1 joana aparecida da silveira do amarante cristian segura

Transcripción

1 joana aparecida da silveira do amarante cristian segura
1
JOANA APARECIDA DA SILVEIRA DO AMARANTE
CRISTIAN SEGURA UM ARTISTA DE DISPOSITIVOS:
ÍNDICE, SIMULACRO E ATLAS
Dissertação de Mestrado elaborada
junto ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais do
CEART/UDESC, para obtenção do
título de Mestre em Artes Visuais.
Orientadora: Profª Dra Rosângela
Miranda Cherem.
FLORIANÓPOLIS
2013
2
A485c
Amarante, Joana Aparecida da Silveira do
Cristian Segura um artista de dispositivos: índice, simulacro e atlas /
Joana Aparecida da Silveira do Amarante – 2013.
165 p. : il. ; 20 cm
Bibliografia: p.133-136
Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Miranda Cherem
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Santa Catarina,
Centro de Artes, Mestrado em Artes Visuais, Florianópolis, 2013.
1. Segura, Cristian. 2. Artistas I. Cherem, Rosângela Miranda. II.
Universidade do Estado de Santa Catarina. III. Título.
CDD: 709.2 – 20.ed.
Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UDESC
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JOANA APARECIDA DA SILVEIRA DO AMARANTE
CRISTIAN SEGURA UM ARTISTA DE DISPOSITIVOS:
ÍNDICE, SIMULACRO E ATLAS
Dissertação de Mestrado elaborada junto ao Programa de PósGraduação em Artes Visuais do CEART/UDESC, para obtenção
do título de Mestre em Artes Visuais.
Banca Examinadora:
Orientadora: ________________________________
Profª. Dra. Rosângela Miranda Cherem
CEART/UDESC
Membro: ________________________________
Profª. Dra. Nadja de Carvalho Lamas
UNIVILLE
Membro: ________________________________
Profª. Dra. Sandra Makoviecky
CEART/UDESC
Florianópolis, 31/07/2013
4
5
À Regina, João, João Antonio
Celina, José Pedro e Eduardo
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AGRADECIMENTO
Agradeço a generosidade de Cristian Segura por
disponibilizar materiais sobre seus trabalhos, desde imagens,
projetos e textos produzidos por teóricos e curadores. Agradeço,
em especial, as entrevistas concedidas durante todo o processo
de escrita, material importante como forma de delinear um, dos
vários possíveis, recorte de sua obra.
Agradeço a Prof. Dra. Rosângela Miranda Cherem pela
orientação e pelo suporte conceitual (materiais, imagens, textos
por ela gentilmente cedidos ao longo da pesquisa).
Agradeço a Prof. Dra. Sandra Makowiecky e Prof. Dra.
Nadja de Carvalho Lamas pela leitura atenta, contribuições e por
aceitarem meu convite para compor a banca de avaliação da
minha dissertação.
Agradeço a todos que estiveram do meu lado, ajudandome direta ou indiretamente, em especial a: Regina Maria da
Silveira do Amarante, João do Amarante, João Antonio do
Amarante, Eduardo Luiz Tavares Gonçalves, Celina Maria Araújo
Tavares, José Pedro Rodrigues Gonçalves, Anita Prado Koneski,
Juliana Cristina Pereira, Ana Carla de Brito, Sandra Correia
Favero.
8
9
[...] o homem que se desloca
modifica
as
formas
que
o
circundam. (BORGES , 1972, p.29)
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RESUMO
AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira do. Cristian Segura
um artista de dispositivos: índice, simulacro e atlas. 2013. 163
f. Dissertação (Mestrado em Artes - Área Artes Visuais) –
Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de PósGraduação em Artes Visuais, Florianópolis, 2013.
Esta dissertação aborda a produção de Cristian Segura (Tandil,
Argentina, 1976). Curador, gestor cultural e artista, suas obras
versam sobre questões relacionadas aos espaços expositivos e
às instituições museológicas, bem como os espaços de memória
das cidades. Através de entrevistas realizadas ao longo de 2012
e 2013, construiu-se um estudo aproximando as suas referências
artísticas e conceituais. Através de um diálogo com Victor
Grippo, referência para Cristian Segura, e uma aproximação ao
artista francês Marcel Duchamp, quanto ao seu modus operandi
quase industrial, percebe-se que o artista busca questionar e
transgredir a instituição museológica, através de seus próprios
dispositivos. Esses dispositivos, pensados a partir da leitura
aprofundada de Giorgio Agamben sobre Michel Foucault, podem
ser desdobrados em índices, simulacros, panópticos e
atlas/arquivos. Para tanto, são utilizados, também, os teóricos:
Rosalind Kraus, Jean Baudrillard, Giorgio Agamben, Michel
Foucault, Georges Didi-Huberman e André Malraux, bem como a
literatura de Adolfo Bioy Casares. A partir desse referencial
conceitual, delineou-se um perfil do artista Cristian Segura
aproximando seu trabalho artístico aos conceitos supracitados
como forma de se perceber os espaços institucionais através de
um outro olhar.
Palavras-chave: Cristian Segura. Dispositivo. Índice. Simulacro.
Atlas.
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ABSTRACT
AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira do. Cristian Segura a
device’s artist: index, simulacra and atlas. 2013. 163 f.
Dissertação (Mestrado em Artes - Área Artes Visuais) –
Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de PósGraduação em Artes Visuais, Florianópolis, 2013.
This dissertation addresses the works of Cristian Segura (Tandil,
Argentina, 1976). Curator, cultural manager and artist, his works
debate over issues related to exhibition spaces and museological
institutions, as well as memory spaces of cities. By means of
interviews performed throughout 2012 and 2013, a study a
narrowing his artistic and conceptual references was built.
Dialoguing with Victor Grippo, artistic reference to Cristian
Segura, and approximating with the French artist Marcel
Duchamp, and his almost “industrial” modus operandi, we
perceive Segura`s pursuance in questioning and transgressing
the museological institutions with their own devices. These
devices, thought over from the profound reading of Giorgio
Agamben over Michel Foucault, can be deployed as indexes,
simulacra, panoptic and atlas/archives. For that, Rosalind Kraus,
Jean Baudrillard, Giorgio Agamben, Michel Foucault, Georges
Didi-Huberman, André Malraux and Adolfo Bioy Casares are also
used as basis. From the conceptual referential, a profile of
Cristian Segura was outlined, narrowing his artistic works with the
aforementioned concepts as a mean to perceive the institutional
spaces with a different view.
Keywords: Cristian Segura. Devices. Index. Simulacra. Atlas.
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LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Cristian Segura, Maleta de ex-diretor de museu,
objeto, 2003. ................................................................................ 36
Imagem 2: Victor Grippo, Maleta de Padeiro:
farinha+água+calor (excessivo), materiais diversos, 1977.... 40
Imagem 3: Marcel Duchamp, Boîte-en-valise (de ou par
Marcel Duchamp ou Rrose Slavy), valise de couro contendo as
réplicas em miniatura de diversas obras do artista, 1935-41.
©1999 The Museum of Modern Art, New York. .......................... 43
Imagem 4: Cristian Segura, Chave Mestra, objeto, 2002. ......... 45
Imagem 5: Paul Ramírez Jonas, Talisman, instalação, 2008. 48
Imagem 6: Cristian Segura, Mesa de trabalho e Reflexão,
fotografia, 2009............................................................................ 52
Imagem 7: Victor Grippo, Mesa de trabalho e Reflexão,
instalação, 1994. ......................................................................... 56
Imagem 8: Andy Warhol, Green Car Crash (Green Burning
Car I), serigrafia, 22,8 x 20,3 cm, 1963. © Andy Warhol
Foundation for the Visual Arts. .................................................... 64
Imagem 9: Giovanni Battista Piranesi, O arco de Druso, água
forte, 134 x 266 cm, s/d. .............................................................. 65
Imagem 10: Cristian Segura, Mirador Urbano: a (ex)posição
do espectador, intervenção urbana, 2006. ............................... 69
Imagem 11: Peter Greenaway, The Stairs, exposição em
Genebra com a inserção de cem escadas pelo espaço da cidade,
1994. © Fotografia Christophe Gevrey. ...................................... 71
Imagem 12: Cristian Segura, Olho Mágico, site specific, 2010.
..................................................................................................... 73
Imagem 13: Marcel Duchamp, Étants donnés: 1º La chute
d’eau, 2º Le gaz d’éclairage, materiais diversos, 1946-66. .... 75
Imagem 14: Cristian Segura, Antes de uma exposição, still do
vídeo, 2010. ................................................................................. 77
Imagem 15: Cristian Segura, Vidros Quebrados, site specific
na Praça Tiradentes, 2011. ......................................................... 79
16
Imagem 16: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site
specific no Jardim Botânico, 2011. ............................................. 80
Imagem 17: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site
specific na Ópera de Arame, 2011. ............................................ 81
Imagem 18: Herman Posthumus, Paisagem com ruínas
romanas, óleo sobre tela, 96 x 141,5 cm, 1536. ....................... 83
Imagem 19: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site
specific, 2010. ............................................................................. 89
Imagem 20: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site
specific, 2011. (detalhe) .............................................................. 90
Imagem 21: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site
specific, 2011. (detalhe do projeto) ............................................. 91
Imagem 22: (detalhe de uma das obras): Analogias e
confrontações: outros diálogos na arte argentina, 2004.
Curadoria: Cristian Segura........................................................ 103
Imagem 23: Cristian Segura, Videoarte Club, site specific,
2007........................................................................................... 107
Imagem 24: (detalhes do catálogo): Interfaces 10: diálogos
visuais entre regiões, Tandil e Resistencia. 2008-2009.
Curadores: Cristian Segura e Gustavo Insaurralde.................. 110
Imagem 25: (detalhes da exposição portátil): Amor: Leve com
você (Love: Take with you), 2007. (Página aberta: Rimon
Guimarães)................................................................................ 116
Imagem 26: Cristian Segura, Uma exposição que se move,
intervenção site-specfic, 2009. ................................................. 118
Imagem 27: (cartaz) Cristian Segura, Entre Bienais, intervenção
site-specfic, 2011. ..................................................................... 121
Imagem 28: Cristian Segura, Cabine de Exibição Audiovisual,
projeto do site specific, 2012. ................................................... 124
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................ 19
CAPÍTULO I: O ÍNDICE E A AUTO-BIOGRAFIA ...................... 29
1. O PORTÁTIL E O ESPAÇO EXPOSITIVO ..................... 35
2. A CHAVE E O ELEMENTO MODIFICADOR .................. 45
3. A MESA E O AUTORRETRATO ..................................... 52
CAPÍTULO II – O ESPAÇO EXPOSITIVO E A SUA
DESCONSTRUÇÃO ................................................................... 59
1. O ESPAÇO OBSERVADO .............................................. 68
2. O ESPAÇO ENCENADO ................................................. 78
3. O ESPAÇO SIMULACRO................................................ 84
CAPÍTULO III - CURADORIA E CRIAÇÃO: OS MUSEUS EM
TRÂNSITO .................................................................................. 94
1. O ATLAS COMO UM MUNDO PORTÁTIL DE CRISTIAN
SEGURA ............................................................................ 103
2. OS LIVROS DE CRISTIAN SEGURA COMO MUSEUS
IMAGINÁRIOS ................................................................... 109
3. OS MUSEUS EM TRÂNSITO: A EXPERIÊNCIA DO
SEDESTRE ........................................................................ 118
CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UM TRABALHO EM
PROCESSO .............................................................................. 129
REFERÊNCIAS ......................................................................... 133
APÊNDICE......................................................................... 137
SOBRE O ARTISTA DOS DISPOSITIVOS ....................... 137
1. MALETA, CHAVE E MESA: ÍNDICES DO ARTISTA
(outubro de 2012) .............................................................. 137
2. MAQUETES COMO DISPOSITIVOS DO PENSAMENTO
ARTÍSTICO (dezembro de 2012) ...................................... 141
3. A SIMULAÇÃO DA DESTRUIÇÃO ATRAVÉS DO OLHOMÁGICO (fevereiro de 2013) ............................................. 143
18
4. O ARQUIVO E OUTROS DIÁLOGOS (abril de 2013) .. 146
5. CRISTIAN SEGURA: O ARTISTA DO DESASSOSSEGO
........................................................................................... 154
19
INTRODUÇÃO
Esta dissertação é constituída por três capítulos no qual é
abordada a produção do artista Cristian Segura (Tandil,
Argentina, 1976), realizada a partir de um recorte de sua vasta
produção artística e curatorial como entrevistas realizadas
durante o processo de escrita; textos de jornalistas, curadores e
críticos; catálogos; materiais fornecidos pelo próprio artista, como
seu portfólio, além de imagens relativas aos trabalhos expostos.
Conta, ainda, com um apêndice constituído por entrevistas
realizadas por e-mail durante o período de setembro de 2012 a
maio de 2013. O conjunto dessas fontes documentais permite
reconhecer suas referências artísticas e conceituais, bem como
detalhes técnicos sobre algumas obras e seus dispositivos de
montagem envolvendo questões relacionadas aos espaços
expositivos e às instituições museológicas.
O interesse em realizar uma abordagem semelhante ao
de montagem, interligando com outras discussões e outros
artistas que guardam afinidades e permitem uma aproximação,
caminhou sempre junto ao propósito de aprofundar o estudo
sobre Cristian Segura, visto que poucas pessoas se debruçam
sobre sua obra, do ponto de vista da história, teoria e/ou crítica
de arte. Durante o percurso, publiquei e apresentei diversos
artigos sobre sua produção que contribuíram para delimitar de
forma mais clara a problemática sobre os dispositivos utilizados
pelo artista argentino.
Cristian Segura desenvolve uma pesquisa artística que
guarda proximidade com os artistas inquietos, marcados por um
alto teor experimental ao longo do último século. O constante
questionamento no que se refere à relação entre o fazer artístico,
o público e os lugares expositivos, remonta a sua larga
experiência com instituições de arte, onde ingressou aos 14
anos, quando começou a trabalhar como voluntário no Museu
Municipal de Belas Artes de Tandil, cidade próxima a Buenos
Aires. Aos 19 anos deixou o trabalho de aprendiz e se tornou
coordenador das exposições dessa instituição, e aos 23, diretor.
Em novembro de 2002, o artista deixou os bastidores do museu,
as salas administrativas, para ingressar ao “palco”, ou seja, às
salas de exposições.
20
Cristian Segura possui Graduação em Desenho pelo
Centro Polivalente de Arte, Tandil. Seu vasto repertório em
gestão e curadoria deve-se ao longo período em que trabalhou
no museu de sua cidade natal e, com os posteriores convites em
atuar em curadorias e exposições, ou seja, sua formação nessa
área é totalmente informal. A partir de seu interesse em buscar
conhecimento, capacita-se com outros especialistas da área,
assim, torna-se um artista inquieto e multidisciplinar, pois
questiona os problemas institucionais utilizando-se do próprio
meio, dos próprios dispositivos que a instituição oferece. Numa
entrevista realizada em 2013, quanto a sua formação informal,
fala que:
Mi aprendizaje en el área que usted consulta
ha sido “no formal”, mediante capacitaciones
en gestión, manejo de colecciones y diseño
de exposiciones de arte, con diferentes
instructores como Susan May (curadora de la
Tate Modern, Londres), Elaine Heumann
Gurian (experta en museos, Estados
Unidos), Hill Tompkins (encargado de las
colecciones de la Smithsonian Institution,
Estados Unidos), Tam Muro (diseñador de
exposiciones, Argentina) y Ernesto Gore
(especialista en organizaciones, Argentina),
entre otros. Pero fundamentalmente práctica,
desde muy temprana edad. 1
O artista possui obras em diversos acervos de
instituições museológicas importantes no cenário artístico
nacional argentino e internacional, como: Museu Juan B.
Castagnino, Rosario, Argentina; Museu de Arte Contemporânea MACRO, Rosario, Argentina; Museu de Arte Contemporânea,
Bahia Blanca, Argentina; Fundação OSDE, Buenos Aires,
Argentina; Museu de Barro, Paraguai; Centro Cultural da Moeda,
Chile; além de receber diversos convites para participar de
Bienais, Trienais, exposições nos Estados Unidos, Cuba, Chile,
Brasil, Espanha. Cristian Segura não é um artista que possui
várias obras e, de repente, recebe um convite para participar de
1
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 135-36
(outubro/2012).
21
alguma exposição e “pronto”, agora, fica a cargo do espaço a
função de se adequar ao trabalho. Pesquisa, caminha pelas ruas,
filma, fotografa tanto a cidade como a própria instituição que irá
intervir. Em alguns casos, desdobra/reinventa alguns de seus
projetos de forma a se adequar ao espaço e/ou contexto do
lugar, transpondo assim uma mesma discussão, um mesmo meio
de intervir, que se assemelha em pontos em comum a todas as
instituições de arte.
Como um artista múltiplo, um artista-etc – tal como
entende Ricardo Basbaum -, é admirador de Victor Grippo, Jorge
Luis Borges e - numa aproximação quanto ao pensamento – de
Marcel Duchamp. Possui um modus operandi singular, limpo,
quase industrial. Sua premeditação poética baseia-se num
conhecimento prévio sobre o espaço onde projeta e monta o
protótipo (se for o caso), de modo a participar de todos os
trâmites da feitura de suas obras assim como da montagem no
espaço físico. As maquetes são um meio que Cristian Segura
utiliza e muito em seus trabalhos artísticos, mesmo que
indiretamente numa busca de pensar o trabalho artístico, a
curadoria, o espaço do museu e o próprio “fazer” do artista, de
modo a permitir outras experiências pelo público durante as
exposições.
Neste sentido, observa-se, que sua atuação não
acontece de modo subjetivo e intimista, mas acontece de modo
cuidadosamente calculado, destinado a estabelecer uma relação
entre obra – espaço - visitante/participante/viajante. Longe de
pré-estabelecer conceitos fechados e estáticos quanto à forma
de denominar aquele que adentra um museu, galeria, ônibus,
avião, sala administrativa, busca-se fazer com que o visitante, o
observador, às vezes apareça como participante e, em outros
casos, como viajante.
Conhecedor dos trâmites dos museus, o que há por trás
das portas administrativas, das montagens de novas exposições,
dos problemas encontrados dentro das próprias estruturas dos
espaços museológicos, como os corredores e as salas
desconexas que impedem uma maior vivência por parte do
visitante; recorre aos próprios recursos e dispositivos do meio
profanando-os. Estes, por sua vez, aparecem de diversas
formas, como: um olho-mágico, uma maleta que carrega o
museu, uma mesa que se aproxima a um autorretrato, mas que
22
também é o ateliê ou, ainda, uma galeria que aluga trabalhos
audiovisuais.
Cabe destacar que o dispositivo é um conceito que se
refere a um termo técnico utilizado pelo teórico Michel Foucault e
repensado por Giorgio Agamben (2009). Trata-se de uma rede
de forças externas aos seres viventes que possuem a
capacidade de “capturar, orientar, determinar, interceptar,
modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as
opiniões, e os discursos” (AGAMBEN, 2009, p. 40) destes. O
teórico sugere que esses seres viventes somente se tornam
sujeitos a partir da relação empreendida com os dispositivos.
Segundo o teórico:
Não somente, portanto as prisões, os
manicômios, o Panóptico, as escolas, a
confissão, as fábricas, as disciplinas, as
medidas jurídicas etc., cuja conexão com o
poder é num certo sentido evidente, mas
também a caneta, a escritura, a literatura, a
filosofia, a agricultura, o cigarro, a
navegação, os computadores, os telefones
celulares e – por que não – a própria
linguagem, que talvez é o mais antigo dos
dispositivos, em que há milhares e milhares
de anos um primata – provavelmente sem se
dar conta das consequências que se
seguiriam – teve a inconsciência de se deixar
capturar. (AGAMBEN, 2009, p. 40-41)
Para o raciocínio de Giorgio Agamben (2009),
desdobrado a partir de Michel Foucault, os dispositivos produzem
corpos dóceis, corpos disciplinados, porém “livres”, diferente do
que encontramos na sociedade contemporânea, “corpos inertes
atravessados por gigantescos processos de dessubjetivação que
não correspondem a nenhuma subjetivação real” (AGAMBEN,
2009, p. 48). A sociedade está cada vez mais imersa em
dispositivos de controle e de disciplina, como câmeras de
vigilância, sistemas de identificação biométrica, meios que
possuem a capacidade de transformar os espaços públicos, de
uso comum, em prisões. Segundo Susana Scramim e Vinícius
Nicastro Honeski, na apresentação do livro O que é o
contemporâneo? e outros ensaios (2009), falam:
23
[...] quanto menos subjetividades são
formadas no corpo a corpo dos indivíduos
com os dispositivos tanto mais dispositivos
são criados como tentativa inelutável de
sujeição dos indivíduos às diretrizes do
poder. (AGAMBEN, 2009, p. 13-14)
A saída proposta por Giorgio Agamben é a profanação
dos dispositivos, ou seja, o retirar do lugar de origem os
elementos sociais e museológicos e produzir/possibilitar um novo
uso, ou seja, a proposta do teórico é o de utilizar esses “objetos”
de uma outra forma disponibilizando aquilo que foi retirado de
seu patamar e devolvendo ao uso comum, semelhante processo
que Cristian Segura busca em seus trabalhos artísticos. Segundo
Giorgio Agamben:
A profanação implica, por sua vez, uma
neutralização daquilo que profana. Depois de
ter sido profanado, o que estava indisponível
e separado perde a sua aura e acaba
restituído ao uso. Ambas as operações são
políticas, mas a primeira tem a ver com o
exercício do poder, o que é assegurado
remetendo-o a um modelo sagrado; a
segunda desativa os dispositivos do poder e
devolve ao uso comum os espaços que ele
havia confiscado. (AGAMBEN, 2007, p. 68)
As obras de Cristian Segura tratam dos pequenos
dispositivos do meio museológico, como: a própria arquitetura
física da instituição, os meios de divulgação, a relação obraespaço e obra-observador, sobre os sistemas de vigilância dos
museus e galerias. Atuando de diversas formas no espaço
institucional, profana de modo a “devolver” ao público o que lhe
foi retirado. Cabe ao espectador/observador/viajante, profanar
tanto através do aluguel de um trabalho audiovisual, ou viajando
de ônibus com vídeos de artistas quanto, olhar por uma pequena
abertura os trâmites administrativos do museu. E ao artista,
juntar o código da chave da casa com a do museu e transpor o
espaço museológico para dentro de uma maleta, uma mesa ou
um ônibus.
24
No primeiro capítulo da dissertação é abordado o
seguinte conjunto de obras: Maleta de ex-diretor de museu
(2003), Chave Mestra (2002) e Mesa de trabalho e Reflexão
(2009). O dispositivo presente nesse primeiro momento é o
índice, conceito proposto por Rosalind Krauss (1996). A teórica
utiliza o índice para trabalhar com as obras do artista Marcel
Duchamp e, agora, busca-se uma aproximação com os trabalhos
de Cristian Segura. Índice são os rastros dos objetos, como uma
sombra, uma pegada, o sintoma de alguma doença que
permitem identificar/reconhecer o objeto que se encontra
ausente. O artista transpõe o lugar do museu para dentro de uma
maleta, transforma o espaço de trabalho em seu autorretrato e,
num movimento transgressor, uma mesma chave abre a porta de
entrada de sua casa e a porta do Museu de Tandil.
Nesse conjunto de obras, observa-se que Cristian
Segura, ao mesmo tempo mescla-se e delimita seu objeto de
estudo. Utiliza a Chave Mestra no último ano em que exerce o
cargo de diretor de museu, a Maleta de ex-diretor de museu
carrega a lembrança do espaço de trabalho antes das
modificações sofridas propostas pelo próprio artista e, Mesa de
trabalho e Reflexão, como o próprio título sugere, confunde-se
com o argentino. Espaço museológico e Cristian Segura nesse
conjunto são um mesmo: ambos carregam índices um do outro.
Um confunde-se com o outro no simples gesto profanador de
transmutar, retirar do contexto, objetos banais e dar um novo
significado. Mais profanador ainda, é colocar os objetos banais
de uso comum no lugar sagrado – museu - e, com eles
questionar esse mesmo espaço.
No segundo capítulo, observa-se que Cristian Segura
busca uma maior participação do público e um questionamento
quanto ao espaço físico urbano e museológico através de
intervenções, como as realizadas na 6ª VentoSul – Bienal de
Curitiba (2011): Vidros quebrados, na Praça Tiradentes e
Sununu, Soro, Itaverá, no Jardim Botânico e na Ópera de
Arame; Mirador urbano: a (ex) posição do espectador (2006);
Fogo no museu (2010); Olho mágico (2010) e Antes de uma
exposição (2010).
Neste bloco é abordada a forma como o artista modifica
alguns espaços, permitindo que o visitante experimente a
25
instituição museológica com outro olhar. Entende-se que Cristian
Segura pauta sua discussão e sua pesquisa, num campo mais
amplo, no qual questiona o papel do museu de “guardar por toda
a eternidade” obras de artistas consagrados dentro de
instituições com estruturas físicas normalmente frágeis. Muitas
vezes, são constituídos por imóveis antigos transformados em
museus e galerias sem qualquer tipo de controle de incêndio ou
terremotos, catástrofes em geral. Ou, até mesmo, o despreparo
aparece através de pequenos desastres, como: as pragas
(insetos, ratos, traças), furtos, a falta de segurança, entre outros
problemas estruturais da própria arquitetura, como salas, portas
e corredores que impedem uma melhor circulação dos visitantes
pela instituição.
Nesse bloco há dois tipos de dispositivos que podem ser
apontados como sendo: os simulacros, conceito trabalhado por
Jean Baudrillard (1997) e o panóptico, de Jeremy Bentham
repensado por Michel Foucault (2000). Ambos os conceitos
tratam de olhares similares constituídos por uma espécie de
olhar interno, de observação. Cristian Segura mostra através de
pequenas intervenções site specific a possibilidade de o visitante
exercer o papel de vigilante, de controlador dos espaços
museológicos. O artista permite que o visitante observe os
trâmites por “trás da cortina”, nos bastidores dos museus e
galerias. Como um vigilante atento, controla a administração do
museu, o funcionamento interno da estrutura, como, também, o
processo de montagem de uma exposição momentos antes de
sua abertura.
Com o simulacro, Cristian Segura apresenta um olhar
mais amplo focado na destruição iminente de forma simulada ao
observador/pedestre. Suas intervenções não são representações
de uma realidade, mas insinuações, ou seja, “ao invés de
potencializar o real com a criação de ilusão” (BAUDRILLARD,
1997, p. 7), o artista trabalha com uma hiper-realidade, não
procurando uma ilusão tal qual o barroco procurava. Nesse
ponto, pode-se aproximar Cristian Segura ao personagem
principal do livro A invenção de Morel (2006) de Adolfo Bioy
Casares, no qual um fugitivo vivencia uma outra realidade
idêntica àquela em que vive, porém criada através de uma
câmera filmadora que capta todos os detalhes, cada movimento,
cheiro ou gosto.
26
O artista argentino em nenhum momento acrescenta
mais e/ou novas imagens, mas cada imagem sua é uma nova
possibilidade de perceber esses espaços esquecidos pela
cidade, como também, o de questionar os problemas das
instituições de arte na medida em que os evidencia como um
olho-mágico ao contrário. Cristian Segura não busca a
representação de um passado ou futuro sentimental, mas sim,
uma “representação” ironizada dos espaços urbanos e
museológicos com a modificação, muitas vezes, de sua função.
No terceiro capítulo, o conjunto de obras tratadas,
aproxima-se de uma diluição completa do espaço físico do
museu, onde o artista transporta a instituição de arte para dentro
de outros módulos/veículos, como: Uma exposição que se
move (2009); Cabine de vídeos (2012), Entre Bienais (2011),
Videoarte Club (2007) e Interfaces 10 (2009). Estende agora,
a possibilidade de criação de arquivos, ou seja, atuando como
curador nessas exposições e, também, exercendo sua figura
como artista, Cristian Segura busca a criação de um panorama,
um arquivo da arte argentina como o trabalho Analogias e
confrontações: outros diálogos na arte argentina (2004).
Os dispositivos para Giorgio Agamben (2009) são bem
amplos, passando pelas prisões, manicômios, disciplinas até
mesmo a caneta, a escrita, o cigarro. Pode-se acrescentar a
essa lista os aviões, os ônibus, os livros, os catálogos e a própria
figura do curador como sendo dispositivos capazes de capturar e
orientar o ser vivente. Partindo disso, Cristian Segura profana
esses elementos dentro desse bloco de obras, possibilitando
uma nova função e, a essa nova função, mostra a possibilidade
de criação de arquivo, de um atlas composto por outros artistas
contemporâneos ou modernos.
Seus trabalhos de curadoria sugerem a criação de um
museu imaginário, como proposto por André Malraux no livro O
museu imaginário (2011), no qual com a reprodutibilidade de
obras através de gravuras e/ou fotografias, criam-se novos
acervos em livros, catálogos e pranchas de reproduções de
obras. Nesse bloco, é possível estabelecer uma leitura com o
Atlas de Aby Warburg, quanto a criação de um grande panorama
da história da arte, onde coloca, lado a lado, imagens de tempos
27
e culturas díspares aproximando-as a partir da sobrevivência de
certos elementos.
Cristian Segura é um artista dos dispositivos, como: o
panóptico, o simulacro, o atlas/arquivo e o índice. Através
desses elementos, o artista busca um questionamento quanto ao
papel da instituição museológica, do observador, do curador e,
também, do artista. Desde suas maquetes iniciais, quando ainda
trabalhava no Museu Municipal de Tandil, busca relações entre
espaço-obra-visitante. Com isso, sua produção artística
questiona tanto o lugar do museu como procura refletir e propor
maneiras alternativas de o público se relacionar com as obras e
com o espaço urbano.
Como um artista-etc, Cristian Segura não se acomoda
somente em seu lugar de artista, mas acrescenta diversas
funções à sua figura. Transitando sempre por esses espaços
familiares: os museus e as galerias. Seu trabalho artístico e
curatorial refletem os constantes questionamentos sobre a
instituição museológica que, até então, colocada num patamar
sagrado, através dos pequenos desastres e simulações
provocadas pelo próprio artista, estabelecem um vínculo entre o
espaço museológico e o visitante/participante/viajante.
28
29
CAPÍTULO I: O ÍNDICE E A AUTO-BIOGRAFIA
A produção artística de Cristian Segura tanto questiona o
lugar do museu, olhando-o criticamente, como procura refletir e
propor maneiras alternativas de o público se relacionar com as
obras e com o espaço urbano. Sua inquietude aproxima-se do
que o teórico Ricardo Basbaum (2004) denomina de artistas-etc.
Vocábulo criado para sinalizar a atuação múltipla de alguns
artistas contemporâneos, como: “artista-curador, artista-escritor,
artista-ativista, artista-produtor, artista-agenciador, artista-teórico,
artista-terapeuta,
artista-professor,
artista-químico,
etc.”
(BASBAUM, 2004, p.21).
O artista-etc é aquele que não se acomoda em seu lugar
de artista e acrescenta diversas funções à sua figura, tal qual
Cristian Segura acrescenta à sua, visto que foi voluntário,
coordenador de exposições e diretor do Museu Municipal de
Belas Artes de Tandil, Argentina. A partir do momento que
decidiu sair da instituição e se focar na função de artista, passou
a acrescentar à sua atuação as funções de teórico, gestor
cultural e curador. O artista não se acomoda somente em um
único campo, pois transita pelos espaços familiares – museus e
galerias - em sua formação e que acabam se refletindo em seu
trabalho como um todo.
