saber pensar - Centro de Filosofia

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saber pensar - Centro de Filosofia
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Debate
onde, nominalmente, abundam os órgãos colectivos, há ainda, paradoxalmente, um défice de pensar e decidir em termos colectivos, o processo
de decisão colectivo arrasta-se quantas vezes indefinidamente, à espera
de Godot.
Trata-se, ao fim e ao cabo, de corresponder ao apelo da inteligência;
ou, se se preferir, de estender à educação o conceito-chave de sustentabilidade (!); de não gastar mais mas gastar melhor, de privilegiar o longo
prazo em vez do curto prazo. Refira-se, a propósito, a obrigatoriedade
actual de incluir este conceito-chave no programa de qualquer licenciatura nos EUA.
Não há receitas mágicas, feitas à medida. Sobra-nos em capacidade
individual o que nos falta em racionalismo organizacional. O Processo de
Bolonha, imposto embora de modo precipitado e canhoto, pode ainda ser
uma boa oportunidade para regenerar o sistema educativo português.
Finalmente, gostaria de estender esta pequena reflexão ao exterior; e,
nomeadamente: 1) aos responsáveis pelos programas e métodos do ensino
secundário, que dão entrada nas nossas Universidades; 2) aos legisladores, responsáveis pelos processos de avaliação nacional e de acesso ao
ensino superior. A nós cabe-nos chamar a atenção para a importância da
aprendizagem da filosofia no ensino secundário em Portugal, mas é àqueles agentes de mudança que mais cabe prestar contas perante as gerações
que nos sucedem.
S A B E R PENSAR
José Manuel Pereira de Almeida
Instituto Português de Oncologia
1.
2.
3.
4.
5.
Como estudante de Medicina
Na minha especialidade
Um projecto inovador de educação médica
Que medicina amanhã?
Saber pensar
Como estudante de Medicina recordo o Prof. Miller Guerra que nos
oferecia um dos raros lugares em que se pensava a Medicina. Ao menos
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sob o ponto de vista institucional: na cadeira de História da Medicina e na
de Deontologia, Quando lá passei, eram obviamente facultativas...
Mas não me posso queixar porque, naqueles anos de efervescência,
no início da década de 70 (de 1970 a 76), tivemos ocasiões únicas e irrepetíveis. Recordo, no 3.° ano, antes do 25 de Abril (em 73), os debates
com o Prof. Jorge Horta, de Anatomia Patológica, disciplina que depois
vim a escolher para mim, e as conversas com o Prof. Thomé Villar já em
76, no meu 6.° ano. Mas era porque sim, por serem eles quem eram; não
por causa do curriculum que, ao tempo, não contemplava nenhuma cadeira da área das humanidades.
Na Faculdade aprendi já alguma coisa sobre a dor, mas o sofrimento
era matéria de saber extra-curricular.
Na minha especialidade, Anatomia Patológica, cedo aprendi que,
encontrando-se ela na vertente do diagnóstico, não poderia ser praticada
sem a necessária interdisciplinaridade, conceito que não se compadece
com a simples justaposição, lado a lado, das diferentes disciplinas.
E mais: que além das imagens observadas nas preparações histológicas ou citológicas, era determinante o olho do observador. Ou melhor, o
que estava atrás do olho do patologista: a sua cabeça e a sua experiência.
E também a capacidade de dialogar com outros, de mostrar as lâminas
problemáticas, de discutir os casos difíceis. De poder dizer "não sei"
quando não sabe. E de ir estudar. Leitura, hermenêutica, comunicação.
Por causa da terapêutica. Por causa do doente.
Um projecto inovador de educação médica foi apresentado em Portugal pelo Conselho de Ministros, através da Resolução n.° 140/98, que
autorizou a criação, na Universidade da Beira Interior (como em relação à
Universidade do Minho), de uma Faculdade de Ciências da Saúde.
De acordo com o estabelecido no ponto 1.3 da Resolução do Conselho de Ministros, foi previsto, entre outras alíneas, que ela possa desenvolver «modelos inovadores de formação, pautados por padrões científicos, pedagógicos e assistenciais de elevada qualidade e que satisfaçam os
requisitos adoptados pelas instâncias nacionais, comunitárias e internacionais relevantes» (alínea b) e promova a «investigação científica de
elevada qualidade, em especial nas áreas biomédicas, clínicas, epidemiológicas e de promoção de saúde» (alínea c), adoptando uma organização
interna inovadora e eficaz para servir os objectivos deste tipo de ensino»
(alínea d) e «um modelo organizacional inovador na articulação com as
unidades de prestação de cuidados de saúde» da região (alínea e).
Vários médicos do IPO de Lisboa foram envolvidos neste projecto.
