flagrantemente palpável e
o que, à primeira vista, pareceria incorpóreo”, como afirma Amaral (1991, p. 154).
O método de análise a ser utilizado será inspirado principalmente nas
contribuições de Antonio Candido (2004), mas também no texto de Clarice Zamonaro
(2005), entre outros manuais de análise integrantes da bibliografia do projeto.
Paralelamente a análise, pretende-se fazer uma revisão da fortuna crítica do
poeta, que, embora muito recente, já conta com estudos de importantes especialistas em
poesia contemporânea, como Fernando Pinto do Amaral (1991), Gastão Cruz (2002),
Eduardo Lourenço (1974), Maria João Cantinho (2002), António Manuel Ferreira
(1996), Rosa Maria Martelo (2006) e Ida Maria dos S. F. Alves (2002), além de vários
trabalhos acadêmicos surgidos nos últimos anos.
Da fundamentação teórica do projeto, além dos estudos sobre o real, dos quais se
destacam os de Foster (1996) e de Ortega y Gasset (2008), constam estudos teóricos que
tratam da natureza da poesia lírica e das características da poesia moderna, como Cohen
(1974), Friedrich (1978) e Paz (2012), entre outros, além dos textos que poderão
fornecer subsídios para aprofundar questões relacionadas à metapoesia, às metáforas e
às dicotomias presentes na lírica moderna.
Bibliografia
ALVES, I. M. dos S. F. A linguagem da poesia: metáfora e conhecimento. In Terra
roxa e outras terras– Revista de Estudos Literários, vol. 2, num. 7, p. 3-16, Londrina,
2002. Disponível em: <http://www.uel.br/cch/pos/letras/terraroxa7>
AMARAL, Fernando Pinto do. O desejo absoluto: a poesia de Mário de Sá-Carneiro e a
lírica portuguesa dos anos 70/80. In: Revista Colóquio/Letras, n.º 117/118, Set. 1990,
p. 237-246.
______. As cicatrizes da lava. In: Poesia completa. 1979-1994. Organização e
posfácio de Gastão Cruz. Prefácio de Fernando Pinto do Amaral. Lisboa: Dom
Quixote, 2002.
______. O mosaico fluido – modernidade e pós-modernidade na poesia portuguesa
mais recente. Lisboa: Assírio & Alvim, 1991.
______. Recensão crítica a ‘O Céu sob as Entranhas’, de Luís Miguel Nava. In: Revista
Colóquio/Letras, nº 123/124, Jan. 1992, p. 379, -381.
ARISTÓTELES. A poética clássica. São Paulo: Cultrix, 2005.
______. Retórica. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.
BARRENTO, João. O astro baço - a poesia portuguesa sob o signo de saturno. In:___.
A palavra transversal – literatura e ideias no século XX. Lisboa: Cotovia, 1996.
371
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
______. Palimpsestos do tempo: o paradigma da narratividade na poesia dos anos
oitenta. In:___. A palavra transversal – literatura e ideias no século XX. Lisboa:
Cotovia, 1996.
______. Um quarto de século de poesia portuguesa. In: Semear n. 4, Rio de Janeiro,
2000.
Disponível
em:
<http://www.letras.pucrio.br/unidades&nucleos/catedra/revista/4Sem_19.html> Acessado em: 07 abr. 2013.
BRANCO, Rosa Alice. Operação cirúrgica e cirurgia plástica (o corpo na poética
de Luís Miguel Nava e David Mourão-Ferreira). Revista Agulha, n. 38, abril de
2004.
CANDIDO, A. Na sala de aula: caderno de analise literaria. São Paulo: Ática, 1989.
______. O estudo analítico do poema. 4. ed. São Paulo: Humanitas, 2004.
______. O mundo desfeito e refeito. In: Recortes. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
______. Realidade e realismo. In: Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
CANTINHO, Maria João. Luís Miguel Nava: o corpo como inscrição do real ou o
corpo radical. Revista Agulha n. 25, junho 2002. Disponível na Internet.
COHEN, J. Estrutura da linguagem poética. São Paulo: Cultrix/ Edusp, 1974.
______. A plenitude da linguagem: teoria da poeticidade. Coimbra: Almedina, 1987.
CRUZ, Gastão. Dos relâmpagos às trevas na poesia de Luís Miguel Nava. In: Poesia
completa. 1979-1994. Organização e posfácio de Gastão Cruz. Prefácio de
Fernando Pinto do Amaral. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
FERREIRA, António Manuel. Luís Miguel Nava: até à raiz da alma. In: Diagonais das
letras portuguesas contemporâneas. Actas do 2º Encontro de Estudos Portugueses.
Aveiro: Fundação João Jacinto de Magalhães, 1996. Disponível online.
FRIEDRICH, H. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
FOSTER, Hal. The Return of the Real.Londres: MIT Press, 1996.
JAKOBSON, R. Poética em ação. São Paulo: Perspectiva/ Edusp, 1990.
_____. Lingüística e poética. In Linguistica e comunicação. São Paulo: Cultrix, 1995.
LOURENÇO, Eduardo. Poética e poesia de Antonio Ramos rosa ou o excesso do real.
In: Revista Colóquio/Letras. Ensaio nº 15, Set. 1973, p. 34-42.
______. Tempos e poesia. Porto: Editorial Inova, 1974.
MARTELO, Rosa Maria. Antecipações e retrospectivas: A poesia portuguesa na
segunda metade do século XX. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 74, Junho
2006: 129-143.
MERQUIOR, José Guilherme. A astúcia da mimese – Ensaios sobre lírica. Rio de
Janeiro: Topbooks, 1997.
MIGUELOTE, Carla. A poética de Luís Miguel Nava. In: Subjetividades em devir:
estudos de poesia moderna e contemporânea. Org. Célia Pedrosa e Ida Alves. Rio de
Janeiro: 7 letras, 2008.
MONTEIRO, Adolfo Casais. A palavra essencial; estudos sobre poesia. São Paulo:
Nacional, 1965.
NAVA, Luís Miguel. Poesia completa. Lisboa: Dom Quixote, 2002.
______. Em poesia o sucesso quando surge é para desconfiar. Entrevista. In:
ROZÁRIO, Denira. Palavra de poeta. Portugal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1994: 327-342.
______. Ensaios reunidos. Prefácio de Carlos Mendes de Sousa. Lisboa: Assírio &
Alvim, 2004.
ORTEGA Y GASSET, José. A desumanização da arte. São Paulo: Cortez, 2008.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
______. Os filhos do barro. São Paulo: Cosac Naify, 2012.
372
Descrição das pesquisas
PAES, José Paulo. Para uma pedagogia da metáfora. In: Armazém literário: ensaios.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
PEDROSA, Célia e ALVES, Ida (orgs.). Subjetividades em devir. Estudos de poesia
moderna e contemporânea. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008.
PEDROSA, Célia e CAMARGO, Maria Lúcia Barros (orgs.). Poéticas do olhar e
outras leituras de poesia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.
SCHØLLHAMMER, Karl Erik. Os novos realismos na arte e na cultura contemporânea.
In: Comunicação, representação e práticas sociais. PEREIRA, Miguel; GOMES,
Renato Cordeiro e
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain. Rio de Janeiro. Ed. PUC, 2005.
_____. Realismo afetivo: evocar realismo além da representação. In: PELLLEGRINI,
Tânia. (Org.). Estudos de literatura brasileira contemporânea, no. 39, Brasília, jan.jun. 2012.
ROCHA, Clara. Revistas literárias do século XX em Portugal. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1985.
ROSA, António Ramos. A parede azul. Lisboa: Caminho, 1991.
_____. Recensão crítica a ‘Poemas’ de Luís Miguel Nava. In: Revista
Colóquio/Letras, n.º 103, Maio 1988, p. 86-87.
SOUSA, Carlos Mendes de. A coroação das vísceras. In: Relâmpago - Revista de
poesia. Lisboa: Fundação Luis Miguel Nava, nº 1, out, 1997, p. 31-55.
373
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
AUTORIA FEMININA: ANÁLISE DO SUBTEXTONA POESIA DE EMILY
DICKINSON
Natalia Helena Wiechmann
Doutoranda
Profa. Dra. Maria Clara Bonetti Paro (Or.)
Esta pesquisa, ainda em estágio inicial, pretende dar continuidade ao estudo
sobre a poesia de Emily Dickinson iniciado e desenvolvido durante a pesquisa de
Mestrado que resultou na dissertação intitulada A questão da autoria feminina na poesia
de Emily Dickinson. Durante esse trabalho, propomo-nos a investigar como alguns
poemas1 de Emily Dickinson poderiam demonstrar textualmente a consciência dos
dilemas envolvidos na relação poeta/mulher, em especial no embate com uma tradição
literária que exclui a mulher da atividade da escrita. Verificamos que as imposições da
sociedade patriarcal do século XIX buscavam fazer com que as mulheres se adequassem
a determinados padrões de comportamento que não incluíam, por exemplo, a vocação
poética. Fazendo parte dessa dinâmica social, Emily Dickinson criou maneiras próprias
de enfrentamento da tradição patriarcal tanto em sua vida pessoal – como a autoreclusão, por exemplo – como em sua poesia – visível em suas ironias, ambiguidades,
metáforas e posicionamento do eu-lírico em relação a questões consideradas
incompatíveis com a personalidade feminina.
Por ser a autoria uma atividade essencialmente masculina e se tornar autor de um
texto é se tornar seu pai-patriarca, não há lugar para a autoria feminina na tradição
literária, pois ela não pertence a essa linhagem patriarcal. Diante disso, entendemos que
a produção textual realizada por uma escritora como Emily Dickinson pode, de alguma
forma, deixar entrever o questionamento dos valores impostos pelo patriarcado, além de
se fazer perceber o conflito feminino entre encaixar-se nesses valores e superá-los.
Assim, o estudo da autoria feminina não almeja encontrar uma oposição ao masculino,
1
Foram analisados o poema J 303 / Fr 409, “The Soul selects her own Society –”, o poema J 199 / Fr 225,
“I'm "wife" – I've finished that –”, e o poema J 754 / Fr 764, “My Life had stood – a Loaded Gun –”.
Além deles, diversos outros poemas foram utilizados para verificarmos a validade de nossas afirmações
sobre a poesia de Emily Dickinson.
374
Descrição das pesquisas
mas sim a consciência, no texto, de que masculino e feminino são construções
discursivas regidas por uma dinâmica social dentro de determinada cultura.
Diante disso, consideramos que os recursos de criação poética privilegiados por
Dickinson (a ambigüidade, a ironia, a fragmentação, a construção imagética, entre
outros) podem se relacionar a uma preocupação constante em se opor a padrões
tradicionais da linguagem, em um nítido movimento de contestação dos valores
estabelecidos literária e socialmente, pois os desvios que a poeta realiza são desvios
intencionais, que visam determinado efeito, e não imprecisões técnicas. A partir disso,
sugerimos que sua obra se revela como uma poesia muitas vezes de transgressão às
normas poéticas e comportamentais da sociedade em que a poeta viveu, assumindo um
caráter de subversão à ideologia dominante de seu contexto.
A partir de nossos estudos anteriores, verificamos que o fato de a poesia
dickinsoniana ser tão marcada pela ambigüidade, pelas construções metafóricas e pela
multiplicidade de sentidos, resultando em uma obra de alta complexidade intelectual,
deve-se, entre outros fatores estudados pela crítica em geral, ao modo como a poeta
entende sua identidade feminina e poética fora do cânone e à sua maneira de trabalhar a
palavra para superar a angústia advinda dessa identidade em conflito com o fazer
poético. Em outras palavras, concluímos que o modo de lidar com o duplo movimento
de uma auto-afirmação poética e uma auto-negação pessoal se concentra na criação de
uma escrita palimpsêstica, isto é, pela sobreposição de duas camadas de sentido – texto
e subtexto. Assim, pela leitura e análise dos poemas propostos durante a pesquisa de
Mestrado, pudemos comprovar que os papéis desempenhados pelos gêneros feminino e
masculino são discutidos pela poeta no subtexto de seus versos, fazendo emergir do
texto a consciência das diversas relações que a noção de superioridade de um gênero
sobre o outro impôs à mulher, social e literariamente.
Do trabalho com a palavra desprendido de convenções poéticas e/ou sociais,
Emily Dickinson nos proporciona múltiplos significados contidos sob a superfície dos
poemas, o que faz com que seus versos se abram a diferentes abordagens: estudam-se as
metáforas privilegiadas pela poeta, a ironia de seu sujeito lírico, as imagens relacionadas
à natureza, sua expressão elíptica, dentre diversos outros tópicos de pesquisa.
Acreditamos, contudo, que esses aspectos marcantes da poesia de Emily Dickinson,
quando analisados sob a ótica da crítica literária feminista, revelam por meio do
subtexto as questões envolvidas no conflito entre a consciência de gênero e a
consciência da autoria.
375
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Diante disso, nossa pesquisa bibliográfica demonstrou a inexistência, no Brasil,
de trabalhos acadêmicos que se proponham a estudar aprofundadamente o papel do
subtexto na poesia de Emily Dickinson, papel esse que acreditamos ser da maior
relevância para a compreensão de sua obra de modo geral e, mais especificamente, para
a compreensão de seu processo de escrita poética enquanto produto da autoria feminina.
A ênfase de nosso trabalho deverá recair sobre a análise de poemas para que
possamos verificar, de fato, a validade de nossa hipótese – de que a compreensão do
subtexto possa levar à compreensão do processo de criação poética, estando este
vinculado à consciência poética e individual do conflito entre o ser poeta e ser mulher
na sociedade patriarcal.
Para tanto, este estudo considerará o contexto histórico-social da poeta como
fator indissociável de sua produção literária, uma vez que acreditamos que dentro da
tradição patriarcal o poder do discurso é masculino, restando às mulheres a obrigação do
silêncio. Nesse sentido, a expressão poética de Emily Dickinson, contrária aos ideais
patriarcais, desafia a autoridade masculina e, por conseqüência, toda a tradição literária.
Porém, essa tomada de autoridade se dá de forma velada para que seja possível exprimir
as angústias de ser autora e de ser mulher e, ao mesmo tempo, contornar as limitações
impostas pelas instituições patriarcais.
Em The Madwoman in the Attic (1984) Gilbert e Gubar argumentam que a
releitura de escritoras como Jane Austen, as irmãs Brontë, Christina Rossetti e Emily
Dickinson, assim como de outras autoras não incluídas no cânone literário ocidental as
levou a identificar uma tradição literária feminina que se posiciona em resposta à
coação sociocultural do patriarcado e que se concretiza na criação de narrativas
simbólicas permeadas por esse sentimento de opressão:
[...] Significantly, as my colleague [Susan Gubar] and I reread the
literature of these women, we saw that what they wrote may have
seemed docile enough [...] but that, like Dickinson’s work, it was often
covertly subversive, even volcanic, and almost always profoundly
revisionary.[…] In these narratives madwomen like Bertha Mason
Rochester function as doubles through whom sane ladies like Jane
Eyre (and Charlotte Brontë) can act out fantastic dreams of escape, or
volcanic landscapes serve as metaphors through which apparently
decorous spinsters like Emily Dickinson can image the eruption of
anger into language.2 (GILBERT, 1985, p.35)
2
“Significativamente, conforme a minha colega [Susan Gubar] e eu relíamos a literatura dessas mulheres,
nós vimos que o que elas escreviam pode ter parecido dócil o suficiente [...] mas que, como a obra de
Dickinson, era com freqüência secretamente subversivo, até mesmo vulcânico, e quase sempre
376
Descrição das pesquisas
Gilbert complementa ainda que ao fazer uso dessa estratégia de escrita,
[…] these literary women were revising the world view they had
inherited from a society that said women mattered less than men did,
a society that thought women barely belonged in the great parade of
culture, that defined women as at best marginal and silent tenants of
the cosmic mansion and at worst guilty interlopers in that house.3
(1985, p.35)
A leitura mais aprofundada desse subtexto, no entanto, seria possível apenas à
audiência feminina, que pode reconhecer nessa estratégia suas próprias angústias.
Assim, o subtexto se torna um instrumento que possibilita à escritora esconder sua
consciência sobre as relações de gênero em seu contexto e na tradição literária, mas, ao
mesmo tempo, é também por meio dele que essa consciência se revela e pode ser
discutida pela expressão literária feminina:
From Austen do Dickinson, these female artists all dealt with central
female experiences from a specifically female perspective. [...] women
from Jane Austen and Mary Shelley to Emily Brontë and Emily
Dickinson produced literary works that are in some sense
palimpsestic, works whose surface designs conceal or obscure deeper,
less accessible (and less socially acceptable) levels of meaning. Thus
these authors managed the difficult task of achieving true female
literary authority by simultaneously conforming to and subverting
patriarchal literary standards.4 (GILBERT; GUBAR, 1984, p. 72-3)
Além disso, para Alicia Ostriker (1985) as mulheres de maneira geral sempre
tentaram se apropriar da linguagem e do discurso para que pudessem se expressar
literariamente e o reconhecimento do subtexto como estratégia de subversão às regras
profundamente revisionista. [...] Nessas narrativas mulheres loucas como Bertha Mason Rochester atuam
como duplos através de quem senhoritas sãs como Jane Eyre (e Charlotte Brontë) podem expressar
sonhos fantásticos de fuga, ou paisagens vulcânicas servem como metáforas através das quais solteironas
aparentemente decentes como Emily Dickinson podem retratar a erupção da ira em linguagem.”
(Tradução nossa)
3
“[…] essas mulheres literárias estavam revisando a visão de mundo que elas tinham herdado de uma
sociedade que dizia que as mulheres eram menos importantes que os homens, uma sociedade que pensava
que as mulheres mal pertenciam ao grande desfile da cultura, que definia as mulheres na melhor das
hipóteses como marginais e inquilinos silenciosos da mansão cósmica e na pior das hipóteses como
intrusas culpadas naquela casa.” (Tradução nossa)
4
“De Austen a Dickinson, todas essas artistas mulheres lidaram com experiências femininas centrais de
uma perspectiva especificamente feminina. [...] Mulheres de Jane Austen e Mary Shelley a Emily Brontë
e Emily Dickinson produziram obras literárias que são de alguma forma palimpsestos, obras cuja
superfície esconde ou obscurece níveis de significado mais profundos, menos acessíveis (e menos aceitos
socialmente). Assim essas autoras lidaram com a difícil tarefa de alcançar a verdadeira autoridade literária
feminina ao sujeitarem-se aos padrões literários patriarcais e simultaneamente os subverter.” (Tradução
nossa)
377
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
do patriarcado se tornou uma peça-chave para a decifração de uma tradição literária
feminina: “Women writers have always tried to steal the language. What several recent
studies demonstrate poignantly is that throughout most of her history, the woman writer
has had to state her self-definitions in code form, disguising passion as piety, rebellion
as obedience”5 (p.315).
Por estarmos ainda no início deste trabalho, temos nos concentrado
principalmente na leitura de textos teóricos e de poemas e no cumprimento de créditos
em disciplinas. Reconhecemos, também, a necessidade de revisão de nosso projeto
inicial que tem sido feita ao longo deste ano na tentativa de suprir algumas lacunas,
identificar e corrigir as falhas.
Bibliografia
ABRAMS, M.H. The Norton anthology of English literature. New York: Norton,
1979, 2 v.
AGUIAR, Isabel Cristina Moreira de. Por uma poética do limite: o conceito de epiclese
na poesia de Emily Dickinson. Mestrado. Brasília: UnB, 1998.
ALVES, Ivia. Amor e submissão: formas de resistência da literatura de autoria
feminina? In: RAMALHO, Christina. Literatura e feminismo: propostas teóricas e
reflexões críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999.
AMARAL, Ana Luisa Ribeiro Barata. Emily Dickinson: uma poética de excesso. Tese
de doutorado. 533 f. Universidade do Porto: Porto, 1995.
BADINTER, E. Rumo equivocado - o feminismo e alguns destinos. São Paulo:
Civilização Brasileira, 2005.
BEAUVOIR, Simone. O Segundo sexo: 1.Fatos e Mitos. 4ª ed. Tradução de Sérgio
Milliet. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.
BENNETT, Paula. Emily Dickinson: Woman Poet. Iowa City: University of Iowa
Press, 1990.
BLOOM, Harold. A angústia da influência: uma teoria da poesia. Tradução e
apresentação de Arthur Nestrovski. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BRANCO, Lúcia Castelo; BRANDÃO, Ruth Silviano. A mulher escrita. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2004.
______. A branca dor da escrita: três tempos com Emily Dickinson [ensaios].
(Tradução das cartas e dos poemas: Fernanda Mourão). Rio de Janeiro: 7 Letras; Belo
Horizonte: UFMG, 2003.
BUELL, Lawrence. The Environmental Imagination: Thoreau, Nature Writing, and
the Formation of American Culture. Cambridge, EUA: The Harvard University Press,
1996.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
5
“As mulheres escritoras sempre tentaral roubar a linguagem. O que muitos estudos recentes demonstram
incisivamente é que na maior parte de sua história, a mulher escritora tem tido que expor sua autodefinição em forma de código, disfarçando paixão em piedade, revolta em obediência.” (Tradução nossa)
378
Descrição das pesquisas
CAMPOS, Augusto de. “Emily: o difícil anonimato”, O anticrítico. São Paulo:
Companhia das Letras, 1986, p. 105-119.
CANDIDO, A, Literatura e sociedade. São Paulo: Ed. Nacional, 1985.
CLÉMENT, Catherine; KRISTEVA, Julia. O feminino e o sagrado. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001.
CODY, John. After Great Pain: the inner life of Emily Dickinson. Cambridge, EUA:
Belknap Press, 1971.
COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Literatura e senso comum. Belo
Horizonte: Editora da UFMG, 2003.
DAGHLIAN, Carlos. A obsessão irônica na poesia de Emily Dickinson. LivreDocência. UNESP, 1987.
DICKINSON, Emily. The Poems of Emily Dickinson. Organização de Ralph W.
Franklin. Cambridge, EUA: Harvard University Press, 1998.
______. The Complete Poems of Emily Dickinson. Organização de Thomas H.
Johnson. Boston: Back Bay Books, 1976.
DOWN, R; HERNDL, D. Feminisms, revised edition: an anthology of literary
theory and criticism. New Jersey: Rutgers University Press, 1997.
DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados. n.17. São
Paulo: Ed. USP, 2003. Quadrimestral. ISSN 0103-4014.
FARR, Judith (ed.). Emily Dickinson: A Collection of Critical Essays. New Jersey:
Prentice Hall, 1996.
______. Nunca lhe apareci de branco. Trad. Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Rocco,
1998.
FERREIRA, Silvia Lucia; NASCIMENTO, Enilda Rosendo (Org.). Imagens da
mulher na cultura contemporânea. Coleção Bahianas Vol. 7. Salvador: NEIM /
UFBA, 2002.
FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Tradução de Áurea B. Weissenberg. Petrópolis:
Vozes Limitadas, 1971.
GILBERT, Sandra (Ed.); GUBAR, Susan (Ed.). Norton Anthology of Literature by
Women. New York City: W.W. Norton & Company, 1985.
______. The Madwoman in the Attic: The Woman Writer and the Nineteenth-century
Literary Imagination. 2. ed. Londres: Yale University Press, 1984.
______. Shakespeare’s Sisters: Feminist Essays on Women Poets. Bloomington:
Indiana University Press, 1979.