Rafael Doctor Roncero, para o catálogo da exposição
Cirurgia de Urgência (2011), no Centro Cultural da Espanha,
Buenos Aires, menciona sobre a propriedade que Cristian
Segura possui ao questionar os museus. O pesquisador nos fala
que para compreender o trabalho de qualquer artista, inclusive o
de Cristian Segura, “es necesario relacionarlo con su propia vida,
con su discurrir y su implicación con los temas que trata y
desarrolla en sus obras”, ou ainda:
[…] estamos ante la obra de un artista que
desde los veintitrés años ocupó la dirección
de un museo de Bellas Artes y que desde la
asunción de ese puesto fue capaz de
plantear diversas obras en las que ha podido
cuestionar
de
diferente
manera
las
contradicciones en las que el mundo de la
gestión se desarrolla. (RONCERO, 2011,s/p)
30
Cristian Segura conhece todos os detalhes e os trâmites
de cada processo que ocorre dentro das instituições
museológicas e que dificilmente podem ser trabalhados por
alguém que nunca passou por essa experiência. Antes de ser
diretor de museu ou um outro trabalhador qualquer dentro de
uma instituição museológica já se considerava, primeiramente,
um artista 2, no qual nos conta numa entrevista realizada em
fevereiro de 2012:
Esa experiencia sorteando los asuntos que
rodean el trabajo en un museo me motivó a
crear un arte propio en donde dar salida a
este tipo de temas, que difícilmente podría
haber entendido completamente si no los
hubiera vivido desde dentro. Es por eso que
algunas de mis obras tienen un sentido
autobiográfico, recuerdan mi experiencia
como director de museo y la influencia que
diferentes instituciones han tenido en mi
formación, mi carrera y mi vida. (SCHVARTZ
& AMARANTE, 2012-2013, p. 176)
Como o próprio artista coloca na entrevista, seus
trabalhos soam como autorretratos ou como indícios de suas
funções passadas, principalmente, a de diretor de uma instituição
de arte, que podemos reconhecer nas seguintes obras: Valise
de ex-diretor de museu (2003), Chave Mestra (2002) e Mesa
de trabalho e Reflexão (2009). São obras que marcaram o
início da carreira artística de Cristian Segura no qual procuro
estabelecer uma relação com esses trabalhos a autorretratos
tanto do artista quanto da própria instituição museológica.
Sua primeira obra exposta é Valise de ex-diretor de
museu (2003), apresentada no Centro Cultural de Estudos
Brasileiros em 2006. Este trabalho é confeccionado pelo próprio
artista com materiais efêmeros e de descarte da própria
instituição, sendo que a maleta é pintada em cinza metálico,
dando-nos a impressão de ser feita em um material resistente.
Dentro dela há a maquete exata do Museu de Tandil, ou pelo
2
Segundo Cristian Segura, em primeiro lugar, ele se considera um
artista e depois, diretor e curador de uma instituição museológica.
(AMARANTE & SCHVARTZ, 2012-2013)
31
menos como o museu era antes das modificações sofridas na
arquitetura enquanto Cristian Segura era diretor da instituição.
Chave Mestra (2002), exposta no Palais de Glace em 2007, o
artista combina a chave da porta de sua casa com a da entrada
do museu, utilizando-a durante um ano inteiro para abrir as duas
portas enquanto ainda exercia seu cargo de administrador. Para
apresentá-la, Cristian Segura destruiu sua função, deixando-a
inoperante e a apresenta uma única vez dentro de uma caixa,
semelhante a um baú de recordação e, ao lado, um relato de seu
uso para o observador. Já Mesa de trabalho e Reflexão (2009),
exposta pela primeira vez na Fundação Itaú, em Buenos Aires no
ano de 2009-2010, é uma homenagem direta a Victor Grippo,
artista argentino que influencia o início da carreira de Cristian
Segura e ainda, deixa resquícios dessa influência, desde sua
forma metódica em pensar e atuar significativamente dentro dos
espaços. O artista recorta seu perfil direito num tampo de uma
mesa de madeira confeccionada por ele mesmo e a apresenta
como se fosse seu autorretrato.
Em sua trajetória artística, e principalmente nessas três
obras, podemos perceber que Cristian Segura procura trabalhar
com aquilo que é mais próximo a ele, os museus e as galerias,
assim como suas funções exercidas, como a de diretor e
coordenador de exposição. O artista confunde-se com essas
obras, deixando rastros dos cargos exercidos e das salas por
onde passou, através de pequenos indícios.
Rosalind Krauss (1996) utilizou o conceito índice para
trabalhar com as obras do artista Marcel Duchamp, que nos anos
20, utilizou materiais industrializados como forma de excluir a
gestualidade do artista, com o simples ato de retirar objetos de
seus contextos e atribuir novos significados. A partir dessa
discussão, busco uma aproximação do conceito de índice e do
gesto do artista francês para ler os trabalhos de Cristian Segura.
Marcel Duchamp acaba negando, destruindo todo um
código simbólico existente sobre os objetos industrializados,
esvaziando o código linguístico pré-estabelecido e colocando um
caráter indiciário sobre esse objeto retirado de seu lugar
“natural”. Um vazio que se torna possível para outras percepções
e significações pelo próprio artista e pelo próprio observadorparticipante. Nos trabalhos: Valise de ex-diretor de museu
(2003), Chave Mestra (2002) e Mesa de trabalho e Reflexão
32
(2009), percebemos esse esvaziamento que Cristian Segura
propõe a alguns objetos de uso comum do cotidiano, como uma
maleta, uma chave ou uma mesa e, a partir desse ato,
percebemos indícios da biografia do artista assim como da
própria instituição em que trabalhou através de pequenos
rastros/elementos que nos indicam sua presença. Segundo a
professora e pesquisadora Rosângela Miranda Cherem, quanto
ao trabalho do artista argentino, coloca-nos da seguinte forma:
Operando como uma mensagem sem código
ou presença física como mera alusão, os
procedimentos duchampianos colocam o
índice em contraposição ao símbolo,
enquanto atribuem ao artista os gestos de
selecionar, isolar e expor. Através deles, o
artista torna o signo linguístico esvaziado e
preenchido de significações, instalando
significados
sem
sentido
e
criando
descontinuidades
com
a
realidade.
(CHEREM & MAKOWIECKY, 2012, p. 23)
Os índices propõem novos significados aos elementos
retirados de seus contextos, visando uma descontinuidade com a
realidade, uma quebra dessa imutabilidade do mundo e das
coisas, baseando-se numa relação física com esses objetos e
seus novos significados. A partir disso, entendemos que os
índices são os rastros dos objetos, assim como uma sombra,
uma pegada, um sintoma de alguma doença, a impressão digital,
ou seja, elementos que nos indicam a presença e permitem,
assim, o reconhecimento do próprio artista – Cristian Segura - ou
da própria instituição – Museu Municipal de Belas Artes de
Tandil. Segundo Rosalind Krauss:
A diferencia de los símbolos, los índices
basan su significado en una relación física
con sus referentes. Son señales o huellas de
una causa particular, y dicha causa es
aquello a lo que se refieren, el objeto que
significan. Dentro de la categoría de índices
entrarían las huellas físicas (como las huellas
dactilares), los síntomas médicos, o los
propios referentes de los modificadores. Las
sombras proyectadas también podrían servir
33
como signos indiciadores
(KRAUSS, 1996, p. 212)
de
objetos…
A teórica propõe que através dos sintomas, impressões
digitais ou até mesmo através das sombras, pode-se reconhecer
um objeto específico que está fisicamente ligado a essa marca
deixada, mas podemos ir além dessa relação física e
proporcionar ao objeto outros significados a partir da nossa
relação com eles. No texto O autor como gesto (2007), Giorgio
Agamben propõe a existência do autor através de indícios, no
qual podemos estabelecer uma relação com o conceito utilizado
por Rosalind Krauss. O teórico parte de um postulado de Michel
Foucault, onde este fala que “a marca do autor está unicamente
na singularidade de sua ausência” (BECKETT apud AGAMBEN,
2007, p. 55) e o autor é “exatamente como o infame, o autor está
presente no texto apenas em um gesto, que possibilita a
expressão na mesma medida em que nela se instala um vazio
central” (AGAMBEN, 2007, p. 59). Giorgio Agamben propõe
ainda que o autor simula, ou melhor, utiliza como dispositivo o
jogo entre ele e o leitor como forma de questionar sua presença,
ausente no texto, que se coloca como rastro, semelhante aos
índices, pois:
(...) rejeitar o recurso filosófico a um sujeito
constituinte não significa agir como se o
sujeito não existisse, e fazer disso uma
abstração a favor de uma pura subjetividade;
tal rejeição tem, sim, por objetivo fazer
aparecer os processos próprios que definem
uma experiência na qual o sujeito e o objeto
“se formam e se transformam” um em
relação ao outro e em função do outro.
(FOUCAULT apud AGAMBEN, 2007, p. 57)
Essa transformação do objeto a partir da relação com o
sujeito, Marcel Duchamp caracteriza como sendo o ato criador.
Esse ato não consiste somente na relação entre objeto-sujeito,
mas também perpassa pelo criador/autor em transformar a
intenção em um objeto físico e/ou em uma ação. Essa intenção
de realizar algo e o ato de realmente realizar, transita por
diversos sentimentos, desde angústia, sofrimento, dúvidas,
satisfações até a plena realização que, muitas vezes, não condiz
34
com sua intenção inicial justamente por esse longo e árduo
caminho que o pensamento, o ato criador, transita. “Esta falha
que representa a inabilidade do artista em expressar
integralmente a sua intenção; esta diferença entre o que quis
realizar e o que na verdade realizou é o ‘coeficiente artístico’”
(BATTCOCK, 1986, p.73).
Marcel Duchamp fala, ainda, que o ato criador toma
outra forma a partir da relação entre o sujeito/espectador e o
objeto, no qual podemos aproximar ao jogo entre o autor e o
leitor ou entre o leitor e o objeto proposto por Giorgio Agamben
(2009), que permite que tanto um quanto o outro se modifiquem
a partir de suas relações. Essa brincadeira de restituição do
dispositivo ao uso comum, tal qual o elemento indiciador
proposto por Rosalind Krauss, é a profanação:
Profanar não significa simplesmente abolir e
cancelar as separações, mas aprender a
fazer delas um uso novo, a brincar com elas.
A sociedade sem classes não é uma
sociedade que aboliu e perdeu toda a
memória das diferenças de classe, mas uma
sociedade que soube desativar seus
dispositivos, a fim de tornar possível um novo
uso, para transformá-las em meios puros.
(AGAMBEN, 2007, p. 75)
Cristian Segura ao mesmo tempo em que se coloca como
autor de suas obras, procura um distanciamento através de
cálculos minuciosos e na escolha dos materiais industriais de
modo que não levem ou não deixem transparecer seu traço/seu
gesto em seus trabalhos. Mesmo assim podemos ver seus
indícios no qual aproximamos com os elementos físicos de suas
obras. São obras que anteriormente foram objetos de uso
comum pelas pessoas e destituídos de seus códigos simbólicos.
A profanação desses dispositivos vem como forma a devolver
para a sociedade esses objetos, porém com uma nova
significação. Segundo Giorgio Agamben:
As crianças, que brincam com qualquer
bugiganga que lhes caia nas mãos,
transformam em brinquedo também o que
pertence à esfera da economia, da guerra,
35
do direito e das outras atividades que
estamos acostumados a considerar sérias.
(AGAMBEN, 2007, p. 67)
Essa brincadeira proposta pelo teórico é “uma nova
dimensão do uso que crianças e filósofos conferem à
humanidade” (AGAMBEN, 2007, p. 67) e que funciona como um
intermediário entre o objeto e o sujeito. Esses jogos funcionam
como dispositivos profanados, a partir da retirada do objeto de
um espaço específico e imbuindo um novo caráter a ele a partir
de sua relação com o sujeito. Essa relação, então, entre sujeito e
objeto que encontramos em Cristian Segura, nos trabalhos
Chave Mestra (2002), Valise de ex-diretor de museu (2003) e
Mesa de trabalho e Reflexão (2009), permite que coloquemos
o artista como sendo o artista dos dispositivos profanados.
Retirando da relação do dia-a-dia objetos comuns e os
profanando, assim como um “gato que brinca com um novelo
como se fosse um rato” (AGAMBEN, 2007, p. 74), ou carregando
o museu dentro de uma maleta de negócios ou, ainda,
pendurando na parede a fotografia de uma mesa como se fosse
seu retrato, Cristian Segura propõe a esses dispositivos
desativados “um novo e possível uso” (AGAMBEN, 2007, p. 74).
É nesse jogo de profanação dos espaços institucionais do
cotidiano que Cristian Segura “brinca”.
1. O PORTÁTIL E O ESPAÇO EXPOSITIVO
Em novembro de 2002, Cristian Segura deixou de ocupar
o cargo administrativo de diretor do Museu Municipal de Belas
Artes de Tandil, para se dedicar a carreira de artista, curador e
gestor cultural. Com referência a esse fato, um de seus projetos
é uma maleta que continha uma réplica exata da planta do
Museu Municipal de Belas de Tandil, em que trabalhou durante
anos em sua cidade natal. Exposta na Fundação Centro Cultural
de Estudos Brasileiros, Buenos Aires em 2006, marca o início de
sua carreira artística.
A obra Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1) foi
idealizada e confeccionada em 2003, um ano depois de ter
deixado o cargo administrativo no Museu de Tandil. No ano de
2006, além de participar de sua primeira exposição com essa
obra, é premiado pelo Espaço Imago da Fundação OSDE,
36
Buenos Aires, na qual a Maleta passa a fazer parte do acervo
desde então. Em 2010, a obra é emprestada para o Museu de
Arte das Américas, Washington DC, para participar da exposição
coletiva Argentina em Foco: visualizando o conceito Cristian
Segura/Sergio Vega, de cujo foco crítico aborda questões
referentes às instituições museológicas e sobre a arte latinoamericana.
Imagem 1: Cristian Segura, Maleta de ex-diretor de museu, objeto,
2003.
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
A Maleta (Imagem 1) é confeccionada em papelão e
recebe a pintura cinza metálico tanto por fora quanto por dentro,
assim como uma alça de sustentação. Em seu interior está
montada a maquete da planta baixa do Museu de Tandil, de
forma a ironizar “sobre la falta de continuidad en las políticas
culturales trazadas en dicha institución” (SCHVARTZ &
AMARANTE, 2012-2013, p. 178). Ela é similar às maletas de
executivos ou funcionários públicos, porém, enquanto estas são
feitas em materiais resistentes para poderem ser carregadas de
um lado para o outro sem perdas, a de Cristian Segura é feita de
um material frágil e efêmero. Em uma entrevista concedida em
37
2013, o artista relata que as maquetes sempre estiveram
presentes em seu modus operandi, desde a época em que era
diretor de museu:
En cuanto a la elaboración de una maqueta,
se relaciona con que la construcción de
modelos a escala estuvo presente desde el
comienzo en mi labor en el museo. Surgían a
la hora de buscar flexibilizar los límites entre
la curaduría, la museografía y el hacer de los
artistas, para optimizar la experiencia del
público en las exposiciones. 3
A partir da reprodução em pequena escala do museu ou
de alguma sala expositiva, Cristian Segura consegue visualizar o
espaço que a exposição toma e as possíveis dinâmicas que o
visitante pode realizar com as obras e com a própria instituição.
Durante o processo de estudar as exposições através da
utilização de uma miniatura das salas do Museu de Tandil,
consegue realizar pequenas modificações na estrutura do próprio
espaço, “que le proporcionaron a los espacios del museo una
mayor amplitud y una lógica de circulación que hasta entonces
no tenía” 4. Segundo o artista:
Es por eso que, el interior de la valijita
reproduce el museo de salas pequeñas y
recorrido confuso que tenía inicialmente, así,
al confrontarla con el museo real, se hace
visible la transformación que experimentó el
edificio durante los años que trabajé en él. 5
Cristian Segura questiona, ainda, sobre a falta de
continuidade no trabalho administrativo das instituições de arte,
como dos programas de exposições, das ações educativas,
oficinas, etc., que com a troca de funcionários, muitas vezes, são
descontinuados. Preocupa-se também em levar trabalhos
artísticos, tanto de artistas conhecidos como de novos do cenário
3
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 136
(outubro/2012).
4
Idem.
5
Idem.
38
argentino, para localidades distantes dos centros culturais de
forma a diluir os espaços que se concentram em um único ponto
e buscando ocupar outros não tradicionais, assim, a Maleta de
ex-diretor de museu é a figuração dos espaços portáteis.
Se uma maleta serve para levar consigo os pertences
mais importantes numa viagem ou qualquer outro tipo de
deslocamento, Cristian Segura leva o espaço museológico,
pertence indispensável em seu cotidiano. O “museu” dentro da
maleta não funciona como um objeto palpável, mas sim, como
uma ideia do que representa, como um índice, um rastro de
todas as experiências e conhecimentos acerca do funcionamento
das instituições museológicas que o artista não pode
simplesmente descartar. Lembrando que para Rosalind Krauss
(1996, p. 212), “el modificador”, o índice, “es un tipo de signo
lingüístico que participa del símbolo al mismo tiempo que
comparte los rasgos de otra cosa”. O artista profana o espaço do
museu através de pequenos subterfúgios, ou seja, através de
pequenos deslocamentos que acabam criando um jogo no qual o
observador poderá ou não entrar, pois:
A profanação implica, por sua vez, uma
neutralização daquilo que profana. Depois de
ter sido profanado, o que estava indisponível
e separado perde a sua aura e acaba
restituído ao uso. Ambas as operações são
políticas, mas a primeira tem a ver com o
exercício do poder, o que é assegurado
remetendo-o a um modelo sagrado; a
segunda desativa os dispositivos do poder e
devolve ao uso comum os espaços que ele
havia confiscado. (AGAMBEN, 2007, p. 68)
O artista argentino fala sobre os espaços museológicos
utilizando elementos do próprio lugar, mesmo que atribuindo
utilizações e funções diferentes daquelas estabelecidas pelas
regras sociais tal qual um jogo/brincadeira de criança.
Transforma/transgride, sem colocar um caráter de militância, os
dispositivos da sociedade contemporânea como forma de
intermediar a relação entre o sujeito e o objeto, pois “todo
dispositivo implica um processo de subjetivação” (AGAMBEN,
2009, p. 46), no qual as maquetes, criadas a partir de materiais
de descarte como uma cópia exata das salas expositivas do
39
Museu de Tandil, eram usadas para estabelecer possíveis
relações entre o visitante e a obra/exposição.
Victor Grippo também é um profanador dos dispositivos
do seu tempo. O artista, conterrâneo de Cristian Segura, buscou
novas relações, novos códigos para elementos de uso comum da
sociedade. Retirando dos espaços de origem: maletas, mesas,
batatas, rosas, etc., tornando esses objetos simbolicamente
vazios. O artista possibilitou um novo sentido para esses objetos
fora do contexto, permitiu ao observador novas leituras, assim
como observamos na Maleta de Cristian Segura que carrega
simbolicamente um museu, que não existe mais naquela
configuração, sendo, portanto, apenas um rastro, um indício do
que foi.
Victor Grippo iniciou sua carreira no Museu de Belas
Artes de Tandil e é considerado uma referência na Arte
Conceitual da América Latina. Procurou valorizar “la densidad de
significados y complejidad emotiva de sus obras, en pugna con la
severidad del arte conceptual de otras latitudes” (USUBIAGA,
2004, s/p). Observa-se que a maior parte de sua obra “señala las
semejanzas entre el desarrollo de ciertos hechos naturales, la
experimentación científica y la poesía del discurso artístico”
(SEGURA, 2002, p. 50), influência de sua formação em Química
cursada na Universidade Nacional de La Plata, Buenos Aires.
Enquanto ainda era diretor do Museu de Tandil, Cristian
Segura compilou uma coletânea de textos, como um livro
homenagem, intitulado Victor Grippo: reunião homenagem
(2002). Composto por textos de diversos autores, contando com
entrevistas com o próprio artista, a reprodução de algumas
obras, além de textos de jornais e de catálogos, procurou
recuperar o início da carreira de Victor Grippo através de textos
críticos, desde sua primeira exposição no Museu de Tandil até o
momento em que já possuía uma obra madura e reconhecimento
no cenário artístico internacional.
Desde
1972,
Victor
Grippo
produziu
várias
maletas/valises/caixas que contam com diversos materiais como
pão, batatas, utensílios de pedreiro e rosas secas. Esses objetos
influenciam a obra de Cristian Segura, sendo a Maleta de exdiretor de museu uma homenagem a essas obras de seu
conterrâneo, tendo, como principal referência a obra Maleta de
Padeiro: farinha + água + calor (excessivo) (Imagem 2).
40
Imagem 2: Victor Grippo, Maleta de Padeiro: farinha+água+calor
(excessivo), materiais diversos, 1977.
Fonte: Disponível em:
<http://www.buenosaires.gob.ar/areas/cultura/arteargentino/01sigloxx/01
gr_11_grippo.php> Acesso em: 15 de fevereiro de 2013.
Victor Grippo mesmo tendo feito parte do Grupo dos
Treze, importante grupo de artistas conceituais, continuou a
pensar sobre a matéria e na sua capacidade de transformação.
É, em sua essência, um artista alquimista e “los elementos
presentados son un ‘ser allí’, una presencia imperiosamente
reclamada por el sentido total de sus estructuras” (SEGURA,
2002, p. 66).
Era uma época em que a manualidade dos artistas
estava sendo colocada de lado e o conceito e materiais
industrializados ganhavam espaço e força dentro do cenário
artístico. Porém, Victor Grippo continuava a investigar e a pensar
sobre a matéria e na sua possível transformação. Num
movimento que nos lembra a de Marcel Duchamp, a partir do
momento que carrega para dentro das instituições museológicas
elementos pouco usuais e, permito-me a aproximação, como a
41
de um artista “alquimista”, esse movimento/essa transformação
possibilita um novo significado, ou seja, um novo código
linguístico/uma nova relação entre sujeito-objeto.
Marcel Duchamp possui uma tradição densa em pintura,
participou de diversos movimentos artísticos ligados a essa
linguagem plástica, porém, mais tarde, desvinculou-se e passou
a trabalhar com uma arte mais conceitual, voltada para o campo
das ideias. A crítica de arte Laura Feinsilber, para o Diário
Âmbito Financeiro, fala sobre a obra de Cristian Segura e a
influência de Marcel Duchamp da seguinte forma:
“Caja en valija” obra realizada entre 1938 y
1942, fue el disparador para que Cristian
Segura (1976) concretara la idea de museos
portátiles, trabajo que aborda la construcción
de la maquinaria en torno a un bien
simbólico, específicamente el museo, a
través de vídeo-instalaciones, esculturas,
arte sonoro. Mostró, entre otras, “Valijita de
ex director”, obra autobiográfica e irónica
acerca de su experiencia como ex Director
del Museo de Arte de Tandil (...).
(FEINSILBER, 2009, s/p)
Nicolas Bourriaud (2009, p. 22) fala que Marcel Duchamp
acredita que “criar é inserir um objeto num novo enredo,
considerá-lo como um personagem numa narrativa”, e para a
teórica Rosalind Krauss (2007, p. 91), uma das repostas dadas
pelos ready-mades é “a de que um trabalho de arte pode não ser
um objeto físico, mas sim uma questão”, a partir disso, a teórica
sugere que criação artística deveria ser reconsiderada como
“assumindo uma forma perfeitamente legítima no ato
especulativo de formular questões” (KRAUSS, 2007, p. 91).
Assim como o artista estabeleceu uma conexão muito próxima
com o conceito de índice, Cristian Segura, na medida em que
introduz no espaço expositivo o próprio museu em que trabalhou
de forma a questioná-lo numa configuração de um objeto
industrial, uma maleta, também retira do mundo um objeto
comum, transforma e devolve para esse mesmo mundo outro
completamente diferente. Segundo Rosalind Krauss:
42
El
movimiento
deja
de
funcionar
simbólicamente, y asume el carácter de un
índice. Al hablar de índice me refiero a ese
tipo de signo que se presenta como
manifestación física de una causa, ejemplos
del cual son las huellas, las improntas y los
indicios. (KRAUSS, 1996, p. 226)
Marcel Duchamp acreditava que o trabalho artístico não
deveria trazer e muito menos ser lido somente a partir de seus
traços psicológicos, como se acreditava com a arte moderna e
com os movimentos anteriores a ela. O artista, agora,
industrializa e serializa, como uma máquina, as obras artísticas
através do uso dos ready-mades, dos múltiplos e do uso de
materiais não convencionais. Ele acabou com a aura em torno da
obra de arte com o simples gesto de trazer esses objetos
ordinários e funcionais para o domínio artístico, transformando o
múltiplo e/ou a reprodução do original em um trabalho único.
Cristian Segura utilizou materiais de descarte do próprio
espaço museológico como forma de se pensar a própria
instituição e a curadoria. Se Marcel Duchamp acaba com a aura
em torno dos objetos artísticos, o artista argentino põe fim à aura
em torno da própria instituição museológica. Ele busca uma
aproximação com o público, um pensar junto sobre as diversas
possibilidades de leituras que esse visitante poderá ter ao
mesmo tempo em que se coloca no papel de artista e do próprio
observador. De acordo com Selvino Assmann na introdução do
livro Profanações do teórico Giorgio Agamben:
[...] a profanação não permite que o uso
antigo possa ser recuperado na íntegra,
como se pudéssemos apagar impunemente
o tempo durante o qual o objeto esteve
retirado do seu uso comum. O que se pode
fazer é apenas um novo uso. (AGAMBEN,
2007, p.10)
As maletas/valises/caixas, como Boîte-en-valise (de ou
par Marcel Duchamp ou Rrose Slavy) (Imagem 3), de Marcel
Duchamp são consideradas como museus pessoais portáteis, no
qual as reproduções de suas obras funcionam igualmente como
um objeto artístico, uma obra original. Além de introduzir na arte
43
o uso de materiais prontos/industrializados, os ready-mades, e
colocá-los num patamar elevado, Marcel Duchamp eleva também
a reprodução e o múltiplo.
Imagem 3: Marcel Duchamp, Boîte-en-valise (de ou par Marcel
Duchamp ou Rrose Slavy), valise de couro contendo as réplicas em
miniatura de diversas obras do artista, 1935-41. ©1999 The Museum of
Modern Art, New York.
Fonte: Disponível em:
<http://www.moma.org/interactives/exhibitions/1999/muse/artist_pages/d
uchamp_boite.html> Acesso em: 15 de fevereiro de 2013.
O artista francês trabalhou com a possibilidade de
transitar pelos espaços, de o público ter a oportunidade de
possuir suas obras em suas próprias casas e ter um fácil acesso
sobre seu vasto repertório. O visitante pode acessar as obras de
Marcel Duchamp num “abrir de malas”, mesmo que em tamanho
reduzido e planificadas, mas ao mesmo tempo, possuir outra
obra completamente diferente. Não se propôs a criar um
catálogo ou um arquivo de suas obras, não somente, mas
também se propôs a criar seu próprio museu, sua própria
curadoria dentro de uma maleta com o desdobramento de seus
trabalhos/pensamento artístico.
44
As maletas eram produzidas manualmente e continham
reproduções em miniatura de pinturas que eram coloridas pelo
próprio Marcel Duchamp, além de reproduções dos ready-mades
e a presença das notas originais sobre a obra Grande Vidro. Em
contraposição, o artista argentino Cristian Segura não nos
apresenta nenhuma exposição ou coleção portátil em sua Maleta
de ex-diretor de museu (Imagem 1) e muito menos não a
reproduz em larga escala, mas reproduz o próprio museu,
espaço do qual faz parte de sua trajetória. Segundo Justo Pastor
Mellado:
Lo que define a un funcionario, suponemos,
es el porte de un maletín. En este caso, el
porte del maletín hace la función, ya que
resulta evidente que ésta se debe reflejar en
la forma. El ex-director-curador-artista
traslada una maqueta imaginaria de la planta
que acogerá su disposición de obras. Ya
sabemos que un museo es un dispositivo
que sirve para organizar los imaginarios de la
autorepresentación que una comunidad local
puede hacerse del arte. Al producir la pieza
del maletín, Cristian Segura puede viajar a
Santiago o a cualquier parte, llevando
consigo un diagrama de conocimiento, que
es una propuesta de entrada al arte
argentino que uno lleva consigo a todas
partes, como si fuese una enciclopedia
portátil. (MELLADO, s/d, s/p)
Cristian Segura nos apresenta um museu dentro de uma
maleta no qual procura questionar esse espaço em que trabalhou
e conviveu por muito tempo, tornando-se íntimo e confundindo-se
com ele através de rastros deixados em seu trabalho, como o
nome já sugere que a maleta se refere a um ex-diretor de museu,
dispositivo que o artista profana tal qual o museu.
Para o teórico Giorgio Agamben (2007, p. 73), o museu
não se refere somente a um espaço físico, mas é “a dimensão
separada para a qual se transfere o que há um tempo era
percebido como verdadeiro e decisivo”. O museu é o lugar
destinado para se consagrar os objetos artísticos e cabe ao
artista e ao público a profanação, o trazer de volta esses objetos
45
para o uso comum, que muitas vezes se refere a um novo código
simbólico, ou melhor, aquele objeto esvaziado e sem rastro,
posto num altar, é profanado através da possibilidade de um
novo uso.
2. A CHAVE E O ELEMENTO MODIFICADOR
Com a ajuda de um serralheiro experiente e de Jorge Di
Paola, amigo de Victor Grippo, Cristian Segura idealiza e
confecciona, em 2002, uma chave contendo, de forma
combinada, o segredo da porta de sua casa e da porta do Museu
Municipal de Belas Artes de Tandil, que durante esse período foi
utilizada para abrir ambos os espaços. A Chave Mestra
(Imagem 4) está disposta dentro de uma caixa, como um baú de
recordação que guarda a memória do tempo em que seu trajeto
diário era abrir as portas da instituição e voltar para o aconchego
de seu lar.
Imagem 4: Cristian Segura, Chave Mestra, objeto, 2002.
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
46
O artista argentino a apresenta uma única vez no Palais
de Glace, Buenos Aires em 2007, cinco anos depois de não
exercer mais a função de diretor. Segundo o artista:
[…] después de hacer varios intentos
infructuosos, un amigo, Jorge Di Paola, me
habló de un cerrajero anciano, ya retirado del
oficio, astuto en la confección de ganzúas.
Fue así que logré dar con él y hacer la llave
que usé para abrir tanto la puerta de mi casa
como la del museo, durante el tiempo que fui
director. 6
Foi com a ajuda de um serralheiro que Cristian Segura
consegue unir a chave da porta de entrada de sua casa com a do
museu e, durante todo um ano, utiliza-a para abrir ambas as
portas. Ao expô-la no Palais de Glace, em Buenos Aires, o artista
acrescentou uma legenda relatando a história da chave.
Segundo Rosalind Krauss, sobre a obra Grande Vidro de
Marcel Duchamp, e que poderíamos aproximar sua fala com a
Chave de Cristian Segura, fala-nos da seguinte forma sobre as
notas, relatos ou legendas que acompanham algumas imagens
das obras do artista francês como se fossem referências:
Las notas para el Gran vidrio constituyen un
comentario al margen amplificado; como los
pies de foto de los periódicos, que son
absolutamente
necesarios
para
su
comprensión, la propia existencia de las
notas de Duchamp – su conservación y
publicación – atestigua la alteración de la
relación entre signo y significado en su obra.
(KRAUSS, 1996, p. 217)
Lembrando que o índice, para Rosalind Krauss, é o
elemento que carece de significados e de relações, tendo a sua
essência baseada unicamente no físico do objeto que acaba, por
sua vez, carregando pequenos indícios de um todo maior, do que
um dia ele foi tal qual o relato do artista Cristian Segura nos traz
6
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 138
(outubro/2012).
47
sobre a chave e a partir dele podemos entrar na brincadeira. O
relato nos permite saber que poucos dias antes de deixar de ser
diretor do Museu de Tandil, o artista trocou a fechadura das
portas de ambos os espaços de seu trânsito de modo a “anular la
utilidad de la llave y convertirla en una obra de arte’” 7. A partir
disso, entendemos que Cristian Segura é o artista dos
dispositivos profanados, dos objetos retirados da sociedade e
com usos específicos e sua posterior devolução profanada ou na
sua “transformação da matéria inerte numa obra de arte”
(BATTCOCK, 1986, p. 74). O que para Giorgio Agamben:
[...] significa que a estratégia que devemos
adotar no nosso corpo a corpo com os
dispositivos não pode ser simples, já que se
trata de liberar o que foi capturado e
separado por meio dos dispositivos e restituílos a um possível uso comum. (AGAMBEN,
2009, p. 44)
Restituir ao uso comum, tal qual Cristian Segura faz com
a Chave Mestra (Imagem 4) ou de quando carrega o museu
dentro de uma maleta (Imagem 1). Na medida em que brinca
com esses objetos de uso comum da sociedade, o artista cria
novas maneiras/novos usos para os objetos do cotidiano,
propondo um jogo ao observador que, por sua vez, poderá ou
não participar, pois cabe ao público estabelecer essa
relação/contato entre a obra de arte e o mundo exterior
(BATTCOCK, 1986). Permito-me escrever que Cristian Segura
não é um artista que exige uma participação ativa do espectador
– ele não nos dá uma cópia da chave e nem nos permite
carregar a maleta -, mas propõe uma participação subjetiva e
sutil, onde o observador possa experienciar essas obras com
outros sentidos e memórias. Através de seu relato imagino como
teria sido essa “brincadeira” que durou um ano inteiro com a
junção de duas chaves/dois segredos de fechadura para sua
posterior desativação.
