1 joana aparecida da silveira do amarante cristian segura
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1 joana aparecida da silveira do amarante cristian segura
1 JOANA APARECIDA DA SILVEIRA DO AMARANTE CRISTIAN SEGURA UM ARTISTA DE DISPOSITIVOS: ÍNDICE, SIMULACRO E ATLAS Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Orientadora: Profª Dra Rosângela Miranda Cherem. FLORIANÓPOLIS 2013 2 A485c Amarante, Joana Aparecida da Silveira do Cristian Segura um artista de dispositivos: índice, simulacro e atlas / Joana Aparecida da Silveira do Amarante – 2013. 165 p. : il. ; 20 cm Bibliografia: p.133-136 Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Miranda Cherem Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais, Florianópolis, 2013. 1. Segura, Cristian. 2. Artistas I. Cherem, Rosângela Miranda. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. III. Título. CDD: 709.2 – 20.ed. Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UDESC 3 JOANA APARECIDA DA SILVEIRA DO AMARANTE CRISTIAN SEGURA UM ARTISTA DE DISPOSITIVOS: ÍNDICE, SIMULACRO E ATLAS Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Banca Examinadora: Orientadora: ________________________________ Profª. Dra. Rosângela Miranda Cherem CEART/UDESC Membro: ________________________________ Profª. Dra. Nadja de Carvalho Lamas UNIVILLE Membro: ________________________________ Profª. Dra. Sandra Makoviecky CEART/UDESC Florianópolis, 31/07/2013 4 5 À Regina, João, João Antonio Celina, José Pedro e Eduardo 6 7 AGRADECIMENTO Agradeço a generosidade de Cristian Segura por disponibilizar materiais sobre seus trabalhos, desde imagens, projetos e textos produzidos por teóricos e curadores. Agradeço, em especial, as entrevistas concedidas durante todo o processo de escrita, material importante como forma de delinear um, dos vários possíveis, recorte de sua obra. Agradeço a Prof. Dra. Rosângela Miranda Cherem pela orientação e pelo suporte conceitual (materiais, imagens, textos por ela gentilmente cedidos ao longo da pesquisa). Agradeço a Prof. Dra. Sandra Makowiecky e Prof. Dra. Nadja de Carvalho Lamas pela leitura atenta, contribuições e por aceitarem meu convite para compor a banca de avaliação da minha dissertação. Agradeço a todos que estiveram do meu lado, ajudandome direta ou indiretamente, em especial a: Regina Maria da Silveira do Amarante, João do Amarante, João Antonio do Amarante, Eduardo Luiz Tavares Gonçalves, Celina Maria Araújo Tavares, José Pedro Rodrigues Gonçalves, Anita Prado Koneski, Juliana Cristina Pereira, Ana Carla de Brito, Sandra Correia Favero. 8 9 [...] o homem que se desloca modifica as formas que o circundam. (BORGES , 1972, p.29) 10 11 RESUMO AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira do. Cristian Segura um artista de dispositivos: índice, simulacro e atlas. 2013. 163 f. Dissertação (Mestrado em Artes - Área Artes Visuais) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de PósGraduação em Artes Visuais, Florianópolis, 2013. Esta dissertação aborda a produção de Cristian Segura (Tandil, Argentina, 1976). Curador, gestor cultural e artista, suas obras versam sobre questões relacionadas aos espaços expositivos e às instituições museológicas, bem como os espaços de memória das cidades. Através de entrevistas realizadas ao longo de 2012 e 2013, construiu-se um estudo aproximando as suas referências artísticas e conceituais. Através de um diálogo com Victor Grippo, referência para Cristian Segura, e uma aproximação ao artista francês Marcel Duchamp, quanto ao seu modus operandi quase industrial, percebe-se que o artista busca questionar e transgredir a instituição museológica, através de seus próprios dispositivos. Esses dispositivos, pensados a partir da leitura aprofundada de Giorgio Agamben sobre Michel Foucault, podem ser desdobrados em índices, simulacros, panópticos e atlas/arquivos. Para tanto, são utilizados, também, os teóricos: Rosalind Kraus, Jean Baudrillard, Giorgio Agamben, Michel Foucault, Georges Didi-Huberman e André Malraux, bem como a literatura de Adolfo Bioy Casares. A partir desse referencial conceitual, delineou-se um perfil do artista Cristian Segura aproximando seu trabalho artístico aos conceitos supracitados como forma de se perceber os espaços institucionais através de um outro olhar. Palavras-chave: Cristian Segura. Dispositivo. Índice. Simulacro. Atlas. 12 13 ABSTRACT AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira do. Cristian Segura a device’s artist: index, simulacra and atlas. 2013. 163 f. Dissertação (Mestrado em Artes - Área Artes Visuais) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de PósGraduação em Artes Visuais, Florianópolis, 2013. This dissertation addresses the works of Cristian Segura (Tandil, Argentina, 1976). Curator, cultural manager and artist, his works debate over issues related to exhibition spaces and museological institutions, as well as memory spaces of cities. By means of interviews performed throughout 2012 and 2013, a study a narrowing his artistic and conceptual references was built. Dialoguing with Victor Grippo, artistic reference to Cristian Segura, and approximating with the French artist Marcel Duchamp, and his almost “industrial” modus operandi, we perceive Segura`s pursuance in questioning and transgressing the museological institutions with their own devices. These devices, thought over from the profound reading of Giorgio Agamben over Michel Foucault, can be deployed as indexes, simulacra, panoptic and atlas/archives. For that, Rosalind Kraus, Jean Baudrillard, Giorgio Agamben, Michel Foucault, Georges Didi-Huberman, André Malraux and Adolfo Bioy Casares are also used as basis. From the conceptual referential, a profile of Cristian Segura was outlined, narrowing his artistic works with the aforementioned concepts as a mean to perceive the institutional spaces with a different view. Keywords: Cristian Segura. Devices. Index. Simulacra. Atlas. 14 15 LISTA DE IMAGENS Imagem 1: Cristian Segura, Maleta de ex-diretor de museu, objeto, 2003. ................................................................................ 36 Imagem 2: Victor Grippo, Maleta de Padeiro: farinha+água+calor (excessivo), materiais diversos, 1977.... 40 Imagem 3: Marcel Duchamp, Boîte-en-valise (de ou par Marcel Duchamp ou Rrose Slavy), valise de couro contendo as réplicas em miniatura de diversas obras do artista, 1935-41. ©1999 The Museum of Modern Art, New York. .......................... 43 Imagem 4: Cristian Segura, Chave Mestra, objeto, 2002. ......... 45 Imagem 5: Paul Ramírez Jonas, Talisman, instalação, 2008. 48 Imagem 6: Cristian Segura, Mesa de trabalho e Reflexão, fotografia, 2009............................................................................ 52 Imagem 7: Victor Grippo, Mesa de trabalho e Reflexão, instalação, 1994. ......................................................................... 56 Imagem 8: Andy Warhol, Green Car Crash (Green Burning Car I), serigrafia, 22,8 x 20,3 cm, 1963. © Andy Warhol Foundation for the Visual Arts. .................................................... 64 Imagem 9: Giovanni Battista Piranesi, O arco de Druso, água forte, 134 x 266 cm, s/d. .............................................................. 65 Imagem 10: Cristian Segura, Mirador Urbano: a (ex)posição do espectador, intervenção urbana, 2006. ............................... 69 Imagem 11: Peter Greenaway, The Stairs, exposição em Genebra com a inserção de cem escadas pelo espaço da cidade, 1994. © Fotografia Christophe Gevrey. ...................................... 71 Imagem 12: Cristian Segura, Olho Mágico, site specific, 2010. ..................................................................................................... 73 Imagem 13: Marcel Duchamp, Étants donnés: 1º La chute d’eau, 2º Le gaz d’éclairage, materiais diversos, 1946-66. .... 75 Imagem 14: Cristian Segura, Antes de uma exposição, still do vídeo, 2010. ................................................................................. 77 Imagem 15: Cristian Segura, Vidros Quebrados, site specific na Praça Tiradentes, 2011. ......................................................... 79 16 Imagem 16: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site specific no Jardim Botânico, 2011. ............................................. 80 Imagem 17: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site specific na Ópera de Arame, 2011. ............................................ 81 Imagem 18: Herman Posthumus, Paisagem com ruínas romanas, óleo sobre tela, 96 x 141,5 cm, 1536. ....................... 83 Imagem 19: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific, 2010. ............................................................................. 89 Imagem 20: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific, 2011. (detalhe) .............................................................. 90 Imagem 21: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific, 2011. (detalhe do projeto) ............................................. 91 Imagem 22: (detalhe de uma das obras): Analogias e confrontações: outros diálogos na arte argentina, 2004. Curadoria: Cristian Segura........................................................ 103 Imagem 23: Cristian Segura, Videoarte Club, site specific, 2007........................................................................................... 107 Imagem 24: (detalhes do catálogo): Interfaces 10: diálogos visuais entre regiões, Tandil e Resistencia. 2008-2009. Curadores: Cristian Segura e Gustavo Insaurralde.................. 110 Imagem 25: (detalhes da exposição portátil): Amor: Leve com você (Love: Take with you), 2007. (Página aberta: Rimon Guimarães)................................................................................ 116 Imagem 26: Cristian Segura, Uma exposição que se move, intervenção site-specfic, 2009. ................................................. 118 Imagem 27: (cartaz) Cristian Segura, Entre Bienais, intervenção site-specfic, 2011. ..................................................................... 121 Imagem 28: Cristian Segura, Cabine de Exibição Audiovisual, projeto do site specific, 2012. ................................................... 124 17 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................ 19 CAPÍTULO I: O ÍNDICE E A AUTO-BIOGRAFIA ...................... 29 1. O PORTÁTIL E O ESPAÇO EXPOSITIVO ..................... 35 2. A CHAVE E O ELEMENTO MODIFICADOR .................. 45 3. A MESA E O AUTORRETRATO ..................................... 52 CAPÍTULO II – O ESPAÇO EXPOSITIVO E A SUA DESCONSTRUÇÃO ................................................................... 59 1. O ESPAÇO OBSERVADO .............................................. 68 2. O ESPAÇO ENCENADO ................................................. 78 3. O ESPAÇO SIMULACRO................................................ 84 CAPÍTULO III - CURADORIA E CRIAÇÃO: OS MUSEUS EM TRÂNSITO .................................................................................. 94 1. O ATLAS COMO UM MUNDO PORTÁTIL DE CRISTIAN SEGURA ............................................................................ 103 2. OS LIVROS DE CRISTIAN SEGURA COMO MUSEUS IMAGINÁRIOS ................................................................... 109 3. OS MUSEUS EM TRÂNSITO: A EXPERIÊNCIA DO SEDESTRE ........................................................................ 118 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UM TRABALHO EM PROCESSO .............................................................................. 129 REFERÊNCIAS ......................................................................... 133 APÊNDICE......................................................................... 137 SOBRE O ARTISTA DOS DISPOSITIVOS ....................... 137 1. MALETA, CHAVE E MESA: ÍNDICES DO ARTISTA (outubro de 2012) .............................................................. 137 2. MAQUETES COMO DISPOSITIVOS DO PENSAMENTO ARTÍSTICO (dezembro de 2012) ...................................... 141 3. A SIMULAÇÃO DA DESTRUIÇÃO ATRAVÉS DO OLHOMÁGICO (fevereiro de 2013) ............................................. 143 18 4. O ARQUIVO E OUTROS DIÁLOGOS (abril de 2013) .. 146 5. CRISTIAN SEGURA: O ARTISTA DO DESASSOSSEGO ........................................................................................... 154 19 INTRODUÇÃO Esta dissertação é constituída por três capítulos no qual é abordada a produção do artista Cristian Segura (Tandil, Argentina, 1976), realizada a partir de um recorte de sua vasta produção artística e curatorial como entrevistas realizadas durante o processo de escrita; textos de jornalistas, curadores e críticos; catálogos; materiais fornecidos pelo próprio artista, como seu portfólio, além de imagens relativas aos trabalhos expostos. Conta, ainda, com um apêndice constituído por entrevistas realizadas por e-mail durante o período de setembro de 2012 a maio de 2013. O conjunto dessas fontes documentais permite reconhecer suas referências artísticas e conceituais, bem como detalhes técnicos sobre algumas obras e seus dispositivos de montagem envolvendo questões relacionadas aos espaços expositivos e às instituições museológicas. O interesse em realizar uma abordagem semelhante ao de montagem, interligando com outras discussões e outros artistas que guardam afinidades e permitem uma aproximação, caminhou sempre junto ao propósito de aprofundar o estudo sobre Cristian Segura, visto que poucas pessoas se debruçam sobre sua obra, do ponto de vista da história, teoria e/ou crítica de arte. Durante o percurso, publiquei e apresentei diversos artigos sobre sua produção que contribuíram para delimitar de forma mais clara a problemática sobre os dispositivos utilizados pelo artista argentino. Cristian Segura desenvolve uma pesquisa artística que guarda proximidade com os artistas inquietos, marcados por um alto teor experimental ao longo do último século. O constante questionamento no que se refere à relação entre o fazer artístico, o público e os lugares expositivos, remonta a sua larga experiência com instituições de arte, onde ingressou aos 14 anos, quando começou a trabalhar como voluntário no Museu Municipal de Belas Artes de Tandil, cidade próxima a Buenos Aires. Aos 19 anos deixou o trabalho de aprendiz e se tornou coordenador das exposições dessa instituição, e aos 23, diretor. Em novembro de 2002, o artista deixou os bastidores do museu, as salas administrativas, para ingressar ao “palco”, ou seja, às salas de exposições. 20 Cristian Segura possui Graduação em Desenho pelo Centro Polivalente de Arte, Tandil. Seu vasto repertório em gestão e curadoria deve-se ao longo período em que trabalhou no museu de sua cidade natal e, com os posteriores convites em atuar em curadorias e exposições, ou seja, sua formação nessa área é totalmente informal. A partir de seu interesse em buscar conhecimento, capacita-se com outros especialistas da área, assim, torna-se um artista inquieto e multidisciplinar, pois questiona os problemas institucionais utilizando-se do próprio meio, dos próprios dispositivos que a instituição oferece. Numa entrevista realizada em 2013, quanto a sua formação informal, fala que: Mi aprendizaje en el área que usted consulta ha sido “no formal”, mediante capacitaciones en gestión, manejo de colecciones y diseño de exposiciones de arte, con diferentes instructores como Susan May (curadora de la Tate Modern, Londres), Elaine Heumann Gurian (experta en museos, Estados Unidos), Hill Tompkins (encargado de las colecciones de la Smithsonian Institution, Estados Unidos), Tam Muro (diseñador de exposiciones, Argentina) y Ernesto Gore (especialista en organizaciones, Argentina), entre otros. Pero fundamentalmente práctica, desde muy temprana edad. 1 O artista possui obras em diversos acervos de instituições museológicas importantes no cenário artístico nacional argentino e internacional, como: Museu Juan B. Castagnino, Rosario, Argentina; Museu de Arte Contemporânea MACRO, Rosario, Argentina; Museu de Arte Contemporânea, Bahia Blanca, Argentina; Fundação OSDE, Buenos Aires, Argentina; Museu de Barro, Paraguai; Centro Cultural da Moeda, Chile; além de receber diversos convites para participar de Bienais, Trienais, exposições nos Estados Unidos, Cuba, Chile, Brasil, Espanha. Cristian Segura não é um artista que possui várias obras e, de repente, recebe um convite para participar de 1 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 135-36 (outubro/2012). 21 alguma exposição e “pronto”, agora, fica a cargo do espaço a função de se adequar ao trabalho. Pesquisa, caminha pelas ruas, filma, fotografa tanto a cidade como a própria instituição que irá intervir. Em alguns casos, desdobra/reinventa alguns de seus projetos de forma a se adequar ao espaço e/ou contexto do lugar, transpondo assim uma mesma discussão, um mesmo meio de intervir, que se assemelha em pontos em comum a todas as instituições de arte. Como um artista múltiplo, um artista-etc – tal como entende Ricardo Basbaum -, é admirador de Victor Grippo, Jorge Luis Borges e - numa aproximação quanto ao pensamento – de Marcel Duchamp. Possui um modus operandi singular, limpo, quase industrial. Sua premeditação poética baseia-se num conhecimento prévio sobre o espaço onde projeta e monta o protótipo (se for o caso), de modo a participar de todos os trâmites da feitura de suas obras assim como da montagem no espaço físico. As maquetes são um meio que Cristian Segura utiliza e muito em seus trabalhos artísticos, mesmo que indiretamente numa busca de pensar o trabalho artístico, a curadoria, o espaço do museu e o próprio “fazer” do artista, de modo a permitir outras experiências pelo público durante as exposições. Neste sentido, observa-se, que sua atuação não acontece de modo subjetivo e intimista, mas acontece de modo cuidadosamente calculado, destinado a estabelecer uma relação entre obra – espaço - visitante/participante/viajante. Longe de pré-estabelecer conceitos fechados e estáticos quanto à forma de denominar aquele que adentra um museu, galeria, ônibus, avião, sala administrativa, busca-se fazer com que o visitante, o observador, às vezes apareça como participante e, em outros casos, como viajante. Conhecedor dos trâmites dos museus, o que há por trás das portas administrativas, das montagens de novas exposições, dos problemas encontrados dentro das próprias estruturas dos espaços museológicos, como os corredores e as salas desconexas que impedem uma maior vivência por parte do visitante; recorre aos próprios recursos e dispositivos do meio profanando-os. Estes, por sua vez, aparecem de diversas formas, como: um olho-mágico, uma maleta que carrega o museu, uma mesa que se aproxima a um autorretrato, mas que 22 também é o ateliê ou, ainda, uma galeria que aluga trabalhos audiovisuais. Cabe destacar que o dispositivo é um conceito que se refere a um termo técnico utilizado pelo teórico Michel Foucault e repensado por Giorgio Agamben (2009). Trata-se de uma rede de forças externas aos seres viventes que possuem a capacidade de “capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões, e os discursos” (AGAMBEN, 2009, p. 40) destes. O teórico sugere que esses seres viventes somente se tornam sujeitos a partir da relação empreendida com os dispositivos. Segundo o teórico: Não somente, portanto as prisões, os manicômios, o Panóptico, as escolas, a confissão, as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc., cuja conexão com o poder é num certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, a filosofia, a agricultura, o cigarro, a navegação, os computadores, os telefones celulares e – por que não – a própria linguagem, que talvez é o mais antigo dos dispositivos, em que há milhares e milhares de anos um primata – provavelmente sem se dar conta das consequências que se seguiriam – teve a inconsciência de se deixar capturar. (AGAMBEN, 2009, p. 40-41) Para o raciocínio de Giorgio Agamben (2009), desdobrado a partir de Michel Foucault, os dispositivos produzem corpos dóceis, corpos disciplinados, porém “livres”, diferente do que encontramos na sociedade contemporânea, “corpos inertes atravessados por gigantescos processos de dessubjetivação que não correspondem a nenhuma subjetivação real” (AGAMBEN, 2009, p. 48). A sociedade está cada vez mais imersa em dispositivos de controle e de disciplina, como câmeras de vigilância, sistemas de identificação biométrica, meios que possuem a capacidade de transformar os espaços públicos, de uso comum, em prisões. Segundo Susana Scramim e Vinícius Nicastro Honeski, na apresentação do livro O que é o contemporâneo? e outros ensaios (2009), falam: 23 [...] quanto menos subjetividades são formadas no corpo a corpo dos indivíduos com os dispositivos tanto mais dispositivos são criados como tentativa inelutável de sujeição dos indivíduos às diretrizes do poder. (AGAMBEN, 2009, p. 13-14) A saída proposta por Giorgio Agamben é a profanação dos dispositivos, ou seja, o retirar do lugar de origem os elementos sociais e museológicos e produzir/possibilitar um novo uso, ou seja, a proposta do teórico é o de utilizar esses “objetos” de uma outra forma disponibilizando aquilo que foi retirado de seu patamar e devolvendo ao uso comum, semelhante processo que Cristian Segura busca em seus trabalhos artísticos. Segundo Giorgio Agamben: A profanação implica, por sua vez, uma neutralização daquilo que profana. Depois de ter sido profanado, o que estava indisponível e separado perde a sua aura e acaba restituído ao uso. Ambas as operações são políticas, mas a primeira tem a ver com o exercício do poder, o que é assegurado remetendo-o a um modelo sagrado; a segunda desativa os dispositivos do poder e devolve ao uso comum os espaços que ele havia confiscado. (AGAMBEN, 2007, p. 68) As obras de Cristian Segura tratam dos pequenos dispositivos do meio museológico, como: a própria arquitetura física da instituição, os meios de divulgação, a relação obraespaço e obra-observador, sobre os sistemas de vigilância dos museus e galerias. Atuando de diversas formas no espaço institucional, profana de modo a “devolver” ao público o que lhe foi retirado. Cabe ao espectador/observador/viajante, profanar tanto através do aluguel de um trabalho audiovisual, ou viajando de ônibus com vídeos de artistas quanto, olhar por uma pequena abertura os trâmites administrativos do museu. E ao artista, juntar o código da chave da casa com a do museu e transpor o espaço museológico para dentro de uma maleta, uma mesa ou um ônibus. 24 No primeiro capítulo da dissertação é abordado o seguinte conjunto de obras: Maleta de ex-diretor de museu (2003), Chave Mestra (2002) e Mesa de trabalho e Reflexão (2009). O dispositivo presente nesse primeiro momento é o índice, conceito proposto por Rosalind Krauss (1996). A teórica utiliza o índice para trabalhar com as obras do artista Marcel Duchamp e, agora, busca-se uma aproximação com os trabalhos de Cristian Segura. Índice são os rastros dos objetos, como uma sombra, uma pegada, o sintoma de alguma doença que permitem identificar/reconhecer o objeto que se encontra ausente. O artista transpõe o lugar do museu para dentro de uma maleta, transforma o espaço de trabalho em seu autorretrato e, num movimento transgressor, uma mesma chave abre a porta de entrada de sua casa e a porta do Museu de Tandil. Nesse conjunto de obras, observa-se que Cristian Segura, ao mesmo tempo mescla-se e delimita seu objeto de estudo. Utiliza a Chave Mestra no último ano em que exerce o cargo de diretor de museu, a Maleta de ex-diretor de museu carrega a lembrança do espaço de trabalho antes das modificações sofridas propostas pelo próprio artista e, Mesa de trabalho e Reflexão, como o próprio título sugere, confunde-se com o argentino. Espaço museológico e Cristian Segura nesse conjunto são um mesmo: ambos carregam índices um do outro. Um confunde-se com o outro no simples gesto profanador de transmutar, retirar do contexto, objetos banais e dar um novo significado. Mais profanador ainda, é colocar os objetos banais de uso comum no lugar sagrado – museu - e, com eles questionar esse mesmo espaço. No segundo capítulo, observa-se que Cristian Segura busca uma maior participação do público e um questionamento quanto ao espaço físico urbano e museológico através de intervenções, como as realizadas na 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba (2011): Vidros quebrados, na Praça Tiradentes e Sununu, Soro, Itaverá, no Jardim Botânico e na Ópera de Arame; Mirador urbano: a (ex) posição do espectador (2006); Fogo no museu (2010); Olho mágico (2010) e Antes de uma exposição (2010). Neste bloco é abordada a forma como o artista modifica alguns espaços, permitindo que o visitante experimente a 25 instituição museológica com outro olhar. Entende-se que Cristian Segura pauta sua discussão e sua pesquisa, num campo mais amplo, no qual questiona o papel do museu de “guardar por toda a eternidade” obras de artistas consagrados dentro de instituições com estruturas físicas normalmente frágeis. Muitas vezes, são constituídos por imóveis antigos transformados em museus e galerias sem qualquer tipo de controle de incêndio ou terremotos, catástrofes em geral. Ou, até mesmo, o despreparo aparece através de pequenos desastres, como: as pragas (insetos, ratos, traças), furtos, a falta de segurança, entre outros problemas estruturais da própria arquitetura, como salas, portas e corredores que impedem uma melhor circulação dos visitantes pela instituição. Nesse bloco há dois tipos de dispositivos que podem ser apontados como sendo: os simulacros, conceito trabalhado por Jean Baudrillard (1997) e o panóptico, de Jeremy Bentham repensado por Michel Foucault (2000). Ambos os conceitos tratam de olhares similares constituídos por uma espécie de olhar interno, de observação. Cristian Segura mostra através de pequenas intervenções site specific a possibilidade de o visitante exercer o papel de vigilante, de controlador dos espaços museológicos. O artista permite que o visitante observe os trâmites por “trás da cortina”, nos bastidores dos museus e galerias. Como um vigilante atento, controla a administração do museu, o funcionamento interno da estrutura, como, também, o processo de montagem de uma exposição momentos antes de sua abertura. Com o simulacro, Cristian Segura apresenta um olhar mais amplo focado na destruição iminente de forma simulada ao observador/pedestre. Suas intervenções não são representações de uma realidade, mas insinuações, ou seja, “ao invés de potencializar o real com a criação de ilusão” (BAUDRILLARD, 1997, p. 7), o artista trabalha com uma hiper-realidade, não procurando uma ilusão tal qual o barroco procurava. Nesse ponto, pode-se aproximar Cristian Segura ao personagem principal do livro A invenção de Morel (2006) de Adolfo Bioy Casares, no qual um fugitivo vivencia uma outra realidade idêntica àquela em que vive, porém criada através de uma câmera filmadora que capta todos os detalhes, cada movimento, cheiro ou gosto. 26 O artista argentino em nenhum momento acrescenta mais e/ou novas imagens, mas cada imagem sua é uma nova possibilidade de perceber esses espaços esquecidos pela cidade, como também, o de questionar os problemas das instituições de arte na medida em que os evidencia como um olho-mágico ao contrário. Cristian Segura não busca a representação de um passado ou futuro sentimental, mas sim, uma “representação” ironizada dos espaços urbanos e museológicos com a modificação, muitas vezes, de sua função. No terceiro capítulo, o conjunto de obras tratadas, aproxima-se de uma diluição completa do espaço físico do museu, onde o artista transporta a instituição de arte para dentro de outros módulos/veículos, como: Uma exposição que se move (2009); Cabine de vídeos (2012), Entre Bienais (2011), Videoarte Club (2007) e Interfaces 10 (2009). Estende agora, a possibilidade de criação de arquivos, ou seja, atuando como curador nessas exposições e, também, exercendo sua figura como artista, Cristian Segura busca a criação de um panorama, um arquivo da arte argentina como o trabalho Analogias e confrontações: outros diálogos na arte argentina (2004). Os dispositivos para Giorgio Agamben (2009) são bem amplos, passando pelas prisões, manicômios, disciplinas até mesmo a caneta, a escrita, o cigarro. Pode-se acrescentar a essa lista os aviões, os ônibus, os livros, os catálogos e a própria figura do curador como sendo dispositivos capazes de capturar e orientar o ser vivente. Partindo disso, Cristian Segura profana esses elementos dentro desse bloco de obras, possibilitando uma nova função e, a essa nova função, mostra a possibilidade de criação de arquivo, de um atlas composto por outros artistas contemporâneos ou modernos. Seus trabalhos de curadoria sugerem a criação de um museu imaginário, como proposto por André Malraux no livro O museu imaginário (2011), no qual com a reprodutibilidade de obras através de gravuras e/ou fotografias, criam-se novos acervos em livros, catálogos e pranchas de reproduções de obras. Nesse bloco, é possível estabelecer uma leitura com o Atlas de Aby Warburg, quanto a criação de um grande panorama da história da arte, onde coloca, lado a lado, imagens de tempos 27 e culturas díspares aproximando-as a partir da sobrevivência de certos elementos. Cristian Segura é um artista dos dispositivos, como: o panóptico, o simulacro, o atlas/arquivo e o índice. Através desses elementos, o artista busca um questionamento quanto ao papel da instituição museológica, do observador, do curador e, também, do artista. Desde suas maquetes iniciais, quando ainda trabalhava no Museu Municipal de Tandil, busca relações entre espaço-obra-visitante. Com isso, sua produção artística questiona tanto o lugar do museu como procura refletir e propor maneiras alternativas de o público se relacionar com as obras e com o espaço urbano. Como um artista-etc, Cristian Segura não se acomoda somente em seu lugar de artista, mas acrescenta diversas funções à sua figura. Transitando sempre por esses espaços familiares: os museus e as galerias. Seu trabalho artístico e curatorial refletem os constantes questionamentos sobre a instituição museológica que, até então, colocada num patamar sagrado, através dos pequenos desastres e simulações provocadas pelo próprio artista, estabelecem um vínculo entre o espaço museológico e o visitante/participante/viajante. 