lisboa revisitada
Transcripción
lisboa revisitada
LISBOA REVISITADA / Jorge Colombo Casa Fernando Pessoa Rua Coelho da Rocha, 16 Campo de Ourique Lisboa, Portugal LISBOA REVISITADA --------------------------------Fotografias de Jorge Colombo sobre poemas de Álvaro de Campos, um heterónimo de Fernando Pessoa -----------------------------------------------------------------LISBON REVISITED: photographs by Jorge Colombo after poems by Álvaro de Campos, an heteronym of Fernando Pessoa A Álvaro de Campos coube a ciência do sexo, essa disciplina de ascensão da alma ao corpo que oferece aos seres humanos a experiência da eternidade. A cidade, amálgama de terra e aço, cimento e electricidade, sentimentos e desejos e nervos e ruídos, deu-se ao olhar do engenheiro naval como a concretização superior dessa ciência. A cidade é um organismo que se cria e recria incessantemente, uma febre mecânica em ondulação perpétua. A Lisboa de Álvaro de Campos é a Metropolis de Fritz Lang despida das datas das ideologias--a cidade que tritura e agiganta a humanidade. O sexo, entendido como fusão de sangues inconciliáveis, na acepção de D.H. Lawrence, é a matéria-prima da construção urbana--traduzida em tumultos de cabos, crateras e andaimes, guindastes, múltiplas maquinarias cada vez mais sofisticadas. A barbárie e a civilização, o perigo e o conforto, a morte e a vida, unem-se num abraço infinito. A “Ode Triunfal” parece escrita hoje, porque vem desse lugar imune ao tempo onde Campos, mais do que o próprio Pessoa, conseguiu viver: o lugar vertiginoso do sexo-que não deve confundir-se com as catequeses temporais e melancólicas da “sexualidade.” “Olhar é em mim uma perversão sexual,” escreveu Álvaro de Campos. Jorge Colombo, inocente e perverso criador de imagens, leitor apaixonado do mais visual e visionário heterónimo de Pessoa, decidiu revisitar a Lisboa inventada pelo poeta engenheiro--uma Lisboa anti-típica, anti-turística, a cidade arquétipo de todas as cidades passadas e futuras. Mais do que imaginar Álvaro de Campos ressuscitado na década zero do século XXI, Colombo ousou entrar nessa dimensão atemporal que era e é a de Campos para criar o poema visual da cidade absoluta, anónima e íntima, em imortal combustão. INÊS PEDROSA Directora Casa Fernando Pessoa Lisboa Álvaro de Campos was gifted in the science of sex, the discipline that has the soul ascending up to the body, and that offers to humans the experience of eternity. The city, soil and steel, concrete and electricity, feelings and desires and noises and nerves all entangled, presented itself to the naval engineer’s eye as the superior accomplishment of such science. A city is an organism that endlessly recreates itself, a mechanical fever in perpetual undulation. Álvaro de Campos’ Lisbon is Fritz Lang’s Metropolis stripped of ideological timelines--the city that mangles and amplifies mankind. Sex, taken as a fusion of irreconcilable bloods, as D.H. Lawrence put it, is the raw material for urban construction-translated in the fracas of cables, of craters, of cranes, of increasingly more sophisticated machines. Barbary and civilization, danger and comfort, death and life, share an infinite embrace. “Triumphal Ode” feels like it was written today because it comes from that place outside of time where Campos, even more than Pessoa himself, managed to live: the vertigo of sex--which must not be confused with the melancholic, timely catechisms of “sexuality.” “Gazing is for me a sexual perversion,” wrote Álvaro de Campos. Jorge Colombo, the innocent yet perverse imagemaker, a passionate reader of Pessoa’s most visual, most visionary heteronym, decided to revisit the Lisbon that the poet-engineer invented-an untypical, un-touristic one, the archetype of every past and every future city. Rather than imagining Álvaro de Campos resurrected in the first decade of the 21st century, Colombo has dared to penetrate Campos’ timeless dimension to create a visual poem of the absolute city, anonymous and intimate, in an immortal combustion. INÊS PEDROSA Director Casa Fernando Pessoa Lisbon LISBOA REVISITADA ------------------------------------ Fotografias de Jorge Colombo sobre poemas de Álvaro de Campos, um heterónimo de Fernando Pessoa ----------------------------------------------------------------LISBON REVISITED: photographs by Jorge Colombo after poems by Álvaro de Campos, an heteronym of Fernando Pessoa 12 13 14 15 16 17 TRIUMPHAL ODE ODE TRIUNFAL By the painful light of the factory’s huge electric lamps I write in a fever. I write gnashing my teeth, rabid for the beauty of all this, For this beauty completely unknown to the ancients. À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica Tenho febre e escrevo. Escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto, Para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos. O wheels, O gears, eternal r-r-r-r-r-r-r! Bridled convulsiveness of raging mechanisms! Raging in me and outside me, Through all my dissected nerves, Through all the papillae of everything I feel with! My lips are parched, O great modern noises, From hearing you at too close a range, And my head burns with the desire to proclaim you In an explosive song telling my every sensation, An explosiveness contemporaneous with you, O machines! Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r-r eterno! Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria! Em fúria fora e dentro de mim, Por todos os meus nervos dissecados fora, Por todas as papilas fora de tudo com que eu sinto! Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos, De vos ouvir demasiadamente de perto, E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso De expressão de todas as minhas sensações, Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas! Gaping deliriously at the engines as at a tropical landscape -- Great human tropics of iron and fire and energy-I sing, I sing the present, and the past and future too, Because the present is all the past and all the future: Plato and Virgil exist in the machines and electric lights For the simple reason that Virgil and Plato once existed and were human, And bits of an Alexander the Great from perhaps the fiftieth century As well as atoms that will seethe in the brain of a 100th-century Aeschylus Go round these transmission belts and pistons and flywheels, Roaring, grinding, thumping, humming, rattling, Caressing my body all over with one caress of my soul. Em febre e olhando os motores como a uma Natureza tropical-Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força-Canto, e canto o presente, e também o passado e o futuro, Porque o presente é todo o passado e todo o futuro E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas Só porque houve outrora e foram humanos Virgílio e Platão, E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinquenta, Átomos que hão-de ir ter febre para o cérebro do Ésquilo do século cem, Andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes volantes, Rugindo, rangendo, ciciando, estrugindo, ferreando, Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma. If I could express my whole being like an engine! If I could be complete like a machine! If I could go triumphantly through life like the latest model car! If at least I could inject all this into my physical being, Rip myself wide open, and become pervious To all the perfumes from the oils and hot coals Of this stupendous, artificial and insatiable black flora! Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! Ser completo como uma máquina! Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo! Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento A todos os perfumes de óleos e calores e carvões Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável! Brotherhood with all dynamics! Promiscuous fury of being a moving part In the cosmopolitan iron rumble Fraternidade com todas as dinâmicas! Promíscua fúria de ser parte-agente Do rodar férreo e cosmopolita 22 23 Of unflagging trains, In the freight-carrying toil of ships, In the slow and smooth turning of cranes, In the disciplined tumult of factories, And in the humming, monotonic near-silence of transmission belts! Dos comboios estrénuos, Da faina transportadora-de-cargas dos navios, Do giro lúbrico e lento dos guindastes, Do tumulto disciplinado das fábricas, E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de transmissão! Productive European hours, wedged Between machines and practical matters! Big cities pausing for a moment in cafés, In cafés, those oases of useless chatter Where the sounds and gestures of the Useful Crystallize and precipitate, And with them the wheels, cogwheels and ball bearings of Progress! New soulless Minerva of wharfs and train stations! New enthusiasms commensurate with the Moment! Iron-plated keels smiling on docksides, Or raised out of the water, on harbor slipways! International, transatlantic, Canadian Pacific activity! Lights and feverishly wasted hours in bars, in hotels, At Longchamps, at Derbies and at Ascots, And Piccadillies and Avenues de l’Opéra entering straight Into my soul! Horas europeias, produtoras, entaladas Entre maquinismos e afazeres úteis! Grandes cidades paradas nos cafés, Nos cafés--oásis de inutilidades ruidosas Onde se cristalizam e se precipitam Os rumores e os gestos do Útil E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo! Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares! Novos entusiasmos de estatura do Momento! Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostadas às docas, Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos! Actividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific! Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis, Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots, E Piccadillies e Avenues de l’Opéra que entram Pela minh’alma dentro! Hey streets, hey squares, hey bustling crowd! Everything that passes or that stops before shop windows! Businessmen, bums, con men in dressy clothes, Proud members of aristocratic clubs, Squalid, dubious characters, and vaguely happy family men Who are paternal even in the gold chains crossing their vests From one to another pocket! Everything that passes, passing without ever passing! The overemphatic presence of prostitutes; The interesting banality (and who knows what’s inside?) Of bourgeois ladies, usually mother and daughter, Walking down the street on some errand or other; The falsely feminine grace of sauntering homosexuals; And all the simply elegant people who parade down the street And who also, after all, have a soul! Hé-la as ruas, hé-lá as praças, hé-lá-hô la foule! Tudo o que passa, tudo o que pára às montras! Comerciantes; vadios; escrocs exageradamente bem-vestidos; Membros evidentes de clubes aristocráticos; Esquálidas figuras dúbias; chefes de família vagamente felizes E paternais até na corrente de oiro que atravessa o colete De algibeira a algibeira! Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa! Presença demasiadamente acentuada das cocotes; Banalidade interessante (e quem sabe o quê por dentro?) Das burguesinhas, mãe e filha geralmente, Que andam na rua com um fim qualquer; A graça feminil e falsa dos pederastas que passam, lentos; E toda a gente simplesmente elegante que passeia e se mostra E afinal tem alma lá dentro! (Ah, how I’d love to be the pander of all this!) (Ah, como eu desejaria ser o souteneur disto tudo!) The dazzling beauty of graft and corruption, Delicious financial and diplomatic scandals, Politically motivated assaults on the streets, And every now and then the comet of a regicide Lighting up with Awe and Fanfare the usual Clear skies of everyday Civilization! A maravilhosa beleza das corrupções políticas, Deliciosos escândalos financeiros e diplomáticos, Agressões políticas nas ruas, E de vez em quando o cometa dum regicídio Que ilumina de Prodígio e Fanfarra os céus Usuais e lúcidos da Civilização quotidiana! Fraudulent reports in the newspapers, Insincerely sincere political articles, Sensationalist news, crime stories-Two columns and continued on the next page! The fresh smell of printer’s ink! Notícias desmentidas dos jornais, Artigos políticos insinceramente sinceros, Notícias passez à-la-caisse, grandes crimes-Duas colunas deles passando para a segunda página! O cheiro fresco a tinta de tipografia! 24 25 The posters that were just put up, still wet! Yellow books in white wrappers--vient de paraître! How I love all of you, every last one of you! How I love all of you, in every way possible, With my eyes, ears, and sense of smell, With touch (how much it means for me to touch you!) And with my mind, like an antenna that quivers because of you! Ah, how all my senses lust for you! Os cartazes postos há pouco, molhados! Vients-de-paraître amarelos com uma cinta branca! Como eu vos amo a todos, a todos, a todos, Como eu vos amo de todas as maneiras, Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto E com o tacto (o que palpar-vos representa para mim!) E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar! Ah, como todos os meus sentidos têm cio de vós! Fertilizers, steam threshers, breakthroughs in farming! Agricultural chemistry, and commerce a quasi-science! O sample cases of traveling salesmen, Those traveling salesmen who are Industry’s knights-errant, Human extensions of the factories and quiet offices! Adubos, debulhadoras a vapor, progressos da agricultura! Química agrícola, e o comércio quase uma ciência! Ó mostruários dos caixeiros-viajantes, Dos caixeiros-viajantes, cavaleiros-andantes da Indústria, Prolongamentos humanos das fábricas e dos calmos escritórios! O fabrics in shop windows! O mannequins! O latest fashions! O useless items that everyone wants to buy! Hello enormous department stores! Hello electric signs that flash on, glare, and disappear! Hello everything used to build today, to make it different from yesterday! Hey cement, reinforced concrete, new technologies! The improvements in gloriously lethal weapons! Armor, cannons, machine-guns, submarines, airplanes! Ó fazendas nas montras! ó manequins! ó últimos figurinos! Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar! Olá grandes armazéns com várias secções! Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem! Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem! Eh, cimento armado, betão de cimento, novos processos! Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos! Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos! I love all of you and all things like a beast. I love you carnivorously, Pervertedly, wrapping my eyes All around you, O great and banal, useful and useless things, O absolutely modern things my contemporaries, O present and proximate form Of the immediate system of the Universe! New metallic and dynamic Revelation of God! Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera. Amo-vos carnivoramente, Pervertidamente e enroscando a minha vista Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis, Ó coisas todas modernas, Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima Do sistema imediato do Universo! Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus! O factories, O laboratories, O music halls, O amusement parks, O battleships, O bridges, O floating docks-In my restless, ardent mind I possess you like a beautiful woman, I completely possess you like a beautiful woman who isn’t loved But who fascinates the man who happens to meet her. Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks, Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes-Na minha mente turbulenta e encandescida Possuo-vos como a uma mulher bela, Completamente vos possuo como a uma mulher bela que não se ama, Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima. Hey-ya façades of big stores! Hey-ya elevators of tall buildings! Hey-ya major cabinet reshufflings! Policy decisions, parliaments, budget officers, Trumped-up budgets! (A budget is as natural as a tree And a parliament as beautiful as a butterfly.) Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas! Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios! Eh-lá-hô recomposições ministeriais! Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos, Orçamentos falsificados! (Um orçamento é tão natural como uma árvore E um parlamento tão belo como uma borboleta). Hi-ya the fascination of everything in life, Because everything is life, from the diamonds in shop windows To the mysterious bridge of night between the stars And the ancient, solemn sea that laps the shores And is mercifully the same Eh-lá o interesse por tudo na vida, Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras Até à noite ponte misteriosa entre os astros E o mar antigo e solene, lavando as costas E sendo misericordiosamente o mesmo 26 27 As when Plato was really Plato In his real presence, in his flesh that had a soul, And he spoke with Aristotle, who was not to be his disciple. Que era quando Platão era realmente Platão Na sua presença real e na sua carne com a alma dentro, E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele. I could be shredded to death by an engine And feel a woman’s sweet surrender when possessed. Toss me into the furnaces! Throw me under passing trains! Thrash me aboard ships! Masochism through machines! Some modern sort of sadism, and I, and the hubbub! Eu podia morrer triturado por um motor Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída. Atirem-me para dentro das fornalhas! Metam-me debaixo dos comboios! Espanquem-me a bordo de navios! Masoquismo através de maquinismos! Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho! Alley-oop jockey who won the Derby, Oh to sink my teeth into your two-colored cap! Up-lá-hô jockey que ganhaste o Derby, Morder entre dentes o teu cap de duas cores! (To be so tall that I couldn’t pass through any door! Ah, gazing is for me a sexual perversion!) (Ser tão alto que não pudesse entrar por nenhuma porta! Ah, olhar é em mim uma perversão sexual!) Hi-ya, hi-ya, hi-ya, cathedrals! Let me bash my head against the edges of your stones, And be picked up from the ground, a bloody mess, Without anyone knowing who I am! Eh-lá, eh-lá, eh-lá, catedrais! Deixai-me partir a cabeça de encontro às vossas esquinas, E ser levantado da rua cheio de sangue Sem ninguém saber quem eu sou! O streetcars, cable cars, subways, Graze and scrape me until I rave in ecstasy! Hey-ya, hey-ya, hey-ya-ho! Laugh in my face, O cars full of carousers and whores, O daily swarm of pedestrians neither sad nor happy, Motley anonymous river where I’d love to swim but can’t! Ah, what complex lives, what things inside their homes! Ah, to know all about them, their financial troubles, Their domestic quarrels, their unsuspected depravities, Their thoughts when all alone in their bedrooms, And their gestures when no one can see them! Not to know these things is to be ignorant of everything, O rage, O rage that like a fever or a hunger or a mad lust Makes my face haggard and my hands prone to shaking With absurd contractions in the middle of the crowds Pushing and shoving on the streets! Ó tramways, funiculares, metropolitanos, Roçai-vos por mim até ao espasmo! Hilla! hilla! hilla-hô! Dai-me gargalhadas em plena cara, Ó automóveis apinhados de pândegos e de putas, Ó multidões quotidianas nem alegres nem tristes das ruas, Rio multicolor anónimo e onde eu não me posso banhar como quereria! Ah, que vidas complexas, que coisas lá pelas casas de tudo isto! Ah, saber-lhes as vidas a todos, as dificuldades de dinheiro, As dissensões domésticas, os deboches que não se suspeitam, Os pensamentos que cada um tem a sós consigo no seu quarto E os gestos que faz quando ninguém o pode ver! Não saber tudo isto é ignorar tudo, ó raiva, Ó raiva que como uma febre e um cio e uma fome Me põe a magro o rosto e me agita às vezes as mãos Em crispações absurdas em pleno meio das turbas Nas ruas cheias de encontrões! Ah, and the ordinary, sordid people who always look the same, Who use swearwords like regular words, Whose sons steal from grocers And whose eight-year-old daughters (and I think this is sublime!) Masturbate respectable-looking men in stairwells. The rabble who spend all day on scaffolds and walk home On narrow lanes of almost unreal squalor. Wondrous human creatures who live like dogs, Who are beneath all moral systems, For whom no religion was invented, No art created, No politics formulated! How I love all of you for being what you are, Ah, e a gente ordinária e suja, que parece sempre a mesma, Que emprega palavrões como palavras usuais, Cujos filhos roubam às portas das mercearias E cujas filhas aos oito anos--e eu acho isto belo e amo-o!-Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada. A gentalha que anda pelos andaimes e que vai para casa Por vielas quase irreais de estreiteza e podridão. Maravilhosa gente humana que vive como os cães, Que está abaixo de todos os sistemas morais, Para quem nenhuma religião foi feita, Nenhuma arte criada, Nenhuma política destinada para eles! Como eu vos amo a todos, porque sois assim, 28 29 Neither good nor evil, too humble to be immoral, Impervious to all progress, Wondrous fauna from the depths of the sea of life! Nem imorais de tão baixos que sois, nem bons nem maus, Inatingíveis por todos os progressos, Fauna maravilhosa do fundo do mar da vida! (The donkey goes round and round The water wheel in my yard, And this is the measure of the world’s mystery. Wipe off your sweat with your arm, disgruntled worker. The sunlight smothers the silence of the spheres And we must all die, O gloomy pine groves at twilight, Pine groves where my childhood was different From what I am today...) (Na nora do quintal da minha casa O burro anda à roda, anda à roda, E o mistério do mundo é do tamanho disto. Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente. A luz do sol abafa o silêncio das esferas E havemos todos de morrer, Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo, Pinheirais onde a minha infância era outra coisa Do que eu sou hoje...) Ah, but once more the incessant mechanical rage! Once more the obsessive motion of buses. And once more the fury of traveling in every train in the world At the same time, Of saying farewell from the deck of every ship Which at this moment is weighing anchor or drawing away from a dock. O iron, O steel, O aluminum, O corrugated sheet metal! O wharfs, O ports, O trains, O cranes, O tugboats! Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante! Outra vez a obsessão movimentada dos ómnibus. E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios De todas as partes do mundo, De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios, Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas. Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado! Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores! Hi-ya great train disasters! Hi-ya caved-in mineshafts! Hi-ya exquisite shipwrecks of great ocean liners! Hi-ya-ho revolutions here, there and everywhere, Constitutional changes, wars, treaties, invasions, Outcries, injustice, violence, and perhaps very soon the end, The great invasion of yellow barbarians across Europe, And another Sun on the new Horizon! But what does it matter? What does all this matter To the glowing, red-hot racket of today, To the delicious, cruel racket of modern civilization? Eh-lá grandes desastres de comboios! Eh-lá desabamentos de galerias de minas! Eh-lá naufrágios deliciosos dos grandes transatlânticos! Eh-lá-hô revoluções aqui, ali, acolá, Alterações de constituições, guerras, tratados, invasões, Ruído, injustiças, violências, e talvez para breve o fim, A grande invasão dos bárbaros amarelos pela Europa, E outro Sol no novo Horizonte! All this erases everything except the Moment, The Moment with its bare chest as hot as a stoker’s, The shrill and mechanical Moment, The dynamic Moment of all the bacchantes Of iron and bronze and the drunk ecstasy of metals. Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo, Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje? Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento, O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro, O Momento estridentemente ruidoso e mecânico, O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes Do ferro e do bronze e da bebedeira dos metais. Hey trains, hey bridges, hey hotels at dinnertime, Hey iron tools, heavy tools, minuscule and other tools, Precision instruments, grinding tools, digging tools, Mills, drills, and rotary devices! Hey! hey! hey! Hey electricity, Matter’s aching nerves! Hey wireless telegraphy, metallic sympathy of the Unconscious! Hey tunnels, hey Panama, Kiel and Suez canals! Hey all the past inside the present! Hey all the future already inside us! Hey! Hey! hey! hey! Useful iron fruits of the cosmopolitan factory-tree! Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar, Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, Instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, Engenhos, brocas, máquinas rotativas! Eia! eia! eia! Eia electricidade, nervos doentes da Matéria! Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente! Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez! Eia todo o passado dentro do presente! Eia todo o futuro já dentro de nós! eia! Eia! eia! eia! Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita! 30 31 Hey! hey! hey! Hey-ya-hi-ya! I’m oblivious to my inward existence. I turn, I spin, I forge myself. I’m coupled to every train. I’m hoisted up on every dock. I spin in the propellers of every ship. Hey! hey-ya! hey! Hey! I’m mechanical heat and electricity! Hey! and the railways and engine rooms and Europe! Hey and hooray for all in all and all in me, machines at work, hey! Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô! Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me. Engatam-me em todos os comboios. Içam-me em todos os cais. Giro dentro das hélices de todos os navios. Eia! eia-hô! eia! Eia! sou o calor mecânico e a electricidade! Eia! e os rails e as casas de máquinas e a Europa! Eia e hurrah por mim-tudo e tudo, máquinas a trabalhar, eia! To leap with everything over everything! Alley-oop! Galgar com tudo por cima de tudo! Hup-lá! Alley-oop, alley-oop, alley-oop-la, alley-oop! Hey-ya, hi-ya! Ho-o-o-o-o! Whir-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r! Hup lá, hup lá, hup-lá-hô, hup-lá! Hé-há! Hé-hô! Ho-o-o-o-o! Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z! Ah if only I could be all people and all places! Ah não ser eu toda a gente e toda a parte! June 1914 Junho de 1914 32 33 36 37 38 39 I walk in the night of the suburban street, Returning from the conference of experts like myself. I return alone, now a poet, without expertise or engineering, Human unto the sound of my solitary shoes in the beginning of night. In the distance the last shutters are pulled down on the last shop. Ah, the sound of suppertime in happy homes! I walk, and my ears peer into the homes. My inherent exile is touched to the quick in the darkness Of the street which is my home, my being, and my blood. To be a child from a welloff family, With a nursemaid, a soft bed, and a child’s slumber! O my unprivileged heart! My feeling of exclusion! My outward grief for being me! Who made firewood out of my childhood crib? Who made rags from the sheets I slept in as a boy? Who tossed the lace from the shirt I wore when baptized Into the house dust and fruit skins Of the world’s garbage cans? Who sold me to Fate? Who exchanged me for what I am? I’ve just spoken with precision in definite circumstances. I made concrete points, like an adding machine. I was accurate like a scale. I told what I knew. Now, heading to where the streetcar turns around to go back to the city, I walk as a metaphysical outcast by the light of streetlamps spaced far apart, And in the shadow between two lamps I feel like not going on, But I’ll take the streetcar. The bell at the invisible end of the cord will ring two times When pulled by the stubby fingers of the unshaven conductor. I’ll take the streetcar. In spite of everything--alas!-- I’ve always taken the streetcar. Always, always, always... I’ve always gone back to the city. I’ve always gone back, after speculations and detours. I’ve always gone back, hungry for supper. But I’ve never had the supper I hear behind the venetian blinds Of happy homes on the outskirts, where people like me head back to the streetcar. The conjugal homes of normal life! I pay for the ticket through the slits, And the conductor walks by me as if I were the Critique of Pure Reason... I’ve paid my ticket. I’ve done my duty. I’m like everyone else. And these are all things not even suicide can cure. 6-I-1930 Passo, na noite da rua suburbana, Regresso da conferência com peritos como eu. Regresso só, e poeta agora, sem perícia nem engenharia, Humano até ao som dos meus sapatos solitários no princípio da noite Onde ao longe a porta da tenda tardia se encobre com o último taipal. Ah, o som do jantar nas casas felizes! Passo, e os meus ouvidos vêem para dentro das casas. O meu exílio natural enternece-se no escuro Da rua meu lar, da rua meu ser, da rua meu sangue. Ser a criança economicamente garantida, Com a cama fofa e o sono da infância e a criada! Ó meu coração sem privilégio! Minha sensibilidade da exclusão! Minha mágoa externa de ser eu! Quem fez lenha de todo o berço da minha infância? Quem fez trapos de limpar o chão dos meus lençóis de menino? Quem expôs por cima das cascas e do cotão das casas Nos caixotes de lixo do mundo As rendas daquela camisa que usei para me baptizarem? Quem me vendeu ao Destino? Quem me trocou por mim? Venho de falar precisamente em circunstâncias positivas. Pus pontos concretos, como um numerador automático. Tive razão como uma balança. Disse como sabia. Agora, a caminho do carro eléctrico do términus de onde se volta à cidade, Passo, bandido, metafísico, sob a luz dos candeeiros afastados, E na sombra entre os dois candeeiros afastados tenho vontade de não seguir. Mas apanharei