GRABHER, Gudrun; HAGENB¨UCHLE, Roland; MILLER, Cristanne (Ed.). The
Emily Dickinson Handbook. Amherst: Massachusetts Press, 2004.
HALL, Alcina Brasileiro. “The soul selects her own society” – a poesia de Emily
Dickinson: uma questão de escolha. Mestrado. UFPR, 2001.
HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Tendências e impasses. Rio de Janeiro:
Rocco, 1994.
HOMANS, Margaret. Women Writers and Poetic Identity: Dorothy Wordsworth,
Emily Brontë, and Emily Dickinson. Princeton: Princeton University Press, 1980.
HOWE, Susan. My Emily Dickinson. New York: New Directions Books, 2007.
HURWITZ, Siegmund. Lilith. A primeira Eva. São Paulo: Fonte Editorial, 2006.
JOHNSON, Thomas H.Mistério e solidão: a vida e a obra de Emily Dickinson. Trad.
Vera das Neves Pedroso. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
JUHASZ, Suzanne; MILLER, Cristanne. Performances of gender in Dickinson’s poetry.
In: MARTIN, Wendy. (Org.) The Cambridge Companion to Emily Dickinson.
Cambridge, EUA: Cambridge University Press, 2007.
379
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
KIRSZNER, Laurie G.; MANDELL, Stephen R. Portable Literature: reading,
reacting, writing. Boston: Thomson Wadsworth, 2007.
LEITCH, Vincent B. American Literary Criticism: from the thirties to the eighties.
New York: Columbia University Press, 1988.
LEYDA, Jay. The Years and Hours of Emily Dickinson. New Haven: Yale
University Press, 1960.
LIED, Justina Inês Faccini. Emily Dickinson in Her Private Bubble: Poems, Letters and
the Condition of Presence. Doutorado. UFRGS, 2008.
LIRA, José. Emily Dickinson e a poética da estrangeirização. Recife: PPGL/UFPE,
2006.
LODGE, D. Modern criticism and theory. New York: Longman, 1998.
LOEFFELHOLZ, Mary. Dickinson and the Boundaries of Feminist Theory. Urbana:
University of Illinois Press, 1991.
MARTIN, Wendy. (Org.) The Cambridge Companion to Emily Dickinson.
Cambridge, EUA: Cambridge University Press, 2007.
MILLER, Cristanne. Emily Dickinson: A Poet’s Grammar. Cambridge, EUA: Harvard
University Press, 1987.
MILLET, Kate. Política sexual. Tradução de Alice Sampaio, Gisela da Conceição e
Manuela Torres. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1974.
MOREIRA, Nadilza Martins de Barros; SCHNEIDER, Liane (org.). Mulheres no
mundo: etnia, marginalidade e diáspora. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB,
2005.
MOURÃO, Fernanda. 117 e outros poemas à procura da palavra de Emily
Dickinson. Doutorado. UFMG, Belo Horizonte, 2008.
NYE, Andrea. Teoria feminista e as filosofias do homem. Rio de Janeiro: Rosa dos
Tempos, 1995.
OSTRIKER, Alicia. The thieves of language. In: SHOWALTER, Elaine (Ed.). The
New Feminist Criticism: Essays on Women, Literature and Theory. New York:
Pantheon Books, 1985.
PAGLIA, Camille. Personas Sexuais: arte e decadência de Nefertite a Emily
Dickinson. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
PATTERSON, Rebecca. Emily Dickinson’s Imagery. Amherst: University of
Massachussetts Press, 1979.
POLLACK, Vivian. Dickinson: the anxiety of gender. Ithaca: Cornell University Press,
1984.
RAMALHO, Christina (org.). Literatura e feminismo: propostas teóricas e reflexões
críticas. Rio de Janeiro: Elo, 1999.
ROBBINS, R. Literary Feminisms. London: Palgrave Macmillan, 2000.
ROSALDO, Michelle Zimbalist; LAMPHERE, Louise. A mulher, a cultura e a
sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
SALSKA, Agnieszka. Walt Whitman and Emily Dickinson: Poetry of the Central
Consciousness. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1985.
SILVA Jr., Maurício Cléto da. Considerações sobre as imagens da Morte em Emily
Dickinson. Mestrado. USP, 2004.
SHOWALTER, Elaine (Ed.). A Literature of Their Own: British Women Novelists
from Bronte to Lessing. Revised and expanded edition. Londres: Virago Press, 2009.
______. A Jury of Her Peers: celebrating American Women Writers from Anne
Bradstreet to Annie Proulx. New York: Vintage Books, 2009.
______. The New Feminist Criticism: Essays on Women, Literature and Theory. New
York: Pantheon Books, 1985.
380
Descrição das pesquisas
ST. ARMAND, Barton Levi. Emily Dickinson and Her Culture: the Soul’s Society.
Cambridge, EUA: Cambridge University Press, 1984.
VENDLER, Helen. Dickinson: Selected Poems and Commentaries. Cambridge, EUA:
Harvard University Press, 2010.
WARREN, Karen J. (Ed.). Ecofeminism: Women, Culture, Nature. Bloomington:
Indiana University Press, 1997.
WOOLSTONECRAFT, Mary. A Vindication of the Rights of Woman. Edição
revisada. Londres: Penguin Books, 2004.
WOOLF, Virginia. Um teto todo seu. Tradução de Vera Ribeiro. São Paulo: Círculo do
livro, 1990.
381
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
MEMÓRIA E MORTE: UMA INTERSECÇÃO ENTRE SER E ESCREVER EM
LES RÊVERIES DU PROMENEUR SOLITAIRE, DE JEAN-JACQUES
ROUSSEAU
Natália Pedroni Carminatti
Mestranda – Bolsista CAPES
Prof. Dr. Adalberto Luis Vicente (Or.)
A presente pesquisa de mestrado encontra-se em andamento, dado a
proximidade do exame geral de qualificação, e tem como finalidade primeira analisar os
temas da memória e da morte, e suas respectivas influências na formação psicológicaexistencial do filósofo de Genebra, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ademais,
pretende-se demonstrar a importância da narrativa autobiográfica como instrumento de
superação à visão negativista da morte adotada não só no século XVIII, mas também na
era atual. Com base na leitura da obra Le pacte autobiographique (1975), de Phillipe
Lejeune, analisaremos a questão da autobiografia, especialmente, em Les rêveries du
promeneur solitaire (1782), última obra que consagrou Jean-Jacques Rousseau como
um dos precursores da modernidade.
Para o desenvolvimento do tema da memória utilizou-se como arcabouço teórico
as pesquisas realizadas por Sigmund Freud em A interpretação dos sonhos (1900),
Escritores criativos e devaneios (1908[1907]), Recordar, repetir e elaborar (1914) e O
bloco mágico (1924). Tais pesquisas concernentes ao trabalho do inconsciente e ao
desenvolvimento do aparelho psíquico dirigem a leitura da memória no texto
rousseauniano tecida, aqui, pelo viés psicanalítico. O inconsciente, componente
essencial do aparelho psíquico, condiciona, segundo Freud, a personalidade e as atitudes
humanas. Tendo em vista a releitura efetuada por Adélia Meneses (1995), Garcia-Roza
(2004), Noemi Kon (2001), além da própria teoria freudiana, será realizada uma
investigação a fim de que se possa apresentar a relevância da teoria do pai da
psicanálise para a compreensão de obras anteriores bem como de obras posteriores.
O tema da morte, associado nessa pesquisa, ao tema da memória constrói o
discurso do cidadão suíço. A morte, dotada de sentido e propósito, tornou-se um dos
eixos centrais das reflexões rousseaunianas em sua última obra. O encontro com ela
denuncia a postura legitimada pelo genebrino em seus dias finais. O instrumental
382
Descrição das pesquisas
teórico empregado como alicerce para o entendimento desse tema, que preocupou e
preocupa a sociedade até os dias de hoje, será o trabalho realizado pelo filósofo alemão
Martin Heidegger (1889-1976), em Ser e tempo (1927). As discussões levantadas pelo
autor no que tange às diferenciações entre ser e ente, em seu sentido filósofo,
possibilitaram a percepção da morte como a finitude ou a cessação da existência
humana.
“[...]Je n’écris mes rêveries que pour moi”.1 (ROUSSEAU, 1972, p.42). Aqui,
adentramos no universo autobiográfico do caminhante solitário. Jean-Jacques Rousseau
em sua empresa de escrever para si, compõe sua terceira produção autobiográfica, Les
rêveries du promeneur solitaire, após a escritura de dois trabalhos de mesmo caráter:
Les Confessions e Les dialogues, ou Rousseau juge de Jean-Jacques. A obra, publicada,
postumamente, em 1782, cede ao desejo rousseauniano de conhecer a si próprio e de
desfrutar do sentimento da própria existência. Apresentada pelo próprio autor como o
apêndice das Confissões “[...] ces feuilles peuvent donc être regardées comme un
appendice de mes Confessions”, (ROUSSEAU, 1972, p.41), as Rêveries arquitetam o
exame de consciência sincero e severo sensibilizado pelo narrador no decorrer do
processo de escritura. O filósofo de Genebra esclarece que nada mais tem a confessar, e,
por isso, não nomeia os devaneios de confissões. Com o coração purificado, Rousseau
extingue as relações com seus contemporâneos, abstém-se da sociedade e oferta sua
vida à solidão.
De relevância universal, sobretudo para a literatura francesa, Les rêveries du
promeneur solitaire, rompe com os modelos, até então, vigentes das obras literárias
considerados na era clássica como os pilares das letras, e projeta o novo protótipo de
texto, difundido a posteriori pelo movimento romântico, que procurou trazer à tona a
faculdade da imaginação, não só como um método relacionado à criação literária, mas
também como uma nova maneira de compreensão do próprio ser. A crítica
rousseauniana aponta o filósofo de Genebra como pioneiro das ideias que tomam o ser
como produto da racionalidade e da irracionalidade. Abandonando a filosofia do século
XVIII, Jean-Jacques Rousseau, destaca-se pela poeticidade e pela intensidade de
expressão de seus sentimentos. Conjugando poesia e filosofia, as Rêveries, transmitem
os desejos, até então, inconscientes do cidadão de Genebra.
* As passagens de Les rêveries du promeneur solitaire traduzidas em nota de rodapé são de autoria de
Fúlvia Maria Luiza Moretto, 2.ª ed., Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1986.
1
“[...] eu não escrevo meus devaneios senão para mim”. (ROUSSEAU, 1986, p.27).
383
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A psicanálise eclode no século XIX com os estudos do médico vienense
Sigmund Freud (1856-1939). Partindo de uma nova concepção teórica para a época em
questão, pois até o século XVIII não fora formulado nenhum princípio alusivo ao
trabalho da memória do inconsciente, o psicanalista, desenvolve a noção do
inconsciente e revela que certas atitudes humanas não são regidas pelas ações
conscientes, mas pelas volúpias inconscientes, denominadas por Freud, de desejos
reprimidos. Desse modo, para o médico vienense, desejos reprimidos são relegados ao
inconsciente e por intermédio dos sonhos, dos atos falhos, do chiste, dos lapsos de
linguagem retornam ao indivíduo sem que ele se dê conta de tais processos. O
interessante da intersecção desenvolvida entre a literatura, a psicanálise e a filosofia,
nessa dissertação, é estabelecer de que modo a arte literária vem suprir a vontade
inconsciente. Além disso, interessamo-nos na maneira pela qual o texto em si, enquanto
gênero literário, modela-se para transpor no papel aquilo que é peculiar à alma:
não é dado bruto que importa, mas sua transposição para o papel, e
sua necessária transformação, quando entram recursos estilísticos, a
metáfora, a metonímia, o símbolo, a alegoria; quando atuam os
processos de elaboração poética de condensação e deslocamento [...].
A memória é apenas matéria-prima de um processo de mimese.
(MENESES, 1995, p.160, grifo da autora).
A memória é, portanto, o núcleo das Rêveries. A iniciativa de voltar ao passado,
retrocedendo em análise de sua própria existência conduz Rousseau ao encontro com
seu eu verdadeiro. No entanto, a volta ao passado é distorcida, haja vista a distância
temporal estabelecida entre o tempo passado e a vivência atual. As lembranças
envelhecidas mesclam-se com as percepções atuais e, o passado reconfigurado no
presente, confere ao escritor genebrino momentos de felicidade plena. Todavia, é
preciso reforçar que o passado não é reconstituído completamente, já que o colorido
psicanalítico deturpou certos instantes, devido às repressões firmadas pelas vozes
sociais.
De acordo com a perspectiva freudiana, a busca da origem, ou seja, “o eterno
retorno” é a chave de compreensão da existência humana. O que se vive hoje, para o
psicanalista, trata-se, na realidade, de uma experiência secundária e só encontra um
sentido se conectado com a vivência passada. Dessa forma, faz-se necessário o
desvelamento das lembranças escondidas para o entendimento do presente e, também,
do destino futuro. Sempre é preciso ter conhecimento sobre um “antes”, a saber, a
384
Descrição das pesquisas
retroação é o movimento característico do inconsciente, em que num momento
posterior, reconhece-se o que se procurava desde o início.
Assim, o “eterno retorno do mesmo” na sua tendência zeradora, de
retorno ao estado inanimado da morte, traz o rastro característico
permanente do ser. Aquilo que o sujeito repete compulsivamente na
busca ativa pelo seu resgate- mesmo que não o saiba- remete a uma
marca, a ser decifrada como o destino predito num oráculo obscuro. O
futuro está escrito num “lá atrás”, porém ele se atualiza, se traduz
incessantemente, faz passe. Estranha memória essa, onde há retorno
do mesmo por vias diversas, em versões superpostas mas não
coincidentes. (WAJNBERG, 1997, p.107).
E aí se observa uma coisa interessantíssima: Rousseau, nas Rêveries, acredita
fielmente que a morte é a concretização de sua existência. Diríamos que o genebrino,
diante dela, analisa sua autêntica função em vida. Como salienta Paule Adamy (1997) a
morte é o ponto de partida para as renovações existenciais apreciadas pelo escritor das
Confissões. O homem enquanto Dasein vive na inautenticidade, e com a chegada da
morte consegue dar a sua existência um sentido autêntico e verdadeiro. A partir do
estudo da memória do sistema inconsciente, proposto por Freud, conseguimos
esclarecer certas falhas na memória do narrador desse texto em prosa poética. O próprio
Rousseau reconhece que a escrita desinteressada das Rêveries é produto de suas
oscilações anímicas.
Ayant donc formé le projet de décrire l’état habituel de mon âme
dans la plus étrange position òu je puisse jamais trouver un mortel, je
n’ai vu nulle manière plus simple et sûre d’exécuter cette entreprise
que de tenir un registre fidèle de mes promenades solitaires et des
rêveries qui les remplissent quand je laisse ma tête entièrement libre,
et mes idées suivre pente sans résistance et sans gêne. Ces heures de
solitude et de méditation sont seules de la journée où je sois
pleinement moi et moi sans diversion, sans obstacle, et où je puisse
véritablement dire être ce que la nature a voulu.2 (ROUSSEAU, 1972,
p.44).
A estranha situação a que alude Rousseau diz respeito ao estado de sua alma.
Angustiado com essas situações singulares, leia-se, a paranoica ideia do complô, as
2
“Tendo, portanto formado o projeto de descrever o estado habitual de minha alma na mais estranha
situação em que possa jamais encontrar-se um mortal, não vi nenhuma maneira mais simples e mais
segura de executar essa empresa do que a manter um registro fiel de minhas caminhadas solitárias e dos
devaneios que as preenchem, quando deixo minha cabeça inteiramente livre e minhas ideias seguirem sua
inclinação, sem resistência e sem embaraços. Estas horas de solidão e de meditação são as únicas do dia
em que sou plenamente eu mesmo e em que me pertenço sem distração, sem obstáculos e em que posso
verdadeiramente dizer que sou o que desejou a natureza”. (ROUSSEAU, 1986, p.31).
385
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
constantes alterações inconscientes e, sobretudo, decidido a reorganizar seu projeto de
existência, a arte lhe serve de instrumento com intuito de efetivar seus planos.
Entregando-se às reflexões enquanto caminhava solitário, o registro fiel dessas
contemplações encantadoras que, muitas vezes, terminavam em meditações é o
benefício de uma obra que consagrou Jean-Jacques Rousseau como o anunciador do
Romantismo. Optando pela reclusão e, admitindo a importância da solidão na busca do
conhecimento de si, Rousseau, chega a essas confissões por mérito próprio. Ser
verdadeiramente aquilo que a natureza pretendeu é aprovar a função da morte em sua
vida. Escrevendo, Rousseau reinventava sua história, contudo de agora em diante é feliz
“[...] non d’un bonheur imparfait, pauvre et relatif, tel que celui qu’on trouve dans les
plaisirs de la vie, mais d’un bonheur suffisant, parfait et plein, qui ne laisse dans l’âme
aucun vide qu’elle sente le besoin de remplir”.3 (ROUSSEAU, 1982, p.101).
A felicidade suficiente, perfeita e plena designada por Jean-Jacques é aquela
encontrada no isolamento. Somente livre de todas as paixões é que o homem atinge o
seu ajuste perfeito. A narrativa de si é a máquina da salvação, dado que por meio dela
Rousseau evolui não só exteriormente, mas, em particular, internamente. O
amadurecimento pessoal do filósofo de Genebra efetiva-se com a proximidade da morte.
Rousseau não a teme, ela a aceita, pois sabe que ela é a prerrogativa dos mortais. Sábios
são aqueles que admitem a importância da morte, como evidencia Heidegger, só com
ela o Dasein alcança a autenticidade.
Memória e morte são temas fundamentais nas Rêvereis. O entrelaçamento dessas
duas questões configura a realidade do autor dos Diálogos. Deixando-se governar pela
alma, Rousseau instaura na literatura uma nova forma de escrita literária, denominada
prosa poética. A poesia completa os instantes em que o discurso filósofo não é
suficiente para descrever as sensações que dispunha nas caminhadas solitário. Fixá-las
pela escrita é a alternativa encontrada pelo narrador para reduplicar, ou melhor, repetir
sua existência. Gravando suas memórias, Rousseau poderá a qualquer momento ir ao
encontro do que desejar, pois a felicidade está ali eternizada nas folhas de papel.
Como ressaltamos no início dessa apresentação a pesquisa está em fase de
desenvolvimento, tendo em vista o exame geral de qualificação. Vale ressaltar que as
disciplinas cursadas no ano anterior foram de extrema pertinência para a delimitação do
3
“[...] não de uma felicidade imperfeita, pobre e relativa, como a que se encontra nos prazeres da vida,
mas de uma felicidade suficiente, perfeita e plena, que não deixa na alma nenhum vazio que sinta a
necessidade de preencher”. (ROUSSEAU, 1986, p.76).
386
Descrição das pesquisas
corpus, para o aprofundamento da bibliografia bem como para a escolha do estudo da
memória e de sua relação com o inconsciente. Dedicamo-nos, agora, à própria redação
da dissertação e, também, a algumas leituras complementares que nos ajudarão na
compreensão das obras do filósofo genebrino.
Bibliografia
ADAMY, P. Les corps de Jean-Jacques Rousseau. Paris : Honoré Champion Éditeur,
1997.
ARIÈS, P. História da morte no Ocidente. Trad. de Priscila Viana de Siqueira. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003.
ARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Globo, 1966.
BARGUILLET, F. Le roman au XVIIIe siècle. Paris: PUF, 1981.
BARGUILLET, F. Rousseau ou l’illusion passionnée. Les Rêveries du promeneur
solitaire. Paris: PUF, 1991.
BEGUIN, A. L’âme romantique et le rêve. Paris: J. Corti, 1963.
BENJAMIM, W. O narrador. In: _____. Magia e técnica, arte e poética: ensaios sobre
literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985 (Obras escolhidas, 1), p.
197-221.
BERGSON, H. Matéria e Memória – Ensaio sobre a relação do corpo com o
espírito. São Paulo: Editora Martins e Fontes, 1990.
BORGES, J. L. Funes, o memorioso. In: Ficções. Trad. Davi Arriguci Jr. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
BOSI, E. Memória e sociedade: Lembrança de velhos. 10a edição. São Paulo:
Companhia das Letras, 2003.
BURGELIN, P. La philosophie de l’existance de Jean-Jacques Rousseau. Paris:
PUF, 1952.
CHNAIDERMAN, M. Esfarelando tempos não ensimesmados. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982003000200004>.
Acessado em 25 jan. 2013.
COZ, M.; JACOB, F. (org). Rêveries sans fin. Autour des Rêveries du promeneur
solitaire. Orléans : Paradigme, 1997.
CROGIEZ, M. Solitude et Méditation. Études sur les Rêveries de Jean-Jacques
Rousseau. Paris: Honoré Champion Éditeur, 1997.
DERRIDA, J. Freud e a cena da escritura. In: A escritura e a diferença. São Paulo:
Perspectiva, 1971.
EAGLETON. T. A Psicanálise. In: Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 227-291.
FERREIRA, J. P. Armadilhas da memória. São Paulo: Ateliê, 2004.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos. Trad. J. Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1987.
______. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
______. Carta 52 a Fliess, Obras Completas, Edição Standard Brasileira, vol. I, Rio de
Janeiro: Imago, 1969, vol. I
______. Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen. Rio de Janeiro: Imago, 1976
(Coleção Standard Brasileira), vol. IX.
______. Escritores criativos e devaneios, 1908, v.9.
387
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
______. Primeiras publicações psicanalíticas. In: Edição Standard das Obras
Psicológicas de Sigmund Freud. Trad. J. Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol.
3.
______. Projeto de uma psicologia para neurólogos. Buenos Aires: Amorrortu, 1985.
______. Recordar, repetir e elaborar. In: O caso Schreber, artigos sobre técnica e
outros trabalhos. Trad. José O. A. Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
GARCIA-ROZA, L. A. A memória. In: _____. Introdução à metapsicologia
freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 134-138, v. 1.
______. Impressão, traço e texto. In: Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004b, p. 44-67, v.2.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Trad. F. C. Martins. Lisboa: Vega, [19--].
GENETTE, G. Le genre de la rêverie. In: Mimologiques: voyage en Cratile. Paris:
Seuil, 1976, p.383-393.
HAZARD, P. La pensée européenne au XVIIIe siècle. De Montesquieu à Lessing.
Paris: Fayard, 1961.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 6ª ed. Parte II. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.
Petrópolis: Editora Vozes, 1998.
HEIDEGGER, M. Ser e tempo. 8ª ed. Parte I. Tradução de Márcia de Sá Cavalcante.
Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
LAVIELLE, É. Les Rêveries du promeneur solitaire. Paris: Bréal, 2001 (Coll
Conaissance d’une oeuvre).
LE GOFF, J. História e memória. 4ª ed. Tradução de Irene Ferreira Bernardo Leitão e
Suzana Ferreira Borges. Campinas: Unicamp, 1996.
LEJEUNE, P. Le pacte autobiographique. Paris: Seuil, 1975.
MARQUES, J. O. de A. Verdades e Mentiras. 30 ensaios em torno de Rousseau.
Ijuí: Editora Unijuí, 2005.
MAUZI, R. L’Idée du bonheur dans la littérature et la pensée au XVIIIe siècle.
Paris: Librairie Armand Colin, 1960.
MAY, G. Rousseau par lui-même. Paris: Seuil, 1961.
MACIEL, M. E. Travessias de gênero na poesia contemporânea. In: Poesia Sempre.
Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, n. 23, março/abril, 2006.