Em contraponto, o artista americano Paul Ramírez Jonas,
participante da 28ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em
7
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 138
(outubro/2012).
48
2008, com a obra Talisman (Imagem 5), propõe disponibilizar a
cópia da chave do Pavilhão da Bienal em troca das chaves das
casas dos visitantes. Cristian Segura não disponibiliza o uso de
sua chave, mas busca estabelecer uma relação entre
observador-visitante com o espaço museológico e a obra através
de um simples jogo de trocas ou de junção, pois é profanando
esse objeto – a chave - intocável que o artista propõe uma nova
experiência ao espectador, mesmo que seja através de seu
relato.
Imagem 5: Paul Ramírez Jonas, Talisman, instalação, 2008.
Fonte: Disponível em:
<http://www.paulramirezjonas.com/selected/new_index.php#18&29_200
8&sub186&07_Talisman> Acesso em: 24 de fevereiro de 2013.
Paul Ramírez Jonas instalou no hall de entrada do
Pavilhão da Bienal de São Paulo uma réplica de uma loja/oficina
de chaveiros. Sua proposta era a de que os visitantes
ganhassem gratuitamente a chave da porta de entrada do
Pavilhão e, em troca, permitiam que o artista ficasse com uma
cópia da chave da casa dos visitantes. Ele estabeleceu regras de
acesso, no qual deixava claro que somente era permitida a
entrada no prédio, durante o período em que a Bienal estivesse
fechada ao público, assim como diversas outras restrições e
responsabilidades caso o visitante decidisse ingressar, como:
apresentar um documento de identidade, as regras de acesso
49
devidamente assinadas, não era permitido entrar com bolsas ou
mochilas, entre outras restrições (JONAS, 2008) 8.
O visitante teria acesso somente ao andar térreo do
pavilhão, não podendo fumar, ocupar, dormir, danificar as obras
ou a estrutura do edifício, assim como menores de 18 anos
deveriam estar acompanhados e, os acompanhantes, deveriam
cumprir as regras igualmente, pois, como o artista coloca nas
Regras de Acesso, parte de sua obra, “a chave é somente um
exercício, ela nos lembra de liberdades maiores, mas não pode
dá-las por inteiro” (JONAS, 2008, p. 1). Estabelecia-se com isso
uma relação de confiança. Confiança esta que Cristian Segura
estabelece entre seu local de trabalho com sua casa, que temos
a oportunidade de conhecer através do relato de sua atitude no
espaço expositivo junto com sua “prova de crime” danificada.
Paul Ramírez Jonas, assim como um artista-etc, trabalha
com objetos, intervenções urbanas, vídeos, performances, etc..
Antes seus trabalhos focavam-se em suas angústias e
necessidades, onde ele era o leitor, o descobridor e o
pesquisador. Entretanto, a partir do momento que começou a
utilizar as chaves em seus trabalhos, questionando os espaços
públicos e os privados, sua obra artística voltou-se ao papel do
observador/visitante. Seu interesse é transformar o público em
leitores, assim como ele, tornando-os exploradores ativos dentro
de uma exposição. Numa entrevista realizada por Santiago
García Navarro para o catálogo da 28ª Bienal Internacional de
São Paulo percebemos bem sua influência e o que entende
como sendo o papel do escritor e do leitor em suas proposições:
Recognizing my debt to Jorge Luis Borges, I
find reading more creative than writing, the
reader more creative than the author. Most of
my works starts with a preexisting text. I use
this text as a musical score for an action, an
object or any kind of work. I consider the
word “text” as widely as possible. So, it can
be a path, such as a piece of music, the
design of a technological object, a
newspaper, a play, a map, in short, any
8
Recorte retirado de parte do trabalho Talisman que possui Regras de
Acesso, no qual o artista coloca regras definidas para que o visitante
saiba como deverá utilizar a chave, tal qual um termo de compromisso.
50
cultural trace that can be followed or
interpreted, similarly to how a musician uses
his / her score. What interests me is the
tension between the originality of an author
and the originality of an interpreter. I am
interested in the text that can’t be art without
the participation of the reader. (COHEN &
MESQUITA, 2008, p. 238) 9
O artista americano trata seus trabalhos artísticos como
se fossem textos de cujas relações e interpretações seriam
impossíveis caso não fossem lidos pelo visitante, portanto, seu
trabalho não existiria sem o público. Lembrando que Marcel
Duchamp no texto O ato criador fala que entre a intenção e a
realização existe uma distância pautada em sofrimentos,
dúvidas, satisfações entre outros sentimentos de angústias ou de
felicidade. Isto é o que caracteriza o coeficiente artístico e, esse
coeficiente, modifica-se justamente através da participação do
espectador que dará outra dimensão para a obra, além daquela
proposta pelo artista.
Diferentemente do artista americano, Cristian Segura é o
próprio jogador e criador de sua chave. Não permite que o
público estabeleça uma relação direta com o objeto, uma
experiência mais pautada na realidade, assim como sua Maleta
não pode ser carregada/utilizada pelo visitante. A Chave
funciona como índice através do texto escrito pelo próprio artista,
no qual a partir dessa “legenda”, mostra-nos as peculiaridades
desse pequeno objeto dentro de uma caixa, caso contrário, seria
apenas uma chave como qualquer outra. O artista argentino não
9
Reconhecendo minha dívida com Jorge Luis Borges, acho que a
leitura é mais criativa do que a escrita, o leitor é mais criativo do que o
autor. A maioria dos meus trabalhos começa com um texto préexistente. Eu uso este texto como uma partitura musical para uma ação,
um objeto ou qualquer tipo de trabalho. Considero a palavra "texto" o
mais amplamente possível. Assim, pode ser um caminho, como uma
peça de música, o desenho de um objeto tecnológico, um jornal, um
jogo, um mapa, em suma, qualquer traço cultural que pode ser seguido
ou interpretado, de forma semelhante como um músico usa seu/sua
pontuação. O que me interessa é a tensão entre a originalidade de um
autor e a originalidade de um intérprete. Estou interessado no texto que
não pode ser arte, sem a participação do leitor. (Tradução minha)
51
ignora a dimensão que o observador poderá adicionar a sua
obra, pois como ele trabalha numa dimensão mental, é este
mesmo plano que exige do observador na obra.
Giorgio Agamben fala que “consagrar (sacrare) era o
termo que designava a saída das coisas da esfera do direito
humano, profanar, por sua vez, significava restituí-las ao livre uso
dos homens” (AGAMBEN, 2007, p. 65). O sentido da palavra
profanação que o teórico utiliza está no âmbito religioso, pois
nesse meio, os objetos do mundo terreno são subtraídos para o
mundo divino como uma oferenda. A profanação ocorre através
do sacrifício, sendo que o que foi consagrado/oferecido acaba
restituído ao domínio dos homens. Cristian Segura e Paul
Ramírez Jonas não trabalham no âmbito religioso quanto à Igreja
ou à fé ou ao sacrifício. O artista argentino, porém, volta sua
atenção a outro lugar sagrado instituído ao longo da história na
sociedade: os museus. Espaço “santificado” destinado a colocar
em pedestais esculturas e a pendurar nas paredes quadros que
acabam adquirindo novos sentidos:
A palavra alemã museal [próprio de museu]
traz à mente lembranças desagradáveis. Ela
descreve objetos com os quais o observador
já não mantém um relacionamento vital e que
se encontram no processo de morte; devem
sua preservação mais ao respeito histórico
que às necessidades do presente. Há mais
do que uma ligação fonética entre museu e
mausoléu. Os museus são os jazigos de
família das obras de arte. (ADORNO apud
CRIMP, 2005, p. 41)
Cristian Segura entende que os museus não são mais
lugares sagrados, intocáveis pela sociedade, mas assim como os
espaços públicos, continuam sofrendo pela falta de vivência, ou
seja, são contemplados e esquecidos 10. O artista nos sugere um
outro processo, ou melhor, evidencia um processo que há muito
10
Lembro-me que Paul Ramírez Jonas fala que seu interesse é tornar o
visitante em leitor e escritor, ou seja, participativo em sua obra.
Enquanto estabeleço relações com a obra e o espaço eles existem para
mim, crio uma relação com eles. Se simplesmente passo, sem observar,
sem ler, esqueço.
52
outros artistas propuseram a esses espaços, a sua relação com
o visitante/participante de forma efetiva e significativa. O objeto –
a chave - é um dispositivo que acionará/desencadeará outros
significados a partir de sua profanação ou de sua retirada de seu
lugar sagrado. Enquanto jogo, utilizo e, se uso, profano, assim
como Cristian Segura que destrói e remonta, questiona e profana
o espaço do museu de modo a ser vivenciado não como um
templo sagrado, mas como um espaço vivo e dinâmico.
3. A MESA E O AUTORRETRATO
Cristian Segura, em 2009, realizou a obra Mesa de
trabalho e Reflexão (Imagem 6), tanto em sua versão em
madeira, tridimensional, quanto na versão fotográfica. O artista
argentino fabrica a mesa em todos os pormenores, desde a
montagem da mesma até os recortes na borda com o desenho
de seu perfil direito, bem como a fotografia. Em 2009, ele
apresenta a obra em madeira – o objeto físico mesa - na Feira
arteBA, em Buenos Aires e, posteriormente a fotografia durante o
Prêmio de Artes Visuais da Fundação Itaú 2009-2010, também
em Buenos Aires. Em 2010, o artista apresenta, juntamente com
outras obras, no Museu de Artes das Américas, em Washington
DC.
Imagem 6: Cristian Segura, Mesa de trabalho e Reflexão, fotografia,
2009.
53
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
Se olharmos com mais acuidade essa obra, percebemos
o recorte do perfil direito do artista que se inscreve na clave dos
autorretratos. Refere-se a uma representação fotográfica de um
retrato ausente, um índice, como uma natureza-morta 11, pois é a
representação, também, de um objeto inanimado. Lembrando
que Rosalind Krauss (1996, p. 216) fala que “una fotografía es el
resultado de una impresión física sobre una superficie
fotosensible. Es por tanto un tipo de icono, o registro visual que
actúa como índice de su objeto”. A teórica trabalha com a
fotografia como sendo uma imagem sem código, no qual o que é
gravado sobre o papel emulsionado é da ordem do natural, do
11
A expressão natureza-morta nasceu para denominar um tipo muito
específico de pintura com pouco valor comercial e não apreciada pelos
compradores (SCHNEIDER, 2009) sendo, por isso, colocada em último
patamar de importância nos gêneros de pintura. Elas representam os
objetos simples do cotidiano como jarras de flores, frutos, comida, livros,
etc., de um modo geral, “coisas que davam a impressão de terem sido
abandonadas ao acaso” (SCHNEIDER, 2009, p. 7).
54
mundo real, por isso ela aproxima a fotografia ao índice, que
como já foi trabalhado, é o elemento que está ligado ao objeto
físico, por isso carrega rastros e sombras possíveis de
reconhecimento e releitura.
O título da obra, Mesa de trabalho e Reflexão, aponta
para um caráter ambíguo de ao mesmo tempo em que reflete o
perfil do artista, igualmente se refere ao pensamento, ao lugar de
conhecimento ou construção de ideias. Antes de todo e qualquer
trabalho, Cristian Segura desenha, escreve, projeta em cima
desse espaço antes de partir para a obra final, sendo, portanto, a
mesa seu primeiro lugar de criação. O artista, em uma entrevista
realizada em 2011, fala sobre esse trabalho da seguinte forma:
En mi caso he seleccionado la mesa de
trabajo donde elaboro la mayor parte de mis
obras y proyectos. Y he elegido un marco
antiguo muy elaborado con diseños en
relieve para enmarcar la imagen. De este
modo conecto mi obra actual con retratos
que revelan su importancia a través de la
riqueza de los marcos que lo adornan. La
curadora Alma Ruiz considera que “el
contraste entre la simple mesa de madera y
el elegante marco subraya dos aspectos en
la carrera de un artista: el trabajo arduo y
diario que conlleva la creación artística y la
fama real o imaginaria que lo acompaña”.
(SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p.
179)
Observamos o caráter indiciário de Cristian Segura e do
lugar onde trabalhou na obra, funcionando como um retrato, cuja
função ao longo da história da arte era: identificar a pessoa
através de seus atributos pessoais e/ou profissionais. O artista
realiza um jogo duplo no qual nos apresenta a mesa em que
trabalha e, ao mesmo tempo, reflete seu rosto como uma fusão
dos corpos na hora do trabalho - não consigo me separar da
mesa no momento de concentração, eu e ela somos um único
corpo - assim o trabalho de Cristian Segura também é seu
reflexo.
Observo nessa obra como nas anteriores, um caráter
singular do artista de trazer o banal, elementos comuns de seu
55
cotidiano, como uma maleta, uma chave e o próprio espaço do
museu e transformar/profanar seus usos de modo a não serem
mais objetos comuns, mas obras de arte. Cristian Segura elenca
a mesa para ser seu autorretrato, lugar de oferendas e
sacrifícios, de comunhão, das rotinas domésticas e do
pensamento. Segundo Rosângela Cherem:
Seu rosto recortado como uma silhueta de
perfil sugere uma aproximação entre a vida e
a arte, como também um movimento
incessante entre criação e alimentação, bem
como contempla o ritual cotidiano de convívio
e o excepcional de sacrifício. Nesta espécie
portátil de ateliê, o corpo e pensamento, o
processo de trabalho e as soluções poéticas
encontram-se num mesmo campo horizontal,
conectável e movente, onde acontecem
distintas possibilidades e decisões, tentativas
e descobertas. (CHEREM & MAKOWIECKY,
2012, p. 22)
A mesa reflete seu campo de trabalho, não somente o
museu, mas o lugar onde se realiza seu processo artístico, tal
qual um ateliê que se confunde com um objeto banal que
podemos derrubar comida e bebida. Com o gesto do artista se
transforma no lugar onde colocamos nossas ideias e projetos. É
nesse movimento, nesse “ato criador” que o artista argentino
transmuta a mesa em obra de arte. A fotografia também age
como um índice do objeto retratado, pois devemos lembrar que o
índice é o rastro, uma marca que indicaria a presença de algo. E
é isso que a fotografia nos faz: indicar a presença de um objeto,
de uma ação ou de um tempo. Segundo Rosalind Krauss:
Lo que se graba sobre la emulsión
fotográfica y posteriormente sobre la copia
en papel es el orden del mundo natural. Esta
cualidad de transferencia o huella confiere a
la fotografía su carácter documental, su
innegable veracidad. Pero, al mismo tiempo,
dicha veracidad está fuera del alcance de los
posibles ajustes internos que son la
propiedad necesaria del lenguaje. (KRAUSS,
1996, p. 226-227)
56
Por isso, Rosalind Krauss fala que a necessidade de “dar
um texto” ou uma legenda à imagem é necessária como forma
de caracterizar os significados, de deixar claro o caráter indiciário
da obra. O título da obra de Cristian Segura sugere uma
dualidade entre a reflexão de seu rosto com o ato de
refletir/pensar, através dele entendemos que a mesa também é
seu lugar de criação, é seu ateliê e, como a maleta pode carregar
qualquer museu, da mesma forma qualquer mesa pode ser seu
ateliê.
A Mesa, assim como a Maleta, de Cristian Segura é uma
homenagem ao artista Victor Grippo. Se o contemporâneo
recorta a madeira de modo que fique/pareça com a sombra de
seu perfil, o antecessor cava frases, como uma xilogravura,
evidenciando ainda mais as marcas do tempo sobre ela. Ambas
as mesas possuem o mesmo título, Mesa de trabalho e
Reflexão (Imagem 7), o que torna mais evidente a homenagem.
Imagem 7: Victor Grippo, Mesa de trabalho e Reflexão, instalação,
1994.
57
Fonte: Disponível em: <http://www.universes-inuniverse.de/car/documenta/11/frid/e-grippo-zoom3.htm> Acesso em: 20
de fevereiro de 2013.
A Mesa de Victor Grippo foi exposta pela primeira vez em
1978. Posteriormente, apresentada na V Bienal de Havana, Cuba
em 1994, e na Documenta 11, Kassel, Alemanha em 2002. Com
esse trabalho, há um retorno da discussão do artista quanto à
transformação da matéria, o uso de múltiplos e a discussão dos
ofícios através das maletas/valises que também influenciam
Cristian Segura. A mesa para Victor Grippo funciona como um
lugar de união e reflexão, no qual para a exposição de 1978,
além de ter deixado as marcas anteriormente existentes no
próprio objeto, ainda gravou as seguintes frases:
Sobre esta tabla hermana de infinitas otras
construidas por el hombre, lugar de unión, de
reflexión, de trabajo, se partió el pan cuando lo hubo, los niños hicieron sus
deberes, se lloró, se leyerón libros, se
compartieron alegrías. Fue mesa de sastre,
de planchadora, de carpintero. Aquí se
rompieron y se arreglaron relojes. Se
derramó agua y también vino. No faltaron
58
manchas de tinta, que se limpiaron
prolijamente para poder amasar la harina. 12
Victor Grippo fala da mesa de casa, da mesa que serve
de apoio para as atividades corriqueiras do dia-a-dia, como o
apoio das ferramentas de trabalho, o local para se amassar um
pão, comer, chorar, realizar os deveres de casa. Na retrospectiva
em Kassel, diversas mesas, gravadas com lembranças das
atividades realizadas sobre elas, compunham a exposição do
artista conceitual argentino. Elas são quase semelhantes a
autorretratos que contêm pequenos indícios de sua biografia no
qual, com um gesto profanador, transforma a mesa simples de
casa ou da escola em uma obra de arte. É na mesa que vemos o
reflexo de suas antigas funções e de seus atuais interesses.
Geralmente conseguimos distinguir a mesa de nossa casa
daquela de nosso trabalho, mas em alguns casos não há essa
separação, como para Cristian Segura, cujo trabalho e vida
privada, estão intrinsecamente ligados, não existindo separação
entre sua casa e o museu. Sua Mesa e seus outros trabalhos
funcionam como dispositivos profanados, como índices de sua
biografia e do espaço museológico.
Podemos pensar com a Mesa, a Maleta e a Chave como
sendo dispositivos profanados criados pelo artista argentino a
partir da relação também com o espectador de forma a
questionar os espaços museológicos. Cristian Segura não se
desvincula do museu, pois não deixa de ser artista para atuar em
outros campos no papel de curador, gestor cultural e
pesquisador. Como artista, Cristian Segura pensa de outra forma
o espaço museológico, como questionar, diluir, transformar em
outros objetos, em outras extensões no qual o espaço público –
museu e galerias – confunde-se com o espaço privado – casas -.
A Maleta é o exemplo máximo disso, no qual constrói e destrói
esse espaço institucional inúmeras vezes, carregando o índice
do que um dia foi e não é mais, assim como a chave destruída e
a mesa de diretor disfuncional transformada em retrato.
12
Disponível: <http://universes-in-universe.de/car/documenta/11/frid/sgrippo-zoom3.htm> Acesso em 13 de novembro de 2012.
59
CAPÍTULO II – O ESPAÇO EXPOSITIVO E A SUA
DESCONSTRUÇÃO
O teórico Paulo Sérgio Duarte para o catálogo da Bienal
do Mercosul, Direções no novo espaço (2005), parte do
raciocínio de que toda obra de arte possui uma relação e se
constitui a partir de experiências entre observador-pedestre e a
obra. O teórico ainda acrescenta que a história da arte poderia
ser construída ou escrita a partir da relação que as obras
possuem com o espaço museológico e urbano e o observador,
no qual sua noção muda de época para época, solicitando
sempre uma nova ou velha experiência de acordo com o seu
tempo (FIDELIS et al., 2005). Acrescento ainda, que essa
vivência pode se dar a partir do emprego de dispositivos que
possibilitam uma expansão das relações com os lugares urbanos
públicos e/ou privados. Para Michel de Certeau essa relação do
pedestre com os lugares da cidade acarreta uma mudança, onde
o lugar se transforma em espaço. Segundo o teórico:
Existe espaço sempre que se tomam em
conta vetores de direção, quantidades de
velocidade e a variável tempo. O espaço é
um cruzamento de móveis. É de certo modo
animado pelo conjunto dos movimentos que
aí se desdobram. Espaço é o efeito
produzido pelas operações que o orientam, o
circunstanciam, o temporalizam e o levam a
funcionar em unidade polivalente de
programas conflituais ou de proximidades
contratuais. O espaço estaria para o lugar
como a palavra quando falada, isto é,
quando é percebida na ambigüidade de uma
efetuação, mudada em um termo que
depende de múltiplas convenções, colocada
como o ato de um presente (ou de um
tempo), e modificado pelas transformações
devidas
a
proximidades
sucessivas.
(CERTEAU, 2008, p. 202)
Para Michel de Certeau (2008), o espaço é o lugar
praticado a partir das ações do presente e modificado pelas
vivências do espectador-pedestre. O espaço possui a
60
capacidade de ser móvel, sendo por isso instável, e essa
mobilidade é ativada através do conjunto de movimentos que
nele acontecem. A partir disso, pode-se entender que essa
experimentação do espaço público ou privado, também é
ocasionada a partir da interação com o corpo do observadorpedestre que suscita novas ou velhas experiências, com o intuito
de provocar uma relação de maior aproximação com esses
lugares que se põe cada vez mais distante na
contemporaneidade. Essa transformação parte de pequenos
dispositivos, pequenos jogos propostos pelo artista ao visitante,
pois:
Os jogos dos passos moldam espaços.
Tecem os lugares. Sob esse ponto de vista,
as motricidades dos pedestres formam um
desses “sistemas reais cuja existência faz
efetivamente a cidade”, mas “não têm
nenhum receptáculo físico”. (CERTEAU,
2008, p. 176)
Cristian Segura propõe novos jogos ao visitante de modo
que ele se torne mais participativo nessa brincadeira de
modificações espaciais. Se antes era ele que atuava nos
espaços criados como a mesa que funciona como um ateliê
portátil e ao mesmo tempo como seu autorretrato ou a
possibilidade de carregar o museu numa maleta para qualquer
lugar, agora o artista propõe que o pedestre-visitante interaja
com suas obras e que o papel modificador seja realizado por
eles. A partir disso realiza algumas intervenções urbanas na 6ª
VentoSul – Bienal de Curitiba (2011): Vidros quebrados, na
Praça Tiradentes e Sununu, Soro, Itaverá, no Jardim Botânico
e na Ópera de Arame. Além das intervenções urbanas, Cristian
Segura modifica alguns espaços permitindo que o visitante
experimente a instituição museológica com outro olhar, como nos
trabalhos Mirador Urbano: a (ex) posição do espectador
(2006), Fogo no museu (2010), Olho mágico (2010) e Antes
de uma exposição (2010).
O artista possibilita a observação dos espaços da cidade
e dos museus/galerias a partir de diferentes pontos de vistas,
como em cima de um pedestal, através de um olho-mágico ou
por pequenos arruinamentos da cidade e dos museus. De certa
61
forma, Cristian Segura permite que o observador-pedestre tenha
a sensação de ser o controlador das situações e não meros
observadores daquele espaço, pois para Gaudêncio Fidelis
(FIDELIS et al., 2005), o museu não pode ser mais considerado
um lugar que expõe ou guarda objetos imóveis, mas é agora o
espaço que permite que o visitante estabeleça novos percursos
ao redor da obra. Cristian Segura não se prende a uma
arquitetura pré-definida destinada a guardar/conservar obras de
arte, mas estende esse conceito desde o início de sua carreira,
como observado em sua Maleta de ex-diretor de museu
(Imagem 1) e, até mesmo no trabalho Chave Mestra (Imagem
4).
As intervenções urbanas em Curitiba, o suposto incêndio
de um museu e a possibilidade de ser um vigilante dos
museus/galerias/cidades, não são diferentes das obras onde o
artista busca uma participação “contida”, um “olhar sem ação” 13
do visitante para os pequenos arruinamentos da instituição
museológica. Esses espaços museológicos não são
simplesmente questionados por Cristian Segura, mas
transpostos para outros lugares até então improváveis, onde sua
arquitetura se torna diluída e toma outras dimensões de
desastres. O artista argentino, até então, busca uma relação com
seu trabalho através de pequenas ruínas: o museu na maleta é
constituído por material efêmero, a chave não serve mais à sua
função ou os vidros que se espedaçam numa ação irreal na
cidade de Curitiba, obras que se utilizam de dispositivos para tal
jogo, como os simulacros e o panóptico.
O panóptico é um tipo de dispositivo proposto por
Jeremy Bentham e desdobrado por Michel Foucault (2000), onde
nos coloca que funciona como um sistema de observação e
controle social para fins econômicos e educativos, por ser um
espaço fechado, sem hierarquia, onde se podem observar os
doentes e/ou os trabalhadores. O Jeremy Bentham descreve o
panóptico como sendo uma arquitetura que se caracteriza por
uma torre central rodeada por uma construção dividida em celas
e com duas janelas, uma voltada para a torre central e a outra
13
O “olhar sem ação” que proponho nas obras do artista Cristian Segura
é o olhar que não exige uma ação efetiva, de pegar, tocar, cheirar, mas
o olhar que tanto modifico quando sou modificado a partir de jogos, de
dispositivos profanados.
62
para o lado externo da construção. Na torre central ficam os
vigias e, nas celas, são colocados os presos, doentes,
estudantes, de modo que possam ser observados, mas sem
saberem e/ou verem o observador. Segundo Michel Foucault
(2000, p.166), o objetivo é “induzir no detento um estado
consciente e permanente de visibilidade que assegura o
funcionamento automático do poder”, de modo que “a vigilância
seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em
sua ação”.
Semelhante a esse sistema de controle, pode-se citar a
intervenção Olho Mágico de Cristian Segura, que consiste em
um dispositivo óptico colocado na porta da administração do
museu, onde qualquer pessoa pode se sentir como sendo o
observador/controlador de quem se encontra dentro do recinto.
Para Michel Foucault (2000) esse dispositivo tem a função de
automatizar e desindividualizar o poder e dá-lo para toda a
sociedade, onde qualquer um pode controlar, sem se esquecer
que será controlado igualmente. O teórico entende que o poder
deve ser visível, mas sem sabermos quem o exerce, pois quem é
vigiado sabe que se é constantemente olhado e avaliado, mas
não sabe em quais momentos essa vigilância está sendo
exercida. Ação semelhante proposta por Cristian Segura, não
somente no Olho Mágico, mas a partir do momento em que
expõe a fragilidade do museu através de sua arquitetura em
ruínas no qual o observador também é vigilante.
O panóptico pode também ser reconhecido no Mirador
Urbano: (ex) posição do observador, realizado em 2006 na
cidade de Buenos Aires, onde cria outro tipo de dispositivo para
se olhar e vivenciar a cidade a partir de outro ponto de vista.
Cristian Segura propõe uma experiência aos transeuntes de se
tornarem participantes de sua intervenção, pois ela só existirá a
partir do interesse do caminhante em mudar sua trajetória por
alguns instantes e descobrir outra visão da cidade. No Mirador
Urbano, o público tanto pode ser o vigilante como o vigiado, pois
“nossa sociedade não é de espetáculos, mas de vigilância”
(FOUCAULT, 2000, p. 178), pois:
Não estamos nem nas arquibancadas nem
no palco, mas na máquina panóptica,
investidos por seus efeitos de poder que nós
63
mesmos renovamos, pois somos suas
engrenagens. (FOUCAULT, 2000, p. 179).
Essa vigilância encontro nos desastres propostos por
Cristian Segura, onde o artista nos mostra a fragilidade dos
espaços urbanos e arquitetônicos através de dispositivos que me
permito aproximar ao índice de Rosalind Krauss, como o
simulacro proposto por Jean Baudrillard em seu livro A arte da
desaparição (1997). O teórico fala que os iconoclastas
destruíam as imagens de santos, pois eles não podem ser
representados, assim como Deus também não pode. Para eles, é
um ato de heresia transformar em imagem o que não pode ser
representado, pois “o seu desespero metafísico provinha da ideia
de que as imagens, não escondiam absolutamente nada e de
que (...) não eram imagens” (BAUDRILLARD, 1997, p. 26),
portanto, elas seriam perfeitas simulações/simulacros de um
outro.
Jean Baudrillard trabalha com a obra de Andy Warhol –
artista considerado pelo teórico como o exemplo máximo do
simulacro -, no qual podemos citar Green Car Crash (Green
Burning Car I) (Imagem 8). Parte da série macabra do artista
Pop americano, que fez diversas serigrafias de acidentes de
carro, ônibus, assassinatos, suicídios. Imagens de desastres,
ruínas
e
destruições
dos
quais
bombardeiam
a
contemporaneidade e que já estamos anestesiados de tanto ver
e presenciar tais fatos.
Jean Baudrillard observa que Andy Warhol “expõe ao
máximo o mundo a si mesmo, que expõe o avesso da imagem e
mostra a todos que o avesso nada esconde e que a imagem é
toda superfície e vazio” (BAUDRILLARD, 1997, p. 8). As imagens
de destruição de Andy Warhol e do artista argentino Cristian
Segura, são puras imagens sem avesso, sem perspectiva, sem
ilusão e nenhuma intenção de criar outra realidade utópica.
Diferentemente são as ruínas barrocas caracterizadas pela
emoção exagerada, pelo sentimento imediato e avassalador, no
qual os artistas procuram representar a impressão do momento,
mesmo que daqui a alguns instantes não nos cause nada, mas o
que deixa é uma náusea (WÖLFFLIN, 2010). O teórico Henrich
Wölfflin nos fala que:
64
[...] essa teoria recorre, de preferência, à
imagem de uma planta que desabrocha e
fenece. Assim como a flor não pode viver
eternamente, pois chega inexoravelmente o
momento em que deve murchar, também a
Renascença não podia ficar para sempre
igual a si mesma: ela murcha, perde a forma
e é esse estado que chamamos barroco. A
morte lenta da planta não se dá por culpa do
solo, ela encerra em si mesma suas leis
vitais. O mesmo acontece com o estilo: a
necessidade de mudar não lhe vem de fora,
mas de dentro: o sentimento das formas se
esgota segundo suas próprias leis.
(WÖLFFLIN, 2010, p. 88)
Imagem 8: Andy Warhol, Green Car Crash (Green Burning Car I),
serigrafia, 22,8 x 20,3 cm, 1963. © Andy Warhol Foundation for the
Visual Arts.
65
Fonte: Disponível em:
<http://arthistory.about.com/od/spec_events/ig/Christie-s-Evening-Sale051607/christies_051607_01.htm> Acesso em: 10 de março de 2013.
A flor que fenece e murcha, transforma-se em ruínas,
pois,
O que jaz em ruínas, o fragmento altamente
significativo, a ruína: é esta a mais nobre
matéria da criação barroca. O que é comum
às obras desse período é acumular
incessantemente
fragmentos
[...]
(BENJAMIN, 2011, p. 190).
Ruínas e acumulação, a eternidade duradoura nas
representações, como nas de Piranesi. O artista representou O
arco de Druso (Imagem 9) como uma alegoria do tempo que
está por vir, o fim ou não de toda arquitetura e construção
realizada pelo homem, o tempo inadiável da destruição, pois o
barroco surgiu desse movimento, do clássico inabalável para sua
ruína.
Imagem 9: Giovanni Battista Piranesi, O arco de Druso, água forte,
134 x 266 cm, s/d.
Fonte: Disponível em: <http://www.metmuseum.org> Acesso
em: 10 de março de 2013.
O teórico Francesco Dalco sugere que:
66
La naturaleza que rodea las ruinas y el
tiempo que las corroe, haciéndolas
indistinguibles de los esqueletos calcinados
acumulados a su alrededor, no son sino
representaciones
metafóricas
de
la
desaparición y del olvido, a los que la
fantasía confiere el poder de restituir la vida
al trascurso del tiempo y la voz a lo clásico.
Las primeras víctimas de este encuentro son
siempre las figuras humanas. En toda la obra
piranesiana
éstas
tienem
la
mera
consistencia de unas larvas reptantes; y por
si los grabados no bastasen para dar
testimonio de esta constante reducción de la
figura humana a una simples excrecencia
natural [...]. (RODRÍGUEZ & BOROBIA,
2012, p. 110)
Diferentemente são os simulacros, imagens vazias de
significação, de realidade ficcionada, teorizada por Jean
Baudrillard. São imagens puras e que pertencem ao seu próprio
domínio. Elementos vazios que, a partir deles, podemos
compreender as obras de Cristian Segura como não sendo
representações de uma realidade, mas sim insinuações do real.
