Floriano Martins

Transcripción

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Lecturas del texto
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César Moro à mesa com seus pares
P
or um largo tempo estive à procura desse encontro. Havia sempre um ou
outro poeta que não podia sentar-se à mesa. Livros que não chegavam de
distintos lugares no mundo. Cartas aguardando respostas. O tempo comprometido com viagens, a agenda de impurezas do dia, os sinais a um só tempo tirânicos e amáveis da existência. O fato é que somente agora nos reunimos. Martín Adán
(1908-1985) foi o primeiro a inquirir sobre a razão de tal encontro. O peruano há
muito estava recolhido em seu exílio interior. Além do que não identificava nenhuma
daquelas pessoas ali sentadas. Recorda-se um pouco de César Moro (1903-1956),
já que ambos foram colaboradores de José Carlos Mariátegui nas páginas da revism
Amauta, na Lima dos anos 20. Apesar de ceItos vínculos com o ultraíslmo rastreados
por alguns exegetas em seu primeiro livro, La casa de cartón (1928), Adán jamais se
submeteu aos avatares das vanguardas. Ao contrário do panamenho Rogelio Sinán
(1902-1994), sentado a seu lado, que percorreu vários países. Adán também nunca
ausentou-se de seu país natal. A estréia de Sinán, através da publicação de Onda
(1929), deu-se em Roma onde então residia, e de onde logo partiria a caminho do
México, ali ficando por quase dez anos. Sua chegada ao México coincide com O percurso final da revista Contempuráneos, do grupo homônimo ao qual pertenciam dois
outros poetas presentes ao nosso encontro, José Gorostiza (1901-1973) e Xavier
Villaurrutia (1903-1950). Max deixenos que Sinán nos fale um pouco,
El poeta mexicano Enrique González Rojo, que fungía como Secretario de la
Embajada de su país en Roma, y que. a su vez, era rujo dei gran poeta mexicano
Enrique González Martínez, me familiarizá con la poesía mexicana, sobre lodo
con el famoso grupo de “Los comemporáneos”, que encabezaban Carlos Pellicer. Salvador Novo, Xavier Villaurrutia, Gilberto Owen y otros, que figllraban
en la famosa Antología, de Cu esta, que me obsequiá González Rojo. También
pude informarme. a través de él dei belicoso movimiemo “estridentista” capitaneado por Manuel Maples Arce y German List Arzubide.1
1. Rogelio Sinán, conferência pronunciada em 16 julho de 1969, por ocasião das comemorações,
no Panamá, da publicação de seu primeiro livro, Onda (1929). O texto sofreu posteriormente uma
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Anterior à estadia em Roma, quaodo esteve no Chile, ali conheceu Pablo Neruda (1904-1973), porém não se sabe se esteve com Rosamel dei Valle (1901-1965)
ou Humberto Díaz-Casanueva (1907-1992). Estes dois poetas, que também à
mesa se sentam conosco, sempre estiveram ligados por uma forte amizade, iniciada em 1925, quando colaboravam na revista Caballo de Bastos, que então dirigia
Pablo Neruda. Logo Díaz-Casanueva irá ajudar a custear a edição de alguns livros
de Rosamel. Quanto ao seu primeiro livro, El aventurero de Saba (1926), foi publicado aos 19 anos. Tempos depois, confessaria que o “adjetivo metaforizante”
era o que Lhe dava alguma afinidade estética com Neruda, o mesmo valendo para
sua possível identificação com Pablo de Rokha (1894-1968), poeta que segue interiamente merecedor de uma leitura que corresponda ao valor inaugural de sua
obra. Em 1928, Díaz-Casanueva esteve no Uruguai e na Argentina, onde conheceu, respectivamente, Juana de Tharbourou e Jorge Luis Borges. Em depoimento
posterior disse que “naqueles dias os escritores argentinos preocupavam-se febrilmente com a política”, em razão de que “não se conversou sobre poesia”.2 Algo
interessante nos dirá acerca da escritura de seu segundo livro, Vigilia por dentro
(1929), quando ainda residia em Montevidéu:
Me veo en aquel entonces con una mano sosteniendo el aluvión surrealista que
se precipitaba sobre mí; y con la otra esgrimiendo El origen de la tragedia de
Nietzsche. Su lectura me produjo una profunda impresión y amplió mi visión
de la existencia.3
Mas há ainda entre nós alguns poetas que não foram apresentados e que começan a se impacientar em suas cadeiras. O argentino Enrique Molina (19101997) aproveita para dizer que somente em 1983 é que conheceu Díaz-Casanueva, quando juntos estiveram em Caracas. para um recital de poemas. Dois
notáveis viajantes, embora Molina fosse mais afeito aos mares e rios. Em uma de
suas viagens a Lima conheceu César Moro, de quem acabaria editando Trafalgar
Square, isto em 1954. O peruano, que se vinculara ao Surrealismo desde 1925,
já havia então se afastado do movimento. Após larga residência no México, entre
1938-1948, retomara a seu país. Observe-se que Moro não conheceu Alfredo
Gangotena (1904-1944), o equatoriano que se senta ali mais à direita, no canto.