MENESES, A. B. Do poder da palavra: ensaios de Literatura e Psicanálise. São
Paulo: Duas Cidades, 1995.
MORETTO, F. M. L. Prefácio. In: ROUSSEAU, J. -J. Os devaneios do caminhante
solitário. Tradução de Fúlvia Maria Luiza Moretto. Brasília: Ed. UnB, 1986. p.7-17.
MORIER, H. Dictionnonaire de poétique et de rhétorique. Paris: PUF, 1998.
NORA, P. Entre a memória e a história: a problemática dos lugares. Tradução de
Yara Aun Khoury. São Paulo: Projeto História, 1981. p.7-28.
O`NEAL, J. The Nature of Rousseau’s Rêveries: physical, human, aesthetic. Oxford:
Voltaire Foundation, 2008:03.
PASSOS, C. R. P. Crítica literária e Psicanálise – Contribuições e limites.
Disponível em <http://www.revistas.usp.br/ls/article/view/25382/27127>. Acessado em
23 fev.2013.
PAZ, O. O Arco e a Lira. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982. Col. Logos.
______. El arco y la lira. México, Fondo de Cultura Económica, 1990.
PLATÃO.
Teeteto.
Trad.
Carlos
Alberto
Nunes.
Disponível
em
<http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/teeteto.pdf>. Acessado em 18 mar.2013.
PRADO JR, B. A retórica de Rousseau e outros ensaios. F. de Mattos (org). São
Paulo: Cosac Naify, 2008.
388
Descrição das pesquisas
RAYMOND, M. Jean-Jacques Rousseau, la quête de soi et la rêverie. Paris: José
Corti, 1962.
REVÊRIE. In: Dictionnaire de l’Académie Française. Disponível em:
<http://artflx.uchicago.edu/cgi-bin/dicos//pubdico1look.pl?strippedhw=reverie>. Acesso
em 9 abr. 2013.
RICATTI, R. Réflexions sur les Rêveries. Paris: Corti, 1960.
RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Trad. Alain François.
Campinas: Editora da Unicamp, 2007.
RONSARD, ROUSSEAU, NERVAL. Aspects du lyrisme du XVIe au XIXe siècle.
Actes du Colloque du Centre de recherches littéraires pluridisciplinaires. Nice : 1997.
ROSENFELD, A. Reflexões sobre o romance moderno. In: _____. Texto/contexto:
ensaios. São Paulo: Perspectiva, 1969. p. 73-95.
ROUSSEAU, J.J. Carta a Christophe de Beaumont e outros escritos sobre a
Religião e a Moral (Org. José Oscar de Almeida Marques). São Paulo: Estação
Liberdade, 2005.
ROUSSEAU, J.J. Les rêveries du promeneur solitaire. Paris: Gallimard, 1972 (Coll
Folio Classique).
ROUSSEAU, J.J. Oeuvres complètes. (Direction de Bernard Gagnebin e Marcel
Raymond). Paris: Gallimard, 1959 (Coll. Bibliothèque de la Pléiade).
ROUSSEAU, J.J. Os devaneios do caminhante solitário. Trad. de Fúlvia Maria Luiza
Moretto. Brasília, Editora da Universidade de Brasília, 1986.
SANTO AGOSTINHO. As confissões. Trad. Frederico Ozanam Pessoa de Barros. Rio
de Janeiro: Ediouro, S/d. (Coleção Universidade de Bolso, v. 31993).
STAIGER, E. Conceitos fundamentais da poética. Tradução de Celeste Aída Galeão.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1972.
STAROBINSKI, J. L'oeil vivant. Paris: Éditions Gallimard, 1960.
STAROBINSKI, J. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo; seguido
de sete ensaios sobre Rousseau. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
STAROBINSKI, J. Jean-Jacques Rousseau. La transparence et l’obstacle. Paris:
Gallimard, 1961.
TADIÉ, J.Y; TADIÉ, M. Le sens de la mémoire. Paris: Gallimard, 1999. (Coleção
Folio Essais).
TODOROV, T. Poética da prosa. Lisboa: 70, 1971.
VAN THIEGHEM, P. Les grandes doctrines littéraires en France. Paris: PUF, 1968.
WAJNBERG, D. A teoria da memória em Freud. In: _____. Jardim de Arabescosuma leitura das Mil e Uma Noites. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p.97-108.
389
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ESPAÇO E EPIFANIA EM THE AMBASSADORS E THE BEAST IN THE
JUNGLE, DE HENRY JAMES
Natasha Vicente da Silveira Costa
Doutoranda
Profa. Dra. Guacira Marcondes Machado Leite (Or.)
A proposta desta pesquisa de doutorado é realizar uma análise detalhada da
conexão entre os espaços literários e a culminância epifânica no romance The
ambassadorse na novela The beast in the jungle, publicados em 1903 pelo escritor
nova-iorquino Henry James (1843-1916). Este estudo se delineou a partir de análises
prévias do romance supracitado voltadas ao deslocamento espacial do protagonista
Lewis Lambert Strether e sua consequente revisitação de conceitos.
Na dissertação de mestrado intitulada Espaço e focalização em The
ambassadors, de Henry James, foi possível identificar as diferentes modalidades de
focalização e instauração do espaço, o aspectoambíguodo espaço europeu, a relação
entre o conceito de verdade e o espaço iluminado pela luz natural e a ligação entre
falsidade e escurecimento, com base, principalmente, em Osman Lins, Iuri Lotman e
Gérard Genette. Essa pesquisa anterior sobre a instauração espacial e os agentes da
percepçãotambém apontoupara a questão da epifania em The ambassadorse, a partir das
considerações de James Joyce, foi possível perceber a ligação entre o momento
epifânico de Strether – o clímax narrativo – e o espaço que o circunda, uma pousada
rural francesa.
Considerando os estudos já realizados, foi possível verificar queas narrativas
jamesianastendem a representarmomentos variados e difusos em que os seres
cognoscentes tomam consciência de algum fenômeno relevante anteriormente ignorado,
mesmo que o objeto desencadeador seja o mais trivial possível.
The ambassadors, por exemplo,trata da viagem de Lewis Lambert Strether a
Paris na função de embaixador da família Newsome a fim de fazer com que o jovem
Chadwick retorne a Massachusetts. Tal deslocamento espacial que alicerça o romance
se torna elemento essencial para engendrar o autoconhecimento de Strether por meio de
sua epifaniana pousada Cheval Blanc. O tema romanesco da representação não se dá
somente por meio desse enredo, mas também pelos artifícios estruturais do romance,
como o paradigma da focalização: o narrador, o protagonista e as demais personagens
390
Descrição das pesquisas
representamperspectivassingulares
e
parciais
sobre
determinado
objeto;
são
embaixadores fragmentários de um todo, de uma determinada concepção cuja totalidade
é inatingível.
The beast in the jungle, por sua vez, trata da espera de John Marcher por um
acontecimento único que mudaria sua vida para sempre. Aguarda o que chama de
ataque da fera ao lado de sua confidente e amiga May Bartram por toda sua vida.
Entretanto, Marcher é incapaz de perceber que o ataque já fora dado, pois havia perdido
várias oportunidades de ser feliz e amar. O tema central da novela é a compreensão
tardia da existência, um descompasso entre os acontecimentos da vida do protagonista e
sua epifania no cemitério.
Por isso, conforme nossa interpretação, a matéria-prima condicional para a
aquisição de experiência é o encontro entre dois pólos: os elementos do espaço
circundante e a apreensão, a percepção do sujeito.
Da mesma forma, já exploramos o panorama de localização histórica e social das
obras de James: aera dourada estadunidense ou Gilded Age (definida entre a década de
1870 e a virada do século XX). Tal período se refere ao desejo estadunidense de se
livrar de seu passado rural e se estabelecer como potência por meio do acúmulo de
capital e inovações tecnológicas. Entretanto, taisconsiderações sobre o contexto sóciohistórico só ganham sentido a partir de sua transfiguração artística na literatura: o
objetivo de James não é tratar de assuntos políticos e sociais historicamente datados
porquedessa conjuntura só lhe interessa o que diz respeito às idiossincrasias do ser
humano.
Em The ambassadors e The beast in the jungle, esse referido contexto bifurcado
é repensado artisticamente ao apontar, por exemplo, para a dicotomia entre ser e
parecer. As temáticas da visão literária de Henry James se dedicam a romper a
futilidade das aparências e buscar a essencialidade por meio da especulação das
múltiplas facetas da realidade.
Constatamostambém que o diálogo das obras de James com o Modernismo
literárioocorre não somente pela abordagem temática da consciência humana, mas pelo
tratamentoestrutural dafocalização, uma técnica “oblíqua” e indireta construída por
meio da transmissão da informação ao leitor através da mente de uma personagem: têmse tanto as marcas do narrador quanto da consciência escolhida. A produção literária de
James alcança um interstício, dialogando tanto com o Realismo, de que o autor é
considerado precursor, e o Modernismo.
391
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A fecundidade da obra jamesiana permite prosseguir essa pesquisa, com a
proposta de investigar de forma sistemática as articulações entre espaço e, agora,
epifania. Para isso, já realizamos uma análise inicial mais profunda do espaço no
romance e na novela.
Tal releitura possibilitou estudarmais detalhadamente os agentes instauradores
do espaço, a presença marcante dos protagonistas, as figuras de linguagem associadas, a
quantidade de detalhes na descrição, o nível de dinamicidade sugerido pelo verbo da
oração e o tipo de discurso que estabelece o espaço. Da mesma forma, verificamos que
os momentos de percepção mais aguçada das personagens constituem circunstâncias
que poderíamos chamar espelhantes: considerações de uma segunda personagem sobre
uma terceira, construindo paulatinamente esclarecimentos mútuos, complementares e
interdependentes.
Em nossa leitura pormenorizada do corpus, verificamos, por exemplo, que
sobejam construções linguísticas com múltiplas interpolações frásicas, que retardam a
completude da ideia da oração, e frases inacabadas, deixadas em suspense. Tais
procedimentos são completamente coerentes com a estética jamesiana: demonstram a
fascinação do autor com a relação em perspectiva e sua deferência pela incompletude da
percepção. Poderíamos inferir que o narrador se recusa, na própria forma linguística, a
rematar alguma ideia de modo direto e imparcial.
Atentamo-nos
igualmente
aosprocedimentosformais
como
aliterações,
reticências, parênteses e paralelismos. É possível verificar a pertinência, por exemplo,
da figura de linguagem da anadiplose, que reforça, no nível da construção linguística, o
encadeamento das diversas visões singularesdas personagens sobre determinado objeto.
Em meados deste segundo ano de doutorado, realizamos os desdobramentos de
análise citados e cumprimos integralmente os créditos referentes às disciplinas. As
respectivas monografias trouxeram relevantes aparatos conceituais para nossa pesquisa:
o trabalho intitulado Espaço e epifania em The ambassadors foi apresentado no 60º.
Seminário do GEL (Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo) e o artigo
Representações da descoberta: espaço e epifania em The ambassadors foi aceito para
publicação na Revista Estudos Linguísticos. Também apresentamos a comunicação Lord
of the flies como narrativa poética: espaço, tempo, mito e alegoria no IV SELL
(Simpósio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários), cujo artigo está sendo
elaborado para submissão aos anais do evento.
392
Descrição das pesquisas
Neste momento também está em curso a análise minuciosa de The beast in the
jungle assim como a redação prévia das análises e concepções teóricas. Com base,
então, nas investigações sobre o espaço literário e o momento epifânico de ambas as
obras, buscamos investigar a correlação latente entre tais categorias romanescase se
Henry James as explorou de modo mais intenso e sistemático do que o demonstrado em
The ambassadors.
Das etapas a serem realizadas, afinal, citamos a análise dos prefácios de Henry
Jamesa fim de investigar se o autor discorreu sobre o vínculo entre o momento epifânico
e o espaço e, da mesma forma, o exame da validade em aprofundar possíveis
considerações filosóficas sobre a fenomenologia. Da linguagem jamesiana, que se ocupa
sobremodo do conhecimentonos termos do esquema espaço-percepção-epifania, surgem
questionamentos que podem ser conjugados coerentemente, por meio de uma orientação
mutuamente iluminadora,com determinadas reflexões fenomenológicas.
Bibliografia
ARMSTRONG, Paul. The phenomenology of Henry James.Chapel Hill: University of
North Carolina Press, 1983.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. Tradução de Antônio de Pádua Danesi.
São Paulo: Martins Fontes, 1989.
BLACKMUR, Richard P. (Org.). The art of the novel. New York: Charles Scribner’s
Sons, 1934.
BOOTH, Wayne C. The rhetoric of fiction. 2. ed. Chicago: The University of Chicago
Press, 1983.
EDEL, Leon (Ed.). Henry James: a collection of critical essays. Englewood Cliffs,
N.J.: Prentice-Hall, Inc., 1963.
FREEDMAN, Jonathan (Ed.). The Cambridge companion to Henry James.
Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
FRIEDMAN, Norman. Point of view in fiction: the development of a critical concept.
In: STEVICK, Philip (Ed.). The theory of the novel. New York: Free Press, 1967. p.
108-137.
GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. 3. ed. Lisboa: Vega, 1995.
JAMES, Henry. A fera na selva. Tradução de José Geraldo Couto. São Paulo: Cosac
Naify, 2007.
______. Criticism. In: SHAPIRA, Morris (Ed.). Henry James: selected literary
criticism. Cambridge: Cambridge University Press, 1981. p. 133-137.
______. Os embaixadores. Tradução de Marcelo Pen. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
______. The ambassadors. New York: Oxford University Press, 1998. (Coleção
Oxford World’s Classics).
______. The beast in the jungle. London: Martin Secker, 1915. Disponível em:
<http://ia600504.us.archive.org/19/items/beastinjungle00jameiala/beastinjungle00jamei
ala.pdf>. Acesso em: 30 jul. 2012.
JOYCE, James. Stephen Hero. New York: New Directions, 1963.
LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ática, 1976.
393
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
LOTMAN, Iuri. A estrutura do texto artístico. Tradução de Maria do Carmo Vieira
Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa, 1978.
MERLEAU-PONTY, Maurice. La phénoménologie de la perception. Paris:
Gallimard, 1976.
NICHOLS, Ashton. The poetics of epiphany: nineteenth-century origins of modern
literary moment. Alabama: University of Alabama Press, 1987.
PARREIRA, Marcelo P. Estratégias do falso: realidade possível em Henry James e
Machado de Assis. 2007. 264 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
394
Descrição das pesquisas
A MAGIA DO SERTÃO DE ROSA
Olívia Dias Queiros
Mestranda – Bolsista CNPq
Profa. Dra. Ana Luiza Silva Camarani (Or.)
Guimarães Rosa em sua narrativa mostra um sertão que, desde a natureza até a
população que nele vive, está permeado de magia advinda de crenças e lendas
populares. Antonio Cândido chama a atenção para essa presença marcante da vida do
sertanejo mineiro e sua importância para a obra do escritor:
A experiência documentária de Guimarães Rosa, a observação da
vida sertaneja, a paixão pela coisa e pelo nome da coisa, a
capacidade de entrar na psicologia do rústico, tudo se transformou
em significado universal graças à invenção, que subtrai o livro à
matriz regional para fazê-lo exprimir os grandes lugares-comuns,
sem os quais a arte não sobrevive [...] na verdade o Sertão é o
Mundo. (CANDIDO, 2006, p. 112)
Percebemos então que o mundo do sertão é o mundo mágico, onde a natureza, a
religião e as lendas são matérias para composição de uma narrativa que o crítico
chamou de super-regionalista.
Não somente em “São Marcos” e “Corpo Fechado”, mas em outras obras do
escritor mineiro essas crenças estão diretamente ligadas à fé religiosa. Em Primeiras
histórias temos a história de Nhinhinha que faz milagres e mora em um vilarejo
chamado “Temor-de-Deus”. Ainda podemos destacar o romance Grande Sertão:
Veredas, em que o narrador-protagonista Riobaldo também tem o corpo fechado em
uma espécie de pacto com o Diabo.
Em “São Marcos” encontramos o mágico também ligado ao religioso. O próprio
nome do conto nos remete a um dos apóstolos de Cristo, Marcos, que em seu evangelho
conta a trajetória de Jesus, a partir de seu batismo até sua ressurreição, descrevendo
nesse percurso os vários milagres e curas, feitos por Jesus, como exemplo de fé
incondicional. Além disso, existem várias referências no texto que leva ao religioso,
“Mas minha poesia viajara muito e agora estava bem depois no nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo.” (ROSA, 1984, p. 206); “Louvado seja Deus, mais a minha Santa
Luzia que cuida dos olhos da gente!” (ROSA, 1984, p. 212). Outra confirmação deste
395
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
caráter sincrético da religião em “São Marcos” é a reza brava utilizada pelo protagonista
como meio de livrar-se do feitiço que lhe fora colocado. Algumas versões dessa reza
são de cunho católico, outra usada por São Cipriano é também utilizada pelo
candomblé, e outras variações populares têm o intuito de realizar magia, simpatia ou
feitiço.
A escolha das categorias narrativas também se torna importante para essa
ligação com o mágico. O narrador de “São Marcos” apresenta, no início, a ideia de que
não acredita em magia, mas sua atitude ambígua mostra para o leitor o contrário. Além
disso, a forte crença da população local, representada na fala de Sá Nhá Rita Preta, no
episódio do feitiço feito pelas crianças, nas histórias contadas por Aurísio e ainda na
própria aventura do protagonista, mostra porque é possível pensar na figura
antropológica do feiticeiro como parte importante para a caracterização da obra como
realista mágica.
Segundo Leonel (2000, p.195), em todas essas sub-histórias e na história
principal Guimarães Rosa atribui à palavra sentidos mágicos e poéticos.
O poder da palavra mágica explicita-se no nível da diegese – na
história principal e nos encaixes que relatam fatos sobrenaturais
advindos da recitação da reza. O poder da palavra, como poesia está
na sub-história – a do duelo poético –, no conteúdo do discurso
dissertativo do narrador e, especialmente, no nível da expressão: no
uso que, no próprio texto, Guimarães Rosa faz da linguagem, em
especial na descrição da natureza, transformando palavra em arte.
(LEONEL, 2000, p. 195)
O desafio poético com “Quem será” mostra, portanto, que em “São Marcos” há
uma forma de teorização do signo linguístico enquanto objeto vivo e reflexível. Ao
dissociar significado e significante da palavra, Guimarães Rosa vai abrir espaço em sua
narrativa para inserir toda a força expressiva da linguagem poética do conto.
Podemos perceber ainda, que o embate poético entre o narrador e “Quem-será”,
que acontece no bambuzal, vai configurar, no plano narrativo, um cruzamento entre
diferentes universos, como céu e terra, Deus e homem, místico e mítico, que tem como
força motriz de sua criação o próprio signo poético.
Em “Corpo Fechado” também temos a forte presença da religião. O protagonista
Manuel Fulô consegue se livrar do valentão Targino com uma faquinha e, além disso,
não é atingido pelas balas do revólver, porque tem seu corpo fechado pelo feiticeiro
Antonico das Pedras. A súbita coragem de Manuel não existiria se não fosse o feitiço, e
396
Descrição das pesquisas
o feito é algo impossível de acontecer se pensado racionalmente. A escolha do narrador
homodiegético aqui também reforça a teoria do mágico, uma vez que esse
acontecimento está sendo narrado por um doutor, um ser racionalista, que dizia não
acreditar em feitiços e feiticeiro, mas vê seu amigo derrotar o inimigo através de uma
força extraordinária.
Conforme o antropólogo Roberto DaMatta
“[...] a religião é um modo de ordenar o mundo, facultando nossa
compreensão para coisas muito complexas, como a ideia de tempo, a
ideia de eterno e a ideia de perda e desaparecimento, esses mistérios
perenes da existência humana.” (DAMATTA, 2001. p. 112)
É através da religião que temos a naturalização do elemento mágico dentro do
texto. Todos no arraial veem a feitiçaria como um ato de fé, e acreditam mesmo que ela
tenha o poder de transformação. Por isso Manuel, embora cause espanto no Doutor, que
é quem representa o racionalismo, vai conseguir vencer a batalha, porque acredita
veementemente no poder da feitiçaria.
Todos esses elementos regionais, a fé do povo mineiro e o poder de
transformação que ela possui confirmam a tese de que Guimarães Rosa colheu no
interior de Minas Gerais a matéria mágica para compor seus textos, reafirmando assim
sua aproximação com o que Carpentier chamou de real maravilloso e Spindler nomeou
realismo mágico antropológico, pois trata da realidade vivida pelo sertanejo mineiro,
onde o mágico não é produzido artificialmente, mas é encontrado no cotidiano desse
povo, na natureza e na sua realidade.
O realismo mágico surge em um contexto em que os escritores pretendiam
retratar uma realidade ampliada, muito além da representação do real banal. Nesse
contexto, o realismo maravilhoso e o realismo mágico antropológico descrevem obras
em que se manifestam as crenças e lendas populares de uma determinada cultura, sem
perder de vista a racionalidade do mundo moderno. De modo geral, o que vai
caracterizar o movimento realista mágico é a convivência e a compatibilidade entre o
real e o irreal, como ocorre na prosa de Guimarães.
Bibliografia
BRANDÃO, C. R. Memória sertão: cenários, cenas, pessoas e gestos nos sertões de
João Guimarães Rosa e de Manuelzão. São Paulo: Editorial Cone Sul, 1998.
CANDIDO, A. O homem dos avessos. In: Tese e Antítese. Rio de Janeiro: Ouro sobre
azul, 2006.
397
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
__________. Sagarana. In: COUTINHO, E. F. (Org.) Guimarães Rosa. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1984.
CAMARANI. A. L. S. O realismo mágico nas estórias de Guimarães Rosa e Mia Couto.
In: Anais do X Congresso ABRALIC. Rio de Janeiro: UERJ, 2006.
CHIAMPI, I. O Realismo Maravilhoso: Forma e ideologia no romance hispanoamericano. São Paulo: Perspectiva, 1980.
DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 2001.12 ed.
GENETTE, G. Discurso da narrativa. Tradução de Fernando Cabral Martins. Lisboa:
Vega, [197-].
LEONEL, M. C. Guimarães Rosa: magma e gênese da obra. São Paulo: Editora
UNESP, 2000.
LÉVI-STRAUSS, C. O feiticeiro e sua magia. In: Antropologia Estrutural. Rio de
Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1996.
LINS, A. Uma grande estreia. In: COUTINHO, E. F. (Org.) Guimarães Rosa. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
MARQUES, O. O repertório verbal. In: COUTINHO, E. F. (Org.) Guimarães Rosa.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.
NUNES, B. De Sagarana a Grande Sertão: veredas. In: O Dorso do Tigre. São Paulo:
Editora Ática, 1998.
RODRIGUES, S. O fantástico. São Paulo: Ática, 1988. (Princípios).
RONCARI, L. As três árvores de Rosa. In: O Brasil de Rosa: mito e história no
universo rosiano: o amor e o poder. São Paulo, Ed. da UNESP, 2004.
ROSA, J. G. Grande Sertão Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.
__________. São Marcos. In: Sagarana. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
__________. Primeiras Estórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1968.
SPINDLER, W. Magic realism: a typology. In: Forum for modern language studies.
Oxford, 1993, v, 39, p. 75-85.
398
Descrição das pesquisas
DA INDISTINÇÃO DOS ATOS: POESIA E CRÍTICA DA POESIA EM
MURILO MENDES E FRANCIS PONGE
Patrícia Aparecida Antonio
Doutoranda - Bolsista CAPES
Prof. Dr. Antônio Donizeti Pires (Or.)