28 29 CAPÍTULO I: O ÍNDICE E A AUTO-BIOGRAFIA A produção artística de Cristian Segura tanto questiona o lugar do museu, olhando-o criticamente, como procura refletir e propor maneiras alternativas de o público se relacionar com as obras e com o espaço urbano. Sua inquietude aproxima-se do que o teórico Ricardo Basbaum (2004) denomina de artistas-etc. Vocábulo criado para sinalizar a atuação múltipla de alguns artistas contemporâneos, como: “artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-professor, artista-químico, etc.” (BASBAUM, 2004, p.21). O artista-etc é aquele que não se acomoda em seu lugar de artista e acrescenta diversas funções à sua figura, tal qual Cristian Segura acrescenta à sua, visto que foi voluntário, coordenador de exposições e diretor do Museu Municipal de Belas Artes de Tandil, Argentina. A partir do momento que decidiu sair da instituição e se focar na função de artista, passou a acrescentar à sua atuação as funções de teórico, gestor cultural e curador. O artista não se acomoda somente em um único campo, pois transita pelos espaços familiares – museus e galerias - em sua formação e que acabam se refletindo em seu trabalho como um todo. Rafael Doctor Roncero, para o catálogo da exposição Cirurgia de Urgência (2011), no Centro Cultural da Espanha, Buenos Aires, menciona sobre a propriedade que Cristian Segura possui ao questionar os museus. O pesquisador nos fala que para compreender o trabalho de qualquer artista, inclusive o de Cristian Segura, “es necesario relacionarlo con su propia vida, con su discurrir y su implicación con los temas que trata y desarrolla en sus obras”, ou ainda: […] estamos ante la obra de un artista que desde los veintitrés años ocupó la dirección de un museo de Bellas Artes y que desde la asunción de ese puesto fue capaz de plantear diversas obras en las que ha podido cuestionar de diferente manera las contradicciones en las que el mundo de la gestión se desarrolla. (RONCERO, 2011,s/p) 30 Cristian Segura conhece todos os detalhes e os trâmites de cada processo que ocorre dentro das instituições museológicas e que dificilmente podem ser trabalhados por alguém que nunca passou por essa experiência. Antes de ser diretor de museu ou um outro trabalhador qualquer dentro de uma instituição museológica já se considerava, primeiramente, um artista 2, no qual nos conta numa entrevista realizada em fevereiro de 2012: Esa experiencia sorteando los asuntos que rodean el trabajo en un museo me motivó a crear un arte propio en donde dar salida a este tipo de temas, que difícilmente podría haber entendido completamente si no los hubiera vivido desde dentro. Es por eso que algunas de mis obras tienen un sentido autobiográfico, recuerdan mi experiencia como director de museo y la influencia que diferentes instituciones han tenido en mi formación, mi carrera y mi vida. (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p. 176) Como o próprio artista coloca na entrevista, seus trabalhos soam como autorretratos ou como indícios de suas funções passadas, principalmente, a de diretor de uma instituição de arte, que podemos reconhecer nas seguintes obras: Valise de ex-diretor de museu (2003), Chave Mestra (2002) e Mesa de trabalho e Reflexão (2009). São obras que marcaram o início da carreira artística de Cristian Segura no qual procuro estabelecer uma relação com esses trabalhos a autorretratos tanto do artista quanto da própria instituição museológica. Sua primeira obra exposta é Valise de ex-diretor de museu (2003), apresentada no Centro Cultural de Estudos Brasileiros em 2006. Este trabalho é confeccionado pelo próprio artista com materiais efêmeros e de descarte da própria instituição, sendo que a maleta é pintada em cinza metálico, dando-nos a impressão de ser feita em um material resistente. Dentro dela há a maquete exata do Museu de Tandil, ou pelo 2 Segundo Cristian Segura, em primeiro lugar, ele se considera um artista e depois, diretor e curador de uma instituição museológica. (AMARANTE & SCHVARTZ, 2012-2013) 31 menos como o museu era antes das modificações sofridas na arquitetura enquanto Cristian Segura era diretor da instituição. Chave Mestra (2002), exposta no Palais de Glace em 2007, o artista combina a chave da porta de sua casa com a da entrada do museu, utilizando-a durante um ano inteiro para abrir as duas portas enquanto ainda exercia seu cargo de administrador. Para apresentá-la, Cristian Segura destruiu sua função, deixando-a inoperante e a apresenta uma única vez dentro de uma caixa, semelhante a um baú de recordação e, ao lado, um relato de seu uso para o observador. Já Mesa de trabalho e Reflexão (2009), exposta pela primeira vez na Fundação Itaú, em Buenos Aires no ano de 2009-2010, é uma homenagem direta a Victor Grippo, artista argentino que influencia o início da carreira de Cristian Segura e ainda, deixa resquícios dessa influência, desde sua forma metódica em pensar e atuar significativamente dentro dos espaços. O artista recorta seu perfil direito num tampo de uma mesa de madeira confeccionada por ele mesmo e a apresenta como se fosse seu autorretrato. Em sua trajetória artística, e principalmente nessas três obras, podemos perceber que Cristian Segura procura trabalhar com aquilo que é mais próximo a ele, os museus e as galerias, assim como suas funções exercidas, como a de diretor e coordenador de exposição. O artista confunde-se com essas obras, deixando rastros dos cargos exercidos e das salas por onde passou, através de pequenos indícios. Rosalind Krauss (1996) utilizou o conceito índice para trabalhar com as obras do artista Marcel Duchamp, que nos anos 20, utilizou materiais industrializados como forma de excluir a gestualidade do artista, com o simples ato de retirar objetos de seus contextos e atribuir novos significados. A partir dessa discussão, busco uma aproximação do conceito de índice e do gesto do artista francês para ler os trabalhos de Cristian Segura. Marcel Duchamp acaba negando, destruindo todo um código simbólico existente sobre os objetos industrializados, esvaziando o código linguístico pré-estabelecido e colocando um caráter indiciário sobre esse objeto retirado de seu lugar “natural”. Um vazio que se torna possível para outras percepções e significações pelo próprio artista e pelo próprio observadorparticipante. Nos trabalhos: Valise de ex-diretor de museu (2003), Chave Mestra (2002) e Mesa de trabalho e Reflexão 32 (2009), percebemos esse esvaziamento que Cristian Segura propõe a alguns objetos de uso comum do cotidiano, como uma maleta, uma chave ou uma mesa e, a partir desse ato, percebemos indícios da biografia do artista assim como da própria instituição em que trabalhou através de pequenos rastros/elementos que nos indicam sua presença. Segundo a professora e pesquisadora Rosângela Miranda Cherem, quanto ao trabalho do artista argentino, coloca-nos da seguinte forma: Operando como uma mensagem sem código ou presença física como mera alusão, os procedimentos duchampianos colocam o índice em contraposição ao símbolo, enquanto atribuem ao artista os gestos de selecionar, isolar e expor. Através deles, o artista torna o signo linguístico esvaziado e preenchido de significações, instalando significados sem sentido e criando descontinuidades com a realidade. (CHEREM & MAKOWIECKY, 2012, p. 23) Os índices propõem novos significados aos elementos retirados de seus contextos, visando uma descontinuidade com a realidade, uma quebra dessa imutabilidade do mundo e das coisas, baseando-se numa relação física com esses objetos e seus novos significados. A partir disso, entendemos que os índices são os rastros dos objetos, assim como uma sombra, uma pegada, um sintoma de alguma doença, a impressão digital, ou seja, elementos que nos indicam a presença e permitem, assim, o reconhecimento do próprio artista – Cristian Segura - ou da própria instituição – Museu Municipal de Belas Artes de Tandil. Segundo Rosalind Krauss: A diferencia de los símbolos, los índices basan su significado en una relación física con sus referentes. Son señales o huellas de una causa particular, y dicha causa es aquello a lo que se refieren, el objeto que significan. Dentro de la categoría de índices entrarían las huellas físicas (como las huellas dactilares), los síntomas médicos, o los propios referentes de los modificadores. Las sombras proyectadas también podrían servir 33 como signos indiciadores (KRAUSS, 1996, p. 212) de objetos… A teórica propõe que através dos sintomas, impressões digitais ou até mesmo através das sombras, pode-se reconhecer um objeto específico que está fisicamente ligado a essa marca deixada, mas podemos ir além dessa relação física e proporcionar ao objeto outros significados a partir da nossa relação com eles. No texto O autor como gesto (2007), Giorgio Agamben propõe a existência do autor através de indícios, no qual podemos estabelecer uma relação com o conceito utilizado por Rosalind Krauss. O teórico parte de um postulado de Michel Foucault, onde este fala que “a marca do autor está unicamente na singularidade de sua ausência” (BECKETT apud AGAMBEN, 2007, p. 55) e o autor é “exatamente como o infame, o autor está presente no texto apenas em um gesto, que possibilita a expressão na mesma medida em que nela se instala um vazio central” (AGAMBEN, 2007, p. 59). Giorgio Agamben propõe ainda que o autor simula, ou melhor, utiliza como dispositivo o jogo entre ele e o leitor como forma de questionar sua presença, ausente no texto, que se coloca como rastro, semelhante aos índices, pois: (...) rejeitar o recurso filosófico a um sujeito constituinte não significa agir como se o sujeito não existisse, e fazer disso uma abstração a favor de uma pura subjetividade; tal rejeição tem, sim, por objetivo fazer aparecer os processos próprios que definem uma experiência na qual o sujeito e o objeto “se formam e se transformam” um em relação ao outro e em função do outro. (FOUCAULT apud AGAMBEN, 2007, p. 57) Essa transformação do objeto a partir da relação com o sujeito, Marcel Duchamp caracteriza como sendo o ato criador. Esse ato não consiste somente na relação entre objeto-sujeito, mas também perpassa pelo criador/autor em transformar a intenção em um objeto físico e/ou em uma ação. Essa intenção de realizar algo e o ato de realmente realizar, transita por diversos sentimentos, desde angústia, sofrimento, dúvidas, satisfações até a plena realização que, muitas vezes, não condiz 34 com sua intenção inicial justamente por esse longo e árduo caminho que o pensamento, o ato criador, transita. “Esta falha que representa a inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção; esta diferença entre o que quis realizar e o que na verdade realizou é o ‘coeficiente artístico’” (BATTCOCK, 1986, p.73). Marcel Duchamp fala, ainda, que o ato criador toma outra forma a partir da relação entre o sujeito/espectador e o objeto, no qual podemos aproximar ao jogo entre o autor e o leitor ou entre o leitor e o objeto proposto por Giorgio Agamben (2009), que permite que tanto um quanto o outro se modifiquem a partir de suas relações. Essa brincadeira de restituição do dispositivo ao uso comum, tal qual o elemento indiciador proposto por Rosalind Krauss, é a profanação: Profanar não significa simplesmente abolir e cancelar as separações, mas aprender a fazer delas um uso novo, a brincar com elas. A sociedade sem classes não é uma sociedade que aboliu e perdeu toda a memória das diferenças de classe, mas uma sociedade que soube desativar seus dispositivos, a fim de tornar possível um novo uso, para transformá-las em meios puros. (AGAMBEN, 2007, p. 75) Cristian Segura ao mesmo tempo em que se coloca como autor de suas obras, procura um distanciamento através de cálculos minuciosos e na escolha dos materiais industriais de modo que não levem ou não deixem transparecer seu traço/seu gesto em seus trabalhos. Mesmo assim podemos ver seus indícios no qual aproximamos com os elementos físicos de suas obras. São obras que anteriormente foram objetos de uso comum pelas pessoas e destituídos de seus códigos simbólicos. A profanação desses dispositivos vem como forma a devolver para a sociedade esses objetos, porém com uma nova significação. Segundo Giorgio Agamben: As crianças, que brincam com qualquer bugiganga que lhes caia nas mãos, transformam em brinquedo também o que pertence à esfera da economia, da guerra, 35 do direito e das outras atividades que estamos acostumados a considerar sérias. (AGAMBEN, 2007, p. 67) Essa brincadeira proposta pelo teórico é “uma nova dimensão do uso que crianças e filósofos conferem à humanidade” (AGAMBEN, 2007, p. 67) e que funciona como um intermediário entre o objeto e o sujeito. Esses jogos funcionam como dispositivos profanados, a partir da retirada do objeto de um espaço específico e imbuindo um novo caráter a ele a partir de sua relação com o sujeito. Essa relação, então, entre sujeito e objeto que encontramos em Cristian Segura, nos trabalhos Chave Mestra (2002), Valise de ex-diretor de museu (2003) e Mesa de trabalho e Reflexão (2009), permite que coloquemos o artista como sendo o artista dos dispositivos profanados. Retirando da relação do dia-a-dia objetos comuns e os profanando, assim como um “gato que brinca com um novelo como se fosse um rato” (AGAMBEN, 2007, p. 74), ou carregando o museu dentro de uma maleta de negócios ou, ainda, pendurando na parede a fotografia de uma mesa como se fosse seu retrato, Cristian Segura propõe a esses dispositivos desativados “um novo e possível uso” (AGAMBEN, 2007, p. 74). É nesse jogo de profanação dos espaços institucionais do cotidiano que Cristian Segura “brinca”. 1. O PORTÁTIL E O ESPAÇO EXPOSITIVO Em novembro de 2002, Cristian Segura deixou de ocupar o cargo administrativo de diretor do Museu Municipal de Belas Artes de Tandil, para se dedicar a carreira de artista, curador e gestor cultural. Com referência a esse fato, um de seus projetos é uma maleta que continha uma réplica exata da planta do Museu Municipal de Belas de Tandil, em que trabalhou durante anos em sua cidade natal. Exposta na Fundação Centro Cultural de Estudos Brasileiros, Buenos Aires em 2006, marca o início de sua carreira artística. A obra Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1) foi idealizada e confeccionada em 2003, um ano depois de ter deixado o cargo administrativo no Museu de Tandil. No ano de 2006, além de participar de sua primeira exposição com essa obra, é premiado pelo Espaço Imago da Fundação OSDE, 36 Buenos Aires, na qual a Maleta passa a fazer parte do acervo desde então. Em 2010, a obra é emprestada para o Museu de Arte das Américas, Washington DC, para participar da exposição coletiva Argentina em Foco: visualizando o conceito Cristian Segura/Sergio Vega, de cujo foco crítico aborda questões referentes às instituições museológicas e sobre a arte latinoamericana. Imagem 1: Cristian Segura, Maleta de ex-diretor de museu, objeto, 2003. Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. A Maleta (Imagem 1) é confeccionada em papelão e recebe a pintura cinza metálico tanto por fora quanto por dentro, assim como uma alça de sustentação. Em seu interior está montada a maquete da planta baixa do Museu de Tandil, de forma a ironizar “sobre la falta de continuidad en las políticas culturales trazadas en dicha institución” (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p. 178). Ela é similar às maletas de executivos ou funcionários públicos, porém, enquanto estas são feitas em materiais resistentes para poderem ser carregadas de um lado para o outro sem perdas, a de Cristian Segura é feita de um material frágil e efêmero. Em uma entrevista concedida em 37 2013, o artista relata que as maquetes sempre estiveram presentes em seu modus operandi, desde a época em que era diretor de museu: En cuanto a la elaboración de una maqueta, se relaciona con que la construcción de modelos a escala estuvo presente desde el comienzo en mi labor en el museo. Surgían a la hora de buscar flexibilizar los límites entre la curaduría, la museografía y el hacer de los artistas, para optimizar la experiencia del público en las exposiciones. 3 A partir da reprodução em pequena escala do museu ou de alguma sala expositiva, Cristian Segura consegue visualizar o espaço que a exposição toma e as possíveis dinâmicas que o visitante pode realizar com as obras e com a própria instituição. Durante o processo de estudar as exposições através da utilização de uma miniatura das salas do Museu de Tandil, consegue realizar pequenas modificações na estrutura do próprio espaço, “que le proporcionaron a los espacios del museo una mayor amplitud y una lógica de circulación que hasta entonces no tenía” 4. Segundo o artista: Es por eso que, el interior de la valijita reproduce el museo de salas pequeñas y recorrido confuso que tenía inicialmente, así, al confrontarla con el museo real, se hace visible la transformación que experimentó el edificio durante los años que trabajé en él. 5 Cristian Segura questiona, ainda, sobre a falta de continuidade no trabalho administrativo das instituições de arte, como dos programas de exposições, das ações educativas, oficinas, etc., que com a troca de funcionários, muitas vezes, são descontinuados. Preocupa-se também em levar trabalhos artísticos, tanto de artistas conhecidos como de novos do cenário 3 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 136 (outubro/2012). 4 Idem. 5 Idem. 38 argentino, para localidades distantes dos centros culturais de forma a diluir os espaços que se concentram em um único ponto e buscando ocupar outros não tradicionais, assim, a Maleta de ex-diretor de museu é a figuração dos espaços portáteis. Se uma maleta serve para levar consigo os pertences mais importantes numa viagem ou qualquer outro tipo de deslocamento, Cristian Segura leva o espaço museológico, pertence indispensável em seu cotidiano. O “museu” dentro da maleta não funciona como um objeto palpável, mas sim, como uma ideia do que representa, como um índice, um rastro de todas as experiências e conhecimentos acerca do funcionamento das instituições museológicas que o artista não pode simplesmente descartar. Lembrando que para Rosalind Krauss (1996, p. 212), “el modificador”, o índice, “es un tipo de signo lingüístico que participa del símbolo al mismo tiempo que comparte los rasgos de otra cosa”. O artista profana o espaço do museu através de pequenos subterfúgios, ou seja, através de pequenos deslocamentos que acabam criando um jogo no qual o observador poderá ou não entrar, pois: A profanação implica, por sua vez, uma neutralização daquilo que profana. Depois de ter sido profanado, o que estava indisponível e separado perde a sua aura e acaba restituído ao uso. Ambas as operações são políticas, mas a primeira tem a ver com o exercício do poder, o que é assegurado remetendo-o a um modelo sagrado; a segunda desativa os dispositivos do poder e devolve ao uso comum os espaços que ele havia confiscado. (AGAMBEN, 2007, p. 68) O artista argentino fala sobre os espaços museológicos utilizando elementos do próprio lugar, mesmo que atribuindo utilizações e funções diferentes daquelas estabelecidas pelas regras sociais tal qual um jogo/brincadeira de criança. Transforma/transgride, sem colocar um caráter de militância, os dispositivos da sociedade contemporânea como forma de intermediar a relação entre o sujeito e o objeto, pois “todo dispositivo implica um processo de subjetivação” (AGAMBEN, 2009, p. 46), no qual as maquetes, criadas a partir de materiais de descarte como uma cópia exata das salas expositivas do 39 Museu de Tandil, eram usadas para estabelecer possíveis relações entre o visitante e a obra/exposição. Victor Grippo também é um profanador dos dispositivos do seu tempo. O artista, conterrâneo de Cristian Segura, buscou novas relações, novos códigos para elementos de uso comum da sociedade. Retirando dos espaços de origem: maletas, mesas, batatas, rosas, etc., tornando esses objetos simbolicamente vazios. O artista possibilitou um novo sentido para esses objetos fora do contexto, permitiu ao observador novas leituras, assim como observamos na Maleta de Cristian Segura que carrega simbolicamente um museu, que não existe mais naquela configuração, sendo, portanto, apenas um rastro, um indício do que foi. Victor Grippo iniciou sua carreira no Museu de Belas Artes de Tandil e é considerado uma referência na Arte Conceitual da América Latina. Procurou valorizar “la densidad de significados y complejidad emotiva de sus obras, en pugna con la severidad del arte conceptual de otras latitudes” (USUBIAGA, 2004, s/p). Observa-se que a maior parte de sua obra “señala las semejanzas entre el desarrollo de ciertos hechos naturales, la experimentación científica y la poesía del discurso artístico” (SEGURA, 2002, p. 50), influência de sua formação em Química cursada na Universidade Nacional de La Plata, Buenos Aires. Enquanto ainda era diretor do Museu de Tandil, Cristian Segura compilou uma coletânea de textos, como um livro homenagem, intitulado Victor Grippo: reunião homenagem (2002). Composto por textos de diversos autores, contando com entrevistas com o próprio artista, a reprodução de algumas obras, além de textos de jornais e de catálogos, procurou recuperar o início da carreira de Victor Grippo através de textos críticos, desde sua primeira exposição no Museu de Tandil até o momento em que já possuía uma obra madura e reconhecimento no cenário artístico internacional. Desde 1972, Victor Grippo produziu várias maletas/valises/caixas que contam com diversos materiais como pão, batatas, utensílios de pedreiro e rosas secas. Esses objetos influenciam a obra de Cristian Segura, sendo a Maleta de exdiretor de museu uma homenagem a essas obras de seu conterrâneo, tendo, como principal referência a obra Maleta de Padeiro: farinha + água + calor (excessivo) (Imagem 2). 40 Imagem 2: Victor Grippo, Maleta de Padeiro: farinha+água+calor (excessivo), materiais diversos, 1977. Fonte: Disponível em: <http://www.buenosaires.gob.ar/areas/cultura/arteargentino/01sigloxx/01 gr_11_grippo.php> Acesso em: 15 de fevereiro de 2013. Victor Grippo mesmo tendo feito parte do Grupo dos Treze, importante grupo de artistas conceituais, continuou a pensar sobre a matéria e na sua capacidade de transformação. É, em sua essência, um artista alquimista e “los elementos presentados son un ‘ser allí’, una presencia imperiosamente reclamada por el sentido total de sus estructuras” (SEGURA, 2002, p. 66). Era uma época em que a manualidade dos artistas estava sendo colocada de lado e o conceito e materiais industrializados ganhavam espaço e força dentro do cenário artístico. Porém, Victor Grippo continuava a investigar e a pensar sobre a matéria e na sua possível transformação. Num movimento que nos lembra a de Marcel Duchamp, a partir do momento que carrega para dentro das instituições museológicas elementos pouco usuais e, permito-me a aproximação, como a 41 de um artista “alquimista”, esse movimento/essa transformação possibilita um novo significado, ou seja, um novo código linguístico/uma nova relação entre sujeito-objeto. Marcel Duchamp possui uma tradição densa em pintura, participou de diversos movimentos artísticos ligados a essa linguagem plástica, porém, mais tarde, desvinculou-se e passou a trabalhar com uma arte mais conceitual, voltada para o campo das ideias. A crítica de arte Laura Feinsilber, para o Diário Âmbito Financeiro, fala sobre a obra de Cristian Segura e a influência de Marcel Duchamp da seguinte forma: “Caja en valija” obra realizada entre 1938 y 1942, fue el disparador para que Cristian Segura (1976) concretara la idea de museos portátiles, trabajo que aborda la construcción de la maquinaria en torno a un bien simbólico, específicamente el museo, a través de vídeo-instalaciones, esculturas, arte sonoro. Mostró, entre otras, “Valijita de ex director”, obra autobiográfica e irónica acerca de su experiencia como ex Director del Museo de Arte de Tandil (...). (FEINSILBER, 2009, s/p) Nicolas Bourriaud (2009, p. 22) fala que Marcel Duchamp acredita que “criar é inserir um objeto num novo enredo, considerá-lo como um personagem numa narrativa”, e para a teórica Rosalind Krauss (2007, p. 91), uma das repostas dadas pelos ready-mades é “a de que um trabalho de arte pode não ser um objeto físico, mas sim uma questão”, a partir disso, a teórica sugere que criação artística deveria ser reconsiderada como “assumindo uma forma perfeitamente legítima no ato especulativo de formular questões” (KRAUSS, 2007, p. 91). Assim como o artista estabeleceu uma conexão muito próxima com o conceito de índice, Cristian Segura, na medida em que introduz no espaço expositivo o próprio museu em que trabalhou de forma a questioná-lo numa configuração de um objeto industrial, uma maleta, também retira do mundo um objeto comum, transforma e devolve para esse mesmo mundo outro completamente diferente. Segundo Rosalind Krauss: 42 El movimiento deja de funcionar simbólicamente, y asume el carácter de un índice. Al hablar de índice me refiero a ese tipo de signo que se presenta como manifestación física de una causa, ejemplos del cual son las huellas, las improntas y los indicios. (KRAUSS, 1996, p. 226) Marcel Duchamp acreditava que o trabalho artístico não deveria trazer e muito menos ser lido somente a partir de seus traços psicológicos, como se acreditava com a arte moderna e com os movimentos anteriores a ela. O artista, agora, industrializa e serializa, como uma máquina, as obras artísticas através do uso dos ready-mades, dos múltiplos e do uso de materiais não convencionais. Ele acabou com a aura em torno da obra de arte com o simples gesto de trazer esses objetos ordinários e funcionais para o domínio artístico, transformando o múltiplo e/ou a reprodução do original em um trabalho único. Cristian Segura utilizou materiais de descarte do próprio espaço museológico como forma de se pensar a própria instituição e a curadoria. Se Marcel Duchamp acaba com a aura em torno dos objetos artísticos, o artista argentino põe fim à aura em torno da própria instituição museológica. Ele busca uma aproximação com o público, um pensar junto sobre as diversas possibilidades de leituras que esse visitante poderá ter ao mesmo tempo em que se coloca no papel de artista e do próprio observador. De acordo com Selvino Assmann na introdução do livro Profanações do teórico Giorgio Agamben: [...] a profanação não permite que o uso antigo possa ser recuperado na íntegra, como se pudéssemos apagar impunemente o tempo durante o qual o objeto esteve retirado do seu uso comum. O que se pode fazer é apenas um novo uso. (AGAMBEN, 2007, p.10) As maletas/valises/caixas, como Boîte-en-valise (de ou par Marcel Duchamp ou Rrose Slavy) (Imagem 3), de Marcel Duchamp são consideradas como museus pessoais portáteis, no qual as reproduções de suas obras funcionam igualmente como um objeto artístico, uma obra original. Além de introduzir na arte 43 o uso de materiais prontos/industrializados, os ready-mades, e colocá-los num patamar elevado, Marcel Duchamp eleva também a reprodução e o múltiplo. Imagem 3: Marcel Duchamp, Boîte-en-valise (de ou par Marcel Duchamp ou Rrose Slavy), valise de couro contendo as réplicas em miniatura de diversas obras do artista, 1935-41. ©1999 The Museum of Modern Art, New York. Fonte: Disponível em: <http://www.moma.org/interactives/exhibitions/1999/muse/artist_pages/d uchamp_boite.html> Acesso em: 15 de fevereiro de 2013. O artista francês trabalhou com a possibilidade de transitar pelos espaços, de o público ter a oportunidade de possuir suas obras em suas próprias casas e ter um fácil acesso sobre seu vasto repertório. O visitante pode acessar as obras de Marcel Duchamp num “abrir de malas”, mesmo que em tamanho reduzido e planificadas, mas ao mesmo tempo, possuir outra obra completamente diferente. Não se propôs a criar um catálogo ou um arquivo de suas obras, não somente, mas também se propôs a criar seu próprio museu, sua própria curadoria dentro de uma maleta com o desdobramento de seus trabalhos/pensamento artístico. 44 As maletas eram produzidas manualmente e continham reproduções em miniatura de pinturas que eram coloridas pelo próprio Marcel Duchamp, além de reproduções dos ready-mades e a presença das notas originais sobre a obra Grande Vidro. Em contraposição, o artista argentino Cristian Segura não nos apresenta nenhuma exposição ou coleção portátil em sua Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1) e muito menos não a reproduz em larga escala, mas reproduz o próprio museu, espaço do qual faz parte de sua trajetória. Segundo Justo Pastor Mellado: Lo que define a un funcionario, suponemos, es el porte de un maletín. En este caso, el porte del maletín hace la función, ya que resulta evidente que ésta se debe reflejar en la forma. El ex-director-curador-artista traslada una maqueta imaginaria de la planta que acogerá su disposición de obras. Ya sabemos que un museo es un dispositivo que sirve para organizar los imaginarios de la autorepresentación que una comunidad local puede hacerse del arte. Al producir la pieza del maletín, Cristian Segura puede viajar a Santiago o a cualquier parte, llevando consigo un diagrama de conocimiento, que es una propuesta de entrada al arte argentino que uno lleva consigo a todas partes, como si fuese una enciclopedia portátil. (MELLADO, s/d, s/p) Cristian Segura nos apresenta um museu dentro de uma maleta no qual procura questionar esse espaço em que trabalhou e conviveu por muito tempo, tornando-se íntimo e confundindo-se com ele através de rastros deixados em seu trabalho, como o nome já sugere que a maleta se refere a um ex-diretor de museu, dispositivo que o artista profana tal qual o museu. Para o teórico Giorgio Agamben (2007, p. 73), o museu não se refere somente a um espaço físico, mas é “a dimensão separada para a qual se transfere o que há um tempo era percebido como verdadeiro e decisivo”. O museu é o lugar destinado para se consagrar os objetos artísticos e cabe ao artista e ao público a profanação, o trazer de volta esses objetos 45 para o uso comum, que muitas vezes se refere a um novo código simbólico, ou melhor, aquele objeto esvaziado e sem rastro, posto num altar, é profanado através da possibilidade de um novo uso. 2. A CHAVE E O ELEMENTO MODIFICADOR Com a ajuda de um serralheiro experiente e de Jorge Di Paola, amigo de Victor Grippo, Cristian Segura idealiza e confecciona, em 2002, uma chave contendo, de forma combinada, o segredo da porta de sua casa e da porta do Museu Municipal de Belas Artes de Tandil, que durante esse período foi utilizada para abrir ambos os espaços. A Chave Mestra (Imagem 4) está disposta dentro de uma caixa, como um baú de recordação que guarda a memória do tempo em que seu trajeto diário era abrir as portas da instituição e voltar para o aconchego de seu lar. Imagem 4: Cristian Segura, Chave Mestra, objeto, 2002. Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. 46 O artista argentino a apresenta uma única vez no Palais de Glace, Buenos Aires em 2007, cinco anos depois de não exercer mais a função de diretor. Segundo o artista: […] después de hacer varios intentos infructuosos, un amigo, Jorge Di Paola, me habló de un cerrajero anciano, ya retirado del oficio, astuto en la confección de ganzúas. Fue así que logré dar con él y hacer la llave que usé para abrir tanto la puerta de mi casa como la del museo, durante el tiempo que fui director. 6 Foi com a ajuda de um serralheiro que Cristian Segura consegue unir a chave da porta de entrada de sua casa com a do museu e, durante todo um ano, utiliza-a para abrir ambas as portas. Ao expô-la no Palais de Glace, em Buenos Aires, o artista acrescentou uma legenda relatando a história da chave. Segundo Rosalind Krauss, sobre a obra Grande Vidro de Marcel Duchamp, e que poderíamos aproximar sua fala com a Chave de Cristian Segura, fala-nos da seguinte forma sobre as notas, relatos ou legendas que acompanham algumas imagens das obras do artista francês como se fossem referências: Las notas para el Gran vidrio constituyen un comentario al margen amplificado; como los pies de foto de los periódicos, que son absolutamente necesarios para su comprensión, la propia existencia de las notas de Duchamp – su conservación y publicación – atestigua la alteración de la relación entre signo y significado en su obra. (KRAUSS, 1996, p. 217) Lembrando que o índice, para Rosalind Krauss, é o elemento que carece de significados e de relações, tendo a sua essência baseada unicamente no físico do objeto que acaba, por sua vez, carregando pequenos indícios de um todo maior, do que um dia ele foi tal qual o relato do artista Cristian Segura nos traz 6 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 138 (outubro/2012). 