“Ao invés de potencializar o real com a criação de ilusão”
(BAUDRILLARD, 1997, p. 7), o artista propõe um jogo no qual
essa imagem ri de si mesma, ela é irônica, como o índice,
estabelecendo contato com algo físico/real, porém, sendo
completamente um outro. O artista argentino não acrescenta
mais imagens, mas cada imagem sua é uma nova possibilidade
de perceber esses espaços esquecidos pela cidade e questionar
os problemas das instituições de arte, não buscando a
representação de um passado ou futuro sentimental, mas
ironizando os espaços urbanos e museológicos com a
modificação, muitas vezes, de sua função. Katia Maciel na
apresentação do livro A Arte da Desaparição (1997), de Jean
Baudrillard, fala que,
a questão não é a de uma arte sem valor ou
sem sentido, mas uma arte que finge
insignificância como forma de significar.
67
Finge o vazio, o nulo, quando já estamos lá.
(BAUDRILLARD, 1997, p. 7).
Se o índice é vazio em sua essência, porém está
atrelado a um elemento físico, sendo, portanto seu rastro, os
simulacros, imagens vazias também, dão um passo à frente,
não estando em si ligados a algo físico, mas a uma realidade
superexposta e irônica, sendo eles mesmos a imagem e a
própria realidade. Jean Baudrillard nos fala que:
Dissimular é fingir não ter o que se tem.
Simular é fingir ter o que não se tem. O
primeiro refere-se a uma presença, o
segundo a uma ausência. Mas é mais
complicado do que isso, pois simular não é
fingir: “Aquele que finge uma doença pode
simplesmente meter-se na cama e fazer com
que acreditem que está doente. Aquele que
simula uma doença determina em si próprio
alguns dos respectivos sintomas” (Littré).
(BAUDRILLARD, 1997, p. 23)
A partir disso, podemos entender que a simulação
determina sintomas e rastros que possibilitam uma aproximação
ao conceito de índice trabalhado por Rosalind Krauss, no qual se
refere às marcas deixadas por um corpo ausente. O simulacro
funciona de forma semelhante, através de rastros. Eu sei como
são os sintomas de uma gripe, pois ela já deixou índices em meu
corpo/memória, a partir disso, quando simulo uma gripe, ela não
necessariamente representa uma gripe em específico, mas sim,
ela torna-se o simulacro de uma a partir de todo um conjunto que
conheço, como daquela que foi mais intensa, da que foi mais
fraca, da que me deixou sem respirar ou, somente, daquela que
fiquei espirrando, por isso, ela é uma outra gripe.
Cristian Segura entende que a destruição, as ruínas das
cidades e dos museus já foram trabalhadas, representadas e
discutidas ao longo da história da arte, cabendo agora outra
forma de questionamento sobre o desaparecimento desses
espaços na contemporaneidade. Com a utilização desses
dispositivos, simulacros e panópticos, o artista busca um
questionamento, um jogo com os espaços urbanos e de arte,
passando desde um jogo de observação com o uso de
68
plataformas e/ou o uso de câmeras de vigilância, até com
elementos irônicos dos lugares abandonados e em estado de
ruína, como forma de se pensar sobre os pequenos desastres
contemporâneos.
O artista argentino fala sobre esses espaços,
principalmente os espaços institucionais, museus e galerias,
focos de seus trabalhos artísticos e de curadoria a partir de uma
forma metalinguística, ou seja, não utilizando outros objetos,
imagens ou dispositivos, mas sim, utilizando a própria instituição
museológica como forma de questionamento. Se em certos
trabalhos Cristian Segura aborda o índice, como sendo rastros,
vestígios de sua presença ausente dentro do museu ou do
próprio museu, como observamos na Maleta de ex-diretor de
museu ou Chave mestra, em outras propostas, o artista
questiona de forma mais contundente os espaços museológicos,
mostrando seus processos administrativos, expondo fissuras e
questionando o papel de uma instituição de arte em ruína.
1. O ESPAÇO OBSERVADO
A intervenção, Mirador Urbano: A (ex)posição do
espectador (Imagem 10), foi realizada no Centro Cultural
Ricardo Rojas (CCRR) na UBA – Universidade de Buenos Aires,
em 2006. O Centro Cultural foi inaugurado em 1989 e possui a
característica de ser um lugar de trânsito, como um corredor.
Desde sua inauguração propôs-se a realizar exposições e
mostras para o lançamento de artistas em início de carreira. Em
2005, o CCRR passou por uma reforma e durante dois anos as
exposições, sob curadoria de Lucrecia Urbano e Eva Grinstein,
aconteceram em um poste que se encontra próximo ao CCRR,
na Avenida Corrientes, conhecida como la calle que nunca
duerme, devido ao grande número de pessoas que passam
diariamente. O poste ficou conhecido como Galeria do Poste de
Rojas onde eram expostas obras de caráter efêmero, sendo que
a intervenção proposta pelo artista argentino ficou
aproximadamente 30 dias.
Sua intervenção consiste num projeto, como um
observatório urbano, no formato de uma escada em caracol que
circunda o poste logo a frente da galeria CCRR. Essa escada
permite aos transeuntes acessar pontos de vistas da cidade até
69
então inacessíveis. Dessa forma, ela possibilita outra experiência
a partir da modificação da posição física do próprio observador.
Devido às características do objeto, uma escada, seu uso acaba
sendo intuitivo pelas pessoas, e seu projeto somente se realiza a
partir do momento em que há o interesse do pedestre em subilas. Para Paulo Sérgio Duarte (2005) existe uma mudança na
observação de uma obra artística ao longo da história da arte
caracterizada pelo movimento que iria do entorno da obra para
dentro dela, contando com uma participação cada vez mais ativa
do espectador. Segundo ele,
Se antes o processo de fruição da escultura
era elaborado a partir da contemplação e do
movimento do observador em torno da obra,
agora essa fruição é processada com a
participação do receptor na própria obra, da
imersão de seu corpo e de seu movimento
no interior da instalação. (FIDELIS et al.,
2005, p. 12)
Imagem 10: Cristian Segura, Mirador Urbano: a (ex)posição do
espectador, intervenção urbana, 2006.
70
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
Sendo assim, o pedestre atento tem instigada sua
vontade em subir os degraus para ver onde darão. Esse pedestre
atento foi denominado por Michel de Certeau (2008) como sendo
o “homem ordinário”, não como um conceito pejorativo, mas sim,
formulado para explicar o pedestre que possui a capacidade de
criar e recriar seu caminho de diversas formas. O teórico
fundamenta o conceito no princípio de que as “pessoas
ordinárias” são dotadas de um potencial criativo uma vez que
elas inventam uma “maneira própria” de caminhar, criando seus
mapas pessoais pelos lugares por onde transitam. Ele rejeita a
passividade dos pedestres, da seguinte forma:
71
[...] o caminhante transforma em outra coisa
cada significante espacial. E se, de um lado,
ele torna efetivas algumas somente das
possibilidades fixadas pela ordem construída
(vai somente por aqui, mas não por lá), do
outro aumenta o número dos possíveis (por
exemplo, criando atalhos ou desvios) e o dos
interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir
por caminhos lícitos ou obrigatórios).
Seleciona portanto. (CERTEAU, 2008, p.178)
Os pedestres possuem a oportunidade de selecionar o
que olhar, por onde andar, como se dará a interação entre o
objeto (a escada) com a cidade (Buenos Aires), que se tornará
uma cidade imaginária, tão mais real quanto aquela pela qual
caminhava, a partir do momento em que ele sobe a escada. O
cineasta Peter Greenaway (Imagem 11), em 1994 na cidade de
Genebra, espalhou por todo o espaço urbano cem escadas
semelhantes a “plataformas a partir das quais se podem
reenquadrar a cidade e suas paisagens” (PEIXOTO, 2003, p.
256), utilizando para isso dispositivos ópticos de enquadramento,
diferentemente da escada de Cristian Segura que permite uma
visão ampla da cidade sem o uso de qualquer outro subterfúgio
como forma de direcionar o olhar. O artista argentino permite a
visão de um todo.
Os dispositivos do cineasta eram escadas que levavam o
pedestre a um ponto mais elevado. Elas lembram postos de
observação dos castelos medievais, onde os soldados podiam
observar a chegada dos inimigos através de pequenas aberturas
posicionadas estrategicamente, ou seja, “sutilmente arranjado
para que um vigia possa observar, com uma olhadela, tantos
indivíduos diferentes” (FOUCAULT, 2000, p. 171). Entretanto, as
aberturas das escadas de Peter Greenaway possuem
dispositivos ópticos semelhantes aos encontrados em câmeras
fotográficas, que direcionam o olhar do participante.
Diferentemente de um posto de vigilância que nos permite ter um
acesso panorâmico da cidade, os dispositivos utilizados pelo
cineasta nos fornecem um acesso restrito.
Imagem 11: Peter Greenaway, The Stairs, exposição em Genebra com
a inserção de cem escadas pelo espaço da cidade, 1994. © Fotografia
Christophe Gevrey.
72
Fonte: Retirado do site http://cri.ch/stairs/index.html
Além de um dispositivo de observação, onde tanto vigio a
cidade quanto como sou observado pelos outros transeuntes,
semelhante a um sistema panóptico proposto por Michel
Foucault, ele possibilita um respiro dentro da correria diária dos
grandes centros urbanos, uma pausa para perceber o que está
acontecendo e/ou mudando, observar os pequenos desastres da
contemporaneidade. Cristian Segura e seu observatório,
colocando-nos em um ponto mais elevado, nos permite vivenciar
o lugar e observar outros elementos que até então não
conseguiríamos. Em alguns trabalhos do artista argentino,
percebemos seu interesse em questionar e mostrar as diversas
camadas das instituições artísticas, como as salas
administrativas ou as salas expositivas antes e depois de uma
exposição.
Cristian Segura procura nos mostrar esse museu
escondido, seu lado avesso, ora transpondo a instituição que
toma conta do espaço urbano ora mostrando somente a estrutura
interna sem muito nexo, como na intervenção Olho Mágico
(Imagem 12), instalado na porta da administração do Museu de
Arte Contemporânea de Bahía Blanca, Argentina, em 2010.
Consiste na instalação de um aparato que se usa normalmente
para observar quem está externamente ao cômodo, porém,
73
nessa proposta do artista, o olho-mágico está invertido, não
sendo, portanto, a administração que observa o público, mas sim
o contrário.
Imagem 12: Cristian Segura, Olho Mágico, site specific, 2010.
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
O artista propõe um jogo ao observador que adentra a
instituição museológica para apreciar uma exposição e se depara
com uma sala vazia esperando a montagem, até que, ao chegar
à porta da administração do museu, observa adesivos que
mostram tanto o nome da sala quanto a formação de círculos
concêntricos que sugerem um alvo, e no centro desse alvo,
encontramos o olho-mágico. A própria estrutura da obra convida
o observador a olhar por esse dispositivo profanado, como
sugere o teórico Giorgio Agamben, pois “a criação de um novo
uso só é possível ao homem se ele desativar o velho uso,
tornando-o inoperante” (AGAMBEN, 2007, p. 75). A intervenção
Olho Mágico permite ao visitante experimentar o poder de
controle, de vigia. Cristian Segura permite a inversão desses
papéis, a possibilidade de qualquer pessoa poder entrar num
panóptico e saber como funciona. Segundo Michel Foucault:
Na realidade, qualquer instituição panóptica,
mesmo que seja tão cuidadosamente
fechada quanto uma penitenciária, poderá
74
sem dificuldade ser submetida a essas
inspeções ao mesmo tempo aleatórias e
incessantes: e isso não só por parte dos
controladores designados, mas por parte do
público; qualquer membro da sociedade terá
direito de vir constatar com seus olhos como
funcionam as escolas, os hospitais, as
fábricas, as prisões. (FOUCAULT, 2000, p.
171)
Percebemos que esse sistema de vigilância realizado
pela sociedade nos trabalhos, Mirador Urbano e Olho Mágico,
permite que o visitante tenha acesso a um olhar diferenciado
para o fluxo da cidade e para o interior dos espaços urbanos. O
artista possibilita ao público exercer o papel de vigilante e,
também, o de vigiado à medida que me exponho para a
sociedade conforme subo os degraus e me coloco em cima do
pedestal criado pelo artista. Permito-me pensar com isso que, ao
mesmo tempo em que Cristian Segura pensa o interior das
instituições, provocando-nos a olhar para dentro da sala
administrativa do museu e inspecionar se as pessoas que se
encontram no interior do recinto realmente estão cumprindo suas
tarefas, com Mirador Urbano o artista argentino mostra ao
visitante que ele também é vigiado e observado constantemente
dentro dos espaços públicos e privados, pois:
Esse panóptico, sutilmente arranjado para
que um vigia possa observar, com uma
olhadela, tantos indivíduos diferentes,
permite também a qualquer pessoa vigiar o
menor vigia. A máquina de ver é uma
espécie de câmera escura em que se
espionam os indivíduos; ela torna-se um
edifício transparente onde o exercício do
poder é controlável pela sociedade inteira.
(FOUCAULT, 2000, p. 171)
A obra de Marcel Duchamp, Étants donnés: 1º La chute
d’eau, 2º Le gaz d’éclairage (Imagem 13), iniciou-se no ano de
1946 e foi finalizada vinte anos depois, em 1966. O artista
francês realizou em absoluto segredo essa obra/instalação,
75
negando inclusive em entrevistas a realização de qualquer outro
trabalho até a exposição desse olho mágico encenado.
Imagem 13: Marcel Duchamp, Étants donnés: 1º La chute d’eau, 2º
Le gaz d’éclairage, materiais diversos, 1946-66.
Fonte: Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/File:Etant_donnes.jpg> Acesso em: 14 de
março de 2013.
Étants donnés caracteriza-se por uma construção
panóptica que poderíamos aproximar ao trabalho Olho mágico
(Imagem 12) de Cristian Segura. Marcel Duchamp não realizou
um site specific, mas uma instalação que funciona em qualquer
sala de museu e pode ser removida sem qualquer dano,
diferentemente do Olho Mágico que foi pensada justamente
para um espaço específico. No trabalho do artista francês,
observamos através de um orifício óptico, a montagem em
perspectiva de um corpo nu feminino estirado na relva segurando
um lampião que por alguns instantes nos confundimos como
sendo uma cena real e não uma montagem, uma simulação.
76
Marcel Duchamp utilizou os princípios de perspectiva na
sua construção. A imagem que observamos são sobreposições
de elementos que sugerem a cena, por isso, estudou diversos
materiais que possibilitassem a melhor verossimilhança de um
corpo nu feminino caído na relva segurando uma espécie de
lanterna/lâmpada. Toda essa estrutura é escondida dentro do
museu e somente é possível de ser observada através de um
pequeno orifício como um olho mágico. Não há qualquer espécie
de alusão ou convite ao observador que sugira que naquela porta
existe um dispositivo óptico para observarmos uma cena irreal, já
com a obra de Cristian segura, não vemos uma encenação,
artistas contratados para desempenharem uma performance,
mas sim, observamos atrás da porta o corpo que coordena e
comanda os museus/galerias.
Cristian Segura filmou os funcionários do Museu
Municipal de Belas Artes de Tandil trabalhando em uma sala
expositiva antes do recebimento de uma exposição na obra
Antes de uma exposição (Imagem 14), mostrando esse vídeo
dentro de uma sala em tamanho reduzido no próprio espaço – ou
em um espaço semelhante, já que foi apresentado no Museu de
Arte das Américas, Washington DC - em que esses mesmos
funcionários a pouco trabalhavam.
Na medida em que o público entra no recinto, depara-se
com restos de materiais, fitas, gesso, latas de tinta, comidas,
ferramentas esquecidas, uma cena que sugere que a qualquer
momento trabalhadores possam voltar para a sala real do
museu. Quando adentram na réplica, por uma pequena porta,
numa das paredes observam um filme acelerado e em negativo
mostrando esses mesmos funcionários montando essa mesma
estrutura na qual nos encontramos. Com esse trabalho, o artista
possibilita a visão do que acontece durante o processo de
montagem/desmontagem de uma exposição em qualquer
museu/galeria. Segundo Michel Foucault:
Esse espaço fechado, recortado, vigiado em
todos os seus pontos, onde os indivíduos
estão inseridos num lugar fixo, onde os
menores movimentos são controlados, onde
todos os acontecimentos são registrados,
onde um trabalho ininterrupto de escrita liga
o centro e a periferia, onde o poder é
77
exercido sem divisão, segundo uma figura
hierárquica contínua, onde cada indivíduo é
constantemente localizado, examinado e
distribuído entre os vivos, os doentes e os
mortos (...). (FOUCAULT, 2000, p. 163)
Imagem 14: Cristian Segura, Antes de uma exposição, still do vídeo,
2010.
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
Cristian Segura utilizando o dispositivo óptico, aqui
caracterizado pelo panóptico, elemento utilizado para controlar e
disciplinar os corpos da sociedade propõe a observação de
pequenos desastres da instituição museológica. Observamos o
interior do museu, o além das salas expositivas e das obras que
se encontram nela, observamos o corpo administrativo,
vislumbramos como se dá um processo de preparação de uma
sala expositiva, os acontecimentos daquele momento e, ao
mesmo tempo, colocamo-nos como observados dentro desse
mesmo espaço. O artista nos mostra que, ao mesmo tempo em
78
que posso vigiar, sou vigiado e monitorado pelo mesmo sistema
que outrora comandei.
2. O ESPAÇO ENCENADO
Na 6ª VentoSul – Bienal de Curitiba, Cristian Segura
propôs intervenções urbanas em alguns espaços da cidade,
como a Praça Tiradentes, o Jardim Botânico e a Ópera de
Arame, sendo que cada uma foi realizada de forma diferente,
mas ambas, procuram simular a destruição, provocar um
redescobrimento da memória do lugar através de experiências
multissensoriais sugeridas a partir de um circuito narrativo. O
artista não intervém nos espaços de forma aleatória, pretende
que o espaço, obra/intervenção e público/observador conversem
entre si. Para isso, pesquisa sobre os lugares, caminha pelas
ruas, utiliza os meios de transportes públicos, procura conhecer
os museu e os monumentos, visita as praças e conversa com as
pessoas do local, faz gravações de vídeos e anotações sobre os
lugares; procurando sempre se envolver com a cidade e com os
espaços em geral para que suas intervenções sejam
significativas.
Cristian Segura nos fala que seu ponto de partida para
pensar o trabalho que fez parte da Bienal de Curitiba de 2012,
surgiu a partir de sua experiência em degustar pinhão comprado
em uma feira de rua da cidade logo após a sua chegada. O
artista observa que a araucária e o pinhão são elementos
importantes da cultura local, sendo representados em diversos
pontos da cidade e de diferentes formas e linguagens, fazendo
parte, inclusive, do brasão da bandeira. Segundo o artista:
Todo esto cobró sentido para mí al investigar
la etimologia del nombre Curitiba. Derivaría
de la expresión indígena cury’i ty (b) ba, que
en guaraní significa “lugar donde existen
pinos”. (SCHVARTZ & AMARANTE, 20122013, p. 173)
O primeiro lugar a ser olhado, é a Praça Tiradentes, com
a intervenção Vidros Quebrados (Imagem 15). Considerada o
ponto zero, o lugar central da cidade de Curitiba. Em seu centro
observamos um chão de vidro que recobre a primeira
79
pavimentação da cidade datada do século XIX e, no centro, uma
araucária, ambos rodeados por uma grade que impede a entrada
de pessoas no local.
Imagem 15: Cristian Segura, Vidros Quebrados, site specific na Praça
Tiradentes, 2011.
Fonte: Imagem retirada do livro Cristian Segura e a poética do
coeficiente, 2012, pg. 198.
Cristian Segura intervém nesse espaço com imagens que
simulam rachaduras no vidro feitas em vinil preto e coladas sobre
o chão. O desenho surgiu a partir de uma xilogravura produzida
pelo próprio artista e, posteriormente, transformada digitalmente
em vetores. Quanto à escolha da técnica utilizada para se fazer o
modelo de rachadura, o artista argentino nos fala da seguinte
maneira:
La xilografía es una técnica de impresión con
plancha de madera (material que se puede
asociar también con la Araucaria), la que se
talla a mano con una gubia. Escogí una
técnica de grabado porque tiene una
presencia capital en Curitiba. Muestra de ello
es que la Casa del Grabado alberga, desde
80
1989, lo que Leite (2004) considera “o
primeiro museu brasileiro e um dos poucos
do mundo exclusivamente dedicado à
gravura - o Museu da Gravura”. (SCHVARTZ
& AMARANTE, 2012-2013, p. 174)
Outro lugar que escolhe para intervir é no Jardim
Botânico com a obra Sununu, Soro, Itaverá (Imagem 16). O
espaço é caracterizado por ser uma estufa com estrutura
metálica revestida com vidros, local destinado a conservar várias
espécies botânicas que são referências nacionais. Não há mais
as rachaduras no vidro como na Praça Tiradentes e sim, o som
que as ocasiona, ou melhor, as palavras que evocam esse som.
Nessa intervenção, palavra e arquitetura brigam por espaço, e
não há como passar despercebido diante dessa imagem
gigantesca que sugere já de imediato uma catástrofe por
acontecer diante de nossos olhos.
O artista argentino utiliza como dispositivo que
desencadeará toda a relação entre espectador e a obra, as
palavras Sununu, Soro e Itaverá. No idioma tupi-guarani, Itaverá
pode ser relacionada ao cristal ou diamante, sendo Itá: pedra e
Verá: brilhante; Sununu pode significar um grande ruído ou um
estrondo, e Soro, representa algo estragado ou quebrado
(SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013). São palavras que
possuem significados distintos, mas, quando juntas, tomam uma
dimensão tão estrondosa de desastre que se tornam presentes e
fortes o suficiente para fazer com que o observador reflita.
Mesmo que os espectadores nunca tenham tido contato com
esse idioma é possível, pela sua estrutura gráfica, entender o
que significa o conjunto dessas palavras.
Imagem 16: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site specific no
Jardim Botânico, 2011.
81
Fonte: Imagem retirada do livro Cristian Segura e a poética do
coeficiente, 2012, pg. 197-196.
É na Ópera de Arame, também com a instalação
Sununu, Soro, Itaverá (Imagem 17), que o ciclo de
intervenções urbanas se completa. Este espaço, destinado a
concertos, possui a forma circular e está edificado no meio de um
lago artificial. Possui capacidade para mais de 1500
pessoas/espectadores, onde todos conseguem observar
perfeitamente o palco que está a um nível mais baixo da entrada
do local sendo que as cadeiras estão dispostas como degraus.
Sua estrutura é composta por aço como se formasse uma teia de
aranha e é revestido, assim, como o Jardim Botânico, por vidros.
A narrativa da cidade se completa com o som e a palavra nesse
espaço e, é na Ópera de Arame, que conseguimos ter uma
experiência, uma imersão do corpo dentro da destruição.
Imagem 17: Cristian Segura, Sununu, Soro, Itaverá, site specific na
Ópera de Arame, 2011.
82
Fonte: Imagem retirada do livro Cristian Segura e a poética do
coeficiente, 2012, pg. 199.
Ele coloca as palavras Sununu, Soro e Itaverá, com a
mesma estrutura gráfica que encontramos no Jardim Botânico,
coladas no palco do teatro de modo que quando o espectador
entrasse no local, do alto pudesse avistar essas palavras. Além
disso, Cristian Segura coloca, também, o som de vidros se
quebrando e rachando, de modo que se assemelhe a uma ópera
de destruição. Som e palavra unem-se para nos fazer imergir
para dentro desse espaço que despedaça, esfacela-se, um
espaço que está sendo destruído por algo invisível, um simulacro
de destruição.
A memória urbana apresenta-se nessa intervenção como
uma ficção que pode ser experimentada por um espectador
através de outras imagens, como a de um acidente vivido, ou
uma cena de desastre vistas no cinema, lidas nas revistas em
quadrinhos ou assistidas nos filmes de televisão. Enfim, Cristian
Segura nos mostra a imagem da imagem, criando um enredo
ficcionado, a partir de dispositivos, termo que se refere a uma
força exterior que possui a capacidade de capturar, orientar,
influenciar nas opiniões, ou seja, são meios que mediam a
vivência dos seres viventes e as coisas do mundo (AGAMBEN,
2009). Esse elemento capaz de modificar a percepção dos seres
83
viventes, dos observadores e das coisas que constituem os
espaços, permito-me relacionar com o simulacro, pois:
[...] nós vivemos em um mundo de
simulação, em um mundo em que a mais alta
função do signo é fazer desaparecer a
realidade, e mascarar ao mesmo tempo essa
desaparição. (BAUDRILLARD, 1997, p. 90).
O inevitável da ruína foi representado, principalmente nas
pinturas barrocas, nas quais podemos elencar o artista Herman
Posthumus (Imagem 18) que destrói, mesmo como invenção, os
edifícios e estátuas, em contraposição com aqueles que ainda
permaneciam de pé. Suas pinturas funcionam como um lembrete
do futuro e do passado de toda construção erguida pelo homem,
como uma espécie do testemunho do futuro desaparecimento
das construções (RODRÍGUEZ & BOROBIA, 2012).
Imagem 18: Herman Posthumus, Paisagem com ruínas romanas,
óleo sobre tela, 96 x 141,5 cm, 1536.
Fonte: Imagem retirada do catálogo “Arquitecturas pintadas: del
Renascimiento al siglo XVIII”, 2012, pg. 167.
84
Herman Posthumus enfatizou o inevitável da ruína,
destruindo mais um pouco alguns edifícios que muitas vezes,
estavam em estado excelente de conservação, como se
estivesse projetando o destino ingrato das arquiteturas e das
cidades, pois a arte de construir ou de levantar edifícios sabe que
o destino de todos eles é, de um dia, serem demolidos ou
simplesmente caírem com a ação do tempo (RODRÍGUEZ &
BOROBIA, 2012). E ironicamente, Cristian Segura, propõe esse
desaparecimento desses espaços da cidade de Curitiba.
Segundo Jean Baudrillard:
Todo o movimento da pintura retirou-se do
futuro e deslocou-se para o passado.
Citação, simulação, reapropriação, a arte
atual vem reapropriando de um modo mais
ou menos lúdico, ou mais ou menos kitsch,
todas as formas, as obras do passado,
próximo ou distante, ou já mesmo
contemporâneo. [...] esse remake e essa
reciclagem pretendem ser irônicos, mas tal
ironia é como a trama gasta de um tecido,
ela só resulta da desilusão das coisas, tratase de uma ironia fóssil. (BAUDRILLARD,
1997, p. 78-79)
Cristian Segura, nas três intervenções realizadas em
Curitiba, inunda os espaços com os sons de sua destruição, de
modo que o espectador vivencie tanto através das
onomatopeias, dos desenhos de rachaduras, quanto através do
próprio barulho de arruinamento. Podemos percorrer seus sites
specifcs como se fosse uma ópera, com seu início tranquilo que
se desenrola até um ápice, onde encontramo-nos totalmente
imersos nessa narrativa de imagens e sons. Acreditamos no que
o artista nos mostra de forma irônica e dissimulada, pois a ruína
que ele nos apresenta é tão irreal quanto a própria ruína do local.
3. O ESPAÇO SIMULACRO
Essa realidade explícita de destruição e ruína
possibilitada através do uso de dispositivos. Podemos observar
através da experiência do fugitivo no livro do escritor Adolfo Bioy
Casares, A invenção de Morel (2006), que trabalha
85
literariamente com o simulacro, conceito também abordado por
Jean Baudrillard (1997). O pensador parte do princípio que a
contemporaneidade está abarrotada de imagens, inclusive as de
destruição e, colocar mais uma, seria somente mais outra
imagem no meio de milhares sem significação alguma. Segundo
o teórico:
A arte nunca é o reflexo mecânico das
condições positivas ou negativas do mundo,
ela é sua ilusão exacerbada, o espelho
hiperbólico.
Num
mundo
votado
à
indiferença, a arte só pode acrescentar a
essa indiferença. Girar em torno do vazio da
imagem, do objeto que não é mais um
objeto. (BAUDRILLARD, 1997, p. 84)
Jean Baudrillard acredita que a arte contemporânea teria
caído em sua própria armadilha, a de uma realidade irônica que
não potencializa o real a partir de ilusões. A arte ironiza, finge o
vazio e a insignificância como forma de significar, pois “é preciso
que cada imagem subtraia da realidade do mundo, é preciso que
em cada imagem alguma coisa desapareça” (BAUDRILLARD,
1997, p. 88-89), para aí sim termos o segredo da arte da
simulação. No barroco, alguns artistas retrataram o futuro de
toda construção arquitetônica como um trompe-l’oeil, onde este
não possui a finalidade de se confundir com a realidade, mas
possui o ensejo de criar uma terceira dimensão inventada, e de
questionar sobre a veracidade desse outro espaço recriado.
Segundo o teórico:
O olho, em vez de ser gerador de um espaço
reduplicado, não passa de um ponto de fuga
interior à convergência dos objetos. Um outro
universo se escava em direção à frente – não
há horizonte, não há horizontalidade, trata-se
de um espelho opaco erguido diante do olho,
e não há nada atrás. Esta é propriamente a
esfera da aparência – nada a ver, são as
coisas que nos veem, elas não fogem à sua
frente, dirigem-se para sua frente, com essa
luz que lhes chega de outro lugar [...].
(BAUDRILLARD, 1997, p. 19)
86
Na narrativa de Adolfo Bioy Casares, um homem foge
para uma ilha desconhecida com o intuito de se esconder de
seus perseguidores. Ele escapa para próximo de uma casa que
chama de museu e, de repente, começam a surgir outras
pessoas na ilha, que por um breve instante, pensa que estão
atrás dele. O fugitivo se apaixona por uma das moradoras,
Faustine, porém, por mais que ele tente estabelecer um contato
com ela, não consegue, chegando a acreditar que ou seria ele ou
ela que estariam mortos. Em uma das passagens do livro, o
autor nos mostra essa dificuldade do fugitivo em descobrir se é
ele ou ela que está morto, o que se passa na ilha, mas sempre
nos dando indícios de algo errado, de incongruências do tempo
como na passagem onde ele está dentro do museu, escondido
dos “moradores” e relata que:
[...] escondi-me entre a primeira e a segunda
fila de colunas de alabastro, no salão
redondo, sobre o aquário. Logo abaixo
nadavam peixes idênticos aos que eu
removera, podres, nos dias de minha
chegada (BIOY CASARES, 2006, p. 57)
No final do livro, o autor deixa claro, que o personagem
principal havia descoberto uma espécie de máquina filmadora,
mas que não gravava somente imagens, ela também era capaz
de reter os cheiros, os paladares, o vento/brisa, a sensação do
mar e da terra. O fugitivo assiste a um filme que acredita ser real,
passa-se na ilha durante o verão. Durante a descrição de seus
relatos de seus dias e noite, percebemos que o personagem
principal chegou durante o inverno. Descreve ainda que o local
onde dormia, durante a maré cheia, ficava inundado e coberto
por peixes mortos, o que tornava insuportável o lugar, mas
durante o tempo em que se encontrava com Faustine, ele
enxergava flores, sentia o cheiro de perfume, poderia até sentir a
brisa do mar. Entretanto, a máquina filmadora provocava uma
espécie de doença que matou todas aquelas pessoas, com quem
o personagem principal estava, até então, convivendo, mesmo
que às escondidas, e seu fim seria o mesmo.
O que o fugitivo observa seria a imagem da imagem, tão
real quanto a própria realidade, um simulacro dela, por isso ele
pensa que Faustine exista de verdade assim como ele – arrisco-
87
me a pensar que talvez seja ele a simulação de um fugitivo
criada por outro -. Numa das passagens do livro, podemos
perceber com clareza essa confusão, o fugitivo está lendo o
diário de Morel, o inventor da máquina, no qual este fala:
Tive uma surpresa: depois de muito trabalho,
ao congregar esses dados harmonicamente,
encontrei pessoas reconstruídas, que
desapareciam se eu desconectava o
aparelho projetor, viviam apenas os
momentos passados em que se gravara a
cena e, ao terminá-los, voltavam a repeti-los,
como se fossem partes de um disco ou de
um filme que, uma vez terminado, tornasse a
começar, mas que ninguém poderia distinguir
das pessoas vivas (parecem circular em
outro mundo, fortuitamente abordado pelo
nosso). Se atribuímos consciência e tudo o
que nos distingue dos objetos às pessoas
que nos rodeiam, não poderemos negá-la
àquelas criadas por meus aparelhos com
nenhum argumento válido e exclusivo.
Congregados os sentidos, surge a alma. Era
de se esperar. Madeleine estava ali para a
visão, Madeleine estava ali para a audição,
Madeleine estava ali para o paladar,
Madeleine estava ali para o olfato, Madeleine
estava ali para o tato: Madeleine estava ali.