o eléctrico. Soará duas vezes a campainha lá do fim invisível da correia puxada2 Pelas mãos de dedos grossos do condutor por barbear. Apanharei o eléctrico. Ai de mim; apesar de tudo sempre apanhei o eléctrico... Sempre, sempre, sempre... Voltei sempre à cidade, Voltei sempre à cidade, depois de especulações e desvios, Voltei sempre com vontade de jantar. Mas nunca jantei o jantar que soa atrás de persianas Das casas felizes dos arredores por onde se volta ao eléctrico, Das casas conjugais da normalidade da vida! Pago o bilhete através dos interstícios, E o condutor passa por mim como se eu fosse a Crítica da Razão Pura... Paguei o bilhete. Cumpri o dever. Sou vulgar. E tudo isto são coisas que nem o suicídio cura. 6-1-1930 46 47 50 51 52 53 On this night of dread, the natural substance of all nights, On this night of insomnia, the natural substance of all my nights, I look back, while drowsily tossing and turning, I look back at what I’ve done and what I could have done in life, I look back, and an anxiety Seizes me like a bodily chill or a fear. What I can’t change in my past--that’s the real corpse! All other corpses might just be illusions. All who’ve died might be alive in some other place. All my own past moments might exist somewhere else, In the illusion of space and time, In the fallacy of ongoingness. But what I never was, what I never did, what I never even dreamed of, What only now I see I should have done, What only now I clearly see I should have been-That’s what is dead beyond all the Gods, That--and it was the best part of me--not even the Gods can revive... If at a certain point I’d turned left instead of right, If at a certain moment I’d said yes instead of no, or no instead of yes, If in a certain discussion I’d spoken the words that occur to me only now, in this half-sleep -– If all this had happened, I’d be different today, and perhaps the entire universe Would have imperceptibly ended up being different as well. But I didn’t turn where it’s irreparably too late to turn, I didn’t turn or think of turning, and only now do I realize it; But I didn’t say no or didn’t say yes, and only now do I see what I didn’t say; But the words I failed to speak are only now on the tip of my tongue, Clear, obvious and natural, Persuasively wrapping up the discussion, The matter all settled... But only now am I grieved by what I never was nor can go back and be. Na noite terrível, substância natural de todas as noites, Na noite de insónia, substância natural de todas as minhas noites, Relembro, velando em modorra incómoda, Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida. Relembro, e uma angústia Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo. O irreparável do meu passado--esse é que é o cadáver! Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão. Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte. Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures, Na ilusão do espaço e do tempo, Na falsidade do decorrer. Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei; O que só agora vejo que deveria ter feito, O que só agora claramente vejo que deveria ter sido-Isso é que é morto para além de todos os Deuses, Isso--e foi afinal o melhor de mim--é que nem os Deuses fazem viver... Se em certa altura Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita; Se em certo momento Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim; Se em certa conversa Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono, elaboro-Se tudo isso tivesse sido assim, Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro Seria insensivelmente levado a ser outro também. Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido, Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo; Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse; Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas, Claras, inevitáveis, naturais, A conversa fechada concludentemente, A matéria toda resolvida... Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói. Everything I missed out on is truly incurable In no matter what metaphysical system. Maybe I can take what I dreamed to the next world, But can I take what I forgot to dream? The dreams I failed to dream--they are the real corpse. I bury it in my heart forever, for all time, for all universes, On this night when I can’t sleep, and the stillness surrounds me Like a truth I have no part in, And the moonlight outside is invisible to me, like the hope I don’t have. O que falhei deveras não tem ’sperança nenhuma, Em sistema metafísico nenhum. Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei, Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar? Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver. Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos, Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca Como uma verdade de que não partilho, E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível p’ra mim. 11-V-1928 11-5-1928 56 57 62 63 64 65 LISBON REVISITED (1923) LISBON REVISITED (1923) No, I don’t want anything. I already said I don’t want anything. Não: não quero nada. Já disse que não quero nada. Don’t come to me with conclusions! Death is the only conclusion. Não me venham com conclusões! A única conclusão é morrer. Don’t offer me aesthetics! Don’t talk to me of morals! Take metaphysics away from here! Don’t try to sell me complete systems, don’t bore me with the breakthroughs Of science (of science, my God, of science!)-Of science, of the arts, of modern civilization! Não me tragam estéticas! Não me falem em moral! Tirem-me daqui a metafísica! Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)-Das ciências, das artes, da civilização moderna! What harm did I ever do to the gods? If you’ve got the truth, you can keep it! I’m a technician, but my technique is limited to the technical sphere, Apart from which I’m crazy, and with every right to be so. With every right to be so, do you hear? Leave me alone, for God’s sake! You want me to be married, futile, conventional and taxable? You want me to be the opposite of this, the opposite of anything? If I were someone else, I’d go along with you all. But since I’m what I am, lay off! Go to hell without me, Or let me go there by myself! Why do we have to go together? Don’t grab me by the arm! I don’t like my arm being grabbed. I want to be alone. I already told you that I can only be alone! I’m sick of you wanting me to be sociable! O blue sky--the same one I knew as a child-Perfect and empty eternal truth! O gentle, silent, ancestral Tagus, Tiny truth in which the sky is mirrored! O sorrow revisited, Lisbon of bygone days today! You give me nothing, you take nothing from me, you’re nothing I feel is me. Que mal fiz eu aos deuses todos? Se têm a verdade, guardem-na! Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica. Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo. Com todo o direito a sê-lo, ouviram? Não me macem, por amor de Deus! Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável? Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer cousa? Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade. Assim, como sou, tenham paciência! Vão para o diabo sem mim, Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! Para que havemos de ir juntos? Não me peguem no braço! Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho. Já disse que sou só sozinho! Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia! Ó céu azul--o mesmo da minha infância--, Eterna verdade vazia e perfeita! Ó macio Tejo ancestral e mudo, Pequena verdade onde o céu se reflecte! Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje! Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta. Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo... E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho! Leave me in peace! I won’t stay long, for I never stay long... And as long as Silence and the Abyss hold off, I want to be alone! 68 69 70 71 LISBON REVISITED (1926) LISBON REVISITED (1926) Nothing holds me. I want fifty things at the same time. I long with meat-craving anxiety For I don’t know what-Definitely something indefinite... I sleep fitfully and live in the fitful dream-state Of a fitful sleeper, half dreaming. Nada me prende a nada. Quero cinquenta coisas ao mesmo tempo. Anseio com uma angústia de fome de carne O que não sei que seja-Definidamente pelo indefinido... Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto De quem dorme irrequieto, metade a sonhar. All abstract and necessary doors were closed in my face. Curtains were drawn across every hypothesis I could have seen from the street. I found the alley but not the number of the address I was given. Fecharam-me todas as portas abstractas e necessárias. Correram cortinas por dentro de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua. Não há na travessa achada o número de porta que me deram. I woke up to the same life I’d fallen asleep to. Even the armies I dreamed of were defeated. Even my dreams felt false while I dreamed them. Even the life I merely long for jades me--even that life... Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido. Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota. Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados. Até a vida só desejada me farta--até essa vida... At intermittent intervals I understand; I write in respites from my weariness; And a boredom bored even of itself casts me ashore. Compreendo a intervalos desconexos; Escrevo por lapsos de cansaço; E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia. I don’t on I don’t Or what Não sei que destino ou futuro compete à minha angústia sem leme; Não sei que ilhas do Sul impossível aguardam-me náufrago; Ou que palmares de literatura me darão ao menos um verso. know what destiny or future belongs to my anxiety adrift the waves; know what impossible South Sea islands await me, a castaway, palm groves of literature will grant me at least a verse. No, I don’t know this, or that, or anything else... And in the depths of my spirit, where I dream all I’ve dreamed, In my soul’s far-flung fields, where I remember for no reason (And the past is a natural fog of false tears), On the roads and pathways of distant forests Where I supposed my being dwelled-There my dreamed armies, defeated without having been, And my nonexistent legions, annihilated in God, All flee in disarray, the last remnants Of the final illusion. Não, não sei isto, nem outra cousa, nem cousa nenhuma... E, no fundo do meu espírito, onde sonho o que sonhei, Nos campos últimos da alma, onde memoro sem causa (E o passado é uma névoa natural de lágrimas falsas), Nas estradas e atalhos das florestas longínquas Onde supus o meu ser, Fogem desmantelados, últimos restos Da ilusão final, Os meus exércitos sonhados, derrotados sem ter sido, As minhas coortes por existir, esfaceladas em Deus. Once more I see you, City of my horrifyingly lost childhood... Happy and sad city, once more I dream here... I? Is it one and the same I who lived here, and came back, And came back again, and again, And yet again have come back? Or are we--all the I’s that I was here or that were here-A series of bead-beings joined together by a string of memory, A series of dreams about me dreamed by someone outside me? Outra vez te revejo, Cidade da minha infância pavorosamente perdida... Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui... Eu? Mas sou eu o mesmo que aqui vivi, e aqui voltei, E aqui tornei a voltar, e a voltar, E aqui de novo tornei a voltar? Ou somos, todos os Eu que estive aqui ou estiveram, Uma série de contas-entes ligadas por um fio-memória, Uma série de sonhos de mim de alguém de fora de mim? 76 77 Once more I see you, With a heart that’s more distant, a soul that’s less mine. Outra vez te revejo, Com o coração mais longínquo, a alma menos minha. Once more I see you--Lisbon, the Tagus and the rest--, A useless onlooker of you and of myself, A foreigner here like everywhere else, Incidental in life as in my soul, A ghost wandering through halls of remembrances To the sound of rats and creaking floorboards In the accursed castle of having to live... Outra vez te revejo--Lisboa e Tejo e tudo--, Transeunte inútil de ti e de mim, Estrangeiro aqui como em toda a parte, Casual na vida como na alma, Fantasma a errar em salas de recordações, Ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem No castelo maldito de ter que viver... Once more I see you, A shadow moving among shadows, gleaming For an instant in some bleak unknown light Before passing into the night like a ship’s wake swallowed In water whose sound fades into silence... Outra vez te revejo, Sombra que passa através de sombras, e brilha Um momento a uma luz fúnebre desconhecida, E entra na noite como um rastro de barco se perde Na água que deixa de se ouvir... Once more I see you, But, oh, I cannot see myself! The magic mirror where I always looked the same has shattered, And in each fateful fragment I see only a piece of me-A piece of you and of me! Outra vez te revejo, Mas, ai, a mim não me revejo! Partiu-se o espelho mágico em que me revia idêntico, E em cada fragmento fatídico vejo só um bocado de mim-Um bocado de ti e de mim!... 26-IV-1926 26-4-1926 78 79 THE TRIUMPH OF ÁLVARO DE CAMPOS O TRIUNFO DE ÁLVARO DE CAMPOS Of all the writerly alter egos spawned by Fernando Pessoa, the naval engineer named Álvaro de Campos was the largest, loudest, most irrepressible and most irreverent. While it is true that Pessoa’s use of heteronyms --“other names” whose points of view and literary styles differed from their creator’s--was not just a literary trick but had a psychological origin, Pessoa having dialogued with imaginary writers already as a young child, the compulsion to other himself was always an eminently playful one, and no heteronym was more frolicsome and mischievous than Álvaro de Campos, who even meddled in Pessoa’s real-world life. When his progenitor published a magazine article on “the aesthetic ideal in Portugal,” Campos staunchly rebutted his views in the magazine’s next issue; Campos wrote a letter to Ophelia Queiroz, Pessoa’s one sweetheart, exhorting her to flush her “mental image” of the beloved “down the toilet”; and he occasionally turned up in lieu of Pessoa at appointments, to the chagrin and ire of those friends who were not amused by such antics. De todos as personalidades literárias geradas por Fernando Pessoa, o engenheiro naval Álvaro de Campos foi o mais grandioso, ruidoso, irreprimível e irreverente. Embora o uso que Pessoa fazia dos heterónimos--“outros nomes” cujos pontos de vista e estilos de escrita diferiam dos do seu criador--tivesse raízes psicológicas em vez de ser apenas um jogo literário, pois já em criança Pessoa dialogava com escritores imaginários, a compulsão para “outrar-se” teve sempre um aspecto lúdico, e nenhum heterónimo foi mais brincalhão e atrevido que Álvaro de Campos, que se chegava a intrometer na vida real de Pessoa. Quando o seu criador publicou numa revista