Objetivos
O presente trabalho tem por objetivo observar a indistinção entre poesia e crítica
da poesia na obra de Murilo Mendes (1901-1975) e Francis Ponge (1899-1988). O
brasileiro e o francês procedem à fusão de discurso da obra e discurso sobre a obra num
movimento em que sujeito lírico e crítico (eles mesmos ficcionais) se encontram em
permanente tensão. Entendendo poesia e crítica como atividades reflexivas
fundamentadas na linguagem, as questões principais às quais pretendemos nos lançar
são: a) Como se configura e opera a indistinção entre discurso poético e crítico em
Murilo Mendes e Francis Ponge? b) Como se configura a voz poético-crítica para se
adequar a um ato de dupla face como esse? c) O que se depreende da aproximação ou
do distanciamento da conduta lírico-crítica, levando-se em consideração subjetividade e
objetividade? Nesse sentido, esta pesquisa busca ler comparativamente os dois poetas
tendo por horizonte poesia e crítica enquanto atos indistintos, de caráter inacabado, em
que autor e leitor participam ativamente. Assim, os poemas aparecem como atos que
configuram uma prática literária, que é lírica, crítica e criativa, a um só tempo. No
centro dessa prática, os sujeitos lírico-críticos manipulam a criação partindo de um
corpo-a-corpo com o texto, como fica claro com as obras que selecionamos para este
estudo: de Murilo Mendes, O discípulo de Emaús (1945), Convergência (1970),
Poliedro (1972) e Retratos-relâmpago (1973); de Francis Ponge, Proêmes (1948),
Méthodes (1961), Pour un Malherbe (1965) e La table (1981). Poesia e crítica, então,
podem ser compreendidas no sentido da poiesis, de uma construção que coloca em crise
(cuja raiz etimológica é a mesma que a da palavra crítica) o lírico, o crítico, a prosa, a
poesia, bem como uma ideia fechada de literatura e de gêneros literários.
Descrição do Estágio Atual da Pesquisa
399
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Conforme o cronograma estipulado no início do curso, encontram-se em
andamento a releitura crítica do corpus e ampliação do levantamento bibliográfico
acerca da Teoria geral da Poesia e da Crítica, bem como da fortuna crítica dos poetas,
seguidas de leitura. Vale ressaltar que o presente trabalho é fruto de dois projetos de
pesquisa anteriores, ambos contemplados com bolsas FAPESP: uma Iniciação Científica
centrada na poesia de Murilo Mendes; e um Mestrado que leu comparativamente o
Poliedro (1972) muriliano e o Le parti pris des choses (1942) de Francis Ponge.
Ao final de seu indispensável estudo sobre a obra do poeta brasileiro, intitulado
Territórios/conjunções: poesia e prosa críticas de Murilo Mendes, Júlio Castañon
Guimarães (1993) sugere a aproximação. Segundo ele, Murilo Mendes e Francis Ponge
procedem (guardadas as singularidades de cada poeta) a um movimento de “nãodistinção entre gêneros” – prosa, poesia e crítica. É de tal ponto que partimos. Quando
se trata do cosmopolita Murilo Mendes, é mais do que sabido o quanto as suas relações
com poetas, pintores e artistas, são matéria de poesia em suas obras. Não só sob a forma
de uma temática, mas por meio de um verdadeiro impulso crítico desempenhado por
Murilo. Da parte de Ponge, o resenhista Heitor Ferraz Mello (2000) diz do livro de Leda
Tenório da Motta, Francis Ponge: o objeto em jogo, “sentir falta de uma análise detida
de alguns de seus poemas [de Francis Ponge]”. A réplica da autora, também publicada
pelo caderno Mais! da Folha de S. Paulo, é definitiva:
1. O poeta Francis Ponge (1899-1988), ainda que não sem
angústia, não faz qualquer distinção entre prosa e poesia, o que
aliás, entre outras coisas, o leva a chamar o poema de “proema” ou
“proêmio” (“proême”). Assim, quando eu comento longamente, no
capítulo três, um dos mais extensos e torturantes textos de Ponge, o
texto intitulado “Tentativa Oral” (inteiramente traduzido por mim
noutra parte: “Francis Ponge, Métodos”, Imago, 1997), acho que estou
fazendo bem aquilo que o resenhista diz que eu não faço, a saber:
análise do... poema. (MOTTA, 2000a, aspas do autor, negrito nosso).
Ora, ao chamar de poema o longo texto de Francis Ponge intitulado “Tentativa
oral”, transcrição de uma célebre conferência feita em Bruxelas, em 1947, a autora nada
mais faz que designar a potência lírico-crítica desse texto.
Octavio Paz (1984, p.85, grifo do autor), em seu Os filhos do barro, diz que os
poetas do Romantismo “[...] concebem a experiência poética como uma experiência
vital, na qual o homem participa totalmente. O poema não é apenas uma realidade
verbal: é também um ato. O poeta diz e, ao dizer, faz.” Do modo como foi tomada, a
400
Descrição das pesquisas
citação deixa ler, na poesia moderna de Murilo e Ponge, uma certa inclinação à função
romântica do poeta-crítico. Em outras palavras, como operador da linguagem que quer
transmutar a realidade. Mistura de arte e vida, são estes mesmos os resquícios da
vanguarda nos dois autores (o Surrealismo, mais especificamente). Mas, o que nos
interessa é pensar em poesia e crítica como atos que, embora tenham um fim em si
mesmo (são poesia, afinal) têm caráter totalmente inacabado e criador. A crítica é
também um ato que demanda o diálogo, o posicionamento, o julgamento, a
subjetividade. Portanto, em primeiro lugar, pode-se afirmar que poesia e crítica em
ambos os poetas devem ser entendidas como atos indistintos, porque se invadem
um ao outro, sempre em tensão e que se configuram enquanto conjunto de teor
eminentemente contínuo e criador.
Ora, o próprio Murilo “[e]ncara a poesia como fenômeno diário, constante,
permanente, eterno e universal. Considera seus poemas como ‘estudos’ que outros
poderão desenvolver.”1 Mas, ao contrário de Ponge, o que se tem com Murilo Mendes é
tanto mais o movimento de extroversão do que o voltar-se sobre si. Daí se depreende a
noção de um grande tecido, de uma continuidade que se estabelece especialmente nas
obras finais do brasileiro por meio de um intenso diálogo com o que vem de fora –
literatura, personalidades, artes plásticas, cultura. Estes “estudos”, portanto, “[...] dão a
impressão do ‘inacabado’ e tendem a se explicar uns pelos outros. Vinculadas a isso
estão algumas características de sua criação: a produção por séries, o improviso e o
escrever muito. Tudo isso provoca uma impressão fortíssima de homogeneidade da
obra, como se esta se construísse em torno de um assunto único.” (MOURA, 1995,
p.60, grifo do autor). Muito importante é o movimento de inacabamento e a noção de
homogeneidade, inclusive ao redor de um único assunto. Porque, de fato, tal movimento
permite depreender uma série de atos poéticos que se aproximam de uma prática
literária que é lírica, crítica e criativa. Daí porque, ao se voltar à literatura, por
exemplo, em poemas como “Murilograma a Baudelaire”, ou nos aforismos de O
discípulo de Emaús (que dialogam de modo intenso com Ismael Nery), ou nos vários
poemas dedicados a “Graciliano Ramos”, vemos que o que ali se instaura na obra de
Murilo Mendes não é pura homenagem. Há diálogo, juízo, construção, criação,
claramente explícitos. A forma é atuante, os discursos se sobrepõem: do poeta, do
crítico, do criticado, do homenageado, do lido. É este caráter de prática literária e
1
Num auto-retrato da década de 40 citado por Murilo Marcondes de Moura (1995, p.59).
401
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
indistinção de gêneros e posturas que permite aproximar de maneira sui generis Murilo
Mendes e Francis Ponge.
Num estudo intitulado Francis Ponge: actes ou textes, Jean-Marie Gleize e
Bernard Veck (1984, p.19, grifo do autor) afirmam que « [...] Ponge récusait, quant à
lui, la distinction trop marquée entre ce qu’il appelle ses ‘moments critiques’ (les
proêmes) et ses moments lyriques » (les poèmes). » Daí aparece a « [p]ratique, donc,
comme notion désignant un texte, et non simplement un poème ; c’est-à-dire un travail,
un acte, ou plutôt, car le pluriel est ici important, une série d’actes qui sont à la fois,
simultanément ou indissolublement liés les uns aux autres, critiques et lyriques,
proématiques et poétiques [...] » Vejamos que o Pour un Malherbe se debruça sobre a
obra e a herança do mestre francês de modo que o empenho do juízo crítico ali
estabelecido recai sobre a língua francesa (e não somente, frise-se). O ato, então,
configura-se por meio da manipulação de uma matéria linguística que é viva, que
continua, na leitura do leitor e do crítico Francis Ponge. Mas, assim como na obra de
Murilo Mendes, há uma reverberação do material, desse ato, disseminado por toda a
obra e que se constitui enfim numa prática literária que assume os foros quase que de
um novo gênero literário. Nesse sentido, a prática pongiana é um tanto mais matizada
que a muriliana. Coisa que não se dá de modo diverso com o longo livro-poema La
table, em que as provas, os rascunhos, os erros do processo de escrita, ali estão, como se
a todo momento o texto se criticasse a si próprio, como se vacilasse no seu ato de
construção, que se torna inclusivo porque pressupõe o leitor (que imagina e compõe o
livro) e ainda uma voz crítica que faz dialogar o texto com o seu avesso ou
possibilidade.
Interessante é notar que, se Murilo Mendes procede com muito mais frequência
a um posicionamento crítico externo, Ponge vai numa direção em que a crítica se
internaliza. O poeta francês se volta ao literário muito mais no sentido de uma
autocrítica, ou metacrítica. Os textos incluídos em Méthodes, bem como os Proêmes,
são grande prova de uma prática indistinta de poeta e crítico dobrado quase que
exclusivamente sobre si mesmo, empenhando-se numa atividade que toma ares de
preparação, proemática, de proêmio. Leda Tenório da Motta (2000, p.40) é taxativa
nesse sentido: “Todos os seus escritos realizando, ao mesmo tempo, um discurso da
obra e um discurso sobre a obra, que nos volta a dupla face da poesia e da crítica, da
performance e da autocrítica. Toda a obra é, nesse sentido, rigorosamente meta.” No
caminho que esses poetas empreendem, cabe observar a intensidade do trânsito e da
402
Descrição das pesquisas
indistinção da forma e do estatuto dos textos, bem como do posicionamento da voz (seja
lírica, crítica, biográfica ou todas elas a um só tempo). Acaba se rarefazendo o vão que
temos entre o poeta e o crítico, que é não só crítico de literatura, mas também de artes
plásticas, de música e de cultura. Assim, cabe também investigar de que modo se
posicionam essas vozes lírico-críticas. Enquanto críticos, Murilo Mendes e Francis
Ponge procedem também como leitores-críticos da própria obra e de outras. O ato da
leitura guarda em si o da recriação, da possibilidade de estabelecer uma variação do
texto lido porque começa com a posse – é um ato de criação e doação ao mesmo tempo.
O poeta-crítico se situa também numa zona eminentemente criativa em que estabelece
juízos, avaliações, em que age de acordo com uma experiência que é tanto literária,
quanto individual. Nesse caso, o embaralhamento de posições é um tanto mais
complexo já que dispõe, num mesmo centro, uma voz ficcional, mas que se quer
analítica e por vezes imparcial. Então, é que estes sujeitos poetas-críticos se
encontram no centro de uma prática criativa da literatura, à qual se chega pela via
de vários atos (poéticos e críticos), manipulando a gestação da própria criação
literária, a sua análise e a sua crítica. Ambos os sujeitos estabelecem um corpo-acorpo criativo com o texto (próprio e de outros). Isto sempre num mesmo corpo
literário, que surge da palavra e é palavra. Poderíamos nos perguntar: que espécie de
sujeito é este? Crítico, biográfico, poético? Evidentemente que a despeito de uma
sensível inclinação ao científico, este sujeito é sempre ficcional e age de modo dialético,
ocupando uma posição privilegiada, que lhe confere a capacidade de tudo agenciar – a
lógica, a palavra, as coisas, o objeto poético-crítico. Nesse sentido, sobressai-se a
ficcionalidade do eu-lírico e do eu-crítico.
Volta a questão: o que se depreende da aproximação ou do distanciamento entre
Murilo Mendes e Francis Ponge? A ideia principal é a de poesia e crítica como práticas
cuja função é totalmente criadora. Do modo como operam as poéticas do brasileiro e do
francês, o que se sobressai é a prática literária enquanto atividade de criação. E não só a
literatura, mas ainda as artes plásticas e o cinema (que, de fato, não são nosso objetivo).
É assim que podemos afirmar que poesia e crítica se juntam, irmanam-se, no
sentido de uma poiesis, de um movimento de construção que é eminentemente
criador. Nessa tensão, cujo lugar se encontra sempre na palavra, na linguagem, no
texto, está implicada a crise do estatuto lírico e do crítico, justamente porque se trata de
uma literatura que vive de tensões. Esse, o nosso horizonte de perspectivas, cuja
relevância está, não na novidade da proposição, mas na execução (que se quer mais
403
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
detida e profunda por meio das análises) de uma aproximação muitas vezes ensaiada
pela fortuna crítica de Murilo Mendes e de Francis Ponge. Uma relevância que se
sobressai, ainda, ao observar os poetas a partir de uma postura lírica e crítica
disseminada em toda a obra completa (e que pontuaremos em livros determinados) e
que coloca em questão não só a figura do poeta e do crítico, mas do ato e da prática da
literatura.
Pode-se afirmar que as reflexões até aqui estabelecidas deixam entrever o modo
específico como os dois poetas lidam com a questão da indistinção entre a poesia e a sua
crítica. Partimos, portanto, do que distancia Murilo e Ponge. Desse distanciamento
(contextual, teórico, literário), surge a aproximação e a possibilidade de reflexão sobre a
prática poética e crítica. Nesse sentido, é importante estabelecer no momento,
cumpridas todas as disciplinas e finalizadas muitas leituras, uma análise do estado das
questões que nos preocupam nos dois autores separadamente, quais sejam, a relação
crítica/poesia, a noção do sujeito lírico, a natureza do poético, a proximidade entre prosa
e poesia e entre poesia crítica e escritura. Tal análise, evidentemente, parte da suspensão
da própria ideia de indistinção.
Bibliografia
ARAÚJO, L. C. de. Murilo Mendes. Petrópolis: Vozes, 1972. (Poetas Modernos do
Brasil, 2).
BARBOSA, J. A. A metáfora crítica. São Paulo: Perspectiva, 1986. (Debates, 105).
BARTHES, R. Crítica e verdade. São Paulo: Perspectiva, 2007.
______. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
BERNARD, S. Le poème en prose de Baudelaire jusqu’à nos jours. Paris : Nizet,
2004.
CAMPOS, H de. Murilo e o mundo substantivo. In: ______. Metalinguagem & outras
metas. 4.ed. São Paulo: Perspectiva, 1992. p.65-75.
COLLOT, M. Francis Ponge : entre mots et choses. Seyssel : Champ Vallon, 1991.
COUTINHO, E. de F.; CARVALHAL, T. F. Literatura comparada: textos
fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.
FRANCO, I de M. Murilo Mendes: pânico e flor. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002.
FRIEDRICH, H. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1978.
GLEIZE, J. –M. Poésie et figuration. Paris : Éditions du Seuil, 1983.
404
Descrição das pesquisas
GLEIZE, J. –M.; VECK, B. Francis Ponge: actes ou textes. Paris: Presses Universitaire
de Lille, 1984.
GUIMARÃES, J. C. Territórios/conjunções: poesia e prosa críticas de Murilo
Mendes. Rio de Janeiro: Imago, 1993.
LUCAS, F. Murilo Mendes: poeta e prosador. São Paulo: EDUC, 2001.
MAULPOIX, J-. M. Pour un lyrisme critique. Paris : José Corti, 2010.
MELLO, H. F. Monumentos verbais. Folha de S. Paulo, São Paulo, Mais!, 11 jun.
2000. Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/hferraz1.html >. Acesso em:
15 jan. 2010.
MELO NETO, J. C. Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
MENDES, M. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
MOTTA, L. T. da. Francis Ponge: o objeto em jogo. São Paulo: Iluminuras: FAPESP,
2000.
______. Uma incursão de risco. Folha de S. Paulo, São Paulo, Mais!, 11 jun. 2000a.
Disponível em: < http://www.revista.agulha.nom.br/ltenorio1.html>. Acesso em: 15 jan.
2010.
MOURA, M. M. Murilo Mendes: a poesia como totalidade. São Paulo: Ed. USP, 1995.
NITRINI, S. Literatura comparada: história, teoria e crítica. São Paulo: Ed. USP,
1997.
NUNES, B. A clave do poético. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
PAES, J. P. Os perigos da poesia e outros ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
PAZ, O. Os filhos do barro: do Romantismo à Vanguarda. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1984.
PERRONE-MOISÉS, L. Altas Literaturas. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_______. Texto, crítica, escritura. São Paulo: Perspectiva, 1993.
PONGE, F. Œuvres complètes. [Paris] : Gallimard, 1999. (Bibliothéque de la Pléiade,
453). 2v.
PONGE, F.; SOLLERS, P. Entretiens avec Philippe Sollers. Paris : Seuil, 1970.
RABATÉ, D. (Org.). Figures du sujet lyrique. Paris : PUF, 1996.
405
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
ANNA SEGHERS E A VATERLAND: PATRIOTISMO E RESISTÊNCIA
Patrícia Helena Baialuna de Andrade
Doutoranda – Bolsista CAPES
Profa Dra. Karin Volobuef (Or.)
Profa. Dra. Cláudia de Campos Mauro (Coor.)
APRESENTAÇÃO DO TRABALHO
O objeto de investigação deste trabalho é a Literatura de Exílio produzida pelos
escritores alemães que, no período entre 1933 e 1945, em decorrência do governo
nacional-socialista, viram-se forçados a deixar o país. Esse numeroso e heterogêneo
grupo de intelectuais buscou asilo em diferentes partes do mundo, multiplicando as
publicações em língua alemã em terras estrangeiras. O status da Literatura de Exílio
enquanto movimento literário foi questionado desde suas primeiras manifestações, já
que escritores das mais diversas vertentes e estilos emigraram e, portanto, o conjunto
dos textos abarcados sob esse rótulo tem como primeira característica a diversidade.
Para a maior parte dos desterrados, a fuga e a sobrevivência no exílio foram
enormes desafios; ainda assim, não foram poucos os que se imbuíram da necessidade de
relatar as experiências vividas e denunciar as atrocidades cometidas pelos líderes
nazistas, transfiguradas – se é que não podemos dizer maquiadas – pelo Ministério da
Propaganda chefiado por Goebbels. A denúncia e o relato de experiências de caráter
autobiográfico foram, seguramente, dois dos traços mais recorrentes na Exilliteratur, e o
nome de Anna Seghers se destaca pela intensa participação em periódicos, congressos,
associações de escritores, além dos romances e contos que publicou no período.
Nascida em Mainz no ano de 1900, de uma família judia ortodoxa, Seghers –
cujo verdadeiro nome era NettyReiling – estudou filosofia, história da arte e sinologia
na Universidade de Heidelberg, e ainda na década de 1920 publicou textos como
Grubetsch e Aufstand der Fischer von St. Barbara, pelos quais recebeu o prêmio Kleist
e nos quais se pode identificar o conflito entre classes e o componente social que
perpassa toda a extensa bibliografia da autora.
No mesmo ano da mencionada
premiação (1928), Seghers filia-se ao Partido Comunista Alemão, a cuja ideologia se
manteria fiel por toda a vida.
406
Descrição das pesquisas
Judia e socialista, a autora percebe a necessidade de deixar a Alemanha quando
o nacional-socialismo chega ao poder em 1933; vive na França com a família até 1941,
quando a invasão do território francês pelos alemães durante a Segunda Guerra os
obriga a buscar novo asilo. Seghers parte então para o México, onde vive até 1947. Com
o fim da guerra e a possibilidade de retornar à Europa, a escritora opta por viver em
Berlim oriental, sob a influência soviética e a égide do socialismo do qual era tão
convicta defensora. Nas décadas seguintes, já solidamente reconhecida, tornou-se um
dos nomes mais emblemáticos do movimento que ficou conhecido como Realismo
Socialista; continuou escrevendo, presidiu associações de escritores e participou de
iniciativas a favor da liberdade até sua morte em 1983. Uma vez que nos debruçamos
sobre a Literatura de Exílio, nos limitaremos ao corpus das publicações de Seghers no
período em que esteve exilada, a saber, aos romances Em trânsito, A sétima cruz e ao
conto O passeio das meninas mortas.
ETAPAS CONCLUÍDAS
A literatura produzida no exílio pelos escritores alemães durante os anos de
poder nazista é bastante particular; manifestação artística de uma conjuntura sóciohistórica crítica, as fronteiras entre a história e a literatura são tênues e frágeis como a
própria delimitação de gêneros no período. O exílio enquanto mote da literatura,
contudo, data dos mais antigos textos literários de que se tem notícia, e atravessa tempos
e lugares reiterando a importância da relação entre o homem e sua pátria. Desde Ulisses
na antiguidade, passando por Dante exilado de Florença, Vasco da Gama na obra
camoniana até a reconstrução da civilidade como sentido da sobrevivência em Robinson
Crusoé e a viagem de Marlow ao Coração das trevas de Joseph Conrad, o afastamento
da terra natal já foi tematizado nas mais variadas formas, contextos e significações.
Desse modo, propomos para introdução da tese um texto de caráter ilustrativo que traga
exemplos como os mencionados acima, de diferentes manifestações do exílio na
literatura. Tal introdução – já elaborada – resgata alguns casos canônicos em que o
protagonista (ou mesmo o autor) tenha sido afastado de sua terra, com o intuito de
apontar para a diversidade de formas pelas quais se pode tratar do tema. Parte-se,
portanto, de uma perspectiva ampla e propositadamente superficial nas análises dos
textos, apenas à guisa de ilustração do que pode ser a literatura do exílio.
407
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Em seguida, abrindo caminho para tratar especificamente da Exilliteratur,
julgamos oportuno escrever um ensaio de viés histórico contextualizando as condições
que favoreceram o surgimento dessa literatura: do final da Primeira Guerra à República
de Weimar, a grave crise econômica que assolou a Alemanha no período entre guerras,
a ascensão do nazismo e os pilares de sua ideologia, a política cultural e a perseguição
aos escritores, políticos e intelectuais de esquerda são os tópicos desse ensaio – já
redigido – que serve de transição entre o primeiro texto, geral e ilustrativo, e a parte
seguinte, específica sobre as publicações dos escritores alemães exilados.