(BIOY CASARES, 2006, p. 85)
Entendo que Cristian Segura e o escritor Adolfo Bioy
Casares trabalham com essa clave dos simulacros que possuem
como objetivo o de questionar o princípio da realidade. O
conceito se refere à imagem da imagem, portanto, ele torna-se
outra coisa além de uma simples imagem, tal qual o fugitivo
percebia Faustine, não como uma simples imagem, mas como
uma realidade virtual tão real quanto se ela realmente existisse,
pois se para o fugitivo, Faustine estava morta, então “que não há
mais Faustine além dessa imagem, para a qual eu não existo”
(BIOY CASARES, 2006, p. 114). O simulacro é a realidade, não
é um “engana olhos” que tenta imitar outro espaço, assim como o
trompe-l’oeil, o simulacro é a sua imagem própria e pura, por isso
que o personagem principal fala que é ele que não existe para
88
Faustine, pois ele é mera imagem para ela. Faustine existe em
sua própria realidade, não sendo, portanto uma mera imagem.
Segundo Jean Baudrillard:
A ilusão que procede da capacidade, através
da invenção de formas, de separar-se do
real, de contrapor-lhe uma outra cena, de
passar para o outro lado do espelho, aquela
que inventa um outro jogo e uma outra regra
do jogo, é impossível daqui para frente,
porque as imagens passam para as coisas.
Elas não são mais o espelho da realidade,
elas investiram o cerne da realidade e o
transformaram em hiper-realidade, onde, de
tela a tela, não há outro destino para a
imagem do que a imagem. A imagem não
pode mais imaginar o real, uma vez que ela é
o real, ela não pode mais transcendê-lo,
transfigurá-lo, nem sonhá-lo, uma vez que
ela é a sua realidade virtual. Na realidade
virtual é como se as coisas tivessem
engolido seu espelho. (BAUDRILLARD,
1997, p. 91)
As representações de destruição de Cristian Segura não
se limitam somente à Bienal de Curitiba e em seus espaços
urbanos, e muito menos nos dispositivos panópticos de vigilância
que o artista argentino instala nos espaços urbanos e no museu.
Em 2010, através de um site specific, utilizando a forma gráfica
de revistas em quadrinhos, o artista realiza uma intervenção nas
janelas do Museu de Arte das Américas, Washington DC,
intitulado Fogo no museu (Imagem 19). Instala nas paredes
externas do museu, em vinil, labaredas de fogo e uma espessa
fumaça saindo pelas aberturas do espaço. A intervenção nos
mostra a vulnerabilidade dos espaços institucionais a partir dessa
simulação de incêndio. Podemos entender também, que as obras
vistas anteriormente do artista argentino, questionam sobre a
vulnerabilidade das construções e espaços de memória da
cidade.
As construções históricas transformadas em museus são
mais vulneráveis a catástrofes como incêndios devido a falta de
mecanismos de prevenção, como a existência de espaços
89
compartimentados que ajudam a limitar o fogo em determinadas
áreas, de forma a não se espalhar por toda a construção
tornando, assim, mais fácil o trabalho de extinção das chamas 14.
O artista chama a atenção para o fato de que se acontecer um
incêndio no museu, não é somente perigoso para a estrutura
física do espaço, mas também, para a estrutura interna, ou
melhor, para os objetos que esses lugares guardam. Um
incêndio pode ocasionar o desaparecimento do patrimônio
cultural que se encontra ali “protegido”.
Imagem 19: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific,
2010.
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
Cristian Segura, na Galeria Baro, em São Paulo, no ano
de 2011 instala no espaço, imagens vetorizadas das paredes do
Museu de Arte das Américas, incluindo a intervenção de fogo
14
Fonte: Cristian Segura, em aula ministrada pela Prof. Dra Rosângela
Miranda Cherem, no período de 05 a 09/12/2011, no curso História da
Arte como Operação de Hipertexto, pertencente ao Programa de Pós
Graduação em Artes Visuais/UDESC.
90
com as labaredas e fumaça saindo pelas janelas do espaço,
além da documentação em vídeo da montagem/colagem da
intervenção realizada em Washington DC, com o mesmo título:
Fogo no Museu (Imagem 20 e 21), referindo-se também a
incêndios que causaram grande destruição em acervos
brasileiros. Segundo o artista:
Con ello quise significar las diferentes
maneras que tenemos de percibir el mismo
trabajo según el contexto, ya que en el
pasado
Brasil
sufrió
dos
perdidas
irremplazables por el fuego. El 8 de Julio de
1978, un pavoroso incendio destruyó el
Museo de Arte Moderna de Río de Janeiro
reduciendo a cenizas su valioso patrimonio.
Y más recientemente, en 17 de octubre de
2009, un incendio destruyó gran parte del
acervo artístico y documental del artista
brasileño Helio Oiticica (1937-1980) el cual
se albergaba en una casa privada en Río de
Janeiro bajo la tutela de su familia.
(SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013,
p.176)
Imagem 20: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific,
2011. (detalhe)
Fonte: Disponível em: < http://barogaleria.com/exhibition/cristiansegura/> Acesso em: 25 de abril de 2013.
91
Imagem 21: Cristian Segura, Fogo no museu, intervenção site specific,
2011. (detalhe do projeto)
Fonte: Disponível em: < http://barogaleria.com/exhibition/cristiansegura/> Acesso em: 25 de abril de 2013.
Observamos que o artista busca uma zona de
perturbação através de dispositivos que possuem a capacidade
de permitir outras experiências pelo observador. Aquelas
situações tornam-se tão reais quanto a própria realidade, pois a
iminência da destruição, permite que a ruína transforme-se em
realidade. O teórico Jean Baudrillard (1997, p. 90) discute que
“nós vivemos em um mundo de simulação, em um mundo em
que a mais alta função do signo é fazer desaparecer a realidade,
e mascarar ao mesmo tempo essa desaparição”. O teórico ainda
fala que:
Os seres, os objetos são conforme os
transforma sua desaparição, que os muda. É
nesse sentido que eles nos enganam, e que
criam ilusão. Mas é nesse sentido também
que eles são fiéis a si mesmos, e que
devemo-lhes ser fiéis, no seu detalhe
minucioso, na sua figuração exata, na ilusão
sensual de sua aparência e de seu
encadeamento. Pois a ilusão não se
contrapõe à realidade, ela é uma realidade
mais sutil que envolve a primeira com o signo
de sua desaparição. (BAUDRILLARD, 1997,
p. 41)
92
Os desastres que Cristian Segura nos apresenta são tão
reais quanto o próprio desastre real. Ele produz imagens tão
limpas, sem o excesso da destruição que vemos todos os dias
pela televisão ou caminhando pelos espaços urbanos, que acaba
criando outra realidade. Ele apresenta as labaredas saindo pelas
janelas, o incêndio incontrolável, ou o estralo, o momento em que
os vidros se quebram, esfacelam-se, o som do desastre,
estridente e aterrorizador, como uma realidade “presentificada”
na obra de arte, o simulacro “experienciado”.
Cristian Segura propõe uma relação de participação do
espectador, não uma participação no sentido de entrar, andar ao
redor, girar, manipular, mas uma participação mais subjetiva e
sutil, onde o observador possa experimentar o espaço de outras
formas, com outros sentidos e memórias. O artista entende que,
para isso, necessita utilizar, como subterfúgios, dispositivos que
possam desencadear a experiência que ele espera, ou talvez,
que o lugar queira. Os simulacros criados pelo artista argentino
simulam a destruição através de sensações, na qual realmente
acreditamos; não falam de uma ideia utópica, mas do incêndio
iminente daquele Museu, assim como as palavras se tornam tão
reais quanto o som dos vidros trincando e rachando.
93
94
CAPÍTULO III - CURADORIA E CRIAÇÃO: OS MUSEUS EM
TRÂNSITO
Cristian Segura propôs para o Festival de Arte e Cultura
Contemporânea Estudio Abierto, em 2006, na cidade de
Buenos Aires, o projeto Cartas de Referência: importância e
formato. O trabalho foi realizado em conjunto com duas
escritoras argentinas, Victoria D. Horwitz e María José Figuerero
Torres, e distribuído gratuitamente 10.000 exemplares de um
trabalho cujo conteúdo é a descrição, objetivo e modo de fazer
uma carta de referência. Neste projeto, o artista argentino propõe
aos visitantes e, quem sabe, artistas, curadores e pesquisadores,
o acesso a uma forma prática de se fazer ou a quem pedir essa
carta de referência, de modo a dar maior visibilidade e
credibilidade ao projeto proposto. Ela se propõe a alcançar um
objetivo maior, pois permite aprofundamentos em algumas partes
onde somente o currículo não daria conta. No trabalho de
Cristian Segura, realizado em conjunto com as escritoras, podese ler sobre a sinopse do que é o trabalho Carta de referência:
Es decir que aquí proponemos, por un lado,
formar conciencia entre los artistas acerca de
la importancia de seleccionar al referencista
adecuado y, por otra parte, ofrecemos un
instrumento para que los referencistas
redacten una carta útil para el candidato.
Presentamos primero una definición de cartareferencia, describiendo su función e
identificando a los protagonistas del proceso
comunicativo. Luego incluimos una serie de
recomendaciones, tanto para quien solicita la
referencia, como para quien acepta
escribirla. (SEGURA et al., 2006, p. 1-2)
Ao longo da Carta de Referência, há diversos
apontamentos
sobre
o
processo
de
se
escrever
aprofundadamente sobre uma pessoa em poucas páginas e de
modo dinâmico, de forma que o avaliador não se canse e desista
no meio da leitura. Victoria D. Horwitz e María José Figuerero
Torres fazem um trabalho bem completo, sendo, algumas vezes,
repetitivo e exaustivo com alguns elementos/informações, talvez
com o intuito de deixar bem claro qual a função desse objeto que
95
poderá impulsionar ou destruir uma carreira promissora se
realizada de forma errada. Ao longo do trabalho, é descrito qual é
a função de uma carta de referência, como deve ser escrita a
mensagem e, principalmente, como se deve escolher a pessoa
que irá redigir o documento, pois:
El referencista ideal conoce bien al
solicitante, tiene plena confianza en su
capacidad, respeta su trayectoria y,
finalmente, está dispuesto a volcar esas
opiniones en una carta-referencia buena. En
general, los mejores referencistas fueron
evaluadores y participaron de procesos de
selección similares y, como resultado de
ello, conocen los códigos y expectativas de
los evaluadores. (SEGURA et al., 2006, p. 3)
Propõem-se que se deve solicitar somente às pessoas
que tenham uma opinião favorável sobre a postura e o trabalho
de quem pede, pois o redator tem como função a defesa do
artista diante de um avaliador através de uma simples carta.
Victoria D. Horwitz e María José Figuerero Torres ainda
escrevem que se deve sempre entregar o máximo de
documentos, arquivos, artigos e trabalhos realizados à pessoa
que irá redigir a carta, de modo que realize uma boa
apresentação sobre o currículo. Incluir também, trabalhos
anteriores ou dificuldades que se possam ter, mas que podem
ser colocadas de forma a acrescentar na apresentação, assim, a
carta de referência cumpre sua função, ou como é finalizado o
trabalho:
En
resumidas
cuentas,
un
aspecto
fundamental de la carta-referencia es que
echa una luz distinta sobre los logros del
candidato, asegurando que sus atributos se
conviertan en ventajas al momento de
comparar su propuesta con las del resto de
los candidatos. A veces, cartas muy buenas
logran sugerir al evaluador una manera
particular de interpretar los antecedentes y
capacidades del candidato. En otras
palabras, pilotea la mirada del evaluador
hacia los aspectos que el candidato prefiere
96
se destaquen, al mismo tiempo que la aleja
de sus puntos flojos. Entonces, para qué
sirve una carta-referencia?...ni más ni menos
que para ayudar al candidato a llegar a la
meta soñada. (SEGURA et al., 2006, p. 6)
Cristian Segura procura discutir/questionar sobre os
espaços institucionais – museus, galerias, feiras de arte –
utilizando os próprios dispositivos, os próprios meios que esses
espaços oferecem. Como discutido nos capítulos anteriores, o
artista se utiliza da metalinguagem para falar sobre esses
espaços institucionais. Seus trabalhos funcionam como se o
próprio museu falasse sobre ele mesmo, no qual o trabalho
Carta de Referência é um desses projetos coletivos que se
inserem no Atlas/arquivo portátil de Cristian Segura. O artista
questiona os trâmites das instituições museológicas de uma
outra forma que não uma militância política, mas questionando
sobre o porquê de determinados grupos dominarem cenários
específicos e como os de fora desse espaço poderiam entrar a
partir da utilização desse dispositivo comumente utilizado.
Discute-se, agora, uma postura mais coletiva do artista
argentino, onde convida outros artistas conterrâneos para
participarem de projetos nos quais Cristian Segura atua tanto
como curador quanto como artista, a partir do momento em que
coloca, muitas vezes, seus próprios trabalhos nesse arquivo/
museus portáteis. A própria ideia de transportar/transformar o
museu dentro de um ônibus, avião ou uma casa rural, funciona
também como obra, pois seu trabalho artístico tem como
discussão central o questionamento dos espaços institucionais e
sua profanação. Com isso, expande o campo artístico a partir da
diluição dos grupos que dominam os museus e galerias de arte,
como também possibilita a circulação de suas curadorias em
lugares e espaços não convencionais, “rascunhados” já em sua
Maleta de ex-diretor de museu (Imagem 1). Segundo o próprio
artista numa entrevista realizada em fevereiro de 2012:
Encuentro en la curaduría una práctica en la
que puedo cristalizar ideas, como en mis
obras. Es así que al momento de pensar en
ella lo hago también apasionadamente,
empujando sus bordes en todas las
direcciones posibles, y teniendo en cuenta el
97
contenido, el contenedor y el continente.
“Entre Bienales”, por ejemplo, puede leerse
como una curaduría de obras audiovisuales
de arte argentino actual, con su propio
andamiaje interno, que es a su vez una
intervención a gran escala para hacer un
comentario crítico sobre dos Bienales
próximas geográficamente y sin vínculos
entre ellas, al tiempo que explora un ámbito
no convencional de exhibición en los circuitos
cerrados de TV de ómnibus y aviones, y que
va al encuentro de un público diverso,
además de el del mundo del arte.
(SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p.
177-178)
Nessia Leongini, na introdução do livro Uma breve
história da curadoria (2010) de Hans Ulrich Obrist, fala que “a
palavra curador vem do latim curare, que por sua vez chega à
nossa língua como curar – na acepção de ‘cuidar’ ou ‘conservar’:
tomar conta das obras de arte” (OBRIST, 2010, p. 9). Continua
discutindo a função de curador ao longo da introdução do livro
onde coloca que o que os curadores mais fazem é “olhar a arte e
pensar sobre a sua relação com o mundo”, pois “um curador
tenta identificar as vertentes e comportamentos do presente para
enriquecer a compreensão da experiência estética. Ele agrupa a
informação e cria conexões” (OBRIST, 2010, p. 10).
Para Nessia Leongini, o papel do curador é justamente
esse: criar relações entre o espaço físico da galeria/museu, as
obras de arte e o público. Conseguir estabelecer conexões,
possíveis leituras entre os artistas completamente diferentes, às
vezes de épocas e de estilos, com o observador que, por sua
vez, fará a sua própria leitura/conexão. Ao longo do livro de Hans
Ulrich Obrist, composto somente por entrevistas realizadas pelo
pesquisador-curador com outros curadores, percebe-se que
muitos entendem dessa forma a atuação do curador como
criador de proposições e conexões. Pode-se elencar a fala da
curadora Anne d’Harnoncout, de 2006, que entende como sendo
“alguém que cria conexões entre a arte e o público. (...) eu vejo
os curadores como possibilitadores, como pessoas que são
loucas por arte e querem dividir essa loucura com outras
pessoas” (OBRIST, 2010, p. 219).
98
Cristian Segura procura realizar em seu trabalho artístico
o agrupamento de informações e a criação de conexões entre as
obras e o público, semelhantes as suas maquetes produzidas
enquanto ainda trabalhava no Museu Municipal de Belas Artes
de Tandil. Uma de suas primeiras obras, Maleta de ex-diretor
de museu (Imagem 1) já mostra esse caminho do artista-etc
argentino. A obra composta por uma maleta contendo a plantabaixa do Museu de Tandil, um indício de suas maquetes
enquanto ainda era funcionário do espaço, serviam para pensar
as obras dentro das salas expositivas e as possíveis leituras
estabelecidas pelo público. Martin Grossmann, na introdução do
livro No interior do cubo branco de Brian O’Doherty, fala que:
[...] o cubo branco promove o mito de que
estamos lá essencialmente como seres
espirituais – o Olho é o Olho da Alma -,
devemos ser vistos como incansáveis e estar
acima das contingências do acaso e da
mudança. Essa forma de vida insatisfatória e
reduzida é o tipo de comportamento que
tradicionalmente se exige nos santuários,
onde o que importa é a supressão dos
interesses individuais em favor dos
interesses do grupo. (O’DOHERTY, 2002, p.
XIX)
Giorgio Agamben (2007) discute o espaço do museu
como sendo o lugar sagrado no qual se destina a guardar a
memória das civilizações. O teórico escreve que a partir da
impossibilidade de se fazer experiência dentro dos espaços
institucionais, tudo pode se tornar em museu partindo do
pressuposto da incapacidade de o público usar e habitar. Cristian
Segura questiona esse papel da instituição através de seus
trabalhos artísticos no momento em que transgride a função da
chave, carrega o museu em uma maleta de negócios, coloca um
olho mágico na porta da administração e expõe ao público a
fragilidade das estruturas que devem ser intocáveis e
guardar/cuidar de um vasto arquivo de modo a perpetuar por
toda a eternidade. O artista argentino desvirtua a função das
instituições artísticas, até então sagradas, e as coloca mais perto
do público.
99
Através de seus trabalhos de curadorias com a criação
de coleções/acervos em trânsito, o artista transpõe o lugar do
museu estático e o transforma em dinâmico, alargando assim, as
fronteiras de caráter arquitetônico que passam a tomar parte de
todo um espaço urbano e doméstico, como se observa nos
trabalhos: Uma exposição que se move, apresentada na I
Trienal de Chile (2009); Cabine de vídeos, na 11ª Bienal de
Havana (2012) e Entre Bienais, na 6ª VentoSul – Bienal de
Curitiba (2011). Nesses trabalhos, o artista expande o lugar do
museu e transforma essas exposições em nômades, não
possuindo um lugar fixo, assim como os espectadores não
necessitam
“experienciar”
os
trabalhos
audiovisuais
necessariamente naqueles lugares escolhidos pelo artista.
Cristian Segura foi convidado para participar da I Trienal
do Chile que possui como característica um caráter descentrado.
Diversas cidades chilenas contaram com exposições, oficinas e
palestras vinculadas à Trienal. Pensando nesse caráter nômade,
o artista veiculou vídeos de sua autoria dentro de ônibus de
viagem que ligassem as cidades abarcadas pela Trienal de 2009.
Semelhante proposta foi a realizada na 6ª VentoSul, em Curitiba,
onde veiculou vídeos de outros artistas argentinos em ônibus e
aviões que fizessem o trajeto Curitiba - Porto Alegre, com o
objetivo de interligar duas Bienais importantes no circuito
brasileiro. Além de utilizar espaços pouco comuns, monta/projeta
uma cabine para a Bienal de Havana, em 2011, onde também
mostra vídeos de outros artistas de diferentes nacionalidades,
sendo que nesta configuração, o público tem a possibilidade de
adquirir uma cópia do trabalho.
O artista argentino continua a estabelecer outras leituras
com o espaço museológico através de suas curadorias em
espaços expositivos não institucionais como: livros, ônibus,
aviões e cabines, nos quais mostra a possibilidade de criar um
arquivo, um atlas composto por outros artistas argentinos
contemporâneos ou modernos. Seus trabalhos de curadoria
sugerem a criação de um museu imaginário, como propõe o
teórico André Malraux no livro O museu imaginário (2011), no
qual fala que os museus inventados são um fenômeno dos
tempos modernos, época em que a reprodutibilidade técnica
estava em alta e possibilitava a criação de novos acervos em
livros, catálogos e pranchas de reproduções de obras de arte
100
consagradas e, inclusive, das salas dos grandes museus onde
essas obras eram conservadas.
Com o museu imaginário, ou melhor, com os catálogos,
livros e pranchas de imagens, o público – estudantes,
professores, curiosos – tem acesso e conhecimento sobre os
grandes artistas consagrados pela história da arte, a
possibilidade de conhecer suas obras mais importantes e, até
mesmo, conhecer outros até então pouco discutidos sem a
necessidade de visitar outros países ou cidades, ou seja, sem
sair do conforto de suas casas. Brian O’Doherty escreve da
seguinte forma quanto à estrutura das galerias e dos museus
modernos:
A galeria é construída de acordo com
preceitos tão rigorosos quanto os da
construção de uma igreja medieval. O mundo
exterior não deve entrar, de modo que as
janelas geralmente são lacradas. As paredes
são pintadas de branco. O teto torna-se a
fonte de luz. O chão de madeira é polido,
para que você provoque estalidos austeros
ao andar, ou acarpetados, para que você
ande sem ruído. A arte é livre, como se dizia,
“para assumir vida própria”. Uma mesa
discreta talvez seja a única mobília. Nesse
ambiente, um cinzeiro de pé torna-se quase
um objeto sagrado, da mesma maneira que
uma mangueira de incêndio num museu
moderno não se parece com uma mangueira
de incêndio, mas com uma charada artística.
Completa-se a transposição modernista da
percepção, da vida para os valores formais.
Esta, claro, é uma das doenças fatais do
modernismo. (O’DOHERTY, 2002, p.4)
Carta de Referência, até então, parece deslocada, mas
pensando que Cristian Segura através desse projeto se propõe a
distribuir aproximadamente 10.000 exemplares de uma carta que
contém informações preciosas para muitas pessoas, pode-se
abordar seus trabalhos de curadoria como sendo cartas de
referências para alguns artistas utilizarem posteriormente. Podese pensar, também, sobre a possibilidade de construção de um
arquivo, na medida em que o artista precisa juntar todo um
101
material sobre seu trabalho e entregar a alguém que fará uma
“descrição” dinâmica de tudo que o interessado produziu
juntamente com seu currículo, de modo a ser visualizado por
outro alguém de modo a despertar interesse. Tais quais os
vídeos necessitam de uma dinâmica diferente quando expostos
dentro de cabines, aviões ou ônibus de viagem do que se fossem
expostos num museu/galeria da forma tradicional 15. Dentro
desses espaços moventes os trabalhos em vídeos necessitam de
outra sequência, de outro timming. De acordo com Cristian
Segura:
Como nota, el sonido no es algo menor en la
mayoría de ellas. Tampoco el orden de los
videos es arbitrario; es un diagrama de
intensidades que busca mantener la atención
del espectador durante toda la exhibición.
(SCHVARTZ & AMARANTE, 2012-2013, p.
177)
Cristian Segura se propõe a uma circulação e difusão dos
vídeos de novos artistas argentinos pelos espaços públicos, onde
o visitante não se propõe somente a conhecer um novo artista
indo a um museu, mas talvez ao contrário, o museu indo ao
encontro do público. Um dos motivos de seu critério de escolha,
tanto dos trabalhos quanto dos propositores, muitas vezes, dá-se
pelo tempo das obras, ou seja, pela dinâmica da imagem em
movimento ser capaz de manter o espectador atento.
Semelhante atitude de utilizar outros espaços pouco comuns
acontece no site specific intitulado Videoarte Club, na Galeria
Florencia Loewenthal, no Chile, onde os visitantes podem assistir
aos vídeos de artistas argentinos e do próprio artista-curador
Cristian Segura no espaço da galeria ou alugá-los como se
fossem filmes pegos de locadoras.
Outra forma de montagem proposta pelo artista se
observa no projeto Interfaces 10: diálogos visuais entre
regiões (2008-2009), exposição coletiva onde atua como
15
Vídeos projetados numa parede por um monitor no qual a sala poderá
ou não apresentar bancos para o público se sentar. Muitas vezes os
observadores “pegam” os trabalhos em vídeos pela metade ou no final
e, muitas vezes, não se dão ao trabalho de ficar o tempo inteiro do
vídeo ou pelo menos assistirem até o ponto em que entraram na sala.
102
curador em conjunto com outro artista argentino, quando montam
uma exposição em uma galeria e, parte do processo, compõe um
pequeno catálogo – ensaio gráfico que funciona também como
uma exposição portátil. O visitante no projeto Interfaces 10 é
convidado a sentar-se numa poltrona confortável abrir o livro –
que pode se aproximar à Carta de Referência - e vislumbrar
uma amostra do pensamento plástico de cada artista que possui
uma obra também no espaço físico do museu. Não há uma
ordem pré-estabelecida, uma leitura obrigatória de início e fim,
mas uma possibilidade de interagir de outras formas com o
objeto artístico. Segundo Georges Didi-Huberman:
No se “lee” un atlas como se lee una novela,
un libro de historia o un argumento filosófico,
desde la primera a la última página. Además,
un atlas suele comenzar - no tardaremos en
comprobarlo – de manera arbitraria o
problemática, de modo muy diferente al
comienzo de una historia o la premisa de un
argumento; en cuanto a su final, suele
aplazarse hasta que se presenta una nueva
región, una nueva zona del saber que
explorar, de suerte que un atlas casi nunca
posee una forma que quepa dar por
definitiva. (DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 14)
Já na exposição Analogias e confrontações: outros
diálogos na arte argentina (2004), exposta no Centro Cultural
Recoleta, Buenos Aires, o artista argentino procura criar um
grande panorama anacrônico colocando, lado a lado, artistas de
épocas diferentes, mas que possuem pesquisas semelhantes,
aproximando-se esteticamente tanto da linguagem quanto da
discussão.
Cristian Segura procura criar um panorama, um arquivo
de artistas argentinos em seus projetos de curadorias de modo
que o público possa visualizar seus vídeos ou de outros em início
de carreira em cabines, em aviões ou em rascunhos de trabalhos
em páginas de livro como um grande atlas. Suas
exposições/curadorias procuram estabelecer um diálogo entre
obra-público-espaço através da construção de um atlas ou um
arquivo pessoal no qual pode ser olhado de qualquer
forma/ordem e pode servir como material de pesquisa
103
posteriormente. Pode-se pensar que Cristian Segura faz um
grande estudo sobre a arte produzida em seu país. Estudo, este,
em constante construção.
1. O ATLAS COMO UM MUNDO PORTÁTIL DE CRISTIAN
SEGURA
O observador colocado diante de um arquivo/atlas com o
objetivo de se pensar questões acerca da história da arte de sua
cidade/país, no caso a Argentina, depara-se com a curadoria
Analogias e confrontações: outros diálogos na arte
argentina (Imagem 22), exposição realizada no Centro Cultural
Recoleta, Buenos Aires em 2004. Projeto curatorial de Cristian
Segura que possui como objetivo reunir diversos artistas de
momentos históricos completamente diferentes, com produções
entre os anos de 1925 e 1998.
Imagem 22: (detalhe de uma das obras): Analogias e confrontações:
outros diálogos na arte argentina, 2004. Curadoria: Cristian Segura.
104
Fonte: Disponível em: <http://www.arteba.org/08-0910/po/acciones/sala10/artanalogias.htm> Acesso em: 26 de abril de
2013.
Os trabalhos de curadoria de Cristian Segura são uma
extensão de seus trabalhos artísticos quanto ao questionamento
das instituições museológicas, visto que procura realizar
exposições em lugares inusitados e não institucionalizados.
Ainda apresenta seus trabalhos artísticos e curatoriais como se
fossem arquivos ou, numa aproximação com Carta de
Referência, como se fosse uma apresentação dos novos
artistas argentinos. Numa construção curatorial semelhante às
pranchas de Aby Warburg, Analogias e confrontações propõe
ao visitante conhecer e/ou reconhecer elementos/discussões que
continuam a prevalecer na história da arte argentina durante
aquele período.
Essa exposição contou com parte do acervo do Museu
Eduardo Sivori, Buenos Aires; Museu Provincial de Belas Artes,
La Plata; coleção da Fundação Telefônica, além de obras de
coleções privadas. A exposição procura um diálogo entre as
obras de artistas argentinos contemporâneos e modernos de
forma anacrônica, sendo que a proposta permite pensar acerca
dos trabalhos existentes na história da arte argentina que
possuem semelhanças formais, estéticas e de temas que
possam estabelecer uma aproximação e diálogo ou
confrontação.
Aby Warburg propõe uma nova história da arte,
mostrando que ela não é linear e é composta por imagens ou
estruturas imagéticas que sempre retornam e são atualizadas de
acordo com a época. O pesquisador trabalha a partir de uma
memória coletiva, na qual percebe que algumas estruturas
persistem ao longo de gerações. Cristian Segura propõe em seu
projeto, mostrar as formas que retornam nos artistas argentinos
além das questões que persistem tanto na arte moderna quanto
na contemporânea, num processo semelhante à Aby Warburg.
Segundo o curador-artista argentino para o catálogo/folheto da
exposição Analogias e confrontações:
La apuesta es pensar que existen trabajos
que se aproximan entre sí – de un modo no
jerárquico ni lineal – y establecen diálogos
por sí mismos. De allí este juego intemporal
105
de correspondencia simbólica o visual, donde
pueden verse, en un ritmo de constantes y
transformaciones, tanto distintas formas de
abordar los mismos tópicos como la
pervivencia de esquemas, estructuras y
temáticas. (SEGURA, 2004, s/p)
Pode-se aproximar ao Atlas de Aby Warburg, no qual em
1929, o teórico deixou como legado uma enorme biblioteca, além
de diversos textos, notas, rascunhos, tendo ainda alguns estudos
inacabados e muitos nem sequer foram publicados. O Atlas é
composto por “um conjunto de 63 painéis, onde tinha agrupado
perto de mil fotografias, a que deu o mesmo nome grego [...]
Mnemosyne, através do qual queria mostrar a permanência de
certos valores expressivos” (GUERREIRO, s/d, s/p). O que Aby
Warburg pretende é reunir o máximo de imagens que persistem
na memória coletiva para compor seu trabalho Atlas
Mnemosyne, que não possui um formato de livro e/ou catálogo,
mas sim, é formado por imagens soltas e coladas em painéis que
ficam umas ao lado das outras e podem ser modificadas,
mudadas de lugar, à medida que se acrescentem novas imagens
de forma a criar um diálogo entre elas e/ou à medida que as
discussões tomam outros rumos.
Cristian Segura, de forma semelhante, pensa seu projeto
curatorial quanto à persistência de certas formas. O artista coloca
no catálogo da exposição que “la historia del arte se modifica
constantemente desde el presente a partir de las nuevas
creaciones, pero también de las nuevas lecturas” (SEGURA,
2004, s/p). Como uma coleção particular, o artista nos apresenta
um vasto panorama da arte argentina que se repete, reconstróise e reformula questões persistentes de formas análogas e
diversas, pois o artista se coloca não somente como um simples
curador que irá agrupar e ordenar algumas obras pensando
numa conservação/leitura delas, mas pensa o projeto como
sendo uma obra de arte.
Georges Didi-Huberman fala sobre a experiência do
contato com as lâminas/pranchas contendo imagens artísticas e
de rituais indígenas de épocas completamente diferentes
construídas
pelo
pesquisador
Aby
Warburg.
O
visitante/observador possui a oportunidade de conhecer a vasta
pesquisa imagética não de uma forma linear, mas anacrônica,
106
sem ordem, início ou fim. Aby Warburg acredita que a história da
arte deve ser escrita dessa forma: tempos, culturas, cidades e
países entrelaçando-se, onde elementos pontuais aparecem de
forma inesperada em qualquer época e em qualquer linguagem
artística. Além disso, para o teórico é impossível uma linearidade
da história da arte devido à dificuldade da conclusão do passado
que se encontra constantemente em transformação e emergindo
sempre no presente, ou seja, Aby Warburg pensa numa história
sem cronologia onde elementos se confrontam e dialogam em
épocas díspares (GUERREIRO, 2004).
Cristian Segura da mesma forma que se assemelha a
Aby Warburg, a de propor uma construção anacrônica da história
da arte argentina, confrontando e realizando analogias entre os
diversos artistas e obras, sua proposta curatorial possui um
caráter arquivístico que será observado em outros trabalhos. O
artista organiza como um atlas/arquivo, os diversos trabalhos de
outros criando, assim, um museu imaginário onde questiona
através do dispositivo-curadoria a possibilidade de transformála/transgredi-la em obra.
