A la escuela, sin armarios

Transcripción

A la escuela, sin armarios
Cultura Visual e Educação
Organizador
Prof. Dr. Anderson Ferrari
Educação em Foco
Juiz de Fora - MG - Brasil
ISSN 0104-3293
Ed. Foco
Juiz de Fora
v. 18
n. 2
p. 1-312
jul. / out. 2013
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Ficha Catalográfica
EDUCAÇÃO EM FOCO: revista de educação
Universidade Federal de Juiz de Fora
Faculdade de Educação / Centro Pedagógico
Educação em Foco, v. 18, n. 2 jul. / out. 2013 Semestral
312 p.
v.1, n.1, jan./jun. 1995
Juiz de Fora: Editora UFJF, 2013
ISSN 0104-3293
1. Educação - Periódicos, 2. Ensino - Pedagógico
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Sumário
Apresentação......................................................................11
Eixo Temático
O ensino da arte e do design quando se chamava desenho:
reforma Fernando de Azevedo............................................19
Ana Mae Barbosa
Uma “aula” de museologia de Paul Valéry: considerações em
torno do texto Le problème des musées.................................53
Roberto Carvalho de Magalhães
Territorios de colaboración: negociaciones educativas-artísticas
en la escuela, el museo y la comunidad...............................85
Aida Sánchez de Serdio Martín
Los niños con los niños y las niñas con las niñas: una reflexión
autoetnográfica sobre los aprendizajes de la masculinidad
basada en la diferencia......................................................119
Fernando Herraiz García
A la escuela, sin armarios..................................................141
Anderson Ferrari
Roney Polato de Castro
Fotografía y cultura politica: carnaval y samba en el foco de la
buena vecindad................................................................171
Ana Maria Mauad
O cinema na escola: uma metodologia para o ensino de
história.............................................................................189
Josep María Caparrós-Lera
Cristina Souza da Rosa
Outras Contribuições
Trajetória dos CIEPs do Rio de Janeiro: municipalização e
novas configurações..........................................................213
Ana Maria Cavaliere
Lígia Martha Coelho
Professores alfabetizadores: o que dizem e o que fazem.....243
Sandra Cristina Oliveira da Silva
Sheyla Cavalcante de Arruda
Telma Ferraz Leal
Resenha
Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação.........271
Gabriela Silveira Meireles
Resumo das Dissertações
A(Contra) Reforma da Educação Pública em Minas Gerais:
o programa de avaliação da rede pública de educação básica/
PROEB em análise...........................................................287
Josiane Cristina dos Santos
As condições do trabalho docente e o processo ensinoaprendizagem nos anos iniciais do Ensino Fundamental...289
Glaúcia Fabri Carneiro Marques
Práticas Alfabetizadoras: ressignificando a questão
metodológica....................................................................291
Mary Luci Silva de Paula
Blogs Literários nas aulas de Língua Portuguesa: uma
possibilidade de autoria....................................................293
Maria Leopoldina Pereira
Brincar(es) na infância: possibilidades no contexto da doença
falciforme e hemofilia.......................................................295
Luciana da Silva de Oliveira
Estágio Supervisionado, espaço e tempo de formação do
pedagogo para a atuação profissional................................297
Geiza Torres Gonçalves de Araújo
Argumentação e Direito: as contribuições da argumentação
para o ensino de direito....................................................299
Johnny Marcelo Hara
Qualidade dos principais indicadores educacionais para o
ensino básico no Brasil.....................................................300
Gilson Luiz Bretas da Fonseca
O papel do diretor na implementação do PDE escola:
experiências em Juiz de Fora.............................................301
Liane Miranda Silva Ramos
Summary
Presentation.......................................................................11
Thematic
The teaching of art and design when it was called drawing:
Fernando de Azevedo reform..............................................19
Ana Mae Barbosa
A “lecture” on museum studies by paul valery considerations
around the text Le problème des musées................................53
Roberto Carvalho de Magalhães
Territories of collaboration: art-educational negotiations in
the school, the museum and the community......................85
Aida Sánchez de Serdio Martín
Boys together with boy and girls together with girls: an
autoethnographic reflection on the masculinity learnings
based on the difference.....................................................119
Fernando Herraiz García
To the school without any closets.....................................141
Anderson Ferrari
Roney Polato de Castro
Photography and political culture: carnival and samba through
the good neighborhood lens.............................................171
Ana Maria Mauad
The cinema school: a methodology for teaching history....189
Josep María Caparrós-Lera
Cristina Souza da Rosa
Other Contributions
CIEPs’ trajectory in Rio de Janeiro: municipalization and new
configurations..................................................................213
Ana Maria Cavaliere
Lígia Martha Coelho
Alphabetizer teachers: what they say and what they do.....243
Sandra Cristina Oliveira da Silva
Sheyla Cavalcante de Arruda
Telma Ferraz Leal
Apresentação
CULTURA VISUAL E EDUCAÇÃO
Anderson Ferrari
Entre las revoluciones en la educación durante los
últimos veinticinco años se cuenta una explosión del
interés por la cultura visual…El objeto de un curso
de cultura visual…sería ofrecer a los estudiantes un
conjunto de herramientas críticas para la investigación
de la visualidad humana, no transmitir un cuerpo
específico de información y valores (MITCHELL,
2000, p. 210).
Nesta epígrafe, Mitchell ressalta dois aspectos da
constituição da cultura visual como campo de conhecimento
e como disciplina que dialogam com esse número temático, a
saber, o contexto no qual surgiu e os desafios e potencialidades
dessa nova e “revolucionária” área de estudos. Constituindose como disciplina em diferentes universidades brasileiras e
estrangeiras, – os “Estudos de Cultura Visual” – vêm tomando
a expressão “Cultura Visual” como campo e objeto de estudo.
Mais do que isso, eles têm despertado uma “explosão” de
interesses, o que faz com que seja algo atual, além de um campo
em construção. Neste sentido, a Educação está implicada na
construção deste “novo” campo e objeto de estudos, desde a
sua origem. A revista Educação em Foco com esse número vem
somar, no conjunto dos artigos, ao fortalecimento da relação
entre Cultura Visual e Educação, buscando contribuir para o
debate apostando nas problematizações em torno do caráter
híbrido e pluridisciplinar que envolve os encontros possíveis
entre essas duas áreas de conhecimento.
Um número temático que começou a ser construído
nas trocas realizadas no interior da Faculdade de Belas Artes
da Universidade de Barcelona por ocasião do meu estágio
de Pós-doutorado. Nesse ambiente de estudo, especialmente
Educ. foco,
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junto ao Professor Doutor Fernando Hernández, co-diretor
do Centro de Estudios sobre el Cambio en la Cultura y la
Educación (CECACE) e membro do Grupo de Investigación
Consolidado ESBRINA “subjetividades y entornos educativos
contemporâneos”, pude ampliar meus interesses acadêmicos
na discussão dos conceitos e métodos que derivados de
outras disciplinas podem ser estimulantes e mesmo perigosos
no diálogo multidisciplinar da Cultura Visual. Investindo
e acreditando na importância desse debate, apresentamos
um conjunto de artigos de autores de diferentes áreas de
conhecimento que tomam algum aspecto da Cultura Visual
como detonador da discussão em torno da Educação. Mais
do que isso, artigos e autores que evidenciam a inexistência
de uma “única” visão da relação entre Cultura Visual, cinema,
artes, museus, educação, enfim, práticas artísticas que são
tomadas como discursivas, atravessadas por relações de poder,
construídas historicamente e culturalmente e que têm efeitos
na maneira como vemos as imagens, como nos vemos através
delas e como elas nos veem. Reconhecer as potencialidades
e desafios dessas discussões me parece um passo importante
para a construção de práticas diferentes que nos ajudem a
colocar sob interrogação os sentidos da educação, das artes e
da cultura visual.
No artigo que abre esse número temático, a professora
Ana Mae Barbosa insere o Ensino da Arte e do Design no
âmbito dos Estudos Culturais. Intitulado “O Ensino da Arte
e do Design quando se chamava Desenho: Reforma Fernando
de Azevedo”, a autora “defende a necessidade de conhecimento
histórico como defesa contra o neo-colonialismo que espreita
a cultura dos países que, à semelhança do Brasil, começam
a ser bem sucedidos economicamente”. A partir de uma
pesquisa realizada em jornais no período de 1922-1948, nos
aproxima da reforma educacional que, segundo ela, pode
ser considerada como a mais radical do Brasil, a Reforma
Fernando de Azevedo (1927 a 1930). Nesta reforma, o ensino
do Desenho como Arte e Design foi uma das suas propostas
centrais, suscitando intenso debate e crítica. Analisando os
resultados desse contexto, o artigo termina explicitando a
importância dos Trabalhos Manuais na mesma reforma.
Na sequência, o professor de História da Arte e
Museologia, Roberto Carvalho de Magalhães, desenvolve um
texto a partir de um artigo de Paul Valéry. A partir do texto do
ensaísta francês sobre museus, o autor estabelece como foco
da escrita a ideia “de que as obras de arte em um museu são
como crianças órfãs, que perderam sua mãe, a arquitetura”.
Como o título “Uma “aula” de museologia de Paul Valéry:
Considerações em torno do texto Le problème des musées”,
Roberto de Magalhães antes de explorar o texto de Valéry,
se dedica a uma breve exposição da relação entre literatos e
crítica de arte, sobretudo na França. Para explicitar melhor
sua intenção, diz o autor: “Tornando explícito o que Valéry
deixa embutido nas entrelinhas, o autor faz uma análise das
relações com a arquitetura que estão na gênese das obras de
arte visual e que não são levadas em consideração nos museus
tradicionais, limitando a experiência ótico-física e inteletiva
das obras por parte dos observadores”.
“Territorios de colaboración: negociaciones educativasartísticas en la escuela, el museo y la comunidad” é o artigo
escrito pela professora da Faculdade de Belas Artes da
Universidade de Barcelona — Aida Sánchez de Serdio Martín.
Nele a autora centra sua atenção na discussão da Educação
Artística entendida como colaboração entre diferentes agentes,
algo que permite a emergência de distintas definições de saber,
ensino e aprendizagem. “Colaboración no significa aquí
necesariamente consenso sino más bien negociación, disenso
y antagonismo”, afirma a professora Aida. No artigo temos
ainda a oportunidade de ver explorados diversos contextos
para a prática educativa colaborativa, tanto em escolas, como
em outros espaços de ensino-aprendizagem como museus e
espaços comunitários. Ao final podemos concordar com a
autora, no seu argumento principal, de que essa discussão
nos possibilita pensar e articular projetos colaborativos nestes
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Educ. foco,
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contextos sem perder de vista as tensões institucionais e
políticas.
O professor de Pedagogias Culturais Fernando Herraiz
García nos apresenta outra articulação em torno da relação
Cultura Visual e Educação. No artigo “Los niños con los niños
y las niñas con las niñas - Una reflexión autoetnográfica sobre los
aprendizajes de la masculinidad basada en la diferencia”, somos
convidados a refletir as masculinidades como aprendizagens
culturais. Tomando o contexto escolar espanhol como foco,
em que a diferença e segregação entre meninos e meninas são
elementos significativos, o autor busca perceber essas formas
de ser e estar dos gêneros como determinadas pela ordem
simbólica e divisão dos espaços. “A partir de un trabajo de
investigación autoetnográfico, trato de comprender algunos de
los dispositivos emergentes propios de la escuela y los espacios
donde los chicos negociábamos nuestros masculinidades en
el curso de educación infantil cuando tenía entre 4 y 6 años”.
Tomando uma imagem como título, os professores
Anderson Ferrari e Roney Polato de Castro assumem o poder
da imagem como discurso. A partir de um cartaz produzido
por um grupo GLBTT para a Parada do Orgulho Gay de
Madrid, os autores buscam problematizar a presença das
imagens na constituição das nossas subjetividades. “É esse
aspecto que nos interessa como questão central: como as
imagens estão implicadas na constituição de sujeitos? Como
esses processos são educativos e implicam as escolas? Questões
que nos impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja,
o de problematizar o predomínio das imagens, assumindo
que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere à
cultura, às imagens e aos sujeitos, de forma que não podemos
abordar esse fenômeno atual com estratégias e procedimentos
de décadas passadas. As imagens e suas implicações para os
sujeitos nos obrigam a buscar novas formas de pensar o olhar
e de prestar atenção nos sentidos e significados que vamos
dando às coisas e pessoas”.
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Na articulação entre memória, identidade, alteridade
e imagens, o artigo da professora Ana Maria Mauad –
“Fotografia y Cultura Política: Carnaval y Samba en el foco
de la buena vecindad” – analisa a produção fotográfica
realizada pela estadunidense Genevieve Naylor, enviada para
fotografar o Brasil no cenário da Política de Boa Vizinhança.
Ao se debruçar sobre esta produção imagética, Ana Mauad
chama atenção para alguns aspectos da relação entre memória,
identidade, alteridade e imagens, dentre eles, aquela que:
“enfatiza en el analisis la presencia negra en las imágenes de
la buena vecindad por el medio de la noción de íntertexto,
según la cual las formas narrativas o discursivas elaboradas en
la dinámica social se apoyan y condicionan unas a las otras”.
Os professores Josep María Caparrós Lera e Cristina
Souza da Rosa no artigo “O cinema na escola. Uma
metodologia para o ensino de História”, partem da afirmação
de que o “emprego do cinema nas aulas de história é uma
prática conhecida e consolidada” para questionar que,
independentemente desta presença, ele não está livre de
dificuldades. Dedicando-se a analisar a relação entre o
Cinema, História e Educação, os autores nos apresentam ao
longo do texto alguns desafios e potencialidades da articulação
entre essas áreas do conhecimento sem a pretensão de sanar
ou mesmo resolver problemas práticos, mas investindo na
problematização como armas que ajudem os professores nas
práticas diárias. Mais do que isso, o artigo toma um momento
importante da História do Brasil e da aproximação entre
cinema e educação para desenvolver seus argumentos. “Em
1930, no Brasil, o uso do cinema e sua introdução na escola
foi o centro de um longo debate promovido por professores,
intelectuais e governo. O resultado foi a criação do Instituto
Nacional de Cinema Educativo (INCE) destinado a produzir
filmes educativos. Desde então, muita coisa mudou, mas o
cinema não deixou a sala de aula nem as aulas de história”.
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Referência
MITCHELL, W. J. T. ¿Qué es la cultura visual? Traducción del texto
“What Is Visual Culture?” In: LAVIN, Irving (Ed.). Meaning in the
Visual Arts: Essays in Honor of Erwin Panofsky´s 100th Birthday.
Pricenton: Institute for Advance Studies, 2000. p. 207-217.
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Eixo Temático
O ensino da arte e do design
quando se chamava desenho:
reforma Fernando de
Azevedo
Ana Mae Barbosa1
Resumo
Este artigo coloca o Ensino da Arte e do Design no âmbito dos
Estudos Culturais e defende a necessidade de conhecimento
histórico como defesa contra o neo-colonialismo que espreita
a cultura dos países que, à semelhança do Brasil começam
a ser bem sucedidos economicamente. Usando pesquisa
feita em jornais entre 1922 a 1948, discorre-se a respeito da
reforma educacional considerada a mais radical já realizada
no Brasil, a Reforma Fernando de Azevedo (1927 a 1930). O
ensino do Desenho como Arte e Design foi um dos valores
centrais desta reforma. Fernando de Azevedo foi atacado de
todos os lados começando pela obrigatoriedade de exame
de Desenho para a entrada na Escola Normal. Também
se procurou desarticular as lideranças das professoras que
o apoiavam exigindo celibato para as professoras. O artigo
termina explicitando a importância dos Trabalhos Manuais
na Reforma Fernando de Azevedo.
Palavras-chave: Ensino da Arte. Desenho. Design. Reforma
Fernando de Azevedo.
Hoje ensino na Universidade Anhembi Morumbi no
Curso de Mestrado em Design, Arte, Moda e Tecnologia,
dedicando-me à disciplina História do Ensino da Arte e
do Design e, provavelmente, em 2012, lecione mais uma
disciplina sobre Estudos Visuais.
O encontro com Anna Maria Guasch na ANPAP de
2011 muito me estimulou na direção de enfrentar esta nova
1
Professora Titular da USP e da Anhembi Morumbi. [email protected]
Ana Mae Barbosa
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tarefa. Sua palestra salientou o valor da história para entender
o presente e projetar o futuro. Durante um jantar à beira da
belíssima Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio, ela falou de suas
preferências conceituais e dos artistas que mais admira de tal
forma que me identifiquei com suas preferências, assim como
já havia me identificado com as armas de luta contra o do uso
da Arte como instrumento de poder que seu amigo José Luis
Brea havia manejado.
Brea me foi introduzido em 2005 por minha aluna
Jociele Lampert. Comuniquei-me com ele que, por sua vez, se
mostrou encantado em vir ao Brasil, mas infelizmente antes de
formalizar sua vinda ele morreu. Lamentável perda.
Tenho sido muito estimulada para pesquisar a história
do Ensino da Arte, do Design e dos Estudos Visuais no
Brasil, como forma de contraposição ao esforço que alguns
programas de pós-graduações recentes vem fazendo no
intuito de eliminar a nossa HISTÓRIA e delimitar muito
estreitamente o campo da Cultura Visual. Coincidentemente
a exclusão do Design do âmbito da Cultura Visual vem sendo
praticada sem argumentação pelos mesmos que pretendem
destruir a História. Embora saiba que estou fazendo inimigos
ferozes continuarei lutando pela abertura do âmbito dos
Estudos Visuais no Brasil. Nos Estados Unidos a situação é
diferente.
Participei de uma mesa redonda na Annual Conference
da NAEA em Seattle em 2011 e pude observar que esse ano
na NAEA as mesas sobre Art and Design Education foram
as mais concorridas. Cultura Visual já não é algo discutível,
já está assimilada na Arte/Educação americana, pois seus
estudos foram integrativos com respeito à história e àqueles
que faziam Cultura Visual antes da Cultura Visual ter este
nome.
Desde os primórdios do modernismo houve arte/
educadores americanos como Belle Boas (anos vinte na
Columbia University) que integraram diferentes meios
produtores de imagens ao ensino da Arte e estenderam o
campo de sentido da Arte para a Antropologia e os meios de
comunicação.
A grande preocupação agora é com Arte e Design na
Educação.
Deste tema falaram Kerry Freedman, Mary Ann Stankiewicz
e Robin Vande Zander. Foi uma mesa excelente. Começou com
a História do ensino da Arte e do Design na Escola Normal de
Massachusetts hoje Massachusetts College of Art, instituição
onde eu cursei uma disciplina durante meu doutorado. Falaram
de Walter Smith que influenciou o mundo todo no início do
século XX, da Nova Zelândia ao Brasil2. Foi analisada também
a Revista School Arts por Robin Zander demonstrando que esta
preocupação com o Design sempre esteve subjacente ao ensino
da Arte nos Estados Unidos. Tenho buscado provar através de
pesquisas que no Brasil também foi assim. A frase com a qual
Kerry Freedman, a grande dama da Cultura Visual, terminou sua
fala ecoou por todo o Congresso, todos os outros dias: “Art and
Design Education is Visual Culture”.
A África do Sul vem defendendo com grande ênfase
Art e Design Education no currículo. Há dois anos em
um Congresso no Brasil sobre Design, organizado por
Mônica Moura, um professor Sul Africano disse que em sua
universidade o número de professores de Design Education
era quase o triplo do número de professores de outras áreas
do Design. Quando perguntei “por que?”, ele respondeu que
era política do governo. Portanto a nova onda em direção ao
ensino da Arte e do Design não recomeçou nos países ricos,
mas em um país ainda em desenvolvimento.
A crise está obrigando os países ricos a reverem suas
posições.
2
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 2. ed. SP: Editora Perspectiva,
1986. E PERES, José Roberto Pereira. “Nerêo Sampaio: a importância do
Ensino das Artes na formação do professor primário”. 2010. Trabalho de
Conclusão de Curso (Licenciatura em Magistério dos anos iniciais do Ensino
Fundamental com ênfase em Educação de Jovens e Adultos) - Instituto Superior
de Educação do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
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Termino aqui meu argumento afirmando em
consonância com Kerry Freedman que Design é Cultura
Visual, ou melhor, é parte integrante dos Estudos Visuais.
A ignorância sobre nossa história está fazendo
professores que orientam outros professores a negarem as
raízes sociais e políticas do ensino da Arte e do Desenho
no Brasil nas Escolas Primárias e Secundárias no Brasil. O
Projeto para ensino do Desenho de Rui Barbosa foi o mais
detalhado e mais bem embasado que se apresentou à legislação
brasileira até hoje. Usávamos a mesma palavra “DESENHO”
para designar desenho artístico e design. Só na década de
sessenta com as discussões para a criação da ESDI passamos a
usar desenho para a arte e design para projeto. A proposta de
Rui Barbosa nunca chegou a ser aprovada oficialmente, mas
como ele foi várias vezes candidato a presidente do país e sua
bandeira eleitoral era a educação, seu projeto como agenda
escondida resistiu nas escolas brasileiras até os inícios da
década de 1980, portanto quase cem anos. Quem se lembra
das rosáceas, das gregas, das frisas decorativas, do processo de
ampliação de figuras quadriculando o papel? Tudo isto que
entrou em nossa cultura visual pedagógica pelas mãos de Rui
Barbosa tinha como objetivo a preparação para o trabalho.
Era design, antes do design. O interesse era social e político.
Havia um boom da construção civil e os liberais lutavam pela
abolição da escravatura. Queriam que a Escola Pública e as
oficinas preparassem os escravos recém- libertos em Desenho
Decorativo e Desenho Gráfico para serem especializados e
bem pagos. Podemos questionar a visão política e social da
época, mas não podemos dizer que a preocupação do Ensino
da Arte com o social só surgiu na década de noventa do século
XX por influência da Cultura Visual, conforme afirmou um
orientador de mestrado e doutorado em artigo da Revista
Digital Invisibilidades. Rui Barbosa e André Rebouças
podem ter sido esquecidos pelos que ignoram e desprezam
HISTÓRIA, mas as ONGs que estão aí batalhando pelos
excluídos serem varridas da HISTÓRIA é mera destruição.
Elas desempenham um papel tão evidente em nossa sociedade
que não dá para esquecê-las. Todas as ONGs que são eficientes
na reconstrução social de crianças, jovens e adultos trabalham
com Arte desde os anos cinquenta do século passado. Nesta
época no Recife fui testemunha do trabalho com Arte de
Solange Costa Lima com as crianças pobres de Olinda e
eu própria trabalhei com crianças dos alagados do Recife
orientada por Paulo Freire.
O ensino da Arte e do Desenho para a Escola Primária
e Secundaria Pública pouco tem a ver com o “beletrismo”.
Para criticar o ensino das Belas Artes estão falhando na análise
critíca de nossa educação estética como um todo.
Mesmo o ensino das Belas Artes já na década de
sessenta do século XX se beneficiou da revolução pedagógica
do Ensino Universitário de Arte da Universidade de Brasília
liderada no ICA por Dr. Alcides da Rocha Miranda, um dos
meus mentores, que atualizou e contextualizou princípios da
Bauhaus no Brasil. A ele devo parte de minha formação e o
reforço dos objetivos políticos e sociais para o ensino da Arte
que já havia aprendido com Paulo Freire.
Atualmente pesquiso através dos jornais o ensino do
Desenho e da Arte de 1922 a 1948 com plena consciência de
que quando se falava em Desenho se falava de Arte e do que
hoje chamamos Design.
De todos os acontecimentos educacionais deste período
nenhum assunto educacional foi tão divulgado e debatido nos
jornais quanto o ensino do Desenho na Reforma educacional
do Distrito Federal feita por Fernando de Azevedo, aliás,
iniciada por Fernando de Azevedo e continuada por Anísio
Teixeira que finalmente o sucedeu na Diretoria da Instrução
Pública do Distrito Federal depois que ocuparam brevemente
o cargo, Osvaldo Orico e Raul de Faria, dois desafetos de
Fernando Azevedo.
Anísio Teixeira deu um belo exemplo de respeito ao
trabalho do político que o antecedeu por quem foi escolhido e
apoiado para a sucessão.
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
Em 1941, portanto durante o Estado Novo que perseguiu
muitos dos educadores e intelectuais que apoiaram esta
Reforma educacional, Cecília Meireles afirma categoricamente
em artigo no Jornal Manhã, 6 de setembro: “O principal ponto
de referência para o estudo da educação no Brasil é a Reforma
de 1928 que com o advento do período revolucionário,
encontrou um ambiente de experiência promissor de resultado
úteis” (p. 17)3. Mas, encontrou também um ambiente hostil,
reacionário, de intrigas e perseguições.
Além do mais havia a competição entre Minas, São
Paulo e Rio de Janeiro pela Reforma mais moderna e eficiente.
A Reforma de Ensino em direção à Escola Nova em São Paulo
foi paulatina, menos corajosa, pois foi facilmente se amoldando
sem luta aos desígnios da presidência do país, como foi o caso
da aceitação da volta do ensino religioso, decisão de Getúlio
Vargas. Fernando Azevedo em suas cartas a Frota Pessoa, após
ter deixado a Instrução Publica do Distrito Federal, lamenta a
falta de fidelidade de Lourenço Filho às próprias ideias, pois não
só se curvou ao decreto que regulamentou o ensino religioso
urdido por Francisco Campos a quem ele criticava, mas também
aceitou ser chefe de Gabinete do próprio Francisco Campos no
governo federal4 (PENNA, 1987, p. 150). Quanto à Reforma
Francisco Campos em Minas Gerais foi mais estrondosa por ter
importado vários educadores da Europa, porém menos radical,
menos abrangente e com falta de densidade teórica. Francisco
Campos usou mais “marketing” e Fernando de Azevedo mais
inteligência. Nas relações internacionais Francisco Campos
privilegiou a Europa. Disfarçou a preferência mandando
algumas professoras estudarem nos Estados Unidos. Fernando
de Azevedo também se aproximou dos Estados Unidos, mas
privilegiou as relações com a América Latina, inclusive com o
Ana Mae Barbosa
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
24
3
MEIRELES, Cecília. Obra em Prosa. Crônicas de educação. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001.
4
PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e transformação. SP:
Perspectiva, 1987.
México, pois conhecia e chegou a citar em texto e discursos as
Escuelas al Aire Libre.
Quanto ao ensino do Desenho, Minas trouxe da Bélgica e
da Suíça duas professoras de Desenho e Arte: Jeanne Milde e Artus
Perrelet. Perrelet influenciou pouco e mal. Seus ensinamentos
foram distorcidos e mediocrizados. Já Milde permaneceu no
Brasil, mas era mais preparada na prática do que na teoria. Com
o correr dos anos foi se aperfeiçoando mais teoricamente, ela
própria confirmou isto a mim em entrevista que me concedeu
nos anos 70 durante a qual fiquei encantada com sua paixão pelo
ensino e pela escultura.
Fernando de Azevedo contou com a colaboração de Edgar
Sussekind de Mendonça, de Cecilia Meireles, de Nerêo Sampaio
que fez concurso para a cadeira de Desenho com muito sucesso,
seguido da publicação da tese em livro: “O Desenho espontâneo
das crianças: considerações sobre a sua metodologia”5. Os jornais
noticiaram o concurso de Nerêo Sampaio com muitos elogios,
sendo o Jornal do Brasil o mais efusivo. No dia 2/10/29 publicou
a seguinte manchete:
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
O concurso de desenho na escola normal
O Prof F. de Nerêo conquista brilhantemente o 1º
lugar
A notícia trazia o nome do concorrente Prof Jurandyr
Paes Leme e os nomes da banca examinadora:
Pedro Paulo Bernardes
Edgard Susssekind de Mendonça
Carlos Chamberlland
A banca foi presidida pelo diretor da Escola Normal,
Dr. Carlos L. Werneck sem direito a voto. Os jornais falaram
de quatro provas: defesa de tese, prova escrita, modelo vivo e
5
Ver sobre Nerêo Sampaio no livro de BARBOSA. Ana Mae. John Dewey e o
ensino da Arte no Brasil. SP: Cortez, 2001.
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
perspectiva e prova didática, esta realizada com grande audiência
na Escola Nacional de Belas Artes, inclusive com a presença
de autoridades, dentre elas o próprio Fernando de Azevedo.
Excetuando a prova de modelo vivo e perspectiva, o concurso
daquele tempo parece o concurso para professor livre docente
da USP, UNESP e UNICAMP, que acrescenta a arguição do
memorial ou currículo comentado.
Dizia ainda o jornal que raros eram os exames deste tipo
que despertaram tanto entusiasmo no público. E justificava
acrescentando: “Pode-se afirmar que estava em jogo a organização
do ensino do Desenho introduzido na nossa Instrução Publica
do qual o Prof. Nerêo sempre foi um dos baluartes do ensino
desta cadeira na Escola Normal”.
Nerêo Sampaio foi o arquiteto e engenheiro de muitos
prédios coloniais de escolas construídos na administração
de Fernando de Azevedo. Quando este Diretor de Instrução
Pública assumiu o cargo, havia 270 escolas das quais 180
eram residências, alugadas e mal adaptadas. Dos 90 prédios da
Prefeitura somente 20 foram construídos para escolas, os outros
também eram adaptações precárias pouco apropriadas para
educação6. Com Fernando de Azevedo iniciou-se um período
de construções de Escolas intenso, o que era motivo para artigos
irados dos inimigos.
Ana Mae Barbosa
6
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
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Além do programa de construções de novas escolas a comunidade continuou
insistindo em adaptar casa e oferecê-la como escola, como se vê na notícia do:
O Jornal - 05/07/1929
Pela instrução municipal
A população de Fontinha ofereceu um prédio à Prefeitura afim de nele ser instalada
uma escola
Os moradores da Fontinha, um dos mais prósperos subúrbios desta capital,
acabam de oferecer à Prefeitura, gratuitamente, o prédio da Estrada da Fontinha,
404, afim de nele ser instalada a escola da localidade.
Trata-se de uma casa completamente nova, com todos os requisitos exigidos pela
pedagogia moderna para a instalação de uma escola.
O prédio oferecido possui amplos salões, com capacidade para mais de 600
alunos.
A população de Fontinha, que tem para mais de 700 crianças em idade
escolar, aguarda a presença do Dr. Licínio Cardoso, técnico da Diretoria
de Instrução, a fim de dar seu parecer.
O jornal ainda afirmava que Nerêo Sampaio era
conhecido internacionalmente, que havia representado o
Brasil no Congresso Pan Americano de Arquitetura em Buenos
Aires em 1927 era membro correspondente da Sociedade de
Arquitetos do Uruguai e membro efetivo do Comitê Pan
Americano de Arquitetos. Era também livre docente por
concurso da Escola Nacional de Belas Artes. Ser professor “por
concurso” era muito valorizado na administração Fernando de
Azevedo. Ele procurou aposentar os que não eram concursados
e os professores que não trabalhavam, mesmo os importantes
como Brício Filho, ex-deputado por Pernambuco que era
catedrático da Escola Normal assim como Osvaldo Orico e
Raul de Faria que se tornaram inimigos implacáveis. Bricio
tinha uma coluna no Jornal do Brasil. Reproduzo abaixo um
de seus artigos. Mesmo antes do Estado Novo virou censor do
Jornal do Brasil procurando filtrar críticas a Getúlio Vargas e
seus colaboradores.
Fernando Azevedo também realocou, transferiu vários
professores incompetentes que haviam conseguido seus lugares
por pistolão (termo empregado para significar interferência
de políticos e poderosos), o que acarretou muitos pedidos de
demissão, raivas incontroláveis e muitos concursos. Conta-se
que havia professores que iam para a sala de aula ler jornais
com o pé em cima da mesa. De 1 de agosto de 1928 a 1 de
fevereiro de 1929, portanto em seis meses, foram realizados 15
concursos nos quais realmente ganhava o melhor. A primeira
luta para aprovar a Reforma foi contra o Conselho Municipal
porque os conselheiros queriam barganhar cargos em troca
da aprovação. Conta-se que enquanto Fernando de Azevedo
lia no Conselho os termos da Reforma, os conselheiros só
se preocupavam em anotar o número de novos cargos que
seriam criados para negociar com o Prefeito ou com o próprio
Azevedo, que foi completamente intransigente: ocupação dos
cargos apenas através de concurso. Só conseguiu aprovar a
Reforma graças à interferência política no Conselho e a defesa
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
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árdua de Maurício de Lacerda, político poderoso, pai de
Carlos Lacerda7 que viria a ser adversário mortal de Getúlio no
segundo mandato. A língua de Carlos Lacerda era tão ferina
que o segurança de Getúlio, Gregório Fortunato, mandou
matá-lo, mas foi morto em seu lugar um tenente que estava
ao seu lado. Sem saída Getúlio suicidou-se após divulgação
na imprensa do atentado. Carlos Lacerda foi cassado pela
Ditadura Militar de 1964, como seu pai o fora no Estado
Novo que fechou o Congresso Nacional.
Mauricio de Lacerda foi um defensor das Artes. Ficou
famoso nos círculos culturais da época pelo seu discurso em
defesa da moralização da Escola Nacional de Belas Artes
no plenário da Câmara publicado nas atas do Congresso
Nacional em 25 de setembro de 1919. Desapareciam obras
do acervo e as que restavam eram abandonadas nos porões,
aumentaram as disciplinas teóricas para contratar professores
que sequer apareciam para ministrar suas aulas. Havia até uma
disciplina, “higiene das habitações”, para a qual foi contratado
um advogado, secretário da ENBA.
Depois da aprovação do Projeto da Reforma pendurado
de artigos inseridos pelos conselheiros, Fernando de Azevedo
ainda teve de convencer o Prefeito a vetar os adendos e a respeitar
as nomeações por concurso. A respeito disso foi extremamente
corajosa a carta de demissão que enviou em 23/01/2008 ao Prefeito
Dr. Prado Junior na qual dizia: “A reforma recentemente aprovada
é de execução difícil como todas as reformas profundas, e V. Excia.
deve ter a consciência nítida da tarefa tremenda que tomou sobre
os ombros. Mas, não há lugar para ilusões, ela ficará no papel se
o governo de V. Excia. procurar cargos para pessoas necessitadas
de empregos em vez de procurar pessoas notoriamente capazes
para os cargos... Se o merecimento real, indiscutível, não entrar
Ana Mae Barbosa
7
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
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Membro da União Democrática Nacional (UDN), vereador (1945), deputado
federal (1947-55) e governador do estado da Guanabara (1960-65). Fundador
em 1949 e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa e criador, em 1965,
da editora Nova Fronteira. Marcado pela ferrenha oposição ao “Getulismo”
e seus frutos, dentre eles, Juscelino Kubitschek, disponível em: <http://www.
frasesfamosas.com.br/de/carlos-lacerda.html>. Acesso em: 08 out. 2011.
como fator predominante na seleção de pessoas competentes para
os novos cargos ou para as vagas que se abrirem, tão longe estará
V. Excia. de melhorar a gravíssima situação do ensino no Distrito
Federal, que, ao contrário aumentará as dificuldades reinantes,
sobrecarregando a máquina burocrática de elementos inúteis
senão prejudiciais...”8 Sua demissão não foi aceita e os concursos
se sucederam. Noticiou-se inclusive que os concursos levaram
a aumentar sensivelmente a venda de livros sobre educação em
espanhol e francês.
Havia também resistência contra o fato de que os
paulistas estavam dominando a política no Distrito Federal
(Rio de Janeiro). O presidente do país, o prefeito e o diretor
da Instrução Pública eram paulistas no período da reforma
Fernando Azevedo.
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
Visita de autoridades à escola Visconde de Ouro Preto. Diretor de Instrução
Pública Fernando de Azevedo, com o Presidente Washington Luís e o Prefeito
Antonio Prado Jr. Fotografia de Augusto Malta. 24 set. 1927. (IEB/USP).
8
PENNA, Maria Luiza, op. cit., p. 159.
29
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
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A primeira das campanhas negativas pelos jornais em
relação a Fernando de Azevedo e sua Reforma, pois às vezes
criticavam o homem para criticar a reforma, foi contra a prova
de admissão à Escola Normal e o desenho foi escolhido como
vilão.
A reforma incluía o Desenho na escola, inclusive em
todos os anos da escola Normal, o que consequentemente
exigiu prova de Desenho do natural nos exames de admissão à
escola Normal e deslocou o Desenho Geométrico para a área
das provas de Matemática, decisão muito acertada e defendida
pelos educadores em vários países como Estados Unidos
e Suíça. Era já a visão modernista chegando pelas mãos de
Sampaio e Sussekind de Mendonça.
Todos os jornais do Rio de Janeiro noticiaram o
descontentamento das candidatas com a exigência da prova de
desenho. A crítica do A Manhã foi amena como podemos ver
mais houve outras mais agressivas ou desdenhosas como a de
Brício Filho que usava sua coluna principalmente para criticar
tudo e todos ligados a Fernando de Azevedo.
Ana Mae Barbosa
A Manhã
15/02/1928
Uma exigência excessiva!
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
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O concurso de admissão ao corpo discente da Escola
Normal, sempre constituiu entrave às moças que não
conduzissem pistolão. Pelo menos foi assim durante
o período que o pedagogo José Rangel dirigiu aquele
instituto de ensino. Se há modificações para melhor,
atualmente, não temos conhecimento. Com a reforma
ou sem ela, as moças que se propõem a fazer aquele
tirocínio, estão contando com mil dificuldades para
vencer aquela prova, dadas as exigências a inovações,
agora introduzidas ao concurso.
A exigência da prova prática de desenho, por exemplo,
não é das menores. Toda gente sabe que desenho e
pintura requerem temperamento, aplicação especial.
Não deviam constituir prova eliminatória de concurso
para admissão a uma escola destinada a preparar
professores. A não ser as vocações, poucas meninas
saem do curso primário, por mais aplicadas ao estudo
que sejam, em condições de tomar parte num concurso
de que essa disciplina constitua exigência essencial.
Tem-se reconhecido o desenho, como disciplina capaz
de impossibilitar qualquer carreira que não diga respeito
às artes plásticas.
Há admiráveis bacharelas, médicas, musicistas e
tituladas de outras muitas profissões, conquistáveis
pela mulher, que não chegariam ao fim da carreira, se
tivessem que fazer prova intermediária dessa utilíssima
disciplina. Nem por isso, entretanto, essas moças se
revelam na vida prática incapazes para a profissão que
escolheram. Pelo contrário. São hábeis profissionais,
que atravessam vencendo facilmente a vida. O mesmo
acontece com as professoras, destinadas a ensinar curso
primário à infância. Não há nenhum perigo em que essas
funcionárias deixem de revelar-se exímias manejadoras
do pincel. Se pintores há como o Parreiras que nunca
souberam desenhar! Por que, pois, essa exigência a
simples candidatas ao curso normal?
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
Correio da Manhã
15/02/1928
Ana Mae Barbosa
As candidatas à matricula na Escola Normal ameaçadas
A REFORMA SERÁ CUMPRIDA, CUSTE O QUE
CUSTAR, DIZ O DIRETOR DE INSTRUÇÃO E
CONFIRMA QUE A PROVA DESENHO SERÁ
EXIGIDA
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
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Escrevem-nos do gabinete do diretor geral da Instrução
Pública.
Numa entrevista concedida ao Correio da Manhã que
nos tem distinguido com sua simpatia, afirmou-se que a
prova de desenho exigida no concurso de admissão ao 1º
ano da Escola Normal constitui inovação e surpreendeu
as pretendentes ao ingresso a este estabelecimento de
ensino. A afirmação procurou esteiar-se em artigo votado
no decreto nº 3281, de 23 de janeiro deste ano; mas foi
infeliz e desarrazoada. O artigo 110 do precitado decreto
determina que passarão para o primeiro ano da Escola
Normal por promoção os alunos que hajam concluído o
curso complementar anexo. Ora, este curso vai iniciarse este ano e por isso mesmo o decreto nº 8281, no
art. 362, diz claramente: “Enquanto não houver alunos
diplomados pelos cursos complementares, criados por
esta lei, a admissão às escolas normais, profissionais e
domésticas será feita por concurso”. O parágrafo único
do mesmo artigo diz ainda clarissimamente: As condições
do concurso serão estabelecidas em instruções especiais pelo
diretor geral.
O art. 102, vetado, é que constituía no decreto uma
incoerência à vista dos art. 110 e 362.
A prova de admissão e concurso e não mero exame.
Afirmar que o desenho é inovação capaz de surpreender
as candidatas é supor-lhe a falta de preparo em
matéria do curso primário a qual devem ter estudado
integralmente. Aos candidatos à admissão ao 1º ano do
curso complementar anexo, o decreto não exige como
condição para preferência, o curso primário constituído
de cinco anos em escola pública (art. 127).
DESCONHECER a necessidade do desenho é utilizarse uma pedagogia de trinta anos passados. Apelar
para argumentar DE MANEIRA SENTIMETNAL é
LEVIANDADE...
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
Correio da Manhã
16/02/1928
As candidatas à matricula na Escola Normal ameaçadas
O DR. BRICIO FILHO E AS EXPLICAÇÕES
DADAS PELO DIRETOR DE INSTRUÇÃO
A propósito da nota do diretor de instrução Pública,
ontem publicada, recebemos do Dr. Brício Filho a
seguinte carta:
Solicitado pelo ‘Correio da Manhã’, em virtude de
reclamação levantada a essa ilustrada redação, a emitir
minha opinião relativamente à inclusão da prova
gráfica de desenho entre as necessárias para admissão
à matrícula na Escola Normal, possivelmente contra
a exigência, com aquela franqueza caracterizadora de
todos os atos de minha vida e com aquela orientação
que ainda me não levou a alienar a independência de
meus pronunciamentos para cortejar os que exercem
qualquer parcela de poder.
Se dúvida tivesse quanto ao ponto de vista em que
me coloquei, a explicação fornecida pelo gabinete
do Diretor Geral de Instrução Pública, ontem
publicada nesta coluna, serviria para demonstrar
que bem acertado andei quando opinei pela forma
que motivou a contestação oficial. As explicações
que passam a ser dadas vão demonstrar o acerto da
presente afirmação.
No comunicado do gabinete estranha-se que seja
qualificada como inovação a exigência da prova de
desenho para a entrada no referido instituto de ensino.
Não sei porque essa estranheza. Inovação, dizem os
léxicos, é noção ou efeito de inovar, é coisa introduzida
de novo. Ora, membro da comissão examinadora
do curso, há mais de dez anos, não tive a ocasião de
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
ver, uma só vez, o desenho figurar entre as disciplinas
exigidas para aquele mister. Agora a referida matéria
é arrolada entre as necessárias. Logo foi introduzida
alguma coisa nova, houve ação ou efeito de inovar,
houve inovação, quer queiram quer não queiram os
sábios da escritura.
Na comunicação do gabinete não se compreende que
ficassem surpreendidas com semelhante inovação –
permitam a insistência do vocábulo – as candidatas ao
concurso. Surpreender, diz o prezado amigo Aulette, é
apanhar ou tomar de improviso, tomar de surpresa, cair
inopinadamente sobre. Ora, as condições de preparo
reclamadas para o ingresso eram as pertinentes aos
conhecimentos de português, aritmética, geografia
e história do Brasil. No correr do ano de 1927,
enquanto as candidatas se preparavam, não apareceu
qualquer explicação. Em 1 de fevereiro do corrente
ano, nas vésperas do concurso, quando não havia mais
tempo para um ensino complementar, apareceram as
instruções reguladoras da admissão, trazendo no bojo
a obrigatoriedade da prova de desenho, e não se quer
admitir que isso seja “apanhar ou tomar de improviso,
tomar de surpresa, cair inopinadamente sobre” as
cabeças das examinadas...
Ana Mae Barbosa
A resposta a Brício Filho não se fez esperar e foi publicada
em todos os jornais do Rio.
A Pátria – O Imparcial – O País – Jornal
Comércio – Jornal do Brasil
17/02/1928
do
O Concurso de Admissão à Escola Normal e a
Reforma do Ensino
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
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Escrevem-nos do gabinete do sr. diretor de Instrução
Pública:
“Numa entrevista concedida ao ‘Correio da Manhã’,
afirmou-se que a prova de Desenho exigida no concurso
de admissão no 1º ano da Escola Normal constitui
inovação e surpreendeu as pretendentes ao ingresso
nesse estabelecimento de ensino”.
A afirmação procurou esteiar-se, argumentando
sofismaticamente, em artigo vetado no decreto
3.281, mas foi infeliz, além de desarrazoada, pois
esqueceu o que está claramente determinado nos
arts. 110 e 362 do precitado decreto. Ao diretor
geral compete, por lei, estabelecer as condições do
concurso de admissão à Escola Normal em 1928, por
meio de instruções especiais. Foi o que se fez em 01
de fevereiro fluente.
Desconhecer a necessidade do desenho, já foi dito
em nota anterior gentilmente publicada pelo ‘Correio
da Manhã’, é cristalizar-se uma pedagogia de 30 anos
passados. Mas há cousa ainda mais grave e deplorável. O
autor da entrevista reeditou suas afirmações sofismáticas,
pelos mesmos termos em artigo do ‘Jornal do Brasil’,
o que, jornalisticamente é pelo menos curioso: o não
hesitou em insinuar que a Reforma do Ensino passou
graças a promessas de pingues recompensas aos seus
propugnadores e teve por isso apologistas num coro de
entusiasmo. A insinuação é visceralmente falsa e exige
imediata demonstração, tal a sua gravidade.
O diretor de Instrução repta o articulista a declarar o
nome de alguém, ou de algum jornal, a quem durante
toda a campanha em favor da Reforma do Ensino,
tivessem sido feitas promessas de lugares para conseguir
o apoio ao projeto então em debate. Afirmações dessa
natureza, não provadas deixam o autor de tal perfídia
em situação que nos abstemos de qualificar.
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
A admissão à Escola Normal
REBENTAM PROTESTOS CONTRA AS PROVAS
DE GEOMETRIA E DESENHO
Irregular organização das comissões examinadoras
Foi hoje efetuada a última prova do concurso de
admissão ao primeiro ano da Escola Normal. O nosso
representante, tendo ali estado, antes da hora da abertura
35
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
do portão para a entrada das candidatas, pode ouvir os
comentários desdobrados em vários grupos. Falava-se
de um lado da exigência da prova de geometria, apensa
à de aritmética, quando até agora as matérias exigidas
para a matrícula eram português, aritmética, geografia e
História do Brasil, de acordo com o programa de escolas
primárias. Embora o ponto sorteado fosse relativamente
fácil e assim proposto – “Qual a área em hectares de
um terreno triangular cuja base é de 1.440 metros e
altura 840 metros?”, comentava-se desfavoravelmente
a obrigatoriedade da demonstração de conhecimentos
geométricos, lançados à última hora, com surpresa das
examinandas.
O descontentamento, hoje, era maior porque o
concurso ia versar sobre a prova gráfica de desenho,
reclamada intempestivamente, sem tempo para
uma boa técnica, pois que as pretendentes à entrada
naquele estabelecimento de ensino não contavam com
esse extravagante acréscimo. O caso é tanto mais para
ser assinalado com censuras quanto a inabilitação em
uma só dessas disciplinas leva à reprovação a todas
as outras. Uma examinanda que haja obtido 10 em
aritmética, português, geografia e história, se tiver a
infelicidade de receber nota inferior a 4 em desenho
gráfico, que pode não ter estudado, por não contar que
nas vésperas da prova isso lhe seria exigido, terá todo o
seu esforço, comprovado brilhantemente por completo
prejudicado, visto como as instruções publicadas por
ordem da diretoria da Instituição Pública Municipal
assim o determinam. Se não houver recomendação
expressa para que as provas de geometria e desenho
sejam simplesmente decorativas, apenas mantidas
como exemplo de teimosia da administração; se a
banca examinadora resolver rejeitar os desenhos
imprestáveis, numerosos serão os fracassos. Por isso
calorosos eram os protestos que apareciam nos diversos
agrupamentos.
Outro comentário com calor formulado era o pertinente
à organização das mesas examinadoras, que ficaram
assim constituídas:
Português – Porto Carreiro, Brant Horta e Julio
Nogueira;
Ana Mae Barbosa
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
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Aritmética e geometria – Correggio de Castro, Lacerda
Coutinho e Souza Lima;
Geografia e História do Brasil – Soares Rodrigues,
Othelo Reis e Saul de Gusmão;
Desenho – Nerêo Sampaio, Alice Rocha e Guilherme
Santos.
Estranhava-se que tivessem sido excluídos das bancas
examinadores os professores catedráticos, apenas
contando um a de história, de que faz parte o Sr. Soares
Rodrigues. Assinalava-se que os outros membros das
comissões apuradoras do preparo das candidatas são
docentes da Escola, postos em disponibilidade em
virtude da nova reforma. Considerados disponíveis
ficam sem trabalho, mas recebendo vencimentos.
Chamados a serviço no concurso de admissão, além
do que percebem em inatividade, passam a ganhar
“pró-labore”, assim como terão vencimentos acrescidos
quando forem chamados a reger turmas na Escola
Normal. E é assim que se gasta o dinheiro em nossa
terra, dizia-se nas diferentes rodas formadas em frente ao
edifício onde são preparadas as educadoras de amanhã.
Como se vê, o concurso de admissão à Escola Normal
vai sendo realizado em meio de complicações.
Diário Carioca 23/03/29
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
Este artigo sem assinatura foi atribuído a Bricio Filho
que fora um dos professores catedráticos excluídos das bancas
examinadoras. Acho o artigo muito moderado para ter sido
escrito por Brício Filho, arqui-inimigo de Azevedo.
Os jornais se acalmaram depois da prova de desenho.
Havia um nacionalismo no ar e o fato da prova ter sido
sobre a folha de inhame e não de uma planta européia, calou
alguns que não queriam ser tomados por antinacionalistas.
O inhame é quase nacional. Poucos sabem que é uma raiz
muito usada na alimentação na Polinésia. Em um jantar em
Nadi, nas Ilhas Fiji, pedi que me servissem um prato bem
típico do local. Me serviram peixe assado com inhame e fruta
pão, comida muito comum na minha infância no nordeste do
Brasil.
37
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
Após os exames, os três principais jornais trazem as
seguintes notícias:
Ana Mae Barbosa
O Globo
01/03/1928
Os exames de admissão à Escola Normal
A PROVA DE DESENHO E O PONTO SORTEADO
Como tivemos ocasião de dizer, na primeira edição,
realizam-se hoje, na Escola Normal, a última prova do
exame de admissão.
Ao ter início a prova, que era a de desenho, notava-se
o descontentamento geral e a ansiedade em saber em
que constaria a referida prova, pois foi ela encaixada nos
últimos dias, com decepção dos que se candidatavam ao
curso da Escola Normal.
O ponto sorteado foi o n I, isto é, desenhar do natural
uma folha de inhame.
À prova de hoje não faltou nenhuma candidata.
Correio da Manhã
01/03/1928
As futuras normalistas
ENCERROU-SE (sic) COM A PROVA GRÁFICA
DE DESENHO OS EXAMES DE ADMISSÃO
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
jul. / out. 2013
38
Como antecipamos, com a prova gráfica de desenho,
encerraram-se ontem os exames de admissão ao 1º ano
da Escola Normal. O ponto sorteado para as candidatas
foi a folha do inhame. Hoje, serão iniciados com a prova
escrita de português, os exames de admissão ao curso
complementar, anexo à mesma escola. Inscreveram-se
490 candidatas.
O Jornal
01/03/1928
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
Os exames de admissão à Escola Normal
REALIZARAM-SE ONTEM AS PROVAS FINAIS
Efetuaram-se ontem, na Escola Normal, as provas finais
de admissão, provas essas que constaram de grafia de
desenho, tendo sido sorteado o ponto relativo a uma
folha de inhame.
A mesa examinadora era composta dos professores srs.
Fernando Nereu Sampaio, Guilherme Santos e D. Alice
Rocha.
Em conseqüência da reforma da Instrução Pública foi
criado o curso complementar anexo à Escola Normal.
Neste curso inscreveram-se 490 candidatos, sendo hoje
iniciada a prova escrita.
Uma excelente estratégia de Azevedo foi publicar vários
textos que respondiam a quase todos os ataques à Reforma.
Por isso eu afirmei no início deste capítulo que esta foi mais
bem embasada teoricamente, em relação às demais reformas
da Escola Nova.
A reforma do ensino no Distrito Federal
O ilustre Sr. Fernando de Azevedo acaba de tirar em
volume uma série de trabalhos — discursos e entrevistas — em
que defende e encaminha as idéias e princípios que nortearam
a atual reforma de ensino, na capital da República. Ao mesmo
tempo aparece em volume a lei do ensino, acompanhada do
respectivo regulamento.
Os dois livros se completam.
No primeiro, o Sr. Fernando de Azevedo defende as
idéias, expõe as doutrinas, acompanha o processo de execução
das medidas alvitradas; no segundo se contem o texto das leis,
a síntese e a forma das medidas.
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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Através de ambos se comprovam e demonstram as
virtudes e merecimentos da atual reforma, que se inspirou nas
lições mais adiantadas da pedagogia e tende a aproveitar todos
os elementos que possam concorrer para o êxito da grande obra
de educação. A seu tempo nos referimos aqui a excelência das
idéias e a lucidez que lhes guiava a execução. Cabe-nos apenas
em face do aparecimento dos dois volumes, registrar a sua
publicação e recomendá-los a quantos procurem se inteirar da
reforma de ensino na capital da República, certos de que vão
encontrar o aproveitamento das lições mais modernas e das
experiências mais seguras da pedagogia universal.
Ana Mae Barbosa
O Jornal do Brasil
05/07/1929
O espírito das elites dominantes era tão retrogrado que não
parou aí a perseguição à Reforma. Resolveram perseguir
as professoras da Associação Brasileira de Educação (ABE)
que começavam a se reunir como categoria profissional
e apoiavam a Reforma. Um deputado propôs o celibato
das mulheres professoras. O jornal A Pátria fez enquetes
com professores a respeito. O Professor Luis Palmeira foi
totalmente contra, mas veio de Benevuta Ribeiro, uma
mulher, o apoio incondicional.
A Pátria
15/02/1928
A IDÉIA DO CELIBATO OBRIGATÓRIO PARA AS
PROFESSORAS
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 19-52,
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O magistério é uma profissão de renúncia. Uma mulher
não pode ser, ao mesmo tempo, boa mãe e boa professora.
Sou pelo celibato pedagógico – diz a diretora Benevuta
Ribeiro
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A propósito do celibato pedagógico, inserimos hoje
a opinião de Benevuta Ribeiro, diretora da Escola
Profissional Feminina Rivadavia Correa.
A brilhante educadora opina pela obrigatoriedade do
celibato para as professoras. E opina com argumentos
interessantes.
O problema para ser posto em seus justos termos, diz,
tem que ser discutido dentro da sociologia, da moral e
da pedagogia.
Para isso precisaria tempo e meditação. Mas como “A
Pátria” pede uma resposta imediata prefiro encarar o
problema sob ponto de vista prático: o resultado das
minhas observações.
Soa francamente favorável ao celibato das professoras,
por julga-lo uma necessidade para o ensino. Não digo
isso porque sou celibatária. Digo porque é essa a minha
convicção. Acho que a professora quando se casa deve
isolar-se do ensino. Se enviuvar ou se a assaltarem
dificuldades prementes então poderá voltar a exercer sua
atividade numa escola.
Mas uma moça que se casa, que tem casa, que tem
filhos, ou é má mãe, má dona de casa e boa professora,
ou é boa professora e, nesse caso, má dona de casa. Ou a
casa ou a escola. Ou os alunos ou os filhos.
Em minha escola tenho tido exemplos frisantes. Adjuntas
que são ótimas auxiliares em solteiras, casam-se e ficam
péssimas. Tive adjuntas assim. Em solteiras eram tudo
quanto se poderia desejar de melhor. Casadas, tiveram
até que ser repreendidas pelo diretor.
Contra este absurdo se insurgiu o deputado Maurício
de Lacerda, pai de Carlos Lacerda, e o projeto foi arquivado.
Mas a campanha da oposição contra as professoras
continuou, chegando-se a acusar Celina Padilha de comunista
como no artigo que se segue abaixo. Começava “a caça às
bruxas” que o Estado Novo empreendeu com prisões e
torturas. As primeiras acusações de comunistas aos educadores
e educadoras partiram do lobby das escolas católicas que se
empenhou arduamente pela derrota da escola pública em sua
caminhada em direção à qualidade. A revista A Ordem escolheu
Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Celina Padilha para
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Azevedo
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atacar com especial esmero. Celina Padilha defendia os
direitos da mulher numa sociedade que ainda não aceitara o
voto feminino. Em 1930, quando sua defesa da mulher como
cidadã resultou no terrível artigo que se segue, apenas o Rio
Grande do Norte permitia o voto da mulher. Curiosamente
foi o Estado de nascimento de Nísia Floresta, uma lutadora
pela educação da mulher em igualdade com os homens, que,
entretanto, teve de sair de lá para não ser expulsa. Neste caso,
a sociedade a rejeitou mas assimilou um pouco de suas ideias.
Só foi permitido às mulheres votarem em todos os
Estados em 1932, mas somente aquelas que tivessem renda
própria. Voto só para as ricas. Em 1934 todas podiam votar,
mas não eram obrigadas a isto. Só os homens eram obrigados,
obrigatoriedade que se estendeu às mulheres em 1946.
Penso que o horror da Ação Católica por Celina Padilha
foi não só seu dito feminismo, mas sua presença destacada
como conferencista no congresso de educação judaica em
1928 no Rio de Janeiro. Um dos temas foi a educação para o
judaísmo. Entretanto, nunca se pretendeu ensinar judaísmo na
escola pública, mas os católicos pretendiam ensinar catolicismo
e conseguiram.
Celina Padilha foi professora do Prof. José Reis, cientista
que durante muitos anos escreveu na Folha de São Paulo. Era
lembrada por ele com carinho.
Ana Mae Barbosa
A Notícia
11/06/1930
A Raiz do Comunismo na Instrução Primária Oficial
Educ. foco,
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Uma inspetora de escolas pregando por intermédio dos
jornais do “consórcio”, a necessidade de adotarmos as
normas subversivas de Moscou. O amor livre, o ateísmo
e a entrega dos filhos ao Estado para a educação: —
Que é isto?
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Há dias chamamos a atenção do governo e,
particularmente, da polícia para as novas modalidades
da infiltração comunista no nosso meio. E destacamos,
para base dos nossos argumentos, as teses impróprias
que, incluídas no programa de um próximo Congresso
de Educação, serão debatidas sob a presidência de honra
do Sr. Fernando de Azevedo, se as autoridades ainda
não houverem feito riscar da agenda da conferência os
capítulos perigosos.
Citamos, então, documentos impressionantes que
demonstravam a seriedade da nossa denúncia, e
aludimos de passagem a penetração bolchevista no
ensino carioca, por intermédio de elementos estranhos
ao magistério ou a ele pertencentes.
Mas a questão não ficou circunscrita ao assunto de
nossa estranheza. Agora, mais uma investida se esboça,
e da parte de uma inspetora escolar muito conhecida, e
cujas atitudes exibicionistas a incompatibilizam com a
delicadeza de seu cargo.
No “Diário da Noite” de ontem, e que só à hora de
encerrarmos os trabalhos desta edição nos foi mostrado,
na parte de que vamos tratar, a Sra. Celina Padilha
publica declarações de suma gravidade sob a etiqueta
de definição do feminismo e da emancipação da mulher
brasileira. Nós, embora sucintamente, e para não deixar
ser um comentário imediato à desenvoltura dessa
educadora transviada, queremos pôr em destaque as
suas doutrinas atentatórias da nossa organização social,
pregadas pela referida senhora na folha do Sr. Assis
Chateaubriand, o serviçal disfarçado do comunismo e
um dos principais agentes corruptores da República no
Brasil, com a fingida independência dos seus periódicos.
Começa a Sra. Celina Padilha ferindo, em mal português,
a velha tecla da emancipação da mulher, moendo no
seu realejo a música batida que durante a guerra o sexo
feminino, por necessidades de momento, se afirmou
como um valor de peso nas atividades grosseiras antes
só exercidas pelos indivíduos do sexo masculino. E
um refrão estafado e que D. Celina desenvolveu com
uma chatice deplorável, não merecendo aí maiores
discussões. Outras já fizeram a mesma coisa. Outros
tópicos da conversa jornalística da senhora Padilha é
que precisam ser grifados, no sentido de que as nossas
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Fernando de
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autoridades possam observar o quanto vai adiantada
por aí fora a propaganda subversiva. Essa senhora prega
com incrível desembaraço e ateísmo, a dissolução da
família, aconselhando à mulher a permanência fora do
lar e retirando ao mesmo tempo das mães o direito de
educação dos próprios filhos. O que ela sustenta nesse
capítulo escrito em cassange é, nem mais nem menos,
a prática dos Soviets que entregaram ao Estado russo
a exclusividade de educação da infância, no intuito de
eliminar os vínculos de afeto doméstico que fizeram
a felicidade coletiva com a organização modelar da
família, base da nossa civilização.
Como na Rússia, quer a Sra. Celina Padilha que nós
aqui afastemos os pequenos das suas casas e do contato
dos progenitores, para que não sofram a influência
destes, influência conservadora, que não agrada aos
revolucionários.
Para exemplo da sua teoria quer a senhora Padilha que
se note o espetáculo de luta pela vida nas moças que
trabalham nas oficinas e no comércio, e, reivindica para
as “bas-bleus” do magistério e das profissões liberais, a
direção desse exército de criaturas que buscam pelo seu
esforço os elementos de subsistência.
Fraco exemplo esse. Porque o desfile a que assistimos
diariamente, de moças que pela manhã saem rumo aos
seus empregos, não obedece às diretrizes ou à orientação
de quem quer que seja, e muito menos dos que se
revoltam contra os hábitos de moralidade da família
brasileira. Essas moças representam as obreiras de uma
luta individual contra a pobreza, luta pela defesa da
virtude, e sem procuração a quem quer que seja para
dar-lhe outra interpretação, muito menos a essa senhora
Dona Celina Padilha.
Aliás, nós preferimos acreditar que a inspetora Celina
Padilha está agindo mais por ignorância e exibicionismo
do que por convicção. Porque se assim não fosse, seria
o caso de perguntar-se aos responsáveis pelos destinos
da Instituição Pública as razões que as obrigam manter
num cargo de tão alta responsabilidade quem se
manifesta com rebeldia diante da nossa organização
social e defende postulados imorais, anti-sociais, e até
ofensivos à própria mulher porque lhe negam aptidão
para a formação de caracteres.
Qualquer que seja, entretanto, o fundo do objetivo da
Sra. Celina Padilha, ressalta a gravidade de suas predicas
no seio das escolas, onde ela é nociva, aconselhando
coisas que importam na quebra das nossas tradições
domésticas e valem por um credo de franca corrupção
de costumes. Essa inspetora deve ser advertida, e coibida
se exercer assim sua propaganda.
É esse o dever dos que têm por obrigação manter a ordem
social vigente. Com mais vagar, voltarmos ao assunto,
mesmo porque as declarações da Sra. Celina Padilha
impõem outros comentários muito mais expressivos...
O ensino da
arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
Fernando de
Azevedo
Com isto foi nomeado um delegado para vigiar e conter
a onda dita comunista entre as professoras. Havia inclusive sua
foto no jornal neste mesmo dia, com cara de orgulho pela “santa
missão” de que estava incumbido. As lutas pela emancipação
feminina começavam a assustar os conservadores.
Entre oposições mesquinhas à Reforma Fernando
de Azevedo estava até uma campanha contra os uniformes
adotados pela Diretoria de Instrução Pública.
Do ponto de vista do Desenho, a mais eficiente
reforma da Escola Nova foi a do Distrito Federal. Havia
um contínuo processo de atualização dos professores para
atuarem na Reforma além do esforço da Associação Brasileira
de Educadores e da Cruzada pela Escola Nova em promover
cursos e palestras para os professores e o Desenho recebia a
mesma atenção que as outras disciplinas e tópicos. Entre os
tópicos de discussões na Cruzada em 1929 constava:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Leitura de Jornais
Jogos Pedagógicos
Museu de classe
Testes
Desenho e Trabalhos Manuais
Dramatizações
Aritmética
Linguagem
Música
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O Desenho tinha o mesmo status que as outras disciplinas
e significava não mais submissão ao desenho geométrico, mas
a prática do desenho de imaginação, desenho decorativo,
desenho industrial, desenho gráfico (ou artes gráficas) desenho
de observação. As Escolas Profissionais se desenvolveram
muito sob a Reforma, eram escolas de iniciação ao “design” só
que esta designação não era ainda usada.