Era um ano mais novo que o peruano e ambos residiram em Paris um considerável –Moro entre 1925 e 1938, Gangotena entre 1920 e 1928, retornando em
adaptação para inclusão cn edição especial da revista Maga, nos 5-6 (Panamá, junho de 1985), inteiramente dedicada ao poeta panamenho.
2. Humberto Díaz-Casanueva, manuscrito recolliido por Ana Maria dei Re, constante da edição de
sua Obra poética, Caracas, Biblioteca Ayacucho, 1988.
3. Humberto Díaz-Casanueva, conferência pronunciada em 24 de janeiro de 1985, no Ateneu de
Madri
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1936 por mais um ano– periodo de suas vidas. Entre eles uma invisível ponte
que jamais se mostrou: apesar da grande amizade de Gangotena com Henri Michaux, que também conhecia Moro. Aliás, aqui também estão dois outros poetas
que jamais se encontraram: Manuel de Cabral (1907-199-) e José Lezama Lima
(1910-1976). Tanto o dominicano quanto o cubana tiveram complicadas relações
com seu país.
Veo que hablan de escritores mediocres, que no son nadie fuera de aquí y a mí,
que he puesto el nombre deI país muy en alto, me ignoran.
Yo nací aquí, pero no estay muy eon el trato que me dispensan. porque para
el nombre que tengo ahora mismo en el mundo. que no lo tiene ningún otro
poeta. ni político, no me lo reconocen.4
Mi vida ha sido toda un hilo continuo, ba seguido siempre la misma línea. No
creo haher hecho nada que pueda traer odio de resentimiento que nadje puede
evitar. En rui nerra he sufrido hasta el desgarramiento, he trabajado, be becho
poesía. En los dominios de la expresión y dei intelecto be trabajado en una
zona donde no hay dualismo, donde los hombres no se separan. No he oficiado
nunca cn los altares deI adio, he creído siempre que Dios, lo bello y el amanecer
pueden unir a los hombres. Por eso trabajé en rni patria, por eso hice poesía.5
Não tendo nunca saído de Cuba, Lezama raramente esteve com algum poeta
de outro país. Um acentuado destaque seria sua larga amizade com Juan Ramón
Jiménez, iniciada em 1936, quando o poeta espanhol visitou La Habana. Por sua
vez, Manuel dei Cabral residiu tanto em Madri quanto em Buenos Aires. Em sua
permanência na Argentina –final dos anos 30 e início dos anos 40– escreveu e
publicou um de seus mais importantes livros: Biografía de un silencio (1940), embora a crítica o tenha consagrado por Compadre Mon (1943), onde é mais nítida a
presença de uma busca de expressão nacional em sua poética. Mas gostaria ainda
de falar sobre os demais convidados. Do Equador também se senta conosco Jorge
Carrera Andrade (1902-1978), com este livro fundamental que escreveu: Biografía para uso de los pájaros (1937). A seu lado estão sentados Luis Cardoza y Aragón
(1904-1992), Aldo Pellegrini (1903-1973) e César Moro. Pellegrini é hoje um
nome injustamente esquecido. Urge que se recupere sua obra e seu pensamento
tão daro e lúcido.
La creación de una poesía pura no tiene sentido. Si realmente es poesía, siempre
es impura, pues arrastra lo vital dei hombre. EI proceso de cristalización de lo
poético al que pretenden llegar los defensores de la poesía pura, para obtener
4. Alberto Caminero, “Manuel de Cabral dice morirá com pesar de ser ignorado en su patria”,
El Nacional, Santo Domingo, 2-8-94.
5. José Lezama Lima, carta a sua irmã, Elisa, datada de fevereiro de 1962.
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un producto tan acendrado como cl más puro cuerpo químico, sólo logra eliminar, junto con las impurezas, a la verdadera poesía. No hay atra explicación para
lo poético que la creencia eo un estado superior de vida para el hombre, pero
no en una vida más allá o más acá de la real, sino en esta vida concreta que vi
vimos. aquí. con los pies en la tierra.6
Seguramente esta crença em um estado superior da existência enraíza-se na
necessidade do homem descobrir a si mesmo, o que não o fará enquanto não
comprender –e não simplesmente anular– o outro que traz consigo. No diálo¬go
com seu duplo é que funda sua própria existência.
EI hombre está solo con el mar en medio de los hombres.
Impotencia dei desco. Mientras el hombre no realice su desco cl mundo
desaparece como realidad para transfonnarse en una pesadilla de la cuna al
sepulcro.
Acaso ¿no hay un ritmo que no es el nuestro? De pronto mis venas se ramifican, crecen y vivo el latido dei mundo.
Soñé que un coche me Ilevaha hacia la eternidad. Pude despertar mas no
quise saber la hora.
Escorpiones vigilan el horrible subsuelo de la eternidad.
Me despierto en medio de la noche y espero la llamada discreta. Pero es el
viento y nada más (p. 100).