Coleção como curadoria e como trabalho artístico,
aparece na proposta Videoarte Club (Imagem 23), apresentado
na Galeria Florencia Loewenthal, em Santiago (Chile).
Anteriormente, a Galeria havia sido uma videolocadora de bairro,
até ser comprada e modificada como um espaço expositivo.
Cristian Segura não intervém nos espaços de modo aleatório,
como já foi discutido, dessa forma, “reproduce la memoria del
lugar, utilizándolo como instancia de exhibición y difución”
(LETELIER, 2007, p. 17).
O observador, ao invés de entrar numa galeria/museu
estático, onde sair com algo nas mãos é caso de punição, nessa
montagem em específico o artista argentino convida o
participante a entrar num espaço de troca e empréstimo.
Disponibilizando aos visitantes o aluguel de trabalhos de artistas
argentinos, como: Esteban Álvarez, Eduardo Basualdo, Melina
Berkenwald, Lorena Cardona, Margarita Paksa, Laura Spivak,
entre diversos outros, contando ainda com o trabalho em vídeo
do próprio idealizador e curador Cristian Segura.
107
Imagem 23: Cristian Segura, Videoarte Club, site specific, 2007.
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
Os conteúdos versam desde informações e/ou
documentações sobre a arte argentina através de obras
apropriadas ou re-leituras do próprio Cristian Segura (LETELIER,
2007), incluindo uma produção do artista-curador sobre seu
período de trabalho no Museu Municipal de Tandil. Segundo
María Elvira Iriarte:
[...] reunió unos veinte trabajos de vídeo-arte
de colegas argentinos, los embaló en cajas
manipuladas y los colocó en uno de los
muros, en repisas, como si se tratara de un
local de venta o arriendo de este material. Y
efectivamente, los videos podían ser
arrendados por el público, aunque no
exhibidos por la galería, con la excepción de
uno, de la autoría del propio Segura, que
muestra su frenética carrera por el museo de
Tandil, aprovechando la apertura de algunas
108
salas que se encontraban en proceso de
reforma. (IRIARTE, 2008, s/p)
Como um site specific, o artista recria a sala da antiga
videolocadora que um dia se encontrou naquele prédio. Cristian
Segura disponibiliza para o aluguel 32 obras audiovisuais
realizadas por 23 artistas argentinos no formato de DVD.
Estabelecendo, assim, um “vínculo generado en el pasado con la
gente del barrio Santa Isabel” 16, local totalmente desconexo aos
circuitos artísticos, no qual, “al tiempo que se ponía en
funcionamiento un nuevo modelo de distribución de obras en el
circuito de arte contemporáneo”17.
Cristian Segura, em 2004, deu inicio ao projeto intitulado
TRIP, com o patrocínio da Fundação Antorchas, que possui
como objetivo transformar uma casa rural em um espaço para
experimentação e exibição artística. Têm-se delineado, assim, o
desejo de tornar a arte mais dinâmica e móvel a partir do
momento que pensa na possibilidade do espaço museológico
encontrar-se em constante trânsito. O artista argentino torna o
museu mais maleável de forma a não se submeter somente a um
plano físico arquitetural e estável. O projeto TRIP retira o museu
de sua áurea intocável, como se fosse a maleta, que agora
carrega pequenas obras, pequenas exposições de outros artistas
chegando a lugares “inacessíveis”. Segundo Cristian Segura:
Se distingue de los espacios expositivos
tradicionales fundamentalmente por sus
posibilidades de itinerancia, lo que le
proporciona un gran dinamismo en el
acercamiento e intercambio con todos los
sectores sociales, tanto en las zonas urbanas
como
rurales,
mediante
programas
expositivos dinámicos abiertos a todas las
disciplinas artísticas actuales y con un
servicio de biblioteca de arte contemporáneo
para
consulta
pública
en
continua
actualización. 18
16
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 148 (abril/2013).
Idem.
18
Idem.
17
109
Videoarte Club (Imagem 23) e TRIP se assemelham na
vontade de estabelecer uma relação maior entre arte e público,
entre a arte e o espaço museológico a partir das experiências do
observador. TRIP se propõe a levar exibições artísticas para
outros espaços, como uma praça e/ou um pátio de colégio. Se,
porventura, existisse alguma dificuldade das pessoas irem a
exposições, o artista argentino se propõe a acabar com essa
dificuldade gerada pela distância ou pela preguiça de se
locomover. Cristian Segura propõe ao visitante a possibilidade de
levar suas obras audiovisuais para onde queira, assistir no
conforto de sua casa, comer pipoca, convidar os amigos, ficar um
ou dois dias com o trabalho, pausar e continuar mais tarde.
O trabalho, em cada espaço, adquiri uma nova
configuração, são os mesmos artistas, os mesmos trabalhos que
se encontram nas salas expositivas assim como nas caixas de
DVD, mas não há uma ordem, não há a necessidade de se
assistir a todos e muito menos por completo caso não agrade
e/ou interesse. Se, nos seus primeiros trabalhos, cabia somente
ao artista o papel de tornar o museu uma extensão de sua casa,
de sua mesa de refeição e de trabalho e na mala que carrega
seus pertences, o artista possibilita agora ao visitante essa
experiência de carregar as obras do museu para dentro de sua
casa, de criar uma extensão entre museu e espaço doméstico.
2. OS LIVROS DE CRISTIAN SEGURA COMO MUSEUS
IMAGINÁRIOS
O projeto Interfaces 10: diálogos visuais entre
regiões (Imagem 24) conta com a participação de Cristian
Segura e de Gustavo Insaurralde. O projeto envolveu diversos
artistas, curadores e instituições de várias cidades da Argentina,
tendo sido realizadas dez exposições e posteriormente um
grande livro/catálogo que serve como uma exposição portátil a
partir dos projetos, rascunhos e/ou desenhos dos artistas
convidados para exporem. O projeto Interfaces foi organizado
pela Direção de Artes Visuais da Secretaria de Cultura da Nação
e apoiado pelo Fundo Nacional de Artes da Argentina, sendo que
110
o projeto inteiro é realizado/concebido por Andrés Duprat e Tulio
Sagastizábal e conta ao todo com 10 exposições.
Imagem 24: (detalhes do catálogo): Interfaces 10: diálogos visuais
entre regiões, Tandil e Resistencia. 2008-2009. Curadores: Cristian
Segura e Gustavo Insaurralde.
Fonte: Fotografia da própria autora, arquivo pessoal.
O objetivo do projeto é convidar curadores de diferentes
cidades argentinas para trabalharem em dupla, estabelecendo
assim, diálogos entre as cidades, os curadores e os artistas em
início de carreira. Não necessariamente é um critério a escolha
de novos artistas, pois o projeto Interfaces é proposto como
forma de compartilhar a produção visual de diferentes cidades da
Argentina gerando um sistema de troca e/ou intercâmbio. Notase que nesse projeto a experiência de diálogos foi intensa, pois
cada curador tinha a função de escolher, na cidade de sua dupla,
o artista e o trabalho a ser exposto. Assim, Cristian Segura fica
responsável pela cidade de Resistencia e Gustavo Insaurralde,
por Tandil.
Pode-se estabelecer uma leitura também com o trabalho
Carta de Referência partindo do pressuposto que cada artista
teve que juntar seu material de forma coerente e interessante
para chamar a atenção dos curadores do projeto Interfaces.
111
Segundo Cristian Segura e Gustavo Insaurralde no texto O
próximo
a
aparecer,
que
pode
ser
lido
no
catálogo/exposição/ensaio portátil Interfaces 10 (Imagem 24),
escrevem da seguinte forma:
El programa INTERFACES nos plantea una
dinámica de trabajo curatorial clara: medir las
intensidades de lo que se está produciendo
en materia de artes visuales en una ciudad
que no es la nuestra y confrontarla con la
propia, en un trabajo cruzado de
colaboración y diálogo con el curador local.
El resultado es un recorte representativo y
de convivencia de enfoques de las dos
escenas, Tandil y Resistencia, bajo el
diagrama de una exposición. (DUPRAT &
SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p. 5)
Ambos procuram estabelecer um diálogo entre os artistas
de cada cidade e utilizar o material recolhido durante as
investigações que realizaram durante o trabalho com cada
propositor convidado. O projeto Interfaces 10, foi dividido em
duas partes – permito-me abordar dessa forma -, que originaram
duas exposições simultâneas: uma com as obras finalizadas que
foram exibidas nos museus de cada cidade e a outra com o
arquivo coletado que se tratava dos esboços dos artistas
convidados pelos curadores que, posteriormente, constituíram
parte da publicação que se encontra no espaço expositivo e que
também funciona como uma espécie de catálogo, visto que os
organizadores do projeto compilam todos os textos produzidos e
desenhos/maquetes/projetos dos artistas expositores. Cristian
Segura fala que juntamente com Gustavo Insaurralde:
Hemos decidido entonces, recuperar y poner
en circulación una selección del material
recogido durante nuestra investigación y
darle espesura en el catálogo, a modo de un
cuaderno de campo, cuya puesta en página
se presenta como un ensayo gráfico.
(DUPRAT & SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p.
5)
112
O livro-catálogo-ensaio gráfico publicado sobre esse
projeto expositivo não é visto como uma explicação das obras ou
como um catálogo da exposição que contem todas as obras
fotografadas. O livro funciona como um museu imaginário
composto por textos, notas, projetos e fotografias dos
trabalhos/propostas de cada artista escolhido. Já a exposição
física no museu conta com a obra finalizada que, muitas vezes,
não condiz com o rascunho no livro-ensaio-gráfico. Segundo
Justo Pastor Mellado, quanto a outras obras de Cristian Segura,
mas que se pode aproximar a esta proposta, escreve da seguinte
forma sobre os novos espaços de exposição/divulgação:
[…] cuando la musealidad se desarrolla
como extensión del espacio editorial, en el
umbral de una nueva industria del
espectáculo. Los museos son grandes
instituciones que, además de producir
exposiciones, editan impresos, fabrican
libros. Al punto de pensar, de manera
paródica, que las exposiciones pueden llegar
a ser nada más (ni nada menos) que
plataformas de lanzamientos de libros.
(MELLADO, 2005, s/p)
Os curadores argentinos, Cristian Segura e Gustavo
Insaurralde, pensam o espaço do livro como sendo um espaço
expositivo, uma extensão da sala expositiva de um museu
tomando outras formas e realizando outros diálogos. Nos
primeiros trabalhos de Cristian Segura, observa-se uma
profanação do espaço museológico, na qual o artista utiliza os
próprios dispositivos do meio para questioná-lo. Penso que essa
aproximação é válida, também, no projeto Interfaces 10, pois
utilizando os próprios dispositivos dos museus, de manter
eternas as exposições, Cristian Segura profana o livro-catálogo
de modo a não se tornar um testamento, mas uma outra
exposição portátil, composta por outras obras. Segundo o texto,
Una vuelta de tuerca, escrito por Justo Pastor Mellado:
Teniendo en cuenta lo anterior, Cristian
Segura y Gustavo Insaurralde platearon la
vuelta de tuerca, que consiste en aprovechar
la fuerza existente y orientarla en un sentido
113
un poco fuera del eje: fuera del rumbo
habitual de los montajes. Aquí, montaje
adquiere un sentido más amplio, que se
refiere, por ejemplo, a la puesta en escena
de una iniciativa de investigación de campo.
Por esta razón el montaje de la investigación
es diferente del montaje de la exposición de
los resultados. Esto corresponde a una
simple distinción de método, en la que
ambos procesos suponen momentos y
mecanismos de trabajo diferentes. (…) Los
procesos no se exponen, se editan. Esa es
una gran diferencia. Y para eso, es preciso
un soporte adecuado a nuevas perspectivas
de visibilidad de las obras. (DUPRAT &
SAGASTIZÁBAL, 2008-2009, p. 7)
Cristian Segura e Gustavo Insaurralde, além de utilizarem
o próprio dispositivo livro como forma de questionar a instituição,
também o utiliza como criação de arquivo a partir das obras –
projetos, rascunhos, desenhos, textos – dos artistas das cidades
de Resistencia e Tandil. Eles proporcionam ao visitante pensar
sobre como os propositores trabalham, por onde caminham até
chegarem à obra física. A partir desse material compilado pelos
curadores, podem-se visualizar os caminhos percorridos pela
ideia até a execução do trabalho.
André Malraux no livro O museu imaginário (2011), fala
sobre a criação de um espaço imaginário que contem todas as
obras possíveis, onde nós mesmos somos os curadores desses
museus individuais e personalizados. E dentro desses espaços
museológicos, encontram-se os esboços e os croquis. O teórico
fala que o esboço na pintura possui o objetivo de um estudo, no
qual somente os rascunhos dos grandes pintores eram
valorizados e conservados como obras-primas, pois possuíam a
qualidade de obras iguais ao do quadro mais belo do artista.
Cristian Segura e Gustavo Insaurralde possibilitam na curadoria
do projeto Interfaces 10, o esboço tornar-se parte da obra final,
no qual obra e rascunho complementam um a leitura do outro,
além de mostrar ao público o arquivo como obra. Segundo Justo
Pastor Mellado:
114
[...] Lo que ocurre, es que los materiales
preparatorios se han convertido en objetos
de
deseo
para
los
operadores
y
constructores de archivos. Es decir, el
archivo y su manejo se han consolidado
como una zona de trabajo en nuestras
escenas. Su exhibición entra a modificar las
concepciones de montaje y recurrimos a
tomar prestadas las vitrinas de las bibliotecas
y de los museos de ciencias naturales, para
disponer documentos destinados a poner en
valor aspectos biográficos que pudieran
contribuir a la formación de un mito; es decir,
favorecer la mirada sobre el contexto, con el
propósito
de
adquirir
una
cercanía
reconfortante con los momentos originales
del artista. (DUPRAT & SAGASTIZÁBAL,
2008-2009, p. 8)
Cristian Segura e Gustavo Insaurralde elevam a condição
do esboço – qualidade a muito explorada pela arte
contemporânea – a uma obra final, semelhante ao processo que
o artista Marcel Duchamp propõe através dos múltiplos e dos
objetos deslocados de contexto 19. Os artistas-curadores
permitem que os visitantes explorem um grande atlas/arquivo
das obras que se encontram nos museus das cidades
participantes do projeto permitindo, assim, que o visitante entre
em contato tanto com os esboços quanto com as obras
finalizadas de modo a estabelecer diálogos e experiências com
ambas. Acessar o livro-ensaio gráfico de modo a complementar a
leitura das obras, de forma a ter um novo olhar diante da
19
Marcel Duchamp, como tratado nos outros capítulos, num diálogo
com a obra de Cristian Segura, propõe pranchas contendo reproduções
de seus trabalhos, miniaturas, textos, notas sobre algumas obras,
originais ou não colocadas no interior de uma maleta/valise. Nesse
caso, Interfaces 10, proponho a aproximação do esboço como uma
obra final, assim como as reproduções de Marcel Duchamp que podem
ser olhadas sem uma ordem pré-estabelecida, gerando diálogos e
confrontações umas com as outras que funcionam também como
trabalhos artísticos completamente diferentes dos “originais”, de forma a
estabelecer um diálogo rico quanto a obra do artista francês.
115
exposição que se faz em dois momentos bem distintos. Para
Georges Didi-Huberman:
La experiencia muestra que casi siempre
usamos el atlas combinando esos dos
gestos, tan disímiles en apariencia: los
abrimos, sí, para buscar en él una
información precisa, pero obtenida la
información, no abandonamos forzosamente
el atlas, sino que recorremos una y otra vez
todas sus bifurcaciones, sin poder cerrar la
colección de láminas antes de haber
deambulado cierto tiempo, erráticos, sin
intención precisa, a través de su bosque, su
dédalo, su tesoro. Hasta la próxima vez, igual
de inútil o de fecunda. (DIDI-HUBERMAN,
2011, p. 14)
André Malraux fala que “uma galeria não devia ser um
conjunto de quadros, mas a posse permanente de espetáculos
imaginários e seleccionados” (MALRAUX, 2011, p. 19). A partir
disso, pode-se pensar que os museus imaginários são
semelhantes às pranchas imagéticas construídas por Aby
Warburg, talvez não com esse caráter anacrônico de perceber
detalhes, imagens ou assuntos que persistem ao longo dos anos
e culturas, mas como um recorte daquilo que interessa.
Assim como se pode ter a posse de alguns artistas
argentinos selecionados por Cristian Segura e Gustavo
Insaurralde, pode-se ter também a posse de alguns artistas
brasileiros e estrangeiros através do museu imaginário proposto
pela curadora e professora Regina Melim que idealiza a
exposição portátil Amor: leve com você (Love: take with you)
(Imagem 25), que, temporariamente, ocupa uma sala expositiva
onde o espectador visitante pode levar consigo um exemplar, um
múltiplo da exposição.
116
Imagem 25: (detalhes da exposição portátil): Amor: Leve com você
(Love: Take with you), 2007. (Página aberta: Rimon Guimarães).
Fonte: Disponível em:
<http://cadernosafetivos.blogspot.com.br/2009/06/exposicoes-portateisregina-melim.html> © Fotografia: Márcia Regina Sousa. Acesso em: 25
de maio de 2013.
Cristian Segura e Gustavo Insaurralde apresentam os
projetos, rascunhos e ideias do que os artistas pensaram em
fazer e, talvez, realizaram algo completamente diferente do que
estava exposto nas salas dos museus; já os museus imaginários
de Regina Melim contam com proposições artísticas no estilo
Fluxus, o de sugerir ideias na qual o espectador fica encarregado
de colocar em prática, ele se torna o performer. Segundo Regina
Melim, no texto introdutório do livro que se aproxima ao texto da
parede de um museu/galeria, fala que:
O seu formato livro (de bolso) busca deslocar
o que sempre esteve vinculado como
informação secundária ou registro de uma
exposição, para tornar-se, ela própria – a
117
publicação – o veículo primário das
proposições artísticas que aqui se inserem.
Além disso, pensada para desafiar algumas
regras que geralmente governam as mostras
de arte, este formato portátil de exposição
visa propor uma temporalidade diferenciada,
alargada e que resiste ao tempo formatado
de sua cultura, normalmente estabelecida
pela fórmula: começou – acabou. E, quando
desmanchada, tudo é novamente pintado de
branco. (MELIM, 2007, p. 6-7)
Com as propostas curatoriais em espaços alternativos,
Cristian Segura e Gustavo Insaurralde, possibilitam ao
observador carregar as obras artísticas, de ter a chance de
possuir nas estantes de livros de suas casas um catálogo/atlas
sem a necessidade de furar paredes ou conseguir um espaço na
mesa. O museu imaginário proposto por Regina Melim, que
possui como base instruções semelhantes às proposições do
grupo Fluxus, diferencia-se da proposta de Cristian Segura e
Gustavo Insaurralde. As dos artistas-curadores argentinos não
possuem o caráter “por fazer”, o ensaio gráfico/livro é em si a
própria exposição portátil a parte do que se encontra na sala do
museu de Tandil e de Resistencia.
As exposições em livros possuem esse aspecto móvel,
onde o observador entra em contato com um museu em trânsito,
o espaço institucional transposto para dentro de um livro. Nas
obras de Cristian Segura: Maleta de ex-diretor de museu
(Imagem 1) e Mesa de trabalho e Reflexão (Imagem 6),
discutidos anteriormente, podem ser visualizados o caráter
indiciário dos museus, dos espaços institucionais onde o artista
trabalhou por algum tempo e se tornam objetos de sua pesquisa.
As instituições museológicas se tornam objetos de seu
questionamento tanto em obras de arte quanto em projetos de
curadorias que tomam uma dimensão também artística. Se antes
o artista argentino apresenta as salas expositivas vazias, agora
as mostra cheias de outros em inicio de carreira e com uma
configuração completamente diferente de um espaço
arquitetônico estável.
118
3. OS MUSEUS EM TRÂNSITO: A EXPERIÊNCIA DO
SEDESTRE
Em Videoarte Club (Imagem 23) e Analogias e
confrontações (Imagem 22), Cristian Segura concentra em um
único lugar parte do arquivo da história da arte argentina,
questionando também o lugar estático do museu. O visitante
nessas propostas curatoriais e artísticas possui a escolha de
alugar/pegar emprestado e assistir em sua casa obras
audiovisuais ou, ainda, observar os temas, as matérias e as
discussões que prevalecem ao longo da arte moderna e
contemporânea argentina. Percebe-se com esse ato, que o
museu/galeria torna-se dinâmico e móvel, sua arquitetura se dilui
e se transforma em sua casa, em um livro ou em uma
videolocadora, pois “o espaço é hoje apenas o lugar onde as
coisas acontecem; as coisas fazem o espaço existir”
(O’DOHERTY, 2002, p. 36).
Cristian Segura, em 2009, é convidado para expor na I
Trienal do Chile onde realiza o projeto Exposição que se move
(Imagem 26). Seleciona alguns vídeos produzidos por ele, cujo
tema em comum versa sobre a reflexão acerca do papel dos
museus e sobre os limites institucionais no campo artístico. Com
a curadoria de Ticio Escobar, a I Trienal do Chile, intitulada Os
limites da Arte, estendeu-se, ao todo, por sete cidades do país,
utilizando as estruturas arquitetônicas existentes de cada lugar,
porém o artista propõe algo diferente: o de ocupar os espaços
existentes entre cada cidade. A partir disso, seus vídeos são
projetados nas televisões dentro dos ônibus de viagens
intermunicipais chilenos.
Imagem 26: Cristian Segura, Uma exposição que se move,
intervenção site-specfic, 2009.
119
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
A I Trienal do Chile tem como característica a não
concentração de exposições, colóquios e palestras numa mesma
cidade ou num mesmo centro cultural do país – tal qual acontece
com as Bienais do Brasil que se concentram somente em São
Paulo, Porto Alegre ou Curitiba, não se expandindo pelo território
brasileiro -. Sua proposta é a de abarcar outras cidades pelo
território chileno, que normalmente não recebem esses eventos
por serem distantes dos centros culturais. Segundo o jornalista
José Luis Estéves, para o jornal El Pais, Espanha, sobre a
Trienal do Chile fala que:
El diseño del proyecto es muy ambicioso y
no tiene paragón en toda Latinoamérica. Por
primera vez las exposiciones y debates que
forman el eje de cualquier acontecimiento de
este tipo no se limitan a la capital del país o a
una de sus principales ciudades. La trienal es
un acontecimiento artístico casi inabarcable
que se celebra en ciudades separadas por
largas distancias. Es una de las raras
ocasiones en las que se ha tenido menos en
cuenta a los críticos, comisarios y turistas y
se ha dado prioridad a la población local que
va a tener ocasión de ver en su propia ciudad
120
las
obras
de
destacados
artistas
latinoamericanos. (ESTÉVEZ, 2009, s/p)
Cristian Segura vai além tanto dos limites geográficos das
próprias cidades quanto dos limites arquitetônicos dos museus,
não ficando preso somente às escolhidas pelo curador da
Trienal, mas, também, ocupando os territórios de passagem, que
são as ruas/avenidas/rodovias que interligam uma cidade a
outra. Pode-se dizer que o artista busca uma vivência dos nãolugares, que para o teórico Marc Augé (2007, p. 87) “os nãolugares criam tensão solitária”, ou seja, criam lugares sem
significações e memórias. A passagem por estes não-lugares é
tão rápida que não se consegue vivenciá-los, ou melhor,
observar ou dar-se conta de que eles existem e estão presentes
no entorno. A partir da proposta do artista, pode-se estabelecer
uma relação com esses espaços de trânsito. Numa entrevista
realizada em fevereiro de 2012, Cristian Segura fala que:
[…] se desplega en siete ciudades, de
Antofagasta a Valdivia, con exhibiciones y
coloquios que utilizaban la infraestructura
pública existente, como los museos. Pensé
entonces en todo aquello que quedaba
afuera del circuito establecido, tanto por los
límites institucionales como los geográficos
mencionados. Fue entonces que decidí
poner mis producciones audiovisuales en los
circuitos cerrados de TV de autobuses
públicos de media y larga distancia para
alcanzar todo el territorio nacional, más de 2
millones de kilómetros cuadrados, llegando
así a sitios completamente aislados de toda
presencia de museos, galerías o instituciones
similares. (SCHVARTZ & AMARANTE, 20122013, p. 177)
Observa-se que o artista argentino procura fazer com que
a arte atinja cada vez mais pessoas, da mesma forma em que
não mostra somente os artistas consagrados da história da arte,
mas também aqueles que estão em começo de carreira.
Processo semelhante que realiza com o trabalho Carta de
Referência de cuja meta é o de dar dicas e/ou orientações
121
quanto à escolha do redator, selecionar os pontos que devem ser
abordados e trabalhados de forma eficaz. Permito-me abordar
nessas últimas propostas de Cristian Segura a sua evidente
vontade de criar um arquivo/atlas sobre a arte argentina,
buscando meios diversos para atuar. Segundo Francisco Pablo
Medeiros Paniagua, para o livro Cristian Segura e a poética do
coeficiente (2012):
[...] no campo artístico, assume a condição
de artista, gestor, curador e teórico, e deste
conjunto múltiplo e inter-relacionado constrói
um particular conjunto que confere aporte
para sua obra, transformando-a em uma
plataforma multidirecional de investigação e
criação
artística.
(CHEREM
&
MAKOWIECKY, 2012, p. 154)
Nessa clave de museus em trânsito e da ocupação de
não-lugares, de espaços de trânsito que não necessitam/não
pedem um vivência por parte do espectador, têm-se o projeto
Entre Bienais (Imagem 27), realizado na 6ª VentoSul – Bienal
de Curitiba, em 2011. Além das intervenções realizadas em
alguns espaços públicos da capital paranaense, Cristian Segura
também atuou como um artista-curador na Bienal propondo um
projeto semelhante ao que foi realizado na I Trienal do Chile.
Imagem 27: (cartaz) Cristian Segura, Entre Bienais, intervenção sitespecfic, 2011.
122
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
O artista argentino utiliza no projeto da Bienal de Curitiba
não somente as televisões dentro dos ônibus interestaduais,
mas, também, as televisões de aviões como suportes para
mostrar os vídeos produzidos por 14 artistas argentinos no trajeto
Curitiba-Porto Alegre. Entre os artistas convidados estão:
Eduardo Basualdo, Toia Bonino, Andrés Denegri, Silvia Rivas,
Cintia Clara Romero, entre outros.
Nesse trajeto, Curitiba e Porto Alegre, Cristian Segura
procura estabelecer um diálogo entre as duas cidades que,
simultaneamente, abarcam duas bienais distintas: a 6ª VentoSul
– Bienal de Curitiba e a 8ª Bienal do MERCOSUL (Porto Alegre).
Ambas não possuem qualquer tipo de diálogo entre si, tais como
eventos, palestras e/ou discussões que poderiam vir a acontecer
em conjunto com ambas as cidades de modo a enriquecer o
diálogo entre o meio artístico e os visitantes. Segundo Cristian
Segura:
123
Me propuse entonces vincularlas mediante
un proyecto de exhibición de obras
audiovisuales de artistas argentinos en los
ómnibus y aviones públicos que transitan ese
trayecto.
Propuse a los organizadores de la Bienal
VentoSul llevar adelante esta intervención,
especificado que contendría una curaduría
de obras audiovisuales de arte argentino
actual, con su propio andamiaje interno, al
tiempo que exploraría un ámbito no
convencional de exhibición como son los
circuitos cerrados de TV de ómnibus y
aviones, y que iría al encuentro de un público
diverso, además de el del mundo del arte. 20
Cristian Segura propõe uma visualização das obras
audiovisuais de um modo completamente diferente se fossem
expostos dentro de uma galeria ou museu. Os observadores no
recinto da exposição – leia-se ônibus ou avião - já devem estar
sentados, atentos para o próximo passo, como o ligar do motor,
colocar os cintos de segurança e todo aquele aviso sobre o caso
de o avião cair no mar qual a melhor atitude a ser tomada. O
artista edita os vídeos de tal forma que o visitante/viajante é
obrigado a prestar atenção nessas imagens que passam na
pequena tela do ônibus ou avião.
Propondo ao visitante uma leitura sentada, assim como
um sedestre que abre um atlas aleatoriamente ou lida com um
arquivo horizontalmente, pode-se aproximar essa leitura com
Mesa de trabalho e Reflexão (Imagem 6). O artista disponibiliza
sua mesa de trabalho, sua mesa de refeição, seu ateliê e seu
retrato num único objeto que carrega diversos significados
diferentes. Tanto representa o retrato do artista, como seu ateliê
e local de trabalho quanto uma proposta de local ou modo de
leitura dos trabalhos audiovisuais. Georges Didi-Huberman
afirma que:
La mesa es mero soporte de una labor que
siempre se puede corregir, modificar, cuando
no comenzar de nuevo. Una superficie de
20
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 147 (abril/2013).
124
encuentros y de posiciones pasajeras: en ella
se pone y se quita alternativamente todo
cuanto su “plano de trabajo”, como decimos
tan bien en francés, recibe sin jerarquía.
(DIDI-HUBERMAN, 2011, p. 18-19)
Georges Didi-Huberman trata a mesa como suporte onde
se colocam os objetos sem qualquer hierarquia e pode-se
observar toda a carga imagética de textos e artistas sem uma
ordem pré-definida. As leituras, as analogias e as confrontações
se dão num plano totalmente horizontal. Permito-me aproximar
ao projeto Interfaces 10 (imagem 24) que possui uma leitura
horizontal assim como o de um atlas, um abrir sem ordem.
Mesmo que o visitante se encontre no recinto (museu), a leitura,
até então pautada num abrir e fechar de um livro se estende
também para o campo físico da sala expositiva, assim como
acontece com os trabalhos audiovisuais que tomam os espaços
de filmes de diversão e avisos de segurança.
A mesa é a representação da possibilidade de leitura que
o visitante encontra nos vídeos, uma leitura que se aproxima da
proposta de Aby Warburg que estende sua coleção imagética no
plano horizontal de modo a criar conexões diversas. Com a
curadoria de Cristian Segura, os vídeos são apresentados sem
hierarquia e a escolha pautada de modo a não se tornar uma
observação/leitura exaustiva por parte do visitante. O artista
argentino apresenta uma das possíveis leituras de seus arquivos
que se desdobra à medida que as obras audiovisuais são
distribuídas ao público.
Já no site specific Cabine de Exibição Audiovisual
(Imagem 28), realizado na 11ª Bienal de Havana, Cuba em 2012,
Cristian Segura projeta um dispositivo semelhante a um cinema
solitário em miniatura, como uma cabine individual, de forma que
os visitantes possam entrar, um a um, e assistir gratuitamente as
obras audiovisuais de outros artistas, que nesse caso não são
somente argentinos, mas também brasileiros, estadunidenses,
cubanos, colombianos, etc..
Imagem 28: Cristian Segura, Cabine de Exibição Audiovisual, projeto
do site specific, 2012.
125
Fonte: Imagem retirada do Portfólio do artista.
O projeto funciona de duas formas: uma é a cabine
individual e, a outra forma, é a distribuição gratuita dos vídeos
em formato de DVD, no qual os observadores podem assistir no
conforto de suas casas. Segundo Cristian Segura:
Cabina de Exhibición Audiovisual, es una
obra que realicé en la 11° Bienal de La
Habana y que consta de dos partes. Por un
lado, una doble cabina audiovisual, instalada
en el Pabellón Cuba, al que asiste,
mayormente, el público especializado, por
tratarse de una sede de la Bienal. Por el otro,
su edición en DVD, para uso doméstico y de
distribución gratuita, con el objetivo de
alcanzar a un público más amplio,
heterogéneo y diverso, habida cuenta de que
en la isla, después de la crisis económica de
126
los 90, han proliferado
multigeneracionales. 21
los
hogares
Nesse projeto, Cristian Segura não convida somente
seus conterrâneos, mas também de outros países, com
contextos diferentes da Argentina e, principalmente de Cuba.
Entre eles, participaram: Elia Alba, Lucas Bambozzi, Yoshua
Okón, Regina Silveira e diversos outros, incluindo sempre seu
próprio trabalho audiovisual. O artista argentino não atrela sua
escolha somente aos novos artistas, mas procura convidar os já
conceituados como a brasileira Regina Silveira, que possui uma
história relevante dentro do contexto artístico nacional e
internacional.