um artigo sobre “o ideal estético em Portugal,” Campos contestou-o impiedosamente no número seguinte; Campos escreveu uma carta para Ofélia Queiroz, a única namorada de Pessoa, aconselhando-a a deitar a sua “imagem mental” do bem amado “na pia”; e ocasionalmente aparecia em encontros em lugar de Pessoa, para agastamento e irritação de amigos que não achavam graça à brincadeira. From a letter written by Pessoa the year he died, in 1935, we learn that Álvaro de Campos was born in Portugal’s Algarve region on October 15th, 1890 (two years after Pessoa himself), that he was of Jewish extraction but was probably brought up as a Roman Catholic, since “an uncle who was a priest” taught him Latin, that he used an in-those-days stylish monocle and parted his hair on one side, that he went to Scotland to study engineering, first mechanical then naval, that he made a voyage to the Orient, and that he eventually ended up back in Lisbon. From other references, and from Campos’s considerable output of poetry and prose, we know that the “naval engineer and Sensationist poet” was a flamboyant, footloose, sharp-tongued decadent during the 1910s and early 1920s, living between London, Glasgow and Lisbon, when he wasn’t on the high sea. A sometime partaker of absinthe and opium, attracted to young men as well as to young women, Campos calmed down over the years, with his long-winded Whitmanian zest for life metamorphosing into a nagging existential anguish that found expression in vastly shorter poems. “How long it’s been since I could write / A long poem!” begins a not-long poem from 1934 in which Campos wistfully recalls his “Triumphal Ode” and “Maritime Ode” (the latter with over nine hundred verses), composed some twenty years earlier. The “Triumphal Ode,” written in the first half of 1914 and published in 1915, marks the spiritual conception of Álvaro de Campos in Pessoa, or rather, his organic separation from heteronym Alberto Caeiro, who was originally conceived as an incredibly versatile vanguardist, responsible--according to an early, undated note--not only for the Zennish nature poems of The Keeper of Sheep but for a group of Cubist-inspired “Intersectionist poems” and Por uma carta de Pessoa escrita no ano da sua morte, em 1935, ficamos a saber que Álvaro de Campos nasceu no Algarve a 15 de Outubro de 1890 (dois anos após o próprio Pessoa), que era de ascendência judia mas provávelmente educado no catolicismo, visto que “um tio que era padre” lhe ensinou latim, que usava monóculo ao estilo dos elegantes da época, que tinha o cabelo apartado ao lado, que esteve na Escócia a estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval, que fez uma viagem ao Oriente, e que acabou por voltar a Lisboa. Por outras referências, e pela considerável produção de Álvaro de Campos em poesia e prosa, sabe-se ainda que o “engenheiro naval e poeta Sensacionista” era durante os anos 10 e 20 um extravagante decadente, desinibido e de língua afiada, vivendo entre Londres, Glasgow e Lisboa, quando não andava no mar alto. Consumidor esporádico de absinto e ópio, atraído tanto por rapazes como por raparigas, Campos acabou por se acalmar com o passar dos anos, tendo o seu fôlego e gosto pela vida metamorfoseado-se numa penosa angústia existencial expressa em poemas bem mais curtos. “Há tanto tempo que não sou capaz/De escrever um poema extenso!” é como começa um poema nada extenso de 1934 no qual Campos recorda com saudade a “Ode Triunfal” e a “Ode Marítima” (esta última com mais de 900 versos) compostas cerca de vinte anos antes. 84 85 Escrita na primeira metade de 1914 e publicada em 1915, a “Ode Triunfal” assinala a concepção espiritual em Pessoa de Álvaro de Campos, ou antes, a sua separação orgânica do heterónimo Alberto Caeiro, que fora inicialmente concebido como um vanguardista invulgarmente versátil, responsável--de acordo com um antigo projecto sem data--não só por O Guardador de Rebanhos, com os seus poemas de índole Zen que falam da natureza, “Five Futurist Odes.” After the split, Caeiro retreated with his sheep to the countryside, the Intersectionist poems came to be signed by Pessoa himself, and Campos dedicated himself to writing the Futurist, Whitman-influenced “odes” that would celebrate the modern age of machines, urban bustle, and heightened sensations. (Heteronym Ricardo Reis, who wrote classical odes reminiscent of Horace, also came into existence in 1914.) Futurism never gained much of a footing in Portugal, where its literary significance is all but summed up--ingeniously so--in the poet-engineer who never existed. In addition to his Futurist odes, Campos was credited with a ranting and socially radical “Ultimatum,” published in the magazine Portugal Futurista, whose one and only issue saw print in 1917. After virulently indicting Europe and the “present age’s inadaptability and creative incapacity,” Campos’s manifesto proclaims the need for “artificial adaptation,” “sociological surgery,” the “abolition of the dogma of personality,” the “abolition of the notion of absolute truth” and various other measures that will pave the way for the “coming of a perfect, mathematical Humanity,” the “necessary advent of a Humanity of Engineers!” A humanity, in other words, made up of unreal figures like Álvaro de Campos. Because “the greatest artist,” according to the manifesto, “will be the one who least defines himself, and who writes in the most genres with the most contradictions and discrepancies.” Campos, Caeiro and Reis are Pessoa’s best-known heteronyms, but he wrote under more than seventy other names, in countless genres, and with every contradiction he could ferret out of his soul. Pessoa’s mathematics and engineering were, clearly, sheer literature. The triumph he heralded for the world of the future was the triumph that he himself lived--in his endlessly proliferating imagination. RICHARD ZENITH Originally published in Literary Imagination 2.2, USA, Spring 2000 86 mas também por um grupo de “Poemas Interseccionistas” inspirados no Cubismo e por “Cinco Odes Futuristas.” Após a cisão, Caeiro retirou-se para o campo com os seus rebanhos, os poemas interseccionistas acabaram assinados pelo próprio Pessoa, e Campos dedicou-se a escrever odes futuristas, de influência whitmaniana, celebrando a idade moderna das máquinas, do frenesi urbano, de sensações extremas. (O heterónimo Ricardo Reis, escritor de odes clássicas no estilo de Horácio, também surgiu em 1914.) O Futurismo nunca ganhou grande terreno em Portugal, onde a sua relevância literária praticamente se resume--de forma genial--no poeta-engenheiro que nem sequer existiu. Para além das suas odes futuristas, Campos aparece como autor de um “Ultimatum” vituperativo e socialmente radical, publicado na revista Portugal Futurista, da qual apenas saiu um número, em 1917. Depois de exprobrar a Europa e “a desadapatação, a incapacidade criativa da nossa época,” o manifesto de Campos proclama a necessidade de “adaptação artificial,” de “cirurgia sociológica,” da “abolição do dogma da personalidade,” da “abolição do conceito de verdade absoluta” e várias outras medidas que abririam caminho para a “vinda de uma Humanidade matemática e perfeita,” para a “vinda da Humanidade dos Engenheiros!” Por outras palavras, uma humanidade formada de figuras tão irreais como Álvaro de Campos. Pois que “o maior artista,” segundo o manifesto, “será o que menos se definir, e o que escrever em mais géneros com mais contradições e dissemelhanças.” Embora Campos, Caeiro e Reis