47 sobre a chave e a partir dele podemos entrar na brincadeira. O relato nos permite saber que poucos dias antes de deixar de ser diretor do Museu de Tandil, o artista trocou a fechadura das portas de ambos os espaços de seu trânsito de modo a “anular la utilidad de la llave y convertirla en una obra de arte’” 7. A partir disso, entendemos que Cristian Segura é o artista dos dispositivos profanados, dos objetos retirados da sociedade e com usos específicos e sua posterior devolução profanada ou na sua “transformação da matéria inerte numa obra de arte” (BATTCOCK, 1986, p. 74). O que para Giorgio Agamben: [...] significa que a estratégia que devemos adotar no nosso corpo a corpo com os dispositivos não pode ser simples, já que se trata de liberar o que foi capturado e separado por meio dos dispositivos e restituílos a um possível uso comum. (AGAMBEN, 2009, p. 44) Restituir ao uso comum, tal qual Cristian Segura faz com a Chave Mestra (Imagem 4) ou de quando carrega o museu dentro de uma maleta (Imagem 1). Na medida em que brinca com esses objetos de uso comum da sociedade, o artista cria novas maneiras/novos usos para os objetos do cotidiano, propondo um jogo ao observador que, por sua vez, poderá ou não participar, pois cabe ao público estabelecer essa relação/contato entre a obra de arte e o mundo exterior (BATTCOCK, 1986). Permito-me escrever que Cristian Segura não é um artista que exige uma participação ativa do espectador – ele não nos dá uma cópia da chave e nem nos permite carregar a maleta -, mas propõe uma participação subjetiva e sutil, onde o observador possa experienciar essas obras com outros sentidos e memórias. Através de seu relato imagino como teria sido essa “brincadeira” que durou um ano inteiro com a junção de duas chaves/dois segredos de fechadura para sua posterior desativação. Em contraponto, o artista americano Paul Ramírez Jonas, participante da 28ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 7 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 138 (outubro/2012). 48 2008, com a obra Talisman (Imagem 5), propõe disponibilizar a cópia da chave do Pavilhão da Bienal em troca das chaves das casas dos visitantes. Cristian Segura não disponibiliza o uso de sua chave, mas busca estabelecer uma relação entre observador-visitante com o espaço museológico e a obra através de um simples jogo de trocas ou de junção, pois é profanando esse objeto – a chave - intocável que o artista propõe uma nova experiência ao espectador, mesmo que seja através de seu relato. Imagem 5: Paul Ramírez Jonas, Talisman, instalação, 2008. Fonte: Disponível em: <http://www.paulramirezjonas.com/selected/new_index.php#18&29_200 8&sub186&07_Talisman> Acesso em: 24 de fevereiro de 2013. Paul Ramírez Jonas instalou no hall de entrada do Pavilhão da Bienal de São Paulo uma réplica de uma loja/oficina de chaveiros. Sua proposta era a de que os visitantes ganhassem gratuitamente a chave da porta de entrada do Pavilhão e, em troca, permitiam que o artista ficasse com uma cópia da chave da casa dos visitantes. Ele estabeleceu regras de acesso, no qual deixava claro que somente era permitida a entrada no prédio, durante o período em que a Bienal estivesse fechada ao público, assim como diversas outras restrições e responsabilidades caso o visitante decidisse ingressar, como: apresentar um documento de identidade, as regras de acesso 49 devidamente assinadas, não era permitido entrar com bolsas ou mochilas, entre outras restrições (JONAS, 2008) 8. O visitante teria acesso somente ao andar térreo do pavilhão, não podendo fumar, ocupar, dormir, danificar as obras ou a estrutura do edifício, assim como menores de 18 anos deveriam estar acompanhados e, os acompanhantes, deveriam cumprir as regras igualmente, pois, como o artista coloca nas Regras de Acesso, parte de sua obra, “a chave é somente um exercício, ela nos lembra de liberdades maiores, mas não pode dá-las por inteiro” (JONAS, 2008, p. 1). Estabelecia-se com isso uma relação de confiança. Confiança esta que Cristian Segura estabelece entre seu local de trabalho com sua casa, que temos a oportunidade de conhecer através do relato de sua atitude no espaço expositivo junto com sua “prova de crime” danificada. Paul Ramírez Jonas, assim como um artista-etc, trabalha com objetos, intervenções urbanas, vídeos, performances, etc.. Antes seus trabalhos focavam-se em suas angústias e necessidades, onde ele era o leitor, o descobridor e o pesquisador. Entretanto, a partir do momento que começou a utilizar as chaves em seus trabalhos, questionando os espaços públicos e os privados, sua obra artística voltou-se ao papel do observador/visitante. Seu interesse é transformar o público em leitores, assim como ele, tornando-os exploradores ativos dentro de uma exposição. Numa entrevista realizada por Santiago García Navarro para o catálogo da 28ª Bienal Internacional de São Paulo percebemos bem sua influência e o que entende como sendo o papel do escritor e do leitor em suas proposições: Recognizing my debt to Jorge Luis Borges, I find reading more creative than writing, the reader more creative than the author. Most of my works starts with a preexisting text. I use this text as a musical score for an action, an object or any kind of work. I consider the word “text” as widely as possible. So, it can be a path, such as a piece of music, the design of a technological object, a newspaper, a play, a map, in short, any 8 Recorte retirado de parte do trabalho Talisman que possui Regras de Acesso, no qual o artista coloca regras definidas para que o visitante saiba como deverá utilizar a chave, tal qual um termo de compromisso. 50 cultural trace that can be followed or interpreted, similarly to how a musician uses his / her score. What interests me is the tension between the originality of an author and the originality of an interpreter. I am interested in the text that can’t be art without the participation of the reader. (COHEN & MESQUITA, 2008, p. 238) 9 O artista americano trata seus trabalhos artísticos como se fossem textos de cujas relações e interpretações seriam impossíveis caso não fossem lidos pelo visitante, portanto, seu trabalho não existiria sem o público. Lembrando que Marcel Duchamp no texto O ato criador fala que entre a intenção e a realização existe uma distância pautada em sofrimentos, dúvidas, satisfações entre outros sentimentos de angústias ou de felicidade. Isto é o que caracteriza o coeficiente artístico e, esse coeficiente, modifica-se justamente através da participação do espectador que dará outra dimensão para a obra, além daquela proposta pelo artista. Diferentemente do artista americano, Cristian Segura é o próprio jogador e criador de sua chave. Não permite que o público estabeleça uma relação direta com o objeto, uma experiência mais pautada na realidade, assim como sua Maleta não pode ser carregada/utilizada pelo visitante. A Chave funciona como índice através do texto escrito pelo próprio artista, no qual a partir dessa “legenda”, mostra-nos as peculiaridades desse pequeno objeto dentro de uma caixa, caso contrário, seria apenas uma chave como qualquer outra. O artista argentino não 9 Reconhecendo minha dívida com Jorge Luis Borges, acho que a leitura é mais criativa do que a escrita, o leitor é mais criativo do que o autor. A maioria dos meus trabalhos começa com um texto préexistente. Eu uso este texto como uma partitura musical para uma ação, um objeto ou qualquer tipo de trabalho. Considero a palavra "texto" o mais amplamente possível. Assim, pode ser um caminho, como uma peça de música, o desenho de um objeto tecnológico, um jornal, um jogo, um mapa, em suma, qualquer traço cultural que pode ser seguido ou interpretado, de forma semelhante como um músico usa seu/sua pontuação. O que me interessa é a tensão entre a originalidade de um autor e a originalidade de um intérprete. Estou interessado no texto que não pode ser arte, sem a participação do leitor. (Tradução minha) 51 ignora a dimensão que o observador poderá adicionar a sua obra, pois como ele trabalha numa dimensão mental, é este mesmo plano que exige do observador na obra. Giorgio Agamben fala que “consagrar (sacrare) era o termo que designava a saída das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, significava restituí-las ao livre uso dos homens” (AGAMBEN, 2007, p. 65). O sentido da palavra profanação que o teórico utiliza está no âmbito religioso, pois nesse meio, os objetos do mundo terreno são subtraídos para o mundo divino como uma oferenda. A profanação ocorre através do sacrifício, sendo que o que foi consagrado/oferecido acaba restituído ao domínio dos homens. Cristian Segura e Paul Ramírez Jonas não trabalham no âmbito religioso quanto à Igreja ou à fé ou ao sacrifício. O artista argentino, porém, volta sua atenção a outro lugar sagrado instituído ao longo da história na sociedade: os museus. Espaço “santificado” destinado a colocar em pedestais esculturas e a pendurar nas paredes quadros que acabam adquirindo novos sentidos: A palavra alemã museal [próprio de museu] traz à mente lembranças desagradáveis. Ela descreve objetos com os quais o observador já não mantém um relacionamento vital e que se encontram no processo de morte; devem sua preservação mais ao respeito histórico que às necessidades do presente. Há mais do que uma ligação fonética entre museu e mausoléu. Os museus são os jazigos de família das obras de arte. (ADORNO apud CRIMP, 2005, p. 41) Cristian Segura entende que os museus não são mais lugares sagrados, intocáveis pela sociedade, mas assim como os espaços públicos, continuam sofrendo pela falta de vivência, ou seja, são contemplados e esquecidos 10. O artista nos sugere um outro processo, ou melhor, evidencia um processo que há muito 10 Lembro-me que Paul Ramírez Jonas fala que seu interesse é tornar o visitante em leitor e escritor, ou seja, participativo em sua obra. Enquanto estabeleço relações com a obra e o espaço eles existem para mim, crio uma relação com eles. Se simplesmente passo, sem observar, sem ler, esqueço. 52 outros artistas propuseram a esses espaços, a sua relação com o visitante/participante de forma efetiva e significativa. O objeto – a chave - é um dispositivo que acionará/desencadeará outros significados a partir de sua profanação ou de sua retirada de seu lugar sagrado. Enquanto jogo, utilizo e, se uso, profano, assim como Cristian Segura que destrói e remonta, questiona e profana o espaço do museu de modo a ser vivenciado não como um templo sagrado, mas como um espaço vivo e dinâmico. 3. A MESA E O AUTORRETRATO Cristian Segura, em 2009, realizou a obra Mesa de trabalho e Reflexão (Imagem 6), tanto em sua versão em madeira, tridimensional, quanto na versão fotográfica. O artista argentino fabrica a mesa em todos os pormenores, desde a montagem da mesma até os recortes na borda com o desenho de seu perfil direito, bem como a fotografia. Em 2009, ele apresenta a obra em madeira – o objeto físico mesa - na Feira arteBA, em Buenos Aires e, posteriormente a fotografia durante o Prêmio de Artes Visuais da Fundação Itaú 2009-2010, também em Buenos Aires. Em 2010, o artista apresenta, juntamente com outras obras, no Museu de Artes das Américas, em Washington DC. Imagem 6: Cristian Segura, Mesa de trabalho e Reflexão, fotografia, 2009. 53 Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. Se olharmos com mais acuidade essa obra, percebemos o recorte do perfil direito do artista que se inscreve na clave dos autorretratos. Refere-se a uma representação fotográfica de um retrato ausente, um índice, como uma natureza-morta 11, pois é a representação, também, de um objeto inanimado. Lembrando que Rosalind Krauss (1996, p. 216) fala que “una fotografía es el resultado de una impresión física sobre una superficie fotosensible. Es por tanto un tipo de icono, o registro visual que actúa como índice de su objeto”. A teórica trabalha com a fotografia como sendo uma imagem sem código, no qual o que é gravado sobre o papel emulsionado é da ordem do natural, do 11 A expressão natureza-morta nasceu para denominar um tipo muito específico de pintura com pouco valor comercial e não apreciada pelos compradores (SCHNEIDER, 2009) sendo, por isso, colocada em último patamar de importância nos gêneros de pintura. Elas representam os objetos simples do cotidiano como jarras de flores, frutos, comida, livros, etc., de um modo geral, “coisas que davam a impressão de terem sido abandonadas ao acaso” (SCHNEIDER, 2009, p. 7). 54 mundo real, por isso ela aproxima a fotografia ao índice, que como já foi trabalhado, é o elemento que está ligado ao objeto físico, por isso carrega rastros e sombras possíveis de reconhecimento e releitura. O título da obra, Mesa de trabalho e Reflexão, aponta para um caráter ambíguo de ao mesmo tempo em que reflete o perfil do artista, igualmente se refere ao pensamento, ao lugar de conhecimento ou construção de ideias. Antes de todo e qualquer trabalho, Cristian Segura desenha, escreve, projeta em cima desse espaço antes de partir para a obra final, sendo, portanto, a mesa seu primeiro lugar de criação. O artista, em uma entrevista realizada em 2011, fala sobre esse trabalho da seguinte forma: En mi caso he seleccionado la mesa de trabajo donde elaboro la mayor parte de mis obras y proyectos. Y he elegido un marco antiguo muy elaborado con diseños en relieve para enmarcar la imagen. De este modo conecto mi obra actual con retratos que revelan su importancia a través de la riqueza de los marcos que lo adornan. La curadora Alma Ruiz considera que “el contraste entre la simple mesa de madera y el elegante marco subraya dos aspectos en la carrera de un artista: el trabajo arduo y diario que conlleva la creación artística y la fama real o imaginaria que lo acompaña”. (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p. 179) Observamos o caráter indiciário de Cristian Segura e do lugar onde trabalhou na obra, funcionando como um retrato, cuja função ao longo da história da arte era: identificar a pessoa através de seus atributos pessoais e/ou profissionais. O artista realiza um jogo duplo no qual nos apresenta a mesa em que trabalha e, ao mesmo tempo, reflete seu rosto como uma fusão dos corpos na hora do trabalho - não consigo me separar da mesa no momento de concentração, eu e ela somos um único corpo - assim o trabalho de Cristian Segura também é seu reflexo. Observo nessa obra como nas anteriores, um caráter singular do artista de trazer o banal, elementos comuns de seu 55 cotidiano, como uma maleta, uma chave e o próprio espaço do museu e transformar/profanar seus usos de modo a não serem mais objetos comuns, mas obras de arte. Cristian Segura elenca a mesa para ser seu autorretrato, lugar de oferendas e sacrifícios, de comunhão, das rotinas domésticas e do pensamento. Segundo Rosângela Cherem: Seu rosto recortado como uma silhueta de perfil sugere uma aproximação entre a vida e a arte, como também um movimento incessante entre criação e alimentação, bem como contempla o ritual cotidiano de convívio e o excepcional de sacrifício. Nesta espécie portátil de ateliê, o corpo e pensamento, o processo de trabalho e as soluções poéticas encontram-se num mesmo campo horizontal, conectável e movente, onde acontecem distintas possibilidades e decisões, tentativas e descobertas. (CHEREM & MAKOWIECKY, 2012, p. 22) A mesa reflete seu campo de trabalho, não somente o museu, mas o lugar onde se realiza seu processo artístico, tal qual um ateliê que se confunde com um objeto banal que podemos derrubar comida e bebida. Com o gesto do artista se transforma no lugar onde colocamos nossas ideias e projetos. É nesse movimento, nesse “ato criador” que o artista argentino transmuta a mesa em obra de arte. A fotografia também age como um índice do objeto retratado, pois devemos lembrar que o índice é o rastro, uma marca que indicaria a presença de algo. E é isso que a fotografia nos faz: indicar a presença de um objeto, de uma ação ou de um tempo. Segundo Rosalind Krauss: Lo que se graba sobre la emulsión fotográfica y posteriormente sobre la copia en papel es el orden del mundo natural. Esta cualidad de transferencia o huella confiere a la fotografía su carácter documental, su innegable veracidad. Pero, al mismo tiempo, dicha veracidad está fuera del alcance de los posibles ajustes internos que son la propiedad necesaria del lenguaje. (KRAUSS, 1996, p. 226-227) 56 Por isso, Rosalind Krauss fala que a necessidade de “dar um texto” ou uma legenda à imagem é necessária como forma de caracterizar os significados, de deixar claro o caráter indiciário da obra. O título da obra de Cristian Segura sugere uma dualidade entre a reflexão de seu rosto com o ato de refletir/pensar, através dele entendemos que a mesa também é seu lugar de criação, é seu ateliê e, como a maleta pode carregar qualquer museu, da mesma forma qualquer mesa pode ser seu ateliê. A Mesa, assim como a Maleta, de Cristian Segura é uma homenagem ao artista Victor Grippo. Se o contemporâneo recorta a madeira de modo que fique/pareça com a sombra de seu perfil, o antecessor cava frases, como uma xilogravura, evidenciando ainda mais as marcas do tempo sobre ela. Ambas as mesas possuem o mesmo título, Mesa de trabalho e Reflexão (Imagem 7), o que torna mais evidente a homenagem. Imagem 7: Victor Grippo, Mesa de trabalho e Reflexão, instalação, 1994. 57 Fonte: Disponível em: <http://www.universes-inuniverse.de/car/documenta/11/frid/e-grippo-zoom3.htm> Acesso em: 20 de fevereiro de 2013. A Mesa de Victor Grippo foi exposta pela primeira vez em 1978. Posteriormente, apresentada na V Bienal de Havana, Cuba em 1994, e na Documenta 11, Kassel, Alemanha em 2002. Com esse trabalho, há um retorno da discussão do artista quanto à transformação da matéria, o uso de múltiplos e a discussão dos ofícios através das maletas/valises que também influenciam Cristian Segura. A mesa para Victor Grippo funciona como um lugar de união e reflexão, no qual para a exposição de 1978, além de ter deixado as marcas anteriormente existentes no próprio objeto, ainda gravou as seguintes frases: Sobre esta tabla hermana de infinitas otras construidas por el hombre, lugar de unión, de reflexión, de trabajo, se partió el pan cuando lo hubo, los niños hicieron sus deberes, se lloró, se leyerón libros, se compartieron alegrías. Fue mesa de sastre, de planchadora, de carpintero. Aquí se rompieron y se arreglaron relojes. Se derramó agua y también vino. No faltaron 58 manchas de tinta, que se limpiaron prolijamente para poder amasar la harina. 12 Victor Grippo fala da mesa de casa, da mesa que serve de apoio para as atividades corriqueiras do dia-a-dia, como o apoio das ferramentas de trabalho, o local para se amassar um pão, comer, chorar, realizar os deveres de casa. Na retrospectiva em Kassel, diversas mesas, gravadas com lembranças das atividades realizadas sobre elas, compunham a exposição do artista conceitual argentino. Elas são quase semelhantes a autorretratos que contêm pequenos indícios de sua biografia no qual, com um gesto profanador, transforma a mesa simples de casa ou da escola em uma obra de arte. É na mesa que vemos o reflexo de suas antigas funções e de seus atuais interesses. Geralmente conseguimos distinguir a mesa de nossa casa daquela de nosso trabalho, mas em alguns casos não há essa separação, como para Cristian Segura, cujo trabalho e vida privada, estão intrinsecamente ligados, não existindo separação entre sua casa e o museu. Sua Mesa e seus outros trabalhos funcionam como dispositivos profanados, como índices de sua biografia e do espaço museológico. Podemos pensar com a Mesa, a Maleta e a Chave como sendo dispositivos profanados criados pelo artista argentino a partir da relação também com o espectador de forma a questionar os espaços museológicos. Cristian Segura não se desvincula do museu, pois não deixa de ser artista para atuar em outros campos no papel de curador, gestor cultural e pesquisador. Como artista, Cristian Segura pensa de outra forma o espaço museológico, como questionar, diluir, transformar em outros objetos, em outras extensões no qual o espaço público – museu e galerias – confunde-se com o espaço privado – casas -. A Maleta é o exemplo máximo disso, no qual constrói e destrói esse espaço institucional inúmeras vezes, carregando o índice do que um dia foi e não é mais, assim como a chave destruída e a mesa de diretor disfuncional transformada em retrato. 12 Disponível: <http://universes-in-universe.de/car/documenta/11/frid/sgrippo-zoom3.htm> Acesso em 13 de novembro de 2012. 59 CAPÍTULO II – O ESPAÇO EXPOSITIVO E A SUA DESCONSTRUÇÃO O teórico Paulo Sérgio Duarte para o catálogo da Bienal do Mercosul, Direções no novo espaço (2005), parte do raciocínio de que toda obra de arte possui uma relação e se constitui a partir de experiências entre observador-pedestre e a obra. O teórico ainda acrescenta que a história da arte poderia ser construída ou escrita a partir da relação que as obras possuem com o espaço museológico e urbano e o observador, no qual sua noção muda de época para época, solicitando sempre uma nova ou velha experiência de acordo com o seu tempo (FIDELIS et al., 2005). Acrescento ainda, que essa vivência pode se dar a partir do emprego de dispositivos que possibilitam uma expansão das relações com os lugares urbanos públicos e/ou privados. Para Michel de Certeau essa relação do pedestre com os lugares da cidade acarreta uma mudança, onde o lugar se transforma em espaço. Segundo o teórico: Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidades de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais. O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando é percebida na ambigüidade de uma efetuação, mudada em um termo que depende de múltiplas convenções, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. (CERTEAU, 2008, p. 202) Para Michel de Certeau (2008), o espaço é o lugar praticado a partir das ações do presente e modificado pelas vivências do espectador-pedestre. O espaço possui a 60 capacidade de ser móvel, sendo por isso instável, e essa mobilidade é ativada através do conjunto de movimentos que nele acontecem. A partir disso, pode-se entender que essa experimentação do espaço público ou privado, também é ocasionada a partir da interação com o corpo do observadorpedestre que suscita novas ou velhas experiências, com o intuito de provocar uma relação de maior aproximação com esses lugares que se põe cada vez mais distante na contemporaneidade. Essa transformação parte de pequenos dispositivos, pequenos jogos propostos pelo artista ao visitante, pois: Os jogos dos passos moldam espaços. Tecem os lugares. Sob esse ponto de vista, as motricidades dos pedestres formam um desses “sistemas reais cuja existência faz efetivamente a cidade”, mas “não têm nenhum receptáculo físico”. (CERTEAU, 2008, p. 176) Cristian Segura propõe novos jogos ao visitante de modo que ele se torne mais participativo nessa brincadeira de modificações espaciais. Se antes era ele que atuava nos espaços criados como a mesa que funciona como um ateliê portátil e ao mesmo tempo como seu autorretrato ou a possibilidade de carregar o museu numa maleta para qualquer lugar, agora o artista propõe que o pedestre-visitante interaja com suas obras e que o papel modificador seja realizado por eles. A partir disso realiza algumas intervenções urbanas na 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba (2011): Vidros quebrados, na Praça Tiradentes e Sununu, Soro, Itaverá, no Jardim Botânico e na Ópera de Arame. Além das intervenções urbanas, Cristian Segura modifica alguns espaços permitindo que o visitante experimente a instituição museológica com outro olhar, como nos trabalhos Mirador Urbano: a (ex) posição do espectador (2006), Fogo no museu (2010), Olho mágico (2010) e Antes de uma exposição (2010). O artista possibilita a observação dos espaços da cidade e dos museus/galerias a partir de diferentes pontos de vistas, como em cima de um pedestal, através de um olho-mágico ou por pequenos arruinamentos da cidade e dos museus. De certa 61 forma, Cristian Segura permite que o observador-pedestre tenha a sensação de ser o controlador das situações e não meros observadores daquele espaço, pois para Gaudêncio Fidelis (FIDELIS et al., 2005), o museu não pode ser mais considerado um lugar que expõe ou guarda objetos imóveis, mas é agora o espaço que permite que o visitante estabeleça novos percursos ao redor da obra. Cristian Segura não se prende a uma arquitetura pré-definida destinada a guardar/conservar obras de arte, mas estende esse conceito desde o início de sua carreira, como observado em sua Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1) e, até mesmo no trabalho Chave Mestra (Imagem 4). As intervenções urbanas em Curitiba, o suposto incêndio de um museu e a possibilidade de ser um vigilante dos museus/galerias/cidades, não são diferentes das obras onde o artista busca uma participação “contida”, um “olhar sem ação” 13 do visitante para os pequenos arruinamentos da instituição museológica. Esses espaços museológicos não são simplesmente questionados por Cristian Segura, mas transpostos para outros lugares até então improváveis, onde sua arquitetura se torna diluída e toma outras dimensões de desastres. O artista argentino, até então, busca uma relação com seu trabalho através de pequenas ruínas: o museu na maleta é constituído por material efêmero, a chave não serve mais à sua função ou os vidros que se espedaçam numa ação irreal na cidade de Curitiba, obras que se utilizam de dispositivos para tal jogo, como os simulacros e o panóptico. O panóptico é um tipo de dispositivo proposto por Jeremy Bentham e desdobrado por Michel Foucault (2000), onde nos coloca que funciona como um sistema de observação e controle social para fins econômicos e educativos, por ser um espaço fechado, sem hierarquia, onde se podem observar os doentes e/ou os trabalhadores. O Jeremy Bentham descreve o panóptico como sendo uma arquitetura que se caracteriza por uma torre central rodeada por uma construção dividida em celas e com duas janelas, uma voltada para a torre central e a outra 13 O “olhar sem ação” que proponho nas obras do artista Cristian Segura é o olhar que não exige uma ação efetiva, de pegar, tocar, cheirar, mas o olhar que tanto modifico quando sou modificado a partir de jogos, de dispositivos profanados. 62 para o lado externo da construção. Na torre central ficam os vigias e, nas celas, são colocados os presos, doentes, estudantes, de modo que possam ser observados, mas sem saberem e/ou verem o observador. Segundo Michel Foucault (2000, p.166), o objetivo é “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder”, de modo que “a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação”. Semelhante a esse sistema de controle, pode-se citar a intervenção Olho Mágico de Cristian Segura, que consiste em um dispositivo óptico colocado na porta da administração do museu, onde qualquer pessoa pode se sentir como sendo o observador/controlador de quem se encontra dentro do recinto. Para Michel Foucault (2000) esse dispositivo tem a função de automatizar e desindividualizar o poder e dá-lo para toda a sociedade, onde qualquer um pode controlar, sem se esquecer que será controlado igualmente. O teórico entende que o poder deve ser visível, mas sem sabermos quem o exerce, pois quem é vigiado sabe que se é constantemente olhado e avaliado, mas não sabe em quais momentos essa vigilância está sendo exercida. Ação semelhante proposta por Cristian Segura, não somente no Olho Mágico, mas a partir do momento em que expõe a fragilidade do museu através de sua arquitetura em ruínas no qual o observador também é vigilante. O panóptico pode também ser reconhecido no Mirador Urbano: (ex) posição do observador, realizado em 2006 na cidade de Buenos Aires, onde cria outro tipo de dispositivo para se olhar e vivenciar a cidade a partir de outro ponto de vista. Cristian Segura propõe uma experiência aos transeuntes de se tornarem participantes de sua intervenção, pois ela só existirá a partir do interesse do caminhante em mudar sua trajetória por alguns instantes e descobrir outra visão da cidade. No Mirador Urbano, o público tanto pode ser o vigilante como o vigiado, pois “nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância” (FOUCAULT, 2000, p. 178), pois: Não estamos nem nas arquibancadas nem no palco, mas na máquina panóptica, investidos por seus efeitos de poder que nós 63 mesmos renovamos, pois somos suas engrenagens. (FOUCAULT, 2000, p. 179). Essa vigilância encontro nos desastres propostos por Cristian Segura, onde o artista nos mostra a fragilidade dos espaços urbanos e arquitetônicos através de dispositivos que me permito aproximar ao índice de Rosalind Krauss, como o simulacro proposto por Jean Baudrillard em seu livro A arte da desaparição (1997). O teórico fala que os iconoclastas destruíam as imagens de santos, pois eles não podem ser representados, assim como Deus também não pode. Para eles, é um ato de heresia transformar em imagem o que não pode ser representado, pois “o seu desespero metafísico provinha da ideia de que as imagens, não escondiam absolutamente nada e de que (...) não eram imagens” (BAUDRILLARD, 1997, p. 26), portanto, elas seriam perfeitas simulações/simulacros de um outro. Jean Baudrillard trabalha com a obra de Andy Warhol – artista considerado pelo teórico como o exemplo máximo do simulacro -, no qual podemos citar Green Car Crash (Green Burning Car I) (Imagem 8). Parte da série macabra do artista Pop americano, que fez diversas serigrafias de acidentes de carro, ônibus, assassinatos, suicídios. Imagens de desastres, ruínas e destruições dos quais bombardeiam a contemporaneidade e que já estamos anestesiados de tanto ver e presenciar tais fatos. Jean Baudrillard observa que Andy Warhol “expõe ao máximo o mundo a si mesmo, que expõe o avesso da imagem e mostra a todos que o avesso nada esconde e que a imagem é toda superfície e vazio” (BAUDRILLARD, 1997, p. 8). As imagens de destruição de Andy Warhol e do artista argentino Cristian Segura, são puras imagens sem avesso, sem perspectiva, sem ilusão e nenhuma intenção de criar outra realidade utópica. Diferentemente são as ruínas barrocas caracterizadas pela emoção exagerada, pelo sentimento imediato e avassalador, no qual os artistas procuram representar a impressão do momento, mesmo que daqui a alguns instantes não nos cause nada, mas o que deixa é uma náusea (WÖLFFLIN, 2010). O teórico Henrich Wölfflin nos fala que: 64 [...] essa teoria recorre, de preferência, à imagem de uma planta que desabrocha e fenece. Assim como a flor não pode viver eternamente, pois chega inexoravelmente o momento em que deve murchar, também a Renascença não podia ficar para sempre igual a si mesma: ela murcha, perde a forma e é esse estado que chamamos barroco. A morte lenta da planta não se dá por culpa do solo, ela encerra em si mesma suas leis vitais. O mesmo acontece com o estilo: a necessidade de mudar não lhe vem de fora, mas de dentro: o sentimento das formas se esgota segundo suas próprias leis. (WÖLFFLIN, 2010, p. 88) Imagem 8: Andy Warhol, Green Car Crash (Green Burning Car I), serigrafia, 22,8 x 20,3 cm, 1963. © Andy Warhol Foundation for the Visual Arts. 65 Fonte: Disponível em: <http://arthistory.about.com/od/spec_events/ig/Christie-s-Evening-Sale051607/christies_051607_01.htm> Acesso em: 10 de março de 2013. A flor que fenece e murcha, transforma-se em ruínas, pois, O que jaz em ruínas, o fragmento altamente significativo, a ruína: é esta a mais nobre matéria da criação barroca. O que é comum às obras desse período é acumular incessantemente fragmentos [...] (BENJAMIN, 2011, p. 190). Ruínas e acumulação, a eternidade duradoura nas representações, como nas de Piranesi. O artista representou O arco de Druso (Imagem 9) como uma alegoria do tempo que está por vir, o fim ou não de toda arquitetura e construção realizada pelo homem, o tempo inadiável da destruição, pois o barroco surgiu desse movimento, do clássico inabalável para sua ruína. Imagem 9: Giovanni Battista Piranesi, O arco de Druso, água forte, 134 x 266 cm, s/d. Fonte: Disponível em: <http://www.metmuseum.org> Acesso em: 10 de março de 2013. O teórico Francesco Dalco sugere que: 66 La naturaleza que rodea las ruinas y el tiempo que las corroe, haciéndolas indistinguibles de los esqueletos calcinados acumulados a su alrededor, no son sino representaciones metafóricas de la desaparición y del olvido, a los que la fantasía confiere el poder de restituir la vida al trascurso del tiempo y la voz a lo clásico. Las primeras víctimas de este encuentro son siempre las figuras humanas. En toda la obra piranesiana éstas tienem la mera consistencia de unas larvas reptantes; y por si los grabados no bastasen para dar testimonio de esta constante reducción de la figura humana a una simples excrecencia natural [...]