Assim como Pellegrini, o peruano acredita em um poder secreto da poesia,
que possa abarcar todas as formas de dissidências em um mesmo núcleo, com a
naturalidade de elementos constitutivos de uma força única.
¿Lo que más admiro en un escritor? Que maneje fuerzas que lo arrebaten, que
parezcan que van a destruirlo. Que se apodere de ese reto y disuelva la resistencia. Que destruya eI lenguaje y que cree el lenguaje. Que durante e] rua no
tenga pasado y por la noche sea milenario. Que le guste la granada, que nunca
ha probado, y que le guste la guayaba que prueba todos los días. Que se acerque a las cosas por apetito y que se aleje por repugnancia.7
A grandeza dessas vozes, desdobradas em revelador encantamento ao longo
desse nosso encontro imaginário. seguiria em uma cadência tão assombrosa que
acabaríamos indagando os motivos desses poetas terem encontrado tão mínima
repercussão internacional. Mesmo no âmbito do próprio idioma, é inquietante observar que não há um diálogo sistemático entre poetas espanhóis e hispanoame-
6. Aldo Pellegrini, conferência pronunciada em 18 de maio de 1952, no Institut Français d’Études
Supérieures. Posteriormente incluído em Para contribuir a la confusión general, Buenos Aires, Leviatán,
1987.
7. José Lezama Lima, trecho da introdução a seu Esferaimagen, Barcelona, Tusquets, 1970.
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ricanos. Oportuno seria aqui indagar sobre as razões desse olho cego da Espanha
em relação à América Hispânica, por exemplo?
En cuanto al interés reducido que existe en ese país con relación a las letras
hispanoamericanas, es un fenómeno de la España franquista. Casi todos los escritores de nuestra América tomaron posición en favor de la República, motivo
por el cual no tienen entrada sus obras ahora.8
Talvez esteja correto Jorge Carrera Andrade ao escrever de Paris, em 1969,
a seu amigo, Rodrigo Pesántez Rodas, outro bravo poeta equatoriano que então
se encontrava em Madri buscando edições para poetas de seu país. Contudo, me
parece que a ausência de relação critica dos poetas espanhóis no tocante à poesia
hispano-americana diz respeito a Franco apenas tangencialmente. A não relação,
que implica um obstáculo imenso na leitura dos valores dos valores intrínsecos
dessa poesia dentro e fora de um âmbito geográfico, tem su raiz predileta na
indigestão por parte do conquistador –se é cabivel mesmo falar em conquista–
diante de um fato incontornável: a explosão imagética da poesia hispano-americana diante da atrofia estética espanhola, recolhida a uma circularidade retórica.
Mesmo os vanguardismos ali propostos foram redimensionados na outra margem
do Atlântico. Não pelo estabelecimento de uma rixa, mas antes pelo simples fato
de colisão de duas eras. O que se apresentava como último suspiro em um continente, no outro eram seus mais valiosos sinais de vitalidade. Tanto é verdade que
mesmo o Surrealismo –com a paixão ocultista com que o desentranhara André
Breton– ampliou seu acervo de maravilhas graças à entrada no novo continente.
Basta pensar no quanto devem ao enriquecimento de sua obra a residência de
Breton, Péret, Artaud, Michaux e tantos outros na América.
Se já sabemos das relações acentuadas entre Moro, Pellegrini e o Surrealismo,
creio interessante indagar a nossos outros convidados sobre o assunto. Alguns
foram sempre muito retraídos. Manuel dei Cabral não gostava de entrevistas.
Martín Adán levou uma vida vertiginosa. onde o desregramento era a única regra
possível. Quando em 1960 o conheceu o poeta estadunidense Allen Ginsberg,
disse depois em um poema que havia se enganado pensando que ele estivesse
melancólico.9 Adán propôs com voracidade desnorteante a relação entre o poeta
e seu tempo. Javier Sologuren nos fala de uma “escritura de por sí compleja y
desconcertante”,10 ao comentar a poética de Adán. Tão desconcertante, aliás, que
8. Jorge Carrera Andrade, carta a Rodrigo Pesántez Rodas, datada de 28 de junho de J969. Documento cedido pelo destinatário.
9. Ginsberg lhe dedicou um poema em seu Reality Sandwiches, San Francisco, City Lights Books,
1963.
10. Javier Sologuren, “’Martín Adán. La primacía de un signo”, La Imagen, Lima, 9-1-77.
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se inicia propondo uma confluência entre verso e prosa, desnorteando os amantes
da classificação genérica com seu La casa de cartón. Em suas provocações formais
mostrou-se um notável guardião da linguagem poética, buscando afirmar o que
Pellegrini chamaria de “el verdadero sentido de la destrucción”.