ETAPAS SEGUINTES
Durante os anos de exílio, muitos escritores uniram-se em associações como o
clube Heinrich-Heine, presidido por Seghers no México. Esses grupos promoviam
leituras, palestras, encenações e outras atividades atinentes à intelectualidade. Outro
importante produto dessa cooperação foram os periódicos; publicados em diferentes
países, muitas vezes com limitações orçamentárias e dificuldades de distribuição, as
revistas veicularam textos relevantes para a crítica e a teoria literária, uma vez que seus
colaboradores eram alguns dos maiores autores da época, além de outros textos, de
caráter político ou cultural. Dentre esses periódicos, podemos citar Das neue TageBuch, publicada em Paris e Amsterdã; Das Wort, em Moscou; Die Sammlung, em
Amsterdã; Die neue Weltbühne, em Viena, Praga e Paris; Freies Deutschland, no
México; e Neue Deutsche Blätter, em Viena, Zurique e Paris. Anna Seghers participou
como colaboradora ou editora de vários desses periódicos, além de outros renomados
autores como Bertold Brecht, Georg Lukács, Heinrich Mann, Andre Gide, Alfred
Döblin e muitos outros.
Dada a riqueza e a heterogeneidade de textos que compõem a Literatura de
Exílio em vários gêneros, optamos por analisá-la à luz dos textos publicados nos
periódicos acima citados. Usaremos como critério para seleção dos periódicos a dar
maior destaque aqueles em que Anna Seghers mais atuou, e procuraremos relacionar a
crítica, as ideias e propostas desses textos às realizações literárias da autora em um
último momento. Dessa forma, partimos de uma perspectiva mais abrangente para uma
mais específica: a obra de Seghers inserida no conjunto da Exilliteratur, contextualizada
pelos textos publicados nas revistas e lida sob uma ótica que contemple o aspecto
408
Descrição das pesquisas
historiográfico da importância desses periódicos para a literatura da época e do alcance
da obra de Seghers afinada às propostas que sua realidade exigia.
Planejamos, portanto, após os dois ensaios introdutórios acima descritos,
desenvolver a tese em duas partes:
- Uma primeira parte que contribua para os estudos da Literatura de Exílio
explorando o conteúdo de seus periódicos - os debates entre os principais intelectuais da
época, a crítica aos textos literários então publicados e as propostas para uma literatura
que cumprisse o papel social de transformação da dura realidade que vivenciavam,
como a ideia de um Volksfront(frente popular), defendida por Seghers e outros;
- E uma segunda parte com a leitura da obra de Anna Seghers escrita no período
de exílio da autora, sob a ótica das ideias vigentes apresentadas pelas publicações da
autora e de outros colaboradores nos periódicos. Nessa parte do trabalho procuraremos
apontar para as aproximações entre as propostas de Seghers - enquanto intelectual
dialogando com seus pares – e a figuração literária dessas ideias nas obras da autora.
Bibliografia
ARON, Irene. A língua como pátria. Pandaemonium Germanicum. São Paulo, vol. 10,
p. 139-151, 2006.
BEUTIN, Wolfgang. “Sozialistischer Realismus”. In: ______ (ed.). Geschichte der
deutschen Literatur. Von den Anfängen bis zur Gegenwart. Stuttgart: Metzler 2001.
DÖBLIN, Alfred. An Bertold Brecht. In: WINKLER, M. (org.) Deutsche Literatur im
Exil 1933-1945. Stuttgart: Reclam, 2003.
FEILCHENFELDT, Konrad von. Deutsche Exilliteratur 1933-1945. Kommentar zu
einer Epoche. M6unchen; Winkler Verlag, 1986.
FEUCHTWANGER, Lion. „Arbeitsprobleme des Schriftstellers im Exil“. In:
ARNOLD, Heinz Ludwig (Hrsg.). Deutsche Literatur em exil: 1933-1945. Band I:
Dokumente. Frankfurt amMain: AthenäumFicherVerlag, 1974.
GALLE, Helmut. Elementos para uma nova abordagem da escritura autobiográfica.
Matraga (Rio de Janeiro), v. 18, p. 64-91, 2006.
HEISE, Eloá. E RÖHL, Ruth. História da Literatura Alemã. São Paulo: Editora Ática,
1986.
HILZINGER, Sonja. Anna Seghers. Stuttgart: Reclam, 2000.
KESTLER, Izabela Maria Furtado. Exílio e literatura: Escritores de fala alemã durante
a época do nazismo. Tradução de Karola Zimber. São Paulo: Edusp, 2003. (Ensaios de
Cultura, 22).
___. A literatura em língua alemã e o período do exílio (1933-1945): a produçăo
literária, a experiência do exílio e a presença de exilados de fala alemã no Brasil.
Itinerários. Araraquara (UNESP), v. 23 (Literatura e História 2), p. 115-136, 2005.
LEJEUNE, Phillipe. El pacto autobiográfico. In: LOUREIRO, Ángel G. (Org.). La
autobiografia y sus problemas teóricos.Barcelona: Antropos, 1991. P.47-61.
MAI, Manfred. Deutsche Geschichte. Basel: Verlagsgruppe Beltz, 1999.
___. Geschichte der Deutschen Literatur. Basel: Verlagsgruppe Beltz, 2004.
409
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
MAIER-KATKIN, Birgit.Silence and Acts of Memory: Postwar Discourse on Anna
Seghers, Literature, History, and Women in the Third Reich. Lewisburg, PA: Bucknell
University Press, 2007.
MANN, Heinrich. Abschied von Europa. In: WINKLER, M. (org.) Deutsche Literatur
im Exil 1933-1945. Stuttgart: Reclam, 2003.
NATONEK, Hans. In search of myself.In: WINKLER, M. (org.) Deutsche Literatur im
Exil 1933-1945. Stuttgart: Reclam, 2003.
QUEIROZ, Maria José. Os males da ausência ou a literatura de exílio. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1998.
RIEGEL, Paul; RINSUM, Wolfgang van. Deutsche Literaturgeschichte. Band 10:
Drittes Reich und Exil. München: Deutscher Taschenbuch Verlag, 2000.
SAID, Edward. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo; Companhia das
Letras, 2003.
SEGHERS, Anna. Em Trânsito. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1987.
___ . Vaterlandsliebe. In: WINKLER, M. (org.) Deutsche Literatur im Exil 1933-1945.
Stuttgart: Reclam, 2003.
___. O passeio das meninas mortas. In: LANGENBUCHER, Wolfgang (org.) Antologia
do moderno conto alemão. Porto Alegre: Editora Globo, 1969.
___. Das siebte Kreuz. Leipzig : Reclam , 1988.
SELIGMANN-SILVA, M. . Narrar o trauma - A questão dos testemunhos de catástrofes
históricas , Psicol. clin. vol. 20 no.1 Rio de Janeiro 2008. Departamento de Psicologia
da PUC-Rio.. Psicologia Clínica, v. 20, p. 65-82, 2008.
TODOROV, Tzvetan. O homem desenraizado. Trad. de Christina Cabo. Rio de Janeiro:
Record, 1999.
VOLOBUEF, Karin. Os escombros na literatura e na História alemãs após 1945: uma
análise de “O gato ruivo” de Luise Rinser. Revista de Letras. São Paulo (UNESP),
v. 35, p. 15-23, 1995
WISCHMANN, Christine. Resistência individual no Terceiro Reich: ‘Retrato de grupo
com senhora’ de Heinrich Böll. Revista Letras. Curitiba (UFPR), v. 23, p. 81-92, 1975.
ZEHL-ROMERO, Christiane. “Ich glaube, es war eine sehr günstige Jugend“. In:
______. Anna Seghers: eine Biographie 1900-1947. Berlin: Aufbau-Verlag, 2000. P.6392.
ZUCKMAYER, Carl. Weltbürgertum. In: WINKLER, M. (org.) Deutsche Literatur im
Exil 1933-1945. Stuttgart: Reclam, 2003.
410
Descrição das pesquisas
TUTAMÉIA: LABIRINTO DE IMAGENS E SÍMBOLOS
Paula Aparecida Volante
Doutoranda
Profa. Dra. Guacira Marcondes Machado Leite (Or.)
O universo poético de Guimarães Rosa já foi alvo de pesquisa em dissertação
intitulada A prosa poética de Tutaméia. Durante o desenvolvimento desse trabalho
percebeu-se a importância de elementos como o símbolo, a imagem, a metáfora e a
alegoria na constituição do universo rosiano. Desse modo, pretende-se uma leitura de
Tutaméia pautada na presença e função dessas estruturas, objetivando compreender a
relação que estabelecem com o texto na composição de sua tessitura perfeita.
A partir de contos precisamente elaborados, caracterizados pelo sintetismo e
condensação, que se aproximam dos mitos e lendas, é instaurado um regionalismo que
ultrapassa qualquer fronteira espacial e adentra no universal, tudo para explorar um
tema comum a qualquer ser: o homem em confronto com suas intempéries. Para Castro
(1993), a universalidade de Guimarães está na sua preocupação com a essência da
realidade e sentido último da existência, indo além da aparência superficial.
Para viver toda essa universalidade, Rosa cria personagens que se distinguem
dos demais seres. Estes, como afirma Brasil (1969), são sonhadores, mágicos e
imaginativos; demiurgos, que criam seus próprios mundos, vendo além da realidade.
Sem medo, viajam pelo próprio inconsciente em busca do conhecimento e do mistério.
De acordo com Coelho (1975), são guiados por uma fé inabalável, sempre esperançosos
num final feliz, ou seja, que o encontro com a transcendência, a poesia, o infinito, o “lá”
poderá se realizar. Lages (2002) considera que Guimarães elava esses seres à condição
de poetas, afinal, eles vêem e fazem ver, transformando o banal que os cerca. Podem ser
considerados como símbolos do infinito, pois, guardam sempre novos enigmas em suas
almas iluminadas.
Garbuglio (1972) demonstra que o sertão, espaço onde habitam tais seres, é um
universo ambíguo e perigoso, sem deixar de ser poético e autônomo; símbolo da luta
terrestre dos homens. Galvão (2000) e Candido (2000) ressaltam o caráter universal e
labiríntico desse sertão, possuidor de uma consistência psicológica e existencial,
representante de toda a região escura do inconsciente.
411
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
A linguagem sustenta toda essa realidade graças a sua capacidade de criação e
renovação, carregada de significações duplas, palavras polifacetadas, regionalismos
universalizados, neologismos, arcaísmos revigorados, entre outros. César (1968) afirma
que Guimarães cria seu mundo através de uma língua inesgotável em significações,
poética, simbólica, pura e universal. A palavra rosiana liberta e cicatriza o sofrimento
humano, introduzindo a poesia no cotidiano.
Em meio e este universo de lutas e batalhas, o símbolo surge como peça
fundamental na construção da poeticidade. Chevalier (2000) considera-o como centro
da vida imaginária, uma estrutura que rompe os limites e une os extremos. É a chave de
um mistério que não pode ser explicado completamente; diz o indizível, ou seja,
acrescenta à realidade outras dimensões, fazendo esta ser gerida por um sistema de
assimilações e correspondências. Tadié (1978) e Lefebve (1980) destacam a relação do
símbolo com o espírito, bem como sua capacidade de fazer uma obra de arte explodir
em ambigüidade e polissemia. Jung (1977) afirma que todo símbolo tem algo de
familiar, mas ocultado pela consciência.
Todorov (1996) considera o significado
simbólico como sendo algo vivo e inesgotável. Durand (2002) destaca o caráter criador
do símbolo, além de organizador do universo.
A imagem, ao lado do símbolo, também constrói a estrutura poética de
Tutaméia. Entendida por Paz (1995) como entidade criada pela imaginação, que pode
criar verdades e unir opostos, explicando-se na sua incompletude. Bachelard (2003)
considera que a imagem deve envolver o leitor através dos sentidos e resgatar aquilo
que está em seu interior, numa comunhão entre sonho e realidade. Conforme aponta
Bosi (2000), elas são as palavras articuladas, um todo que pode presentificar na
ausência.
Segundo Eliade (2001), o símbolo, a imagem e o mito têm uma função
primordial: revelar aquilo que há de secreto no ser humano. Além disso, também
potencializam e renovam a língua a partir de estruturas que colocam o homem diante de
contrários e desafios.
A metáfora e a alegoria são os outros componentes fundamentais para o
fortalecimento do poético. A metáfora é entendida por Candido (1996) como a
transposição de significado de uma palavra para outra, ou melhor, uma relação de
semelhança, no qual um termo afeta e é afetado pelo outro, adquirindo uma gama de
significações amplas e densas. A alegoria é convencional e arbitrária segundo Todorov
(1996), tendo sua interpretação caráter obrigatório, por isso afirma-se que seu
412
Descrição das pesquisas
significado é finito. Kothe (1986) considera a alegoria como uma representação
concreta do abstrato; do alegórico nasce a insegurança de sua aparência de certeza, já
que seu significado pode não ser tão claro como pode parecer.
Tais elementos são responsáveis por compor a trama de Tutaméia e aparecem
sob diferentes aspectos ao longo dos contos, entrelaçando-os. Um exemplo dessa
ligação é o símbolo da água, recorrente, de modo direto ou indireto, em várias histórias,
como Lá, nas campinas, Ripuária, Azo de almirante, Hiato e Desenredo . Nesses
contos, a água é fonte de vida, sinônimo de purificação e renascimento; mergulhar nas
águas é morrer simbolicamente, retornar às origens e recuperar a energia vital.
Representa a pureza, a sabedoria, a graça e a virtude, mas encerra em si valores
positivos e negativos, de criação e destruição, vida e morte.
Em Lá, nas campinas..., a água aparece nas lembranças de Drijimiro, jorrando
de sua memória para purificá-la, refletindo sua identidade, colaborando para o
reencontro com um passado ignorado. Lioliandro, em Ripuária, é outro personagem
ligado à água, deixando-se guiar por ela e pelo desejo de atravessar o rio e chegar à
outra margem, vislumbrando o desconhecido. No conto Azo de almirante, Hetério tem
seu destino regido e transformado pela água, que o aproxima da morte, quando mata sua
família, e o conduz ao renascimento, no momento em que o coloca no rumo da
transformação. Em Hiato, tal elemento surge para indicar a atemporalidade e
identificação, visto que, como um espelho, reflete o mundo. Desenredo concretiza a
água indiretamente, através dos barcos, que seguem seu caminho, como as águas. Em
todos esses textos, homens simples, marcados pela diferenciação, vivem em meio às
intempéries do destino, lutam contra tudo que os afasta da poesia do mundo, para
permanecer no caminho que os conduze ao lá. Eles possuem dentro de si uma chama
que os ilumina nos momentos de escuridão, uma fé que os sustenta e sabedoria para
criar um mundo ou aceitar seus mistérios.
O triângulo e o número três são outros símbolos encontrados nesse tecido.
Encerram em si a ligação entre o terrestre e o divino. Neles, nada pode ser acrescentado
ou tirado, pois concretizam a perfeição, união e harmonia, por isso guardam em si a
representação das fases da vida: nascimento, crescimento e morte. Entretanto, também
apontam para o superior, onde se encontra o renascimento e a renovação. Assim, o
triângulo/três pode ser o indicador do percurso natural do homem, que parte das
imperfeições da base para atingir o cosmo do topo.
413
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
No conto Tresaventura, o personagem é uma menina caracterizada pela
fragilidade e pequenez, mas sua aparência esconde a grandeza da alma. Ela deseja
conhecer um arrozal, localizado próximo à sua casa e visto como um lugar sagrado,
onde a comunicação com o superior pode acontecer. Tal personagem é dona de três
nomes: Maria Euzinha, Djá e Iaí. Todo o caminho até o arrozal, bem como
determinados acontecimentos, tem como função fazer a menina encontrar-se consigo
mesma, definindo sua identidade e, como conseqüência, escolhendo definitivamente um
nome. A personagem do conto Reminisção também é caracterizada por possuir três
nomes: Nhemaria, Drá e Pintaxa. Esta é dona de uma identidade incerta, pois, na
concepção popular é ressaltada negativamente pela sua aparência física, enquanto
Romão, o marido, vê sua essência e verdadeiras qualidades interiores. A morte é, nesse
caso, o início para uma nova vida, já que o fim desse homem é a chave para o
renascimento de Nhemaria. Em outros textos figuram esses mesmos símbolos, como no
conto Se eu seria personagem, O três homens e o boi, Desenredo e Presepe, nos quais, a
tríade é a base que sustenta a trama, possibilitando seu desenrolar.
Além desses elementos simbólicos, outros se fazem presentes, como as formas
geométricas do círculo e do quadrado; certos animais como o boi/touro, cavalo e aves;
determinadas cores, amarelo e azul; além dos rios, lagoas e do sol. Todos juntos
constroem a tessitura dos contos, fazendo-se presentes de formas diversas, ora
destacando seu aspecto positivo, ora ressaltando sua face negativa, mas sempre
ampliando e rompendo os limites da narrativa, renovando-a constantemente.
Esse trabalho objetiva, portanto, analisar número significativos de contos de
Tutaméia, visando compreender detalhadamente a função desempenhada pelo símbolo
e a imagem nas histórias narradas; as relações que estabelecem com os personagens;
como colaboram na construção da unidade da obra, vista pelo próprio Guimarães como
um “todo perfeito”; de que forma se relacionam, entre outros questionamentos.
Tendo em vista a amplitude que possuem esses quatro elementos – o símbolo, a
imagem, a alegoria e a metáfora -, optar-se-á por trabalhar detidamente com o símbolo e
a imagem, mais abundantes nos contos e, de modo mais superficial, com a alegoria e a
metáfora. Essa escolha foi feita levando em consideração a maneira como se definem e
por serem elementos que se encontram interligados desde sua origem, na medida em
que um surge a partir do desdobramento do outro. Por isso, a impossibilidade de
suprimir qualquer um deles numa pesquisa.
414
Descrição das pesquisas
A escolha dos contos que serão analisados será feita com base na presença de
tais estruturas, visando selecionar aqueles em que aparecem com maior ênfase, ou
ainda, contos que se relacionam com outros pela recorrência de temas ou de qualquer
um dos elementos estudados, tudo para alcançar o objetivo proposto. Tal método de
escolha já foi colocado em prática com os contos que seguem: Azo de Almirante,
Barra da vaca, Curtamão, Reminisção, Lá, nas campinas..., Presepe, Quadrinho de
história, Ripuária, Se eu seria personagem, Tresaventura, Os três homens e o boi
dos três homens que inventaram um boi, Esses Lopes, Hiato, Desenredo, Grande
Gedeão, Orientação e João Porém, o criador de perus.
A contribuição que se pretende dar aos estudos das obras de Guimarães Rosa é a
de mostrar como o símbolo, a metáfora, a alegoria e a imagem estão presentes nesses
contos rosianos e o papel que desempenham na sua composição.
Bibliografia
BACHELARD, G. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria.
Tradução de Antonio Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1997 (Coleção
Tópicos).
______. A psicanálise do fogo. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes,
1999 (Coleção Tópicos).
______. A Terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade.
Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (Coleção Tópicos).
______. A Terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre as imaginação das forças.
Tradução de Maria Eugênia Galvão. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001 (Coleção
Tópicos).
______. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. Tradução Antonio
de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2001b (Coleção Tópicos).
BOSI, A. O ser e o tempo da poesia. 6 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BRASIL, A. Guimarães Rosa. Rio de Janeiro: Simões, 1969.
CANDIDO, A. O estudo analítico do poema. Ed. São Paulo: Humanitas, 1996.
______. O homem dos avessos. In: ______. Tese e antítese. 4. ed. São Paulo: T. A.
Queiroz, 2000, p. 119-139.
CASTRO, D. A. de. Primeiras estórias: Guimarães Rosa: roteiro de leitura. São
Paulo: Ática, 1993 (Série Princípios).
CESAR, G. Guimarães Rosa. [Porto Alegre] Edições da Faculdade de Filosofia da
UFRS, 1968.
CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Introdução. In:______Dicionário de símbolos.
15. ed. Tradução de Vera da Costa e Silva et al. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2000 (p.1141).
CIRLOT, J.E. Dicionário de símbolos. Tradução de Rubens E. F. Frias. São Paulo:
Centauro, 2005.
COELHO, N. N.; VERSIANI, I. Guimarães Rosa: dois estudos. São Paulo: Quirón,
1975.
415
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
DURAND, G. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arquetipologia geral. Tradução de Hélder Godinho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
ELIADE, M. Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso.
Tradução de Sônia Cristina Tamer. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
GALVÃO, W. N. Guimarães Rosa. São Paulo: Publifolha, 2000 (Folha Explica).
GARBUGLIO, J.C. O mundo movente de Guimarães Rosa. São Paulo: Ática, 1972.
HANSEN, J. A. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Hedra,
2006.
JUNG, C.G. O homem e seus símbolos. Tradução de Maria Lúcia Pinho. Rio de
Janaeiro,: Nova Fronteira, 1977.
KINDERSLEY, D. Sinais e símbolos. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São
Paulo: Martins Fontes, 2012.
KOTHE, F. A alegoria. São Paulo: Ed. Ática, 1986.
LAGES, S.K. João Guimarães Rosa e a saudade. São Paulo: Ateliê,2002 (Estudos
Literários,13).
LEFBEVE, M. Estrutura do discurso da poesia e da narrativa. Tradução de José
Carlos Seabra Pereira. Coimbra: Almedina, 1980.
LEXIKON. H. Dicionário de símbolos. Tradução de Erlon J. Paschoal. São Paulo:
Cultrix, 2009.
LOPES, E. Metáfora: da retórica à semiótica. 1ed. São Paulo: Atual, 1986.
PAZ, O. O arco e a lira. 2. ed. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995.
ROSA, J.G.. Tutaméia. 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1967.
TADIÉ, J. Le récit poétique. Paris: PUF Écriture, 1978.
TODOROV, T. Teorias do símbolo. Tradução de Enid Abreu Dobránszhy. Campinas:
Papirus, 1996 (Coleção Travessias do Século).
TRESIDDER, J. O grande livro dos símbolos. Tradução de Ricardo Inojosa. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003.
416
Descrição das pesquisas
A COSMOGONIA NAS METAMORFOSES DE OVÍDIO E NAS BUCÓLICAS DE
VIRGÍLIO: UM ESTUDO SOBRE O FENÔMENO POÉTICO, SEGUIDO DE
TRADUÇÃO E NOTAS
Paulo Eduardo de Barros Veiga
Doutorando
Prof. Dr. Márcio Thamos (Or.)
Durante a época de Augusto (43 a. C. – 14 d. C.), quando o império romano
encontrava-se em seu “período de ouro”, em que houve grande expansão do território
eefervescência da cultura e das Artes, despontaram, no cenário literário nacional, dois
importantes poetas: Virgílio (Publius Virgilius Maro, 70 – 19 a. C.) e Ovídio
(PubliusOuidiusNaso, 43 a. C. – 17 d. C.).
Virgílio é o poeta épico de maior prestígio da literatura latina, em virtude do
importante legado literário-cultural que deixou tanto aos seus contemporâneos, quanto
às gerações futuras. Foi o autor de três grandes obras, as Bucólicas, as Geórgicas e a
Eneida, que, respectivamente e bem sucintamente, tratam da vida dos pastores, da
agricultura e da nação romana. Virgílio é conhecido comoo “poeta do império”, pois –
diz a tradição –parte de sua obra poéticaajudou a promover o programa de paz de
Augusto, em um período em que o império havia expandido muito os limites territoriais
e necessitava disseminar, por diversos meios, a cultura e a língua, em busca de unidade.
Virgílio, assim como outros grandes poetas do período, como Horácio, participava do
“círculo de Mecenas”, uma espécie de tertúlia literária promovida por Mecenas,
estadista romano, considerado o grande protetor dos artistas e incentivador das Artes.