. (RODRÍGUEZ & BOROBIA, 2012, p. 110) Diferentemente são os simulacros, imagens vazias de significação, de realidade ficcionada, teorizada por Jean Baudrillard. São imagens puras e que pertencem ao seu próprio domínio. Elementos vazios que, a partir deles, podemos compreender as obras de Cristian Segura como não sendo representações de uma realidade, mas sim insinuações do real. “Ao invés de potencializar o real com a criação de ilusão” (BAUDRILLARD, 1997, p. 7), o artista propõe um jogo no qual essa imagem ri de si mesma, ela é irônica, como o índice, estabelecendo contato com algo físico/real, porém, sendo completamente um outro. O artista argentino não acrescenta mais imagens, mas cada imagem sua é uma nova possibilidade de perceber esses espaços esquecidos pela cidade e questionar os problemas das instituições de arte, não buscando a representação de um passado ou futuro sentimental, mas ironizando os espaços urbanos e museológicos com a modificação, muitas vezes, de sua função. Katia Maciel na apresentação do livro A Arte da Desaparição (1997), de Jean Baudrillard, fala que, a questão não é a de uma arte sem valor ou sem sentido, mas uma arte que finge insignificância como forma de significar. 67 Finge o vazio, o nulo, quando já estamos lá. (BAUDRILLARD, 1997, p. 7). Se o índice é vazio em sua essência, porém está atrelado a um elemento físico, sendo, portanto seu rastro, os simulacros, imagens vazias também, dão um passo à frente, não estando em si ligados a algo físico, mas a uma realidade superexposta e irônica, sendo eles mesmos a imagem e a própria realidade. Jean Baudrillard nos fala que: Dissimular é fingir não ter o que se tem. Simular é fingir ter o que não se tem. O primeiro refere-se a uma presença, o segundo a uma ausência. Mas é mais complicado do que isso, pois simular não é fingir: “Aquele que finge uma doença pode simplesmente meter-se na cama e fazer com que acreditem que está doente. Aquele que simula uma doença determina em si próprio alguns dos respectivos sintomas” (Littré). (BAUDRILLARD, 1997, p. 23) A partir disso, podemos entender que a simulação determina sintomas e rastros que possibilitam uma aproximação ao conceito de índice trabalhado por Rosalind Krauss, no qual se refere às marcas deixadas por um corpo ausente. O simulacro funciona de forma semelhante, através de rastros. Eu sei como são os sintomas de uma gripe, pois ela já deixou índices em meu corpo/memória, a partir disso, quando simulo uma gripe, ela não necessariamente representa uma gripe em específico, mas sim, ela torna-se o simulacro de uma a partir de todo um conjunto que conheço, como daquela que foi mais intensa, da que foi mais fraca, da que me deixou sem respirar ou, somente, daquela que fiquei espirrando, por isso, ela é uma outra gripe. Cristian Segura entende que a destruição, as ruínas das cidades e dos museus já foram trabalhadas, representadas e discutidas ao longo da história da arte, cabendo agora outra forma de questionamento sobre o desaparecimento desses espaços na contemporaneidade. Com a utilização desses dispositivos, simulacros e panópticos, o artista busca um questionamento, um jogo com os espaços urbanos e de arte, passando desde um jogo de observação com o uso de 68 plataformas e/ou o uso de câmeras de vigilância, até com elementos irônicos dos lugares abandonados e em estado de ruína, como forma de se pensar sobre os pequenos desastres contemporâneos. O artista argentino fala sobre esses espaços, principalmente os espaços institucionais, museus e galerias, focos de seus trabalhos artísticos e de curadoria a partir de uma forma metalinguística, ou seja, não utilizando outros objetos, imagens ou dispositivos, mas sim, utilizando a própria instituição museológica como forma de questionamento. Se em certos trabalhos Cristian Segura aborda o índice, como sendo rastros, vestígios de sua presença ausente dentro do museu ou do próprio museu, como observamos na Maleta de ex-diretor de museu ou Chave mestra, em outras propostas, o artista questiona de forma mais contundente os espaços museológicos, mostrando seus processos administrativos, expondo fissuras e questionando o papel de uma instituição de arte em ruína. 1. O ESPAÇO OBSERVADO A intervenção, Mirador Urbano: A (ex)posição do espectador (Imagem 10), foi realizada no Centro Cultural Ricardo Rojas (CCRR) na UBA – Universidade de Buenos Aires, em 2006. O Centro Cultural foi inaugurado em 1989 e possui a característica de ser um lugar de trânsito, como um corredor. Desde sua inauguração propôs-se a realizar exposições e mostras para o lançamento de artistas em início de carreira. Em 2005, o CCRR passou por uma reforma e durante dois anos as exposições, sob curadoria de Lucrecia Urbano e Eva Grinstein, aconteceram em um poste que se encontra próximo ao CCRR, na Avenida Corrientes, conhecida como la calle que nunca duerme, devido ao grande número de pessoas que passam diariamente. O poste ficou conhecido como Galeria do Poste de Rojas onde eram expostas obras de caráter efêmero, sendo que a intervenção proposta pelo artista argentino ficou aproximadamente 30 dias. Sua intervenção consiste num projeto, como um observatório urbano, no formato de uma escada em caracol que circunda o poste logo a frente da galeria CCRR. Essa escada permite aos transeuntes acessar pontos de vistas da cidade até 69 então inacessíveis. Dessa forma, ela possibilita outra experiência a partir da modificação da posição física do próprio observador. Devido às características do objeto, uma escada, seu uso acaba sendo intuitivo pelas pessoas, e seu projeto somente se realiza a partir do momento em que há o interesse do pedestre em subilas. Para Paulo Sérgio Duarte (2005) existe uma mudança na observação de uma obra artística ao longo da história da arte caracterizada pelo movimento que iria do entorno da obra para dentro dela, contando com uma participação cada vez mais ativa do espectador. Segundo ele, Se antes o processo de fruição da escultura era elaborado a partir da contemplação e do movimento do observador em torno da obra, agora essa fruição é processada com a participação do receptor na própria obra, da imersão de seu corpo e de seu movimento no interior da instalação. (FIDELIS et al., 2005, p. 12) Imagem 10: Cristian Segura, Mirador Urbano: a (ex)posição do espectador, intervenção urbana, 2006. 70 Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. Sendo assim, o pedestre atento tem instigada sua vontade em subir os degraus para ver onde darão. Esse pedestre atento foi denominado por Michel de Certeau (2008) como sendo o “homem ordinário”, não como um conceito pejorativo, mas sim, formulado para explicar o pedestre que possui a capacidade de criar e recriar seu caminho de diversas formas. O teórico fundamenta o conceito no princípio de que as “pessoas ordinárias” são dotadas de um potencial criativo uma vez que elas inventam uma “maneira própria” de caminhar, criando seus mapas pessoais pelos lugares por onde transitam. Ele rejeita a passividade dos pedestres, da seguinte forma: 71 [...] o caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial. E se, de um lado, ele torna efetivas algumas somente das possibilidades fixadas pela ordem construída (vai somente por aqui, mas não por lá), do outro aumenta o número dos possíveis (por exemplo, criando atalhos ou desvios) e o dos interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir por caminhos lícitos ou obrigatórios). Seleciona portanto. (CERTEAU, 2008, p.178) Os pedestres possuem a oportunidade de selecionar o que olhar, por onde andar, como se dará a interação entre o objeto (a escada) com a cidade (Buenos Aires), que se tornará uma cidade imaginária, tão mais real quanto aquela pela qual caminhava, a partir do momento em que ele sobe a escada. O cineasta Peter Greenaway (Imagem 11), em 1994 na cidade de Genebra, espalhou por todo o espaço urbano cem escadas semelhantes a “plataformas a partir das quais se podem reenquadrar a cidade e suas paisagens” (PEIXOTO, 2003, p. 256), utilizando para isso dispositivos ópticos de enquadramento, diferentemente da escada de Cristian Segura que permite uma visão ampla da cidade sem o uso de qualquer outro subterfúgio como forma de direcionar o olhar. O artista argentino permite a visão de um todo. Os dispositivos do cineasta eram escadas que levavam o pedestre a um ponto mais elevado. Elas lembram postos de observação dos castelos medievais, onde os soldados podiam observar a chegada dos inimigos através de pequenas aberturas posicionadas estrategicamente, ou seja, “sutilmente arranjado para que um vigia possa observar, com uma olhadela, tantos indivíduos diferentes” (FOUCAULT, 2000, p. 171). Entretanto, as aberturas das escadas de Peter Greenaway possuem dispositivos ópticos semelhantes aos encontrados em câmeras fotográficas, que direcionam o olhar do participante. Diferentemente de um posto de vigilância que nos permite ter um acesso panorâmico da cidade, os dispositivos utilizados pelo cineasta nos fornecem um acesso restrito. Imagem 11: Peter Greenaway, The Stairs, exposição em Genebra com a inserção de cem escadas pelo espaço da cidade, 1994. © Fotografia Christophe Gevrey. 72 Fonte: Retirado do site http://cri.ch/stairs/index.html Além de um dispositivo de observação, onde tanto vigio a cidade quanto como sou observado pelos outros transeuntes, semelhante a um sistema panóptico proposto por Michel Foucault, ele possibilita um respiro dentro da correria diária dos grandes centros urbanos, uma pausa para perceber o que está acontecendo e/ou mudando, observar os pequenos desastres da contemporaneidade. Cristian Segura e seu observatório, colocando-nos em um ponto mais elevado, nos permite vivenciar o lugar e observar outros elementos que até então não conseguiríamos. Em alguns trabalhos do artista argentino, percebemos seu interesse em questionar e mostrar as diversas camadas das instituições artísticas, como as salas administrativas ou as salas expositivas antes e depois de uma exposição. Cristian Segura procura nos mostrar esse museu escondido, seu lado avesso, ora transpondo a instituição que toma conta do espaço urbano ora mostrando somente a estrutura interna sem muito nexo, como na intervenção Olho Mágico (Imagem 12), instalado na porta da administração do Museu de Arte Contemporânea de Bahía Blanca, Argentina, em 2010. Consiste na instalação de um aparato que se usa normalmente para observar quem está externamente ao cômodo, porém, 73 nessa proposta do artista, o olho-mágico está invertido, não sendo, portanto, a administração que observa o público, mas sim o contrário. Imagem 12: Cristian Segura, Olho Mágico, site specific, 2010. Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. O artista propõe um jogo ao observador que adentra a instituição museológica para apreciar uma exposição e se depara com uma sala vazia esperando a montagem, até que, ao chegar à porta da administração do museu, observa adesivos que mostram tanto o nome da sala quanto a formação de círculos concêntricos que sugerem um alvo, e no centro desse alvo, encontramos o olho-mágico. A própria estrutura da obra convida o observador a olhar por esse dispositivo profanado, como sugere o teórico Giorgio Agamben, pois “a criação de um novo uso só é possível ao homem se ele desativar o velho uso, tornando-o inoperante” (AGAMBEN, 2007, p. 75). A intervenção Olho Mágico permite ao visitante experimentar o poder de controle, de vigia. Cristian Segura permite a inversão desses papéis, a possibilidade de qualquer pessoa poder entrar num panóptico e saber como funciona. Segundo Michel Foucault: Na realidade, qualquer instituição panóptica, mesmo que seja tão cuidadosamente fechada quanto uma penitenciária, poderá 74 sem dificuldade ser submetida a essas inspeções ao mesmo tempo aleatórias e incessantes: e isso não só por parte dos controladores designados, mas por parte do público; qualquer membro da sociedade terá direito de vir constatar com seus olhos como funcionam as escolas, os hospitais, as fábricas, as prisões. (FOUCAULT, 2000, p. 171) Percebemos que esse sistema de vigilância realizado pela sociedade nos trabalhos, Mirador Urbano e Olho Mágico, permite que o visitante tenha acesso a um olhar diferenciado para o fluxo da cidade e para o interior dos espaços urbanos. O artista possibilita ao público exercer o papel de vigilante e, também, o de vigiado à medida que me exponho para a sociedade conforme subo os degraus e me coloco em cima do pedestal criado pelo artista. Permito-me pensar com isso que, ao mesmo tempo em que Cristian Segura pensa o interior das instituições, provocando-nos a olhar para dentro da sala administrativa do museu e inspecionar se as pessoas que se encontram no interior do recinto realmente estão cumprindo suas tarefas, com Mirador Urbano o artista argentino mostra ao visitante que ele também é vigiado e observado constantemente dentro dos espaços públicos e privados, pois: Esse panóptico, sutilmente arranjado para que um vigia possa observar, com uma olhadela, tantos indivíduos diferentes, permite também a qualquer pessoa vigiar o menor vigia. A máquina de ver é uma espécie de câmera escura em que se espionam os indivíduos; ela torna-se um edifício transparente onde o exercício do poder é controlável pela sociedade inteira. (FOUCAULT, 2000, p. 171) A obra de Marcel Duchamp, Étants donnés: 1º La chute d’eau, 2º Le gaz d’éclairage (Imagem 13), iniciou-se no ano de 1946 e foi finalizada vinte anos depois, em 1966. O artista francês realizou em absoluto segredo essa obra/instalação, 75 negando inclusive em entrevistas a realização de qualquer outro trabalho até a exposição desse olho mágico encenado. Imagem 13: Marcel Duchamp, Étants donnés: 1º La chute d’eau, 2º Le gaz d’éclairage, materiais diversos, 1946-66. Fonte: Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:Etant_donnes.jpg> Acesso em: 14 de março de 2013. Étants donnés caracteriza-se por uma construção panóptica que poderíamos aproximar ao trabalho Olho mágico (Imagem 12) de Cristian Segura. Marcel Duchamp não realizou um site specific, mas uma instalação que funciona em qualquer sala de museu e pode ser removida sem qualquer dano, diferentemente do Olho Mágico que foi pensada justamente para um espaço específico. No trabalho do artista francês, observamos através de um orifício óptico, a montagem em perspectiva de um corpo nu feminino estirado na relva segurando um lampião que por alguns instantes nos confundimos como sendo uma cena real e não uma montagem, uma simulação. 76 Marcel Duchamp utilizou os princípios de perspectiva na sua construção. A imagem que observamos são sobreposições de elementos que sugerem a cena, por isso, estudou diversos materiais que possibilitassem a melhor verossimilhança de um corpo nu feminino caído na relva segurando uma espécie de lanterna/lâmpada. Toda essa estrutura é escondida dentro do museu e somente é possível de ser observada através de um pequeno orifício como um olho mágico. Não há qualquer espécie de alusão ou convite ao observador que sugira que naquela porta existe um dispositivo óptico para observarmos uma cena irreal, já com a obra de Cristian segura, não vemos uma encenação, artistas contratados para desempenharem uma performance, mas sim, observamos atrás da porta o corpo que coordena e comanda os museus/galerias. Cristian Segura filmou os funcionários do Museu Municipal de Belas Artes de Tandil trabalhando em uma sala expositiva antes do recebimento de uma exposição na obra Antes de uma exposição (Imagem 14), mostrando esse vídeo dentro de uma sala em tamanho reduzido no próprio espaço – ou em um espaço semelhante, já que foi apresentado no Museu de Arte das Américas, Washington DC - em que esses mesmos funcionários a pouco trabalhavam. Na medida em que o público entra no recinto, depara-se com restos de materiais, fitas, gesso, latas de tinta, comidas, ferramentas esquecidas, uma cena que sugere que a qualquer momento trabalhadores possam voltar para a sala real do museu. Quando adentram na réplica, por uma pequena porta, numa das paredes observam um filme acelerado e em negativo mostrando esses mesmos funcionários montando essa mesma estrutura na qual nos encontramos. Com esse trabalho, o artista possibilita a visão do que acontece durante o processo de montagem/desmontagem de uma exposição em qualquer museu/galeria. Segundo Michel Foucault: Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é 77 exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos (...). (FOUCAULT, 2000, p. 163) Imagem 14: Cristian Segura, Antes de uma exposição, still do vídeo, 2010. Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. Cristian Segura utilizando o dispositivo óptico, aqui caracterizado pelo panóptico, elemento utilizado para controlar e disciplinar os corpos da sociedade propõe a observação de pequenos desastres da instituição museológica. Observamos o interior do museu, o além das salas expositivas e das obras que se encontram nela, observamos o corpo administrativo, vislumbramos como se dá um processo de preparação de uma sala expositiva, os acontecimentos daquele momento e, ao mesmo tempo, colocamo-nos como observados dentro desse mesmo espaço. O artista nos mostra que, ao mesmo tempo em 78 que posso vigiar, sou vigiado e monitorado pelo mesmo sistema que outrora comandei. 2. O ESPAÇO ENCENADO Na 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba, Cristian Segura propôs intervenções urbanas em alguns espaços da cidade, como a Praça Tiradentes, o Jardim Botânico e a Ópera de Arame, sendo que cada uma foi realizada de forma diferente, mas ambas, procuram simular a destruição, provocar um redescobrimento da memória do lugar através de experiências multissensoriais sugeridas a partir de um circuito narrativo. O artista não intervém nos espaços de forma aleatória, pretende que o espaço, obra/intervenção e público/observador conversem entre si. Para isso, pesquisa sobre os lugares, caminha pelas ruas, utiliza os meios de transportes públicos, procura conhecer os museu e os monumentos, visita as praças e conversa com as pessoas do local, faz gravações de vídeos e anotações sobre os lugares; procurando sempre se envolver com a cidade e com os espaços em geral para que suas intervenções sejam significativas. Cristian Segura nos fala que seu ponto de partida para pensar o trabalho que fez parte da Bienal de Curitiba de 2012, surgiu a partir de sua experiência em degustar pinhão comprado em uma feira de rua da cidade logo após a sua chegada. O artista observa que a araucária e o pinhão são elementos importantes da cultura local, sendo representados em diversos pontos da cidade e de diferentes formas e linguagens, fazendo parte, inclusive, do brasão da bandeira. Segundo o artista: Todo esto cobró sentido para mí al investigar la etimologia del nombre Curitiba. Derivaría de la expresión indígena cury’i ty (b) ba, que en guaraní significa “lugar donde existen pinos”. (SCHVARTZ & AMARANTE, 20122013, p. 173) O primeiro lugar a ser olhado, é a Praça Tiradentes, com a intervenção Vidros Quebrados (Imagem 15). Considerada o ponto zero, o lugar central da cidade de Curitiba. Em seu centro observamos um chão de vidro que recobre a primeira 79 pavimentação da cidade datada do século XIX e, no centro, uma araucária, ambos rodeados por uma grade que impede a entrada de pessoas no local. Imagem 15: Cristian Segura, Vidros Quebrados, site specific na Praça Tiradentes, 2011. Fonte: Imagem retirada do livro Cristian Segura e a poética do coeficiente, 2012, pg. 198. Cristian Segura intervém nesse espaço com imagens que simulam rachaduras no vidro feitas em vinil preto e coladas sobre o chão. O desenho surgiu a partir de uma xilogravura produzida pelo próprio artista e, posteriormente, transformada digitalmente em vetores. Quanto à escolha da técnica utilizada para se fazer o modelo de rachadura, o artista argentino nos fala da seguinte maneira: La xilografía es una técnica de impresión con plancha de madera (material que se puede asociar también con la Araucaria), la que se talla a mano con una gubia. Escogí una técnica de grabado porque tiene una presencia capital en Curitiba. Muestra de ello es que la Casa del Grabado alberga, desde 80 1989, lo que Leite (2004) considera “o primeiro museu brasileiro e um dos poucos do mundo exclusivamente dedicado à gravura - o Museu da Gravura”. (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p. 174) Outro lugar que escolhe para intervir é no Jardim Botânico com a obra Sununu, Soro, Itaverá (Imagem 16). O espaço é caracterizado por ser uma estufa com estrutura metálica revestida com vidros, local destinado a conservar várias espécies botânicas que são referências nacionais. Não há mais as rachaduras no vidro como na Praça Tiradentes e sim, o som que as ocasiona, ou melhor, as palavras que evocam esse som. Nessa intervenção, palavra e arquitetura brigam por espaço, e não há como passar despercebido diante dessa imagem gigantesca que sugere já de imediato uma catástrofe por acontecer diante de nossos olhos. O artista argentino utiliza como dispositivo que desencadeará toda a relação entre espectador e a obra, as palavras Sununu, Soro e Itaverá. No idioma tupi-guarani, Itaverá pode ser relacionada ao cristal ou diamante, sendo Itá: pedra e Verá: brilhante; Sununu pode significar um grande ruído ou um estrondo, e Soro, representa algo estragado ou quebrado (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013). São palavras que possuem significados distintos, mas, quando juntas, tomam uma dimensão tão estrondosa de desastre que se tornam presentes e fortes o suficiente para fazer com que o observador reflita. Mesmo que os espectadores nunca tenham tido contato com esse idioma é possível, pela sua estrutura gráfica, entender o que significa o conjunto dessas palavras. Imagem 16: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site specific no Jardim Botânico, 2011. 81 Fonte: Imagem retirada do livro Cristian Segura e a poética do coeficiente, 2012, pg. 197-196. É na Ópera de Arame, também com a instalação Sununu, Soro, Itaverá (Imagem 17), que o ciclo de intervenções urbanas se completa. Este espaço, destinado a concertos, possui a forma circular e está edificado no meio de um lago artificial. Possui capacidade para mais de 1500 pessoas/espectadores, onde todos conseguem observar perfeitamente o palco que está a um nível mais baixo da entrada do local sendo que as cadeiras estão dispostas como degraus. Sua estrutura é composta por aço como se formasse uma teia de aranha e é revestido, assim, como o Jardim Botânico, por vidros. A narrativa da cidade se completa com o som e a palavra nesse espaço e, é na Ópera de Arame, que conseguimos ter uma experiência, uma imersão do corpo dentro da destruição. Imagem 17: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site specific na Ópera de Arame, 2011. 82 Fonte: Imagem retirada do livro Cristian Segura e a poética do coeficiente, 2012, pg. 199. Ele coloca as palavras Sununu, Soro e Itaverá, com a mesma estrutura gráfica que encontramos no Jardim Botânico, coladas no palco do teatro de modo que quando o espectador entrasse no local, do alto pudesse avistar essas palavras. Além disso, Cristian Segura coloca, também, o som de vidros se quebrando e rachando, de modo que se assemelhe a uma ópera de destruição. Som e palavra unem-se para nos fazer imergir para dentro desse espaço que despedaça, esfacela-se, um espaço que está sendo destruído por algo invisível, um simulacro de destruição. A memória urbana apresenta-se nessa intervenção como uma ficção que pode ser experimentada por um espectador através de outras imagens, como a de um acidente vivido, ou uma cena de desastre vistas no cinema, lidas nas revistas em quadrinhos ou assistidas nos filmes de televisão. Enfim, Cristian Segura nos mostra a imagem da imagem, criando um enredo ficcionado, a partir de dispositivos, termo que se refere a uma força exterior que possui a capacidade de capturar, orientar, influenciar nas opiniões, ou seja, são meios que mediam a vivência dos seres viventes e as coisas do mundo (AGAMBEN, 2009). Esse elemento capaz de modificar a percepção dos seres 83 viventes, dos observadores e das coisas que constituem os espaços, permito-me relacionar com o simulacro, pois: [...] nós vivemos em um mundo de simulação, em um mundo em que a mais alta função do signo é fazer desaparecer a realidade, e mascarar ao mesmo tempo essa desaparição. (BAUDRILLARD, 1997, p. 90). O inevitável da ruína foi representado, principalmente nas pinturas barrocas, nas quais podemos elencar o artista Herman Posthumus (Imagem 18) que destrói, mesmo como invenção, os edifícios e estátuas, em contraposição com aqueles que ainda permaneciam de pé. Suas pinturas funcionam como um lembrete do futuro e do passado de toda construção erguida pelo homem, como uma espécie do testemunho do futuro desaparecimento das construções (RODRÍGUEZ & BOROBIA, 2012). Imagem 18: Herman Posthumus, Paisagem com ruínas romanas, óleo sobre tela, 96 x 141,5 cm, 1536. Fonte: Imagem retirada do catálogo “Arquitecturas pintadas: del Renascimiento al siglo XVIII”, 2012, pg. 167. 84 Herman Posthumus enfatizou o inevitável da ruína, destruindo mais um pouco alguns edifícios que muitas vezes, estavam em estado excelente de conservação, como se estivesse projetando o destino ingrato das arquiteturas e das cidades, pois a arte de construir ou de levantar edifícios sabe que o destino de todos eles é, de um dia, serem demolidos ou simplesmente caírem com a ação do tempo (RODRÍGUEZ & BOROBIA, 2012). E ironicamente, Cristian Segura, propõe esse desaparecimento desses espaços da cidade de Curitiba. Segundo Jean Baudrillard: Todo o movimento da pintura retirou-se do futuro e deslocou-se para o passado. Citação, simulação, reapropriação, a arte atual vem reapropriando de um modo mais ou menos lúdico, ou mais ou menos kitsch, todas as formas, as obras do passado, próximo ou distante, ou já mesmo contemporâneo. [...] esse remake e essa reciclagem pretendem ser irônicos, mas tal ironia é como a trama gasta de um tecido, ela só resulta da desilusão das coisas, tratase de uma ironia fóssil. (BAUDRILLARD, 1997, p. 78-79) Cristian Segura, nas três intervenções realizadas em Curitiba, inunda os espaços com os sons de sua destruição, de modo que o espectador vivencie tanto através das onomatopeias, dos desenhos de rachaduras, quanto através do próprio barulho de arruinamento. Podemos percorrer seus sites specifcs como se fosse uma ópera, com seu início tranquilo que se desenrola até um ápice, onde encontramo-nos totalmente imersos nessa narrativa de imagens e sons. Acreditamos no que o artista nos mostra de forma irônica e dissimulada, pois a ruína que ele nos apresenta é tão irreal quanto a própria ruína do local. 3. O ESPAÇO SIMULACRO Essa realidade explícita de destruição e ruína possibilitada através do uso de dispositivos. Podemos observar através da experiência do fugitivo no livro do escritor Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel (2006), que trabalha 85 literariamente com o simulacro, conceito também abordado por Jean Baudrillard (1997). O pensador parte do princípio que a contemporaneidade está abarrotada de imagens, inclusive as de destruição e, colocar mais uma, seria somente mais outra imagem no meio de milhares sem significação alguma. Segundo o teórico: A arte nunca é o reflexo mecânico das condições positivas ou negativas do mundo, ela é sua ilusão exacerbada, o espelho hiperbólico. Num mundo votado à indiferença, a arte só pode acrescentar a essa indiferença. Girar em torno do vazio da imagem, do objeto que não é mais um objeto. (BAUDRILLARD, 1997, p. 84) Jean Baudrillard acredita que a arte contemporânea teria caído em sua própria armadilha, a de uma realidade irônica que não potencializa o real a partir de ilusões. A arte ironiza, finge o vazio e a insignificância como forma de significar, pois “é preciso que cada imagem subtraia da realidade do mundo, é preciso que em cada imagem alguma coisa desapareça” (BAUDRILLARD, 1997, p. 88-89), para aí sim termos o segredo da arte da simulação. No barroco, alguns artistas retrataram o futuro de toda construção arquitetônica como um trompe-l’oeil, onde este não possui a finalidade de se confundir com a realidade, mas possui o ensejo de criar uma terceira dimensão inventada, e de questionar sobre a veracidade desse outro espaço recriado. Segundo o teórico: O olho, em vez de ser gerador de um espaço reduplicado, não passa de um ponto de fuga interior à convergência dos objetos. Um outro universo se escava em direção à frente – não há horizonte, não há horizontalidade, trata-se de um espelho opaco erguido diante do olho, e não há nada atrás. Esta é propriamente a esfera da aparência – nada a ver, são as coisas que nos veem, elas não fogem à sua frente, dirigem-se para sua frente, com essa luz que lhes chega de outro lugar [...]