El impulso que mueve ai hombre hacia la destrucción tiene un sentido y toca al
artista revelar ese sentido. Cualquiera que sea la motivación dei acto destructivo: el furor, el aburrimiento, la repugnancia por el objeto, la protesta, ese acto
debe teoer nn sentido estético y ese sentido evita que la destrucción –acto procreador se transforme eo aniquilamiento. Destfucción y aniquilamiento desde el
punto de vista del artista son términos antagônicos. La destrucción de un objeto
no lo aniquila, nos enfrenta con una nueva realidad dei objeto, la carga de un
sentido que antes no tenía.11
Da insubmissão de Adán, a contundência de sua identidade, corpo e alma
inconfundíveis de urna consistente poética. Claro. La casa de cartón não pode ser
vista como uma proposta isolada., mas antes como parte de uma aventura que
buscava o canto além do conto. Onde a narrativa ousasse despojar-se de seu fio
retórico. redimensionada a partir de um reconhecimento de suas raízes. Assim
temos o contar refeito em cantar, antes em José Antonio Ramos Sucre, em José
Maria Eguren, em Jorge Luis Borges, em um Vicente Huidobro pouco lembrado
de Temblor de cielo (1931), bem como em seguida em Lezama Lima, em Humberto Díaz-Casanueva, em César Moro. Mas digo antes e temo que se estabeleça
uma confusão. Se convidei os poetas aqui presentes, não o fiz senão baseado em
uma (desatinada?) condição: todos nasceram na primeira década do minguante
século e concentram acentuadamente nos anos 30 a publicação de livros que lhe
definiriam a poética. Esta é a década em que surgem Vigilia por dentro (Humberto
Díaz-Casanueva), Biografía para uso de los pájaros (Jorge Carrera Andrade), Muerte
de Narciso (José Lezama Lima), El sonámbulo (Luis Cardoza y Aragón), Nostalgia
de la muerte (Xavier Villaurrutia), Muerte sin fin (José Gorostiza), Poesía (Rosamel
del Valle), Biografía de un silencio (Manuel del Cabral) e Tempestad secreta (Alfredo
Gangotena). Desta mesma década data a escritura dos poemas de César Moro
que só seriam recolhidos em livro em 1987.12 Os anos 30, na verdade, sugerem
uma admirável confluência de vozes de duas gerações, pois também ali se dão
a publicação de Espantapájaros (Oliverio Girondo), Altazor (Vicente Huidobro),
Poemas humanos (César Vallejo), entre outros. Produz-se então uma mescla tanto
cronológica quanto estética.
11. Aldo Pellegrini, catálogo de uma exposição de Arte destrutiva, realizada na Galeria Lirolay,
Buenos Aires, novembro de 1961.
12. César Moro, Ces poèmes..., Madrid, Ediciones La Misma, Col. Libros Maina, 1987.
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Creo que el problema generacional –de cuya importancia no prescindo– nos
puede llevar a clasificaciones arbitrarias, a confundir lo coetáneo con lo geracional y a sobreestimar lo cronológico en el surgimiento o en la terminación de un
grupo de poetas en el tiempo o en el espacio. Otros, le dan importancia al factor
geográfico: poetas del sur, del norte. Lo peor es que la perspectiva generacional
lleva implícita la idea de que existe un progreso en las artes y en la literatura, en
línea recta, y que cada generación es una etapa que supera a la anterior, tiene
que rebelarse contra ésta y aportar algo fresco, nuevo.13
Concluamos a ambientação em que se situam os convidados, anotando que
aqueles livros que extrapolam os limites dos anos 30 o fazem por muito pouco, a
exemplo de Onda (1929), de Rogelio Sinán, Las cosas y el delirio (1941), de Enrique Molina, e Le château de grisou (1943), de César Moro. Mais distanciado em
termos de publicação encontra-se o argentino Aldo Pellegrini, que somente em
1949 estrearia com El muro secreto, embora não devamos esquecer sua atuação
nos anos 30 como principal difusor em seu país do ideário surrealista. Além deles,
outros poetas poderiam ser mencionados, a exemplo dos mexicanos Salvador
Novo e Gilberto Owen, o equatoriano Hugo Mayo, os colombianos Luis Vidales e
Aurelio Arturo, o peruano Carlos Oquendo de Amat, o costarriquenho Isaac Felipe Azofeifa, os cubanos Eugenio Florit e Emilio Ballagas, o uruguaio Juan Cunha,
o chileno Pablo Neruda e o nicaragüense José Coronel Urtecho, todos vinculados
de urna forma ou de outra àquela estação da vanguarda.
Dois são os aspectos que saltam aos olhos quando nos encontramos diante
de todos esses nomes: não constituem uma geração em quaisquer que sejam os
moldes requisitados, ao mesmo tempo em que nos assusta que sejam, senão de
todo desconhecidos, ao menos ligeiramente comentados. Pode-se aqui ampliar
o passo e mencionar uma certa desatenção na leitura desses poetas. Desatenção
prescrita por um torcer de nariz no que diz respeito à dificuldade de situá-los
conjuntamente como uma geração, um grupo, uma concentração estilística, etc.