Quanto aos Trabalhos Manuais, embora tenham
tido menor divulgação que o ensino do Desenho, também
mereceram estudos, com o primeiro livro publicado no Brasil
sobre o assunto escrito por Coryntho da Fonseca.
Sobre o livro e o autor se publicou esta notícia abaixo:
Ana Mae Barbosa
Diário Carioca
06/06/1930
OS TRABALHOS MANUAIS NA EDUCAÇÃO
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Parece não restar mais dúvida alguma sobre a vantagem
de introdução dos Trabalhos Manuais nos programas de
ensino, quer primário, quer secundário.
Feita essa verificação, resta saber como e com que
orientação deve ser a matéria nova tratada pelos srs.
Professores que, já convencidos pela propaganda já
feita, não dispõem de uma fonte de esclarecimento
que os oriente por sugestões e exemplos práticos que
lhes permita porem em prática esse novo e valioso
instrumento didático que são os Trabalhos Manuais.
Nada neste gênero há, ainda, escrito, em português, de
sorte que qualquer iniciativa dessa espécie, será bem
recebida pelo professorado brasileiro.
É ao encontro dessa necessidade que vem o livro do
professor Coryntho da Fonseca, sob o título “A Escola
Ativa e os Trabalhos Manuais” que deve ser posto à
venda por todo o mês de julho ou princípios de agosto.
Foi a ele que se dirigiu a empresa, editora Companhia
de Melhoramentos de São Paulo para incumbi-lo da
tarefa de escrever um volume da Biblioteca de Educação
publicada sob a competente orientação do professor
Lourenço Filho que rege a cátedra de Psicologia da
Escola Normal de São Paulo.
Texto que se segue com falhas
A escolha foi de todo pertinente pois se trata não só
de um professor esforçado como de um experimentador
cuidadoso que desde 1912, vem se dedicando aos temas
de educação, fazendo exercicio dos cargos de diretor da
Escola Profissional Souza Aguiar e da Escola Wencelau
Brás, única... escola normal existente, para a formação
de professores de Trabalhos Manuais e de artes e ofícios,
um esforço... na investigação, experiência e formulação
de métodos de ensino,... dando os melhores resultados
práticos...
No ano de 1914, o professor Coryntho da Fonseca, a
convite de muitos professores primários do Distrito
Federal, realizou um curso teórico e prático de
trabalhos Manuais, do qual resultou... que a aplicação
dos trabalhos continuasse... em madeira nas escolas
primárias cariocas...
Diz ainda a notícia que o livro sugere a aplicação
dos Trabalhos Manuais em várias disciplinas no currículo,
enfatizando o Português, e o autor mostra como estabelece esta
ligação interdisciplinar na Escola Souza Aguiar e no Colégio
Pedro II onde ensinava.
Apresenta 30 desenhos e gravuras que contribuem para
tornar o ensino dos trabalhos manuais mais compreensivo, diz
a notícia.
Afirma ainda que os métodos do Prof. Coryntho da
Fonseca foram adaptados às escolas de formação de artífices do
Ministério da Agricultura. Enfim, o artigo é uma louvação do
livro A Escola Ativa e os Trabalhos Manuais, apresentado como o
único sobre o assunto no Brasil e um dos melhores do mundo.
O que se depreende da notícia é que o forte do livro é
o trabalho de marcenaria que aborda todo o processo até o
envernizamento. Confirmei isto consultando o livro Fui sujeito
dos métodos de Coryntho da Fonseca no Instituto de Educação
de Alagoas, quando lá fiz a segunda e terceira séries do
ginasial. Odiava a serra tico-tico, usada para recortar madeira
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Ana Mae Barbosa
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e detestava envernizar. Meus professores davam a opção de
pintar a peça, a qual eu utilizava sempre. Meu avô me ajudava
a fazer os trabalhos em casa. Apesar de ele ter sofrido um AVC
e ter um lado do corpo semi paralisado, ele conseguia melhores
resultados que eu. O Instituto de Educação de Alagoas e o
de Pernambuco foram minhas melhores escolas. Apesar de
serem somente para mulheres havia esforço em igualdade
de gêneros no currículo. As meninas não faziam só bordado,
elas também usavam, em trabalhos manuais os instrumentos
comumente usados pelos homens naquela época, tais como
martelo, serrote, etc. Somente muitos anos depois valorizei
este aspecto, comparando-o aos ensinamentos das escolas
de freiras que frequentei no primário e no primeiro ano do
secundário. Uma era muito boa, tão boa que fechou. Tratavase do Colégio Imaculada Conceição onde fiz meu curso
primário. As freiras eram abertas e já havia chegado a elas
os ensinamentos da Escola Nova, sendo assim, elas optavam
pelo ensino através da descoberta. Tanto é assim que entrei no
primeiro ano aos sete anos sem saber ler, tendo frequentado
apenas um ano de jardim da infância aos cinco anos no Recife,
que me lembro ter adorado. Fazia muitos desenhos, bordava
em talagarça sem modelo para copiar. Devia ser um Jardim da
Infância que seguia a Escola Nova.
No Colégio Imaculada Conceição, onde entrei pelas
mãos de minha madrinha Ivanise elas não se assustaram com
meu analfabetismo numa classe onde todas as alunas eram
alfabetizadas. Não me pressionaram, não deixaram as outras
perceberem e um belo dia sem saber como, para surpresa da
professora, eu estava lendo. Ela achava que eu conseguiria
sozinha, mas não com aquela rapidez que fiquei devendo à
biblioteca do meu avô, o lugar mais bonito e mais sedutor da
casa onde passei a me enfurnar. Mas mesmo naquele Colégio
maravilhoso os trabalhos manuais ainda eram apenas bordados
para as meninas.
Para meu primeiro ano colegial minha avó escolheu o
colégio das elites alagoanas, onde minha mãe estudara. Era um
horror. Primeiramente, era classista. Na minha percepção, que
não sei se aprendia de modo fiel ou se exagerava a realidade, as
meninas, filhas de usineiros e donos de terras, que forneciam
todo o açúcar do colégio eram as destacadas, as elogiadas,
tiravam boas notas embora não fossem estudiosas e suas notas
passassem por uma cosmética que as valorizava. Acostumada
a ser elogiada pela minha performance nas aulas pelas
professoras do Colégio Imaculada Conceição, cheguei a ter
um desenho, que não foi mostrado à classe, rasgado em frente
das colegas no Colégio Santíssimo Sacramento. Imagino que a
Escola Nova em 1947 não havia chegado por lá ainda, não só
por esta atitude, mas também porque o desenho era cópia de
outro desenho, uma imagem de borboleta que a freira havia
pregado na lousa para copiarmos.
Aos doze anos me informei com minhas primas Costa
Barros, Noemia e Luzia, que por serem muito inteligentes,
foram modelos para mim durante a adolescência, a respeito
das melhores escolas da cidade, uma vez que não podia voltar
para o meu querido Imaculada Conceição, onde considerava
as freiras de tal maneira maravilhosas, que cheguei a querer ser
uma delas. Ele havia sido fechado.
Lutei com minha avó para mudar de escola e descobri
que naquela época as escolas públicas eram as melhores. Não
sei como consegui convencer minha avó a me matricular no
Instituto de Educação que tinha fama de dar muita liberdade
às meninas. Mais uma vez acho que minha madrinha Ivanise,
que era muito inteligente e a quem eu adorava, deve ter
interferido a meu favor. O Instituto de Educação em dois
anos fez um trabalho formidável comigo, me desinibiu, me
resgatou da mediocridade a qual as freiras capitalistas me
haviam condenado, reforçou meu ego cultural. Meu primeiro
grande sucesso escolar foi ter ouvido ser lida, para todas as
alunas, de todas as séries, reunidas no pátio, uma redação que
eu escrevera sobre o provérbio “Água mole em pedra dura
tanto bate até que fura”.
Voltei a ter segurança no meu trabalho, ao qual
acrescentei a fé nas minhas próprias escolhas, até mesmo
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instituindo aquele provérbio como uma direção a seguir. Sou
até hoje muito persistente. Dificilmente desisto. Um exemplo
é este livro para o qual comecei a pesquisar assistematicamente
no fim da década de setenta, começo da década de oitenta,
em direção a uma tese de livre docência. Para livre docência
escrevi outra coisa, mas nunca desisti de pesquisar a Arte na
Escola Nova. A vida foi me jogando para outros lados, até que,
já aposentada da USP uma bolsa do CNPq me colocou nos
trilhos do desejo novamente, ampliando meu tema histórico
para ir além da Escola Nova e para analisar o Ensino do
Desenho como precursor do Design.
É o que agora apaixonadamente pesquiso.
Por que HISTÓRIA?
Aloísio Magalhães, designer culturalista, que no Brasil
rompeu com a hegemonia da Escola de Ulm que importamos
para a ESDI, usava uma metáfora interessante para defender
a necessidade de história. Dizia que quanto mais puxarmos
a borracha do estilingue para trás mais longe lançaremos a
pedra para frente.
Ana Mae Barbosa
Referências
BARBOSA, Ana Mae. Arte-Educação no Brasil. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 1986.
______. John Dewey e o ensino da Arte no Brasil. São Paulo: Cortez,
2001.
MEIRELES, Cecília. Obra em Prosa. Crônicas de educação. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e
transformação. São Paulo: Perspectiva, 1987.
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PERES, José Roberto Pereira. “Nerêo Sampaio: a importância
do Ensino das Artes na formação do professor primário”. 2010.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em Magistério dos
anos iniciais do Ensino Fundamental com ênfase em Educação
de Jovens e Adultos) - Instituto Superior de Educação do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
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arte e do design
quando se chamava
desenho: reforma
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Azevedo
Jornais
A Manhã. 15/02/1928.
A Notícia. 11/06/1930.
A Pátria. 15/02/1928.
A Pátria – O Imparcial – O País – Jornal do Comércio – Jornal do
Brasil. 17/02/1928.
Correio da Manhã. 15/02/1928.
Diário Carioca. 06/06/1930.
Jornal da Manhã. 06/09/1941.
O Globo. 01/03/1928.
O Jornal do Brasil. 05/07/1929; 02/10/1929.
THE TEACHING OF ART AND DESIGN WHEN
IT WAS CALLED DRAWING: FERNANDA DE
AZEVEDO REFORM
Abstract
This article looks at the teaching of Art and Design through
the eyes of Culture Studies and support the necessity of
historical knowledge as a hedge against the neocolonialism
that threat the culture of countries that, like Brazil, start
to become economically successful. Using research done
with 1922 to 1948 newspapers, the article speaks of the
educational reform considered to be the most radical on
Brazil, the Fernanda de Azevedo Reform (1927 to 1930).
The teaching of Drawing as Art and Design was one of
the central values of this reform. Fernanda de Azevedo was
attacked by all sides, starting with the implementation of a
compulsory drawing exam for acceptance in normal school.
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There was also an effort to destabilize the teacher leadership
which supported it by demanding female teachers to be
single. The article also explains the importance of manual
labors on the Fernanda de Azevedo Reform.
Keywords: Arts Teaching. Drawing. Design. Fernanda de
Azevedo Reform.
Ana Mae Barbosa
Data de recebimento: novembro 2012
Data de aceite: fevereiro 2013
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Uma “aula” de museologia de
Paul Valéry: considerações
em torno do texto Le
problème des musées
Roberto Carvalho de Magalhães1
Resumo
O texto interpreta um artigo de Paul Valéry sobre museus,
publicado em 1923. O seu foco é a ideia enunciada pelo
poeta e ensaísta francês de que as obras de arte em um
museu são como crianças órfãs, que perderam sua mãe, a
arquitetura. A exploração do texto de Valéry é antecedida
por uma breve exposição da relação entre literatos e crítica
de arte, especialmente na França, e de um excursus sobre
as ideias sobre arte de Paul Valéry. Tornando explícito
o que Valéry deixa embutido nas entrelinhas, o autor
faz uma análise das relações com a arquitetura que estão
na gênese das obras de arte visual e que não são levadas
em consideração nos museus tradicionais, limitando a
experiência ótico-física e inteletiva das obras por parte dos
observadores.
Palavras-chave: Museu. Museologia. Arquitetura. Crítica
de arte. História da arte. Paul Valéry.
É comum que muitos literatos usurpem o papel de
críticos de arte. Frequentemente, com resultados catastróficos;
às vezes, interessantes; raramente, excepcionais. O que os
literatos veem nas artes visuais é, essencialmente, aquilo que
eles têm na própria disciplina: palavras. Fazem das obras
ilustrações para significados, para conteúdos semânticos que
podem traduzir na própria linguagem. Não importa quanto
1
Mestre em Crítica de Arte, Museologia e Teoria da Conservação. Professor
de História da Arte e Museologia. Università Internazionale dell’Arte, Firenze
(Itália). [email protected]
grande seja o escritor: a qualidade da sua crítica de arte não é,
obrigatoriamente, proporcional à sua importâcia literária.
Na primeira categoria, a dos resultados catastróficos, encaixase, por exemplo, o escritor americano Henry James. Autor de uma
série memorável de romances e contos – dentre os quais, Retrato de
senhora, Washington Square, Os europeus, A princesa Casamassima,
A musa trágica e Daisy Miller –, James também praticou a crítica
de arte. Mas, em suas resenhas sobre as exposições londrinas e
em outros escritos, que ecoam vagamente os Salons dos literatos
franceses, a falta de um método para estudar as razões profundas e
específicas da pintura, para além do encanto aparente, barra-lhe a
compreensão, entre outros fenômenos, da nascente arte moderna
– a saber, do “grosseiro” Manet e de seus descendentes – e o
leva a preferir outros fenômenos artísticos em que as referências
ao mundo da literatura ou a elementos narrativos e simbólicos
prevalecem, como no caso dos pintores pré-rafaelitas. O seu modo
específico de se aproximar da pintura, – ou seja, menosprezando
as questões que lhe são inerentes, como a técnica, a composição
ou, simplesmente, o estilo –, manifesta-se de forma explícita num
artigo sobre o livro de Eugène Fromentin, Les maîtres d’autrefois: “É
algo mesquinho ou obtuso não entender que a fruição inteligente
ou profunda dos quadros consiste em uma indiferença soberana
por este ‘escrutar dentro deles’”2. Seria como dizer: leiam um livro
sem se preocupar em aprender a ler...
James direciona a relação com a obra para a esfera do
deleite, do prazer, ligando-a intrinsecamente ao gosto e aos
limites das experiências pessoais do observador, que se torna,
assim, mero fruidor subjetivo. O observador não procura entrar
no mundo do artista, mas pede ao artista que satisfaça as suas
expectativas. Não realiza uma ação de cognição, mas usa a obra
como objeto do próprio deleite. Sendo assim, o gosto, os valores
morais, a decência, com todos os limites estabelecidos por uma
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O artigo, cujo título é o mesmo do livro de E. Fromentin, foi publicado em
The Nation, em 13 de julho de 1876, e aparece nas coletâneas The Painter's Eye
(Glasgow: University Press, 1956) e La stagione delle mostre (Tradução Paola
Frandini. Palermo: Edizioni Novecento, 1993).
visão de mundo pessoal pré-estabelecida, tomam a dianteira do
conhecimento.
Os destinatários dos artigos de Henry James eram
os leitores do novo continente – curiosos de pintura, mas,
acima de tudo, de crônicas de vida social provenientes da
Europa. Quando as observações de costumes, as descrições de
ambientes e as análises de comportamento ocupam o primeiro
plano e quando o crítico de arte é substituído pelo narrador,
só então reencontramos o grande escritor3.
Na segunda categoria, a dos resultados interessantes,
encontramos Émile Zola, o autor de O Germinal. Amigo de Paul
Cézanne e aspirante pintor na adolescência, Zola transformase num dos maiores romancistas franceses do século XIX,
sem, porém esquecer completamente a sua paixão juvenil. De
fato, no início da sua carreira de escritor, exerce a crítica de
arte com certa constância e fervor. Recolhendo a herança de
Baudelaire – do qual falaremos mais adiante –, Zola intui,
entre outras coisas, a novidade e a força da pintura de Manet.
Partindo do pressuposto que “arte” é afirmação do indivíduo
contra a norma e os comportamentos convencionais, exorta
seus leitores a abandonarem as ideias de perfeição e de beleza
ideal, descreditando o conceito segundo o qual “uma coisa é
bela porque perfeita do ponto de vista de certas convenções
físicas e metafísicas”. Dessa forma, desde os textos publicados
em L’Evénement, em 1866,4 Zola contribui com a fundação das
3
Convém lembrar que, na segunda metade do século XIX, Londres, residência
eleita pelo escritor americano, não era um observatório privilegiado no que diz
respeito seja à qualidade e à intensidade, seja à variedade do debate artístico.
O lugar ideal era Paris. Henry James mantém estreitas relações com a cultura
francesa; mas as suas resenhas sobre as exposições londrinas, que ecoam os Salons
dos literatos do continente, são caracterizadas por certa moralidade puritana,
que compromete toda e qualquer clarividência crítica.
4
Série de artigos publicados sob o título geral de Mon Salon, da qual faz parte
M. Manet, de 7 de maio do mesmo ano. Os artigos de Zola relativos a Édouard
Manet estão recolhidos no volume Pour Manet, apresentado e organizado por
Jean-Pierre Leduc-Aline. Bruxelles: Éditions Complexe, 1989. Além disso, a
totalidade dos textos sobre arte de Émile Zola pode ser encontrada e consultada
no site de Les Cahiers naturalistes, no link que segue: <http://www.cahiersnaturalistes.com/ecritsarts.htm>.
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
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bases para uma análise pragmática e imanentista da atividade
artística, liberando-a das superestruturas ideológicas, morais e
sociais e procurando vê-la através os instrumentos específicos
do artista – exatamente o que Henry James se recusaria a fazer
pouco mais tarde. Em outras palavras, Zola procura na arte
a sua especificidade. Sem dúvida, isso o ajudou a individuar
concretamente a originalidade da pintura de Manet e a
dar início ao difícil e longo processo de compreensão e
reconhecimento histórico da sua obra.
Entretanto, Zola passa gradativamente de uma
compreensão ampla e da adesão incondicional, nos anos 60, à
obra de Manet, a uma posição polêmica em relação ao pintor
de Olympia, aos impressionistas e ao ex-colega de escola e
amigo da juventude, Paul Cézanne. Em um artigo de 1879,
Les impressionistes et Manet, diante da radicalização do estilo
abreviado e de pinceladas impetuosas do pintor, Zola escreve: “o
seu longo combate contra a incompreensão do público se explica
com a dificuldade que [Manet] tem na execução... Se, nele, o
aspecto técnico igualasse a justeza das suas percepções, ele seria o
grande pintor da segunda metade do século XIX... Aliás, todos
os pintores impressionistas pecam por insuficiência técnica”5.
A esta altura, Zola não parecia mais capaz de reconhecer a
independência expressiva do artista em relação às “convenções
físicas e metafísicas”, que havia combatido energicamente na
década anterior.
Enfim, no romance L’œuvre, inteiramente dedicado aos
protagonistas da revolução impressionista, Zola se baseia nas
obras de Manet e Monet e na biografia de Paul Cézanne para
construir a figura negativa do falido pintor Claude Lantier,
acusado, pelo narrador, de “impotência em ser o gênio da
fórmula que trazia consigo”6. Aliás, na época da publicação do
Roberto Carvalho
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5
ZOLA, E. Les impressionists et Manet. Pour Manet, op. cit., p. 171.
6
O romance foi, inicialmente, publicado em capítulos no periódico Gil Blas, a
partir de dezembro de 1885. A sua primeira publicação em volume ocorreu em
1886.
romance, Cézanne já havia dado início ao processo expressivo
que levaria ao seu estilo construtivo “pré-cubista” e realizado
algumas telas cruciais da sua carreira – e notáveis para nós,
hoje – como Rochedos em l’Estaque (1882-1885, Museu de
Arte de São Paulo), sem que Zola manifestasse interesse pela
obra do amigo através de um artigo sequer. O arrojo crítico
da sua estreia como crítico de arte se transforma numa visão
conservadora e, de certa forma, intolerante da independência
do artista7.
No grupo restrito dos escritores que se dedicam à crítica
de arte com resultados que se podem dizer excepcionais,
encontra-se Charles Baudelaire. Autor de três Salons (1845,1846
e 1859) e, entre outros escritos sobre arte, de uma monografia
sobre Delacroix, L’Œuvre et la vie d’Eugène Delacroix (1863),
recolhidos no volume Curiosités esthétiques em 1868, o poeta,
talvez desenvolvendo uma ideia subjacente no conto Le Chef
d’œuvre inconnu (1831), de Balzac, aprofunda a questão da
oposição entre cor e desenho na pintura. Desde a publicação
de Le vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti, de Giorgio
Vasari, e da fundação da Accademia delle Arti del Disegno, em
Florença, no século XVI, tinha-se afirmado a ideia crítica da
supremacia do desenho como elemento fundamental da pintura
e da escultura. A cor, considerada um elemento imponderável
e irracional, era vista como subalterna à perspectiva linear, ao
volume, à ideia de proporção da figura humana, ao chiaroscuro
que determina a plasticidade dos objetos representados; enfim,
todos eles elementos do desenho que, acreditava-se, eram os
verdadeiros responsáveis pela vida das imagens8. Era essa, aliás,
7
Sobre a contribuição dos escritores ao debate sobre as artes visuais e, especialmente,
sobre o papel dos escritores franceses, vedi MAGALHÃES, Roberto Carvalho
de. A pintura na literatura. Literatura e Sociedade, São Paulo, n. 2, p. 69-88,
1997. Disponível em: <http://dtllc.fflch.usp.br/revistaliteratura>.
8
É preciso distinguir, aqui, entre a afirmação de um conceito teórico e a atividade
dos artistas. Apesar da difusão da ideia do desenho como alicerce da pintura, não
faltam exemplos de pintores que não se alinham – ao menos de forma exclusiva –
a esse preceito. Entre eles, citamos Tiziano e Tintoretto, representantes da pintura
veneta, Rembrant, Rubens, para os quais a importância da cor vai muito além de
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a visão predominante no ensino das artes da École des Beauxarts parisiense e da rede oficial de ensino em toda a França até,
pelo menos, o final do século XIX. De fato, era baseando-se
nesse princípio que Charles Bargues, com o auxílio de JeanLéon Jérôme, tinha criado o seu curso de desenho de grande
difusão, que consistia em 197 litografias publicadas por Goupil
e Cie entre 1866 e 1871. A École des Beaux-arts, de onde,
tradicionalmente, saíam todos os jurados do Salon annuel de
peinture et sculpture, não previa o uso de tintas e pincéis nos
primeiros dois anos, que eram dedicados exclusivamente à
prática do desenho.
Desde o seu primeiro Salon, em 1845, Baudelaire dá a
entender que a afirmação da superioridade da cor sobre o desenho
será uma das suas batalhas. Invertendo o conceito vasariano da
“superioridade do desenho” da escola florentina em relação à
“preponderância da cor” da escola veneziana, Baudelaire defende
a supremacia do colorismo de Delacroix em relação à pintura
neoclássica ou neorafaelesca de Jean-Auguste-Dominique Ingres.
Dessa forma, abre as portas não só à compreensão da pintura
divergente dos preceitos acadêmicos, mas contribui, também, com
a indicação de uma nova via possível de expressão, que culminará,
poucos anos depois da sua morte (1867), com a revolução
impressionista e os seus desdobramentos.
No seu Salon de 1846, ganha força a ideia de que não existe
beleza ideal, mas que o belo se encontra na expressão sincera do
temperamento do artista. Baudelaire opõe-se, assim, de forma
geral, à crítica de origem winckelmanniana, que colocava acima
do temperamento individual um ideal de beleza enraizado na
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um simples papel subalterno ao desenho. Por outro lado, o próprio Michelangelo
desmente o lugar-comum dos pintores toscanos como “desenhadores” exclusivos,
substituindo o chiaroscuro tradicional por modulações cromáticas em muitas das
suas figuras da abóbada da Capela Sistina. O fenômeno – ocultado por séculos de
escurecimento determinado pela fumaça e pelo envelhecimento das mãos de cola
e ovo, prática utilizada antigamente para se restabelecer a vivacidade das cores –,
reemergiu com toda a sua força após a limpeza dos afrescos no final da década de
Oitenta do século passado, criando não pouca confusão entre os estudiosos que,
no rastro de Vasari, indicavam Michelangelo como o representante máximo da
supremacia do desenho sobre a cor.
Antiguidade clássica. É esse pensamento que está na origem
das ideias da crítica de arte de Zola dos primeiros e reveladores
escritos sobre arte. Desse modo, a beleza torna-se uma forma de
preconceito, um limite à compreensão da atividade artística, e
abre-se a porta para a ideia de expressão, que reconduz a crítica
de arte ao artista e à sua linguagem, não mais vista pelo viés de
convenções ou regras impessoais. Assim, na sua crítica de arte,
Baudelaire se aproxima muito do ponto de vista dos artistas e
tende a usar os mesmos instrumentos usados por eles no ato da
criação – exatamente o oposto do que dissemos a respeito de
Henry James9.
Evidentemente, um simples resumo não pode dar
conta – e nem é o nosso objetivo neste ensaio – da complexa
e multifacetada atividade como críticos de arte realizada por
escritores como Baudelaire e Zola. Porém, nos ajuda a entrever
a riqueza do debate sobre a arte entre os escritores franceses no
século XIX e nas primeiras décadas do século vinte. Muitos
outros nomes podem ser citados, entre os quais, os irmãos
Goncourt, Théophile Gautier, Stendhal – cuja Histoire de la
peinture en Italie (1817) forneceu, sem dúvida, material de
reflexão para Baudelaire – e Marcel Proust, o qual, antes de se
tornar o autor de À la recherche du temps perdu, tinha a ambição
de se tornar um crítico de arte. Cada qual com o seu nível
de compreensão e clarividência. É nesse contexto – e como
herdeiro de uma verdadeira tradição de escritores-críticos-dearte – que se insere o poeta, filósofo e ensaísta Paul Valéry.
Uma singularidade de Valéry em relação aos escritores
citados acima reside no fato que a sua produção poética é
9
As “gramáticas” das artes visuais, com intrumentos para se estudar as obras de
arte na sua linguagem específica, começam a tomar corpo no século XIX e se
desdobram em verdadeiros tratados no século XX. Entre eles, citamos Stilfragen
(1893) e Historische Grammatik der bildenden Künste (1899), de Alois Riegl;
Kunstgeschichtliche Grundbegriffe. Das Problem der Stilentwicklung in der neueren
Kunst (1915), de Heinrich Wölfflin; Die Kunstliteratur (1924), de Julius von
Schlosser; Come si guarda un quadro (1927) e Saper vedere (1933), de Matteo
Marangoni; La vie des formes (1934), de Henri Focillon. Uma análise de todas
essas contribuições para o desenvolvimento da crítica estilística da arte na
primeira metade do século encontra-se em Profilo della critica d’arte in Italia
(1948), de Carlo L. Ragghianti.
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relativamente limitada, se comparada com a sua produção
filosófica e ensaística em geral. Os seus Cahiers, uma espécie
de diário intelectual e de exploração psicológica de si, e os seus
escritos filosóficos superam abundantemente a exiguidade da
sua poesia. No que diz respeito aos escritos sobre arte, Valéry
estreia em 1894, com a publicação de Introduction à la méthode
de Léonard de Vinci. Em 1936, publica o ensaio Degas –
Danse, dessin, livro antecedido por outros escritos sobre arte,
recolhidos, em 1934, no volume Pièces sur l’art. Entre esses
escritos, encontra-se Le problème des musées, publicado pela
primeira vez no jornal Le Gaulois, em 192310. Antes, porém, de
explorar o texto que nos interessa, vale a pena fazer uma rápida
digressão sobre algumas ideias de Paul Valéry sobre a arte.
Seja no artigo Autour de Corot, seja em Degas – danse,
dessin, o escritor atribui à pintura de paisagem, especialmente ao
plein air nas modalidades com que se afirmou no curso do século
XIX, a culpa de ter reduzido o “papel do trabalho intelectual”
na arte. Valéry sustenta que a paisagem, no fundo, é “uma parte
de obra” e não a obra inteira. Esta, segundo ele, prevê muitas
outras operações mentais e executivas (o metiê perdido dos
antigos), como a “composição”, a “perspectiva”, o desenho da
figura em infinitas posições e ações, etc. A sua censura não está
dirigida a grandes pintores do passado recente como Camille
Corot ou Édouard Manet, mas a eles é atribuída a culpa de ter
dado o exemplo. A culpa do primeiro seria ter demonstrado que
era possível criar uma obra de arte tendo somente a paisagem
como assunto; a do segundo, ter mostrado o caminho para
o estilo “abreviado”, de pinceladas rápidas, negligentes do
“acabamento” e da “composição”11. Diga-se, desde já, que a
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10
VALÉRY, Paul. Le problème des musées. Œuvres, tomo II, Pièces sur l’art.
Gallimard: Bibl. de la Pléiade, 1960. p. 1290-1293.
11
A ideia de que Manet e os pintores impressionistas pintassem “casualmente”
uma paisagem, uma cena urbana, doméstica, etc., sem se preocupar com o
enquadramento e a composição foi sustentada por Émile Zola e se tornou um
verdadeiro lugar-comum sobre a “espontaneidade” desses pintores. Porém, um
exame cuidadoso das obras de Manet, Monet, Degas, Pissaro, sob esse aspecto,
revela uma realidade muito diferente. Um dos exemplos mais eloquentes de
“cálculo” no enquadramento e na composição desses pintores é o uso, por parte
“facilidade” também pode ser atribuída aos antigos – não aos
assim-chamdos “artistas motores”, ou seja, aos criadores de uma
nova linguagem e de uma nova expressão, e sim ao interminável
rol de “seguidores” menores, os quais, com certeza, possuíam
o “metiê”, mas se limitavam, fundamentalmente, a reproduzir
e difundir as ideias dos “mestres maiores”. Aliás, é esse um dos
argumentos de Charles Baudelaire contra a École des Beaux-arts
e os seus preceitos: a imposição de um método que não leve
em consideração o temperamento do aspirante a artista leva à
impessoalidade e à repetição.
Porém, exatamente a ausência de preceitos – ou melhor,
a incapacidade de compreender o processo de substituição dos
preceitos acadêmicos por uma nova ideia da pintura, ou seja,
exatamente a pintura em que o desenho é subordinado à cor,
como havia teorizado Baudelaire mais de meio século antes –
leva Valéry a escrever:
Uma “aula” de
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Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
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[...] quanto mais se distancia a época em que a perspectiva
e a anatomia não eram completamente negligenciadas,
tanto mais a pintura se limita ao trabalho a partir do
modelo, inventa, compõe e cria menos.
O abandono da anatomia e da perspectiva foi,
simplesmente, o abandono da ação da mente na
pintura a favor somente da diversão instantânea do olho
(VALÉRY, 1996, p. 34).
Ou ainda:
É assim que o interesse pela paisagem mudou
progressivamente. De acessório de uma ação, mais
ou menos a ela subordinado, tornou-se um lugar de
maravilhas, depositário de fantasias, prazer dos olhos
de Manet, na sua tela Déjeuner sur l’herbe (1863), de um detalhe de uma gravura
de Marcantonio Raimondi (Bolonha, cerca de 1475 – 1534), Julgamento de Páris,
realizada a partir de uma obra perdida de Rafael. Na organização das três figuras
em primeiro plano da sua tela, Manet recalca visivelmente o grupo de figuras à
direita da cena do julgamento da gravura antiga. Isso revela não só o “cálculo” na
obra de Manet, mas, também, a sua “dívida” com a tradição. Para se aprofundar
os aspectos compositivos da obra de Manet e a sua relação com a tradição, veja
CARVALHO, Roberto de Magalhães. “Tradizione” e “invenzione”. Due tele di
Manet nel Museo d’Arte di San Paolo. Critica d’Arte, n. 11-12, 1992.
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distraídos... Depois, a impressão prevalece: a matéria ou
a luz predominam.
Observa-se, então, que o reino da pintura é invadido,
em poucos anos, pelas imagens de um mundo sem
homens. O mar, a floresta, os campos desertos
satisfazem a maior parte dos espectadores. Derivam
disso muitas consequências importantes. Visto que
as árvores e os campos são muito menos familiares
do que os animais, a liberdade da arte aumenta, as
simplificações tornam-se comuns, até mesmo grosseiras.
Se se representasse uma perna ou um braço como se faz
com um galho, ficaríamos escandalizados. Distinguimos
muito mal entre o possível e o impossível no que diz
respeito às formas vegetais ou minerais. A paisagem
oferece, portanto, grandes facilidades. Qualquer um se
transformou em pintor [...]
Em suma, “o desenvolvimento da paisagem parece mesmo
coincidir com uma diminuição sigularmente acentuada da
parte intelectual da arte” (VALÉRY, 1996, p. 52).
Roberto Carvalho
de Magalhães
Essa ideia já está, de certa forma, enunciada em
Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. Diz Valéry:
Alguns trabalhos científicos, por exemplo, e o dos
matemáticos em particular, apresentam uma estrutura
tão límpida que parecem ser obra de ninguém. Eles têm
um quê de desumano. Essa disposição tem tido uma
consequência: a suposição de que há uma distância
tão grande entre certas disciplinas, como as ciências
e as artes, que os espíritos originários foram todos
separados na opinião que se tem deles, assim como os
resultados dos seus respectivos trabalhos pareciam ser.
Estes últimos, entretanto, diferenciam-se somente após
as variações a partir de uma base comum, por aquilo
que dela conservam e por aquilo que dela negligenciam,
formando suas respectivas linguagens e símbolos
(VALÉRY, [s.d.], p. 50-51).
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Fazendo do lema de Leonardo da Vinci, hostinato rigore
(rigor obstinado), o seu próprio lema, Valéry identifica o rigor
da ciência ou da matemática com a linguagem da pintura. Ora,
exatamente a matemática, a elaboração racional da perspectiva,
a geometria, a ótica, a ciência do escorço, são campos que se
entrelaçam inextricavelmente com a pintura do renascimento
italiano no curso do século XV e que estarão na base da atividade
artística até o século XIX. Assim, quem quiser compreender
o processo espressivo dos pintores do renascimento tem que,
inevitavelmente, também ser um pouco “matemático”, do
contrario, a relação com as obras corre o risco de se limitar à
mera percepção do assunto narrativo e de poucos elementos
superficiais. Esse é o filtro através do qual Valéry vê a pintura
– e que, de certa forma, coincide com a ideia de origem
vasariana da primazia do desenho sobre a cor12. O vínculo
com a matemática o impede de ver, entretanto, que a pintura
colorista dos impressionistas, dos pós-impressionistas, dos
pointillistes, dos fauves e, mais tarde, dos seus desdobramentos
expressionistas e, enfim, abstratos, também tem a sua lógica
interna e a sua boa dose de “exploração intelectual”. Também
derivam de um processo que deve e pode ser repercorrido com
a inteligência e os instrumentos adequados.
Para nos limitarmos a um só exemplo, citamos o
fenômeno do contraste simultâneo de cores, explorado
amplamente por Claude Monet e por Van Gogh. Trata-se de
um fenômeno ótico que faz com que o olho crie, em volta de
uma cor dada, a sensação da presença da sua cor complementar.
Tal sensação será tanto mais forte quanto maior for o brilho
da cor e quanto mais longa a duração do contato da retina
com a cor que se observa. Assim, o amarelo tende a gerar, em
volta de si, a percepção da cor violeta e vice-versa; o vermelho
sugere a presença do seu complementar verde e a cor laranja,
do azul, sendo válido também o contrário. O fenômeno –
que não era completamente desconhecido pelos pintores
12
Isso explica, entre outras coisas, a admiração de Valéry pelo trabalho de Degas.
Entre os pintores ditos “impressionistas”, Degas é o que, com maior evidência
– pode-se dizer até mesmo de forma acadêmica – faz uso do desenho. Cada
uma das suas telas é antecedida por inúmeros estudos de figura e de grupos de
figuras. Aliás, a obra de Degas é dedicada fundamentalmente à figura humana,
ao seu escorço e à sua relação com o espaço, em clara contraposição à obra de
outros pintores do grupo de artistas independentes, que se dedicam, sobretudo,
à pintura en plein air e às paisagens naturais e urbanas.
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antigos – é objeto de estudos, na primeira metade do século
XIX, por parte do químico francês Michel-Eugène Chevreul,
diretor da fábrica de tapeçarias dos Gobelins. Buscando uma
solução para as reclamações dos tingidores, os quais notavam
que certos corantes não se comportavam como se esperava,
Chevreul descobre que não há nada de errado com os corantes,
mas sim com os resultados óticos criados pela aproximação de
certas cores, que se influenciavam reciprocamente. Chevreul
estuda cientificamente o problema e, como resultado das suas
observações, cria um disco ótico em que são apontadas as
cores fundamentais e certo número de cores derivadas, cada
uma com a sua cor complementar no lado oposto do círculo.
Dessa forma, os tingidores podiam entender que tipo de efeito
ótico cada cor criava em volta de si e como poderiam interagir
com as cores vizinhas.
Em 1839, Chevreul publica, como resultado dos seus
estudos e observações, o volume De la loi du contraste simultané
des couleurs, que, direta ou indiretamente, forneceu elementos
de reflexão e exploração aos pintores coloristas, de Delacroix
em diante. Monet, por exemplo, explora, entre outras coisas,
o fenômeno das sombras coloridas – fundamentalmente
violáceas ou azuis em contraposição ao amarelo ou alaranjado
solar, como em La pie (A pega, 1868-69) ou na Gare de SaintLazare (1877), ambas do Musée d’Orsay, Paris. Van Gogh
faz do contraste simultâneo de cores complementares um
dos alicerces da sua pintura. Justapondo, sistematicamente,
verde e vermelho, amarelo e violeta, azul e laranja, e muitas
outras combinações, ele faz com que as cores se excitem
reciprocamente, dando às suas telas a intensidade expressiva
que as distingue13.
Dessa forma, os pintores se desvencilham do vínculo
com a “matemática”, mas, com certeza, não do compromisso
com a exploração inteletiva e com a ideia de que arte é, entre
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A excitação das cores complementares justapostas deriva do fato que uma
produz exatamente o efeito ótico da outra. Assim, o vermelho justaposto ao verde
acrescenta verde ao verde e, vice-versa, o verde acrescenta vermelho ao vermelho.
A esse fenômeno se dá o nome de contraste simultâneo de complementares.
outras coisas, ampliação das possibilidades de expressão. Não
há nada de fácil ou de óbvio nessa transição.
A crítica de arte de Paul Valéry tem limites palpáveis
derivados do seu compromisso filosófico com a racionalidade
e a transparência típicas da matemática. Porém, esses limites
também estão, paradoxalmente, na base de algumas das suas
asserções mais espetaculares e reveladoras, como as contidas
no breve, mas explosivo, texto Le problème des musées.
O escritor abre o artigo com uma afirmação que, hoje,
poderia ser quase considerada uma banalidade:
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
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Não gosto muito de museus. Há muitos que são
admiráveis, não há nenhum encantador. As idéias de
classificação, de conservação e de utilidade pública,
justas e claras, têm pouca relação com o encanto
(VALÉRY, 1960, p. 1290).
A ideia remete ao lugar-comum do tédio ou do malestar que os museus inspiram e, indiretamente, à conversão de
muitos museus, hoje, em verdadeiros lugares de entretenimento
para combater o risco de “entediar” o público14. Mas a própria
assunção aparente de um lugar-comum por parte de um
poeta, filósofo e ensaista do calibre de Paul Valéry, é já em si
surpreendente. Por que deveria dizer algo que esperaríamos
ouvir, sobretudo de pessoas incultas?
Um busto deslumbrante aparece entre as pernas de um
atleta de bronze. A calma e as violências, as frivolidades,
os sorrisos, as contraturas, os equilíbrios mais críticos
compõem em mim uma impressão insuportável. Estou
em meio a um tumulto de criaturas congeladas, em que
14
Uma das formas do museu contemporâneo de “atrair” o público é a
espetacularização da sua arquitetura, o que, quase sempre, negligencia as
instâncias expressivas das obras de arte que conterão. Aliás, muitas arquiteturas
destinadas a museu, hoje, são criadas ainda antes da própria coleção. A arquitetura
constitui, assim, um fim em si mesmo, em obra unívoca, ou seja, pouco propensa
a “dialogar” com as obras que deveria acolher. A questão foi um dos temas
enfrentados recentemente no congresso internacional Museologia e Museografia
della globalizzazione, realizado em Nápoles e Florença, em setembro de 2009. As
atas do congresso foram publicadas em Critica d’Arte, n. 39-40, 2009.
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cada uma exige, sem obtê-lo, a inexistência de todas as
outras (VALÉRY, 1960, p. 1290).
Roberto Carvalho
de Magalhães
Este começo de resposta deixa claro que o seu desconforto
nos museus não está relacionado com a síndrome de Stendhal,
ou seja, com o sentimento de opressão diante de uma grande
concentração de “beleza” e de história15. Observando com
ironia que “um busto deslumbrante aparece entre as pernas de
uma atleta de bronze”, Valéry deflagra o primeiro explosivo,
dizendo que cada uma das obras “exige a inexistência de todas
as outras”. Obviamente, não se refere à inexistência material
das obras, mas à sua indesejada presença e justaposição no
mesmo ambiente. Ainda que dispostas de forma organizada
segundo um critério – distribuição cronológica, divisão por
tipologia, estilo e/ou proveniência –, a reunião das obras no
mesmo espaço cria uma simultaneidade na percepção, que se
faz também cacofonia. Continua Valéry:
O ouvido não suportaria ouvir dez orquestras ao mesmo
tempo. O espírito não pode acompanhar nem conduzir
várias operações distintas e não existem pensamentos
simultâneos. Mas o olho, no seu campo de visão móvel
e no momento da percepção, é obrigado a aceitar um
retrato e uma marinha, uma cozinha e um triunfo,
personagens em situações e tamanhos os mais variados;
e, ainda por cima, deve acolher no mesmo olhar
harmonias e modos de pintar incomparáveis entre eles.
Do mesmo modo que o sentido da visão se acha
violentado por esse abuso do espaço que uma coleção
constitui, a inteligência não é menos ofendida por
um conjunto estreito de obras importantes. Quanto
mais belas são, mais elas são os efeitos excepcionais
15
Educ. foco,
Juiz de Fora,
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“Síndrome de Stendhal” é um termo derivado das sensações – uma espécie de
mal-estar psicofisico – descritas por Stendhal nas memórias de viagem Rome,
Naples et Florence (1817), Promenades dans Rome (1829) e Mémoires d’un touriste
(1838). Mais especificamente, nas páginas do primeiro livro, o escritor descreve
a crise que o atinge na Basílica di Santa Croce, em Florença, depois de ter visto
os afrescos de Giotto. O excesso de sensações devido à exposição à densidade de
história, arte e beleza, o leva a deixar a igreja, com taquicardia, a cabeça pesada e
o receio de cair.
da ambição humana, mais elas devem ser distinguidas
(VALÉRY, 1960, p. 1291).
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
musées
O escritor indica, dessa forma, a necessidade de se
estabelecer uma relação exclusiva com uma obra, num
determinado espaço e por certo tempo, da qual todas as
outras não deveriam participar. Essa ideia parece refutar o
próprio conceito de museu da forma como nos foi legado
pelo Iluminismo e que predomina até hoje: ou seja, o museu
enciclopédico, catalográfico, organizado como um dicionário,
com a consequência, porém, de que os “verbetes” entram
todos no campo da visão simultaneamente e não permitem
uma “leitura” adequada de cada um deles individualmente. A
observação de Valéry remete à ideia muito atual da quantidade
do patrimônio histórico-artístico e as suas palavras a esse
respeito parecem escritas hoje:
Mas o nosso patrimônio é esmagador. O homem
moderno foi empobrecido pelo próprio excesso das suas
riquezas, assim como foi esgotado pela enormidade de
seus recursos técnicos. O mecanismo das doações e dos
legados, a produção ininterrupta e as compras e essa
outra causa de crescimento que depende da moda e do
gosto, do retorno a obras que tinham sido desdenhadas,
contribuem incansavelmente para a acumulação de um
capital excessivo e, portanto, inutilizável (VALÉRY,
1960, p. 1292).
Esse “empobrecimento por excesso de riqueza” é muito
claro nos museus. Temos um grande patrimônio de obras e
não temos o tempo necessário e o espaço adequado para nos
relacionarmos com elas. Como ainda diz Valéry
A produção de milhares de horas que tantos mestres
passaram desenhando e pintando agem nos nossos
sentidos e no nosso espírito em poucos instantes, e
aquelas horas tinham sido horas carregadas de anos de
pesquisas, de experiência, de cuidado, de genialidade!...
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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Temos que sucumbir inevitavelmente. O que fazer?
Tornamo-nos superficiais (VALÉRY, 1960, p. 1292).
Roberto Carvalho
de Magalhães
Portanto, a falta de tempo e a cacofonia causada pela
simultaneidade de tantas vozes condicionam a nossa relação
com as obras – ou melhor, nos distanciam delas. Se partirmos
do pressuposto de que uma obra de arte é o resultado de um
processo que contém em si uma experiência que se consubstancia
no tempo, é preciso que tenhamos a disponibilidade de tempo
e os instrumentos para poder, com a obra, repercorrer o
processo de criação. A compreensão do processo não é e nunca
será instantânea, como a suposta instantaneidade do olhar nos
faz crer. Só uma mente muito ingênua pode crer que uma
verdadeira obra de arte seja um produto instantâneo. A sua
execução pode, sim, ser rápida, mas pressupõe anos de prática,
aprendizagem, escolhas, tentativas, pesquisas, que afluem
para um quadro, para uma escultura, para um objeto. A obra
contém em si o processo e a experiência que a gera no tempo
e, sem tempo e instrumentos, não temos a mínima chance
de partilhar com ela a sua experiência. Mas Valéry nos alerta,
não sem sarcasmo, distinguindo instrumentos e compreensão do
processo de erudição:
Ou, então, nos fazemos eruditos. No campo da arte, a
erudição é uma espécie de derrota: não esclarece o que
é realmente delicado, aprofunda o que não é essencial.
Ela subtitui a sensação com hipóteses, a presença da
maravilha com a memória prodigiosa; e, ao museu
imenso, anexa uma biblioteca ilimitada. Vênus se
transforma num documento (VALÉRY, 1960, p. 1293).
Educ. foco,
Juiz de Fora,
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Esta afirmação é uma verdadeira inventiva contra
os estudiosos que não reconhecem a arte como disciplina
autônoma e tratam as obras de arte como um epifenômeno,
ou seja, derivação de um fenômeno principal e não um
fenômeno autogerador. É uma referência às superestruturas
teóricas aplicadas à arte – sociologia, iconologia, psicologia –,
que fazem da arte uma de suas “seções” sem lhe reconhecer
algum tipo de especificidade. É um ataque ao arquivismo,
que, embora sendo importante, não substitui a compreensão
do processo contido em uma obra.
Enfim, o autor, conturbado, decide sair do hipotético
museu em que se encontra e, na rua, o seu “mal-estar à procura
da sua causa” é, por fim, esclarecido, numa revelação repentina:
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
musées
Uma resposta abre o seu caminho em mim, se
desvencilha pouco à pouco das minhas impressões, e
pede para se pronunciar. A Pintura e a Escultura, me diz
o demônio da Explicação, são crianças abandonadas. A
mãe delas morreu, a mãe Arquitetura. Enquanto estava
viva, dava a cada uma o seu lugar, o seu emprego, os
seus deveres. A liberdade de vaguear lhes era negada.
Elas tinham o próprio espaço, a sua luz bem definida,
seus temas, suas ligações... Enquanto a mãe estava viva,
sabiam o que queriam... (VALÉRY, 1960, p. 1293).
E aqui chegamos ao ponto central da questão. A
afirmação de Valéry é, no mínimo, surpreendente e bombástica.
Comparando os museus com um orfanato, em que as crianças
vagueiam sem a referência de uma família, ele associa, em
primeiro lugar, as obras de artes a seres vivos, que, pela perda
dos pais, ficaram sem rumo, sem regras, desamparados. Essa
ideia se aproxima muito do conceito moderno da “obra de arte
como ser vivo”16. Em segundo lugar, observando que a mãe
das obras era a arquitetura, indica que esta última é parte do
processo inerente à criação das obras. Portanto, a separação de
um quadro ou de uma escultura da arquitetura – e do lugar
específico nessa arquitetura – para a qual foram concebidos e
destinados originariamente implica numa perda de referentes
que não deixa as obras viverem na sua plenitude.
16
RAGGHIANTI, C. L. Arte essere vivente. Firenze: Edizioni Pananti. No seu
livro, Ragghianti fala de “iniciativas de vida” e nas “experiências humanas que as
obras de arte guardam na sua plena integridade e vitalidade”. Ver também, a esse
propósito, MAGALHÃES, Roberto Carvalho de. História da arte ou estória da
arte? Varia historia, Belo Horizonte, v. 24, n. 40, p. 407-418, jul./dez. 2008. (O
artigo pode ser encontrado em: <http://www.scielo.br/pdf/vh/v24n40/04.pdf>).
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Roberto Carvalho
de Magalhães
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Podemos tomar alguns quadros de Caravaggio como
exemplo do que Valéry diz. Em Roma, na Capela Cerasi
da Igreja Santa Maria del Popolo, encontram-se duas telas
do pintor lombardo: O martírio de São Pedro e a Vocação de
Paulo, ambas de 1600. A primeira tela encontra-se na parede
lateral esquerda da capela e a segunda na parede lateral direita.
Estando a capela situada ao lado esquerdo do altar maior, a
luz natural que nela penetra provém essencialmente do alto
à direita, em sentido diagonal, de uma das janelas da cúpula.
Pois bem, entre outras coisas, é essa a direção da luz adotada
por Caravaggio nas duas telas: no Martírio de São Pedro, a
luz, elemento fundamental da linguagem do pintor e na base
da dramaticidade dos seus quadros, invade a cena do alto e
da esquerda para a direita; na Vocação de Paulo, o clarão que
atinge Saulo (São Paulo) o faz da direita para a esquerda.
Em ambos os casos, a luz pintada faz-se prolongamento
desejado da luz natural fornecida pela arquitetura em que as
telas se encontram, unindo as imagens indissoluvelmente à
arquitetura. Essa escolha – desenvolvida desde o século XV,
na Itália, e em sintonia, então, com o racionalismo humanista
da pintura daquele momento histórico – faz parte de uma
estratégia de persuasão, ou seja, a de fazer com que as figuras
pareçam encontrar-se num espaço que é o prolongamento do
espaço do observador. O mesmo ocorre nas telas de Caravaggio
da Capela de São Mateus da Igreja de São Luís dos Franceses,
também em Roma. A existência dessas obras nos locais
para os quais foram originariamente produzidas nos deixa
identificar o processo de criação do pintor e as suas escolhas.
Na prática, temos aí uma oportunidade de nos apropriar da
sua linguagem, ainda que, em muitos casos, transformações
na arquitetura ao longo dos séculos ou a presença de luzes
artificiais que contrariam a relação desejada entre luz pintada
e luz arquitetônica possam ser um obstáculo.
Ao contrário, obras de Caravaggio em museus,
misturadas com muitas outras de estilo similar ou de linguagem
contrastante, são destituídas dos seus referentes e da sua força
expressiva originários. É o caso, por exemplo, das Ceias em
Emaus da National Gallery de Londres e da Pinacoteca de
Brera (Milão) ou do Êxtase de São Francisco, do Wadsworth
Atheneum Museum of Art (Hartford, Connecticut, USA).
Essas obras têm que conviver com muitas outras – que exigem
diferentes relações com a arquitetura, diferentes iluminações
e alturas – em um ambiente com uma iluminação genérica
– quase sempre excessiva – e com o alinhamento das obras à
uma altura convencional, estabelecida por critérios alheios às
obras expostas, que não levam em conta as suas perspectivas e
a relação espacial que querem criar com o observador. Embora
sejam colocadas em certa ordem – cronológica, por escolas,
proveniência geográfica –, essa ordem faz parte do saber
externo sobre as obras e não as faz reviver nas suas modalidades
de expressão.
Como sugerido acima, a perspectiva também é outra
nota dolente da exposição de obras em museus. Desde a sua
formulação racional por parte de Filippo Brunelleschi no
início do século XV, os pintores desenvolvem, inicialmente
na Itália, inúmeras estratégias de representação do espaço
em perspectiva, com as suas consequências para a disposição
das figuras e das arquiteturas pintadas. A perspectiva
brunelleschiana e os seus desdobramentos previam a
diminuição gradual e proporcional das figuras e dos elementos
arquitetônicos conforme uma progressão geométrica
precisa. Não só. Era, também, estabelecido um ponto de
convergência perspéctica, que determinava a posição do
olho do observador, a fim de se obter o efeito de diminuição
espacial e para se estabelecer o escorço das figuras. Ainda que
de forma diversificada e com diferentes níveis de compreensão
da perspectiva racional, os pintores trabalham para, como no
caso da luz, criar a sensação de que há uma continuidade
entre o espaço do observador e o espaço representado
na parede ou num painel. Além das consequências para a
percepção física das imagens representadas, essa estratégia
também tem enormes consequências culturais: passa-se
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
musées
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Educ. foco,
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de um uso da luz, do espaço, das proporções das figuras
que tendia, nos séculos anteriores, a sublinhar os aspectos
imponderáveis e sobrenaturais das cenas, à ponderabilidade
e à intelegibilidade desses mesmos elementos e à sua
consequente humanização. Subtrai-se a imagem do domínio
do imponderável e explora-se a dimensão racional, que se
pode controlar com o intelecto.
O uso do fondo oro (fundo dourado) nos painéis
medievais é o exemplo da imponderabilidade do espaço. O
ouro é profundo e bidimensional ao mesmo tempo. É luz.
Não se mede. É expressão de um espaço que não se dobra à
matemática, à racionalidade, à medida humana. A perspectiva
impõe a medida e as proporções humanas à imagem. Um painel
com o fondo oro no altar de uma igreja gótica, resplandecia na
sua relação com a luz oscilante das velas e das tochas e as suas
figuras de proporções desmedidamente grandes ou pequenas
entre elas transportavam a um mundo fora do nosso alcance; um
painel com um cenário arquitetônico e figuras em perspectiva
e com uma luz pintada como se fosse a continuação da luz
presente na própria arquitetura, posicionado corretamente
sobre um altar para que o olho do observador se encontrasse
no eixo perpendicular determinado pelo ponto de fuga, davalhe a impressão de poder andar naquele cenário e entre aquelas
figuras.
Na sua grande maioria, os museus não levam esses
fatores em consideração. Duvido até que muitos historiadores
e críticos de arte – que constituem a maior parte dos diretores
de museus de arte – também se deem conta do fenômeno
da relação entre obra e espaço arquitetônico, que, aliás, no
caso dos painéis, infere-se com o estudo, quando possível, da
posição de muitas obras nos espaços a que eram destinadas
originariamente. Pinturas inamovíveis, como os afrescos, nos
fornecem exemplos irrefutáveis desse processo e dos objetivos
dos artistas17.
Roberto Carvalho
de Magalhães
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 53-83,
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No renascimento, entre os exemplos mais significativos do uso, em afrescos, da
perspectiva racional e da unificação entre luz natural e luz pintada para se criar
Ampliando um pouco mais a análise, até mesmo as
obras dos impressionistas têm referentes externos precisos.
A ideia da “casualidade” do enquadramento, sustentada por
Zola, e a preponderância da cor sobre o desenho, em Manet e
nos impressionistas, deram origem ao mito de que as obras de
Monet, Renoir, Pissarro e Sisley não possuem perspectiva ou
tridimensionalidade. Ao contrário, obras de Monet como La
Grenouillère, muitas das suas paisagens urbanas, as Catedrais
de Rouen e mesmo os quase abstratos nenúfares de Giverny,
têm um enquadramento preciso e intencional, que determina,
em primeiro lugar, a relação espacial do pintor com o tema
do seu quadro e, por conseguinte, o tipo de relação espacial
que a obra quer estabelecer com o observador – visão de cima
para baixo, central, lateral, de baixo para cima, etc. O respeito
desses parâmetros coloca o observador no lugar ocupado pelo
pintor no ato da criação da obra, aproximando-o das escolhas
e da visão do seu criador.
O que aconteceria se se tentasse recriar essas relações – os
referentes espaciais e de iluminação de cada obra, numa sala de
museu? A não ser que duas ou mais obras tenham exatamente
os mesmos referentes, a tentativa resultaria, com certeza,
num grande conflito entre todas as exigências. Despem-se,
então, as obras de arte daquilo que lhes é mais precioso: a sua
individualidade. E, como diz Valéry, tornamo-nos superficiais.
Tratamos de mil detalhes acessórios para camuflar a falta
do essencial. Na melhor das hipóteses, no orfanato, dá-se à
criança órfã a alimentação, a roupa, uma cama, a higiene e até
uma continuidade ótico-espacial entre espaço arquitetônico real e espaço ideal
da pintura, podemos citar: a Trinità, di Masaccio (1427, Florença, Santa Maria
Novella); a Anunciação, de Masolino (1432, Roma, Basilica di San Clemente);
a Camera degli Sposi, de Andrea Mantegna (1474, Mântua, Palazzo Ducale); os
afrescos da Sacristia de São Marcos, de Melozzo da Forlì (1477-1480, Basílica do
Santuário de Loreto). No século XVI, a continuidade entre espaço arquitetônico
e espaço da pintura foi desenvolvida e ampliada por Correggio nas cúpulas da
igreja de São João Evangelista (1520-1524) e da Catedral de Parma (15241530), verdadeiras antecipações das arquiteturas fingidas e das perspectivas de
céu aberto do período barroco. Porém, não faltam tentativas de se coordenar
espaço real e espaço da pintura já no século XIV, com Giotto e Simone Martini
nas Basílicas Superior e Inferior de Assis.
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
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le problème des
musées
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de Magalhães
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Juiz de Fora,
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mesmo instrução; mas lhe faltará sempre o amor da mãe. Nos
museus, a saúde e a sobrevivência das obras são garantidas,
elas recebem uma etiqueta com nome, data de nascimento e
origem; mas lhes faltarão sempre os referentes que eram parte
integrante delas e que as fariam viver na sua plenitude. Elas
são colocadas em fila, alinhadas a uma altura que pode convir
a algumas, mas que, quase sempre, não convém a nenhuma;
recebem uma luz excessiva e/ou na direção errada. Sob a
ordem aparente, reina o caos da incompreensão e a imposição
de regras gerais que não lhes dizem respeito.
O museu oferece algo que nenhum outro meio – os
livros, o computador, os vídeos – pode e jamais poderá
oferecer: o envolvimento físico com a obra, a experiência
que se propaga da obra para o espaço físico do observador.
Além dos locais que ainda conservam as obras que lhes foram
originariamente destinadas, só os museus e as galerias de arte
têm, potencialmente, a possibilidade de recriar as relações
entre as obras, o espaço arquitetônico e o observador. Mas,
entre outros fatores, por causa da acumulação da qual Paul
Valéry fala em Le problème des musées, a quantidade de obras
expostas sobrepuja a qualidade da relação proposta entre
as obras e o observador, e o indivíduo é sacrificado a favor
da massa, do genérico. Vende-se uma ilusão: a de conhecer
obras – pelo simples fato que entraram no nosso campo ótico
por alguns segundos e que lemos o nome do seu autor, a sua
datação, a sua proveniência e o seu título e entendemos o
assunto narrativo (se se trata de obra figurativa). Obras que,
entretanto, levaram centenas de horas e cálculos para serem
realizadas – horas e cálculos antecedidos, por sua vez, por anos
de estudo, pesquisa, reflexão e experimentação.
Na era da reprodutibilidade técnica das obras de arte,
transmite-se a impressão de que o livro e a tela do computador
possam veicular a experiência, a ciência e a expressão contidas
num quadro ou numa escultura. Em parte, é verdade. Mas
eles não substituem a relação física e espacial primordial da
obra original com o observador – a não ser que a obra tenha
sido criada especialmente para esses meios. Nenhum livro
e nenhum programa informático, como The Art Project de
Google, poderá jamais recriar tais relações. Isso só é possível e
desejável, ainda que raramente aconteça, em um museu, em
uma galeria, em uma exposição temporária, em um espaço
que inclua fisicamente o observador. Um exemplo extremo da
impossibilidade de se veicular, num livro ou no computador,
essa experiência fundamental da relação entre pintura, espaço
arquitetônico e observador encontra-se nas espetaculares
arquiteturas “fingidas” barrocas. Tais arquiteturas, pintadas
como se fossem uma prolongação da arquitetura real, têm
como objetivo expressivo a ampliação do espaço limitado de
uma igreja ou de uma sala de um palácio no sentido vertical e
horizontal. Elas possibilitam a inserção de paisagens, cenas de
todo tipo, perspectivas celestes vertiginosas. Para que a ilusão
se torne realidade, não só o pintor realiza cálculos precisos
para a convergência perspéctica dos elementos arquitetônicos
pintados, mas também aplica minuciosamente, para o jogo
de luz e sombra na sua arquitetura fingida, a direção da luz
fornecida pela arquitetura real. Os eventuais grupos de figuras
também seguem os mesmos cálculos para a determinação
do seu escorço. Além disso, o ilusionismo não se realiza se o
observador não se posicionar em pontos precisos do espaço,
estabelecidos pela convergência perspéctica da arquitetura
pintada. Pode-se dizer que tais pinturas são uma espécie de
apoteose daquilo que Paul Valéry chama de “parte intelectual
da arte”.
Enfim, nas artes visuais, o envolvimento fisico com os
critérios estabelecidos pelo autor na sua relação com o espaço e
a luz são determinantes para se vivenciar a obra e compreendêla inteletivamente. Por isso, o lay-out de um museu – que,
via de regra, assemelha-se ao de um livro, de um catálogo,
negligenciando assim as instâncias individuais das obras de
arte – é um motivo frequente de insatisfação, mesmo entre
pessoas de cultura elevada. Costumo dizer aos meus alunos
que a leitura é muito mais proveitosa quando realizada em
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
musées
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Educ. foco,
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v. 18, n. 2, p. 53-83,
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casa, sentados numa poltrona confortável. Confundir o museu
com um livro ou com um catálogo é uma maneira de negar a
vivência da obra.
Resta o problema das obras que não têm o seu alicerce
na matemática e na perspectiva, com as suas consequências
para a relação com o espaço e com o observador, como as
que, implicitamente, são contempladas por Valéry. A sua
ideia de arte está vinculada, como demonstramos acima,
à transparência e à racionalidade matemática. Mas o que
pode ser um seu limite na compreensão da pintura colorista
e moderna, possibilita, vice-versa, uma revelação no que diz
respeito à exposição de obras do passado, as quais existem no
presente, tais e quais as obras contemporâneas, com os seus
processos intrínsecos, as suas ideias, as suas linguagens. O
que acontece quando as obras não se apóiam nos princípios
defendidos por Valéry?
No que diz respeito à criação artística, como temos
dito, a individualidade é algo fundamental. Portanto, cada
caso deveria ser avaliado individualmente. Lancemos mãos
de um caso específico, deixando abertas as perguntas e as
respostas para os infinitos casos existentes e os que ainda
existirão. Concentremo-nos em duas obras de Van Gogh:
Noite estrelada (Museum of Modern Art, New York) e
Ciprestes (The Metropolitan Museum of Art, New York). As
duas telas, pintadas em junho de 1889, durante o ano que
o pintor transcorreu no asilo de Saint-Rémy de Provence,
foram reunidas por cerca de três meses, em 2008, em uma
exposição temporária na Yale University Gallery of Art (New
Haven, Connecticut)18. Ambas representam dois ciprestes em
primeiro plano com uma vista parcial da cadeia montuosa
Alpilles ao fundo. Noite estrelada tem um formato retangular
no sentido horizontal e, no plano intermediário, oferece uma
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de Magalhães
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Van Gogh's “Cypresses” and “The Starry Night”, Yale University Art Gallery, New
Haven, 15 de junho-7 de setembro de 2008. Organização de Jennifer Gross, the
Seymour H. Knox Jr. Curator of Modern and Contemporary Art at the Yale Art
Gallery.
vista da cidadezinha de Saint-Rémy. Em Ciprestes, que possui
um formato retangular no sentido vertical, Saint-Rémy não
aparece. Enfim, a primeira tela é uma paisagem noturna,
enquanto a segunda está sob uma intensa luz diurna. Apesar
de o assunto das duas telas ser quase o mesmo, já notamos uma
diferença importante: a escuridão da primeira em oposição à
luminosidade da segunda – e isso já nos deveria fazer refletir
sobre como iluminar cada uma delas. Mas, se dermos um
passo à frente na análise, notamos outros dois elementos que
são os verdadeiros alicerces das obras: o contraste simultâneo
de cores complementares – muito evidente em Noite estrelada
e apenas esboçado em Ciprestes – e as pinceladas gráficas,
lineares, em forma de vírgulas ou de pequenos segmentos
retilíneos, cuja densidade é tanta que elas compõem uma
verdadeira topografia acidentada sobre as telas. Já falamos
sobre a questão da justaposição de cores complementares
e as suas consequências expressivas. Mas qual é o papel das
pinceladas densas que deixam atrás de si uma trama de relevos
sobre a tela? Elas produzem um efeito de real movimento,
de vibração – e não somente pela sua forma espiralada. Sob
uma só fonte de luz direcionada diagonalmente, cria-se sobre
a superfície dessas – assim como em muitas outras – telas
de Van Gogh, um jogo capilar de luz e sombra, que varia
conforme a variação de posição do observador diante dos
quadros. Isso acrescenta uma grande animação – poderíamos
dizer até mesmo pulsação – à imagem, que se sobrepõe às já
conturbadas formas aspiraladas dos elementos da composição
e à excitação recíproca das cores complementares justapostas –
no caso de Noite estrelada, vários tons de azul e de amarelo19.