. (BAUDRILLARD, 1997, p. 19) 86 Na narrativa de Adolfo Bioy Casares, um homem foge para uma ilha desconhecida com o intuito de se esconder de seus perseguidores. Ele escapa para próximo de uma casa que chama de museu e, de repente, começam a surgir outras pessoas na ilha, que por um breve instante, pensa que estão atrás dele. O fugitivo se apaixona por uma das moradoras, Faustine, porém, por mais que ele tente estabelecer um contato com ela, não consegue, chegando a acreditar que ou seria ele ou ela que estariam mortos. Em uma das passagens do livro, o autor nos mostra essa dificuldade do fugitivo em descobrir se é ele ou ela que está morto, o que se passa na ilha, mas sempre nos dando indícios de algo errado, de incongruências do tempo como na passagem onde ele está dentro do museu, escondido dos “moradores” e relata que: [...] escondi-me entre a primeira e a segunda fila de colunas de alabastro, no salão redondo, sobre o aquário. Logo abaixo nadavam peixes idênticos aos que eu removera, podres, nos dias de minha chegada (BIOY CASARES, 2006, p. 57) No final do livro, o autor deixa claro, que o personagem principal havia descoberto uma espécie de máquina filmadora, mas que não gravava somente imagens, ela também era capaz de reter os cheiros, os paladares, o vento/brisa, a sensação do mar e da terra. O fugitivo assiste a um filme que acredita ser real, passa-se na ilha durante o verão. Durante a descrição de seus relatos de seus dias e noite, percebemos que o personagem principal chegou durante o inverno. Descreve ainda que o local onde dormia, durante a maré cheia, ficava inundado e coberto por peixes mortos, o que tornava insuportável o lugar, mas durante o tempo em que se encontrava com Faustine, ele enxergava flores, sentia o cheiro de perfume, poderia até sentir a brisa do mar. Entretanto, a máquina filmadora provocava uma espécie de doença que matou todas aquelas pessoas, com quem o personagem principal estava, até então, convivendo, mesmo que às escondidas, e seu fim seria o mesmo. O que o fugitivo observa seria a imagem da imagem, tão real quanto a própria realidade, um simulacro dela, por isso ele pensa que Faustine exista de verdade assim como ele – arrisco- 87 me a pensar que talvez seja ele a simulação de um fugitivo criada por outro -. Numa das passagens do livro, podemos perceber com clareza essa confusão, o fugitivo está lendo o diário de Morel, o inventor da máquina, no qual este fala: Tive uma surpresa: depois de muito trabalho, ao congregar esses dados harmonicamente, encontrei pessoas reconstruídas, que desapareciam se eu desconectava o aparelho projetor, viviam apenas os momentos passados em que se gravara a cena e, ao terminá-los, voltavam a repeti-los, como se fossem partes de um disco ou de um filme que, uma vez terminado, tornasse a começar, mas que ninguém poderia distinguir das pessoas vivas (parecem circular em outro mundo, fortuitamente abordado pelo nosso). Se atribuímos consciência e tudo o que nos distingue dos objetos às pessoas que nos rodeiam, não poderemos negá-la àquelas criadas por meus aparelhos com nenhum argumento válido e exclusivo. Congregados os sentidos, surge a alma. Era de se esperar. Madeleine estava ali para a visão, Madeleine estava ali para a audição, Madeleine estava ali para o paladar, Madeleine estava ali para o olfato, Madeleine estava ali para o tato: Madeleine estava ali. (BIOY CASARES, 2006, p. 85) Entendo que Cristian Segura e o escritor Adolfo Bioy Casares trabalham com essa clave dos simulacros que possuem como objetivo o de questionar o princípio da realidade. O conceito se refere à imagem da imagem, portanto, ele torna-se outra coisa além de uma simples imagem, tal qual o fugitivo percebia Faustine, não como uma simples imagem, mas como uma realidade virtual tão real quanto se ela realmente existisse, pois se para o fugitivo, Faustine estava morta, então “que não há mais Faustine além dessa imagem, para a qual eu não existo” (BIOY CASARES, 2006, p. 114). O simulacro é a realidade, não é um “engana olhos” que tenta imitar outro espaço, assim como o trompe-l’oeil, o simulacro é a sua imagem própria e pura, por isso que o personagem principal fala que é ele que não existe para 88 Faustine, pois ele é mera imagem para ela. Faustine existe em sua própria realidade, não sendo, portanto uma mera imagem. Segundo Jean Baudrillard: A ilusão que procede da capacidade, através da invenção de formas, de separar-se do real, de contrapor-lhe uma outra cena, de passar para o outro lado do espelho, aquela que inventa um outro jogo e uma outra regra do jogo, é impossível daqui para frente, porque as imagens passam para as coisas. Elas não são mais o espelho da realidade, elas investiram o cerne da realidade e o transformaram em hiper-realidade, onde, de tela a tela, não há outro destino para a imagem do que a imagem. A imagem não pode mais imaginar o real, uma vez que ela é o real, ela não pode mais transcendê-lo, transfigurá-lo, nem sonhá-lo, uma vez que ela é a sua realidade virtual. Na realidade virtual é como se as coisas tivessem engolido seu espelho. (BAUDRILLARD, 1997, p. 91) As representações de destruição de Cristian Segura não se limitam somente à Bienal de Curitiba e em seus espaços urbanos, e muito menos nos dispositivos panópticos de vigilância que o artista argentino instala nos espaços urbanos e no museu. Em 2010, através de um site specific, utilizando a forma gráfica de revistas em quadrinhos, o artista realiza uma intervenção nas janelas do Museu de Arte das Américas, Washington DC, intitulado Fogo no museu (Imagem 19). Instala nas paredes externas do museu, em vinil, labaredas de fogo e uma espessa fumaça saindo pelas aberturas do espaço. A intervenção nos mostra a vulnerabilidade dos espaços institucionais a partir dessa simulação de incêndio. Podemos entender também, que as obras vistas anteriormente do artista argentino, questionam sobre a vulnerabilidade das construções e espaços de memória da cidade. As construções históricas transformadas em museus são mais vulneráveis a catástrofes como incêndios devido a falta de mecanismos de prevenção, como a existência de espaços 89 compartimentados que ajudam a limitar o fogo em determinadas áreas, de forma a não se espalhar por toda a construção tornando, assim, mais fácil o trabalho de extinção das chamas 14. O artista chama a atenção para o fato de que se acontecer um incêndio no museu, não é somente perigoso para a estrutura física do espaço, mas também, para a estrutura interna, ou melhor, para os objetos que esses lugares guardam. Um incêndio pode ocasionar o desaparecimento do patrimônio cultural que se encontra ali “protegido”. Imagem 19: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific, 2010. Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. Cristian Segura, na Galeria Baro, em São Paulo, no ano de 2011 instala no espaço, imagens vetorizadas das paredes do Museu de Arte das Américas, incluindo a intervenção de fogo 14 Fonte: Cristian Segura, em aula ministrada pela Prof. Dra Rosângela Miranda Cherem, no período de 05 a 09/12/2011, no curso História da Arte como Operação de Hipertexto, pertencente ao Programa de Pós Graduação em Artes Visuais/UDESC. 90 com as labaredas e fumaça saindo pelas janelas do espaço, além da documentação em vídeo da montagem/colagem da intervenção realizada em Washington DC, com o mesmo título: Fogo no Museu (Imagem 20 e 21), referindo-se também a incêndios que causaram grande destruição em acervos brasileiros. Segundo o artista: Con ello quise significar las diferentes maneras que tenemos de percibir el mismo trabajo según el contexto, ya que en el pasado Brasil sufrió dos perdidas irremplazables por el fuego. El 8 de Julio de 1978, un pavoroso incendio destruyó el Museo de Arte Moderna de Río de Janeiro reduciendo a cenizas su valioso patrimonio. Y más recientemente, en 17 de octubre de 2009, un incendio destruyó gran parte del acervo artístico y documental del artista brasileño Helio Oiticica (1937-1980) el cual se albergaba en una casa privada en Río de Janeiro bajo la tutela de su familia. (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p.176) Imagem 20: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific, 2011. (detalhe) Fonte: Disponível em: < http://barogaleria.com/exhibition/cristiansegura/> Acesso em: 25 de abril de 2013. 91 Imagem 21: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific, 2011. (detalhe do projeto) Fonte: Disponível em: < http://barogaleria.com/exhibition/cristiansegura/> Acesso em: 25 de abril de 2013. Observamos que o artista busca uma zona de perturbação através de dispositivos que possuem a capacidade de permitir outras experiências pelo observador. Aquelas situações tornam-se tão reais quanto a própria realidade, pois a iminência da destruição, permite que a ruína transforme-se em realidade. O teórico Jean Baudrillard (1997, p. 90) discute que “nós vivemos em um mundo de simulação, em um mundo em que a mais alta função do signo é fazer desaparecer a realidade, e mascarar ao mesmo tempo essa desaparição”. O teórico ainda fala que: Os seres, os objetos são conforme os transforma sua desaparição, que os muda. É nesse sentido que eles nos enganam, e que criam ilusão. Mas é nesse sentido também que eles são fiéis a si mesmos, e que devemo-lhes ser fiéis, no seu detalhe minucioso, na sua figuração exata, na ilusão sensual de sua aparência e de seu encadeamento. Pois a ilusão não se contrapõe à realidade, ela é uma realidade mais sutil que envolve a primeira com o signo de sua desaparição. (BAUDRILLARD, 1997, p. 41) 92 Os desastres que Cristian Segura nos apresenta são tão reais quanto o próprio desastre real. Ele produz imagens tão limpas, sem o excesso da destruição que vemos todos os dias pela televisão ou caminhando pelos espaços urbanos, que acaba criando outra realidade. Ele apresenta as labaredas saindo pelas janelas, o incêndio incontrolável, ou o estralo, o momento em que os vidros se quebram, esfacelam-se, o som do desastre, estridente e aterrorizador, como uma realidade “presentificada” na obra de arte, o simulacro “experienciado”. Cristian Segura propõe uma relação de participação do espectador, não uma participação no sentido de entrar, andar ao redor, girar, manipular, mas uma participação mais subjetiva e sutil, onde o observador possa experimentar o espaço de outras formas, com outros sentidos e memórias. O artista entende que, para isso, necessita utilizar, como subterfúgios, dispositivos que possam desencadear a experiência que ele espera, ou talvez, que o lugar queira. Os simulacros criados pelo artista argentino simulam a destruição através de sensações, na qual realmente acreditamos; não falam de uma ideia utópica, mas do incêndio iminente daquele Museu, assim como as palavras se tornam tão reais quanto o som dos vidros trincando e rachando. 93 94 CAPÍTULO III - CURADORIA E CRIAÇÃO: OS MUSEUS EM TRÂNSITO Cristian Segura propôs para o Festival de Arte e Cultura Contemporânea Estudio Abierto, em 2006, na cidade de Buenos Aires, o projeto Cartas de Referência: importância e formato. O trabalho foi realizado em conjunto com duas escritoras argentinas, Victoria D. Horwitz e María José Figuerero Torres, e distribuído gratuitamente 10.000 exemplares de um trabalho cujo conteúdo é a descrição, objetivo e modo de fazer uma carta de referência. Neste projeto, o artista argentino propõe aos visitantes e, quem sabe, artistas, curadores e pesquisadores, o acesso a uma forma prática de se fazer ou a quem pedir essa carta de referência, de modo a dar maior visibilidade e credibilidade ao projeto proposto. Ela se propõe a alcançar um objetivo maior, pois permite aprofundamentos em algumas partes onde somente o currículo não daria conta. No trabalho de Cristian Segura, realizado em conjunto com as escritoras, podese ler sobre a sinopse do que é o trabalho Carta de referência: Es decir que aquí proponemos, por un lado, formar conciencia entre los artistas acerca de la importancia de seleccionar al referencista adecuado y, por otra parte, ofrecemos un instrumento para que los referencistas redacten una carta útil para el candidato. Presentamos primero una definición de cartareferencia, describiendo su función e identificando a los protagonistas del proceso comunicativo. Luego incluimos una serie de recomendaciones, tanto para quien solicita la referencia, como para quien acepta escribirla. (SEGURA et al., 2006, p. 1-2) Ao longo da Carta de Referência, há diversos apontamentos sobre o processo de se escrever aprofundadamente sobre uma pessoa em poucas páginas e de modo dinâmico, de forma que o avaliador não se canse e desista no meio da leitura. Victoria D. Horwitz e María José Figuerero Torres fazem um trabalho bem completo, sendo, algumas vezes, repetitivo e exaustivo com alguns elementos/informações, talvez com o intuito de deixar bem claro qual a função desse objeto que 95 poderá impulsionar ou destruir uma carreira promissora se realizada de forma errada. Ao longo do trabalho, é descrito qual é a função de uma carta de referência, como deve ser escrita a mensagem e, principalmente, como se deve escolher a pessoa que irá redigir o documento, pois: El referencista ideal conoce bien al solicitante, tiene plena confianza en su capacidad, respeta su trayectoria y, finalmente, está dispuesto a volcar esas opiniones en una carta-referencia buena. En general, los mejores referencistas fueron evaluadores y participaron de procesos de selección similares y, como resultado de ello, conocen los códigos y expectativas de los evaluadores. (SEGURA et al., 2006, p. 3) Propõem-se que se deve solicitar somente às pessoas que tenham uma opinião favorável sobre a postura e o trabalho de quem pede, pois o redator tem como função a defesa do artista diante de um avaliador através de uma simples carta. Victoria D. Horwitz e María José Figuerero Torres ainda escrevem que se deve sempre entregar o máximo de documentos, arquivos, artigos e trabalhos realizados à pessoa que irá redigir a carta, de modo que realize uma boa apresentação sobre o currículo. Incluir também, trabalhos anteriores ou dificuldades que se possam ter, mas que podem ser colocadas de forma a acrescentar na apresentação, assim, a carta de referência cumpre sua função, ou como é finalizado o trabalho: En resumidas cuentas, un aspecto fundamental de la carta-referencia es que echa una luz distinta sobre los logros del candidato, asegurando que sus atributos se conviertan en ventajas al momento de comparar su propuesta con las del resto de los candidatos. A veces, cartas muy buenas logran sugerir al evaluador una manera particular de interpretar los antecedentes y capacidades del candidato. En otras palabras, pilotea la mirada del evaluador hacia los aspectos que el candidato prefiere 96 se destaquen, al mismo tiempo que la aleja de sus puntos flojos. Entonces, para qué sirve una carta-referencia?...ni más ni menos que para ayudar al candidato a llegar a la meta soñada. (SEGURA et al., 2006, p. 6) Cristian Segura procura discutir/questionar sobre os espaços institucionais – museus, galerias, feiras de arte – utilizando os próprios dispositivos, os próprios meios que esses espaços oferecem. Como discutido nos capítulos anteriores, o artista se utiliza da metalinguagem para falar sobre esses espaços institucionais. Seus trabalhos funcionam como se o próprio museu falasse sobre ele mesmo, no qual o trabalho Carta de Referência é um desses projetos coletivos que se inserem no Atlas/arquivo portátil de Cristian Segura. O artista questiona os trâmites das instituições museológicas de uma outra forma que não uma militância política, mas questionando sobre o porquê de determinados grupos dominarem cenários específicos e como os de fora desse espaço poderiam entrar a partir da utilização desse dispositivo comumente utilizado. Discute-se, agora, uma postura mais coletiva do artista argentino, onde convida outros artistas conterrâneos para participarem de projetos nos quais Cristian Segura atua tanto como curador quanto como artista, a partir do momento em que coloca, muitas vezes, seus próprios trabalhos nesse arquivo/ museus portáteis. A própria ideia de transportar/transformar o museu dentro de um ônibus, avião ou uma casa rural, funciona também como obra, pois seu trabalho artístico tem como discussão central o questionamento dos espaços institucionais e sua profanação. Com isso, expande o campo artístico a partir da diluição dos grupos que dominam os museus e galerias de arte, como também possibilita a circulação de suas curadorias em lugares e espaços não convencionais, “rascunhados” já em sua Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1). Segundo o próprio artista numa entrevista realizada em fevereiro de 2012: Encuentro en la curaduría una práctica en la que puedo cristalizar ideas, como en mis obras. Es así que al momento de pensar en ella lo hago también apasionadamente, empujando sus bordes en todas las direcciones posibles, y teniendo en cuenta el 97 contenido, el contenedor y el continente. “Entre Bienales”, por ejemplo, puede leerse como una curaduría de obras audiovisuales de arte argentino actual, con su propio andamiaje interno, que es a su vez una intervención a gran escala para hacer un comentario crítico sobre dos Bienales próximas geográficamente y sin vínculos entre ellas, al tiempo que explora un ámbito no convencional de exhibición en los circuitos cerrados de TV de ómnibus y aviones, y que va al encuentro de un público diverso, además de el del mundo del arte. (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p. 177-178) Nessia Leongini, na introdução do livro Uma breve história da curadoria (2010) de Hans Ulrich Obrist, fala que “a palavra curador vem do latim curare, que por sua vez chega à nossa língua como curar – na acepção de ‘cuidar’ ou ‘conservar’: tomar conta das obras de arte” (OBRIST, 2010, p. 9). Continua discutindo a função de curador ao longo da introdução do livro onde coloca que o que os curadores mais fazem é “olhar a arte e pensar sobre a sua relação com o mundo”, pois “um curador tenta identificar as vertentes e comportamentos do presente para enriquecer a compreensão da experiência estética. Ele agrupa a informação e cria conexões” (OBRIST, 2010, p. 10). Para Nessia Leongini, o papel do curador é justamente esse: criar relações entre o espaço físico da galeria/museu, as obras de arte e o público. Conseguir estabelecer conexões, possíveis leituras entre os artistas completamente diferentes, às vezes de épocas e de estilos, com o observador que, por sua vez, fará a sua própria leitura/conexão. Ao longo do livro de Hans Ulrich Obrist, composto somente por entrevistas realizadas pelo pesquisador-curador com outros curadores, percebe-se que muitos entendem dessa forma a atuação do curador como criador de proposições e conexões. Pode-se elencar a fala da curadora Anne d’Harnoncout, de 2006, que entende como sendo “alguém que cria conexões entre a arte e o público. (...) eu vejo os curadores como possibilitadores, como pessoas que são loucas por arte e querem dividir essa loucura com outras pessoas” (OBRIST, 2010, p. 219). 98 Cristian Segura procura realizar em seu trabalho artístico o agrupamento de informações e a criação de conexões entre as obras e o público, semelhantes as suas maquetes produzidas enquanto ainda trabalhava no Museu Municipal de Belas Artes de Tandil. Uma de suas primeiras obras, Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1) já mostra esse caminho do artista-etc argentino. A obra composta por uma maleta contendo a plantabaixa do Museu de Tandil, um indício de suas maquetes enquanto ainda era funcionário do espaço, serviam para pensar as obras dentro das salas expositivas e as possíveis leituras estabelecidas pelo público. Martin Grossmann, na introdução do livro No interior do cubo branco de Brian O’Doherty, fala que: [...] o cubo branco promove o mito de que estamos lá essencialmente como seres espirituais – o Olho é o Olho da Alma -, devemos ser vistos como incansáveis e estar acima das contingências do acaso e da mudança. Essa forma de vida insatisfatória e reduzida é o tipo de comportamento que tradicionalmente se exige nos santuários, onde o que importa é a supressão dos interesses individuais em favor dos interesses do grupo. (O’DOHERTY, 2002, p. XIX) Giorgio Agamben (2007) discute o espaço do museu como sendo o lugar sagrado no qual se destina a guardar a memória das civilizações. O teórico escreve que a partir da impossibilidade de se fazer experiência dentro dos espaços institucionais, tudo pode se tornar em museu partindo do pressuposto da incapacidade de o público usar e habitar. Cristian Segura questiona esse papel da instituição através de seus trabalhos artísticos no momento em que transgride a função da chave, carrega o museu em uma maleta de negócios, coloca um olho mágico na porta da administração e expõe ao público a fragilidade das estruturas que devem ser intocáveis e guardar/cuidar de um vasto arquivo de modo a perpetuar por toda a eternidade. O artista argentino desvirtua a função das instituições artísticas, até então sagradas, e as coloca mais perto do público. 99 Através de seus trabalhos de curadorias com a criação de coleções/acervos em trânsito, o artista transpõe o lugar do museu estático e o transforma em dinâmico, alargando assim, as fronteiras de caráter arquitetônico que passam a tomar parte de todo um espaço urbano e doméstico, como se observa nos trabalhos: Uma exposição que se move, apresentada na I Trienal de Chile (2009); Cabine de vídeos, na 11ª Bienal de Havana (2012) e Entre Bienais, na 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba (2011). Nesses trabalhos, o artista expande o lugar do museu e transforma essas exposições em nômades, não possuindo um lugar fixo, assim como os espectadores não necessitam “experienciar” os trabalhos audiovisuais necessariamente naqueles lugares escolhidos pelo artista. Cristian Segura foi convidado para participar da I Trienal do Chile que possui como característica um caráter descentrado. Diversas cidades chilenas contaram com exposições, oficinas e palestras vinculadas à Trienal. Pensando nesse caráter nômade, o artista veiculou vídeos de sua autoria dentro de ônibus de viagem que ligassem as cidades abarcadas pela Trienal de 2009. Semelhante proposta foi a realizada na 6ª VentoSul, em Curitiba, onde veiculou vídeos de outros artistas argentinos em ônibus e aviões que fizessem o trajeto Curitiba - Porto Alegre, com o objetivo de interligar duas Bienais importantes no circuito brasileiro. Além de utilizar espaços pouco comuns, monta/projeta uma cabine para a Bienal de Havana, em 2011, onde também mostra vídeos de outros artistas de diferentes nacionalidades, sendo que nesta configuração, o público tem a possibilidade de adquirir uma cópia do trabalho. O artista argentino continua a estabelecer outras leituras com o espaço museológico através de suas curadorias em espaços expositivos não institucionais como: livros, ônibus, aviões e cabines, nos quais mostra a possibilidade de criar um arquivo, um atlas composto por outros artistas argentinos contemporâneos ou modernos. Seus trabalhos de curadoria sugerem a criação de um museu imaginário, como propõe o teórico André Malraux no livro O museu imaginário (2011), no qual fala que os museus inventados são um fenômeno dos tempos modernos, época em que a reprodutibilidade técnica estava em alta e possibilitava a criação de novos acervos em livros, catálogos e pranchas de reproduções de obras de arte 100 consagradas e, inclusive, das salas dos grandes museus onde essas obras eram conservadas. Com o museu imaginário, ou melhor, com os catálogos, livros e pranchas de imagens, o público – estudantes, professores, curiosos – tem acesso e conhecimento sobre os grandes artistas consagrados pela história da arte, a possibilidade de conhecer suas obras mais importantes e, até mesmo, conhecer outros até então pouco discutidos sem a necessidade de visitar outros países ou cidades, ou seja, sem sair do conforto de suas casas. Brian O’Doherty escreve da seguinte forma quanto à estrutura das galerias e dos museus modernos: A galeria é construída de acordo com preceitos tão rigorosos quanto os da construção de uma igreja medieval. O mundo exterior não deve entrar, de modo que as janelas geralmente são lacradas. As paredes são pintadas de branco. O teto torna-se a fonte de luz. O chão de madeira é polido, para que você provoque estalidos austeros ao andar, ou acarpetados, para que você ande sem ruído. A arte é livre, como se dizia, “para assumir vida própria”. Uma mesa discreta talvez seja a única mobília. Nesse ambiente, um cinzeiro de pé torna-se quase um objeto sagrado, da mesma maneira que uma mangueira de incêndio num museu moderno não se parece com uma mangueira de incêndio, mas com uma charada artística. Completa-se a transposição modernista da percepção, da vida para os valores formais. Esta, claro, é uma das doenças fatais do modernismo. (O’DOHERTY, 2002, p.4) Carta de Referência, até então, parece deslocada, mas pensando que Cristian Segura através desse projeto se propõe a distribuir aproximadamente 10.000 exemplares de uma carta que contém informações preciosas para muitas pessoas, pode-se abordar seus trabalhos de curadoria como sendo cartas de referências para alguns artistas utilizarem posteriormente. Podese pensar, também, sobre a possibilidade de construção de um arquivo, na medida em que o artista precisa juntar todo um 101 material sobre seu trabalho e entregar a alguém que fará uma “descrição” dinâmica de tudo que o interessado produziu juntamente com seu currículo, de modo a ser visualizado por outro alguém de modo a despertar interesse. Tais quais os vídeos necessitam de uma dinâmica diferente quando expostos dentro de cabines, aviões ou ônibus de viagem do que se fossem expostos num museu/galeria da forma tradicional 15. Dentro desses espaços moventes os trabalhos em vídeos necessitam de outra sequência, de outro timming. De acordo com Cristian Segura: Como nota, el sonido no es algo menor en la mayoría de ellas. Tampoco el orden de los videos es arbitrario; es un diagrama de intensidades que busca mantener la atención del espectador durante toda la exhibición. (SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p. 177) Cristian Segura se propõe a uma circulação e difusão dos vídeos de novos artistas argentinos pelos espaços públicos, onde o visitante não se propõe somente a conhecer um novo artista indo a um museu, mas talvez ao contrário, o museu indo ao encontro do público. Um dos motivos de seu critério de escolha, tanto dos trabalhos quanto dos propositores, muitas vezes, dá-se pelo tempo das obras, ou seja, pela dinâmica da imagem em movimento ser capaz de manter o espectador atento. Semelhante atitude de utilizar outros espaços pouco comuns acontece no site specific intitulado Videoarte Club, na Galeria Florencia Loewenthal, no Chile, onde os visitantes podem assistir aos vídeos de artistas argentinos e do próprio artista-curador Cristian Segura no espaço da galeria ou alugá-los como se fossem filmes pegos de locadoras. Outra forma de montagem proposta pelo artista se observa no projeto Interfaces 10: diálogos visuais entre regiões (2008-2009), exposição coletiva onde atua como 15 Vídeos projetados numa parede por um monitor no qual a sala poderá ou não apresentar bancos para o público se sentar. Muitas vezes os observadores “pegam” os trabalhos em vídeos pela metade ou no final e, muitas vezes, não se dão ao trabalho de ficar o tempo inteiro do vídeo ou pelo menos assistirem até o ponto em que entraram na sala. 102 curador em conjunto com outro artista argentino, quando montam uma exposição em uma galeria e, parte do processo, compõe um pequeno catálogo – ensaio gráfico que funciona também como uma exposição portátil. O visitante no projeto Interfaces 10 é convidado a sentar-se numa poltrona confortável abrir o livro – que pode se aproximar à Carta de Referência - e vislumbrar uma amostra do pensamento plástico de cada artista que possui uma obra também no espaço físico do museu. Não há uma ordem pré-estabelecida, uma leitura obrigatória de início e fim, mas uma possibilidade de interagir de outras formas com o objeto artístico. Segundo Georges Didi-Huberman: No se “lee” un atlas como se lee una novela, un libro de historia o un argumento filosófico, desde la primera a la última página. Además, un atlas suele comenzar - no tardaremos en comprobarlo – de manera arbitraria o problemática, de modo muy diferente al comienzo de una historia o la premisa de un argumento; en cuanto a su final, suele aplazarse hasta que se presenta una nueva región, una nueva zona del saber que explorar, de suerte que un atlas casi nunca posee una forma que quepa dar por definitiva. (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 14) Já na exposição Analogias e confrontações: outros diálogos na arte argentina (2004), exposta no Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires, o artista argentino procura criar um grande panorama anacrônico colocando, lado a lado, artistas de épocas diferentes, mas que possuem pesquisas semelhantes, aproximando-se esteticamente tanto da linguagem quanto da discussão. Cristian Segura procura criar um panorama, um arquivo de artistas argentinos em seus projetos de curadorias de modo que o público possa visualizar seus vídeos ou de outros em início de carreira em cabines, em aviões ou em rascunhos de trabalhos em páginas de livro como um grande atlas. Suas exposições/curadorias procuram estabelecer um diálogo entre obra-público-espaço através da construção de um atlas ou um arquivo pessoal no qual pode ser olhado de qualquer forma/ordem e pode servir como material de pesquisa 103 posteriormente. Pode-se pensar que Cristian Segura faz um grande estudo sobre a arte produzida em seu país. Estudo, este, em constante construção. 1. O ATLAS COMO UM MUNDO PORTÁTIL DE CRISTIAN SEGURA O observador colocado diante de um arquivo/atlas com o objetivo de se pensar questões acerca da história da arte de sua cidade/país, no caso a Argentina, depara-se com a curadoria Analogias e confrontações: outros diálogos na arte argentina (Imagem 22), exposição realizada no Centro Cultural Recoleta, Buenos Aires em 2004. Projeto curatorial de Cristian Segura que possui como objetivo reunir diversos artistas de momentos históricos completamente diferentes, com produções entre os anos de 1925 e 1998. Imagem 22: (detalhe de uma das obras): Analogias e confrontações: outros diálogos na arte argentina, 2004. Curadoria: Cristian Segura. 104 Fonte: Disponível em: <http://www.arteba.org/08-0910/po/acciones/sala10/artanalogias.htm> Acesso em: 26 de abril de 2013. Os trabalhos de curadoria de Cristian Segura são uma extensão de seus trabalhos artísticos quanto ao questionamento das instituições museológicas, visto que procura realizar exposições em lugares inusitados e não institucionalizados. Ainda apresenta seus trabalhos artísticos e curatoriais como se fossem arquivos ou, numa aproximação com Carta de Referência, como se fosse uma apresentação dos novos artistas argentinos. Numa construção curatorial semelhante às pranchas de Aby Warburg, Analogias e confrontações propõe ao visitante conhecer e/ou reconhecer elementos/discussões que continuam a prevalecer na história da arte argentina durante aquele período. Essa exposição contou com parte do acervo do Museu Eduardo Sivori, Buenos Aires; Museu Provincial de Belas Artes, La Plata; coleção da Fundação Telefônica, além de obras de coleções privadas. A exposição procura um diálogo entre as obras de artistas argentinos contemporâneos e modernos de forma anacrônica, sendo que a proposta permite pensar acerca dos trabalhos existentes na história da arte argentina que possuem semelhanças formais, estéticas e de temas que possam estabelecer uma aproximação e diálogo ou confrontação. Aby Warburg propõe uma nova história da arte, mostrando que ela não é linear e é composta por imagens ou estruturas imagéticas que sempre retornam e são atualizadas de acordo com a época. O pesquisador trabalha a partir de uma memória coletiva, na qual percebe que algumas estruturas persistem ao longo de gerações. Cristian Segura propõe em seu projeto, mostrar as formas que retornam nos artistas argentinos além das questões que persistem tanto na arte moderna quanto na contemporânea, num processo semelhante à Aby Warburg. Segundo o curador-artista argentino para o catálogo/folheto da exposição Analogias e confrontações: La apuesta es pensar que existen trabajos que se aproximan entre sí – de un modo no jerárquico ni lineal – y establecen diálogos por sí mismos. De allí este juego intemporal 105 de correspondencia simbólica o visual, donde pueden verse, en un ritmo de constantes y transformaciones, tanto distintas formas de abordar los mismos tópicos como la pervivencia de esquemas, estructuras y temáticas. (SEGURA, 2004, s/p) Pode-se aproximar ao Atlas de Aby Warburg, no qual em 1929, o teórico deixou como legado uma enorme biblioteca, além de diversos textos, notas, rascunhos, tendo ainda alguns estudos inacabados e muitos nem sequer foram publicados. O Atlas é composto por “um conjunto de 63 painéis, onde tinha agrupado perto de mil fotografias, a que deu o mesmo nome grego [...] Mnemosyne, através do qual queria mostrar a permanência de certos valores expressivos” (GUERREIRO, s/d, s/p). O que Aby Warburg pretende é reunir o máximo de imagens que persistem na memória coletiva para compor seu trabalho Atlas Mnemosyne, que não possui um formato de livro e/ou catálogo, mas sim, é formado por imagens soltas e coladas em painéis que ficam umas ao lado das outras e podem ser modificadas, mudadas de lugar, à medida que se acrescentem novas imagens de forma a criar um diálogo entre elas e/ou à medida que as discussões tomam outros rumos. Cristian Segura, de forma semelhante, pensa seu projeto curatorial quanto à persistência de certas formas. O artista coloca no catálogo da exposição que “la historia del arte se modifica constantemente desde el presente a partir de las nuevas creaciones, pero también de las nuevas lecturas” (SEGURA, 2004, s/p). Como uma coleção particular, o artista nos apresenta um vasto panorama da arte argentina que se repete, reconstróise e reformula questões persistentes de formas análogas e diversas, pois o artista se coloca não somente como um simples curador que irá agrupar e ordenar algumas obras pensando numa conservação/leitura delas, mas pensa o projeto como sendo uma obra de arte. Georges Didi-Huberman fala sobre a experiência do contato com as lâminas/pranchas contendo imagens artísticas e de rituais indígenas de épocas completamente diferentes construídas pelo pesquisador Aby Warburg. O visitante/observador possui a oportunidade de conhecer a vasta pesquisa imagética não de uma forma linear, mas anacrônica, 106 sem ordem, início ou fim. Aby Warburg acredita que a história da arte deve ser escrita dessa forma: tempos, culturas, cidades e países entrelaçando-se, onde elementos pontuais aparecem de forma inesperada em qualquer época e em qualquer linguagem artística. Além disso, para o teórico é impossível uma linearidade da história da arte devido à dificuldade da conclusão do passado que se encontra constantemente em transformação e emergindo sempre no presente, ou seja, Aby Warburg pensa numa história sem cronologia onde elementos se confrontam e dialogam em épocas díspares (GUERREIRO, 2004). Cristian Segura da mesma forma que se assemelha a Aby Warburg, a de propor uma construção anacrônica da história da arte argentina, confrontando e realizando analogias entre os diversos artistas e obras, sua proposta curatorial possui um caráter arquivístico que será observado em outros trabalhos. O artista organiza como um atlas/arquivo, os diversos trabalhos de outros criando, assim, um museu imaginário onde questiona através do dispositivo-curadoria a possibilidade de transformála/transgredi-la em obra. Coleção como curadoria e como trabalho artístico, aparece na proposta Videoarte Club (Imagem 23), apresentado na Galeria Florencia Loewenthal, em Santiago (Chile). Anteriormente, a Galeria havia sido uma videolocadora de bairro, até ser comprada e modificada como um espaço expositivo. Cristian Segura não intervém nos espaços de modo aleatório, como já foi discutido, dessa forma, “reproduce la memoria del lugar, utilizándolo como instancia de exhibición y difución” (LETELIER, 2007, p. 17). O observador, ao invés de entrar numa galeria/museu estático, onde sair com algo nas mãos é caso de punição, nessa montagem em específico o artista argentino convida o participante a entrar num espaço de troca e empréstimo. Disponibilizando aos visitantes o aluguel de trabalhos de artistas argentinos, como: Esteban Álvarez, Eduardo Basualdo, Melina Berkenwald, Lorena Cardona, Margarita Paksa, Laura Spivak, entre diversos outros, contando ainda com o trabalho em vídeo do próprio idealizador e curador Cristian Segura. 