Mas desatenção igualmente propiciada por un certo cabotinismo da parte de Octavio Paz, ao desvirtuar o raio de ação desse rol de poetas –anulando a presença
de uns, confundindo a importância de outros–, de maneira a favorecer interesses
pessoais que o levariam a estabelecer uma ponte entre a vanguarda desatada por
Huidobro, Vallejo, etc., e sua reconfiguração definitiva a partir de geração do próprio poeta mexicano, embora não lembre nunca a real dimensão desse novo ciclo
geracional, que incluiria poetas tão essenciais quanto o peruano Emitio Adolfo
Westpbalen (1911), o venezuelano Vicente Gerbasi (1913-1992), o chileno Gonzalo Rojas (1917) e o argentino Alberto Girri (1919).
13. Blanca Espinoza, “Un riesgo, una fuerza, un sueiio decisivo”, entrevista a Humberto DíazCasanueva”, Lar, nos 8-9, Concepción, maio de 1986.
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Através de livros que alcançaram grande repercussão –Las peras del olmo
(1971), Puertas al campo (1972) e Los hijos del limo (1974)–, Octavio Paz se esmera
em apresentar quando muito na condição de uma dispersão o que antes se desenrolava –a despeito de su opinão– como uma afirmação de um privilegiado caráter
da poesia hispano-americana, sua frutífera insubordinação a ditames escolásticos,
seu enriquecimento a partir dos erros do modernismo, a liberação de todos os
preconceitos, enfim, a busca de fundação de um mapa que se caracterizasse pela
multiplicidade de trilhas que não teriam necessariamente que levar a um lugar
comum. Para tanto haveria mesmo que recorrer às mais variadas estratégias, uma
aventura que não eludisse o risco de ser tomada como dispersão, base –insisto–
do ardil de Octavio Paz. Referi-me também a desnorteamentos críticos outros, e
aqui caberia mencionar uma idéia defendida pelo argentino Saúl Yurkiévich ao
restringir a sete poetas de distintas promoções geracionais a condição –sempre
questionável, quando menos por precipitação catalogadora de “fundadores de la
nueva poesía latinoamericana”, chegando ao cúmulo de excluir de seu entendimento do que seja América Latina os poetas brasileiros.14
Ao embaralhar de idéias de Yurkiévich suman-se duros compêndios acadêmicos que tateiam no escuro em busca de uma definição em torno do elástico período das vanguardas, esquecendo-se sempre de que não se poderia jamais entendêlo se subordinado ao cenário de articulações estéticas de vanguarda européia.
Não se tratava de uma cumplicidade, mas antes de um desdobramento, em muitos
casos uma ruptura. Assim é que Paz manteve-se intencionalmente cego ao orfeismo transbordante em Rosamel dei Valle, o fulgor romântico redimensionado em
Alfredo Gantotena e o corrosivo humor em Martín Adán, o mesmo valendo para a
dimensão onírica desgarradora em César Moro, o fervor metafisico em Humberto
Díaz-Casanueva e a laboriosa tessitura metafórica em Luiz Cardoza y Aragón.
Ao considerar os anos 30 como un lapso temporal entre o que ele denomina de
“vanguardia académica” e “una vanguardia otra, crítica de sí misma y rebelión solitaria”, Paz recorre a uma simplificação grosseira, que não permite outro entendimento que o de sua voluntária deformação de uma paisagem histórica. Não creio
constitua uma impertinência minha acrescentar a este nosso encontro uma lúcida
abordagem do critico espanhol Jorge Rodriguez Padrón, ao referir-se à defesa de
Paz no tocante à sua própria geração:
Octavio Paz dice: “no invención, exploración en “esa zona donde confluyen lo
interior y lo exterior: la zona del lenguaje”. Quienes hacia 1945 regresan a la
vanguardia, pero a “una vanguardja silenciosa, secreta, desengañada”, en un
14. Saúl Yurkiévich, Fundadores de la nueva poesía latinoamericana, Barcelona, Ariel, 1984. O epíteto “fundador” aplica-se aos poetas eleitos –Vallejo, Huidobro, Borges, Girondo, Neruda, Paz, Lezama–
por se tratarem, segundo o autor, de “centros radiantes”.
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salto injustificable, no se hallan movidos –sigue Octavio Paz– por una preocupación estética; para ellos, “el lenguaje era, contradictoriamente, un destino y
una elección. Algo dado y algo que hacemos. Algo que nos hace”. Bien. Pero los
poetas de ese otro período que él alude, no sólo se adelantaron a ese cambio,
afirman y despliegan también una actitud estética que no hace abstracción, en
modo alguno, de la evidencia del lenguaje como hombre, del lenguaje como
mundo. Porque, si no, cómo explicar que el reto, para casi todos, sea la asunción
de una prosa que penetra al espacio de la poesía, agitándola con sus ritmos (una
prosa que nada cuenta, que prolonga y desarrolla el misterio propio de la poesía) y, en paralelo sentido, el cultivo del poema largo como forma de abordar,
desde la configuración temporal del verso, la dimensión de ese espacio inédito:
canto, sin duda, pero desplegado como visión, como población espacial.15
Também se poderia acrescentar a opinjão do poeta costarriquenho Carlos
Francisco Monge, lúcido e igualmente isento observador dos desdobramentos
poéticos na América Hispânica, ao reportar-se à presença do Surrealismo em tal
âmbito:
La experiencia surrealista fue lo mejor que nos dejaron los movimientos históricos de vanguardia. Sus raíces cuIturales son tan extensas, y sus fundamentos
estético-ideológicos tan vigorosos, que no podía haber sido de otro modo. Pero,
además, el surrealismo superó con mucho los añoas de la moda vanguardista.