19
Convém lembrar que, apesar de Van Gogh explorar de modo sistemático o
potencial expressivo dos relevos deixados pelas pinceladas densas, isso não é uma
novidade absoluta. Claude Monet e, antes dele, Gustave Courbet, assim como
outros pintores de meados do século, exploram a rugosidade das pinceladas,
ainda que de forma menos generalizada. Em algumas marinhas de Courbet, vêse a rugosidade das pinceladas na espuma das ondas que se quebram (como em
Tromba d’água, cerca de 1866, Phildaelphia Museum of Art, em que o pintor
explora várias texturas sobre a tela para criar um efeito de perspectiva atmosférica)
ou nos recifes próximos da areia (como, por exemplo, em A praia de Trouville:
Uma “aula” de
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Como muitas cartas de Van Gogh ao irmão Theo, a
Émile Bernard, a Paul Gauguin, deixam claro, a escolha das
cores, as pinceladas gráficas e densas, o enquadramento, não
são fruto do acaso ou de um arrebatamento do momento,
mas de escolhas que querem se desdobrar no âmbito físicoótico, intelectivo e emotivo do observador, que, assim, podese constituir como testemunha da visão e do estado emotivo
do pintor. Trata-se de um processo de elaboração consciente
de uma linguagem e de uma expressão. Para se estabelecer
o envolvimento físico e deflagrar a experiência do processo
criativo e expressivo de Van Gogh na relação física das suas
telas com o observador, alguns estratagemas eram necessários.
Em primeiro lugar, distinguir a qualidade da luz específica de
cada uma das duas obras: noturno versus diurno. O noturno
exigia uma iluminação mais fraca, quase uma penumbra, para
fazer emergir o brilho das estrelas e da luz proveniente das
casas ao longe; o diurno requeria uma luz mais intensa, ainda
que, quase sempre, a intensidade de luz que se dá nos museus
é excessiva20. Em segundo lugar, para possibilitar que as obras
emanassem a pulsação que deriva da relação entre incidência da
luz, relevo das pinceladas e movimento do observador diante
da tela, seria preciso direcionar a luz diagonalmente para cada
uma das obras sem que a iluminação de uma interferisse com
a iluminação da outra e, assim, anulando indesejavelmente
os respectivos efeitos de luz e sombra. Enfim, sendo ambas
de formato relativamente pequeno e não estruturadas com
base na perspectiva racional (o que não significa ausência de
espaço tridimensional ou de profundidade espacial), a altura
Roberto Carvalho
de Magalhães
por-do-sol, 1865-1866, do Wadsworth Atheneum Museum of Art, Hartford).
Em Monet, os relevos deixados pelas pinceladas são visíveis já na tela A pega, de
1868-69 (Musée d’Orsay, Paris), e atingem uma espécie de paroxismo nas séries
dedicadas às pilhas de feno (1890-1891) e à Catedral de Rouen (1892-1894).
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Para pintar as suas paisagens noturnas, Van Gogh utilizava a luz de uma ou
mais velas, cuja oscilação participava, sem dúvida, do processo de formação
da imagem. O movimento produzido pela oscilação da luz se sobrepunha ao
movimento espiralado das pinceladas e interagia com os relevos por elas deixados
sobre a tela, contribuindo com a intensidade da visão.
para ambas podia ser a tradicional para uma pessoa de estatura
média, com as obras alinhadas a partir do centro das telas.
Com exceção do último ponto, as instâncias expressivas
fundamentais das duas obras de Van Gogh, na exposição da
Yale University Art Gallery (assim como acontece nos seus
respectivos museus), foram completamente ignoradas, embora
tivesse sido criado, no espaço flexível da arquitetura projetada
por Louis Kahn, um ambiente específico para a sua exposição.
Tanto menos essas instâncias eram reveladas nos textos relativos
às obras – ainda que nenhum texto possa substituir a vivência
direta (física, ótica e emotiva) e o envolvimento do observador
na relação obra/espaço/luz nos termos reivindicados pela
própria obra.
No seu artigo Le problème des musées, Paul Valéry
antecipa uma questão que, embora enfrentada nas suas
dimensões prática e teórica na Itália, a partir de meados do
século passado, não faz parte da agenda da grande maioria
dos museus no mundo – sejam eles grandes ou pequenos –, o
que constitui uma lacuna educativa relevante. A partir do final
da década de 1940, o arquiteto e designer veneziano Carlo
Scarpa dá forma concreta a uma ideia de museu que privilegia
a individualidade das obras. Entre eles, encontra-se a Galleria
Regionale della Sicilia, Palazzo Abatellis, de Palermo. Na sua
estrutura expositiva, instalada no palácio do século XV de
estilo gótico-catalão, inaugurada em 1954, Scarpa dispõe as
obras levando em consideração, com extrema sensibilidade, as
exigências de cada uma na relação com o espaço arquitetônico
e com a luz. Quase todas as obras têm um suporte, um fundo e
uma luz específicos. Assim, o percurso do museu se transforma
numa sequência de “paradas” – verdadeiras surpresas – que
fomentam a experiência e a vivência das obras. Convém
sublinhar, mesmo correndo o risco de sermos repetitivos,
que cada solução é determinada por uma compreensão da
própria linguagem e das instâncias expressivas de cada obra
na sua relação com o espaço e com a luz. Um dos exemplos
mais felizes do percurso do museu é a solução adotada para
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
musées
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Roberto Carvalho
de Magalhães
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o pequeno painel da Annunziata (1477), de Antonello da
Messina. Como num retrato flamengo do século XV, a figura
da Virgem emerge de um fundo escuro graças a uma luz
proveniente da esquerda para a direita em sentido diagonal.
Para sublinhar essa escolha do pintor, Scarpa colocou o
pequeno óleo de 45 x 34,5 centímetros num painel situado no
centro da sala, à direita da janela e orientado diagonalmente,
para receber a luz natural exatamente na mesma direção da luz
pintada. A posição da obra chama a si, dessa forma, a relação
com o espaço arquitetônico e a sua luz, ou seja, o espaço do
observador, o qual é abrangido fisica e oticamente – e ousamos
dizer, também, emotivamente – pelas escolhas do pintor.
O museu do Palazzo Abatellis possui um acervo
quantitativamente limitado, o que, sem dúvida, contribuiu
com a tentativa de Carlo Scarpa de reintegrar, na exposição
permanente, a relação individual de cada obra com o espaço e
a luz.
No âmbito da filosofia e da crítica de arte, a questão
foi enfrentada de maneira ampla por Carlo Ludovico
Ragghianti, que, no livro Arte, fare e vedere. Dall’arte al museo,
define a museologia como critica d’arte in azione e sustenta a
necessidade de se apresentar as obras nos museus conforme os
critérios estabelecidos pelo artista no seu processo de criação,
que podem e devem ser deduzidos das próprias obras e não
lançando mão de métodos que lhes são alheios. Para isso, o
intérprete deve ser apto a reconhecer o status autônomo e
gerador de conhecimento e de experiência das artes visuais,
ao invés de considerá-las manifestação colateral ou derivada
de outros âmbitos – como a história, a religião, a literatura, a
psicologia, etc. – e a reconstruir os mecanismos próprios dos
artistas, munindo-se dos intrumentos da gramática visual.
Mas um museu diferente do descrito por Paul Valéry
em Le problème des musées e que leve em conta as exigências
das obras, como indicamos acima, é possível? Depende. Sem
dúvida, é uma necessidade, que, porém, requer escolhas
drásticas, como, por exemplo, a redução do número de obras nas
exposições permanentes, para que cada uma das obras expostas
possa ter os seus referentes espaciais e de luz específicos. Podese, também – para “salvar a cabra e as couves”, como se diz em
italiano –, no percurso tradicional da exposição permanente,
destinar espaços a exposições exemplares, que façam com que
algumas obras revivam as relações ideais com o espaço, com
a luz e com o observador – ou seja, as relações entre a obra e
a sua mãe arquitetura, tendo o observador como testemunha.
Enfim, no que diz respeito pelo menos às diferentes alturas
requisitadas pelas obras na relação com o observador, isso seria
possível se, com coragem, ao invés de se alinhar todas as obras
a uma altura convencional e determinada por fatores alheios às
obras, elas fossem colocadas, simplesmente, cada uma na sua
altura ideal, com algum tipo de assinalação visual ou textual
do porquê dessa escolha21.
De uma forma ou de outra, a necessidade de satisfazer
as exigências cognitivas e educativas fundamentais assinaladas
há quase um século por Paul Valéry permanece, via de
21
Algumas hipóteses de como as diferentes exigências de altura de um grupo de
quadros pode ser tratada em um museu são fornecidas em MAGALHÃES,
Roberto Carvalho de. Musei: istanza pedagogica dell’arte. Notizie da Palazzo
Albani, v. XX, n. 1-2, 1992. Revista de História da Arte da Università degli Studi
di Urbino. Urbino, Argalìa Editore, p. 325-340. Em especial, no caso de um
grupo de naturezas mortas de Giorgio Morandi, que se baseiam, essencialmente,
na representação de um grupo de frascos com ângulos de visão de várias alturas,
incluido a visão de baixo para cima, recomenda-se traçar uma linha do horizonte
perspéctico na parede – que corresponde à altura dos olhos do observador no
museu – e alinhar a linha do horizonte perspéctico especifica de cada quadro à
linha traçada na parede. Dessa forma, recriam-se, ainda que parcialmente, as
condições visuais estabelecidas pelo pintor na sua relação com o objeto dos seus
quadros. À pergunta: o que acontece com a variação de altura dos observadores?
Evidentemente, a linha do horizonte na parede deve levar em consideração a
altura média dos visitantes de um museu. Além de dar uma referência visual
para a convergência perspéctica de cada quadro, a linha na parede torna-se um
elemento unificador de um conjunto de telas colocadas em alturas diferentes.
Se se considera a linha do horizonte na parede um elemento intrusivo e que
a variação de altura das obras cria desarmonia na organização da sala, pode-se
variar a altura conforme as exigências das obras sem a linha do horizonte na
parede, traçando, porém, um perímetro retangular em volta de todo o conjunto
ou, ainda, retângulos iguais, na mesma altura, em volta de cada uma delas. Esse
expediente, permite, ao mesmo tempo, manter as diferentes alturas das telas
e restaurar a harmonia na sala. Mas não há dúvida de que a própria ideia de
harmonia numa sala de museu pode ser questionada.
Uma “aula” de
museologia de Paul
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em torno do texto
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regra, ignorada; e o diretor ou conservador de museu que,
porventura, queira satisfazê-la deverá, antes de mais nada,
aprender a dialogar com as obras na sua própria linguagem.
Roberto Carvalho
de Magalhães
As traduções de todos os trechos citados no texto foram
feitas pelo próprio autor.
Bibliografia
(Estão relacionadas apenas as obras essenciais cuja
referência bibliográfica não foi fornecida integralmente no
texto.).
BAUDELAIRE, C. Curiosités esthétiques, l’Art romantique et autres
œuvres critiques. Paris: Garnier, 1986. Disponível em: <http://
visualiseur.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k101426n>. Acesso em: jun.
2011.
CHEUVREUL, M. E. De la loi du contraste simultané et de
l’assortiment des objets colores considérés d’après cette loi. Paris: PitoisLevrault et Cie., 1839. (Charleston, SC-USA, BiblioBazaar, 2010).
MAGALHÃES, R. C. de. A pintura na literatura. Literatura e
Sociedade, São Paulo, n.2, p. 69-88, 1997. Disponível em: <http://
dtllc.fflch.usp.br/revistaliteratura>. Acesso em: 11 jun. 2010.
RAGGHIANTI, C. L. Arte essere vivente. Firenze: Edizioni Pananti,
1984.
______. Arte, fare e vedere. Dall’arte al museo. Firenze: Vallecchi
editore, 1974. (Firenze, Baglioni & Berner, 1986).
VALÉRY, P. Degas - Danse, dessin. Illustrations d’Edgar Degas.
Paris: Ambroise Vollard, 1936.
______. Introduction à la méthode de Léonard de Vinci. 2. ed. Paris:
Éditions de la Nouvelle Revue Française, [s.d.].
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82
______. Le problème des musées. Œuvres, tomo II, Pièces sur l’art.
Gallimard: Bibl. de la Pléiade, 1960. p. 1290-1293. Disponível em:
<http://classiques.uqac.ca/classiques/Valery_paul/probleme_des_
musees/valery_probleme- musees.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2011.
Uma “aula” de
museologia de Paul
Valéry: Considerações
em torno do texto
le problème des
musées
______. Scritti sull’arte, Degas danza disegno. Parma: Ugo TEA,
1996.
ZOLA, E. L’Œuvre. Paris: Gallimard, 2006.
______. Pour Manet. Apresentado e organizado por Jean-Pierre
Leduc-Aline. Bruxelles: Éditions Complexe, 1989.
A “LECTURE” ON MUSEUM STUDIES BY
PAUL VALERY: CONSIDERATIONS AROUND
THE TEXT LE PROBLÈME DES MUSÉES
Abstract
The text comments on an article by Paul Valéry on museums
published in 1923. Its focus is the idea enunciated by the
French poet and essayist that works of art in a museum
are like orphans, who lost their mother, the architecture.
The exploration of Valery’s article is preceded by a brief
exposition about the relationship between writers and art
criticism, notably in France, and by an excursus on Paul
Valery’s ideas on art. Making explicit what is underlying
in Valery’s article, the author makes an analysis of the
relationship between the art of painting and architecture
that contributes to the genesis of works of visual art and
that is not taken in account in the exhibition of art works
in traditional museums, limiting the optical-physical and
intellectual experience of art by observers.
Keywords: Museum. Museum studies. Architecture. Art
criticism. Art history. Paul Valéry.
Data de recebimento: dezembro 2012
Deta de aceite: março 2013
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Territorios de
colaboración: negociaciones
educativas-artísticas en
la escuela, el museo y la
comunidad
Aida Sánchez de Serdio Martín1
Resumen
El presente artículo se centra en la discusión de la
educación artística entendida como colaboración entre
agentes diversos, permitiendo así la emergencia de
distintas definiciones de saber, enseñanza y aprendizaje.
Colaboración no significa aquí necesariamente consenso
sino más bien negociación, disenso y antagonismo. La
autora explora diversos contextos para la práctica educativa
colaborativa (escuelas, museos y comunidades) así como las
posibilidades y complejidades específicas que presentan. El
argumento principal de esta discusión es cómo se pueden
articular proyectos colaborativos en dichos contextos sin
anular las tensiones institucionales y políticas.
Palabras clave: Educación. Colaboración. Antagonismo.
En el presente artículo intento articular algunas de las
reflexiones que me han ocupado los últimos años acerca de las
condiciones de la colaboración en los proyectos educativos que
toman el arte como eje de intervención. Como investigadora y
trabajadora cultural, siempre he intentado poner en suspenso las
afirmaciones que postulan la bondad del arte y de la educación
a priori para problematizar todas sus dimensiones, también las
que suponen una reinscripción de la opresión y la desigualdad.
A partir de esta ampliación del rango de efectos posibles de la
1
Universitat de Barcelona. [email protected]
educación y el arte, se abre un campo de discusión sobre cuáles
son las condiciones políticas de activación de sus capacidades
transformadoras, en lugar de darlas por supuestas. Debo advertir
antes de iniciar este itinerario que mi contexto de referencia es el
español, con sus especificidades por lo que respecta a las historias
de cada campo de la educación artística. Espero que a pesar de esta
concreción, el lector o lectora pueda encontrar formas de trazar
puentes con su propia experiencia y conocimientos.
Aida Sánchez de
Serdio Martín
El
contexto contemporáneo de las prácticas
educativas-artísticas
Educ. foco,
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Como forma de ubicar los proyectos artísticoseducativos que emergen desde la óptica de la colaboración,
quisiera mencionar aunque sea brevemente las condiciones
contemporáneas de este tipo de trabajo, ya que éstas determinan
de manera importante los efectos de nuestra labor.
Uno de los aspectos principales es el que Foucault
caracterizó bajo el término gubernamentalidad, el cual hace
referencia a la creciente preocupación del Estado moderno por
el individuo. El Estado pasa a prestar especial atención a la
administración y regulación de las poblaciones para hacerlas
eficaces, disciplinadas y sanas, es decir dóciles y autorreguladas
(MILLER; YÚDICE, 2004). Además, en un contexto como
el actual caracterizado por el desmantelamiento del estado del
bienestar, las dimensiones de protección social que hasta ahora
asumía el Estado tienden a recaer cada vez más sobre la llamada
sociedad civil, la cual debe desarrollar capacidades organizativas
y recursos propios para dar respuesta a necesidades como la
atención médica, la educación, el paro, la integración social,
etc. De este modo, las tradicionales distinciones entre Estado,
y sociedad civil, o entre empresa y entidades sin ánimo de
lucro se diluyen, puesto que todas estas instancias han acabado
por formar parte de las redes de regulación y cuidado que exige
el estado gubernamental.
86
En estos procesos la cultura ha desempeñado un papel
clave como elemento disciplinador y “civilizador”, además de
ser instrumental para el desarrollo económico (por ejemplo
en las industrias culturales o turísticas) y las políticas sociales
centradas en la integración social y cultural de colectivos en
“riesgo de exclusión”. Así pues, la cultura ha pasado a ser un
recurso ligado a múltiples usos, más que una esfera autónoma
de crecimiento personal o de expresividad (YÚDICE, 2002),
como desarrollaré en los próximos apartados.
Incluso nociones que se suelen considerar intrínsecamente
positivas por cuanto serían el reducto de la realización humana,
como por ejemplo la creatividad, han entrado a formar parte de
las materias primas del capitalismo cognitivo contemporáneo.
Efectivamente, en el marco de la llamada economía creativa,
no es posible imaginar una esfera mítica de creatividad pura e
intacta, a salvo de instrumentalizaciones, sino que deberíamos
tener presentes en todo momento las esferas de productividad
en las que se inserta (RAUNIG et al. 2011).
Estas trasformaciones no han pasado desapercibidas
para las políticas culturales, ya que en buena medida son
ella las que han contribuido a producir este estado de cosas.
El trabajador cultural (ya sea artista, educador, gestor, etc.)
debe negociar con políticas culturales instrumentalizadas,
que no fomentan las aportaciones críticas sino que buscan
la maximización de beneficios, ya sean económicos o de
pacificación social (MARZO; BADIA, 2010). En este sentido
las políticas culturales participarían plenamente del régimen
gubernamental antes descrito. A todo ello habría que añadir
la tradicional separación entres las esferas de la cultura y la
educación en el Estado español en ámbitos administrativos
distintos y mal comunicados entre sí.
Finalmente, no sería posible concluir este panorama
sin mencionar la expansión del estado de precariedad.
La fractura del estado del bienestar ha hecho que incluso
trabajadores altamente formados y cualificados, entre ellos
los trabajadores culturales, vean degradadas sus condiciones
Territorios de
colaboración:
negociaciones
educativas-artísticas
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Educ. foco,
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laborales y de vida en general, deviniendo así lo que ha dado
en llamarse proletariado cognitivo o cognitariat. Sin embargo
esta precarización es un fenómeno complejo puesto que
en ocasiones, además de impuesta por las circunstancias,
es autoimpuesta por los mismos que la padecen cuando
responden a las representaciones dominantes del trabajo
cultural: libre expresividad personal, desinterés, rechazo a su
instrumentalización asalariada, etc. (VON OSTEN, 2008).
Aida Sánchez de
Serdio Martín
Las posibilidades de la colaboración
Educ. foco,
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El motivo de centrarme en la dimensión colaborativa de
los proyectos educativos-artísticos es casi obvio: no hay proyecto
educativo que no implique una relación entre agentes, aunque
se trate simplemente de un profesor y sus alumnos (en realidad
los agentes serían más: las familias, el resto de la escuela, el
barrio donde se encuentra, los amigos...). Pero además
considero que la colaboración entre agentes no necesariamente
inmediatos, o la transformación de la relación entre agentes
que colaboran habitualmente, abre posibilidades de indagación
y cuestionamiento que nos permiten desestabilizar algunas
jerarquizaciones y automatismos pedagógicos.
Un espacio de potencialidad emerge cuando planteamos
la educación como una articulación fluida de agentes y sujetos
posicionados de manera muy diferente en cuanto a lo social, lo
político, lo cultural, la pertenencia institucional, o los saberes
desde los que parten. En este sentido, un proyecto construido
a caballo de lo artístico y lo pedagógico genera valor a partir
de poner en relación personas, colectivos y organizaciones
distintos, puesto que es en estos cruces donde emergen
fricciones y se producen aprendizajes. Este es un aspecto que los
proyectos colaborativos incorporan por definición, aunque ello
no garantiza automáticamente que esta relación entre agentes
se haga significativa y problemática. Uno de los elementos
fundamentales a tener en cuenta a este respecto es la necesidad
de cuestionar las jerarquías verticales de transmisión del
saber, pero al mismo tiempo evitar plantear horizontalidades
falsas que pretendan borrar las diferencias estructurales que
atraviesan toda relación de aprendizaje y de producción
cultural. Así pues, es necesario que los proyectos propongan
encuentros que permitan abrirse a las fricciones de lenguajes
y representaciones, generando momentos potencialmente
críticos y, por consiguiente de aprendizaje. No olvidemos que
aprender es esencialmente cambiar y que no hay aprendizaje
genuino sin transformación de (todos) los sujetos involucrados
en la relación de aprendizaje (de su posición, de sus creencias,
de sus preguntas...).
En la medida en que los proyectos educativos artísticos
están relacionados con prácticas de producción específicas,
se abre la posibilidad de interrogar críticamente la economía
cultural en que se insertan, no sólo en cuanto a la producción
artística, sino también en relación con otras circulaciones de
valores (económicos, políticos, simbólicos, identitarios). Más
que exaltar o dar por supuestas unas capacidades y virtudes
inherentes al arte, se trataría de plantear como problema de
indagación durante el proceso educativo bajo qué condiciones
se han construido dichos atributos, cómo circulan y se
reinscriben, así como las relaciones de poder de que son
producto estos procesos. Lo cual, lejos de socavar el sentido
del arte, supone una puesta en juego de su potencial crítico.
En este sentido la educación dejaría de ser una
“reproducción” cultural y social para considerarse una esfera de
“producción” e incluso de potencial transformación. Este es uno
de los cambios que se demuestra más complicado puesto que
atañe a representaciones sociales de la educación profundamente
enraizadas en nuestras culturas. La insistencia en la obligación
por parte de la escuela de “transmitir” conocimientos y
valores ya establecidos no ayuda precisamente a reconocer
el valor productivo y creativo que pueden tener los procesos
pedagógicos. Que las producciones escolares rara vez reciban
un reconocimiento en otras esferas culturales y sociales acaba de
reinscribir la visión reproductiva y subordinada de la enseñanza.
Territorios de
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Finalmente, cuando los procesos entre el arte y la
educación construyen un territorio intermedio, necesariamente
se descentran los papeles tradicionales de los agentes: el saber ya
no está sólo en la escuela sino que puede estar en la calle o en la
gente del entorno, los alumnos no son sólo receptores de ese saber
sino que lo co-construyen; educadores, artistas, intelectuales,
trabajadores culturales, etc. trabajan desde posiciones distintas,
pero no jerárquicas a la manera convencional, para elaborar al
tiempo que transitan un campo de saber no preexistente a la
acción colectiva, poniendo en juego sus saberes y habilidades
junto con los de otros para generar situaciones y procesos de
fin no siempre previsible. Esta circulación de saberes no sólo es
imprescindible sino que constituye la misma razón de ser del
proceso de aprendizaje.
Aida Sánchez de
Serdio Martín
Colaboración y antagonismo
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Estas posibilidades que acabo de describir no deberían
hacernos creer en el lugar común de la colaboración como acuerdo
o como consenso. No se trata sólo de que, como los interaccionistas
simbólicos comprendieron, es posible colaborar sin acuerdo en
una acción común (BLUMER, 1982), sino que en un sentido más
claramente político, es necesario comprender el arte y la cultura
como un campo de batalla, cuestionando los discursos dominantes
que los dotan sistemáticamente de capacidades expresivas,
reconciliadoras y civilizadoras. Efectivamente, en los últimos
años la cultura se ha convertido en un lugar común en el seno
de discursos que le atribuyen la más diversas capacidades: desde
el crecimiento personal, hasta el desarrollo económico, pasando
por la cohesión social (UNESCO, 1998, 2005). Como plantea
George Yúdice (2002), dentro de un marco de gubernamentalidad
la cultura ya no puede concebirse como un campo desinteresado
en el que se construye un sujeto autónomo sino que resulta más
productivo comprenderla como recurso. Esta noción supone que
no habría manera de sustraer a la cultura de su uso ya que siempre
está inserta en redes de relaciones políticas y económicas.
Pero la noción de recurso no sólo hace referencia a una
instrumentalización política o económica de la cultura, sino
también a la obtención de beneficios sociales, esto es, como
herramienta en manos de la Administración (a menudo a
través de la colaboración con la sociedad civil) a la hora de
enfrentarse a problemas de desarrollo urbano, integración
social, educación, etc., encauzando así a los artistas hacia
el manejo de lo social (Ibid.). Este uso del arte como cura
o prevención social, no sólo inofensiva sino incluso servil a
las intervenciones reguladoras y pacificadoras del conflicto
social, a menudo bajo la coartada retórica de la cohesión
social, ha recibido críticas justificadas por cuanto deviene un
dispositivo al servicio de las políticas de gestión del riesgo
social y de imposición del consenso desplegadas por el estado
gubernamental para la construcción de una identidad positiva,
y neutraliza el potencial de la estética para confrontar la
contradicción (BISHOP, 2004, 2007; MARCHART, 2005).
Podemos vincular este acento en el conflicto a la hora de
comprender lo político con las teorías de la democracia radical
propuestas por Laclau y Mouffe (1989), según las cuales la noción
de antagonismo es el fundamento de la democracia, al mantener
abierta permanentemente la necesidad de una negociación, a
diferencia de una visión habermasiana de esfera pública que
aspiraría a alcanzar un consenso racional. De hecho la consecución
de tal consenso supondría el fin no sólo de la democracia, sino de
toda posibilidad de existencia de una política puesto que eliminaría
la pluralidad en que se basa (EXPÓSITO, 2005). La democracia,
pues, no se logra cuando se alcanza el consenso sino precisamente
cuando se rompe, y es la propia acción política la que crea la esfera
pública y no al revés.
Además, según Laclau y Mouffe (1989), la relación de
antagonismo no surge entre entidades plenas, sino precisamente
de la imposibilidad de constitución de las mismas. No se trata
de una oposición entre elementos o sujetos determinados
y estables, sino que la relación antagónica impide llegar
a ser una presencia plena para sí misma a cada una de las
instancias implicadas. “El antagonismo como negación de
Territorios de
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comunidad
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Educ. foco,
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Aida Sánchez de
Serdio Martín
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un cierto orden es, simplemente, el límite de dicho orden
y no el momento de una totalidad más amplia respecto a la
cual los dos polos del antagonismo constituirían instancias
diferenciales parciales” (LACLAU; MOUFFE, 1989, p. 146).
Sin embargo, aunque los elementos no sean agregables en
una totalidad que los incluya, esta negación tampoco consiste
en una diferencia objetivable que pueda trazarse con nitidez:
“La coexistencia de sus términos no puede concebirse como
una relación objetiva de fronteras, sino como subversión
recíproca de sus contenidos” (Ibid., p. 149). La subversión,
según los autores, consiste en que ni las condiciones de una
equivalencia total ni las de una diferencia objetiva total son
nunca plenamente logradas; es decir que entre las instancias
implicadas en la relación antagónica no existe la posibilidad
ni de una igualdad ni de una negación plenas, puesto que ello
implicaría una plenitud de significado en sí mismas.
Si nos centramos en la relación específica entre
educación y arte percibimos múltiples diferencias, que no
hay que comprender como preconstituidas, sino que emergen
de la permanente relación entre ambos campos. Asimismo,
los sujetos que los articulan no poseen identidades íntegras y
autónomas como artistas o educadores (si fuera así no habría
problema), puesto que se encuentran incrustados en relaciones
que implican su constante redefinición, a veces en forma de
(re)negación mutua, como veremos.
Una de las diferencias que articulan este antagonismo entre
arte y educación es la naturaleza de las estructuras institucionales
en que se promueven y desarrollan sus prácticas; museos y
centros de arte por un lado y escuelas por otro se rigen por
regulaciones distintas y tampoco coinciden sus organigramas.
No hay vías establecidas de relación aparte de los departamentos
de educación y acción cultural (DEAC) de museos y centros de
arte, e incluso en este caso, salvo excepciones, la relación tiene
un carácter clientelar o de servicio por el cual la escuela recurre
al museo puntualmente pero no se entabla entre ambos una
relación de diálogo más profunda y transformadora.
Por otro lado los procesos formativos de educadores y
artistas son completamente distintos y están encaminados a
formar tipos de sujeto que poco tienen en común. Aunque
estas ideas tengan más que ver con la reinscripción del mito
del artista y de los estereotipos sobre la educación reglada que
otra cosa, se concibe que los artistas se deben sólo a su propia
creatividad o expresión independiente, mientras que los
educadores se ocupan de transmitir de forma eficaz y uniforme
un currículum preestablecido. Además las disciplinas artísticas
suelen tener un papel secundario o meramente decorativo en
la formación de los educadores; y lo mismo ocurre en el caso
inverso, ya que la educación es considerada una dedicación
menor o socorrida (cuando no directamente un “fracaso”)
en el caso de los artistas. Finalmente, y este es un aspecto de
gran importancia política y práctica que hemos mencionado
brevemente en la introducción, a menudo los departamentos
de la administración pública que regulan uno y otro campo no
sólo están separados sino que no suelen colaborar, de manera
que al generar proyectos a caballo de ambos campos nos
encontramos con dificultades organizativas y de financiación
que añadir a las anteriores.
Los aspectos que he discutido hasta el momento tienen
concreciones muy diversas dependiendo de dónde se produzca
cada proyecto artístico-educativo, puesto que cada contexto
posee sus estructuras institucionales, relaciones de poder, mapa
de agentes, horizontes de posibilidad, etc. Como territorios
básicos de colaboración he escogido la escuela, el museo o
centro de arte, y la comunidad. No son los únicos posibles,
pero pueden servir para esta introducción puesto que cubren
un buen número de posibilidades de experiencias educativas.
Territorios de
colaboración:
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en la escuela,
el museo y la
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La escuela
Como decía anteriormente, a menudo la educación
escolar ha sido considerada como un polo de valores
negativos contra el cual se posicionan opciones auto-
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consideradas radicales y que proceden del ámbito artístico
más que educativo, para poder definirse como una alternativa
más crítica y emancipatoria. Efectivamente, en la crítica a la
educación desde el ámbito del arte se identifica una “mala”
educación reproductiva y autoritaria, normalmente asociada
a la escuela, a la que se opone una “buena” educación
que tiene lugar fuera de la escuela y de las instituciones
formales y que es radicalmente crítica (y a la que de manera
significativa se tiende a evitar llamar educación, sino que se
recurre a términos como “pedagogía”, “aprendizaje” o incluso
“autoeducación”; todos ellos indicativos de la aversión a la
figura del educador).
Aunque no suscriba esta crítica, no por ello carece de motivos.
Si consideramos algunos aspectos del desarrollo de la educación
artística escolar (educación visual y plástica) en el contexto español,
que analiza con detalle Rifà (2011), podemos comprender qué
aspectos resultan problemáticos. Para empezar, se basa en la
concepción psicologista e individual propia de la psicopedagogía de
carácter constructivista, una perspectiva opuesta a una concepción
social y colectiva de la relación de enseñanza-aprendizaje. En
coherencia con este enfoque piscopedagógico, se establecen
etapas o conjuntos secuenciales de saberes universalizables que los
alumnos deben adquirir a un ritmo predeterminado según franjas
de edad. A su vez, este saber se estandariza sobre la base de una
cultura homogénea y única que define los contenidos disciplinares
y en la que no se problematizan dimensiones fundamentales como
la clase, el género o la diferencia cultural. Mediante estos procesos
de tecnologización y objetivización del saber se produce una
reducción de su complejidad, también llamada “asignaturización”,
que aleja el aprendizaje realizado en la escuela de los problemas
que articulan el campo de conocimiento en sentido amplio.
Estas condiciones de partida tienen profundas
implicaciones en relación con la educación artística. Por
ejemplo, se refuerza su carácter adaptativo al insistir en la
capacidad de interpretar y producir una cultura masivamente
audiovisual. Esto se ha concretado en diversas definiciones,
todas ellas reduccionistas, de la educación visual y plástica
como por ejemplo su reducción a un “lenguaje” cuyas
competencias hay que adquirir, o su intrumentalización
como forma de preparación para las industrias culturales, o su
mitificación como propiciadora de determinadas capacidades
creativas, expresivas, cognitivas, asociativas, de resolución
de problemas, etc. Por lo que respecta a la práctica artística,
se reproduce la mitificación convencional del arte y los
artistas mediante la reproducción, a veces involuntaria, de
sus hagiografías fomentando actividades de reproducción
de sus estilos y aceptando acríticamente ciertos referentes
convencionales de la historia del arte. Lo que estas definiciones
de carácter universal producen es una disuasión de la crítica
o de la desviación no instrumental, a la vez que se dificulta
un cuestionamemiento institucional tanto del arte y la cultura
visual como de la escuela.
Pero, como decía, estas críticas no representan la
totalidad del campo educativo escolar, sino que constituyen
los elementos que lo han hecho acreedor del rechazo desde
ciertas posiciones pedagógicas “alternativas”. Es necesario
tener en cuenta también las posibilidades que ofrece, en
lugar de eliminar sin previo escrutinio todo un campo de
conocimiento. Se trataría pues de interrelacionar los campos
de saber, es decir, de encontrar “territorios de cruce” entre la
educación artística y las prácticas estéticas y así
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[…] no obviar lo heredado de la nueva escuela y los
movimientos sociales en el marco de la pedagogía
crítica, sino más bien articular este legado en una
nueva relación desde la educación artística. [Lograr]
una aproximación donde se integre el modelo de
educación como práctica política, sin por ello perder
la especificidad de lo estético como campo de trabajo,
pero tampoco por ello apostando sólo por lo singular de
la práctica artística en detrimento del trabajo educativo
(RODRIGO, 2007, p. 76).
Frente a esta situación existe la posibilidad de transgredir
las tendencias dominantes, como ya hacen muchos docentes
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mediante sus prácticas en el aula y fuera de ella. Podríamos
llamar a esto una “desescolarización” de la educación artística.
No hay una única forma de desescolarizarla, y no debemos
comprender este término como un rechazo de la escuela, sino
como múltiples posibilidades para cuestionar la normalización
de la educación visual y plástica antes descrita. Por ejemplo,
una forma de desescolarizar la educación en relación con el
arte consistiría en abrir el campo artístico (o de la cultura
visual en sentido más amplio) a la complejidad, la paradoja
y la crítica. Esto implica renunciar a las certidumbres de
un currículum o una secuencia de actividades predefinidos,
tener que enfrentarse a visiones opuestas (que pueden ser las
de los mismos alumnos) sobre los hechos, y renunciar a las
certidumbres a la hora de avanzar, con todo lo que ello implica
en un contexto educativo formal, que no suele recibir bien la
abertura a las derivas y giros imprevistos que pueden tomar
los procesos de aprendizaje. Abrirse a la fricción y al conflicto,
y aceptar que la educación no es un mecanismo donde todo
encaja y que avanza aproblemáticamente hacia resultados
predefinidos puede ser dificultoso y a veces frustrante para
todos los implicados.
Otro elemento cuestionador sería la inclusión en el
propio proceso de aprendizaje de las condiciones estructurales
e institucionales en que tiene lugar. Este es un ejercicio
reflexivo que rara vez tiene lugar, no sólo en la escuela sino en
general en los procesos formativos y productivos. Si tenemos
en cuenta dichas condiciones, quedan al descubierto la
relatividad de nuestras opciones y la vulnerabilidad de nuestro
sistema de valores. Sin ir más lejos, supondría deconstruir las
condiciones de producción de valor cultural en la institución
arte y de producción de conocimiento en la institución escuela.
En consecuencia cuestionaría las estructuras jerárquicas de la
cultura y el saber, pero sin dejarse engañar por la fantasía de
horizontalidad: no todas las posiciones y afirmaciones están
igualmente legitimadas sino que existen regímenes de validez no
menos efectivos por arbitrarios o socialmente construidos. De lo
que se trataría, pues, no sería de negarlos sino de comprenderlos
y aprender de ellos, teniendo en cuenta las estructuras de poder
presentes en la producción artística y cultural, así como el papel
que desempeñan en otras producciones de valor: económico,
simbólico, político, o identitario.
Finamente, como apuntaba en apartados anteriores,
desescolarizar el arte y la educación supone poner en relación
saberes de naturaleza diversa, encarnados en individuos
y colectivos diversos que pueden moverse dentro o (más
bien) fuera de las instituciones de producción cultural y de
conocimiento. Es necesario, pues, ampliar las expectativas que
tenemos tanto sobre alumnado y profesorado como sobre el
sistema escolar en general, pero también establecer alianzas
con otras instituciones y productores culturales con el fin de
hacer circular la producción de saber y cultura de los centros
educativos, permitiendo así la difusión y reconocimiento
amplio de aquellos procesos educativos que asumen la
responsabilidad de repensar el mundo, aunque sea a pequeña
escala o en relación con la realidad inmediata.
Como decía, todas estas estrategias forman parte también
de la educación en contexto escolar y son puestas en práctica
en diversa medida por docentes o equipos de colaboración.
Negar este hecho supone dar una visión interesada y parcial
de la educación formal. Es nuestra responsabilidad como
trabajadores culturales y como productores de pensamiento
crítico valorar en toda su complejidad las propuestas
pedagógicas sin caer en los dogmatismos de lo radical, pero
sin responder tampoco a los imperativos institucionales
establecidos. Por lo tanto, debemos considerar la escuela como
un espacio de condicionamiento y a la vez de posibilidad como
cualquier otro contexto de acción y pensamiento.
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Los museos y centros de arte
Por su parte, en el contexto de las instituciones artísticas,
comisarios y otros agentes culturales han mostrado desde hace
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poco un creciente interés por la educación. Se trata de un enfoque
diferente del modelo tal vez más conocido en el contexto educativo,
centrado en los ya mencionados DEAC de museos y centros de
arte, o en las actividades para escuelas. La reflexión a la que me
refiero ya no se basa en paradigmas pedagógicos escolares sino en
nociones como “inteligencia colectiva”, “autoeducación” o “giro
pedagógico”, tan interesantes teóricamente como problemáticas
prácticamente. Algunas manifestaciones de estas tendencias
las encontramos en el hecho que en la reciente edición de
Documenta 12 en 2007, comisariada por Roger-Martin Buerghel,
la educación constituyera una de sus tres líneas de debate, bajo el
título ¿Qué hacer? Por su parte, museos de arte contemporáneo
han interpretado lo pedagógico no ya como mera oferta educativa,
sino que lo han situado al mismo nivel que sus principales ejes
discursivos (MUSEU…, 2005a,b). Y desde la teoría y la crítica de
arte se ha defendido el mencionado giro pedagógico en la práctica
del comisariado (NOLLERT et al., 2006; O’NEILL; WILLSON,
2009). En este marco, el artista como educador es una figura que
ha adquirido impulso como contrabalance de un cuestionamiento
creciente de las instituciones educativas tradicionales, o incluso del
propio museo como lugar de prácticas educativas. La educación
es cuestionada por fomentar unas relaciones jerárquicas entre, por
un lado, el conocimiento y quienes lo “poseen” o administran y,
por otro, los alumnos o públicos, que son reducidos al consumo
pasivo de lo que les es administrado. Como resultado de esta
crítica, justificada o no, el término educación se considera
inadecuado para referirse a un proceso de trabajo basado en la
negociación, y se proponen alternativas como “mediación” o
“autoeducación” (RIBALTA, 2005b, p. 74). Así pues, desde estos
discursos comisariales y críticos del museo, los procesos educativos
impulsados desde los DEAC reciben una dura consideración:
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La mayoría de los programas pedagógicos promueven
la desigualdad y dificultan un auténtico acceso al
conocimiento. No podemos dejar de reconocer las
buenas intenciones de la institución museística que
emplea considerables esfuerzos y recursos en «acercar»
el arte a su público […]. Estas medidas reformistas no
han hecho sino perpetuar algunas de las falacias sobre
las que se ha asentado la pedagogía moderna tales como
la transparencia, el progreso o la educación como mera
transmisión y acceso (BORJA-VILLEL, 2009, p. 17).
Desde este punto de vista, las prácticas habituales de
educación en los museos estarían reproduciendo modelos
populistas de acceso, sustituyendo la experiencia de la obra
por paneles explicativos y neutralizando conflicto y la crítica
como situaciones pedagógicas por excelencia. Una de las
consecuencias de esta recuperación de lo educativo “desde otro
lugar” es el rechazo a los referentes que proceden del ámbito
de la educación, y su sustitución por fuentes en su mayoría
filosóficas. Además, la “estética pedagógica” en el comisariado
sustituye a una práctica educativa que contaminaría o
reduciría la complejidad de la obra (RODRIGO, 2010, p.
17). Este conflicto de discursos acerca de lo pedagógico apunta
fundamentalmente a la posición liminal en que se encuentran
los departamentos educativos de los museos puesto que ellos
deben ocuparse de una exterioridad (encarnada en un una
diversidad de agentes) que amenaza la radicalidad política del
discurso comisarial transformándolo en una serie de tareas
educativas nada glamurosas en las que los protagonistas son
el tedio, lo desagradable, el compromiso, lo dudoso o lo
irrepresentable (STERNFELD, 2010).
Pero la negación del papel de educadores y educadoras
genera situaciones imposibles en la esfera de la práctica real.
Al hablar de proyectos colaborativos desde las instituciones
artísticas, y a pesar de su especificidad y de la notable
envergadura que pueden llegar a alcanzar, no se suele
especificar concretamente cómo se realizó el contacto con
los colectivos con los que se colaboró. Tampoco se suelen
detallar las negociaciones para poner en común objetivos y
procedimientos, ni el desarrollo de los proyectos en el día a
día, ni las renegociaciones que supuso dicho desarrollo, ni la
valoración que los colectivos implicados hicieron del proceso,
ni los beneficios (materiales o simbólicos) que se derivaron
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para cada uno a largo plazo. Yúdice (2002) hace una reflexión
semejante en relación con los modos de dar cuenta de la
celebración de inSITE, un evento artístico que se celebra en la
frontera mexicano-estadounidense y que se caracteriza por las
prácticas de arte público y colaborativo:
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De las 600 reseñas y ensayos críticos acerca de inSITE94,
inSITE97 y de la preparación de inSITE2000, ninguno
se ocupa de las actividades preliminares realizadas
durante un año, de las negociaciones con organizaciones
públicas, privadas y comunitarias, de la adquisición
de permisos, etc., que hacen posible una obra. En las
reseñas y críticas, los términos colaboración e interacción
significan, aparentemente, el encuentro o trabajo
conjunto de dos actores: por un lado, la gente pobre (a
menudo racializada) y por el otro, los artistas, como si la
«participación» fuese importante sólo por la reunión de
esos dos actores (YÚDICE, 2002, p. 377-378).
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A esto hay que añadir el hecho de que los textos producidos
desde las instituciones artísticas tienden a presentarlos en
relación con conceptos teóricos como contrapúblicos y
contradiscursos (RIBALTA, 2005a), pluralismo antagónico
(EXPÓSITO, 2005; RIBALTA, 2005a), creación/resistencia
(ASOCIACIÓN…, 2005; ROLNIK, 2005), dispositivos
deleuzianos y cuerpos vibrátiles (ROLNIK, 2003), o la
reconquista de la subjetividad (BABIAS, 2005). Con todo lo
necesaria que es la reflexión teórica acerca de unas prácticas
cuya consideración queda demasiado a menudo en lo vivencial,
hay que tener en cuenta los riesgos que entraña el despegue
discursivo respecto de las dimensiones concretas de realización
del proyecto. Para empezar, corremos el riesgo de olvidarnos
de los participantes y de en qué medida éstos son diversos y se
encuentran enmarcados de maneras, también diversas, en la
estructura institucional de la que participan.
Por otro lado es necesario remarcar que ciertas cuestiones
de las que críticos y comisarios hablan como si fueran una
revelación (el carácter dialógico y construido de conocimiento,
el reconocimiento de la crítica y el debate en dicho proceso,
el cuestionamiento de las relaciones jerárquicas, etc.), no son
nuevas en el campo educativo, sino que forman parte de la
reflexión que teóricos, docentes e investigadores llevan a cabo
sobre la enseñanza desde hace años, tanto desde la educación en
general (AYUSTE et al., 1998; GIROUX, 1989) como desde
la educación en relación con el arte en particular (TREND,
1992). De todo ello se deduce una falta de reconocimiento de
un campo de saber específico sobre los procesos educativos,
paralelo a la invisibilización de los agentes mediadores en los
procesos artístico-educativos, como son los educadores o los
trabajadores sociales (MÖRSCH, 2011).
Pero si reducimos el problema sólo a una cuestión de
reconocimiento mutuo, estaríamos perdiendo de vista las
mismas condiciones que determinan el sentido del trabajo de
unos y otros. Es necesario llevar el debate a la situación de
los museos dentro de las economías materiales y simbólicas
globales. Esta reflexión demuestra la imposibilidad de imaginar
el museo o la institución arte como una esfera autónoma
puesto que en la actualidad el museo forma parte de manera
inevitable de las políticas culturales contemporáneas que
contemplan la cultura como un recurso del que se sirven por
igual las políticas orientadas a la gestión de lo económico y de
lo social, en la línea de lo discutido en apartados anteriores. Por
consiguiente ya no es posible pensar los museos exclusivamente
a partir de sus proyectos museológicos o intelectuales, sino que
es necesario considerarlos también en su compleja y a menudo
contradictoria relación con procesos de revalorización urbana
o pacificación social, por ejemplo. Por otra parte los museos
son el lugar en el que se producen rituales civilizatorios donde
la cultura deviene el ámbito en el que el individuo se disciplina,
aprende normas de conducta, interioriza categorías, valores y
relaciones (CARRILLO, 2009). Es en este contexto donde
debemos considerar el auge de la educación, ya sea como
práctica, como discurso o como apelación retórica, en los
museos y la esfera del arte en general. Independientemente
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de cuán radical sea o se imagine la propuesta pedagógica
del museo, el interés de éste por los procesos colaborativos
o relacionales con su entorno social y urbano no puede
sustraerse al enmarcamiento disciplinario de la institución, ni
tampoco al argumento falaz de la educación artística como
panacea social y cívica (OLVEIRA, 2010; KESTER, 1995),
puesto que dentro de este marco, la educación siempre estaría
relacionada con la reproducción de públicos y la accountability
institucional.
Así pues, aunque es necesario reconocer que los museos
han pasado de preservar, celebrar y transmitir su patrimonio, a
resignificarlo y cuestionarlo haciendo problemática la noción
de cultura y de arte, así como el eurocentrismo, el patriarcalismo
y el clasismo de las tradiciones de sus conceptos, instituciones
y prácticas, también hay que tener presente que deben rendir
cuentas en términos sociales y económicos. Sin duda es positivo
que un sector público y fuertemente subvencionado como
el de los museos deba responder a una función de servicio
público, pero esta presión es fácilmente pervertible en una
instrumentalización cuantitativa de los públicos al servicio de la
cual se pone la educación. Así es como la educación en museos
vive en la tensión permanente que supone la redefinición de
sus funciones, esto es entre construir procesos educativos con
grupos específicos y experimentar con propuestas críticas en
relación con la institución, o bien simplemente integrarse en
las estrategias de difusión y comunicación del museo. Por un
lado se trata del impulso positivo de abrir los centros culturales
a más públicos y más diversos siguiendo las nociones de
democratización de la cultura, acceso y participación. Pero,
por otro lado, estas conceptualizaciones son problemáticas en
cuanto al papel asignado al público, que suele verse reducido
al de consumidor de propuestas previamente elaboradas en
función de características o intereses que se le presuponen.
El cambio en este posicionamiento o modo de
interpelación del público depende en parte de que las
propuestas educativas pasen de los departamentos específicos a
la institución en general, un movimiento poco frecuente como
hemos analizado López y yo misma en otro lugar (SÁNCHEZ
DE SERDIO; LÓPEZ, 2011). Como argumentamos, la
posición subalterna de los departamentos educativos dentro
de la jerarquización de valor de las estructuras de los museos
resulta en la deslegitimación de sus propuestas, o en su
reconocimiento como mal menor. La verdadera educación
radical en el museo provendría de sus propuestas comisariales
o artísticas, mientras que los DEAC se limitarían a la cuestión
del acceso y la reproducción de públicos. Paradojicamente, las
opciones más radicales estarían pobladas de públicos más o
menos homogéneos (familiarizados con los referentes artísticos
y teóricos manejados por el discurso comisarial), mientras que
son los DEAC los que realmente deben lidiar con públicos
heterogéneos y diversamente formados (MÖRSCH, 2011), es
decir, con la diferencia radical.
A pesar de estas complejidades internas y contextuales
los museos y centros de arte son instituciones fundamentales
en el trabajo y conocimiento alrededor de las prácticas
artísticas contemporáneas. Tanto por cuenta propia como,
sobre todo, en colaboración con múltiples agentes externos,
su potencial permite la emergencia de propuestas educativas
como las que se sugieren aquí, propuestas que transforman a
todos los participantes y sus respectivas posiciones en cuanto a
saberes y creencias en relación con el arte y la educación.
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La comunidad
El arte colaborativo o comunitario es un campo
en el que los cruces entre lo pedagógico y lo artístico han
sido frecuentes, por ejemplo en contextos de educación no
formal, en procesos terapéuticos o de integración social, etc.
Las conceptualizaciones de este tipo de prácticas son muy
diversas, pero en algunos casos el aspecto educativo de estos
proyectos se considera un resultado casi inevitable del mismo
proceso artístico, como si el hecho de participar en él supusiese
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automáticamente la transformación del sujeto. En efecto, una
de las perspectivas sobre la relación entre arte y educación en
este tipo de contextos subraya la capacidad transformadora que
posee la práctica artística, si no de las condiciones objetivas de
existencia, por lo menos de la experiencia o conciencia de los
participantes. Esta capacidad se asocia con el poder curativo o
terapéutico del arte, cuyo administrador sería el artista en una
versión del arte comunitario despolitizada (MARCHART,
2005; KRAVAGNA, 2005). El acento suele ponerse en
la necesidad de una sanación social debido a la alienación
que sufre el arte respecto de la vida, el artista respecto de la
“gente real”, la vida cotidiana respecto de la creatividad, y así
sucesivamente. Son “las percepciones únicas y los mecanismos
creativos de los artistas” (MARY JANE JACOB, citada en
KRAVAGNA, 2005, p. 5), lo que permite llevar a cabo este
proceso colectivo e individual, gracias a que el artista educador
tendría la capacidad de traspasar estas cualidades a los no
artistas.
Kravagna señala que la mezcla que hace el arte público
entre las cualidades espirituales de la comunidad, el cuidado
pastoral y la educación contribuye a darle un carácter pseudoreligioso, al que Grant Kester (1995) alude también cuando
habla del artista comunitario como “evangelista estético”.
El hecho de que los proyectos colaborativos o comunitarios
se hayan convertido muchas veces en un instrumento
enmascarador de conflictos en manos de la Administración
(YÚDICE, 2002), y en vehículo de una pedagogía de la
regulación para la producción de sujetos dóciles, los ha hecho
justos acreedores de críticas. En general las acusaciones se
centran en que este tipo de proyectos se limitan a celebrar
aspectos positivos de las comunidades con que trabajan, a
exaltar valores moralmente correctos (la paz, la convivencia,
la diversidad, etc.), dejando intactos los problemas y
contradicciones de las situaciones tratadas. En este sentido
lo social tendría como efecto la eliminación de lo político.
Además, se cuestiona la subordinación que se exige al artista
frente a la voluntad de la comunidad, de manera que adquiere
una cualidad sacrificial que no sólo supone la renuncia a la
autoría sino que desemboca en una estética simplista, que
rechaza la complejidad y cae en representaciones obvias.
Trend (1997) constata que muchos de los proyectos
artísticos comunitarios que se definen como educativos, aunque
deben ser valorados por la democratización que suponen
de las organizaciones artísticas que los promueven, también
plantean problemas si se llevan a cabo de manera acrítica. Este
autor remarca el hecho de que algunas de las propuestas hechas
por artistas y comisarios parten de la premisa de que saliendo
del museo o la escuela se consigue una desinstitucionalización
o una desjerarquización de los procesos. Sin embargo, en la
sociedad contemporánea no se puede hablar de un afuera por
lo que a las instituciones respecta, sino que por ejemplo “el o
la artista que trabaja para un sindicato […] no ha hecho más
que cambiar la problemática de una institución por la de otra;
y al hacerlo corre el riesgo de abandonar una lucha a la que
podía aportar cierta experiencia o conocimiento especialista,
por otra en la que es un principiante” (BURGUIN, citado por
TREND, 1997, p. 255).
Por otro lado existen tensiones fundamentales en la
conceptualización de lo comunitario. En los diversos usos
del término comunidad se pueden percibir dos tendencias
principales: se alude a ella bien como un hecho empírico no
problemático, bien como algo automáticamente positivo. En el
primer caso se emplea el concepto de manera denotativa como
si correspondiera a un hecho social y/o geográfico objetivo o
dado por supuesto. En el segundo caso la comunidad significa la
armonía social y la solidaridad en un grupo y, por consiguiente,
es algo a conseguir, fortalecer, fomentar, etc. (de ahí, la noción
de “desarrollo comunitario”). Ambas acepciones son igualmente
problemáticas. Comunidad tiene una definición contingente y
ha devenido un término comodín para toda una serie de políticas
sociales y económicas que buscan fomentar los niveles locales
tanto de identificación como de gobierno. La comunidad,
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o entidades cercanas como la ciudad o el barrio, se conciben
por un lado como una instancia de pertenencia próxima y
accesible para el individuo, por oposición a estructuras sociales
más impersonales como el Estado y, por otro, como aquello
que le permite realizarse plenamente puesto que representa
el par asociado (individuo/comunidad) necesario para que el
individuo pueda constituirse relacionalmente.
Definir comunidad no es sencillo porque, en definitiva,
lo que está en juego son las dimensiones políticas del uso
del término. Las acepciones de comunidad han tendido a
centrarse en dos aspectos: la comunidad como lugar o territorio
compartido, y la comunidad basada en unos intereses y modos
de vida compartidos. Ambas definiciones son problemáticas.
La que hace referencia al lugar designa a los grupos que
comparten un territorio, generalmente el barrio, pero el
hecho de conceptualizar esta situación como comunidad
implica atribuir a esta proximidad geográfica los valores
de convergencia de intereses, existencia de lazos afectivos,
relaciones cara a cara, etc. De este modo, la comunidad queda
investida de valores positivos vinculados al fortalecimiento
de la identidad, la cohesión social y la visibilidad. Y la
homogeneización social puede dar lugar a la segregación de la
diferencia y a la marginalización de la pobreza.
Las intervenciones culturales que adoptan el adjetivo
de comunitarias parecen estar sistemáticamente dirigidas
a los nuevos barrios periféricos o a los barrios históricos
populares (ROCA, 1994). En cualquier caso, siempre zonas
consideradas o representadas como problemáticas, como si
el origen de este carácter problemático fuese una carencia de
la misma comunidad, en concreto una carencia de espíritu
comunitario. De este modo se soslayan los problemas
estructurales y el hecho de que la naturaleza problemática
de un barrio puede tener más que ver con representaciones
interesadas del mismo, marcadas por cierta moral social, que
con una realidad objetiva. En todo caso, tiende a considerarse
que las políticas de carácter comunitario son apropiadas
sobre todo para barrios con problemas sociales, como forma
de contención y pacificación; pero los problemas de falta de
cohesión social son achacables también, o incluso más, a los
barrios acomodados, que sólo se mueven por los intereses de
conservación del privilegio (BONAL, 2005).
Hasta aquí lo que se refiere a la comunidad como ligada
a un contexto geográfico. La otra forma de definir comunidad,
es decir en función de unos intereses, modo de vida o identidad
compartidos plantea el problema de la presuposición de
homogeneidad dentro de un grupo y de la estabilidad de las
identidades. Con frecuencia se ha apelado a la idea de cultura
para defender la existencia de comunidades diferenciales. Si
tradicionalmente la cultura podía haber sido entendida como
el lugar de la trascendencia de contingencias y particularismos,
a partir de la década de 1960 pasó a significar prácticamente
lo contrario, es decir, la afirmación de identidades específicas,
nacionales, sexuales, étnicas, regionales (EAGLETON, 2001).
De este modo, la cultura, más que el lugar de encuentro o
elevación para el género humano en general, se convierte en un
campo de batalla. Estas dos formas de comprender la cultura
coinciden en anular lo político, ya sea suponiendo una esfera
de desinterés estético y espiritual o postulando la existencia
de las identidades comunitarias como un hecho prepolítico
(Ibid.). Además, el énfasis en una comunidad de valores e
intereses comunes facilita una fragmentación que impide la
consecución de objetivos compartidos de manera amplia y
el enfrentamiento a formas de opresión comunes (MAYO,
2000). Se produce entonces una tensión entre los modelos
comunitaristas y una concepción republicana de ciudadanía.
Si en los primeros se antepone la identidad a la regulación
del Estado, en la segunda los individuos deben relegar su
identidad personal y cultural al ámbito de lo privado para
poder ser ciudadanos en la esfera pública.
Una vez planteadas las problemáticas relativas a las
políticas sociales y culturales de proximidad, me centraré de
manera más concreta en el arte comunitario y su dimensión
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social, una vez más desde una óptica crítica. El auge de la
sociedad civil se relaciona con la caída de lo público a nivel
gubernamental, como ejemplifica el actual uso del término “big
society” por parte del gobierno conservador de Reino Unido. Y,
como señalaba Yúdice (2002), este abandono se ha convertido
paradójicamente en lo que ha posibilitado la consolidación de
lo cultural como lugar del trabajo social, en tanto que ha debido
sustituir recursos y subsanar carencias originadas en otros
lugares. Y así el artista se ve conducido al manejo de lo social al
dedicar su labor a colectivos y contextos subalternizados. Por lo
tanto empezaré por situar los debates acerca de las dimensiones
sociales y políticas del arte comunitario con una cita bastante
contundente de Marchart (2005):
Aida Sánchez de
Serdio Martín
Lo que este interés general del arte por los temas sociales
tiende a oscurecer es la política. Lo que el trabajo artístico
sustituye es el trabajo político. Y lo que las prácticas
artísticas de intervención social han reemplazado
completamente, al parecer, son las prácticas artísticas
de intervención política. La política [politics], si es que
alguna vez entra en escena, es concebida por el arte social
“en interés público” exclusivamente como regulación
[policy]: administración, ingeniería y posiblemente
manejo tecnocrático de los problemas sociales. El arte
público se convierte en una versión privatizada de la
asistencia pública.
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Este oscurecimiento de lo político puede operar de
diversas maneras. La más evidente sería la de la manifestación
artística o cultural celebratoria en la que no se problematiza la
posición de ninguno de los agentes participantes ni se aspira a
producir ningún cambio, buscando sólo la participación como
mera simulación del consenso. Pero existen formas tanto más
perversas cuanto que lo que simulan es la transformación
social, por ejemplo en la forma de la integración de
colectivos “excluidos”, de “visibilización” de comunidades,
de celebración de “diversidades”, etc. En estos casos, la
representación o expresión de determinado individuo o
grupo sustituye su genuina articulación en la vida económica,
política, social y cultural. Como explica Yúdice (2002), si
las esferas de ciudadanía son la política, la económica y la
cultural, parece haberse encontrado mucho menos gravoso
y complicado otorgar cierto grado de ciudadanía cultural a
los grupos subalternizados que enfrentar la construcción de
agenciamientos estructuralmente más determinantes, como
por ejemplo la plena incorporación a la vida política, el fin de
la explotación económica y la discriminación social, etc.
Es una necesidad imperiosa ir más allá de la expresión
y de la representación y empezar a comprender cualquier
proceso cultural colaborativo o comunitario en un marco de
relaciones más amplio, en especial en un marco de relaciones
de poder tanto materiales como simbólicas. Desde mi punto
de vista, en esta percepción estructural está la clave de la
posibilidad de agencia y relativa autonomía y capacidad de
transformación de los proyectos y colectivos que actúan en
este ámbito. Convertir las relaciones en algo problemático,
y no en algo simplemente positivo, es básico para hacer de
las prácticas artísticas colaborativas un lugar de experiencia
significativa, reflexión y transformación.
Es necesario interrogarse acerca de quién se beneficia
de esta producción de plusvalía simbólica. E incluso pensar
en cuestiones tan inmediatas y prosaicas como la propiedad
de los proyectos realizados en colaboración, especialmente
cuando encontramos a algunos artistas la reclaman para sí
entendiendo que su aportación es tan valiosa que justifica
la apropiación de la de los colectivos que participaron. Pero
también hay que explorar la naturaleza de la relación misma.
No es lo mismo participar en una propuesta ajena que trabajar
de manera conjunta, lo cual implica negociaciones a muchos
más niveles y más determinantes. De nuevo en palabras de
Yúdice (2003), se trata de:
[…] discutir la implicación de los participantes en un
debate que no se limite a extraer los testimonios de
último momento, recogidos en los documentales, acerca
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de cuán divertido fue pintar un mural en un edificio,
o crear un jardín para la comunidad. El debate que
imagino comporta la comprensión del propio rol, no
sólo cuando se aplica pintura o cuando se trasplantan
arbolitos, sino también cuando se da forma al proyecto
en todos los niveles, desde hacer recomendaciones al
artista comunitario, hasta comprometer a la dirigencia
y al personal de las instituciones patrocinadoras y de los
proveedores de fondos.
Aida Sánchez de
Serdio Martín
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Tanto las reflexiones de Yúdice, como las de Trend
mencionadas al principio de este apartado, son especialmente
pertinentes en un momento en que la captura de lo social por
parte de las instituciones está a la orden del día. Efectivamente,
nos encontramos en la interesante y arriesgada situación de que
proyectos y colectivos artísticos de carácter empiezan a ser de
gran interés para la esfera de la cultura institucionalizada. Sería
contradictorio con los argumentos que he planteado en este
texto sugerir que existe una polarización entre lo institucional
y una supuesta cultura autónoma; pero ciertamente hay
articulaciones que pueden reabsorber y neutralizar cualquier
intersticialidad. El arte se anexiona así el territorio de “lo
real”, esa nueva veta de vanguardismo crítico (FOSTER,
2001), y da reconocimiento institucional a propuestas que
de otro modo no hubiesen tenido resonancia y difusión en el
circuito cultural dominante. La contradicción salta a la vista:
este mismo reconocimiento, aunque pueda formar parte de
políticas basadas en el cruce disciplinar, también contribuye a
desactivar el potencial alternativo de los proyectos. La apuesta
consistiría en activar, es decir poner en acción, los proyectos
de manera que se dirijan e interpelen a otros colectivos y
se abran a su cuestionamiento al incorporar también sus
contradicciones y límites.