107 Imagem 23: Cristian Segura, Videoarte Club, site specific, 2007. Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. Os conteúdos versam desde informações e/ou documentações sobre a arte argentina através de obras apropriadas ou re-leituras do próprio Cristian Segura (LETELIER, 2007), incluindo uma produção do artista-curador sobre seu período de trabalho no Museu Municipal de Tandil. Segundo María Elvira Iriarte: [...] reunió unos veinte trabajos de vídeo-arte de colegas argentinos, los embaló en cajas manipuladas y los colocó en uno de los muros, en repisas, como si se tratara de un local de venta o arriendo de este material. Y efectivamente, los videos podían ser arrendados por el público, aunque no exhibidos por la galería, con la excepción de uno, de la autoría del propio Segura, que muestra su frenética carrera por el museo de Tandil, aprovechando la apertura de algunas 108 salas que se encontraban en proceso de reforma. (IRIARTE, 2008, s/p) Como um site specific, o artista recria a sala da antiga videolocadora que um dia se encontrou naquele prédio. Cristian Segura disponibiliza para o aluguel 32 obras audiovisuais realizadas por 23 artistas argentinos no formato de DVD. Estabelecendo, assim, um “vínculo generado en el pasado con la gente del barrio Santa Isabel” 16, local totalmente desconexo aos circuitos artísticos, no qual, “al tiempo que se ponía en funcionamiento un nuevo modelo de distribución de obras en el circuito de arte contemporáneo”17. Cristian Segura, em 2004, deu inicio ao projeto intitulado TRIP, com o patrocínio da Fundação Antorchas, que possui como objetivo transformar uma casa rural em um espaço para experimentação e exibição artística. Têm-se delineado, assim, o desejo de tornar a arte mais dinâmica e móvel a partir do momento que pensa na possibilidade do espaço museológico encontrar-se em constante trânsito. O artista argentino torna o museu mais maleável de forma a não se submeter somente a um plano físico arquitetural e estável. O projeto TRIP retira o museu de sua áurea intocável, como se fosse a maleta, que agora carrega pequenas obras, pequenas exposições de outros artistas chegando a lugares “inacessíveis”. Segundo Cristian Segura: Se distingue de los espacios expositivos tradicionales fundamentalmente por sus posibilidades de itinerancia, lo que le proporciona un gran dinamismo en el acercamiento e intercambio con todos los sectores sociales, tanto en las zonas urbanas como rurales, mediante programas expositivos dinámicos abiertos a todas las disciplinas artísticas actuales y con un servicio de biblioteca de arte contemporáneo para consulta pública en continua actualización. 18 16 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 148 (abril/2013). Idem. 18 Idem. 17 109 Videoarte Club (Imagem 23) e TRIP se assemelham na vontade de estabelecer uma relação maior entre arte e público, entre a arte e o espaço museológico a partir das experiências do observador. TRIP se propõe a levar exibições artísticas para outros espaços, como uma praça e/ou um pátio de colégio. Se, porventura, existisse alguma dificuldade das pessoas irem a exposições, o artista argentino se propõe a acabar com essa dificuldade gerada pela distância ou pela preguiça de se locomover. Cristian Segura propõe ao visitante a possibilidade de levar suas obras audiovisuais para onde queira, assistir no conforto de sua casa, comer pipoca, convidar os amigos, ficar um ou dois dias com o trabalho, pausar e continuar mais tarde. O trabalho, em cada espaço, adquiri uma nova configuração, são os mesmos artistas, os mesmos trabalhos que se encontram nas salas expositivas assim como nas caixas de DVD, mas não há uma ordem, não há a necessidade de se assistir a todos e muito menos por completo caso não agrade e/ou interesse. Se, nos seus primeiros trabalhos, cabia somente ao artista o papel de tornar o museu uma extensão de sua casa, de sua mesa de refeição e de trabalho e na mala que carrega seus pertences, o artista possibilita agora ao visitante essa experiência de carregar as obras do museu para dentro de sua casa, de criar uma extensão entre museu e espaço doméstico. 2. OS LIVROS DE CRISTIAN SEGURA COMO MUSEUS IMAGINÁRIOS O projeto Interfaces 10: diálogos visuais entre regiões (Imagem 24) conta com a participação de Cristian Segura e de Gustavo Insaurralde. O projeto envolveu diversos artistas, curadores e instituições de várias cidades da Argentina, tendo sido realizadas dez exposições e posteriormente um grande livro/catálogo que serve como uma exposição portátil a partir dos projetos, rascunhos e/ou desenhos dos artistas convidados para exporem. O projeto Interfaces foi organizado pela Direção de Artes Visuais da Secretaria de Cultura da Nação e apoiado pelo Fundo Nacional de Artes da Argentina, sendo que 110 o projeto inteiro é realizado/concebido por Andrés Duprat e Tulio Sagastizábal e conta ao todo com 10 exposições. Imagem 24: (detalhes do catálogo): Interfaces 10: diálogos visuais entre regiões, Tandil e Resistencia. 2008-2009. Curadores: Cristian Segura e Gustavo Insaurralde. Fonte: Fotografia da própria autora, arquivo pessoal. O objetivo do projeto é convidar curadores de diferentes cidades argentinas para trabalharem em dupla, estabelecendo assim, diálogos entre as cidades, os curadores e os artistas em início de carreira. Não necessariamente é um critério a escolha de novos artistas, pois o projeto Interfaces é proposto como forma de compartilhar a produção visual de diferentes cidades da Argentina gerando um sistema de troca e/ou intercâmbio. Notase que nesse projeto a experiência de diálogos foi intensa, pois cada curador tinha a função de escolher, na cidade de sua dupla, o artista e o trabalho a ser exposto. Assim, Cristian Segura fica responsável pela cidade de Resistencia e Gustavo Insaurralde, por Tandil. Pode-se estabelecer uma leitura também com o trabalho Carta de Referência partindo do pressuposto que cada artista teve que juntar seu material de forma coerente e interessante para chamar a atenção dos curadores do projeto Interfaces. 111 Segundo Cristian Segura e Gustavo Insaurralde no texto O próximo a aparecer, que pode ser lido no catálogo/exposição/ensaio portátil Interfaces 10 (Imagem 24), escrevem da seguinte forma: El programa INTERFACES nos plantea una dinámica de trabajo curatorial clara: medir las intensidades de lo que se está produciendo en materia de artes visuales en una ciudad que no es la nuestra y confrontarla con la propia, en un trabajo cruzado de colaboración y diálogo con el curador local. El resultado es un recorte representativo y de convivencia de enfoques de las dos escenas, Tandil y Resistencia, bajo el diagrama de una exposición. (DUPRAT & SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p. 5) Ambos procuram estabelecer um diálogo entre os artistas de cada cidade e utilizar o material recolhido durante as investigações que realizaram durante o trabalho com cada propositor convidado. O projeto Interfaces 10, foi dividido em duas partes – permito-me abordar dessa forma -, que originaram duas exposições simultâneas: uma com as obras finalizadas que foram exibidas nos museus de cada cidade e a outra com o arquivo coletado que se tratava dos esboços dos artistas convidados pelos curadores que, posteriormente, constituíram parte da publicação que se encontra no espaço expositivo e que também funciona como uma espécie de catálogo, visto que os organizadores do projeto compilam todos os textos produzidos e desenhos/maquetes/projetos dos artistas expositores. Cristian Segura fala que juntamente com Gustavo Insaurralde: Hemos decidido entonces, recuperar y poner en circulación una selección del material recogido durante nuestra investigación y darle espesura en el catálogo, a modo de un cuaderno de campo, cuya puesta en página se presenta como un ensayo gráfico. (DUPRAT & SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p. 5) 112 O livro-catálogo-ensaio gráfico publicado sobre esse projeto expositivo não é visto como uma explicação das obras ou como um catálogo da exposição que contem todas as obras fotografadas. O livro funciona como um museu imaginário composto por textos, notas, projetos e fotografias dos trabalhos/propostas de cada artista escolhido. Já a exposição física no museu conta com a obra finalizada que, muitas vezes, não condiz com o rascunho no livro-ensaio-gráfico. Segundo Justo Pastor Mellado, quanto a outras obras de Cristian Segura, mas que se pode aproximar a esta proposta, escreve da seguinte forma sobre os novos espaços de exposição/divulgação: […] cuando la musealidad se desarrolla como extensión del espacio editorial, en el umbral de una nueva industria del espectáculo. Los museos son grandes instituciones que, además de producir exposiciones, editan impresos, fabrican libros. Al punto de pensar, de manera paródica, que las exposiciones pueden llegar a ser nada más (ni nada menos) que plataformas de lanzamientos de libros. (MELLADO, 2005, s/p) Os curadores argentinos, Cristian Segura e Gustavo Insaurralde, pensam o espaço do livro como sendo um espaço expositivo, uma extensão da sala expositiva de um museu tomando outras formas e realizando outros diálogos. Nos primeiros trabalhos de Cristian Segura, observa-se uma profanação do espaço museológico, na qual o artista utiliza os próprios dispositivos do meio para questioná-lo. Penso que essa aproximação é válida, também, no projeto Interfaces 10, pois utilizando os próprios dispositivos dos museus, de manter eternas as exposições, Cristian Segura profana o livro-catálogo de modo a não se tornar um testamento, mas uma outra exposição portátil, composta por outras obras. Segundo o texto, Una vuelta de tuerca, escrito por Justo Pastor Mellado: Teniendo en cuenta lo anterior, Cristian Segura y Gustavo Insaurralde platearon la vuelta de tuerca, que consiste en aprovechar la fuerza existente y orientarla en un sentido 113 un poco fuera del eje: fuera del rumbo habitual de los montajes. Aquí, montaje adquiere un sentido más amplio, que se refiere, por ejemplo, a la puesta en escena de una iniciativa de investigación de campo. Por esta razón el montaje de la investigación es diferente del montaje de la exposición de los resultados. Esto corresponde a una simple distinción de método, en la que ambos procesos suponen momentos y mecanismos de trabajo diferentes. (…) Los procesos no se exponen, se editan. Esa es una gran diferencia. Y para eso, es preciso un soporte adecuado a nuevas perspectivas de visibilidad de las obras. (DUPRAT & SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p. 7) Cristian Segura e Gustavo Insaurralde, além de utilizarem o próprio dispositivo livro como forma de questionar a instituição, também o utiliza como criação de arquivo a partir das obras – projetos, rascunhos, desenhos, textos – dos artistas das cidades de Resistencia e Tandil. Eles proporcionam ao visitante pensar sobre como os propositores trabalham, por onde caminham até chegarem à obra física. A partir desse material compilado pelos curadores, podem-se visualizar os caminhos percorridos pela ideia até a execução do trabalho. André Malraux no livro O museu imaginário (2011), fala sobre a criação de um espaço imaginário que contem todas as obras possíveis, onde nós mesmos somos os curadores desses museus individuais e personalizados. E dentro desses espaços museológicos, encontram-se os esboços e os croquis. O teórico fala que o esboço na pintura possui o objetivo de um estudo, no qual somente os rascunhos dos grandes pintores eram valorizados e conservados como obras-primas, pois possuíam a qualidade de obras iguais ao do quadro mais belo do artista. Cristian Segura e Gustavo Insaurralde possibilitam na curadoria do projeto Interfaces 10, o esboço tornar-se parte da obra final, no qual obra e rascunho complementam um a leitura do outro, além de mostrar ao público o arquivo como obra. Segundo Justo Pastor Mellado: 114 [...] Lo que ocurre, es que los materiales preparatorios se han convertido en objetos de deseo para los operadores y constructores de archivos. Es decir, el archivo y su manejo se han consolidado como una zona de trabajo en nuestras escenas. Su exhibición entra a modificar las concepciones de montaje y recurrimos a tomar prestadas las vitrinas de las bibliotecas y de los museos de ciencias naturales, para disponer documentos destinados a poner en valor aspectos biográficos que pudieran contribuir a la formación de un mito; es decir, favorecer la mirada sobre el contexto, con el propósito de adquirir una cercanía reconfortante con los momentos originales del artista. (DUPRAT & SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p. 8) Cristian Segura e Gustavo Insaurralde elevam a condição do esboço – qualidade a muito explorada pela arte contemporânea – a uma obra final, semelhante ao processo que o artista Marcel Duchamp propõe através dos múltiplos e dos objetos deslocados de contexto 19. Os artistas-curadores permitem que os visitantes explorem um grande atlas/arquivo das obras que se encontram nos museus das cidades participantes do projeto permitindo, assim, que o visitante entre em contato tanto com os esboços quanto com as obras finalizadas de modo a estabelecer diálogos e experiências com ambas. Acessar o livro-ensaio gráfico de modo a complementar a leitura das obras, de forma a ter um novo olhar diante da 19 Marcel Duchamp, como tratado nos outros capítulos, num diálogo com a obra de Cristian Segura, propõe pranchas contendo reproduções de seus trabalhos, miniaturas, textos, notas sobre algumas obras, originais ou não colocadas no interior de uma maleta/valise. Nesse caso, Interfaces 10, proponho a aproximação do esboço como uma obra final, assim como as reproduções de Marcel Duchamp que podem ser olhadas sem uma ordem pré-estabelecida, gerando diálogos e confrontações umas com as outras que funcionam também como trabalhos artísticos completamente diferentes dos “originais”, de forma a estabelecer um diálogo rico quanto a obra do artista francês. 115 exposição que se faz em dois momentos bem distintos. Para Georges Didi-Huberman: La experiencia muestra que casi siempre usamos el atlas combinando esos dos gestos, tan disímiles en apariencia: los abrimos, sí, para buscar en él una información precisa, pero obtenida la información, no abandonamos forzosamente el atlas, sino que recorremos una y otra vez todas sus bifurcaciones, sin poder cerrar la colección de láminas antes de haber deambulado cierto tiempo, erráticos, sin intención precisa, a través de su bosque, su dédalo, su tesoro. Hasta la próxima vez, igual de inútil o de fecunda. (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 14) André Malraux fala que “uma galeria não devia ser um conjunto de quadros, mas a posse permanente de espetáculos imaginários e seleccionados” (MALRAUX, 2011, p. 19). A partir disso, pode-se pensar que os museus imaginários são semelhantes às pranchas imagéticas construídas por Aby Warburg, talvez não com esse caráter anacrônico de perceber detalhes, imagens ou assuntos que persistem ao longo dos anos e culturas, mas como um recorte daquilo que interessa. Assim como se pode ter a posse de alguns artistas argentinos selecionados por Cristian Segura e Gustavo Insaurralde, pode-se ter também a posse de alguns artistas brasileiros e estrangeiros através do museu imaginário proposto pela curadora e professora Regina Melim que idealiza a exposição portátil Amor: leve com você (Love: take with you) (Imagem 25), que, temporariamente, ocupa uma sala expositiva onde o espectador visitante pode levar consigo um exemplar, um múltiplo da exposição. 116 Imagem 25: (detalhes da exposição portátil): Amor: Leve com você (Love: Take with you), 2007. (Página aberta: Rimon Guimarães). Fonte: Disponível em: <http://cadernosafetivos.blogspot.com.br/2009/06/exposicoes-portateisregina-melim.html> © Fotografia: Márcia Regina Sousa. Acesso em: 25 de maio de 2013. Cristian Segura e Gustavo Insaurralde apresentam os projetos, rascunhos e ideias do que os artistas pensaram em fazer e, talvez, realizaram algo completamente diferente do que estava exposto nas salas dos museus; já os museus imaginários de Regina Melim contam com proposições artísticas no estilo Fluxus, o de sugerir ideias na qual o espectador fica encarregado de colocar em prática, ele se torna o performer. Segundo Regina Melim, no texto introdutório do livro que se aproxima ao texto da parede de um museu/galeria, fala que: O seu formato livro (de bolso) busca deslocar o que sempre esteve vinculado como informação secundária ou registro de uma exposição, para tornar-se, ela própria – a 117 publicação – o veículo primário das proposições artísticas que aqui se inserem. Além disso, pensada para desafiar algumas regras que geralmente governam as mostras de arte, este formato portátil de exposição visa propor uma temporalidade diferenciada, alargada e que resiste ao tempo formatado de sua cultura, normalmente estabelecida pela fórmula: começou – acabou. E, quando desmanchada, tudo é novamente pintado de branco. (MELIM, 2007, p. 6-7) Com as propostas curatoriais em espaços alternativos, Cristian Segura e Gustavo Insaurralde, possibilitam ao observador carregar as obras artísticas, de ter a chance de possuir nas estantes de livros de suas casas um catálogo/atlas sem a necessidade de furar paredes ou conseguir um espaço na mesa. O museu imaginário proposto por Regina Melim, que possui como base instruções semelhantes às proposições do grupo Fluxus, diferencia-se da proposta de Cristian Segura e Gustavo Insaurralde. As dos artistas-curadores argentinos não possuem o caráter “por fazer”, o ensaio gráfico/livro é em si a própria exposição portátil a parte do que se encontra na sala do museu de Tandil e de Resistencia. As exposições em livros possuem esse aspecto móvel, onde o observador entra em contato com um museu em trânsito, o espaço institucional transposto para dentro de um livro. Nas obras de Cristian Segura: Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1) e Mesa de trabalho e Reflexão (Imagem 6), discutidos anteriormente, podem ser visualizados o caráter indiciário dos museus, dos espaços institucionais onde o artista trabalhou por algum tempo e se tornam objetos de sua pesquisa. As instituições museológicas se tornam objetos de seu questionamento tanto em obras de arte quanto em projetos de curadorias que tomam uma dimensão também artística. Se antes o artista argentino apresenta as salas expositivas vazias, agora as mostra cheias de outros em inicio de carreira e com uma configuração completamente diferente de um espaço arquitetônico estável. 118 3. OS MUSEUS EM TRÂNSITO: A EXPERIÊNCIA DO SEDESTRE Em Videoarte Club (Imagem 23) e Analogias e confrontações (Imagem 22), Cristian Segura concentra em um único lugar parte do arquivo da história da arte argentina, questionando também o lugar estático do museu. O visitante nessas propostas curatoriais e artísticas possui a escolha de alugar/pegar emprestado e assistir em sua casa obras audiovisuais ou, ainda, observar os temas, as matérias e as discussões que prevalecem ao longo da arte moderna e contemporânea argentina. Percebe-se com esse ato, que o museu/galeria torna-se dinâmico e móvel, sua arquitetura se dilui e se transforma em sua casa, em um livro ou em uma videolocadora, pois “o espaço é hoje apenas o lugar onde as coisas acontecem; as coisas fazem o espaço existir” (O’DOHERTY, 2002, p. 36). Cristian Segura, em 2009, é convidado para expor na I Trienal do Chile onde realiza o projeto Exposição que se move (Imagem 26). Seleciona alguns vídeos produzidos por ele, cujo tema em comum versa sobre a reflexão acerca do papel dos museus e sobre os limites institucionais no campo artístico. Com a curadoria de Ticio Escobar, a I Trienal do Chile, intitulada Os limites da Arte, estendeu-se, ao todo, por sete cidades do país, utilizando as estruturas arquitetônicas existentes de cada lugar, porém o artista propõe algo diferente: o de ocupar os espaços existentes entre cada cidade. A partir disso, seus vídeos são projetados nas televisões dentro dos ônibus de viagens intermunicipais chilenos. Imagem 26: Cristian Segura, Uma exposição que se move, intervenção site-specfic, 2009. 119 Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. A I Trienal do Chile tem como característica a não concentração de exposições, colóquios e palestras numa mesma cidade ou num mesmo centro cultural do país – tal qual acontece com as Bienais do Brasil que se concentram somente em São Paulo, Porto Alegre ou Curitiba, não se expandindo pelo território brasileiro -. Sua proposta é a de abarcar outras cidades pelo território chileno, que normalmente não recebem esses eventos por serem distantes dos centros culturais. Segundo o jornalista José Luis Estéves, para o jornal El Pais, Espanha, sobre a Trienal do Chile fala que: El diseño del proyecto es muy ambicioso y no tiene paragón en toda Latinoamérica. Por primera vez las exposiciones y debates que forman el eje de cualquier acontecimiento de este tipo no se limitan a la capital del país o a una de sus principales ciudades. La trienal es un acontecimiento artístico casi inabarcable que se celebra en ciudades separadas por largas distancias. Es una de las raras ocasiones en las que se ha tenido menos en cuenta a los críticos, comisarios y turistas y se ha dado prioridad a la población local que va a tener ocasión de ver en su propia ciudad 120 las obras de destacados artistas latinoamericanos. (ESTÉVEZ, 2009, s/p) Cristian Segura vai além tanto dos limites geográficos das próprias cidades quanto dos limites arquitetônicos dos museus, não ficando preso somente às escolhidas pelo curador da Trienal, mas, também, ocupando os territórios de passagem, que são as ruas/avenidas/rodovias que interligam uma cidade a outra. Pode-se dizer que o artista busca uma vivência dos nãolugares, que para o teórico Marc Augé (2007, p. 87) “os nãolugares criam tensão solitária”, ou seja, criam lugares sem significações e memórias. A passagem por estes não-lugares é tão rápida que não se consegue vivenciá-los, ou melhor, observar ou dar-se conta de que eles existem e estão presentes no entorno. A partir da proposta do artista, pode-se estabelecer uma relação com esses espaços de trânsito. Numa entrevista realizada em fevereiro de 2012, Cristian Segura fala que: […] se desplega en siete ciudades, de Antofagasta a Valdivia, con exhibiciones y coloquios que utilizaban la infraestructura pública existente, como los museos. Pensé entonces en todo aquello que quedaba afuera del circuito establecido, tanto por los límites institucionales como los geográficos mencionados. Fue entonces que decidí poner mis producciones audiovisuales en los circuitos cerrados de TV de autobuses públicos de media y larga distancia para alcanzar todo el territorio nacional, más de 2 millones de kilómetros cuadrados, llegando así a sitios completamente aislados de toda presencia de museos, galerías o instituciones similares. (SCHVARTZ & AMARANTE, 20122013, p. 177) Observa-se que o artista argentino procura fazer com que a arte atinja cada vez mais pessoas, da mesma forma em que não mostra somente os artistas consagrados da história da arte, mas também aqueles que estão em começo de carreira. Processo semelhante que realiza com o trabalho Carta de Referência de cuja meta é o de dar dicas e/ou orientações 121 quanto à escolha do redator, selecionar os pontos que devem ser abordados e trabalhados de forma eficaz. Permito-me abordar nessas últimas propostas de Cristian Segura a sua evidente vontade de criar um arquivo/atlas sobre a arte argentina, buscando meios diversos para atuar. Segundo Francisco Pablo Medeiros Paniagua, para o livro Cristian Segura e a poética do coeficiente (2012): [...] no campo artístico, assume a condição de artista, gestor, curador e teórico, e deste conjunto múltiplo e inter-relacionado constrói um particular conjunto que confere aporte para sua obra, transformando-a em uma plataforma multidirecional de investigação e criação artística. (CHEREM & MAKOWIECKY, 2012, p. 154) Nessa clave de museus em trânsito e da ocupação de não-lugares, de espaços de trânsito que não necessitam/não pedem um vivência por parte do espectador, têm-se o projeto Entre Bienais (Imagem 27), realizado na 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba, em 2011. Além das intervenções realizadas em alguns espaços públicos da capital paranaense, Cristian Segura também atuou como um artista-curador na Bienal propondo um projeto semelhante ao que foi realizado na I Trienal do Chile. Imagem 27: (cartaz) Cristian Segura, Entre Bienais, intervenção sitespecfic, 2011. 122 Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. O artista argentino utiliza no projeto da Bienal de Curitiba não somente as televisões dentro dos ônibus interestaduais, mas, também, as televisões de aviões como suportes para mostrar os vídeos produzidos por 14 artistas argentinos no trajeto Curitiba-Porto Alegre. Entre os artistas convidados estão: Eduardo Basualdo, Toia Bonino, Andrés Denegri, Silvia Rivas, Cintia Clara Romero, entre outros. Nesse trajeto, Curitiba e Porto Alegre, Cristian Segura procura estabelecer um diálogo entre as duas cidades que, simultaneamente, abarcam duas bienais distintas: a 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba e a 8ª Bienal do MERCOSUL (Porto Alegre). Ambas não possuem qualquer tipo de diálogo entre si, tais como eventos, palestras e/ou discussões que poderiam vir a acontecer em conjunto com ambas as cidades de modo a enriquecer o diálogo entre o meio artístico e os visitantes. Segundo Cristian Segura: 123 Me propuse entonces vincularlas mediante un proyecto de exhibición de obras audiovisuales de artistas argentinos en los ómnibus y aviones públicos que transitan ese trayecto. Propuse a los organizadores de la Bienal VentoSul llevar adelante esta intervención, especificado que contendría una curaduría de obras audiovisuales de arte argentino actual, con su propio andamiaje interno, al tiempo que exploraría un ámbito no convencional de exhibición como son los circuitos cerrados de TV de ómnibus y aviones, y que iría al encuentro de un público diverso, además de el del mundo del arte. 20 Cristian Segura propõe uma visualização das obras audiovisuais de um modo completamente diferente se fossem expostos dentro de uma galeria ou museu. Os observadores no recinto da exposição – leia-se ônibus ou avião - já devem estar sentados, atentos para o próximo passo, como o ligar do motor, colocar os cintos de segurança e todo aquele aviso sobre o caso de o avião cair no mar qual a melhor atitude a ser tomada. O artista edita os vídeos de tal forma que o visitante/viajante é obrigado a prestar atenção nessas imagens que passam na pequena tela do ônibus ou avião. Propondo ao visitante uma leitura sentada, assim como um sedestre que abre um atlas aleatoriamente ou lida com um arquivo horizontalmente, pode-se aproximar essa leitura com Mesa de trabalho e Reflexão (Imagem 6). O artista disponibiliza sua mesa de trabalho, sua mesa de refeição, seu ateliê e seu retrato num único objeto que carrega diversos significados diferentes. Tanto representa o retrato do artista, como seu ateliê e local de trabalho quanto uma proposta de local ou modo de leitura dos trabalhos audiovisuais. Georges Didi-Huberman afirma que: La mesa es mero soporte de una labor que siempre se puede corregir, modificar, cuando no comenzar de nuevo. Una superficie de 20 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 147 (abril/2013). 124 encuentros y de posiciones pasajeras: en ella se pone y se quita alternativamente todo cuanto su “plano de trabajo”, como decimos tan bien en francés, recibe sin jerarquía. (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 18-19) Georges Didi-Huberman trata a mesa como suporte onde se colocam os objetos sem qualquer hierarquia e pode-se observar toda a carga imagética de textos e artistas sem uma ordem pré-definida. As leituras, as analogias e as confrontações se dão num plano totalmente horizontal. Permito-me aproximar ao projeto Interfaces 10 (imagem 24) que possui uma leitura horizontal assim como o de um atlas, um abrir sem ordem. Mesmo que o visitante se encontre no recinto (museu), a leitura, até então pautada num abrir e fechar de um livro se estende também para o campo físico da sala expositiva, assim como acontece com os trabalhos audiovisuais que tomam os espaços de filmes de diversão e avisos de segurança. A mesa é a representação da possibilidade de leitura que o visitante encontra nos vídeos, uma leitura que se aproxima da proposta de Aby Warburg que estende sua coleção imagética no plano horizontal de modo a criar conexões diversas. Com a curadoria de Cristian Segura, os vídeos são apresentados sem hierarquia e a escolha pautada de modo a não se tornar uma observação/leitura exaustiva por parte do visitante. O artista argentino apresenta uma das possíveis leituras de seus arquivos que se desdobra à medida que as obras audiovisuais são distribuídas ao público. Já no site specific Cabine de Exibição Audiovisual (Imagem 28), realizado na 11ª Bienal de Havana, Cuba em 2012, Cristian Segura projeta um dispositivo semelhante a um cinema solitário em miniatura, como uma cabine individual, de forma que os visitantes possam entrar, um a um, e assistir gratuitamente as obras audiovisuais de outros artistas, que nesse caso não são somente argentinos, mas também brasileiros, estadunidenses, cubanos, colombianos, etc.. Imagem 28: Cristian Segura, Cabine de Exibição Audiovisual, projeto do site specific, 2012. 125 Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista. O projeto funciona de duas formas: uma é a cabine individual e, a outra forma, é a distribuição gratuita dos vídeos em formato de DVD, no qual os observadores podem assistir no conforto de suas casas. Segundo Cristian Segura: Cabina de Exhibición Audiovisual, es una obra que realicé en la 11° Bienal de La Habana y que consta de dos partes. Por un lado, una doble cabina audiovisual, instalada en el Pabellón Cuba, al que asiste, mayormente, el público especializado, por tratarse de una sede de la Bienal. Por el otro, su edición en DVD, para uso doméstico y de distribución gratuita, con el objetivo de alcanzar a un público más amplio, heterogéneo y diverso, habida cuenta de que en la isla, después de la crisis económica de 126 los 90, han proliferado multigeneracionales. 