As Bucólicas, obra de maior interesse à pesquisa, é um livro composto por dez
poemas pastoris, em que se retratam, sucintamente, a vida campestre. Nele, há diversos
assuntos abordados, desde a expropriação de terras até as relações amorosas entre
pastores. Na VI Bucólica, em que a pesquisa tem interesse mais específico, entra em
destaque a voz de um narrador que conta a história da origem do mundo, a Cosmogonia.
Outro poeta romano que também trouxe o tema da criação do universo foi
Ovídio, que também viveu durante o período clássico da Literatura Latina e foi
contemporâneo de Virgílio, na época de Augusto. Ovídio possui uma vasta produção
poética, que engloba desde obras lírico-amorosas, como a Arte de Amar, até poemas de
417
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
caráter épico, como as Metamorfoses, obra de grande envergadura, em que se abordam
vários temas mitológicos. Constituído de 15 poemas escritos em hexâmetros, as
Metamorfoses contam diversas histórias míticas em que há, em geral, a transformação,
isto é, a metamorfose de algum ser em algo, como a transformação de Narciso, jovem
belo que se apaixonou pela própria imagem, em flor. No Canto I, Ovídio aborda o tema
da criação do mundo, ou seja, a Cosmogonia, com mais fôlego que Virgílio, naVI
Bucólica.
O córpus é constituído, portanto, pelos versos de número 1 a 485 do Canto I das
Metamorfoses de Ovídio e pela VI Bucólica de Virgílio, que possuem a Cosmogonia
como recorte temático. A unidade do tema, assim, possibilita comparar o estilo entre os
poetas, a fim de contribuir com os estudos sobre Poética e Literatura Latina.
A pesquisa de doutorado, surgida a partir de ideias que se desenvolveram
durante o Mestrado, está em fase inicial. Por enquanto, houve a delimitação e leitura
inicial do córpus, a seleção de uma bibliografia de base e uma análise primária do texto.
Em relação ao viés teórico, a proposta é estudar os versos selecionadoscom base
na teoria Semiótica e na Poética. Privilegiam-se, do conjunto teórico elencado, os
recursos figurativos e icônicos, bem como expedientes métricos e homologias entre
plano de conteúdo e plano de expressão. Ademais, é possível, em virtude da
comparação temático-estilística entre dois poetas do mesmo período, desenvolver um
estudo em âmbito intertextual.
Em se tratando de poesia em língua estrangeira, ainda mais, em língua antiga, é
importante que se desenvolva, em apêndice, uma tradução de estudo acompanhada de
notas de referências, com comentários concernentes a dados gerais de cultura
(mitologia, história, geografia, filosofia etc.), necessários a uma compreensão mais
integral da obra, a fim de auxiliar o entendimento do enunciado em latim e da análise
literária.
A pesquisa, em suma, busca compreender o fenômeno poético por meio da
teoria semiótica e da poética, tendo como córpus versos de Virgílio e Ovídio, dois
poetas do período clássico da Literatura Latina, que cantam a Cosmogonia, tema base
de estudo da pesquisa. Por meio da comparação temático-estilística entre esses dois
poetas, portanto, é possível estudar questões de estilo e de expressão, objetivos
fundamentais da tese.
Bibliografia
418
Descrição das pesquisas
ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A Poética Clássica. Introdução por Roberto
de Oliveira Brandão; tradução Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, 1995.
ARISTÓTELES. Rhétorique. Paris: Librairie Générale Française, 1991.
BERTRAND, D. Caminhos da semiótica literária. Trad. Grupo Casa. Bauru-SP: Edusc,
2003.
CART, A. et al. Gramática latina. Trad. Maria Evangelina Villa Nova Soeiro. São
Paulo: Taq, Edusp, 1986.
CASSIRER, E. Linguagem e mito. Trad. J. Guinsburg e M. Schnaiderman. São Paulo:
Perspectiva, 2009.
COMMELIN, P. Mitologia Grega e Romana. Trad. T. Lopes. Rio de Janeiro: Ediouro,
19--.
CONTE, Gian Biagio. Latin Literature. A History. Translated by Joseph B. Solodow.
Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1999.
CORTE, Francesco della (org.). Enciclopediavirgiliana. Roma: Enciclopedia Italiana,
1984-1991, 6º v.
COULANGES, F. de. A cidade antiga. Trad. Fernando de Aguiar. Lisboa: Livraria
Clássica, 1988.
ELIADE, M. Mito e Realidade. Trad. Pola Civelli. São Paulo: Perspectiva, 2007.
GAFFIOT, Félix. Le grand Gaffiot: dictionnaire latin-français. Paris: Hachette, 2000.
GLARE, P. G. W. (ed.). Oxford latin dictionary. Oxford: Claredon Press, 1985.
GRAVES, R. The Greek Myths.London: Folio Society, 1996.
GREIMAS, A. J. & COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. Trad. Alceu Dias Lima et
al. São Paulo: Contexto, 2008.
GREIMAS, A. J.et al. Essais de sémiotique poétique. Paris: Larousse, 1972.
GUIRAUD, Pierre. A estilística. Trad. Miguel Maillet. São Paulo: Mestre Jou, 1970.
HAMILTON, E. Mitologia. Tradução de Jefferson L. Camargo. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
HARVEY, P. Dicionário Oxford de literatura clássica grega e latina. Trad. Mário da
Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
HASEGAWA, A. P. Os limites do gênero bucólico em Vergílio. Um estudo das éclogas
dramáticas. São Paulo: Humanitas, 2012.
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Trad. J. Teixeira C.
Netto. São Paulo: Perspectiva, 2009.
HORÁCIO. Arte Poética. Introdução, Tradução e Comentário de R. M. Rosado
Fernandes. Lisboa: Inquérito, 1984.
JAKOBSON, R. Linguística e comunicação. Trad. Izidoro Blikstein e José Paulo Paes.
São Paulo: Cultrix, 2005.
JAKOBSON, R. Poética em Ação. Seleção, prefácio e organização de João Alexandre
Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1990.
JAKOBSON, Roman. Linguística. Poética. Cinema: Roman Jakobson no Brasil. Trad.
Francisco Achcaret al. São Paulo: Perspectiva, 1970.
LAUSBERG, Heinrich. Elementos de retórica literária.Trad. R. M. Rosado Fernandes.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002.
MAROUZEAU, J. Traité de stylistique latine. Paris: Les Belles Lettres, 1970.
OVID. Ovid’s Metamorphoses.Edited, with introduction and Commentary, by William
S. Anderson.Oklahoma: University of Oklahoma Press, 2009.
OVIDE. Les Métamorphoses. Paris: Les Belles Lettres. 2009.
THOMAS, R. Reading Virgil and his texts: studies in intertextuality. Ann Arbor:
University of Michigan Press, 1999.
VIRGILE.Bucoliques. Paris: Les Belles Lettres, 2005.
419
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
DE HOLMES A POIROT: RELAÇÕES ENTRE LITERATURA E HISTÓRIA
NA NARRATIVA POLICIAL BRITÂNICA
Pollyanna Souza Menegheti
Mestranda
Profa. Dra. Márcia Valéria Zamboni Gobbi (Or.)
Esta pesquisa partiu do objetivo de estudar a ficção policial de acordo com a
historicidade de seu gênero, considerada parte ativa não apenas nas tramas propostas
pelos autores, mas também pela sua própria estrutura narrativa, que se altera conforme
as necessidades do público-alvo vão se modificando também.
Para estudar esta historicidade, retornamos às raízes do romance policial,
estudando a trajetória destas até a forma do romance policial clue-puzzle - devemos
levar em consideração que esta também sofreu várias alterações até chegar no estilo dos
dias atuais -, tendo como nosso ponto de partida a Forma Simples da Adivinha.
A Adivinha, como o próprio nome já diz, é uma Forma constituída de pergunta e
resposta, na qual o interrogador desafia o “adivinhador” a acertar a resposta para a
pergunta feita. Neste caso, torna-se visível a semelhança desta forma com a estrutura
narrativa do romance policial, na qual o autor propõe um enigma (um crime,
normalmente envolvendo um assassinato) a ser decifrado pelo detetive e,
consequentemente, pelo leitor, na narrativa.
Este jogo entre o interrogador e o adivinhador é encontrado na ficção policial,
especialmente após a transição desta para a forma do romance, já no fim do século XIX.
O pacto ficcional presente na ficção policial implica na "lealdade" do narrador - sempre
alguém próximo ao detetive - ao descrever todas as pistas, ações e pensamentos do
detetive com fidelidade, concedendo assim ao leitor a mesma chance que o detetive
possui de decifrar o enigma.
O enigma é o cerne da ficção policial. Todos os outros elementos que
consagraram o gênero, como o uso da lógica e do cientificismo e a ação dedutiva do
detetive atuam em função da noção de enigma, sendo movimentados por este. Toda
narrativa policial se sustenta sobre o enigma inicialmente proposto. Ocorre um crime e o
detetive deverá seguir as pistas, utilizando uma metodologia lógica, dedutiva e
científica, para desvendar o mistério e descobrir quem é o criminoso. A centralidade do
420
Descrição das pesquisas
papel do enigma é tão inquestionável na literatura policial que toda a estrutura narrativa
do romance ou conto é construída com o objetivo de, ao mesmo tempo, revelar e ocultar
as pistas. Tal como nas adivinhas, a resolução tem que estar evidente, porém disfarçada
em descrições propositadamente confusas e em omissões sutis, sendo que tudo deve ser
calculado com precisão, para que ao fim, quando a resolução for dada, o
leitor/adivinhador possa perceber que a resposta estava clara desde o primeiro momento
e não poderia ser outra. Basta usar a lógica para decifrar o enigma.
Podendo, então, ser entendida então como a forma "completa" da Forma Simples
da Adivinha, a ficção policial tem seu início situado em meados do século XIX, mais
especificamente pelas mãos do escritor americano Edgar Allan Poe que, em meio a sua
vasta obra, concebeu três histórias de mistério protagonizadas pelo detetive Auguste
Dupin, sendo que a mais conhecida delas é, certamente, “The Murders in the Rue
Morgue (1841)” 1. Foi na Europa, no entanto, por meio dos contos escritos pelo médico
Arthur Conan Doyle, protagonizados pelo conhecidíssimo personagem Sherlock
Holmes, que a ficção policial se consolida e se populariza, tornando-se um dos gêneros
mais populares de ficção. Posteriormente, a ficção policial fez a transição da forma do
conto para a do romance, com o acréscimo de vários outros elementos que a tornariam
ainda mais rica e popular, como a adição de mais personagens e, principalmente, o
estabelecimento de um "jogo" entre o livro e o leitor.
Além de estar intrinsecamente ligada à Forma Simples da Adivinha, a narrativa
romance policial mostra-se ligada também à mudança ocorrida no estatuto de ficção. A
ficção, desde a metade do século XVIII, mas principalmente durante o século XIX,
depois do surgimento do novel, ganha um novo significado, não mais sendo entendida
como um “fingimento” ou “falsidade”, como nos séculos anteriores, mas sim ser
pensada como uma “composição inventada” 2, algo que foi composto pelos ficcionistas,
e que não deve ser entendido como a realidade, mas que acabou se tornando um
fenômeno literário.
Não é difícil associar esta mudança do estatuto de ficção com a aceitação da
narrativa policial por parte da sociedade, afinal as mesmas mudanças históricas que
modificaram o estatuto de ficção, proporcionaram a consolidação deste tipo de narrativa
enquanto literatura. Uma destas mudanças certamente foi a ascensão de uma nova classe
1
Conto de Edgar Allan Poe, traduzido no Brasil com o título de “Os Assassinatos da Rua Morgue”.
GALLAGHER, Catherine. Ficção. In: MORETTI, F. (org.). O romance 1: A cultura do romance. São
Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 631.
2
421
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
social, a burguesia. A burguesia provoca um sem-número de reestruturações na
organização social, influenciando também na cultura, portanto, não é surpreendente ver
este setor social representado na narrativa policial, chegando a assumir o papel
preponderante durante a transição para a forma do romance. Além das mudanças na
forma da narrativa, a transição para o romance acompanhou as mudanças históricas da
sociedade inglesa, acrescentando mais personagens e centrando o enigma em temas
familiares, bem como a consolidação do assassinato como "crime supremo".
Os principais objetivos desta pesquisa são, então, o estudo da historicidade do
romance policial, o desenvolvimento das estruturas de sua narrativa, partindo do papel
do narrador no romance policial e englobando o enredo e as tramas trabalhadas pelos
autores, o desenvolvimento dos personagens, e, também a construção da figura do
detetive e como esta se alterou neste período de tempo, levando em consideração a
possível influência do contexto de produção histórico na constituição dessa narrativa.
O corpus escolhido para analisar estas questões é composto por obras dos
escritores
Arthur Conan Doyle e Agatha Christie. As obras de Conan Doyle
selecionadas para realizar este estudo são, portanto: “The Adventure of the Speckled
Band” (1892), “The Adventure of the Dancing Man” (1903), e “The Adventure of the
Lion’s Mane” (1926) 3, todas contendo Sherlock Holmes como protagonista.
Em “The Speckled Band”, Holmes tem como cliente uma moça, herdeira de uma
grande fortuna, que vive em uma casa misteriosa, no interior da Inglaterra com seu
padrasto e sua irmã gêmea, que morreu em circunstâncias misteriosas. Este conto é
sempre lembrado por sua ambientação e também por sua resolução bastante original e
curiosa, bem como pela crueldade do assassino em questão. Em “The Dancing Men”, o
cliente, um homem do interior, traz ao conhecimento de Holmes uma série de desenhos
representando homenzinhos dançando e que parecem estar ligados ao passado da esposa
deste senhor. Justamente pela presença destes desenhos, este conto se torna um dos mais
agradáveis à leitura, apesar de possuir um desfecho dramático e violento, embora
fascinante, devido à simplicidade e genialidade do processo dedutivo de Holmes. Tal
conto já foi analisado, com ênfase na questão do enigma e do método lógico e dedutivo,
tendo como base o alfabeto inglês para a solução deste. Atualmente, trabalha-se na
análise das duas outras obras, "The Speckled Band" e "The Lion's Mane".
3
Os títulos foram traduzidos no Brasil como “A Faixa Manchada”, “Um Escândalo na Boêmia”, “O
Homem do Lábio Torcido”, “Os Dançarinos” e “A Juba do Leão”, respectivamente.
422
Descrição das pesquisas
Já em “The Lion’s Mane”, somos apresentados a uma situação diferente, pois
está é a única de todas as histórias envolvendo Sherlock Holmes que não é narrada por
Watson, sendo que este nem mesmo participa desta aventura. Holmes, após retornar da
morte, decide se mudar para o interior e criar abelhas, porém acaba se envolvendo em
um mistério envolvendo a morte de um professor universitário. Este conto
evidentemente se destaca por possuir Holmes como narrador e ao mesmo tempo manter
as regras do romance policial, não revelando os pensamentos do detetive ao leitor.
Quanto a Agatha Christie, foram também selecionadas três obras: a já
mencionada “The Mysterious Affair at Styles” (1924), “The Murder of Roger Ackroyd”
(1926) e “Curtain” (1975) 4. O primeiro e o último livros marcam, respectivamente, o
início e o fim da carreira do detetive Hercule Poirot, bem como se passam no mesmo
lugar: a mansão Styles, fechando o círculo de aventuras deste detetive. O fato de as duas
histórias ocorrerem no mesmo lugar, propicia também uma discussão sobre as
diferenças de ambientação e as mudanças que ocorreram nestes cinquenta anos que
separam as duas histórias.
É claro que ao falar de Agatha Christie não é possível deixar de mencionar a
obras “The Murder of Roger Acroyd” (1926), que é certamente a mais polêmica da
autora, visto que neste livro ela desrespeita uma das leis fundamentais dos romances
policiais, não dando ao leitor a mesma chance dada ao detetive para descobrir o
mistério, já que o assassino é o narrador da história.
As três obras de Christie já foram analisadas, sendo que os objetivos foram
cumpridos. A ênfase das análises deu-se na questão dos enigmas, das unidades de efeito,
da estruturação da narrativa, e das mudanças causadas pela modificação do narrador e
do papel deste nos três romances.
Nota-se, então, que uma especificidade deste trabalho é o foco no papel do
narrador no romance policial. O narrador, nesta primeira fase do romance policial, tem,
na maior parte das vezes, um papel secundário na história, visto que sua função é narrar
as aventuras do detetive. No entanto, em algumas das narrativas que compõe este
corpus, o narrador possui um papel mais especial e até mesmo central. É, então, com
base nestas diferenças e em como elas atuam na organização da história que se quer
contar para atingir a classe leitora, bem em como nas possíveis representações que
possam ser encontradas no corpo do texto, que esta pesquisa procurará se estruturar.
4
Os romances foram respectivamente traduzidos com os títulos de “O Misterioso Caso de Styles”, “O
Assassinato de Roger Ackroyd” e “Cai o Pano”.
423
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
No que concerne ao instrumental teórico, os principais conceitos utilizados são
os já citados, novo estatuto de ficção, o da Forma Simples da Adivinha e a noção de
enigma, e o das unidades de efeito de Edgar Allan. Atuando em função destes conceitos,
utilizamos também parte da teoria de Gerard Genette
5
sobre o discurso da narrativa,
como os de elipse e paralipse, sendo que estes indicam, respectivamente, a omissão
temporal presente no texto e a omissão de ações, sendo que as duas são extremamente
comuns no romance policial, e auxiliam na criação das unidades de efeito.
Outro conceito que utilizado nesta pesquisa é o de duplicidade da estrutura
narrativa do romance policial, proposto por Tzvetan Todorov.
6
Para Todorov, a
estrutura do romance policial é composta por duas tramas distintas, sendo que a
primeira (a do crime) tem lugar antes que o detetive tome conhecimento do enigma, e a
segunda narra a investigação do crime, com o detetive buscando a solução para o
enigma. São, portanto, estas duas partes que compõe a estrutura da narrativa policial,
sendo que a primeira é a responsável pela existência da segunda.
O estudo do papel do narrador é, como já apontado, um dos objetivos centrais
deste trabalho. As questões de plausibilidade e credibilidade levantadas pelo realismo
formal e pela verossimilhança, que foram provocadas pela mudança no estatuto de
ficção, só tornam-se possíveis de serem pensadas quando associadas à consolidação do
novel enquanto gênero literário dominante.
Como serão analisadas questões referentes ao contexto histórico, livros que
tratem do período já mencionado também serão utilizados, como as obras de Eric
Hobsbawm e Marshall Berman. 7
Assim sendo, são estes os objetivos deste trabalho, que buscará estudar a
narrativa policial por meio de seu viés histórico, pensando nas questões de
representação e verossimilhança, mas também nas questões estruturais, levando-se em
consideração que no caso da literatura policial, estas estão intrinsecamente ligadas, uma
vez que, para que a unidade de efeito se prove efetiva, a história que se conta deve
conter verossimilhança, bem como incluir aspectos da sociedade com que a classe
leitora se identifique. A posição do narrador e a figura do detetive também serão
5
GENETTE, Gerard. O discurso da narrativa. Lisboa: Vega, 19[?].
TODOROV, Tzvetan. Tipologia do romance policial. IN___ As estruturas narrativas. São Paulo:
Perspectiva, 1969. p. 93-104
7
Historiadores renomados que concentram suas pesquisas no período que vai do século XIX ao início do
XX.
6
424
Descrição das pesquisas
trabalhadas, especificamente a maneira como aquele retrata o detetive e as tramas
presentes na narrativa.
Corpus de pesquisa
CHRISTIE, Agatha. The mysterious affair at Styles. London: Harper Collins
Publishers, 2011.
CHRISTIE, Agatha. The murder of Roger Acroyd. London: Harper Collins
Publishers, 2002.
CHRISTIE, Agatha. Curtain. London: Harper Collins Publishers, 2002.
DOYLE, Arthur Conan. The adventure of the dancing men. IN ___ The complete
illustrated short stories. London: Bounty Books, 2004. p.476-496.
DOYLE, Arthur Conan. The adventure of the lion’s mane. IN ___ The complete
illustrated short stories. London: Bounty Books, 2004. p.942-955.
DOYLE, Arthur Conan. The adventure of the speckled band. IN ___ The complete
illustrated short stories. London: Bounty Books, 2004. p.137-156.
Bibliografia
ALBUQUERQUE, Paulo de Medeiros e. O mundo emocionante do romance policial.
Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1979.
ALBUQUERQUE, Paulo de Medeiros e. Os maiores detetives de todos os tempos: o
herói na evolução da estória policial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília:
Instituto Nacional do Livro, 1973.
ANDERSON, George K., The literature of the Anglo-Saxons. Princeton: Princeton
University Press, 1966.
ASCARI, Maurizio A counter-history of crime fiction supernatural, gothic,
sensational. Hampshire: Palgrave Macmillan Ltd., 2007.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Companhia
das Letras, 1987.
BOILEAU-NARCEJAC. O romance policial. São Paulo: Ática, 1991.
CÂNDIDO, Antônio. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 1968.
CARPEAUX, Otto Maria. Destino do romance policial. Porto Alegre: Globo, 1946.
CHRISTIE, Agatha. Murder on the orient express. London: Harper Collins
Publishers, 2011.
DOYLE, Arthur Conan. A study in scarlet. In: ___. The completed illustrated novels.
London: Bounty Books, 2004. p.1-108.
DOYLE, Arthur Conan. The adventure of the final problem. In: ___. The complete
illustrated short stories. London: Bounty Books, 2004. p. 421-436.
DOYLE, Arthur Conan. The adventure of the empty house. In: ___. The complete
illustrated short stories. London: Bounty Books, 2004. p. 439-455.
GALLAGHER, C. Ficção. In: MORETTI, F. (org.). O romance 1: A cultura do
romance. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 629-658.
GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Lisboa: Vega, 19[?].
GOTILB, Nádia Battella. Teoria do conto. São Paulo: Editora Ática, 1990.
HAYCRAFT, Howard. Murder for pleasure: the life and times of the detective
story. Nova York: Carroll & Graft, 1984.
HAYCRAFT, Howard. The art of the mystery story. California University: Biblo and
Tannen, 1976.
425
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2009.
JOLLES, Andre. Formas simples. São Paulo: Editora Cultrix, 1976.
LINS, Álvaro. No mundo do romance policial. Serviço de documentação. Ministério
da educação e saúde. Os cadernos de cultura. S/d.
MANDEL, Ernest. Delícias do crime: história social do romance policial. São Paulo:
Busca Vida, 1988.
MARTINS, Marcelo Machado. Narrativa policial: uma abordagem semiótica.
Dissertação de mestrado. São Paulo: USP, 2000.
MASSI, Fernanda. A configuração dos romances policiais mais vendidos no Brasil
de 2000 a 2009: canônica ou inovadora? Dissertação de mestrado, Universidade
Estadual Paulista, Araraquara.
PETERSON, Audrey. Victorian masters of mystery: from Wilkie Collins to Conan
Doyle. Michigan: F. Ungar Pub, 1984.
POE, Edgar Allan. The Mystery of Mary Roget. In: ___. The complete illustrated
works. London: Bounty Books, 2004. p. 485-524.
POE, Edgar Allan. The Murders in the Rue Morgue. In: ___. The complete illustrated
works. London: Bounty Books, 2004. p.75-102.
POE, Edgar Allan. The philosophy of composition. Graham’s Magazine, vol. XXVIII,
no. 4, April 1846, 28:163-167.
POE, Edgar Allan. The Purloined Letter. In: ___. The complete illustrated works.
London: Bounty Books, 2004. p. 319-333
PRIESTLEY, J. B. Adventures in English literature. New York: Harcourt, Brace &
World, 1963.