Menos evidente, y tal vez por eso más peligroso, es el
riesgo de cooptación que se produce cuando estos colectivos
son convocados de manera consultiva o deliberativa por
los poderes gubernamentales (ahora encarnados en agentes
conocedores y afines incluso a la crítica a la política cultural,
que mantienen un perfil institucional bajo y que hacen gala
de maneras aparentemente dialogantes) para desarrollar
nuevas políticas o equipamientos culturales. En este caso su
participación proporciona una coartada legitimadora para
que la administración continúe desarrollando los planes que
ya tenía previstos, o para apropiarse de las propuestas que
considere más convenientes y menos molestas, sin provocar
una transformación estructural en los modos de hacer política
cultural.
En esta disposición de fuerzas relativamente inédita,
los modos de organización, las relaciones institucionales, las
negociaciones y mediaciones — en definitiva, la dimensión
política del trabajo comunitario — se configura como una
parte fundamental de la labor de estos colectivos. La opción
de evitar contactos institucionales arriesgados es de hecho
un error político ya que es precisamente en estos procesos
antagónicos de cuestionamiento radical y permanente de los
agentes en relación donde se constituyen las identificaciones
contingentes que constituyen la misma posibilidad de
existencia de tales agentes. Por consiguiente, es imprescindible
desarrollar estrategias/tácticas para poder construir vínculos,
colaboraciones heterodoxas, híbridos contranatura, o disputas
sin cuartel entre agentes institucionales tan dispares como sea
posible y necesario.
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el museo y la
comunidad
Conclusiones
En el artículo que ahora llega a su fin he intentado
despertar los ejes de complejidad de tres campos de acción
educativa (escuela, museo y comunidad), como decía, no
con el afán de agotar el terreno, cosa imposible puesto que lo
educativo prolifera en una multitud de intersticios que muchas
veces escapan a la mirada. Mi intención ha sido más bien
poner sobre la mesa del debate la posibilidad de desestabilizar
definiciones y separaciones tradicionales entre campos. Si
podemos concebir que éstos son más problemáticos y menos
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íntegros de lo que se suele pensar, entonces emergen nuevas
vías de contaminación productiva. Esto supone una invitación
a que las instituciones educativas y las culturales dejen de vivir
de espaldas, pero también a plantear el aprendizaje y el saber
como algo necesario para la vida, recuperando el espíritu de
una educación de lo cotidiano. No estaríamos hablando de un
saber acumulable ni, por supuesto, de un saber necesariamente
canjeable en las equivalencias del capital intelectual
contemporáneo, sino un saber que nos ayuda a entender un
estar en el mundo y unas posibles transformaciones de ese estar;
un saber que prolifera y se transforma en la proliferación; un
saber con valor de uso que cuestione el estado de cosas actual
y, tal vez, pueda imaginar uno mejor.
Aida Sánchez de
Serdio Martín
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TERRITORES
OF
COLLABORATION:
ART-EDUCATIONAL NEGOTIATIONS IN
THE SCHOOL, THE MUSEUM AND THE
COMMUNITY
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el museo y la
comunidad
Abstract
The article discusses art education from the perspective
of collaboration among different agents, which allows the
emergence of different definitions of knowledge, teaching
and learning. Collaboration here does not mean necessarily
consensus, but rather negotiation, dissent and antagonism.
The author explores several contexts of collaborative
educational practice (schools, museums and communities)
and their specific complexities and possibilities. The main
argument in this discussion is how to articulate collaboration
projects in these contexts without erasing institutional and
political tensions.
Keywords: Education. Collaboration. Antagonism.
Data de recebimento: janeiro 2013
Data de aceite: abril 2013
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Los niños con los niños y
las niñas con las niñas: una
reflexión autoetnográfica
sobre los aprendizajes de la
masculinidad basada en la
diferencia
Fernando Herraiz García1
Resumen
En el presente artículo presento una reflexión en torno a
los aprendizajes de las masculinidades desarrollados en un
contexto escolar español donde la diferencia y la segregación
entre los chico y las chicas era un elemento significativo.
A partir de un trabajo de investigación autoetnográfico,
trato de comprender algunos de los dispositivos emergentes
propios de la escuela y los espacios donde los chicos
negociábamos nuestros masculinidades en el curso de
educación infantil cuando tenía entre 4 y 6 años (desde
septiembre de 1971 hasta junio de 1973). En esta línea han
surgido temas que hablan sobre aprendizajes de géneros y
sexos a través de determinados ordenes simbólicos y del
reparto de espacios, de posiciones y de formas de actuar de
chicos y chicas.
Palabras clave: Masculinidades. Género. Sexo. Representación
visual. Espacios de aprendizaje. Segregación de género y sexo.
A modo de introducción
Mi mirada iba cambiando mientras desarrollaba la serie
de lectura sobre masculinidades que serviría como anclaje
1
Doctor en Bellas Artes. Facultad de Bellas Artes/Universidad de Barcelona.
[email protected]
teórico de mi tesis doctoral. Aunque siempre tuve una posición
crítica2, la revisión bibliográfica que realicé por aquel entonces
fue trasformando mi manera de mirar no sólo en el ámbito
académico; para mí era inevitable dialogar con aquello que
aparecían en las lecturas a través de mi experiencia. En cada
artículo o libro que revisaba aparecían temas y preguntas que
me llevaban a cuestionar aquello que yo mismo había vivido,
o mejor dicho, aquello que recordaba haber vivido; este modo
de hacer significativo mis lecturas, inicialmente, se quedaba en
mis cuadernos de anotaciones sin el ánimo de hacerlo público.
Con el tiempo, y después de sopesar la posibilidad de trabajar
narrativamente, decidí implicarme en mi investigación de tesis
doctoral hasta el punto de convertirme en el foco de interés
desarrollando así un estudio autoetnográfico3. La decisión no
fue fácil dado que las herencias culturales y académicas con las
Fernando Herraiz García
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2
Dentro de mi investigación me coloco dentro de una perspectiva crítica
de estudio que entiende los géneros y sexos como construcciones sociales y
culturales. El lugar que pretendo ocupar es distante de aquellos investigadores
que sostiene su argumentación a través de la esencia y naturalización dentro
del orden identitario. En este sentido, entiendo que las masculinidades, del
mismo modo que las feminidades, son construcciones desarrolladas dentro de
determinadas disposiciones sociales, a través de múltiples ordenes culturales,
ubicadas en momento histórico concreto, y localizadas en lugar determinado
(MONTESINOS, 2002, p. 77; SEIDLER, 2000, p. 177; KIMMEL, 2001,
p. 48; ALSOP; FITZSIMONS; LENNON, 2002, p. 136). Reflexionar
críticamente desde esta posición a través de diversas áreas de conocimiento
(sociología, antropología, lingüística, psicoanálisis, psicología, pedagogía,
historia, etc.) me ha llevado a comprender que hay múltiples formas de
masculinidad, y que son algunas de sus formas, las dominantes, las que sirven de
referentes ideológico de determinadas instituciones (escolar, familiar, culturales,
políticas, etc.). En el presente artículo, presento una aproximación de algunos
de aquellos predisposiciones ideológicas de la escuela a través de algunos de mis
dibujos infantiles.
3
En mi investigación pongo el foco en torno a mis propios aprendizajes de
masculinidad, realizando el estudio a través de una perspectiva narrativa
de investigación (CONNELLY; CLANDININ, 1995, 2000; SPARKES;
SMITH, 2008). En este sentido, entiendo que un estudio autoetnográfico es
adecuado para la reflexión crítica dentro de una línea construccionista social; las
autoetnografías son investigaciones desarrolladas a través de métodos que ponen
en relación la autobiografía personal con la cultura, la sociedad y la política. Una
investigación autoetnográfica es el estudio de la cultura de la que uno forma
parte contextualizando y analizando de manera crítica las formas de relación y
las experiencias vividas en diferentes contextos (ELLINGSON; ELLIS, 2008,
p. 448); de algún modo, este tipo de estudios conlleva recuperar vivencias
que había convivido me habían colocado en lugares de silencio
en relación a los conocimientos que iba aprendiendo. En este
sentido, el punto de inflexión se configuró en forma de crisis;
los conflictos principalmente venían al tratar de poner límites
a aquello que podía aparecer de mi experiencia en los textos
académicos que iba generando y lo que prefería que quedase
en el ámbito de lo privado. Las dudas se disiparon cuando
comprendí que, del mismo modo que en una investigación
narrativa se negocia con los sujetos colaboradores, yo era
el responsable de construir esa frontera. Lo cierto es que,
guiado por la maleabilidad de mis incomodidades, a lo largo
del estudio dicha frontera fue moviéndose; rompiendo con
algunos de mis juicios previos, cierta parte de las experiencias
que inicialmente habían quedado fuera las incorporé por
considerarlas significativas.
Mientras preparaba narrativas donde recuperaba
experiencias recordadas desde la adultez sobre mis aprendizajes
de las masculinidades, gracias a mi madre en su función de
cronista familiar, pude recuperar todos y cada uno de los
cuadernos que realicé durante los cursos de preescolar (entre
los 4 y los 6 años de edad). Este hecho me motivó más si cabe a
trabajar temas relacionados con las representaciones de género
y sexo prestando especial atención a las masculinidades. Los
trabajos infantil realizados entre 1971 y 1973, como cápsula
del tiempo, se convirtieron en materiales que incitaban, por
una parte, a recuperar nuevos episodios en mi memoria, y por
otra, a establecer puentes con las lecturas que estaba realizando
desde dos ámbitos: el escolar en general, y las representaciones
visuales4 y textuales de género y sexo en particular. El carácter
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
propias para desarrollar y construir sentidos a partir de la experiencia narrada
autobiográficamente (SPRY, 2001, p. 741).
4
El aparato teórico que utilizado para dar sentido a las representaciones visuales que
realicé durante mi infancia se sustenta en la aportación de los Estudios Visuales
y los Estudios de la Cultura Visual. En esta línea de trabajo, comprendiendo
que las representaciones están desarrolladas a través de consideraciones sociales
y culturales, me propongo activar una mirada que trate de reflexionar en torno
a los intereses y mecanismos ideológicos a los que predispone. De este modo,
trato de construir significados en torno a la imagen visual en un acto de vez que
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discursivo que emergen de los trabajos cobraba un sentido que
me hacía repensar sobre el aparato ideológico de la escuela
donde inicié mi escolarización; un ‘sentido común’ que
retrataba a la vez que producía una determinada versión de
lo masculino como de lo femenino. Al respecto, en relación
al presente artículo, trato de reflexionar sobre el papel de los
trabajos infantiles en mis propios aprendizajes que, basados
en la diferencia de los géneros y sexos, predisponía aquella
escuela situada en una ciudad próxima a Barcelona al inicio de
la década de los setenta. Para ello me he valido de una series
de representaciones de niños y niñas que realicé de pequeño,
y de dos escenas en las que hablo sobre el reparto de objetos y
espacios de aprendizaje. En el presente texto trato de mostrar
reflexiones en singular en torno a dos ámbitos: los aprendizajes
basados en la diferencia entre chicos y chicas, y las ubicaciones
emergentes dentro de los espacios de aprendizaje; mientras que
en el primero cuestiono el papel de las representaciones que
muestran una visión bipolar de los géneros y sexos, en el
segundo apartado reflexiono sobre el reparto de espacios y
objetos siguiendo esta misma ‘lógica’.
Fernando Herraiz García
Aprendiendo de la diferencia
Al aproximarme en torno al papel de los dibujos que
realicé en los curso de párvulos, reconozco algunas de las
normas que han estado (y algunas todavía están en cierta
medida) presentes en el contexto cultural y social en el que
crecí. Los trabajos que llevé a cabo el 19 de mayo (imagen
1), 17 de febrero (imagen 2), y el 6 de octubre (imagen 3) de
1972 son significativos. Durante aquellas sesiones, de la pizarra
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122
ponga al descubierto los factores mentales, imaginarios, sensoriales, etc. y de
intereses de raza, género, clase social, etc. (BREA, 2005, p. 8). Mi intención
es la de reflexionar en torno a las estructuras sociales, los órdenes simbólicos,
las construcciones identitarias, las asimetrías dominantes, las formas de poder,
las normalidades, etc. En esta línea, trato de establecer comprensiones a
través de la descripción de la esfera social de la mirada, de las estructuras de
las subjetividades, y de la construcción del deseo, la imaginación y la memoria
(MITCHELL, 1999, p. 10; HERNÁNDEZ, 1999, p. 5; BREA, 2005, p. 9).
copié dibujos en los que aparecen elementos compartidos
entre las representaciones de la ‘niña’, y diferentes en relación
a la del ‘niño’.
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
Imagen 1
La diferencia reside en que mientras se muestra las
imágenes del ‘niño’ con pantalones, en la representación
de ‘niña’ se acompaña con un vestido y lazos en el pelo. La
presencia o ausencia de dichos elementos se convierte en
dispositivos identitarios de diferenciación entre las chicas y los
chicos. De algún modo, las imágenes presentan a la vez que
producen determinadas visiones normativas de feminidad y
masculinidad de la infancia dentro del orden social en que
estaban inscritas.
En mi aproximación a las representaciones en cuestión,
desde un primer momento tomé conciencia de los discursos
emergentes como indicativo de la normalización de género
y sexo desde una doble dimensión. Por un lado, aquella que
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muestra la indumentaria a la que ellas pueden acceder, y
por otro, la dimensión que revela aquello que a ellos les está
prohibido llevar.
Fernando Herraiz García
Imagen 2
Imagen 3
Respecto a este tema, reconozco que, básicamente, las
formas de masculinidad se construían a partir de aquello que
era considerado como no femenino. Y es que, muy difícilmente
un chico podía venir a clase con algún tipo de indumentaria
tradicionalmente asociada a las chicas; llevar falda o lazos en el
pelo eran elementos que las distinguían de nosotros.
Escena 1: los niños con los niños
Educ. foco,
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Las chicas solían vestir con faldas y llevar lazos recogiendo
su pelo en coletas y trenzas. Los chicos en cambio siempre
llevábamos pantalones y el pelo corto que como mucho
cubría nuestras orejas. En aquel tiempo, éramos demasiado
pequeños para llevar el pelo largo, y los pendientes eran
objetos tan exclusivos para las chicas y las mujeres como
podrían ser las faldas y los lazos. A este respecto, las normas
en casa eran tan tajantes como en la escuela con los
compañeros de clase y profesores.
Aquellas reglas estaban tan arraigadas durante los cursos de
párvulos y la Educación General Básica que difícilmente a
los chicos, o al menos a mí, se nos ocurría sentirlas de otra
manera. Me cuesta poco imaginar qué es lo que hubiera
pasado si algún compañero hubiese venido a clase con un
lazo en el pelo o un pendiente en su oreja. Sin duda, la
mofa pública de maestros y compañeros a través de insultos
y motes habría perdurado en el tiempo.
Por aquel entonces, aquellas eran cosas que tan sólo las chicas
podían llevar; nosotros habíamos aprendido a mantener las
distancias con dichos elementos para no ser objeto de burlas
y bromas despectivas. Supongo que, aquel que tenía la
necesidad de transgredir las normas, difícilmente correría
riesgos que le pusiesen en el punto de mira de aquellos que
estaban a su alrededor.
Pero no sólo la indumentaria te podía poner en entredicho;
los chicos también habíamos aprendido a no comportarnos
como ellas. Y de esto soy consciente cuando recuerdo haber
oído de pequeño reiteradamente ‘los chicos no lloran’ o ‘sé
valiente como un hombre’. Los niños debíamos aguantar
el llanto ante un momento de tristeza o frustración,
y guardarnos nuestro miedo a salir lastimado en un
enfrentamiento con algún compañero. Aprendíamos que el
llanto o la cobardía eran síntomas de debilidad poco propios
de los chicos cuando escuchábamos a modo de insulto ‘no
seas nenaza’ en el preciso momento en que algunos de estos
indicios empezaba a ser visible.
En la aproximación que realiza Connell (2003) al
concepto de masculinidad distingue cuatro enfoques: el
esencialista, el normativo, el simbólico y el relacional.
El enfoque esencialista desarrollado desde posiciones
tradicionales define básicamente el núcleo de la masculinidad
a través de rasgos como: la dureza, la valentía, la sexualidad
activa, la fortaleza física, etc. (CONNELL, 2003, p. 33),
fundamentando su poder en la presunta ‘esencia natural’ de
sexo y género masculino.
El enfoque normativo se aproxima al concepto a través
de las normas y reglas de socialización que lo configuran,
argumentando que “La masculinidad es lo que los hombres
deberían ser” (CONNELL, 2003, p. 34).
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
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El enfoque semiótico define la masculinidad a través de
un sistema de diferencias simbólicas entre los géneros y sexos.
En este sentido, la masculinidad quedaría definida con aquello
que no es femenino (CONNELL, 2003, p. 35).
El cuarto enfoque advierte que “ninguna masculinidad
surge, excepto de un sistema de relación de género” (CONNELL,
2003, p. 35). Desde esta perspectiva, las masculinidades se
desarrollan en las relaciones entre los hombres y las mujeres
prestando atención a las ubicaciones y prácticas emergentes,
y a los aprendizajes y comprensiones que las configuran. Las
masculinidades se despliegan de una manera relacional donde
el juego simbólico está vinculado con los posicionamientos
que asumen los chicos y las chicas, las prácticas asociadas a los
lugares que ocupan y los efectos que sobre sus propios cuerpos
se materializan.
En este sentido, Judith Butler (2002) al teorizar sobre
los sexos afirma que:
Fernando Herraiz García
El “sexo” es una construcción ideal que se materializa
obligatoriamente a través del tiempo. No es una
realidad simple o una condición estática de un cuerpo,
sino un proceso mediante el cual las normas reguladoras
materializan el “sexo” y logran tal materialización en
virtud de la reiteración forzada de esas normas (p. 18).
Educ. foco,
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Acercarme a la noción de masculinidad en estos términos
me lleva a prestar atención sobre los dispositivos presentes en las
actividades reiterativas de enseñanza y aprendizaje vinculados
de mis dibujos infantiles. De algún modo, las representaciones
de la ‘niña’ y del ‘niño’ tiene un valor significativo que, por una
parte, se hace eco de un modelo dominante a la vez que, por
otra, produce miradas que pautan normativamente el valor
simbólico que está en juego en las relaciones intergenéricas
entre chicos y chicas. Reconozco que yo aprendí a ser chico
en relación con los y las demás (niños, niñas, padres, madres,
hermanos, hermanas, amigos, amigas, maestros, maestras,
etc.) tratando de acercarme a los modelos que encarnaban
ellos, del mismo modo que me mantenía a cierta distancia de
las configuraciones que veía en ellas.
A este respecto, tomo conciencia del problema cuando
me viene a la cabeza frases como ‘no seas nenaza’ que, a modo
de insulto, adquiría el mismo sentido peyorativo al que hace
referencia Eric Pescador (2004) cuando, desde una mirada
crítica, afirma que:
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
En definitiva, la masculinidad como adjetivo significa
poder no ser femenino y no poder decir con libertad lo
que se siente. Como sustantivo representa a personas
y cosas, a actitudes y comportamientos que tienen
asignado el símbolo positivo frente al sustantivo
feminidad, que representa un símbolo negativo o sin
valor social (p. 130).
Aquel acto de insultar, donde lo masculino ocupaba
el símbolo positivo y lo femenino el negativo, se convertía
en un dispositivo reflejo de la normalidad emergente en la
relación entre los chicos y las chicas en mi clase de párvulos
y durante la primaria. Y es que, en un sentido simbólico la
posición de los chicos supuestamente estaba en peligro cuando
aparecía algún indicio de aquello que tradicionalmente estaba
asociado a ellas. La normalidad en la que viví de niño, no sólo
configuraba la forma con la que debíamos ir vestidos, también
pautaba la manera de actuar en nuestras relaciones con los
y las demás. Ya desde pequeños debíamos demostrar valor,
fuerza, control sobre el dolor físico, afán de aventuras, etc.,
en el mismo sentido que muestra la mística arquetípica de la
masculinidad (LOMAS, 2004, p. 22)5.
5
Lomas (2004), teniendo como referente a Bourdieu y Pujolar, afirma que: “la
cultura masculina del patio y de la escuela constituye un espacio simbólico
habitado por una serie de líderes cuyas conductas (con respecto a sus compañeros
y a sus compañeras) son un fiel reflejo de las conductas y de los valores asociados
al modelo dominante de las masculinidad (el valor absoluto e incuestionable de
la fuerza, el elogio de la violencia, el menosprecio del diálogo y de la solidaridad,
el maltrato a las chicas y a los chicos que no se identifican con ese modelo
dominante de masculinidad” (LOMAS, 2004, p. 21-22).
127
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Un ejemplo de aprendizaje de género y sexo basada en la
diferencia entre niños y niñas la encuentro en el texto (imagen
4) que trabajamos en la clase 17 de enero de 1973. Con el texto
‘La tierra es como una niña presumida que se adorna con collares
y cintas. Las cintas son los ríos. Los ríos van al mar. Nuestro río
se llama Llobregat’, no solo aprendía que en la tierra hay ríos
y el nombre del que pasa por mi ciudad; también asociaba
determinadas actitudes con la feminidad de las niñas. Como
mis aprendizajes de entonces se desarrollaban manteniendo las
distancias con ellas, yo también aprendía a no ser presumido
ni a adornarme con collares en mi cuello ni cintas en el pelo.
Fernando Herraiz García
Imagen 4
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Por lo que recuerdo de mi infancia y adolescencia, la
masculinidad la construía a partir de las diferencias existentes
y en oposición con las formas de feminidad. La mirada de los y
las demás, materializadas en comentarios y recriminaciones, se
convertía en un elemento de vigilancia mediador en nuestros
aprendizajes, al menos en los míos. En relación a este tema
recuerdo que, mientras que para nosotros los mecanismos de
autorregulación eran verdaderamente rigurosas y exigentes, en
las niñas la norma parecía más permisible. Tal como lo veía,
ellas no tenían la necesidad de respetar inexorablemente la
división de género y sexo tal como lo hacíamos nosotros.
Quizás el origen de este problema se encuentre en el juego
simbólico emergente de las relaciones intergenéricas de los niños
y las niñas. Mientras que nosotros en ese cruce supuestamente
no teníamos nada que ganar y mucho que perder, ellas,
sospecho yo que, no sin dificultades ni conflictos - fruto de la
normalidad emergente del patriarcado y de sus propios modos
de autorregulación -, accedían a un orden hipotéticamente
mejor valorado que el femenino. En dicho orden de las cosas,
eran ellas las que, supuestamente, tenían algo que ganar.
Y es que, como he argumentado anteriormente, el orden
simbólico y las estructuras asimétricas de la división sexual
emergente en la escuela donde estudié estaba desarrollado
a través del principio de inferioridad y exclusión de la mujer.
Al reflexionar sobre este tema, Pierre Bourdieu (2000, p.
59) afirma que el origen de los fundamentos simbólicos se
encuentra en una distinción dual que asocia al hombre
con el sujeto-agente, y a la mujer con el objeto-instrumento,
configurando el orden social del mercado matrimonial. A
pesar de los posibles cruces que las chicas pudiesen realizar, la
visión dominante en la escuela era de resolución heterosexual
en los mismos términos a los que hace referencia Judith Butler
(2002) al afirmar que:
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
[…] las normas reguladoras del “sexo” obran de una
manera performativa para constituir la materialidad de
los cuerpos y, más específicamente, para materializar el
sexo del cuerpo, para materializar la diferencia sexual en
aras de consolidar el imperativo heterosexual (p. 18).
El modo de la masculinidad dominante en la escuela
estaba desarrollado bajo un imperativo heterosexual donde
cualquier rasgo de ‘feminidad tradicional’ en los chicos se
asociaba con la homosexualidad convirtiéndose en síntoma de
desprestigio. El dispositivo patriarcal era tan potente que la
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homosexualidad no era una opción dado que, como concepto
- sencillamente -, no existía dentro de nuestro vocabulario. Este
hecho me lleva a pensar sobre la eficacia de los mecanismos
en acción que distanciaban normativamente a los niños y
a las niñas evitando riesgos que pusiesen en juego el orden
establecido. Entiendo que dichos dispositivos dejaban ver el
carácter homofóbico propio del ideario e imaginario patriarcal
presente en el colegio donde inicié escolarización.
Fernando Herraiz García
Espacios de aprendizaje y enseñanza
En este apartado voy a tratar de hacer una reflexión en
torno a los mecanismos que predisponen a la construcción
de las masculinidades en aquellos espacios escolares fuera del
aula. En esta línea, Carlos Lomas (2004), haciéndose eco
de la aportación de Pierre Bourdieu, afirma que el espacio
escolar en general se ordena a través de un mercado simbólico
determinado donde el papel de las formas de aprendizaje de
género y sexo es especialmente significativo. Los conocimientos
que se interiorizan, las posiciones que se asumen y las prácticas
que se desarrollan, se convierten en un capital simbólico
definido bajo la mística arquetípica de la masculinidad. Carlos
Lomas (2004) afirma que:
El patio (y el aula y la escuela en su conjunto) se
convierte así en lo que Pierre Bourdieu (1982)
denominaba el mercado simbólico de intercambios,
en el que la moneda de cambio con mayor valor es el
prestigio que se conquista imitando los estereotipos
de la masculinidad dominante y ejerciendo el poder
y la opresión contra las chicas y contra los chicos que
no tengan el capital simbólico obtenido a través de la
adhesión inquebrantable a los arquetipos viriles de la
masculinidad tradicional (p. 22).
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El patio del colegio es un lugar de interacción y de
aprendizaje donde el capital simbólico es la moneda de
cambio, y donde la disposición emergente se ordena a partir
de las diferencias bio-sexuales de los sujetos, estableciéndose
una distribución determinada de los elementos en juego
(objetos, escenarios, acciones, normas, posiciones, etc.). Pierre
Bourdieu (2000) afirma que:
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
La división entre los sexos parece estar ‘en el orden de
las cosas’, como se dice a veces para referirse a lo que
es normal y natural, hasta el punto de ser inevitable:
se presenta a un tiempo, en su estado objetivo, tanto
en las cosas [...], como en el mundo social y, ha estado
incorporado, en los cuerpos y en los hábitos de sus
agentes, que funcionan como sistemas de esquemas de
percepciones, tanto de pensamiento como de acción (p.
21).
Condicionadas por determinadas herencias culturales
en el ámbito escolar, los chicos y las chicas nos repartíamos los
espacios, los objetos, los saberes, las posturas, los valores, las
reglas, las comprensiones, etc. apropiándonos y desechando
valores simbólicos asociados, de forma bipolar, a cada uno
de los géneros y sexos. Por un lado, los chicos, o al menos
yo, supuestamente aprendíamos a mantener la distancia
con aquello que simbólicamente estaba asociado a las chicas
(asignándole un valor ínfimo), y por otro lado, tratábamos
de acercarnos a aquello que nos podía dar prestigio. Tal como
afirman Sue Askew y Carol Ross (1991, p. 33) los chicos, más
que las chicas, teníamos la necesidad de respetar la distinción
entre actividades y posiciones consideradas tradicionalmente
‘masculinas’ y ‘femeninas’.
Según Pierre Bourdieu (2000) el origen de los criterios
de exclusión y subordinación sobre ellas se encuentra en el
principio de división entre hombres y mujeres en el terreno
de los intercambios, y en la producción y reproducción del
capital simbólico. Este autor argumenta que:
El principio de inferioridad y de la exclusión de la mujer,
que el sistema mítico-ritual ratifica y amplifica hasta el
punto de convertirlo en el principio de división de todo
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el universo, no es más que la asimetría fundamental, la
del sujeto y del objeto, del agente y del instrumento,
que se estable entre el hombre y la mujer en el terreno
de los intercambios simbólicos, en las relaciones de
producción y de reproducción del capital simbólico,
cuyo dispositivo central es el mercado matrimonial, y
que constituyen el fundamento de todo el orden social
(BOURDIEU, 2000, p. 59).
Fernando Herraiz García
Trasladar la aportación de Pierre Bourdieu (2000) al
ámbito de la escuela me lleva a reflexionar sobre los dispositivos
que organizan la distribución de los espacios a través de los
bio-sexos, por un lado, y sobre las actividades técnico-rituales
de los chicos y las chicas, por otro. El origen de la producción
y reproducción del capital simbólico presente en la ordenación
social de la escuela también tenía al mercado matrimonial
como dispositivo central. La gestión de los bienes simbólicos
en el ámbito escolar se producía de forma asimétrica, donde
nosotros disfrutabamos de los privilegios propios de posiciones
patriarcales supuestamente ‘superiores’, y ellas se veían
relegadas a lugares de invisibilidad y subordinación dado
que no poseían el capital simbólico que se desprende de los
arquetipos viriles de la mística de la masculinidad.
Reflexionar en torno a estos temas me lleva a la
recuperación de la escena ‘El patio del colegio en párvulos’
haciéndola significativa a través de la aportación de Pierre
Bourdieu (2000). El relato recoge el modo en el que nos
distribuían a los chicos y a las chicas en el espacio escolar, así
como también da cuenta de aquello a lo que nos predisponía
a hacer.
Escena 2: El patio del colegio en párvulos
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La casualidad ha hecho que, después de los años, y tras algún
que otro traslado de domicilio por mi ciudad, la escuela
donde realicé los dos cursos de párvulos a principio de los
años setenta, sea ahora el colegio al que acudo para ejercer
mi derecho a voto cada vez que se convocan unas elecciones.
Aunque mi memoria escolar de entonces es escasa, cada
vez que cruzo aquel recinto, no puedo evitar recordarme
jugando en el patio del colegio con mis compañeros, o
trabajando con aquellos cuadernos, que todavía conservo,
donde empecé a escribir, a leer y a dibujar. Mi madre, en
su papel de cronista familiar, de vez en cuando me cuenta
cómo se divertían cuando llegaba a casa y compartía lo
aprendido durante el día de escuela; la señorita Irene,
mi profesora, nos enseñaba a leer letras haciendo cómicas
muecas con la cara y señales con las manos.
Si tengo que ser sincero, para nada recuerdo, ni las señales
con las que gesticulaba al leer, ni las risas de las que era
objeto en casa. Lo que, verdaderamente, quedó fijado en mi
memoria, fue la manera con la que, a los niños y las niñas,
nos distribuían en el patio del colegio a la hora del recreo.
Mientras que los chicos ocupábamos, según se salía, la parte
derecha del patio, las chicas iban a la parte izquierda.
Había una frontera invisible que dividía el espacio del
patio en dos partes iguales. Sólo los más pequeños podían
cruzar esa frontera cuando eran reclamados por las chicas
mayores en sus juegos; eran muñecos entre brazos de madres
ficticias alumnas de cursos superiores.
Si no mal recuerdo, la frontera no sólo separaba a los chicos
y chicas, sino que, también, mediaba sobre aquellas cosas
que se podían hacer en un lado y otro del patio. Aunque, en
ocasiones, fui requerido por las chicas de cursos superiores
para sus juegos, para mí era normal ir detrás de una pelota,
y llenar de piedras los bolsillos de mi bata. Por otro lado,
no recuerdo haber saltado a la comba, ni la letra de las
‘cantarelles’ que, con frecuencia, acompañaban algunos de
los juegos de las chicas.
Ahora, después de tanto tiempo, cuando cruzo el patio de
aquel colegio para cumplir con mis obligaciones y derechos,
no puedo evitar dirigir mi mirada hacia esa línea que nunca
existió pero que siempre estuvo allí. Desde mi actualidad,
y con el bagaje académico que me acompaña, no dejo de
mirar hacia aquella frontera especulando e imaginando
otras líneas sobre el suelo de aquel viejo patio; líneas en
el suelo con las que reflexionar sobre: el funcionamiento
de la recta divisoria, el carácter invisible de la frontera,
el papel de la línea en las relaciones sociales, las áreas de
distribución de género, las zonas fronterizas, las vigilancias
reguladoras, los límites normativos, las licencias que se
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
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otorgaban... . Y es que, tal como sospecho, tanto aquella
línea invisible como la posición donde me ubicaron en
relación a ella, medió y sigue mediando, en mayor o menor
medida, en la manera con la que me voy construyendo y
definiendo como hombre.
Fernando Herraiz García
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En la escena ‘El patio del colegio en párvulos’ narro una
experiencia situada en la escuela donde realicé los dos cursos
de preescolar; a parte de los cursos de párvulos, la escuela
ofertaba dos líneas curriculares hasta octavo curso de la antigua
Educación General Básica.
En aquel colegio público, aunque aparentemente
íbamos juntos, los chicos y las chicas estábamos separados en
el patio y en el aula; la separación se llevaba a cabo a partir
de la división por bio-sexos en los mismos términos a los
que hace referencia Pierre Bourdieu (2000, p. 21). Mientras
que, según se salía, ellas ocupaban la mitad derecha del patio,
nosotros la izquierda; en clase los chicos nos sentábamos en
una única fila de pupitres de las cuatro que componía la clase.
La ordenación presente en aquella escuela a principio de la
década de los setenta es un ejemplo de la división por biosexos con la que se organizaba la vida social.
Al reflexionar sobre la ordenación social en mi colegio
me planteo preguntas como: ¿a quién parece beneficiar la
segregación sexual entre chicos y chicas?, ¿qué intereses
favorece?, y ¿qué posiciones y miradas se establecen?
Al tratar de desvelar quiénes disfrutaban de los privilegios
y reconocer qué modelos del mismo pretendían perpetuar en
la sociedad en general, de algún modo, también hago visible
aquellos que, desde posiciones de hegemonía, modelaban las
normas de la escuela en beneficio propio. En este sentido,
pongo bajo sospecha algunas estrategias del patriarcado al
trasladar determinados modos de mercado matrimonial al
ámbito escolar donde el capital simbólico posicionaba a las
mujeres y a algunos hombres en lugares de subordinación e
inferioridad.
134
Como estrategia comprendo que la ‘protección’ y la
‘vigilancia’ que aparecía, tácitamente, velaba por el orden que
se pretendía perpetuar desde posiciones patriarcales. De este
modo, tratar de comprender algunas estratagemas me lleva a
reflexionar en torno a la vigilancia, por una parte, sobre de los
chicos para proteger supuestamente a las chicas, y por otra,
sobre las chicas para proteger supuestamente a los chicos.
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
• Protegiendo a las chicas de los chicos. Ellas tenían que
ser protegidas de la continua demostración de fuerza
y virilidad arquetípica de la masculinidad. Ellos,
paradójicamente ubicados en posiciones cómplices a la
hegemónica, eran vigilados para que en su conquista de
la masculinidad no las dañasen. De este modo, las chicas
metafóricamente tenían algo que debía ser protegido y
guardado de los chicos y de su carga simbólica.
• Protegiendo a los chicos de las chicas. Ellos debían ser
protegidos de posibles mediaciones que les llevasen
hacia un modelo de masculinidad distante del arquetipo
tradicional. Las chicas eran vistas como una amenaza
latente en la construcción del sujeto masculino;
cualquier rasgo de feminidad en los chicos, que por
mímesis pudiera aparecer, sería objeto de descrédito y
devaluación simbólica.
La separación por bio-sexos en el ámbito escolar se
convertía así en una estrategia de poder que facilitaba la
vigilancia y la protección de unos y otras. Desde este enfoque,
los conflictos se derivarían de los cruces que pudieran aparecer
en la interacción simbólica de las chicas y de los chicos; en
este caso, las zonas fronterizas son las que desestabilizarían la
trama de privilegio social de unos y de subordinación de otras.
Y es que, a mi entender, con la separación no sólo se protege a
los chicos de la presunta y ‘maléfica’ feminización, también se
evitan los desafíos que ellas podría ejecutar poniendo en riesgo
nuestro capital simbólico masculino.
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Una conclusión para continuar trabajando
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jul. / out. 2013
En el texto que ahora concluyo, tratando de
reflexionar en singular en torno a algunos aprendizajes de
las masculinidades, han surgido temas relacionados con los
lugares que ocupábamos unos y otras tanto dentro como fuera
del aula. En aquella escuela donde inicié mi escolarización,
los chicos y las chicas recibíamos una educación de carácter
mixto donde se pretendía que, aunque fuésemos todas
y todos juntos, ocupásemos espacios diferentes. Esta
distribución bipolar, favorecía una rigurosa distribución de
elementos, posiciones y actitudes que habla de las ideologías
y los mecanismos próximos a posiciones tradicionales del
patriarcado. Encuentro que los dispositivos ideológicos se
manifestaban en forma de prácticas de vigilancia y protección
de unos y otras; como consecuencia de ello, los niños y a
las niñas íbamos aprendiendo reiterativamente aquello que
podíamos hacer o decir, así como a reconocer los lugares que
se nos estaba permitido ocupar. Salirse de la normalidad era
un riesgo que difícilmente queríamos correr si no queríamos
recibir severas reprimendas tanto de los y las mayores que nos
rodeaban como de compañeros y compañeras de pupitre.
Reflexionar desde la adultez sobre mi experiencia
de aprendizaje de género y sexo, me lleva, por un lado, a
contemplar algunos de los cambios en la sociedad y la cultura
desarrollados durante los últimos cuarenta años, y, por otro,
a especular en torno a sus efectos dentro del ámbito escolar.
Aunque son sensibles las transformaciones en esta línea, creo
que es preciso reflexionar sobre las formas ideologías a las que
predispone la escuela en la actualidad, y poner en evidencia a
aquellos y aquellas que disfrutan de privilegios. Un trabajo que
ponga en relación aquel pasado con lo que acontece hoy en día
desvelaría si, realmente, las mudanzas han sido significativas
y consecuentes con la ideología que se promulgan desde
propuestas curriculares.
136
En este sentido, pienso que una aproximación en torno
a la visualidades desde una perspectiva crítica puede ayudar
a enfocar los problemas y conflictos que supone asumir
determinadas masculinidades para los chicos. La negociación
de los chicos con determinados materiales curriculares, así
como las posiciones y actuaciones que asumen en los diversos
espacios de aprendizaje, deben ser susceptibles de estudio si
pretendemos mejorar nuestras comprensiones de aquello que
está aconteciendo en las relaciones intergenéricas entre chicos
y chicas. Creo interesante redibujar las fronteras invisible
que recolocan en el espacio y marcan aquello que se puede
hacer en él bajo autorregulación normativa. Trabajar en esta
dirección, implicará comprender qué hay de aquella línea
recta que nos separaba a los unos de las otras en tiempo de
recreo en la actualidad, y si verdaderamente los efectos de
nuevas ideologías, supuestamente más críticas, influyen en la
manera de comprenderse en los chicos y en las chicas dentro
del marco escolar.
Los niños con los niños
y las niñas con las
niñas - Una reflexión
autoetnográfica sobre
los aprendizajes de la
masculinidad basada en
la diferencia
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BOYS TOGETHER WITH BOY AND
GIRLS TOGETHER WITH GIRLS - AN
AUTOETHNOGRAPHIC REFLECTION ON
THE MASCULINITY LEARNINGS BASED ON
THE DIFFERENCE
Abstract
In the attached article, a presentation on the reflection about
the learnings on masculinity is performed as developed in a
Spanish school setting where he difference and segregation
between boys and girls was indeed a significant element.
From the completion of an auto ethnographic type of work,
I try to understand some of the own emerging devices from
that school and the spaces where boys used to negotiate our
own masculinities in that school where I attended primary
education from age 4 to 6 (from September, 1971 to June,
1973). Along and linked to this work, subjects have arisen
related to learnings by members of a same sex and gender
throughout specific symbolical mandates and the splitting
of spaces, positions and ways on how boys and girls do act.
Keywords: Masculinities. Gender. Sex. Visual representation.
Spaces for learning. Segregation of gender and sex.
Data de recebimento: novembro 2012
Data de aceite: janeiro 2013
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A la escuela, sin armarios
1
Anderson Ferrari2
Roney Polato de Castro3
Resumo
Partimos de uma imagem, ou melhor, da escolha de uma
imagem como título e provocação deste artigo que pretende
problematizar a presença das imagens na constituição das
nossas subjetividades. É esse aspecto que nos interessa
como questão central: como as imagens estão implicadas
na constituição de sujeitos? Como esses processos são
educativos e implicam as escolas? Questões que nos
impõem um desafio e uma potencialidade, qual seja, o
de problematizar o predomínio das imagens, assumindo
que isso nos leva a mudanças qualitativas no que se refere
à cultura, às imagens e aos sujeitos, de forma que não
podemos abordar esse fenômeno atual com estratégias e
procedimentos de décadas passadas. As imagens e suas
implicações para os sujeitos nos obrigam a buscar novas
1
Imagem cedida por Beatriz Gómez García.
2
Pós-doutor em Cultura Visual e Educação na Universidade de Barcelona.
[email protected]
3
Doutorando em Educação na Universidade Federal de Juiz de Fora. polatojf@
yahoo.com.br
formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos sentidos e
significados que vamos dando as coisas e pessoas.
Palavras-chave: Cultura visual. Educação. Subjetividades.
Sexualidades.
Anderson Ferrari,
Roney Polato de Castro
Introdução
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Optar por uma imagem como título é, ao mesmo tempo,
um ato de reconhecimento e de provocação. Reconhecemos
nosso contexto atual como aquele em que as imagens adquiriram
importância fundamental na educação do nosso olhar e das
nossas subjetividades. Essa afirmação, por si só, já nos provoca
a pensar essas relações. No entanto, nossa provocação vai mais
além. Um ato de reconhecimento como esse que acabamos
de fazer não significa que estamos dando por solucionada as
questões entre imagens, educação, olhar e subjetividades. Daí
a continuidade da nossa provocação em assumir uma imagem
como título: as imagens fazem parte de um campo de estudos
– a Cultura Visual – que insiste em problematizar, teorizar,
criticar e historicizar esses processos (MITCHELL, 2005).
Dessa forma, queremos partir do reconhecimento para provocar
o campo da Educação a pensar como esses processos podem
ser constituídos como educativos à medida que constroem
sujeitos, contextos, realidades, espaços, relações, enfim, uma
série de possibilidades e desafios para nos colocar sob suspeita e
construir novas formas de ser e estar no mundo.
Uma imagem que para servir como título nos obriga
a olhar para todos os aspectos que a compõe: as personagens
e suas posições, as relações que podemos estabelecer entre
esses dois meninos, a presença central do armário, a frase em
destaque “A la escuela, sin armários” (que além de ser uma
escrita é uma imagem que fortalece, significa e/ou explica
as outras imagens), as frases que se seguem: “2009 Año de la
diversidad Afectivo-Sexual em la Educación. Por la convivencia,
respetemos la diferencia” e as cores do arco íris, que em nossa
atualidade é a representação (a bandeira) dos movimentos
142
LGBTT4. Todos esses aspectos isoladamente e em diálogo
constituem e constroem uma imagem que é a apresentada
como título deste artigo e que nos interessa discutir junto aos
processos educativos de constituição dos sujeitos. Assim, não
há um título formal. A imagem é o título.
Dentre as diversas possibilidades de justificativas para
assumir a imagem como título, elegemos duas delas, que nos
interessam mais em relação ao que queremos discutir adiante
no que se refere à cultura visual como
A la escuela, sin
armarios
[...] objetos materiales, edifícios e imágenes, más los
medios basados en el tiempo y actuaciones, producidos
por el trabajo y la imaginación humana, que sirven
para fines estéticos, simbólicos, rituales o ideológicopolíticos, y/o para funciones prácticas, y que apelan al
sentido de la vista de manera significativa (WALKER;
CHAPLIN, 2002, p. 16).
A primeira é a que vivemos em um mundo cercado e
organizado pelas imagens. Nas ruas, em placas e outdoors, na
televisão, no cinema e outras formas de divertimento como os
videogames, nos anúncios de produtos, enfim, circulamos entre
imagens e elas nos constituem. Essa presença constante nos
convida a pensar que para serem lidas elas são tomadas como
objetos. No entanto, são imagens fugazes, instantâneas e que
são substituídas muito rapidamente, de forma que não é algo
material. Paradoxalmente não são objetos. Melhor dizendo,
são tomadas como objetos, dos quais podemos falar, criticar,
analisar, problematizar. São significadas e constroem significados
que formam isso que chamamos “realidade”, como conjunto de
representações que organizam formas de se olhar e de se ver,
estabelecem pautas de reivindicações e lutas, contribuindo para
definir valores, desejos, identidades e sujeitos.
A segunda justificativa se centra mais no proponente
e na proposta da imagem. É um cartaz que, minimamente,
tem duas funções. Por um lado é uma propaganda do tema
4
Referência a Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros.
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da Parada Gay de Madrid em 2009. Por outro lado, é uma
proposição. “A la escuela, sin armarios” pode ser entendida
como um convite, uma incitação, uma proposição: “vamos
às escolas sem segredos”, ou “se assumam nas escolas”, ou
“saiam do armário nas escolas”. Dessa forma, mais do que uma
propaganda ele é um convite “a ser”, ele incita a assumir uma
posição de sujeito nas escolas, ele define duas identidades. Uma
valorizada, aquela do aluno que se assume nas escolas e outra
desvalorizada, aquela que permanece no armário. Estamos
em um contexto globalizado que nos permite deslocar esse
cartaz para outra realidade que não a espanhola e perceber
que ele também se encaixaria perfeitamente na atualidade
brasileira. Se tirarmos as frases em castelhano e trabalhássemos
somente com as imagens, elas definiriam leituras muito
próximas daquelas que as frases reforçam. As cores e os
símbolos que constituem o cartaz já estão incorporados como
representantes dos grupos LGBTT, de forma que em nenhum
lugar encontramos os grupos responsáveis por tal produção.
Não se faz necessário uma vez que o cartaz, por seus símbolos,
cores e frases, traduz a luta e mensagem que são universais
para os movimentos LGBTT: interesse pela construção de
outra imagem da homossexualidade e não aquela ligada ao
segredo, vergonha e medo, além do investimento nas escolas
e nos adolescentes, para destacar apenas algumas delas e que
mais nos interessam neste texto.
Duas justificativas que dialogam a partir do predomínio
da imagem na nossa sociedade atual, que faz com que os
grupos LGBTT invistam também na sua produção e difusão
como forma de veicularem mensagens, de criar significados e
sujeitos, de fortalecer símbolos. É esse aspecto que nos interessa
como questão central: como as imagens estão implicadas na
constituição de sujeitos? Como esses processos são educativos
e implicam as escolas? Questões que nos impõem um
desafio e uma potencialidade, qual seja, o de problematizar
o predomínio das imagens, assumindo que isso nos leva a
mudanças qualitativas no que se refere à cultura, as imagens e
aos sujeitos, de forma que não podemos abordar esse fenômeno
atual com estratégias e procedimentos de décadas passadas.
As imagens e suas implicações para os sujeitos nos obrigam a
buscar novas formas de pensar o olhar e de prestar atenção nos
sentidos e significados que vamos dando às coisas e pessoas.
Elas exigem novas metodologias no campo da educação.
Em 2009, a Parada do Orgulho Gay de Madrid
(Espanha) teve como tema “A la escuela, sin armarios”. De
acordo com os organizadores5, a intenção era denunciar a
violência sofrida por adolescentes homossexuais nas escolas,
reivindicando assim a possibilidade de que existam escolas
“em que os jovens LGBTTs não tenham medo de estudar e onde
não haja violência”. Uma explicação para além do cartaz, que
se sobrepõe a ele e sobre o que ele estabelece. Mais do que isso,
a explicação nos demonstra como a imagem pode detonar
outros processos de linguagem na sua exploração. O que os
organizadores trazem é talvez o que esperam que o cartaz inicie
nas escolas, ou seja, uma discussão em torno da homofobia.
A partir daí, estamos incitados a pensar: o que significa estar
“dentro” ou “fora” do armário? “No armário” é uma expressão
que se refere mais comumente à população LGBTT. Nesse
sentido, “sair do armário” seria, então, uma expressão que
descreveria o anúncio público da orientação sexual, ou seja,
não ocultar uma orientação sexual homossexual, bissexual ou
transexual. Há, portanto, um caráter de “revelação” de um
“segredo”, que pode produzir efeitos diversos em quem recebe
essa “informação” (família, escola, amigos, empregadores, etc.).
Poderíamos dizer também que nessa relação com o “armário”
está em jogo aquilo que é público (fora) e o que é privado
(dentro). Desse modo, entenderíamos que os heterossexuais
estariam, “naturalmente”, “fora do armário”. A partir dessas
considerações iniciais podemos questionar: qual o significado
pessoal e político de estar “dentro” ou “fora” do armário? O
5
Informação obtida em: <http://acapa.virgula.uol.com.br/politica/paradas-gaysde-madri-e-londres-levam-milhares-as-ruas-veja-fotos/2/13/8673>. Acesso em:
03 maio 2011.
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que pode significar essa “revelação”? Como isso se relaciona
com as práticas educativas? O que pode significar uma “escola
sem armários”? Enfim, questões que nos interessam e nos
orientam no desenvolvimento do artigo. Na intenção de dar
conta dessas provocações dividimos o texto em três partes:
Cultura Visual, Homossexualidades e Educação; Imagens e
Educação sem Homofobia e por último, Sexualidades “dentro”
e “fora” dos armários: confusões na demarcação de fronteiras
identitárias. Três partes que dialogam em torno da articulação
central desse número temático: Cultura Visual e Educação.
Queremos, portanto, propor a reflexão do encontro entre esses
dois campos de conhecimento tomando as homossexualidades
como detonadoras da discussão, como parte de processos
educativos de subjetivação.
Anderson Ferrari,
Roney Polato de Castro
1. Cultura Visual, Homossexualidades e Educação
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Talvez esse seja o título mais evidente se aproximamos
o tema central da revista – Cultura Visual e Educação – da
imagem título que tomamos como inspiração. Cultura Visual
é algo muito recente, uma discussão iniciada na segunda
metade do século passado e que tem a multidisciplinaridade
como um aspecto importante para se trabalhar com imagens.
Autores como Hernández (2010), Moxey (2004) e Brea
(2005) destacam que o fundamento para incluir ou excluir
algum gênero de imagem no que chamamos de Cultura Visual
está baseado nas circunstâncias históricas, nas necessidades
educativas e nas considerações políticas desse gênero e
imagem. Dessa forma a dedicação dos grupos LGBTT na
produção de imagens é algo que merece destaque de forma
que podemos questionar: que tipo de imagens são construídas
por esse coletivo? Que identidades e sujeitos estão em
negociação a partir dessas imagens? Tomar a produção deste
cartaz da Parada Gay de Madrid de 2009 e mais do que isso,
tomar essa imagem como produção de Cultura Visual nos
possibilita problematizar e pensar novas formas de produção
de conhecimento desde enfoques muito variados, como por
exemplo, interpretações inspiradas pela perspectiva feminista,
ou pelos Estudos Culturais, pelos Estudos Gays e Lésbicos,
pelos Estudos Foucaultianos ou mesmo pelo estabelecimento
de aproximações entre essas formas de se conhecer. Enfoques
que demonstram que não existem artefatos culturais
desinteressados, mas que são atravessados por relações de
poder, de saber e de resistências6.
A partir daí é possível pensar a relação entre Cultura
Visual, Homossexualidades e Educação, três processos atuais
que se atravessam. Podemos dizer que os estudos da Cultura
Visual, no seu desenvolvimento, “bebeu nas águas” desses
diferentes enfoques de análise, sendo influenciado também
pelos movimentos feministas, de gênero e LGBTT, que foram
capazes de nos chamar atenção para os envolvimentos políticos
do encontro entre presente e passado. Esses movimentos
e a Cultura Visual assumem as interpretações, imagens e
leituras como algo construído historicamente e não como
essências. Isso significa dizer que tudo é produção, de forma
que essa imagem do cartaz mescla passado e presente (o que
podemos ler hoje tem relação com os significados e saberes
das homossexualidades que foram construídos desde o século
XIX), une objetividade e subjetividade (podemos tomar a
homossexualidade como conhecimento, como objeto de
conhecimento, do qual falamos, produzimos saberes e sujeitos)
e sobretudo, nos possibilita inseri-lo num regime no qual a
verdade é algo que não somente pode ser encontrada, assumida,
resistida, mas principalmente construída discursivamente.
Diversas imagens numa só: imagem título, imagem da
Parada Gay de Madrid, imagem que está nas escolas, imagem
produzida por grupos LGBTT, imagem vista e significada por
6
Para Michel Foucault (1999) temos que tomar o saber-poder como inseparável,
assim como não é possível falar de relações de poder sem pensar em resistências.
As resistências fazem parte dessas relações, de forma que não é algo fora do
poder. Compartilhamos esses entendimentos e assumimos essa perspectiva na
organização do nosso texto. No entanto assumimos essa forma de escrever,
separando essas categorias para fortalecer suas presenças.
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adolescentes de diversas orientações sexuais, por professores
e familiares. Diferentes imagens e uma só imagem. Enfim,
diferentes posições a partir das quais podemos ver, diferentes
posições que essa imagem nos situa, faz ver a mim mesmo e
que podem ser tomadas a partir de dois aspectos: o político e
o poético.
Como aspecto político, estamos chamando os discursos
veiculados pela imagem, aquilo que podemos ler nas imagens,
cores e frases. A mensagem ou as possibilidades de mensagens
que os proponentes tinham a intenção de transmitir. Como
poético, queremos dar lugar ao que escapa, as possibilidades
de fugas do que está escrito, que está presente como imagem,
aquilo que podemos pensar a partir do e em relação ao político.
Dois aspectos que dialogam a partir das nossas construções
históricas, das nossas histórias de vida, nossas lembranças,
saberes e experiências que nos dão instrumentos para ler,
entender, assumir ou resistir o político, dando asas para o
poético. Se no primeiro caso estamos mais presos aos interesses
do proponente, sempre temos possibilidade de resistências, de
diálogos pessoais com a imagem e com os discursos. Quando
entramos nesse jogo de forças, não é mais o cartaz que está
falando, mas é a cultura, aquilo que nos forma e captura e não
estaremos mais falando do que estamos vendo, mas daquilo
que me constitui, ou seja, estamos falando de nós mesmos. Daí
a potencialidade da imagem, ou seja, não estamos interessados
somente no que o cartaz traz, na mensagem presente nele, mas
nos processos de subjetivação que ele detona, que ele dá início.
Ao voltar ao cartaz, duas ausências nos chamam atenção:
a falta das palavras “homossexual” ou “homossexualidade”
e a não presença de siglas, ou nomes dos grupos gays
responsáveis pela produção, pela parada e pelo chamamento
aos adolescentes. No entanto essas não são faltas que fazem
diferença. Independentemente das palavras “homossexual”
ou “homossexualidade”, é possível fazer essa relação uma vez
que é a homossexualidade que foi assumida como segredo e
que, portanto, tem algo a revelar. Estar ou “sair do armário”
são expressões do vocabulário político dos grupos gays e que
já estão incorporadas pela população de forma geral e não
somente por homossexuais. Assim, quando vemos escritos “a la
escuela, sin armários”, acionamos as palavras homossexualidade
e homossexual. Não esperamos que a frase e o cartaz como um
todo digam de heterossexuais. “Sair do armário” é um aspecto
de reivindicação e da proposição atual do discurso dos grupos
LGBTT. Entretanto, é um discurso que traz um passado.
Segundo Foucault (1999), a palavra “homossexualidade”
foi inventada no final do século XIX, transformando
a homossexualidade e o homossexual em objetos de
conhecimento, algo capaz de produzir um saber. A “invenção”
da homossexualidade pelo discurso médico foi capaz de criar um
campo semântico em torno das pessoas que eram classificadas
ou se sentiam como tais, de forma que o homossexual surge
também como um personagem que tem um passado, uma
história e que tem a homossexualidade incorporada no seu corpo,
que é denunciada, que é revelada pelo corpo e ações. Inicia-se
assim um jogo entre esconder, revelar, vigiar e denunciar que
vai marcar parte desta história. Assim sendo podemos dizer que
a palavra “homossexual” foi introduzida no discurso moderno,
tornando-se popular e precedendo a palavra “heterossexual”
(SEDGWICK, 1998). Isso não significa dizer que não existiam
práticas homoeróticas antes dessa época. A homossexualidade
é apenas uma pequena história dentro da história das práticas
homoeróticas com uma ampla gama de condutas sexuais
e comportamentos. No entanto, a homossexualidade foi
capaz de construir identidades conscientes, uma vez que ela
é contemporânea de um movimento mais amplo em que
a sexualidade estava relacionada à verdade e a identidade
dos sujeitos. Assim, o que a homossexualidade inaugura de
forma mais contundente é a relação entre sujeitos, gêneros e
sexualidades – um movimento que vai tomar uma dimensão
considerável nas sociedades ocidentais modernas – pelo qual
as pessoas passaram a não somente estarem preocupadas em
assumir e vigiar um gênero (masculino ou feminino), mas
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também considerando a necessidade da revelação de uma
sexualidade inscrita no binarismo homossexual/heterossexual.
Mais do que relação entre gêneros e sexualidades, o que podemos
perceber hoje em dia, é certo embaralhamento entre esses dois
aspectos. De qualquer forma, o século XIX foi o período em
que se fermentaram as condições para a construção discursiva
de identidades binarizadas cheia de implicações, inclusive
para outros aspectos menos sexuais das pessoas, como por
exemplo, as relações no interior das escolas que não deveriam
passar pela definição e “vontade de saber” sobre as orientações
sexuais. Dessa forma, quando olhamos para o cartaz é possível
perceber resquícios dessas construções ainda presentes hoje,
demonstrando como o século XIX está mais perto de nós do
que imaginamos (FOUCAULT, 1999).
Os grupos LGBTT nascem neste terreno em que a
homossexualidade era algo de segredo, de doença, de medo
e todo discurso inicial desses grupos passa a estar ancorado
em uma perspectiva de desconstruir imagens negativas da
homossexualidade, assim como imagens mais positivas dessas
expressões de sexualidade, em um movimento de presente
no qual não se perde de vista o passado, aquilo que deve ser
negado, desconstruído, mas não totalmente abandonado. Uma
luta no presente que tem o passado sob pano de fundo e que
volta, necessitando uma vigilância. Um passado que às vezes
aprisiona, como por exemplo, a política do “sair do armário”
como algo que deve ter a homossexualidade presente em todos
os espaços e em todos os momentos, algo que mais aprisiona
do que liberta. São os aspectos da sexualidade trazidos para
outros espaços e momentos menos sexuais da existência
pessoal e muitas vezes ignorando as histórias pessoais de vida.
O cartaz é direcionado aos adolescentes homossexuais
de forma geral, como se fosse possível falar de uma
homossexualidade homogênea. A ideia é que todos aqueles
jovens, alunos de escolas, que se sintam homossexuais se
assumam como tais (saiam do armário). Uma mensagem
que aposta no processo de identificação assim como na
força de uma identidade homossexual como sendo capazes
de organizarem outros momentos e espaços de vida, como a
escola e a adolescência. Ele aciona conhecimentos – o que é ser
homossexual, “o que eu sei de mim e sou capaz de identificar
como minha identidade”, a relação identidade, verdade e
conhecimento e o que significa (que atitudes de transformação)
“sair do armário” – de forma que cada vez mais, a imagem
e discurso da homossexualidade não somente coincidem
com outras linguagens e relações ligadas ao conhecimento
como também os transformem. Assim, imagens e discursos
da homossexualidade acabam estando muito relacionados a
imagens e discursos dos grupos LGBTT, aqueles que “falam
em nome de”, constroem conhecimentos e estão autorizados a
produzir saberes, relacionando-os com experiência. Da mesma
forma que as imagens e discursos dos grupos LGBTT, da
homossexualidade, coincidem com as estruturas da Cultura
Visual, que definem cores, corpos valorizados, expressões e
que vão compondo o cartaz neste encontro de linguagens e
imagens, buscando uma transformação: novas atitudes, novos
homossexuais, novas escolas.
As relações com o cartaz, a relação do cartaz com os
adolescentes e com a comunidade escolar, as relações com
o “armário” e com a homossexualidade, estão estruturadas
em torno das relações entre o que é conhecido e familiar e
o que é “estranho” e diferente, ou seja, entre conhecimento
e desconhecimento, entre segredo e revelação, entre
homossexualidade e heterossexualidade. Enfim, relações que
podem ser reveladoras dos jogos discursivos de forma mais
geral. Estamos tomando aquilo que chamamos de “aspectos
políticos” das imagens como aquilo que constrói uma
mensagem. E, neste sentido, não queremos ficar presos ao
discurso como aquilo que está escrito, mas pensar em uma
concepção de discurso que nos leve a questionar o que estamos
considerando como ato discursivo. Como nos lembra Foucault
(1999), a questão não é fazer distinção entre o que está dito e o
que não, uma separação binária entre o que pode ser dito e em
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que ocasião e o que não – o que se fala e o que se cala sobre a
homossexualidade. O investimento é em tentar problematizar
as diferentes maneiras de se falar e de se calar. Não existe o
silêncio ou um silêncio, mas sim diversos silêncios que fazem
parte, atravessam e subentendem os discursos.
O cartaz é uma produção datada e localizada – Madrid,
2009 – além de ter um proponente claro (embora implícito), os
grupos LGBTT e uma proposta evidente, fazer a publicidade e
ser um chamamento para a Parada Gay daquele ano e para uma
mudança de postura tida como a valorizada. Um tipo de discurso
que cria e que fala acerca de duas posturas e dois sujeitos: sair
do armário ou não, ser um homossexual assumido ou não. O
fato de não querer sair do armário é algo iniciado e diz de um
comportamento que tem relação, por si só, com o ato discursivo
do silêncio. Sair ou não do armário são atitudes que nos falam de
atos de discurso e de silêncio em torno das homossexualidades,
de forma que sair do armário é também algo tão específico
quanto a postura inversa e talvez não tenha nada a ver com a
obtenção de novas informações. Assim, não podemos afirmar
que o fato das escolas trabalharem e romperem o silêncio em
torno das homossexualidades possa, necessariamente, ajudar, a
determinados alunos saírem do armário.
“Armário” é uma expressão tão vinculada aos grupos
LGBTT que se transformou numa bandeira, em algo mais
do que simplesmente se revelar e assumir como homossexual,
mas introduz aquele que diz em um universo político. O cartaz
reforça essa associação entre homossexualidade, sujeitos e grupos
LGBTT, de forma que dizer “eu saí do armário” é quase que
dizer “eu sou militante gay”, mais do que “simplesmente” eu
“sou gay”. Para muitos, o fato de dizer e utilizar a expressão “sair
do armário” adquire uma importância para além da situação em
si. “Sair do armário” virou um símbolo como a bandeira do arco
íris, como estar na parada do Orgulho Gay e os grupos gays,
consciente ou inconscientemente, incorporam e difundem
isso e até mesmo de forma materializada, como na imagem do
cartaz. O cartaz acaba materializando em imagem aquilo que
está na imaginação de quem escuta ou utiliza a expressão.
Até agora tratamos de processos que são as condições
de emergência do cartaz e que serviram para transmitir a
mensagem, ou as mensagens/imagens. Processos que estão
em nós e que nos permitem ler e entender o que está sendo
dito e mostrado, mesmo que não paremos detalhadamente
para pensar em cada um desses aspectos levantados até aqui.
Processos que nos educam. Um cartaz que, sendo discurso, está
atravessado por relações de poder, é produto e está produzindo
discursos em meio ao jogo de forças que supõe resistências,
transgressões e liberdades, algo que se aproxima daquilo que
estamos chamando de poético das imagens.
A la escuela, sin
armarios
Los recursos retóricos, “figuras del habla” o “tropos”
se encuentran tanto en la poesía como en las imágenes
(aparte de las obras de arte abstracto). La poética visual
es uno de los nombres que se ha dado a la rama de los
Estudios de cultura visual que examina en prácticamente
todo tipo de imagen figurativa, pero es especialmente
evidente en publicidad, caricaturas y propaganda y
fotomontajes políticos (WALKER; CHAPLIN, 2002,
p. 161).
Tomando a citação como inspiração, podemos pensar
que a poética da imagem é algo que investe em estratégias
utilizadas para emocionar e para persuadir a aceitarem
determinadas ideias. Para captar o interesse do público alvo são
utilizados recursos de linguagem não literal. Um exemplo disso
é a utilização do armário em si e da expressão “sin armários”
ao se referir à escola. Ou seja, ao invés de colocar claramente
“vamos à escola e assumamos nossa homossexualidade”,
utilizam signos e objetos que já adquiriram, através do uso,
significados secundários fixos. O que essa imagem é capaz de
causar naqueles que se auto-identificam como homossexuais e
que estão nas escolas?