21 los hogares Nesse projeto, Cristian Segura não convida somente seus conterrâneos, mas também de outros países, com contextos diferentes da Argentina e, principalmente de Cuba. Entre eles, participaram: Elia Alba, Lucas Bambozzi, Yoshua Okón, Regina Silveira e diversos outros, incluindo sempre seu próprio trabalho audiovisual. O artista argentino não atrela sua escolha somente aos novos artistas, mas procura convidar os já conceituados como a brasileira Regina Silveira, que possui uma história relevante dentro do contexto artístico nacional e internacional. Os artistas convidados colocam em suas “cartas de referências” a participação de uma exposição coletiva em uma Bienal/Trienal sob a curadoria de Cristian Segura, ainda mais com a possibilidade de ser móvel, ou seja, de circular tanto por entre cidades quanto por meio da distribuição de múltiplos entre a população. O fator de circular, não ficar somente em um espaço físico e ser observado/lido somente por um grupo específico de visitantes, é interessante para o artista. O museu imaginário, como proposto por André Malraux, é explorado em projetos artísticos, como os de Cristian Segura, transformando-se em temas de discussão. Segundo André Malraux: Hoje, um estudante dispõe da reprodução a cores da maior parte das obras magistrais, descobre muitas pinturas secundárias, as artes arcaicas, a escultura indiana, chinesa, japonesa e pré-colombiana das épocas mais antigas, uma parte da arte bizantina, os frescos românicos, as artes selvagens e populares. Em 1850, quantas estátuas estavam reproduzidas? Os nossos álbuns encontraram na escultura – que a monocromia reproduz mais fielmente do que reproduz um quadro – o seu domínio privilegiado. Conhecia-se o Louvre (e algumas das suas dependências), que cada um recordava como podia; hoje, dispomos de 21 Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 149 (abril/2013). 127 mais obras significativas, capazes de colmatar as falhas da memória, do que as que um grande museu é capaz de conter. (MALRAUX, 2011, p. 13) Cristian Segura através de seus trabalhos artísticos propõe a criação de um museu imaginário, um atlas/arquivo da arte argentina convidando os novos, os que já estão trilhando o caminho do campo artístico, assim como os de outras nacionalidades, como aconteceu em Cuba. O artista argentino aos poucos foi amadurecendo seu trabalho e seu posicionamento de forma mais contundente e com questões mais pertinentes quanto às instituições museológicas. Apresenta-nos a possibilidade de carregar o museu em uma maleta de negócios para diversos pontos da cidade e continentes. Essa mesma maleta, esse mesmo dispositivo móvel, agora, é transposto para dentro de ônibus, aviões e cabines audiovisuais. A mesa onde trabalha é retirada de seu contexto, tornando-se seu autorretrato, porém, a mesa também é a ideia da horizontalidade, a ideia da leitura de um atlas, ou melhor, a mesa é o atlas no qual dispomos sem hierarquia diversos objetos ou diversas imagens em movimento. Cristian Segura não busca a hierarquia nas curadorias em vídeos, mas uma leitura dinâmica pautada no tempo de cada trabalho, no som e no movimento da imagem de modo a não ser exaustiva. Põe em xeque o papel do museu, do espaço sagrado que até então a instituição ocupava, mas que agora se dilui em maletas, mesas, pequenos desastres que podem ser observados através de um olho-mágico. 128 129 CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UM TRABALHO EM PROCESSO Cristian Segura, curador, gestor cultural, artista. Pensa as instituições museológicas a partir de seu interior, de seus próprios dispositivos. Vasculha, questiona, transgride. Une a chave da porta de entrada de sua casa com a porta de entrada do museu no qual utiliza durante um ano. Realiza um movimento transgressor na instituição museológica que irá se repetir em toda sua obra, ora com mais intensidade, ora de forma camuflada. Ao mesmo tempo pensa esse mesmo espaço institucional por fora. Expõe o avesso, as dificuldades, as ruínas, os processos administrativos. Instala um olho-mágico numa porta no qual permite ao visitante ser um vigilante dessa mesma instituição que o vigia através da obra Coleção Mercedes Santamarina (2009). Esta, com uma câmera de vigilância acoplada num quadro de paisagem de Jean Baptiste Camille Corot (1796-1875), grava a conversa inusitada de dois visitantes que travam um diálogo sobre as molduras dos quadros, as paisagens e retratos, em seguida discutindo o que irão comer no almoço. Seu trabalho não pode ser pensado a parte do espaço museológico, onde desde adolescente trabalha. Foi voluntário, coordenador de exposições e depois diretor. Sua obra confundese com esse espaço, deixando rastros, índices de sua presença física e conceitual. Cristian Segura faz e refaz cada mínimo detalhe de sua obra, pois ela também é ele (espaço, museu e artista). Constrói diversas maquetes como um dispositivo para se pensar as exposições que organizava na instituição, modus operandis que irá se refletir em outros trabalhos, como um ato de pensar, projetar, escolher o material e como este se relacionará no espaço físico que será ocupado pelo visitante. Cristian Segura chega a empreender uma modificação da estrutura do museu para corrigir problemas encontrados durante a confecção das maquetes. O artista argentino expõe a fragilidade dos museus em casas históricas, a fragilidade das construções arquitetônicas urbanas que guardam um pouco da memória da cidade. Desdobra suas obras a partir do uso de novos materiais e novos espaços, como em Fogo no museu (2010), onde questiona a 130 precariedade da estrutura física de um museu dos Estados Unidos, problemas comuns que encontra em diversos outros espaços museológicos, como no Brasil. Através de um olhar politicamente contido, questiona “ferozmente” sobre a fragilidade de uma estrutura que deveria durar séculos. Transgride, expõe sem qualquer cerimônia aquilo que a instituição quer esconder do observador/visitante. Assim como expõe o caos, a bagunça, a sujeira da montagem que nos apresenta na obra Antes de uma exposição (2010). Não é de seu interesse criar outra realidade, pois ela está ali, toda inteira, irônica, em seu excesso de estímulos como nos fala Jean Baudrillard, portanto, apenas simula. Na 6ª Bienal VentoSul – Bienal de Curitiba -, suas intervenções urbanas permaneceram em alguns espaços por menos tempo do que era previsto. Na Ópera de Arame, devido à agenda do lugar, as caixas de som tiveram que ser retiradas antes do esperado. No Museu Oscar Niemeyer, as palavras Sununu, Soro e Itaverá também tiveram que ser retiradas devido à interferência que provocavam na luminosidade do piso inferior. Estes são fatos que o artista comentou durante uma aula em dezembro de 2011, quando questionado por algumas pessoas que foram até o local e não encontraram suas obras. Quais os problemas/conflitos que Cristian Segura encontra com as administrações dos museus onde expõe? Como Cristian Segura contorna esses problemas? De modo geral, são perguntas das quais, educadamente, sempre desviou. Mesmo que as repetisse de outras formas, com outras obras, desviava. É compreensivo seu desvio, pois, como todo artista, também depende dessa mesma instituição que questiona. Talvez, nem seja preciso o artista responder, por quê? Pleonasmo. Repetiria o mesmo. Teria que fazer outro trabalho, outra intervenção, outro vídeo, outra mala ou chave para nos convencer de que já respondeu. Cristian Segura se assemelha ao personagem do livro de Adolfo Bioy Casares, Morel. Este, com uma câmera filmadora nas mãos, grava suas férias de verão em uma ilha deserta para onde convida alguns amigos. A câmera, um dispositivo inventado por ele, possui a capacidade de reter o cheiro, o gosto, a brisa do 131 mar, a imagem de seus amigos – ou como um deles fala, próximo ao fim, a alma deles presa em uma película -, porém, essa máquina provocava, também, uma espécie de doença, que ocasionou a morte de todas aquelas pessoas. Fim destinado, também, ao fugitivo que se apaixona por Faustine – ou pelo simulacro de Faustine, uma das amigas de Morel - que todos os dias ligava a máquina de modo a ter a companhia dela. O objetivo do inventor da máquina, Morel, era ser imortal, e tornar seus amigos também imortais. Cristian Segura, assim como Morel, simula outra realidade onde todos nós somos os fugitivos apaixonados por Faustine. 132 133 REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Chapecó, SC: Argos, 2009. ______. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade. 6ª Ed. Campinas: Papiros, 2007. 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Acrescentei, ainda, ao apêndice a entrevista Cristian Segura: um artista do desassossego (Entrevista) 22 publicada na Revista Palíndromo n.7 do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina. Esta última, também realizada por e-mail, foi pensada após aula 23 ministrada em conjunto com a Prof. Dra. Rosângela Miranda Cherem, no período de 05 a 09 de dezembro de 2011. O apêndice está dividido em quatro partes: Maleta, chave e mesa: índices do artista, Maquetes como dispositivos do pensamento artístico, A simulação da destruição através do olho-mágico e O arquivo e outros diálogos. As entrevistas tiveram como base os conceitos utilizados na dissertação, além disso, procurei abordar outras obras que não foram contempladas na presente dissertação. 1. MALETA, CHAVE E MESA: ÍNDICES DO ARTISTA (outubro de 2012) - Cristian, sabemos que você já foi voluntário, coordenador de exposições e diretor do Museu Municipal de Belas Artes de Tandil, Argentina. Além da vasta experiência prática, você também possui alguma formação acadêmica na área? Mi formación académica es como Maestro Nacional de Dibujo. Mi aprendizaje en el área que usted consulta ha sido “no formal”, mediante capacitaciones en gestión, manejo de colecciones y diseño de exposiciones de arte, con diferentes 22 Entrevista realizada por Joana Aparecida da Silveira do Amarante e Daiana Schvartz, em fevereiro de 2012. 23 Pertencente ao curso “História da Arte como Operação de Hipertexto” do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais/UDESC. 138 instructores como Susan May (curadora de la Tate Modern, Londres), Elaine Heumann Gurian (experta en museos, Estados Unidos), Hill Tompkins (encargado de las colecciones de la Smithsonian Institution, Estados Unidos), Tam Muro (diseñador de exposiciones, Argentina) y Ernesto Gore (especialista en organizaciones, Argentina), entre otros. Pero fundamentalmente práctica, desde muy temprana edad. - Como se deu a escolha dos materiais para a confecção do trabalho Valijita de ex director de museo (2003)? Por que uma maleta com uma maquete da planta baixa do Museu de Tandil? Luego de trabajar varios años en el Museo de Bellas Artes de Tandil y habiendo sido su director durante los últimos dos, produje, al finalizar mi gestión, la Valijita de ex director de museo. Una valijita es aquello que se lleva con las pertenencias básicas y esenciales cuando se va de un lugar a otro. Pero en mi caso, esas “pertenencias” no eran materiales, sino la experiencia y conocimiento que había adquirido sobre el funcionamiento de un museo y los asuntos que lo rodean. Por esta razón, la obra es un modelo a escala del museo con una manija, que tiene la apariencia de una valijita. En cuanto a la elaboración de una maqueta, se relaciona con que la construcción de modelos a escala estuvo presente desde el comienzo en mi labor en el museo. Surgían a la hora de buscar flexibilizar los límites entre la curaduría, la museografía y el hacer de los artistas, para optimizar la experiencia del público en las exposiciones. Y me sirvieron, también, para detectar algunos problemas referidos a la comunicación entre las salas. Esto dio lugar a una serie de modificaciones edilicias que le proporcionaron a los espacios del museo una mayor amplitud y una lógica de circulación que hasta entonces no tenía. Reformas que, en una segunda etapa, involucraron también a la bodega, el taller de restauración y las oficinas. Es por eso que, el interior de la valijita reproduce el museo de salas pequeñas y recorrido confuso que tenía inicialmente, así, al confrontarla con el museo real, se hace visible la transformación que experimentó el edificio durante los años que trabajé en él. 139 - Pode-se pensar a maleta como o inicio de suas cabines de vídeos, ou outros lugares de exibição, como sendo também um museu portátil? La “valijita” posiblemente contenga, en estado de latencia, muchas de las ideas e intereses que he estado desarrollando desde entonces en relación a pensar los espacios expositivos y a experimentar sus posibilidades. - Sua maleta também estabelece uma relação com a maleta de Victor Grippo. Fale-nos um pouco mais sobre sua relação com esse artista. Si, dialoga con las valijas de Grippo, las que en su trabajo están presentes desde 1972 con su Propuesta para una serie un tanto apocalíptica (arqueología perspectiva) y se extienden hasta 1980 con Valijita de albañil, última con este formato. Pero más precisamente, con su Valijita de Panadero (1977). Y recuerda el paso de Grippo por el Museo, donde recibió su primer premio importante en 1957 y al que regresó en 1969 y al año siguiente, para participar del Festival de Arte de Tandil. Y en esta ciudad se produjo, además, su memorable encuentro con el escritor polaco Witold Gombrowicz, en la sala del diario Nueva Era, en 1958. Tengo gran admiración por Grippo, tanto por su ética como por la calidad reflexiva y la sensibilidad de su trabajo, de una notable carga poética y una realización tremendamente refinada. Que se intensificó, en 2002, cuando compilé el libro “Víctor Grippo: reunión homenaje”, un volumen que incluyó una investigación histórica sobre sus primeros pasos, textos de críticas merecidas posteriormente, en su madurez, algunos recuerdos y reportajes. - As obras “Valise de ex-diretor de museu” (2003), “Chave Mestra” (2002) e “Mesa de trabalho e Reflexão” (2009) foram pensadas para alguma exposição em especifico? No, ninguna de estas obras fue producida para una exposición específica. Llave Maestra, la hice en 2002 y la exhibí, por primera y única vez, en 2007, en el Palais de Glace, en 140 Buenos Aires. Valijita de ex director de museo, la realicé en el 2003 y la exhibí en el 2006, en el Centro de Estudios Brasileros, en Buenos Aires y en el Premio Argentino de Artes Visuales de la Fundación OSDE, donde ganó el segundo premio adquisición. Y en el 2010, en el Museo de Arte de las Américas, en Washington DC. Mesa de trabajo y reflexión, tanto en su versión objetual como fotográfica, las produje en el 2009. La mesa de madera, la exhibí ese mismo año en arteBA’09 Feria de Arte Contemporáneo. La fotografía de la mesa en un marco antiguo, en el premio a las artes visuales de la Fundación Itau 2009-10, donde obtuvo una Mención e itineró por distintos museos de Argentina. Y en el 2010, en el Museo de Arte de las Américas, en Washington DC. - Em algum desses trabalhos você encontrou algum tipo de problema? Pensar a escolha do material da mesa, da chave ou da maleta? Fue un desafío realizar Llave Maestra, porque si bien tenía claro que quería hacer una llave que combinase la de mi propia casa y la de del museo para abrir ambas puertas, sabía que era difícil que funcionara. Pero después de hacer varios intentos infructuosos, un amigo, Jorge Di Paola, me habló de un cerrajero anciano, ya retirado del oficio, astuto en la confección de ganzúas. Fue así que logré dar con él y hacer la llave que usé para abrir tanto la puerta de mi casa como la del museo, durante el tiempo que fui director. Al finalizar mi gestión, hice cambiar ambas cerraduras para anular la utilidad de la llave y convertirla en una obra de arte. - Então a obra Llave Maestra (2002) foi utilizada para abrir a porta do museu e de sua própria casa. Apesar de ter sido confeccionada em 2002, só foi exposta em 2007. Você a considera como sua primeira obra de transição entre o diretor de museu e o artista propriamente dito? Mi experiencia de trabajo en el museo determinó que comenzara a tratar temas relacionados a las instituciones de arte en mis obras. La primera que realicé en torno a ello, fue Llave Maestra, aunque suele consignarse a la Valijita de ex director de museo porque se conoció antes. 141 - Quando você expôs pela primeira vez, existia algum relato ou registro contando sobre a utilização dessa “chave” para abrir ambos os espaços? Si, en la sala de exposiciones, la tarjeta que consignaba los datos de la obra llevaba una leyenda que informaba el antiguo uso de la llave. 2. MAQUETES COMO DISPOSITIVOS DO PENSAMENTO ARTÍSTICO (dezembro de 2012) - Então durante o período em que você trabalhou nos museus, você já realizava maquetes como uma forma de visualizar a exposição que seria feita no espaço. Isso acaba se refletindo em processo artístico a partir do momento que você realiza estudos, projetos, pequenas maquetes de como funcionariam no espaço. Você poderia falar um pouco mais sobre a influência destas maquetes em seu processo artístico? Durante los años que trabajé en el museo hice muchas maquetas. Las construía empleando cartón y otros material que recogía en la bodega del descarte de los embalajes de las obras de arte. Usaba un cuchillo, un escalímetro y adhesivo de contacto, para lograr modelos, en tamaño reducido, de los diferentes espacios del museo. A diferencia de esas maquetas, que tenían uso e intención utilitaria, en mis obras aparecen con un propósito creativo y un sentido conceptual. Son modelos de representación de ideas. - Elas acabam aparecendo em outros trabalhos como no trabalho Museo Juan B. Castagnino de Rosario (2006) y Museo de Arte Contemporáneo de Bahía Blanca (2006). Para la obra Museo Castagnino de Rosario, tomé cuatro catálogos destinados a recoger estudios sobre su colección y los recorté siguiendo la forma del perímetro de la planta del edificio. Luego separé esa masa de papel, la que esculpí con algunos 142 detalles de la fachada, y la apilé en una pequeña plataforma junto a los ejemplares intervenidos. Procedí de un modo similar con la obra Museo de Arte Contemporáneo de Bahía Blanca, usando folletos y pequeños catálogos del museo, pero en este caso, exhibiendo solo la pila de papel recortado. La decisión de trabajar con la editorialidad de los museos mencionados corresponde a que ambos, en el interior del país, fueron los únicos que en aquel momento propusieron y llevaron adelante políticas y estrategias de formación de colecciones de arte argentino contemporáneo. - Como você fez um corte tão perfeito nos catálogos que constituem este trabalho? Los cortes los hago a mano, página por página, valiéndome de una regla de metal y un cuchillo afilado para lograr incisiones precisas. - Com relação ao Museo de Papel (2006), qual foi o critério para a escolha dos catálogos (ou catálogo)? Escogí catálogos de museo de diferentes partes del mundo que se convirtieron en íconos de una ciudad por su construcción “escenográfica”. Es decir, aquellos que atraen por su aspecto arquitectónico llamativo y no poseen colecciones extraordinarias. A dichos catálogos, les extirpé las imágenes de las obras y los dispuse verticalmente sobre una base espejada que duplicaba visualmente el tamaño de esa arquitectura de papel. Con el paso de los días, la estructura de catálogos comenzaba a doblarse y a derrumbarse por sí sola, volviéndose una metáfora del desequilibrio existente entre el contenedor y el contenido de este tipo de museos. - E por que recortas as imagens e os textos dos livros de arte? Los museos son instituciones que producen exposiciones, de las cuales editan libros. Esos libros de arte, al ser excavados por mí en la zona de la impresión, experimentan 143 una reversión que transforma el espacio editorial en un (nuevo) espacio museal. Pues, al efectuar el desmontaje de las obras que acoge, aparece una “arquitectura” que se hace visible como hundimiento en medio de la masa de papel. - A obra Museo Juan B. Castagnino ficou para o acervo do museu ou foi apresentada em outros lugares? La obra Museo Juan B. Castagnino forma parte de una colección particular. Fue exhibida en las exposiciones “Territorios Migratorios”, Centro de Estudios Brasileños, Buenos Aires (2006), “Besando Ranas”, Centro Cultural Borges, Buenos Aires (2007) y “Argentina en Focus: Visualizando el Concepto — Cristian Segura/Sergio Vega”, en el Art Museum of the Americas, en Washington DC (2010). Y reproducida en varios libros, catálogos y revistas de arte. 3. A SIMULAÇÃO DA DESTRUIÇÃO ATRAVÉS DO OLHOMÁGICO (fevereiro de 2013) - Fale-nos um pouco sobre a intervenção Mirador Urbano: la (ex) posición del espectador (2006). En el año 2005, comienza una etapa de remodelación y ampliación de la Galería del Rojas, el espacio expositivo del Centro Cultural Ricardo Rojas de la UBA - Universidad de Buenos Aires. Dada las demoras en el avance de la construcción, la Galería se traslada temporalmente al poste de alumbrado público, situado frente a la entrada, en la Avenida Corrientes, con el nombre de Galería del Poste. Allí, en 2006, realicé una intervención llamada Mirador Urbano: la (ex)posición del espectador. Se trató de un mirador alrededor del poste (al modo de una escalera caracol), al que el público podía acceder para lograr otros puntos de vista de la realidad circundante. Pero cuando el espectador se situaba en dicho mirador era él mismo quien se hacía visible, intercambiándose así el papel del observador con el de lo observado. 144 - Quanto tempo ela permaneceu exposta na Galeria do Poste Rojas? Quais foram as dificuldades encontradas para a realização da obra? El “mirador” permaneció expuesto unos 30 días. No hubo dificultades para su realización. Bastó con cumplimentar una serie de trámites de rigor ante el Gobierno de la Ciudad Autónoma de Buenos Aires para hacer uso del espacio público. Estas gestiones estuvieron a cargo de las autoridades del Centro Cultura Ricardo Rojas. - Ao colocar labaredas de fogo saindo pelas janelas em sua intervenção Fire in the museum (2010), o que você queria trazer a tona? Fire in the museum es una intervención a escala monumental en la fachada del Art Museum of the Americas de la OEA, en Washington DC, con un diseño de humo y llamas en vinilo adhesivo saliendo de sus ventanas, para significar el peligro que representa para un museo funcionar en una casa histórica (1911) por las características combustibles de su estructura. - Você apresentou esse trabalho em outras galerias ou em outros formatos? Si, en 2011, exhibí en la Galería Baro de Brasil, los planos preparatorios del proyecto con el diseño del fuego, la documentación en video del montaje realizado en Washington DC y unas ventanas en llamas ploteadas sobre las paredes del espacio expositivo, similares a las del museo en forma y tamaño. La decisión de exhibir este mismo trabajo en Brasil, surge a raíz del pavoroso incendio que, en 2009, destruyó gran parte del acervo artístico y documental del artista Helio Oiticica (19371980), el cual se albergaba en una casa privada en Río de Janeiro bajo la tutela de su familia. 145 - A administração do museu aceitou de bom grado que você colocasse essas chamas coladas na parede do prédio ou você encontrou muita oposição? El museo aceptó de muy buen agrado el proyecto y lo acompañó en todas las instancias de su realización. Se presentó en el marco de la celebración del bicentenario de Argentina, con curaduría de Alma Ruiz del Museo de Arte Contemporáneo de Los Ángeles (MOCA) y la producción de Dani Levinas; y conectada con la muestra “Argentina en el Smithsonian 2010”, del Centro Latino Smithsonian. - Você recebeu um convite para realizar sua obra Sismo en Chile. El Museo en ruinas (2011) ou foi por conta própria? Fue un proyecto que realicé de manera independiente, donde produje 5 fotografías a color, de 100 x 170 centímetros cada una, de los daños sufridos por el Museo de Arte Contemporáneo de Santiago, luego del fuerte sismo que sacudió el centro-sur de Chile en 2010. - Hoje essas fotografias fazem parte de alguma coleção? No. - Você expôs as fotografias no próprio museu em ruínas? Como você as apresentou? Presenté algunas de estas fotografías, en grandes dimensiones, en la Galería Baro, en 2011. Y al año siguiente, escogí de mi archivo 6 imágenes de las escalinatas y el frontis del museo en ruinas y las convertí en fotografías anaglíficas, como un proyecto especial para la portada y 12 páginas interiores de la revista española art.es International ~ contemporary ~ art #52 (http://www.artes.es/proyectos/proyecto_43.pdf). Estas nuevas fotografías funcionan en 2 niveles. A simple vista, son imágenes que se componen de dos capas de color (cian y magenta) ligeramente desfasadas, que evocan el movimiento sísmico. Mientras que, observadas con gafas 146 anaglifo (incluidas en la revista), provocan un efecto tridimensional, que adentra al espectador en la escena del desastre. - A instalação do trabalho Mirilla (2010) na porta do Museu de Arte Contemporânea de Bahía Blanca, Argentina, foi bem aceita pela administração? Como se dava a interação do público com esta obra? Si, fue muy bien aceptada. La realicé para la Bienal del Museo de Arte Contemporáneo de Bahía Blanca, en Argentina. Allí, coloqué una mirilla (olho mágico) en la puerta de la oficina de la administración, frente a la sala de exhibiciones, pero en posición invertida, de modo que el público que pasaba por fuera podía observa a través de ella los mecanismos administrativos frecuentemente ocultos en el trabajo de un museo. 4. O ARQUIVO E OUTROS DIÁLOGOS (abril de 2013) - Fale-nos sobre o trabalho Corro en el museo (2007). Corro en el museo, es una video-performance donde utilizo el recurso de la cámara en mano para realiza una rápida visita al Museo de Bellas Artes de Tandil, Argentina. La serenidad y la actitud contemplativa asociadas habitualmente con el museo se transforman aquí en lo contrario: velocidad y confusión. La muestro en una pequeña pantalla de 9 pulgadas. Se exhibió en el Palais de Glace, en Buenos Aires, en la Galería Florencia Loewenthal, en Santiago, en la I Trienal de Chile, en las sedes del Centro Cultural del España de Buenos Aires, Córdoba y Montevideo, y en la Galería Baro-Cruz, en Sao Paulo. - Em 2008, você realizou uma Residência Artística em Barcelona no Centro de Producción Hangar. Fale-nos sobre o trabalho realizado nesse espaço, intitulado Patinar en el Macba (2008). Patinar en el Macba, muestra que la arquitectura contemporánea suele incluir espacios que no poseen una utilidad 147 específica. Los skaters se han apropiado de uno de esos espacios en el Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona. Pero la policía debe hacer cumplir la ordenanza que dispone “fomentar y garantizar la convivencia ciudadana en el espacio público de Barcelona”. Así, el museo se transforma en un ámbito de conflicto. Lo presento como una video-instalación, en una pantalla de 9 pulgadas dentro de un skateboard y con una serie de elementos interrelacionados, tales como una gorra y un chaleco de Mosso d’ Escuadra y un libro del arquitecto que diseñó el museo. Y también como un video monocanal, en una pantalla de 32 pulgadas o proyectado en grandes dimensiones sobre la pared. Se exhibió en el Centro de Producción Hangar, en Barcelona, en la Galería Sicart, en Barcelona, en la I Trienal de Chile, en el Art Museum of the Americas, en Washington DC, en arteBA Feria de Arte Contemporáneo de Buenos Aires, en la Residencia El Basilisco, en Avellaneda, en la Galería de arte Wussmann, en Buenos Aires, en la Galería Baro, en Sao Paulo y en la 11na Bienal de La Habana, en Cuba. - Como se apresenta o trabalho “Coleção Mercedes Santamarina” (2009)? Colección Mercedes Santamarina, plantea un interrogante ¿Qué mira y qué comenta el público de un museo cuando está frente a un cuadro? Y lo revela mediante una cámara escondida ubicada sobre un paisaje del pintor Jean Baptiste Camille Corot (1796-1875), perteneciente a la Colección Mercedes Santamarina del Museo de Bellas Artes de Tandil. Lo presento en una pantalla de 32 pulgadas o proyectado en grandes dimensiones sobre la pared. Se exhibió en la I Trienal de Chile, en la Galería Baro, en Sao Paulo, en el 100° Salón Nacional de Artes Visuales, Palais de Glace, en Buenos Aires y en el 7mo Premio MAMbA – Fundación Telefónica, Arte y Nuevas Tecnologías, en Buenos Aires. - Fale-nos sobre de seu trabalho “MACG” 24 (2012), realizado no México. 