PRIESTMAN, Martin. Crime fiction: from Poe to present. Michigan: Northcote
House in association with the British Council, 1998.
PRIESTMAN, Martin (ORG). The Cambridge Companion to Crime Fiction.
Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
REIMÃO, Sandra Lúcia. O que é romance policial. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983
(Primeiros Passos, 109).
REIMÃO, Sandra Lúcia. Dupin, Holmes e Cia. 1983. Dissertação (Mestrado em
Comunicação e Semiótica). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
REMOND, René. O século XIX: 1815-1914. São Paulo: Cultrix, 1976.
SCAGGS, John. Crime fiction. London: Routledge, 2005.
SODRÉ, Muniz. O romance policial. In: ___. Teoria da literatura de massa. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1978. (Biblioteca Tempo Universitário, 49).
SYMONS, Julian. Bloody murder: from the detective story to the crime novel.
California: Viking, 1985.
TODOROV, Tzvetan. Tipologia do romance policial. In: ___. As estruturas
narrativas. São Paulo: Perspectiva, 1969. p. 93-104.
TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
TROTTER, David The English novel in history 1895-1920. London: Routledge, 1993.
WATT, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
WELLEK, René, WARREN, Austin. Teoria da literatura. Lisboa: Publicações
Europa-América, 1971.
426
Descrição das pesquisas
RELAÇÃO ENTRE POESIA E PROSA DE CHARLES BAUDELAIRE
Priscila Cavali
Mestranda – Bolsista CAPES
Profa. Dra. Silvana Vieira da Silva (Or.)
O ponto de partida deste projeto situa-se no segundo semestre de 2010, quando,
a partir de um convênio entre a Unesp e a Universidade francesa, “Université de
Provence (SecteurLettres et SciencesHumaines) – Aix-Marseille I”, efetuei um semestre
de meus estudos (primeiro de setembro 2010 a 15 de janeiro de 2011), no país europeu.
Durante esse período, realizei a disciplina “LittératureComparée”, que abordou a
relação existente entre certos poemas em verso e em prosa do poeta Charles Baudelaire,
em suas obras Lesfleursdu mal e Spleen de Paris, despertando o meu imediato interesse
para o assunto. Ao voltarao Brasil, resolvi dar continuidade ao estudo em forma de
Monografia de Bacharelado, aprofundando o tema, de modo que ele constituísse,
posteriormente, um projeto para prestar o exame e cursar o Mestrado, no final de 2012,
fato, então, ocorrido.
Atualmente, a pesquisa objetiva refletir, basicamente, sobre a produção
baudelairiana do poema em prosa. Mais precisamente, visa destacar a mudança de
código que ele executa, denunciando a retórica da poesia, o fazer poético, na medida em
que alguns textos em prosa mantêm certa correspondência com outros em verso. Essa
relação existente entre os dois tipos de poemas foi explorada por Barbara Ellen Johnson
em sua obra, Défigurationsdulangagepoétique (1979), que buscou um nexo entre Le
spleen de Paris e Lesfleursdu mal, tomando como direção textos em prosa que
retomavam, de forma explícita, o tema de um poema em verso. A partir daí, ela propõe,
então, que o poema em prosa constitui uma leitura “desconstrutiva” do poema em verso.
No primeiro semestre de meus estudos, pude, então, dar continuidade às leituras
presentes na bibliografia, bem como realizei o cumprimento de parte dos créditos das
disciplinas, cursando “Mito e poesia: relatos mitológicos na poesia clássica grecolatina” e “Poesia e Metalinguagem: teorias da poesia e metapoema”.
A
partir
do
curso
de
“Poesia
e
Metalinguagem”
pude
aprimorar,
fundamentalmente, minhas reflexões a respeito da criação poética, por meio de textos
“básicos" como a Arte poética de Horácio(1993), Palestra sobre lírica e sociedade
427
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
(1975) e mesmo Íon(1988), de Platão, que expõem determinadas tendências estéticas,
no estudo panorâmico das artes poéticas, abordado em sala. Um outro aspecto da
disciplina que colaborou para o enriquecimento da pesquisa foram as discussões a
respeito do poeta crítico moderno que, como Baudelaire, em sua composição, deixa
transparecer a realização consciente e crítica de seu trabalho, permitindo-nos chegar à
compreensão de como aquilo foi construído na criação de seu próprio código, do seu
próprio fazer poético. Textos quanto à modernidade também deram sua contribuição
como, por exemplo, As ilusões da modernidade (1986), de João Alexandre Barbosa e A
crise do verso (2008), de Mallarmé.
A relação estre os poemas, no que diz respeito ao procedimento baudelairiano
em análise, constitui-se como metalinguagem que reflete o próprio poeta, demonstrando
sua intervenção clara no processo, na maneira como ele subverte o funcionamento de
alguns poemas de Lesfleursdu mal por um trabalho de “desfiguração” e de “reconfiguração”, no qual passa de um código poético (poema em verso) para um código
literário (poema em prosa), em que um texto faz referência ao outro (“souvenir du
souvenir”). Quando retira as figuras do poema em verso (“desfiguração”), construindo
com elas um poema em prosa correspondente, ele muda o código poético e assinala essa
mudança.
Vale ressaltar, também, que os estudos basicamente sobre o mecanismo da
intertextualidade, em aula, colaboraram para o enriquecimento da pesquisa, por se tratar
de textos que abordavam, por exemplo, o processo de escrita e reescrita, de recriação, o
trabalho da citação, a ocorrência da “miseenabyme” e a ideia de textos que se reenviam,
ocorrendo troca de sentido como, por exemplo, o texto “Metalinguagem e
Intertextualidade”, presente no livro Texto, Crítica, Escritura (1978), de Leyla PerroneMoisés e, também, Metapoesía y críticadel lenguaje: (de la generación de los 50 a los
novísimos) (2002). Tudo o que reflete, de certa forma, o procedimento baudelairiano em
análise. Poderíamos pensar no poema em prosa de Baudelaire como o reflexo de um
poema em verso, não sendo mais este, mas sim outro, novo e “invertido”, transfigurado
pelo “jogo óptico” que nada mais é que um “jogo de linguagem”. Todo o procedimento
é explicitado por Baudelaire: as figuras deslocadas, a mudança de registro retórico, a
diferença de linguagem; a imagem “refletida” é outra.
Ao cursar a disciplina, realizamos a leitura de metapoemas contemporâneos
paraidentificar e relacionar as diferentes propostas de seus poetas, além de discutir a
configuração de seus poemas, a partir da utilização apropriada e articulada da
428
Descrição das pesquisas
bibliografia e de textos complementares propostos. Foi explorada, também, a poética de
alguns deles, que estão entre a sistematização crítico-teórica e o fazer poético nela
aplicado (metapoemas).
Por fim, como avaliação final da disciplina, entregarei um artigo que trata,
especificamente, da relação entre textos diferentes de um mesmo autor e do processo de
reescrita elaborado por ele, como técnica de criação. “Por que reescrever?” é a pergunta
que permeará todo o estudo e no cenário atual, diante da evidência e mesmo
intensificação de referências aos termos como “intertextualidade”, “metalinguagem”,
“metaficção”, “reflexividade”, “autotextualidade” e etc. Como observamos em sala,
pude perceber que, embora o enfoque dado a eles, hoje, seja grande, sua ocorrência não
é recente – Baudelaire o prova. O poeta deixa claro, já no século XIX, que o “reescrever
é recriar”, que o essencial é a configuração e combinação das palavras que sustentam
todo e qualquer texto como diferentes maneiras de apreensão do mundo. Samira
Chalhub, em A metalinguagem (2005) destaca: “A verdade da arte literária é reveladora:
rastreia o sentido das coisas, apresentando-as como se tudo fosse novo, por que nova é a
forma de combinar as palavras.” (p. 9)
Quanto à disciplina “Mito e poesia: relatos mitológicos na poesia clássica grecolatina”, posso dizer que o seu conteúdo não está, diretamente, relacionado ao meu objeto
de estudo, mas, a partir dela, poderei explorar novos caminhos no que diz respeito às
composições literárias baudelairianas, nas quais podemos observar, também, a
ocorrência dos mitos. Assim, ao ter sido introduzida na atmosfera da mitologia grecolatina presente na poesia antiga, que é a base de todo e qualquer estudo sobre criação
poética, e observado a ocorrência do mito, de maneira direta ou indireta, nas obras de
poetas gregos e latinos (Virgílio, Catulo, Píndaro e etc); bem como, suas principais
características ao longo do tempo e suas transformações de uma cultura à outra
(baseando-me na leitura dos textos teóricos de apoio), serei capaz de aplicar meus
conhecimentos adquiridos na análise dos textos de Baudelaire que apresentam esse
caráter mitológico. A disciplina nos ofereceu um panorama bastante rico sobre o estudo
da mitologia, desde seu viés antropológico até sua função nos escritos literários e suas
diferentes aparições no decorrer da história, o que contribuiu não só para os meus
estudos, mas, também, para minha formação profissional e pessoal.
Neste próximo semestre de 2013, darei continuidade à leitura e releitura das
obras indicadas na Bibliografia e cumprirei os créditos das disciplinas e das atividades
complementares.
429
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
Bibliografia
ADORNO, T. Notas de literatura. Rio de Janeiro: Tempobrasileiro, 1991.
BARBOSA, J. A. As ilusões da modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1986.
BAUDELAIRE, C. Oeuvres complètes. Paris: Robert Laffont, 1980.
_____.Le spleen de Paris (Petits poèmes en prose).Paris: Flammarion, 1987.
_____. Les fleurs du mal. Paris: Presse de l’Université de Paris-Sorbonne, 2003.
_____. Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Aguillar, 1995.
BERARDINELLI, A. Da poesia à prosa. SP: CosacNaify, 2007.
BERNARD, S. Le poème en prose de Baudelaire jusqu’à nous jours. Paris: Nizet,
1959.
BLANCHOT, Maurice. L’Entretien infini. Paris : Gallimard, 1969.
BOSI, A. O ser e o Tempo da Poesia. 7ª. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 2008.
CANDIDO, A.O estudo analítico do poema. 3ª ed. São Paulo: Humanitas Publicações
/FFLCH /USP, 1996.
CHALHUB, S. A metalinguagem. 4ª ed. São Paulo: Ática, 1998.
COMPAGNON, A. La secondemainou le travail de citation. Paris: Éditions du Seuil,
1979.
COMPAGNON, A. Les cinq paradoxes de la modernité. Paris: Seuil, 1990.
FRIEDRICH, H. Estrutura da lírica moderna. 2ª. ed. São Paulo: Duas cidades, 1991.
HORÁCIO. A artepoética. Tradução de Dante Tringali. São Paulo: Musa Editora,
1993.
JOHNSON, B. Algumas conseqüências da diferença anatômica dos textos. Para uma
teoria do poema em prosa. In: TODOROV, T., et al. O Discurso da poesia. Coimbra:
Almedina, 1982.
JOHNSON, B. Défigurations du langage poétique: la seconde révolution
baudelairienne. Paris: Flammarion, 1979.
MALLARMÉ, S. Crise do verso, Tradução de Ana de Alencar. In _____. Inimigo
rumor. São Paulo: Cosac Naify; Rio de Janeiro: 7 Letras, n.20, 2008, p. 150-164.
MARSHALL, B. Tudo que é sólido desmancha no ar. SP: Companhia de Bolso,
2007.
LEONEL, M. C. de M. Magma e a gênese da obra rosiana. Tese (Livre – Docência) –
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, 1998.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Tradução de Olga Savary. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1982.
PÉREZ PAREJO, Ramón. Metapoesía y crítica del lenguaje: (de la generación de los
50 a los novísimos). Cáceres: Universidad de Extremadura, Servicio de Publicaciones,
2002.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Metalinguagem e intertextualidade. In _____. Texto,
Crítica, Escritura. São Paulo: Ática, 1978, p. 67-72.
PLATÃO. Íon. Tradução de Victor Jabouille. Lisboa: Inquérito, 1988.
POE, E. A. Filosofia da Composição. In: _____. Ficção Completa. Poesia & Ensaios.
Rio de Janeiro: Aguillar, 1965.
RICOEUR, P. La métaphore vive. Paris, Seuil, 1975.
SANT’ANNA, A. R. de. Paródia, Paráfrase & cia. São Paulo: Ática, 1985.
TODOROV, T. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
430
Descrição das pesquisas
PECÚLIO COMUM ENTRE ANTIGOS E MODERNOS: ANÁLISE
INTERTEXTUAL ENTRE A CULTURA LATINA E CONTOS DE MACHADO
DE ASSIS
Priscila Maria Mendonça Machado
Doutoranda
Prof. Dr. João Batista Toledo Prado (Or.)
O estudo de Machado de Assis pelo viés da intertextualidade tem se consolidado
como uma forte tendência atual. A escolha de Machado motiva-se pela grande
relevância do autor na literatura brasileira, ao passo que a opção por esses contos devese pela forte e definida presença de referências à literatura latina. Neste estudo o
enfoque recairá sobre os textos latinos, mitos, nomes célebres romanos, presentes direta
ou indiretamente nos contos selecionados. O recorte proposto tomará, como corpus,
uma seleção de contos de Machado de Assis. Dentre a grande variedade de contos
produzidos pelo autor, selecionou-se vinte, tendo em vista a forte e definida presença de
referências latinas neles. Busca-se a análise de vinte contos: “Virginius”, publicado no
Jornal da Família (1864); “Felicidade pelo casamento”, Jornal das Famílias (1866);
“Uma excursão milagrosa”, Jornal das Famílias (1866); “Onda”, Jornal das Famílias
(1867); “Linha reta e linha curva”, em Contos Fluminenses (1870); “Rui de Leão”,
Jornal das Famílias (1872); “Decadência de dois grandes homens”, em Jornal das
Famílias (1873); “Tempo de Crise”, Jornal das Famílias (1873); “Muitos anos depois”,
Jornal das famílias (1874); “Um cão de lata ao rabo”, em O Cruzeiro (1878); “O
Alienista”, publicado em A Estação (1881) e depois em Papéis Avulsos (1882), “Último
capítulo”, em Gazeta de Notícias (1883) e Histórias sem data (1884); “O Lapso”, em
Gazeta de Notícias (1883) e Histórias sem data (1884); “A causa secreta”, publicado na
Gazeta de Notícias (1885) e depois em Várias histórias (1895); “Anedota pecuniária”,
na Gazeta de Notícias (1888) e Várias histórias (1895); “Como se inventaram os
almanaques”, Almanaque das Fluminenses (1890); “Vênus! Divina Vênus”, Almanaque
da Gazeta (1893); “Um erradio”, em A Estação (1894) e Páginas recolhidas (1899);
“Papéis Avulsos”, em Páginas recolhidas (1899); “Marcha Fúnebre”, em Relíquias da
casa velha (1906).
431
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
No momento realiza-se a leitura e levantamento de mais bibliografia. A análise
efetiva do córpus proposto será de fato iniciada em 2014.
Bibliografia
ALBRECHT, M. Historia de la Literatura Romana. Tradução para o espanhol Dulce
Estefanía e Andrés Pociña Pérez. V1. Barcelona: Herder, 1997.
ASSIS, J. M. M. Obra Completa. V. I. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1962.
ASSIS, J. M. M. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 2008. 4 v.
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. Tradução Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira.
8ªed. São Pauolo: Hucitec, 1997a.
BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução, notas e prefácio Paulo
Bezerra. 2ª ed. ver. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997b.
BARTHES, R. Mitologias. Tradução Rita Buongermino e Pedro de Souza. 2ªed. São
Paulo: Difel, 1975.
BIZZARRI, E. Machado de Assis e a Itália. São Paulo: Instituto Cultural ÍtaloBrasileiro. Caderno n. 1, 1961.
BOSI, A. Machado de Assis. São Paulo: Publifolha, 2002.
BOSI, A. et al. Machado de Assis. São Paulo: Ática, 1982.
BOSI, A. “Um nó ideológico – sobre o enlace de perspectivas em Machado de Assis”.
In:____Ideologia e contraideologia: temas e variações. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
BRANDÃO, J. L. “A Grécia de Machado de Assis”. In: MENDES, E. A. M.;
OLIVEIRA, P. M.; BENN-IBLEL, V. O novo milênio: interfaces lingüísticas e
literárias. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2001.
CANDIDO, A. “Esquema de Machado de Assis”. In:____Vários escritos. São Paulo:
Duas Cidades, 1970.
CHEVALIER, J. Dicionário de símbolos (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números). Tradução Vera da Costa e Silva et al. 9ª ed. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1995.
COMPAGNON, A. O trabalho da citação. Tradução Cleonice P. B. Mourão. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2007.
COSTA, L. L. Machado de Assis tradutor: o labirinto da representação. Tese de
doutorado. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de letras, 2006.
DIXON, P. Os contos de Machado de Assis. Porto Alegre: Movimento, 1992.
FAORO, R. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Editora Nacional,
1976.
FIKER, R. Mito e Paródia: entre a narrativa e o argumento. Araraquara: FCL/
Laboratório Editorial/ UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000.
GLEDSON, J. Contos: uma antologia. Seleção, introdução e notas John Gledson. 2v. 2ª
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
GLEDSON, J. Machado de Assis: impostura e realismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991.
GRIMAL, P. Dicionário de mitologia grega e romana. Tradução Victor Jabouille. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
GUIDIN, M.L.; GRANJA, L.; RICIERI, F.W. (orgs). Machado de Assis: ensaios da
crítica contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
432
Descrição das pesquisas
GUIMARÃES, H.de S. “A emergência do paradigma inglês no romance e na crítica de
Machado de Assis”. In: GUIDIN, M.L.; GRANJA, L.; RICIERI, F.W. (orgs). Machado
de Assis: ensaios da crítica contemporânea. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
HARVEY, P. Dicionário Oxford de Literatura Clássica grega e latina. Tradução Mário
da Gama Kury. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia: ensinamentos das formas de arte do século
XX. Tradução Teresa Louro Pérez. Lisboa: edições 70, 1989.
JOBIM, J. L.(org.) A biblioteca de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Topbooks,
Academia Brasileira de Letras, 2001.
KRISTEVA, J. Introdução à Semanálise. Tradução Lúcia Helena França Ferraz. São
Paulo: Perspectiva, 1974.
LOPES, L. L. R. P. Machado de Assis de A a X: um dicionário de citações. São Paulo:
Editora 34, 2001.
MACHADO, U. Dicionário de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Academia Brasileira
de Letras, 2008.
MASSA, J-M. “A biblioteca de Machado de Assis”. In: JOBIM, J.L. (org.) A biblioteca
de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001.
MASSA, J-M. Machado de Assis tradutor. Tradução Oséias Silas Ferraz. Belo
Horizonte: Crisálida, 2008.
MASSA, J-M. “Entrevista com o professor Jean-Michel Massa”. In:____ Teresa –
Revista de Literatura Brasileira. São Paulo, n. 6/7, p. 1-273, 2006.
MOTTA, S. V. O Engenho da narrativa e sua árvore genealógica: das origens a
Graciliano Ramos e Guimarães Rosa. 1ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
MURAD, M. V. O palimpsesto machadiano. São José do Rio Preto, 1999. Tese
(Doutorado em Letras – Área de Literatura Brasileira) – Instituto de Biociências, Letras
e Ciências Exatas – Universidade Estadual Paulista.
NITRINI, S. “Conceitos Fundamentais.” In: _____. Literatura Comparada: história,
teoria e crítica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.
NOGUEIRA, N. H. de A. A tradição da sátira menipéia em Laurence Sterne e
Machado de Assis. Tese de doutorado defendida na UNESP – São José do Rio Preto,
1999.
PASSOS, G. P. A poética do legado: presença francesa em Memórias Póstumas de
Brás Cubas. São Paulo: Annablume, 1996a.
PASSOS, G. P. As sugestões do Conselheiro. São Paulo: Ática, 1996b.
PASSOS, G. P. O Napoleão de Botafogo. São Paulo: Annablume, 2000.
PASSOS, G. P. Capitu e a mulher fatal: análise da presença francesa em Som
Casmurro. São Paulo: Nankin, 2003.
PAULINO, G.; WALTY, I.; CURY, M. Z. Intertextualidades: teoria e prática. 4ª
edição, Belo Horizonte: Editora Lê, 1998.
PERRONE-MOISÉS, L. “Literatura Comparada, Intertexto e Antropofagia.” In: _____.
Flores da Escrivaninha. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
RAMOS, M. C. T. A transgressão do cânone literário por meio das referências
mitológicas em Memórias póstumas de Brás Cubas e Papéis Avulsos. Pesquisa de pósdoutorado desenvolvida junto ao Departamento de Letras Modernas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP - SãoPaulo. São Paulo, 2008.
REGO, E. S. O calundu e a panacéia: Machado de Assis, a sátira menipéia e a tradição
luciânica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
Revista Itinerários (UNESP. Araraquara), v. 29, 2010.
SAMOYAULT, T. A intertextualidade. Tradução Sandra Nitrini. São Paulo: Aderaldo
& Rotschild, 2008.
433
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
SANDMANN, M. Aquém-Além-mar: presenças portuguesas em Machado de Assis.
Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da
Linguagem, 2004.
SANTOS SARAIVA, F.R. Novíssimo Dicionário Latino-Português. 11ª ed. Rio de
Janeiro: Garnier, 2000.
SCHOLES, R. & KELLOG, R. A natureza da narrativa. Tradução Gert Meyer. São
Paulo: Mc Graw – Hill do Brasil, 1977.
SILVA, P. S. Dos antigos e dos modernos se enriquece o pecúlio comum: Machado de
Assis e a literatura greco-latina. Tese de doutorado. Universidade Federal de
Pernambuco. 2007.
Suplemento. Especial Machado de Assis. Belo Horizonte, Abril de 2008. Edição
Especial. Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais.
Teresa – Revista de Literatura Brasileira. São Paulo, n. 6/7, p. 1-273, 2006.
VIEIRA, B. V. G. “José Feliciano de Castilho e a Clâmide Romana de Machado de
Assis. In: http://machadodeassis.net/download/numero04/num04artigo07.pdf. Acesso
no dia 14 de Janeiro de 2010, às 23h 15min.
VILLAÇA, A. Machado de Assis, tradutor de si mesmo. Revista Novos Estudos
CEBRAP, São Paulo, v. 51, p. 03-14, 1998.07. 276 f. disponivel em:
<http://machado.mec.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=166&Item
id=173>. Acesso em 27 set. 2010, às 14h.
434
Descrição das pesquisas
METROS DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA EM LÍNGUA PORTUGUESA
Rafael Trindade dos Santos
Mestrando – Bolsista FAPESP
Prof. Dr. Brunno Vinicius Gonçalves Vieira (Or.)
Introdução
O presente projeto pretende esboçar uma história dos experimentos de inserção
de metros clássicos em língua portuguesa. Sabe-se que a métrica utilizada por poetas e
tratadistas da Antiguidade baseava-se em características fonológicas e prosódicas das
línguas latina e grega que não se encontram mais nas línguas românicas. Assim, toda
tentativa de inserção desta métrica em português — uma língua românica — é um
problema que exige algum artifício poético como solução.
