Traumas na Infância - Clinica de Crianças e Adolescentes
Transcripción
Traumas na Infância - Clinica de Crianças e Adolescentes
Traumas na Infância Cristina Saling Psicóloga, Especialista em Psicomotricidade Especialista em Psicologia Clínica – Infância e Família Mestranda em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS) Alguns eventos, impostos pelo cotidiano, podem ser marcantes pela maneira como acionam nossas emoções. Reportando-nos ao passado, somos capazes de recordar inúmeras situações que se destacam, em nossa memória, pela alegria e bem-estar que nos proporcionaram ou pelo constrangimento, tristeza e dor que causaram. Refiro-me a situações das quais temos consciência e entendemos suas conseqüências positivas e negativas. Porém, proponho-me em falar em traumas na infância e estes, muitas vezes, não são facilmente identificáveis e tão pouco passíveis de explicação. Um trauma psicológico é algo que não deixa marcas físicas expostas no corpo ou que podem ser vistas através de algum exame, porém, suas conseqüências para o desenvolvimento infantil podem tomar proporções significativas, prejudicando não só a infância, como a adolescência e vida adulta do sujeito. Trauma: “1. Evento causado mais ou menos de súbito por um agente físico. 2. Choque violento que pode desencadear perturbações de várias espécies” (Dicionário Aurélio). O significado atribuído, pelo Dicionário Aurélio, à palavra ‘trauma’, parece bastante claro, porém não abarca as vicissitudes referentes aos efeitos psicológicos desencadeados por um evento “desagradável”, pois, os sintomas conseqüentes de uma situação traumática são tão diversos quanto os eventos que os causam. Talvez alguns exemplos podem esclarecer essas afirmações: uma situação de assalto pode ser tranqüilamente superada por uma pessoa que entendeu tal evento como uma fatalidade do cotidiano, passível de acontecer a qualquer um de seus conhecidos. Este mesmo infortúnio pode também acarretar sintomas paranóides ou síndrome do pânico, por exemplo, em outra pessoa que não se encontra preparada psicologicamente para superar tal infelicidade. Claro que algumas situações específicas e extremas podem ser consideradas de ‘alta probabilidade traumática’, principalmente em se tratando de crianças. Os “pequenos” merecem atenção especial pela pouca experiência e por estarem constituindo-se psiquicamente, o que os torna mais vulneráveis às marcas deixadas por situações desagradáveis ou inesperadas. Quem não lembra de um momento da infância no qual foi motivo de chacota, maltratado ou desprezado por seus amigos? Ao relembrarmos estes desgostos, que nos marcaram pelo sofrimento que despertaram, percebemos o quanto éramos ingênuos e frágeis diante de situações que hoje superaríamos sem dificuldades. A exemplo disso, a ausência prolongada da mãe, no primeiro ano de vida de uma criança, pode deixar marcas psíquicas que levem o bebê a apresentar sintomas depressivos (apatia, recusa à alimentação) e uma futura insegurança em relação à acessibilidade a figuras de apego. Esta situação (a ausência da mãe) pode ser considerada de alto risco para o desenvolvimento emocional saudável de uma criança pequena. Já uma criança maior, que se encontra capaz de entender os motivos pelos quais a mãe se ausentou e, principalmente, compreender que essa ausência temporária não se refere a um abandono, provavelmente sentirá saudades, mas não padecerá de qualquer dano psicológico. As crianças, em especial, sentem muita dificuldade em falar sobre algo que lhes perturba. Isso ocorre por uma questão desenvolvimental, pois a capacidade de verbalização de nossos sentimentos, desejos e necessidades, é adquirida e não inata. Uma criança bem pequena, quando percebe que um amigo pegou seu brinquedo, responde a este desgosto através de uma atitude corporal, um tapa ou um choro, por exemplo, enquanto que um adulto já é capaz de pedir que o amigo devolva o objeto. Portanto, os pais devem estar atentos a quaisquer mudanças de comportamento de seus filhos, uma vez que suas atitudes podem representar uma dificuldade da criança. Um isolamento repentino e freqüente, timidez excessiva ou recusa a freqüentar a escola, podem ser indicativos de que a criança esteja passando por alguma dificuldade sobre a qual ela não é capaz de falar. Para as crianças maiores, é importante que os pais mantenham uma postura acessível e empática, para que o filho sinta-se mais à vontade e possa conversar a respeito de algo que lhe perturba. A indicação terapêutica, nos casos em que os pais e/ ou professores observam alteração no comportamento da criança, é de um acompanhamento psicológico, que possibilitará a realização de um diagnóstico, precedido de sessões de aconselhamento aos pais e atendimento a criança. Para a elaboração de um diagnóstico preciso e conseqüente planejamento para os atendimentos, o psicólogo necessita do auxílio de outros profissionais da saúde, tais como fonoaudiólogos, médicos, fisioterapeutas e nutricionistas. Antes de iniciar o acompanhamento psicológico é fundamental que se realize uma investigação multidisciplinar para descartar a ação de fatores orgânicos como desencadeantes do comportamento atípico. O tratamento psicológico infantil possibilita a criança um espaço no qual ela demonstra suas inseguranças, medos e expectativas, através da linguagem não verbal e por isso torna-se mais “fácil” para ela a expressão de seus sentimentos. O psicólogo utiliza-se de instrumentos como a brincadeira, o jogo e o desenho, nos quais a criança comunica sobre si sem ter que acessar a fala. Com freqüência, são indicadas sessões semanais e encontros periódicos agendados com os pais da criança. O tempo de permanência em acompanhamento psicológico é bastante variável, dependendo principalmente das respostas da criança ao tratamento e colaboração dos pais no processo.