Por eso, no me parece exacto (y creo que ni justo) hablar de una herencia tardía
en la poesía hispanoamericana. Todo lo contrario: constituyó un verdadero caldo nutricio que transformó y renovó el panorama poético, desde la década misma de 1930; basta releer las Residencias de Neruda, o a Lezama Lima, la poesía
de los mexicanos Gorostiza o Villaurrutia, las novelas de Asturias o Carpentier.16
Se recorro a estes dojs depoimentos, o faço pelo que concentram em si em
termos de características essenciais dessa poesia que nos interessa aqui desentranhar, ou seja. sua opção –acentuada, porém não única– pela prosa poética. o
redimensionamento do epos, e o diálogo enriquecedor com o Surrealismo, identificação e não submissão, enlace onde é imprescindível manter a identidade. Aí
se verifica o que Lezama Lima situa como a criação de “una nueva causalidad de
la resurrección”.17 E justamente em função disso é que Rodríguez Padrón destaca
ainda a relação com a morte, aqui entendida dentro de um conceito defendido
15. Jorge Rodríguez Padrón, trecho de “Octavio Paz: lectura de la poesía hispanoamericana de los
años treinta”, versão acrualizada de conferência pronunciada em Sevilla em abril de 1999. Documento
inédito, cedido pelo autor.
16. Carlos Francisco Monge, “Diálogo sobre algumas trilhas essenciais”, entrevista concedida a
Floriano Martins, maio de 1999, texto inédito.
17. Ciro Bianchi Ross. entrevista a José Lezama Lema, revista Quimera, s. d.
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pelo filósofo Eugenio Trias, ou seja, como “la gran prueba de la ética fronteriza”.18
Essa relação fronteiriça encontramos, como destaca Rodríguez Padrón, em Xavier
Villaurruria (Nostalgia de la muerte) e Lezama Lima (Muerte de Narciso), porém a
seguimos encontrando igualmente em autores menos difundidos, a exemplo do
equatoriano Alfredo Gangotena e do chileno Rosamel dei Valle. Em ambos uma
transbordante ürica órfica impera, com ousado acento trágico em Gangotena.
Paixão desmedida pela ruptura, porém nunca desfeita de sua fé na revelação de
um corpo outro, uma forma outra, refeita e vibrante. “Las puertas devoradoras”
que Orfeu busca cruzar em sua viagem pelas trevas (“el descenso por vertientes
de fuego”)19 definem a metáfora assombrosa e inquietante de Rosamel dei Valle.
O espiritu torrencial fermenta também as imagens na poesia de Gangotena:
Mi canto se unifica en la abrupta de las piedras que miden el abismo; canto de
una luminosa madrugada a los bordes pomposos del ramaje...
[...]
Toda mi gracia reside en el adiós.20
Obra densa., nos dois casos, com sua estonteante fluidez metafórica. Se há
uma “fértil alegoría esencial dei onirismo”21 em Rosarnel, em Gangotena verificase a expressão radical de um tormento interior. Talvez advenha daí o epíteto de
“enigmática” dado à poesia do equatoriano. Importa, no entanto, não se afastar
de um entendimento: na obra de ambos radica o mesmo sentido de ruptura que
seguimos rastreando.
Em 1924 Luis Cardoza y Aragón publica em Paris LunaPark, livro escrito em
Berlim na mesma época. Embora a crítica o situe com excessiva comodidade em
um cosmopolitismo que identificava esteticamente muitos autores europeus naquele cenário de entre guerras, não vejo nesta poesia sinais de deslumbramento
diante do fulgor tecnológico ou mesmo de derrota da humanidade diante do
conflito bélico. O poema é perpassado por um fio de vida, uma defesa crítica
das reais possibilidades do homem, uma fé incorruptível na existência humana.
A “desconstrucción irónica”22 a que se refiere Rodríguez Padrón acerca de La
casa de cartón, de Adán, também se aplica ao livro seguinte de Cardoza y Aragón,
Maëlstrom (1926), onde põe a bailar prosa e verso em um ritual de mútua mastigação. Posição crítica em relação a uma limitação genérica. Expansão não do