O que se entende por metro clássico em cada época e círculo literário define as
condições de recepção dos poemas gregos e latinos nos mesmos círculos; influi, por
consequência, na elaboração dos sentidos que vão ser atribuídos à estrutura formal dos
poemas. Uma história deste problema deve abranger, assim, suas condições tanto quanto
seus resultados: não apenas quem se propôs, mas por que se propôs, ao que atenderia
tais propostas, qual o contexto das tentativas de continuação da métrica clássica. Logo,
esta pesquisa interessaria principalmente a uma história da recepção da poesia antiga em
comunidades de língua portuguesa. Além disso, também contribuiria para uma história
da tradução, para uma história do verso e para um estudo comparativo de sistemas de
versificação. Contudo os cultores de metros clássicos estudados não são todos,
necessariamente, tradutores; a maior parte se compõe de poetas originais.
Nesse sentido esse trabalho se propõe a contribuir com um campo de
investigação que tem merecido um interesse crescente no Brasil, qual seja os estudos de
história da tradução e da recepção dos clássicos, o que tem condicionado também um
aumento de interesse na história das estratégias formais em tradução de poesia antiga
(cf. FLORES, 2011a; OLIVA NETO, 2007; VASCONCELLOS, 2011; VIEIRA, 2010;
2009).
Dividimos as tentativas históricas de inserção em dois subtipos conforme já
apontara Attridge (1993, p. 202): tentativas de verso propriamente quantitativo;
435
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
substituições simples de quantidade por intensidade, mantendo o padrão métrico em
estruturas diferentes.
O corpus mínimo estabelecido para o presente projeto dá preferência aos
chamados versos estíquicos (como o hexâmetro e o pentâmetro), e estabelece como
poetas e tradutores centrais Carlos Alberto Nunes (1897-1990), Carlos Magalhães de
Azeredo (1872-1963), Vicente Pedro Nolasco da Cunha (1774?-1844), procurando
ampliar a pesquisa até o século XVI, com o Auto da Paixão de Fr. Antônio de
Portalegre.
Estágio atual da pesquisa
Desde o ingresso no Programa, o projeto sofreu modificações em função do que
se descobriu desde então. A maior mudança por ora tem sido a centralização da
pesquisa na produção de Magalhães de Azeredo. Este autor cita predecessores —
Domingos Tarroso e Alberto Ramos — e entende que sua tentativa terá sucessores
(AZEREDO, 1904, p. viii), criando uma expectativa de tradição, posteriormente
esquecida e novamente requisitada por leituras atuais de Carlos Alberto Nunes (cf.
CARDOSO, 2011; CONTO, 2008; FLORES, 2011a; 2011b, p. 145-6; GONÇALVES,
2011; GONÇALVES et al., 2011). Os autores citados estão sendo procurados para
leitura e análise.
Foram também importante descobertas as declarações de Jorge de Sena acerca
do que, segundo ele, fora a primeira tentativa em português de inserção de metros
clássicos — a saber, o Auto de Fr. Antônio de Portalegre (SENA, 1966, p. 408, n. 3).
A pesquisa também se interessou pela tradução da Odisseia realizada por
Frederico Lourenço. Nesta tradução não há um tratamento métrico uniforme dos versos,
como fora corrente nas versões brasileiras de Homero. Há, no entanto, e
confessadamente, uma espécie de “metro fantasma” (cf. BRITTO, 2011) subjacente aos
versos atuais, dando-lhes uma medida contra os quais podem se medir — e este metro
seria justamente o hexâmetro, adaptado ao português.
O passo seguinte da pesquisa foi a busca por novas fontes. Consultamos a
princípio dois importantes dicionários bibliográficos, a Bibliotheca Lusitana, de Diogo
Barbosa Machado, e o Dicionario Bibliographico Portuguez, que lhe dá sequência, de
Inocêncio Francisco da Silva. A partir da consulta a nomes já conhecidos, obtivemos
informações acerca de novos nomes — como foi o caso de José Anastácio da Cunha,
436
Descrição das pesquisas
citado no verbete relacionado a Vicente Pedro Nolasco da Cunha como seu tio e
predecessor (SILVA, 1923). Todavia, o acesso a novos nomes pareceu muito difícil, já
que, especialmente no caso de autores a serem descobertos que tenham vivido nos
séculos XVI e XVII — período em que os metros clássicos vernáculos começaram a ser
utilizados em toda a Europa — os biógrafos, especialmente Barbosa Machado, ora não
enfatizaram a questão métrica como esperado, ora registraram-na com uma
nomenclatura incoerente (MACHADO, 1759). Tais dados servem, no entanto, para
demonstrar como a empresa da transposição de metros clássicos é entendida de modos
diferentes a depender do círculo literário e da era em questão.
Em seguida consultamos periódicos a fim de conhecer a recepção das obras do
corpus. Salvo Carlos Alberto Nunes, caso mais recente, conhecido e celebrado,
alcançamos resultados relevantes acerca de dois outros autores: Nolasco da Cunha e
Magalhães de Azeredo.
Nolasco da Cunha, contudo, teria sido um autor ainda mais obscuro não fosse ter
sido censurado por Castilho. No verbete no Diccionario de Inocêncio da Silva, porém,
Nolasco da Cunha obteve mais atenção, e foi, ao que parece, amigo próximo do
dicionarista. A única menção a Nolasco da Cunha que encontramos, afora isto, foi de
punho próprio, e no jornal que ele mesmo fundou, O Investigador Portuguez em
Inglaterra (NOLASCO DA CUNHA, 1813); mas tais menções são fundamentais,
porquanto ilustram como o autor lia o metro clássico, como entendia a diferença da
prosódia latina para a portuguesa, como descrevia seu sistema de transposição métrica, e
qual era o seu objetivo literário com tais metros.
A recepção de Magalhães de Azeredo foi um tanto mais respeitosa. Poeta
respeitado entre poetas, último membro fundador da Academia Brasileira de Letras a
morrer, Magalhães de Azeredo não conheceu o mesmo tipo de censura, embora os
metros de suas Odes nem sempre tenham sido louvados. Não se deve pensar, com isso,
que sua obra tenha sido popular ou mais influente do que realmente fora: o poeta
retirou-se muito cedo da convivência com os círculos literários brasileiros, em função
de sua carreira diplomática. Por isso, a grande parte dos artigos e resenhas acerca das
Odes foi escrita por seus colegas da Academia, especialmente José Veríssimo, que
resenhou o livro logo após sua publicação (VERÍSSIMO, 1905) e Josué Montello, que
tratou de seus metros bárbaros décadas mais tarde (MONTELLO, 1949).
Magalhães de Azeredo, fiel à preceituação de Carducci, justapõe versos
vernáculos para a realização de metros clássicos. Seu hexâmetro, por exemplo, de
437
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
acordo com Péricles Eugênio da Silva Ramos, compõe-se com um hexassílabo grave ou
esdrúxulo acrescido de um octossílabo de distribuição acentual fixa (RAMOS, 1955, p.
343-344). No entanto, uma leitura atenta destes hexâmetros pode reconhecer, apesar da
distribuição acentual variável do primeiro hemistíquio, um ritmo fixo ao longo de todo o
verso. Em:
Eu emba|lei meus | so||nhos mais | caros: as | doces chi|meras
(AZEREDO, 1904, p.3; grifos e sinalizações nossas)
O que parece um hexassílabo de distribuição acentual livre (“eu embalei meus
sonhos”) pode ser lido como a representação de um hemistíquio hexamétrico preciso.
Basta ler o verso sob o compasso de seis pulsações musicais, fazendo coincidir os
ataques com os acentos das palavras. Assim, uma sílaba forte seguida outra fraca seria
lido como um verdadeiro espondeu, ao invés de um troqueu. A performação do texto
pode gerar, independentemente da presença de quantidades silábicas no português, o
ritmo hexamétrico.
Em resenha de outra obra, Fortunato Duarte cita as Odes e elegias e, logo em
seguida, refere-se à censura de Castilho aos metros clássicos em português, apenas para
apontar que Castilho mudara de opinião, registrando-a em nova edição de seu Tratado
(DUARTE, 1908). Às vésperas da confecção deste relatório, foi publicado um artigo
que reafirma este fato (OLIVA NETO; NOGUEIRA, 2013, p. 304-305), apontando
Júlio de Castilho, filho de Antônio Feliciano, como mais um poeta que experimentou
metros clássicos em português, ainda que para fins didáticos, ilustrando as novas
formulações de seu pai.
O referido artigo ainda cita Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, e José
Maria da Costa e Silva como autores que tentaram a metrificação clássica em português.
Ainda em procura de dados acerca de Magalhães de Azeredo, encontramos uma resenha
a Divina chimera, obra de Eduardo Guimarães, que, segundo o resenhista, o jornalista
Medeiros e Albuquerque, foi escrita em metros bárbaros (MEDEIROS E
ALBUQUERQUE, 1916). Os próximos passos da pesquisa incluirão um estudo destes
novos nomes.
Em julho de 2013 participamos do curso Littérature grecque et latine en
performance : récitals et conférences, proferido na Universidade Federal do Paraná pelo
Prof. Dr. Philippe Brunet, professor da Universidade de Rouen e diretor da companhia
438
Descrição das pesquisas
teatral Démodocos. O Prof. Dr. Brunet recentemente publicou uma tradução de
Homero, em hexâmetros franceses, e se interessa, em sua companhia, na performação
dos textos de peças antigas em seus ritmos originais. Descobriu-se, neste curso, que sua
estratégia rítmica é a mesma utilizada por Magalhães de Azeredo, com a diferença de
que o Prof. Dr. Bruent efetivamente utiliza a música como acompanhamento do verso.
O curso foi importante, também, para entrarmos em contato com o Prof. Dr.
Rodrigo Tadeu Gonçalves, que tem se interessado por experimentar inserções de metros
clássicos na língua portuguesa. Além deste caso, temos registrado outros, no Brasil
(ANTUNES, 2011; TÁPIA, 2012), todos mais ou menos inspirados em Carlos Alberto
Nunes; o que se nota é que cada vez mais estes autores têm se interessado também por
saídas ao problemas do “verso núnico”, e que também tem crescido o interesse por uma
história das tentativas de inserção de metros clássicos.
Bibliografia
A.G.F. Edição de bolso é recolhida, mas há outras versões. O Estado de São Paulo.
São
Paulo,
2011.
Seção
Cultura.
Disponível
em:
<http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,edicao-de-bolso-e-recolhida-mas-haoutras-versoes,779929,0.htm>. Acesso em: 02 abr. 2012.
ALI, Manuel Said. Acentuação e versificação latinas. Rio de Janeiro: Ed. Da
Organização Simões, 1956.
ALLEN, Sidney W. Accent and rhythm: prosodic features of Latin and Greek: a
study in theory and reconstruction. Londres: Cambridge University Press, 1973.
ANÔNIMO. Biographias: Vicento Pedro Nolasco da Cunha. Revista Universal
Lisbonense: jornal dos interesses phisicos, moraes e intellectuaes. Lisboa, tomo VI,
1846/1847. p. 425-429.
ANTUNES, C. L. B. Ritmo e sonoridade na poesia grega antiga: uma tradução
comentada de 23 poemas. São Paulo: Humanitas, 2011.
ASSIS, Machado de. Obras completas em quatro volumes. v 4. (crônica e
bibliografia). 2. ed. Org. Aluizio Leite Neto, Ana Lima Cecilio, Heloisa Jahn. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 2008.
ATTRIDGE, Derek. Classical meters in modern languages. In: BROGAN, T.V.F.,
PREMINGER, Alex (org.). The New Princeton Encyclopedia of Poetry and Poetics.
Princeton: Princeton University Press, 1993. p. 202-4.
AMORIM DE CARVALHO, José Maria Caldas de Matos. Tratado de versificação
portuguesa. Coimbra: Livraria Almedina, 1991.
AZEREDO, Carlos Magalhães de. Odes e Elegias. Roma: Tipografia Centenari, 1904.
BAXTER, Arthur H. The Introduction of classical meters into Italian poetry: and
their development to the beginning of the nineteenth century. Baltimore: Johns Hopkins
University
Press,
1898.
Disponível
em: <http://books.google.com/books?id=92KHcE_P3mMC>. Acesso em: 02 abr. 2012.
BIONE, Cesare. La metrica dei poeti greci e latini studiati nelle scuole: notizie
elementari, schemi, esempi. 5. Ed. Firenze: la Nuova italia, 1947.
439
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
BRITTO, Paulo Henriques. A tradução do “verso liberto” de T. S. Eliot. In:
CONGRESSO DA ABRALIC, 12., 2001, Curitiba. Anais... Curitiba, 2011a.
________. Para uma tipologia do verso livre em português e inglês. Revista brasileira
de literatura comparada, São Paulo, v. 19, p. 127-44, 2011b.
BROGAN, T. V. F. Meter. In: BROGAN, T.V.F., PREMINGER, Alex (org.). The New
Princeton Encyclopedia of Poetry and Poetics. Princeton: Princeton University Press,
1993. p. 768-83.
_______. Prosody. In: BROGAN, T.V.F., PREMINGER, Alex (org.). The New
Princeton Encyclopedia of Poetry and Poetics. Princeton: Princeton University Press,
1993. p. 982-94.
BURKE, Peter. Culturas da tradução nos primórdios da Europa Moderna. In; ________;
HSIA, R. Po-Chia. A tradução cultural nos primórdios da Europa Moderna. Trad.
R. Maioli dos Santos. São Paulo: Editora Unesp, 2009. p. 13-44.
CANDIDO, Antonio. Estudo analítico do poema. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP,
1987.
CAMPOS, Haroldo de. ΜΗΝΙΣ: a ira de Aquiles. São Paulo: Nova Alexandria, 1994.
CARDOSO, Leandro Dorval. A “Apocoloquintose do Divino Cláudio”, de Sêneca.
Scientia
Traductionis,
v.
10,
p.
151-71,
2011.
Disponível
em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/22052>. Acesso em: 02
abr. 2012.
CARDUCCI, Giosuè. La poesia barbara nei secoli XV e XVI. Bologna: Nicolà
Zanichelli, 1881. Disponível em: <http://www.onread.com/book/La-poesia-barbara-neisecoli-XV-e-XVI-1118395/>. Acesso em: 02 abr. 2012.
CASTILHO, Antônio Feliciano de. Tratado de metrificação portugueza para em
pouco tempo e até sem mestre se aprenderem a fazer versos de todas as medidas e
composições, seguido de considerações sobre a declamação e poetica. 2. Ed. Lisboa:
Livraria
Central,
1858.
Disponível
em:
<http://books.google.com/books?id=Qy7WAAAAMAAJ>. Acesso em: 02 abr. 2012.
CASTILHO, José Feliciano de. (ed.). Manuel Maria du Bocage. Excerptos seguidos
de uma notícia sobre sua vida e obras, um juízo crítico, apreciações de belezas e
defeitos, estudos de língua. Rio de Janeiro/ Paris: Garnier/ A. Durand, 1867. Tomo III,
p. 226. Disponível em: <http://books.google.com/books?id=dzwhAAAAMAAJ>.
Acesso em: 02 abr. 2012.
CHOCIAY, Rogério. Teoria do verso. São Paulo: Editora McGraw-Hill do Brasil,
1974.
________. A noção de verso livre, do Prefácio Interesantíssimo ao Itinerário de
Pasárgada. Revista de Letras, São Paulo, v. 33, p. 43-53, 1993.
CONTO, Luana de. Carlos Alberto Nunes, tradutor dos clássicos. In: SEMANA DE
ESTUDOS CLÁSSICOS, 23., 2008, Araraquara. Anais... Araraquara: FCL-Unesp,
2008.
p.
60-7.
Disponível
em:
<http://ufpr.academia.edu/LDeConto/Papers/470367/Carlos_Alberto_Nunes_tradutor_d
os_classicos1>. Acesso em: 02 abr. 2012.
DEVINE, Andrew M.; STEPHENS, Laurence D. Arsis and thesis. In: BROGAN,
T.V.F., PREMINGER, Alex (org.). The New Princeton Encyclopedia of Poetry and
Poetics. Princeton: Princeton University Press, 1993. p. 101.
DEZOTTI, José Dejalma. O epigrama latino e sua expressão vernácula. Dissertação de
Mestrado — FFLCH-USP. São Paulo, 1990.
DUARTE, Fortunato. Sonetos latinos de Mendes de Aguiar. Almanaque do Garnier,
n. 9, p. 375-377, 1908.
440
Descrição das pesquisas
FABRIS, Mariarosaria. Notas sobre o Futurismo literário. TriceVersa: revista do
Centro Ítalo-Luso-Brasileiro de Estudos Lingüísticos e Culturais. Assis, v.1, n.1, p. 6184,
maio-out.
2007.
Disponível
em:
<http://www.assis.unesp.br/cilbelc/Mariarosaria%20Fabris.pdf>. Acesso em: 02 abr.
2012.
FLORES, Guilherme Gontijo. Apresentação — “Dossiê tradução de poesia”: poéticas
da tradução de obras clássicas. Scientia Traductionis, v. 10, p. 108-9, 2011a.
Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/22052>.
Acesso em: 02 abr. 2012.
FLORES, Guilherme Gontijo. Tradutibilidades em Tibulo. Scientia Traductionis, v.
10,
p.
141-50,
2011b.
Disponível
em:
http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/22052. Acesso em: 02
abr. 2012.
FUSSELL, Paul. Poetic meter and poetic form. New York: McGraw-Hill, 1979.
GONÇALVES, Rodrigo Tadeu. Traduções polimétricas de Plauto: em busca da
polimetria plautina em português. Scientia Traductionis, v. 10, p. 214-29, 2011.
Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/22052.
Acesso em: 02 abr. 2012.
GONÇALVES, Rodrigo Tadeu et alii. Uma tradução coletiva das “Metamorfoses”
10.1-297 com versos hexamétricos de Carlos Alberto Nunes. Scientia Traductionis, v.
10,
p.
110-32,
2011.
Disponível
em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/22052>. Acesso em: 02
abr. 2012.
GRAMACHO, Jair. Introdução. In: Hinos homéricos. Introdução e tradução Jair
Gramacho. Brasília: Editora UnB, 2003. (Coleção Antiquitas).
HALPORN et alii. The meters of Greek and Latin poetry. Indianapolis: Hackett
Publishing Company, 1994.
HERRERO-LLORENTE, V.-J. La lengua latina en su aspecto prosódico. Madrid:
Gredos, 1971.
HOMERO. Ilíada. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro,
2004.
MACHADO, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana: na qual se comprehende a noticia
dos authores portuguezes, e das obras, que compuzeraõ desde o tempo da promulgaçaõ
da Ley da Graça até o tempo presente. Lisboa: oficina de Ignacio Rodrigues, 1759.
MARNOTO, Rita. Eugênio de Castro entre Simbolismo e Futurismo. Biblos: revista da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Coimbra, n. s. VII, 2009. p. 349-362.
Disponível em: <http://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/12140>. Acesso em: 02 abr.
2012.
MATTOSO, Glauco. O sexo do verso: machismo e feminismo na regra da poesia.
Disponível em <http://normattoso.sites.uol.com.br>. Acesso em : 02 abr. 2012.
MEDEIROS E ALBUQUERQUE, José Joaquim de Campos da Costa. Crônica literária.
In: A noite, n. 1809, p. 2, 1916.
MONTELLO, Josué. Metros bárbaros na poética portuguesa. In: A manhã, caderno
“Letras e artes”, n. 121, p. 4.
MOURA, F.. Para uma tradução em verso do dístico elegíaco: Propércio, I,
14.. Cadernos
de
tradução,
1,
set.
2008.
Disponível
em:
<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/6991/6475>.
Acesso
em: 02 abr. 2012.
441
Trabalhos completos do XIV Seminário de Pesquisa
NOGUEIRA,
Érico.
Do
livro
à
língua.
Disponível
em:
<http://ericonogueira.blogspot.com/2011/02/do-livro-lingua.html>. Acesso em: 02 nov.
2011.
NOLASCO DA CUNHA. Vicente Pedro. O Investigador Portuguez em Inglaterra.
v. 7, n. 27, setembro de 1813.
OITICICA, José. Roteiros em fonética fisiológica, técnica do verso e dição. Ed. Rev.
Almir Câmara de Matos Peixoto. Rio de Janeiro: Ed. Da Organização Simões, 1955.
OLIVA NETO, João. Angelo. A Eneida em bom português: considerações sobre
teoria e prática da tradução poética. In: II Simpósio de Estudos Clássicos, 2007, São
Paulo. II Simpósio de Estudos Clássicos. São Paulo : Humanitas, 2007. v. 1. p. 65-89.
OLIVA NETO, João Angelo; NOGUEIRA, Érico. O hexâmetro dactílico vernáculo
antes de Carlos Alberto Nunes. Scientia Traductionis, v. 13, p. 295-311, 2013.
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/30277. Acesso
em: 09 de ago. 2013.
PRADO, João Batista Toledo. Um conceito de equivalência na expressão vernácula da
poesia latina. Organon, v. 13, n. 27, p. 147-158, julho-dezembro 1999. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/organon/article/view/30431>. Acesso em: 09 ago. 2013.
________. Inter-relações e permanência da poética clássica. In: VIEIRA, Brunno V. G.,
THAMOS, Márcio (org.). Permanência clássica: visões contemporâneas da
Antiguidade greco-romana. São Paulo: Escrituras, 2011. (Coleção Ensaios
Transversais). p. 51-69.
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. A Renovação Parnasiana. In: COUTINHO,
Afrânio. A Literatura no Brasil. v.2. Rio: Sul Americana, 1955. p. 343-4.
SENA, Jorge de. Uma cançao de Camoes: interpretaçao estrutural de uma tripla cançao
camoniana, precedida de um estudo geral sobre a cançao petrarquista peninsular, e sobre
as cançoes e as odes de Camoes, envolvendo a questao das apocrifas. Lisboa:
Portugália, 1966.
_______. Resenha de: PAES, José Paulo; MOISÉS, Massaud. Pequeno dicionário de
Literatura Brasileira, biográfico, crítico e bibliográfico. In: Luso-Brazilian Review.
Wisconsin, v. 5, n. 2, inverno 1968, p. 114-117.
SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionário bibliographico portuguez: estudos de
Innocêncio Francisco da Silva aplicáveis a Portugal e ao Brazil. Lisboa: Imprensa
Nacional, 1858.
TÁPIA, Marcelo. Diferentes percursos de tradução da épica homérica como paradigmas
metodológicos de recriação poética: um estudo propositivo sobre linguagem, poesia e
tradução. Tese de Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada. Universidade
de São Paulo, 2012.
VASCONCELLOS, Paulo Sérgio. A tradução poética e os estudos clássicos no Brasil
de hoje: algumas considerações. Scientia Traductionis, v. 10, p. 68-79, 2011.
Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/scientia/article/view/22048>.
Acesso em: 02 abr. 2012.
VERÍSSIMO, José. As Odes e Elegias do Sr. Magalhães de Azeredo. Estudos de
literatura brazileira. Rio de Janeiro: Garnier, 1907. Disponível em:
<http://www.archive.org/details/estudosdelitera05vergoog>. Acesso em: 02 abr. 2012.
VIEIRA, Brunno V. G. Um tradutor de latim na corte de D. Pedro II: perspectivas para
a História da Tradução da literatura greco-romana em português. Revista Letras
(Curitiba), v. 80, p. 71-87, 2010.
_______. Recepção da poesia erótica latina no séc. XIX: José Feliciano de Castilho e
sua edição dos AMORES, de Ovídio. Nuntius Antiquus, v. IV, p. 71-81, 2009.
442
Descrição das pesquisas
LEITURAS DO TRÁGICO SOB 

Documentos relacionados