Esse retorno do que o cartaz propõe nunca é possível
de alcançar como totalidade, de forma que ele dialoga com a
história de cada um que é capaz de preencher esse chamado,
de significá-lo, de aceitá-lo, negociar com ele e até recusar. Se
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a poética investe na emoção como forma de persuadir, essa
emoção também pode levar a outros caminhos. Emoção que faz
conectar com outras estruturas que nos formam: recordações,
desejos, experiências, vivências, afetividade, dor, expectativas,
enfim, uma série de possibilidades despertadas a partir do
olhar. Se considerarmos que o ato de ver está ancorado em um
modo de expressão cultural e de comunicação tão importante
quanto a fala, podemos argumentar que a relação entre o cartaz,
entre a imagem, entre o que estamos chamamos de cultura
visual (como algo mais amplo do que o cartaz, mas do qual ele
faz parte) e o público não se nutre apenas de interpretação das
imagens, mas diz de um campo social da visão, do ato de ver,
do alcance do meu olhar que diz acerca dos meus processos de
subjetivação (GUASCH, 2005).
O cartaz coloca em circulação o que é fundamental
desse campo social da visão, ou seja, usamos a visão para olhar
as demais pessoas, para olhar o nosso entorno. O cartaz faz
esse papel, através dele olho as pessoas e a mim mesmo. No
cartaz eu encontro pessoas, ele fala de vidas: negadas, possíveis,
desejadas, imaginadas. Nesse caminho não somente olhamos
os outros, mas a nós mesmos, somos olhados pelo cartaz como
um espelho que reflete, o olhar bate e volta. Olhamos o cartaz,
entramos no jogo, lemos o seu conjunto e o seu chamado e ele
me retorna, me leva a pensar qual é a minha posição diante do
que está colocado, o cartaz me olha e me cobra, eu respondo
a ele. E, quando eu respondo a ele e penso se estou ou não
“fora do armário”, não é mais o cartaz que está falando, mas
é a minha história de vida. Esse complexo campo de bate e
volta, de reciprocidade visual entre o cartaz e as pessoas não é o
resultado passivo da realidade social, mas é o que constrói isso
que chamamos de realidade, que produz as homossexualidades
(várias delas e, minimamente, homossexuais que estão ou não
no armário), os sujeitos, as escolas, os grupos. Um processo
que educa, uma vez que o campo da cultura visual, tomado
aqui especificamente no que se refere à imagem e o cartaz da
Parada Gay de Madrid, não podem ser entendidos como uma
construção social do visual, como simples reflexo desse social,
mas pelo contrário, como uma construção visual do social, ou
seja, ela cria realidade e sujeitos.
O cartaz não revela e não descreve a realidade. Podemos
mesmo afirmar que ele não precisa da realidade, ele investe
na realização, sendo assim um projeto a ser construído, uma
potencialidade. Assim, ele e a proposta que ele instaura estão
em uma dimensão de surgimento, a partir da qual surgem
ações, expressões, sujeitos e lugares a serem realizados. É nesse
espaço entre a imagem, o que deve ser realizado e a construção
da realidade que as subjetividades começam a se articular em
ações, discursos e espaços. Um preenchimento que vai da
imagem ao sujeito atravessado por emoção e desejo. A imagem,
como herdeira da Arte, é um dos campos em que o desejo
pode se converter em proposta, em ação, em transformação,
atuando sobre a realidade, no qual aquilo que está sendo
proposto (a imagem) tem a possibilidade de ser realizada e ser
levada à esfera do que é imaginado (uma escola sem armários,
alunos que se assumam).
É importante ressaltar que não estamos entendendo
que o cartaz serve apenas para as subjetividades homossexuais.
Considerando que as orientações sexuais são relacionais,
quando falamos da construção das homossexualidades estamos
também pensando nas heterossexualidades e outras orientações
que também circulam pelas cidades e que entram em negociação
com o cartaz. Dessa forma, quando o cartaz permite que aquele
que vê articule uma resposta e uma conduta em relação ao
que ele propõe, ele dá a possibilidade desses sujeitos existirem
frente a si mesmos como sujeitos a partir da negociação com a
homossexualidade. Assim, o cartaz e mesmo a Parada Gay diz
a respeito de todos e não somente de homossexuais.
No cartaz, os sujeitos nunca são dados, nunca vêm
prontos, sendo assim, há um investimento na necessidade de
se inventar os sujeitos. Se pensamos em um aluno que vai a
escola e se assume, temos que pensar também no colega do
lado, na turma de forma geral, no conjunto de professores,
enfim em outros sujeitos que serão “atingidos” por esse sujeito
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homossexual “fora do armário”. “Atingidos” porque quando eu
modifico minha posição eu altero as posições dos sujeitos que
estão ao meu redor, de forma que assumir a homossexualidade
na escola não é algo somente individual. Diz de uma postura que
é relacional, dialoga com aqueles que estão ao redor, ou seja, se
dá no encontro entre o que é individual e o que é social. Quais
são os momentos de encontro entre as imagens e certo modo de
subjetividade? Entre o cartaz e certo modo de ser homossexual?
Essas perguntas nos possibilitam pensar que circunstâncias
permitem a determinados modos de subjetividade vir à tona e
como isso se dá com relação às emoções e ao afeto?
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Roney Polato de Castro
2. Imagem e “Educação Sem Homofobia”
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Como afirmamos anteriormente, o cartaz não diz apenas
de homossexuais, ele significa outras orientações sexuais. Quando
é distribuído na cidade ele passa a ser de domínio público,
compondo o conjunto de imagens que formam a cidade e que
interage como os seus ocupantes. Assim, o menino heterossexual
também vê, também significa, lembra de histórias, reforça ou
rechaça a heterossexualidade a partir do outro, da construção
desse outro, que sai da imaginação e se materializa na imagem do
menino saindo do armário. Como parte do cartaz, encontramos
outras frases que dialogam com aquela em destaque: “2009 Año
de la diversidad Afectivo-Sexual em la Educación. Por la convivencia,
respetemos la diferencia”. Uma frase que se diferencia da “A la
escuela, sin armários”, uma vez que parece direcionada não aos
homossexuais, mas que faz um convite às outras orientações
sexuais, sobretudo aquelas mais envolvidas com práticas de
homofobia. Assim, ela é um componente do cartaz que pode
capturar e apostar numa mudança.
Ellsworth (2001) nos ajuda a pensar esse aspecto das
imagens em capturar seu público, nos diferentes modos de
endereçamento que constituem uma imagem. Fazendo um
deslocamento do pensamento da autora para o cartaz, uma
vez que ela pensa nos modos de endereçamento no campo dos
estudos de cinema, queremos nos apropriar da relação entre
política e mudança social que o modo de endereçamento investe.
Assim podemos dizer que o cartaz foi feito “para alguém”,
pensando “em alguém”. Em uma leitura apressada, diríamos
que foi feito para os homossexuais, o que limitaria sua ação.
Tomando o fato que o cartaz foi distribuído pela cidade e fala de
um universo não apenas composto por homossexuais – a cidade
e as escolas – podemos afirmar que ele foi feito para todos.
Sobretudo se pensarmos essas duas frases que trazem novas
informações, fortalecidas pela explicação dos organizadores
(“em que os jovens LGBTTs não tenham medo de estudar e onde
não haja violência”). Dessa forma, o cartaz trabalha com aquilo
que Ellsworth (2001) chama de modo de endereçamento: quem
o cartaz pensa que eu sou e quem ele quer que eu seja? E, pensar
que ele é uma produção de um coletivo gay, podemos supor que
se trata de uma política de mudança social. Mudança no que se
refere aos homossexuais consigo mesmos e dos heterossexuais
(somente para citar uma orientação sexual) em relação às
homossexualidades e a si mesmos.
Discutir homossexualidades como relação significa
pensar que as heterossexualidades também se constituem pelos
discursos da homossexualidade, neste embaralhamento entre
gênero e sexualidade que falávamos no início do artigo: ser
homem se tornou, para muitos, sinônimo de ser heterossexual.
E, neste processo de construção performativa de construção
da heterossexualidade, a homofobia tem feito parte. Assim,
discutir a homofobia passa a ser um debate importante
e fundamental para novas formas de ser homem, de ser
heterossexual, que não passe pelo machismo, pelo sexismo e
homofobia. Essa discussão está presente no cartaz, pode ser
detonada a partir dele e também ser denunciada, conforme
diz os organizadores. O cartaz, uma vez materializado passa
a ser do domínio de todos. Do nosso, por exemplo, que
estamos partindo dele para produzir e construir esse artigo.
Mas também pode ser utilizado em cursos de formação de
professores, uma vez que ele também diz de professores, de
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alunos, de escola. Incitações que convocam alunos a serem
diferentes: a saírem do armário e a serem mais tolerantes
com as diferenças. Convocações ou provocações que passam
por um novo modelo de escola, que envolve professores. De
certa forma, podemos dizer que o cartaz também direciona
a formação docente: “quem eu penso que os professores são,
quem eu quero que eles sejam”?
A ideia de uma “escola sem armários”, apresentada
pelo cartaz, foi discutida com cursistas do “Educação Sem
Homofobia”7 (ESH), em Juiz de Fora (MG), em uma das aulas
intitulada “Escola e Sexualidade”. Uma ideia que se baseou
nesse cartaz que é o foco da nossa análise. Após discutirmos
múltiplas categorias8 que produzem a relação entre sexualidades
e escola como uma “questão”, ou seja, como algo sobre o
qual há diversos e distintos posicionamentos, foi apresentada
a imagem9 da campanha promovida pela organização da
Parada do Orgulho Gay de Madrid, na qual podemos ver
dois adolescentes: um deles parece tentar “sair” do armário
e o outro parece tentar impedi-lo. Múltiplas observações
podem ser feitas a partir dessa “cena”, dentre elas podemos
citar: há inúmeros mecanismos que organizam o modo
como os sujeitos manifestam/vivenciam suas sexualidades
no espaço escolar; algumas dessas formas de manifestação/
vivência das sexualidades são vislumbradas – mesmo que de
forma “controlada” ou “vigiada” – e outras são silenciadas; as
manifestações do desejo sexual não-heterossexuais, em geral,
têm pouco ou nenhum espaço de discussão nos currículos
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7
Curso de formação de professoras/es, pertencente a um projeto realizado em
quatro municípios (sendo um deles Juiz de Fora), concebido e organizado por
uma equipe de profissionais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais. Mais informações sobre o projeto podem
ser obtidas no site: <http://www.fafich.ufmg.br/educacaosemhomofobia/>.
8
Foram discutidas as seguintes categorias: Educação, Pedagogias Culturais, Poder,
Cultura, Escola, Currículo, Identidade, Diferença, Sexualidade, Identidades
Sexuais e orientação do desejo sexual, Homossexualidades, Estereótipo,
Preconceito, Discriminação, Sexismo, Homofobia.
9
Disponível em:
<http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1203022-5602,00.html>.
escolares. Ao fazer essas observações estamos cientes do risco
das generalizações – sabemos que existem escolas, no plural, e
que sempre há possibilidades de “linhas de fuga” nas relações de
forças entre os sujeitos e as instituições – mas, os argumentos
aqui tecidos têm o intuito de nos levar a pensar, sobretudo,
nos modos como as práticas escolares, historicamente, têm
destinado espaços distintos para as sexualidades e como isso
tem reflexos nas relações de subordinação e violência a que são
submetidos, com frequência, aqueles/as que não compartilham
da orientação heterossexual do desejo.
Ao trazer o cartaz como suporte de uma aula em que
se pretendia discutir as sexualidades e escolas, podemos
dizer que há pelo menos dois deslocamentos importantes
para ser analisados à luz da formação docente, da atuação e
importância dos grupos gays na construção de discursos sobre
as homossexualidades e da apropriação e utilização de imagens
para esses fins. Um primeiro deslocamento é aquele que diz do
contexto em que foi originalmente distribuído para o interior
da sala de aula. Do contexto espanhol para o brasileiro. O
segundo centra na finalidade da produção dessa imagem. Uma
imagem convocatória, quer seja para a parada Gay de Madrid,
quer seja para uma nova postura de adolescentes nas escolas.
Assim temos o deslocamento de uma imagem propaganda para
uma finalidade de formação, uma função didático-pedagógica.
Podemos inferir que toda imagem é didático-pedagógica na
medida em que transmite uma mensagem, busca ensinar algo,
investe num processo de educação mais amplo voltado para a
construção de sujeitos.
Dessa forma, estamos considerando que a visão é tão
importante quanto a linguagem, de modo que a cultura
visual não se alimenta apenas de interpretações de imagens,
mas diz da possibilidade de se pensar e descrever um campo
social do olhar. Quando se apresenta esse cartaz num curso
de formação docente, mais do que simplesmente investir na
interpretação da imagem e sua mensagem provocadora para
as escolas, instala-se um processo de percepção do que é
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possível de se ver, o que os alunos veem e o que não veem.
Com essa proposta articulam-se dois conceitos que nos
parece fundamentais para discutir a relação entre processos
educativos e imagens: experiência e estética. Dois conceitos
que devem ser entendidos no processo de constituição de
sujeitos. Não queremos dizer com isso que as imagens tenham
que se desprender dos usos e funções que originalmente foram
pensadas e elaboradas, das situações e contextos em que foram
utilizadas e circularam. Num contexto globalizado de hoje em
que é possível ter acesso a imagens produzidas e utilizadas nos
mais diferentes espaços e contextos, é importante dar lugar a
essas especificidades ao mesmo tempo em que não podemos
ficar presos ao pragmatismo e nem ao contexto, sob pena de
reduzir as possibilidades de problematizar as imagens, nossa
cultura e as relações entre ambas.
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3. Sexualidades “dentro”
e
“fora”
dos armários:
confusões na demarcação de fronteiras identitárias
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Quando fazemos uso do termo “sexualidade”, estamos
nos remetendo a algo que faz parte das nossas vidas desde
uma perspectiva histórico-filosófica específica, em termos
socioculturais e discursivos. Essa “sexualidade” que conhecemos,
vivemos e sobre a qual falamos (muitas vezes de forma prolixa
e fervorosa), se constitui a partir da Modernidade. Isso quer
dizer que os sujeitos não exerciam suas sexualidades antes
desse período? O que pretendemos argumentar aqui é que
nossa compreensão atual do que é viver as sexualidades está
intimamente relacionada às sociedades ocidentais Modernas
e seu projeto social civilizatório. Foucault (1999) argumenta
que no século XVIII nasce uma incitação política, econômica,
técnica, a falar do sexo, colocando em funcionamento uma
“polícia do sexo”, isto é, a “necessidade de regular o sexo por
meio de discursos úteis e públicos e não pelo registro de uma
proibição” (p. 28). Segundo Foucault (1999), nessas sociedades
“a” sexualidade foi transportada para a dimensão do privado,
para dentro de “armários”, mais especificamente “para o
quarto do casal”. Associada a isso houve uma intensa “explosão
discursiva”, a fim de denunciar uma “repressão sexual” que teria
se efetivado nesse contexto, acirrando nossa vontade de saber.
Ali emerge também a sexualidade como forma de vigilância e de
disciplinamento dos sujeitos, a partir das prescrições de diversos
especialistas (médicos, psiquiatras, sexólogos, psicólogos) que
passaram a elaborar classificações e parâmetros de normalidade
para as práticas sexuais, produzindo conhecimentos que
colocavam os sujeitos nas categorias “normal” e “anormal”.
Nesse contexto de uma “nova caça às sexualidades
periféricas”, “nasce” o sujeito homossexual, como uma
“personagem”. Segundo Foucault (1999, p. 43-44),
A la escuela, sin
armarios
O homossexual do século XIX torna-se uma personagem:
um passado, uma história, uma infância, um caráter,
uma forma de vida; também é morfologia, com uma
anatomia indiscreta e, talvez, uma fisiologia misteriosa.
[...] É necessário não esquecer que a categoria psicológica,
psiquiátrica e médica da homossexualidade constituiuse no dia em que foi caracterizada – o famoso artigo de
Westphal em 1870, sobre as “sensações sexuais contrárias”
pode servir de data natalícia – menos como um tipo de
relações sexuais do que como uma certa qualidade da
sensibilidade sexual, uma certa maneira de inverter, em
si mesmo, o masculino e o feminino. [...] O sodomita
era um reincidente, agora o homossexual é uma espécie.
Essa “personagem”, como argumenta Foucault (1999),
já nasce com status de desvio, categorizada como patologia
do comportamento sexual normal. Ao criar classificações para
as práticas sexuais “desviantes”, os especialistas criam também
o padrão que serve como parâmetro: a sexualidade madura,
conjugal, heterossexual e procriativa. As instituições sociais
incorporam essas classificações e a visão de que “o sexo” não
poderia ser assunto de todos, mas seria tratado apenas pelos
especialistas e as autoridades que precisam construir as normas
para um exercício da sexualidade sadio e normal.
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No século XIX, o campo médico-científico ganha
notoriedade e multiplica as formas de regular os prazeres e
desejos, especialmente as formas consideradas “desviantes”. A
medicina passa a investir sobre os sujeitos, investigando seus
desejos, suas fantasias, classificando o “normal” e o “patológico”,
o “bom” e o “mau”, instituindo correções, investindo terapêutica
e pedagogicamente sobre os indivíduos (crianças, jovens,
homens, mulheres), sobre as famílias e sobre a “população”.
Foucault (1999) argumenta que as sociedades modernas
estariam vendo a emergência da “scientia sexualis” que procura
interrogar, classificar, regular as sexualidades periféricas, ou seja,
a sexualidade das crianças e das mulheres, a dos loucos e dos
criminosos, o “prazer dos que não amam o outro sexo” (p.39).
Tudo o que foi dito até agora nos serve para pensarmos
nas formas como as sexualidades vêm sendo enquadradas e
como a escola participa desse processo, relação apontada pela
análise que vimos tecendo sobre o cartaz da Parada do Orgulho
LGBTT de Madrid em 2009. Como dissemos anteriormente,
a escola é uma instituição “característica” da Modernidade e,
de muitas formas, ela participa também desses mecanismos
de classificações e padronizações das sexualidades. Pode
ser importante, desse modo, pensarmos: de que formas as
sexualidades têm sido tratadas nas escolas? Quais delas podem
ser conhecidas e quais devem permanecer “dentro dos armários”
nas escolas? Nosso intuito é, deliberadamente, conduzir
ao debate sobre duas proposições nos estudos da educação
para a sexualidade, para a equidade de gênero e diversidade
sexual: as sociedades ocidentais Modernas e, por conseguinte,
as instituições escolares, são regidas e organizadas em torno
da naturalização e padronização da heterossexualidade e da
masculinidade10; as instituições escolares têm geralmente (re)
produzido essa organização, assim como têm colaborado para
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Ao afirmar que a heterossexualidade e a masculinidade se colocam como padrões,
atentamos para o fato de que há múltiplas formas dentro dessas categorias e
que alguma delas tem status de padrão e norma. Pensemos, por exemplo, nos
comportamentos masculinos mais valorizados e que nem todos os que se autoidentificam como homens compartilham desses atributos.
a manutenção desses padrões. Mas, vamos nos deter melhor
nesses argumentos.
Ao dizer que existem processos de naturalização, estamos
nos referindo a tudo aquilo que aprendemos a lidar como
concepções ou atitudes pretensamente “naturais”, “comuns”,
“normais”, que as pessoas acham que sempre foram “do jeito
que são” e que há sempre consenso sobre eles. Como isso
se relaciona com a questão das sexualidades? Pensemos no
seguinte: alguma família educaria seu filho ou filha para ser
homossexual? Alguma família faz planos de que seu filho ou
filha se relacione e constitua seu projeto de vida ao lado de
uma pessoa com o mesmo “sexo”? Algum/a professor/a pensa
em atividades pedagógicas que possam se constituir como
produção de alunos e alunas homossexuais? Infelizmente, as
respostas para essas perguntas parecem ser negativas. O cartaz
da Parada do Orgulho LGBTT de Madrid em 2009 pode ser
usado para pensar essas relações: não se justificaria a produção
de tal artefato se a homossexualidade ocupasse um lugar natural
dentre as possibilidades de experiências da sexualidade. Isso nos
conduz a pensar que a heterossexualidade é um valor legítimo
para as culturas ocidentais, o que a transforma em um “padrão”
a ser seguido por todos/as. Porém, ninguém nasce hetero, bi ou
homossexual. Nossa cultura se encarrega de nos ensinar, por
meio de inúmeras (sutis, refinadas, naturalizadas) pedagogias,
a ser o que somos, dessa forma, também aprenderíamos a ser
hetero, bi ou homossexuais. Algumas dessas pedagogias, como
argumentamos a priori, são colocadas em funcionamento por
meio da Cultura Visual. Como isso acontece? Por que uma
pessoa se identifica com uma dessas categorias? Não há uma
resposta, única e segura, para essa questão. Talvez devêssemos nos
perguntar: como aprendemos a conceber a heterossexualidade
como “natural”, “normal” e as demais orientações do desejo
sexual como “antinaturais” e “anormais”?
Os discursos e práticas que vem se sustentando desde
o século XIX colaboram para a construção de uma imagem
“negativa” da homossexualidade, atribuindo a ela um lugar de
“não valor” em nossa sociedade. Para muitas pessoas, ainda hoje,
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as relações homossexuais são consideradas algo repulsivo, doentio,
anormal. A ideia de ter uma pessoa homossexual compartilhando
o local de trabalho, a sala de aula ou um banheiro público é,
para muitos, algo incômodo, para não dizer repugnante ou
agressivo. As famílias não imaginam para seus filhos e filhas a
possibilidade de educá-los para serem homossexuais; ao contrário,
é preciso afastá-los do perigo que essa possibilidade representa.
A possibilidade de ter um filho/a homossexual aflige muitas
mães e pais e a constatação desse acontecimento é algo que gera
inúmeros conflitos. Ao colocar os sujeitos homossexuais nessa
categoria, nossa cultura acaba por imputar-lhes uma identidade
absolutizada, ou seja, sendo homossexual a pessoa deixa de ser
o/a filho/a, o/a amigo/a, o/a profissional, e passa a carregar uma
“marca” que muda as relações sociais, reafirmando seu caráter
desviante. Tudo isso poderia servir para pensarmos na produção e
circulação de um cartaz que nos convida a pensar numa escola sem
armários: a política da imagem que tem a intenção de fazer circular
representações outras da homossexualidade, direcionando-se não
só aos/às adolescentes, mas a toda a sociedade. Assim, podemos
considerar que o cartaz aqui analisado funciona como dispositivo
de subjetivação que pode perturbar a negatividade e o não-valor
atribuído às homossexualidades.
Argumentando que a sexualidade foi se tornando a
verdade mais fundamental dos sujeitos (FOUCAULT, 1999),
uma vez que por meio dela pode-se chegar às profundezas do
ser, muitos dos comportamentos e sentimentos acima descritos
poderiam se justificar: temos sido bombardeados pelos saberes
médico-psiquiátricos, associados à valores morais/religiosos,
que associam a homossexualidade a uma falha de caráter,
posicionando-a como exceção à regra, como algo pecaminoso.
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Crime abominável, amor pecaminoso, tendência
perversa, prática infame, paixão abjeta, pecado contra
a natureza, vício de Sodoma: tantas designações que
durante séculos serviram para qualificar o desejo e as
relações sexuais ou afetivas entre pessoas do mesmo
sexo. Relegado ao papel de marginal ou excêntrico, o
homossexual é tido pela norma social como bizarro,
estranho ou disparatado (BORRILLO, 2009, p. 15).
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armarios
Desse modo, notoriamente desviante, a homossexualidade
se constrói a partir da categoria que é a referência nas
sociedades ocidentais, ou seja, a heterossexualidade. Sendo
ela o padrão, o centro, os sujeitos que não compartilham
dela estariam nas margens, fora do centro, seriam excêntricos
(LOURO, 2003). Cabe-nos problematizar, que não haveria
uma relação condicionante entre as práticas afetivas e sexuais
de uma pessoa e seu caráter, ou seja, ser homossexual não é
sinônimo de “doente”, “pecador”, “mal caráter”, “promíscuo”.
Como argumenta Furlani (2007), “aquilo que aprendemos a
valorizar e a guardar como valores de vida, nada tem a ver com
a nossa orientação sexual” (p. 163).
Desde as décadas de 1960 e 1970, temos acompanhado
um processo intenso de resignificação das sexualidades, pautado
nas discussões dos movimentos de mulheres, dos movimentos
feministas, movimentos de gays e lésbicas, denunciando “a
complexidade do patriarcado, o sexismo, o machismo, a
misoginia e a hierarquia presente nas relações de gênero”, bem
como “a homofobia e a não-isonomia nas leis” (FURLANI,
2005, p. 221). A maior visibilidade das identidades sexuais,
reflexo do movimento de “política de identidades”, vem
colocando em pauta a discussão sobre o preconceito e as
práticas discriminatórias e de violência contra gays, lésbicas
e transexuais. Essa visibilidade acirra ainda mais os jogos de
poder entre os grupos “minoritários”11 e aqueles chamados
“conservadores”. Certamente, temos aqui um aumento na
disponibilidade pública de representações e códigos culturais
relativos à homossexualidade, levando à crescente aceitação
dessa pluralidade cultural, ao passo que renova os “ataques”
daqueles que buscam reafirmar os tradicionais valores associados
à família cristã (LOURO, 2004). Assim, a possibilidade de que
11
É importante ressaltar que o termo “grupos minoritários” não se refere ao aspecto
quantitativo, mas sim ao modo como esses grupos vêm sendo subjugados em
termos de direitos essenciais.
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existam movimentos como as paradas do orgulho LGBTT e a
elaboração de materiais como o cartaz aqui tomado para análise,
nos quais são produzidas e pelos quais circulam imagens que
se constituem como discursos políticos, são atravessadas pelas
reivindicações, pelas lutas e deslocamentos empreendidos pelos
movimentos sociais de contestação.
Em função dessa movimentação política, a homofobia
tem sido tema de debate nos movimentos sociais, nas políticas
públicas, na mídia e nas pesquisas acadêmicas. Porém, o que
percebemos é que as pessoas possuem diferentes entendimentos
sobre os discursos e práticas homofóbicas, reflexo da compreensão
anteriormente construída a respeito das identidades sexuais.
Podemos dizer que a homofobia é, inicialmente, uma
forma de violência contra gays e lésbicas que se caracteriza por
um sentimento de hostilidade, medo, ódio, aversão e repulsa.
Porém, segundo Borrillo (2009), este sentido se mostra limitado,
porque não abrange toda a extensão do fenômeno. “[...] Ela é
uma manifestação arbitrária que consiste em qualificar o outro
como contrário, inferior ou anormal. Devido a sua diferença,
esse outro é posto fora do universo comum dos humanos”
(p. 15). Desse modo, a homofobia se institui na relação entre
o “centro” – a heterossexualidade – e os “ex-cêntricos” – a
homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade, servindo
para reafirmar a heteronormatividade – o regime discursivo em
que os comportamentos sexuais são qualificados como modelos
sociais a serem seguidos, seguindo um “destino pré-fixado”,
no qual o sexo biológico determina a identidade de gênero
(masculino, feminino) e, consequentemente, um desejo sexual
unívoco (heterossexual) (BORRILLO, 2009; LOURO, 2004).
A discussão sobre a homofobia e a heteronormatividade
tem adentrado os “muros” das escolas, a partir da constatação
de que alunos e alunas – crianças, adolescentes, adultos – e
profissionais que lá atuam são, ao mesmo tempo, praticantes e
vítimas dessa forma de preconceito. Este fato motiva a produção
de estratégias de enfrentamento, especialmente por grupos gays
organizados que elaboram materiais, promovem campanhas
e eventos, nas quais os efeitos perversos da homofobia e da
heteronormatividade são apontados, denunciados. Como
observamos no cartaz da Parada do Orgulho Gay de Madrid
(2009), o enfrentamento a homofobia nas escolas é também
tomado como uma questão urgente, devido ao modo como a
instituição lida com as sexualidades, geralmente, compartilhando
do projeto social de exclusão das homossexualidades.
Ao admitirmos que essa forma de lidar com as sexualidades
não está “nas pessoas” (não nasce com elas), mas faz parte de
um regime de verdade instituído na cultura, a escola pode se
constituir como espaço de problematização dos processos de
constituição identitária e de demarcação das diferenças que,
juntamente com outras instâncias sociais, pode perturbar
as relações naturalizadas de inferiorização dos sujeitos que
escapam do “armário” da heterossexualidade, relação esta que
tem produzido humilhações, constrangimentos e violências.
Considerações
A la escuela, sin
armarios
finais: pensando numa escola de
possibilidades
Finalizando este texto, nossa esperança é que seus
argumentos sirvam menos como ensinamentos e mais como
provocadores de pensamentos. Portanto, ao pensar numa
escola de possibilidades, pensamos em contribuir para compor
as docências artísticas (CORAZZA, 2010) que estão nos
cotidianos das escolas. Quando argumentamos que a escola
vigia, controla, hierarquiza e subordina as identidades sexuais,
não queremos dizer que não há como escapar desses processos,
mas sim que ao tomar conhecimento deles, possamos colocar
em atividades outras práticas, outras atitudes, outras formas
de discussão, outros debates. Não podemos incorrer no erro
de supor que o sujeito, os professores em formação, os alunos,
enfim, os sujeitos de conhecimento, aqueles que estão em
contato com o cartaz, que estão dialogando com ele, que estão
sendo educados por ele, os nossos leitores e essas formas de
conhecer se dão previamente e definitivamente. As formas de
se conhecer e de constituir os sujeitos dizem dos seus contextos.
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A partir dessa afirmação, o que tínhamos como proposta
neste artigo era mostrar como o campo da cultura visual
está implicado por práticas sociais e educativas que podem
levar a domínios de saber que não somente fazem com que
apareçam novos objetos de conhecimento, conceitos e
métodos de apropriação e trabalho com as imagens, mas que,
sobretudo, fazem nascer formas diversas e novas de sujeitos de
conhecimento. O cartaz por si só, tem essa pretensão de construir
novos objetos e sujeitos em articulação. Ao envolver as escolas,
a situação se estende para outras constituições de sujeitos. Ao
ser tomado por nós como prática de formação docente a partir
das possibilidades de problematização da relação cultura visual
e educação, adquirem novas funções, novos objetos e sujeitos,
enfim, toda uma trama em torno dessas relações. Uma trama
ou um jogo que não descarta as vinculações (que não pode
descartar) desses sujeitos de conhecimento constituído a partir
da imagem com suas histórias. Cada um que olha o cartaz, que
tem contato com ele, que é chamado a pensar os seus símbolos,
representações e significados tem uma história, aciona suas
histórias pessoais que possibilita que entre em contato e
em relação com a imagem e que possibilita construir um
conhecimento sobre esse objeto-imagem. Um conhecimento,
portanto, que tem uma história.
Partimos de um entendimento da imagem como discurso,
o que significa pensar na perspectiva foucaultiana como jogos
estratégicos de ação e reação, de desafios e potencialidades, de
perguntas e respostas, provocações e resistência, ou seja, como
luta. É nessa luta que se produz o sujeito. Neste sentido, o nosso
artigo se insere neste jogo, nesta luta uma vez que ao se propor
analisar e trabalhar essas relações, entra no jogo, faz parte da luta
numa perspectiva muito clara e política que é a de pensar como
se produz, através da história, o sujeito de conhecimento. Mais
especificamente como se produz esses sujeitos professores, sujeitos
alunos portadores de uma sexualidade, sujeitos homossexuais
através de discursos (as imagens estão entendidas aqui) tomados
como conjunto de estratégias que formam parte de práticas sociais.
Referências
A la escuela, sin
armarios
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TO THE SCHOOL WITHOUT ANY CLOSETS
Abstract
We start with an image, or to better put it, the choice of an
image as the title and motivation of this article, which aims
to discuss the presence of images in the constitution of our
subjectivities. This is the central aspect of the article: How
are images implied in the constitution of subjects? How is
this process educational and what does it imply to schools?
Questions that present us challenge and potential, to know,
the discussion of the imortance of image, assuming it
leads us to qualitative changes concerning culture, images
and subjects, such that we can not look at this current
phenomena with strategies and procedures from last
decade. The images and their implications to subjects force
us to search for new ways of thinking, looking and paying
attention to the meaning we give to things and people.
Keywords: Visual culture. Education. Subjectivities.
Sexualities.
Data de recebimento: dezembro 2012
Data de aceite: fevereiro 2013
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Fotografía y cultura
politica: carnaval y samba en
el foco de la buena vecindad
Ana Maria Mauad1
Resumén
El texto analisa la produción de la fotógrafa estadosunidense
Genevieve Naylor, comissionada por el gobienrno de los
Estados Unidos para fotografiar Brasil en el ámbito de
la política de la buena vencidad. Enfatiza en el analisis la
presencia negra en las imágenes de la buena vecindad por
el medio de la noción de íntertexto, según la cual las formas
narrativas o discursivas elaboradas en la dinámica social se
apoyan y condicionan unas a las otras. Así el trabajo de Naylor
es analizado según las condiciones históricas del proceso de
producción del sentido social de la época en que actuaba.
Palabras llave: Fotografía. Cultura popular. Relaciones
internacionales.
La buena vecindad fue una política internacional
colocada en practica por el Gobierno de Franclyn Delano
Roosevelt, durante la Segunda Guerra Mundial , para
los países del continente Americano, por una de las
organizaciones del Departamento de Estado de los EUA, el
Office of the Coordinator of Inter-American Affair, desde
1940, dirigido por el millonario Nelson Rockefeller. Este
organismo fue creado por el gobierno F. D. Roosevelt para
garantizar la solidaridad latinoamericana con la causa liberal
frente a la expansión del nazi-fascismo, al mismo tiempo en
que creaba una área de reserva de mercado para los productos
norteamericanos durante la Segunda Guerra Mundial. Para
esto, el OCIAA tenía oficinas en los países estratégicos de
Sudamérica, entre ellos. Argentina, Chile y Brasil. El Brasil
1
Profesora Asociada de GHT. Cordinadora del LABHOI-UFF. Investigadora del
CNPQ. [email protected]
Ana Maria Mauad
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representaba una pieza clave en las relaciones interamericanas
por la necesidad de los Estados Unidos construir una base en
la región noreste del país, hecho que posibilito al gobierno
brasilero negociar la construcción de la Compañía Siderúrgica
Nacional, punto de partida para el proceso de organización de
la industria de base en Brasil. El alineamiento de Brasil con
los EUA, permitió la proyección internacional de la cultura
brasilera que identificaba lo nacional a lo popular, valorizando
el Samba, las bellezas naturales, y la diversidad étnica Brasilera.
En este período aún, se configuro una nueva relación
entre poder y cultura, bien como la elaboración de una
cultura política basada en valores asociados a los procesos
de internaciónalización de la cultura occidental. El foco de
análisis de este trabajo recae sobre las imágenes producidas
entre 1941-1942, por Genevieve Naylor, fotógrafa nacida
en los EEUU, y contratada por el departamento de Estado
de los EUA, específicamente por los OCIAA (Office of the
Coordinator of Inter American Affairs) para producir una
imagen confiable de Brasil, como un buen vecino, para
garantía de los intereses estratégicos de los EUA.
Sin embargo, Genevieve Naylor mas que conformar una
imagen del “Otro” por medio de los protocolos etnográficos
de alteridad, consiguió que en sus imágenes, este Otro figurase
por su condición humana. La fotógrafa rompiendo con los
protocolos oficiales, invirtiendo significativamente en las
posibilidades de establecer nexos humanitarios comunes entre
los dos países, en vez de crear diferencias impenetrables (o
accesibles solamente por el discurso científico de la etnografía).
La forma de componer sus fotografías revela el dialogo
que la fotógrafa estableció con las referencias visuales de su
tiempo. Principalmente aquellas asociadas a producción
artística de los años 1930, cuya valorización del individuo
se hacía en consonancia con el papel por el desempeñado
en las relaciones sociales. El resultado de la conjugación de
estas referencias fue la elaboración de una alteridad plural de
los brasileros y brasileras: jóvenes, niños y viejos, posible de
ser aprendida por la gente común de los Estados Unidos, el
publico albo de sus fotografías. Se destacan en sus imágenes
la presencia negra en la sociedad brasilera y se observa en
sus fotografías, principalmente en lo que dice el respeto a la
negociación de la pose, la postura, una diferencia entre las
formas de dejarse fotografiar, de la población afro-brasilera, y
las selecciones técnicas y estéticas realizadas por la fotógrafa.
Se comprende aí la producción de una memoria negociada
entre el mundo blanco y el afro-brasilero.
El eje conceptual que orienta esa reflexión opera con la
noción de practica fotográfica como experiencia social, política
y, marcadamente, histórica. De esa forma, la producción de
imágenes fotográficas en un determinado tiempo y espacio
se sustentan en imágenes ya producidas y que orientan la
educación de la mirada de los fotógrafos en fase de aprendizaje,
pero también conforman medios y formas de ver y representar
por medio de imágenes técnicas el mundo visible. Por otro
lado, en el aprendizaje de ver lo que es significativo para
cada situación cultural, envuelve el acceso a un conjunto de
valores que son aprendidos en los contactos culturales entre
los sujetos de la experiencia histórica. Así el trabajo de Naylor
es analizado según las condiciones históricas del proceso de
producción del sentido social de la época en que actuaba.
Fotografía y cultura
politica: Carnaval y
samba en el foco de
la buena vecindad
I. La población afro brasilera vista por lentes de
fotógrafa de la Buena Vecindad
La pareja Genevieve Naylor y Peter Reznikoff llegan a
Brasil en octubre de 1940, ella viene como funcionaria del
departamento de Estado norteamericano, especificamente el
órgano responsable por la implementación de la política de
la Buena Vencindad – el OCIAA (Office of Coordinator of
Inter American Affairs), y el como integrante de una misión
artistica para crear el Museo de Arte Moderno de Rìo. La
misión de Naylor era de fotografiár un Brasil buen vecino y
amigable, para ser exhibido en los Estados Unidos.
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Paralelamente, se invertía por medio de la producción de
artefactos de cultura popular de masa, en la configuración de
una nueva geografía imaginaria para el continente americano.
En esta operación se destacan el cine, con películas del ciclo
de Buena Vecindad y de sus iconos: Carmen Miranda y Zé
Carioca2; y la fotografía de Naylor, ambos productos vueltos
para la transformación de lo que era propio a cada formación
social en típico de cada país, en una especie de folclórismo de
la geopolítica interamericana. Así se crea la bahiana estilizada,
el truhán honesto, el gringo simpático, el campesino alegre,
etc., para cada país un tipo que incorpora una función política
en el mosaico americano. Las fotografías de Naylor más que
componer una imagen del Otro por medio de protocolos
etnográficos de alteridad, propios de su época, define ese otro
por su condición humana.
En su trabajo Naylor invierte en la posibilidad de
establecer lazos comunes, al contrario de crear diferencias
impenetrables, accesibles solo por el discurso científico de la
etnografía. La forma como ella compone sus fotos revela un
dialogo establecido con las referencias visuales de su tiempo,
principalmente aquellas asociadas a la producción artística de
la década de 1930, en los cuales los individuos eran valorizados
por el papel que desempeñaban en las relaciones sociales. El
resultado de estas múltiples referencias fue la creación de una
alteridad plural para los brasileros: jóvenes, adultos, niños y
viejos, que podría ser comprendida por las personas comunes
de los Estados Unidos, el público albo de sus fotos.
Naylor llega a Brasil en octubre de 1940, donde para realizar
su trabajo de fotógrafa debe tener un salvoconducto firmado por
el director del Departamento de Prensa y propaganda, el DIP,
el organismo censor y represor de las actividades culturales en
Brasil. La morosidad de la burocracia hace que el pase solo sea
emitido en1942, como registrado en el documento con foto:
Ana Maria Mauad
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2
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MAUAD. Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura política
e cinema no contexto da política da boa-vizinhança, Trasit Circle - Revista
Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1, p. 52-77, 2002.
“La señora Genevieve Naylor, de nacionalidad norteamericana,
trabajando para el Coordinator of Inter-American Affairs, está
autorizada por este departamento a sacar fotografías de aspectos
turísticos de nuestro país. Río de Janeiro, 7 de junio de 1942”3.
Llevando en consideración que buena parte de las fotos de
Naylor en Brasil fueron de 1941-1942, y que la fotógrafa vuelve a
los EUA, en agosto de 1942, buena parte de su trabajo fue realizado
sin este pase. Sin embargo, no fue solamente esta la dificultad
encontrada por ella. En cartas enviadas a su hermana reclama de
la resistencia por parte de las autoridades tanto brasileras como
norteamericanas en registrar lo que ella quería, además de la falta
de películas, por causa de la guerra. En una de sus cartas registró
tal escases: “Film is being rationed to everyone”, she wrote to her
sister. “I dont have the luxery of shooting anything I want. I have
to be damn careful, and choose my images whit great care and
hope my exposures are correct”4.
Instalados en Río de Janeiro, la pareja Naylor y Reznikoff
fueron a vivir en Leme, barrio litoral, próximo de Copacabana,
donde Naylor registro buenas imágenes del cotidiano playero,
nada sin domingos de sol, en un clima mucho mas intimista,
de quién acaba se perdiendo entre las propias imágenes, se
mezclando con la población local. Las imágenes de Río hechas
por Naylor componen un mosaico en movimiento. Una ciudad
cuya cartografía afectiva mezcla, la polifonía de voces que
hablan por las imágenes de Naylor, en una intertextualidad que
valoriza el poder de la imagen en sus múltiples dimensiones:
poesía, publicidad, cinema y fotografía.
La poesía visual de Naylor sintonizaba con referencias
estéticas del pluralismo cultural, propias del ambiente
intelectual y artístico de Nueva York en los años 1930, pero
fueron, sin dudas, incrementados por los contactos con la
3
4
Fotografía y cultura
politica: Carnaval y
samba en el foco de
la buena vecindad
La reproducción del documento puede ser encontrada en el libro publicado por
Robert Levine con la colaboración de su hijo Peter Reznikoff. LEVINE, Robert
M, op., cit.
Carta, Genieveve Naylor para su hermana Cynthia, Rio de Janeiro, c. diciembre
1942, cortecía Cynthia Guillipsie, cit. Levine, op. cit., p. 2.
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intelectualidad carioca con la cual convivió dentro del ambiente
de valorización de la cultura nacional popular. Entretanto
dialogaba también con la pedagogía del punto de vista propio
a la política implementada por el Office of Inter-American
Affairs, y buscaba alternativas frente a los rígidos protocolos
de representación definidos por el gobierno brasilero. Así
se destacan dos mediaciones culturales importantes en la
producción de imágenes de afrobrasileños en la fotografía de
Genevieve Naylor: la primera es tributaria de su experiencia
como fotógrafa de documentarios en los EUA; y la segunda, se
asocia a la experiencia de vivir en Río de Janeiro; y convivir con
personas de procedencias variadas, en un ambiente marcado
por la censura del Estado Nuevo, pero lleno de referencias
festivas de la cultura nacional-popular que elije el samba, el
carnaval y el futbol como símbolos de nacionalidad.
Ana Maria Mauad
II. Brasileros, afrobrasileños y buenos vecinos
Naylor es recibida por la elite de la intelectualidad
bohemia, en su cuaderno de direcciones constan nombres
como: Portinari, Murilo Mendez, Heitor Villa Lobos, todos
fotografiados por ella. También incluía los que se tornarían
ilustres, entre ellos dos interlocutores afectivos - Vinicius de
Moraes y Anibal Machado5 - que presentaron en crónicas
la fotógrafa al publico carioca. Vinicius la identificaba con
personajes de las historias de Robin Hood, con su apariencia
de paje, por causa de una pluma que usaba en su sombrero que
protegía la piel blanca de la fotógrafa del sol tropical:
‘Life’ es la única revista que yo conozco que entretiene
por la falta de asunto. Las personas leen aquello como un
niño ve un libro de figuras, constatando rápidamente la
5
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Vinicius de Moraes (1913-1980) nació en Río de Janeiro, estudio Derecho, pero
se consagro como poeta y compositor. Aníbal Machado (1894-1964), nació
en Minas Gerais, también estudio Derecho, pero se consagra como escritor y
teatrologo. Radicado en Río de Janeiro desde 1924, donde fue responsable por
el montaje de obras teatrales y la organización de importantes grupos ligados al
teatro experimental.
aparición de algunas curiosidades: ‘toto’, ‘neném’, ‘fonfon’, etc. Pero es imposible resistir a la fotografía. Quien
por acaso ya tuvo la ocasión de conocer algún fotógrafo
de ‘Life’, sabe perfectamente esto. Son criaturas de
cuentos de hadas, capaces de ensuciar de caramelo
toda una ‘panzerdivisionem’, verdaderos genios del
instantáneo, sabedores de todas os sentí el mismo
las infantilidades del alma grande. Yo ya conocí dos,
siendo que en ambos sentí ese revoloteo embriagado,
una misma alegría de luciérnaga que va quemando sus
lámparas sobre las cosas sorprendidas. Una de ellas es
una americanita adorable que se encuentra aquí en
Río. Genevieve se llama, mujer del grande “Micha”
que conquisto nuestra pequeña ciudad artística con su
simpatía y sensibilidad plástica.
Genevieve parece haber salido de una historia de Robin
Hood, con su apariencia de joven paje, su elegancia bien
colorida, una pluma siempre atrevidamente enterrada en
su sombrero. Nada escapa, sin embargo a la maquinita de
esa embrujada. Cerca de ella no a momento fotográfico
que pase sin caer en la trampa bien armada. Genevieve
da un saltito - y la vida allí quedó revoloteando en su
chapa impregnada (VINICIUS DE MORAES, La
Ultima Catedral, A Manhã, 19/10/1941, p. 3).
Fotografía y cultura
politica: Carnaval y
samba en el foco de
la buena vecindad
Machado a su vez, vecino de la fotógrafa y de su marido,
moradores de Leme, resaltaba la forma realista de Naylor
fotografiár:
La veía saliendo de madrugada o de noche, indiferente
a las intemperies, obstinada en la realización de su
trabajo” […] Mas que la excelencia técnica, lo que
es preciso alabar de los trabajos de Miss Genevieve
es el sentido sociológico con que utilizo el objetivo,
revelando un espíritu de coraje y sinceridad, y, no raras
veces conmovida frente a la realidad brasilera […]
Los asuntos populares, humildes, los tales elementos
esenciales que componen la fisionomía de nuestro
pueblo son captados, por la fotógrafa de la buena
vecindad. Pero su manera de fijar la realidad nada
tiene de monumental. Nada de cascadas, de edificios
monumentales, de paisajes idílicas. Su visión poético-
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sarcástico a veces evoca el arte surrealista. Un país - Brasil
- captado entonces en su fuerza real: así, en el carnaval,
la alegría y antes una vibración convulsiva de la tristeza
que busca aturdirse como si estuviera buscando el
resumen etnográfico. Importante el mirar, la percepción
de las imágenes simples, que permite la recuperación de
los tiempos históricos acomodados en el cotidiano, pero
que rescata la vida de cada uno en su total profundidad
e intensidad. No es raro el surgimiento de una imagen
agónica, áspera pero silenciosa, siempre densa. Nada de
cascadas… (DIARIO DE NOTICIAS, 28 de diciembre
de 1941, p. 1).
Ana Maria Mauad
En octubre de 1940, a los 25 años de edad. Naylor llego
a Brasil portando dos cámaras, un medidor de luz, y una vieja
maleta de cuero negro. Su primera impresión fue registrada
en carta para su hermana: “My first striking visual sight was
not the bustling energy of the Copacabana beach or the
boulevards and slums, but a solitary young Negro girl sitting
in the center of the street, intensely focused on constructing a
wooden flute. If there ever was a moment to have my camera!
Unfortunately, the Brazilian authorities have confiscated my
equipment while they scrutinize my back ground to make
sure I’m not some fifth-columnist subversive”!6
Así que llego a Río. Naylor recibió instrucciones claras
del DIP sobre lo que debería fotografiar. El documento
indicaba que la fotógrafa debería valorizar algunos temas, entre
los cuales: arquitectura moderna (principalmente edificios
gubernamentales); casas de barrios nobles, como Lagoa,
Gávea e Ipanema; interior de casas importantes y elegantes,
en el barrio de Flamengo, los domingos de sol en las playas
de Copacabana e Ipanema; las corridas de caballos del Jockey
Club, los yates y veleros en la bahía de Guanabara, el comercio
Educ. foco,
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6
Carta de Naylor a su hermana Cynthia Gillipsie, RJ, [s.d.], cortecía de Peter
Reznikoff.
exclusivo de la calle del Ouvidor , y las obras de caridad de la
Primera Dama, D. Darcy Vargas7.
La pareja he circulad por la bohemia carioca, como por
la alta sociedad, teniendo por medio de esta experiencia un
contacto mayor con la población carioca. Como ellos llegaron
antes que otros norteamericanos enviados por el Office acabaron
actuando como puente entre el Brasil y los recién llegados de
los states. Orson Welle, por ejemplo pidió a Genevieve que
le ayudase a encontrar locaciones para el documentario que
iría a filmar aquí en Brasil. Sobre la llegada de Welles, Naylor
escribe a su hermana: “Welle knew the obvious spots, but
he didn’t know that in Praça Onze a separate and almost
exclusive Negro carnaval is staged”. Tanto Welles como Naylor
quedaron encantados con la cultura popular brasilera llendo
contra las recomendaciones oficiales de producir una imagen
del brasilero ordenado y trabajador. Sin embargo, al contrario
de Welles, Naylor fue mas discreta en su desobediencia, además
de evitar la publicidad que a Welle tanto le gustaba.
De los temas retratados por Naylor ya trabajados en otros
ensayos, destaqué las imágenes de Río de Janeiro, entonces
Capital Federal, como el espacio en el cual la experiencia
multicultural brasilera fue visualizada por la mirada de la
fotógrafa. De ese espectro, escogí las imágenes de carnaval
que valorizan la presencia negra en el espacio de la ciudad y
fornece destaque a su performance cultural.
Asocié para interpretar lectura visual hecha por Naylor,
otros textos que circulaban en la época que la fotógrafa estaba aquí.
De los cuales, destaco dos modalidades que podrían haber sido
familiares a Naylor durante su estadía en Brasil: primero algunos
comentarios y opiniones que Vinicius de Moraes publico en sus
crónicas del periódico A Manhã, entre 1941 y 1942, durante la
estadía de Orson Welles en Río; Naylor recibió Welles en la ciudad
y convivieron en el mismo espacio de sociabilidad, debatiendo
temas como estos tratados por Vinicius en sus crónicas; que según
7
DIP, Divisão de Turismo, “Assuntos que devem ser fotografados no Rio de
Janeiro”, c. 1941 cortesia de Peter Reznikoff.
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dos sambas de fines de los años 19308 cantados por Carmen
Miranda que exaltaban en sus letras aspectos de la cultura negra
carioca, tales como: o Corpo bronceado, como o samba, o gingado,
a alegría; pero también la tradición, la descendencia a los pueblos
antiguos y la elaboración de una musicalidad legítimamente
brasilera, con lo cual delimitaron los valores para la fusión de lo
nacional a lo popular9.
Cuando Orson Welles llegó a Brasil en 1941, el cronista y
critico de cinema Vinicius de Moraes, demostró su entusiasmo
en las paginas del periódico en el que escribía - A Manhã. La
excitación solo aumento después que el futuro poeta conoce
al joven cineasta y revela: “Solo tengo ganas de agarrarlo y
llevarlo a comer un tutu con longanizas en mi casa, presentarlo
a la familia y ser su amigo. Olvidando la grandeza de su misión
artística […]” (VINICIUS DE MORAES, A Manhã, 1942,
p. 3). Uno de los destaques de la misión artística de Welles
era justamente filmar el carnaval de Río, como explica en la
misma crónica Vinicius de Moraes: “Su nuevo filme, donde
entra el Carnaval carioca - y yo quiero ver lo que saldrá de ahí
para después creer, pues se trata de una desdicha technicoloren la que deposita las mayores esperanzas: su entusiasmo
por Brasil, donde casi nació; sus ideas sobre interpretación
negra, que juzga tan buena cuanto la blanca, quizás superior,
pues se revela por medio de una naturaleza mas pura, menos
manchada, por eso el llama de XIXth century´s romanticismo;
sus broadcasts sobre Brasil, para los Estados Unidos. Y eso
todo hace un hombre”.
En otro momento, comenta el encuentro con el personal
de la misión, en una visita que hizo con Welles a los estudios
de la Cinédia. En este encuentro estaban Misha Reznikoff,
marido de Naylor, el escritor Anibal Machado, y claro Orson
Ana Maria Mauad
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8
Gente Bamba, Synval Silva, 20/03/1937 y Quem condena a batucada, de
Nelson Petersen, 1/08/1938.
9
Sobre el debate alrededor de la problemática de definición de la cultura brasilera
en los marcos del proceso de mundialización del siglo XX, ver: ORTIZ, Renato.
Cultura Brasileira e identidade Nacional. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994;
y ORTIZ, Renato. Moderna tradición Brasilera. São Paulo: Brasiliense, 1989.
Welles. La conversación corrió animada y la cuestión racial
rasilera en los años 1940 fue el punto alto del debate, como
sintetiza Vinicius de Moraes:
Fotografía y cultura
politica: Carnaval y
samba en el foco de
la buena vecindad
Se converso mucho. Conversa que no daría para
una crónica, mas para muchas, algunas de las cuales
no se si lógicas. Orson Welles está conciente de la
verdad de su esfuerzo, y me dijo que si el filme no
salir bien, la culpa no será de el. Para decir la verdad,
es difícil saber lo que exactamente es ese su filme.
Pero de todos modos será un documentario de la
mayor importancia sobre nuestra verdadera vida y
nuestras verdaderas costumbres, que pienso yo no
deben avergonzar a nadie. No somos una raza, y no
debemos sentir pudor de eso. Nuestro negro es un
valor excelente, y de gran expresión. No hay razón
para esconderlo, dando la impresión que tenemos
un prejuicio que no nos cabe en nuestra condición
de pueblo americano. Debemos mostrarnos tal
como somos, tal como fuimos hechos. Porqué
si alguna cosa buena debe salir de Brasil, vendrá
de ésta conciencia de nuestra impureza y nuestro
provincianismo. Hay un destino a cumplir en cada
pueblo. Brasil se prepara para cumplir el suyo.
Pero que lo haga sin corazas de diamantes, que no
le cae bien en un cuerpo mestizo (VINICIUS DE
MORAES, A Manhã, 1942, p. 3).
Pueblo mestizo, negro como valor, carnaval como
cultura eso todo fue retratado por Naylor. La fotógrafa consigió
retratar lo que Welles dejo sin montar; compuso el retrato de
un Brasil mestizo encuadrado por los lentes fraternales de la
buena vecindad, no como politica de estado, y sí como poder
de seducción de la cultura politica.
De vuelta en Estados Unidos, al fin de 1942, Naylor
organiza la exposición “Rostros y lugares de Brasil”, tal como fué
denominada su exposición en el MOMA-NY, sería inaugurada
en 1943. Entre los siete temas definidos por la curaduría de la
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exposición, para organizar las cincuenta imágenes escojidas, el
Carnaval fué uno de ellos10: “7. Carnival. Esa alegre sección
muestra el punto alto del año en Brasil, el famoso carnaval (de
Río) del cual toda la nación participa. De las escuelas de samba,
situadas en los cerros donde la población pobre de la ciudad
vive, vienen los grupos de niños que durante meses ensayaron
sambas para el carnaval. Cuando premios son otorgados a los
mejores. Las fotografías muestran sambistas vistiendo disfraces
de cetin y seda, especialmente hechos para la ocación; niños y
niñas por las calles de la ciudad girando sombrillas de papel;
mujeres de todos los tamaños, formas y colores cubiertas de
ornamentos y flores; incluso en las vitrinas de las tiendas los
maniquis estan disfrasados y pintados para el Carnaval”11.
Así, apesar de no estar indicado entre los temas fotografiábles
por el DIP, el carnaval como fiesta popular se identifico con la
nación brasilera en los lentes de la buena vecindad. Sin embargo,
el trabajo inter textual revela las contradicciónes que oriéntan las
representaciónes de la cultura negra/afrobrasilera en las músicas,
crónicas e imágenes fotográficas en la elaboración del imaginario
social de Brasil de los años 1940.
Vale evidenciar esas tensiones textuales en una
lectura videográfica de este material12. En esa perspectiva las
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10
Vale resaltar que la obra de Naylor compone um acervo de mas de 1300
fotografías que cubren Brasil de los años 40 del siglo XX. Una pequeña parte del
acervo, poco mas de 200 fotografías, se encuentran en la Biblioteca del Congreso
de los EUA, en la sección Photos and Prints, archivadas en la rúbrica Hispanic
American Culture e identificadas como pertenecientes al US State Departament.
Mientras tanto el conjunto mas completo y significativo de este material
permanece bajo la guardia de su hijo Peter Reznikoff, que publico junto con el
fallecido historiador norteamericano Robert Levine, parte del acervo en 1998,
en el libro titulado: Brazilian Photofraphs of Genevieve Naylor. 1940-1942.
11
The Museum of Moderm Art Archives, NY, CUR 215.
12
La “escrita videográfica” como resultado de la investigación histórica implica en la
elaboración de un nuevo tipo de texto histórico que considere, en su producción, la
naturaleza del tipo de enunciación de las fuentes a trabajar. Así, para ser objeto de
reflexión historiográfica y componen el texto histórico, las fuentes orales, visuales
y sonoras deben tener su substancia de expresión preservadas. Las estrategias
de elaboración de esa nueva modalidad de escrita de la historia cuenta con la
ampliación del dialogo entre conocimiento histórico y producción audiovisual,
por medio de trabajo en conjunto entre historiadores y profesionales de cinema.
negociaciones entre el mundo negro y el blanco definen las
tácticas y estrategias culturales que orientan el cotidiano de la
ciudad. Las dos músicas elegidas para ilustrar esa relación ínter
textual amplifican la tensión entre la cultura erudita, con la
cual las elites querían defender como la marca de la identidad
brasilera en el exterior13 y cultura popular de masa.
En esa nueva elaboración de la cultura popular, la
idea de sociedad tradicionalmente folclorizado por las
lecturas románticas de los ochocientos, incorporo elementos
de la presencia negra en la cultura urbana y de mercado,
principalmente el fotográfico, delimitando un nuevo
lugar social de discurso autorizado para la producción de
representaciones sociales sobre el pueblo, con certeza mas
moreno (Acceso en: <www.histora.uff.br/labhoi>).
Las músicas seleccionadas para definir el entramado con
palabras, sonidos e imágenes de la época, son interpretadas por
Carmen Miranda y poseen una raíz eminentemente popular,
pues sus autores Synval Silva y Nelson Petersen fueron parte
del círculo del sambista Assis Valente.
El ambiente de samba de esa época era formado por
compositores provenientes tanto de las camadas populares y
de diferentes estados de Brasil, que venían para Río de Janeiro,
entonce Capital Federal en busca de suerte, fortuna y el
estrellato, en el emergente mundo de la radio, como por jóvenes
de las clases medias que se encantaban por la bohemia carioca.
Ambos compositores fueron presentados por Assis Valente a
Carmen Miranda, que antes de hacer carrera internacional,
ya era reconocida en los medios artísticos nacionales como la
madrina del samba de raíz popular.
Fotografía y cultura
politica: Carnaval y
samba en el foco de
la buena vecindad
Un trabajo en el cual cada uno colabora con su conocimiento y experiencia en
una producción colectiva que congrega las competencias individuales. Sobre este
concepto ver: MAUAD, Ana M.; DUMAS, Fernando; SERRANO, Ana Paula da
Rocha. Vídeo-História e História Oral: Experiência e reflexões. In: VISCARDI,
Cláudia M. R.; DELGADO, Lucilia de A. N. (Org.). História Oral: Teoria,
Educação e Sociedade. Juiz de Fora: Ed. UFJF/ABHO, 2006. p. 33-57.
13
MAUAD, Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura política
e cinema no contexto da política da boa-vizinhança, Trasit Circle - Revista
Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1, p. 52-77, 2002.
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Las letras de ambos sambas tienen como argumento
central la valorización del samba, del cerro y de la población
negra, como elementos de identificación de la cultura brasilera.
Al mismo tiempo en que, dejan evidentes las tensiones sociales
que existen en la incorporación de elementos de la cultura
popular por la cultura brasilera hegemónica
Ana Maria Mauad
Gente Bamba
Quem condena a Batucada
Salve, Salve
As nossas escolas de samba
Que no sapateado, meu povo
É um desacato
Um samba é feito
Com gente bamba
Tem tamborim tem cuíca
Pandeiro e mulato
Quem condena a batucada
Dessa gente brozeada
Não é brasileiro
E nada mais bonito é
Que um corpo de mulher
A sambar no terreiro
(Synval Silva, 1937)
Com um pandeiro, uma cuíca
Um tamborim
É que se forma um samba
E o mulato sempre foi
Indispensável num
Conjunto de cabrocha bamba
No samba se tem alegria
Podes crer
No morro se tem alegria de viver
(Salve, Salve)
Lá no morro da Formiga
Ou do Borel se vê a Casa Branca
Se ouve o gemido da cuíca
Dando todos a carta branca
No samba se tem alegria, podes crer
No morro se tem alegria de viver
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(Nelson Petersen, 1938)
Já falaram que o samba do morro
Não tem coração
Só se fala em navalha e cabrocha
E até Parati
É bem fácil acabar com essas coisas
Do samba-canção
É, mas eu só quero ver é acabar
Com os malandros
Que têm por aí
Já disseram que o samba nasceu
Num palácio real
E depois se criou e cresceu
Em salão multicolor
Mas não sabem que o samba nasceu
Num cruel barracão
E que foi educado sambando no chão
Com a gente de cor.
En este sentido, la presencia de representaciones sobre la
población negra en los vehículos asociados a la cultura popular
de masas, notadamente, industria fonográfica, con los sambas,
y en la prensa ilustrada14, acaba por ratificar las diferencias
delimitadas por una especie de geografía histórica y social que
caracterizo el espacio social de la ciudad de Río de Janeiro
hasta la mitad de los años 196015. En este sentido, el espacio
de los cerros era tradicionalmente habitado por las camadas
mas pobres de la sociedad, que precisaba vivir cerca del lugar
de trabajo, ya que la ciudad solo vendría a ofrecer transportes
colectivos para el traslado diario entre las áreas suburbanas y el
centro con a electrificación de la red ferroviaria, en 1937. Río de
Janeiro entonces Capital de la Republica, fue la primera ciudad
brasilera a contar con este servicio de trenes urbanos eléctricos16.
Mientras tanto, el movimiento de suburbanización
de la población trabajadora va a construir un conjunto de
representaciones culturales diferentes de aquellas que fundaron
el imaginario popular de las favelas cariocas. Por lo tanto, las letras
de las referidas músicas revelan un conjunto de representaciones
por las cuales la población afro brasilera de la ciudad era, por
un lado, identificada con alegría, relajación y sensualidad como
ingredientes de una brasilidad renovada por el proceso de
incorporación de lo popular a lo nacional; por otro, marcaban
la división de clases y su condición de subalternos.
Vale resaltar que Carmen Miranda, la interprete de
los sambas, era blanca, nacida en Portugal, pero bautizada
14
El instrumento de investigación titulado “A presença negra nas revistas
ilustradas nas décadas de 1930-1950”, es uno de los resultados Del proyecto de
investigación: “Imagens Contemporâneas: a prática fotográfica e os sentidos da
historia nas revistas ilustradas, 1930-1960”, financiado por el CNPq, beca de
productividad 2008-2011.
15
El marco de los años 1960 es delimitado por El proceso de remoción de las
favelas de algunos cerros centrales de la ciudad, como Cantagalo y Humaitá y
del entorno de la Lagoa Rodrigo de Freitas: Las favelas Praia do Pinto y Praia das
Dragas, en Leblon. La población que habitaba esas regiones dieron origen a una
nueva zona suburbana, como la internacionalmente conocida Cidade de Deus.
Sobre la erradicación de las favelas durante los años 1960, ver: AMOROSO,
Mauro,
<http://www.historia.uff.br/primeirosescritos/sites/www.historia.uff.
br.primeirosescritos/files/mauroamoroso_primeirosescritos.pdf>; y <http://
www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/>. Acceso en: 2011.
16
Sobre el proceso de expanción urbana de Rio de Janeiro ver: ABREU, Mauricio.
Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Instituto Pereira
Passos, 2006.