18. J. R. Padrón, op. cit.
19. Passagens do poema-livro Orfeo (1944).
20. Passagem do poema “A la sombra de las secoyas”, do livro Tempestad secreta.
21. Manuel Espinoza Orellana, “Presencia de Rosamel del Valle”, La Época, n° 214, Santiago, 175-92.
22. J. R. Padrón, op. cit.
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espetáculo da criação, mas de suas possibilidades de desentranhar a essência poética de cada situação. Busca não exatamente de anular ou acentuar os contrastes,
mas antes de afirmar um diálogo possível entre forças complementares. Relação
intrínseca entre vida e morte, como em El sonámbulo:
¡Oh! Frío, lúcido fuego, llama de agua,
flamígero insomnio de la vida,
integras tú conmigo un dos impar
en esa sed de muerte tan continua.23
O mesmo em uma imagem mais à frente: “la noche diurna, cerrada y sin tinieblas”. Ou ainda: “por la muerte voy. voy perteneciéndome”.24 Não a noção usual
da figura do conquistador, mas antes un entendimiento da conquista baseado no
diálogo. Não se trata de cortar o nó górdio, mas sim de desatá-lo. Eis o ponto chave na desvirtuada ou incompreendida leitura da poesia hispanoamericana: soube
desatar o nó. Risco inomináveI. necessário. Lá atrás há fundamentos engenhosos.
tanto na criação de persona.r no colombiano León ele Greiff (1895-1976), quanto
na anulação do verso na poética do venezolano José Antonio Ramos Sucre (18901930). Sob este aspecto me parecem mais fundadores da modernidade do que os
argumentos deslizantes de um Saúl Yurkievich em relação a Neruda ou Girondo.
O chileno sempre foi um caçador de modas literárias. ao passo que o argentino
radicalizou sua aventura com a linguagem já bem posterior a outras incidências
poéticas. Se não o torna menor, também não o põe em condição fundacional. Era
tão consciente da importância de uma atuação publicitária quanto León de Greiff,
à diferença que Buenos Aires dispunha de um canal de comunicação com o mundo, ao passo que Bogotá mal dialogava consigo mesma. A indefectível ação dos
pólos culturais sobre a importância estética de uma obra literária é sempre um
gerador de traumas, de pesadelos históricos.
Um outro livro dado como inaugural na vanguarda de seu país é Onda, do
paramenho Rogelio Sinán. O poeta falava ali de um “sueño no percebido / pero
siempe constante / como el mar, como el río...”. Tratava-se do trânsito entre a
submissão ao meramente casual e a consciência exigida de um rumo a ser desentranhado. Sinán não é tão claro em sua metáfora quanto Cardoza y Aragón, porém
nos permite entender a matéria de sua perplexidade diante da vida. Não deixam
de ser profundamente irônicos os versos com que inkia seu poema “Transparencia del hombre”. “Porque olvido mis suenos y mi sombra / soy un hombre
desnudo, transparente.”25 A abstração carece de espanto, de um magma conges-
23. Passagem do poema-livro EI sonámbulo (1937), dedicado a Xavier Villaurrutia. 24. Passagens
do poema “Noctumo del sonámbulo” de Venus y tumba (1940).
25. Poema incluído em Saloma sin salomar (1969).
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tionado, irradiante de imagens turvas que terão que ser defmidas a partir de um
estremecimento de forças. O automatismo psíquico defendido por Breton possui
um vínculo indissociável com esse vislumbre do insólito que deverá propiciar
um conhecimento mais amplo das forças díspares e complementares que regem
a existência. Abordá-lo como interruptor do caótico ou do hermético. é quando
menos irresponsável. Basta pensar na voracidade de imagens reveladoras que
encontramos na poesia de César Moro. Não há propriamente caos ou hermetismo
ali, a menos que entendidos em uma limitação terminológica. Suas “serpientes
de reloi” nunca perdem contato com o “retrato de rni madre”, antes confluem
–”vestigios de alta arqueología”– a caminho de “un equilibrio pasajero entre dos
trenes que chocan” (“Visión de pianos apolilIados cayendo en ruinas”, p. 23). Um
descarrilamento de conceitos, um choque entre dois mundos. Não um desafio,
mas antes a carpintaria sutil de uma mesa que permitisse o diálogo. A expressão
do contraste está na origem do assombro, a vertigem, ou seja, é raiz do desdobramento de qualquer atividade humana. Claro que não se trata de uma ascendência
dionisíaca sobre um circunscrito reinado de Apolo. Díaz-Casanueva já se referiu a
urna a~ãu uuLladura dos “poderes dionisíacos”. Não há como nublar a explosão
de forças conjuntivas e disjuntivas que regem a poesia. No chileno encontramos a
mesma obsessão corrente: a poesia em debate com o poema. A margem direita do
verso começa a perder terreno, avançada por um caudal voluptuoso, uma “vigilia
por dentro” que busca situar sua “realidade” entre dois mundos. Países violentos:
prosa e verso. Cultivam sombras sem corpos, espelhos cegos. O acento metafísico
sempre moveu-se a caminho de um brilho conquistado a partir das dissimilitudes
aparentes da vida. É o que nos revela sua poesia.