sejam os heterónimos mais conhecidos de Pessoa, ele escreveu sob mais de setenta nomes, em inúmeros géneros, e com todas as contradições que conseguiu arrancar da sua alma. A matemática e engenharia de Pessoa eram mera literatura. O triunfo que anunciou ao mundo do futuro foi o triunfo que ele próprio viveu--na sua infinitamente prolífica imaginação. RICHARD ZENITH Originalmente publicado em Literary Imagination 2.2, EUA, Primavera de 2000 87 Fernando Pessoa nasceu em Lisboa em 1988 e passou a maior parte da sua infância em Durban, na África do Sul. Em 1905 regressou a Lisboa para se inscrever no Curso Superior de Letras mas acabou por o abandonar, preferindo estudar por sua conta. Viveu modestamente como tradutor da correspondência comercial estrangeira de várias firmas, e escreveu obsessivamente, em inglês, português, e francês. Publicou do seu bolso várias plaquettes de poemas em inglês em 1918 e 1921, e colaborou assiduamente em revistas e jornais, com poemas e prosas em português. Mensagem, uma colecção de poemas de cariz patriótico, ganhou um prémio num concurso em 1934. Pessoa escreveu muitos dos seus melhores poemas sob o nome dos seus três principais “heterónimos”--Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, e Ricardo Reis-para os quais criou biografias completas, atribuindo-lhes diferentes estilos e pontos de vista. Criou dúzias de outras personalidades literárias, incluindo a de Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros e autor ficcional do Livro do Desassossego. Pessoa gozou de fama enquanto intelectual e poeta, mas o seu génio literário só foi largamente reconhecido depois da sua morte, em 1935. ---------------------------------------------------------------------------------Fernando Pessoa was born in Lisbon, Portugal in 1888 and spent most of his childhood in Durban, South Africa. In 1905 he returned to Lisbon to enroll in college but eventually dropped out, preferring to study on his own. He made a modest living translating the foreign corespondence of various commercial firms, and wrote obsessively--in English, Portuguese, and French. He self-published several chapbooks of his English poems in 1918 and 1921, and regularly contributed his Portuguese poems and prose texts to literary reviews and newspapers. Mensagem, a collection of poems on patriotic themes, won a prize in a national competition in 1934. Pessoa wrote much of his greatest poetry in the guise of his three main “heteronyms”--Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, and Ricardo Reis--whose fully fleshed biographies he invented, giving them different writing styles and points of view. He created dozens of other writerly personas, including the assistant bookkeeper Bernardo Soares, fictional author of The Book of Disquiet. Although Pessoa was acknowledged as an intellectual and a poet, his literary genius went largely unrecognized until after his death in 1935. Jorge Colombo nasceu em 1963 em Lisboa, onde viveu até aos 26 anos, trabalhando como ilustrador e designer gráfico. Assinou capas de livros e discos; foi o primeiro director gráfico de O Independente. Em 1989 partiu para os EUA, onde casou com a artista Amy Yoes. Viveu em Chicago, San Francisco e, desde 1998, em Nova Iorque. Colaborou em inúmeras publicações como ilustrador e, desde 2000, como fotógrafo. Trabalhou igualmente como director gráfico de NewCity, em Chicago; da revista San Francisco; e de Jungle Publications. Em 1999, a exposição Fullerton reuniu na Bedeteca de Lisboa os seus desenhos dos anos 90. Em 2005 colaborou com Inês Pedrosa em Do Grande e do Pequeno Amor, um romance fotográfico. Mais pormenores e imagens em www.jorgecolombo.com “Para o projecto Lisboa Revisitada, tentei fotografar a cidade segundo a óptica do próprio Álvaro de Campos: o que lhe chamaria a atenção nos dias de hoje? Como não vivo em Portugal há muito tempo, e apenas o visito esporadicamente, as mudanças operadas já no séc.XXI causam-me um misto de entusiasmo e distanciamento. Vista de certos ângulos, Lisboa parece-me outras cidades, noutros países; e foi essa surpresa que tentei capturar. O mote inicial da minha exploração foi evidentemente a ‘Ode Triunfal’, mas o espírito dos poemas mais tardios de Álvaro de Campos, ‘estrangeiro aqui como em toda a parte,’ acabou por permear a maior parte das imagens.” ---------------------------------------------------------------------------------Jorge Colombo was born in 1963 in Lisbon, Portugal, where he lived for 26 years, working as an ilustrator and graphic designer. He created book covers and record sleeves, and was the first art director of the weekly O Independente. In 1989 he went to live in the USA, where he married artist Amy Yoes. He has lived in Chicago, in San Francisco and, since 1998, in New York city. He freelanced for countless publications, as an illustrator and also, from 2000 on, as a photographer. He was the art director of Chicago’s NewCity; of San Francisco magazine; and of Jungle Publications. In 1999 he showed at the Lisbon Bedeteca his 1990s drawings, under the title Fullerton; and in 2005 he collaborated with Inês Pedrosa on Of Big and of Small Love, a photographic novel. Additional details and images can be found at www.jorgecolombo.com. “For Lisbon Revisited, I tried to photograph the city borrowing Álvaro de Campos’ own point of view: what would catch his attention today? Since I haven’t lived in Portugal for a long time, and I seldom visit it, the changes that took place there in the 21st century trigger in me mixed feelings of enthusiasm and distance. Under certain angles, Lisbon resembles many other cities, other countries; I tried to capture such surprises. ‘Triumphal Ode’ was obviously the initial guideline, but the spirit of the poems of latter Campos, ‘a foreigner here like everywhere else,’ ended up permeating most images.” 88 89 LISBOA REVISITADA / LISBON REVISITED Uma exposição na Casa Fernando Pessoa, Lisboa, Portugal, Janeiro-Março de 2009 / An exhibition at Casa Fernando Pessoa, Lisbon, Portugal, January-March 2009 --------------------------------------Casa Fernando Pessoa Câmara Municipal de Lisboa Rua Coelho da Rocha, 16 1250-088 - Lisboa, Portugal + 351 21 391 32 75 http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt http://mundopessoa.blogs.sapo.pt --------------------------------------Comissária / Curator: Inês Pedrosa Produção / Production: Cláudio Garrudo, Francisco Ponciano, Patrícia Reis / Atelier 004 Impressões / Prints: Mário Bau, [KPrint] Ambiente sonoro / Sound environment: Elvis Veiguinha Design do catálogo / Catalogue design: Jorge Colombo Foto do autor / Author photo: Daniel Murtagh Pré-impressão e impressão / Pre-press and printing: Norprint Traduções dos poemas / Translation of the poems: Richard Zenith. “I walk in the night of the suburban street...” extraída de / extracted from Fernando Pessoa & Co., Grove Press, 1998; “Triumphal Ode”, “Lisbon Revisited (1923)”, “Lisbon Revisited (1923)” extraídos de / extracted from A Little Larger Than the Entire Universe (Penguin Books, 2006). “On this night of dread...”: tradução inédita / previously unpublished translation --------------------------------------O autor agradece / The author thanks: Joana Amaral, Daniel Blaufuks, Vasco Colombo, Maria João Falcão, Cláudio Garrudo, Abel Loureiro, Carmo Mota, Daniel Murtagh, Inês Pedrosa, Francisco Ponciano, Patrícia Reis, Marc Weidenbaum, Richard Zenith --------------------------------------Todas as imagens / All images: © Jorge Colombo, 2008