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brasilera, por la elite del samba carioca. Hija de inmigrantes
portugueses pobres, moradora de la Lapa, región contigua a el
área central de la ciudad, donde la familia tenía una pensión
diurna que ofrecía almuerzos. Desde joven Carmen trabajó y
convivió con diferentes grupos sociales que circulaban por la
región donde moraban. Siempre le gusto cantar hasta que en
1929, a los 21 años recién cumplidos, estallo en el mundo del
samba con la canción de Joubert de Carvalho: “Tai”17.
De aquí para el estrellato en Hollywood fueron varios
sucesos más en el teatro y en la radio, que inmortalizaron Carmen
Miranda como intérprete, por excelencia, del alma multicultural
de Brasil de entonces. Icono del proceso de internacionalización
cultural por el cual Brasil pasaría durante y después de la Segunda
Guerra. Carmen Miranda era blanca, europea, pero proveniente
de las camadas populares de la ciudad, se vestía de bahiana y se
transformo en el símbolo del Brasil que dio cierto en el extranjero,
cantando samba, la música que vino de los cerros.
En este sentido, el tramado compuesto por los sambas
y las fotografías sirve para evidenciar el embate entre alteridad
e identidad afro brasileras, cruzando las miradas y expresando
una experiencia histórica que nos permite visualizar los
significados atribuidos y las tensiones levantadas por la
política de la buena vecindad. al resignificar frase fundadora
de la doctrina Monroe: América para los americanos.
Ana Maria Mauad
Referencias
ABREU, Mauricio. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4. ed. Rio de
Janeiro: Instituto Pereira Passos, 2006.
CASTRO, Rui. Carmen: a vida de Carmen Miranda, a brasileira mais
famosa do século XX. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005.
DIARIO DE NOTICIAS. 28 de diciembre de 1941. p. 1.
Educ. foco,
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17
186
CASTRO, Rui. Carmen: a vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa
do século XX. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2005. Especialmente los
capítulos 1,2 y 3.
MAUAD, Ana Maria. As três Américas de Carmen Miranda: cultura
política e cinema no contexto da política da boa-vizinhança, Trasit
Circle - Revista Brasileira de Estudos Americanos, Rio de Janeiro, v. 1,
p. 52-77, 2002.
Fotografía y cultura
politica: Carnaval y
samba en el foco de
la buena vecindad
______; DUMAS, Fernando; SERRANO, Ana Paula da Rocha.
Vídeo-História e História Oral: Experiência e reflexões. In:
VISCARDI, Cláudia M. R.; DELGADO, Lucilia de A. N. (Org.).
História Oral: Teoria, Educação e Sociedade. Juiz de Fora: Ed.
UFJF/ABHO, 2006. p. 33-57.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e identidade Nacional. 5. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1994.
______. Cultura e identidad nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.
______. Moderna tradición Brasilera. São Paulo: Brasiliense, 1989.
VINICIUS DE MORAES. A Manhã, 1942. p. 3.
______. La Ultima Catedral, A Manhã, 19/10/1941. p. 3.
PHOTOGRAPHY AND POLITICAL CULTURE:
CARNIVAL AND SAMBA THROUGH THE
GOOD NEIGHBORHOOD LENS
Abstract
The text analyse the production of american photographer
Genevieve Naylor, sent by the United States Government
to photograph Brazil in the context of good neighborhood
policy. It emphasizes the black presence in the good
neighborhood images through the notion of intertext,
from which narrative or discursive forms, created in the
social dynamics, support each other. Therefore, Naylor’s
work is analysed through the historical conditions of the
production process of the social environment from the time
she worked.
Keywords: Photography. Popular culture. Foreign relations.
Data de recebimento: janeiro 2013
Data de aceite: abril 2013
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O cinema na escola: uma
metodologia para o ensino
de história
Josep María Caparrós-Lera1
Cristina Souza da Rosa2
Resumo
O emprego do cinema nas aulas de história é uma prática
conhecida e consolidada. No entanto, não está livre de
dificuldades e nem de dúvidas. A primeira dificuldade
enfrentada é o desconhecimento sobre o cinema e a
dúvida recai em como ele pode contribuir no ensino do
conteúdo histórico. Em 1930, no Brasil, o uso do cinema
e sua introdução na escola foi palco de um longo debate
promovido por professores, intelectuais e o governo. O
resultado foi a criação do Instituto Nacional de Cinema
Educativo (INCE) destinado a produzir filmes educativos.
Desde então, muita coisa mudou, mas o cinema não deixou
a sala de aula nem as aulas de história. O presente artigo não
tem a pretensão de resolver todas as dúvidas do professor
sobre o uso do cinema, mas sim oferecer uma metodologia
de uso da sétima arte na história, sugerindo filmes e
discutindo como eles podem ajudar o professor a cumprir a
tarefa diária do ensino.
Palavras-chave: Cinema. Ensino de História. Educação.
Historiografia.
O emprego de novas tecnologias no ensino já faz parte
do dia-a-dia das escolas há muito tempo. Não é de hoje que
as instituições de ensino estão providas com equipamentos
de videocassete, DVDs, computadores e aparelhos de música
que permitem ao professor introduzir nas aulas novos e
1
Universitat de Barcelona. Professor Catedrático de História Contemporânea e
Cinema. [email protected]
2
Centre d’Investigaciò Film-Història. Universitat de Barcelona. Pós-doutora em
cinema e história. [email protected]
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa
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estimulantes recursos pedagógicos. A modernização da escola
fez com que o cinema ganhasse espaço na sala de aula como
veículo pedagógico. No entanto, identificamos que não são
todos os mestres que sabem utilizar a sétima arte dentro do
processo de ensino. Ainda existem professores que empregam
o cinema como divertimento ou como ilustrador do conteúdo.
Para esta atitude temos uma explicação muito simples: o
professor não tem conhecimento de como utilizar o cinema
nas aulas de história. Isto não é uma exclusividade do professor
de história, pois o mesmo problema é comum a professores de
outras disciplinas.
Diante disto, acreditamos que o professor deve
ser preparado para usar os meios de comunicação como
instrumentos de ensino. O conhecimento da técnica, ou seja,
da forma de fazer cinema, associado a uma metodologia de
ensino podem auxiliar os docentes no seu uso como recurso
didático. Com isto, o cinema poderá ser explorado em todos
os seus aspectos, indústria, entretenimento, e assim deixará
de ser um veículo apenas de diversão para assumir o papel de
instrumento educativo, que auxilia na construção do saber.
O escopo da introdução dos recursos didáticos na escola é
o de criar meios de o professor divulgar o conhecimento de
forma ampla, despertando o interesse e a curiosidade. E nisto
o cinema pode contribuir, tornando-se um importante aliado
dos professores.
Sendo assim, através deste artigo, queremos oferecer aos
mestres uma metodologia de uso do cinema a ser aplicada nas
aulas de história. Nosso objetivo não é que esta se torne o
único caminho a ser seguido pelo professor, pelo contrário,
esperamos que a partir dela ele possa pensar seu próprio
método de uso.
Antes de expor nosso método de utilização do cinema
nas escolas do século XXI, parece-nos interessante percorrer
o passado em busca da valorização do cinema como
meio educativo e como fonte histórica. Isto nos ajudará a
compreender a relação entre o cinema e a história.
O emprego do cinema nas escolas não é propriamente
uma novidade. O movimento pelo uso de um cinema de tipo
educativo começou na Europa depois da Primeira Guerra
Mundial (na França, na Alemanha, na Itália e na União
Soviética). Este movimento estimulou a criação de institutos
de cinema educativos, que produziam filmes educativos, e a
introdução da sétima arte nas escolas. A Itália foi o primeiro
país capitalista a organizar um instituto de cinema educativo,
em 1925, o Istituto Nazionale LUCE3. O objetivo primeiro
do LUCE era fazer filmes educativos destinados aos cinemas,
escolas e centros de operários da Itália.
Os ventos europeus que deram vigor ao uso do cinema
para fins educativos chegaram ao Brasil nos anos 20 e animaram
aqui os debates sobre a relação deste veículo com a educação.
As revistas de educação e de cinema serviram como cenário
para a defesa do cinema como instrumento de educação.
Em 1928, Fernando Azevedo, diretor geral da Instrução
Pública do Distrito Federal, determinou e regulamentou
seu uso nas escolas do Distrito Federal, através do decreto
2.940 (REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1932).
Nele, Azevedo deixou claro que “o cinema seria utilizado, em
exclusivo, como instrumento de educação e como auxiliar do
ensino para que facilitasse a ação do mestre sem substituí-lo”
(p. 5). Outro passo importante para a introdução do cinema
educativo no Brasil foi a criação, em 1936, do Instituto
Nacional de Cinema Educativo (INCE), pelo governo de
Getúlio Vargas.
Nos anos de 1910 e 1920, o cinema havia se desenvolvido
com intensidade, conquistando o posto de principal meio de
entretenimento em todos os países. Seu poder de divertir por
meio das imagens havia chamado a atenção dos educadores,
intelectuais e políticos. Eles perceberam que o cinema poderia
auxiliar a educar a população para a vida cotidiana e política
dos países. O analfabetismo era um problema enfrentado por
3
O primeiro instituto de cinema educativo a ser organizado foi na União
Soviética.
O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
história
191
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Cristina Souza da Rosa
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todos naqueles tempos e o cinema se assinalava como um
meio capaz de ajudar a levar conhecimento e informação aos
que não sabiam ler. Edgar Roquette-Pinto, diretor do INCE,
escreveu que “certas indústrias não tem de fato influência
direta na alma do povo; já não acontece o mesmo com a
cinematográfica, de alcance espiritual sem limites, mais ainda,
talvez, que a indústria do livro” (REVISTA NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, 1933, p. 1). As palavras de Roquette-Pinto
justificavam o uso do cinema na educação escolar e também
do povo.
Jonathas Serrano, catedrático em história das civilizações
do Colégio Pedro II, e Venâncio Filho, apresentaram no livro
“Cinema e Educação” (1930), um método para o uso do cinema
nas escolas. Nele, os autores sugeriam o emprego do cinema
como auxiliar de ensino, em que as exibições de filmes seriam
acompanhadas pelas explicações do professor, realizadas antes
ou depois da projeção. Conforme os autores, os filmes, ditos
educativos, poderiam ser utilizados para ilustrar ou melhorar
a compreensão dos conteúdos, mas nunca em substituição
ao professor (VENÂNCIO FILHO; SERRANO, 1930). Os
educadores dos anos 30 tinham por preocupação que os filmes
aproximassem a escola da realidade dos alunos. Este interesse
era justificado pela pedagogia vigente na época chamada de
Escola Nova, cujas ideias estavam baseadas em Dewey. O
objetivo da Escola Nova era o de desenvolver uma educação
que integrasse o aluno na sociedade e que permitisse o acesso
de todos à escola (ABUD, 2003).
Os professores Jonathas Serrano e Venâncio Filho
recomendavam o uso dos filmes em disciplinas como higiene,
ciências naturais, geografia. No entanto, não viam com bons
olhos o emprego do cinema nas aulas de história. Para eles, “os
filmes de restauração histórica não eram recomendáveis, por
maior que fosse o luxo de algumas películas, pois sempre tem
uma grande porção de fantasia, onde não é possível marcar
a linha divisória com a realidade” (VENÂNCIO FILHO;
SERRANO, 1930, p. 80). O que sugeriam eram filmes de
geografia histórica, que percorriam lugares onde ocorreram
os feitos históricos, como Egito, Palestina, Roma, Grécia. No
Brasil, segundo os professores, poderiam ser feitos filmes sobre
a rota dos Bandeirantes, sobre a história do açúcar. O objetivo,
segundo eles, era aproximar a história à realidade da vida
mostrando aos estudantes as imagens dos lugares históricos,
que sem este recurso só podiam imaginar. Neste sentido, o
cinema tinha mais mérito pelo poder de atração que exercia
sobre os alunos do que pela função educativa.
Por que a geografia histórica e não a história no cinema?
A concepção de história de Jonathas Serrano e Venâncio Filho,
e também dos historiadores do principio dos anos 20 e 30,
estava regida pela Escola Metódica, criada na França na segunda
metade do século XIX. Para a Escola Metódica, a função do
historiador era contar a história com a maior proximidade
possível da verdade dos fatos, o mais próximo de como tudo
aconteceu. Ranke, historiador alemão, afirmou que “a história
é aquilo que de fato aconteceu” (CAIRE-JABINET, 2003, p.
105). Assim, fica mais fácil entender porque os professores
brasileiros não recomendavam os filmes de história. Como
estes estavam “cheios de fantasia” e não correspondiam à
verdade dos fatos, não poderiam contar a história nas telas. Um
filme de história era para eles uma ameaça, pois deformava os
fatos históricos, ensinando aos alunos uma narração de fatos
que não estava relacionada com a verdade.
Nos tempos da Escola Metódica o saber histórico era
dominado por uma rígida metodologia que associava a verdade
dos fatos com a investigação dos documentos. Neste caso “a
história não era mais que a utilização da documentação”, como
afirmaram os historiadores franceses Langlois e Seignobos
(CAIRE-JABINET, 2003, p. 105). Desta forma, existia uma
hierarquia da documentação, um cortejo das fontes. Na frente
do desfile estavam os documentos de arquivos de Estado:
como manuscritos e impressos que representavam o poder
do parlamento, das casas reais, dos governos, dos tribunais
de contas. Estes eram seguidos pelos jornais e publicações.
O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
história
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As biografias, fontes de história local e relatos de viajantes
ficavam na parte posterior do cortejo, ocupando uma posição
mais modesta em relação às anteriores (FERRO, 1992). Neste
esquema, o cinema não tinha espaço, pois era visto com
desconfiança, considerado, como afirmou Marc Ferro (1992),
uma espécie de “atração de quermesse”. Além disto, as imagens
que compunham os filmes eram escolhidas, transformadas,
reunidas em montagem. Como o historiador poderia apoiarse em uma documentação de natureza manipulável? era a
pergunta na época.
Enquanto as fontes históricas eram escolhidas entre os
documentos oficiais, os sujeitos da história, ou seja, os atores
do passado, também eram selecionados entre dirigentes,
homens de estado, magistrados, diplomatas, administradores
e empreendedores. Homens que tinham unificado países,
vencido guerras, elaborado leis. Suas ações e atos contavam
mais que a mentalidade e a forma de pensar e sentir o mundo.
No começo do século XX, o povo e suas ações foram
excluídos dos livros de história. Porém, não somente o fato de
a história estar vinculada à Escola Metódica contribuía para
deixar de fora documentos não oficiais e homens e mulheres
do povo, também o mundo dominado pelos governos
autoritários-nacionalistas — Fascismo, Franquismo, Nazismo
e Estado Novo — dava uma nova feição ao ensino de história
e à história. Nestes governos, a disciplina de história estava
destinada a ensinar aos estudantes a amar e a servir à Pátria,
apontando valores morais e normatizando a conduta cívica
dos jovens. Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde
do governo Vargas, recomendava a formação da consciência
dos alunos do curso secundário através dos feitos históricos e
dos principais heróis do passado nacional. Estes heróis eram
escolhidos entre as autoridades de governo e entre homens da
cultura: música, literatura e arte.
Se o cinema não era apropriado para a reconstituição
dos fatos históricos, pela falta da verdade histórica, era, no
entanto, bem-vindo para contar nas telas a vida dos heróis
nacionais. Assim, nos anos de 1930 e 1940, no Brasil e em
parte da Europa, os professores contavam com a cinematografia
para ensinar a vida dos heróis nacionais. O Instituto Nacional
de Cinema Educativo (INCE), no Brasil, realizou filmes sobre
a vida e a obra do Barão do Rio Branco e do escritor Machado
de Assis, por exemplo. O Instituto Nacional LUCE, na
Itália, também produziu filmes sobre personagens do passado
nacional italiano, como Leonardo da Vinci e Galileu Galilei.
A inclusão do cinema no cortejo das fontes aconteceu nos
anos de 1970 e 1980, estimulado pelas mudanças de paradigma
histórico proporcionado por Lucien Febvre, Marc Bloch e a
fundação da revista Annales, que originou a Nova História.
O grupo de historiadores da revista rompeu com a História
Metódica dos anos de 1920. A partir de então, passaram a
valorizar a diversidade dos documentos usados na pesquisa
histórica e a estimular a colaboração da história com outras
áreas das ciências humanas. O objeto da história passou a ser
o homem em sua concepção mais ampla: social, econômica,
geográfica e psicológica. Esse grupo de historiadores franceses
foi responsável pela introdução de uma nova maneira de fazer
história: construindo e recortando seus objetos de pesquisa
(ABUD, 2003). A história deixa de lado a verdade dos fatos,
baseada em documentos oficiais, para ser construída pelo
historiador que busca no presente as inquietações para pensar
o passado.
Segundo Marc Ferro, o postulado tinha mudado e “todo
aquilo que não aconteceu (e por que não aquilo que aconteceu?),
as crenças, as intenções, o imaginário dos homens, são tão
história quanto a história” (FERRO, 1992, p. 86). Sendo
assim, “os filmes, imagens ou não da realidade, documento ou
ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é história” (p. 86).
Neste contexto, o cinema deixava de ser obra de arte para ser
produto da sociedade, uma imagem-objeto, nas palavras de
Ferro. Desta maneira, o autor sugeria empreender uma análise
dos filmes, de fragmentos de filmes, de planos ou temas,
estabelecendo uma metodologia de pesquisa relacionando-se
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com outras ciências humanas. Assim, Ferro propunha uma
análise comparativa entre o que é filme (imagens, som, cenas
e cenário) e aquilo que não é filme (os produtores, o diretor,
os roteirista, o público, o regime de governo, a sociedade).
Relacionando desta forma o visível com o invisível dos filmes.
Isto ajudaria o historiador a compreender a realidade que um
filme representa. Pois um filme é uma obra coletiva, fruto de
escolhas que estão relacionadas com a produção e também
com a montagem final. Portanto, o cinema não é mais que
uma representação da realidade, a qual o historiador deve
revelar. Desta perspectiva, os filmes passaram a se configurar
como fontes históricas, pois falavam menos do tema filmado e
mais da sociedade que o produziu.
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Como usar o cinema nas aulas de história
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As mudanças no fazer história refletiram na história
como disciplina e contribuíram para introduzir nas escolas
novos recursos pedagógicos, capazes de auxiliar no processo
de conhecimento histórico, como a pintura, os desenhos, a
literatura e os quadrinhos. O ensino de história, por si só,
também mudou e atualmente não se restringe apenas ao
ensino do passado, mas procura fazer do conhecimento deste
uma forma de compreensão do mundo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais estimulam
o emprego de “documentação variada, como sítios
arqueológicos, edificações, mapas, instrumentos de trabalho,
objetos cerimoniais e rituais, adornos, meios de comunicação,
vestimentas, textos, imagens e filmes” (BRASIL, 1998, p. 77).
O objetivo é dar ao aluno instrumentos para compreender
que ele faz parte de um passado que se reflete no presente e,
assim, capacitá-lo a desenvolver a consciência de pertencer a
uma cultura e a uma sociedade. Neste contexto de renovação
didática e conceitual, o cinema se torna um importante parceiro
no processo de formação do aluno, pois pode contribuir para
uma formação cognitiva e simbólica.
Entretanto, os professores de história ainda seguem
usando o cinema como um meio de ilustrar o conteúdo,
com o escopo de chegar o mais próximo possível dos fatos
históricos. No dia-a-dia escolar procuram exibir produções
cinematográficas nas quais os alunos podem obter o máximo
de informações sobre um personagem ou um fato da história.
Muitas vezes encerram o conteúdo com um filme que apenas
tem a função de ilustrar o que foi dito até então. Neste contexto,
o cinema é empregado, mais ou menos, como sugeriam os
professores dos anos 30.
O uso do cinema como informador/ilustrador da história
não é, seguramente, a melhor maneira de empregar a sétima
arte nas aulas de história. Os filmes de tipo histórico não são
mais que uma representação do passado, como nos alertou
Ferro4. Nestes filmes o passado é escolhido pelo roterista, pelo
diretor ou pelo estúdio de cinema. Assim, constatamos que a
eleição do passado está ditada pelas influências do presente.
Neste sentido, é importante que o professor compreenda
que os filmes de história falam mais do presente e menos do
passado. Desta maneira, ao escolher um filme histórico para
“ilustrar” o conteúdo, o professor deve levar em consideração
que ele é um olhar sobre o passado. Consciente deste
olhar, o professor pode atuar como um mediador entre o
conhecimento histórico e o aluno, para que este último possa
entender a função do passado nos filmes. A compreensão da
relação passado-presente faz com que os alunos desenvolvam
um senso crítico sobre a produção do conhecimento.
O filme “O Patriota” (The Patriot, EUA, 2000) é um
exemplo desta relação. A história do filme passa nos Estados
Unidos, durante a Guerra da Independência estadunidense.
Mel Gibson é Benjamin, um pai de família que entra no
conflito contra os ingleses para defender sua família e seu filho,
que se alista nos exércitos coloniais. As batalhas no campo
pela independência da colônia não contam sobre esta parte
da história dos Estados Unidos, mas sim sobre o sentimento
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Filmes históricos são aqueles que falam de um fato histórico comprovado.
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patriótico dos estadunidenses e sua necessidade de fabricar
heróis. Os heróis são os homens que levam a nação rumo
à grandeza e à vitória sobre os inimigos. Estes homens são
movidos pelo amor à Pátria e por interesses maiores. Benjamin
entra na guerra por amor a sua família, mas com o avanço da
narrativa fílmica o sentimento de amor à Pátria e o orgulho
nacional se sobrepõem aos interesses particulares. No conceito
de Carlyle (apud CASSIRER, 2003), um herói encontra-se só
com sua alma e com a realidade das coisas (p. 257).
No filme, a luta de Benjamin é considerada justa, pois
se dá contra um inimigo externo, os ingleses, que ameaçam a
vida na colônia. Os inimigos externos têm uma importante
função no processo de formação da nação estadunidense,
pois a afirmação de nação e a construção da identidade
nacional se dão em oposição ao “outro” e a seus valores e
crenças. Inúmeros são os filmes de Hollywood nos quais o
herói luta contra alguma pessoa, nação, fenômeno (tsunami,
terremoto, meteorito) ou um ser (monstros, gorilas gigantes,
extraterrestres) que ameaçam a soberania dos Estados Unidos.
E quando a ameaça não paira apenas sobre os Estados Unidos,
mas sobre todo o mundo, é o Presidente desse país quem salva
todos os habitantes do planeta, atuando como o grande herói
e como o chefe de todos os continentes.
No entanto, não apenas os filmes históricos são
capazes de falar sobre o presente. Os três filmes de “Rambo:
programado para matar” (Rambo: First Blood, EUA, 1982,
1985, 1988) não reconstroem um período histórico, mas
permitem compreender a relação entre o passado e o presente
no cinema. “Rambo” nos fala a respeito de “um” Estados
Unidos que ainda não superou a derrota no Vietnam e
também sobre a era Reagan. Os filmes exaltam a violência
militar e com isto legitimam a política externa do presidente
Reagan, baseada em ações militares. Além disto, o filme
remete a questões da Guerra Fria ao mostrar os inimigos dos
Estados Unidos. No caso dos filmes do Rambo: os soviéticos
e os vietnamitas, estes últimos vistos como joguetes dos
soviéticos (KELLNER, 2001). A presença dos inimigos da
nação nos filmes de “Rambo” exibe uma típica representação
do cinema de Hollywood, que também está presente em “O
Patriota”, na qual os estrangeiros são vistos como os “outros”, a
personificação do mal, o inimigo, enquanto os estadunidenses,
“nós”, são os bons, a encarnação da virtude, do heroísmo,
da bondade, da moral (KELLNER, 2001). O exemplo de
“Rambo” serve ao professor como um alerta, pois há filmes
que não são históricos, mas que não podem prescindir de uma
leitura histórica.
Desta maneira, o cinema assume um duplo papel no
ensino de história: agente e documento. Agente da história
uma vez que transmite conceitos e valores do seu tempo,
sendo um produtor de sentidos. Neste caso, é preciso associar
a produção cinematográfica com o mundo que a produziu
para entender como ele atua repassando valores e conceitos.
Documento, porque os filmes auxiliam a construir a história,
através da pesquisa, e a compreender o mundo. O cinema,
nestes dois papéis estimula a percepção, permitindo ao aluno
desenvolver estratégias de exploração, de busca de informação
e de relação (ABUD, 2003). A capacidade de fazer relações
é muito importante para o processo de conhecimento
histórico e para o entendimento do mundo em que se vive,
pois a partir daí é possível construir a identidade individual
e coletiva. Além disto, esta capacidade ajuda a compreender
os valores dos grupos sociais, permitindo a convivência com
o outro e o respeito pela diversidade. É importante que o
cinema e a história ajudem o corpo discente a construir uma
visão de mundo baseada no respeito, na compreensão e na
coletividade.
A partir da capacidade de relacionar, o aluno consegue
identificar nas imagens as representações sociais instauradas
na e pela sociedade. Representações estereotipadas, como
da mulher submissa aos homens, do negro como pobre e
bandido, dos imigrantes como o mal da sociedade, dos gays
como aberração social, etc. Todas estas representações podem
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ser desconstruídas a partir das telas dos cinemas com filmes
que contestam estes estereótipos, mas também com filmes que
usam a metáfora para desconstruir as representações.
“A Rainha Margot” (Fr/Ita/Ale, 1994) retrata a França
de 1572, tempos das disputas religiosas entre católicos e
protestantes. Nossa sugestão é que o professor não foque a
exibição do filme nas questões políticas-religiosas do período
e sim na condição feminina. A razão é que a personagem
da Rainha Margot, atuação de Isabelle Adjani, está longe
de representar uma mulher do século XVI. A atitude
sexualmente liberal de Margot, que rejeitada pelo amado sai
às ruas à procura de sexo, e sua postura política, a aproximam
de uma mulher do século XX, determinada e consciente de
suas vontades.
O filme espanhol “Um Franco e 14 pesetas” (Espanha,
2006) também segue o caminho de desfazer representações
socialmente construídas. O roteiro é sobre os espanhóis que
nos anos 1960 emigraram para a Suíça em busca de trabalho.
O filme mostra as dificuldades do processo imigratório
enfrentado por eles, a separação da família, a passagem pela
fronteira, o medo de não chegar ao destino final, a busca de
trabalho, a adaptação a outra cultura e língua, o sonho de uma
vida melhor ao voltarem para a Espanha. O passado neste
filme é um lembrete aos espanhóis que um dia eles também
foram imigrantes e que buscaram uma vida melhor fora de
seu país. Com isto o diretor pretende aproximar os espanhóis
dos imigrantes sul-americanos e africanos, tentando desfazer
os preconceitos em relação aos grupos de imigrantes presentes
na Espanha. E como “O Patriota”, ele também fala mais
do presente do que do passado espanhol, já que a Espanha
enfrenta a questão da imigração e seus preconceitos.
“Milk - A voz da igualdade” (Milk, EUA, 2008) é um
filme sobre o direito gay e o respeito à diversidade que pode ser
levado à sala de aula pelo professor interessado em trabalhar
estes temas. Harvey Milk é um nova-iorquino que decide
morar com seu namorado em São Francisco, nos anos de
1970. Lá monta uma loja de revelação fotográfica e aos poucos
o lugar se torna o QG contra a violência e o preconceito em
relação aos homossexuais. Milk se torna a figura de destaque
deste movimento e em 1977 é eleito, depois de uma intensa
batalha política, para o Quadro de Supervisor da cidade de São
Francisco, tornando-se o primeiro gay assumido a alcançar um
cargo público de importância nos Estados Unidos. A partir
desta história o professor pode trabalhar com uma série de
conceitos e representações instituídos na sociedade sobre o
homossexualismo.
Filmes como “Milk”, “Um Franco e 14 pesetas” e “A
Rainha Margot” exigem que o professor atue como mediador.
Nesta condição, seu papel é o de preparar os alunos para a
exibição, antes de começar a projetar o filme, e de propor
debates sobre os temas de forma articulada com outras fontes
e documentos. Assim, é apropriado explicar como olhar o
filme escolhido, informando sobre o que trata e sobre o que
interessa compreender a partir dele. É importante que os
alunos saibam por que o filme está sendo incluído na aula,
em determinado conteúdo, percebendo que não se trata
de uma diversão, nem de descanso das aulas, e sim de uma
atividade que ajuda no aprendizado. Se o filme tem cenas de
sexo ou violência, é interessante falar sobre isto com os alunos,
principalmente com os adolescentes, para que as imagens não
se tornem motivo de piada, distraindo a turma. O professor
também pode distribuir um questionário sobre o filme, para
que os alunos fiquem mais atentos às cenas e aos temas que
mais interessam relacionar com o conteúdo escolar ou mesmo
com a formação cívica-social do grupo.
Para o trabalho a ser realizado depois da exibição, no caso da
imigração, do movimento gay e feminino, temáticas encontradas
nos filmes acima citados, além do livro didático, o professor pode
utilizar jornais que tenham matérias sobre os assuntos, ou mesmo
a história oral. Cabe ao professor, neste momento, exercitar sua
criatividade para inserir nas aulas novos documentos capazes
de instigar os debates sobre as questões em pauta extrapolando
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o livro didático. Desta forma, estará estimulando nos alunos
as capacidades investigativas do historiador: a curiosidade, a
comparação, a dedução, o trabalho com fontes.
O cinema pode auxiliar o professor de história a
explicar os conceitos históricos. A compreensão dos conceitos
é fundamental para o aprendizado de história, pois o saber
histórico depende deles e o entendimento da história também.
O clássico filme de Charles Chaplin “Tempos Modernos”
(Modern Times, EUA, 1936) tem como personagem Carlitos,
um homem que trabalha na linha de montagem de uma fábrica
dos Estados Unidos, nos anos 30. O filme dá ao professor
a possibilidade de trabalhar com o conceito de Fordismo,
onde o operário trabalha na linha de produção de automóveis
participando apenas de uma parte da montagem. Chaplin,
através de seu personagem, faz uma crítica divertida do sistema
de produção, que aliena o operário na fábrica, e ao capitalismo.
Indo um pouco além, o filme também proporciona uma
reflexão sobre a classe burguesa e o proletariado.
“Glória feita de Sangue” (Paths of Glory, EUA, 1957)
está baseado em um incidente real da Primeira Guerra
Mundial. Um general francês ordena um ataque suicida
contra os alemães, que resulta em tragédia. Alguns dos
soldados que participaram do ataque são presos e julgados,
para esconder a ordem criminosa do general. Apesar de fazer
referência à Grande Guerra, podemos dizer que o filme não é
necessariamente sobre a primeira conflagração mundial, e sim
sobre a guerra em geral. Na película em questão, não vemos
as trincheiras, nem os horrores que os soldados passaram em
seu interior, nem vemos as batalhas na Frente Ocidental. O
que se vê é a história de vidas individuais sacrificadas sem
piedade em nome da vaidade e da indiferença pela justiça
e pela humanidade por parte dos comandantes ou de uma
nação. Ou seja, atitudes que se veem em todas as guerras, não
sendo exclusividade da Primeira Guerra Mundial. Se não fosse
pelos uniformes dos exércitos de 1914-1918, o filme poderia
estar tratando a respeito de qualquer guerra (CARNE, 1997).
“O Último Samurai” (The last Samurai, EUA, 2003)
estimula uma interessante discussão sobre os conceitos de
Ocidente e Oriente e sobre choque cultural. Durante a
Revolução Meiji, no Japão, o Capitão Nathan Algreen é
contratado para modernizar o exército japonês e treinar seus
soldados. Em meio a uma batalha o capitão é capturado pelos
samurais e passa a viver com eles nas montanhas, onde deve
aprender a respeitar a cultura samurai. A aproximação entre o
capitão americano e o Samurai é um processo de conhecimento
entre culturas e modos de vida diferentes. É valorizando este
processo de conhecimento que o professor pode trabalhar os
conceitos propostos.
O que vemos com estas sugestões e referências de
filmes é que o chamado “filme histórico” é sempre uma
representação do passado e, portanto, um discurso do passado.
Desta maneira, é preciso compreender que este discurso está
tomado pela subjetividade. Sabendo disto, o professor não
deve cometer o erro de buscar nas produções cinematográficas
a verdade histórica, porque não a encontrará. O que os filmes
oferecem são “verdades e “inverdades” parciais.
Uma produção cinematográfica nunca pode abordar
a verdade dos fatos históricos, mesmo que seu diretor assim
desejasse. O cinema é uma representação da realidade e o
professor deve ter isto em conta quando leva a sétima arte para
dentro da sala de aula. Sempre há a possibilidade de encontrar
nos “filmes históricos” personagens que não existiram,
romances e casos de amor inexistentes, ou ocultações de
fatos importantes. Isto porque o cinema implica em seleção,
montagem, generalizações, condensações ou ocultações;
algumas vezes invenções e falsificações. Estes recursos são
utilizados para tornar a história apresentada nos cinemas
mais atraente e mais compreensível para o público. A própria
linguagem cinematográfica não permite contar a história como
ela de fato aconteceu, pois, por se tratar de uma narrativa
linear, obriga a escolher, a selecionar. Além disto, temos que
levar em conta que o cinema não tem o compromisso com a
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história, da mesma forma que tem o historiador. Desta forma,
o importante é buscar pela verossimilhança entre a história do
filme e a história do passado.
O desejo do cinema em atrair o espectador chama a
atenção para outro importante detalhe quando se discute o uso
de filmes nas aulas de história. As produções de Hollywood,
tradicionalmente, primam pela primazia da emoção sobre
a razão. E neste sentido, muitas vezes, incluem romances
inexistentes e, em outras, privilegiam aspectos pitorescos do
passado. Em Pearl Harbor (EUA, 2001) é a paixão de dois
amigos pilotos de avião pela enfermeira Evelyn o foco do
filme. O ataque dos japoneses e a II Guerra Mundial é apenas
o pano de fundo para o romance. Já Tora! Tora! Tora! (EUA/
Japão, 1970), filme em que Pearl Harbor foi inspirado, não
vemos romance e nem sofrimento pela morte do homem
amado. Neste caso, o professor tem a oportunidade, não de
falar sobre história, mas sim sobre o cinema, sobre a linguagem
e a estética cinematográfica. Inclusive o professor pode exibir
as duas películas, realizando um exercício de comparação, e
a partir disto falar de como se faz cinema. A aproximação do
aluno com o fazer cinema é um importante instrumento para
a compreensão da relação cinema-história.
Por fim, assinalamos a importância de apresentar uma
pequena classificação de tipos de filmes que os professores
podem utilizar nas aulas. Existem filmes que são históricos,
pois tratam de fatos comprovadamente reais, como
“Spartacus”, “A Lista de Schindler”, “A Rainha Margot”, etc.
Filmes de tipo biográficos históricos, que retratam a vida
de uma personalidade do passado. Em geral, os estúdios de
Hollywood escolhem figuras históricas que contribuíram com
a “melhoria” do mundo como: “Gandhi”, “Joana D’Arc”,
“Malcom X”. Existem filmes classificados como “de época”,
os quais apresentam um passado pitoresco e alegórico como
argumento histórico. Nestes, é maior a preocupação com
a reconstrução dos ambientes, das roupas e dos costumes
históricos do que com a história propriamente dita. “Ligações
Perigosas” é um bom exemplo de filme deste tipo; nele se vê
com perfeição a reconstrução das vestimentas e do mobiliário
do século XVIII. Também existem filmes de ficção histórica,
cujo enredo é uma ficção com sentido histórico. Por fim, há
os de mito, que se baseiam na mitologia. “Tróia”, com Brad
Pitt, é um exemplo. “Tróia” é também um filme adaptado de
obra literária, “A Ilíada” de Homero, como também é o filme
“Ligações Perigosas” (NOVA, [s.d.]).
Os documentários igualmente são gêneros de cinema,
e se encaixam nesta pequena classificação de tipos. Como os
filmes de ficção, os documentários também são bem-vindos
nas aulas de história e de outras disciplinas. Sua exploração
para fins pedagógicos pode, em alguns momentos, ser
considerada mais fácil ou até mais apropriada que o filme de
ficção. A linguagem dos documentários é mais clara, pois desde
o princípio o documentarista já revela do que se trata, sua
opinião sobre o tema e de que realidade fala. Outra vantagem
dos documentários sobre os filmes de ficção é o tempo de
duração: de modo geral, entre quinze minutos e meia hora,
perfeitos para serem exibidos em sala de aula.
Segundo Bill Nichols (2005), o documentário pode
ser: poético, expositivo, participativo, observativo, reflexivo
e performático. O poético se preocupa mais com a estética
cinematográfica; o expositivo com a defesa de um argumento.
No modo observativo, a preocupação está em captar a realidade
como aconteceu, enquanto no participativo temos a presença
do documentarista e sua equipe. Como exemplos deste último,
apresentamos os documentários de Eduardo Coutinho. O
modo reflexivo deixa claro quais foram os procedimentos da
filmagem, evidenciando a relação estabelecida entre o grupo
filmado e o documentarista. Michael Moore se encaixa aqui.
Por fim, o modo performático conta com a presença forte da
subjetividade e da estética. A estes tipos ainda acrescentamos
o documentário etnográfico, feito por ou sobre índios, grupos
raciais, tribos urbanas, etc.
Saber os tipos de documentários existentes permite
ao professor entendê-los no momento da escolha, mas isto
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para nós não é o mais relevante. Entendemos ser importante
que o professor, mais uma vez, leve em consideração que os
documentários, assim como os filmes de ficção, apresentam
um ponto de vista, um olhar sobre o tema e o assunto tratado.
E por isto, não são imparciais. Nos documentários as escolhas
e opiniões dos documentaristas são mais evidenciadas e
muitas têm por função convencer o espectador de seu ponto
de vista. Portanto, novamente o professor deve estar alerta
para tal situação e trabalhar este ponto de vista com os alunos
de maneira que compreendam que não espelham a verdade
e, sim, “uma verdade”. Um documentário sobre a liberação
de armas, por exemplo, pode ter distintas opiniões se for
feito por pessoas pró-armas ou por pessoas contra-armas. Às
vezes um documentário apresenta visões distintas sobre um
mesmo tema e deixa ao espectador a decisão sobre o certo
ou o errado. Em outros, o uso de pontos de vista distintos
serve apenas para reforçar um deles. Detalhes como estes não
podem escapar ao professor, que precisa estar ciente deles
para conduzir a exibição e os trabalhos referentes ao uso dos
documentários.
Além de conhecer os diversos tipos de filmes, o
recomendável é que o professor escolha um filme adequado à
idade dos alunos e aos seus interesses. Assim compreenderão
melhor o enredo e a relação deste com o conteúdo histórico
será bem aproveitada. O professor igualmente deve observar
o tempo de duração dos filmes, pois nem sempre podem ser
exibidos por completo no horário normal de aula. Se for de
seu interesse a exibição do filme do início ao fim, é preciso
combinar com o professor da aula seguinte para que este ceda
seu horário, no todo ou em parte. Uma opção, que nos parece
bastante interessante, é associar-se a outra disciplina e fazer
um trabalho em conjunto, desenvolvendo um projeto entre
disciplinas, utilizando um filme que permita explorar distintos
conteúdos escolares. Por fim, exibir os filmes em parte também
é uma boa estratégia, não só pela questão do tempo, mas sim
pela dificuldade de compreensão de determinados roteiros ou
assuntos abordados na película. Exibir em partes é uma opção,
por exemplo, para os filmes de Glauber Rocha, que costumam
ter uma linguagem confusa e densa5. Vale lembrar ao professor
que é preciso ver o filme antes de projetá-lo na sala de aula,
não apenas para montar a atividade, mas também para evitar
surpresas com cenas inapropriadas ou desagradáveis.
Levando em consideração o que foi apresentado até aqui,
podemos perceber que todos os filmes podem ser utilizados
nas aulas de história. O professor não precisa limitar-se ao uso
de filmes históricos, já que todos, de uma forma ou de outra,
contribuem para o processo de aprendizagem da história. O
cinema é um grande aliado da história, uma vez que desempenha
um significativo papel na divulgação do conhecimento
histórico, pois proporciona o interesse pelos temas históricos e
assim pode estimular a leitura e a curiosidade.
Diante disto, entendemos que independente do tipo
de filme escolhido pelo professor para ser usado nas aulas de
história, o essencial é que não esqueça que o cinema é, e sempre
será, uma representação do passado. E com esta informação na
mente, faça do cinema um companheiro de trabalho.
O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
história
Considerações finais
A partir deste artigo tentamos propor uma metodologia
de uso do cinema nas aulas de história, de forma a munir o
professor de informações relevantes sobre as possibilidades
da sétima arte na escola. Para que o cinema desempenhe um
papel importante na formação dos alunos e na divulgação do
conhecimento de história, o primeiro passo é deixar de utilizar
o cinema como diversão ou ilustração do conteúdo.
Para isto, é preciso assumir diante dos filmes uma
postura crítica, tendo em consideração que os filmes são uma
representação do passado e não a verdade histórica. A relação
entre o passado dos filmes e o presente de sua produção é outra
5
Os filmes de Glauber Rocha são um bom recurso a ser empregado no estudo
sobre os anos sessenta no Brasil e a resistência ao Regime Militar.
207
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
jul. / out. 2013
coisa que não pode deixar de fazer parte do conhecimento
do corpo docente. Este é um conhecimento que deve ser
compartilhado com os alunos para que também eles possam
compreender que o cinema não é mais que uma representação
do real e assim ter uma postura ativa diante dos filmes. Esta
atitude permitirá aos alunos desenvolverem a capacidade de
observar, identificar, relacionar, questionar, compartilhar,
articular, entre outras. Isto nos indica que a análise de um filme,
seja ele do tipo que for, faz efeito na aprendizagem da história.
Ao operar estas capacidades mentais os alunos também estarão
elaborando o pensamento histórico e com isto desenvolvendo
a consciência histórica, valorizada no Parâmetro Curricular
Nacional e pelos professores de história.
Agindo desta forma, eles não serão historiadores, mas,
seguramente, compreenderão que a história é fruto de uma
construção do passado, que como o cinema, também implica
em escolhas, seleção, organização. Fazer com que os alunos
entendam que a história não é mais do que uma construção
do passado e que o historiador é o artífice deste passado é o
desejo de muitos professores que ministram esta disciplina. Tal
entendimento traz um ganho simbólico e intelectual aos alunos
possibilitando-lhes a compreensão de que o passado exerce
influência no presente. E com isto, mais do que compreender
o cinema e a história, em uma concepção mais ampla, eles
estarão aptos a entender o mundo e suas representações.
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa
Referências
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ideias sobre a utilização de filmes no ensino. História, São Paulo, v.
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curriculares nacionais: história. Brasília: MEC: SEF, 1998.
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
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CAIRE-JABINET, Maria Paule. Introdução à historiografia. Bauru:
EDUSC, 2003.
CARNE, Mark C. (Org.). Passado Imperfeito. A história no Cinema.
Rio de Janeiro: Record, 1997.
O cinema na escola:
Uma metodologia
para o ensino de
história
CASSIRER, Ernst. O Mito do Estado. São Paulo: Códex, 2003.
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001.
NICHOLS, Bill. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus,
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NOVA, Cristiane. O cinema e o conhecimento de História. Olho
da História, n. 3, [s.d.].
REVISTA NACIONAL DE EDUCAÇÃO. v. 1, n. 5, fev. 1933.
_. v. 1, n. 1, out. 1932.
VENÂNCIO FILHO, Francisco; SERRANO, Jonathas. Cinema e
Educação. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1930.
THE CINEMA SCHOOL: A METHODOLOGY
FOR TEACHING HISTORY
Abstract
The use of film in history classes is a practice known and
consolidated, however, is not without difficulties and no
doubt. The first difficulty faced is the lack of knowledge
about cinema and doubt lies in how it can contribute to the
teaching of historical content. In 1930, in Brazil, the use of
cinema and its introduction into the school was the center
of a long debate sponsored by teachers, intellectuals and
government. The result was the creation of the National
Institute for Film Education (INCE) to make educational
films. Since then much has changed, but the film did not
leave the classroom or the lessons of history. This article
does not have the pretension to solve all the questions
teachers have about the use of cinema, but to provide a
methodology for use in cinema history, suggesting films
and discussing how they can help the teacher to meet the
daily task of teaching.
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
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Keywords: Cinema. History teaching. Education. History.
Josep María Caparrós-Lera,
Cristina Souza da Rosa
Data de recebimento: novembro 2012
Data de aceite: janeiro 2013
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Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 189-210,
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210
Outras Contribuições
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
municipalização e novas
configurações
Ana Maria Cavaliere1
Lígia Martha Coelho2
Resumo
Este artigo focaliza os CIEPs, escolas de horário integral
criadas nas décadas de oitenta e noventa no estado do Rio
de Janeiro. Analisando-se os resultados do Ideb/2009 no
Rio de Janeiro, observa-se que a maior parte dos CIEPs
apresenta resultados insatisfatórios. Esse fato levanta
questões sobre os caminhos político-administrativos aos
quais essas escolas foram submetidas, particularmente
o processo de municipalização, e sobre a diluição da
proposta pedagógica que as constituiu. O estudo apontou
a grande dificuldade pela qual passou esse conjunto de
escolas, revelando que os objetivos apresentados quando
de sua criação, não foram plenamente atingidos. Por outro
lado, sua “memória” permanece significativa entre escolas
e professores do estado e uma espécie de “armadilha da
história” vem colocando suas estruturas físicas a serviço de
outras propostas de ampliação da jornada escolar que não
têm no fortalecimento da instituição escolar e do trabalho
dos profissionais da escola a sua base de sustentação.
Palavras-chave: Jornada escolar. Municipalização. Políticas
públicas.
1
Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do
Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi) e do Grupo
de Estudos dos Sistemas Educacionais (Gesed). [email protected]
2
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Coordenadora do Núcleo de
Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi). ligiamartha@alternex.
com.br
Em 1985, foi inaugurado o primeiro Centro Integrado
de Educação Pública — Ciep Tancredo Neves — situado no
bairro do Catete, no Rio de Janeiro. O programa dos CIEPs,
coordenado por Darcy Ribeiro, foi apresentado como obra de
“prioridade absoluta para a questão educacional” (RIBEIRO,
1986). Ao final de dois mandatos não contínuos de Leonel
Brizola, havia sido construídos 506 desses Centros Integrados,
espalhados por todos os municípios que integravam, à época,
o estado do Rio de Janeiro. Sua meta prioritária consistia
em “criar uma escola de dia completo”. Para materializar
esse “dia completo”, as unidades escolares – cujo projeto
arquitetônico teve a marca da pena de Oscar Niemeyer –
incluíam diversas atividades pouco presentes na maioria das
escolas públicas brasileiras: Estudo dirigido, Vídeoeducação,
Biblioteca, Esporte e Animação cultural faziam parte do dia-adia dos alunos, mesclando-se às aulas regulares das disciplinas
convencionais. Uma parte de seus professores também ficava
na escola em tempo integral, fosse dobrando a carga de aulas,
planejando as atividades pedagógicas, articulando trabalhos
coletivos com os demais colegas ou realizando atividades de
estudo e pesquisa.
Durante aproximadamente uma década, dois Programas
Especiais de Educação foram consolidando os CIEPs, que se
constituíram em referência de prédios escolares projetados
para oferecer a jornada escolar integral. Após esse período3,
outros governos se sucederam cujas propostas para a área da
educação não incluíam a continuidade dos CIEPs que foram,
paulatinamente, sendo descaracterizados.
Com esse cenário, elaboramos um primeiro artigo,
quando dos quinze anos dessas escolas fluminenses4.
Partindo do pressuposto de que “a intenção declarada era de
promover um salto de qualidade na educação fundamental
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
214
3
Os dois Programas Especiais de Educação foram implementados entre os anos
de 1983-1986 e 1991-1994.
4
“Para onde caminham os CIEPs? Uma análise após 15 anos” (CAVALIERE ;
COELHO, 2003)
do estado”, perguntávamo-nos quais fatores intervenientes
estariam presentes no cotidiano dos CIEPs que, àquela altura,
reforçavam ou enfraqueciam aquela intenção.
Passados aproximadamente dez anos da elaboração do
primeiro artigo, voltamos de novo a atenção para essas escolas
e perguntamos: Seus resultados escolares revelam algo de
específico, cerca de 25 anos depois? Como tais escolas vêm
participando do processo de municipalização da Educação
Fundamental no estado? Sua atual estrutura de funcionamento
ainda ecoa a concepção originalmente traçada?
Para essa retomada, utilizamos, contudo, um
instrumento que, inexistindo anteriormente possibilita, hoje,
um ângulo diferente para se analisar o pretendido “salto de
qualidade”: o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb).
A utilização do Ideb, neste texto, é feita levando-se em
conta seus limites, e a necessidade de sempre associá-lo a outras
formas de avaliação. No entanto, considerando-se que, em
escala quantitativa, ele nos diz algo da situação real das escolas
brasileiras, decidimos tomá-lo como referência inicial para
nossas reflexões acerca do trabalho educacional que vem sendo
desenvolvido nos CIEPs fluminenses. Entre as justificativas e
questões para essa nova focalização, destacamos as seguintes:
Primeiramente, em 2010, ao verificarmos a listagem do
Ideb/20095 no estado do Rio de Janeiro, nos demos conta de
que pouquíssimos CIEPs estavam situados entre os maiores
índices das escolas públicas do estado. Ao contrário, entre os
menores índices, essas escolas apareciam de forma significativa:
Que relações podemos estabelecer, em ambos os casos, com o
fato dessas instituições terem pertencido a um programa especial
de educação? O que estaria acontecendo para que grande parte
dos CIEPs, criados para promover um “salto de qualidade na
educação fundamental do estado”, apresentasse resultados
5
Quando da elaboração deste artigo, no ano de 2012, o IDEB disponível era o
referente ao ano de 2009.
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
215
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
inferiores às médias estadual e nacional do 5o ano do Ensino
Fundamental público, no Ideb de 20096?
Além disso, como um programa educacional que
recebeu muitos recursos, mobilizou professores, alunos e pais
e pretendeu inovar a prática pedagógica da época se tornou, à
primeira vista, tão pouco significativo, no decorrer dos anos?
Que relação podemos estabelecer entre esse fato e o processo
de municipalização do Ensino Fundamental, no estado? O
que essas escolas têm a nos dizer hoje, mesmo sabendo-se que
parte delas já não funciona em tempo integral, sobre o fato
de, apesar dos resultados pouco satisfatórios, a idéia de escola
de tempo integral continuar a crescer e a se afirmar no Rio de
Janeiro e em todo o país?
Guiadas por esses questionamentos, estruturamos este
texto partindo do levantamento da pontuação dos CIEPs
fluminenses no conjunto das escolas do estado, no Ideb/2009.
Em seguida, relacionamos essa pontuação com o contexto
específico dos diferentes CIEPs, bem e mal posicionados,
no que tange à sua localização, vinculação administrativa e
à manutenção de elementos da proposta original, visando
melhor compreender os processos que determinaram a
situação dessas escolas no atual panorama educacional público
do Rio de Janeiro.
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Resultados dos CIEPs no IDEB 2009: Análise de
um recorte
No ano de 2007, o governo federal apresentou à sociedade
brasileira uma série de aproximadamente quarenta programas
e projetos que denominou de Plano de Desenvolvimento da
Educação (PDE). Entre essas ações, encontrava-se a criação do
Ideb, com o objetivo de “medir a qualidade de cada escola e de
cada rede de ensino” (BRASIL-MEC/Ideb, 2011). Conforme
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
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216
6
Em 2009, os Idebs do Estado do Rio de Janeiro e do Brasil, para o 5o ano do
Ensino Fundamental, coincidiram em 4.4.
se verifica no trecho transcrito do sítio do Ministério da
Educação, a ideia de medida é fundamental na constituição
bianual desse índice. 7
Se, por um lado, os processos avaliativos estandardizados
tentam responder às necessidades da sociedade brasileira de
avançar na qualidade da educação, sua implementação surge
associada às tendências de mercantilização, estabelecimento
de concorrência entre escolas — ou criação de “quasemercados” — na educação pública (SOUZA e OLIVEIRA,
2003). Além disso, as avaliações estandardizadas participam
de uma tendência internacional que induz a equiparação
do desempenho dos diferentes países a padrões únicos,
considerados de qualidade. Sobre a questão Freitas (2007)
afirma que
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
[…] há o risco da ocultação da má qualidade pelo uso da
média como referência. O Ideb não deixa de ser baseado
em uma proficiência média da escola ou da rede. O uso
da média como referência e sua variação ao longo do
tempo não significam que houve melhoria para todos.
Se um grupo de bons alunos for melhor ainda, a média
subirá, mesmo que os piores continuem onde sempre
estiveram (p. 982).
Além disso, autores como Fernandes (2009) se
preocupam tanto com os possíveis efeitos de empobrecimento
do currículo gerados por esse tipo de avaliação, quanto com
a prática de ranking das escolas, que não considera “o tipo de
alunos que as frequentam, nem as qualificações dos respectivos
professores, técnicos e funcionários, nem os recursos materiais
ou as condições físicas das escolas” (p. 123). Conscientes
dos problemas que podem estar associados a esse tipo de
procedimento avaliativo, dele fizemos uso considerando que
o mesmo traz a possibilidade de uma mirada panorâmica,
7
O modelo de avaliação do Ideb combina dois fatores: a taxa de fluxo, isto é,
promoção, repetência e evasão e o desempenho nos exames padronizados que
são realizados por estudantes do 5o ano (4a série) e 9o ano (8a série) do ensino
fundamental (Prova Brasil) e ainda do 3o ano do ensino médio (Saeb).
217
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
antes de difícil obtenção e que, mesmo sujeito a apresentar
ou gerar distorções, nem por isso deixa de ser, no momento,
um recurso a mais para a compreensão dos mecanismos de
produção e perpetuação das desigualdades educacionais no
interior das redes públicas de estados e municípios.
Ao nos debruçarmos sobre a lista de escolas divulgada
pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep), pertencentes às redes públicas estaduais
e municipais dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no
estado do Rio de Janeiro e os índices a elas atribuídos,
encontramos uma listagem de 3.076 escolas, tendo sido o Ideb
atribuído a 2.727 delas, distribuídas pelos seus 92 municípios.
No total dessa listagem, identificamos 392 CIEPs8, sendo o
Ideb atribuído a 338 deles. Um rápido olhar sobre os dados
constatou, de imediato, que o número de CIEPs presentes
no “topo” da listagem era irrisório9, se comparado ao número
deles presentes no final da listagem.
Concentrando nos resultados daquele universo de 2.727
escolas – como já dito do 5o ano do Ensino Fundamental
–, optamos por separar as primeiras 500 e as 500 últimas,
estabelecendo um recorte de 1.000 escolas, buscando
identificar os CIEPs presentes em cada um desses sub recortes.
A opção pelo foco nos resultados do 5o ano deveu-se ao fato
de que poucos CIEPs não oferecem esse segmento. Assim,
pudemos alcançar muitas dessas escolas, relacionando dados
relativos ao mesmo segmento.
Nessa primeira investigação, na relação das 500
primeiras instituições, verificamos a presença de 21 CIEPs,
como podemos constatar no quadro que construímos, a seguir:
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
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218
8
Sobre os demais CIEPs, considerando-se que foram construídos 506 prédios,
ou estão em área rural, ou dedicam-se a outros segmentos do ensino, a outras
funções não escolares, ou ainda estão desativados.
9
O primeiro Ciep, nessa listagem, é o Ciep Pablo Neruda, da rede municipal
da capital, cujo índice atingiu 7.2, situando-se em 9o lugar do 5o ano na rede
pública. A primeira colocação no estado obteve o índice 7.8.
Quadro 1 - CIEPs situados entre os 500 maiores Idebs do estado do Rio
de Janeiro por município; Idebs do 5oano; dependência administrativa e
Idebs das redes públicas dos municípios, 5o ano - 2009
Município
Ciep
01
Rio de Janeiro
02
Rio de Janeiro
03
Rio de Janeiro
04
Rio de Janeiro
05
Rio de Janeiro
06
07
08
Rio de Janeiro
São Gonçalo
Cambuci
09
Sumidouro
10
Rio de Janeiro
11
Rio de Janeiro
12
Rio de Janeiro
13
Rio de Janeiro
14
Rio de Janeiro
15
Rio de Janeiro
16
Rio de Janeiro
17
Barra Mansa
18
Trajano
Moraes
19
Rio das Flores
20
Rio de Janeiro
21
Rio de Janeiro
Pablo Neruda
Glauber
Rocha
Profa. Célia
M. M.
Barreto
Oswald de
Andrade
Samuel
Wainer
1º de Maio
Dr. Zerbini
Ernesto Paiva
São José de
Sumidouro
Pres.
Agostinho
Neto
Aracy de
Almeida
Raimundo O.
de C. Maia
Pres.
Tancredo
Neves
Metalúrgico
Benedicto
Cerqueira
Vila Kennedy
Prof. Darcy
Ribeiro
Profa. Maria
José M.
Carvalho
Profa.
Guiomar G.
Neves
Manoel
Duarte
Gov. Roberto
Silveira
Manoel
Maurício de
Albuquerque
de
Fonte: MEC / Ideb - 2009
Ideb:
5°ano
Dependência
administrativa
7,2
Municipal
Ideb
redes
públicas
5,1
6,7
Municipal
5,1
6,1
Municipal
5,1
6,1
Municipal
5,1
6,0
Municipal
5,1
5,9
5,8
5,8
Municipal
Estadual
Estadual
5,1
3,8
5,8
5,7
Estadual
5,5
5,7
Municipal
5,1
5,7
Municipal
5,1
5,5
Municipal
5,1
5,5
Municipal
5,1
5,5
Municipal
5,1
5,4
Municipal
5,1
5,4
Municipal
5,1
5,4
Municipal
4,9
5,4
Estadual
5,1
5,4
Estadual
4,6
5,3
Municipal
5,1
5,3
Municipal
5,1
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
219
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
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Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
220
Em uma primeira análise do Quadro 1, observa-se que a
porcentagem de CIEPs entre os primeiros 500 Idebs do estado do
Rio de Janeiro não chega a 7%, dos 338 CIEPs avaliados, o que
representa pouco, se levarmos em consideração a estrutura física
criada para essas instituições, bem como seu potencial educativo
original, expresso no corpo de funcionários que mantinham,
nas atividades e organização curricular que adotavam.
Outra inferência que o Quadro 1 nos possibilita realizar
diz respeito à localização geográfica desses CIEPs no estado:
dos 21 listados, 15 se concentram no município do Rio de
Janeiro (capital) e apenas seis se situam em outros municípios.
Dentre eles, cinco estão no interior do estado e um encontrase na Região Metropolitana – São Gonçalo.
Cabe ainda destacar que os CIEPs da capital presentes no
Quadro 1 são todos da rede municipal, ao passo que os demais, com
exceção de Barra Mansa, pertencem à rede estadual. A questão da
dependência administrativa, portanto, se afigura como relevante,
visto que, nesse Quadro, 16 dentre os 21 CIEPs são municipais, e
apenas cinco encontram-se no rol das escolas estaduais.
Tradicionalmente, a rede municipal de Ensino
Fundamental da capital do estado, que se originou na rede
escolar da antiga capital do país, além de abarcar todo o Ensino
Fundamental público, apresenta recursos e resultados superiores
em relação à rede estadual. Em 2009, o Ideb médio dos anos
iniciais das escolas da capital foi de 5.1 e o do conjunto das
escolas do estado do mesmo segmento foi de 4.4. Os CIEPs,
embora nascidos como um programa estadual, foram, na capital,
transferidos em bloco para a rede municipal no final do primeiro
programa, ainda na década de 1980 e, ao longo dos anos,
tenderam a reproduzir essa diferença.
O Quadro 1 contém, também, o Ideb médio do 5o ano
do Ensino Fundamental de cada um dos sete municípios que
têm CIEPs presentes nessa relação. Nesse sentido, é possível
constatar que o desempenho de cada uma dessas 21 instituições
está sempre acima das médias de seus municípios, o que nos
possibilita deduzir – mesmo com as ressalvas feitas anteriormente
em relação ao índice – que houve um “efeito escola” positivo,
isto é, de alguma maneira, esses estabelecimentos escolares,
pelas suas políticas e práticas internas, obtiveram resultados
superiores aos seus congêneres (Brooke e Soares, 2008).
A partir dessas inferências iniciais, nos perguntamos:
essas instituições escolares melhor colocadas apresentam,
ainda, alguns vestígios do Programa, no que concerne a
atividades não convencionais, ampliação da jornada escolar
e professores qualificados trabalhando nessa mesma jornada?
Voltaremos a elas mais adiante.
Ao dirigirmos o olhar, no entanto, para a relação das 500
escolas com os menores índices, verificamos que o número
de CIEPs cresce vertiginosamente: são 156 ali presentes.
A construção do Quadro 2, apresentado a seguir, objetivou
mostrar essa situação, e revela uma maior pulverização por
diferentes municípios do que o quadro anterior.
É preciso dizer que, nele, não estão apresentados os
nomes dos CIEPs, como no Quadro 1, devido à grande
quantidade de escolas arroladas (BRASIL-MEC/Ideb, 2011)
e à dificuldade em nomeá-las neste espaço. Em relação ao
Ideb de cada escola, ele só foi elencado nos 12 casos em que
o município aparece com um só Ciep. Nos demais casos, ou
seja, nos primeiros 21 municípios listados, efetuamos uma
média dos Idebs, sendo que neste sub-grupo, o maior Ideb
encontrado por escola foi 3.6 e o menor foi 1.1.
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
Quadro 2 - Número de CIEPs situados entre os 500 menores Idebs
relativos ao 5o ano, por município; média desses Idebs e Idebs das redes
públicas dos municípios, 5o ano – 2009
Município
No de
CIEPs
na lista
Média
de seus
Idebs
Idebs redes
públicas
01
Nova Iguaçu
23
2.9
4.0
02
São Gonçalo
22
2.9
3.9
03
Duque de Caxias
19
3.0
3.8
221
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
04
Belford Roxo
17
3.0
3.7
05
São João de Meriti
11
3.0
3.9
06
Campos dos Goytacazes
11
2.4
3.2
07
Rio de Janeiro
08
3.3
5.1
08
09
Niterói
Cabo Frio
04
03
2.9
3.2
4.3
4.6
10
Mesquita
03
2.8
4.1
11
Queimados
03
2.6
3.8
12
Maricá
02
2.9
4.2
13
Barra Mansa
02
3.1
4.9
14
Paracambi
02
3.4
4.4
15
Araruama
02
3.2
4.2
16
Resende
02
3.4
4.5
17
Barra do Piraí
02
3.4
4.2
18
Magé
02
2.6
3.6
19
Nilópolis
02
2.4
3.7
20
Itaboraí
02
2.9
4.1
21
Japeri
02
3.2
3.6
22
Itaguaí
01
3.5
4.1
23
Macuco
01
3.5
4.4
24
Vassouras
01
3.5
4.1
25
Cachoeiras de Macacu
01
3.5
3.9
26
Petrópolis
01
3.5
4.6
27
Porto Real
01
3.3
4.1
28
Angra dos Reis
01
3.3
4.3
29
São João da Barra
01
3.1
3.3
30
Arraial do Cabo
01
2.7
3.9
31
Tanguá
01
2.6
3.8
32
São Pedro da Aldeia
01
2.4
4.2
33
Volta Redonda
01
3.6
5.2
156
-
-
Total
222
Fonte: MEC / Ideb 2009
Apresentado o Quadro 2, verificamos que 156 dos
338 CIEPs aos quais foi atribuído o Ideb, ou seja 46%
deles, encontram-se na faixa das 500 escolas com menor
desempenho no estado. Esses CIEPs situam-se, em sua
maior parte, na região metropolitana, mais especificamente
na Baixada Fluminense do estado e menos de 25% dessa
parcela é composta por unidades situadas em outras regiões
do estado.
A maior concentração desses CIEPs, 103 deles, situase em cinco municípios da região metropolitana do Rio de
Janeiro (os cinco primeiros na lista) e um município do norte
Fluminense – Campos. Ou seja, fica claro que a distribuição
desses Idebs entre os CIEPs não é aleatória; ao contrário,
contém determinantes sócio-geográficos.
O Quadro 2 evidencia, ainda, que o Ideb dos CIEPs
listados está abaixo da média alcançada para o 5o ano pelas
escolas públicas de seus municípios. Isso demonstra que
essas escolas, apesar de sua origem e de seus prédios especiais,
não apresentam, no momento, soluções para os problemas
específicos de suas realidades sociais e pedagógicas.