Avançar de uma margem a outra do curso da existência, revelando suas co
nflGencias entranhadas, também foi norma existencial da poesia dos argenti¬nos
Aldo Pellegrini e Enrique Molina, naturalmente que com as peculiaridades que
dão sentido a uma obra poética. Guillermo Sucre chama a atenção para o fato de
que “el viaje de Molina es exilio y rebelión simultánea”.26 E acrescentese aqui o
testemunho de Pellegrini:
La poesía es una mística de la realidad. El poeta busca en la palabra no un
modo de expresarse sino un modo de participar en la realidad misma. Recurre
a la palabra, pero busca en ella su valor originario la magia deI momento de la
creación del verbo, momento en que no era un signo, sino parte de la realidad
misma. EI poeta mediante el verbo no expresa la realidad, sino que participa
de ella.27
26. Guillermo Sucre, La máscara, la transparencia, Caracas, Monte Ávila, 1975.
27. A Pellegrini, “Se llama poesía todo aquello que cierra la puerta a los imbéciles”, Poesía = Poesía,
n° 9, Buenos Aires, agosto de 1961.
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Lecturas del texto
Mesmo que a poesia moderna tenha posto em tablado a discussão de si mesa
–em alguns momentos não indo além de uma transtornada admiradora de seus
próprios atos verbais–, o homem segue sendo seu grande assunto, pelo simples
fato de que a “relojena intelectual”28 seduz apenas ao tolo ego, não permitindo
um desdobramento das inúmeras possibilidades de expressão e participação do
potens poético em nossa vida. A arquitetura verbal é exigência mínima de toda
grande poesia. Molina e Pellegrini defenderam isto a vida inteira. A mesma idéia
encontramos em César Moro, mesmo que tenhamos em conta os jogos lingüísticos que o seduziram em seus últimos poemas. Desde os textos iniciais, Moro
invocou a presença do amor, encarnando sua “sombra cantante”, o “parpadeante
esplendor”, assim como as imagens sangrentas, extasiantes, de su celebração e
queda. A voracidade de suas abordagens ocasiona, segundo Emilio Adolfo Westphalen, a suspeita de “que para Moro lo ideal seria que los amantes se devoraran
mutuamente”.29 O conflito amoroso –não como elurur que toda relação humana
é conflitante em sua raiz, independente do que venha a tornar-se– é, portanto,
o aspecto central da poesia de César Moro. E o tratava com notável veemência,
com um fervor que não disfarçava sequer o exagero. Frêmito surrealista alcançado
em sua vivência em Paris, porém não um surrealismo canônico a que se sentiu
identificado iniciaLnente. Potência surrealista latente em seu próprio ser, desatada
em Paris, co nfirmada em seu retorno ao Novo Mundo (México e Peru), retorno
às origens. Surrealismo essencial que encontramos também na poesia de Xavier
Villaurrutia ou de José Gorostiza, o mesmo que em Manuel deI Cabral ou em
Jorge Carrera Andrade. Da irredutível e transbordante melancolia em Villaurrutia
aos tremores metafisicos de Cabral –onde se entrevê uma severa ironia–, ou do
lirismo arrebatador em Carrera Andrade à investigação luminosa dos gemidos
da linguagem poética em Gorostiza, uma múltiplica trilha fumada pela diferença.
Entrelaçamento de experiências, traços perceptíveis de conflûencia –já aqui anotados–, alguns raros encontros para a conversa feliz em torno da poesia. Na contramão, as relacões extraviadas entre uma margem e outra do Atlântico, o vício
acadêmico de classificação da história, o charlatanismo de Octavio Paz, mescla de
redundante provincianismo e ausência de visão crítica na avaliação de aspectos
ligados mais à vida –seja o homossexualismo ou a filiação surrealista– do que à
sua própria obra, entre outros aspectos menores.
A condição que se mostra agora de uma leitura crítica da obra de César Moro,
finalmente permite que não se deixe escapar o imprescindível: trazer à mesa os
28. “’Personalmente, pese a Poe, no me seduce la imagen del poeta en su taller de relojería intelectual. El azar también toma parte en el poema.” Trecho de entrevista de Oscar Hermes VilIordo a
Enrique Molina, La Nación, Buenos Aires, 1980.
29. Emilio Adolfo Westphalen, “Digresión sobre surrealismo y sobre César Moro entre los surrealistas”, conferência pronunciada em 5 de julho de 1990, na Pontificia Universidad Católica do Peru.
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mapas secretos da aventura poética na América Hispânica nos anos 30. Que o acaso nos tenha trazido para esta mesa imaginária justamente a partir de Moro não
é senão sinal de sua inconfundível paixão pela verdade. Intencionalmente tratei
menos dele do que de seus coetâneos, e o fiz pelas necessidades evidenciadas. Em
um próximo momento, quando se dilate o filete de luz aqui lançado, certamente
se perceberá que a importância dessa poesia não se restringe a um rastilho da vanguarda, assim como se compreenderá que em sua aparente dispersão se ocultava
a carta de fundação de uma aventura limite da poesia hispano-americana, baseada
em um princípio de diferença que encontrava na mestiçagem –encontra ainda,
embora bastante dissimulado– sua raiz sagrada, magma escaldante e seiva vertiginosa que buscam pontos de convergência sem erradicar a paixão pela contradição
igualmente reveladora.

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