Os artistas convidados colocam em suas “cartas de
referências” a participação de uma exposição coletiva em uma
Bienal/Trienal sob a curadoria de Cristian Segura, ainda mais
com a possibilidade de ser móvel, ou seja, de circular tanto por
entre cidades quanto por meio da distribuição de múltiplos entre
a população. O fator de circular, não ficar somente em um
espaço físico e ser observado/lido somente por um grupo
específico de visitantes, é interessante para o artista. O museu
imaginário, como proposto por André Malraux, é explorado em
projetos artísticos, como os de Cristian Segura, transformando-se
em temas de discussão. Segundo André Malraux:
Hoje, um estudante dispõe da reprodução a
cores da maior parte das obras magistrais,
descobre muitas pinturas secundárias, as
artes arcaicas, a escultura indiana, chinesa,
japonesa e pré-colombiana das épocas mais
antigas, uma parte da arte bizantina, os
frescos românicos, as artes selvagens e
populares. Em 1850, quantas estátuas
estavam reproduzidas? Os nossos álbuns
encontraram na escultura – que a
monocromia reproduz mais fielmente do que
reproduz um quadro – o seu domínio
privilegiado. Conhecia-se o Louvre (e
algumas das suas dependências), que cada
um recordava como podia; hoje, dispomos de
21
Trecho de entrevista retirado do Apêndice na página 149 (abril/2013).
127
mais obras significativas, capazes de
colmatar as falhas da memória, do que as
que um grande museu é capaz de conter.
(MALRAUX, 2011, p. 13)
Cristian Segura através de seus trabalhos artísticos
propõe a criação de um museu imaginário, um atlas/arquivo da
arte argentina convidando os novos, os que já estão trilhando o
caminho do campo artístico, assim como os de outras
nacionalidades, como aconteceu em Cuba. O artista argentino
aos poucos foi amadurecendo seu trabalho e seu
posicionamento de forma mais contundente e com questões mais
pertinentes quanto às instituições museológicas.
Apresenta-nos a possibilidade de carregar o museu em
uma maleta de negócios para diversos pontos da cidade e
continentes. Essa mesma maleta, esse mesmo dispositivo móvel,
agora, é transposto para dentro de ônibus, aviões e cabines
audiovisuais. A mesa onde trabalha é retirada de seu contexto,
tornando-se seu autorretrato, porém, a mesa também é a ideia
da horizontalidade, a ideia da leitura de um atlas, ou melhor, a
mesa é o atlas no qual dispomos sem hierarquia diversos objetos
ou diversas imagens em movimento.
Cristian Segura não busca a hierarquia nas curadorias
em vídeos, mas uma leitura dinâmica pautada no tempo de cada
trabalho, no som e no movimento da imagem de modo a não ser
exaustiva. Põe em xeque o papel do museu, do espaço sagrado
que até então a instituição ocupava, mas que agora se dilui em
maletas, mesas, pequenos desastres que podem ser observados
através de um olho-mágico.
128
129
CONSIDERAÇÕES ACERCA DE UM TRABALHO EM
PROCESSO
Cristian Segura, curador, gestor cultural, artista. Pensa as
instituições museológicas a partir de seu interior, de seus
próprios dispositivos. Vasculha, questiona, transgride. Une a
chave da porta de entrada de sua casa com a porta de entrada
do museu no qual utiliza durante um ano. Realiza um movimento
transgressor na instituição museológica que irá se repetir em
toda sua obra, ora com mais intensidade, ora de forma
camuflada. Ao mesmo tempo pensa esse mesmo espaço
institucional por fora. Expõe o avesso, as dificuldades, as ruínas,
os processos administrativos. Instala um olho-mágico numa porta
no qual permite ao visitante ser um vigilante dessa mesma
instituição que o vigia através da obra Coleção Mercedes
Santamarina (2009). Esta, com uma câmera de vigilância
acoplada num quadro de paisagem de Jean Baptiste Camille
Corot (1796-1875), grava a conversa inusitada de dois visitantes
que travam um diálogo sobre as molduras dos quadros, as
paisagens e retratos, em seguida discutindo o que irão comer no
almoço.
Seu trabalho não pode ser pensado a parte do espaço
museológico, onde desde adolescente trabalha. Foi voluntário,
coordenador de exposições e depois diretor. Sua obra confundese com esse espaço, deixando rastros, índices de sua presença
física e conceitual. Cristian Segura faz e refaz cada mínimo
detalhe de sua obra, pois ela também é ele (espaço, museu e
artista). Constrói diversas maquetes como um dispositivo para se
pensar as exposições que organizava na instituição, modus
operandis que irá se refletir em outros trabalhos, como um ato de
pensar, projetar, escolher o material e como este se relacionará
no espaço físico que será ocupado pelo visitante. Cristian Segura
chega a empreender uma modificação da estrutura do museu
para corrigir problemas encontrados durante a confecção das
maquetes.
O artista argentino expõe a fragilidade dos museus em
casas históricas, a fragilidade das construções arquitetônicas
urbanas que guardam um pouco da memória da cidade.
Desdobra suas obras a partir do uso de novos materiais e novos
espaços, como em Fogo no museu (2010), onde questiona a
130
precariedade da estrutura física de um museu dos Estados
Unidos, problemas comuns que encontra em diversos outros
espaços museológicos, como no Brasil. Através de um olhar
politicamente contido, questiona “ferozmente” sobre a fragilidade
de uma estrutura que deveria durar séculos. Transgride, expõe
sem qualquer cerimônia aquilo que a instituição quer esconder
do observador/visitante. Assim como expõe o caos, a bagunça, a
sujeira da montagem que nos apresenta na obra Antes de uma
exposição (2010). Não é de seu interesse criar outra realidade,
pois ela está ali, toda inteira, irônica, em seu excesso de
estímulos como nos fala Jean Baudrillard, portanto, apenas
simula.
Na 6ª Bienal VentoSul – Bienal de Curitiba -, suas
intervenções urbanas permaneceram em alguns espaços por
menos tempo do que era previsto. Na Ópera de Arame, devido à
agenda do lugar, as caixas de som tiveram que ser retiradas
antes do esperado. No Museu Oscar Niemeyer, as palavras
Sununu, Soro e Itaverá também tiveram que ser retiradas devido
à interferência que provocavam na luminosidade do piso inferior.
Estes são fatos que o artista comentou durante uma aula em
dezembro de 2011, quando questionado por algumas pessoas
que foram até o local e não encontraram suas obras.
Quais os problemas/conflitos que Cristian Segura
encontra com as administrações dos museus onde expõe? Como
Cristian Segura contorna esses problemas?
De modo geral, são perguntas das quais, educadamente,
sempre desviou. Mesmo que as repetisse de outras formas, com
outras obras, desviava. É compreensivo seu desvio, pois, como
todo artista, também depende dessa mesma instituição que
questiona. Talvez, nem seja preciso o artista responder, por quê?
Pleonasmo. Repetiria o mesmo. Teria que fazer outro trabalho,
outra intervenção, outro vídeo, outra mala ou chave para nos
convencer de que já respondeu.
Cristian Segura se assemelha ao personagem do livro de
Adolfo Bioy Casares, Morel. Este, com uma câmera filmadora
nas mãos, grava suas férias de verão em uma ilha deserta para
onde convida alguns amigos. A câmera, um dispositivo inventado
por ele, possui a capacidade de reter o cheiro, o gosto, a brisa do
131
mar, a imagem de seus amigos – ou como um deles fala,
próximo ao fim, a alma deles presa em uma película -, porém,
essa máquina provocava, também, uma espécie de doença, que
ocasionou a morte de todas aquelas pessoas. Fim destinado,
também, ao fugitivo que se apaixona por Faustine – ou pelo
simulacro de Faustine, uma das amigas de Morel - que todos os
dias ligava a máquina de modo a ter a companhia dela. O
objetivo do inventor da máquina, Morel, era ser imortal, e tornar
seus amigos também imortais. Cristian Segura, assim como
Morel, simula outra realidade onde todos nós somos os fugitivos
apaixonados por Faustine.
132
133
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ciudades pintadas: Metáforas del tiempo, del espacio y del
viaje. In: Catálogo da Exposição Arquitecturas pintadas – del
renascimiento al siglo XVIII. Comisarios Delfín Rodriguez y Mar
Borobia. Museo Thysen-Bornemisza. 18 octubre 2011 a 22 enero
2012. Madrid. Fundación Caja Madrid, Espanha.
136
RONCERO, Rafael Doctor. Esa curiosa cosa. In: Catálogo da
exposição Cirurgia de Urgência, Centro Cultural de Espanha em
Buenos Aires, 2011, Buenos Aires, Argentina.
SCHNEIDER, Norbert. Naturezas Mortas. Taschen, 2009.
SCHVARTZ, Daiana; AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira
do. Cristian Segura: o artista do desassossego. Palíndromo,
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SEGURA, Cristian (org.). Victor Grippo: reunión homenaje.
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SEGURA, Cristian. Analogías y confrontaciones: otros
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SEGURA, Cristian; HORWITZ, Victoria D.; TORRES, María José
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em: 13 de novembro de 2012.
WÖLFFLIN, Heinrich. Renascença e barroco: estudo sobre a
essência do estilo barroco e sua origem na Itália. São Paulo:
Perspectiva, 2010.
137
APÊNDICE
SOBRE O ARTISTA DOS DISPOSITIVOS
Constituído pelas entrevistas realizadas por e-mail com o
artista Cristian Segura ao longo de outubro de 2012 e abril de
2013. Acrescentei, ainda, ao apêndice a entrevista Cristian
Segura: um artista do desassossego (Entrevista) 22 publicada
na Revista Palíndromo n.7 do Programa de Pós-Graduação em
Artes Visuais da Universidade do Estado de Santa Catarina. Esta
última, também realizada por e-mail, foi pensada após aula 23
ministrada em conjunto com a Prof. Dra. Rosângela Miranda
Cherem, no período de 05 a 09 de dezembro de 2011.
O apêndice está dividido em quatro partes: Maleta,
chave e mesa: índices do artista, Maquetes como
dispositivos do pensamento artístico, A simulação da
destruição através do olho-mágico e O arquivo e outros
diálogos. As entrevistas tiveram como base os conceitos
utilizados na dissertação, além disso, procurei abordar outras
obras que não foram contempladas na presente dissertação.
1. MALETA, CHAVE E MESA: ÍNDICES DO ARTISTA (outubro de
2012)
- Cristian, sabemos que você já foi voluntário, coordenador
de exposições e diretor do Museu Municipal de Belas Artes
de Tandil, Argentina. Além da vasta experiência prática, você
também possui alguma formação acadêmica na área?
Mi formación académica es como Maestro Nacional de
Dibujo. Mi aprendizaje en el área que usted consulta ha sido “no
formal”, mediante capacitaciones en gestión, manejo de
colecciones y diseño de exposiciones de arte, con diferentes
22
Entrevista realizada por Joana Aparecida da Silveira do Amarante e
Daiana Schvartz, em fevereiro de 2012.
23
Pertencente ao curso “História da Arte como Operação de Hipertexto”
do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais/UDESC.
138
instructores como Susan May (curadora de la Tate Modern,
Londres), Elaine Heumann Gurian (experta en museos, Estados
Unidos), Hill Tompkins (encargado de las colecciones de la
Smithsonian Institution, Estados Unidos), Tam Muro (diseñador
de exposiciones, Argentina) y Ernesto Gore (especialista en
organizaciones, Argentina), entre otros. Pero fundamentalmente
práctica, desde muy temprana edad.
- Como se deu a escolha dos materiais para a confecção do
trabalho Valijita de ex director de museo (2003)? Por que
uma maleta com uma maquete da planta baixa do Museu de
Tandil?
Luego de trabajar varios años en el Museo de Bellas
Artes de Tandil y habiendo sido su director durante los últimos
dos, produje, al finalizar mi gestión, la Valijita de ex director de
museo. Una valijita es aquello que se lleva con las pertenencias
básicas y esenciales cuando se va de un lugar a otro. Pero en mi
caso, esas “pertenencias” no eran materiales, sino la experiencia
y conocimiento que había adquirido sobre el funcionamiento de
un museo y los asuntos que lo rodean. Por esta razón, la obra es
un modelo a escala del museo con una manija, que tiene la
apariencia de una valijita.
En cuanto a la elaboración de una maqueta, se relaciona
con que la construcción de modelos a escala estuvo presente
desde el comienzo en mi labor en el museo. Surgían a la hora de
buscar flexibilizar los límites entre la curaduría, la museografía y
el hacer de los artistas, para optimizar la experiencia del público
en las exposiciones. Y me sirvieron, también, para detectar
algunos problemas referidos a la comunicación entre las salas.
Esto dio lugar a una serie de modificaciones edilicias que le
proporcionaron a los espacios del museo una mayor amplitud y
una lógica de circulación que hasta entonces no tenía. Reformas
que, en una segunda etapa, involucraron también a la bodega, el
taller de restauración y las oficinas.
Es por eso que, el interior de la valijita reproduce el
museo de salas pequeñas y recorrido confuso que tenía
inicialmente, así, al confrontarla con el museo real, se hace
visible la transformación que experimentó el edificio durante los
años que trabajé en él.
139
- Pode-se pensar a maleta como o inicio de suas cabines de
vídeos, ou outros lugares de exibição, como sendo também
um museu portátil?
La “valijita” posiblemente contenga, en estado de
latencia, muchas de las ideas e intereses que he estado
desarrollando desde entonces en relación a pensar los espacios
expositivos y a experimentar sus posibilidades.
- Sua maleta também estabelece uma relação com a maleta
de Victor Grippo. Fale-nos um pouco mais sobre sua relação
com esse artista.
Si, dialoga con las valijas de Grippo, las que en su trabajo
están presentes desde 1972 con su Propuesta para una serie un
tanto apocalíptica (arqueología perspectiva) y se extienden hasta
1980 con Valijita de albañil, última con este formato. Pero más
precisamente, con su Valijita de Panadero (1977).
Y recuerda el paso de Grippo por el Museo, donde recibió
su primer premio importante en 1957 y al que regresó en 1969 y
al año siguiente, para participar del Festival de Arte de Tandil. Y
en esta ciudad se produjo, además, su memorable encuentro con
el escritor polaco Witold Gombrowicz, en la sala del diario Nueva
Era, en 1958.
Tengo gran admiración por Grippo, tanto por su ética
como por la calidad reflexiva y la sensibilidad de su trabajo, de
una notable carga poética y una realización tremendamente
refinada. Que se intensificó, en 2002, cuando compilé el libro
“Víctor Grippo: reunión homenaje”, un volumen que incluyó una
investigación histórica sobre sus primeros pasos, textos de
críticas merecidas posteriormente, en su madurez, algunos
recuerdos y reportajes.
- As obras “Valise de ex-diretor de museu” (2003), “Chave
Mestra” (2002) e “Mesa de trabalho e Reflexão” (2009) foram
pensadas para alguma exposição em especifico?
No, ninguna de estas obras fue producida para una
exposición específica. Llave Maestra, la hice en 2002 y la exhibí,
por primera y única vez, en 2007, en el Palais de Glace, en
140
Buenos Aires. Valijita de ex director de museo, la realicé en el
2003 y la exhibí en el 2006, en el Centro de Estudios Brasileros,
en Buenos Aires y en el Premio Argentino de Artes Visuales de la
Fundación OSDE, donde ganó el segundo premio adquisición. Y
en el 2010, en el Museo de Arte de las Américas, en Washington
DC. Mesa de trabajo y reflexión, tanto en su versión objetual
como fotográfica, las produje en el 2009. La mesa de madera, la
exhibí ese mismo año en arteBA’09 Feria de Arte
Contemporáneo. La fotografía de la mesa en un marco antiguo,
en el premio a las artes visuales de la Fundación Itau 2009-10,
donde obtuvo una Mención e itineró por distintos museos de
Argentina. Y en el 2010, en el Museo de Arte de las Américas, en
Washington DC.
- Em algum desses trabalhos você encontrou algum tipo de
problema? Pensar a escolha do material da mesa, da chave
ou da maleta?
Fue un desafío realizar Llave Maestra, porque si bien
tenía claro que quería hacer una llave que combinase la de mi
propia casa y la de del museo para abrir ambas puertas, sabía
que era difícil que funcionara. Pero después de hacer varios
intentos infructuosos, un amigo, Jorge Di Paola, me habló de un
cerrajero anciano, ya retirado del oficio, astuto en la confección
de ganzúas. Fue así que logré dar con él y hacer la llave que usé
para abrir tanto la puerta de mi casa como la del museo, durante
el tiempo que fui director. Al finalizar mi gestión, hice cambiar
ambas cerraduras para anular la utilidad de la llave y convertirla
en una obra de arte.
- Então a obra Llave Maestra (2002) foi utilizada para abrir a
porta do museu e de sua própria casa. Apesar de ter sido
confeccionada em 2002, só foi exposta em 2007. Você a
considera como sua primeira obra de transição entre o
diretor de museu e o artista propriamente dito?
Mi experiencia de trabajo en el museo determinó que
comenzara a tratar temas relacionados a las instituciones de arte
en mis obras. La primera que realicé en torno a ello, fue Llave
Maestra, aunque suele consignarse a la Valijita de ex director de
museo porque se conoció antes.
141
- Quando você expôs pela primeira vez, existia algum relato
ou registro contando sobre a utilização dessa “chave” para
abrir ambos os espaços?
Si, en la sala de exposiciones, la tarjeta que consignaba
los datos de la obra llevaba una leyenda que informaba el
antiguo uso de la llave.
2. MAQUETES COMO DISPOSITIVOS DO PENSAMENTO
ARTÍSTICO (dezembro de 2012)
- Então durante o período em que você trabalhou nos
museus, você já realizava maquetes como uma forma de
visualizar a exposição que seria feita no espaço. Isso acaba
se refletindo em processo artístico a partir do momento que
você realiza estudos, projetos, pequenas maquetes de como
funcionariam no espaço. Você poderia falar um pouco mais
sobre a influência destas maquetes em seu processo
artístico?
Durante los años que trabajé en el museo hice muchas
maquetas. Las construía empleando cartón y otros material que
recogía en la bodega del descarte de los embalajes de las obras
de arte. Usaba un cuchillo, un escalímetro y adhesivo de
contacto, para lograr modelos, en tamaño reducido, de los
diferentes espacios del museo. A diferencia de esas maquetas,
que tenían uso e intención utilitaria, en mis obras aparecen con
un propósito creativo y un sentido conceptual. Son modelos de
representación de ideas.
- Elas acabam aparecendo em outros trabalhos como no
trabalho Museo Juan B. Castagnino de Rosario (2006) y
Museo de Arte Contemporáneo de Bahía Blanca (2006).
Para la obra Museo Castagnino de Rosario, tomé cuatro
catálogos destinados a recoger estudios sobre su colección y los
recorté siguiendo la forma del perímetro de la planta del edificio.
Luego separé esa masa de papel, la que esculpí con algunos
142
detalles de la fachada, y la apilé en una pequeña plataforma
junto a los ejemplares intervenidos.
Procedí de un modo similar con la obra Museo de Arte
Contemporáneo de Bahía Blanca, usando folletos y pequeños
catálogos del museo, pero en este caso, exhibiendo solo la pila
de papel recortado.
La decisión de trabajar con la editorialidad de los museos
mencionados corresponde a que ambos, en el interior del país,
fueron los únicos que en aquel momento propusieron y llevaron
adelante políticas y estrategias de formación de colecciones de
arte argentino contemporáneo.
- Como você fez um corte tão perfeito nos catálogos que
constituem este trabalho?
Los cortes los hago a mano, página por página,
valiéndome de una regla de metal y un cuchillo afilado para
lograr incisiones precisas.
- Com relação ao Museo de Papel (2006), qual foi o critério
para a escolha dos catálogos (ou catálogo)?
Escogí catálogos de museo de diferentes partes del
mundo que se convirtieron en íconos de una ciudad por su
construcción “escenográfica”. Es decir, aquellos que atraen por
su aspecto arquitectónico llamativo y no poseen colecciones
extraordinarias.
A dichos catálogos, les extirpé las imágenes de las obras
y los dispuse verticalmente sobre una base espejada que
duplicaba visualmente el tamaño de esa arquitectura de papel.
Con el paso de los días, la estructura de catálogos
comenzaba a doblarse y a derrumbarse por sí sola, volviéndose
una metáfora del desequilibrio existente entre el contenedor y el
contenido de este tipo de museos.
- E por que recortas as imagens e os textos dos livros de
arte?
Los
museos
son
instituciones
que
producen
exposiciones, de las cuales editan libros. Esos libros de arte, al
ser excavados por mí en la zona de la impresión, experimentan
143
una reversión que transforma el espacio editorial en un (nuevo)
espacio museal. Pues, al efectuar el desmontaje de las obras
que acoge, aparece una “arquitectura” que se hace visible como
hundimiento en medio de la masa de papel.
- A obra Museo Juan B. Castagnino ficou para o acervo do
museu ou foi apresentada em outros lugares?
La obra Museo Juan B. Castagnino forma parte de una
colección particular. Fue exhibida en las exposiciones “Territorios
Migratorios”, Centro de Estudios Brasileños, Buenos Aires
(2006), “Besando Ranas”, Centro Cultural Borges, Buenos Aires
(2007) y “Argentina en Focus: Visualizando el Concepto —
Cristian Segura/Sergio Vega”, en el Art Museum of the Americas,
en Washington DC (2010). Y reproducida en varios libros,
catálogos y revistas de arte.
3. A SIMULAÇÃO DA DESTRUIÇÃO ATRAVÉS DO OLHOMÁGICO (fevereiro de 2013)
- Fale-nos um pouco sobre a intervenção Mirador Urbano: la
(ex) posición del espectador (2006).
En el año 2005, comienza una etapa de remodelación y
ampliación de la Galería del Rojas, el espacio expositivo del
Centro Cultural Ricardo Rojas de la UBA - Universidad de
Buenos Aires. Dada las demoras en el avance de la
construcción, la Galería se traslada temporalmente al poste de
alumbrado público, situado frente a la entrada, en la Avenida
Corrientes, con el nombre de Galería del Poste. Allí, en 2006,
realicé una intervención llamada Mirador Urbano: la (ex)posición
del espectador. Se trató de un mirador alrededor del poste (al
modo de una escalera caracol), al que el público podía acceder
para lograr otros puntos de vista de la realidad circundante. Pero
cuando el espectador se situaba en dicho mirador era él mismo
quien se hacía visible, intercambiándose así el papel del
observador con el de lo observado.
144
- Quanto tempo ela permaneceu exposta na Galeria do Poste
Rojas? Quais foram as dificuldades encontradas para a
realização da obra?
El “mirador” permaneció expuesto unos 30 días. No hubo
dificultades para su realización. Bastó con cumplimentar una
serie de trámites de rigor ante el Gobierno de la Ciudad
Autónoma de Buenos Aires para hacer uso del espacio público.
Estas gestiones estuvieron a cargo de las autoridades del Centro
Cultura Ricardo Rojas.
- Ao colocar labaredas de fogo saindo pelas janelas em sua
intervenção Fire in the museum (2010), o que você queria
trazer a tona?
Fire in the museum es una intervención a escala
monumental en la fachada del Art Museum of the Americas de la
OEA, en Washington DC, con un diseño de humo y llamas en
vinilo adhesivo saliendo de sus ventanas, para significar el
peligro que representa para un museo funcionar en una casa
histórica (1911) por las características combustibles de su
estructura.
- Você apresentou esse trabalho em outras galerias ou em
outros formatos?
Si, en 2011, exhibí en la Galería Baro de Brasil, los
planos preparatorios del proyecto con el diseño del fuego, la
documentación en video del montaje realizado en Washington
DC y unas ventanas en llamas ploteadas sobre las paredes del
espacio expositivo, similares a las del museo en forma y tamaño.
La decisión de exhibir este mismo trabajo en Brasil, surge
a raíz del pavoroso incendio que, en 2009, destruyó gran parte
del acervo artístico y documental del artista Helio Oiticica (19371980), el cual se albergaba en una casa privada en Río de
Janeiro bajo la tutela de su familia.
145
- A administração do museu aceitou de bom grado que você
colocasse essas chamas coladas na parede do prédio ou
você encontrou muita oposição?
El museo aceptó de muy buen agrado el proyecto y lo
acompañó en todas las instancias de su realización. Se presentó
en el marco de la celebración del bicentenario de Argentina, con
curaduría de Alma Ruiz del Museo de Arte Contemporáneo de
Los Ángeles (MOCA) y la producción de Dani Levinas; y
conectada con la muestra “Argentina en el Smithsonian 2010”,
del Centro Latino Smithsonian.
- Você recebeu um convite para realizar sua obra Sismo en
Chile. El Museo en ruinas (2011) ou foi por conta própria?
Fue un proyecto que realicé de manera independiente,
donde produje 5 fotografías a color, de 100 x 170 centímetros
cada una, de los daños sufridos por el Museo de Arte
Contemporáneo de Santiago, luego del fuerte sismo que sacudió
el centro-sur de Chile en 2010.
- Hoje essas fotografias fazem parte de alguma coleção?
No.
- Você expôs as fotografias no próprio museu em ruínas?
Como você as apresentou?
Presenté algunas de estas fotografías, en grandes
dimensiones, en la Galería Baro, en 2011. Y al año siguiente,
escogí de mi archivo 6 imágenes de las escalinatas y el frontis
del museo en ruinas y las convertí en fotografías anaglíficas,
como un proyecto especial para la portada y 12 páginas
interiores de la revista española art.es International ~
contemporary
~
art
#52
(http://www.artes.es/proyectos/proyecto_43.pdf).
Estas nuevas fotografías funcionan en 2 niveles. A
simple vista, son imágenes que se componen de dos capas de
color (cian y magenta) ligeramente desfasadas, que evocan el
movimiento sísmico. Mientras que, observadas con gafas
146
anaglifo (incluidas en la revista), provocan un efecto
tridimensional, que adentra al espectador en la escena del
desastre.
- A instalação do trabalho Mirilla (2010) na porta do Museu
de Arte Contemporânea de Bahía Blanca, Argentina, foi bem
aceita pela administração? Como se dava a interação do
público com esta obra?
Si, fue muy bien aceptada. La realicé para la Bienal del
Museo de Arte Contemporáneo de Bahía Blanca, en Argentina.
Allí, coloqué una mirilla (olho mágico) en la puerta de la oficina
de la administración, frente a la sala de exhibiciones, pero en
posición invertida, de modo que el público que pasaba por fuera
podía observa a través de ella los mecanismos administrativos
frecuentemente ocultos en el trabajo de un museo.
4. O ARQUIVO E OUTROS DIÁLOGOS (abril de 2013)
- Fale-nos sobre o trabalho Corro en el museo (2007).
Corro en el museo, es una video-performance donde
utilizo el recurso de la cámara en mano para realiza una rápida
visita al Museo de Bellas Artes de Tandil, Argentina. La
serenidad y la actitud contemplativa asociadas habitualmente con
el museo se transforman aquí en lo contrario: velocidad y
confusión. La muestro en una pequeña pantalla de 9 pulgadas.
Se exhibió en el Palais de Glace, en Buenos Aires, en la Galería
Florencia Loewenthal, en Santiago, en la I Trienal de Chile, en
las sedes del Centro Cultural del España de Buenos Aires,
Córdoba y Montevideo, y en la Galería Baro-Cruz, en Sao Paulo.
- Em 2008, você realizou uma Residência Artística em
Barcelona no Centro de Producción Hangar. Fale-nos sobre
o trabalho realizado nesse espaço, intitulado Patinar en el
Macba (2008).
Patinar en el Macba, muestra que la arquitectura
contemporánea suele incluir espacios que no poseen una utilidad
147
específica. Los skaters se han apropiado de uno de esos
espacios en el Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona.
Pero la policía debe hacer cumplir la ordenanza que dispone
“fomentar y garantizar la convivencia ciudadana en el espacio
público de Barcelona”. Así, el museo se transforma en un ámbito
de conflicto. Lo presento como una video-instalación, en una
pantalla de 9 pulgadas dentro de un skateboard y con una serie
de elementos interrelacionados, tales como una gorra y un
chaleco de Mosso d’ Escuadra y un libro del arquitecto que
diseñó el museo. Y también como un video monocanal, en una
pantalla de 32 pulgadas o proyectado en grandes dimensiones
sobre la pared. Se exhibió en el Centro de Producción Hangar,
en Barcelona, en la Galería Sicart, en Barcelona, en la I Trienal
de Chile, en el Art Museum of the Americas, en Washington DC,
en arteBA Feria de Arte Contemporáneo de Buenos Aires, en la
Residencia El Basilisco, en Avellaneda, en la Galería de arte
Wussmann, en Buenos Aires, en la Galería Baro, en Sao Paulo y
en la 11na Bienal de La Habana, en Cuba.
- Como se apresenta o trabalho “Coleção Mercedes
Santamarina” (2009)?
Colección
Mercedes
Santamarina,
plantea
un
interrogante ¿Qué mira y qué comenta el público de un museo
cuando está frente a un cuadro? Y lo revela mediante una
cámara escondida ubicada sobre un paisaje del pintor Jean
Baptiste Camille Corot (1796-1875), perteneciente a la Colección
Mercedes Santamarina del Museo de Bellas Artes de Tandil. Lo
presento en una pantalla de 32 pulgadas o proyectado en
grandes dimensiones sobre la pared. Se exhibió en la I Trienal de
Chile, en la Galería Baro, en Sao Paulo, en el 100° Salón
Nacional de Artes Visuales, Palais de Glace, en Buenos Aires y
en el 7mo Premio MAMbA – Fundación Telefónica, Arte y
Nuevas Tecnologías, en Buenos Aires.
- Fale-nos sobre de seu trabalho “MACG” 24 (2012), realizado
no México.
24
Pode ser visualizado pelo site: http://vimeo.com/52578866
148
MACG, es una obra ideada específicamente para el
Museo de Arte Carrillo Gil, en México D.F., que surge a partir de
la invitación a participar de la exposición Los Irrespetuosos / The
disrespectful / Die Respektlosen, cuyas piezas cuestionan los
límites o convenciones del museo. Se trata de una videoperformance en la que lanzo, enérgicamente, una réplica
escultórica de mi cabeza, a escala 1:1, contra el espacio
expositivo. La cabeza logra romper el muro, pero queda atrapada
en el interior del hueco y el museo lo restaura con mi pieza
dentro, haciendo de la obra un elemento de la estructura
arquitectónica. Refiere a la “institucionalización de la crítica
institucional”, cómo los museos han sabido integrar la función
crítica en la propia institución, incluso aquellas propuestas más
radicales, haciendo de esta radicalidad una de las estructuras
que sustentan, física y discursivamente, el poder del museo.
- O trabalho Héroe vertical é um conjunto de vídeos com
performances que você escala alguns monumentos urbanos,
fale mais sobre este trabalho.
Héroe vertical, es una serie, inédita, de videoperformances, en las que escalo monumentos conmemorativos.
Se trata de estatuaria pública traída a la Argentina desde Europa
en el siglo XIX y en las primeras décadas del siglo XX, pero
también producción artística local de ese mismo período. Son,
generalmente, figuras de pie o sentadas, estatuas ecuestres,
bustos y conjuntos escultóricos, en tamaños naturales o más
grandes, sobre pedestales que las destacan del espacio que las
rodea. Los ascensos los realizo empleando únicamente las
manos y los pies y llevo en mi cabeza una cámara diminuta que
le da al espectador la misma visión que tengo yo al realizar la
acción. Para no agredir al monumento planifico previamente la
vía de progresión, comenzando por el pedestal, que suele tener
motivos alegóricos que uso como anclajes durante el ascenso, y
continúo por la escultura, hasta llegar a la cima. Desde allí,
observo la ciudad, ubicándome al mismo nivel que la figura
heroica y revelando una imagen hasta ese momento
desconocida, que contrasta con la visión que, desde el suelo,
tenemos la gente común. La elevación en los monumentos está
dada para reforzar la idea de heroicidad del personaje por lo cual
valerme de la fuerza física y mental propia, para escalarlos,
149
dialoga con el afán de la estatuaria conmemorativa por ubicar al
hombre en los límites de lo humano.
- Além de artista e gestor cultura, você atua também como
curador. Na Bienal de Curitiba, VentoSul de 2011, realizasse
intervenções nos espaços públicos, mas você atuou como
curador, convidando artistas argentinos que trabalham com
vídeos para intervir em espaços não convencionais, como
ônibus
e
aviões.
Situação
que
você
já
vem
trabalhando/discutindo a certo tempo, de utilizar outros
espaços não institucionalizados. Você deixa claro para os
organizadores que você irá convidar outros artistas, que
atuará como um curador?
El proyecto al que usted refiere se titula Entre Bienales y
lo concebí, en 2011, como una intervención artística a gran
escala, entre Curitiba y Porto Alegre, donde acontecen la Bienal
VentoSul y la Bienal del Mercosur, respectivamente. Estas
Bienales, cercanas geográficamente, operan de manera
independiente. Me propuse entonces vincularlas mediante un
proyecto de exhibición de obras audiovisuales de artistas
argentinos en los ómnibus y aviones públicos que transitan ese
trayecto.