A seguir, o Quadro 2 (A) complementa o Quadro
2, repetindo o recorte do anterior, e foi construído com
o objetivo de ampliar a análise sobre a questão dos efeitos
da municipalização dessas escolas. Para isso, incluímos
informações adicionais sobre a freqüência da dependência
administrativa, explicitamos a parcela, dentre os 156,
com vinculação municipal, a totalidade de CIEPs que
aparecem na lista do Ideb que atendem aos anos iniciais
em cada município arrolado (estaduais ou municipais), e a
quantidade total dessas instituições que é administrada por
cada município.
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
223
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
224
Quadro 2(A) - Número de CIEPs situados entre os 500 menores Idebs relativos ao 5o ano, por município; parcela administrada pelo município;
número total de CIEPs situados no município e de CIEPs municipais – 5o ano, 2009
No total de
No de CIEPs na Parcela municipal
CIEPs situados
No total de CIEPs
Município
lista
dentre os listados
no município e
municipais avaliados
avaliados
01
Nova Iguaçu
23
5
27
5
02
São Gonçalo
22
4
31
6
03
Duque de Caxias
19
1
27
10
04
Belford Roxo
17
6
20
6
05
São João de Meriti
11
2
9
4
06
Campos dos Goytacazes
11
3
11
4
07
Rio de Janeiro
08
8
100
100
08
Niterói
04
0
7
0
09
Cabo Frio
03
0
4
0
10
Mesquita
03
1
3
1
11
Queimados
03
0
3
1
12
Maricá
02
0
1
0
13
Barra Mansa
02
1
4
2
14
Paracambi
02
0
3
1
15
Araruama
02
0
3
0
16
Resende
02
0
3
0
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Barra do Piraí
Magé
Nilópolis
Itaboraí
Japeri
Itaguaí
Macuco
Vassouras
Cachoeiras de Macacu
Petrópolis
Porto Real
Angra dos Reis
São João da Barra
Arraial do Cabo
Tanguá
São Pedro da Aldeia
Volta Redonda
02
02
02
02
02
01
01
01
01
01
01
01
01
01
01
01
01
156
1
0
1
0
0
1
1
0
0
0
1
0
1
0
0
0
0
37
3
2
4
5
2
3
1
1
2
4
1
3
1
1
1
1
4
295*
2
0
2
1
0
3
1
0
0
0
1
0
1
0
0
0
1
151
27 deles entre os 11 primeiros municípios deste Quadro, com exceção de um Ciep municipal, situado em São Gonçalo.
* Além dos 295 CIEPs avaliados (estaduais e municipais) há 38 que compõem a lista do Inep mas não foram avaliados. Todos são estaduais, situando-se
Fonte: MEC / Ideb 2009
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
Total
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
225
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
A análise do Quadro 2(A) mostra que a maioria dessas
escolas é da rede estadual e que apenas oito delas encontram-se
na capital – ao contrário da tendência observada no Quadro 1.
Na capital e no município de Duque de Caxias, a
vinculação com a rede municipal representou garantia de
melhores resultados no Ideb. Já os CIEPs administrados pelos
demais municípios aparecem com razoável ênfase no Quadro
2 mas, ainda assim, apresentam resultados melhores do que os
CIEPs estaduais.
É preciso considerar que 70% dos cerca de 500 CIEPs
existentes foram construídos nos municípios mais populosos
do estado10, quase todos, com exceção de Campos, Macaé e
Petrópolis, na região metropolitana da capital, que concentra,
historicamente, população de baixa renda e problemas sociais
de diferentes ordens.
A localização sócio-urbana era um elemento importante
no programa dos CIEPs, que se propunha a iniciar a melhoria do
sistema educacional focalizando as populações desfavorecidas,
embora pretendesse a posterior expansão do modelo para todo
o sistema. A grande maioria das novas escolas foi construída
em locais sem infraestrutura e com pouca presença de outros
equipamentos públicos. Ocorre que o modelo econômico
brasileiro excludente perpetuou-se e não permitiu a criação
de mecanismos que, ao menos, aliviassem os efeitos da
concentração de riquezas e de sua expressão na ocupação
dos espaços urbanos. O isolamento e distanciamento dessas
populações, e desses CIEPs, parece ter levado, ao contrário do
que se esperava, à reprodução da desigualdade educacional,
que agora se expressa também pelo Ideb. Entretanto, é preciso
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
10
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
226
Partindo da listagem de 361 CIEPs sob a responsabilidade do governo estadual
em 1995 (RIBEIRO, 1995), e somando-se a essa listagem as 100 unidades sob
administração municipal na capital, chega-se a um total de 461 CIEPs. Desses,
336 (72%) estão localizados nos municípios do Rio de Janeiro, São Gonçalo,
Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Niterói, Belford Roxo, Campos dos Goitacazes,
São João de Meriti, Petrópolis, Itaboraí, Magé, Macaé, Nilópolis e Queimados.
As demais 45 unidades (que completariam posteriormente as 506) ainda estavam
em finalização de construção ou haviam sido pontualmente municipalizadas.
questionar, como o fazem Ribeiro e Kaztman (2008), o sentido
estrito de causalidade entre essas variáveis:
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
[...] se a segregação residencial resulta das múltiplas
situações de insucesso e desestruturação vividas
pela famílias – entre elas, o fracasso escolar, ou se ao
contrário, é o primeiro fenômeno que desencadeia ao
menos parcialmente os segundos (p.18)
Seja como for, a concentração territorial da pobreza, no
caso nas regiões metropolitanas do estado do Rio de Janeiro,
concentrou também a maior ocorrência de baixos Idebs.
A existência de 156 CIEPs entre os 500 menores
índices do estado revela que parte significativa dessas escolas
provavelmente não está exercendo um efeito escola positivo.
Essa constatação nos obriga a pensar tanto na origem como
em novos problemas gerados ao longo dos mais de 25 anos de
existência desse programa. É sobre esses possíveis problemas
que nos deteremos na seção a seguir.
Os desafios da municipalização e a “sobrevivência”
dos CIEPs
Apresentamos neste item dois pontos que demandam
uma reflexão mais precisa, no sentido de melhor responder
às questões que nos fizemos ao longo deste estudo. São eles,
os caminhos político-administrativos aos quais essas escolas
foram submetidas e a permanência, com qualidade, das
propostas que as constituíram.
Um exemplo das dificuldades
do Ensino Fundamental
da municipalização
Dos 156 CIEPs listados entre os 500 menores resultados,
37 pertencem às redes municipais. Se relacionarmos esses
37 CIEPs com o total de CIEPs estaduais e municipais dos
227
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
municípios a que pertencem, vemos que a municipalização,
— mesmo desconsiderando-se a capital, que é atípica —
atuou de maneira positiva no Ideb dessas escolas.
Vejamos: excluindo-se os dados da capital e refazendose as contas, restam 51 CIEPs municipais avaliados no
conjunto dos municípios do Quadro 2, ficando 29 deles entre
os de mais baixos índices, 57% portanto. Já dentre os 144
CIEPs estaduais avaliados desses mesmos municípios, 119
comparecem nessa listagem — 83% portanto. A conclusão
a que se chega é que os CIEPs municipalizados apresentaram
resultados proporcionalmente melhores.
Investigando
especificamente
a
realidade
da
municipalização do Ensino Fundamental no estado do Rio
de Janeiro — com base em dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), observamos que, dos dez
primeiros municípios que aparecem no Quadro 2, excluindo-se
a capital, apenas Cabo Frio, com 85%, está acima do percentual
médio de estabelecimentos públicos de Ensino Fundamental
municipalizados no estado do Rio de Janeiro, que é de 78% 11
(IBGE, estados, 2009). Entretanto, nenhum dos seis CIEPs de
Cabo Frio foi municipalizado.
Ainda de acordo com os dados do IBGE, esses dez
municípios apresentam as seguintes taxas de municipalização
do Ensino Fundamental: Nova Iguaçu, 57% ; São Gonçalo,
24% ; Duque de Caxias, 42% ; Belford Roxo, 53% ; São João
de Meriti, 51% ; Campos, 74%; Niterói, 47% ; Cabo Frio,
85% ; Mesquita, 63% ; Queimados, 68%. Essas taxas são
sempre superiores às taxas específicas de municipalização dos
CIEPs, cuja média foi de 22%, nos 10 primeiros municípios do
Quadro 2, considerando-se também as unidades não avaliadas
que constam da listagem do Inep (vide nota após Quadro 2-A),
o que revela dificuldades adicionais para a municipalização
dessas escolas. Ressalte-se ainda que os dados do IBGE são
relativos a todo o Ensino Fundamental e a municipalização é
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
228
11
Essa taxa deve-se à municipalização de 100% do Ensino Fundamental na capital
do estado e não representa a realidade do restante dos municípios.
mais intensa nos anos iniciais, que são justamente os atendidos
pelos CIEPs desta amostra, o que acentua ainda mais a baixa
proporção de municipalização dessas escolas.
O processo de municipalização da educação brasileira,
previsto na Constituição Federal de 1988, vem sendo feito
com dificuldade em todo o país, e o Rio de Janeiro não
foge a essa regra. A busca da descentralização, com a efetiva
transformação do município em um ente federado, seria a base
para a aplicação do chamado regime de colaboração, no qual
buscar-se-ia a divisão de responsabilidades, o planejamento
educacional conjunto, a garantia da distribuição ou repasse
de meios e recursos, de acordo com os encargos estabelecidos
(OLIVEIRA; SANTANA, 2010).
Entretanto, mesmo quando se dá uma distribuição na
execução, raramente há uma efetiva redistribuição do poder
decisório, isto é, uma efetiva descentralização. Constata-se
que a distribuição de competências vem se dando de maneira
pouco clara, e, ademais, a distribuição dos recursos não
corresponde às necessidades (SOUZA E FARIA, 2004). Isso
explica a lentidão e as disputas no processo de municipalização
do ensino fundamental.
No estado do Rio de Janeiro, dos 92 municípios, 32
fizeram a municipalização completa dos alunos dos anos iniciais
do Ensino Fundamental. Não mais que dois municípios —
Armação dos Búzios e Santa Maria Madalena — são responsáveis
por 100% de todo o ciclo do Ensino Fundamental.
Quanto aos CIEPs, em junho de 2006, a Comissão de
Educação e Cultura da Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro reuniu dirigentes municipais de Educação em
uma série de audiências públicas, com o objetivo específico
de discutir a municipalização dessas escolas. Em uma
dessas audiências, a então presidente da UNDIME (União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), Sandra
Gomes Simões, afirmava que “em alguns municípios há
obras inacabadas de CIEPs que poderiam ser assumidas pelos
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
229
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
municípios” 12. No mesmo encontro, o Secretário de Educação
de São José do Vale do Rio Preto afirmava: “não deveria haver
dificuldade para uma transferência que beneficiaria a todos
mas a prefeitura de São José do Vale do Rio Preto solicitou
a transferência do prédio inacabado do Ciep e não obteve
autorização da Secretaria Estadual de Educação” (ALERJ,
2006). As resistências e dificuldades têm diversas motivações.
As realidades são diferentes entre si, mas, ao contrário do
exemplo de São José do Vale do Rio Preto, o que ocorre, na
maioria das vezes, é que sendo a manutenção dos CIEPs mais
cara, com terrenos grandes, quadra, biblioteca e, em alguns
casos, com funcionamento em horário integral e alunos
residentes, as próprias prefeituras protelam a municipalização,
alegando falta de recursos.
Outro problema é a disputa pelos CIEPs bem sucedidos
e o “jogo de empurra” em relação aos problemáticos. Isso talvez
explique a situação um pouco melhor dos CIEPs municipalizados,
revelando que a boa qualidade da escola facilita as negociações
para a transferência da responsabilidade administrativa.
Mas um outro ator pode aparecer nesse processo: a
população. Quando está satisfeita com a escola, ela resiste
à mudança, receando a queda da qualidade do ensino. Foi
o caso do Ciep Glauber Rocha, em Nova Friburgo. Após
negociações que selaram a municipalização, a comunidade
escolar manifestou-se, em maio de 2010, contra a mudança13,
defendendo o horário integral e a boa qualidade da escola e
lembrando que, no passado, a escola havia sido administrada
pelo município e deixara de ter o horário integral. Nesse caso,
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
230
12
Segundo reportagem do jornal O Globo, publicada em 30 de maio de 2006,
naquele ano havia 16 CIEPs desativados ou utilizados para outras funções no
estado do Rio de Janeiro. Em março de 2010, por exemplo, o governador Sergio
Cabral inaugurou o CIEP George Savalla Gomes, em São Gonçalo, que passara
16 anos inacabado, servindo irregularmente como moradia. Disponível em
http://www.rj.gov.br/web/imprensa/exibeconteudo?article-id=200398. Acesso
em dezembro de 2011.
13
O noticiário do estado do Rio de Janeiro divulgou amplamente essa manifestação
dos pais. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Rx7zCXnvyk8.
Acesso em: dezembro de 2011.
apesar das negociações entre estado e município terem chegado
a bom termo, após as manifestações populares, o Ciep foi
mantido na alçada da Secretaria Estadual de Educação.
As disputas político-partidárias também aparecem com
papel relevante. Em Duque de Caxias, em audiência pública
realizada na Câmara Municipal (JusBrasil, 2006), em janeiro
de 2006, a deputada Andrea Zito, do PSDB, protocolou
abaixo assinado com seis mil adesões, solicitando a suspensão
do processo de municipalização do Ciep Procópio Ferreira,
negociada à época pelo prefeito do PMDB. Afirmava a deputada:
“a prefeitura pode ter a melhor das intenções, mas não garante a
manutenção dos benefícios atuais, como horário integral e vagas
para alunos residentes”. O Ciep deixou de ser municipalizado
para somente vir a sê-lo em 2010, já sob a administração do
prefeito José Camilo Zito, então do PSDB. A preocupação
com a qualidade, entretanto, parece ter sucumbido e o Ciep foi
utilizado para abrigar alunos de escolas estaduais em reforma,
devido às enchentes havidas na região. Em 2011, o jornal do
Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de
Janeiro (SEPE-RJ) divulgava a seguinte notícia: “Segundo os
profissionais do Ciep Procópio Ferreira, que foi municipalizado
recentemente e hoje pertence à rede municipal de Duque de
Caxias, o governo do Estado se comprometeu a reformar as
suas escolas até junho, mas nada foi feito e elas continuam
funcionando no Ciep municipalizado que, hoje, abriga mais de
três mil alunos, funcionando em três turnos” (SEPE-RJ, 2011).
As situações vividas nos CIEPs de Nova Friburgo e Duque
de Caxias revelam alguns fatores intervenientes significativos
no processo de municipalização: o custo de manutenção dessas
escolas; a complexidade de seu funcionamento com horário
integral e em alguns casos alunos residentes; as demandas e
expectativas da população e as implicações político partidárias.
Acordos e desacordos momentâneos parecem revelar um
movimento errático em direção à municipalização do Ensino
Fundamental e dos CIEPs em particular. Quando da morte do
ex-governador Leonel Brizola, em 2004, a então governadora
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
231
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
Rosinha Garotinho prestou-lhe homenagem, incorporando
o nome Brizolão14 a todos os CIEPs da rede estadual, o que
acrescentou mais um elemento para resistências e disputas no
já atribulado processo de municipalização.
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
As características do Programa: o que restou?
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
Em primeiro lugar, é preciso destacar que a condição
de programa especial com que o projeto dos CIEPs foi
implementado, no estado do Rio de Janeiro, por duas vezes,
contribuiu para o estabelecimento de um estigma em relação à
ampliação da jornada escolar e às condições de educabilidade
da população que visava — “horário integral é para aluno sem
assistência familiar”. A característica de “especial” contribuiu,
ainda, para a criação de outra “cicatriz”, desta feita evidenciando a
natureza do espaço escolar e as condições sociais de seus usuários
— “escola para pobre” (CAVALIERE; COELHO, 2003).
O termo especial na expressão Programa Especial de
Educação deixa entrever um aspecto político-conceitual que,
à época, era levantado por estudos acadêmicos, e também
por críticos ao Programa, e que hoje emerge, “robustecido”:
o das políticas focais e compensatórias, ou seja, o das relações
entre educação, socialização escolar e assistência social e,
principalmente, entre políticas universalistas e políticas
focalizadas em determinados setores da população.
Ao retornar a essas escolas, aproximadamente 25 anos
depois, focalizamos a constituição da concepção de programa
especial a partir de alguns fatores que o nortearam, a saber, a opção
pelo turno integral, a construção de espaços formais de educação
adequados à proposta pedagógica; a necessidade de oferta de
atividades diversificadas que propiciassem a formação do aluno e
a necessidade de elaborar uma política para os sujeitos em atuação
no Programa. No escopo deste artigo, optamos por discutir esses
quatro pontos em seu conjunto, e não separadamente.
232
14
Denominação popular dos CIEPs no Rio de Janeiro.
É preciso lembrar que, à época em que os dois Programas
Especiais de Educação foram gestados e implementados, a
ideia de um projeto político-pedagógico que representasse
os anseios educacionais de cada unidade escolar apenas
engatinhava no Brasil. Ainda assim, apesar de se caracterizar
como uma proposta padronizada, o Programa trazia elementos
que poderiam induzir à autonomia da escola, a médio prazo,
por prever estruturas de participação dos diversos setores
envolvidos e um novo tipo de relação com a comunidade.
Criaram-se as figuras da diretora comunitária e do animador
cultural e uma lógica de organização escolar diferente da que
então vigia na maioria das escolas públicas.
Esses fatores convergiam para o entendimento de que
o espaço escolar admitia atividades diferentes das regulares,
mescladas e integradas; trabalhadas por professores em regime
de 40 horas, especialmente concursados para a realização dessa
proposta, mas também por outros sujeitos que – presentes na
comunidade – seriam conhecedores de saberes diferenciados
que precisavam estar dentro da escola, atuando em conjunto
com os conhecimentos escolares, historicamente constituídos
enquanto tais.
Para a materialização dessa proposta o programa previu
em cada unidade espaços como quadra polivalente; biblioteca;
uma sala para vídeoeducação; duas salas para estudo dirigido
e grandes espaços como pátios cobertos e refeitório com
múltiplas possibilidades. Com isso pretendia-se alcançar não
apenas uma ampliação quantitativa, mas um tempo integral
no sentido de mais completo e mais significativo (COELHO,
1997; PARO, 2009). Ressalte-se que o projeto previa essa
estrutura organizacional para todos os alunos daquelas escolas.
Entretanto, retomando um dos fios condutores deste estudo
– a situação dos CIEPs no panorama estadual do Ideb/2009 –
tudo indica que grande parte deles submergiu à imagem que
deles se fez e também às condições sociais de seu entorno.
Tentando uma melhor compreensão dessa realidade
aparente, nosso olhar caminha novamente na direção dos
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
233
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
CIEPs que se encontram no Quadro 1 – aqueles que se incluem
entre os maiores Idebs apresentados em 2009 no estado do
Rio de Janeiro. Em 2011, coletamos dados em 16 daqueles
21 Centros obtendo informações que nos possibilitaram
algumas inferências. Foram realizadas entrevistas com
diretores ou coordenadores pedagógicos dessas escolas. As
perguntas objetivavam saber, primeiramente, se a escola
mantinha o horário integral. Em seguida, se os ambientes
da (1) Biblioteca, do (2) Estudo dirigido e da (3) Quadra
poliesportiva, permaneciam em funcionamento com seus
objetivos originais, e ainda, se a escola mantinha a atividade
de (4) Animação cultural. A cada um desses quatro itens foi
atribuído o índice de 25%.
O Quadro 3, a seguir, apresenta o panorama encontrado
nos 16 CIEPs investigados, no que concerne aos quatro itens
elencados.
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Quadro 3 - Recorte de 16 CIEPs situados entre os 500 maiores Idebs
do estado do Rio de Janeiro, por município; Idebs do 5o ano (2009);
permanência do horário integral; funcionamento de ambientes e/ou
atividades originais do Programa – (2011)15
Município
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 213-242,
jul. / out. 2013
Ideb
Ambientes e/ou
Horário
atividades originais
Integral
em funcionamento
01
Rio de
Janeiro
Pablo Neruda
7,2
S
75%
02
Rio de
Janeiro
Glauber Rocha
6,7
S
75%
03
Rio de
Janeiro
Profa. Célia M. M. Barreto
6,1
S
50%
04
Rio de
Janeiro
Oswald de Andrade
6,1
S
75%
05
Rio de
Janeiro
Samuel Wainer
6,0
S
75%
06
Rio de
Janeiro
1º de Maio
5,9
S
75%
15
234
Ciep
Agradecemos a Luiza Figueiredo e Alessandra Victor, mestranda e mestre em
Educação/Unirio, pelo auxílio na coleta das informações que compõem a duas
últimas colunas do Quadro 1(A).
07
Rio de
Janeiro
Pres. Agostinho Neto
5,7
S
75%
08
Rio de
Janeiro
Aracy de Almeida
5,7
S
75%
09
Rio de
Janeiro
Raimundo O. de C. Maia
5,5
S
75%
10
Rio de
Janeiro
Pres. Tancredo Neves
5,5
S
50%
11
Rio de
Janeiro
Metalúrgico Benedicto Cerqueira
5,5
S
25%
12
Rio de
Janeiro
Vila Kennedy
5,4
S
75%
13
Rio de
Janeiro
Prof. Darcy Ribeiro
5,4
S
75%
5,4
S
50%
14
Trajano de Profa. Guiomar G. Neves
Moraes
15
Rio de
Janeiro
Gov. Roberto Silveira
5,3
N
75%
16
Rio de
Janeiro
Manoel Maurício de Albuquerque
5,3
S
50%
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
Fonte: MEC / Ideb 2009; levantamento das autoras
Na “leitura” do Quadro 3, constatamos que apenas um
dos Centros Integrados dentre os 16 contatados não continua
em horário integral. Assim, em relação à jornada escolar,
podemos inferir que a continuidade desse tempo ampliado
tem se constituído como um fator coadjuvante da possível
qualidade na educação. Essa constatação vai ao encontro do
que alguns pesquisadores têm afirmado sobre a efetividade e
viabilidade da ampliação do tempo escolar como elemento
propulsor da qualidade educacional. (KERSTENETZKY,
2006; NERI, 2009).
Também é possível dizer que a maioria desses CIEPs
ainda mantém em funcionamento pelo menos 3/4 dos
ambientes e atividades diferenciadas que faziam parte do
projeto original daquele Programa.
Quanto à Animação cultural, que se utilizava de
todos os ambientes da escola, inclusive as salas de aula, e
cujo ineditismo da proposta trouxe à época reações fortes
de aceitação e recusa, destacamos que a informação recebida
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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jul. / out. 2013
na totalidade dessas escolas foi a de que essas atividades não
acontecem mais, tendo em vista que a função de animador
cultural vem se extinguindo, paulatinamente.
A esse respeito, é válido destacar nota do SEPE-RJ,
datada de dezembro de 2011, sobre a situação dos animadores
culturais na rede estadual de ensino. Na nota, os sindicalistas
informam a situação por que passam esses profissionais, até
hoje sem garantias trabalhistas mínimas, apesar do curso de
formação a que se submeteram, na década de 90, e ao fato de
terem sido “mantidos na rede e sua atuação expandida para as
outras escolas [...] com o reconhecimento da importância do
trabalho desenvolvido por esses profissionais” (SEPE-RJ, 2011).
Refletindo ainda sobre a situação que o Quadro 1(A)
nos apresenta, consideramos que o fato dos CIEPs bem
sucedidos no Ideb/2009 continuarem seu funcionamento
em horário integral reafirma a hipótese de que esse regime
constitui um aliado importante na melhoria das condições
gerais de aprendizagem dos alunos.
Sobre a manutenção e utilização dos ambientes e
atividades diversificados, a entrevistas mostraram que nem
sempre eles foram integralmente mantidos. Se a ampliação
da jornada escolar deve ser acompanhada pela também
ampliação e adequação dos espaços escolares, no sentido de
criar condições para a realização de atividades diversificadas,
isso aconteceu, ainda que parcialmente, na prática do
horário integral dos CIEPs com bons Idebs contatados, nos
permitindo relacionar esses ambientes e atividades a um clima
escolar propício a aprendizagens significativas.
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
A
retomada sob novos moldes:
da história?
Educ. foco,
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jul. / out. 2013
236
Uma “armadilha”
O estudo aqui realizado possibilita algumas conclusões.
Considerando-se os resultados do Ideb, fica evidente a
dificuldade pela qual passou esse conjunto de escolas ao
longo das duas últimas décadas. Esses resultados, vistos em
bloco, revelam que os objetivos do programa, relacionados
à qualidade, não foram atingidos. Revelam também que a
permanência de elementos do projeto original, a localização
sócio-geográfica e a diferenciação das esferas administrativas
a que se ligaram essas unidades escolares — inicialmente
pertencentes a um mesmo programa estadual — tiveram um
papel importante na diferenciação dos resultados do Ideb.
Já uma observação mais global e histórica, que busque ver
essas escolas no conjunto do sistema escolar do Rio de Janeiro,
encontra aspectos positivos a serem ressaltados. Entre eles, o
pioneirismo da proposta pedagógica, apresentada durante os
primeiros movimentos político-sociais de redemocratização
do país e a própria construção de 500 prédios escolares de
qualidade, com impacto significativo na rede pública, pois
com exceção de algumas escolas da primeira metade do século
XX e dos próprios CIEPs, grande parte dos prédios escolares do
estado permanece sendo de edificações modestas, quando não
improvisadas, e sem recursos para uma rotina enriquecedora.
Também foram importantes as inovações relacionadas à
constituição de um coletivo pedagógico na escola, por meio da
criação de uma estrutura de coordenadores e equipes das áreas
de conhecimento, com horários garantidos para as reuniões
pedagógicas. Finalmente, o Programa pautou em definitivo,
no debate educacional brasileiro, a questão da ampliação das
funções e responsabilidades educacionais da escola e com ela,
a necessidade de ampliação da jornada escolar.
Quando o programa Mais Educação, criado pelo
Ministério da Educação em 2007, com o objetivo de promover
a ampliação da jornada escolar nas escolas públicas brasileiras
apresentou o programa dos CIEPs como uma das suas fontes
de inspiração, a recuperação dos caminhos trilhados por esse
programa nos pareceu necessária. Mais necessária ainda,
quando se constata que o programa Mais Educação cresceu e
se apresentou, em 2011, como a principal alternativa para a
ampliação da jornada escolar em todo o país. De acordo com
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
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dados divulgados no sítio do MEC, dele participaram 15.018
escolas e 3.067.644 estudantes, em diversos estados brasileiros
(BRASIL - MEC/SEB, 2011).
Em alguns casos relativos à implantação do Programa
Mais Educação, os CIEPs aparecem como parceiros de outras
escolas sem espaços apropriados, que para lá levam seus
alunos, a fim de realizarem as atividades que compõem o
horário integral. Essa situação vem acontecendo, também, em
municípios como Mesquita, São João de Meriti, Campos e
Macaé, conforme dados de pesquisa em andamento16.
Nesse sentido os CIEPs, após terem tido seu projeto
pedagógico abandonado, e com frequência suas instalações
subutilizadas, estão passando por uma espécie de “retomada”
associada a uma outra concepção e, como uma “armadilha”
da história, renascendo absorvidos por outra realidade, em
um outro tempo, com outras atribuições para seus espaços e
outras perspectivas educacionais.
Teria sido a proposta político-pedagógica ousada
demais para a sua época, em termos dos recursos que exigia e
da disposição da sociedade para a sua execução?
Na prática, a concepção de escola de tempo integral, típica
dos CIEPs, que implicava uma instituição escolar organizada
em função do horário integral para todos os alunos, foi
enfraquecida ao longo dos anos e, hoje, seus espaços tendem a
ser usados com outro modelo de ampliação do horário escolar,
que podemos identificar como de aluno em tempo integral
(CAVALIERE, 2009). Esse modelo não implica uma mudança
na estrutura de turnos da escola. Consiste na oferta da jornada
integral para grupos de alunos, considerados mais carentes, em
ambientes diversos como praças, clubes, igrejas, associações ou
mesmo outras escolas que ofereçam espaços (como os CIEPs,
por exemplo). Também caracteriza esse modelo a participação
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Educ. foco,
Juiz de Fora,
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16
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Referimo-nos à pesquisa denominada Políticas públicas de ampliação da jornada
escolar no estado do Rio de Janeiro: de sujeitos e(m) formação e de sujeitos e(m)
atuação, financiada pela FAPERJ, no período 2011-2012.
de outros agentes educacionais, que não professores, como
oficineiros e estudantes universitários.
Mesmo com caminhos ainda incertos, cabe ressaltar
que a idéia da escola de tempo integral se manteve viva e
permaneceu relacionada, no Rio de Janeiro, a essas escolas e ao
programa que as criou devido principalmente à adesão que, a
despeito de todos os problemas e críticas, os CIEPs obtiveram
dos professores que neles trabalharam.
Grande parte desses professores encontra-se, ainda hoje,
atuando nos sistemas de ensino do estado e cultiva uma memória
positiva da experiência. Muitos deles, atualmente envolvidos
em atividades de gestão, expressam, quando entrevistados, que
ainda têm referências assentadas naquela experiência e buscam
contribuir com as propostas de ampliação da jornada escolar,
levando em conta os desafios vivenciados nos anos oitenta e
noventa. Em outras palavras, a memória dos CIEPs contribui
para a construção da história, não só dessas instituições, como
daqueles que nelas atuaram.
O fato de recentemente essa idéia ter sido retomada,
ao lado de outras influências, na criação do programa Mais
Educação, de âmbito federal, revela uma disposição da
sociedade para continuar no caminho da busca pela ampliação
da jornada escolar. Fica a indagação, dada a característica do
modelo que hoje se difunde de ampliação do tempo escolar,
e que não passa necessariamente pelo fortalecimento da
instituição escolar e de seus profissionais, se este pode trazer
resultados melhores do que aqueles que os CIEPs e suas
circunstâncias históricas conseguiram obter.
Trajetória dos CIEPs
do Rio de Janeiro:
Municipalização e
novas configurações
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CIEP s ’ TRAJECTORY IN RIO DE JANEIRO:
MUNICIPALIZATION
AND
NEW
CONFIGURATIONS
Abstract
This paper focuses on CIEPs - full-time public schools built
in the 80’s and 90’s in the state of Rio de Janeiro. Most
of CIEPs have non-satisfactory outcomes, accordingly
to Ideb/2009 which raises doubts about the political-
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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administrative environment they have been submitted
to, particularly on its municipalization process. It’s also
questioned if their original pedagogical proposition is still
underway. CIEPs’ original goals haven’t been fully achieved,
analyses point out. In fact, they have faced great difficulties
since their creation. In the other side, CIEPs’ “memory”
is still valued among State schools and teachers and other
proposals have been using their structures in order to
straighten schools daily hours with an external workforce –
professionals who are not in the basis of CIEPs proposition.
Keywords: Schools daily. Municipalization. Public policies.
Ana Maria Cavaliere,
Lígia Martha Coelho
Data de recebimento: novembro 2012
Data de aceite: janeiro 2013
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Juiz de Fora,
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PROFESSORES
ALFABETIZADORES: O
QUE DIZEM E O QUE
FAZEM
Sandra Cristina Oliveira da Silva1
Sheyla Cavalcante de Arruda2
Telma Ferraz Leal3
Resumo
Neste artigo, discutimos os resultados de uma pesquisa
que analisou as relações entre os discursos de professoras
sobre suas opções metodológicas relativas ao processo
de alfabetização e as práticas de ensino. A metodologia
consistiu da aplicação de um questionário a um grupo
de doze professoras, realização de uma entrevista com
quatro professoras, e observações de vinte aulas de
duas docentes. Os resultados apontaram que havia
variação de concepções das docentes sobre alfabetização,
predominando, no entanto, a valorização da dimensão do
letramento e não da apropriação do sistema alfabético de
escrita. Quatro professoras explicitaram o foco no trabalho
com unidades linguísticas menores que as palavras. Os
resultados evidenciaram, ainda, que havia aproximações
entre o discurso e a prática das docentes. Concluímos
que a formação continuada de professores alfabetizadores
precisa ser conduzida de modo a resgatar as concepções
das professoras, na busca de compreendermos suas opções
metodológicas.
Palavras-chaves: Alfabetização. Letramento. Métodos de
alfabetização.
1
Graduada em Pedagogia. [email protected]
2
Graduada em Pedagogia. [email protected]
3
Doutora em Psicologia. [email protected]
Introdução
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 243-268,
jul. / out. 2013
Este artigo, fruto de uma pesquisa de campo realizada
em três cidades da Região Metropolitana do Recife (Recife,
Igarassu e Paulista), expõe reflexões sobre as concepções e
práticas de professoras alfabetizadoras, buscando contribuir
para a discussão sobre o papel da escola no ingresso das
crianças no mundo da escrita.
Segundo Morais e Albuquerque (2005, p. 69), “a condição
de sujeito letrado se constrói nas experiências culturais com
práticas de leitura e escrita que os indivíduos têm oportunidade
de viver, mesmo antes de começar sua educação formal.”. Ou
seja, a escola deve proporcionar a continuidade desse processo
de letramento e sua ampliação, associando-o de forma
significativa à aprendizagem do sistema alfabético de escrita.
Nessa concepção de alfabetização, o professor tem o papel de
evitar a desarticulação entre a aprendizagem escolar da escrita e
da leitura e a inserção dos estudantes em práticas sociais de uso
de diferentes textos. Desse modo, o docente precisa promover
situações que favoreçam a aprendizagem da base alfabética e o
desenvolvimento de habilidades de produção e compreensão
de textos em diferentes esferas sociais de interação.
Observações assistemáticas têm mostrado que não tem
sido simples fazer esta articulação. Os resultados de avaliações,
a exemplo daqueles apresentados pela Prova Brasil e Provinha
Brasil, têm mostrado que os estudantes brasileiros não têm
atingido as expectativas de aprendizagem delimitadas nas
propostas curriculares dos diferentes sistemas de ensino.
Diante dessa problemática, analisamos os discursos de
doze professoras sobre suas opções metodológicas relativas ao
processo de alfabetização, sobretudo em relação à realização ou
não de estratégias de ensino que articulem essas duas dimensões
(apropriação do sistema de escrita e estratégias de compreensão
e produção de textos para atender a diferentes finalidades
sociais) e investigamos as práticas de duas docentes, a fim de
verificar se seus discursos condiziam com as suas práticas.
244
Para iniciar as reflexões, é realizado um breve histórico
sobre os métodos de alfabetização. No tópico seguinte são
feitas considerações sobre a concepção de alfabetização
na perspectiva do letramento. Logo após, a metodologia
da pesquisa é descrita, seguida das análises dos resultados,
organizadas em três tópicos. No primeiro, os questionários
aplicados a doze docentes são objeto de atenção, buscandose identificar quais métodos de alfabetização ou abordagens
teóricas são assumidos pelas docentes como subjacentes às suas
práticas. No segundo tópico de resultados, as entrevistas de
quatro docentes são apresentadas, objetivando-se reconhecer
quais concepções as profissionais explicitam ao falarem sobre
alfabetização. Depois, são expostos os dados de observações
de aula de duas professoras, relacionando tais dados aos
relativos às concepções evidenciadas nas entrevistas. Por fim,
as considerações finais são apresentadas.
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
Métodos de alfabetização: um breve histórico.
Diferentes métodos foram adotados para alfabetizar
crianças, jovens e adultos ao longo da história. Esses métodos
têm sido classificados em três tipos: os métodos sintéticos, os
métodos analíticos e os sintético-analíticos, cada um com suas
características próprias.
Os métodos sintéticos tiveram seu auge até meados do
século XVIII e consistem em partir dos elementos da língua
“mais simples”, ou seja, letras, fonemas, sílabas para, a partir
da aprendizagem dessas unidades, apresentarem as palavras,
frases e textos compostos por esses elementos. Sobre esse
assunto, Galvão e Leal salientam que
Propostas de ensino baseadas nesses métodos partem do
pressuposto de que a aprendizagem é mais fácil quando
se parte das unidades mais elementares e simples
(em geral sem sentido), para, em seguida, apresentar
unidades inteiras e significativas (2005, p. 18).
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Abordando o mesmo tema, Barbosa afirma que
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
A instrução procede do simples para o complexo,
racionalmente estabelecidos: num processo cumulativo,
a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras,
frases e, finalmente, o texto completo. Estabelecese como regra geral que a instrução não deve avançar
no processo sem que todas as dificuldades da fase
precedente estejam dominadas (1994, p. 47).
Segundo Ferreiro e Teberosky, os métodos sintéticos
partem do seguinte pressuposto
Na aprendizagem, está em primeiro lugar a mecânica
da leitura (decifrado o texto) que, posteriormente, dará
lugar à leitura “inteligente” (compreensão do texto
lido), culminando com uma leitura expressiva, onde se
junta a entonação (1985, p. 19).
Podemos citar como exemplos os métodos alfabéticos
e os silábicos. Nesses, são realizadas atividades de repetição,
em que os alunos têm de memorizar todas as letras e agrupálas, formando sílabas. Depois de conhecer um conjunto
de padrões silábicos, precisam formar palavras e frases. Só
posteriormente, é dada atenção aos textos que circulam nos
espaços extraescolares.
Dentre outros variantes dos métodos sintéticos, podem
ser citados os métodos fônicos. Sobre esses métodos, Roazzi,
Ferraz e Carvalho (1996, p. 3) salientam que
Basicamente, trata-se de fazer pronunciar as letras,
aprendidas uma de cada vez, de acordo com seu valor
fônico, como se pronunciam enquanto unidades das
palavras.
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Em suma, como já foi dito, os métodos sintéticos
seguem uma sequência delimitada por etapas fixas em que o
trabalho com as unidades menores da língua (letras, fonemas,
sílabas, palavras) precede as situações de reflexão acerca das
unidades maiores (textos). Textos produzidos especificamente
para o processo de alfabetização, cujas finalidades e forma
composicional não são comuns nos espaços extraescolares,
são recorrentemente usados por profissionais que adotam tal
perspectiva metodológica.
Os métodos analíticos, por outro lado, vieram se
estabelecer no final do século XX e tiveram grande influência
da psicologia genética. Seus defensores acreditavam que
as abordagens sintéticas não ofereciam um aprendizado
significativo por serem mecânicas, artificiais e não funcionais.
A proposta dos métodos analíticos, sobretudo os globais,
é partir do todo, ou seja, das palavras, das frases e dos textos
para, posteriormente, analisar os componentes dos mesmos:
letras e sílabas. No entanto, também nesta abordagem é
comum o uso de textos criados especificamente para o processo
de alfabetização, distanciados, portanto, dos que circulam em
outras esferas de interação.
Os métodos analíticos trouxeram a inovação de partir
das palavras, unidades maiores e que têm sentido para as
crianças. No entanto, também é mecânico e monótono, pois
se fundamentam, sobretudo, em atividades de memorização
de palavras ou pequenos textos.
Nicholas Adams foi o precursor dessa visão global da
aprendizagem quando afirmou que “[...] quando se quer
mostrar um casaco para uma criança, não se começa dizendo e
mostrando separadamente a gola, depois os bolsos, os botões,
a manga do casaco. O que se faz é mostrar o casaco e dizer para
a criança: “isto é um casaco”. (citado em Barbosa, 1994, p.50).
Partindo dessa mesma ideia, Decroly e Degand (1906) citam
as abordagens ideovisuais. Ou seja, o processo de aquisição de
leitura e escrita é primeiramente visual, partindo do concreto
(frases) para o abstrato (letras e sílabas).
Em contraposição aos métodos sintéticos, surgiram
abordagens que propunham, desde o início da alfabetização,
a presença de atividades em que os aprendizes pudessem
debruçar-se sobre as unidades menores e as maiores de
forma quase simultânea. As palavras eram decompostas e
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
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recompostas, para provocar no aluno a tomada de consciência
de que o todo se compõe das partes. Nesta perspectiva, havia
uma aposta em que os estudantes deveriam ter contato com
palavras e/ou pequenos textos desde o início da escolarização
e, ao mesmo tempo, analisarem suas partes constituintes.
Os métodos analítico-sintéticos sugerem, desse modo,
que a alfabetização se dá por meio dos processos de composição
/ decomposição de palavras. Galvão e Leal (2005) salientam
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Entre as variações do método analítico- sintético,
encontramos a Palavração. Com ele, o aluno aprende
palavras e depois as separa em sílabas para com estas
formar novas palavras (p. 24).
Coutinho (2005) resume de maneira clara a relação
entre os três métodos: “embora houvesse divergências entre os
três, ambos percebiam a aprendizagem do sistema de escrita
alfabética como uma questão mecânica, a aquisição de uma
técnica para a realização do deciframento.” (p. 48). Não há, nas
perspectivas citadas, ênfase no processo de compreensão dos
princípios do sistema alfabético de escrita, ou seja, nenhum
dos três propõe um trabalho em que os estudantes precisem
pensar sobre o funcionamento do sistema.
Foi através dos estudos sobre a psicogênese da língua
escrita, realizados por Emília Ferreiro e seus colaboradores,
que o pensamento construtivista mudou as visões a respeito
do processo de apropriação alfabética. De acordo com Mortati
(2006)
O construtivismo se apresenta não como um método
novo, mas como uma “revolução conceitual”,
demandando, dentre outros aspectos, abandonaremse as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o
processo de alfabetização e se questionar a necessidade
das cartilhas (p. 10).
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Segundo Ferreiro (1992), a escrita pode ser vista de duas
maneiras: “como uma representação da linguagem ou como
um código de transcrição de unidades sonoras” (p. 10). Nos
métodos citados anteriormente, a escrita é vista da segunda
forma, como um código, que deve ser memorizado.
Ainda de acordo com a autora, “a invenção da escrita
foi um processo histórico de construção de um sistema de
representação, não um processo de codificação.” (p. 12). Desse
modo, para Ferreiro (1992), a criança também se apropria
de um sistema de representação e não simplesmente de um
código. A autora acredita que o primeiro passo para saber quais
os conhecimentos que o indivíduo apresenta sobre a escrita é
analisar os escritos dele, ou seja, é através dessa análise que se
podem conhecer os níveis de escrita dos alunos.
Ferreiro (Idem) ainda afirma que “o modo tradicional
de se considerar a escrita infantil consiste em se prestar atenção
apenas nos aspectos gráficos dessas produções, ignorando os
aspectos construtivos.” (p. 18). A partir dos estudos de Ferreiro,
as escritas e as aprendizagens das crianças foram vistas de outro
ângulo, o que proporcionou um avanço bastante significativo
sobre como as crianças se apropriam do sistema de escrita
alfabética. Nesta perspectiva, as crianças podem, desde muito
cedo, refletir sobre a “lógica” que regula a escrita alfabética,
ou seja, os princípios de funcionamento do sistema de escrita.
Propõe-se, desse modo, um ensino problematizador, em que
os estudantes em interação com a escrita e com seus pares,
possam elaborar hipóteses e entender como se dão as relações
entre a pauta sonora e o registro gráfico.
No entanto, outro problema pode ser apontado em
relação aos métodos de alfabetização citados anteriormente
(sintéticos, analíticos e analítico-sintéticos): não havia
articulação entre a aprendizagem inicial da escrita e os usos
sociais dessa ferramenta cultural. Os textos usados eram
“artificiais”, dado que não circulavam em espaços sociais
extraescolares. Foram os estudos sobre o letramento que
fizeram emergir orientações didáticas acerca do trabalho
com textos autênticos no processo de alfabetização, tal como
discutiremos adiante.
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
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A alfabetização na perspectiva do letramento
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Na década de 1980, no Brasil, ganhou grande
destaque nos debates sobre educação o termo “analfabetismo
funcional”, que indicava que as pessoas sabiam “ler”, porém
não compreendiam; e sabiam escrever apenas textos escolares.
Para combater tal fenômeno, era preciso entender que ler e
escrever são práticas sociais. O termo letramento, de acordo
com Soares (1999), é a versão para o Português da palavra
de língua inglesa literacy, que é “o estado ou condição que
assume aquele que aprende a ler e escrever” (p. 17). O termo
letramento, no Brasil, não substitui a palavra alfabetização.
Ele aparece associado a ela. Segundo Albuquerque (2005)
Podemos falar ainda nos dias de hoje, de um alto índice
de analfabetos, mas não de “iletrados”, pois sabemos
que o sujeito que não domina a escrita alfabética, seja
criança, seja adulto envolve-se em práticas de leituras e
escritas através da mediação de pessoas alfabetizadas, e
nessas práticas desenvolve uma série de conhecimentos
sobre os gêneros que circulam na sociedade (p. 16).
O sujeito está inserido num mundo letrado. Todos os
dias eles têm contato com distintos textos com finalidades
diferentes. Mesmo sem nunca ter ido à escola, as pessoas fazem
uso da escrita e da leitura através de outras pessoas.
Após o surgimento da concepção de alfabetizar na
perspectiva do letramento, foram sendo introduzidos nas salas
de aulas diversos gêneros textuais. No entanto, debates vêm
ocorrendo até os dias atuais acerca de como abordar os gêneros
nas práticas escolares. Santos e Albuquerque (2005) abordam
esse assunto da seguinte forma
Educ. foco,
Juiz de Fora,
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Sendo a escola lugar específico de ensino-aprendizagem,
não é possível reproduzir dentro delas as práticas
de linguagem de referência tais quais aparecem na
sociedade. Ao entrar no processo de ensino, as situações
de produção textual, embora remetendo às situações nas
quais tais textos são utilizados nas práticas de linguagem
na sociedade, apresentam características peculiares à
situação de ensino em que estão inseridas (p. 96).
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
Tal princípio é discutido de modo aprofundado por
autores como Dolz e Schneuwly (2004), que defendem que
os gêneros textuais, ao serem contemplados nos currículos
escolares, sofrem desdobramentos, pois deixam de ser apenas
um instrumento de interação e passam a assumir também o
status de objeto de ensino.
Como resultado dos estudos do letramento, temse assumido que, desde o início da escolarização, é preciso
inserir os estudantes em situações em que eles tenham que
interagir por meio de textos autênticos, entrando em contato
com os diferentes usos sociais da escrita. No entanto, muitos
debates têm sido travados no tocante à necessidade, ou não,
de abordar a aprendizagem do sistema alfabético de escrita por
meio de atividades específicas de apropriação desse sistema.
Há, no bojo desse debate, uma idéia de que a simples imersão
dos estudantes em situações de leitura e produção de textos já
garantiria a alfabetização.
Desse modo, deparamo-nos, atualmente, no Brasil, com
pelo menos três modos de encarar a alfabetização
1) Ênfase na aprendizagem do “código”, por meio de métodos
silábicos ou fônicos, com pouca atenção aos processos de
letramento;
2)Ênfase no letramento, por meio de atividades de leitura e
produção de textos, sem atenção à aprendizagem específica
do sistema de escrita, que ocorreria como decorrência do
próprio letramento;
3) Ênfase simultânea à aprendizagem do sistema de escrita, por
meio de atividades de reflexão sobre o funcionamento da
base alfabética, e à inserção dos estudantes nas práticas de
letramento.
Nesta pesquisa, um dos objetivos era, como apresentado
anteriormente, identificar se tais concepções são encontradas
entre docentes da Educação Básica e quais as relações entre
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Educ. foco,
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v. 18, n. 2, p. 243-268
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as concepções explicitadas pelas docentes e suas práticas de
ensino. Apresentaremos, a seguir, a metodologia usada para
tal investigação.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Metodologia de pesquisa
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A pesquisa foi realizada através de trabalho de campo
em escolas municipais da cidade do Recife e da Região
Metropolitana (Igarassu e Paulista). Participaram da primeira
fase da pesquisa 12 professoras alfabetizadoras, com idades
entre 25 e 49 anos, com formações distintas: uma delas tinha
concluído o Magistério; quatro estavam cursando Pedagogia;
duas já eram graduadas em Pedagogia; duas eram graduadas
em Letras; duas eram graduadas em História; e, por fim, uma
graduada em Filosofia. O tempo que lecionavam variava de 2
a 28 anos e o tempo que lecionavam nos anos 1 e 2 do Ensino
Fundamental variou entre 1 e 13 anos. Das doze professoras
pesquisadas, onze afirmaram participar de formações
continuadas.
Três etapas foram seguidas nesta investigação. A primeira
etapa consistiu na aplicação de um questionário às professoras,
que nos deu suporte para a análise das opções metodológicas
das docentes pesquisadas acerca da alfabetização e para a
caracterização do grupo investigado. A análise do questionário
foi realizada em duas fases: a exploração geral das respostas,
para a construção das categorias e a releitura das respostas
para aprofundamento das análises, considerando as categorias
criadas. Com base na leitura minuciosa, foi realizada a
montagem de um quadro com as respostas das docentes que
nos ajudou, posteriormente, a realizar as análises.
Sobre as vantagens do questionário, Gressler diz:
“provavelmente a maior vantagem do questionário é a sua
versatilidade. A maior parte dos problemas que exigem
anonimato pode ser pesquisada por meio de questionário,
uma vez que o mesmo assegura maior liberdade em expressar
opiniões.” (1979, p. 55).
Baseando-se nas análises dos questionários, foram
escolhidas quatro professoras para participar da etapa
seguinte da pesquisa. O critério de seleção foi a necessidade
de contemplar professoras que explicitassem diferentes
opções metodológicas de alfabetização. Assim, as professoras
escolhidas tinham as seguintes características:
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
• Professora 1: disse que adotava a perspectiva do letramento
e quando questionada sobre como alfabetizava seus
alunos, só listou atividades de leitura e escrita de textos.
• Professora 2: afirmou que o melhor era o construtivismo
e que ela o adotava. Citou atividades com textos e com
unidades linguísticas menores (palavras e letras), mas com
pouca diversidade.
• Professora 3: disse que os métodos tradicionais eram
os melhores, mas utilizava um pouco de cada; indicou
atividades variadas.
• Professora 4: afirmou que o melhor método era o
socioconstrutivismo, mas adotava um pouco de cada;
listou atividades com textos e com palavras, evidenciando
uma prática diversificada.
Na segunda etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista
com as quatro professoras citadas, para que elas pudessem
detalhar melhor suas formas de condução do trabalho docente,
para, então, aprofundarmos as análises das concepções de
alfabetização delas e entendermos melhor as suas práticas.
A entrevista é um instrumento que nos abre um enorme
leque sobre o tema pesquisado, pois, diferentemente do
questionário, em que os indivíduos organizam suas ideias
para responder de forma escrita, na entrevista, as docentes
estavam em situação de conversa face-a-face, fato que ajudou
a aprofundar suas respostas. Segundo Gressler (1979, p. 61),
na entrevista “o entrevistador tem condições de aclarar as
questões e encorajar o investigado a fornecer informações mais
completas e de observar o que o entrevistado diz e como diz:
gestos, expressões faciais, alterações da voz etc.”.
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Educ. foco,
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jul. / out. 2013
Na terceira etapa, foram escolhidas duas professoras
dentre as quatro que demonstraram concepções diversas
sobre alfabetização. As professoras escolhidas foram as que
demonstraram opiniões distintas sobre alfabetização. Escolhemos
a professora 3, que dizia adotar métodos tradicionais, e a
professora 4, por ela ter defendido o socioconstrutivismo.
Foram realizadas dez observações de aulas de cada
professora. O período foi de três meses, contando, em média,
com intervalos de sete dias entre as observações. Assim como
nas entrevistas, as aulas foram gravadas. Após as observações,
foram feitos relatórios dessas aulas, onde estavam disponíveis
informações sobre as atividades realizadas.
De acordo com Marconi e Lakatos (2007, p. 193), a
observação “permite a evidência de dados não constantes do
roteiro de entrevista ou de questionários.” Tal procedimento
nos mostrou a prática das docentes pesquisadas de forma mais
direta, além de nos permitir conhecer as atividades realizadas
e as contribuições que as mesmas podiam dar no processo de
alfabetização das crianças.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Resultados
Com os resultados obtidos nos questionários, nas
entrevistas e nas observações, pudemos responder algumas
indagações feitas no início do nosso trabalho, as quais serão
apresentadas nos tópicos a seguir.
As professoras adotam algum método
alfabetização? Qual (quais) método(s) diziam adotar?
de
Diante das respostas apresentadas pelas docentes no
questionário, pudemos categorizá-las em 2 grupos:
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Juiz de Fora,
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• Grupo 1: professoras que disseram adotar um método
específico.
• Grupo 2: professoras que disseram usar um pouco de
cada método.
No grupo 1, foram classificadas cinco professoras que
disseram adotar um método específico. As cinco citaram
abordagens de base interacionista. Três dessas professoras
disseram que usavam o “método do letramento” e duas delas,
o “construtivismo”. Como sabemos, nem o letramento e
nem o construtivismo são propostas metodológicas. No
entanto, podemos entender que as docentes identificavam
tais abordagens como métodos por conceberem que há
determinados princípios didáticos articulados aos pressupostos
do construtivismo e às orientações dadas por autores que
discutem sobre o letramento.
Diferenças entre essas docentes foram observadas em
relação aos tipos de atividades citados para alfabetizar.
As três professoras que disseram usar o “letramento”
afirmaram que faziam atividades centradas em textos (leitura
e escrita de diferentes gêneros textuais). Uma das professoras
acrescentou também a atividade de ditado, mas o foco principal
dela era o texto. Tal opção decorre de uma posição sobre
alfabetização de que é suficiente proporcionar o contato dos
alunos com os textos que eles passam a escrever com autonomia.
No entanto, como discutimos anteriormente, tal idéia é
oposta ao que defendem autores como Morais e Albuquerque
(2005), que mostram evidências de que para que os estudantes
dominem o sistema de escrita é importante promover atividades
em que eles tenham que pensar sobre o funcionamento da
base alfabética. Apenas uma dessas professoras que disse usar o
letramento citou também o trabalho com os nomes dos alunos,
além de citar tarefas de composição e decomposição de palavras
e identificação de semelhanças sonoras e gráficas. Isto é, ela
realizava atividades especificamente voltadas para o ensino do
funcionamento da base alfabética, embora não enfatizasse tais
estratégias didáticas.
As duas professoras que disseram usar o construtivismo
afirmaram usar alguns materiais que continham textos, mas
pudemos verificar que tais materiais favoreciam reflexões sobre
palavras. Uma delas falou que utilizava cartazes e cartões com
palavras. Não explicou o que fazia com tais materiais, mas
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
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Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
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usava recursos que possibilitavam análises de palavras. A outra
professora também dizia utilizar textos, mas citou atividades
centradas em reflexões sobre palavras ao indicar a utilização
de listas. Pudemos também inferir alguma preocupação com
reflexão fonológica quando a professora afirmou que utilizava
muitos poemas infantis, parlendas, quadrinhas, trava-línguas,
dentre outros textos que estimulam a tomada de consciência
sobre semelhanças sonoras.
Nenhuma das cinco docentes enfatizou atividades
diversificadas de composição / decomposição de palavras,
ordenação de sílabas ou letras, dentre outras que poderiam
ajudar as crianças a compreender mais especificamente o
funcionamento do sistema de escrita. Pudemos observar que
as docentes apresentaram respostas em que havia atividades
pouco diversificadas e baixíssima preocupação com as
atividades centradas nas palavras. Nenhuma citou atividades
problematizadoras de reflexão sobre unidades menores que
as palavras, como as sílabas e letras ou fonemas. Salientamos
que os teóricos do construtivismo (como Emília Ferreiro e
Ana Teberosky) sugerem que é necessário fazer as crianças
pensarem sobre a lógica de construção do sistema. Não há, nas
propostas dessas autoras, restrição à utilização de atividades
centradas nas palavras e outras unidades, como parecem supor
as docentes que dizem utilizar tal perspectiva.
Duas dessas professoras que disseram adotar um
método específico foram escolhidas para a fase de entrevista. A
professora 1, porque dizia adotar o letramento e afirmava que
utilizava apenas textos para alfabetizar. A professora 2, porque
dizia adotar o construtivismo e afirmava que usava, além de
jornais e outros suportes para o contato com textos, listas
e pequenos textos de tradição oral: poemas, trava-línguas,
parlendas, dentre outros.
Seis professoras disseram utilizar em sua prática docente
um pouco de cada método, sendo, por isso, classificadas no
grupo 2, descrito anteriormente.
Apenas uma professora citou métodos sintéticos como
sendo os melhores. Ela afirmou que os melhores métodos
de alfabetização são Casinha Feliz e Se Liga. Os dois citados
são embasados em abordagens sintéticas (métodos fônicos e
silábicos). Esta professora, apesar de dizer que estes métodos
são os melhores, dizia adotar um pouco de cada método.
Afirmou também que trabalhava com leitura de textos em sala
de aula. Na listagem dos gêneros que ela dizia adotar, foram
contemplados textos de tradição oral, como parlendas, travalínguas e poemas infantis.
Uma das professoras disse que o melhor método é o
socioconstrutivismo, mas afirmou que misturava diferentes
métodos. Na listagem das atividades citadas por ela, foram
variados os tipos de reflexão acerca de diferentes unidades
linguísticas: palavras, sílabas, letras... Dada esta variedade citada
por ela, ela foi escolhida para participar da fase 2 da pesquisa.
Das quatro professoras restantes, duas afirmaram utilizar
em sua prática um pouco de cada método. As atividades citadas
pelas duas docentes foram pouco diversificadas. Uma citou
apenas o trabalho com leitura e escrita de vários gêneros textuais
e ditados variados. A outra citou atividades com gêneros textuais
presentes na cultura popular (cantigas de rodas, músicas,
quadrinhas, parlendas.) e leitura e escrita do próprio nome.
As outras duas professoras afirmaram utilizar em sua
prática docente os métodos tradicionais. Sendo que, uma delas
dizia usar também o letramento e a outra, o construtivismo.
As atividades citadas pela docente que dizia trabalhar com o
letramento consistiam no trabalho com leitura e escrita de
vários gêneros textuais, ditados diversificados e atividades com
lacunas. Não foram citadas atividades de análise das unidades
menores das palavras. Já a professora que dizia utilizar o
construtivismo citou atividades diversificadas que além de
priorizar os textos, favoreciam a reflexão sobre as unidades
menores das palavras.
Nesta fase da pesquisa, pudemos verificar a variação de
concepções das docentes, havendo, no entanto, predomínio
de um discurso que valorizava mais as atividades de leitura
e produção de textos e menos as atividades de apropriação
do sistema alfabético de escrita, mesmo quando as professoras
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
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diziam que preferiam as abordagens mais tradicionais.
Escolhidas as quatro professoras, buscamos aprofundar as
análises, realizando entrevistas para aprofundar as análises
sobre quais eram suas concepções acerca dos métodos que
diziam adotar. Trataremos disso no próximo tópico.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
Quais concepções as professoras explicitaram sobre
os métodos de alfabetização?
Educ. foco,
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Analisando as respostas das professoras sobre os métodos
que conhecem e como são eles, obtivemos os seguintes
resultados:
A professora 1 disse apenas conhecer o “método” baseado
na perspectiva de letramento e que, de acordo com a mesma,
é apenas o trabalho com textos e o contato do aluno com a
leitura. “Proporcionar ao aluno o contato maior com a leitura”.
As docentes 2 e 4 afirmaram conhecer o Construtivismo
e o Montessori, sendo que, a professora 4 ainda citou como
métodos tradicionais - o Casinha Feliz e o “Alfa e Beto” - e o
método de “Paulo Freire para jovens e adultos”. Salientou que
“(...) os métodos na sua maioria visam estabelecer a relação
grafofônica das palavras, mas fogem da realidade cultural, social
e econômica do aluno.” Nas entrevistas, elas mostraram pouco
aprofundamento sobre as perspectivas metodológicas citadas.
A professora 3 disse conhecer apenas métodos baseados
na abordagem sintética, o Casinha Feliz, que a professora
defendeu que era o melhor. Ela destacou o trabalho de
fantoches com letras e fonemas; o Parabéns, conceituado por
ela como sendo o trabalho com o “letramento tradicional”;
e o Se Liga, que, segundo a professora, trabalha com palavra
chave, família silábica e com música.
Podemos concluir, então, que as quatro docentes, apesar
de citarem vários métodos, entendiam muito pouco sobre eles.
Elas tinham idéias vagas a respeito dos métodos de alfabetização
tradicionais e tinham construído uma representação de que o
letramento seria um método baseado no trabalho exclusivo
com textos.
As professoras 1, 2 e 4, como já foi afirmado, defendiam
que o foco principal do trabalho é o texto, ou seja, a
prioridade dada, segundo seus depoimentos, era a dimensão
do letramento. A professora 4 salienta que:
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
(...) a escrita é uma construção conceitual de trajetória
e reflexão. No letramento, não há preocupação com a questão
motora, a escrita não é tratada como um código. Letrar é
familiarizar o aprendiz com diversos usos sociais da leitura e
escrita. Letrado é alguém que se apropriou suficientemente da
escrita e da leitura a ponto de usá-las com desenvoltura, com
propriedade, para dar conta de suas atribuições sociais.
Esta professora foi escolhida para participar da terceira
parte da pesquisa, a observação das aulas, por defender
enfaticamente o trabalho exclusivo com textos.
A professora 3, como já foi dito, foi a única que defendeu
os métodos sintéticos, mas, ao mesmo tempo, afirmou que
contemplava tanto o trabalho com textos, quanto o trabalho
com unidades menores: letras, sílabas. Por isso, escolhemos
esta docente para a terceira parte da pesquisa.
O discurso das professoras alfabetizadoras
pesquisadas condiz com a sua prática em sala de aula?
Análise das aulas observadas.
A professora 3, na entrevista, dizia que “(...) eu trabalho
textos diversificados, trabalho os fonemas, padrões silábicos, o
alfabeto que é indispensável para que o aluno aprender a ler
e a escrever.”. Isto é, mesmo sem ter domínio conceitual,
demonstrava acreditar no princípio de que é necessário
trabalhar com textos e com unidades menores que o texto
(fonemas, sílabas...). Para essa docente, o trabalho com essas
unidades menores caracterizaria os métodos que ela citou no
questionário e na entrevista. A professora mostrou evidências
de que acreditava que é importante enfocar o texto e outras
unidades linguísticas.
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Educ. foco,
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Como já foi dito, a professora salientou que não
utilizava apenas um método e, sim, um pouco de cada.
Quando perguntada sobre o melhor método, ela afirmou:
“junção do Casinha Feliz com Se Liga seria ótimo”, mas não
argumentava as razões dessa junção. Na verdade, podemos
levantar a hipótese que é justamente porque nestes métodos
há atenção às correspondências grafofônicas, que, para ela,
seria uma perspectiva tradicional, na qual ela acreditava.
Observando a prática da docente 3, pudemos perceber
que a mesma realizava leitura de textos quase todos os dias, no
início da aula. Das dez aulas observadas, ela só não realizou
a leitura em voz alta para as crianças em três. No entanto,
dessas três aulas, apenas uma não envolvia o eixo leitura, que
foi a aula que a professora conversou sobre o dia das crianças e
propôs uma atividade de produção textual; as outras duas aulas
foram iniciadas com atividades envolvendo leitura, uma para
a leitura ser realizada pelas crianças em voz alta e outra para
que as mesmas escolhessem um livro para ler. Vemos, assim,
que ela contemplou em todas as aulas atividades envolvendo
textos.
Os gêneros textuais utilizados pela docente foram
cantigas de roda, lendas e fábulas, contos. Confrontando o
discurso e a prática da professora 3 em relação ao eixo leitura,
podemos afirmar que a docente realizava o que dizia realizar.
Na entrevista, ela disse que realizava leitura e o trabalho com
gêneros textuais. De fato, isso pôde ser constatado.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
“com o texto, eu faço as leituras pra eles. Procuro saber
deles o que eles já sabem sobre aquela... Se for uma receita ou
se for uma narrativa, o que eles já sabem sobre aquilo. Procuro
é... falar algumas partes assim, deixando que eles completem
pra que eles tenham a oportunidade também de participar ali
e de completar.”
Educ. foco,
Juiz de Fora,
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Em relação à escrita, a professora propôs somente uma
atividade de produção textual, a qual as crianças teriam de
elaborar um texto sobre o dia das crianças. Não houve indicação
do gênero, finalidade ou destinatário para o texto a ser escrito.
Concordamos com Soares (2003) quando ela salienta que
na escola pode acontecer a aprendizagem e desaprendizagem da
escrita “enquanto aprende a usar a escrita com as funções que
a escola atribui a ela, e que transformam em uma interlocução
artificial, a criança desaprende a escrita como situação de
interlocução real” (p. 73). Assim, essa professora, apesar de ter
realizado atividade de elaboração textual, conduziu a atividade
de modo desarticulado das práticas sociais de leitura e escrita.