O modelo pedagógico «caracteriza-se por:
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Cf.
http://www.fcsaude.ubi.piymodules.php?name=Content&pa=showpage&pid=42.
Mas são meus os sublinhados.
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• Organização em módulos com integração de conteúdos.
• Definição de objectivos em grandes áreas de ensino-aprendizagem,
introduzindo, paulatinamente ao longo do curso, a aprendizagem
por problemas.
• Reforço do carácter humanístico do projecto e orientação para a
comunidade.
• Modelo pedagógico baseado na auto-aprendizagem.
• Metodologia centrada no estudante, em que a participação activa
do aluno no processo de aprendizagem leva a um maior desenvolvimento das suas capacidades de raciocínio, auto-aprendizagem e
auto-avaliação.
• Aprendizagem baseada na prática, proporcionando a aquisição das
competências clínicas e sociais próprias do exercício da profissão
de médico.
• Aprendizagem multidisciplinar, com integração das ciências básicas com as clínicas, evitando o ensino repetitivo e isolado, e utilizando de modo preferencial a aprendizagem por problemas.
• Aprendizagem em pequenos grupos, permitindo uma atenção personalizada e contínua ao longo de todo o processo de formação».
Na Covilhã encontrei duas pessoas que não posso deixar de nomear:
a Prof. Montserrat Fonseca de neurociências, de Bilbao, e o Prof. Júlio
Fermoso, neurologista, de Salamanca, antigo Reitor daquela Universidade.
Há seis anos, com eles, tudo parecia possível: o Gabinete de Educação Médica, a formação dos docentes, a aprendizagem centrada no aluno,
as tutorias, o uso da intranet, os debates, as trocas de ideias
Imaginando, é possível, dizia o Prof. Yunnos, Prémio Nobel da Paz,
na sua conferência no grande auditório da Gulbenkian, a 22 de Março de
2007. Se não imaginamos, nada é possível.
Desde o ano passado, alguma coisa há-de ter ocorrido para que, por
exemplo, o tempo destinado à Bioética Clínica, no sexto ano, tenha sido
atribuído - ou assim me parece, pelo menos, e peço desculpa por eventuais incorrecções - ao estudo, também ele importante, de matérias na
área de gestão. Se assim for, é sintomático.
São mais importantes os custos, os dinheiros, o financiamento, os gastos... E o pensar? Sim, em "engenharias financeiras". E depois admiramo-nos de que conceitos que não vêm da clínica invadam e comandem as
decisões hospitalares... Onde estará a hospitalidade que lhe está na raiz?
a
Que medicina a m a n h ã ? Era título do livro de homenagem a Jean
Bernard, sob o olhar de Paul Valéry, publicado há quase dez anos.
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AA. VV., Quelle médecine demain?'.Tolouse 1998, Editions Privat.
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Leio-vos de um capítulo: «Uma nova reflexão se impõe. E, como
sempre, quando nos aventuramos numa terra desconhecida, as referências
antigas permanecem com a sua pertinência. Quem deixaria a bússola
quando atravessa uma zona de bruma? (...) Não é sua função [da Medicina] refazer o mundo. A Medicina sofreu demasiado e durante muito tempo o efeito dos dogmas para amanhã se autorizar a promulgar uns seus.
Não é sua função tornar-se auxiliar cego de um Estado que dela exigiria
um modelo de humanidade conforme [à sua vontade] (...). Não é sua
função responder a todas as solicitações que a fariam executar tarefas
diferentes» das que se enquadram no curar e no cuidar. «A sua missão
permanece (...); nas imensas mudanças técnicas e científicas, alguma
coisa não muda, ou mais exactamente, alguém: o doente» .
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Saber pensar é, pois, necessário. Urgente. Na linguagem do Gato
Fedorento (que, claramente, não se adequa a este fórum; as minhas desculpas!), "saber pensar, parecendo que não, facilita".
E no IPO de Lisboa, a partir da inquietação de colegas como Manuel
Silvério Marques e Jorge Melo foi possível, com alguns dos presentes,
fundar um Gabinete de Filosofia da Medicina. Exactamente para sermos
ajudados, na reflexão da nossa prática, a pensar a Medicina.
ENSINAR/APRENDER FIOSOFIA
O olhar de Évora no Secundário
Celestino Froes David
Professor do Ensino Secundário
As características próprias da disciplina de Filosofia no ensino
secundário e as condições actuais em que se desenvolve o ensino da Filosofia nas escolas não só não são favoráveis como se têm degradado acentuadamente, devido a constrangimentos que afectam os professores em
geral, como todos reconhecem. Trata-se de problemas que afectam a
autoridade do professor na sala de aula, na sua relação com os alunos, na
avaliação, no quotidiano da actividade docente que transformam os pro2 4
ID, 233-235.

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