Propuse a los organizadores de la Bienal VentoSul llevar
adelante esta intervención, especificado que contendría una
curaduría de obras audiovisuales de arte argentino actual, con su
propio andamiaje interno, al tiempo que exploraría un ámbito no
convencional de exhibición como son los circuitos cerrados de
TV de ómnibus y aviones, y que iría al encuentro de un público
diverso, además de el del mundo del arte.
- Em algum momento você cogitou trazer artistas locais que
trabalham com vídeo ao invés de artistas argentinos?
No.
- Justo Pastor Mellado para o catálogo Cristian Segura em
Santiago de Chile fala que, desde 2004, você possui um
projeto intitulado TRIP. No que consiste esse projeto? Falenos um pouco acerca dele.
150
Trip es un proyecto que inicié en 2004, mediante un
subsidio obtenido de la Fundación Antorchas, para crear un
espacio ambulante de experimentación y exhibición de arte en
una casilla rural rodante que refuncionalicé para tal fin. Se
distingue
de
los
espacios
expositivos
tradicionales
fundamentalmente por sus posibilidades de itinerancia, lo que le
proporciona un gran dinamismo en el acercamiento e intercambio
con todos los sectores sociales, tanto en las zonas urbanas como
rurales, mediante programas expositivos dinámicos abiertos a
todas las disciplinas artísticas actuales y con un servicio de
biblioteca de arte contemporáneo para consulta pública en
continua actualización.
- Como funcionou Videoarte Club (2007) no espaço
expositivo? Você colocou algum de seus trabalhos em
vídeo? Fale-nos mais sobre a exposição e os artistas
convidados.
Videoarte Club es una obra que integró mi primera
exposición individual en Chile, en 2007, en la Galería Florencia
Loewenthal. Se trató de una intervención site specific, donde
recreé temporalmente el antiguo rol de esa sala, a saber, una
distribuidora de películas, con 32 obras audiovisuales de 23
artistas argentinos en formato DVD, que el público podía
arrendar para ver en el ámbito doméstico. De este modo, se
reestablecía el vínculo generado en el pasado con la gente del
barrio Santa Isabel, un sector totalmente ajeno a los circuitos de
galerías de arte instalados en la ciudad de Santiago, al tiempo
que se ponía en funcionamiento un nuevo modelo de distribución
de obras en el circuito de arte contemporáneo.
Los DVD´s, se alojaban en cajas blancas ordenadas en 4
repisas y rotuladas individualmente con los datos del autor y de
su obra. Y vistas a la distancia formaban en su conjunto la
leyenda Videoarte Club. Sobre la pared, se repetía el título del
proyecto y la lista completa de artistas en orden alfabético:
Esteban Álvarez, Eduardo Basualdo, Melina Berkenwald, Lorena
Cardona, Roberto Echen, Leticia El Halli Obeid, Estanislao
Florido, Alicia Herrero, Roberto Jacoby, Luciana Lamothe, Diego
Melero, Adriana Minoliti, Andrea Nacach, Karina Peisajovich,
Margarita Paksa, Silvia Rivas, Gustavo Romano, Cristian Segura,
151
Laura Spivak, Yanina Szalkowicz, Inés Szigety, Graciela Taquini
y Alejandra Urresti.
- Na Galeria Florencia Loewenthal alguns vídeos poderiam
ser levados para casa do visitante. Todos os vídeos
poderiam sair da galeria?
Si, todas las piezas audiovisuales del proyecto Videoarte
Club podían ser arrendadas por el público para ser vistas en el
ámbito domestico, siguiendo la dinámica de funcionamiento de
una locadora, antigua función del inmueble que ocupa la galería
en el barrio Santa Isabel.
- Em algum outro trabalho você utilizou esse mesmo
processo de empréstimo?
No, porque el proyecto Videoarte Club fue pensado como
una intervención site-specific, cuya dinámica de funcionamiento
respondía a la memoria del espacio de la galería y de su
emplazamiento en un barrio especifico.
- Cabina de Exhibición Audiovisual (2012), proposta para a
11ª Bienal de Havana, Cuba, possui a mesma proposta de
alguns outros trabalhos seus em divulgar vídeos de outros
artistas em lugares inusitados. Como se configurou essa
intervenção? Eram quantas cabines de projeção? Que
vídeos e artistas faziam parte?
Cabina de Exhibición Audiovisual, es una obra que
realicé en la 11° Bienal de La Habana y que consta de dos
partes. Por un lado, una doble cabina audiovisual, instalada en el
Pabellón Cuba, al que asiste, mayormente, el público
especializado, por tratarse de una sede de la Bienal. Por el otro,
su edición en DVD, para uso doméstico y de distribución gratuita,
con el objetivo de alcanzar a un público más amplio, heterogéneo
y diverso, habida cuenta de que en la isla, después de la crisis
económica de los 90, han proliferado los hogares
multigeneracionales.
La programación de la doble cabina, al igual que el
contenido del DVD, era la siguiente: Elia Alba (DO/US), Eat,
01:18. 2003; Narda Alvarado (BO), Construction of Ideas, 05:04.
152
2006; Lucas Bambozzi (BR), 1 De Maio (Logo X Nologo), 03:30.
2002-2003; Yoshua Okón (MX), Tarzán, 00:46. 2003; Mario
Opazo (CO), Video Boomerang, 02:39. 2004; Alfredo Ramos &
Kasia Badach (CU), Surfing Buena Vista, 03:30. 2008; Nicolás
Rupcich (CL), Automático, 00:46. 2006; Silvia Rivas (AR),
Zumbido, 03:22. 2009; Cristian Segura (AR), Patinar en el
Macba, 02:55. 2008; Regina Silveira (BR), UFO, 04:15. 2006.
- Qual o critério utilizado por você na escolha dos artistas e
dos vídeos projetados dentro de uma cabine ou em outros
espaços de trânsito?
El criterio de selección está relacionado específicamente
con cada proyecto y es diferente en cada caso particular.
- Fale-nos acerca do trabalho Camiseta embalaje (2007). Em
que contexto você as distribuiu? Fazia parte de uma
exposição coletiva ou individual? As pessoas poderiam
levar essas camisetas para suas casas?
Camiseta embalaje es una obra que llevé a cabo en el
Museo Nacional de Bellas Artes de Buenos Aires, en 2007, de
manera independiente. En la puerta de entrada, obsequié al
público asistente 100 camisetas serigrafiadas con la señalización
estándar de posición, fragilidad y control climático de un
embalaje profesional de obras de arte, para que las vistiesen
durante su vista al museo. De este modo, señalaba el rol
protagónico de la audiencia frente a todas aquellas obras de arte
que demandan la activa participación del público para ser
activadas, completadas, e incluso construidas.
- Como você apresentou o trabalho La espera (2008) no
espaço expositivo?
En 2008, viajé a La Habana, Cuba, para permanecer un
mes en la Residencia Batiscafo y producir una obra. Había
recibido la invitación dos semanas antes, de modo que iba sin un
proyecto previo.
La obra, se me presentó durante el evento teórico de La
Caja Negra, al que asistí en Matanzas, una ciudad cercana a la
capital cubana. Y cuando digo que se me presento digo bien. Un
153
disertante hablaban sobre la historia del video arte cubano y una
breve frase me marcó el camino: “Mientras el video llegó más
temprano en algunos países como Argentina, Brasil y México, en
Cuba lo hizo mucho más tarde”. En ese instante, saqué mi
cámara y documenté un momento. Un conferencista que
“espera”, impaciente, que llegue su turno. Esperar se trastoca en
actitud ante el discurso. El sonido es vital y, por otro lado, es un
fragmento casi indescifrable. Una serie de gestos hablan por sí
solos.
De regreso a La Habana, intervine la marquesina del cine
Riviera con el anuncio de la proyección de mi video y produje una
fotografía de la fachada, en referencia a que los antecedentes
mediatos e inmediatos del video creación en Cuba se hallan
fundamentalmente asociados a las tendencias vinculadas a la
vertiente experimental de su producción cinematográfica.
- Você realizou uma palestra no V Seminário Integrado e
interinstitucional CAPES/MINC – Arte e Cultura, que
aconteceu na Universidade de Joinville – Univille em 2011,
onde você também realizou uma intervenção na Biblioteca.
Fale-nos sobre esse trabalho realizado no local, ele foi feito
a pedido da própria Universidade?
La Universidade de Joinville – Univille me invitó, en 2011,
a realizar una charla sobre mi trabajo artístico y una exposición
que titulé Paisaje. Se trató de una intervención sobre los
ventanales en forma de damero de la biblioteca. Alternando las
celdas, transcribí las fichas técnicas de 15 obras de artistas
argentinos cuyo título es “Paisaje” (título, autor, técnica, año,
colección). Lo hice aplicando letras blancas autoadhesivas con la
tipografía de las maquinas de escribir, en alusión a la antigua
forma de registro empleada en bibliotecas y museos. Según la
posición del espectador, su lectura proponía una imagen
diferente de la extensión de terreno que se presentaba detrás, es
decir, del paisaje de la universidad. La hora del día también
producía otras variantes, siendo el atardecer el punto más álgido,
cuando el vidrio se espejaba por diferencia lumínica. Esto
devolvía al espectador su propia imagen y la del espacio
expositivo de la biblioteca, en donde había colocado un banco de
154
plaza en dirección al ventanal, y detrás, un libro de arte, abierto,
con los textos y las imágenes extirpadas del papel.
- Você costuma aceitar trabalhos com um caráter de
encomenda?
En
2012,
la
revista
española
art.es
international~contemporary~art me encomendó la realización de
un proyecto especial para la portada y 12 páginas interiores, el
cual se publicó en su edición número 52.
- O trabalho MACROcash foi feito sob encomenda? Fale-nos
sobre ele.
En 2007, el Museo de arte contemporáneo de Rosario,
me solicitó una obra en carácter de donación y me otorgó
quinientos pesos argentinos para remunerar el envío. Usando
esa modesta suma de dinero como material, hice una pequeña
maqueta del museo, donde pilas de monedas forman los cilindros
del silo (anterior función del edificio) y billetes doblados el resto
de la arquitectura, y la doné para su colección.
- Você possui muitas obras com colecionadores, fazendo
parte do acervo de alguma instituição?
Mis obras forman parte de diferentes colecciones
particulares y también de instituciones, como el Museo Juan B.
Castagnino+Macro, Rosario, el Museo de Arte Contemporáneo,
Bahía Blanca, la Fundación OSDE, Buenos Aires, el Museo del
Barro, Paraguay, el Centro de Documentación, Centro Cultural
La Moneda, Chile, entre otras.
5. CRISTIAN SEGURA: O ARTISTA DO DESASSOSSEGO 25
Segue uma linha de trabalho que compreende estratégias
relacionadas com os mecanismos e a variabilidade da arte
25
SCHVARTZ, Daiana; AMARANTE, Joana Aparecida da Silveira do.
Cristian Segura: o artista do desassossego. Palíndromo, Florianópolis,
v. 7, p. 172-180, 2012-2013.
155
contemporânea, sempre com um olhar crítico e reflexivo sobre o
terreno institucional. Seu interesse pela arte, desde cedo,
começou com trabalhos voluntários em museus a partir dos 14
anos. Aos 19 anos, era Coordenador de Exposições e aos 23
anos, Diretor do Museo Municipal de Tandil 26.
Entrevista concedida por e-mail para as mestrandas Daiana
Schvartz e Joana Aparecida da Silveira do Amarante,
PPGAV/CEART, fev. 2012.
- Cristian, vamos começar falando sobre os trabalhos
apresentados na Bienal de Curitiba (2011) e o realizado na
Residência Artística em Barcelona (2008), que podemos
observar a presença de uma pesquisa prévia do lugar, tanto
da instituição como da cidade, onde você irá expor. Como
acontece essa relação com estes lugares?
Cuando recibí la invitación para participar de la Bienal
Ventosul viajé a Curitiba para comenzar a pensar mis propuestas
de obras. No conocía la ciudad, de modo que todo era nuevo
para mí. Me propuse entonces caminar sus calles, usar su
transporte, conocer sus monumento y museos, visitar sus lugares
recreativos y de esparcimiento, hablar con la gente, leer sus
periódicos y conocer sobre su historia, procurando estar bien
receptivo de todo ello. Al final del día, al regresar al hotel,
revisaba mis notas, fotografías y videos y ampliaba los datos con
la Internet y otras fuentes, conservando todo aquello que podía
ser interesante y descartando el resto. Al día siguiente, lo hacía
de nuevo. Así, intensamente, durante una semana. De este
modo, cuando volví a la argentina ya tenía varias ideas, las que
organicé a modo de proyecto para producir algunos meses
después, in situ, en espacios públicos de la ciudad.
En Barcelona la experiencia de trabajo fue similar pero de mayor
duración, casi 2 meses, becado por el Centro de Producción
Hangar, donde tenía mi estudio.
En ambos casos utilicé la metodología de proyecto como forma
de trabajo, organizando en dos fases mi plan de actuación. La
primera de investigación, mediante un trabajo de campo en el
26
Informações do portfólio do artista Cristian Segura.
156
lugar, y la segunda de producción, habiendo formulando una
serie de propuestas de obras en base al material obtenido
precedentemente y a las conclusiones alcanzadas de su análisis.
Es así que los trabajos resultantes estuvieron ligados con el lugar
de producción, con el contexto y el tiempo.
- Fale-nos sobre seus trabalhos realizados na 6ª VentoSul,
Bienal de Curitiba, em 2011, onde você fez algumas
intervenções em pontos importantes da cidade como a
Ópera de Arame e a Praça Tiradentes.
Recién llegado a Curitiba visité la feria que cada domingo
se realiza a lo largo de una de las calle centrales de la ciudad.
Allí comí por primera vez piñón, la semilla del pino, que se
ofrecía a unos pocos Reales en uno de los puestos. De regreso
al hotel, advertí que el piñón se encontraba también en los
diseños con “petit pavé” de algunas veredas. Al día siguiente,
observé que en la vegetación local el pino Paraná (Araucaria
angustifolia) estaba en los parques, plazas y bosques. Supe,
conversando con la gente del lugar, que están protegidas por la
legislación ambiental que impide su tala. Todo esto cobró sentido
para mí al investigar la etimología del nombre Curitiba. Derivaría
de la expresión indígena "cury'i ty (b) ba", que en guaraní
significa "lugar donde existen pinos". Más exactamente, "Cury'i"
significa "pino Paraná", y por metonimia el "piñón". De ahí que
este símbolo se repita en diferentes partes de la ciudad; inclusive
la Araucaria está en el centro de su escudo y de su bandera.
Me pregunté entonces si sería posible producir un
“quiebre” en la memoria histórica local y provocar su
redescubrimiento mediante una experiencia multisensorial. Fue
así que planeé una serie de intervenciones, a modo de circuito
narrativo, entre la Praça Tiradentes, el Jardim Botanico y la
Opera de Arame.
- Fale-nos sobre essa narrativa que você cria com 3
intervenções, em lugares distintos da cidade de Curitiba.
La Praça Tiradentes es el punto cero de la ciudad, donde
se encuentra el antiguo empedrado que data del Siglo XIX,
cubierto por gruesos vidrios que le da visibilidad y lo protege.
157
Este hallazgo arqueológico, descubierto en el año 2008, es un
referente fundacional que tiene además, en medio, la Araucaria
angustifolia. Sobre estos 119 m2, simulé vidrios rotos, mediante
grietas de vinilo adhesivo de color negro. Para el diseño, realicé
inicialmente una xilografía, la que luego transformé digitalmente a
vectores. La xilografía es una técnica de impresión con plancha
de madera (material que se puede asociar también con la
Araucaria), la que se talla a mano con una gubia. Escogí una
técnica de grabado porque tiene una presencia capital en
Curitiba. Muestra de ello es que la Casa del Grabado alberga,
desde 1989, lo que Leite (2004) considera “o primeiro museu
brasileiro e um dos poucos do mundo exclusivamente dedicado à
gravura - o Museu da Gravura”.
En el Jardim Botanico, la estufa, de estructura metálica y
paredes y techo de vidrio, aloja especies botánicas que son
referencia nacional. Sobre su exterior diseñé inmensas palabras
en guaraní que describen un gran estruendo de cristales rotos,
en vinilo adhesivo de color negro. Lo hice usando la estética de
las onomatopeyas de comic, porque sirven para representar
ruidos. Las palabras que escogí fueron itaverá, empleada en su
acepción de "cristal", ya que también se asemeja en su
significado a un diamante (itá: piedra; verá: brillante). Sununu (se
pronuncia sununú), que significa "trueno", pero puede ser
equiparada a "gran ruido” o “estruendo". Y soro que representa
“roto” o “quebrado”; el guaraní es generoso con las inflexiones
metafóricas y las readaptaciones retóricas.
Y la Opera de Arame, otro símbolos emblemáticos de
Curitiba, cuya materialidad dialoga con las ya mencionadas en su
estructura metálica recubierta de vidrio. Tiene capacidad para
1572 espectadores que desde sus lugares ven perfectamente el
palco que se ubica a un nivel más bajo en la sala declinada.
Sobre él, coloqué las mismas palabras en guaraní que referí
antes, en vinilo adhesivo color blanco, y en un diseño similar. Y
compuse una pieza sonora a partir de la grabación de vidrios
quebrándose y cayendo al suelo, hierros torciéndose y sonidos
de ópera, en colaboración con un músico argentino. Este
concierto experimental fue diseñado en sistema cuadrafónico
para genera en los visitantes la impresión de estar asistiendo al
derrumbe del edificio.
158
- A Residência Artística que você realizou em 2008, na
cidade se Barcelona, aproxima-se do trabalho realizado em
Curitiba, em 2011, quanto ao aspecto da vivência do espaço
que você teve e com o trabalho apresentado. Conte-nos
sobre o trabalho nessa residência.
Allí realicé una serie de obras que titulé Patinar en el
MACBA - Museu d’ Art Contemporani de Barcelona, que muestra
al museo transformado en un ámbito de conflicto, entre los
skaters, que se han apropiado de algunos de sus espacios
exteriores, y la policía, que debe hacer cumplir la ordenanza que
dispone “fomentar y garantizar la convivencia ciudadana en el
espacio público de Barcelona”.
Da cuenta de ello la instalación que realicé con un
skateboard que compré a un patinador en la explanada del
museo y al que añadí una pequeña pantalla que reproduce un
video que documenta la situación. Tiene además una serie de
elementos interrelacionados que crean una atmósfera que lo
complementa, como es una gorra y un chaleco de Mosso d’
Escuadra y un libro de arquitectura (adquirido en la tienda del
MACBA) que muestra al museo despoblado.
Otra instalación, representa la guardia policial que vigila
frente al museo. La hice valiéndome de elementos disímiles,
como una fotografía del edifico, dos figurillas de policía y un
automóvil de colección, dispuestos a diferentes distancia sobre
un trípode sujeto a la pared. Estos elementos, sin guardar
relación de escala entre ellos, se aúnan en perfecta perspectiva
al ser observados mediante un monocular invertido.
También construí una estructura de 3 niveles, que tiene
en la parte superior un cartel con la forma de un skateboard que
lleva troquelada la leyenda SKATEBOARDING CONTROL, la
que iluminada proyectar la inscripción en grandes dimensiones
sobre la pared. Y que contiene en la parte media una porra de
policía y en la base algunos posters y catálogos editados por el
museo.
Hice además un objeto, a la manera de un souvenir de la
tienda del museo, con figuras de policías y monopatinadores a
escala 1:87, los que organicé dentro de una caja plástica
diminuta con la identidad gráfica del MACBA en los laterales.
Una serie de fotografías completan este proyecto.
159
- Há uma presença de site specific em alguns de seus
trabalhos como, por exemplo, “O fogo no museu” realizado
nos EUA (2010). Como você os reapresenta em outros
espaços que não o de origem?
Fire in the museum fue una intervención a escala
monumental en la fachada del Museo de Arte de las Américas
dependiente de la OEA, en Washington DC, con un diseño de
humo y llamas en vinilo adhesivo saliendo de sus ventanas, para
significar el peligro que representa para un museo funcionar en
una casa histórica (1911) por las características combustibles de
su estructura.
En 2011, exhibí en la Galería Baro de Sao Paulo, Brasil,
los planos del museo intervenidos con el diseño del fuego, la
documentación en video del montaje en Washington DC y el
plotagem de unas ventanas en llamas sobre las paredes del
espacio expositivo, similares a las del museo en forma y tamaño.
Con ello quise significar las diferentes maneras que tenemos de
percibir el mismo trabajo según el contexto, ya que en el pasado
Brasil sufrió dos perdidas irremplazables por el fuego. El 8 de
Julio de 1978, un pavoroso incendio destruyó el Museo de Arte
Moderno de Río de Janeiro reduciendo a cenizas su valioso
patrimonio. Y más recientemente, el 17 de octubre de 2009, un
incendio destruyó gran parte del acervo artístico y documental
del artista brasileño Helio Oiticica (1937-1980) el cual se
albergaba en una casa privada en Río de Janeiro bajo la tutela
de su familia.
- Como você descreve sua relação entre o museu, as
instituições de arte, e seus trabalhos?
Mi relación con el espacio institucional del arte y su
estructura de funcionamiento comenzó tempranamente, a los 14
años como voluntario de museo y me llevó a convertirme en
coordinador de exhibiciones a los 19 y en director del Museo de
Bellas Artes de Tandil a los 23.
Esa experiencia sorteando los asuntos que rodean el
trabajo en un museo me motivó a crear un arte propio en donde
dar salida a este tipo de temas, que difícilmente podría haber
entendido completamente si no los hubiera vivido desde dentro.
160
Es por eso que algunas de mis obras tienen un sentido
autobiográfico, recuerdan mi experiencia como director de museo
y la influencia que diferentes instituciones han tenido en mi
formación, mi carrera y mi vida.
- No trabalho “Entre Bienais” (Bienal do Vento Sul, Curitiba,
2011), você fez uma curadoria independente onde
selecionou 14 vídeos de artistas argentinos e está
apresentando dentro de algumas linhas ônibus de viagem e
aviões no trajeto Curitiba - Porto Alegre. Quais critérios você
adotou para selecionar estes artistas e seus trabalhos?
Comencé investigando la mayor cantidad posible de
obras audiovisuales de artistas argentinos, tanto de trayectoria
como emergentes, incluso cuando el video no fuese su principal
medio de expresión. Me centré en obras monocanal, dado que el
dispositivo de exhibición serían las pantallas de los circuitos
cerrados de televisión de ônibus y aviones. Usé un criterio muy
personal, seleccionando obras muy diversas que despertaron en
mí el interés en sus planteamientos y en sus intenciones, y que
reflejan las particularidades de cada uno de los artistas.
Como nota, el sonido no es algo menor en la mayoría de
ellas. Tampoco el orden de los videos es arbitrario; es un
diagrama de intensidades que busca mantener la atención del
espectador durante toda la exhibición.
- O que acontece com os trabalhos anteriores? Você
continua a utilizá-los modificando alguma coisa? Como o
projeto “Entre Bienais” onde você apresentou um trabalho
com o mesmo conceito no Chile e agora no Brasil?
Los proyectos a los que usted refiere tienen puntos en
común y también algunas diferencias. La I Trienal de Chile
(2009), curada por Ticio Escobar bajo el título “Los Límites del
Arte”, se desplegaba en siete ciudades, de Antofagasta a
Valdivia, con exhibiciones y coloquios que utilizaban la
infraestructura pública existente, como los museos. Pensé
entonces en todo aquello que quedaba afuera del circuito
establecido, tanto por los límites institucionales como los
geográficos mencionados. Fue entonces que decidí poner mis
161
producciones audiovisuales en los circuitos cerrados de TV de
autobuses públicos de media y larga distancia para alcanzar todo
el territorio nacional, más de 2 millones de kilómetros cuadrados,
llegando así a sitios completamente aislados de toda presencia
de museos, galerías o instituciones similares. “Entre Bienales” es
una exposición que se mueve entre la 6a Ventosul Bienal de
Curitiba y la 8a Bienal del Mercosur de Porto Alegre, en Brasil.
Se trata de 14 obras audiovisuales de artistas argentinos que
seleccioné para los circuitos cerrados de televisión de autobuses
y aviones públicos que hacen el viaje entre Curitiba y Porto
Alegre. La intención fue reflexionar sobre los límites de estas
bienales que están geográficamente próximas, que ocurren al
mismo tiempo, pero que no tienen ningún vínculo entre ellas. La
Bienal de Curitiba, curada por Alfons Hug y Ticio Escobar, lleva
por título “Más allá de la Crisis” y la Bienal del Mercosur, curada
por José Roca, se titula “Geopoéticas”. Es así que “Entre
Bienales” no solo se mueve entre ambas ciudades sino también
entre ambos conceptos.
- Há situações em que você utliza o trabalho de curadoria
como uma espécie de laboratorio para o seu próprio
trabalho artístico?
Encuentro en la curaduría una práctica en la que puedo
cristalizar ideas, como en mis obras. Es así que al momento de
pensar en ella lo hago también apasionadamente, empujando
sus bordes en todas las direcciones posibles; y teniendo en
cuenta el contenido, el contenedor y el continente. “Entre
Bienales”, por ejemplo, puede leerse como una curaduría de
obras audiovisuales de arte argentino actual, con su propio
andamiaje interno, que es a su vez una intervención a gran
escala para hacer un comentario crítico sobre dos Bienales
próximas geográficamente y sin vínculos entre ellas, al tiempo
que explora un ámbito no convencional de exhibición en los
circuitos cerrados de TV de ómnibus y aviones, y que va al
encuentro de un público diverso, además de el del mundo del
arte.
- Quais são suas referências artísticas e intelectuais e como
estas afetam seu processo criativo?
162
El escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) es un
autor que continuamente releo, por el gusto de construir
mentalmente sus escenarios una y otra vez. Su influjo subyace
en algunos de mis trabajos, aunque de un modo sutil, casi
secreto.
Tengo además una gran admiración por el artista
argentino Víctor Grippo (1936-2002), de quien en el año 2002
compilé un libro que me permitió conocer con mayor profundidad
su trabajo. Mis obras Valijita de ex director de museo (2003) y
Mesa de trabajo y reflexión (2009) lo celebran.
Extraño parecerá encontrar su influencia en mi obra
actual, pero no hay que buscarla en lo formal, sino que parte de
mi desarrollo posiblemente esté ligado a lo que me ha trasmitido
su ética como también la calidad reflexiva y la sensibilidad de su
trabajo, de una notable carga poética y una realización
tremendamente refinada.
- De que forma essas obras que você citou se identificam
com o artista Victor Grippo?
La primera, es una obra que realicé al finalizar mi gestión
al frente de la dirección del Museo de Bellas Artes de Tandil. En
ella reproduzco a escala el museo, al modo de un maletín de
funcionario público, de cartón, cubierto por una pintura de
apariencia metálica y con una “manija” sin quién la sostenga.
Ironiza sobre la falta de continuidad en las políticas culturales
trazadas en dicha institución. Realidad común a muchas otras
instituciones argentinas cuando se renuevan sus funcionarios,
principalmente si cambia el color político. La produje al año
siguiente de la publicación del libro de Víctor Grippo y puede
asociarse con sus valijas, las que en su trabajo están presentes
desde 1972 con su Propuesta para una serie un tanto
apocalíptica (arqueología perspectiva) y se extienden hasta 1980
con Valijita de albañil, última con este formato.
La segunda, es una mesa de madera con la forma de mi
perfil derecho. La mesa: objeto genérico, mi lugar de trabajo. La
cabeza: el espacio mental, el de las ideas, el de la conciencia.
Una interacción entre el hacer sobre una mesa y el pensamiento,
donde se modifica la material y el espíritu en un mismo acto.
163
Su título, en singular, alude a una de las obras más
significativas de Grippo: Mesas de trabajo y reflexión (1994),
realizadas para la quinta Bienal de La Habana con mesas
escolares y de otros usos. Lilian Llanes cuenta que mientras
otros artistas arribaban con sus obras a la isla, Grippo llegó con
las manos vacías, “como si quisiera decir que los medios no eran
importantes; que mientras hubieran ideas, todo era posible”.
- Observamos que alguns de seus trabalhos possuem uma
ligação direta com as instituições da arte, possuindo em
certos momentos, um caráter de auto-retrato ou uma
referência sobre o tema.
Como mencionaba antes, Valijita de ex director de museo
es una obra que excede lo autorreferencial para hablar de un
problema común a muchas instituciones del arte en Argentina.
Mesa de trabajo y reflexión, es un autorretrato. Existen dos
versiones de esta obra. Una es el objeto tridimensional. La otra,
una fotografía del objeto. Alude a mi espacio de trabajo y
reflexión. Como retrato, se inserta en una larga tradición en la
historia del arte en la cual se ve a la persona acompañada de sus
atributos personales o profesionales y que revelan sus gustos o
actividad. En mi caso he seleccionado la mesa de trabajo donde
elaboro la mayor parte de mis obras y proyectos. Y he elegido un
marco antiguo muy elaborado con diseños en relieve para
enmarcar la imagen. De este modo conecto mi obra actual con
retratos que revelan su importancia a través de la riqueza de los
marcos que lo adornan. La curadora Alma Ruiz considera que “el
contraste entre la simple mesa de madera y el elegante marco
subraya dos aspectos en la carrera de un artista: el trabajo arduo
y diario que conlleva la creación artística y la fama real o
imaginaria que lo acompaña”.
- Pensando no conjunto dos trabalhos que você produziu até
o momento, você consegue perceber elementos em comum
que persistem nas suas obras? Poderias elencar algum?
Utilizo en mis obras distintos medios como el dibujo, la
fotografía, el objeto, la instalación, la edición, el video, la video-
164
instalación, el arte sonoro, el cruce de los mismos y la interacción
y diálogo con otras disciplinas.
Lo que persiste en mi trabajo es precisamente la diversidad
de medios empleados y el desarrollo de conceptos relacionados,
generalmente, al espacio institucional del arte y sus diversas
problemáticas.
- Como você pensa o material que será utilizado para a
confecção do trabalho?
Los materiales que utilizo son muy variados, no pensados
a priori, sino que aparecen (y en ocasiones también cambian)
durante el proceso de trabajo. Cada proyecto arroja su propia
materialidad.
- Qual o momento em que você sente a necessidade de partir
para um novo trabalho?
Puede ocurrir en cualquier momento. Estoy siempre
dispuesto a generar ideas para nuevos trabajos. Por esa razón,
habitualmente avanzo en varios proyectos al mismo tiempo. Es
así que cuando finalizo uno, otros ya están en proceso. Y el
orden en que les doy comienzo no determina necesariamente
cual concluiré primero.
- Quais os projetos que você está realizando atualmente?
Te contaré de dos proyectos que acontecerán
próximamente en Cuba y en México, respectivamente.
El primero, es para la Oncena Bienal de La Habana, que tendrá
lugar del 11 de mayo al 11 junio de este año. Se titula Cabina de
Exhibición Audiovisual y se trata de una doble cabina de
proyección, de uso individual, que he diseñado para el Pabellón
Cuba, en la que exhibiré un video propio y el de otros 10 artistas
que he invitado para la ocasión. Ellos son Regina Silveira
(Brasil), Lucas Bambozzi (Brasil), Narda Alvarado (Bolivia), Elia
Alba (Republica Dominicana / NY), Mario Opazo (Colombia),
Alfredo Ramos y Kasia Badach (Cuba), Silvia Rivas (Argentina),
Nicolás Rupcich (Chile) y Yoshua Okón (México). Además, los
165
videos serán compilados en un disco DVD que distribuiré
gratuitamente para ser visto en el ámbito domestico cubano.
El otro, es un proyecto para una exposición que sucederá
en el Museo Carrillo Gil de México. Se trata de un trabajo de una
gran densidad simbólica, que involucra en su producción a la
escultura, la performance, el video y la intervención, y que
presentaré al modo de una video instalación específica para el
sitio. Para ello estoy esculpiendo en piedra mi cabeza, a escala
1:1. Con ella realizaré una performance en una de las salas,
lanzándola contra las paredes con la mayor fuerza posible, en
reiteradas ocasiones, hasta agotar toda mi energía. Los choques,
dejarán marcas en los muros y en el suelo del museo. También
la cabeza sufriría daños por los golpes. Para la exposición, la
escena quedará tal cual ha sucedido, con la cabeza y sus restos
en el suelo. Y a pocos metros, proyectaré el video registro en
cámara lenta, puntualizando en mi esfuerzo, en el ímpetu de los
golpes y de las caídas.

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