O eixo da apropriação do sistema alfabético também
foi contemplado nas aulas observadas. No entanto, não havia
diversidade de atividades e as propostas didáticas não ajudavam
as crianças a problematizar o funcionamento do sistema de
escrita, evidenciando a influência dos métodos sintéticos em
sua prática.
Na primeira aula, a professora fez a leitura de todas as
letras do alfabeto, trabalhando os fonemas e a memorização
dos padrões silábicos. Identificamos, também, o trabalho com
ditados. Em duas aulas a professora fez um ditado mudo que
foi realizado em grupo, e um ditado comum para a fixação
de palavras com BR, CR, DR, FR,VR. Os escritos foram
corrigidos pela docente nos dois momentos, sem haver, no
entanto, nenhuma reflexão no decorrer da atividade.
Comparando seu discurso com a sua prática,
percebemos que havia muitas convergências. Em relação à
priorização do eixo da leitura, houve aproximação entre o que
ela dizia e fazia. De fato, ela priorizava tal eixo e contemplava
diferentes textos nas atividades de leitura. Outra convergência
pode ser salientada em relação ao eixo de apropriação da base
alfabética. Ela afirmava que os melhores métodos eram os
sintéticos e realmente as tarefas que levava para as crianças
tinham muita semelhança com as que são utilizadas em
perspectivas dessa natureza: eram atividades repetitivas e
pouco problematizadoras. Vemos, portanto, que a professora
usa um pouco de cada perspectiva citada por ela.
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
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Da discussão sobre letramento, ela usava a prática de
leitura de textos diversificados; dos métodos sintéticos, ela
adotava alguns tipos de atividades recorrentes nos manuais
que orientam tais práticas. Não havia, no entanto, uma
adoção da alfabetização na perspectiva do letramento, pois
nesta abordagem, as situações de ensino do sistema de escrita
seguem uma orientação mais problematizadora, como foco na
aprendizagem sobre o funcionamento do sistema de escrita
de modo articulado às atividades de leitura e de produção de
textos para atender a diferentes finalidades sociais.
A professora 4, diferentemente da professora 3, afirmou
concordar com a perspectiva de alfabetizar letrando. Salientou
ainda que o melhor método de alfabetização era o “sócioconstrutivismo”, porém, dizia que em sua prática utilizava um
pouco de cada método.
Durante o tempo em que foi observada, a docente
pareceu demonstrar aproximações entre o discurso e a prática.
No questionário, a mesma informou utilizar diferentes
recursos para alfabetizar seus alunos e isso foi constatado. A
docente selecionava textos de distintos gêneros textuais, como
parlendas, contos, receitas, bilhetes, quadrinhos, bulas, cartas,
anúncios, horóscopos, entre outros.
O eixo da leitura era trabalhado quase que diariamente.
A docente, ao ler histórias, fazia perguntas de antecipação para
atiçar a curiosidade dos alunos a respeito do texto e exibia para
as crianças a capa do livro, as ilustrações... Durante a leitura,
a professora fazia intervenções, a fim de estimular o interesse
e a participação das mesmas e após, fazia a interpretação oral
do texto. A professora trabalhava também com ordenação de
textos e quebra-cabeças de frases e textos.
A professora utilizava os textos, também, em atividades
que estimulavam os alunos a fazer a relação grafofônica através
de rimas, como foi o caso das parlendas: “Quando é que uma
palavra rima com a outra? Quando elas têm o mesmo final, né
gente?! Quando elas combinam. Tu, tatu. Tá vendo?”.
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Sobre o trabalho com gêneros, a professora salienta
que: “(...) são fundamentais, é... leitura de todos os gêneros e a
interpretação dos gêneros, trabalhando a estrutura de cada gênero,
mostrando que, que uma carta, um bilhete, uma poesia, uma
música... ela diferencia por... cada uma tem um objetivo, uma
funcionalidade...”
Em relação à produção de textos, no entanto, havia um
afastamento de uma perspectiva do trabalho com gêneros,
na medida em que não eram indicados os destinatários e as
finalidades dos textos a serem produzidos e nem os suportes
onde eles iriam circular.
Em uma das aulas, ela produziu, juntamente com os
alunos (texto coletivo), uma história a partir de uma gravura.
Durante a construção, a professora pediu para que eles
informassem o título que queriam dar à história, o nome dos
personagens, em que local estavam e ela registrava tudo no
quadro. “- O que eles estão fazendo, onde eles estão? Um é goleiro
e o outro é o quê? Digam aí.” ou “- E agora, o que aconteceu?”.
Como podemos perceber, o texto era um misto de descrição
de imagem e narrativa. Vemos, então, que o eixo de produção
de textos foi tratado de um modo bastante similar ao que era
proposta em perspectivas centradas em concepções de textos
como “tipos abstratos”, apartados dos gêneros que circulam
socialmente.
No eixo da aprendizagem da base alfabética, a professora
trabalhava com análise de palavras através de atividades com
caça-palavras, alfabeto móvel, ditado mudo, construção de
palavras a partir de padrões silábicos, bingo de palavras, cópia
de textos, produção de rimas. Ela fazia uso, por exemplo, do
caça-palavras para mostrar aos alunos que em uma palavra
pode conter uma ou mais palavras, além de estudar, também,
a correspondência grafofônica,
Assim como no discurso, a professora 4 mostrou que na
prática utilizava atividades diversificadas para que as crianças
avançassem na compreensão do sistema de escrita alfabética,
entendendo o que ele representa. No entanto, apesar de
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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trazer para sala de aula um quantitativo considerável de
gêneros, percebemos que a docente não trabalhava muito a
funcionalidade dos textos estudados.
Analisando o discurso e observando a prática das duas
docentes pesquisadas, percebemos que há mais aproximações
do que afastamentos entre os discursos proferidos pelas docentes
e a prática das duas professoras, contradizendo o senso comum
de que as professoras “dizem uma coisa e fazem outra”.
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Considerações finais
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Entender os princípios do sistema de escrita alfabética
não é tarefa fácil para o aluno, assim como alfabetizar não é
uma tarefa fácil para o professor. Por outro lado, aprender a
ler e produzir textos não é fácil, como também não é fácil
ensinar a ler e produzir textos. No entanto, o docente precisa
perceber que a aprendizagem do sistema de escrita ocorre
em um período delimitado, ao passo que as habilidades de
ler e produzir textos desenvolve-se durante toda a vida do
indivíduo. Antes mesmo de entrar na escola, os sujeitos
vivem num mundo letrado, mesmo não sendo alfabetizados e
após concluírem a educação básica continuam vivendo nesta
sociedade e lidando com variadas situações em que os textos
escritos circulam.
Cabe ao professor propor, em sala de aula, atividades
que ajudem o aluno a se apropriarem do sistema de escrita
alfabética e entender o uso do mesmo na sociedade, para que
sua prática como docente se assemelhe à maioria dos discursos
proferidos por muitos professores, que é alfabetizar para
formar cidadãos autônomos nas práticas de escrita e leitura no
meio em que vivem.
Das duas professoras, a que mais se aproximou desse
modo de conceber a alfabetização foi a professora 4, que
desenvolveu atividades de interpretação de textos e atividades
problematizadoras de apropriação do sistema de escrita,
embora no eixo de produção de textos tenha adotado uma
perspectiva distanciada desse modo de conceber o ensino
da língua. Essa professora, em seu discurso, explicitava a
necessidade de promover situações variadas de leitura e escrita
de textos, mas dizia que utilizava atividades com unidades
menores, aliando diferentes “abordagens”. Na realidade, ela
tinha consciência de que lançava mão de orientações didáticas
advindas de diferentes perspectivas teóricas.
A professora 1 também tinha essa consciência da
necessidade de contemplar atividades de leitura de textos e
atividades centradas em unidades menores da língua, mas
as influências sobre sua prática em relação à dimensão da
apropriação do sistema de escrita era de perspectivas sintéticas,
as quais a professores tomava como referência para ajudar as
crianças a ter autonomia no uso da escrita.
Em suma, duas principais conclusões podem ser
extraídas desse trabalho:
Professores
alfabetizadores: o
que dizem e o que
fazem
1 – As professoras adotam, no cotidiano da sala de aula,
perspectivas teóricas diversas, resultantes, sobretudo, da
necessidade de contemplar diferentes dimensões do trabalho
com a língua. Não havendo uma perspectiva teórica que auxilie
as professoras a garantir a aprendizagem do sistema de escrita
e ampliação das habilidades requeridas na interação por meio
dos diferentes gêneros textuais, elas lançam mão de orientações
advindas de diferentes modelos teóricos.
2 – Fortes relações entre o discurso e a prática foram encontradas.
Mesmo quando as docentes não explicavam de modo mais claro
os pressupostos teóricos das abordagens que diziam conhecer,
explicitavam princípios gerais relativos às abordagens teóricas
que eram orientadores de suas ações didáticas.
As duas conclusões citadas acima evidenciam que, na
formação continuada, é preciso atentar com cuidado ao que
dizem as professoras e entender suas escolhas. Há uma mistura
teórica que pode ser entendida se buscarmos compreender a
complexidade da alfabetização e os limites das abordagens
teóricas subjacentes às investigações desenvolvidas por
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pesquisadores. É possível enfocar as diferentes dimensões
da alfabetização sem preconceitos, buscando apreender que
conhecimentos diversos precisam ser apropriados pelos
estudantes e os professores precisam lançar mão das ajudas
disponíveis para isso.
Por outro lado, os resultados da pesquisa mostram que
é possível, e necessário, promover situações de teorização
da prática, pois as próprias docentes buscam articular os
princípios que explicitam às suas opções metodológicas. A
formação continuada pode ajudar os professores a realizarem
escolhas mais conscientes e responsáveis. Não nos pareceu
que as professoras simplesmente repetissem atividades, pois
havia uma coerência interna nas escolhas metodológicas. É
preciso colocar em evidência suas justificativas para as escolhas
cotidianas, favorecendo que reflexões teóricas aprofundadas
ampliem seus horizontes profissionais.
Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
Sheyla Cavalcante de
Arruda,
Telma Ferraz Leal
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Sandra Cristina
Oliveira da Silva,
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Arruda,
Telma Ferraz Leal
SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto. 2003
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte:
Autêntica, 1999.
ALPHABETIZER TEACHERS: WHAT THEY
SAY AND WHAT THEY DO
Abstract
In this article we have discussed the results of a research that
analyzed the relations between the teachers’ discourse about
methodological options related to the alphabetization
process and the teaching practices. The methodology
consisted of a questionnaire application to a twelve teacher
group, the making of interviews with four teachers, and the
observation of twenty classes from two docents. The results
have showed that there was variation on the teachers’ concept
of alphabetization, predominating, nevertheless, not the
valorization of written alphabetic system but the literacy
dimension. Four teachers have highlighted the work with
linguistic units smaller than words. The results have made
still it clear that there have been approximations between
docents’ discourse and practice. We have concluded that
the continuous formation of alphabetizer teachers needs
to be conducted in a way that we can take into account
teachers’ conceptions in order of understanding their
methodological options.
Keywords: Alphabetization. Literacy. Methods of
alphabetization.
Data de recebimento: janeiro 2013
Data de aceite: abril 2013
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Resenha
Metodologias de pesquisas
pós-críticas em educação.
MEYER, Dagmar Estermann; PARAÍSO, Marlucy
Alves (Orgs.). Belo Horizonte: Mazza Edições,
2012.
Gabriela Silveira Meireles1
O livro Metodologias de pesquisas pós-críticas em educação
nos traz uma nova visão a respeito dos caminhos de pesquisas
realizados em educação. Percebendo-os para além da fixidez
aparentemente relacionada ao delineamento de uma pesquisa,
o livro nos convida a transformar nossos modos de pesquisar
em processos criativos individuais, a partir dos quais podemos
nos posicionar, nos constituir enquanto pesquisadores e
pesquisadoras. Ampliar nossos modos de ver, insistir na tarefa
de desconstruir e reconhecer nossa capacidade de inventar. Eis
a potência destes escritos sobre a arte de pesquisar!
Este livro nos conduz a alguns lugares. O primeiro
se refere à falta de um destino único e certo para se chegar.
Entrar e sair do barco quando bem entendermos consiste em
percebermos a riqueza das nossas escolhas ao caminharmos,
ao pesquisarmos. O segundo benefício talvez seja nos
apropriarmos da lógica do movimento; ainda que parado, o
barco aguarda por um novo movimento e segue navegando.
Neste caso, o destino é o que menos importa. Mais valem
as escolhas do caminho. O terceiro consiste em colocarmos
para dentro do barco aquelas mercadorias/ ferramentas que
pretendemos utilizar durante a viagem e também desprezarmos
outras mercadorias/ ferramentas, caso sintamos a necessidade
de não mais as utilizarmos naquele instante. Pesquisar assim,
como nos mostra o livro, é assumir os riscos, os imprevistos e
os custos de uma viagem. É mergulhar num oceano, imergir,
1
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
[email protected]
Resenha
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afundar, naufragar, para também deixar surgir, emergir, sair
dele renovado, transformado.
É neste clima que apresento os dois grupos de pesquisa
a partir dos quais as pesquisas aqui descritas se produziram.
Aqui me refiro ao GECC – Grupo de Estudos e Pesquisas
sobre Currículos e Culturas –, coordenado pela Professora
Doutora Marlucy Alvez Paraíso – e ao GEERGE – Grupo
de Pesquisa em Educação e Relações de Gênero, coordenado
pela Professora Doutora Dagmar Estermann Meyer. Sobre as
pesquisas que irei aqui descrever, cabe aqui ressaltar a nãoreferência a um único método ou modo de navegar. Dentro
da perspectiva pós-crítica, acredita-se que “a metodologia
deve ser construída no processo de investigação e de acordo
com as necessidades colocadas pelo objeto de pesquisa e pelas
perguntas formuladas” (MEYER; PARAÍSO, 2012, p. 15).
No capítulo 1, intitulado Metodologias de pesquisas
pós-críticas em educação e currículo: trajetórias, pressupostos,
procedimentos e estratégias analíticas, Paraíso (2012) explicita
as teorias que orientam o seu modo de navegar/ pesquisar,
denominando-as de teorias pós-críticas, cuja tarefa principal
consiste em inventar e ressignificar as questões até então
propostas. O pressuposto geral assumido pela autora é a de que é
possível “pesquisar em educação sem um método previamente
definido a seguir” (PARAÍSO, 2012, p. 25). A partir desse
pressuposto, a autora narra algumas das premissas que definem
o modo como ela e outros/ outras pesquisadores/ pesquisadoras
desta vertente teórica conduzem suas investigações. Premissas
que vão desde o estabelecimento de algumas mudanças nas
formas de vermos, ouvirmos, sentirmos, fazermos e dizermos
o mundo, passando pela ampliação das categorias de análise,
que passaram a englobar questões de gênero, raça, etnia, idade,
cultura, regionalidade, etc, até a insistência na diferença e na
multiplicidade em detrimento da identidade e da diversidade.
Paraíso (2012, p. 33-41) se arrisca ainda a construir alguns
trajetos e procedimentos, traduzidos em 10 itens: 1) Articular
e ‘bricolar’!; 2) Ler!; 3) Montar, desmontar e remontar o já dito!;
4) Compor, decompor e recompor; 5) Perguntar, interrogar!; 6)
Descrever!; 7) Analisar as relações de poder!; 8) Multiplicar!; 9)
Poetizar!; 10) Estar à espreita!.
No segundo capítulo, denominado Abordagens pósestruturalistas de pesquisa na interface educação, saúde e gênero:
perspectiva metodológica, Meyer (2012, p. 48) apresentanos alguns alertas para a leitura deste livro e também deste
capítulo, dentre eles o “pressuposto de que teoria e método
são indissociáveis e de que nossas opções metodológicas
precisam fazer sentido dentro do referencial teórico no qual
as inscrevemos”. Nele Meyer (2012, p. 49) expõe que “têm
privilegiado o exame de processos educativo-assistenciais
e de artefatos culturais que se vinculam a, repercutem em,
ou se desdobram dessas políticas e ações”. Ao delimitar um
campo teórico e político aos quais o modo de pesquisar está
relacionado, a autora anuncia “determinadas possibilidades de
elaborar perguntas e objetos de pesquisa, planejar a investigação,
movimentar-se no processo de sua implementação, operar
sobre o material empírico que nele produzimos e compor o
texto que resulta da análise que dele fazemos” (MEYER, 2012,
p. 49). A autora apresenta ainda algumas dicas metodológicas
importantes, tais como: duvidar do instituído; abrir mão de
sentidos e conceitos homogêneos e fixos; assumir enfoques
teóricos que estimulam a desnaturalização e a problematização
das coisas que aprendemos; abrir mão da preocupação de
localizar relações de causa e efeito, origens e processos de
evolução; tomar o exame do poder como elemento central
dos textos sob análise; relacionar condições de emergência das
posições de sujeito e/ ou objetos estudados; estranhar o que é
aceito como normal, desnaturalizando-o.
O capítulo 3, intitulado O uso da etnografia pós-moderna
para a investigação de políticas públicas de inclusão social,
aborda o uso do método etnográfico no estudo de políticas
públicas de inclusão social por dois autores em suas pesquisas.
A primeira, realizada por Carin Klein, se define pela realização
do que ela denomina de “trabalho de campo”, o qual foi
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delineado a partir do cruzamento de informações de diferentes
fontes – documentos oficiais, atividades do PIM (serviço de
orientação às famílias), entrevistas com técnicos/as, visitadoras
e mulheres-mães participantes. A segunda, realizada por José
Damico, apresenta as “fontes de pesquisa” por ele utilizadas
– documentos oficiais, panfletos de divulgação, narrativas
literárias, musicais e fílmicas, anotações das recordações de
campo, transcrições de grupos de discussão e entrevistas. Um
aspecto a ser destacado, refere-se à apropriação pelos autores
de termos próprios da metodologia etnográfica, tais como:
observação participante, diário de campo, entrevistas. Cabe
observarmos ainda que a estes procedimentos se acrescentam
outros, como: o grupo de discussão e as narrativas literárias,
musicais e fílmicas. Estaria aí a justificativa para a nomeação
desse modo de navegar – “etnografia pós-moderna”? Seria
possível então agregar procedimentos distintos e criar para
isso um novo nome? Ou, como diriam os próprios autores
deste capítulo, seria a “polifonia” uma marca característica de
um estilo de escrita pós-moderna? Seria a escrita pós-moderna
um “processo interativo” por excelência, em suas diversas
dimensões? Esta interação poderia ser estendida às várias
metodologias existentes? Haveria como misturar, integrar
diferentes metodologias/ modos de navegar em uma mesma
navegação?
No capítulo 4, denominado “‘Etnografia de tela’:
uma aposta metodológica”, as autoras partem da ideia de um
percurso teórico-metodológico com um desenho bastante
peculiar, já que trabalham com “imagens em movimento”
– TV e cinema como telas a serem etnografadas. Apontamno assim como um “recurso metodológico” que se articula
aos estudos de gênero e sexualidade numa perspectiva pósestruturalista. O termo “etnografia de tela” foi tomado de Rial
(apud BALESTRIN; SOARES, 2012, p. 89), definido como
“uma metodologia que transporta para o estudo do texto da
mídia procedimentos próprios da pesquisa antropológica,
como a longa imersão do pesquisador no campo, a observação
sistemática, registro em caderno de campo etc”. Diante disso,
proponho algumas problematizações: Que aproximações
e distanciamentos existem/ surgem entre a perspectiva
pós-estruturalista e os estudos da antropologia? Para nos
apropriarmos ou fazermos uso de alguns dos procedimentos
desenvolvidos pela etnografia precisamos também incorporar/
trabalhar/ operar com os conceitos teóricos que subsistem a
essa metodologia? Mais especificamente, seria possível uma
“longa imersão do pesquisador no campo” em se tratando de
análises fílmicas, por exemplo? Para isso seria necessário se
relacionar com o/a diretor/a, produtor/a, roteirista do filme
no ato da construção do enredo do filme? Bastaria participar
do momento da encenação do filme? Em que consistiria uma
observação sistemática de uma tela ou imagem em movimento?
Seria assistir várias vezes à mesma imagem e capturar dela os
mínimos detalhes? Em que consistiria o registro em caderno
de campo nessas pesquisas? O que deveria ser anotado? Não
seria a própria imagem uma forma de registro? Como captar
as constantes alterações feitas pela própria tela? Por fim, as
autoras sinalizam que “o caminho aqui trilhado pode inspirar
outras leituras e, em sabe, novas apostas metodológicas”
(BALESTRIN; SOARES, 2012, p. 107).
O capítulo 5, intitulado Etnografia + netnografia +
análise do discurso: articulações metodológicas para pesquisar
em Educação, discute as composições metodológicas ao
analisar o processo de produção das subjetividades juvenis na
contemporaneidade a partir da interação com a cibercultura
e o ciberespaço. O foco de sua pesquisa foi a análise da
interface entre o discurso do Orkut (site de relacionamentos)
e do currículo de uma escola pública de ensino médio. A
autora apresenta como base de seu referencial teórico os
estudos foucaultianos e demais autores pós-estruturalistas.
No entanto, também traz em seu texto citações de autores da
antropologia, ligados à etnografia. Diante disso me pergunto:
Que bases epistemológicas apresentam tais teorias? Será
que podemos relacioná-las sem fazer possíveis distinções? A
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autora trata ainda de alguns procedimentos relacionados à sua
pesquisa, como as entrevistas no ciberespaço e a observação no
ciberespaço, caracterizando-os como “netnografia”. Segundo
Pinto apud Sales (2012, p. 116), “a netnografia utiliza os
conceitos da etnografia de modo (re-) significado, aplicados o
universo ciberespacial para a análise da cibercultura”.
No capítulo 6, denominado Entrevistas on-line
ou algumas pistas de como utilizar bate-papos virtuais em
pesquisas na educação e na saúde, Félix (2012, p. 133) nos
fala sobre os desafios da utilização da internet no âmbito das
pesquisas e destaca algumas questões éticas específicas, tendo
como objetivo principal “discutir como as ferramentas de
comunicação instantânea podem ser úteis para a produção
de material empírico de pesquisa com jovens”. Para este
trabalho, foram realizadas entrevistas (bate-papos) por meio
de uma ferramenta de comunicação instantânea – o MSN ou
Menssenger e Gtalk enquanto “estratégia metodológica” para
conversar com jovens que vivem com HIV/AIDS. A técnica
da entrevista on-line, segundo Flick apud Félix (2012, p. 135),
“é uma forma de adaptação das entrevistas convencionais para
a internet”. A partir das entrevistas, a pesquisadora conta que
foi levada a questionar suas incertezas, suspeitar e tensionar
seus conhecimentos e saberes em relação aos jovens +.
O capítulo 7, nomeado Afinidades e afinações pós-críticas
em torno de currículos e de gosto duvidoso, narra, no formato de
uma carta ao leitor, da produção de currículos nas músicas.
Mais especificamente, o interesse do autor consistiu em
perceber o que efetivamente se ensina nas músicas de forró
eletrônico. Maknamara (2012, p. 159) assume, então, o
desafio de “investigar e mapear as novas linguagens por ele
disponibilizadas para falar dos e para os sujeitos”. Escreve ainda
sobre algumas decisões metodológicas e os procedimentos
adotados em sua pesquisa.
O capítulo 8, denominado A entrevista narrativa
ressignificada nas pesquisas educacionais pós-estruturalistas,
tem como objetivo “apresentar a entrevista narrativa como
uma possibilidade de pesquisa ressignificada no campo de
pesquisa pós-estruturalista em uma perspectiva etnográfica”
(ANDRADE, 2012, p. 173). De imediato, já podemos nos
indagar sobre a frase acima: O que seria um campo de pesquisa
pós-estruturalista? E uma perspectiva etnográfica? Como
ambos se relacionam? O texto trata dos estudos de gênero e
investiga as relações entre juventudes e escolarização. Andrade
(2012, p. 192) considerou as observações “como narrativas,
como modos de dizer sobre si e sobre o/a outro/a; ou seja, não
foram entrevistas simplesmente, foram entrevistas narrativas”.
Com isso, a autora diz ter aprendido a ouvir o silêncio e
suportá-lo, a lidar com o inesperado.
No capítulo 9, intitulado Grupo focal na pesquisa em
educação: passo a passo teórico-metodológico, Dal`igna (2012,
p. 196) inicia afirmando que “para pesquisar, é necessário
aprender a andar, dar os primeiros passos. Um bom jeito
de começar é seguir os passos de outros, mais experientes, e
imitá-los para aprender com o – e a partir do – que foi
realizado”. Neste texto, a autora apresenta o passo a passo
teórico-metodológico de sua pesquisa de doutorado, onde
descreve e problematiza a relação família-escola. Ela afirma
ter desenvolvido um “trabalho de campo” utilizando dois
procedimentos metodológicos: o grupo focal e a entrevista.
Em seguida, destaca alguns princípios teórico-metodológicos
da investigação e descreve a escolha dos seus método(s) de
pesquisa.
O capítulo 10, denominado Nos rastros de uma bruxa,
compondo metodologias alquimistas, Cardoso (2012, p. 219)
recorre aos feitios alquimistas de uma bruxa para “pensar
modos pelos quais se pode compor metodologias sem os
excessos de rigidez e de recomendações que, tradicionalmente,
têm permeado a ciência moderna”. Ao propor uma
metodologia alquimista, a autora afirma ter analisado um
currículo, argumentando que “é possível articular elementos da
etnografia pós-moderna com a análise de discurso foucaultiana
e compor uma metodologia que atende aos pressupostos pós-
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críticos” (CARDOSO, 2012, p. 219-220). Para isso, analisa a
produção do sujeito Homo experimentalis em um currículo de
aulas experimentais de Ciências de uma escola pública de Belo
Horizonte. Por fim, ela afirma que “a metodologia alquimista
gosta do não método, da mistura, da magia, da possibilidade,
do proibido, do risco” (CARDOSO, 2012, p. 237). O que
seria então esta escolha por um “não método”? Seria a ausência
de métodos? Seria o que a autora chama de “mistura”? E essa
“mistura”, seria a mistura de quaisquer métodos? Não haveria
aí uma desvalorização do dos modos de se fazer pesquisa?
No capítulo 11, intitulado O uso da metodologia queer em
pesquisa no campo do currículo, Reis (2012, p. 243) conceitua a
metodologia queer e escreve sobre os modos de fazer pesquisa
pensados a partir dessa teoria, tendo como tarefa “explicitar
os modos pelos quais alguns corpos são produzidos”. A autora
define a metodologia queer como “aquela que se utiliza de
‘diferentes métodos para coletar e produzir informações
[e] rejeita a exigência acadêmica de uma coerência entre as
disciplinas’”. Novamente aqui me parece que o problema não
é a utilização de diferentes métodos para se obter informações
durante a pesquisa, mas talvez sim a ausência de preocupações
com o mínimo de coerência; não entre as disciplinas, mas
entre as diferenças teóricas e conceituais de duas ou mais
abordagens metodológicas. Será que podemos realmente
misturar qualquer coisa/ qualquer metodologia?
O capítulo 12, denominado O uso das imagens como
recurso metodológico, analisa os discursos e as imagens de
corpos grávidos veiculadas na revista Pais e Filhos, inspirado
nas abordagens teórico-metodológicas dos estudos culturais e
dos estudos feministas. Partindo do entendimento de que as
imagens formam e informam, a autora reconhece “as imagens
como um texto discursivo e enunciativo, visível, que também
conta a nossa história contemporânea” (SCHWENGBER,
2012, p. 265). Desse modo, a autora passa a compreender “a
maternidade sob uma perspectiva educativa” (p. 275).
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No capítulo 13, intiltulado Mapas, dança, desenhos:
a cartografia como método de pesquisa em Educação, o autor
destaca a necessidade de “irrigar a pesquisa em educação com
virtualidades desconhecidas para que o já conhecido não vire
uma camisa de força, para se criarem muitos modos de pesquisar
em educação” (OLIVEIRA, 2012, p. 280). Ao desenvolver
sua pesquisa, ele se propôs a “investigar as potencialidades e
virtualidades contidas na equação Currículo + Teatro + Artaud”.
Investigou os espaços institucionais privilegiados de produção
de imagens de pensamento de currículo, de teatro e do próprio
Artaud. Utilizando a Filosofia da Diferença de Gilles Deleuze,
Oliveira (2012, p. 280) trata “a cartografia como método de
pesquisa em educação e poder”. Para o autor, a cartografia
desterritorializa, “converte o método em problema, torna-se
metodologicamente inventiva” (OLVIEIRA, 2012, p. 282).
Inspirada por estes textos, destaco aqui a necessidade de
buscarmos construir modos próprios de pesquisar. Isso não
significa abandonar as metodologias já existentes, nem inventar
modos completamente diferentes de pesquisar simplesmente
para romper com elas. Trata-se sim, ao meu ver, de saber fazer
os cruzamentos, as misturas, as reinvenções necessárias em cada
uma dessas metodologias. Parece-me que é isto que propõem
as metodologias pós-críticas: a criação de um percurso
metodológico que atenda às peculiaridades de cada pesquisa,
de acordo com o objeto de estudo escolhido. O/a pesquisador/a
deixa de ser então aquele que destrincha um objeto, revelando
sua essência e passa a ser aquele/a que descreve de que forma
ele foi construídos e seus modos de funcionamento. Isto ocorre
porque, como nos mostra Traversini (na contracapa do livro),
“aprendemos com as metodologias pós-críticas que pesquisar
é fazer política, é lutar interessadamente para que as formas
de viver na contemporaneidade não sejam reduzidas, e sim
amplificadas”.
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Autores
Ana Mae Barbosa
Nasceu no Rio de Janeiro. Foi educada no Recife. Fez Mestrado e Doutorado nos
Estados Unidos. É Professora Titular da USP e da Anhembi Morumbi. Ensinou
nos USA, na Universidade de Yale e na The Ohio State University. Tem artigos
publicados em livros e revista de várias nacionalidades. Tem 21 livros publicados,
sendo os mais recentes: Abordagem Triangular no ensino das Artes e Culturas
Visuais (org com Fernanda P. da Cunha, 2010); A imagem no Ensino da arte
(2009); Interterritorialidade (org com Lílian Amaral, 2008); Ensino da Arte:
memória e história (2008); Arte/Educação Contemporânea (2005); O pósmodernismo (org. com Jacó Guinsburg, 2005); John Dewey e o Ensino da Arte no
Brasil ( 2001); Tópicos Utópicos (1998), etc. Foi presidente da Associação Nacional
de Pesquisadores em Artes Plásticas (ANPAP) e da INSEA/UNESCO. Dirigiu o
Museu de Arte Contemporânea da USP (86-93). Recebeu o Prêmio Internacional
Sir Herbert Read (1999) e a Comenda da Ordem Nacional do Mérito Cientifico
do Brasil (2005) entre outros prêmios.
Roberto Carvalho de Magalhães
Nascido em São Paulo em 1958, depois de cursar a Faculdade de Letras da
Universidade de São Paulo, Roberto Carvalho de Magalhães estudou Crítica de Arte,
Filosofia da Arte, Historiografia Artística, Teoria da Conservação e da Restauração
e Museologia com Carlo Ludovico Ragghianti (1910-1987), em Florença, onde
reside desde 1984. De 1988 até hoje, exerce a atividade de pesquisador e docente
de História da Arte e Museologia na Università Internazionale dell’Arte de Florença
(Itália). Trabalhou como crítico do jornal La Nazione (Florença) e como consultor,
para a história da arte, da editora McRae Books. Autor de livros e ensaios de
história da arte e museologia em várias línguas, colabora com Critica d’Arte desde
1988. Recentemente, no Brasil, fez a curadoria da exposição, e do relativo catálogo,
A Arte do Mito (Museu de Arte de São Paulo, 2007) e a co-curadoria da exposição
Virtude e Aparência: a caminho do moderno (Museu de Arte de São Paulo, 2008).
Aida Sánchez de Serdio Martín
Aida Sánchez de Serdio es profesora de la unidad de Pedagogías Culturales en la
Facultad de Bellas Artes de la Universidad de Barcelona (España) donde coordina
el master “Artes visuales y educación: un enfoque construccionista”. Sus ámbitos
de investigación son la educación, las prácticas artísticas colaborativas y las políticas
culturales, temas sobre los que ha publicado diversos artículos. Ha colaborado
en la organización de diversas jornadas sobre museos y educación (“Pràctiques
Dialògiques” 2007 y 2009, Museu Es Baluard de Palma de Mallorca; “El complejo
educativo: (des)encuentros entre políticas culturales y pedagogías” 2011, La
Virreina Centre de la Imatge de Barcelona). Es miembro de la Red de Profesionales
en Educación en Museos y Centros de Arte.
Fernando Herraiz García
Fernando Herraiz García es profesor dentro de la Unidad de Pedagogías Culturales
en la Facultad de Bellas Artes (Universidad de Barcelona) impartiendo asignaturas
como: Pedagogía del Arte, y Antropología y Sociología del Arte. Su trabajo de
tesis doctoral abordaba los Estudios de las Masculinidades como campo de
investigación haciendo especial hincapié en los aprendizajes de género y sexo en el
ámbito escolar. En la actualidad, forma parte del grupo de investigación Esbrina y
el grupo de innovación docente Indaga-t vinculados a la Universidad de Barcelona
donde desarrolla su trabajo reflexionando sobre relaciones pedagógicas emergentes
en diferentes contextos educativos.
Anderson Ferrari
Professor adjunto da faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz Fora
(UFJF) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF. Pós-doutor em
Cultura Visual e Educação pela Universidade de Barcelona e Doutor em Educação
pela UNICAMP.
Roney Polato de Castro
Licenciado em Ciências Biológicas, Mestre e Doutorando em Educação do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Juiz Fora
(UFJF). Professor Assistente da Faculdade de Educação da UFJF.
Ana Maria Mauad
Ana Maria Mauad, doutora em História Social pela Universidade Federal
Fluminense, com pós-doutorado no Museu Paulista da USP. Atualmente é
professora do Departamento de História, do Programa de Pós-Graduação em
História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF, desde
1992 e do CNPq desde 1996. Dedica-se ao ensino de teoria e metodologia da
história. É autora do livro Poses e Flagrantes: estudos sobre história e fotografias
(Eduff, no prelo), e de vários artigos e capítulos de livros sobre temas ligados à
História da cultura, cultura visual e História da Imagem, especialmente fotografia.
Josep María Caparrós-Lera
282
Doctor en Filosofía y Letras (1980) y profesor de la Universitat de Barcelona (UB)
desde 1982, es catedrático de Historia Contemporánea y Cine en la misma UB,
además de Director del Centre d’Investigacions Film-Història. Editor de la revista
Filmhistoria desde 1991, es miembro de la Academia de las Artes y las Ciencias
Cinematográficas de España y de la Academia del Cinema Català. Antiguo crítico
cinematográfico y autor de más de 40 libros especializados, fue vicepresidente de la
International Association for Media and History (IAMHIST, Oxford) desde 1987
a 1993. El año 2007, el Círculo de Escritores Cinematográficos (CEC, Madrid) le
otorgó la Medalla a la Mejor labor literaria y periodística por toda su trayectoria
profesional.
Cristina Souza da Rosa
Cristina Souza da Rosa é formada em história pela Universidade do Estado de
Santa Catarina. Mestre em história social pela Universidade Federal Fluminense
(UFF). Doutora em história social pela UFF. Atualmente é pesquisadora do centre
d’investigaciòn Film-história, pertencente à Universidade de Barcelona. Autora de
diversos artigos relacionados ao tema cinema e história.
Ana Maria Cavaliere
Professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Integrante do
Núcleo de Estudos Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi- UNIRIO) e
coordenadora do Grupo de Estudos dos Sistemas Educacionais (Gesed-UFRJ).
Lígia Martha Coelho
Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Coordenadora do Núcleo de Estudos
Tempos, Espaços e Educação Integral (Neephi-UNIRIO).
Sandra Cristina Oliveira da Silva
Sandra Cristina Oliveira da Silva é graduada em Pedagogia e mestranda em
educação pela Universidade Federal de Pernambuco. Atua como professora do
Ensino Fundamental I na rede pública da cidade do Paulista – PE
Sheyla Cavalcante de Arruda
Sheyla Cavalcante de Arruda é graduada em Pedagogia na Universidade Federal
de Pernambuco.
Telma Ferraz Leal
Telma Ferraz Leal é doutora em Psicologia pela Universidade Federal de
Pernambuco. Atua como professora da UFPE, no Centro de Educação. Pesquisa
principalmente os seguintes temas: leitura, produção de textos, alfabetização. É
coordenadora do Centro de Estudos em Educação e Linguagem, onde desenvolve
atividades de formação de professores, produção e análise de materiais didáticos
e de propostas curriculares. Atua no Programa de Pós-Graduação em Educação
da UFPE, orientando dissertações e teses no Núcleo de Educação e Linguagem.
Até 2010, publicou 17 artigos em periódicos científicos, 41 capítulos de livros e
organizou 05 livros.
283
Gabriela Silveira Meireles
Pedagoga formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Psicóloga formada
pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Durante a graduação, foi bolsista
PROBIC e CNPq no projeto de iniciação científica “Inclusão: desvelando sentidos
nos cursos de Pedagogia e Psicologia das IFES mineiras” e participou como
voluntária do projeto intitulado “A pesquisa em Educação Especial no Brasil:
aspectos epistemológicos”, ambos na Universidade Federal de Juiz de Fora. Atua
na área da Educação, principalmente com questões ligadas à Diversidade Humana,
Educação Infantil, relações de Ensino-Aprendizagem, didática e prática ensino,
metodologia de ensino, relações de Poder e os estudos sobre Sexualidade e Relações
de Gênero. É Mestre em Educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora, com
defesa da dissertação intitulada “A infância nas tramas do poder: um estudo das
relações entre as crianças na escola”, onde trabalha a relação entre infância e poder
na perspectiva foucaultiana destacando as relações institucionais especificamente
vivenciadas na escola, as relações entre adultos e crianças, as relações entre as
crianças e de cada uma delas consigo mesmas. Participa do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (GESED), sob
a coordenação do Prof. Dr. Anderson Ferrari, na Universidade Federal de Juiz
de Fora. Trabalhou como professora substituta na Universidade Federal de Juiz
de Fora, onde lecionou as disciplinas “Processos de Ensino e Aprendizagem”;
“Psicologia da Educação I” e “Prática Escolar I”, vinculadas ao departamento de
Psicologia da Educação. Trabalhou como Coordenadora Pedagógica em uma escola
pública da rede municipal de Juiz de Fora, que atende desde a Educação Infantil até
os anos finais do Ensino Fundamental. Foi professora regente de uma turma do 1º
ano do Ensino Fundamental em uma escola pública da rede municipal de ensino
de Juiz de Fora. Atualmente é doutoranda em educação pela Universidade Federal
de Minas Gerais, cujo projeto pretende investigar o currículo dos Blogs educativos,
com ênfase nas relações de gênero e nas sexualidades.
284
Resumo das Dissertações
A(Contra) reforma da
educação pública em Minas
Gerais: o programa de
Resumo das
Dissertações
avaliação da rede pública de
educação básica/PROEB em
análise
Autor: Josiane Cristina dos Santos
Orientador: Rubens Luiz Rodrigues
Data da defesa: 08 de junho de 2010
Esta dissertação foi desenvolvida com os seguintes
objetivos: (i) compreender a apropriação da política de
avaliação da educação básica – Programa de Avaliação da Rede
Pública de Educação Básica/Proeb – por professores e gestores
das escolas públicas estaduais; (ii) analisar como esta política de
avaliação se insere no contexto da gestão escolar e das práticas
pedagógicas; (iii) compreender que significado tem a palavra
“qualidade” para os profissionais envolvidos no processo
educacional das escolas públicas (iv) analisar os impactos do
Proeb nestas escolas, no que diz respeito ao currículo, práticas
pedagógicas e práticas de gestão. Realizou-se um estudo
teórico orientado pelo materialismo histórico-dialético,
buscando, a partir das leituras realizadas, compreender a
política neoliberal de avaliação da educação imposta às escolas
mineiras a partir dos anos 90. Neste estudo observou-se
que as políticas implementadas no sistema educacional em
Minas Gerais no contexto da (contra) reforma seguiram os
pressupostos neoliberais e buscaram alcançar maior eficiência
e produtividade das escolas. Em Minas Gerais, a avaliação do
Proeb tem representado o controle do Estado sobre as escolas
públicas. Esta política de avaliação se insere de maneira
arbitrária no contexto escolar, determinando os objetivos
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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jul. / out. 2013
do trabalho pedagógico. Tal situação tem contribuído para a
proletarização do trabalho docente. O Proeb tem ditado não só
o que deve ser trabalhado, a partir da definição das habilidades
e competências a serem desenvolvidas, mas também a maneira
como o docente deve realizar seu trabalho, interferindo na
autonomia pedagógica. Apesar do discurso da necessidade da
avaliação externa para a melhoria da qualidade da educação, o
modelo de avaliação do Proeb não considera as complexidades
do processo educativo, pauta-se apenas no produto, no
resultado final, indicando sua orientação para a perspectiva
do “exame”, que nada tem contribuído para o alcance de
uma educação de qualidade. Além disso, esta avaliação não
oferece critérios legítimos para avaliar a qualidade da educação
ofertada, compreendendo por educação de qualidade aquela
que oferece uma formação histórico-cultural que atenda
às necessidades e expectativas dos alunos e da comunidade
escolar. Conclui-se que a avaliação externa tem sido utilizada
pelo Estado como mais um instrumento para regular o
trabalho docente e para avaliar seus resultados.
Palavras-chave: Educação. Avaliação externa. Gestão
escolar. Trabalho docente. (Contra)reforma.
Resumo das
Dissertações
Educ. foco,
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288
As condições do trabalho
Resumo das
Dissertações
docente e o processo
ensino-aprendizagem nos
anos iniciais do Ensino
Fundamental
Autor: Glaúcia Fabri Carneiro Marques
Orientador: Maria da Assunção Calderano
Data da defesa: 06 de julho de 2010
Esta dissertação tem como objetivo principal investigar
as condições do trabalho docente e sua interferência no
processo ensino-aprendizagem nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Como perspectiva metodológica optou-se pela
concepção filosófica do Realismo Crítico, tendo por base
alguns de seus princípios, segundo os quais se compreende
o processo de pesquisa como uma busca contínua de fatores
que se relacionam internamente e sustentam os fenômenos
analisados, indo além das aparências observadas. Para o alcance
do objetivo central, realizou-se inicialmente um levantamento
da produção de estudos referentes ao trabalho docente e às
condições de trabalho do professor a partir da década de 1990
no Brasil e na América Latina. Apesar da pouca produção de
estudos que aprofundem mais o tema central, encontraram-se
referências importantes que o abordavam em relação a aspectos
fundamentais como à qualidade do ensino e a saúde docente.
Podem ser citados, entre outros, os estudos de Tardif e Lessard;
Campos e Körner; Codo; Sampaio e Marim. Também se
destacam trabalhos organizados por diversos órgãos, tais como
INEP, UNESCO e CNTE. Empenhou-se também na busca de
uma organização e reflexão acerca das concepções relacionadas
ao conceito de trabalho e profissão docente, analisando como
elas se inserem no contexto atual e que repercussões apresentam
no cotidiano escolar. Neste campo podem ser citados os
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
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trabalhos de Nóvoa, Costa, Villela, Gadotti; Viannna. Com o
propósito de articular o campo teórico do empírico, esse estudo
também baseou-se em três fontes de dados. A primeira refere-se
a dados primários, levantados no âmbito desse estudo, através
de entrevistas semiestruturadas. As entrevistas foram realizadas
com professor e coordenador de duas escolas de Juiz de Fora,
(uma da rede estadual de ensino e outra da rede municipal)
e com uma representante sindical de cada rede de ensino. As
outras duas fontes são secundárias e referem-se respectivamente
à pesquisa interinstitucional e ao Censo Escolar. Na pesquisa
interinstitucional, analisaram-se questões relacionadas às
condições de trabalho docente, que pudessem oferecer uma
dimensão diferenciada aos assuntos abordados. Através do
trabalho com o Censo Escolar, buscou-se enriquecer as análises
sobre a relação entre infraestrutura escolar e qualidade do
ensino. Os resultados obtidos com a realização desse estudo
indicam a importância das condições de trabalho para o
bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. No
âmbito escolar, destacam-se as questões referentes à gestão
escolar, número de alunos em sala, violência do entorno
social e utilização de recursos e equipamentos escolares. Nos
aspectos relacionados à carreira docente destacam-se o vínculo
empregatício e o plano de carreira. Além de o processo ensinoaprendizagem sofrer interferência das condições de trabalho do
professor, observou-se que a saúde docente, condição primeira
para a efetivação do trabalho, não pode ser desvinculada das
discussões relacionadas à qualidade do processo escolar.
Palavras-chave: Condições de trabalho docente. Profissão
docente. Processo ensino-aprendizagem.
Resumo das
Dissertações
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Práticas Alfabetizadoras:
Resumo das
Dissertações
ressignificando a questão
metodológica
Autor: Mary Luci Silva de Paula
Orientador: Luciane Manera Magalhães
Data da defesa: 05 de julho de 2010
Esta dissertação tem por objetivo compreender o modo
como são construídas as práticas alfabetizadoras hoje, tendo em
vista a questão metodológica. Para tanto, empreendeu-se uma
pesquisa de cunho qualitativo, na qual foram entrevistadas seis
professoras da rede pública de ensino de Juiz de Fora - MG,
com mais de dez anos de atuação nas classes de alfabetização.
Os aportes teóricos principais assentam-se nas obras de autores
que abordam especificamente sobre a alfabetização, como
Soares, Frade, Araújo, Ferreiro, Casasanta, Cagliari e outros. A
análise dos dados, construída no entrecruzamento dos relatos
das professoras e do arcabouço teórico, organiza-se em torno
de quatro temas: (i) A constituição do ser alfabetizadora, (ii) As
estratégias metodológicas mais utilizadas para alfabetizar, (iii)
Formação continuada e saberes considerados indispensáveis às
alfabetizadoras e (iv) As dificuldades e facilidades na tarefa de
alfabetizar crianças. A análise dos dados apontou para a existência
de uma pluralidade de práticas alfabetizadoras, consolidadas
na experiência longitudinal das professoras. Constatou-se,
ainda, que os procedimentos mais utilizados para alfabetizar
aproximam-se, majoritariamente, de princípios do método
silábico, embora tenhamos identificado outros elementos na
busca de um trabalho pedagógico inovador e interessante. Os
critérios informados pelas professoras para a escolha e mistura
dos vários princípios metodológicos mostraram-se pouco
precisos e algumas vezes equivocados. Há que reconhecer-se
que a questão metodológica não se configura como a razão
maior do fracasso das práticas alfabetizadoras, porém, as
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Educ. foco,
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reflexões tecidas nesta investigação indicam a necessidade
de uma retomada desta temática, tão silenciada nos meios
escolares, para a construção de propostas possivelmente mais
eficazes e conscientes por parte das professoras.
Palavras-chave: Alfabetização. Métodos.
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Dissertações
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Blogs Literários nas aulas
de Língua Portuguesa: uma
Resumo das
Dissertações
possibilidade de autoria
Autor: Maria Leopoldina Pereira
Orientador: Maria Teresa de Assunção Freitas
Data da defesa: 09 de julho de 2010
Partindo da constatação de que os blogs literários têm se
tornado um importante instrumento de produção e divulgação
da escrita literária, e que a internet é na contemporaneidade
um campo no qual os jovens transitam, a presente pesquisa
busca compreender, junto a três professoras do Ensino
Fundamental II do Colégio de Aplicação João XXIII,
de que maneira os blogs literários podem se constituir
como uma possibilidade de formação do aluno–autor
no processo de produção escrita no interior das aulas de
Língua Portuguesa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa
de abordagem histórico-cultural fundamentada em Lev S.
Vygotsky e Mikhail Bakhtin. Para tal apresenta-se um percurso
histórico dos blogs na rede mundial de computadores, com
ênfase nas suas utilizações no Brasil, realizando uma revisão de
literatura em trabalhos acadêmicos, livros e sites que tratam do
tema. Discute-se a escolarização da literatura e a sua relação
com a internet. Os blogs literários são compreendidos enquanto
gênero do discurso, tendo como base a concepção de gêneros
discursivos presente na teoria enunciativa da linguagem de
Bakhtin e seu Círculo. Os conceitos de imaginação, arte,
desenvolvimento, aprendizagem e mediação em Vygotsky
orientam a compreensão do trabalho com blogs literários
no espaço escolar. A investigação se desenvolveu através dos
seguintes instrumentos metodológicos: a observação no
processo de construção dos blogs literários com os alunos e
as entrevistas dialógicas com as três professoras envolvidas. A
análise de dados está organizada em três categorias: (a) os blogs
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Educ. foco,
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literários enquanto gênero do discurso; (b) o blog literário
enquanto possibilidade de autoria e (c) o papel mediador do
professor.
Palavras-chave: Blogs literários. Autoria. Formação do
aluno - autor.
Resumo das
Dissertações
Educ. foco,
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Brincar(es) na infância:
Resumo das
Dissertações
possibilidades no contexto
da doença falciforme e
hemofilia
Autor: Luciana da Silva de Oliveira
Orientador: Léa Stahlschmidt Pinto Silva
Data da defesa: 20 de agosto de 2010
O presente estudo investigou como o brincar se faz
presente no cotidiano de crianças portadoras de doença
falciforme e de crianças portadoras de hemofilia. Trata-se de
sujeitos que possuem uma doença crônica no sangue, com
a qual terão de conviver ao longo de toda a vida. Devido
a isso, demandam cautela quando à prática de atividades
extenuantes. A fim de responder minha questão, decidi
realizar uma triangulação envolvendo entrevistas com as
mães, desenhos com as crianças e observação do contexto
escolar em que estão inseridas. Os achados foram analisados
na perspectiva do paradigma indiciário na linha de Ginzburg,
compreendendo que cada dado se constitui como peculiar.
Como respaldo teórico, busquei as contribuições de dois
grandes autores: Winnicott e Vigotski. O primeiro foi
médico pediatra e, ao imbricar-se no mundo da psicanálise,
buscou compreender questões diversas da natureza humana,
dentre as quais o brincar. Com base em suas contribuições,
desvelei, junto à maternagem suficientemente boa, o contexto
familiar da doença, bem como a relação do brincar com a
saúde. Com Vigotski, na linha do materialismo históricodialético, busquei compreender os aspectos do brincar no
espaço da vida, entre as pessoas e as instituições que medeiam
as relações construídas socialmente. É esse autor quem me
auxilia a dialogar com as crianças e a compreender tanto as
possibilidades do brincar, como o contexto escolar dos sujeitos
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pesquisados. Os achados me levaram a concluir que, apesar de
demandar certos cuidados para a manutenção do bem estar do
sujeito, a doença falciforme e a hemofilia não impedem que
a criança tenha qualidade de vida e que o brincar, mesmo nas
ocasiões mais delicadas, em que os sintomas se agravam, não
apenas pode ser exercido e explorado, como contribui para a
promoção da saúde.
Palavras-chave: Brincar. Doença falciforme. Hemofilia.
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Dissertações
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Estágio Supervisionado,
Resumo das
Dissertações
espaço e tempo de formação
do pedagogo para a atuação
profissional
Autor: Geiza Torres Gonçalves de Araújo
Orientador: Maria de Assunção Calderano
Data da defesa: 18 de agosto de 2010
Esta investigação tem por objetivo central analisar a relação
entre teoria e prática presente no Estágio Supervisionado do
curso de Pedagogia e o significado atribuído a esse componente
curricular desenvolvido no curso de formação inicial, pelos
discentes e pedagogos que hoje atuam no ensino fundamental
em algumas escolas públicas e particulares da cidade de Juiz de
Fora. Buscam-se possíveis relações entre as experiências vividas
no estágio e a prática pedagógica atual desses profissionais. O
estágio supervisionado nesta pesquisa caracteriza-se enquanto
campo de conhecimento e também valiosa oportunidade de
imersão no campo profissional favorecendo a construção de uma
praxis educativa. A praxis educativa é entendida, na perspectiva
de Vásquez, como prática intencional, interpretativa e criadora
sendo neste sentido transformadora. Além desse autor, esta
pesquisa toma como base as principais contribuições teóricas de
diversos pesquisadores como: Libâneo, Pimenta, Franco,Tardif,
Bourdieu, Giddens entre outros. Para atingir os objetivos
propostos e realizar análises mais sistematizadas que permitam
uma nova visão sobre os processos de formação do pedagogo,
principalmente o relacionado ao estágio supervisionado,
optou-se por implementar três tipos de procedimentos de
coleta e análise de dados. O primeiro refere-se a uma análise
documental, através da qual se focaliza a base legal que sustenta
as concepções sobre o pedagogo e a sua formação. O segundo
conjunto de informações utilizadas e analisadas refere-se a dados
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Resumo das
Dissertações
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secundários, cuja fonte é uma pesquisa interinstitucional
intitulada “A Formação, o Trabalho dos Docentes que atuam
no Ensino Fundamental e a Avaliação Sistêmica das Escolas
Mineiras: um estudo comparado”, coordenada por Calderano
(2009) dentro da qual foi desenvolvido um survey contendo,
entre outros aspectos, questões relativas ao estágio. Decorrente
dos estudos documentais e temáticos e da análise da pesquisa
interinstitucional definiu-se o terceiro tipo de procedimento
de coleta e análise de dados realizado através de entrevistas com
professores da escola básica e com estudantes de Pedagogia de
uma Faculdade particular da cidade de Juiz de Fora. Foram
escolhidos dois subconjuntos de professores com os quais se
realizou, separadamente, uma entrevista semiestruturada.
Também as discentes do sétimo período do curso de
Pedagogia da Faculdade Metodista Granbery (FMG) que já
concluíram o estágio curricular constituíram parte do universo
dessa investigação e participaram, em outro momento, de
entrevista semiestruturada.
Além dos dados coletados a partir destas entrevistas
procedeu-se a análise dos documentos específicos de estágio:
Plano de Atividade de Estágio e Relatório de Estágio das
discentes, sujeitos desta pesquisa. Tal levantamento permitiu
a sistematização de pistas sobre os significados construídos a
partir da vivência dessa atividade no campo profissional. Esta
pesquisa pauta-se na ideia de que o estágio pode representar um
momento privilegiado de síntese teórico-prática, embora não
se constitua o único espaço para tal aproximação. Apesar dessa
ideia pautar toda a discussão neste trabalho, a análise dos dados
aponta ainda um distanciamento entre espaço de formação
profissional e campo profissional dificultando a construção
de saberes pedagógicos necessários à construção de identidade
numa perspectiva em que a articulação teoria, prática e reflexão
seja orientadora da atuação profissional do pedagogo.
Palavras-chave: Estágio Supervisionado. Formação do
Pedagogo. Praxis educativa. Relação teoria e prática. Saberes
docentes.
Argumentação e Direito:
Resumo das
Dissertações
as contribuições da
argumentação para o ensino
de direito
Autor: Johnny Marcelo Hara
Orientador: Márcio Silveira Lemgruber
Data da defesa: 25 de agosto de 2010
O presente estudo pretende relacionar a Teoria da
Argumentação, de Chaim Perelman e Olbrechts-Tyteca, (com
base no Tratado da Argumentação e em Ética e Direito) ao
ensino jurídico, através da utilização, nos âmbitos pertinentes
à razão argumentativa, da estrutura retórica, como ponto de
partida para o estudo da sistemática do direito e, em especial,
como metodologia de ensino, complementar à dogmática
do positivismo jurídico (a partir da Teoria Pura do Direito,
de Hans Kelsen). Estabelecida a relação entre a argumentação
e o ensino do Direito, suscita-se sua relevância em face da
crise instalada no ensino jurídico, particularmente quanto
à abordagem de noções e princípios fundamentais que
permeiam o direito, diante do constitucionalismo vigente
no Brasil. Como ilustração, foram realizadas entrevistas com
diretores de faculdades de Direito.
Palavras-chave: Teoria da argumentação. Chaïm
perelman. Crise do ensino de direito. Positivismo jurídico.
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Qualidade dos principais
Resumo das
Dissertações
indicadores educacionais
para o ensino básico no
Brasil
Autor: Gilson Luiz Bretas da Fonseca
Orientador: Tufi Machado Soares
Data da defesa: 30 de agosto de 2010
A partir do levantamento de indicadores educacionais
utilizados por relevantes organismos estrangeiros (OCDE e
NCES) e nacional (INEP), são selecionados os indicadores
mais relevantes utilizados no Brasil para avaliação de escolas
e redes de ensino básico: a taxa de atendimento, as taxas de
rendimento (aprovação, reprovação e abandono) e o IDEB.
Suas fontes (Censo Demográfico, PNAD, Censo Escolar e
sistemas de gestão educacional), com exceção do que se refere
à proficiência, são analisadas quanto à qualidade dos dados
produzidos e os indicadores selecionados têm avaliadas as suas
características de validade e fidedignidade.
Palavras-chave: Indicadores educacionais. Fontes de
dados educacionais. Qualidade de indicadores educacionais.
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O papel do diretor na
implementação do PDE
escola: experiências em Juiz
de Fora
Resumo das
Dissertações
Autor: Liane Miranda Silva Ramos
Orientador: Beatriz de Basto Teixeira
Data da defesa: 30 de agosto de 2010
Objetivamos neste trabalho estudar o Planejamento
Estratégico na Educação aplicado à Gestão Educacional como
instrumento de inovação gerencial, tendo como ponto de
partida a análise de um Programa do Ministério da Educação
(MEC) que vem sendo implementado nas escolas públicas
do país desde 1997, o Plano de Desenvolvimento da Escola
– PDE Escola. Dentro de um novo contexto educacional
e considerando as novas políticas públicas para a área após
o lançamento, em 2007, do Plano de Metas do Governo
Federal “Compromisso Todos pela Educação” e do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), fizemos uma abordagem
no que diz respeito à implementação dessa ação sob a ótica do
diretor, em seis escolas públicas municipais de Juiz de Fora que
apresentaram baixo Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (Ideb) no ano de 2007. Dessa forma, buscamos
compreender como se dá a implementação do programa no
âmbito da escola, tendo como foco o papel da liderança no
processo. A pesquisa de cunho qualitativo envolveu entrevistas
com diretores escolares e a análise dos dados encontrados
se deu com base na produção recente de autores do campo
da gestão escolar, como Dourado (2001), Fonseca (2003a,
2003b), Libâneo (2004), Lück (2008), Mendonça (2000),
Paro (1998), Teixeira (2010). Os resultados apontam que a
escola precisa apropriar-se de uma cultura de planejamento
tendo como articulador central o gestor, devendo esse exercer
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Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 287-302,
jul. / out. 2013
uma forte liderança e ser capaz de dialogar com todos os
segmentos da comunidade escolar de forma democrática, em
prol de uma educação de qualidade.
Palavras-chave: Diretor. Ideb. Liderança. PDE Escola.
Planejamento estratégico.
Resumo das
Dissertações
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 18, n. 2, p. 287-302,
jul. / out. 2013
302
Universidades que possuem
todos os exemplares da
Revista Educação em Foco
Universidade Federal São Carlos
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Universidade Federal de Londrina
Universidade Federal de Uberlândia
Universidade Federal de Pernambuco
Universidade Estadual do Centro-Oeste-Unicentro
Universidade Estadual do Maranhão
Universidade Estadual de Feira de Santana
Universidade de Fortaleza
Universidade Estadual Norte Fluminense
Universidade Estadual Paulista
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Universidade Estácio de Sá
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal de Santa Catarina
Universidade do Estado de Santa Catarina
Universidade do Estado de São Paulo – UNESP
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Universidade Estadual de Santa Cruz
Universidade de Lavras – Unilavras
Universidade de Cruz Alta – Unicruz
Universidade Federal de Itajubá
Universidade Federal de Ouro Preto
Universidade Federal de Minas Gerais
Universidade Federal de Juiz de Fora
Permutas
1. Educação Contemporaneidade
Revista da FAEEBA
2. Ciências & letras
Revista da Faculdade Porto-Alegrense de Educação, Ciências e
Letras
3. Revista Diálogo Educacional Programa de Pós-Graduação em
Educação – PUCPR
4. Ciência & Educação
5. Revista Brasileira de Filosofia
6. Instituto Brasileiro de Filosofia São Paulo
7. Revista do Centro de Educação UFSM
8. Série Estudos Periódicos do mestrado em Educação da UCDB
Educação escolar e formação de professores
Dossiê Educação Superior
9. Revista FAMECOS
Mídia, cultura e tecnologia.
Faculdade de Comunicação Social
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
10. Comunicações
Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Metodista de Piracicaba
11. Gestão em ação
Universidade Federal da Bahia UFBA
Faculdade de Educação – FACED
12. Entrelinhas
Revista do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos
Sinos
13. Revista Educação e Filosofia – Universidade Federal de
Uberlândia
14. Revista Nuances
Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”
15. Educação em Revista
Universidade Federal de Minas Gerais
16. Ideação Revista do Centro de Educação e Letras
Campus de Foz do Iguaçu – EDUNIOESTE
306
Normas para publicação
O envio dos artigos para a Revista Educação em Foco deverá ser feito
obedecendo as seguintes orientações:
A- Página de rosto
1- Título do artigo
2- Resumo do artigo em Português (05 linhas) ou Espanhol, conforme
a língua original do artigo
3- Resumo do artigo em inglês
4- Nome e titulação do(s) autor(es)
5- Endereço e telefone de contato do autor responsável pelo
encaminhamento do artigo. E-mail do autor, instituição que trabalha.
B- Corpo do trabalho
1- Título: em maiúscula e em negrito, separado do texto por um
espaço
2- Digitação: programa Word para Windows
3- Formatação
Papel tamanho A4
Margem superior com 3,0 cm
Margem inferior com 2,5 cm
Margem esquerda com 3,0 cm
Margem direita com 2,0 cm
Fonte Times New Romam
Tamanho da letra 12 pontos
Espaçamento justificado
Espaçamento entrelinhas 1,5
Páginas numeradas – máximo 20 páginas; mínimo 12 páginas
4- Referências Bibliográficas
Ao final do texto, de acordo com as normas da ABNT em vigor
5- Citações e notas
Devem ser observadas as normas da ABNT em vigor
6- Quantidade de páginas:
Mínimo de 12 páginas
Máximo de 20 páginas
7- Encaminhamento
Uma via impressa de folha de rosto
Duas vias impressas do artigo
Disquete de 3,5, contendo folha de rosto e o artigo
Endereço para encaminhamento
Universidade Federal de Juiz de Fora
Faculdade de Educação/ Centro Pedagógico
Revista Educação em Foco
Campus Universitário/ Cidade Universitária
Juiz de Fora – Minas Gerais
CEP: 36036-330
Exemplos de organização das Referências bibliográficas
Livros
ROCHA, Marlos Mendes Bessa da. Matrizes da modernidade
republicana: cultura política e pensamento educacional no Brasil.
Campinas, SP: Autores Associados, 2004.
Capítulos de Livros
CURY, Carlos R. Jamil, A educação e a primeira constituinte
republicana. In: FAVERO, Osmar. A educação nas constituintes
brasileiras: 1823-1988. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados,
2004. p. 69-80.
308
Artigos em periódicos
CASTRO, Magaly. Memórias e trajetórias docentes: os bastidores de
uma pesquisa. Revista Educação em Foco, Juiz de Fora, v. 12, n. 1, p.
81-107, mar./ago. 2007.
Teses e dissertações
SOUZA, Jane A. G. Avaliação X relações de poder: Um estudo do
Projeto Nova Escola / Rio de Janeiro. Juiz de Fora, 2007. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Sociais,
Universidade Federal de Juiz de Fora.
Congressos
SOUZA, J.A.G. Simave X Nova Escola: caminhos que convergem?.
In: Congresso de Pesquisa e Ensino de História da Educação emMinas
Gerais, IV, Juiz de Fora, 2007.
Artigo em jornal
MIRANDA, Ruy. Plano Collor acelera o processo de fusões e compras de
empresas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4 jun.. 1990.
309
Informações Gráficas
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,8 x 18,4 cm
Tipologia: Adobe Garamond Pro - Garamond - Alberta extralight - Miniom Pro
Papel : Pólen Bold 90 g/m² (miolo) - Cartão Supremo 250 g/m² (capa)
Tiragem: 300 exemplares
Impressão e acabamento: Gráfica e Editora Brasil LTDA.

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