24 Pode ser visualizado pelo site: http://vimeo.com/52578866 148 MACG, es una obra ideada específicamente para el Museo de Arte Carrillo Gil, en México D.F., que surge a partir de la invitación a participar de la exposición Los Irrespetuosos / The disrespectful / Die Respektlosen, cuyas piezas cuestionan los límites o convenciones del museo. Se trata de una videoperformance en la que lanzo, enérgicamente, una réplica escultórica de mi cabeza, a escala 1:1, contra el espacio expositivo. La cabeza logra romper el muro, pero queda atrapada en el interior del hueco y el museo lo restaura con mi pieza dentro, haciendo de la obra un elemento de la estructura arquitectónica. Refiere a la “institucionalización de la crítica institucional”, cómo los museos han sabido integrar la función crítica en la propia institución, incluso aquellas propuestas más radicales, haciendo de esta radicalidad una de las estructuras que sustentan, física y discursivamente, el poder del museo. - O trabalho Héroe vertical é um conjunto de vídeos com performances que você escala alguns monumentos urbanos, fale mais sobre este trabalho. Héroe vertical, es una serie, inédita, de videoperformances, en las que escalo monumentos conmemorativos. Se trata de estatuaria pública traída a la Argentina desde Europa en el siglo XIX y en las primeras décadas del siglo XX, pero también producción artística local de ese mismo período. Son, generalmente, figuras de pie o sentadas, estatuas ecuestres, bustos y conjuntos escultóricos, en tamaños naturales o más grandes, sobre pedestales que las destacan del espacio que las rodea. Los ascensos los realizo empleando únicamente las manos y los pies y llevo en mi cabeza una cámara diminuta que le da al espectador la misma visión que tengo yo al realizar la acción. Para no agredir al monumento planifico previamente la vía de progresión, comenzando por el pedestal, que suele tener motivos alegóricos que uso como anclajes durante el ascenso, y continúo por la escultura, hasta llegar a la cima. Desde allí, observo la ciudad, ubicándome al mismo nivel que la figura heroica y revelando una imagen hasta ese momento desconocida, que contrasta con la visión que, desde el suelo, tenemos la gente común. La elevación en los monumentos está dada para reforzar la idea de heroicidad del personaje por lo cual valerme de la fuerza física y mental propia, para escalarlos, 149 dialoga con el afán de la estatuaria conmemorativa por ubicar al hombre en los límites de lo humano. - Além de artista e gestor cultura, você atua também como curador. Na Bienal de Curitiba, VentoSul de 2011, realizasse intervenções nos espaços públicos, mas você atuou como curador, convidando artistas argentinos que trabalham com vídeos para intervir em espaços não convencionais, como ônibus e aviões. Situação que você já vem trabalhando/discutindo a certo tempo, de utilizar outros espaços não institucionalizados. Você deixa claro para os organizadores que você irá convidar outros artistas, que atuará como um curador? El proyecto al que usted refiere se titula Entre Bienales y lo concebí, en 2011, como una intervención artística a gran escala, entre Curitiba y Porto Alegre, donde acontecen la Bienal VentoSul y la Bienal del Mercosur, respectivamente. Estas Bienales, cercanas geográficamente, operan de manera independiente. Me propuse entonces vincularlas mediante un proyecto de exhibición de obras audiovisuales de artistas argentinos en los ómnibus y aviones públicos que transitan ese trayecto. Propuse a los organizadores de la Bienal VentoSul llevar adelante esta intervención, especificado que contendría una curaduría de obras audiovisuales de arte argentino actual, con su propio andamiaje interno, al tiempo que exploraría un ámbito no convencional de exhibición como son los circuitos cerrados de TV de ómnibus y aviones, y que iría al encuentro de un público diverso, además de el del mundo del arte. - Em algum momento você cogitou trazer artistas locais que trabalham com vídeo ao invés de artistas argentinos? No. - Justo Pastor Mellado para o catálogo Cristian Segura em Santiago de Chile fala que, desde 2004, você possui um projeto intitulado TRIP. No que consiste esse projeto? Falenos um pouco acerca dele. 150 Trip es un proyecto que inicié en 2004, mediante un subsidio obtenido de la Fundación Antorchas, para crear un espacio ambulante de experimentación y exhibición de arte en una casilla rural rodante que refuncionalicé para tal fin. Se distingue de los espacios expositivos tradicionales fundamentalmente por sus posibilidades de itinerancia, lo que le proporciona un gran dinamismo en el acercamiento e intercambio con todos los sectores sociales, tanto en las zonas urbanas como rurales, mediante programas expositivos dinámicos abiertos a todas las disciplinas artísticas actuales y con un servicio de biblioteca de arte contemporáneo para consulta pública en continua actualización. - Como funcionou Videoarte Club (2007) no espaço expositivo? Você colocou algum de seus trabalhos em vídeo? Fale-nos mais sobre a exposição e os artistas convidados. Videoarte Club es una obra que integró mi primera exposición individual en Chile, en 2007, en la Galería Florencia Loewenthal. Se trató de una intervención site specific, donde recreé temporalmente el antiguo rol de esa sala, a saber, una distribuidora de películas, con 32 obras audiovisuales de 23 artistas argentinos en formato DVD, que el público podía arrendar para ver en el ámbito doméstico. De este modo, se reestablecía el vínculo generado en el pasado con la gente del barrio Santa Isabel, un sector totalmente ajeno a los circuitos de galerías de arte instalados en la ciudad de Santiago, al tiempo que se ponía en funcionamiento un nuevo modelo de distribución de obras en el circuito de arte contemporáneo. Los DVD´s, se alojaban en cajas blancas ordenadas en 4 repisas y rotuladas individualmente con los datos del autor y de su obra. Y vistas a la distancia formaban en su conjunto la leyenda Videoarte Club. Sobre la pared, se repetía el título del proyecto y la lista completa de artistas en orden alfabético: Esteban Álvarez, Eduardo Basualdo, Melina Berkenwald, Lorena Cardona, Roberto Echen, Leticia El Halli Obeid, Estanislao Florido, Alicia Herrero, Roberto Jacoby, Luciana Lamothe, Diego Melero, Adriana Minoliti, Andrea Nacach, Karina Peisajovich, Margarita Paksa, Silvia Rivas, Gustavo Romano, Cristian Segura, 151 Laura Spivak, Yanina Szalkowicz, Inés Szigety, Graciela Taquini y Alejandra Urresti. - Na Galeria Florencia Loewenthal alguns vídeos poderiam ser levados para casa do visitante. Todos os vídeos poderiam sair da galeria? Si, todas las piezas audiovisuales del proyecto Videoarte Club podían ser arrendadas por el público para ser vistas en el ámbito domestico, siguiendo la dinámica de funcionamiento de una locadora, antigua función del inmueble que ocupa la galería en el barrio Santa Isabel. - Em algum outro trabalho você utilizou esse mesmo processo de empréstimo? No, porque el proyecto Videoarte Club fue pensado como una intervención site-specific, cuya dinámica de funcionamiento respondía a la memoria del espacio de la galería y de su emplazamiento en un barrio especifico. - Cabina de Exhibición Audiovisual (2012), proposta para a 11ª Bienal de Havana, Cuba, possui a mesma proposta de alguns outros trabalhos seus em divulgar vídeos de outros artistas em lugares inusitados. Como se configurou essa intervenção? Eram quantas cabines de projeção? Que vídeos e artistas faziam parte? Cabina de Exhibición Audiovisual, es una obra que realicé en la 11° Bienal de La Habana y que consta de dos partes. Por un lado, una doble cabina audiovisual, instalada en el Pabellón Cuba, al que asiste, mayormente, el público especializado, por tratarse de una sede de la Bienal. Por el otro, su edición en DVD, para uso doméstico y de distribución gratuita, con el objetivo de alcanzar a un público más amplio, heterogéneo y diverso, habida cuenta de que en la isla, después de la crisis económica de los 90, han proliferado los hogares multigeneracionales. La programación de la doble cabina, al igual que el contenido del DVD, era la siguiente: Elia Alba (DO/US), Eat, 01:18. 2003; Narda Alvarado (BO), Construction of Ideas, 05:04. 152 2006; Lucas Bambozzi (BR), 1 De Maio (Logo X Nologo), 03:30. 2002-2003; Yoshua Okón (MX), Tarzán, 00:46. 2003; Mario Opazo (CO), Video Boomerang, 02:39. 2004; Alfredo Ramos & Kasia Badach (CU), Surfing Buena Vista, 03:30. 2008; Nicolás Rupcich (CL), Automático, 00:46. 2006; Silvia Rivas (AR), Zumbido, 03:22. 2009; Cristian Segura (AR), Patinar en el Macba, 02:55. 2008; Regina Silveira (BR), UFO, 04:15. 2006. - Qual o critério utilizado por você na escolha dos artistas e dos vídeos projetados dentro de uma cabine ou em outros espaços de trânsito? El criterio de selección está relacionado específicamente con cada proyecto y es diferente en cada caso particular. - Fale-nos acerca do trabalho Camiseta embalaje (2007). Em que contexto você as distribuiu? Fazia parte de uma exposição coletiva ou individual? As pessoas poderiam levar essas camisetas para suas casas? Camiseta embalaje es una obra que llevé a cabo en el Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires, en 2007, de manera independiente. En la puerta de entrada, obsequié al público asistente 100 camisetas serigrafiadas con la señalización estándar de posición, fragilidad y control climático de un embalaje profesional de obras de arte, para que las vistiesen durante su vista al museo. De este modo, señalaba el rol protagónico de la audiencia frente a todas aquellas obras de arte que demandan la activa participación del público para ser activadas, completadas, e incluso construidas. - Como você apresentou o trabalho La espera (2008) no espaço expositivo? En 2008, viajé a La Habana, Cuba, para permanecer un mes en la Residencia Batiscafo y producir una obra. Había recibido la invitación dos semanas antes, de modo que iba sin un proyecto previo. La obra, se me presentó durante el evento teórico de La Caja Negra, al que asistí en Matanzas, una ciudad cercana a la capital cubana. Y cuando digo que se me presento digo bien. Un 153 disertante hablaban sobre la historia del video arte cubano y una breve frase me marcó el camino: “Mientras el video llegó más temprano en algunos países como Argentina, Brasil y México, en Cuba lo hizo mucho más tarde”. En ese instante, saqué mi cámara y documenté un momento. Un conferencista que “espera”, impaciente, que llegue su turno. Esperar se trastoca en actitud ante el discurso. El sonido es vital y, por otro lado, es un fragmento casi indescifrable. Una serie de gestos hablan por sí solos. De regreso a La Habana, intervine la marquesina del cine Riviera con el anuncio de la proyección de mi video y produje una fotografía de la fachada, en referencia a que los antecedentes mediatos e inmediatos del video creación en Cuba se hallan fundamentalmente asociados a las tendencias vinculadas a la vertiente experimental de su producción cinematográfica. - Você realizou uma palestra no V Seminário Integrado e interinstitucional CAPES/MINC – Arte e Cultura, que aconteceu na Universidade de Joinville – Univille em 2011, onde você também realizou uma intervenção na Biblioteca. Fale-nos sobre esse trabalho realizado no local, ele foi feito a pedido da própria Universidade? La Universidade de Joinville – Univille me invitó, en 2011, a realizar una charla sobre mi trabajo artístico y una exposición que titulé Paisaje. Se trató de una intervención sobre los ventanales en forma de damero de la biblioteca. Alternando las celdas, transcribí las fichas técnicas de 15 obras de artistas argentinos cuyo título es “Paisaje” (título, autor, técnica, año, colección). Lo hice aplicando letras blancas autoadhesivas con la tipografía de las maquinas de escribir, en alusión a la antigua forma de registro empleada en bibliotecas y museos. Según la posición del espectador, su lectura proponía una imagen diferente de la extensión de terreno que se presentaba detrás, es decir, del paisaje de la universidad. La hora del día también producía otras variantes, siendo el atardecer el punto más álgido, cuando el vidrio se espejaba por diferencia lumínica. Esto devolvía al espectador su propia imagen y la del espacio expositivo de la biblioteca, en donde había colocado un banco de 154 plaza en dirección al ventanal, y detrás, un libro de arte, abierto, con los textos y las imágenes extirpadas del papel. - Você costuma aceitar trabalhos com um caráter de encomenda? En 2012, la revista española art.es international~contemporary~art me encomendó la realización de un proyecto especial para la portada y 12 páginas interiores, el cual se publicó en su edición número 52. - O trabalho MACROcash foi feito sob encomenda? Fale-nos sobre ele. En 2007, el Museo de arte contemporáneo de Rosario, me solicitó una obra en carácter de donación y me otorgó quinientos pesos argentinos para remunerar el envío. Usando esa modesta suma de dinero como material, hice una pequeña maqueta del museo, donde pilas de monedas forman los cilindros del silo (anterior función del edificio) y billetes doblados el resto de la arquitectura, y la doné para su colección. - Você possui muitas obras com colecionadores, fazendo parte do acervo de alguma instituição? Mis obras forman parte de diferentes colecciones particulares y también de instituciones, como el Museo Juan B. Castagnino+Macro, Rosario, el Museo de Arte Contemporáneo, Bahía Blanca, la Fundación OSDE, Buenos Aires, el Museo del Barro, Paraguay, el Centro de Documentación, Centro Cultural La Moneda, Chile, entre otras. 5. CRISTIAN SEGURA: O ARTISTA DO DESASSOSSEGO 25 Segue uma linha de trabalho que compreende estratégias relacionadas com os mecanismos e a variabilidade da arte 25 SCHVARTZ, Daiana; AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira do. Cristian Segura: o artista do desassossego. Palíndromo, Florianópolis, v. 7, p. 172-180, 2012-2013. 155 contemporânea, sempre com um olhar crítico e reflexivo sobre o terreno institucional. Seu interesse pela arte, desde cedo, começou com trabalhos voluntários em museus a partir dos 14 anos. Aos 19 anos, era Coordenador de Exposições e aos 23 anos, Diretor do Museo Municipal de Tandil 26. Entrevista concedida por e-mail para as mestrandas Daiana Schvartz e Joana Aparecida da Silveira do Amarante, PPGAV/CEART, fev. 2012. - Cristian, vamos começar falando sobre os trabalhos apresentados na Bienal de Curitiba (2011) e o realizado na Residência Artística em Barcelona (2008), que podemos observar a presença de uma pesquisa prévia do lugar, tanto da instituição como da cidade, onde você irá expor. Como acontece essa relação com estes lugares? Cuando recibí la invitación para participar de la Bienal Ventosul viajé a Curitiba para comenzar a pensar mis propuestas de obras. No conocía la ciudad, de modo que todo era nuevo para mí. Me propuse entonces caminar sus calles, usar su transporte, conocer sus monumento y museos, visitar sus lugares recreativos y de esparcimiento, hablar con la gente, leer sus periódicos y conocer sobre su historia, procurando estar bien receptivo de todo ello. Al final del día, al regresar al hotel, revisaba mis notas, fotografías y videos y ampliaba los datos con la Internet y otras fuentes, conservando todo aquello que podía ser interesante y descartando el resto. Al día siguiente, lo hacía de nuevo. Así, intensamente, durante una semana. De este modo, cuando volví a la argentina ya tenía varias ideas, las que organicé a modo de proyecto para producir algunos meses después, in situ, en espacios públicos de la ciudad. En Barcelona la experiencia de trabajo fue similar pero de mayor duración, casi 2 meses, becado por el Centro de Producción Hangar, donde tenía mi estudio. En ambos casos utilicé la metodología de proyecto como forma de trabajo, organizando en dos fases mi plan de actuación. La primera de investigación, mediante un trabajo de campo en el 26 Informações do portfólio do artista Cristian Segura. 156 lugar, y la segunda de producción, habiendo formulando una serie de propuestas de obras en base al material obtenido precedentemente y a las conclusiones alcanzadas de su análisis. Es así que los trabajos resultantes estuvieron ligados con el lugar de producción, con el contexto y el tiempo. - Fale-nos sobre seus trabalhos realizados na 6ª VentoSul, Bienal de Curitiba, em 2011, onde você fez algumas intervenções em pontos importantes da cidade como a Ópera de Arame e a Praça Tiradentes. Recién llegado a Curitiba visité la feria que cada domingo se realiza a lo largo de una de las calle centrales de la ciudad. Allí comí por primera vez piñón, la semilla del pino, que se ofrecía a unos pocos Reales en uno de los puestos. De regreso al hotel, advertí que el piñón se encontraba también en los diseños con “petit pavé” de algunas veredas. Al día siguiente, observé que en la vegetación local el pino Paraná (Araucaria angustifolia) estaba en los parques, plazas y bosques. Supe, conversando con la gente del lugar, que están protegidas por la legislación ambiental que impide su tala. Todo esto cobró sentido para mí al investigar la etimología del nombre Curitiba. Derivaría de la expresión indígena "cury'i ty (b) ba", que en guaraní significa "lugar donde existen pinos". Más exactamente, "Cury'i" significa "pino Paraná", y por metonimia el "piñón". De ahí que este símbolo se repita en diferentes partes de la ciudad; inclusive la Araucaria está en el centro de su escudo y de su bandera. Me pregunté entonces si sería posible producir un “quiebre” en la memoria histórica local y provocar su redescubrimiento mediante una experiencia multisensorial. Fue así que planeé una serie de intervenciones, a modo de circuito narrativo, entre la Praça Tiradentes, el Jardim Botanico y la Opera de Arame. - Fale-nos sobre essa narrativa que você cria com 3 intervenções, em lugares distintos da cidade de Curitiba. La Praça Tiradentes es el punto cero de la ciudad, donde se encuentra el antiguo empedrado que data del Siglo XIX, cubierto por gruesos vidrios que le da visibilidad y lo protege. 157 Este hallazgo arqueológico, descubierto en el año 2008, es un referente fundacional que tiene además, en medio, la Araucaria angustifolia. Sobre estos 119 m2, simulé vidrios rotos, mediante grietas de vinilo adhesivo de color negro. Para el diseño, realicé inicialmente una xilografía, la que luego transformé digitalmente a vectores. La xilografía es una técnica de impresión con plancha de madera (material que se puede asociar también con la Araucaria), la que se talla a mano con una gubia. Escogí una técnica de grabado porque tiene una presencia capital en Curitiba. Muestra de ello es que la Casa del Grabado alberga, desde 1989, lo que Leite (2004) considera “o primeiro museu brasileiro e um dos poucos do mundo exclusivamente dedicado à gravura - o Museu da Gravura”. En el Jardim Botanico, la estufa, de estructura metálica y paredes y techo de vidrio, aloja especies botánicas que son referencia nacional. Sobre su exterior diseñé inmensas palabras en guaraní que describen un gran estruendo de cristales rotos, en vinilo adhesivo de color negro. Lo hice usando la estética de las onomatopeyas de comic, porque sirven para representar ruidos. Las palabras que escogí fueron itaverá, empleada en su acepción de "cristal", ya que también se asemeja en su significado a un diamante (itá: piedra; verá: brillante). Sununu (se pronuncia sununú), que significa "trueno", pero puede ser equiparada a "gran ruido” o “estruendo". Y soro que representa “roto” o “quebrado”; el guaraní es generoso con las inflexiones metafóricas y las readaptaciones retóricas. Y la Opera de Arame, otro símbolos emblemáticos de Curitiba, cuya materialidad dialoga con las ya mencionadas en su estructura metálica recubierta de vidrio. Tiene capacidad para 1572 espectadores que desde sus lugares ven perfectamente el palco que se ubica a un nivel más bajo en la sala declinada. Sobre él, coloqué las mismas palabras en guaraní que referí antes, en vinilo adhesivo color blanco, y en un diseño similar. Y compuse una pieza sonora a partir de la grabación de vidrios quebrándose y cayendo al suelo, hierros torciéndose y sonidos de ópera, en colaboración con un músico argentino. Este concierto experimental fue diseñado en sistema cuadrafónico para genera en los visitantes la impresión de estar asistiendo al derrumbe del edificio. 158 - A Residência Artística que você realizou em 2008, na cidade se Barcelona, aproxima-se do trabalho realizado em Curitiba, em 2011, quanto ao aspecto da vivência do espaço que você teve e com o trabalho apresentado. Conte-nos sobre o trabalho nessa residência. Allí realicé una serie de obras que titulé Patinar en el MACBA - Museu d’ Art Contemporani de Barcelona, que muestra al museo transformado en un ámbito de conflicto, entre los skaters, que se han apropiado de algunos de sus espacios exteriores, y la policía, que debe hacer cumplir la ordenanza que dispone “fomentar y garantizar la convivencia ciudadana en el espacio público de Barcelona”. Da cuenta de ello la instalación que realicé con un skateboard que compré a un patinador en la explanada del museo y al que añadí una pequeña pantalla que reproduce un video que documenta la situación. Tiene además una serie de elementos interrelacionados que crean una atmósfera que lo complementa, como es una gorra y un chaleco de Mosso d’ Escuadra y un libro de arquitectura (adquirido en la tienda del MACBA) que muestra al museo despoblado. Otra instalación, representa la guardia policial que vigila frente al museo. La hice valiéndome de elementos disímiles, como una fotografía del edifico, dos figurillas de policía y un automóvil de colección, dispuestos a diferentes distancia sobre un trípode sujeto a la pared. Estos elementos, sin guardar relación de escala entre ellos, se aúnan en perfecta perspectiva al ser observados mediante un monocular invertido. También construí una estructura de 3 niveles, que tiene en la parte superior un cartel con la forma de un skateboard que lleva troquelada la leyenda SKATEBOARDING CONTROL, la que iluminada proyectar la inscripción en grandes dimensiones sobre la pared. Y que contiene en la parte media una porra de policía y en la base algunos posters y catálogos editados por el museo. Hice además un objeto, a la manera de un souvenir de la tienda del museo, con figuras de policías y monopatinadores a escala 1:87, los que organicé dentro de una caja plástica diminuta con la identidad gráfica del MACBA en los laterales. Una serie de fotografías completan este proyecto. 159 - Há uma presença de site specific em alguns de seus trabalhos como, por exemplo, “O fogo no museu” realizado nos EUA (2010). Como você os reapresenta em outros espaços que não o de origem? Fire in the museum fue una intervención a escala monumental en la fachada del Museo de Arte de las Américas dependiente de la OEA, en Washington DC, con un diseño de humo y llamas en vinilo adhesivo saliendo de sus ventanas, para significar el peligro que representa para un museo funcionar en una casa histórica (1911) por las características combustibles de su estructura. En 2011, exhibí en la Galería Baro de Sao Paulo, Brasil, los planos del museo intervenidos con el diseño del fuego, la documentación en video del montaje en Washington DC y el plotagem de unas ventanas en llamas sobre las paredes del espacio expositivo, similares a las del museo en forma y tamaño. Con ello quise significar las diferentes maneras que tenemos de percibir el mismo trabajo según el contexto, ya que en el pasado Brasil sufrió dos perdidas irremplazables por el fuego. El 8 de Julio de 1978, un pavoroso incendio destruyó el Museo de Arte Moderno de Río de Janeiro reduciendo a cenizas su valioso patrimonio. Y más recientemente, el 17 de octubre de 2009, un incendio destruyó gran parte del acervo artístico y documental del artista brasileño Helio Oiticica (1937-1980) el cual se albergaba en una casa privada en Río de Janeiro bajo la tutela de su familia. - Como você descreve sua relação entre o museu, as instituições de arte, e seus trabalhos? Mi relación con el espacio institucional del arte y su estructura de funcionamiento comenzó tempranamente, a los 14 años como voluntario de museo y me llevó a convertirme en coordinador de exhibiciones a los 19 y en director del Museo de Bellas Artes de Tandil a los 23. Esa experiencia sorteando los asuntos que rodean el trabajo en un museo me motivó a crear un arte propio en donde dar salida a este tipo de temas, que difícilmente podría haber entendido completamente si no los hubiera vivido desde dentro. 160 Es por eso que algunas de mis obras tienen un sentido autobiográfico, recuerdan mi experiencia como director de museo y la influencia que diferentes instituciones han tenido en mi formación, mi carrera y mi vida. - No trabalho “Entre Bienais” (Bienal do Vento Sul, Curitiba, 2011), você fez uma curadoria independente onde selecionou 14 vídeos de artistas argentinos e está apresentando dentro de algumas linhas ônibus de viagem e aviões no trajeto Curitiba - Porto Alegre. Quais critérios você adotou para selecionar estes artistas e seus trabalhos? Comencé investigando la mayor cantidad posible de obras audiovisuales de artistas argentinos, tanto de trayectoria como emergentes, incluso cuando el video no fuese su principal medio de expresión. Me centré en obras monocanal, dado que el dispositivo de exhibición serían las pantallas de los circuitos cerrados de televisión de ônibus y aviones. Usé un criterio muy personal, seleccionando obras muy diversas que despertaron en mí el interés en sus planteamientos y en sus intenciones, y que reflejan las particularidades de cada uno de los artistas. Como nota, el sonido no es algo menor en la mayoría de ellas. Tampoco el orden de los videos es arbitrario; es un diagrama de intensidades que busca mantener la atención del espectador durante toda la exhibición. - O que acontece com os trabalhos anteriores? Você continua a utilizá-los modificando alguma coisa? Como o projeto “Entre Bienais” onde você apresentou um trabalho com o mesmo conceito no Chile e agora no Brasil? Los proyectos a los que usted refiere tienen puntos en común y también algunas diferencias. La I Trienal de Chile (2009), curada por Ticio Escobar bajo el título “Los Límites del Arte”, se desplegaba en siete ciudades, de Antofagasta a Valdivia, con exhibiciones y coloquios que utilizaban la infraestructura pública existente, como los museos. Pensé entonces en todo aquello que quedaba afuera del circuito establecido, tanto por los límites institucionales como los geográficos mencionados. Fue entonces que decidí poner mis 161 producciones audiovisuales en los circuitos cerrados de TV de autobuses públicos de media y larga distancia para alcanzar todo el territorio nacional, más de 2 millones de kilómetros cuadrados, llegando así a sitios completamente aislados de toda presencia de museos, galerías o instituciones similares. “Entre Bienales” es una exposición que se mueve entre la 6a Ventosul Bienal de Curitiba y la 8a Bienal del Mercosur de Porto Alegre, en Brasil. Se trata de 14 obras audiovisuales de artistas argentinos que seleccioné para los circuitos cerrados de televisión de autobuses y aviones públicos que hacen el viaje entre Curitiba y Porto Alegre. La intención fue reflexionar sobre los límites de estas bienales que están geográficamente próximas, que ocurren al mismo tiempo, pero que no tienen ningún vínculo entre ellas. La Bienal de Curitiba, curada por Alfons Hug y Ticio Escobar, lleva por título “Más allá de la Crisis” y la Bienal del Mercosur, curada por José Roca, se titula “Geopoéticas”. Es así que “Entre Bienales” no solo se mueve entre ambas ciudades sino también entre ambos conceptos. - Há situações em que você utliza o trabalho de curadoria como uma espécie de laboratorio para o seu próprio trabalho artístico? Encuentro en la curaduría una práctica en la que puedo cristalizar ideas, como en mis obras. Es así que al momento de pensar en ella lo hago también apasionadamente, empujando sus bordes en todas las direcciones posibles; y teniendo en cuenta el contenido, el contenedor y el continente. “Entre Bienales”, por ejemplo, puede leerse como una curaduría de obras audiovisuales de arte argentino actual, con su propio andamiaje interno, que es a su vez una intervención a gran escala para hacer un comentario crítico sobre dos Bienales próximas geográficamente y sin vínculos entre ellas, al tiempo que explora un ámbito no convencional de exhibición en los circuitos cerrados de TV de ómnibus y aviones, y que va al encuentro de un público diverso, además de el del mundo del arte. - Quais são suas referências artísticas e intelectuais e como estas afetam seu processo criativo? 162 El escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) es un autor que continuamente releo, por el gusto de construir mentalmente sus escenarios una y otra vez. Su influjo subyace en algunos de mis trabajos, aunque de un modo sutil, casi secreto. Tengo además una gran admiración por el artista argentino Víctor Grippo (1936-2002), de quien en el año 2002 compilé un libro que me permitió conocer con mayor profundidad su trabajo. Mis obras Valijita de ex director de museo (2003) y Mesa de trabajo y reflexión (2009) lo celebran. Extraño parecerá encontrar su influencia en mi obra actual, pero no hay que buscarla en lo formal, sino que parte de mi desarrollo posiblemente esté ligado a lo que me ha trasmitido su ética como también la calidad reflexiva y la sensibilidad de su trabajo, de una notable carga poética y una realización tremendamente refinada. - De que forma essas obras que você citou se identificam com o artista Victor Grippo? La primera, es una obra que realicé al finalizar mi gestión al frente de la dirección del Museo de Bellas Artes de Tandil. En ella reproduzco a escala el museo, al modo de un maletín de funcionario público, de cartón, cubierto por una pintura de apariencia metálica y con una “manija” sin quién la sostenga. Ironiza sobre la falta de continuidad en las políticas culturales trazadas en dicha institución. Realidad común a muchas otras instituciones argentinas cuando se renuevan sus funcionarios, principalmente si cambia el color político. La produje al año siguiente de la publicación del libro de Víctor Grippo y puede asociarse con sus valijas, las que en su trabajo están presentes desde 1972 con su Propuesta para una serie un tanto apocalíptica (arqueología perspectiva) y se extienden hasta 1980 con Valijita de albañil, última con este formato. La segunda, es una mesa de madera con la forma de mi perfil derecho. La mesa: objeto genérico, mi lugar de trabajo. La cabeza: el espacio mental, el de las ideas, el de la conciencia. Una interacción entre el hacer sobre una mesa y el pensamiento, donde se modifica la material y el espíritu en un mismo acto. 163 Su título, en singular, alude a una de las obras más significativas de Grippo: Mesas de trabajo y reflexión (1994), realizadas para la quinta Bienal de La Habana con mesas escolares y de otros usos. Lilian Llanes cuenta que mientras otros artistas arribaban con sus obras a la isla, Grippo llegó con las manos vacías, “como si quisiera decir que los medios no eran importantes; que mientras hubieran ideas, todo era posible”. - Observamos que alguns de seus trabalhos possuem uma ligação direta com as instituições da arte, possuindo em certos momentos, um caráter de auto-retrato ou uma referência sobre o tema. Como mencionaba antes, Valijita de ex director de museo es una obra que excede lo autorreferencial para hablar de un problema común a muchas instituciones del arte en Argentina. Mesa de trabajo y reflexión, es un autorretrato. Existen dos versiones de esta obra. Una es el objeto tridimensional. La otra, una fotografía del objeto. Alude a mi espacio de trabajo y reflexión. Como retrato, se inserta en una larga tradición en la historia del arte en la cual se ve a la persona acompañada de sus atributos personales o profesionales y que revelan sus gustos o actividad. En mi caso he seleccionado la mesa de trabajo donde elaboro la mayor parte de mis obras y proyectos. Y he elegido un marco antiguo muy elaborado con diseños en relieve para enmarcar la imagen. De este modo conecto mi obra actual con retratos que revelan su importancia a través de la riqueza de los marcos que lo adornan. La curadora Alma Ruiz considera que “el contraste entre la simple mesa de madera y el elegante marco subraya dos aspectos en la carrera de un artista: el trabajo arduo y diario que conlleva la creación artística y la fama real o imaginaria que lo acompaña”. - Pensando no conjunto dos trabalhos que você produziu até o momento, você consegue perceber elementos em comum que persistem nas suas obras? Poderias elencar algum? Utilizo en mis obras distintos medios como el dibujo, la fotografía, el objeto, la instalación, la edición, el video, la video- 164 instalación, el arte sonoro, el cruce de los mismos y la interacción y diálogo con otras disciplinas. Lo que persiste en mi trabajo es precisamente la diversidad de medios empleados y el desarrollo de conceptos relacionados, generalmente, al espacio institucional del arte y sus diversas problemáticas. - Como você pensa o material que será utilizado para a confecção do trabalho? Los materiales que utilizo son muy variados, no pensados a priori, sino que aparecen (y en ocasiones también cambian) durante el proceso de trabajo. Cada proyecto arroja su propia materialidad. - Qual o momento em que você sente a necessidade de partir para um novo trabalho? Puede ocurrir en cualquier momento. Estoy siempre dispuesto a generar ideas para nuevos trabajos. Por esa razón, habitualmente avanzo en varios proyectos al mismo tiempo. Es así que cuando finalizo uno, otros ya están en proceso. Y el orden en que les doy comienzo no determina necesariamente cual concluiré primero. - Quais os projetos que você está realizando atualmente? Te contaré de dos proyectos que acontecerán próximamente en Cuba y en México, respectivamente. El primero, es para la Oncena Bienal de La Habana, que tendrá lugar del 11 de mayo al 11 junio de este año. Se titula Cabina de Exhibición Audiovisual y se trata de una doble cabina de proyección, de uso individual, que he diseñado para el Pabellón Cuba, en la que exhibiré un video propio y el de otros 10 artistas que he invitado para la ocasión. Ellos son Regina Silveira (Brasil), Lucas Bambozzi (Brasil), Narda Alvarado (Bolivia), Elia Alba (Republica Dominicana / NY), Mario Opazo (Colombia), Alfredo Ramos y Kasia Badach (Cuba), Silvia Rivas (Argentina), Nicolás Rupcich (Chile) y Yoshua Okón (México). Además, los 165 videos serán compilados en un disco DVD que distribuiré gratuitamente para ser visto en el ámbito domestico cubano. El otro, es un proyecto para una exposición que sucederá en el Museo Carrillo Gil de México. Se trata de un trabajo de una gran densidad simbólica, que involucra en su producción a la escultura, la performance, el video y la intervención, y que presentaré al modo de una video instalación específica para el sitio. Para ello estoy esculpiendo en piedra mi cabeza, a escala 1:1. Con ella realizaré una performance en una de las salas, lanzándola contra las paredes con la mayor fuerza posible, en reiteradas ocasiones, hasta agotar toda mi energía. Los choques, dejarán marcas en los muros y en el suelo del museo. También la cabeza sufriría daños por los golpes. Para la exposición, la escena quedará tal cual ha sucedido, con la cabeza y sus restos en el suelo. Y a pocos metros, proyectaré el video registro en cámara lenta, puntualizando en mi esfuerzo, en el ímpetu de los golpes y de las caídas.